Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIN-E
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríarñ)
APRESErsrTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
4
ERGUNTE e
esponderemos AGOSTO
1957
ÍNDICE
I.
QUESTOES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS
Páginas 1)
"Dcsejava
uní
transformismo. 2)
esclarccimento
Até
3)
sobre
ponto
pode
a
doutrina
ser
do
admitida?"
3
"Como encarar, do ponfo de vista religioso e moral, a prá'.ica moderna da inseminaqao artificial ?"
6
II.
que
QUESTOES DOGMÁTICAS
"Confesso os ineus pecados diretamente a Deus.
Nao
preciso de intermediario para ser absolvido !" 4)
"A
Igreja Católica nao
lera
alterado
os
10
mandamentos
da Lci de Dcus consit/nados cm ñxodo 20, 1-1.7? Pare
ce ter omitido o segundo e dividido o décimo"
15 ■**■*"
5)
"Como se justificam as imagens ñas ¡grejas, apesar da protbicao enunciada em £xodo 20, 4-5f" ■ ■ ■ ■
6)
"Sabia o
18
demonio, antes da Paixao e Morte de Jesús
Cristo, que Ele era Deus? Em caso negativo, atualmente
sabe que Jesús é Deus?" ..'.
III. 7)
••
22
QUESTAO JURÍDICA
"Porque é que os padres nao se casam?"
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA
_ 2 —
24
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" HA - figóslo de 1957 I. QUESTÓES FILOSÓFICO- RELIGIOSAS
DRUMOND (Petrópolis, R. J.):
1) "Désejava um esciarecimento sobre a doutrina do trans-,
foimismo. Até que ponto pode ser admitida?"
O transformismo, sistema que explica a origemdas espe cies e, em particular, do homem por efeito de evoluc.áo da ma teria, comesou a ser propagado com grande voga no século passado. Enccntrou entáo seria resistencia por parte dos círculos católicos, resistencia devida a duas razóes principáis: a) parecía contradizer á Sagrada Escritura. Em virtude de interprttacáo muito literal do texto de Génesis 1-3, julgava-se que ensinava a cria<jáo do mundo em seis dias de 24 horas, aparecendo desde o inicio cada, criatura no seu tipo definitivo; b) os fautores do evolucionismo, juntamente com suas doutrinas biológicas, ensinavam ou sugeriam urna filosofía materia lista, negando ou silenciando indevidamente a Causa Primeira, Deus. Essa tendencia materialista invadiu de modo geral todos os setores do saber no século 19: sociología (marxismo), psicolo gía (freudismo), historia da civilizado (o homem "pré-lógico" de Lévy-Bruhl), a etnología (pretensos povos sem religiáo), etc. Em conseqüéncia, pareciam indissclüvelmente unidos, de um lado, o evolucionismo (darvinismo) e o espirito anti-religioso; do outro lado, o fixismo e a crenqa em Deüs.
Contudo no inicio do século 20 foram^se desfazendo as apre-
ensóes dos católicos:
a) novas descobertas de paleontología e arqueología no Oriente (Palestina, Mesopotámia) e no Egito pcssibilitaram um
conhecimento mais adequado da mentalidade e dos modos de
expressáo dos povos antigos; os exegetas perceberam entáo o sentido figurado de muitos dizeres da Biblia que haviam sido
até entáo entendidos ao pé da letra. Verificaram, com mais cla
reza do que antes, que a Escritura nada quer ensinar no terreno
das ciencias naturais, mas apenas se serve da linguagem dos anti_ 3 —
gos semitas (o Espirito Santo nao cxtinguia o cabedal de cultura humana dos hagiógrafos) para exprimir o significado religioso que o mundo e o homem tém. Estava assim removida a idéia de que a Sagrada Escritura incule o fixismo biológico e, por isto, se opóe ao evolucionismo;
b) urna reflexáo serena evidenciou outrossim que o trans
formismo é perfeitamente separável do materialismo e conciliável com a crenca em Deus Criador do mundo e Providente.
Diante disto, a Igreja (mormente na encíclica "Humani generis" de 1950) definiu a posicáo católica frente ao problema da origem do homem nos seguintes termos:
Distinga-se entre corpo e alma. a) O corpo do primeiro homem pode muito bem tsr pro-
vindo da materia animada (antropoide, macaco). Cabe á cien
cia decidir a questáo de acordó com o resultado das suas inves-
tigacóes paleontológicas, biológicas, etc. Váo seria em nome da reiigiáo afirmar que o hom:m fci certamente criado do barro,
pois o barre de q;:? fala Gen 2,7, é condicionado pela imagem do oleiro que a Biblia emprega para designar a Deus, consoante
um preceder literario muito usual na antigüidade: o oleiro. artí fice que costuma dominar com admirável habilidade a materia,
era feralmente tido entre os orientáis como símbolo da Divindade sabia e poderosa, da qu?.l o homem depende. A fé, neste cam
po de estudos, apenas ensina que Deus é o Autor da materia,
tendo-a tirado do nada; pode, porém, té-la produzido em esta
do caótico, dando-lhe as leis de sua evolucáo e regendo éste desenvolvimento até que tenha atingido o grau de complexidade característico do organismo humano. b) Quanto á alma racional, principio espiritual de vida, é impossível que provenha da materia em evolucáo, pois o es
pirito transcende a potencialidade da materia; nao pode estar virtualmente contido nesta, pois é capaz de conceber noyóes abs traías, imateriais (por exemplo, o que é que faz que Pedro, Pau
lo e Maria, embora impressionem diversamente 03 sentidos do observador, se.iam igualmente seres humanos); o espirito chega a apreender o Infinito, ao passo que o corpo, por seus sentidos, £Ó atinge o finito e dimensional (veja "Pergunte e Responderemos" n.° 3/1957, qu. ]). — Por conseguinte, supesto o processo evo
lutivo da materia, dir-se-á que, quando o corpo do antropoide atinjjiu as condicóes de complexidade necessárias para ser sede da vida intelectiva ou humana, Deus criou e lhe infundiu urna alma espiritual. Note-se, porém, que a infusáo da alma humana nao é fenómeno que deixe vestigios nos estrados geológicos; as — 4 —
cisncias empíricas, portanto, nunca poderáo nem ccrrprovar nem refutar esta doutrina da sá filosofía e da Revelagáo crista. . c) Quanto á primeira mulher, nao é, segundo a fé, neces-« sário que tenha tido origem diferente da do varáo; pode-se muito bem admitir para os corpos do primeiro hcmem e da primeira mulher o mesmo prccesso evolutivo. A formagáo de Eva a partir de urna costela de Adác, descrita em Gen 2,21s, pode ser inter pretada em sentido meramente metafórico. O autor sagrado teria usado de tal figura para inculcar que a mulher possui a mesma natureza e dignidade que seu marido; "ser carne da carne e ossó
des ossos de alguém" (cf. Gen 2,23) significava á guisa de pro verbio, entre os orientáis, "ser íntimo amigo ou párente" (cf.
Gen 29,14; 37,27; Jz 9,2s; 2 Sam 5,1; 1 Crón 11,1). Ora justamente
Adáo aplicou esta expressáo a Eva depois de ter verificado que
nenhum animal bruto era condigno déle; para preparar e corro borar a afirmacáo de Adáo, o autor sagrado pode ter descrito a formagáo de Eva a partir da carne e dos ossos do varáo, sem en-« tender atribuir sentido literal ao episodio. Em tal caso, concluir-se-ia do texto bíblico apenas que a mulher nao é instrumento servil do homem, mas reflete também ela a imagem e semelhanc,a do Criador.
d) O género humano de que nos fala a historia, é proce dente de um só casal — Adáo e Eva. A fé prefessa assim o monogenismo, rejeitando a hipótese poligenista (muitos casáis a dar origem á atual estirpe humana). Esta posic.áo é decorrente da doutrina do pecado original: todo hcmem nasce cem a nature za tendente para o mal, porque herda as conseqüéncias de urna culpa cometida pelo primeiro pai; já que a congénita desordem moral é comum a todos 03 homens, todos sao igualmente íilhos
de Adáo. O dogma da Redengao corrobora esta doutrina: Sao
Peulo (Rom 5,18s; 1 Cor 15, 21s.45) fala de dois homens responsáveis pela historia universal, Adáo e Cristo, sendo o primeiro o introdutor da morte no mundo, o segundo o Principio da ressurreicao; ora, assim como Cristo foi um individuo, Adao, que lhe
faz frente, deve ter sido também um individuo, nao urna coletividade. A ciencia nao contradiz ao monogenismo. Ela ensina que toda "especie, seja animal, seja vegetal, possui um "bérgo" donde se espalha pela térra inteira, em vez de se originar simultánea mente em diversas partes do globo. A fé acrescenta a esta cen^ clusáo que no "bérgo" comum da humanidade só um ca?al foi elevado ao estado sobrenatural, paradisíaco, e viveu o drama do pecado de Adáo e Eva; pode ter havido outros casáis de autén ticos homens ao lado déste; contudo nao entraram na catástrofe .. 5
.
do paraíso terrestre; extinguiram-se (caso tenham existido) sem se mesclar com o género humano hoje existente.
A Biblia, de resto, nao indica quando viveu Adáo; nao se lhe atribua urna cronología de 4000 ou 6000 anos, pois as cifras apresentadas em Gen 1-11 tém o significado meramente conven
cional e simbólico que elas tinham na historiografía dos Pa
triarcas de qualquer dos povos antigos (cf. "P.R." 17/1959, qu. 5).
A existencia das ragas humanas nao é argumento contra rio ao monogenismo. Basta observar o seguinte: se o cao, ó lobo e a raposa, que nao sao susceptíveis de cópula entre si, provém de um só tipo vívente, ponto de partida comum, como ensinam os zoólogos, porque nao poderiam cinco ou mais ra§as humanas perfeitamente fecundas entre si provir de um casal originario? As diferencas raciais se explicam pela ac.áo de fatores diversos, que lentamente agiram sobre o tipo humano: adaptac.áo ao ambiente de vida, mutacionismo (ou seja, mudancas bruscas e imprevisíveis no genotipo, que acarretam modificagóes estáveis na configuracáo somática e psíquica dos descendentes), regressáo ou de generescencia etc.; em particular, observe-se que as mutagóes se efetuam geralmente em "individuos raros", ou seja, em um ou poucos casáis da mesma geracáo (cf. "P.R." 7/1957, qu. 2).
Em conclusño: a fé católica nada tem a opor a qualquer das teorías evolucionistas que salvaguarde os dois seguintes pontos: a) a materia primitiva foi produzida do nada e por D^us dota da das suas leis de evolucáo; b) o espirito ou a alma do homem nao se origina por evolucáo, mas é diretamente criado pelo Soberano Senhor.
Veja E. Bettenccurt, Ciencia e Fé na historia dos primor dios, 3.a edicáo 1957, Editora AGIR, Rio de Janeiro. — P. Leonardi, Origem dos seres vivos, em "Heresias do nosso tempo", por um grupo de filósofos e cientistas italianos. HAROLDO (Rio de Janeiro):
2) "Como encarar, do ponto de vista religioso e moral, a prática moderna da imeminacao artificial?" f
Antes do mais, coloquemos o problema dentro do seu quadro histórico.
Em 1780 o Professor da Universidade de Pavia, Pe. Spallanzani, retirou de um cao algo do respectivo esperma e o injetou na vagina de urna cadela; esta, sessenta e dois dias mais tar de, dava á luz tres caezinhos de todo normáis. Estava assim rea_ 6 —
lizada a primeira inseminacáo artificial, com grande surprésa para uns, com notável escándalo para outros. Entusiasmado pela
experiencia, o naturalista de Genebra, Carlos Bonnet, sem de mora escreveu a Spallanzani para lhe dizer que a descoberta po-deria um dia ter «plicagóes importantes na propagacáo da espe cie humana. Com efeito, em 1799 (ano da morte do pientista ita liano), o cirurgiáo inglés Hunter, tratando pelo mesmo método üma de suas clientes, tornou-a fecunda. Quase ceñí anos se deveriam seguir durante os quais se
guardou silencio sobre a prática da inseminacáo artificial. Em 1887, porém, o veterinario Repiquet lembrou-se de a utilizar para obter melhores ragas de animáis domésticos; seus trabalhos encontráram continuadores, que tornaram muito comum e explora da a fecundacáo artificial de animáis; na Rússia, por exemplo, sob o impulso dos estudos de Cl. Ivanov, obtiveram-se por tal via 150 milhóes de cabecas de gado selecionado. Os sucessos alcanzados com os irracionais chamaram a atencáo dos médicos, desejosos de promover a eugenia e combater es inconvenientes da esterilidáde na familia humana, principalmente nos Estados
Unidos da América. Em 1941 os médicos americanos Kerner e
Seymour, pioneiros da nova prática, comunicaram ao mundo os resultados das experiencias que haviam feito em 9580 casos hu manos: haviam obtido 9489 partos felizes; os seus métodos, po rém, muito famosos e aceitos na América, sómente com reserva foram acolhidos na Europa.
A inseminacáo artificial, difundindo-se, nao podia deixar de suscitar numerosos casos de consciéncia, de perplexidade mo ral. Foi o que induziu o Santo Padre Pió XII a pronunciar-se so bre o assunto numa alocugáo dirigida em 29 de Setembro de 1940 ao IV Congresso Internacional des Médicos Católicos. A palavra do Sumo Pontífice representa a mente da Igreja a respeito do problema: "Nao podemos deixar passar esta ocasiáo de indicar breve
mente em suas grandes linhas o juízo moral que se impóe nesta materia. 1) A prática da fecundacáo artificial, urna vez que se trate do homem, nao pode ser considerada nem exclusivamente, nem
. mesmo principalmente, do pente de vista biológico e médico, deixando-se de lado o da Moral e do Direito. 2) A fecundagáo artificial fora do matrimonio é condenada pura e simplesmente como imoral. De fato, segundo a lei natu ral e a lei divina positiva, a procriacáo de nova vida nao pode ser fruto ¿enáo do matrimonio. Só o casamento salvaguarda a digni_ 7 _
dade dos espesos (principalmente da mulher no caso presente), dignidade que constituí um dir.eito pessoal. De si, só o matrimo nio prové so bem e á educagáo da crianga. Por conseguinte, di
vergencia alguma de opiniáo é possível entre católicos sobre a
condenacá^ de urna fecundacáo artificial fora da uniáo conjugal. O filho concebido nessas condigóes será, pelo fato mesmo, ile gítimo.
3) A fecundagáo artificial dentro do matrimonio, mas produzida pelo elemento ativo de um terceiro, é igualmente imoral e, como tal. deve ser reprovada sem apelo. Só os esposos possucm direito recíproco sobre os corpos em vista da precriacáo de urna
vida nova, direito exclusivo, incedível, inalienável. É isso deve
ser assjm, também em consideragáo da crianga. A quem quer que
dé a vida a um ser, impóe a natureza, exatamente em virtude désse l&co. o encargo da sua conservac,áo e educagáo. Ora entre o esposo legítimo e a crianca, fruto do elemento ativo de urn terceiro (aínda que com o consentimento do esposo), nao existe la<;o algum de origem, lago algum moral e jurídico de procriacáo conjugal.
4)
Quanto á liceidade da fecundacáo artificial no casamen
to, basta-nos por ora lembrar os seguintes principios de Direito
natural: o limpies fato de ser atingido por essa vía o resultado que se visa, nao justifica o emprégo do meio em si mesmo; nem o desejo, per si muito legítimo, dos pais de ter filhos é suficiente para provar a legitimidade do recurso á fecundagáo artificial, que realizaría ésse desejo. .^ .., Seria falso pensar que a possibilidade de recorrer a ésse meio tornaría válido o matrimonio entve pessoas ineptas a contraí-lo em virtude do impedimento de impotencia (para gerar). Por outra parte, é supérfluo observar que o elemento etivo jamáis pode ser conseguido licitamente por atos contrarios á na tureza.
v
Aínda que nao se possam excluir de antemáo novos méto dos (ensinados pela ciencia moderna) só pelo fato de serem no vos, contudo, no que teca á fecundagáo artificial, nao só se deve usar de extrema reserva, mas é necessário absolutamente reprová-la. Assim falando, nao se rejeita necessáriamente o emprégo de meios artificiáis destinados únicamente a facilitar o ato na tural cu a fazer que o ato natural normalmente realizado atinja a sua finalidade.
Que ninguém o esquega: só a procrJagáo de urna vida nova segundo a vontade e o plano do Criador traz consigo, num grau espléndido de perfeigáo, a consecugao dos fins a realizar. Essa — 8 —
vontade é, ao mesmo tempo, conforme a natureza corporal e espiritual, á dignidade dos esposos, ao desenvolvimento normal e feliz da crianga" (Acta Apostolicae Sedis XXXXI [1949] 559s).
E' muito claro o pensamento do Santo Padre. As seguintes consideragóes poderáo ajudar a focalizá-lo devidamente. A fungáo generativa do homem difere intrínsecamente da
do irracional. Éste, animado como é por um principio vital ma terial, nao transcende a materia nem as leis físico-químicas e biológicas que a regem (cf. "Pergunte e Responderemos" n.° 3/1957, qu. 1). Por conseguinte, no tocante á multiplieagáo da especie, pode ser tratado exclusivamente á luz des criterios dé seíegáo ou aperfeicoamento das ragas, rendimento económico, cerrecáo da esterilidade, etc. A fecundagáo artificial dos irracionais vem a ser urna das atuecóes do dominio que Deus confiou ao homem sobre as criaturas inferiores; pode considerar-se urna
das auténticas conquistas da ciencia moderna. Diverso, porém, é o caso do homem: éste, dotado de alma espiritual, está situa
do num plano superior; o funcionamento do seu organismo par-^
ticipa da dignidade do espirito que o anima. Ora todo espirito é
dotado de inteligencia e amor, que lhe dáo a sua personalidade. Donde se segué que o próprio processo biológico da geracáo, no
hemem, obedece as exigencias da inteligencia e do amor. Nao será lícito, portanto, tratar o esperma do homem á semelhanca de um produto de laboratorio, transponível de um tubo de ensaio para outro a fim de producir melhor rendimento. O amor huma no tende a se entregar a um consorte determinado e único, e sómente na uniáo com éste é que, por lei d?. natureza, se loma permitido ao individuo procurar o complemento da sua persona lidade; a intervencáo de um terceiro na geracáo da prole vem a ser derrogagáo acs direitos da afetividade característica do homem; equivale so menosprézo cu ao cancelamento da perso nalidade, o que em última análise significa oposigáo ao Autor da natureza cu a Deus.
Além disto, a fungáo de gerar é, no homem, inseparável da de educar, formar até o fim a personalidade gerada. Ora esta outra tarefa é totalmente burlada no caso em que um terceiro sirva apenas de doador de esperma, desaparecendo. depois de preencher o papel de "fornecedor". Os mentores da inseminagáo artificial tém feito o possível para acentuar" o papel mera mente biológico, impessoal do doador: querem que ignore a identidade do casal ao qual fornece o "material"; nos Estados Uni dos tem-se exigido que assine urna fórmula de consentimento, a
fim de que nao se possa quéixar de abusos no tratamento de sé-, — 9 —
}
men. Ademáis acontece que cada extracto de esperma pode, ser vir a numerosas inseminacóes, sendo que um só doador tem for-
necido a materia para vinte mil fecundadles por ano...! Torna-¡áe assim obvio o perigo de se multiplicarem, principalmente na» Eociedades padronizadas, os filhos de pai desconhecido, expostos a contrair uns com os outros matrimonios ilícitos e desastrosos (matrimonios entre irmáos, filhos ao menos do mesmo genitor).
Está claro que a prole que nasga de fecundagáo artificial é, em consciéncia e acs olhos de Deus, ilegítima, embora parante a sociedade se aprésente como pai o esposo da genitora; nao é o consentimento dado por éste á intervengáo de um terceiro que o torna pai legítimo.
Per último, deve-se frisar que a condenagáo da inseminacáo
artificial nao recaí sobre os métodos que visam apenas favore cer e reforcar o processo natural de fecundacáo, sem o desviar nem mutilar. Bibliografía:
Cahiers Laennec, II 1946: L'insémination artificien». Biot, Offensives contre la personne. Ed. Spes. Caries, La fécondation. Presses universitaires de France. Heresias do nosso tempo, por um grupo de filósofos e cientistas italianos. Porto 1956, 229-32. II. QUESTOES DOGMÁTICAS
A. C. (Rio de Janeiro):
3)
"Confesso os meus pecados diretamente a Deiu. 'Nao
picciso de intermediario para ser absolvido!"
Esta proposigáo é aparentemente ditada pelo bom senso. Mas... refutamos um pouco.
Nenhum cristao negará que o pecado é desobediencia do
hemem a Deus, derrogacáo aos direitos do Soberano Senhor.
Dcus poderia nao perdoar, pois a criatura nao tem títulos próprios que ela possa fazer valer diante do Criador. Se, nao obstan te, o Senhoi quer indulgenciar, Ele pode muit'o bém ter-se reser vado o direito de indicar ao homem a via pela qual se há de re-conciliar. i Foi o que de fato se deu. Jesús no Evangelho ensinou-nos, de um lado, que nao há pecado irremissível, mas, de outro lado, que o ministerio da remissáo foi confiado aos sacerdotes. Com efeito, o Senhor, antes da Paixáo, prometeu a Pedro
(Mt 16,19) e a todos os Apostólos (Mt 18,18) o poder de ligar — 10 —
e desligar válidamente na térra e no céu. Mais tarde, no dia mesmo da ressurreigáo, entregou-lhes esta faculdade, quando, aparecendo aos onze discípulos, lhes disse:
"Assim com o Pai me enviou, eu também vos envió". A seguir, soprando sobre éles, continuou:
"Eecebei o Espirito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, seráo perdoados; aqueles a quem os detiverdes (nao perdoardes), seráo detidos" (Jo 20,22s).
As expressóes "ligar" e "desligar" eram assaz comuns na linguagem dos rabinos: "ligar" significava "usar de rigor"; "des ligar" equivalía a "usar de brandura". Na casuística judaica, dizia-se comumente: "Neste ponto, Rabí Chamai liga. Rabi Hillel
desliga"; o que significava: "Chamai proibe, Hillel permite". Nos termos ácima, portante, Jesús fez dos seus Apóstelos os
arbitros das consciéncias, habiltando-os a proferir sentenyas de absolvic,áo ou censura que seriam confirmadas no céu. Ora quem constituí um arbitro nao pode deixar de Ihe outorgar os meios necessários para que exerga equitativamente a arbitragem. Entre ésses meios, está o conhecimento exato do assunto a julgar, da culpabilidade, das disposigóes do réu. Já que estes elementos pertencem ao foro da consciéncia e nao se mani-
festam senáo por confissáo, segue-se que Jesús, com o poder das chaves, entregou aos seus ministros a incumbencia de ouvir a oonfissáo sacramental dos pecadores; gómente depois desta acham-se habilitados a absolver ou repreender em nome de Deus.
A prática dos cristáos desde o inicio da Igreja confirma esta dedugáo: a confissáo aos bispcs e sacerdotes é largamente atesta da pelos documentos da ahtiga literatura crista.
Pergunta-se, porém: porque será que Jesús quis que a remissáo dos pecados se fizesse mediante os ministros da Igreja?
— Lembremo-nos de que o pecado nao é um ato que atinja
Deus e o pecador apenas; tem profundas conseqüéncias espiri-
tuais (as vézes também temporais e concretas) para os demais homens, pcis Deus nos fez solidarios entre nos tanto nos méri tos como nos deméritos; principalmente os cristáos se acham unidos entre si na chamada "comunháo dos santos". Se, pois, o
pecado redunda em detrimento para a comunidade dos irmáos — 11 —
na fé, que constituem a Igreja, compreetide-se que a remissáo
outorgada por Deus passe pelo ministerio ou pelos ministros da Igreja; sao estes que representam a comunháo dos santos
e o próprio Deus. E', por conseguinte, a éles que o pecador arrependido deve procurar, a fim de professar o mal cometido e esperar a remissáo que Deus se dignará fazer passar por
éles. Eis o motivo por que ñas circunstancias normáis (nao falamos dos casos em que é impossível procurar o sacerdote) nao há perdáo de pecado em caráter meramente particular, mediante oracáo do pecador emitida diretamente ao Senhor. Pretender isto seria desconhecer o plano de Deus, que determinou santificar-nos e consumar-nos em solidariedade mutua, numa comunháo fraterna, num grande Corpo Místico, que é a Igreja.
Do que foi dito se segué que o cristáo nao coníessa oá seus pecados ao sacerdote porque julgue que éste é isento de faltas (tem-nas, como todo individuo humano); nem é da santidade do ministro que ele espera receber absolvicáo. Nao; o sacerdote, ao absolver, nada confere de seu; procede qual mero instrumento a quem o Senhor gratuitamente conferiu o Espirito Santo para descernir o estado de alma do penitente e proferir em nomede discernir o estado de alma do penitente e proferir em nome de mente habilitado pela Igreja, tenha a intengáo de fazer o que Cristo faria, é realmente Cristo quem por ele absolve, indepien-
dentemente das virtudes ou dos defeitos do respectivo ministro. . Estas nocóes também concorrem para evidenciar que a confissáo sacramental nao se pode confundir com psicoterapia reli-i
giosa; verdade é que entre os seus efeitos pode estar o alivio de ánimo do penitente, alivio proporcionado pelo "desabafo" da
consciéncia, pelos preensivo, douto,
conselhos
dados
por
um
confessor
com-
virtuoso, etc. Contudo, mesmo que falte
ao
sacerdote um tino psicológico esmerado (qualidade certamente
preciosa), o seu ministerio é válido e a confissáo do pecador frutuosa, em virtude da absolvicáo sacramental, porque o en contró do penitente com o sacerdote se verifica num plano so
brenatural, em que Deus age ultrapassando as capacidades me ramente humanas do seu ministro. — Por éste motivo, entende-se que confissáo e direcáo espiritual possam ser separadas — 12 —
urna da outra. A direcáo, que consiste em orientar os fiéis no andamento geral de sua vida interior, nao pertence própriamente ao rito do sacramento; por isto a sua eficiencia nao é garantida pelo poder transcendente das chaves, mas depende, em grande parte; das aptidóes naturais, do cabedal de cultura
e principalmente do grau de uniáo com Deus que o diretor possua. Donde se vé que, embora todo sacerdote aprovado pela
-Igreja possa ser confessor, nao qualquer um é apto diretor de
consciéncia; tal há de ser escolhido de acordó com o estado de alma de cada um dos fiéis.
As verdades ácima nos fazem ver também que a atítwie de quem se chega ao sacramento da confissáo, está longe de ser urna atitude de auto-defesa, de reconhecimento "mercadeado"
das próprias faltas. Muito ao contrario, para usufrir em grau máximo do perdáo que lhe é oferecido, o penitente procura identificar-se, tanto quanto possível, com a Justina de Deus;
procura desfazer-se do seu egoísmo e transpor-se para o lado do Senhor Santo, a fim de ver e apontar os seus defeitos como Deus os vé e aponta. E', pois, em espirito de sinceridade que nao
sabe encobrir o mal, mas o denuncia para déle se separar, que o cristáo se acusa no confessionário.
A confissáo de faltas a um representante de Deus, outrora rejeitada por Lutero, tem sido mais e mais valorizada pelos protestantes dos últimos decenios. Haja vista o VII Congresso
Evangélico Alemáo realizado em Francoforte de 8 a 12 de
Agosto de 1956: um dos relatores apresentou eloqüente dissertacáo sobre o valor da confissáo, da qual se pode destacar o seguinte trecho:
"Pertence á esséncia do homem ser responsável. Nos, po-
rém, tendemos a nos desfazer da responsabilidade por expedien tes cómodos. Se confessamos as nossas faltas a um irmáo, en-
táo, e sómente entáo, tcmamo-las a serio, trazemo-las á luz; elas nos custam rubor e vergonha, somos obrigados a reconhecé-las e a reconhecer a nossa responsabilidade. Em tal caso, po-< íém, o pecado deixa de ser agradável, como agradável é a. culpa acariciada e oculta; torna-se amargo. Separamo-nos déle.
— 13 —
'
O pecado, urna vez trazido á luz, perde muito do seu poder
gedutor.
'
(
Nao diga alguém "Pequei" apenas. Nao te queiras entrin-. cheirar atrás de táo generalizadas confissóes como: "Todos nos somos pecadores". Tais sao muito frecuentemente meros subter fugios mediante os quais o homem quer escapar a urna intervengáo punitiva e santificante de Deus. Fala daquilo que come-i teste pessoalmente. Faze, para isto, urna confissáo individual. Esta ajuda o pecador a comegar de novo; a confissáo nao deve concorrer para que o pecado continué a viver no individuo" (Herder-Korrespondenz, Oktober 1956, XI I).
Como se vé, sao apenas razoes psicológicas ou psicoterá-
picas que c orador cita em favor da confissáo; nao considera o seu aspecto sacramental, ou seja, a comunicacáo da graca que se faz independentemente do que o confessor e o penitente possam "sentir ou experimentar". Contudo já esta atitude re
presenta grande novidade, se se considera que é tomada pelo
representante de urna ideología que a principio rejeitou pe rentoriamente a confissáo individual dos pecados. Por ocasiáo do mesmo Congresso de Francoforte, foram praticadas a confissáo auricular e a abertura de consciéncia" em trinta lugares diferentes da cidade, as vézes até altas ho ras da noite. Depois do Congresso, o pastor H. Schieber de
Stuttgart declarou aos seus fiéis que, a partir do dia 23 ds^Se-*. tembro seguinte, na "Paul-Gerhardt Kirche", teriam diaria mente a oportunidade de se confessar entre 7,30 e 8,30 horas, antes do Oficio religioso.
Tais fatos, inspirados pela sinceridade de pessoas que real mente procuram a Deus, indiretamente atestam que a confis
sáo auricular nao é instituigáo de homens prepotentes, mas é praxe espontánea á natureza humana, praxe que, além de con ferir beneficios de ordem psicológica, foi elevada por Jesús Cristo á dignidade de sacramento ou canal pelo qual Deus nos vem ao encontró.
M. A. F. (Caxias):
4)
"A Igreja Católica nao terá alterado os mandamentos — 14 —
!
da Lei de Deus consignados em Éxodo 20, 1-17? Parece ter omi tido o segundo e dividido o décimo". Em vista de toda a clareza possível, coloquemo-nos ante
os olhos o mencionado texto de Éx 20,1-17: 20, 1 "Entáo falou Deus todas estas palavras, dizendo: 2 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da térra do
■
Fpito, da casa da servidáo. 3 Nao terás outros deuses diante de mim.
4 Nao farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhan§a do que há em cima nos céus, nem em baixo na tér ra, nem ñas aguas debaixo da térra.
5 Nao te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zelcso, que visito a maldade dos
país nos filhos até a terceira e quarta geragáo daqueles que me aborrecem.
6 E fago misericordia em milhares, aos que me amam e ¿uardam os meus mandamentos.
7 Nao tomarás o nome do Senhor teu Deus em váo; por que o Senhor nao terá por inocente o que tomar o seu nome em váo.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. 9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. 10 Mas o
sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus;
nao farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua fiiha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem
:■.
o estrangeiro que está dentro das tuas portas;
11 Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a térra, o mar e tudo que neles há, e no sétimo dia descansou; por tante aben§oou o Senhor o dia do sábado e o santificou.
12 Honra o teu pai e a tua máe, para que se prolonguem os teus dias na térra que o Senhor teu Déus te dá. 13-Nao matarás.
14 Nao adulterarás.
,
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.
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15 Nao furtarás.
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16 Nao dirás falso testemunho do teu próximo.
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17 Nao cobigarás a casa do teu próximo. Nao cobijarás á ^
mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem f^
o seu boi .nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu pró ximo". Que dez sejam os mandamentos ácima enunciados, é um íato de que nem judeus nem cristáos jamáis duvidaram, pois a S. Escritura mesma ensina que dez foram os preceitos dados por Deus ao homem; cf. Éx 34,28; Dt 4,13; 10,4. Todavia, como se depreende do texto, a S. Escritura nao
numera os mandamentos ao enunciá-los. Por isto, desde os-antigos
tempos
judeus e cristáos propuseram diversos modos
de os distinguir e numerar.
1) A primeira tentativa escrita de distinguir os dez man* damentos deve-se a Pilón (t ca. 40 d.C), judeu de Alexandria,
i; Flávio José, historiador judaico contemporáneo seu. Conforme
estes autoras, o primeiro mandamento inculca o culto de um só Deus, o monoteísmo,
abrangendo os versos 20,2-3; o segundo
preceito proibe a idolatría (20,4-6); o terceiro manda honrar
o nome de Senhor (20,7); o quarto preceitua a observancia do dia do Senhor (20,8-11); os seis restantes tém por objeto
as relacóes do homem com seu próximo, de tal modo que o nono proibe a mentira (20,16) e o décimo, a cobica da casa, da esposa, dos servos. animáis e demais bens do próximo (20,17). Esta divisáo foi aceita por escritores cristáos antigos, como
Orígenes, Tertuliano, S. Gregorio Nazianzeno, Cassiano. Tam-
bém os luteranos, calvinistas e anglicanos a adotaram.
""*'*" -
2) Tal divisáo, porérn, nao prevaleceu entre os judeus. Os escritos chamados "Targumim", que referem a exegese dos ra
binos, mais autoritativa que a de Filón e fruto de antiqüssimo ensinamento, propóem como primeiro preceito o texto de Éx 20,2: seria o mandamento de prestar culto ao verdadeiro Deus; o segundo preceito proibiria o culto de falsos deuses e de
ídolos (20,3-6); o terceiro mandaría honrar o nome de Deus (20,7) e o décimo proibiria a cobica de qualquer bem alheio (20,17). E' esta a divisáo geralmente aceita pelos judeus até hoje. 3) A terceira divisáo deve-se a Santo Agostinho (t 430), um dos maiores doutores do Cristianismo. Agostinho (Quaest. LXXI in Exod. ed. Migne 34,620s) julgava que os preceitos de prestar culto ao verdadeiro Deus e de nao adorar deuses fal-
sos e ídolo'; nao sao, em verdade, senáo um só mandamento for* mulado positiva e negativamente; por isto estendia o primeiro
mandamento do verso 2 ao verso 6 (de fato, prestar culto ao verdadeiro Deus exclui o culto de outros deuses).
No verso
17. porém, Agostinho via dois preceitos distintos: o nono e o décimo. Já isto lhe parecia insinuado pela repeti§áo da mesma fórmula no v. 17: "Nao cobigarás...". Ora a fórmula enunciada" duas vézes coibe duas paixóes do homem: a paixáo sexual, que cobiga a mulher do próximo, e a paixáo de pcssuir, que cobica oa
outros bens do próximo; por isso Santo Agostinho via nessas duas fórmulas dois mandamentos distintos (o fato de estarem hoje estes dois mandamentos dentro de um só verso nada sig nifica, pois sabemos que a atual divisáo da Biblia em capítulos e versos, longe de ser original, só foi introduzida no século 13 por Estéváo Langton, arcebispo de Cantuária). — A divisáo as-» sim ensinada por S. Agostinho já fóra proposta no séc. 2.° por
Teófilo de Antioquia e, provávelmente, Clemente de Alexandria. Tornou-se comum entre os escritores cristáos da Idade Media.
Ora a Igreja adotou no seu Catecismo, editado no século 16, a divisáo sancionada pela autoridade de S. Agcstinho e dos grandes doutores medievais. Adotou-a, porque dentre as tres-
divisóes que, como vimos, os exegetas haviam proposto, nenhuma er.i de autoridade divina (ensinada pela própria S. Es^ critura); todas as tres se baseavam sobre razóes suficientes,
nao, porero, decisivas; a divisáo de S. Agostinho era a que se apresentava mais lógica, mais plausível. — Fazsndo isto, teria a Igreja alterado a Escritura Sagrada? Deveremos responder que a Igreja a "alterou" tanto quanto os protestantes a "alte-
ram" quando inculcam a sua divisáo. A divisáo dos Protestan tes nao tem mais autoridade do que a de S. Agostinho e do
Catecismo Católico, pois também ela nao é ensinada tal qual pela S. Escritura, nem é a dos rabinos antigos nem a dos jm
deus atuais (doutro lado, quá0 grande autoridade Lutero e os antigos protestantes atribuiam a S. Agostinho!). Em conclusáo: quer se distingam os preceitcs como Filón de Alexandria, quer como os Rabinos, quer como S. Agosti — 17 —
nho, o que deve importar a todos, católicos e protestantes, é que se ponha em prática tudo que o texto sagrado de Éx 20.1-17 pteceitua. Sabemos com certeza que Deus quer que o homem adore o seu Criador e sómente a Éste, nao ccbice nem a mulher do próximo nem os bens alheios. Que ele o faca porque tal é o mandamento primeiro, segundo, nono ou décimo, isto impor ta pouco aos olhos do Senhor; faga-o porque é mandamento di
vino; o Pai do céu já se contenta com isto. — E principalmente que ninguém condene o próximo sem conhecimento de causa!
E' esta a lei da caridade, o primeiro e máximo preceito do Cristianismo.
5)
"Como se justificam as imagens ñas igrejas, apesar da
proibicao enunciada em Éxodo 20, 4-5?" O Senhor vedou aos israelitas a confeccáo de imagens,
tátuas, etc., visto que na antigüidade pré-cristá fácilmente se atribuía a ésses artefatos um caráter religioso; eram conside rados pelos pagaos como símbolos em que a Divindade estava
presente, ou como a Divindade mesma. Dada essa ideologia dos povos vizinhos de Israel, o uso de imagens acarretava pe rigo para a fé monoteísta dos hebreus, que as poderiam ter na mesma conta em que as tinham os idólatras (coisa que de fato se dava quando os israelitas transgrediam o preceito do
Éxodo; cf. 4 Rs 18,4; Ez 8,3-18). Justamente para evitar a cpjw feccáo de imagens, o Senhor nao tomava forma nem figura quando falava a Israel; apenas fazia notar a sua presen§a por meio de raios, trovóes, ventos, etc. Destarte subtraia ao seu
povo qualquer ponto de apóio para fabricar alguma representacáo de Deus; o próprio Javé se dignou revelar o motivo da
proibicáo no texto de Dt 4,15s, paralelo a Éx 20,4s:
"Estai atentos; já que nao vistes forma nenhuma no dia em
que Javé no Horebe vos falou. em meio
ao fogo, nao
prevariquéis • e nao facais imagem esculpida a representar o que quer que seja".
Em resumo, a
proibicáo no Antigo Testamento era con
dicionada: 1) pelo perigo de idolatria que continuamente ameagava Israel; 2) pelo fato, correlativo ao anterior, de que o Se— 18 —
nhor Deus nunca se manifestava com alguma forma ou figura que pudesse ser reproduzida.
'■•'■:* ' j "5"
Nao obstante, em certos casos, tomadas as cautelas contra - | o perigo de idolatría, o Senhor nao sómente permitiu, mas
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até mandou, se confeccionassem imagens sagradas, a fim de- . .<
eievar a piedade de Israel. Foi, por exemplo, o que se deu na . -|
fabricagáo da Arca da Alianga: por ordem explícita de Javé, •'■',;■*
Moisés colocou dois querubins de ouro sobre o Propiciatorio da .Wjj Arca, tendo as asas voltadas para o alto e as faces dirigidas para >-|
a placa sagrada de metal; era pelo Propiciatorio assim configura- y"| do que Javé falava ao sea povo (cf. Éx 25,17-22); em vista
a^
disto, a Biblia costuma dizer que "Javé está assentado sobre
%s
os querubins" (cf. 1 Sam 4,4; 2 Sam 6,2; 4 Rs 19,15; SI 79,2; 98,1). ■'.->!
No Templo construido por Salomáo, diz ainda o texto sagra-
para ficar junto á Arca da Alianga (cf. 3 Rs 6,23-28); e mais:" l^ as paredes do Templo foram todas revestidas de imagens dé;>?f
querubins (cf. 3 Rs 6,29s). Tais obras se fizeram, sem dúvida, ^1
com a ordem ou a aprovacáo do próprio Deus (cf. 1 Crón ^||
22,8-13), que, já no deserto, "comunicara a Beseleel o seu e3-,':;¿|
pírito — espirito de sabedoria, inteligencia e ciencia — pafa-1^ realizar toda especie de obras, para conceber e executar pro-'¿¿3$
jetos de obras em ouro, prata e bronze... assim como para ta- ;¿?j§
Ihar a madeira" (cf. Éx 31,1-5). Vé-se assim com que apreco>;^|í
Deus considerava as esculturas de seu Templo, já mesmo no re-r .4ÜÍ gime do Antigo Testamento. Passaram-se, porém, os séculos... O mesmo Senhor que
mántivera invisível, quis tomar corpo humano e viver na térra;-í|
quis assim dirigir-se aos homens mediante urna figura (a do|f Cristo Jesús) que, sem dúvida, devia ser bem impressionanté.^| Em conséqüéncia, as geragóes cristas compreenderam que,
gundo o método da pedagogía divina, mais do que nunca atuaíj|f¡
lizado na Encarnagáo, deveriam procurar subir ao Invisí
passando pelo visível que Cristo nos apresentou; a meditagao i fases da vida de Jesús e a representagáo artística das mesmas.iS
se tornaram recursos com que o povo fiel procurou aproximar^ -se do Filho de Deus; a reprodugáo em tela ou escultura — 19 —
episodios da historia sagrada ficou sendo o "catecismo dos ile trados", como diziam escritores antigos. E a bom direito; por que nao aproveitar da aprendizagem pelos olhos depois que o próprio Deus se dignou, pela Encarnagáo, oferecer tantas ce
nas á nossa contemplacáo? Nem há que
temer o perigo da
idolatría ou do politeísmo: o mundo cristáo nao costuma ser
tentado por éste erro, como tentado era o povo de Israel. Na base, pci?, destas considerares, os cristáos perceberam
que o preceito de nao fazer imagens no Antigo Testamento tinha
o papej de pedagogo (condutor de crianca, destinado a cessar
um dia a sua funcáo) que a Lei de Moisés tinha em geral junto ao povo de Israel. Foi o que se afirmou solenemente no século 8.°, quando surgiu explícitamente a dúvidá sobre a liceidade de expor imagens nos templos; a tendencia iconoclasta nao prevaleceu.
!
Como se entende, as autoridades eclesiásticas tém exercido controle sobre os tipos de imagens utilizadas no culto cristáo; nunca poderáo ser inspiradas únicamente pelo esteticismo ou pela devecáo popular exuberante, fantasista. Assim é que o
Papa Urbano VIII em 1629 condencu a representado da San-
tíssima Trindade sob a forma de um tronco humano com tres cabecas (monstruosidade!); em 1745 Bento XIV rejeitou a cena de tres pessoas humanas sentadas urna ao lado da outra para
significar ? Trindade Divina. Urna das principáis razóes déS« sas reprovacóes é que o Espirito Santo nunca apareceu sob forma humana; a Igreja quer que a arte crista, para representar as
Pessoas Divinas, só reproduza elementos mediante os quais estas aparecem na historia sagrada ou na Biblia: assim ao Filho será de todo oportuno atribuir figura humana; ao Espirito Santo so convém os símbolos da pomba (tenha-se em vista o batismo do Jesús, em Mt 3,16) ou das línguas de fogo (cf. a
narrativa de Pentecostés, em At 2,3); quanto ao Pai Eterno, é representado por um Dedo ou u'a Mao, sinais de agáo e po
der (ncte-se a expressáo de Jesús em Le 11,20: "Se é pelo Dedo de Deus que expulso os demonios...") ou pelo tipo de um Anciáo, conscante a profecía de Dan 7,9, que vé o Filho do homem adiantando-se em diregáo de venerável e antigo Varáo de cabeleira branca, sentado sobre um trono. — 20 —
Claro está que as imagens nao sao objeto de adoragáo por parte dos católicos. Esta forma de culto (que consiste em reco-
nhecer a soberania absoluta do ser cuitado) convérn a Deus só: nunca poderá ser compartilhada nem com a Virgem Máe de Deus, nem com algum santo, muito menos ainda com figuras inanimadas. Estas sao apenas sinais que, impressionando a nos-»
sa sensibilidade, devem estimular o espirito para aderir mais plenamente ao Bem Invisível que é Deus, ou para se dirigir
a um amigo de Deus já existente na gloria, um Santo. E para que (pergunta-se com particular insistencia) ha-
vemos de elevar o nosso pensamento aos Santos? Certamente nao para os adorar, mas primeiramente para
loiivar e glorificar o Todc-Poderoso por motivo da obra gran diosa que Ele realizou em seus Santos (os Santos sao maní* festacóes do Senhor, que só nos querem encaminhar para o Senhor); em segundo lugar,
para pedir a ésses Santos que,
na qualidade de eleitos de Deus, queiram interceder por nos, que ainda corremos perigo; o Santo nada pode conceder por si mesmo; pode, porém, por suas preces ajudar-nos a obter do único Doador as gracas de que necessitamos. Ainda vém a propósito neste assunto as
Atas do VIII
Congresso Evangélico de Arte Sacra realizado em Karlsruhe (Alemanhs) no ano de 1956. Duas teses bem distintas se defrontaram nos debates:
a) os Reformados (Calvinistas) defendiam a opiniáo, tra dicional entre os Protestantes, de que as imagens sao contra
rias á Escritura Sagrada e acarretam o perigo de idolatría; b) os
Luteranos, porém, replicaram
que o preceito
de
Cristo mandando aos discípulos pregar o Evangelho em todas as línguas, incluí também 0 uso da linguagem figurada do ar tista (pintor ou escultor). Lembravam que a Biblia se serviu de imagens, palavras de sentido metafórico, para exprimir ver dades divinas; Cristo mesmo falou em metáforas variadas, de sorte que
o
pintor
protestante Rembrandt
nao
hesitou em
pintar cenas dos Santos Evangelhos. Acrescentavam os Lutera nos que quem, com Lutero, reconhece na música o veículo apto
da fé e do amor dos cristáos, nao pode deixar de reconhecer — 21 —
também ñas representagóes óticas aptíssimo instrumento para exprimir
a verdade revelada. Porque admitir, de um lado,
as impressóes auditivas na catequese e no culto e, de outro lado, rejeitar as impressóes visuais? Estas parecem ainda mais efi cientes do que aquelas (documentagáo colhida no semana rio "Der christliche Sonntag", Herder, 14 Oktober 1956, 327).
Assim é que a antiga cláusula de Éx 20, 4s dada ao povo de Deus ainda muito rude, vai sendo, entre os próprios Protes tantes, mais e mais interpretada á luz do conjunto da Revela-
qáo, que é toda irradiada pela Encarnacáo do Filho de Deus. JOLIDE (Petrópolis, R. J.): 6)
"Sabia o demonio, antes da PaixSo e da Morte de Jesús
Cristo, que Ele era Deus? No caso negativo, atualmente sabe que Jesús é Deus?"
Antes da Paixáo, logo no limiar da vida pública de Jesús, o demonio O quis tentar por tres vézes, como referem os Evan
gelistas (Mt 4,1-11; Le 4,1-13; Me 1,13). Tal fato é claro indicio di; que o Maligno ignorava ser contendente o próprio Deus. Essa ignorancia manteve-se até o fim da vida pública de Cristo, pois S. Paulo insinúa que, se os demonios tivessem conhecido o
plano misterioso de Deus, "nunca teriam crucificado o •Séhhor da gloria" (1 Cor 2,8). Satanaz, porém, suspeitava que Jesús fósse um varáo extra ordinario, escolhido por Deus para ser Profeta ou talvez mesmo o Messias aguardado — o Messias que, conforme a opiniáo mais
cerrente em Israel, nao seria Deus em sentido próprio, mas
poderia chamar-se "Filho de Deus" por sercriatura muito unida
á Divindade. Foi, portanto, para certificar-se da missáo messiánica (nao própriamente para certificar-se da Divindade) de
Jesús e pó-la á prova que o demonio lhe fez as sugestóes ten tadoras, usando da fórmula: "Se és o Filho de Deus..." (ver Mt 4,36); note-se que a terceira sugestáo, a qual prometia a Jesús a posse de todos os reinos déste mundo (cf. Mt 4,8s), correspondía claramente ao conceito de Messias mais propa— 22 —
lado entre os judeus: Messias político, que libertaria Israel do
'
jugo dos romanos e instauraría a hegemonía internacional de sua nacáo.
Conforme Me 1,24, o demonio confessava que Jesús era o
"Santo de Deus". Éste título, segundo a sua etimología, significava "o homem pósto á parte e consagrado ao servico de
Deus"; embora nao fpsse designacáo habitual do Messias, bem podía significar o Salvador (cf. a confissao de Pedro em Jo 6,69:
"o Santo de Deus"). O demonio teria entao reconhecido em
Jesús o Messias como o concebiam os judeus: criatura emi- 5
nente, nao o próprio Deus Encarnado. Sao Lucas confirma esta conclusáo, quando narra: "Os demonios saíam de muitos / (possessos), clamando e dizendo: "Tu és o Filho de Deus!"; Ele, porém, preceituando-lhes com poder, nao os deixava falar,
"
porque sabiam que era o Cristo (=palavra grega correspon- r
dente ao hebraico "Messias")" (Le 4,41; cf. Me 1,34). O fato de Jeius nao permitir, no inicio da sua vida pública, .: que os maus espíritos O proclamassem "Messias" Se explica em vista da concepcáo errónea que os fariseus nutriam a respeito
do Messias; esperando um rei que sacudisse o dominio estrangeiro, poderiam ter feito de Jesús um chefe de revolucao na*
;
cionalista, fechando-se assim por completo ao genuino sentido
,
do Evangelho. Só aos poucos foi Cristo revelando o significado '
da sua missáo; o pensamento do Senhor ficou bem claro, pois foi precisamente por
se ter declarado Messias num sentido
transcendente que Ele sofreu
a morte
(cf. Me 14,61-64; Mt '
24,63-65; Le 22,67-71).
,.y
Quanto aos tempos atuais, ensinam es teólogos que o demó- ;
nio nao sabe que Jesús é Deus no sentido estrito; nao conhece o I1 misterio do Verbo Encarnado. Contudo percebe e analisa, ainda com mais acuidade do que os homens, os indicios de que a obra
'
de Cristo e a historia da Igreja sao algo de Divino. Coagido pela
;
evidencia, ele reconhece algo do plano de Deus no mundo; éstd
reconhecimento, perém, nada tem de sobrenatural: "os demonios
créem, e estremecem", diz
Sao Tiago
(2,19).
■;
Satanaz tem consciéncia, entre outras coisas, de que a morte
e a glorificacio de Cristo lhe váo progressivamente arreba-r ~ tando as almas; seu dominio vai sendo debelado ñas regióes
— 23 —
. '-
.
e nos povos em que ele cutrora, pela idolatría e os falsos cultos,, / teinava incontestado. Suspeita que seu poder terá fim; por isto," estremece (como diz o Apostólo) e se atira sobre as almas com'.
furor cada vez mais requintado, sabendo que é preciso áprcw'V
veitar toda e qualquer oportunidade (cf. Apc 12,17). Vas, po-.' rém, ficam as suas invectivas contra aqueles que se firmahvno;.
Rochedo que é o Cristo (cf. 1 Cor 10,4); o demonio é como'pv cao acorrentado que ladra, mas só pode morder a quem, por1, ' ñrciativa própria, déle se aproxime (S. Agostinho)!
.
.
'
III. QUESTAO JURÍDICA PEDRO II (Rio de Janeiro):
7)
"Porque é que os padres nao se casam?"
Será oportuno, antes do mais, reconstituir brevemente a histórico da questao.
Na era apostólica, Sao Paulo recomendava que o bispc fós- " se "marido de urna só esposa" (1 Tim 3,3; Tit 1,6). Com isto;
certamente nao quería afirmar que todo bispo tinhá a obrir gacáo de ser casado, pois nesta hipótese contradiria á palavra
do Senhor, que reconhece e preza "aqueles que se castraram
(se conservaram virgens) por causa do reino dos céús" (^lt
19,12); contradiria também a si mesmo, visto que Paulo deslava aos fiéis "fóssem todos como ele mesmo era" (1 Cor 7,7), isto é, ' celibatários, a fim de se entregarem sem divisáo ao servico do Senhor (cf. 1 Cor 7,32-34). Na verdade, o Apostólo quería in culcar que. no século 1.° da nossa era, quando as comunidades cristas constavam de muitos adultos e casados recém-conver-
tidos, nao se escólhesse para c episcopado algum varáo casado
em segundas nupcias (bigamo em sentido lato); estas, com efeito, eram geralmente desaconselhadas (nao, porém, condenadas)
pela antiga Igreja, por parecerem urna expressáo de inconti nencia.
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Houve, pois, nos tempos iniciáis do Cristianismo, bispos, sa
cerdotes e diáconos legítimamente casados; nenhuma lei lhés proibia o uso do matrimonio.
— 24—
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Mais freqüentes, porém, desde os primordios eram os clé rigos que espontáneamente abragavam o celibato. A razáo disto' era o conselho do Senhor que exortava á continencia ("quem .o,pode.entendertentenda"; Mt 19,12); eram também es dizerés dé S. Pauxo, que, sem derrogar á santidade do matrimonio,
afirmava ser a virgindade um estado superior, estado no qual se ao Senhor sem solicitude supérflua (cf. 1 Cor
pode servir 7,32-34).
No século 4.° esta praxe espontánea comegou a ser sanciona da por leis de concilios regionais que visavam assegurar aos
eclesiásticos os beneficios do celibato. Diversas, porém, foram as prescricóeá promulgadas no Oriente e no Ocidente. Nc Oriente a legislagáo chegou ao seu termo definitivo em
692 (Concilio Trulano II ou Quinissexto); foi entáo proibido aos
sacerdotes, diáconos e sübdiáeonos contrair matrimonio após receberem a respectiva ordem sacra; caso, porém um leigo ca-<
sado desejasse ordenar-se, as nupcias anteriormente contraí
das nao lhc seriam empecilho, nem se exigiría que, áeppis de ordenado, deixásse de viver maritalmente com a esposa; apenas
sé lhe pedia que se abstivesse do consorcio conjugal quando estivesse para celebrar as fungóes do altar (que nao eram
cotidianas); ao sacerdote viúvo ficaria vedado casar-se em segundas nupcias. Quanto aos bispos, o Concilio lhes prescrevia continencia absoluta, de sorte que, sé um futuro bispo esti-*
vesse casado, a esposa, depois de sua sagragáo, deveria recolher-se a.um mosteiro distante, ficando o marido obrigado apenas a prover as despesas de sua subsistencia. Sao estas as determinagóes ainda hoje vigentes entre os cristáos orientáis, quer cismáticos (com poucas excegóes), quer unidos a Roma; o Di-?
reito Canónico nao lhes impóe o celibato, que nunca foi obrigatório na tradigáo oriental. Em vista da cláusula um pouco-mais
rigorosa imposta aos bispos, estes no Oriente sao de preferencia ñomeados dentre os monges, que por profissáo abragam a castidade perfeita.
No Ocidente, o primeiro decreto restritivo se deve ao Con cilio de Elvira (Espanha) reunido por volta do ano,de 300: proi^,
bia aos bispos, sacerdotes e diáconos, sob pena de degradagao, ól ,_-25 —
'".., uso do matrimonio e o desejo de ter prole (can. '/términagáo, qué a principio só visava a Espanha, em menos :d , f
um século estava em vigor (as vézes sob forma de con:
!'
rías) em todo o Ocidente. A fórmula definitiva de tal
. '
foi promulgada pelo 1.° Concilio ecuménico do Latrao em 1123:
■'." .;
todos os clérigos, a partir do sudiaconato, foi prescrito, deVjn¡ neira perentoria o celibato; em conseqüéncia, o matrimonió coi traído por um eclesiástico depois da respectiva ordenagáperí
declarado inválido. O Concilio de Trento promulgou de noyí ^, ^
tal lei no século 16, época em que os Imperadores Ferdiñando;I ^.'^
(1556-64)- é Maximiliano II (1564-76) da Alemanha exerciani^¿| ''... pressáo sobre o Papa Pió IV (1559-65) a fim de obterem ó .fca-ív-^ samento dos sacerdotes de seu reinó, ameagados pela rebord r:'-: iuterana. Sucessivas determinagóes da autoridade da Igreja 1
í". corroborado freqüentemente até nossos dias a obrigágap do libato clerical. No inicio do século 20, violenta campanha sé
'
sencadeou contra essa praxe; na Tcheco-Slováquia, pío, varios sacerdotes, reivindicando o direito de sé c¡ ram á lednota, associagáo de tendencias cismáticas, á qual b
• ^ Bento XV resistiu enérgicamente,^ declarando numa á •'.•'consistorial de 16 de dezembro de 1920: "Veneráveis -.,_
•■■; -'o que, varias vézes já afirmamos ocasionalmente, Nos agora ó
;£
do celibato eclesiástico; muito menos ainda a abolirá"-^Acla.
~-
Couchoud, que se dizia historiador das religióes, chegoüa pu--
.-j
; atestamos solene e categóricamente: nunca esta Sé Apostólica >v' atenuará cu mitigará essa lei profundamente santa e salutar- vApostolicae Sedis
r.
XII
[1920]
585). Na Franga, Paul-Louis Sf
blicar um pseudo-decreto de Leáo XIII que abolía a'discipliv ^ na do celibato para o clero da América Latina; o documento,- 7 '*¡ foi formalmente comprovado falso. Maniendo táo rij amenté >,^, • a tradigáo, a Igreja visa proporcionar sos seus ministros absoluta w-
Hberdade para se dedicarem ao próximo e desenvolverem fru-tUOSO apostolado.
'
^i
.;;■.'■■.-;",--;.í;>s.;"¿$4
'■%?...' ' Eis, porém, que muito chamou a atengáó¡pública urna-dis^|?| ^ pensa recém-concedida neste setor por S. .'$antidade or{Papá^!^
. Pió XII. Tratava-se do pastor protestante Rodolf Goether dés^ jS^i cendente do poeta Wolfgang Goethe, que, casado é sem.filhos^VipI
?■':-..- se converteu ao catolicismo na idade de 69 anos. Por coneessáó .;jj£
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■;.; do Santo Padre, o bispo de Mogúncia, aos 22 de Dezembrq_ d¿~§ 1951, o ordenou sacerdote, ficando o mesmo autorizado a viver» em matrimonio ccm sua esposa; o néo-sacerdote nao será t
tinado ao ministerio paroquial, mas ao servigo de chancelaria^
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(pág. 470) lembrava que anteriormente já se haviam verificado^ duas
outra? ordenagóes de pastores protestantes casados
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convertidos, dos quais um, com a idade de 40 anos, éra'pai d«
alguns filhos_Uo.,Seminário-4&'Mogúncia, quando. o Goethe era ordenado, preparava-sé para o presbiterado ou ex-pastor casado.
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Estes fatos representam, sem dúvida, grande novidads \
práxe da Igreja latina, novidade talvez sem precedentes. HaX|< quem, a propósito, aponte o episodio seguinte: numa carta ao reí :^í|
FiHpe ÍI da Espanha (1556-98), datada de 20 de Abril de 1565,' ' o Cardeal Pacheco, Embaixador da Espanha em Roma, refería,
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que seu colega D'Arco, Embaixador de Maximiliano II da Ale4r£||| mañha, lhe afirmara que os legados do Papa Paulo III na Ale-<3>t?|J
L manha, sob o Imperador Carlos V (1519-56), tinham dispen-v ^ ' sado do celibato dezoito sacerdotes. Como se vé, a noticia é com-< !^S
plicada e passou por diversos intermediarios; julga-se bem pro- :; '£fc
vável que o Embaixador D'Arco tenha aludido simplesmente aos ";?¿$
poderes concedidos pelo Papa Paulo III aos seus legados em ¡'^B
1548 para ieconciliarem sacerdotes casados, com a cláusula de se ':'■'$
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os clérigos ocidentais, para que vivam á semelhanga dos orien-» ^ ~f tais; trata-se
de qúestáo meramente disciplinar, nao de lei
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divina nem de dogma. A razáo por que o "Santo Padre assim . :| procedeu no caso do pastor Goethe era exposta nos seguintes . j| termos pelo Superior do Seminario de Mogúncia, Monsenhor . íí Reuss:
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"Nao ha dúvida, antigos pastores protestantes,
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á custa de
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penosos sacrificios convertidos ao catolicismo com sua' familia; ;_|í sao particularmente aptos a servir pela oragao e pelo trabalho a^.%
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psimagna causa da reuniáo de todos os cristaos na única Igreja dé
|i§Jesus. Cristo. Ordenados sacerdotes, éles se tornam colabóradoH|res valiosíssimos na conquista déste grande objetivo da Igreja slüniversal" (texto publicado na revista "Etudes" 227, 6 pág. 255). O motivo da dispensa era, pois, o apostolado. Cóm efeito,
•:§' tém-se delineado na Alemanha protestante de ápós-guerra.uma:;
|pvvolta notável de atencáo para Roma. O fenómeno se explica por.
|£? diversos fatores: a perseguigáo movida pelo nazismo aós cristaos |Jv em geral, 0 deslocamento de popúlacóes que passam a viver ém )¿|. "diáspora", as díficuldades que os luteranos encontrara para se
C*-constituir jurídicamente. Em tal situacáo entende-se que a Igreja Católica lance máo de recursos ndvos para corresponder ásex-í pectátivas dos irmáos separados. Enquanto éste ou outro motivo
líí?V grave o postular, o celibato eclesiástico pederá, ser esporádicas
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|f§C do que as razóes que se -possam apresentar em contrario. O ^| sacerdote tém que viver como homem de Deus, totalmente de-
M%-votado aos interésses das almas.
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:
D. Estéváo Bettencourt — O. S. B.
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