Revista Pergunte E Responderemos - Ano Iv - No. 038 - Fevereiro De 1961

  • Uploaded by: Apostolado Veritatis Splendor
  • 0
  • 0
  • December 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Revista Pergunte E Responderemos - Ano Iv - No. 038 - Fevereiro De 1961 as PDF for free.

More details

  • Words: 17,379
  • Pages: 46
P rojeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTAQÁO

DAEDigÁOON-LINE Diz Sao Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la

pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa

crenca

católica

mediante

aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de

vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e

zelo pastoral assim demonstrados.

ANO

IV

38

ÍNDICE Pág

I.

/-

CIENCIA E RELIGIAO

\K !ñm qwe consiste ° famoso caso da luva de narafina

Uw debatido recentemente em nossa imprensa ?

Pararina,

Será prova de materializagáo dos espiritos ?" II.

<~

DOGMÁTICA

p "Mnitas vézes a pregagao da Patarra de Deus nao surte os efettoH desejavei» ; ao contrario, é ¿olorosamente rejeitada Que

se poderm entao fazer para renová-la e torná-la mais eficaz ?" .. III.

57

SAGRADA ESCRITURA

,™tU)j-l'f™10 s,í,exPlica™ a* paiavras de Jesun aparentemente

ccntradüómas : 'Em verdade vos digo : entre 0.1 que nasceram da mulher, nenhum se levantou maior do que Jo&o Batista ConUido o menor no reino dos cénit é maior do que ele' (Mt 11 11 ;

71

IV.

5)

MORAL

"Diante das circunstancias características da vida mo-

ir1 a

aS S""S leÍS referentes «" hábit°

traje®?1" pensar íZa* aPre9oadas vantagem e desvantagens désse 74

V.

,

HISTORIA DO CRISTIANISMO

SO ."ponto se pode justificar a Inqtiisigáo Espanhola dentro

da historia da Igreja ?

Em particular, a atividade do Inquisidor-Mor Tomaz de Tor-

qaemnila nao constituí flagrante oposigao ao espirito cristdo ?" CORRESPONDENCIA

MIÜOA

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

7$ ss

«PERGUNTE

E RESPONDEREMOS» Ano IV — N« 38 — Fevereiro de 1961

I.

CIENCIA

E

RELIGIAO

FROSS (Rio de Janeiro):

*- Pu ífm que consiste o famoso caso da luva de parafina tao debatido recentemente em nossa inu>rensa?

Será prova de materializacao dos espíritos?»

v.- ,F

Primeiro luSar- apresentaremos esquemáticamente a

historia do mencionado caso. A seguir, examinaremos as sen-

tengas dos estudiosos modernos a respeito de «luvas de para-

SlCfS ifflff" d 1.

ld fenómenos de

O caso recente da «luva de parafina»

1. Urna das teses centráis do espiritismo consiste em afirmar que um espirito «desencarnado» se pode materializar,

isto e, manifestar aos homens sob figura material, assumind¿ entao q aspecto de urna cabeca, um busto, u'a máo, um pé A materia de que se serviría o espirito em tais casos serl

¡mírth,f0rneÍlda pel°. corP° de «m vívente humano chamado

«médium». Éste proletaria de si urna substancia misteriosa

dita «ectoplasmav dotada das mais diversas propriedades e

por conseguinte, capaz de ser utilizada pelos espíritos qué vagueiam pelos ares. A emissáo de tal substancia por parte do

médium e o aproveitamento da mesma por parte de um espirito

sao chamados «ectoplasmia».

quicf GSsSvo°S?ey™en0 é eXP"Cad0 P6l° Célebre aUtor de fiSiCod0m6^!^rfpl! Antes de tud0' é um desdobramento exteriorL « Esta ií2ínDUran3te ? traansei P°rcá0 d0 seuoutras organismo exterlonza-se. porgáo as vézes éUma muito pequeña, vézes

"^Sf i8 m,etaid? d° Pés.° ?° corpo ^ certas experiéS

de Ciawlard). A principio, o ectoplasma apresenta-se k observacáo

sob a aparéncia de uma substancia amorfa, ora sólida, ora vaporosa

™P,°1?> a e"2 geral COm grande rapidez- ° ectoplasma toma forma

organizada; ás suas expensas, véem-se aparecer novas formas, que,

quando o fendmeno é completo, podem ter todas as capacidades — 47 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961.

■pátotS^J fIs,iol^casÍe ***» biológicamente vivos» (citado por Palmes, Metapsiquica e Espiritismo. Petrópolis 1957, pág. 86)7 2. É natural que, crendo na materializagáo dos espirites desencargados, os discípulos de Alian Kardec procuran oom-

provar tais fenómenos colhendo «fotografías» e outros documen tos concretos que os atestem. Ora entre tais documentos assinalam-se «luvas de parafina», que, conforme dizem, devem ter servido de involucro as máos de espiritas materializados. E como teráo servido de involucro? Eis urna das historias de luvas de parafina, clássica no patrimonio doutrinário do espiritismo, historia que muito bem ilustra a maneira como os espiritas explicam o aparedmento

de tais objetos:

/•, oJr^

exPeriéncias com o médium polonés Franck Kiuski

(1874-1944) em Varsóvia nos meses de abril-maio de 1922

9 Dr. Geley colocou junto a éste médium um balde cheio de"

agua quente, sobre a qual se achava flutuante urna carnada

de parafina derretida. Ora o ectoplasma que procedía do corpo de Kiuski, foi utilizado pelos espiritos desencarnados, os quais

ifte deram a forma de máo; a seguir, mergulharam tal máo

na bacía (ouviu-se o borbulhar da agua); feito isto, depositaram sobre os joelhos dos espectadores finas luvas de parafina

Dessas luvas, dizem os espiritas, algumas foram recolhidas e'

guardadas ate hoje, sendo que urna se acha na sede da Federacao Espirita Brasileira do Rio de Janeiro (ver fig. 1) A sua origem, portante, deve-se a «espirites do Além», os quais to

mando ectoplasma do corpo de um médium, com éste configu-

raram ua máo; mergulharam tal máo em parafina líquida- a

seguir, deixaram que esta esfriasse, formando ao redor da «pele» urna carnada de parafina sólida. — Para que a parafina conser-

vasse a forma de luva, era preciso retirar a máo de dentro déla sem quebrar a capa. Ora táo difícil operacáo, dizem, só era possivel a um espirito, o qual «se desmaterializou», deixando

o molde de parafina intato. Qualquer máo de homem vivo teria que passar pelo punho da luva, abertura que, sendo estreita

demais para a palma, haveria sido rompida (note-se que em algumas luvas os dedos se apresentam até entrelacados entre

si). Os moldes assim obtidos trazem características de membros

de adultos (rugas, sulcos); nao apresentam, porém, tamanho

normal, parecendo, antes, ser o produto de redugáo; nenhum' vestigio de quebra néles se pode apontar.

Tais documentos sao tidos como testemunhos irrefragáveis da materializaeáo de espirites. — 48 —

«LUVAS DE PARAFTNA»

u4.1FiarIes RIchet» P°r exemplo, referindo-se á luva de Darafina

obtida por Franck Kluski e Geley, afirma sex iinpossível qul a S

t ^i^0Ttf P™*0™10™ l«va igual, destituida de qualqSer lutoa ou sóida, pois a palma da mao viva jamáis passaria pelo estreito

cana do punho. Em conseqüéncia, Rlchet dedaíava: «DraaíiaS'¡s fundidores e moldadores em gerai, por mais habéis quel

conseguirem tal resultado» (Tratado de Metapsiquica? pág! pg «,fJS80"] M°nta"do"» P°r sua wz, na obra «Formes matérialisées», refere o depoimento de especialistas em moldagem e escultura- énfa-e outros, cita os grandes técnicos italianos Gabrielli e Barrettei qul declararam num extenso relatarlo: n«*rrenm, que «w*ífiz'emos-numer<>sas tentativas para produzir artificialmente, pelos

Srf»?3^ diveJS0SL l«v,as análogas áquelas que nos foram apre-

fSSÍf como esses

?Aa°- C0"01"1"108 Que nos é impossível compreender

como esses moldes moldes de parafina do Dr. Geley foram obtidos. É para

nos um misterio». misterio»

r

. ¿.r .f1™' o Prof. Ismael Gomes Braga, acatado mentor espirita do Rio de Janeiro, asseverava no «Diario Carioca» de 28/Vm/1958: «O espiritismo conhece muito bem ésse fendmeno de material!-

22 «íneniI0SfideÍXa /?xcelentes Pr°vas. como fotografías de mtos pés em parafina... O corpo de doutrina füosófica e religiosa reve-

tejSÓ^Zn0S eSPlritaS é ° qUe de mals eeataVm^t 3.

Ora há poucos anos atrás verificou-se entre proceres

espiritas e nao-espiritas do Brasil um debate em tórno de «luva de parafina», debate que certamente teve grande reper-

cussao no setor das pesquisas de ocultismo.

Transcrevemos abaixo, em termos rigorosamente objeti

vos, o dialogo tal como ele se deu através da imprensa:

«Diario Carioca», de 2WIÜ/1958: «O presidente da FederacSo

Espirita Brasileira (Sr. Wantuil de Freitas) lanca um desafíof rara

VE0 VÍCMCl° faCa Uma materiali::acao: u™ lS taS



«Diario Carioca», de 22/VIH/1958. Responde no dia seguinte o

Dr. Paulo Paixao, Secretario do IrmSo Victricio, observando que a explicagao científica das propaladas materializacñes de esplritos se ]fn^ «Fen6menos sensorials», de autoría da Professdra

Carioca*1 de 23/VIII/1958. Redargüiu o Sr. Wantuil de «Ao nosso convite para que nos oferecessem uma simples mate-

rializagao ou uma simples luva de paraíina obtida através dos poderes

«ubH?ÍT dB T 2h^\éleJPaLUl° Pabcá0) «sponde citando um liv?l

publicado na América do Norte. Ora isso é fugir ao desafio». .

que o mencionado livro nao foi publicado na

do Norte, mas no Urugual.

— 49 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961. au. 1

«Diario Carioca», de 26/VIII/1958. o Dr. Paulo Paixáo explica: «Luva de parafina é coisa de farsantes e nara farcantoc r» „,«..

imao Wantuil de Freitas deveria ouvir com S SídaSos as PX cacoes de que temos tido conhecimento'».

misuu

do g^CS^*¿yZ£^'J^_^™^ membro ?r^°v.áHf«S?era £ ?1e ° Sr- Paul° Paix5°- simpático secretario do Xrmao Victricio, e Frei Boaventura nos presenteiem com um exemplar

e deixe de citar autores de livros que nao merecem crédito».

5/3K/1958- ° Dr- Paul° PaJxfio toma de «Tanto há possibilidade de se fazer urna luva de parafina de maneira fraudulenta que se tem feito ñas sessSes espiritas, quer

MÍam^0S^miSVíícadares chamados de Sherlock Holmes, Zé Arigó oí v£ZSn ^ífntil que' por smal- está fancafiado na cadeia. O Sr. S ,L ^

° acojt«mado a isso que, na impossibilidade de se

obter urna luva verdadeira, quer mesmo urna falsa, igual ás que

aparecem ñas sess6es espiritas. Espere e verá!»

Os debates se achavam a essa altura, quando aos 20 de setembro de 1958 foi realmente exibida a preconizada luva de parafina... Um professor do Extérnate Sao José do Rio, Irmáo marista José Gregorio, socio efetivo do Círculo Brasileiro de Husionismo, resolveu atender ao repto lancado pelos l'deres espiritas: recorrendo exclusivamente á técnica ilusionista, sem evocar espirito algum, o Irmáo confeccionou bela luva de para fina... O artificio chegou ao ponto de reproduzir os traeos anatómicos da máo do autor; os dedos se acham encurvadosa máo do autor estéve dentro da parafina e déla saiu sem quebrar a leve carnada de superficie e sem deixar vestigio \ algum de sua retirada (ver fig. 3). \

Em sessáo solene realizada no auditorio do Colegio «Sacré-Coeur de Marie» á Rúa Toneleros (Copacabana, Rio), o Irmáo José Gregorio apresentou o artefato a urna assembléia de cérea de 1300 pessoas, entre as quais se achavam os embaixadores da Bélgica, da Greda, do Líbano e de Honduras; foi grande

a admiracáo de todos ao contemplaren! a fineza de Iinhas e

o esmero do trabalho exibido.

No dia seguinte, a imprensa noticiava o fato nos termos

seguintes:

— 50 —

«LUVAS DE PARAFINA>

Fig. 1

Luva de paraíJna de Varsóvia. Produ

cto

espirita. Note-se

como os traeos da

máo sao pouco distin

tos.

Fig. 2

Luva de paraíina. confeccionada pelo Dr. Norberto Danza. Comparem-se os traeos ní

tidos com os da luva

espirita.

Fig. 3

Luva de paraíina produzida pelo Irmao José Gre gorio. Note-se a nitidez da superficie e dos traeos. — 51 —

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS, ss/ioei qu. t

Fig. 4

ar^ina Pfoduzidas pelo Irmao José Gregorio f.^* de ad«Jto e em dimensSes reduzidas para a idade de 10 anos... Regressáo? Reencarnado?!

fez a tav.

de

jsss^srvs^&.

Posteriormente, ou seja, em 1960, o mesmo Irmáo José

Gregorio apresentou ao público duas oútras luvas «te paíafml urna, do tamanho de u'a máo de aduJto; a outra, trayendo os

rnesmos tragos reduzidos para a idade de 9 ou 10 anos (ver — 52 —

«LUVAS DE PARAFINA»

Por essa ocasiSo, o «fabricante» escreveu um artizo

tlfpocof STÍSi*0 MrCfIal> *M de 1960 Avenida áUjaia? 668, Pocos de Caldas, MG): em tal artigo o Irmao José Greeório

comentando o fato, dtava os depoimento de estudiosos versados 2

Írfí&&2£? dePOlS dG haVer examinado - artejos, «Declaro qué tive em minhas máos duas (2) luvas de parafina

— urna de tamanho natural e outra reduzida para a idade de 10

pes^

Pocos de Caldas, 3 de junho de 1960. (a) Dr. José Ayres de Paiva (médico).

O segundo depoimento é o do Dr. Norberto Danza, cirurgiáo-den-

tista, membro do Clube Paulista de Mágicos: «Declaro qué fiz o exame pericial das duas luvas — tamanho normal e reduzido — que o Irmao José Gregorio confeccionou e constatei que sao perfeitas. Nao tém emendas e retratam fielmente todos os detalnes da máo pelo lado externo e interno das luvas Sao portante auténticas as duas luvas. Pogos de Caldas, 26 de maio da 1960. (a) Norberto Donaldo Danza».

Após transcrever as duas declarares ácima, o Irmao José Gre

gorio assim prosseguiu seu artigo:

«Mas acontece que o Dr. Norberto Danza raciocinou: 'Já que é possivel um homem fazer a luva de sua próprla máo, vou também fazer a minha'. Da minha parte, eu o encoraje! prometendo revelar o meu segrédo, caso conseguisse. E conseguiu-o perfeitamente bem por processo próprio. Eis anatómicamente a sua máo em luva de

parafina (ver fig. 2).

Portanto, fica confirmado o meu modo de pensar: nao há um, nem dois, mas muitos processos de se obterem luvas de parafina sem ser preciso recorrer ao concurso indébito dos espirites que se materializan! e desmaterializam» (revista citada, pág. 22).

Os textos

comentario.

transcritos sao

claros, dispensando-nos de

algum

O caso que acabamos de registrar, merece agora ser con siderado á luz de quanto afirmam os cientistas contemporáneos

sobre fenómenos congéneres.

2.

«Materializagao» dos espiritas e ciencia moderna

1.

O episodio da luya de parafina pertence ao número

dos fenómenos espiritas ditos «de ectoplasmia ou materializa-

cáo».

Ora em primeiro lugar é preciso notar que, com o decorrer dos tempos e o progresso dos estudos de Parapsicología, os fenómenos espiritas em geral váo sendo mais e mais explicados

como efeitos contidos dentro da potencialidade mesma da natureza humana e independentes de qualquer intervengáo de

espirito «desencarnado»:

— 53 —

.

^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 1

' - ou sao reagóes do subconsciente humano (o que geralmente se dá ñas sessóes espiritas mais comuns) '

;

ou sao produtós de truque e engaño (podendo o médium

engañar de má fé ou até de boa fé, isto é, sem ter consciéncia

do seu erro moral).

É o que observam os pesquisadores mais modernos, qual-

quer que seja a sua filosofía ou religiáo. Seja porta-voz désses estudiosos o famoso autor Robert Amadou, atual Diretor da «Sociedade Francesa de Parapsicología», o qual durante anos

dirigiu também a «Revue Métapsychique» do Instituto Metapsi-; quico Internacional. Em 1957 Amadou publicou notável obra intitulada «Les Grands Médiums» (Éditions Denoél), em que estuda a atuacáo dos homens e mulheres mais famosos no setor da antiga Metapsíquica ou fenomenología espirita: Angélique Cottin, Margarete, Katie Fox, D. D. Home, Florence Cook, Eusápia Palladino, Marthe Béraud, Franck Kluski, Jean Huzyz, Willy e Rudi Schneider, etc.

Pois bem; as conclusóes de Amadou se podem resumir nos

seguintes termos: 1)

«Verificamos

estranha

coincidencia entre a

rarefacto dos

médiuns e p desenvolvimento dos meios de controle, particularmente da íotografia e da cinematografía com luz infra-vermelha» (pág. 216) Diz-se mesmo que um dos fenómenos mais estranhos de nossos dias é o fato de nao haver grandes médiuns. A ciencia dispde de aparato técnico e de instrumentos precisos para acompanhar com exatidáo o desenvolvimento dos fenómenos espiritas. Ora verifica-se freqüentemente que, quando tal aparato é preparado para se realizar o controle

de algum fenómeno aguardado, ou o fenómeno nao se dá ou entáo...

descobre-se fraude.

2) Nos grandes médiuns do século passado e do inicio déste século, baluartes da doutrlna espirita, a seducáo e. o engaño foram

nao poucas vézes comprovados. Nao será licito, porém, dlzer que sempre procederam de má fé, ou seja, conscientes de que estavam

iludindo o público (e a si mesmos), pois o exercicio da mediunidade

vem a ser, como dizem os médicos, urna forma de estado patológico ou de exibicionismo doentio.

Corroborando as conclusóes de Amadou, outro estudioso, Marcel Boíl, na sua obra «O ocultismo perante a ciencia» (ColecSo «Saber», Lisboa, pág. 63), apresenta, como conclusóes da pericia moderna, as seguintes afirmacóes: 1) Quando o médium nao é vigiado, há fenómenos espiritas; 2) Quando o médium é vigiado, os fenómenos váo rareando á

medida que a vigilancia aumenta; 3) Quando a vigilancia é completa, já nao há fenómeno espirita prdpriamente dito.

Entenda-se bem o sentido dessas proposicoes: estío longe de ■significar que nao há, ñas sessóes espiritas, psicografia, clarividencia,

mocáo á distancia, transmissáo de pensamento, etc.... Os dizeres

de Marcel Boíl significara apenas que tais fenómenos nada tém de típicamente espirita ou de sobrenatural: sao meras manlfestagóes 54

«LUVAS DE PARAFÍN A i

da constituicáo física e psíquica muito senslvel ele certos pacientes debidamente estimulados; tais fenómenos, na verdade, se obtém em gabinetes científicos, clínicos, laboratorios, etc., independentemente de qualquer cenarlo espirita. O erro do espiritismo está em associar

tais fenómenos a pretensa intervencao de seres invisivels que baixam quando evocados.; essa explicacáo merece ser combatida como algo

de pré-cientifico ou antl-cientifico.

2.

B

Em particular no tocante á luva de parafína, verifica-

-se que esta pode ser obtida por mero emprégo de artificios

(dos quais os ilusionistas sao mestres), e... obtida com maior perfeicáo e elegancia do que ñas próprias sessóes espiritas. Como já insinüava o Irmáo José Gregorio no texto trans

crito a pág. 53 déste fascículo, há varias receitas para se fabricarem tais luvas... A título de ilustracáo, vai aqui des crito o método sugerido por Robert Tocquet no seu estudo «Tout l'Occultisme dévoilé» (París 1952, pág. 144s):

«É possível, com o auxilio de recursos normáis, fabricar moldes

que tenham aspecto paranormal.

O problema a resolver vem a ser o seguinte: é preciso obter um

molde sem emendas, dotado de tal aparéncia que se julgue impossivel a retirada normal de u'a máo ou de um pé que hajam servido para o preparar.

A fim de fabricar molde tal, mais de um método pode ser utili

zado».

O autor lembra entáo que se pode preparar primeiramente um molde (o modelo de u'a máo, por exemplo) de resina (substancia sohivel no álcool), de gelatina (solúvel em agua) de guta-percha (solúvel no dorofórmio) ou de outra substancia qualquer fácilmente

solüyel em algum líquido. A seguir, mergulha-se varias vézes tal molde em parafina, obtendo-se destarte urna forma de parafina dotada dos traeos de u'a máo. Por fim, faz-se derreter a substancia previamente utilizada (resina, gelatina...) no solvente adequado, ficando-se apenas com a máo ou a luva de parafina; esta, natural mente, carece de qualquer emenda ou sóida, apresenta punho estreito, etc., parecendo que se origina realmente de um membro ectoplás-

mico «desmaterializado» após haver mergulhado em parafina! Prossegue Tocquet textualmente: «Alguns autores preconizaran! o recurso a máos de cadáveres para se fabricarem pseudo-luvas paranormais, mas tal proceder é compli cado e pouco cómodo.

Como acontece multas vézes no ilusionismo, sao as técnicas mais simples, ñas quais geralmente ninguém pensa, que se revelam como as mais eficazes. O método seguinte, que nos experimentamos ápre.senta justamente tal característica; além disto, tem a vantagem, em relacáo aos métodos precedentes, de poder ser posto em prática no decorrer mesmo de urna sessao mediúnica. O operador comeca por arrochar a parte superior do seu braco; a seguir, reveste a sua máo de glicerina, e deixa pender o braco

assim amarrado; a circulacáo do sahgue é, em.conseqüéncia, dimi nuida, e a máo se vai inchando progressivámente. Após um intervalo de dez minutos aproximadamente, mergulhe a máo em parafina der— 55 —

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 3S/19R1

SSJS SJBXS StSJSt K

?r?í/iaajL.2¿áiSfi

e a m,a° ^a libertada, aperte um pouco a luva na regiáo

'/♦ílJniUMsJtreftar a respectiva abertura. Tem-se entao

3S caracteristicas de molde de ori|em pa-

O mesmo autor, em outra obra recente («Phénoménes de mediumnité». París 1959), referindo-se á «materializacáo» em

geral, observava o seguinte:

«Os que negara a ectoplasmia tém excelentes razSes para iusti-

com truques. Doutro lado, as •«materiaSgoes,que °¡

ww" lel atfuaImeníe em certos grupos espiritas de París sao puro

logro; é triste verificar que ainda há estudiosos de Metapsiqu"ca

— pu gente que se diz tal — que se obstinara era considerar tai*

fenómenos como auténticamente paranormáis considerar tais Os métodos que permitem fazer aparecer urna formacSo ectonlás

mica ou um fantasma sao inumeráveis; o maiT com^onffi em que o pseudo-médium oculte sob as suas vestes ou numa cavidade

ClÍKaCeS1rÍ°,S indispensáveis, de formato pequeño: musTe! Í^í t 'm

a as de b°rracha. desenhos, gravuras, etc.; aproveitar-

-se-á tambera da escundao para produzir aparicSes. Em individuos

que regorgitam, o estómago pode servir de esconderilo Assim Mrs

Duncan trazia no estómago prodigiosa quantidadfd^ o^eTos: vS metros de gaze leve, gravuras, fotografías, luvas de borracha-no

hÍ£*Ü?°m ^ 4™des regorgitava essas coisas com extraordinaria faci-

apresentada como um ser do Além, e dois mane^uins que ela se^ra^'

f^aa™ma0^i,excelenteJ,ventrílotlua c°mo era,'ela fazla falar ésses

S^ncm- i

ier Procedia de mod«> análogo. Multas vézes os aces-

sónos sao levados por um parceiro (espdsa, marido, empresario) oue «L „ !far ao méduím n° momento oportuno, naturalmente depois rt ^ médlum os tenha controlado. Dessa forma é que procediam Craddock, o qual era auxiliado por sua espdsa e Lasslo a ouem

assistia um pintor talentoso chamado Sassy, pintor que além do mais

oh«,iíab!;ÍCaVa °S
médicos encairegados de o controlar. Urna vez terminado o exame!

ele retomava o seu material mediúnico...

As precaucees, mesmo as de aparéncia mais rigorosa, nao sSo

stmpre,«SUÍICientes para deter a fraudulencia dos médiuns» (ob. cit. pág. 120-122). — 56 —

,

RENOVACAO

DA

PREGACAO

Estas observagóes, cujo número se poderia multiplicar, levam os dentistas modernos a descrer por completo de qualquer historia de ectoplasmia ou de materializagáo dos espiritos. 3. Por sua vez, a Filosofía rejeita tal tipo de fenómenos, pois, na verdade, nao existe ectoplasma. Éste seria um invo

lucro do espirito ~(também chamado «perispírito») ou urna substancia intermediaria entre espirito e materia. Ora tal substancia é de todo impossível, como já foi demonstrado em «P. R.» 19/1959, qu. 2.

A respeito das propaladas fotograíias de espiritos materializados,

veja-se outrossim o que nesse artigo de 1959 está dito.

Possa o caso da «luva de parafina» recém-debatido no Brasil auxiliar os estudiosos sinceros a se desfazerem de qualquer confusáo de mística auténtica com mistificagáo! H.

DOGMÁTICA

C. M. (Rio Grande do Sul):

2) «Muitas vézes a pregacáo da Palavra de Deus nao surte os efeitos desejaveis; ao contrario, é ¿olorosamente reieitada. Que se poderia entao fazer para renová-la e tomá-Ia mais eficaz?»

O ministerio da pregacáo tem sido nos últimos anos freqüente-

mente estudado á luz dos interésses e da mentalidade do mundo moderno. Numerosos inquéritos realizados entre sacerdotes e fiéis tem sugerido a conclusáo de que um dos fatdres mais influentes na descristianizacao da sociedade contemporánea sao certas insufi ciencias ocorrentes na proclamacáo da mensafeem do Evangelho. Sendo assim, procuraremos abaixo focalizar o concertó de prega cáo assim como as principáis normas que vém sendo formuladas a

fim de se dar nova eficacia ao sermáo sagrado.

1.

O conceito de pregagao

Os autores católicos observam com razáo que o problema da pregacáo está longe de ser um problema de técnica oratoria, problema que poderia ser solucionado mediante recurso á arte da retórica, á psicología, aos processos de motivacáo, etc.

— O problema da pregacáo é, antes do mais, estritamente

teológico ou dogmático. Trata-se, ácima de tudo, no caso, de reconhecer o lugar que compete á Palavra de Deus no plano divino referente ao mundo e á salvagáo dos homens. — 57 —

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS? 38/1961, qu.

2

Ora, á luz da teología, dever-se-á dizer que a pregagáo é um sacramental, ou seja, um dos varios ministerios realizados na Igreja em íntima relagáo com os sacramentos, a fim de comu nicar a graca santificante e a vida eterna; a pregagáo é, por tento, parte do exercício de um misterio, do misterio da santificagáo das almas que se iniciou no sacrificio do Calvario, se prolonga em sete grandes cañáis nos sacramentos da Igreja e se ramifica em muitos filetes nos sacramentáis. Veja-se a nocáo precisa de «sacramental» em «P. R.» 11/1958, qu. 3. I

Isto quer dizer outrossim que a pregagáo nao se dirige apenas ao intelecto dos ouvintes, mas visa o homem todo, a fim de néle corroborar a graga da filiagáo divina. A eficacia da pregagáo, por conseguinte, dependerá nao da perspicacia das inteligencias de quem fala e quem ouve, mas do grau de fé e amor a Deus que cada urna das pessoas envolvidas neste misterio (pregador e fiéis) aprésente á agáo do Espirito Santo. «A verdadeira pregacao nao é urna atlvldade ordinaria que exige do agente, seja shnplesmente um artífice honesto, mas a verdadeira pregacao é a expressáo de um misterio no qual cada um dos interessados toma parte» (R. Girault, La prédication est mystére, em «La Maison-Dieu» 39 [1954] 9).

Nao se poderia, alias, conceber de outro modo a pregagáo da Palavra de Deus, pois os dizeres do Todo-Poderoso ao homem háo de ser poderosos e eficazes; por éles, o próprio Deus se deve tornar, de novo modo, presente e ativo entre os seus fiéis: «Como a chuva e a nevé caem do céu e para lá nao volvem sem ter

regado a térra, sem a ter fecundado e ter feito germinar as plantas, sem dar o grao a semear e o pao a comer, assim acontece á palavra que minha baca profere: nao volta sem ter produzido seu efeito, sem

ter executado minha vontade e cumprido sua missáo»

(Is 55,

lOs).

A tradigáo crista sempre inculcou o paralelismo existente entre o sacramento do Corpo de Cristo que é a Eucaristía, e o sacramental da Palavra de Deus que é a Escritura Sagrada e a pregagáo desta; aquéle nao costuma ser celebrado sem éste; em ambos os casos, Cristo se propóe (embora de modo diverso) como alimento sobrenatural do cristáo. Urna das úl timas testemunhas desta concepgáo é o santo Cura de Ars, ao dizer: «O Corpo de Jesús Cristo nao se acha mais verdaderamente presente no sacramento adorável do que a verdade de Jesús Cristo está na pregacao evangélica».

— 58 —

KENOVACAO

DA

PREGACAO

O valor de sacramental que compete a Palavra de Deus, sugere, entre outras conclusoes práticas, a seguinte: muitas vézes a pregagáo aparentemente vá ou inútil pode estar sendo altamente fecunda; em todo e qualquer caso, ela langa urna sementé chela de dinamismo, a qual dá seüs frutos ñas almas na medida em que estas sejam sinceras, mesmo que, á primeira vista, se mostrem intensas á mensagem. Por conseguinte o arauto cristáo nao deixará de pregar sempre que hoüver opórtunidade para isto. Urna das expressSes mais eloqüentes de quanto a Palavra de Deus abala e transforma os homens, é a historia do povo de Israel. Pode-se dizer que a religiSo do Antigo Testamento ou a religiao judaica é a religiao do «ouvir», a religiao da Palavra: «Ouve, Israel...»; eis o estribilho constante dos livros do Antigo Testamento; «ver a Deus» era tido, entre os judeus, como algo de impossível. Ora foi a Palavra de Deus que moveu Abraáo de sua térra, a Caldéia, encaminhando-o para regiáo desconhecida e dando origem ao povo de Abraáo; foi ainda a Palavra de Deus que desencadeou a marcha de Israel cativo no Egito, sustentando o ánimo do povo durante quarenta anos de peregrinagáo e lulas no deserto. Foi ainda a Palavra de Deus que suscitou um fenómeno intrigante aos olhos do historiador profano, isto é, o monoteísmo de Israel; éste povo, que geralmente dependia de seus vizinhos na economía, na política, na guerra..., sempre resistiu ás tentativas de paganizacáo da sua religiao; nem o ambiente politeísta e idólatra em que viveram Abraáo e seus descen dentes, nem a índole própria dos íilhos de Abraáo (sempre prontos a cair na idolatría) dáo contas désse monoteísmo de Israel (ao con trario, tornam ésse monoteísmo um mistériozinho da historia); é sómente a eficacia da Palavra de Deus dirigida a Abraáo e á sua linhagem que elucida o enigma. Até o dia de hoje, alias, o povo de Israel e sua tenacidade constituem um fenómeno que, em última análise, só se explica porque a Palavra de Deus assinalou o povo judaico para dar testemunho a Jesús Cristo, fósse antes da vinda déste (mediante os Profetas), seja após a vinda déste (mediante a odisséia misteriosa dos judeus no mundo).

Estas nogóes já nos habilitam a perceber

2.\ As principáis normas que devem reger a pregacao Levem-se em conta tres grandes principios: 1)

Em

íntimo

contato

com

a

Liturgia

e

a

Biblia

Sagrada...

Se a pregacáo é parte integrante do misterio (ou da obra de Deus) em prol da santificado dos fiéis, é claro que ela se deve desenvolver em íntimo contato com as outras grandes fontes de santificacao: a Liturgia e a Escritura Sagrada. Ou mais simplesmente ainda: ... em íntimo contato com a Escri tura Sagrada tal como esta vem paulatinamente apresentada pela Liturgia (a Liturgia nao é senáo a mensagem da Biblia — 59 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961. qu. 2

vivida, de maneira muito densa e rica, no misterio, no sacra

mento).

Isto práticamente quer dizer que o sacerdote deve, por excelencia,

pregar aos domingos, durante

a Santa

Missa, após

a leitura

do

Evangelho. Há regiOes em que o episcopado prescreve para tais alocucOes um programa de doutrina crisja. Em tais casos, compete aos sacerdotes obedecer; nao deixaráo, porém, de guardar na medida do possivel o contato com o Evangelho da Missa.

Duas sao as principáis vantagens decorrentes do assenta-

mento da pregagáo sobre a Biblia e a Liturgia:

a) a pregacáo torna-se muito viva e concreta. Seu ponto de partida nao seráo própriamente axiomas, teses, corolarios e teorías, mas fatos, episodios e parábolas (coisas que a maioria dos homens fácilmente apreende). A linguagem bíblica é espontánea e impressionante, ao passo que a das escolas de teología (linguagem «escolástica», como se diz) vem a ser bastante abstrata e menos sugestiva. O pregador deverá sempre levar em conta o fato de que todo conhecimento racional passa primeiramente pelos sentidos; é, sim, das coisas visíveis e conhecidas que passamos para o conceito das invisíveis e des-

conhecidas.

AitJlL^m re<;orra á/eguinte imagem para ilustrar a mencionada diíerenca de estilos: a agua na sua fonte nativa é muito mais rica

em minerais e propriedades xádio-ativas do que após ter sido engar rafada; o engarrafamento, embora seia necessário ao bem comum, nao deixa de depauperar o precioso liquido. Assim também é a doutrina crista: haurida na sua fonte primaria, que é a Sagrada Escritura apresentada pela Liturgia, é muito mais «rádio-ativa» e penetrante do que quando fornecida através das teses de um manual de escola.

Exemplificando: um sermáo sobre a penitencia vasado em estilo de escola partiría da definicáo de penitencia, enumeraría as partes

££?*

' Pr°P°ndo doutrina muito sólida, sem dúvida, masaré

cando-se a perder o contato com o auditorio. O pregador prenderla

multo mais a atencáo de seus ouvintes, recorrendo ás imafens con-

cretas e muito piedosas de que os Profetas, os Apostólos e Cristo mesmo se serviram: rasgar o coracáo e nao as vestes (Jl 2,13), aban-

Sovo (Ez lG2fitmlf° S voltar » Deus fEz 33,11), criar um coS novo (Ez 36,26) ser como o filho pródigo que volta ao Pal após £» ?erdul&*£ (Le 15,11-32). Naturalmente, o que possahaver ^mnri.,0 % an£pPom6r««> nessas imagens, há de ser elucidado emprégo das fórmulas buriladas das escolas escolas teológicas. teológicas, ladas das

t l Outro exemplo: a pregacáo sobre a Ssma. Trindade, no estüo escolásUco, dissertaria sucessivamente sobre a esséncia divina una. sóhre as duas processSes eternas, sobre as tres relaC6es subsistentes, rí «,T °,^ue,* muiío ortodoxo, mas pouco atraente para o auditorio.

O pregador distanciar-se-á menos dos fiéis, assegurando mais frutos para o seu trabalho, se se inspirar ou da fórmula batismal (Mt 2819) — 60 —

RENOVACAO

DA

PREGACAO

ou das alusoes que Jesús faz ao Pal e ao Espirito Santo no Evangelho, ou das fórmulas paulinas (Rom 11,36; El 2,18;

1 Cor 12,4-6).

Fazendo estas comparacóes, nada entendemos dizer contra a lin-

guagem escolástica como tal; apenas intencionamos sublinhar o que o seu nome diz: é linguagem de escola com a qual nao está familia rizada a maioria dos ouvintes de um sermáo.

b) A pregacáo pautada nos textos da Biblia e da Litur gia comunica o que se pode chamar «o sentido cristao dos tempos (passado, presente e futuro)». Que quer isto dizer? A Revelagáo bíblica se efetuou nao sómente por meio de oráculos, mas também mediante os acontecimentos da historia

de Israel. Ora a auténtica pregagáo crista deve precisamente mani

festar ésse dinamismo da historia sagrada, a qual, apoiando-se

na Jerusalém terrestre, tende á Jerusalém celeste, á Cidade d¿ Deus consumada... A auténtica pregagáo deve incutir nos ouvintes a consciénda de que a Igreja tem, entre outros aspec tos, o de um povo em marcha, no deserto e o de um edificio de pedras vivas, que mais e mais se váo adaptando urnas as

outras em vista da consumado do conjunto. Dentro desta perspectiva, os misterios do Advento, da Quaresma, de Páscoa é Pentecostés, ao recorrerem todos os anos, nada tém de monótono; apresentam, antes, caráter novo, porque váo toman do lugar dentro das circunstancias próprias da vida de cada cristáo.

As consideracSes propostas sobre as fontes da pregacao podem

ser oportunamente rematadas pela seguinte observagSo do Pe. Sertillanges: «Somos os enviadas de Cristo, arautos do seu Evangelho; o

sermáo sobre a montanha

m en tos

que

temos

de

(Mt 5-7) constituí o resumo dos ensina-

disseminar...

: O fundo da nossa pregagáo... própriamente dita... é o Evangelho eterno, é a Boa Nova que o mundo recebeu, mas nunca entendeu

em

sua plenitude...

Um dia, estando eu em viagem com um de nossos jovens pregadores, muito prendado e muito estimado pelo público,... pediu-me a opiniáo sobre o tema que poderla escolher para urna longa serie de palestras que ele estava planejando. Respondi-lhe: 'Tome o sermáo sobre a montanha, procurando atualizá-lo bem. Procure reconstituir o que Nosso Senhor, vindo hoje ao mundo em Montmartre, Ménilmontant, Belleville, em vez de ir a Belém nos tempos de Tiberio, diria as multidSes que certamente se comprimiriam como outrora ao redor d'Éle. Ele falou para o seu tempo; ora Ele falaria para a nossa época.

Sem esquecer os lirios dos campos, Ele saberla falar-nos dos motores de aviáo,. das usinas, das crises de producao e dos conflitos sociais, enfim de tudo que nos atormenta e Ianca uns contra os outros, embora nos tenha dito: 'Amai-vos uns aos outros'. Em suma, evocando as realidades

— 61 —

«PERGUNTE E

RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 2

modernas, Ele as ponderarla segundo o seu justo peso, as situaría

dentro do humano e frente ao eterno. Experimente seguir éste conselho e, se vocé fór capaz, verá acorrer as multid8es'. Meu jovem confrade ouviu-me com deferencia, mas creio que nao me compreendeu... Pregai o Evangelho, meus caros amigas. Nada há de mais atual, nada de mais urgente. Tal é o pao de que necessitam as multidóes íamintas, envenenadas por receitas impuras.

... E nao esquecais que o Evangelho... é inseparável da perso-

nalidade primeiro nalidade. á frente nao tem

(Jesús Cristo) que o promulga. Essa personalidad» está em plano, ao contrario do que se dá com a nossa própria persoQuando pregamos, cabe-nos o dever de lancar a Palavra e de nos ocultar, por assim dizer, atrás déla. Nossa pessoa importancia; ela é o canal e nao o fluxo... Jesús, porém, é

o caminho, a verdade e a vida; Sua Pessoa passa á frente do que ¿le

diz, porque é Ela quem dá autoridade aos seus dizeres, quem os implanta pela sua graca nos corac.5es e quem os traduz em realidade

ñas nossas existencias.

O essencial, portanto, para o pregador, é colocar seus ouvintes em contato com Jesús Cristo, fazer que conheca a Éste, que O amem, que sigam seus passos e que se mantenham em tudo sob a sua guia. O pregador que nao se esforcé por conseguir isto, prevarica. Ao menos, desvia-se» (do artigo «L'esprit de la parole apostolique>, em «La Maison-Dieu» 16 [1948] lOs).

2)

O Dogma ácima da Moral e da Apologética

Na medida em que fica ao criterio do pregador a escolha dos temas de seus sermóes, observe as duas seguintes normas: a) Apregoe primeiramente os aspectos dogmáticos ou doutrinários da mensagem crista, fazendo que os preceitos e a moral decorram obviamente dos mesmos. Mostré que é a nobreza do cristáo que o obriga a agir de tal e tal modo...

Sómente se fór assim arquitetada, a Moral será convincente e

fecunda.

A guisa de ilastragSo, vai aqui citado o depoimento de um fiel cristáo sobre modalidades de anunciar a Moral: / «Jamáis pude suportar os pregadores que incutem o terror, que narram historias assustadoras de mortes repentinas — sem data nem local, evidentemente... —, que reforgam assas historias com porme nores amedrentadores, que abrem o inferno com íacilidade igual á de quem abre urna caixa de bombons, que creém que as conversóos se produzem mediante o espanto> (Silens, «Problemi attuali: La pre dica», na obra «Che cosa attendete dal Prete?». Brescia 1952, 170s). A margem déste texto anotamos que pode servir salutarmente á orientado dos sacerdotes; aos leigos lembramos que se deveráo abster de critica destrutiva, pois é na medida da sua fé que sao santificados pela pregagáo, mesmo que esta aprésente teor predominantemente «moralizante».

Em «P.

temas

R.»

20/1959, qu. 3

encontra-se urna lista

de

dogmáticos que constituem pontos cardeais para se — 62 —

RENOVACAO

DA

promover urna sólida formagáo importancia da pregacáo sobre

PREGACAO

crista. Realgaremos aqui a

o Corpo Místico de Cristo. Esta imagem deve dilatar os horizontes dos fiéis, despertando néles o senso da comunidade, da Igreja, assim como a piedade sacramentaría daí decorrente; o conceito de graca santificante como participagáo da vida

trinitaria. Habituem-se os fiéis a desfrutar, na sua oragáo, o misterio da Ssma. Trindade; saibam que o Batismo os relaciona

de maneira própria com cada urna das Pessoas Divinas que néles habitam; o cristáo caminha para o Pai mediante o Filho no Espirito Santo (cf. Ef 2, 18).

b)Mantendo-se fiel á tradigáo crista, o arauto de Deus nao receie abrir os olhos para os conhecimentos novos que

prendem a atengáo do mundo contemporáneo; procure estar em dia com os problemas atuais. Assim elucidará o que real

mente deve ser elucidado a um homem do século XX, abstendo-se de pairar num plano alheio áquele em que versam seus ouvintes.

Váo aqui transcritas oportunas observagóes do Pe. Sertil-

langes:

«Achamo-nos hoje... numa vertente extremamente perigosa da ciencia católica, vertente capaz de provocar crises lamentáveis... ConclusSes admitidas durante sáculos como indubitáveis ou mesmo como sagradas perderam crédito e sao contestadas pelos espíritos mais sabios e mais prudentes... Devemos manter-nos conservadores, é certo; mas o que se deve conservar, nao sao riossas idélas pessoais;

sao as idéias de Deus.

É preciso preservar a Verdade Divina de qualquer contaminacáo;

contudo é mister nao ligarmos as sortes da Verdade Divina as dos conceitos humanos que a ela servem: isto equivaleria a confundir o necessário com o acessório, ou o habitáculo com o habitante... Nao é triste vermos um bom número de fiéis movidos por descon fianza instintiva para com tudo que traz um rótulo novo? A Igreja nao está com éles, pois, se Ela rejeita as novidades (=inovagOes), Ela nem por isto rejeita o novo (=renovac8es). Vetera novls augere

et perficere («ampliar e aperfeicoar as coisas antigás com elementos novos»), els urna palavra do grande Papa (Leáo XIII)> («Le savant

catholique», -discurso proferido aos 28 de junho de 1901 diante de

Professóres do Instituto Católico de Paris; as palavras de Sertillanges sao táo atuais hoje como outrora).

Neste texto Sertillanges menciona mudancas da ciencia católica... Nao se trata de alteragoes do dogma revelado, o qual é intangível, mas da reforma de certas interpretacOes da Escritura Sagrada em assuntos que nao sao dogmáticos. Os exegetas católicos modernos, dispondo de mais recursos lingüísticos e arqueológicos, percebem que determinadas passagens da Biblia nao querem dizer própriamente o que antigamente se lhes atribuía, mas tém outro significado. Ora numa fase dessas, se, de um lado, se impSe prudencia para nao se atraicoar o depósito revelado, de outro lado requer-se também

— 63 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 2

largueiza de vistas, a íim de n3o se «amarrar» a Palavra de Deus

a concepcóes ultrapassadas (a historia dos embates exegéticos mais recentes encontra-se em «P.R.» 29/1960, qu. 5).

Diante dos desvíos doutrinários e moráis do mundo mo derno, o pregador católico, no pulpito, procurará evitar a

polémica e as explanacóes predominantemente apologéticas;

dirá a verdade, esforcar-se-á decididamente por dissipar o erro, abstendo-se, porém, de qualquer tonalidade agressiva ou ofen siva. Em urna palavra: confie no poder atraente e conquistador que a Verdado, serenamente exposta, traz em si mesma. 3) ... Em uniao com o Espirito de Deus.

A pregacáo crista exige que o seu arauto esteja realmente identificado com a sua mensagem. Isto quer dizer que o pre

gador nao pode pretender desempenhar o seu oficio burocrá

ticamente, mas deve estar consciente de que ele anuncia urna

palavra de vida, a qual será tanto mais eficazmente transmi tida quanto mais o seu porta-voz tiver experiencia déla por sua conduta de vida. Em outros termos, dir-se-á que todo pregador deve ter algo dos Profetas do Antigo Testamentoserá homem particularmente dócil as mogóes do Espirito Santo ou também... um entusiasta (a palavra «entusiasmo» provém do grego «en-theou-sia», vocábulo que significa a «habitacao

de Deus em urna alma»).

Urna das principáis finalidades da auténtica pregacáo há de ser a de levar os fiéis á oracáo e á uniáo com Deus; a Palavra de Deus assimllada pelos ouvmtes deve, por sua vez, emanar déstes sob a forma de prece (oral ou apenas mental); todo cristáo deve poder esperar dos arautos do Evangelho que estes o introduzam mais a

fundo na oracao. Está claro, porém, que nenhum pregador se tornará mestre de oracáo se nao ídr ele mesmo um genuino orante. «Pregar sem orar, sem meditar e sem espirito de oracáo, é querer voár sera

asas. No espirito de oracao é que se encontra a inspiracao do prega-

-DÍeui 16 [1948?'¿/aiptit de Ia parole apostolique, em%La Malsoné «A pregagáo que tentamos descrever, nao constitui urna atividade especializada. Ela ná0 é senáo a comunicacáo, a irradiacao de urna

alma sacerdotal.



■■

Está em perfeita continuldade com a oracáo do sacerdote com

a sua recitacáo do oficio, com a sua celebracáo da Liturgia

A

oracao e a celebracáo, embora visem em primeiro lugar dar gloria a Deus, nao podem abstrair do rebanho que o pastor de almas deve levar aos mananciais frescos e aos pastos abundantes» (A.-M. Roguet»

Les sources bibliques et liturgiques de la prédication, em «La Maison-

-Dieu» 39 [1954] 118).

...

— 64 —

RENOVACAO

DA

PREGACAO

Tais sao as principáis notas que devem caracterizar a auténtica pregacáo. Voltemos agora nossa atencáo para outro

aspecto do tema.

3.

A quem compete pregar?

Torna-se evidente que o pregador por excelencia é aquéle

mesmo ministro do Senhor a quem está confiada a celebragáo

da S. Eucaristía; éste é obviamente chamado a distribuir o pao

da Palavra sacramental antes de distribuir o sacramento mesmo. Por isto na Igreja antiga o oficio da pregacáo incumbía prima

riamente ao bispo, que era também o celebrante qualificado da S. Liturgia; sómente na ausencia do bispo, ou por delegaCáo déste, pregava o presbítero ñas assembléias de culto. Hoje

o Direito Canónico reserva aos bispos, sacerdotes e diáconos o ministerio da pregagáo no recinto das igrejas (cf. can. 1327 e 1342); exprime, porém, o desejo de que os bispos se valham de varóes idóneos para os auxiliar na tarefa de evangelizacáo (cf. can. 1327 § 2).

Mais do que nunca, nos nossos dias faz-se sentir a necessidade, alias repetidamente afirmada pelos Sumos Pontífices, de se mobilizarem os leigos para o exercício do apostolado e,

em particular, da catequese.

Sao palavras de Pió XII em seu discurso ao 2» Congresso

mundial do apostolado dos leigos (5 de outubro de 1957):

«Desconheceria a natureza auténtica e o caráter social da Igreja quem nela quisesse distinguir um elemento meramente ativo — as autoridades eclesiásticas — e outro puramente passivo — os leigos Todos os membros da Igreja sao chamados a colaborar na edificacáo e no aperfeicoamento do Corpo Místico de Cristo. Todos sao pessoas livres; devem, por isto, desempenhar urna atividade».

Explicitando um pouco mais o papel dos leigos, ensina o

Santo Padre Joáo XXIII:

«O dinamismo do apostolado está essencialmente ligado á íé

crista; com efeito, a cada qual incumbe o dever dé difundir em torno de si a íé, seja para instruir e confirmar outros fiéis, seia para repelir os ataques dos infléis, particularmente em tempos como os nossos, em que o apostolado é obrigacao urgente, dadas as penosas

circunstancias em que se encontram a humanidade e a Igreja» (texto citado em «Lumiére et Vie» 46 [1960] pág. 21). -. •

Como se vé, a responsabilidade de cada cristáo na difusao do. Evangeího está arraigada no mais intimo do .seu ser, ou

seja, na sua dignidade de batizado e crismado. É claro, porém, — 65 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 2

que toda forma de apostolado organizado há de ser exercida

sob a orientacáo da autoridade eclesiástica.

Nem mesmo os fiéis que nao possuem aptidáo natural ou o mínimo de tempo necessário para alguma forma de catequese ficam excluidos da nobre tarefa de dar ao mundo o testemunho de Cristo. Pelo contrario, toca-lhes diretamente exercer a forma fundamental de apostolado, que é a vida íntegra ou virtuosa; é esta forma que, sem tornar desnecessárias as atividades apostólicas, confere a estas o seu verdadeiro valor

Diga-o o Sto. Padre Joáo XXIII:

«Todo crjstao deve estar convicto de que seu dever fundamental e primordial é o de dar testemunho da verdade em que ele eré, e da graca que o transformou... Nao seria mesmo necessário expor a doutrina, se a nossa vida fósse suficientemente luminosa; nem sena necessário recorrer a palavra se nossas obras dessem testemunho. Nao navena mais pagaos se nos comportássemos como verdadeiros

cnstáos» (citado ib. pág. 9).

Estas palavras concorrem para despertar a consciéncia do

grandioso alcance que tem a vida de um auténtico cristáo na

hora presente, seja ele membro da hierarquia eclesiástica (pregador qualificado da Palavra de Deus), seja ele representante do laicato católico (portador vivo da mesma Palavra). Apéndice

A flm de mais ilustrar os parágrafos precedentes, seguem-se aqui os resultados de um dos últimos inquéritos realizados sobre a efi

cacia da pregacáo.

Na oitava de Páscoa (abril) de 1960 reuniu-se em Würzburg, na Alemanha, um grupo de sacerdotes e oradores sacros alemáes, a fim de estudarem o assunto. Um déles, entáo, o sacerdote Balthasar Fischer, Professor em Tréviris, resolveu pedir o depoimento respec tivo de cinco homens e cinco mulheres de diferentes idades e classes sociais, obtendo em conseqüéncia as seguintes observacSes, dirigidas, com toda a franqueza e retidSo de intengáo, aos pregadores:

1)

«Preparai-vos com calma para a pregacáo; nao julgueis que

o leigo nao o repara, caso nao o fagáis.

2) Fazei o favor de nao falar mais de quinze minutos; pregacáo mais demorada já nao produz efeito. 3) Nao nos faleis com urna sabedoria que nos espanta, usando latim, termos estrangeiros e abstragóes; so guardamos o que nos

é dado contemplar em imagem.

4) Nao faleis a 'linguagem de Canaá1 (Unguagem arcaica, estereo tipada), que ninguém entende a nao sefdes vos mesmos. Mas também nao procuréis falar artificialmente em termos modernos. Usai de um vernáculo dos nossos dias, simples, claro, nao poético, nao sentimental.

Quando vos referis ao mundo em que traballiamos, tratai, por favor, de o fazer em termos fiéis.

— 66 —

PARADEIRO DAS TABUAS DA LEÍ DE MOISéS 5) Deixai de lado todo afeto muito exaltado; sempre receamos que seja óco. 6) Estai atentos a que vossa pregacáo seja substanciosa e con

clusiva; em caso contrario, já a teremos esquecido ao passar diante da pia de agua benta na safda da igreja.

7)

Nao procedáis

como se tivésseis

atingido

a plenitude

da

santidade crista. Mais fácilmente damos fé a alguém que reconheca estar, semelhantemente a nos, em peregrinacSo, sujeito a sofrer e a

falhar. Mostrai que compreendeis a dureza da vida cotidiana de um cristáo leigo neste nosso mundo.

8)

Dai-nos o pao nutritivo que é a Palavra de Deus. Quem tem

íome (e nos a temos mais talvez do que as geracdes anteriores), pede pao, nao pao-de-ló. 9) Dai-nos urna visáo grandiosa de Deus e um ampio panorama dos misterios da nossa salvacáo tais como Deus os instaurou.

10)

Nao

suponhais muitas nocSes da parte dos ouvintes; em

caso contrario, estaréis fálando para as paredes. 11) Fazei que a íé penetre com a sua luz o nosso dia de trabalho e a nossa vocagáo. Sentimo-nos pesarosos pelo íato de que «vocacáo> em vossa linguagem significa sempre «chamado ao sacerdocio ou ao convento». Falai de política na medida em que esta se relacione com a vossa mensagem; nao tratéis, porém, de política de partido, e nao faleis de política quando estivermos as portas de urna eleicáo. (Nota do tradutor: no Brasil acontece que justamente ñas vésperas

de urna eleicáo cabe aos sacerdotes esclarecer os fiéis). 12)

Repreendei o que há de repreensível em nos, com

liberdade, mas

t&da a

nao nos vilipendiéis nem vos irritéis no pulpito. Com

isto só conseguiréis endurecer os culpados, alegrar os pretensos inculpados e entristecer os verdadeiros inculpados. Bem sabemos que nao procedemos sempre como deveríamos (algo de semelhante se deve dar convosco, pois também sois criaturas humanas); contudo nao desejamos ser esbravejados. Apraz-nos sentir que, apesar de todas as nossas faltas, somos levados a serio com a nossa dignidade de cristáos batizados. 13) Fazei-ncs de vez em quando experimentar que pertencemos a urna Igreja universal. 14) Nao nos fagáis perder o ánimo. Antes, encorajai-nos. Dái-nos um pouco de auxilio, consoló, firmeza, esperanca. Fazei que encontre mos nossa alegría em Deus e ñas suas obras salvificas». (Transcrito de «Herder-Korrespondenz» XV, nov. 1960, 84s).

m.

SAGRADA

ESCRITURA

TARCISIO (Rio de Janeiro): 3) «Que é feito das tábuas da Lei de Moisés mencionadas em Éx 34, 1.29 e Dt 5,22; 9,10?»

A questáo ácima é por vézes intensamente focalizada sem que naja documentos suficientes para se lhe dar a devida solucáo.

— 67 —

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961. qu. 3

Procuraremos abaixo considerar os dois principáis aspec tos do tema: a escrita de Deus e a sorte final das tábuas. 1.

A escrita de Deus

Há quem diga que Deus mesmo escreveu a Lei dada a Moisés, apoiando-se, para afirmar isto, em Dt 9,10-12, onde

se léem as seguintes palavras de Moisés dirigidas ao povo de

Israel:

«No Sinai... o Senhor me entregou as duas tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus, em tudo conformes ás palavras que Ele vos dirigiu do meio do íogo s&bre a montanha, no dia da assembléla. Ao termo de quarenta días e quarenta noites, tendo-me dado as duas tábuas de pedra, tábuas da Alianca, o Senhor me disse: 'Levanta-se, desee rápidamente, pois o povo que fizeste sair do Egito, prevaricou'».

Como entender tais dizeres? A análise atenta dos diversos textos bíblicos referentes á entrega da Lei no Sinai dá a ver que as expressóes «Deus escreveu» e «Deus escreveu com sen dedo» sao meros antropo morfismos ou dizeres figurados. Tenha-se em vista principal mente a passagem de Éx 34: neste trecho lé-se que o Senhor mandou a Moisés, subisse á montanha levando duas tábuas

de pedra para que «Deus ai escrevesse»... (34,1); Moisés foi,

portante, ter ao cume do Sinai, com as duas tábuas (34,4);

a seguir, o Senhor lhe falou, enunciando seus preceitos (34,

10-26). Por fim, disse o Senhor ao chefe israelita: «Escreve essas palavras, pois sao as cláusulas da Alianca que concluo contigo e com Israel» (¡34,27). E acrescenta o texto sagrado:

«Moisés permaneceu nesse lugar com o Senhor quarenta dias

e quarenta noites, sem comer nem beber. E escreveu sobre as

tábuas as palavras da Alianca — as dez Palavras» (34,28).

Éste texto explica com clareza em que sentido «Deus

escreveu»: tendo usado tal expressáo em 34,1, o autor sagrado

nao hesita em dizer, pouco adiante, que Deus mandou Moisés escrever (34,27) e que o Legislador de fato escreveu os pre ceitos divinos... — Conclui-se, pois, que na verdade o Senhor apenas comunicou ou intimou a Moisés os seus mandamentos, ficando ao homem de Deus o encargo de os consignar por escrito sobre as tábuas de pedra. Entre os judeus, o fato de que o Senhor mesmo manifestara os seus preceitos a Moisés, justificava perfeitamente a expressáo «Deus escreveu» .(sabe*mos que a mentalidade semita nao costumava distinguir entre a Causa Primeira e as causas subalternas). Ademáis a figura do «dedo de^Deus a escrever os preceitos do Decálogo», com o seu colorido bem vivo e concreto, devia servir para incutir — 68 —

PARADEIRO DAS TABUAS DA LEÍ DE MOISfiS

o valor próprio e a excelencia inconfundível que competiam ao Decálogo no conjunto das leis promulgadas por Moisés. Está claro que Deus, nao tendo corpo, nao tem dedo.

A maneira como Moisés escrevcu ñas tábuas de pedra terá sido conforme aos costumes da época (séc. XIII a. C): os antigos ^eral-

mente gravavam os

caracteres, como atestam

muitos documentos

extra-biblicos recém-descobertos (assim as tabuletas de Guezer, do séc. X a. C; a coluna de Mesa, do séc. IX a. C; os «ostraca» ou as placas de argila da Samaría, do séc. IX a. C ). Sabe-se, porém, que os antigos também usavam pedras recobertas de cal branca, sobre as quais pintavam os caracteres da escrita (cf. Dt 27,2s).

2.

O paradeiro das tábuas da Lei

Segundo 3 Rs 8,9 e Hebr 9,4, as tábuas da Lei foram guardadas dentro da Arca da Alianga, juntamente com a vara de Aaráo e um

vaso de ouro que continha o maná.

Que era, pois, a Arca da Alianca e qual terá sido o seu destino?

1. A Arca da Alianga era um cofre de acacia, em forma de paralelepípedo, de 1,25 m de comprimento, 0,75 m de lar gura e de altura. Apresentava-se recoberta de ouro puro «por

dentro e por fora» e dotada de urna tampa também de ouro

puro (denominada «propiciatorio»), sobre a qual dois querubins

de ouro estendiam as suas asas (cf. Éx 25,10-22; 27,1-9; Dt 10,1-5). Assim quis Deus que Moisés a confeccionasse durante a travessia do deserto. 2.

Israel.

Há mencáo da Arca em varias fases da historia de

Sabe-se, por exemplo, que, depois da entrada do povo em

Canaá, foi depositada no santuario de Silo (cf. 1 Sam 3,3); os filisteus, porém, arrebataram-na durante urna batalha, guar dando-a sete meses consigo (cf. 1 Sam 4-6). Durante toda a época de Samuel e de Saúl, a Arca perma-

neceu em casa de Abinadad em Cariatiarim (cf. 1 Sam 7,1).

Davi, porém, mandou transportá-la para Jerusalém, nova capi tal do reino, colocando-a em urna tenda própria (cf. 2 Sam 6,12-17); mobilizou-a, por vézes, para acompanhar o exército de Israel (cf. 2 Sam 11,11), e ia orar a Deus junto á Arca (cf. 2 Sam 7,18; 12,20). Salomáo fez transferir a Arca para o lugar mais santo do novo Templo de Jerusalém (cf. 3 Rs

6,19; 8,5-9).

3.

Após o reinado de Salomáo (975-935), a S. Escritura

ainda menciona a Arca sob o govérno de Josias (639-609);

que a mandou restabelécer em seu lugar no Templo, donde hayia sido retirada, provávelmente por efeito do afrouxamcntó

religioso verifieado sob os monarcas anteriores J(cf. 2 Crpn 35,3). _ 69 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 3

Muitos autores supóem que a Arca e, por conseguirte, as tábuas da Lei que ela continha, tenham finalmente perecido quando o Templo foi incendiado por ocasiáo da queda do x-eino de Judá em 586 (cf. 4 Rs 25,9). Nada, porém, se pode dizer

de preciso a respeito.

4.

A guisa de ilustragáo, váo aqui registradas algumas

tradigoes judaicas (destituidas de sólido fundamento, como se

verá) a propósito do ulterior paradeiro da Arca.

No limiar do 2» livro dos Macabeus, encontra-se consignada urna carta dos judeus de Jerusalém aos seus correligionarios do Egito no séc. II a. C, carta que, baseando-se em documentos arquivados entre' os judeus, atribui ao profeta Jeremías (séc. VI a. C) urna íuncáo

importante na historia da Arca. Eis o teor do texto: «Lia-se nesse documento dos arquivos a noticia de que o profeta Jeremías, admoestado por um oráculo, levou consigo a tenda e a

Arca, quando foi á montanha em que Moisés, tendo subido, contemplou ajieranca de Deus. Chegando lá, Jeremías econtrou urna mansao em forma de gruta e ai introduziu a tenda, a Arca e o altar dos perfumes; a seguir, fechou a entrada. Alguns dos seus companheiros, tendo sobrevindo mais tarde para marcar o caminho por meio de sinais, nao o puderam encontrar. Ora Jeremías, tendo sabido disto, censurou-os nestes termos: 'Tal lugar será ignorado até que

Deus reúna de novo o seu povo e lhe Senhor manifestará de novo todos ésses aparecerá com a nuvem, como apareceu ocasiáo em que Salomáo orou para que o dedjcaao1»

(2 Mac 2,4-8).

faga misericordia. EntSo o objetos, a gloria do Senhor nos tempos de Moisés e na Templo fdsse gloriosamente

A montanha a que alude o texto é o monte Nebo, sobre o qual Moisés morreu após haver contemplado de longe a Térra Prometida (cf. Dt 34).

Note-se bem que a carta a qual pertence o trecho ácima, foi

apenas transcrita, sem comentario algum, pelo autor que deu a forma

atual ao 2* livro dos Macabeus. Nao seria licito daí concluir que o nagiografo ou que a Sagrada Escritura, com sua autoridade, abonam o conteudo de tal missiva; o hagiógrafo ná0 se tendo pronunciado sobre a veracidade da noticia, resta ao estudioso liberdade para discutir a

autenticidade da mensagem respectiva.

Outro escrito de origem judaica, o livro «Vitae Prophetarum», falsamente atribuido a S. Epiíanio (ed. Migne gr. 43, 421; 92, 385.388), refere que Jeremías obteve que um rochedo absorvesse a Arca da Alianca e as tábuas daXei; isto se terá dado num lugar deserto que os críticos julgar poder identificar com o monte Djabel Daña (1627m) na Transjordánia. Nos dias do Messias, acrescenta a mesma narrativa, a Lei de Moisés sairá do rochedo, acompanhada de gloria, de urna nuvem luminosa e de toda a pompa que assinalou a sua promulga-

Cao no Sinai.

6

Um apócrifo, o Apocalipse de Baruque c. VI, conta que um anjo, descendo dos céus, fez que o solo se abrisse e recebesse em seu selo o véu, o efod, o propiciatorio, as duas tábuas da Lei e as vestes do Sumo Sacerdote.

Algumas passagens do Talmud (co'ecáo de dizeres dos rabinos antigos) atribuem ao rei Josias o papel do preservador; éste monarca, — 70 —

JOAO BATISTA: O MAIOR OU Q MENOR?

ante a iminéncia da destruigáo do Templo (586), teria escondido a Arca da Alianca, o vaso com o maná e a ánfora portadora do óleo

com o qual Moisés realizava as uncSes sagradas; o Profeta Elias naveria de revelar ésses diversos objetos nos tempos do Messias! Outra corrente judaica ensinava que a Arca da Alianga se encontrava no subsolo do patio do Templo de Jerusalém reconstruido após o exilio, e que, por conseguinte, havia perigo de morte para quem

quisesse escavar tal lugar; a atitude mais segura para quem passasse

pelo local, seria a de fazer genuflexáo (Jer. Jeqalim VI 1)!

Por fim, entre os judeus antigos havia também quem cresse que, ao partirem para o exilio babilónico em 586, os israelitas haviam le vado consigo a Arca da Alianga assim como o fogo sagrado do Templo

e a Lei de Moisés.

v

Como se depreende, todas estas historias tendem a incutir

a perenidade dos principáis objetos do culto judaico, apelando em parte para urna pretensa agáo preservadora do Profeta

Jeremías. Ora é muito alheia ao pensamento de Jeremías a idéia de que os referidos objetos nao haviam de perecer; éste

homem de Deus, ao contrario, predizia constantemente, para o Templo de Jerusalém, ruina semelhante á do santuario de Silo, e repreendia o povo por confiar, de maneira guase supers ticiosa, no aparato material do culto sagrado (cf. Jer 7,12-15). A mente de Jeremías é bem expressa pela seguinte previsáo referente aos días do Messias: «Nao se dirá mais: 'Onde está a Arca da Alianca do Senhor?' Ninguém mais pensará nela, . ninguém mais se recordará déla, ninguém mais a pranteará; ninguém construirá outra nova» (Jer 3,16). Estes dizeres dáo claramente a ver que o Profeta supunha a destruigáo da Arca da Alianca e, ccnseqüentemente, a das tábuas da Lei que ela

encerrava.

Em conclusáo, eis o que se pode colhér das principáis fontes bíblicas e extra-bíblicas sobre a historia das rábuas Ca Lei de Moisés; qualquer tradigáo sobre o seu paradeiro carece de fundamento seguro; as conjeturas arriscam-se a cair no terreno da fantasía e da arbitrariedade. É de crer, em última análise, que as tábuas hajam perecido em algum dos varios embates por que passaram o povo de Israel e o Templo de

Jerusalém.

P. S. S. (Curitiba):

4)

«Como se explicam as palavras de Jesús aparente

mente contraditóriasr. 'Em verdade vos digo: entre os aun nasceram da mulher, nenhum se levantou maior do que Joao

Batista, Contudo o menor no reino dos céus é maior do oue

ele* (Mt 11,11; cf. Le 7,28)?»

— 71 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 4

A declaragáo de Jesús compreende evidentemente duas

partes, divididas entre si pela adversativa «contudo». Analise-

mo-las sucessivamente.

Mt 11, lia

Mt 11, lia: «Entre os que nasceram da mulher, nenhum se levantou maior do que Joáo Batista». 1. Antes do mais, duas observac5es lingüísticas se impóem: «Os que nasceram da mulher» é expressáo semítica, freqüente entre os rabinos, que designa simplesmente «os homens»; cf. Jó

11,2.12; 14,1; 15,14; 25,4; 4 Esdr 4,6; 8,25.

«Levantou-se» (egégertal, em grego), em vez de «existiu», equi

vale a «foi suscitado»; p6e em relevo o oficio, a func&o de que urna personalidade é revestida, e nao própriamente a existencia dessa

pessoa.

2. Dito isto, o sentido das palavras de Cristo se depreende com facilidade. Tenham-se em vista os versículos 9 a 10

anteriores: Jesús ai afirmou que Joáo, por sua tarefa de pre parar os caminhos do Messias, era mais do que um Profeta do Antigo Testamento. Por conseguinte, o ministerio do Batista vinha a ser maior ou mais digno do que o dos oragos da Antiga Alianza. Com efeito, ao Batista tocara um papel que a nenhum outro homem de Deus fóra até entáo outorgado:

Joáo foi Precursor direto,... pode nao sómente anunciar de antemáo, mas também apontar, como presente na térra, o

Messias aguardado; ele O viu e O batizou, á diferen;a dos demais justos do Antigo Testamento.

3.

O contexto, portante, de Mt 11, lia incute as duas

seguintes conclusóes:

a eminente dignidade de Joáo, afirmada por Jesús, visa

o passado, nao o futuro, isto é, ela se delineia sobre a historia sagrada do Antigo Testamento, nao se projeta sobre os tempos do Novo Testamento;

é o oficio ou a funcáo de Joáo que Jesús tem em vista

no seu elogio, e nao a santidade pessoal do Batista (esta era certamente insigne, mas Cristo nao a quis focalizar no caso). Mt 11, llb 1.

O Senhor volta agora seu olhar para o «Reino dos Céus».

Esta expressáo, vasada no expressionismo judaico antigo. designa a nova ordena de coisas ou o regime de salvagáo inaugurado pelo Messias (cf. Mt 5,19s); com outras palavras, significa a vida crista ou a vida na Igreja, que foi apregoada por Jesús desde o inicio do seú ministerio

— 72 —

.

JOAO BATISTA: O MAIOR QU Q MENOR

público, mas so foi própriamente fundada após o desenlace de Joáo Batista, ou seja, por ocasiáo da morte do Senhor na Cruz.

Ora, afirma Jesús, o mais simples membro da Igreja possui aínda maior dignidade do que a de Precursor do Messias (Cristo), pois é membro enxertado em Cristo pelo batismo (cf. Rom 6, 5). Joáo jnesmo reconhecia ser apenas o amigo do Esposo, Cristo (cf. Jo 3,29s); o cristáo, porém, nao é apenas amigo; é, antes, membro do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja; ele faz parte integrante da própria Esposa (cf. 1 Cor

12,27; Ef 5,24-32). 2.

Em suma:

a) Joáo foi o arauto ¡mediato do Reino dos Céus e do Messias; por isto sua missáo ultrapassa em dignidade a de

qualquer Profeta anterior; b) contudo o Batista ficou no adro do Reino ou da Igreja; por isto sua posicáo nao atinge a dignidade de um cristáo batizado, que, pelo fato mesmo de estar batizado, reves-

tiu o Cristo (cf. Gal 3,27); deixou de estar sob o regime dos «tutores e pedagogos provisorios» (=Lei de Moisés) ou sob os tipos e figuras do Antigo Testamento, para entrar no regime dos filhos de Deus, aos quais é dado clamar: «Abba, Pai» (cf. Gal 4,1-7.22-31).

Éste duplo aspecto do Precursor de Cristo se deve ax> fato de

que ele constituí, por assim dizer, como que a linha limítrofe entre o Antigo e o Novo Testamento. Observa S. Agostinho: «Videtur Ioannes ínteriectus quídam limes Testamentorum duorum. Joáo parece ter sido constituido linha de fronteira entre os dois Testamen

tos» (ed. Migne lat. 38,1328).

3. Como se vé, a comparacáo de Jesús recai nao sobre a santidade pessoal de Joáo e a santidade pessoal de um cristáo,

mas sobre a santidade dos estados ou das duas ordens de coisas

em que se encontram respectivamente o Batista e o cristáo.

— Pode muito bem acontecer que um cristáo seja pouco fiel as gracas que recebe no regime nobilíssimo do Novo Testa mento, ao passo que Joáo foi certamente muito fiel ás gragas que recebeu no regime do Antigo Testamento; em tal caso,

o cristáo vem a ser menos santo do que o Batista. Alias, a santidade de Joáo ou a correspondencia déste justo á graga de Deus é algo de eminente, de sorte que na Ladaínha de todos

os Santos ele vem colocado logo após a Virgem Santíssima e os anjos.

A guisa de complemento, pode-se acrescentar que nao há

fundamento bíblico para se dizer que Joáo foi purificado do pecado original no seio materno, de modo a nascer sem a 70

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu.

5

mancha original (embora a tenha realmente contraído). O texto muito evocado de Le 1,41 quer apenas dizer que Joáo Batista «exultou no seio materno», isto é, foi especialmente movido pelo Espirito Santo para designar a presenga da Máe

de Deus, por ocasiáo da visita desta a Santa Isabel; disto nada se pode concluir com relagáo ao cancelamento da culpa original. IV.

MORAL,

UM LEITOB (Ctiritiba):

5) «Diante das circunstancias características da vida moderna, mantera a Igreja as suas Ieis referentes ao hábito talar dos clérigos? Que pensar das apregoadas vantagens e desvantagens désse traje?»

Nesta resposta nao temos o propósito de fazer prognósti cos sobre a futura legislacáo eclesiástica referente ao hábito talar; seriam hipotéticos e, até certo ponto, vaos. Mais útil será apresentar ao estudioso o sentido que tem o hábito próprio dos eclesiásticos; quem compreende a genuína razáo de ser de um objeto controvertido, sem grande dificuldade forma o seu juízo na controversia. Nos parágrafos seguintes, portante, consideraremos algo sobre a origem e o histórico da veste clerical; a seguir, propo-

remos brevemente o seu significado. 1.

Origem do hábito clerical

Até o infeio do séc. IV (313), enquanto os cristáos sofriam perseguigáo no Imperio Romano, nao se podia pensar em veste característica dos clérigos; a prudencia recomendava que estes nao chamassem a atencáo sobre si. Por conseguinte, clérigos e leigos nao se distinguiam entre si nem pela forma nem pela cor dos trajes. As autoridades eclesiásticas recomendavam apenas que as vestes a ser trajadas pelos ministros do altar na celebracáo da S. Eucaristía e dos oficios litúrgicos em geral fóssem sempre limpas e bem conservadas. É o que aínda no séc. V atesta, por exemplo, Sao Jerónimo (t 421), ao comentar o texto do Profeta Ezequiel 44,17: — 74 —

O HABITO CLERICAL

«Quando os sacerdotes passarem as portas do adro interior, deverao estar vestidos de linho; nao teráo la sobre si, quando oíiciarem... (Ez 44,17). Por estes dizeres ficamos sabendo que nao é coni nossas vestes cotidianas, manchadas pelo uso da vida comum que devemos entrar no santuario, mas é com urna consciéncia pura e com vestes limpas, a fim de observar os misterios do Senhor» (In Ez 44,17). «Per quae discímus non quotidianis et quibuslibet pro usu vitae communis pollutis vestibus nos ingredi deberé in sancta sanctorum, sed munda conscientia et mundis vestibus tenere Domini sacramenta». O mesmo S. Jerónimo assim respondía a Pelágio, que afirmava

ser o cuidado das vestes urna especie de injuria a Deus:

«Que injuria se comete contra Deus, se trajo urna túnica mais asseada, se um bispo, um presbítero, um diácono ou outro membro da hierarquia, ao realizarem suas funcOes, se revestem, de veste alva (=limpa)?» (Dial. I contra Pelagium). «Quae sunt, rogo, inimicitiae contra Deum, si tunicam habeo mundiorem, si episcopus, presbyter et diaconus et rellquus ordo ecclesiasticus in admLnistratione cum candida veste processerint?»

Em conseqüéncia désse modo de ver, introduziu-se o costume de reservar certas pegas do vestiario comum única mente para as fungóes da Liturgia. Assim comecou a haver vestes próprias dos clérigos nos oficios litúrgicos, vestes, porém, que só se distinguiam das demais por serem mais conservadas

e limpas do que as de uso cotidiano. Com o passar dos tem-

pos, tal espirito conservador em relacáo as vestes sacerdotais contribuiría para fazer que estas mais e mais se distanciassem dos trajes do comum dos cidadios.

Na primeira metade do séc. V, novo elemento entrou em cena:- os varóes, em vez das tongas túnicas habituáis entre os romanos, comecaram a trajar vestes curtas, semelhantes as que os povos bárbaros trajavam. Á vista da nova moda, os concilios eclesiásticos resolveram proibi-la aos clérigos, prescrevendo-lhes vestes longas, fechadas, de cor escura e destituidas de ornamentos supérfluos; tal hábito deveria estimular e expri

mir modestia e humildade. Vé-se que assim mais um passo foi dado no sentido de diversificar do traje dos leigos o hábito dos clérigos. Outro fator exerceu sua influencia nessa evolucáo. Os monges, que viviam longe do mundo num regime de pobreza e renuncia, usavam de vestiario simplicíssimo: muitas vézes, túnica e cinto apenas... Ora os clérigos (principalmente os bispos e os presbíteros) eram nao raro recrutados dentre os monges; vivendo entáo no estado clerical, conservavam o hábito do mosteiro, naturalmente refratário as modas e as inovacóes que, como se compreende, se iam multiplicando no decorrer dos tempos.

— 75 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961, qu. 5

Foi assim que, sem intencáo preconcebida por parte das autoridades eclesiásticas, no inicio da Idade Media monges e

clérigos comegaram a se distinguir por suas vestes. Note-se, porém, que tais vestes nao eram senáo os trajes comumente

usados na antigüidade!

Alias, coisa semelhante se deu com o latim na Liturgia: outrora língua viva, conservou-se no santuario, enquanto os idiomas falados se foram diversificando; também neste setor ná0 houve, da parte

da Igreja, plano premeditado.

Embora diferisse do vestiario dos leigos, o traje clerical durante muitos séculos nao era uniforme: os concilios medievais geralmente se limitavam a dar normas negativas, visando apenas remover luxo ou espalhafato. A cor negra, por exemplo,

foi adotada pelos mosteiros da Congregagáo de Cluny (Franga) no séc. X, tornando-se daí por diante assaz comum entre os clérigos; contudo só veio a ser obrigatória após'o Concilio

deTrento (1545-1563).

Éste sínodo, com efeito, determinou que todos os eclesiás

ticos deveriam para o futuro trajar vestes características, deixando, porém, aos bispos o encargo de estipular para os respectivos clérigos o tipo de hábito a ser usado na diocese,

de acordó com as circunstancias e as tradigóes particulares de cada regiáo (sess. XIV cap. 6). Por efeito desta disposigáo, os bispos foram prescrevendo a veste talar (=longa até os talóes dos pés) de cor negra, sendo que para isto muito con-

tribuiram o Papa Sixto V (constituigáo «Cum Sacrosanctam» de 9 de Janeiro de 1589) e o arcebispo Sao Carlos Borromeu de Miláo (fl584). Contudo acontece que costumes antigos e leis peculiares de algumas dioceses determinam até hoje modalidades próprias do hábito eclesiástico, permitindo-se até

mesmo o traje civil munido de colarinho especial ou de discreto distintivo religioso. 2.

A legislacao ora vigente

O atual Código de Direito Canónico, promulgado em 1918, imp5e aos clérigos o uso de hábito eclesiástico conforme as leis e aos

costumes de cada diocese (cf. can. 136). Para celebrar a Santa Missa,

porém, o sacerdote deve sempre trajar hábito talar (cf. can. 811 § 1).
De outro lado, fica estritamente proibido a estranhos o uso de hábito clerical ou religioso (cf. can. 492 § 3 e 683). Também nao o

— 76 —

O HABITO CLERICAL

podem usar clérigos reduzidos ao estado laical (cf. c&n. 213 § l) nem Religiosos exclaustrados ou secularizados (cf. can. 639-640). Severas penas sao previstas para quem nao observe a lei do hábito próprió (cf. can. 136 § 3; 188 n. 7; 2379); donde se depreende haver grave obrigacáo moral neste setor. NSo resta düvida, porém de que motivos serios e variados podem provocar dispensas (assim

situacSes de perseguicáo, viagens a regi6es de costumes diversos,

exigencias do apostolado, etc.).

3.

O significado do hábito clerical

A veste eclesiástica é um sacramental, ou seja, objeto

que, especialmente bento pela Santa Igreja, se deve tornar meio de santificagáo para aqueles que o usem corr fé e amor

a Deus (cf. «P. R.» 11/1958, qu. 3). Foi por esta sua qualidade que o hábito próprio clerical sempre mereceu a estima dos homens de Deus. O clérigo deve ver na sua veste um penhor

de que a oracáo da Santa Igreja, sempre agradável a Deus, o acompanha no «vai-e-vem» ou ñas vicissitudes da vida pre sente; o hábito clerical, conseqüentemente, vem a ser o testemunho de que a Santa Igreja assiste ao seu ministro fiel nos embates da vida presente, impetrando-lhe de Deus as gracas necessárias para se santificar e para santificar o mundo. Além disto, a veste eclesiástica constituí urna especie de «clausura» para quem a traja. Ela por si exige sobriedade de conduta tanto da parte do seu portador como da parte daqueles que o abordam. $ de certo modo um esteio do comportamentó puro e nobre que os eclesiásticos devem levar. Um historiador moderno, F. W. Jahn, observa com razáo que a veste própria de urna sociedade ou de urna corporacáo sempre foi apolo de sua subsistencia, impedindo-a de se diluir e desvirtuar: «Todos os povos que tiveram existencia duradoura, salvaram-se dos renovados assaltos das modas por efeito de sua veste popular característica...; enquanto urna populacSozinha, por muito oprimida

que seja, aínda traja seu vestiario tradicional, está protegida contra

o perigo de dissolucáo. Desde, porém, que abandone tal preservativo, vem a ser absorvida e dilui-se na massa» (Deutsches Volkstum 1810).

Estes dizeres podem, dentro das devidas proporcñes, ilustrar o papel que compete ao hábito característico dos clérigos.

Está claro que nem sempre será possivel ou oportuno que os clérigos tragam o hábito talar. A vida moderna, a mais de um título, pode exigir que deixem de usar túnica para trajar veste mais semelhante á dos civis, munida apenas de discreto sinal distintivo. — É á autoridade eclesiástica que toca dizer a palavra auténtica neste setor; á Santa Igreja, guiada pelo Espirito Santo, saberá discernir quais as adaptagóes que — 77 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961. qu. 6

possam ser empreendidas; evitem-se comentarios e prognósticos

sobre o assunto, pois éste é um dos campos em que mais se

verifica a veracidade do adagio: «Quot capita, tot sensus.

— Tantas opinióes há quantas cabegas!». V. A. F.

HISTORIA

DO

CRISTIANISMO

(Sao Paulo):

6) «Como se node justificar a Inquisicáo Espanhola/ dentro da historia da" Igreja? Em particular, a atívidade do Inquisidor-Mor Tomaz de Torquemada nao constituí flagrante onosicáo ao espirito

cristao?»

O tema «Inquisicáo» já íoi abordado em «P. R.» 8/1957, qu. 9

Dissemos entáo que a Inquisicáo constituí um acontecimento complexo, que nao pode ser devidamente considerado se nao se tém em vista as suas tres modalidades: a Inquisicáo Medieval (séc. XII/XV) a

Inquisicáo Romana (séc. XVI/XVII) e a Inquisicáo Espanhola (séc. Ao passo que a Inquisicáo Medieval e a Inquisicáo Romana

obedeceram mais ou menos ao mesmo regime, a Inquisicáo Espanhola exerceu sua atividade sob a influencia de fatdres próprios. Visto já ter sido estudada a Inquisicáo Medieval no referido artigo de «P. R.s,

limitar-nos-emos aqui ao que diz respeito & Inquisicáo Espanhola.

Em primeiro lugar, tentaremos reconstituir o quadro histórico e a mentalidade que caracterizaram os Inquisidores da Espanha. A seguir, deter-nos-emos sobre a figura de Torquemada em particular. Por fim, procuraremos formular um jufzo sobre o assunto.

1.

A situacao étnica e religiosa da Espanha no séc. XV

1.

Em meados do séc. XV a Espanha apresentava urna

situagáo política assaz complexa. A mor parte do territorio fóra libertada da ocupagao

árabe (mugulmana) que desde o séc. Vm ai se exercia. Os califas árabes dominavam apenas na regiáo de Granada, ao sul do país. Contudo os soberanos dos pequeños reinos da península nao se entendiam entre si, de modo que a obra da Reconquista se achava estagnada desde a tomada de Seviiha em 1248 por obra de Fernando m o Santo.

Em 1479, os monarcas Fernando de Aragáo e Isabel de Castela, tendo-se previamente unido em matrimonio, come?aram a reinar conjuntamente sobre todo o territorio livre da ' Espanha, pondo termo ás rivalidades sangrentes que solapavam os esforgos de unificagáo nacional. A Espanha entrou entáo

A INQUISIgAO ESPANHOLA

numa fase nova da sua historia, fase selada pela vitória das

tropas de Femando e Isabel sobre os árabes em Granada no ano de 1492. Nesta data tendo sido extinto o último reduto árabe, nao restava mais poder estrangeiro legalmente insta lado em territorio espanhol. Contudo a obra de unificagáo dstava longe de se achar consumada: nao sómente o fator étnico ou racial dividía entre si a populacho; também o ele mento religioso diversificava os cidadáos; havia, sim, em meio a grande maioria de cristáos da península, grupos muito influ entes de judeus e de mugulmanos. Éste fato mereceu a atengáo dos reis Fernando e Isabel, os quais resolveram empenhar zélo ferrenho (inspirado, sem dúvida, por motivos nacionais, mas corroborado por tempera religiosa) a fim de absorver ou (caso isto náó fósse possível) eliminar os elementos hetero géneos da populagáo. 2.

Nao se poderia, porém, descrever a agio dos monarcas contra

judeus e muculmanos sem se reconstituir brevemente o significado déstes dois grupos étnicos dentro c'a Espanha medieval. a) Os Judeus. Durante a Idade Media foram sempre assaz numerosos no territorio espanhol: «urna terca parte dos cidadáos e comerciantes de Castela», escrevia Vincenzo Quirini, embaixador de Veneza no séc. XV; sómente Toledo, a capital de Castela, contava mais de doze mil israelitas e possula varias sinagogas de incontestável

gósto artistico.

Nos séc. XII/XIV os judeus gozavam de liberdade e mesmo de estima nos reinos cristáos da península. É o historiador israelita

Theodor Graetz (1817-1891)

quem observa:

«Sob Afonso VIII o Nobre (1166-1214), os judeus ocuparam fun-

cSes públicas... José ben Salomao ibn Schoschan; que tinha o titulo de principe, homem rico, generoso, sabio e piedoso, era muito con siderado na corte e junto aos nobres... O rei, casado com urna princeza inglesa, tivera durante sete anos urna favorita judaica, chamada Rahel e, em vista de sua beleza, cognominada Formosa. Os judeus de Toledo ajudaram enérgicamente o monarca na sua luta contra os mouros» (Graetz, Histoire des juiís IV 118).

Em fins do séc. XTV, porém, e no decurso do séc. XV, os israe litas tornaram-se objeto de perseguicoes; irritavam profundamente o povo por suas riquezas, em grande parte arrecadadas & custa de empréstimos a juros elevadíssimos (podiam chegar a 40%), e por

seu luxo tido como arrogante. Registraram-se primeiramente tumul tos e linchamentos populares contra os judeus, desordens estas que os reis de Castela, Navarra e Aragáo procuraran! reprimir. A sltuacáo, porém, se tornou insustentável em meados do séc. XV, quando nao poucos judeus, desejosos de conservar suas posicSes financeiras e políticas, pediam o batismo cristao, conservando nao obstante a fé judaica e observando, no recóndito de seus domicilios, as práticas talmúdicas. Essa onda de conversOes insinceras recrudesceu princi palmente em Castela, quando o jovem rei Joáo II declarou os judeus incapazes de exercer alguma fungáo pública (1468); deram-se entáo

milhares de conversSes aparentes, ocasionando um tipo de cidadáos

— 79 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961.

qu.

6

que o povo chamava «Marranos» (palavra que jogava ao mesmo tempo com a expressáo semita «Maran atha», O Senhor vcm, e com o termo castelhano «marrano», leitáo). «Embora tivessem que participar dos sacramentos, (os marranos) esforcavam-se o mais possível por se lhes subtrair... No tribunal da penitencia, nao confessavam coisa alguma ou só acusavam faltas leves; mandavam batizar seus filhos, mas, ao sair das cerimónias, Iavavam cuidadosamente as partes do corpo ungidas pelo santo crisma. Alguns rabinos iam secretamente dar-lhes instrucao... Imolavam, segundo os seus ritos, animáis e axes que lhes serviam de alimento... Só comiam carne de porco quando constrangidos a isso» (M. Mariejol, L'Espagne sous Fernand et Isabelle, pág. 45). Ostentando a aparéncia de bons cristáos, os marranos chegavam a ocupar elevados cargos na Igreja, infiltrando-se até mesmo no alto clero; conta-se o caso (até que ponto será verídico?) de um bispo de Calahorra, o qual, indo a Roma, comía carne ás sextas-feiras (coisa lá proibida), rezava em hebraico segundo rito judeu, recusava pronunciar o nome de Cristo, e ainda espancava seus sacerdotes caso estes Ihe quisessem chamar a atengáo! A hipocrisia dos marranos era nao raro denunciada pelos seus

correligionarios de raga judaica que, tendo sinceramente abragado a fé de Cristo, haviam recebido ordens sacerdotais na Igreja ou queriam dar provas de sua auténtica convarsáo. Em conseqüéncla, os marranos chegaram a se reunir em sociedades secretas, de tipo

magdnico, o que os tornava ainda mais suspeitos e antipáticos ao

povo. Éste os tinha na conta de verdadeiro perigo para o bem comum, tanto do ponto de vista religioso como do ponto de vista civil (a causa religiosa e a causa nacional pareclam, no caso, solidarias entre si).

b)

Os mugulmanos. Quando os árabes maometanos ocuparam a

península ibérica no séc. VIII, deram Inicio a urna política de tole rancia para com o povo cristáo, que cultivava o

solo

e que conse-

qüentemente passou a ser chamado «mogárabe» (do árabe must'rib, «arabizado»). Diz-se mesmo que no séc. XV rara era a familia crista que nao contasse entre os seus antepassados um discípulo de Maomé. Nos territorios que aos poucos iam sendo reconquistados, os reis cristáos se mostravam, por sua vez, tolerantes para com os árabes, reconhecendo a estes liberdade religiosa. Assim é que notável popu lacho de mugulmanos vivia ñas cidades de Valenga, Toledo, Sevilha,

etc., gozando de grande influencia na vida publica, pois os árabes continuavam a usufruir das vantagens económicas que possuiam antes da Reconquista; conseguiam mesmo ampliar essas vantagens median

te intenso comercio com seus correligionarios do sul da Espanha,

da África do Norte e da bacia do Mediterráneo. Eis, porém, que no séc. XIV alguns motins de árabes prepotentes contra os governos cristáos provocaran!, da parte déstes, urna serie de medidas que visavam doravánte conter a influencia política e social dos mugul

manos, influencia

que se exercia principalmente pela industria, o

comercio e os empréstimos a juros.

Visando entáo libertar-se da coibicáo e do controle dos soberanos

espanhóis, nao poucos maometanos abragaram a fé católica, dando assim origem a outro tipo de cidadáos ambiguos, popularmente deno minados «mouriscos». Convertendo-se, ao menos em aparéncía, os árabes passavam a gozar dos mesmos direitos civis e religiosos que os cristáos, exceto o direito de acesso ao episcopado (contudo no

— 80 —

A INQUISICAO ESPANHOLA séc. XV contavam-se varios blspos espanhóis convertíaos do islamismo). Todavía as conversSes interesseiras nao escapavam á observacao do público, que se mostrava infenso & hipocrisia dos «nouriscos>; as intrigas e maquinales déstes, tramadas como que em sociedades secretas, vinham a ser inegavelmente mais perigosas para o bem comum do que as atividades dos mugulmanos confessos.

Na situagáo geral que acaba de ser descrita, compreende-se que aos poucos as autoridades dos reinos cristáos da Espa nha tenham percebido a necessidade de dar busca ou «inquisi cáo» aos cidadáos ambiguos — marranos e mouriscos. Era, de um lado, a seguranza pública que o exigía dos poderes chis; doutro lado, já que a pureza da fé crista estava em jógo, também as autoridades eclesiásticas deviam mostrar-se kiteressadas em tal género de indagagáo ou inquisijáo. Em urna

palavra: para a Espanha crista, a luta contra a falsidade religiosa, contra as maquinagóes secretas de cidadáos ambi ciosos dissimulados sob rótulos religiosos, se apresentava como questáo de vida ou morte. Destarte Estado e Igreja, interésses civis e interésses religiosos se entrelacavam espontáneamente para dar origem ao famoso fenómeno da «Inquisigáo Espanhola».

É a éste que vamos agora voltar diretamente a nossa

atengáo.

2.

Surto e procederes da Inquisieao Espanhola

Os reís Fernando e Isabel, visando a plena unificacáo de seus dominios, tinham consciéncia de que existia urna instituicSo ecle siástica — a Inquisicáo — oriunda na Idade Media com o fim de reprimir um perigo religioso e civil dos séc. XI/XTI — a heresia catara ou albigense —, perigo ao qual bem se assemelhavam as atividades dos marranos e mouriscos na Espanha do séc. XV.

1. A Inquisigáo Medieval, que nunca fóra muito ativa na península ibérica, achava-se ai mais ou menos adormecida na segunda metade do séc. XV... Aconteceu, porém, que durante a Semana Santa de 1478 foi descoberta em Sevilha urna conspiragáo de marranos, a qual, dadas as suas intengóes nítidamente anticristás, muito exasperou o público. Entáo

lembrou-se o rei Fernando de pedir ao Papa, reavivasse na Espanha" a antiga Inquisicáo, e a reavivasse sobre novas bases, mais promissoras, confiando sua orientagáo ao monarca espanhol. Sixto IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual, depois de hesitar algum tempo,

sé associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha o Breve — 81 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961,

qu. 6

de 1» de novembro de 1478, pelo qual «conferia plenos poderes

a Fernando e Isabel para nomearem dois ou tres Inquisidores, arcebispos, bispos ou outros dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua prudencia e suas virtudes, sacerdotes seculares ou regulares, de quarenta anos de idade ao menos, e de costumes irrepreensíveis, mestres ou hacharéis em Teología, doutores ou licenciados em Direito Canónico, os quais deveríam passar

de maneira satisfatória por um exame especial. Tais Inquisido res ficariam encarregados de proceder contra os judeus batizados reincidentes no judaismo e contra todos os demais culpa- / dos de apostasia. O Papa delegava a ésses Oficiáis eclesiásticos a jurisdigáo necessária para instaurar os processos dos acusados conforme o Direito e o costume; além disto, autorizava os

soberanos espanhóis a destituir tais Inquisidores e nomear outros em seu lugar, caso isto fósse oportuno» Histoire des Papes IV 370).

(L. Pastor,

Note-se bem que, conforme éste edito, a Inquisigüo so estenderia sua acáo a cristáos batizados, nao a judeus que jamáis houvessem pertencido á Igreja; a instituido era, pois, concebida como órgáo promotor de disciplina entre os íilhos

da

Igreja, nao como

mento de intolerancia em relacáo ás crencas nao-cristas.

instru

Ora, apoiados na licenca pontificia, os reis de Espanha, aos 17 de setembro de 1480 nomearam Inquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Morillo e Juan Martins, dando-lhes como assessóres dois sacerdotes seculares. Os monarcas promulgaram também um compendio de «Instrugoes», enviado a todos os tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisigáo, a qual assim se tornava urna especie de órgáo do Estado civil.

Os Inquisidores entraram logo em agáo, procedendo geral-

mente com grande energía. Parecía que a Inquisicáo estava a servigo nao da Religiáo própriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam atingir criminosos mesmo de categoría meramente política. Em breve, porém, fizeram-se ouvir em Roma queixas diversas contra a severidade dos Inquisidores. Sixto IV entáo escreveu sucessivas cartas aos monarcas da Espanha, mostrando-lhes profundo descontentamento por quanto acontecía em seu reino e baixando instrucoes de moderacáo para os juízes tanto civis como eclesiásticos. Merece especial destaque neste particular o Breve de 2 de agosto de 1482, que o Papa, depois de promulgar certas regras coibitivas

do poder dos Inquisidores, concluía com as seguintes palavras: — 82 —

A INQUISICAO ESPANHOLA

«Visto que sonriente a caridade nos torna semelhantes a Deus..., rogamos e exortamos o Rei e a Rainha, pelo amor de Nosso Senhor

Jesús Cristo, a fim de que imitem Aquéle de quem é característico

ter sempre compaixáo e perdao. Queiram, portanto, mostrar-se indul gentes para com os seus súditos da cidade e da diocese de Sevilha que confessam o erro e imploram a misericordia!»

Contudo, apesar das freqüentes admoestacSes pontificias, a Inquisicáo Espanhola ia-se tornando mais e mais um órgáo poderoso de influencia e atividade do monarca nacional. Para comprovar isto, basta lembrar o seguinte: a Inquisigao no territorio espanhol ficou sendo instituto permanente durante tres sáculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisicjio Medieval, a qual foi sempre intermitente, tendo em vista determinados erros oriundos em tal e tal localidade. A

manutencáo permanente de um tribunal inquisitorio impunha avultadas despesas, que sonriente o Estado podia tomar a seu cargo; foi

o que se deu na Espanha: os reis atribuiam a si tedas as rendas materiais da Inquisigao (impostos, multas, bens confiscados) e paga-

vam as respectivas despesas; conseqüentemente alguns historiadores, referindo-se á Inquisicao Espanhola, denominaram-na «Inquisicao Regia»!

A fim de completar o quadro até aqui tragado, passemos a mais um pormenor característico do mesmo. Os reis Fernando e Isabel visavam corroborar a Inquisigao, emancipando-a do controle mesmo de Roma... Conceberam entáo a idéia de dar á instituigáo um chefe único e plenipoten ciario — o Inquisidor-Mor —, o qual julgaria na Espanha mesma os apelos dirigidos a Roma. Para éste cargo, propuseram á Santa Sé um religioso dominicano, Tomaz de Torquemada («a Turrecremata», em latim), o qual em outubro de 1483 foi realmente nomeado Inquisidor-Mor para todos os ter ritorios de Fernando e Isabel. Proeedendo a nomeagio, escrevia o Papa Sixto IV a Torquemada: «Os nossos carissimos

Castela

e

Leáo, nos

filhos em Cristo,

suplicaran! para que

o rei e a rainha

de

te designássemos como

Inquisidor do mal da heresia nos seus reinos de Aragáo e Valenca, assim como no principado da Catalunha» (Bullar. Ord. Praedicatorum ni 622).

O gesto de Sixto IV só se pode explicar por boa fé e confianca. O ato era, na verdade, pouco prudente...

Com efeito, a concessáo benignamente feita aos monarcas seria pretexto para novos e novos avangos déstes: os sucessores de Torquemada no cargo de Inquisidor-Mor já nao foram nomeados pelo Papa, mas pelos soberanos espanhóis (de acordó com criterios nem sempre louváveis). Para Torquemada e sucessores, foi obtido da Santa Sé o direito de nomearem os Inquisidores regionais, subordinados ao Inquisidor-Mor.

— 83 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961,

qu. 6

Mais ainda: Fernando e Isabel criaram o chamado «Con-

selho Regio da Inquisicáo», comissáo de consultores nomeados pelo poder civil e destinados como que a controlar os processos

da Inquisigáo; gozavam de voto deliberativo em questóes de Direito civil, e de voto consultivo em temas de Direito Canónico. Urna das expressQes mais típicas da autonomía arrogante do Santo Oficio espanhol é o famoso processo que os Inquisidores moveram contra o arcebispo primaz da Espanha, Bartolomeu Carranza, de Toledo. Sem descer aos pormenores do acontecimento, notaremos aqui apenas que durante dezoito anos continuos a Inquisicao Espanhola perseguiu o venerável prelado, opondo-se a legados papáis, ao Concilio ecuménico de Trento e ao próprio Papa, em meados do séc. XVI. Frisando ainda um particular, lembraremos que o rei Carlos III (1759-1788) constituí outra figura significativa do absolutismo regio

no setor que vimos estudando. Colocou-se peremptóriamente entre a Santa Sé e a Inquisicao, proibindo a esta que executasse alguma ordem de Roma sem licenca previa do Conselho de Castela, ainda que se tratasse apenas de proscricáo de livros. O Inquisidor-Mor, tendo acolhido um processo sem permissáo do rei, foi logo banldo para localidade situada a 12 horas de Madrid; só conseguiu voltar após apresentar desculpas ao rei, que as aceitou, declarando: «O Inquisidor Geral pediu-me perdáo, e eu lho concedo; aceito

agora os agradecimentos do tribunal; protegé-lo-ei sempre, mas nao se esqúeca ele desta ameaca de minha cólera voltada contra qualquer

tentativa de desobediencia» (cf. Desdevises du Dezart, L'Espagne de l'Ancien Régime. La Société lOls). A historia atesta outrossim como a Santa Sé repetidamente decretou

medidas que visavam defender os acusados frente á dureza do poder regio e do povo. A Igreja em tais casos distanciava-se nítidamente da Inquisicao Regia, embora esta continuasse a ser tida como tribunal eclesiástico.

Assim aos 2 de dezembro de 1530, Clemente VII conferlu aos Inquisidores a faculdade de absolver sacramentalmente os delitos de heresia e apostasia; destarte o sacerdote poderla tentar subtrair do processo público e da infamia da Inquisicao qualquer acusado que estivesse animado de sinceras disposicSes para o bem. Aos 15 de junho de 1531, o mesmo Papa Clemente VH mandava aos Inquisidores tomassem a defesa dos mouriscos que, acabrunhados de impostos pelos respectivos senhores e patrSes, poderiam conceber odio contra o Cristianismo. Aos 2 de agosto de 1546, Paulo III declarava os mouriscos de Granada aptos para todos os cargos civls e tódas as

dignidades eclesiásticas. Aos 18 de Janeiro de 1556, Paulo IV autori-

zava os sacerdotes a absolver em confissáo sacramental os mouriscos.

Compreende-se que a Inquisigáo Espanhola, mais e mais desvirtuada pelos interésses as vézes mesquinhos dos soberanos temporais, nao podia deixar de cair em declínio. Foi o que se

deu realmente nos sáculos XVIII e XDC. Em conseqüéncia de urna revolucáo, o Imperador Napoleáo I, intervindo no govérno da nagáo; aboliu a Inquisigáo Espanhola por decreto de 4 de — 84 —

A INQUISICAO ESPANHOLA

dezembro de 1808. O rei Fernando VII, porém, restaurou-a em 1814, a fim de punir alguns de seus súditos que haviam colabo rado com o regime de Napoleáo. Finalmente, quando o povo se emancipou do absolutismo de Fernando VII, restabelecendo o regime liberal no país, um dos primeiros atos das Cortes de Cádiz fox a éxtingáo definitiva da Inquisigáo em 1820. A medida era, sém dúvida, mais do que oportuna, pois punha termo a urna situagáo humilhante para a Sta. Igreja.

Interessa-nos agora focalizar de mais perto 3.

A figura de Tomaz de Torquemada

Tomaz de Torquemada nasceu em Valladolid (ou, segundo outros, em Torquemada) no ano de 1420. Féz-se Religioso dominicano, exercendo por 22 anos o cargo de Prior do convento de Santa-Cruz em Segóvia. Já aos 11 de íevereiro de 1482 íoi designado por Sixto IV para moderar o zélo dos Inquisidores espanhóis. No ano seguinte o

mesmo Pontífice o nomeou Primeiro Inquisidor de todos os territorios de Fernando e Isabel.

Extremamente austero para consigo mesmo, o frade dominicano passou a usar de semelhante severidade nos seus procedimentos judiciários. Dividiu a Espanha em quatro setores inquisitoriais, que tinham como sedes respectivas as cidades de Sevilha, Córdova, Jaén e Villa (Ciudad) Real. Em 1484 redigiu, para uso dos Inquisidores, urna «Instrugao», opúsculo que propunha normas para os processos

inquisitoriais, inspirando-se em trámites já usuais na Idade Media;

ésse libelo íoi completado por dois outros do mesmo autor, que vieram a lume respectivamente em 1490 e 1498. O rigor de Torquemada ioi levado ao conhecimento da Sé de

Roma; o Papa Alexandre VT, como dizem algumas lontes históricas, pensou entáo em destitui-lo de suas fungóes; só nao o terá feito por deferencia á corte da Espanha. O fato é que o Pontífice houve por bem diminuir os poderes de Torquemada, colocando a seu lado quatro assessóres munidos de iguais faculdades (Breve de 23 de junho de 1494).

Quanto ao

número de vítimas ocasionadas pelas sentencas de

Torquemada, as cifras referidas pelos cronistas sao táo pouco coeren-

tes entre si que nada se pode afirmar de preciso sobre o assunto.

O historiador J. A. Llórente (1817/18), por exemplo, no tomo I da sua «Histoire critique de l'Inquisition d'Espagne», atribuí a Torque mada 8.800 sentencas de morte (das quais 6.500 teráo sido executadas apenas «em efigie>, ou seja, sobre um boneco representante do réu);

além disso, Torquemada haverá proferido 90.000 sentencas de infamia, prisáo perpetua, confiscacáo de bens, exclusáo dos cargos públicos, etc..

—-Ora no tomo IV da mesma obra o mesmo autor fornece

outras cifras!...

Como quer que seja, Tomaz de Torquemada ficou sendo, para

certos escritores, a personificacáo da intolerancia religiosa, varáo de mSos sanguinolentas e foco de terror para t6da a Espanha. Os histo riadores modernos, porém, reconhecem exagero nessa maneira de conceituar o Inquisidor-Mor; levando em conta o caráter pessoal de Torquemada, julgam muitos que éste Religioso foi em consciéncia

— 85 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961,

qu. 6

movido por sincero e ardente amor a verdadeira fé, cuja integridade lhe parecia comprometida pelos falsos cristáas; daí o zélo extremado com que procedeu, incutindo, sem dúvida, espanto aos seus súditos. A retidáo de intencáo de Torquemada ter-se-á traduzido de maneira pouco feliz. De resto, o seguinte episodio contribuí para desvendar outro trago, menos conhecido, da alma do frade dominicano. Em dada ocasiao, foi levada ao Conselho Regio da Inquisicáo a proposta de se impor aos mugulmanos ou a conversáo ao Cristianismo ou o degredo para o estrangeiro. Torquemada, entáo, op6s-se veementemente a essa medida, pois quería conservar o principio, sempre

em vigor na Cristandade, de que a conversáo á verdadeira fé nao / pode ser extorquida pela violencia; a Inquisicáo deveria, por conseguinte, restringir sua agáo aos cristáos apóstatas; estes, e sómente

estes, em virtude do seu Batismo, tinham um compromisso com a

Santa Igreja. Como se vé, Torquemada, no fervor mesmo do seu zélo, nao perdeu o bom senso neste ponto.

Exerceu suas funcoes até a mor te, aos 16 de setembro de 1498.

4.

Conclusáo

Após quanto acaba de ser considerado, parecem muito oportunas as palavras de Daniel-Rops (autor católico que nao deixa de ser por vézes mordaz): «A respeito do que íoi realmente a obra da Inquisicáo Espanhola, só se pode falar usando de extrema prudencia. Nesse setor, a imaginacáo popular muito tem divagado» (L'Église de la Renaissance et de la Reforme I 265).

Já em «P. R» 8/1957, qu. 9 procuramos formular um juízo sobre a Inquisigáo como tal. Referimos agora a quanto ai foi dito. Evitando repeticóes, aqui lembraremos que, para conceituar devidamente essa instituigáo, é preciso distinguir entre as normas que a regiam, e as atitudes práticas dos oficiáis encarregados de executar tais normas. Os oficiáis teráo cometido abusos, cedendo ora á sua própria fraqueza humana, ora á ingerencia excessiya do poder civil (frisemos que sómente o Senhor Deus pode dizer até que ponto foram éles em consciéncia culpados de desmandos). A

Santa Igreja, Esposa de Cristo sem mancha nem ruga (cf. Ef 5,27), com a qual nenhum de seus membros se identifica

plenamente, é a primeira a apontar e lamentar os abusos inquisitoriais que se tenham cometido em seu nome. Por conseguinte, o proceder repreensível de certos Inquisidores nao deve surpreender o estudioso nem, por outro lado, depóe contra a > santidade da Igreja, pois em absoluto nao foi inspirado pelas

diretivas oficiáis da Esposa de Cristo. Analisando essas diretivas, verificamos, sem dúvida, que parecem estranhas a um — 86 —

A INQUISICAO ESPANHOLA

observador moderno; eram, porém, perfeitamente justificadas

á luz dos principios e da mentalidade geral que norteavam os cristáos dos séc. XI-XVI. Para éles, com efeito, a alma era urna realidade; a fé, considerada como esteio da vida da alma, constituía um verdadeiro bem, constituía mesmo o principal dos bens de que alguém podia e devia usufruir na «Cidade de Deus». Por conseguinte, qualquer ameaca infligida á verdade da fé representava a seus olhos um dos mais graves delitos concebíveis, delito contra o qual nao se deveria proceder com menos rigor do que contra o homicidio e- os escándalos moráis...

Estes principios, professados durante toda a Idade Media, íoram

particularmente agucados pelas circunstancias históricas em que se

viu o povo espanhol em íins do séc. XV e no decorrer do séc. XVI:

a causa religiosa ou o bem da íé parecia entáo repousar sobre a causa nacional ou a unificacáo da Espanha. A luta contra os árabes e

júdeus, principalmente quando estes se dissimulavam falsamente sob o título de cristáos, devia entáo aparecer como auténtica obrigacáo de consciéncia (nao interessa aqui elucidar até que ponto tal consciéncia estava bem formada ou nao; importa apenas reconstituir a maneira subjetiva como as consciéncias cristas do séc. XVI deviam ver a Inquisicáo Espanhola, pois sabemos que a moralidade, boa ou

má, de urna acáo é diretamente avallada pela consciéncia subjetiva de quem age). É justamente o ponto de vista da consciéncia subjetiva dos homens de Espanha que Daniel-Rops assim formula: «Certo é que o povo espanhol nao sámente aceitou, mas quis e louvou a Inquisicáo qual nranifcstagáo de íé ardente até o heroísmo» (ob. cit. 266). E, para nao nos alongarmos em consideracóes teóricas, citamos

aqui um testemunho que constituí eloqüente confirmacáo das palavras de Daniel-Rops e de quanto acabamos de ponderar: Um estrangeiro, ou seja, o embaixador Quirini, de escrevia a propósito da situagáo na Espanha:

Veneza,

«Ainda que nao fósse por outro motivo, já em virtude da Inqui sigáo, o rei Fernando e a rainha Isabel mereceram junto de Deus e dos homens um louvor eterno»

(citado

por Daniel-Rops,

ob. cit.

266 n. 31).

O estudioso contemporáneo talvez nao diga o mesmo.. :

Lembre-se porém, de que as diversas geragóes humanas só podem ser adequadamente julgadas á luz dos elementos próprios que concorriam para formar o seu espirito. E, conseqüentemente, procure entender a Inquisigáo como o homem de outrora a entendía; assim escandalizar-se-á menos e aproveitará mais do estudo da historia! Principalmente, porém, tenha

por certo que a famigerada insütuigáo nao depóe contra a

santidade da Igreja, pois nao foi Esta quem moveu os homens

aos abusos. Passada a celeuma da Inquisigáo, a Igreja continua a ser a Esposa de Cristo sem mancha nem ruga, na qual cada um se santifica ainda hoje, desde que obedega á sua voz, independentemente da santidade ou dos vicios dos irmáos na fe! — 87 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 38/1961

CORRESPONDENCIA

MIÚDA

Alguém que está a procura da verdade (Araguari, MG): 0 bom amigo compreenderá que, para lhe enviarmos o fascículo 22/1959 assim como os outros esclarecimentos que pede, precisaríamos de saber o seu eriderécp. Ignoramo-lo, porém.

Sendo

assim, devemo-nos limitar aquí

as

seguintes

olservac,6es :

Deus sabe, sim, de antemáo tudo que havemos de fazer. Isto, porém, está longe de significar que nos obriga a proceder déste ou daquele modo, tirando-nos a Liberdade de arbitrio. "Preciéncia" nao equivale a «extincáo da liberdade". Veja "P. R." 7/1957, qu. 8 e 9 ; 36/1960, qu. 2. Os temas a respeito dos quais V.S. pede bibliografía, está? expla nados em "P. R.". Veja os índices de 1957, 1958, 1959 e 1960.

Nao é lícito impedir o nascimento da crianza mencionada. Cf. "P. R." 25/1960, qu. 4.

D. ESTÉVAO BETTENCOURT O. S. B.

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual de 1961 Assinatuia anual de 1961 (via aérea)

Cr$ 250,00

Cr$ 200,00

Número Número Colegáo ColesSo

Cr$ 20,00 Cr$ 25,00 Cr$ 320,00 Cr$ 450,00 (cada)

avulso de 1961 de ano atrasado encadernada de 1957 encademada de 1958, 1959, 1960 ..

BEDAgAO

ADMINISTRACiAO

Cabta Postal 2666

B- Keal Grandeza, 108 — Botatogo

Eio de Janeiro

Tel. 26-1822 —Eio de Janeiro

.

Related Documents


More Documents from "Apostolado Veritatis Splendor"