Projeto
PERGUNTE E
RESPONDEREMOS
ON-LINE Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.
que
se
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
ERGUNTE e
Responderemos JULHO
1957
ÍNDICE
I.
QUESTÓES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS
1)
"Que é a alma ?"
s
2)
"Se Deus consentiu na produgdp de um vívente nao-humano em laboratorio, porque nao consentiría na produgdo de, um embrido humano em semelhantes condigóes?"
i,
S)
"Qual o momento em que a alma penetra no embrido?" ....
5
i)
"Donde vem que a idéia do destino esteja tao arraigada entre os contemporáneos?"
5)
7
"0 inferno? Quase ninguém mais acredita néle!"
lo
0)
"0 espiritismo, sim! Acredito porque vejo!"
J2
7)
"Se é proibido evocar os espíritus, porque os santos tém visóes ?"
^¿
II.
8)
QUESTOES BÍBLICAS
"Queira explicar o texto do Evangelho de Sao Mateus: 'E, se me queréis dar crédito, ele (Jodo Batista) é Elias que há de
vir' (Mt 11,14) e dizer algo sobre a reencarnacdo!" 9)
reprodugdo do género humano?"
10)
21
"Apon a queda do homem, houve relagoes entre os filhos imediatos de Adáo e Eva?"
11).
22
"Se os primeiros homens se ¿ivessem conservado na graga,
ficaríamos privados de M¿ria Santíssima?" ....> 12) 18)
15
"Se nao fóra o pecado original, dar-se-ia da mesma forma a"
33
"Como interpretar a passagem em que Jesús diz falar em
parábolas para que alguns 'ouvindo nao compreendam'?" ...
23
"Quem eram os irmdos de Jesús?"
25
COM
APBOVACÜO
ECLESIÁSTICA
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS» N« 3 — ¡ulho de \957
I.
QUESTOES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS
COLEGIO PAULO DE FRONTÍN (Rio de Janeiro): 1)
«Que é a auna?»
De modo geral, denomina-se alma o principio vital 'que
anima ou faz viver a materia orgánica. Embora nao se saiba definir exatamente em que consiste a vida, costuma-se dizer que e auto-mogáo ou «mogáo de si mesmo». Distinguem-se tres graus de vida :
a vida meramente vegetativa, cujas funches sao nutri
mento, crescimento e multiplicagáo da especie ;
a vida sensitiva, que, além das funcóes anteriores, possui a faculdade de conhecer, mediante os sentidos (órgáos do corpo), objetos concretos, dotados de tamanho, cor, sabor sonondade, etc.; so atinge objetos dimensional ; a vida intelectiva, que tem, a mais, a fungáo de elaborar nogoes abstraías, depuradas das dimensóes e outras notas concretas, contingentes, com.que os seres aparecem na natureza; a inteligencia, por exemplo, elaborando os dados recebidos pelos sentidos, chega á conclusáo de que o «homem» nao e somente Pedro, Paulo, Joáo..., mas todo vívente (branco ou negro, alto ou baixo, masculino ou feminino) capaz de raciocinar ou racional. Um dos sinais mais característicos da presenca do intelecto ou da vida intelectiva num determinado sujeito e a faculdade de falar, a qual supóe sempre um poder
superior aos sentidos, coordenador das impressóes recebidas
por estes («se o chimpanzé tem a possibilidade de falar, mas na realidade nao fala, entenda-se que a fungáo de falar, em sua esséncia, nao é fungáo orgánica, mas fungáo intelectual e espiritual», G. Gusdorf, La Parole. París 1953,4). Outra ca racterística do ser intelectivo é o riso, que supóe a admiragáo ou seja, o conhecimento abstrativo e lento que se faz por meio do raciocinio.
Na base desta tríplice distingáo, fala-se de alma (prin cipio vital) vegetativa, alma sensitiva e alma intelectiva. — 3 —
Cada individuo possui urna alma só, que satisfaz a todas as
fungóes de sua vida.
A alma intelectiva é própria do homem. Difere da vegeta tiva e da sensitiva pelo fato de que, como ácima dissemos, es tas nao tém fungóes que transcendam os limites da materia; sao materiais; por isto sao produzidas pela potencialidade mesma da materia e reabsorvidas por esta, quando céssam as disposigóes do corpo necessárias para que exergam suas fun góes. A alma intelectiva, ao contrario, possui ativida'de supe rior á do corpo ; é capaz de conhecer o que nao cai diretamente sob os sentidos (embora se sirva do conhecimento sen
sitivo como de base das suas elucubragóes); conhece, por exem-
plo, a causa invisível de um efeito visível, as relagóes entre os meios e determinado fim, aquilo que é essencial e perene em
individuos diversificados por notas contingentes, etc. Por isto a alma humana nao é material, mas «espiritual» (o modo de
ser e o modo de agir de um individuo sao estritamente corre
lativos entre si); o que mais precisamente significa: ela nao
tem extensáo, nem tamanho, nem cor, nem sabor, nem figura, sem que por isto deixe de ser muito real (Deus também nao tem figura nem cor). Daqui se segué, como melhor se dirá abaixo (n' 2), que a alma humana tem origem independente
da materia e pode subsistir fora ou independentemente desta. Dada a transcendencia da alma humana em relacáo á da
planta e á do animal irracional, costuma-se reservar o nome
alma para o que concerne ao homem, chamando-se simplesmente principio vital (vegetativo ou sensitivo) o elemento que vivifica as plantas e os irracionais.
2) «Se Deus consentiu na producáo de um vivente náo-humano em laboratorio, porque nao consentiría na producáo de um embríao humano em semelhantes condicocs ?» \
_ A hipótese de se produzir um vivente sensitivo em labo ratorio de modo nenhum está comprovada ; parece mesmo
achar-se longe distó. As experiencias mais.ayangádas em tal setor tém consistido .em recompor um vínís (ser vivo?) pre
viamente dividido, ppr hidrólise, em duas partes (experiencia de Berkeley, 1955).
Admitamos, porém, generosamente que se chegue uní dia a dar origem artificial á vida vegetativa e sensitiva. Neste caso os cientistas apenas cooperariam com as leis da natureza
deis estipuladas pelo próprio Criador), a fim de que da ma
teria eclodisse a vida nela latente.
Ao criar a massa primordial, o Senhor Deus lhe teria comunicado o-poder de evoluir, segundo determinadas normas, até o grau da vida sensitiva. Os homens, em laboratorio, fazendo reagir substancias químicas entre si, provocariam entáo o desencadeamento dessas leis e o desabrochar da vida. Visto que o principio das funcóes vegetativas e sensitivas nao transcende a materia (cf. n' 1), pode estar incluido nela; desta prorromperia em circunstancias favoráveis, e a ela voltaria quando pela morte cessasse as suas fungSes.
O mesmo, porém, nao se dá com o principio intelectivo. A alma humana, como se sabe, possui faculdades que ultra-
passam a potencialidade da materia ; por isto também tem
existencia independente desta (nao morre quando o corpo se
dissolve), como tem origem independente da materia; é ti
rada do nada e infundida diretamente pelo Criador; entre a materia e o espirito há um hiato intransponível as fórgas criadas (o que é inferior nao gera por si o que lhe é superior). Por isto os homens nunca poderáo, por síntese química, produzir urna alma humana (esta nao tem componentes quími cos) ; na mais fantasista das hipóteses, poderiam produzir um composto orgánico igual ao corpo humano, inanimado
porém; ésse composto só comegaria a viver, caso Deus se dignasse criar especialmente urna alma e infundí-la a tal produto químico. Estas conjeturas, porém, já parecem levar-nos
muito longe da realidade !...
DANIELA (Rio de Janeiro) : 3)
bríáo ?»
«Qual o momento em que a alma penetra no em-
Os sabios da antigüidade admitiam certo intervalo entre a fecundagáo do óvulo pelo esperma e o aparecimento da alma racional no embriáo humano: Hipócrates (séc. 4» a. C), o famoso médico grego, por exemplo, julgava haver um lapso de trinta dias. Os cristáos medievais, seguindo as nogóes de fisiología de Aristóteles (1322 a.C), opinavam que o feto masculino sómente quarenta dias após a fecundagáo recebia alma racional, enquanto para o feto feminino admitam o in— 5 —
tervalo de oitenta dias. Assim julgavam, porque lhes parecía nao haver ñas primeiras semanas após a concepgáo a organizagáo de células necessárias para constituir um corpo humano, sede de alma racional; acreditavam, sim, que durante certo
tempo o feto só possuia organizagáo e atividades de vida vegetativa (nutrimento e crescimento), e por isto lhe atribuiam principio vital meramente vegetativo ; a seguir,- julga vam distinguir no embriáo organizagáo e movimentos espon
táneos característicos da vida sensitiva, que éles conseqüentemente atribuiam a novo principio vital, a alma sensitiva, recém-originada em substituicao á anterior; sómente após estas fases reconheciam no feto a organizagáo típica do corpo
humano, no qual pode viver urna alma intelectiva ; esta entáo seria infundióla.
Hoje em dia, porém, fisiólogos e filósofos em geral admitem que desde a concepgáo há no embriáo humano a prga-
nizagáo própria de um vívente humano ; em conseqüéncia,
afirmam que desde a fecundagáo o novo ser é dotado de alma racional. Está claro que as faculdades intelectivas só se po-
dem manifestar depois que os órgáos da vida sensitiva atingem certo desenvolvimento, pois a alma intelectiva, embora nao seja material, depende da materia ou das faculdades sen sitivas para colher as primeiras noticias, que a inteligencia elabora, délas abstraindo as nogóes universais, as definigóes. A alma intelectiva, tendo fungóes que transcendem as
faculdades corpóreas, nao provém da potencialidade cía' mate
ria («o menos perfeito nao pode por si produzir o mais per-' feito»), mas é criada diretamente por Deus e infundida ao embriáo no momento da fecundagáo, fecundagáo que se pode dar algumas horas ou, as vézes, alguns dias após a cópula conjugal.
\
É o que explica a intransigencia da Moral crista perante o aborto direto. Éste é sempre tido como infanticidio, mesmo
quando praticado nos primeiros tempos da'gestagáo; nao há fundamento para se distinguir entre feto animado e feto ina nimado (por alma racional). Mesmo na Idade Media, quando se adotava a fisiología de Aristóteles, os autores cristáos condenavam o aborto, em qualquer época fósse produzido; tinham-no na conta de destruigáo da vida iniciada de um homem. _ 6 —
4)
«Donde vem que a idéia do destino esteja tao arrai
gada entre os contemporáneos ?»
Certos pensadores gregos pré-cristáos, herdando um patri monio de idéias orientáis, admitiam que urna fórga superior, a Heimarméne (Fato ou Destino), mantivesse o homem ca tivo sob sua influencia, de tal modo que vá ficava a liberdade
de arbitrio.
Após o aparecimento do Cristianismo, essa tese se con
serva na ideología religiosa de um ou outro povo nao cristáo (principalmente entre os mugulmanos, que lhe dáo matiz propno). A doutrina de Cristo, porém, a rejeita perernptóriamente, ensinando que Deus fez o homem á sua imagem e semelhanca, dotado da liberdade de agir ou nao agir de agir
deste ou daquele modo. O Criador, que outorgou ao homem tao grande dignidade, jamáis lha retira ; nao o coage. Conceber o contrario significaría desfigurar a nocáo auténtica de Deus, Ser Bom e Sabio.
Contudo hoje em dia a reviviscencia de crengas orientáis,
sob a forma de seitas ocultistas, que se dizem herdeiras da arcana sabedoria da «Atlántida», do Egito, da India, tem despertado a atengáo para o Fato ou o Destino ; éste (apresentado com modalidades diversas) é um dos elementos estruturais da doutrina de tais escolas. A promessa de que ensinaráo aos seus «iniciados» cálculos matemáticos, tabelas e outros recursos de aparéncia científica aptos para dominar o destino
quebrar os «círculos de ferro» que envolvem o homem, atrai
nao poucos dos nossos contemporáneos ; julgando que háo de vencer os obstáculos e encontrar finalmente a felicidade na
vida, passam a acreditar no Destino.. . Note-se, porém, que esta ideologia supóe os erros do monismo ou do panteísmo a saber: urna única Fórga Suprema, Cósmica, passa pelo homem e pela natureza que o cerca, identíficando-se com tudo que existe. É esta concepgáo que faz crer que quem conhece a engrenagem dos elementos animados e inanimados, possui
o segrédo para utilizar o curso da natureza e dirigir os acontecimentos da historia segundo seus interésses. — Sobre o panteísmo, veja-se «Pergunte e Responderemos» 7/1957 qu. 1.
Um outro fator ainda deve ser levado em conta para ex-
p?!car a voga do Destin° en* nossos dias. — Descobertas da
ciencia moderna evidenciam cada vez mais que o homem as — 7 —
vézes é tolhido em sua liberdade por fatores patológicos, e age sem grande consciéncia de si nem senhoria sobre os seus
atos. Observe-se, porém, que estas conclusóes dos fisiólogos por si nao implicam a tese filosófica do fatalismo ou do des tino—tese segundo a qual Deus desde todo o sempre teria
tragado a cada homem urna via que ele deve seguir sem responsabilidade própria, dispensado de rezar, dispensado de se esforgar por executar sempre o que seja de melhor alvitre. Vejamos, pois, como se devem entender os dados da cien cia moderna que interessam o nosso problema.
A liberdade de arbitrio tem sua raiz na natureza espiri tual da alma humana. Esta é capaz de conhecer o bem, e o bem sem restrigáo, nao limitado pelas deficiencias da corporeidade. Conseqüentemente a vontade humana possui o desejo
inato de apreender o Bem que nunca se acaba. Aqui na térra, porém, só ocorrem ao homem bens corpóreos, restritos, oú bens incorpóreos propostos á semelhanga das coisas finitas sensiveis (o próprio Deus é contemplado através das criaturas e dos exiguos conceitos da nossa inteligencia). Por conseguinte, nao há objeto neste mundo capaz de atrair irresistivelmente a vontade do homem ; éste só adere a um objeto
na medida em que queira considerar os seus aspectos bons, convenientes; desde, porém, que volte sua atengáo para os aspectos deficientes, o mesmo objeto deixará de o atrair e
de merecer sua adesáo. Qualquer bem que o homem cobice nesta vida, cedo ou tarde Ihe aparece insuficiente — o que faz que o mesmo sujeito seja levado a procurar outro oBjeto
em que se possa saciar (sómente na fé, a qual é movida por "'
um ato da vontade livre, resistindo á volubilidade natural, é que o cristáo neste mundo se pode fixar inabalávelmente em Deus).
Todavía o espirito do homem, raiz da liberdade de arbi
trio, só age em íntima dependencia do corpo ; o exercício das faculdades espirituais vem a ser condicionado pelo funcio-
namento, ora mais, ora menos perfeito, da fantasía, da memo
ria sensitiva, do senso comum e das faculdades corpóreas em
geral. Dentre estas tém importancia extraordinaria certas regióes do cerebro (sobretudo o diencéfalo ou hipotálamoj,
assim como as glándulas endocrinas (em particular, a hipófise e a tiroide) ; a secrecáo dos hormónios, regulando o metabo
lismo do corpo, influí indireta e poderosamente na atívidade — 8 —
da inteligencia e da vontade. No individuo cujo cerebro se ressinta de lesáo, ou cujas glándulas funcionem em deficien
cia ou excesso, ésses defeitos desvirtuam ou sufocam "a acáo
do espirito; manifestam-se taras, propensóes a hábitos anó
malos, que nao podem ser controlados pela vontade.
Numerosas observacóes feitas sobre criangas e adultos mostram que um sujeito normal se pode tornar um criminoso e ímoral por lesáo do cerebro. Os médicos registram casos de
enancas agressivas, violentas, verdadeiros criminosos em po
tencia, bem como de criancas inclinadas á perversáo sexual Pois bem ; o estudo radiográfico do seu cránió manifesta nao" raro meningopatias e hidrocefalias sofridas durante o pe riodo de gestacáo em conseqüéncia de doengas ou fatores emotivos, intoxicacóes, desnutrido, etc., que afetaram a gestante. Seja citado também o famoso «gángster» Dillin-
ger, morto há alguns anos em Chicago ; examinando o seu
cerebro, o Dr. Kennedy, da Universidade de Durahm averigüou que havia sofrido de encefalite durante a epidemia eme flagelou os Estados Unidos entre 1919 e 1926 — Hoje
em dia os médicos tentam a cura de certos casos de imoralidade e criminalidade, atuando sobre a regiáo diencéfalo-ta-
lamica e sobre os seus ligamentos com os lobos préfrontais e o cerebelo, principalmente mediante os tratamentos Roentgen e a dielectrólise calcica. Os resultados já obtidos permitem previsóes otimistas: assim nos EE.UU. urna jovem moralmente degenerada, que por seus numerosos delitos vivera quatorze anos em prisóes e casas de corregáo, foi operada
de lobotomia frontal pelo Dr. Orage Nielson; conseguiu
regenerar-se e viver moralmente irrepreensível. O Dr Puech
cirurgiáo de
París,
por
intervencáo
semelhante,' obtevé
a mudanca de um inveterado deliqüente em trabalhador
honesto e dócil.
Tais experiencias médicas levam-nos a concluir que a auto-consciencia e a auto-determinagáo admitem graus variaveis de acordó com o estado fisiológico de cada individuo • certas molestias diminuem ou impedem a liberdade de acáo constituindo atenuantes ou excusantes para o delito Isto' porém, náoquer dizer que a natureza humana nao possua'
por sua essencia mesma, a raiz e a faculdade do livre arbi
trio. — E-nos difícil sondar o grau de responsabilidade de
cada delituoso; sómente Deus julga as consciéncias, levando
em conta precisa as capacidades de cada um, a nin¿uém im-
pondo medida ou criterio injusto.
Como quer que seja, todo individuo, na medida em eme
goza de consciéncia e liberdade, é obrigado a lutar contraes
tendencias desregradas de sua naturezl. Procure precaver S contra os assaltos destas, disciplinando as paíSes*TSK de
rqurpor'Tirvre311^ **" ** delÜ™ da vonTad? 5)
«O inferno ? Quase lunguém mais acredita néle!,, ?or que muitos em nossos tempos nao acreditam
SSSSiíSS
^5=S?3S
-Nao admira que muitos julguem tais
Na verdade, o inferno nao é mais do que a
edeHh? T aquí at°-qUena °térra; h°memé realÍZa de m^^ e deliberada o individuo quem SS se coloca-
no inferno (este vem a ser-primariamente um estado le alm? vao sena preocupar-se com a sua topografía) -nao é ¿Tus
^ou ^ Um deCret°t° arbitr^1o S^^ bit^1 £ra £ Tl^l o que passamos a ver.
Admitamos que um homem nesta vida conceba odio a
Deus (ou ao Bem que ele julgue e q julgue ser ser o o Fim Fim último, último, Deus° D
Zl? ,eT Zvl?a eT mater? grave' grave empenhando toda td a sua
nahdadee (pleno conhecimento de causa e li liberdade de
!
T Tc lLT& °natUra °atUra * C0l0Ca num estad0 de habit«al aveSo a ao Senhor. Caso morra nessas condigóes, sem retratar nem
M dTtoTar5?" m °' ° ÓdÍ° a° Sum° Bem' que * Ih™ A morte confirmará definitivamente nessa alma o odio
de Deus, pois a separará do corpo, que é o instrumento me— J.0 —
diante o qual ela, segundo a sua natureza, concebe ou muda suas disposigóes. Depois da morte, tal criatura de modo neríhum poderá desejar permanecer na presenga de Deus; antes, espontáneamente pedirá afastar-se d'Éle. Nao será necessário que, para isto, .o Juiz supremo pronuncie alguma sentenga; o
Senhor apenas reconhecerá, da sua parte, a opgáo tomada pela criatura ; Ele a fez livre e respeitará esta dignidade, em hipótese nenhuma forgando ou mutilando o seu alvitre. Eis, porém, que desejar afastar-se de Deus e permanecer de fato afastada, vem a ser, para a alma humana, o mais cruciante dos tormentos. Com efeito, toda criatura é essencialmente dependente do Criador, do qual reflete urna imagem ou semelhanga; por conseguinte, ela tende por sua própria esséncia a se conformar ao seu Exemplar (é a natureza quem o pede, antecedentemente a qualquer opgáo da vontade livre); caso o homem siga esta propensáo, ele obtém a sua perfeigáo e felicidade. Dado, porém, que se recuse, a fim de
servir a si mesmo, nao pode deixar de experimentar os pro testos espontáneos e veementíssimos da natureza violentada. A existencia humana torna-se entáo dilacerada : o pecador senté, até ñas mais recónditas profundezas do seu ser, o brado para Deus ; ésse brado, porém, ele o sufocou e sufoca, para aderir a um fim inadequado, fim q'ue, em absoluto, ele nao quer largar apesar do terrível tormento que a sua atitude lhe
causa. — Na vida presente, a dor que o odio ao Sumo Bem acarreta, pode ser temperada pela conversáo a bens aparentes, mas precarios..., pela auto-ilusáo ; na vida futura, porém, nao haverá possibilidade de engaño !
É nisto que consiste primariamente o inferno. Vé-se que se trata de urna peña infligida pela ordem mesma das coisas,
nao de urna punigáo especialmente' escomida., entre muitás óutras por um Deus que se-quisesse «vingar» da criatura. Em última análise, dir-se-á que no inferno só há individuos que néle querem permanecer. — A éste tormento espiritual se acrescenta no inferno urna pena física, geralmente designada pelo nome de fogo ; certamente nao se trata de fogo material, como o da térra, mas de um sofrimento que as demais cria turas acarretam para o reprobo, e acarretam muito natural mente. Sim; quem se incompatibiliza com o Criador nao pode
deixar de se incompatibilizar com as criaturas, mesmo com as que igualmente se afastaram de Deus (o pecador é essen— 11 —
cialmente egocéntrico), de sorte que os outros seres criados postos na presenga do reprobo vém a constituir para éste urna auténtica tortura (nao se poderia, porém, precisar em qué consiste tal tormento).
Por último, entende-se que o inferno nao tenha fim ; há de ser táo duradouro quanto a alma humana, a qual por sua natureza é imortal; Deus nao lhe retira a existencia que lhe
deu e que, em si- considerada, é grande perfeigáo. Embora in feliz, o reprobo nao destoa no conjunto da criagáo, pois por sua dor mesma ele proclama que Deus é a Suma Perfeigáo, da qual ele se alheiou (é preciso, nos lembremos bem de que Deus, e nao o homem, é o centro do mundo). Nao se pense em nova «chance» ou reencarnagáo neste mundo. Esta, de certo modo, suporia que Deus nao leva a serio as decisóes que o homem toma, empenhando toda a sua personalidade ; o Senhor nao trata o homem como crianga que nao merece respeito. De resto, a reencarnagáo é explíci tamente, excluida por textos da Sagrada Escritura como ós que se acham citados sob o n» 8 déste fascículo. Eis a auténtica nogáo do inferno, que as vézes é enco-
berta por descrigóes demasiado infantas e fantasistas. (ed.
Veja a propósito E. Bettencourt, A vida que comega com a morte AGIR)
6)
Cap.
VI.
«O espiritismo, sim! Acredito porque vejo !>>-«.C.
Os que assim falam, costumam exprimir-se também nos
seguintes termos : «Cremos em fatos, nao em dogmas !» E que entendem por fatos ?
Fenómenos (aparigóes, vozes, mensagens, ruidos) que impressionam imediatamente os sentidos (principalmente a visáo e a audigáo), parecendo comprovar a existencia do sobrena tural. É a ésses fenómenos que opñem dogmas, os quais sao
fórmulas dirigidas á inteligencia humana, propondo-lhe miste
rios concernentes á esséncia de Deus (Saritíssima Trindade)
e a disposigáo de seus dons (Encarnagáo, Redengao por Cristo,
Eucaristía, etc.); os dogmas nao caem diretamente sob' a
apreensáo dos sentidos, por isto parecem nebulosos, pouco fidedignos. Em conseqüéncia, preconiza-se a religiáo dos fatos, nao dos dogmas. — 12 —
Aos que adotam essa posiyáo, será preciso lembrar dois
pontos de importancia capital:
- a)
Perguntemo-nos o que é Religiao. Dir-se-á obvia
mente que é o sistema de relagóes que levam e ligam o homem a Deus. Pois bem, nesse binomio — Deus e o homem —nao ha duvida de que Deus é, por definigáo, o Maior o Ser Supremo. —Por conseguinte, será lógico que a via pela qual o homem se encaminha para Deus (a Religiao) seja ditada revelada, por Deus (Deus se pode projetar sobre o homem impondo-lhe a Keügiáo; o homem, porém, nao se pode proietar sobre Deus, concebendo a «sua» religiao segundo o seu bom senso). Eis, todavía, que o Altíssimo, revelando ao homem o que este é e qual o seu destino, nao pode deixar de comunicar verdades e designios que a infinita Sabedoria Divina concebe com muita clareza, mas que a limitada inteligencia humana
nao consegue compreender exaustivamente; trata-se de miste
rios divinos. Transcendentes como sao, ésses misterios ou dogmas exigem fé, pois nunca poderáo ser provados como um
teorema matemático. Contudo, antes de os aceitar, o homem tera (e tem) o direito de se certificar de que nao contradizem a razáo e estáo suficientemente credenciados para merecer assentimento.
Em última análise, urna religiao sem dogmas deixaria de ser Religiao; tornar-se-ia sistema de sabedoria meramente humana que nao nos elevaría ácima de nos, até Deus. A reli giao que realmente atinja a Deus tem de apresentar aspecto dogmático; é mesmo a existencia de dogmas (devidamente credenciados) que de certo modp garante a autenticidade da
Religiao.
Quem rejeita os dogmas, professa um certo positivismo
que desvirtúa a Religiao. Em tal caso, é o homem que cria o
seu Deus (conforme as suas dimensóes humanas) para fugir ao verdadeiro Deus e nao se deixar plasmar por Ele Nao é de admirar que o espiritismo se baseie nesse positivismo. Alian Kardec escreveu seu código em meados do século passado • a mentalidade da época, se nao era de todo atéia, concebía tal distancia entre Deus e os homens que julgavam nao dever
preocupar-se muito com Deus; toda a religiao de Alian Kardec
se desenrola preponderantemente num intercambio com os espiritas, que se manifestam aos sentidos do homem ; é o homem quem se salva, nao é Deus quem salva o homem no espiritismo.
'
— 13 —
b)
Note-se, porém, que a religiáo dos dogmas de modo
nennum excluí os fetos. O catolicismo pode apontar em sua
historia recente (para nao mencionarmos épocas anteriores)
numerosos fenómenos extraordinarios, fatos milagrosos (curas apangóes, comunicagóes preternaturais...) rigorosamente comprovados; basta recordar Lourdes e Fátima. É Deus quem suscita tais prodigios a fim de dar estímulo á fé, incul
cando assim a autentícidade dos dogmas. Os católicos, portanto, admitem também fatos milagrosos ; contudo afirmam que essas intervengóes sobrenaturais nao podem ser desencadeadas por fórmulas, ritos, processos mediúnicos, mas sao dons gratuitos que Deus dispensa soberanamente, quando o julga oportuno.
«Poi que me viste, ó Tomé, acreditas; bem-aventurados,
porem, os que acreditarem sem ter visto» (Jo 20,29).
7)
«Se é proibido evocar os espirites, porque os santos
tem visóes ?»
Bem diferentes dos fenómenos espiritas sao as visees que
os santos tém.
Estas sao totalmente gratuitas, nao resultando de ritos previamente executados para as provocar. Nao há dúvida, tais visóes podem ser a resposta do Senhor a preces de almas justas desejosas de obter um sinal sobrenatural. CGrTíudo, assim como o Senhor Deus pode atender a essas oragoes (caso • isso concorra para o bem dos fiéis), pode também nao as deferir; nunca será lícito ao cristáo crer que dispóe de meio
seguro para se comunicar com as almas dos defuntos; todo
o nosso intercambio com éles se realiza mediante insondável e soberana permissáo dé Deus. Mesmo quando urna pessoá
devota julga estar sendo agraciada por visóes, os mestres da vida espiritual aconselham-lhe toda a cautela na interpretagáo de tais fenómenos, pois Satanaz nao raro se dissimula em «anjo de luz» (cf. 2 Cor 11,14). As auténticas aparigóes
de santos ou almas neste mundo (mesmo nao provocadas) nao
sao táo freqüentes qlianto propalam as noticias !
Como se vé, éste ponto de vista nao se identifica com a posigáo dos espiritas, que afirmam poder entrar em contato com tal alma, por ocasiáo de tais ritos... Procedem como — 14 —
se aínda tivessem jurisdigáo ou poder sobre aqueles que nao sao mais da nossa convivencia e cuja sorte só Deus conhece.
Para o católico, ainda é importante o testemunho da Sa grada Escritura. O mesmo Deus que, segundo seus inscrutáveis designios, permite as vézes a aparigáo de santos ou defuntos
proibiu terminantemente a evocagáo dos mortos :
«Se alguém se dirigir aos que evocam os espíritos e aos adivinhos
para se entregar as suas práticas, voltarei minha face contra éssé
nomem e o afastarei do meu povo» (Lev 20,6).
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Nao obstante estas proibicoes, sabe-se que o rei Saúl atribulado numa campanha bélica, foi ter com a pitonisa (ou adivinha) de Endor, pedindo-lhe que o pusesse em comu-
nicagao com a alma de Samuel, seu guia de outrora (cf 1
Sam 28,7-14). O cronista bíblico acentúa bem que ésse feito foi ilícito: «Saúl... se tornara culpado diante do Senhor porque interrogara e consultara os que evocam os mortos» (1 Cron 10,13). Nao obstante, Deus se dignou permitir que o espirito de Samuel evocado respondesse: permitiu-o, nao por causa dos ritos da pitonisa, que eram totalmente ineptos para tanto, mas tomando como mera ocasiáo a visita do rei á adivinha. O motivo por que entáo o Senhor atendeu a Saúl foi, como se depreende das palavras de Samuel, o desejo de admoestar o rei á penitencia, ao menos no fim de sua vida) a exortagáo dirigida a Saúl em circunstancias táo extraordina rias, seria particularmente eficaz. Disto, porém, nao se segué que Deus se dirija aos homens por via táo estranha todas as vézes que estes o desejem, para satisfazer ao capricho das
criaturas.
LIVIA (Rio de Janeiro) :
8) «Queira explicar o texto do Evangelho de Sao Mateusf 'E, se me queréis dar crédito, ele (Joao Batista) é Elias que há de vir' (Mt 11,14) e dizer algo sobre a reencarnacao».
1.
Abordemos primeiramente o texto citado. Como refere
a Sagrada Escritura em 4 Rs 2,11, o profeta Elias, do Antigo Testamento, nao morreu, mas foi arrebatado vivo aos céus. — 15 —
Em conseqüéncia, os judeus julgavam que havia de voltar á térra nos tempos do Messias, a fim de preparar os homens a
receber o Salvador ; o profeta Malaquias parecía corroborar
essa esperanca, anunciando em nome de Deus : «Eis que vos
envío Elias, o profeta, antes que venha o dia do Senhor, gran de e terrível. Reconduzirá os coragóes dos pais aos filhos e os
coragóes dos filhos aos pais» (4,5).
Ora é a esta expectativa que Jesús alude no texto de S. Mateus ácima transcrito. Diz que o Precursor encarregado de preparar as vias do Messias já está presente (nos tempos de Cristo), pois é Joáo Batista mesmo ; éste, de fato, podia ser tido como novo Elias, pois possuia a tempera forte e des temida, as qualidades características de Elias. Note-se, porém, que tinha apenas os predicados para desempenhar missáo semelhante á de Elias, nao era Elias em pessoa, como Joáo mesmo declarou formalmente quando o interrogaram a ésse respeito : «Nao sou Elias» (cf. Jo 1,21).
Era porque Joáo reproduzia as qualidades e a tarefa de Elias que Jesús, depois da morte do Batista, podia afirmar categóricamente : «Eu vó-lo digo : Elias já veio e nao o reconheceram, mas o trataram segundo seus caprichos. O Filho do homem terá por sua vez que sofrer por parte déles» (Mt 17,12).
Como se vé, seria forcada qualquer interpretagáo que quisesse deduzir dos textos evangélicos a reencarnagáo de Elias na figura de Joáo Batista. De resto, Elias nao se podia
reencarnar porque nao morreu,
nao se
«desencarnou». — A
Escritura apenas afirma que apareceu no mundo imetJííttb.
mente antes da vinda do Messias alguém que, na sua época, preencheu um papel corajoso, semelhante ao que Elias exerceu no Antigo Testamento (é neste sentido que se deve entender
a profecía de Malaquias ; nao se creia que Elias certamente voltará no fim do mundo). Quanto ao fato de que os judeus, em seus comentarios
bíblicos, julgavam que Elias como tal havia de voltar (nao própriamente reencarnar-se), nao nos fornece base para con cluir que professavam a doutrina da reencarnagáo (esta é coisa bem diferente daquela crenga).
2. Nao teria melhor éxito o recurso a outros textos da ' Escritura, como sao as palavras de Jesús a Nicodemos em Jo 3,3: «Em verdade, em verdade te digo: se alguém nao — 16 —
nascer do alto (traducáo menos autorizada : de novo), nao poderá ver o Reino de Deus». O contexto mostra bem que Jesús fala de um renascimento a partir da agua e do Espirito, nao a partir da carne ou do seio materno (hipótese esta que já Nicodemos tinha por absurda ; cf. Jo 3,4) ; Jesús fala de vida nova no Espirito Santo, nao de vida natural, fisiológica: «O que nasceu da carne, é carne; o que nasceu do Espirito, é
espirito» (Jo 3,6 ; leia-se por inteiro o trecho Jo 3,4-7). Posi tivamente, Jesús tem em vista o batisrno que torna o homem «filho de Deus» e por isto, desde cedo na tradigáo crista, foi chamado «sacramento da regeneracáo». Costuma-se citar também o episodio de Jo 9,1-3 : «Ao passar, viu (Jesús) um homem cegó de nascenga. Os discípulos lhe perguntaram entáo : 'Mestre, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cegó ?' Jesús respondeu : 'Nem ele pecou nem seus pais, mas (isto se dá) para que as obras de
Deus se manifestem néle' ».
Nao será éste um testemunho da crenga judaica na reencarnagáo ?
Vejamos a mentalidade que inspira a cena descrita.
Os judeus julgavam que toda doenca ou enfermidade era castigo devido a um pecado (haja vista, por exemplo, a argumentagáo dos amigos de Jó no livro do mesmo nome). Por isto, ao se defrontarem com alguém que era cegó desde o nascimento, os Apostólos se viam embaragados para explicar o caso. Teria o cegó mesmo pecado, e — note-se bem — pecado antes de nascer ? A hipótese lhes devia parecer absurda, pois a tradicáo judaica, longe de professar a reencarnagáo, bem sabia que as criancas nascem sem ter cometido previamente nem bem nem mal, como refere Sao Paulo em Rom 9,11. Entáo
teriain seus pais pecado, induzindo sobre ele o castigo ? Mas também esta suposigáo encontrava obstáculo por parte do principio da responsabilidade individual estabelecido por Deus em Ez 18, 2-4; Jer 31,29s; Dt 24,16. Feitas estas conjeturas, os Apostólos espontáneamente as propuseram ao Mestre, num bom senso quase infantil, sem se dar ao trabalho de procurar terceira solugáo para o caso; o dilema era certamente simplório demais, explicável, porém, em vista da lógica rudimentar daqueles pescadores pouco afeitos ao raciocinio erudito, e des tituidos, naquela hora, da intengáo de filosofar. Jesús respon deu sem' abordar o aspecto especulativo da questáo, eluci dando diretamente o caso concreto que lhe apresentavam:
— 17 —
nem urna hipótese nem outra, como era evidente, mas um designio superior de Deus...
A Biblia Sagrada é diretamente contraria á reencarnaQáo, quando, por exemplo, afirma: «Foi estabelecido, para os homens, morrer urna só vez j depois do que, há o julgamento» (Hebr 9,27) ;... quando refere as palavras de Jesús ao bom ladráo : «Hoje mesmo estarás comigo no paraíso» (Le 23,43). Os textos muito enfáticos em que Cristo e os Apostólos anunciam a ressurreigáo dos mortos e o inferno, sao outros tantos testemunhos que se opóem á reencarnagáo ; tenham-se em vista Mt 5,22 ; 13,50 ; 22,23-33 ; Me 3,29 ; 9,43-48 ; Jo 5,28-29 ; 6,54 ; 1 Cor 15,13-19.
3.
Há,
porém,
quem nao
reconhega
a
autoridade
da
Biblia e tente afirmar a tese da reencarnagáo apelando, por exemplo, para os seguintes argumentos :
a) a desigualdade das sortes humanas : alguns indivi duos tém prendas naturais (inteligencia, fórga de vontade, saúde...) mais ricas, outros menos ; uns parecem levar vida feliz, outros nao, etc. Perguntam entáo : nao seria isso conseqüéncia de urna existencia anterior á atual, na qual os homens tenham grangeado os méritos ou deméritos que lhes acarretaram o currículo de vida presente ? Em resposta, far-se-á observar :
a1) Deus, criando liberalmente como criou, nao tinha obrigagáo de fazer todas as criaturas humanas iguais. As criaturas nao racionáis que cercam o homem, longe de apresentar monotonía ou uniformidade, falam-nos dé mapsyilhosa variedade de perfeigóes espalhadas em escala muito matizada^ nao há sequer duas fólhas ou duas flores absolutamente iguais urna á outra. Assim também Deus quis fazer os homens, cada qual dotado de sua individualidade própria, faceta única da infinita Perfeicáo Divina ; b') o Criador, além de constituir os homens em sua individualidade singular, dotou-os de livre arbitrio, faculdade mediante a qual cada um abraga consciente e voluntariamente o seu Fim Supremo. Havendo dado esta prerrogativa para a maior gloria do homem (que assim ultrapassa a condigáo de máquina), o Criador nao a deforma nem mutila. Acontece, porém, que, usando de tal prerrogativa, os individuos podem seguir vias erradas. Ora isto lhes acarreta detrimento de ordem
nao sómente moral, mas também fisica, pois o pecado nao apenas ofende a Deus, mas fere a própria natureza humana, desregrando-a e provocando reagáo, sangáo da parte desta. — — 18 —
Pois bem; pa que o primeiro homem, Adáo, pecou na qualidade de Pai do género humano, entende-se que todo filho de Adao, herdando a sua natureza, herde também a miseria física e a desordem moral.
Sao estes dois fatores que explicam que, sem ter vivido
anteriormente na carne, todo homem nasca nesta térra com suas características próprias (possuindo qualidades e também
deficiencias que seus vizinhos nao tém na mesma proporcáo-
toda criatura, pelo fato mésmo de ser criatura é falível é deficiente),... nasca também sujeito ao sofrimento e a dor.
É certo, porém, que no juízo final Deus levará em conta as possibihdades e o grau de responsabilidade de cada um longe de aplicar a todos o mesmo criterio. Além disto ó Sennor da a todos os homens, absolutamente a todos, os meios necessarios para que cada qual, dentro da sua capaddade, volte ao Criador e consiga a felicidade eterna. O testemunho mais eloquente dessa benevolencia divina é a figura de Cristo crucificado em favor de todo o género humano ; essa imagem atesta quanto o Salvador leva a serio a sorte eterna dos homens. O sofrimento e a morte entraram no mundo em con- ■ sequencia do pecado, ou seja, do abuso que o homem fez da sua liberdade. Sobre éste fundo, porém, o Criador se eviden cia justo e, mais ainda, misericordioso. Para reivindicar estes atributos de -Deus, nao é preciso abandonar a doutrina crista da ressurreigáo da carne para seguir a tese da reencarnagáo • muito ao contrario... De resto, note-se que o sofrimento nao
e enigma nem espantalho para o cristáo, depois que a segunda
Pessoa da Ssma. Trindade se fez homem e o abragou ; vem a
ser instrumento de purificagáo e redengáo para o discípulo que abrace generosamente a sua cruz com Cristo.
b)
a crenga no inferno, dizem, é contraria ao conceito
de um Deus bom e perfeito.
— O inferno só pode parecer absurdo a quem nao tenha
nogao exata do que .ele é. Os esclarecimentos respectivos se encqntram sob on«5 déste fascículo.
Contra a doutrina da reencarnagáo podem-se outrossim
mover argumentos de ordem filosófica, derivados estritamente da sá razáo :
a)
nao temos prova positiva de tal fenómeno. Carece
mos, em absoluto, de qualquer reminiscencia de vida ante
riormente passada na térra. Ora, para quem ignora o motivo — 19 —
pelo qual é punido (porque se reencarnou), vá é a sangáo (a
reencarnagáo); a pena só se torna eficaz ou medicinal para quem saiba porque lhe é infligida. Nao se diga que certas pessoas em estado de transe contam acóntecimentos «verificados em reencarnagóes anteriores». Hoje está sobejamente comprovado que tais narrativas cor-
respondem a impressóes e noticias colhidas por tais pessoas nesta vida mesma ; a volta aos tempos passados e a antecipagáo do futuro se explicam perfectamente por erupgáo e combinagáo de nogóes coñudas no subconsciente e adquiridas em idade anterior. Habitualmente fica-nos na consciéncia apenas urna oitava parte dos conhecimentos que possuímos; por um choque ou traumatismo psíquico qualquer, quanta novidade nao podemos manifestar aos que só nos conhecem em nosso estado de lucidez normal!... Veja-se a propósito o famoso livro publicado depois do recente caso «Bridey Murphy»: A Scientific Report on «The Search for Bridey Murphy», edited by Milton V. Kline — The Julián Press, Inc. New York, N. Y. 1956. b) a teoría da reencarnagáo pressupóe e afirma urna atitude religiosa falsa, ou melhor, urna atitude que simplesmente nao é religiosa. Com efeito, ela atribuí ao homem o poder de se remir, de se tomar perfeito por seus esforgos, fazendo práticamente abstragáo do auxilio divino. Pouco ou nada entra em linha de conta de um reencarnacionista a% auténtica nogáo de Deus, que é a de um Pai bondosq^Oí-pro-
vidente, o qual deu existencia aos homens, quis compafülhar. e consagrar o sofrimento e a morte do homem, e sem o qual a criatura nada absolutamente pode. Nao admira, pois, que a reencarnagáo tenha sido outrora, e ainda hoje sejá, professada dentro de urna ideología panteísta ou monista ; sim, as
crencas hindus, que inspiram muitos reencarnacionistas, can\
celam a distingáo entre o Divino e o humano, entre o Infinito e o finito, ensinando que a Divindade (a qual nesses sistemas é concebida como substancia impessoal, neutra, «a Mente Cós mica») «se realiza» no homem, vai «tomando'consciéncia de si» no homem, á medida que éste evolui ou se aperfeigoa. Esta
tese parece explicar que a criatura pbssa por si chegar á uniao com a Divindade ; todavía constituí insustentável aberragáo nao sómente religiosa, mas também filosófica, pois coloca o
finito e o Infinito na mesma linha, no mesmo plano : Deus, que por definigáo é o Ilimitado, o qual tudo explica e por nada é explicado, nao pode vir a identificar-se com o finito e — 20 —
contingente, nem mesmo transitoriamente ; há um hiato intransponível entre o homem e Deus, hiato tal que o homem só se aproxima de Deus, caso o Todo-Poderoso se digne to
mar a iniciativa de chamar e amparar continuamente a sua criatura.
Na base destas consideragóes, pode-se afirmar que a doutrina da reencarnagáo apresenta, sim, algo de sedutor, dado o misticismo e a sede de pureza que a inspira ; trata-se, porém, de um misticismo viciado em raíz por flagrante incoeréncia lógica e por urna ponta de soberba do homem, que deseja emancipar-se de um Deus Transcendente e Pessoal. Veja-se a respeito a brochura: Fr. Boaventura Kloppenburg, Por que nao admito a Reencarnacáo. Editora Vozes. Caixa Postal 23. Petrópolis. R. J.
II.
QUESTÓES BÍBLICAS
INQUIETA (Rio de Janeiro) : 9) «Se nao fóra o pecado original, dar-se-ia da mesma forma a reprodugáo do género humano?» Antes do mais, é preciso frisar bem que pouca ou nenhuma probabilidade tem a tese segundo a qual a falta de Adáo e Eva foi pecado sexual. Esta sentenga carece de funda mento no texto bíblico (cf. Gen 2-3). Os principáis argumentos induzidos para defendé-la seriam :
a) a expressáo «do conhecimento do bem e do mal», que designa o fruto proibido (cf. Gen 2,17). Visto que «conhecer sua esposa» em Gen 4,1.17.25 significa «ter relagóes conju gáis», julgam alguns que o conhecimento vedado em Gen 2-3 tem-o mesmo sentido.
Como se vé, a hipótese é gratuita ; porque se teria o autor sagrado expresso táo ve)adamente se as relagóes matri moniáis de fato ocasionaram a catástrofe do género humano? De resto, o consorcio conjugal foi particularmente abengoado
por Deus logo após a criagáo do primeiro casal (cf. Gen 1,28).
Além disto, observe-se que a proibigáo de ter relacóes matri moniáis seria totalmente incompreensível a Adáo quando o Senhor lhe impós o preceito paradisíaco, pois entáo ainda nao fóra criada a primeira mulher (cf. Gen 2,17.21-22) ; b)
antes da queda, Adáo e Eva estavam ñus e nao se
envergonhavam (cf. Gen 2,25); depois do pecado, porém, re7 cobriram-se (cf. 3,7). O «revestir-se» dos primeiros pais, após a transgressáo, significa certamente que com o pecado se despertoú a con cupiscencia desregrada ; nao se pode esquecer, porém, que éste despertar se seguiu a culpa, nao a precedeu. O fato de se seguir a transgressáo explica-se simplesmente pela rutura da harmonía que o pecado (qualquer que tenha sido a sua materia) acarretou entre Deus e o homem e, dentro do próprio homem, entre as diversas tendencias de sua natureza; o corpo humano, tendo perdido o esplendor da graca que o
recobria no estado de inocencia, é agora desregrado, excitante, e pode ser objeto de um olhar desregrado; daí a necessidade de o revestir artificialmente.
Nao se sabe, pois, com precisáo qual o objeto da trans gressáo de Adáo e Eva. É certo, porém, que pecaram por
orgulho, orgulho que os levou a desobedecer a um preceito x do Senhor Deus (o fruto «do conhecimento do bem e do mal» pode ser interpretado em sentido meramente simbólico). É preciso agora acrescentar que a falta cometida-* pejo
primeiro casal nao alterou a fisiología nem a natureza' dos .
seres vivos ; os carnívoros, por exemplo, nao se tornaram tais por causa do pecado de Adáo. Por conseguinte, a reprodueáo da especie humana no estado de inocencia se tena dado se gundo as leis fisiológicas ainda hoje vigentes ; apenas haveria
sido isenta da concupiscencia que atualmente a costuma ante-x
ceder e acompanhar; os apetites e movimentos da sensibilidade estariam perfeitamente subordinados a razáo, de sorte que o ato conjugal só se exerceria ñas circunstancias devidas, sob o pleno dominio do espirito.
10) «Após a queda do homem, houve relagoes entre os filhos ¡mediatos de Adáo e Eva ?»
Nao há dúvida. Adáo e Eva geraram numerosos filhos e
filhas, nao apenas Caím, Abel e Sete (cf. Gen 5,4), os quais — 22 —
tíveram de prover entre si á multiplicacáo do género humano. Deus permitiu tais cópulas entre irmáos, únicamente em vista
das circunstancias extraordinarias em que se achaya a pri-
meira geracáo ; a excegáo, porém, já nao seria lícita poste riormente, desde que houvesse meios de garantir a propagagáo da especie de maneira mais conforme as leis da natureza. 11)
«Se os primeiros homens se üvessem conservado na
graca, f¡cariamos privados de Maria Santíssima ?» A questáo tem por objeto um désses arcanos designios do Altíssimo que por nos mesmos nao podemos perscrutar e sobre o qual a Revelagáo Divina nao se pronunciou. Certa-
mente, sem o pecado nao teríamos tido a Redengáo nem Maria Santíssima qual Máe do Redentor. Há, porém, teólogos que julgam que, mesmo se nao fóra a culpa original, o Fllho de Deus se teria feito homem,.. .• nao para remir, mas para consumar a Revelagáo do Pai aos homens ; Jesús teria apare cido entre nos como Reí e Doutor por excelencia ; teria desempenhado fungáo muito nobre, embora um tanto diversa da que, de fato,' lhe coube na atual ordem de coisas. ElucubragSés mais demoradas a éste respeito seriam vas. S. M. C. (Rio de Janeiro) : 12)
«Como interpretar a passagem em que Jesús diz falar
em parábolas para que alguns ouvindo nao compreendam ?» O texto a que alude a pergunta,
se encontra em Mt
13,10-15 ; Me 4,10-12 e Le 8,9-10 (paralelos).
Segundo Sao Marcos e Sao Lucas, Jesús falava em pará bolas para obcecar o coracáo dos ouvintes, ou seja, para que
nao compreendessem. Sao Mateus ao contrario, omitindo a' conjunc.áo final e substituindo-a por urna causal, refere que Jesús falava em parábolas porque o povo estava mal dis posto, nutria preconceitos que o impediriam de compreender outro tipo de catequese.
Na verdade, Marcos e Lucas nao dizem outra coisa que Mateus. É o que se percebe, se se leva em conta o idioma em que Jesús pregou : em Sao Marcos (4,10-12) e Sao Lucas (8,9-10) o Senhor se serve de um auténtico semitismo; o texto de Sao Mateus já interpreta ésse semitismo, tornando-o aces-
— 23 —
sivel á compreensáo de leitores náo-judeus (conhecem-se outros casos em que o texto de Mateus esclarece as expressóes difíceis
de Marcos ; comparem-se, por exemplo, Me 6,5-6 e Mt 13,58 ; Me 8,12 e Mt 16,4; Me 10,8 e Mt 19,16-17). De resto, a passagem de Isaías (6,9-10), redigida em estilo estritamente se mita e citada por Jesús, terá concorrido para dar á afirmacáo
do Senhor em Mt e Me o seu cunho desconcertante.
/
Qual será, pois, o sentido do trecho evangélico ? • Cristo mesmo declarou que veio procurar e salvar o que
perecerá (cf. Le 19,10). De acordó com éste propósito, falava
ao povo rude em parábolas, método de ensino simples e vivaz,
para lhe chamar a atengáo, despertar o seu interésse ; acomo-
dava-se assim ao estado de ánimo dos ouvintes ; com efeito, os judeus, imbuidos de falsas expectativas, nao teriam enten dido o plano de Deus se éste Ihes tivesse sido revelado ¡media tamente em toda a sua realidade grandiosa e misteriosa: o paradoxo da cruz, de um Messias padecente era bem alheio as concepcóes farisaicas que norteavam a maioria dos israe litas. Por conseguinte, as imagens das parábolas ilustrayam a doutrina do Salvador de maneira atraente ; eram escolhidas para ajudar o entendimento, manifestar a verdade, nao para ocultá-la ; Jesús nao terá procedido diversamente do que Ele ensinava em Mt 5,15 : nao veio acender urna lámpada para colocá-la debaixo do alqueire, mas a fim de que a luz, a ver dade, postas em evidencia, iluminassem e alegrassem a todos os que quisessem entrar na casa, no círculo dos seus discípulos
dóceis.
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Note-se a propósito a observagáo de Me 4,33 : «Mediante muitas parábolas désse género Ele Ihes anunciava a palavra na medida em que eram capazes de entender». Ás vézes, a verdade de ordem superior contida ñas pará bolas era por si evidente, mesmo aos ouvintes mais infensos ; tal foi o caso dos fariseus que compreenderam muito bem as imagens dos vinhateiros homicidas, da pedra angular rejeitada pelos construtores, sem que o Senhor tivesse que as elu cidar (cf. Me 12,12). Em geral, porém, as parábolas apenas esbogavam urna doutrina mais elevada. Éste ensinamento ini cial devia excitar os ouvintes. a pedir ulteriores explicagóes. Contudo o povo permanecía indiferente ; pouco desejoso de aprender n verdnde, nño interrogara o Mestre. Ao contrario, os discípulos de Jesús, animados por boa vontade, pediam a
— 24 —
interpretagáo auténtica das parábolas (cf. Mt 13,36; Me 4,10); o Senhor entáo lhes explicava (Me 4,34), pois estavam aber-
tos para receber a doutrina.
Em conseqüéncia, para os coragóes mal dispostos, o re medio (parábolas) se tornava veneno ; o Senhor, diante da multidáo, geralmente nao elucidava todo o sentido das figu ras, pois é consoante á sabedoria divina nao salvar o homens sem que o qüeiram e sem que para isto cooperem livremente. Portante, acidentalmente, quase «contra as intengóes do Sal vador», as parábolas permaneciam esteréis, e o ensinamento concebido como meio de salvagáo se fazia ocasiáo de ruina.
É neste sentido que se pode dizer (na base do texto de Sao Marcos e Sao Lucas) que o Senhor endurecía e obcecava
o povo : oferecia-lhe, sim, um remedio, que, nao sendo devi-
damente aceito, redundava em perdigáo. Esta ruina, porém, se devia ao mau acolhimento dispensado pela criatura, nao a agáo direta do Criador. — Sabemos, alias, que os judeus nao distinguiam explícitamente entre agáo direta e ocasionamento, mera permissáo,
causalidade indireta de Deus;
atribuiam
todos os efeitos igualmente á intervengáo do Criador. É o que explica as expressóes fortes de Is 6,9-10, que Jesús cita e que contribuem para dar um caráter aparentemente desapiedado
aos textos evangélicos. Cf. E. Bettencourt, Para entender o Antigo Testamento 155-156.
Em última análise, porém, nao se poderá negar que a
pregagáo em parábolas é um aspecto da misteriosa dispensagáo da graga divina, a qual quer salvar todos os homens sem violentar a nenhum.
M. A. F. (Duque de Caxias) :
13)
«Quem eram os irmáos de Jesús ?»
Os «irmáos de Jesús» na Sagrada Escritura sao um grupo de varóes — Tiago, José (ou Joset), Judas e Simáo — que aparecem vinculados a Cristo por intimo parentesco (cf. Mt 13,55 ; Me 6,3). Além disto, acompanham freqüentemente a Máe do Senhor, como narram Mt 12,46; Me 3,31; 7,19; Jo 2,12. Qual será ésse parentesco ?
O termo «irmáo»
(ah em hebraico, adelphós na tradu-
gáo grega dos LXX) designava na linguagem dos hebreus nao — 25 —
sómente os familiar ou sobrinho de 14,16. Algo
filhos do mesmo leito conjugal, mas também um um consanguíneo próximo. Lote, por exemplo, Abraáo, é chamado «irmáo» déste em Gen 13,8; de análogo se dá com Jaco, sobrinho de Labá (cf.
Gen 29,12.15). Em Lev 10,4 Moisés manda a Misael e Elisafá fagam sair da frente do santuario seus «irmáos» que, no caso, eram própriamente seus primos. Os primos sao designados como «irmáos» também em 1 Crón 23,21-22, onde se le: «Os íilhos de Merari foram Moholi e Musí. Os íilhos de Moholi
foram Eleázaro e Cis. Eleázaro morreu sem ter filhos, mas apenas filhas; os filhos de Cis, seus irmáos, as tomaram por mulheres».
Ora no Santo Evangelho os «irmáos de Jesús» nao signi-
ficam em absoluto os filhos da mesma genitora, María Santíssima. Com efeito, entre as mulheres que assistiram á crucifíxáo de Cristo, Mt 27,56 menciona Maria, máe de Tiago e José. Essa María, conforme Jo 19,25, nao é esposa de Sao José, mas de Cleofas e, segundo a interpretagáo mais obvia, a irmá de Maria, máe de Jesús : «Estavam junto á Cruz de Jesús sua máe, a irmá de sua máe, Maria (esposa) de Cleofas, e Maria de Mágdala».
Pois bem ; os nomes Cleofas e Alfeu designam a mesma pessoa : Klopas parece ser a forma grega do apelativo aramaico Ghalphai, ao passo que Alphaios ou Alfeu é a trans-
cricáo direta désse vocábulo aramaico. Como refere Hegesipo (séc. 29), o mais antigo historiador da Igreja, Cleofas ou Alfeu era irmáo de Sao José. ■"•"> Cleofas, portante, e Maria de Cleofas eram os genitores de Tiago e de José ; tinham um terceiro filho, Judas, o qual
no inicio da sua epistola se apresenta como irmáo de Tiago
(éste Tiago só pode ser o filho de Cleofas, nao de Zebedeu,
pois nao era irmáo de Joáo Evangelista ; confira-se Mt 13,55, onde Tiago, Judas e José, nao Joáo, sao chamados irmáos). Quanto a Simáo, o quarto dos irmáos de Jesús, Hegesipo o apresenta também como filho de Cleofas. Por conseguinte, os quatro irmáos do Senhor seriam primos de Jesús por descendere.m de urna irmá de Maria Santíssima, também cha mada María, irmá casada com Cleofas, irmáo de Sao José. Há quem nao aceite que duas irmás, vivendo contemporánea mente, tenham tido o mesmo nome «Maria». A dificuldade, — 26 —
porém, perde muito do seu peso se se levam em conta os
costumes dos antigos : entre outros, pode-se citar o caso de Otávia, irmá do Imperador Augusto, a qual tinha quatro filhas
vivas ao mesmo tempo : duas délas chamavam-se «Marcella» sem cognome,.e as duas outras «Antonia». O nome «Maria» era, de resto, muito freqüente na Galiléia. — Outros objetam que Maria nao podia ter irmá, devia ser filha única, única herdeira; isto explicaría que haja sido obligada a tomar esposo, e a escolhé-lo dentro da sua parentela, a fim de queá heranga contínuasse em poder da mesma linhagem. Quem, na base déstes argumentos, nao queira admitir que Maria, esposa de Cleofas, tenha sido irmá de Maria, esposa de José, poderá muito bem interpretar o texto de Jo 19,25, ácima transcrito, como se quatro, e nao tres, mulheres tivessem es tado ao pé da cruz ; distinguir-se-iam entáo Maria máe de Jesús, a irmá anónima desta, a seguir, Maria esposa de Cleofas, e Maria de Mágdala. Neste caso, os filhos de Cleofas ainda seriam ditos com razáo «primos» de Jesús, pois Cleofas era irmáo de Sao José, pai putativo ou legal de Jesús.
Eis, pois, como esquemáticamente se representaría o pa rentesco vigente entre Jesús e «seus irmáos» : HELI
María
(Le 2,23)
Cleofas ou Alfeu
Sao José
i
Tiago o Menor
(1« blspo de
José ou
Joset
María Ssma.
Judas
Tadeu
Slm&o (2« blspo
de Jerusalém)
JESÚS CRISTO
Jerusalém)
Neste esquema fica aberta apenas a questáo: María, es posa de Cleofas, era irmá de Maria, máe de Jesús ?
Em apóio de quanto foi dito ácima, observe-se mais o seguinte :
Maria Santíssima nunca é chamada ñas Escrituras «máe dos irmáos de Jesús», mas apenas «máe de Jesús» (cf. Jo 2,1); em Me 6,3 Jesús é precisamente dito «o filho de Maria» (com artigo!), em oposicáo aos seus «irmáos», os quais, segundo a lógica, nao podiam ser igualmente filhos de Maria : «Nao — 27 —
é éste o carpinteiro, o filho de Maria, irmáo de Tiago, José, Judas e Simáo ?» É preciso outrossim considerar que, se Maria tivesse tido algum filho além de Jesús, o Senhor na cruz nao a teria con fiado a Joáo, filho de Zebedeu ; os filhos própriamente ditos
seriam os primeiros indicados como arrimo materno. A fór mula mesma com que Jesús se refere a Joáo, dá a entender que éste seria para María o representante e, de certo modo, substituto do seu único Filho : «Mulher, eis o filho teu» (Jo 19,27); o artigo teria sido omitido se Maria tivesse outro filho. Quanto ao fato de que Maria é freqüentemente mencio
nada com os «irmáos de Jesús» nos Santos Evangelhos (cf.
Mt 12,46; Me 3,31; Le 8,19; Jo 2,12; At 1,14), explica-se bem pelas íntimas relagóes que uniam as familias de Cleofas e Sao José : provávelmente éste Santo Patriarca morreu antes do inicio da vida pública de Jesús ; parece entáo que Maria Santíssima se retirou com seu Divino Filho para a casa de seu cunhado, de sorte que as duas familias se fundiram como que numa só. Outros pensam que foi Cleofas quem primeiro. morreu ; em conseqüéncia, José teria recebido em sua casa a viúva e seus filhos, primos de Jesús.
Em debates sobre o nosso tema, é por vézes citado o texto de Sao Paulo, 1 Cor 9,5: «Nao temos o direito... como os outros apostólos, os irmáos do Senhor e Cefas?». Esta passagem nao implica que os irmáos do Senhor devam ser excluí-
dos do grupo dos Apostólos ; em tal caso, Cefas tambértHiáo
poderia ser considerado Apostólo. Sao Paulo faz a tríplice enunciagáo ácima apenas para realgar o grau de dignidade progressiva dos que compunham o grupo dos Apostólos. A titulo de ilustragáo, váo aqui referidas duas sentengas que de pouca ou nenhuma probabilidade gozam no assunto:
os «irmáos de Jesús» seriam filhos de Sao José nascidos de
um primeiro matrimonio do Patriarca ou seriam filhos adotivos do mesmo. Nao há necessidade de estudo demorado dessas teses, hoje nao mais em voga.
Conclui-se, pois, que a famosa expressáo bíblica, devidamente analisada, nao cria dificuldade á prerrogativa da per petua virgindade de Maria, Máe de Jesús e Máe dos homens. D. Estéváo Bettencourt, O.S.B. — 28 —
Pergunte e Responderemos Caro amigo, nao lia quem nüo se ponha a pensar e nao conceba sem demora importantes problemas) («Aflnnl que fuco nesto mundo? Qual o sentido da vida presente? Que se lhe seguirá?»). Nao sufoque nem dcsprcze essas questóes. Scm luz sobre tais a-ssiintos ningué.m se pode sentir plenamente tmnqüiiii
e
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