Ano Xxxiii - No. 363 - Agosto De 1992

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memorístm)

APRESEISTTAQÁO DAEDipÁOON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé '.■"

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar. este trabalho assim como a equipe

de

Veritalis

Splendor

que

se

encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio

com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

SUMARIO ASI DoutrinadTm 1,10) ■O o)

Jesús sabia que era Deus?

¿f

Paulo VI no Crepúsculo da Vida

UJ

3 O

A capacidade de maravilhar-se Nova Era (New Age)

O Conceito de Deus na Grecia Pré-Cristá Pornografía: ameaca á Sociedade ffl

o
Do Anglicanismo ao Catolicismo Livros em Estante

a.

ANO XXXIII

AGOST01992

363

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

AGOSTO 1992

Publicacao mensal

N? 363

Diretor ■ Retponsável:

SUMARIO

Estévao Bettencourt OSB

Autor e Redator de toda a materia

publicada neste periódico Diretor -Administrador:

"A sá Doutrina (ITm 1,10)

337

No Intimo de Cristo: Jesús sabia que era Deus?

338

A revelacáo de um coracáo: Paulo VI no Crepúsculo

D. Hildebrando P Martins OSB

da Vida

Administracáo e distribuidlo:

Edicoes Lumen Christi

Oom Gerardo, 40 - 5? andar, s/501 Tel.: (021) 291-7122 Caixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro - RJ

348

Típicamente humana:

A capacidade de maravilhar-se...

354

Mais urna vez:

Nova Era (New Age)

362

"Inquieto 6 o nosso coracáo»." bnpressáo a Encadernacdo

"MARQUES-SAKAIVA" GRÁFICOS E EDITORES S.A. Tels

(021)273-949» -173-9447

O conceito de Deus na Grecia Pré-Cristá

369

Um clamor abalizado: Pornografía: ameac.a b sociedade

377

Urna comunidade anglicana passa: Do Anglicanismo ao

Catolicismo Livros em Estante

382 383

NO PRÓXIMO NÚMERO: Os Novos Movimentos Religiosos. - Os Meios de Comunicacio Social: Escola das Massas. - Josefina Bakhita: a escrava glorificada. - Pierre Toussaint, ex-escravo santo. - Cristas Suecas e Beneditinas. - Livros em Es tante.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL(12números)de P.R.:Cr$ 30.000.00-n?avulsoou atrasado: Cr$ 3.000,00

Pagamento (á escolha)

1. VALE POSTAL á Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicóes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666- 20001 - Rio de Janeiro - RJ. 2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicóes "Lumen Christi" (endereco ácima). 3. OROEM OE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta N? 31.304-.1 em nome do MOSTEIRO DE SAO BENTO. pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ n? 0435-9. (Enviar xeróx da guia de depósito á nossa administracáo, para efeito de ¡dentificacáo do paga mento).

A Sa Doutrina Jíi

Em suas cartas pastorais (1/2Tm, Tt), o Apostólo refere-se a pregadores de falsas doutrinas que perturbavam as comunidades cristas. Tra-

tava-se de erros na fé. Sao Paulo os rejeita e quer advertir os seus fiéis recorrendo a urna imagem nunca dantes utilizada pelo Apostólo: a heresia é gangrena (gangraina), ao passo que a reta fé é fator de saúde, é a sS doutrina: "Evita os palavrórios impíos, pois tendem a disseminar sempre mais a impiedade. A palavra dos (mpios é como urna gangrena que corroí" (2Tm2,16s).

Gangrena é palavra que só ocorre em 2Tm 2,17 no epistolario paulino. A metáfora é muito enfática, pois gangrena vem a ser urna necrose de tecidos que tende a se propagar, contaminando sempre novas e novas células. Tal seria, conforme o Apostólo, a perniciosidade das doutrinas erróneas; atingem toda a comunidade crista, contagiando os membros sadios. Observemos, alias, que as tres epístolas pastorais sao caracteriza das pela imagem de saúde e doenca da alma para designar respecti vamente a reta doutrina e as heresias; ver ITm 6,4 (doenca); Tt 1,15 (contaminacao e infeccSo); ITm 4,2 (cauterizacáo). Tal é a importancia que o Apostólo atribui á reta fé; é condicáo e fator de vigor espiritual; im

plica adesSo á Palavra da Vida (cf. Jo 6,63). Ao contrario, a heresia {= escolha de urna ou algumas verdades da fé, e recusa de outras) é mortífera, portadora de necrose e putrefacáol Recorrendo a tais imagens, o Apostólo, de ceno modo, fazia eco a pensadores gregos clássicos: Platáo (+ 348 a. C), por exemplo, afirmava que a virtude é saúde da alma (República IV 18); Aristóteles (+ 322

a.C.) comparava os vicios a doencas (Ética a Nfcómaco III 7s); os Estoi

cos diziam que a arte de dominar as paixóes é terapia. - Notemos, porém, que, para o Apostólo, o mal nao está apenas nos vicios moráis; ele já existe quando alguém deturpa a verdade. Tal é o apreco que Sio Paulo - e, com ele, o Cristianismo - dedica a Verdade, especialmente a Verdade

revelada por Deus ou ¿.Verdade da fé. Pode-se acrescentar que a ima gem persistiu na literatura crista. Sim; no Apocalipse Sao Joáo verifica que os adoradores da Besta sao portadores de úlcera maligna e pernicio

sa (cf.Ap 16,2). Como se vé, os escritores sagrados sio veementes. - Sem dúvida, em nossos dias muitos sao aqueles que nao créem ou professam Credos diversos, com sinceridade e candura. NSo os julguemos. Importa, porém, tomar confidencia do.enorme valor que, segundo o Novo Testamento,

tem a Palavra de Deus confiada aos Apostólos, dos quais Pedro é o Chefe visCvel. Deturpar tal Palavra significa ameacar de gangrena e necrose a comunidade fiel. E.B. 337

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXIII - N? 363 - Agosto de 1992

No fntimo de Cristo:

Jesús sabia que era Deus?

Em slntese: A questáo da consciéncia psicológica de Jesús como homem é freqüentemente colocada: Jesús, como homem, sabia que estava unido a segunda Pessoa da SS. Trindade e subsistía por essa Pessoa? Ou

ignorava a sua identídade profunda? Ignorava também o desfecho de sua vi da, como o ignoravam os Profetas do Antigo Testamento? - Estas questóes tém suscitado longos estudos e refíexóes; a elas dedicou-se também a Comissáo Teológica Internacional, que, após atento exame dos textos do Novo Testamento, respondeu-lhes em quatro Proposicdes. Estas váo abaixo apre~ sentadas e comentadas: afírmam em Jesús nítida consciéncia do que Ele mesmo era, e da missSo que, como homem, Lhe competía realizar na térra.

Últimamente tém-se formulado perguntas a respeito do que Jesús, como homem, sabia ou nao sabia. Assim, por exemplo, indaga-se: Jesús

sabia que era Deus?... Deus feito homem?... Sabia que Ele tinha urna missáo a cumprir como Salvador, e que daría a sua vida em resgate do gé nero humano? Ou será que Jesús ignorou até o fim da vida a sua verdadeira identidade e o alcance da tarefa que o Pai lhe assinalara? Ter-se-á iludido, como os Profetas podiam iludir-se, a ponto de clamar desespe

rado no alto da Cruz: "Meu Deus, meu Oeus, por que me abandonaste?" (Me 15,34; SI 22,1s)? Pensava Ele que o Reino de Deus viria plenamente

já na primeira geracáo de seus discípulos, quando na verdade a Igreja é que continuarla a sua obra, na expectativa da consumacáo do Reino?

Para tais perguntas os teólogos tém procurado as devidas respos

tas, partindo de meticulosa análise dos escritos do Novo Testamento. Estes, considerados segundo os parámetros da critica moderna, permitem afirmar quatro proposites de grande valor para a solucáo do proi

338

JESÚS SABIA QUE ERA DEUS?

blema, proposites elaboradas pela Comissáo Teológica Internacional1,

que as publicou em 19852. Ei-las:

1. PRIMEIRA PROPOSigÁO:

"ELE TINHA CONSCIÉNCIA DE SER DEUS". Eis o texto oficial desta Proposicáo:

"A VIDA DE JESÚS ATESTA A CONSCIÉNCIA DA SUA RELACAO FILIAL COM O PAI. O SEU COMPORTAMENTO E AS

SUAS PALAVRAS, QUE SAO OS DO "SERVIDOR" PERFEITO IMPLICAM UMA AUTORIDADE QUE SUPERA A DOS ANTIGOS PROFETAS E QUE PERTENCE A DEUS SO. JESÚS DERIVAVA ESSA INCOMPARAVEL AUTORIDADE DA SUA SINGULAR RE LACAO COM DEUS, QUE ELE CHAMAVA 'MEU PAP. ELE TI NHA CONSCIÉNCIA DE SER O FILHO ÚNICO DE DEUS E NESTE SENTIDO, DE SER ELE MESMO DEUS". Esta Proposicáo afirma duas coisas:

1) Jesús tinha a consciéncia de ser Ele mesmo Deus e, por conse-

guinte,

2} Jesús exercia seu ministerio com incomparável autoridade, que

su perava a dos amigos Profetas e toca a Deus só.

Aprofundemos cada urna destas sentencas.

1) A consciéncia de ser Deus... A leitura dos Evangelhos eviden

cia com muita clareza que Jesús tratava Deus como Abbá (cf. Me 14,36), ou seja, como pai em sentido muito (ntimo ou em sentido único. Por isto Ele dizia a Madalena: "Subo a meu Pai e vosso Pai" (Jo 20,17); era, pois, intransferfvel a sua relacáo com o Pai, a tal ponto que Ele afirmava: "Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece O Filho senáo o Pai, e ninguém conhece o Pai senáo o Filho e

aquele a quem o Filho O quiser revelar" (Mt 11, 27).

1A Comissño Teológica Internacional compóe-se de eminentes teólo

gos de varias partes do mundo, nomeados pelo Papa. Tem por objetivo estudar as atuais questdes candentes de Teología, de modo que periódicamente

publica um documento relativo a algum problema do momento.

2Em PR 294/1986 foi publicado na íntegra, o texto da Comissáo Teoló

gica Internacional. Neste fascículo, tendo em vista o constante retorno do assunto, sSo transcritas apenas as Proposites com os textos bíblicos que as fundamentara.

339

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

Quando Pedro confessou: "Tu és o Cristo (Messias), o Filho do Deus vivo", Jesús logo observou: "Bem-aventurado és tu, Simáo, filho de Jo

ñas, porque nao foram a carne e o sangue <= o bom senso humano) que to revelaram, mas o meu Pai, que está nos céus" (Mt 16,16s).

É de notar o uso enfático da expressáo "Eu sou" por parte de Je

sús. Faz eco ao "Eu sou" (Javé) com que Deus se revelou a Moisés (cf. Ex 3,14). O Eu que falava e legislava soberanamente em Jesús, tinha a mesma dignidade do Eu de Javé:

Jo 8, 28: "Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, co-

nhecereis que Eu sou".

Jo 8, 57: "Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que

Abraáo existisse, Eu sou".

Jo 13, 19: "Eu vo-lo digo agora, antes que acóntela, a fim de que, quando acontecer, vos creíais que Eu sou".

Jo 8, 24: "Se nao crerdes que Eu sou, morrereis em vossos pecados".

A fórmula Eu sou, além de fazer ressoar o nome de Javé revelado em Ex 3, 14-16, evoca passagens do Antigo Testamento (na traducáo

grega dos LXX), em que "Eu sou" significa "Eu sou Deus, o Único Deus";

veja m-se

Is 43, 10: "Possais compreender que Eu sou; antes'de mim nenhum Deus foi formado e, depois de mim, nao haverá nenhum".

Is 41, 4: "Eu, Javé, sou o primeiro, e com os últimos ainda serei o mesmo".

Is 48, 12s: "Ouve-me, Jaco, Israel, a quem chamei: Eu sou. Sou o primeiro e sou também o último. A minha mSo fundou a térra, a minha destra estendeu os céus".

2) Autoridade de Jesús... Em conseqüéncia, a autoridade que Jesús atribula a si, é a do próprio Deus: "Passaráo o céu e a térra. Minhas palavras, porém, nao passaráo" (Me 13,31). i

340

JESÚS SABIA QUE ERA DEUS?

A atitude dos homens em relagáo a Jesús decide a salvagáo eterna

dos mesmos:

"Eu vos digo: todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, o Filho do Homem também se declarará por ele diante dos anjos de Deus; aquele, porém. que me houver rene gado diante dos homens, será renegado diante dos anjos de Deus" (Le 12, 8s; cf. Me 8, 38; Mt 10,32).

Para seguir Jesús, é preciso amá-lo mais do que qualquer bem terreno:

"Aquele que ama pai ou máe mais do que a mim, nao é

digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim, nao é digno de mim... Aquele que acha a sua vida, perdé-la-á; mas quem perde a vida por causa de mim, a encontra rá" (Mt 10, 37. 39).

Nao existe Mestre além de Jesús; cf. Mt 23,8.

c) Os primeiros cristáos sabiam... A Igreja nascente, desde os seus primeiros anos, e nao em conseqüéncia de um desenvolví mentó tardío, professava Jesús como Filho do Pai, igual ao Pai em perfeicáo; veja-se, por exemplo, o hiño litúrgico citado por Sao Paulo na sua epís tola aos Filipenses (escrita em 63 ou antes):

"Cristo tinha a condicáo divina; mas nao considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegasse ciosamente. Esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condicáo de servo, tornando-se semelhante aos homens... até a morte, e morte de Cruz" (Fl 2, 6-8).

Particularmente significativas sao as "fórmulas de missáo": "Deus

enviou o seu próprio Filho" (Rm 8,3; Gl 4,4).

A filiacáo divina de Jesús está no centro da pregacáo dos Apostó los, que a deviam entender como explicitacáo do apelativo Abbá (= Pai muito caro) que Jesús dirigía ao Pai.

341

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

II. SEGUNDA PROPOSICÁO: JESÚS, COMO FILHO DE

HOMEM, SABIA TER SIDO

DEUS

FEITO

ENVIADO PELO

PARA DAR A PROPRIA VIDA EM

FAVOR

PAI

DOS HOMENS.

Eis o texto oficial:

"JESÚS SABIA QUAL ERA A FINALIDADE DA SUA MIS-

SÁO: ANUNCIAR O REINO DE DEUS E TORNÁ-LO PRESENTE

NA SUA PESSOA, NOS SEUS ATOS E ÑAS SUAS PALAVRAS, A FIM DE QUE O MUNDO FOSSE RECONCILIADO COM DEUS E RENOVADO. LIVREMENTE ELE ACEITOU A VONTADE DO

PAI: DAR A PRÓPRIA VIDA PELA SALVAQÁO DE TODOS OS

HOMENS; ELE SABIA TER SIDO ENVIADO PELO PAI PARA

SERVIR E DAR A PRÓPRIA VIDA 'EM FAVOR DE MUITOS' (Me 14, 24)".

Esta Proposicáo continua os dizeres da anterior: Jesús, além de co-

nhecer sua ¡dentidade transcendental, sabia que, como homem, viera ao mundo para entregar sua vida pela salvacáo de todos os homens. Donde se depreende isto?

sáo:

Sao muitos os dizeres em que Jesús exprime o sentido de sua mis-

Me 10,45: "O Filho do Homem nao veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos (= to dos)".

Ele veio "chamar os pecadores" (Me 2,17), "procurar e salvar o que estava perdido" {Le 19,10), veio "trazer o fogo sobre a térra" {Le 12,49). Segundo Sao Joáo, Jesús sabe que "veio" do Pai (Jo 5,43; 8,12.42; 16,28). A sua missáo nao Ihe foi imposta por forca; Ele a abraca espontá neamente, a ponto de fazer déla o seu alimento (Jo 4,34), a única coisa que Ihe interessa (Jo 5,30; 6,38).

Afirmando que veio do Pai (cf. Me 2,17; Le 10,16), Jesús implícita mente professava a sua preexistencia; sim, antes de existir como homem no mundo. Ele existia junto a Deus, e era Deus, como diz Sao Joáo em Jo 1,1.18.

A sua missáo redentora, Jesús quis exerce-la em total despojamento de si e de ¡nteresses particulares; quis, sin, assemelhar-se aos i

342

JESÚS SABIA QUE ERA DEUS?

homens em tudo, exceto no pecado: obedeceu até a morte (cf. Fl 2,6-9; Hb 5,18), enfrentou as tentagóes que os homens sofrem (Mt 4,1-11; Le 4,1-13). Nao quis recorrer ás legióes angélicas que, na hora do perigo mortal. Ele poderla obter {cf. Mt 26,53). Quis, como homem, "crescer em sabedoria, idade e graca" (Le 2,52).

Os primeiros cristáos compreenderam, divina de Cristo tinha um sentido salvífico. É Sao Paulo: o aniquilamento do Filho (Fl 2,7) guimento: tornar-nos justos (2Cor 5,21), ricos

sem demora, que a filiacáo o que se le ñas epístolas de tem em mira o nosso reer(2Cor8,9)1, filhos mediante

o Espirito Santo (Rm 8,14s; Gl 4,5s); veja-se especialmente:

Hb 2,4s: "Já que os filhos tém em comum o sangue e a car ne, também ele participou igualmente da mesma condicáo, a fim de, por sua morte, reduzir á impotencia aquele que detinha o poder da morte, isto é, o diabo. e libertar os que, por meio da morte, passavam a vida inteira numa situacáo de escravos".

III. TERCEIRA PROPOSICÁO:

JESÚS QUIS FUNDAR A IGREJA PARA CONTINUAR PELOS SECULOS A SUA MISSÁO SALVÍFICA.

Eis o texto oficial:

"PARA REALIZAR A SUA MISSÁO SALVÍFICA, JESÚS QUIS REUNIR OS HOMEMS EM VISTA DO REINO E CONVOCA-LOS EM TORNO DE SI. EM CONSEQÜÉNCIA. JESÚS REA-

LIZOU ATOS CONCRETOS QUE, TOMADOS EM SEU CON JUNTO, SO PODEM SER INTERPRETADOS COMO A PREPARACAO DA IGREJA QUE HAVIA DE SER CONSTITUÍDA DEFI

NITIVAMENTE POR OCASIÁO DOS ACONTECIMENTOS DA PASCOA E DE PENTECOSTÉS. É. POR CONSEGUINTE, NE-

CESSÁRIO AFIRMAR QUE JESÚS QUIS FUNDAR A IGREJA"

1"Aquele que nao conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa

de nos, a fím de que, por ele, nos tomemos justica de Deus" (2Cor 5,21).

"Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesús Cristo, que por causa de vos se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua

pobreza" (2Cor 8,9).

343

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

Esta Proposicáo complementa as anteriores: Jesús nao somente sabia que era Deus Filho feito homem (1- Proposicáo), vindo ao mundo

para desempenhar uma missáo salvrfica em favor de todos os homens (2- Proposito); mas também, para desempenhar a sua obra redentora até o fim dos séculos, quis instituir a sua Igreja (3? Proposicáo).

Nao se pode dizer que Jesús anunciou o fim do mundo para breve e, por isto, nao pensou em fundar a Igreja. Muito ao contrario: diversos textos do Evangelho incutem a longa duracáo da obra iniciada por Jesús; tenhamos em vista:

Mt 13,24-30. 36-43: a parábola do joio e do trigo aceña ¿ presenca de bons e maus no campo do semeador e á paciencia necessária para aguardar o tempo da messe ou o fim da historia universal. As mesmas concep^es sao apresentadas mediante a parábola do grao de mostarda que cresce lentamente a ponto de tornar-se grande ár-

vore (Mt 13,31 s), a parábola do fermento que, lancado á massa, faz que ela tome grande volume (Mt 13,33), a parábola da rede que traz á térra peixes bons e maus, dos quais se fará a triagem (Mt 13,47-49). Em vista da duracáo de sua obra, Jesús quis convocar os discípu los, que Ele chamava "pequeño rebanho" (Le 12,32), rebanho do qual Ele era o pastor (Me 14,27; Jo 10,1-29; Mt 10,16). A convocacáo é apresentada sob a imagem de um chamado para o banquete de nupcias (Le 14,16-24; Me 2,19). Ela dá origem a uma nova familia, da qual Deus mesmo é o Pai e na qual todos sao irmáos {Mt 23A" Me 3,34 k Os discí pulos de Jesús constituem a cidade em cima da montanha, visfvel ao longe {Mt 5,14).

Essa familia convocada ou Convocacáo (Ekklesfa = Igreja) é por Jesús dotada de uma estrutura que deve garantir a sua boa ordem até o fim dos tempos. Assim Jesús escolheu os Doze (Me 3,14-19; Mt 10,1-4; Le 6,12-16), que Ele instruiu e preparou assiduamente para a missáo fu tura; deu-lhes por Chefe o Apostólo Pedro (Mt 16,16-19; Le 22,31 s; Jo 21,15-17). Além dos doze Apostólos, Jesús chamou 72 discípulos (Le 10, 1-12), que enviou também a pregar. O número 12 é o das tribos de Israel, que devem ser convocadas, ao passo que 72 (ou 70) é, na Biblia, o nú mero tradicional das nacóes pagas (cf. Gn 10, 1-32); por conseguinte, o povo de Deus, inaugurado por Jesús, deve constar de judeus e pagaos

ou, com outras palavras, é aberto a todos os homens (cf. Mt 8,11s). A Igreja tem também a sua oracáo própria, que Jesús Ihe ensinou: o Pai Nosso {cf. Le 11,2-4). Ela recebeu principalmente o rito da 344

JESÚS SABIA QUE ERA DEUS? Ceia, centro da Nova Alianza (Le 22,20) e da nova comunidade reunida em torno da fracáo do pao (Le 22,19). Aqueles que Jesús convocou, Ele ensinou outrossim um novo mo

do de agir ou urna Ética mais perfeita, diversa da dos antigos escribas e fariseus (Mt 5,21-48), diversa da dos pagaos (Mt 5,47) e diversa da dos grandes deste mundo (Le 22,25-27). No Evangelho segundo Sao Joáo, os discípulos sao simbolizados pelos ramos da videira que é Cristo, sem o qual nao é possfvel dar fruto

(Jo 15,1-6). É a livre doacáo de Jesús em prol dos seus amigos (Jo 10,18; 15,13) que fundamenta tal comunháo de vida. Os eventos de Páscoa ficam sendo a fonte da Igreja (Jo 19,34); Jesús dizia: "Eu, quando for

exaltado ácima da térra, atrairei todos a mim" (Jo 12,32). Os primeiros cristáos entenderam o designio de Cristo, professando a conviecáo de que a Igreja é inseparável de Cristo; Ele é a Cabeca do Corpo que é a Igreja: 1Cor 12,27; 12,12; Cl 1,18; 3,15; Ef 1,22s...

Vé-se, pois, que a historia do Cristianismo se funda sobre a intencáo e a vontade, de Jesús, de fundar a sua Igreja.

IV. A

QUARTA

CONSCIÉNCIA OS

PROPOSICÁO:

DE CRISTO, SALVADOR DE TODOS

HOMENS, IMPLICA

EM

JESÚS

O AMOR

A CADA SER HUMANO. Eis o texto oficial:

"A CONSCIÉNCIA QUE CRISTO TEM, DE SER ENVIADO PELO PAI PARA A SALVACÁO DO MUNDO E PARA A CONVO-

CACÁO DE TODOS OS HOMENS NO POVO DE DEUS, IMPLI

CA, DE MODO MISTERIOSO, O AMOR A TODOS OS HOMENS.

DE TAL MODO QUE TODOS PODEMOS DIZER: 'O FILHO DE

DEUS.ME AMOU E SE ENTREGOU POR MIM' (GL 2,20)". Esta Proposito completa as anteriores: Jesús sabia que era Deus

(1? Proposicáo);... sabia que, como homem, tinha a missio de salvar to dos os homens mediante a sua morte (2- Proposicáo); Jesús quis fundar

e estruturar a sua Igreja para perpetuar a sua obra até o fim dos séculos (3- Proposicáo); Jesús amou a cada um dos homens pessoalmente, e nao globalmente (4? Proposicáo). 345

JO

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 3b3; 1992

Esta última verdade se deduz do zelo de Jesús por todo tipo de ser humano: os perdidos (Le 15,3-10 e 11-32), os publícanos e os pecadores (Me 2,15; 7,36-50; Mt 9,1-8; Le 15,1s), os homens e as mulheres (Lc8,2s; 7,11-17; 13,10-17), os doentes (Me 1,29-34), os possessos (Me 1,21-28), os aflitos (Le 6,21 b), os oprimidos (Mt 11,28).» No dia do juízo universal, será manifestado até que ponto Jesús se terá identificado com os enfermos, os famintos, os desnudos, os encarcerados... (Mt 25,31 -46).

Jesús é o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas (Jo 10,11); Ele as conhece (Jo 10,14) e chama cada urna pelo seu nome (Jo 10,3). Por isto Sao Paulo pode dizer: "Vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por m¡m"(GI 2,20).

A respeito dos irmáos de consciéncia fraca, sujeita a escándalos sem fundamento, escrevia ainda o Apostólo: "Nao fagas perecer por cau sa do teu alimento alguém pelo qual Cristo morreu" (Rm 14,15; cf. 1Cor8,11;2Cor5,14s).

Esse misterio do amor gratuito e pessoal de Oeus se encontra no ámago da fé crista: Deus amou a todos e a cada um dos homens de mo do a dar o seu próprio Filho (Jo 3,16). "Foi assim que conhecemos o amor: Ele (isto é. Cristo) entregou a sua vida por nos" (1 Jo 3,16). Precisamente por ter reconhecido esse amor pessoal por cada um, muitos cristáos se dedicaram ao amor aos mais pobres sem discriminac,áo. E continuam a testemunhar esse amor, que sabe ver Jesús em cada um "destes meus irmáos menores" (Mt 25,40). "Trata-se de cada no-

mem, porque cada um foi incluido no misterio da Redencáo, e.com cada um Cristo se uniu para sempre através deste misterio" (Joáo Paulo II, ene. Redemptor Hominis n? 13).

V. CONCLUSÁO A questáo da consciéncia de Jesús pode ser discutida de maneira sutil e complexa com o auxilio da psicologia do consciente, do subcons

ciente e do inconsciente, sem que se chegue a resultado satisfatório. Na verdade, se cada ser humano tem dificuldade para conhecer exatamente o que Ihe vai no próprio Intimo e mais dificuldade encontra para conhe cer o que vai no Intimo de seus contemporáneos, é claro que mais dificuldades ainda terá para dizer o que havia no Intimo de Jesús Cristo, que viveu sua vida mortal há quase dois mil anos. Por isto verifica-se que é mais sabio examinar atentamente as Es crituras, que permítem lancar um olhar lúcido sobre aquilo que Jesús sai

346

JESÚS SABIA QUE ERA DEUS?

11

bia a respeito de si mesmo. Deste exame resultam as quatro Proposi?6es que acabamos de explanar:

1) Jesús sabia que era Deus;

2) Jesús sabia que, feito homem, tinha na térra a missáo de se entregar pela salvagáo de todos os homens;

3) a fim de assegurar o bom desempenho de sua missáo, Jesús quis fundar a sua Igreja, que Ele entregou aos Apostólos e a Pedro, cujos sucessores garantem a incolumidade dessa obra até o fim dos séculos; 4) ao entregar-se por todos, Jesús viu e amou cada um dos membros da familia humana, desde os mais aquinhoados até os mais simples e sofredores.

"GRABAS SEJAM DADAS A DEUS PELO SEU INEFÁVEL DOM!"

(2Cor9,15)

(Continuagáo da pág. 384)

Ora tais concepcSes sao altamente fantasiosas e gratuitas. A preexis tencia das almas nao pode ser experimentalmente provada; é contraditada nao só pela fé católica, mas tambémpela filosofía aristotélico-tomista, que tem a alma na conta de principio vital do corpo humano; constituí com este um sújeito único de atividades; por conseguíate, nao preexiste ao corpo, nem vagueia tora do corpo enquanto vive na Térra. A morte é, sim, a separacáo de corpo e alma; esta, sendo espiritual e por si ¡mortal, subsiste sem corpo no além, com plena lucidez e consciéncia, colhendo os frutos da semeadura ter restre. No ñm dos tempos, a fé ensina que Deus ressuscitará a carne, recompondo assim o ser humano, que nao é um arijo encamado, mas é natural mente psicossomátíco.

Infelizmente o livro de 'Tía Gisa" carece de base fílosófíco-teológica e nüo se coaduna com os principios da fé católica, por mais gracioso e delicado que seja. E.B. 347

A revelado de um coragáo:

Paulo VI no Crepúsculo da Vida

Eis abaixo as refíexóes de Paulo VI escritas provavelmente no fím de um retiro espiritual, depois da redagáo de seu testamento. Foram dadas ao conhecimento do público por D. Macchi, Secretario particular do Pontífice, por ocasiño do primeiro aniversario de sua morte, ou seja, aos 6 de agosto de 1979.

Revelara um coragáo ardente, que no fím da vida terrestre faz um retrospecto e urna prospectiva.

"O tempo de minha partida se aproxima" (2Tm 4,6). "Eu sei que,

para mim, aproxima-se o momento da separacáo" (2Pd 1,14). "É o fim, o fim chega" (Ez 7,2).

Esta evidencia da precariedade da vida temporal, de seu termo inevitável e cada vez mais próximo se impóe. Nao é sensato fechar os olhos diante dessa sorte inelutável, diante da desastrosa ruina que ela com porta, diante da misteriosa metamorfose que se realizará no meu ser, diante do que se prepara.

Vejo que minha reflexáo se torna, antes de tudo, extremamente pessoal: Quem sou eu? Que resta de mim? Para onde vou? E, portanto, extremamente moral: Que devo fazer? Quais sao as minhas responsabili dades? E vejo também como sao vas as esperanzas relativas a vida pre

sente. Para essa vida há deveres e expectativas momentáneas. As espe rarlas sao para o que vem depois déla.

Esta lámpada em minhas máos... E vejo que esta suprema considerado nao se pode fazer em um

monólogo subjetivo, em um drama no qual a obscuridade sobre o destit

348

PAULO VI NO CREPÚSCULO DA VIDA

13

no humano se torna opaca, enquanto cresce a luz. Ela deve ser feita em diálogo com a realidade divina, de onde venho e para onde vou ¡ndiscutivelmente, com a lámpada que o Cristo coloca em nossas máos para a

grande passagem. Senhor, eu creio. Aproxima-se a hora. Tenho esse pressentimento há algum tempo. Mais do que a fadiga física, pronta a fraquejar a todo instante, o drama de minhas responsabilidades parece sugerir, como solugáo providencial,

minha partida deste mundo, a fim de que a Providencia possa manifestar-se e conduzir a Igreja a urna sorte melhor. A Providencia tem tantos modos de intervir no terrtvel jogo das circunstancias que envolvem mi nha pobre pessoa! Mas parece bem claro que devo ser chamado a outra vida para ser substituido por um outro mais válido, que nao esteja preso

pelas dificuldades presentes. "Sou um servo inútil". Tudo era dom, tudo era belo! "Caminhai enquanto tendes a luz da vida" (Jo 12,35). Sim, eu desejaria muito estar na luz, quando chegar o fim. Geral-

mente, se nao é obscurecido pela enfermidade, o fim da vida temporal

tem sua obscura claridade, a das recordares, táo belas, táo atraentes, táo nostálgicas, que nos dizem táo claramente que sao um passado que

nao voltará mais, que se riem de nos se nos agarramos desesperada mente a elas. Há urna luz que denuncia a ilusáo de urna vida fundada so bre bens efémeros e esperanzas engañadoras. Há a luz dos remorsos obscuros e agora ¡neficazes. Há a luz da sabedoria, que entrevé final mente a vaidade das coisas e o valor das virtudes que deviam caracterizar

o decorrer da vida. "Vaidade das vaidades". Quanto a mim, eu desejaria ter, no fim, urna visáo recapituladora e sabia do mundo e da vida. Creio que essa visáo deveria traduzir-se pela gratidáo. Tudo era dom, tudo era graca! E como era bela a paisagem que atravessamos! Muito bela, táo bela que nos deixamos atrair e encantar por ela, quando ela deveria ser para nos um sinal e um convite.

Cantar esta vida na gloria Mas, de qualquer modo, parece que nosso adeus deve exprimir-se em um grande e simples ato de reconhecimentó e mesmo de gratidáo. Apesar de suas dificuldades, seus misterios obscuros, seus sofrimentos,

sua fatal caducidade, esta vida mortal é algo de muito belo, um prodigio sempre original e emocionante, um acontecimento que merece ser can tado na alegría e na gloria: a vida, a vida do homem. 349

14

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

Nao menos digno de alegre maravilhamento é o quadro que cerca a vida do homem. Este mundo imenso, misterioso, magnífico, este uni verso com mil potencialidades, com mil leis, de mil belezas, de mil profundezas. Que imagem encantadora!

Que infinita prodigalidade! Diante desse olhar retrospectivo, inva de-nos o pesar de nao ter admirado suficientemente esse quadro, de nao ter contemplado as maravilhas da natureza, as surpreendentes riquezas do macrocosmo e do microcosmo, como elas o mereciam!

Por que nao perscrutei, explorei, admirei suficientemente o quadro no qual a vida se desenrola? Distracáo imperdoável! Que repreensível superficialidade!

Devo reconhecer, ao menos no último momento, que este mundo, que "foi feito por Ele", é maravilhoso. Sim, eu te saúdo e te canto no úl timo instante, com imensa admiracáo, com gratidáo. Tudo é dom. Por detrás da vida, da natureza, do universo, há a sabedoria, e, portanto, eu o digo nesse luminoso adeus (porque sois Vos que no-lo revelastes, Se-* nhor), há o Amor.

A imagem deste mundo é o projeto, aínda incompreensível na sua maior parte, de um Deus Criador, que chamamos "Nosso Pai, que estáis

nos céus". Obrigado, meu Deus, obrigado; e gloria a Vos, ó Pai! Lancando este último olhar, tenho consciéncia de que esse cenário fascinante e

misterioso é um reflexo da primeira e única luz. É urna revelacáo natural de urna riqueza e de urna beleza extraordinarias, que devia ser urna ¡niciacáo, um preludio, urna antecipacáo, um convite a olhar o sol invislvel,

que "ninguém jamáis viu; o Filho único, que está no seio do, Pai, no-lo revelou"(Jo1,18).

Pobre vida, que clama por tanta misericordia! Mas agora, nesse crepúsculo revelador, para além desse último ocaso, presságio da aurora eterna, um outro pensamento me preocupa: a sede de aproveitar da décima primeira hora, de fazer algo de importante,

antes que seja muito tarde. Como reparar as ácóes mal feitas? Como re cuperar o tempo perdido? Como discernir o "único necessário" nessa úl tima possibilidade de escolha?

Depois da acáo de gracas, o arrependimento. Depois do canto da gloria ao Deus Criador e Pai, o apelo á misericordia e ao perdáo. Que eu ao menos saiba apelar por tua bondade, confessar minha falta e, ao mesmo tempo, reconhecer tua infinita capacidade de me salvar. "Senhor, tem piedade; ó Cristo, tem piedade; Senhor, tem piedade". i

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PAULO VI NO CREPÚSCULO DA VIDA

1j>

Aqui se me apresenta a pobre historia de rninha vida. Vejo-a, de um lado, tecida de ¡números e extraordinarios beneficios provenientes de urna indizfvel bondade (é esta que espero contemplar um dia e "cantar eternamente"); e, de outro lado, atravessada por urna trama de acóes m¡seráveis, que prefiro nao lembrar, de tal modo sao elas defeituosas, im-

perfeitas, erradas, estúpidas, ridiculas. "Ó Deus, tu conheces a minha estultfcie" (SI 68,6). Pobre vida miserável, estreita, mesquinha, que clama por tanta paciencia, reparacáo, por infinita misericordia! S. Agostinho diz, em sfntese que me parece sempre insuperável: "miseria e misericordia". A miseria é minha; a misericordia é de Deus. Que eu possa, ao menos agora, honrar o que tu és, Deus da infinita bondade, invocando, aceitan do, celebrando a tua doce misericordia.

Fazer alegremente tudo o que queres de mim,

mesmo se isso me custe a vida E, por fim, um ato de boa vontade: nao olhar mais para tras, mas fazer de boa vontade, simplesmente, humildemente, fortemente, o dever indicado petas circunstancias em que me encontró, como sendo a tua vontade. V

Fazer logo e bem, alegremente, tudo o que queres de mim agora, mesmo se isso ultrapasse ¡mensamente as minhas forcas, mesmo se me

custe a vida, finalmente, nessa última hora. Inclino a cabera e elevo o meu coragáo. Eu me humilho e te exalto,

a Ti, 6 Deus, "cuja natureza é bondade" (S. Leáo). Permite que, nessa úl tima vigilia, eu te preste homenagem, a Ti, Deus vivo e verdadeiro, que serás amanhá o meu juiz. Permite que eu te dé o louvor que mais desejas, que te dé o nome que preferes: Pai. Diante da morte, mestra da filosofía da vida, pensó que, para mim,

como para todos os que tiveram semelhante felicidade, o acontecimento

mais importante dentre todos foi o encontró com o Cristo, que é vida. Tudo deveria ser aqui meditado de novo, com a ciaridade reveladora que

a luz da morte dá a esse encontró. "De que, com efeito, nos teria válido nascer se nao para sermos resgatados?" (Precónio da Vigilia de Páscoa). Essa descoberta do canto pascal é o criterio de tudo que tem relagáo com a vida humana, com seu verdadeiro e único destino, que só tem

sentido no Cristo. "Ó maravilhosa atencáo de teu amor por nos!" Maravilha das maravilhas, o misterio de nossa vida no Cristo. Aqui a fé, a espe ranea, o amor cantam o nascimento e celebram a morte do homem. Eu creio, espero e amo, em teu nome, Senhor. 351

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

A mais ¡limitada confianza E, depois, pergunto-me também: por que me chamaste? Por que me escolheste, a mim táo inepto, táo reticente, táo pobre de espirito e de

coracáo? Eu o sei: "Deus escolheu o que é loucura no mundo... para que criatura alguma possa orgulhar-se diante de Deus" (1Cor 1,27-28). O fato

de eu ter sido escolhido revela duas coisas: minha insignificancia e tua l¡berdade, misericordiosa e poderosa. Ela nao se deteve diante das minhas infidelidades, minha miseria, a possibilidade de eu te trair— Ponho-me a teu servico, ao servido de teu amor. Eis-me num esta do de sublimacáo que nao me permite mais recair em minha instintiva psicología de pobre homem senáo para me lembrar a realidade de meu ser e para reagir, com a mais ilimitada confianca, dando a devida res-

posta: "Sim, tu sabes que te amo". Um estado de tensáo me invade e fixa em um ato permanente de absoluta fidelidade a minha vontade de servir por amor. "Ele amou até o fim"; "nao permitas que eu seja separado de ti". O crepúsculo da vida presente, que eu desejaria tranquilo e sereno, deve, ao contrario, ser um

esforco crescente de vigilancia, de dom de si, de espera. É difícil, mas as-

sim é que a morte sela o tempo da peregrinagáo terrestre e langa urna ponte para o grande encontró com o Cristo na vida eterna. Reúno minhas últimas forgas e nao retomo o dom total que fiz, pensando em Ti: "Tudo está consumado".

Um dom de amor á Igreja Eu te sigo e vejo que nao posso deixar discretamente o cenário deste mundo. Mil lagos me ligam á familia humana, b comunidade que é a Igreja. Esses lagos se romperlo por si mesmos, mas nao posso esque-

cer que eles pedem de minha parte um supremo dever. "Piedosa morte". Terei presente ao espfrito o modo com que Jesús despediu-se do cenarlo temporal deste mundo... A solidáo de sua morte foi cheia de nossa presenca, foi cheia de amor... Pego, portanto, ao Senhor, que me dé a graca de fazer de minha morte próxima um dom de amor á Igreja. Posso dizer que sempre a

amei. O amor da Igreja é que me tirou do meu egoísmo estreito e selva' gem e me impeliu a servi-la. Parece-me que foi por ela e por nada mais que vivi. Mas eu desejaria ter a forga de Iho dizer, como urna confidencia

do coragáo, que se tem a forga de fazer somente no último instante da vida. Desejaria, enfim, abraca-la toda inteira, com sua historia, seu plano divino, seu destino final, com toda a sua complexidade unitaria, sua coni

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PAULO VI NO CREPÚSCULO DA VIDA

17

sisténcia humana e ¡mperfeita, suas desgranas e seus sofrimentos, suas fraquezas e as miserias de tantos de seus filhos, seus aspectos menos simpáticos e seu esforco constante de fidelidade, de amor, de perfeicáo e de caridade, ela que é o Corpo místico do Cristo. Eu desejaria abracá-la, saudá-la, amá-la em todos os que a compóem, em todos os bispos e sacerdotes que a assistem e a guiam, em to das as almas que déla vivem e sao sua gloria. Eu desejaria abengoá-la. Eis por que nao a deixo, nao saio déla, mas me uno e me confundo ainda mais e melhor com ela. A morte é urna progressáo na comunháo dos

santos. É preciso lembrar aqui a ora?áo final de Jesús (Jo 17): o Pai e os

meus sao um. Diante do mal que há na térra e a possibilidade de eles serem salvos, na consciéncia suprema de que era minha missáo cha ma-los, revelar-lhes a verdade, fazer deles filhos de Deus, irmáos entre si, amá-los com o amor que está em Deus; com o amor que de Deus veio

á humanidade pelo Cristo, com o ministerio da Igreja que me é confiado; com o amor que foi comunicado: Homens, compreendei-me; eu vos amo a todos na efusáo do Espirito Santo, da qual, eu, ministro, vos devia fazer

participar. É assim que eu vos olho, vos saúdo, vos abencoo a todos e, mais cordiatmente, os que me sois mais próximos. A paz esteja convosco.

E que direi á Igreja, á qual devo tudo e que foi minha? As béncáos de Deus estejam sobre ti; tem consciéncia da tua natureza e da tua mis

sáo; tem consciéncia das verdadeiras e profundas necessidades da hu manidade e caminha na pobreza, isto é, com liberdade, for?a e amor para o Cristo. Amém. O Senhor vem. Amém.

OPÚSCULOS PARA ESCLARECER A FÉ POR QUE NAO SOU PROTESTANTE? - POR QUE NAO SOU ESPI RITA? - POR QUE NAO SOU ATEU? - POR QUE SOU CATÓLICO ? - O FENÓMENO RELIGIOSO: SIM OU NAO? - JESÚS. DEUS E HOMEM? - A

RESSURREICÁO DE JESÚS: HISTORIA OU MITO? - OS MILAGRES DE

JESÚS: FICCÁO OU REAUDADE? - JESÚS SABIA QUE ERA DEUS? -

POR QUE NAO SOU MACOM? - POR QUE NAO SOU ROSA-CRUZ? - OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS.

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Típicamente humana:

A Capacídade de Maravilhar-se

Em símese: O presente artigo parte da verificagáo de Aristóteles se gundo a qual o principio de toda filosofía (sabedoria) é o thaumazeinou ad mirarse. Recorrendo a consideracóes psicológicas e dados da fé, talsenten-

ga é desenvolvida ñas páginas seguintes. Afínal, o maravilhar-se nada mais 6 do que o descubrir que algo de maior e mais nobre cerca o homem e o inter

pela, chamando-o para um diálogo que leva á intuigáo do Infinito. Sem essa descoberta e sem diálogo subseqüente, a vida humana carece de sentido ou defínha sob o peso das coisas passageiras.

A capaddade de maravilhar-se é a de reconhecer valores novos, inesperados e preciosos, que ultrapassam as categorías habituáis do conhecimento deste ou daquele individuo. O maravilhar-se supóe um certo misterio ou algo de nao compreendido, que leva muitas vezes o homem a procurar a causa do fenómeno; assim, por exemplo, um relámpago po

de parecer ao observador algo de inesperado, misterioso, cuja causa ele se póe a procurar; o arco-iris também... Por isto Aristóteles dizia que o principio de toda Filosofía é o thaumázein ou o admirar-se; com efeito, observando a si e a natureza que o cerca, o homem concebe urna serie de interrogares inspiradas pela surpresa e resolve ir ao encalco de respos-

tas que Ihe expliquem o misterio da sua vida e do mundo que o cerca; as

sim elabora o homem seu sistema filosófico ou sua cosmovisáo sapien cial. A Filosofía procede precisamente de certas indagacóes básicas: "Quem sou? Donde venho? Para onde vou? Qual o sentido do mundo que me cerca? Existe urna ordem nesse conjunto? Quem a concebeu? Quem é o autor de tudo o que vejo? Ou nao existe autor nenhum? O aca so seria suficiente explicagáo?"

A fé supóe e suscita também o maravilhar-se. A descoberta dos vestigios de Deus no mundo e na Palavra Revelada desperta admiracáo e i

354

ACAPACIDADE DE MARAVILHAR-SE

1!9

sur presa, e a penetrarlo do misterio de Deus nao se faz sem o crescimento constante da admiragáo de Deus e de seus designios. Dada a importancia do marav¡lhar-se, procuraremos refletir sobre esta atitude, considerando seu papel na existencia do homem e no mun do de hoje.

1. Maravilhar-se: significado e dificuldades 1.1. Significado O maravilhar-se é, cortamente, urna das características das crianfas; tudo para elas é surpreendente e suscita curiosidade. Mas é também nota tfpica do espirito de infancia de que fala o Evangelho (cf. Mt 18,3s). Ainda é de notar que o maravilhar-se também existe nos adultos e vem a ser precisamente urna das causas do dinamismo do ser humano; é urna dimensáo essencial do homem, dimensáo sem a qual a pessoa se degra da e prostra. O ateu Jean Camus referia-se a "essas duas sedes que nao é

possfvel contornar sem que a pessoa se resseque: a sede de amar e a de admirar" (L'Eté. Paris, N.R.F., p. 156). Nao obstante, o espirito admirativo é hoje em dia dificultado ou sufocado por tres traeos da vida contemporánea, que tornam o homem critico ao excesso, cético, frustrado.»

1.2. O espirito crítico do dentista Sem dúvida, a metodología científica, muito cultivada em nossos tempos, aguca e justifica o desejo de tudo verificar, testar e comprovar. Toda ciencia é urna tentativa de se aproximar da verdade; contudo o cientista sabe que está sujeito a imprecisóes e perspectivas parciais; dat ser-lhe legítima e necessária a crítica. Esta, porém, tende a afetar todas as

atitudes do sujeito, sem que este se dé conta disto. A crítica entáo deixa de ser um método para tornar-se urna atitude permanente, atitude para a

qual somente a desconfianza e a suspeita parecem inteligentes. A pessoa assim afetada caí no negativismo e na amargura. De tanto derramar áci do sobre todas as coisas, verifica que nao Ihe resta mais nada.

Pois bem. Nao se pode condenar o espirito crítico vigente na área das ciencias e em outras paralelas. O homem contemporáneo é mais crí tico do que seus antepassados. Estes parecem hoje ter sido, de certo mo do, fatalistas, dispostos a aceitar mais fácilmente a realidade com suas limitacóes e tragedias. Os amigos sabiam que nao podiam mudar muita 355

JO

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

coisa, ao passo que em nossos días, com os recursos da ciencia e da téc nica, o homem tem consciéncia de poder intervlr para melhor no curso das coisas. Estas possibilidades de ordem técnica nos tornam mais exi gentes, mais empreendedores e eficientes na luta contra os flagelos e na organizado da solidariedade entre nos. - Isto tudo é muito bom; contudo, como dito, faz-nos correr o risco de nos tornar constantemente insatisfeitos, portadores de um sentlmento de frustracáo e injustica.

Por isto o senso crítico de nossa geracáo precisa, mais do que nun ca, de ser temperado pelo senso de surpresa e admiracáo. Enquanto a

critica nos mantém fríos, distantes, descomprometidos, indiferentes, taivez por motivos subjetivos e preconceituosos, a admiracáo implica acóIhida, interesse, disponibilidades 1.3. O espirito critico diante dos noticiarios

Outra fonte do desgaste da nossa capacidade de admirar sao os canais de informagáo que nos interpelam diariamente. Sabe-se que nao raro transmitem noticias manipuladas, tendenciosas, deformadas... Mais: enfatizam mais o mal do que o bem, pois é precisamente o mal trágico e escandaloso que causa impacto nos ouvintes.

Com efeito. Mesmo que nao caia no masoquismo, o ser humano é mais fácilmente ¡mpressionado pelo mal do que pelo bem, pelos desas tres mais do que pelos éxitos. O mal é geralmente mais perceptível, mais violento, ao passo que o bem costuma proceder em ritmo brando, se creto e humilde, que nao atrai o olhar, nao motiva o repórter ou o entre-

vistador dos meios de comunicagáo social. Sonriente quem quer'ultrapas-

sar a superficie da realidade, percebe o bem latente; este é como a lenta ascensáo da seiva vital, ab passo que o mal é como um tiro de revólver. O bem constrói; o mal destrói; ora requer-se muito mais tempo para edifi car do que para abater. Estes fatos sao acentuados por urna atitude inata do intelecto humano; para que algo nos pareca bem sucedido, somos in clinados a exigir sucesso total, ao passo que urna pequeña brecha ou fa

ina nos dá a ¡mpressüo de derrota. Alias, com razio ensina o axioma filo sófico: Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu. O Bem decorre da convergencia de todos os fatores, ao passo que o mal se dá quando falha um só. Verifica-se, pois, que o tipo de informacóes hoje recebidas pelas familias e os individuos justifica certa atitude crítica, meio-cética e suspeitosa. Todavia é preciso nao exagerar. Nao se requer que fechemos os olhos ao mal, mas é mister que as pessoas saibam fazer o equilibrio e procurem considerar a realidade com um olhar justo e adequado; nao i

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ACAPACIDADE DE MARAVILHAR-SE

21

deixem de dar atencáo também aos tópicos que menos caem sob a vista;

nao percam a capacidade de admirar as Vitorias do amor, da fidelidade o a porcentagem de bom éxito contida em projetos numerosos. Essa capa cidade de maravilhar-se fará as vezes de um nao conformismo com o azedume reinante, de lucidez e de objetividade do olhar observador. 1.4. A mobilizacáo da vontade

A vida dura que a maioria dos cidadáos de hoje tem de levar, exige forca de vontade. Muitos se sentem constrangidos, esmagados pelas obrigacóes de cada dia. A vida corre o risco de parecer um tecido de de veres mais ou menos penosos ou fastidiosos.

Na verdade, nao há como fugir a essa rede de imposicóes do lar, da escola, da profissáo, da vida pública..., por mais forte que seja a alergia ou o sentimento de alienagáo daí decorrente. O próprio Evangelho, alias, exige cumprimento do dever e senso de responsabilidade. - Há quem queira aliviar o peso do tedio, aliviando as exigencias e responsabilida des. Isto, porém, em vez de ajudar, prejudica a pessoa humana, pois contribuí para desfibra-la e tirar-lhe a aspiracáo a elevados ideáis; o homem fot feito para ultrapassar constantemente a si mesmo (Blaise Pasca I, + 1662). De resto, a diminuicáo de exigencias nao acarreta necessariamente dilatacáo do coracáo e alegría interior, pois qualquer exigencia que fique, por mais leve que seja, poderá sempre sugerir a impressáo de

constrangimento e alienagáo.

Se nao é plenamente humana urna vida que só conheca deveres e

exigencias, pergunta-se: qual a solugáo para a sufocacáo experimentada pelo homem de hoje? - Está em alimentar a capacidade de ver para além do momento presente ou de perceber a grandeza de um ideal que se

conquista mediante o empenho da vontade. É preciso que o esforco de

cada día seja motivado nao apenas pela tiranía da lei e da obrigacáo, mas também, e principalmente, pela intuicáo de urna meta elevada, nobre, maravilhosa». Em última análise, a percepcáo do transcendental ou a fé em Deus e seu plano salvífico háo de suscitar e sustentar a ardua luta

de cada dia1. Entáo, sim, esta será fecunda, perdendo seu caráter de esmagamento e alienacáo, para tornar-se nobilitacáo da pessoa humana.

1Tenha-se em vista o ttvro bíblico do Eclesiastes ou do Coelel É um

escrito amargo, de alguém que parece "cuspir sobre a vida", porque só vé ab surdo em torno de si (os maus prosperara, enquanto os bons sño marginalizados). O escritor parece cólico e sarcástíco, julgando a morte melhor do que a vida e a casa do luto preferfvel á casa em testa (cf. Ecl 7, 1s).

(continua na pág. 358) 357

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992 1.5. Disto se segué...

a) Donde se vé que o maravilhar-se tende a dilatar o olhar do indi viduo, fazendo-o ultrapassar o momento presente para considerar o pas-

sado e entrever o futuro. É principalmente a ¡ntuicáo otimista do futuro

que brota desse maravilhamento.

b) Conclui-se também que a capacidade admirativa requer, da parte do homem, um constante exerclcio de vigilancia para nao se deixar arrastar pela indiferenca, o desánimo, o tedio, o cansaco... Requer que o in dividuo esteja atento para nao ficar na superficialidade dos fenómenos ocorrentes, para nao se deixar levar pela leí do menor esforco, nao raro, preguicoso e mesquinho, para nao acreditar em todos os chavóes do día...

c) A capacidade admirativa liberta-nos do egocentrismo e impéle

nos á abertura ao que está fora de nos e nos interpela. Por isto ela pode ser fomentada pelos outros ou por pessoas que nos abram os olhos. Em particular, aos genulnos artistas toca tal papel; com efeito, o artista tem o dom de dizer e... nao dizer, de mostrar e... velar, ou de levar o ouvinte (espectador) a continuar a ¡ntuicáo que determinada poesia, música ou modelo comega a Ihe transmitir. O artista deve provocar a capacidade admirativa e o senso intuitivo dos seus clientes.

2. A admiragáo no plano da fé 1. Nao resta dúvida de que todo homem tem, e deve sempre culti var, a capacidade de maravilhar-se diante dos fenómenos da natureza, sejam do mikrokósmos (um átomo e sua estrutura, urna flor, um inseto, um mineral».), sejam do makrokósmos (os espacos siderais e os corpos celestes que, em número e distancias vertiginosas, neles se movem). Mas (contínuagSo da pág. 357):

Ora precisamente o autor é tSo cétíco e crítico porque ignora que há outra vida lúcida após a presente; julga que a morte reduz o ser humano ao es tado de refaim (sombras), que existem inconscientes no subterráneo cha mado cheol.A morte nivela bons e maus num estado de soñolencia, impossibifítando a justa sangSo. Ora essa falta de conhecimento de vida postuma consciente ó que explica a grande amargura do Eclesiastes. Quem sabe que existe urna retribuigSo postuma, considera com outros olhos os males da vida presente e concebe coragem para enfrentá-los e superá-los.

A nocño de vida postuma consciente ou de um feliz misterio no além é imprescindfvel ao bom desenrolar da vida humana. 358

ACAPACIDADE DE MARAVILHAR-SE

23

é principalmente o homem de fé ou aquele que, além do natural, intuí o sobrenatural ou Deus e seu misterio, que concebe e exerce admiracáo.

Pode-se mesmo dizer, em linguagem crista, que a admiracáo é um

dom do Espirito Santo. É o próprio Deus quem, em última análise, move

e alimenta o senso admirativo do cristáo, á revelia das intemperies que

tendem a abaté-lo. O Espirito de Deus faz compreender que "as coisas

visfveis sao passageiras, ao passo que as coisas ¡nvisfveis sao definitivas"

(2Cor 3,18); faz apreender ñas criaturas sensfveis os sinais das transcen dental; nao raro as mesmas coisas visíveis tém urna face claro-escura, que impressiona os olhos, e um retro luminoso, que a fé percebe1. Em suma, o senso admirativo aproxima o cristáo do olhar de Deus e Ihe dá parte neste.

1Dois Hvros bíblicos contribuem para corroborar esta afírmagáo: O livro da Sabedoria.em seus capítulos 2-5, apresenta umquadro da vida terrestre: os Impíos menosprezam o justo, que nño pactua com suas orgias e bacanais, e resolvem condená-lo á morte, a ele que se diz "fílho de Deus".

Morre, pois, o justo e monem também os impíos. No além, o justo é exaltado por ter guardado (¡delidade ao Senhor, ao passo que os impíos sofrem tremenda decepgño, percebendo quSo ilusorias eram as suas fontes de felicidade; sao tidos como insensatos, enquanto o justo, por saber aturar até o extremo os opróbrios infligidos aos homens fiéis, é sabio.

O Apocalipse se desenvolve em duas linhas paralelas: na térra ocor-

rem calamidades, que suscitam o gemido dos homens, ao passo que, no céu, a corte celeste canta "Aleluial A Vitoria é do Cordeiro, Senhor da historial"

Este contraste quer dizer que os acontecimentos que parecem calamitosos e absurdos na tena, estño enquadrados dentro de um plano sabio e santo de Deus, plano no qual os males sSo ocasiSo para que tire matares bens, plano que será rematado pela Palavra da Verdade, do Amor ou do próprio Deus...

'

Por isto os justos nao se perturbam diante dos males da vida presente. Esta é assemelhada a um tapete persa: o lado de baixo ó sujo e monótono, enquanto o lado de cima Ó colorido. Pois bem; os homens na tena olham de baixo para cima e nao entendem nada, porque estño olhando pelo avesso. Os

justos na gloria olham de cima para baixo e compreendem, porque estño olhando corretamente. Tratase entño de considerar a historia como Deus a considera e nao como o limitado olhar humano a pode perceber. Notemos aínda o livro de Jó: discute a questao do sofrimento do Justo afíito (por que o homem bom e reto sofre?). Após tongos debates entre (continuagño da pág. 359) 359

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

Tal atitude nada tem que ver com infantilismo si m pió rio, que nao vé problemas, nem com a satisfacáo abobalhada do palhaco, mas decorre da consciéncia de que o mundo e sua historia nao resultam de casualidade nem do embate de forcas cegas; por conseguinte, por tras dos eventos sombríos e dolorosos do presente existem a Ordem, a Sabedoria, a Bondade, a Onipoténcia do Criador e Redentor do homem; crer nisto é tornar-se crianza nao no sentido pejorativo da palavra, mas na acepcáo nobre que o Evangelho atribuí a este termo (cf. Mt 18,3s).

Notemos ainda que o senso admirativo deve emancipar o cristáo de toda mediocridade, pois desperta nele elevadas aspiracdes, fazendo-o almejar tudo que de grande e nobre Deus tenha prometido ao homem, embora o homem nao o possa conquistar por si só.

"O desejo do infinito em nos caracteriza precisamente o ser humano. Somos levados, como que por um apelo, a tomar-nos infinitamente mais do que o que somos. E este 6 o sinal de que somos criados por Deus para tor

nar-nos seus hospedeiros e seus amigos. Esse desejo do infinito, é preciso nao permitir que ele se fixe ou encaixe em coisa alguma que nSo seja Deus e seu Reino. Pois desejar infinitamente algo de finito ó o cúmulo do absurdo. AI

está, porém, a nossa constante tentagáo. Eis porque», esse desejo deve ser incessantemente reorientado para além dele mesmo" (Pierre-Yves Emery, Le don d'émerveillement.em Collectanea Císterciensia.t 39. 1977/3 p

201).

H

2. A admiracáo deve exteriorízar-se em louvor a Oeus, seja público

(litúrgico), seja na intimidada do coracáo. Esse louvor nao há de ser algo

de marginal ou meramente ocasional, mas é essencial, pois o ser hu mano foi criado para isso e nisso encontra a sua plena realizafáo. Isto

leva a concluir que urna vida consagrada ao louvor de Deus nao está fora do mundo dos homens, mas é urna baliza imprescindível do mesmo. No mundo laicizado ou secularizado de hoje, em que se dá importancia qua-

se exclusiva ao agir e produzir, o homem se senté sufocado e esmagado. Ele vai procurar oxigénio para viver mais propriamente a sua vida huma na nos lugares em que haja o silencio e a paz necessários para contem

plar e agradecer as maravilhas de Deus. É o que atesta a multiplicidade (ContinuagSo da pág. 359)

Jó e seus tres amigos, Deus intervém sotenamente».: nao responde diretamente as indagagdes de Jó, mas mostra a este a grandeza maravilhosa do

universo, com seus astros, seus continentes e mares, sua flora e sua fauna,

despertando em Jó e no leitor um senso profundo de admiracáo». Pois bem; quem considera a obra de Deus no mundo, admirase, maravilha-se e.» confia na sabedoria desse Deus táo grande e poderoso! Ver Jó 38, 1-41,26. i

360

A CAPACIDADE DE MARAVILHAR-SF.

25

dos recantos de retiro e dos grupos de oracáo em nossos días; fazem parte do ritmo de vida de qualquer soíiedade.

O conteúdo deste artigo está baseado nao somente em dados da fé, mas também em observares psicológicas. Pode-se dizer que nao é senáo o desdobramento da famosa sentenca de Aristóteles: O principio de toda reflexáo filosófica ou de toda sophia (sabedoria) é o admirar-se, é o descobrir que algo de maior e mais nobre cerca o homem e o interpela, chamando-o para um diálogo que leva á intuigáo do Infinito. Sem essa descoberta e sem o diálogo subseqüente, a vida humana carece de senti do ou definha sob o peso das coisas passageiras.

Este artigo muito deve ao de Pierre-Yves Emery: Le don de l'émerveillement,e/n Collectanea Cistercensia.t, 39, 1977/3, pp. 194-204.

Pequeña Enciclopedia de Doutrína Social da Igreja,por Fer

nando Bastos de Ávila, SJ. - Ed. Loyola, Sao Paulo 1991, 165 x 235 mm. 456

pp., No Rio. os pedidos seram dirigidos á Av. Pres. Vargas 502, 17* andar (tone: 233-4295).

O autor ó famoso sociólogo, professor emérito da PUC-RJ, que publica urna sfntese da Doutrina Social da Igreja sob a forma de verbetes. Cada qual destes é elaborado com o rigor científico das ciencias humanas e clareza de estilo, pondo sempre em relevo a perspectiva da fé sobre os problemas so ciais. As encíclicas sociais dos Papas, desde a Rerum Novarum de Leño XIII (1891) até a Centesimus Annus de Joño Paulo II (1991) sño apresentadas de maneira sucinta e lúcida. Além disto, encontram-se no como do livro

verbetes de especial atualidade no Brasil contemporáneo, como parlamen tarismo, presidencialismo, inflacio, corrupgáo, controle da natalidade, ecologia... Congratulamo-nos com o autor pela valiosa obra, que se abre citando palavras do Papa Joáo Paulo II: "Confiar responsavelmente nesta doutrina (social), mesmo quando alguns procuram semear dúvidas e desconfianzas sobre ela, estudá-la com seriedade, procurar aplicá-la, ensi-

ná-la, ser fiel a ela é, num filho da Igreja, garantía de autenticidade de seu

compronásso ñas delicadas e exigentes tárelas sociais e de seus esforcos em favor da libertacSo ou da promogáo de seus irmños*. (Discurso Inaugural em Puebla).

361

Mais urna vez:

Nova Era (New Age)

Em símese: Nova Era (New Age) é a designagáo de urna corrente de pensamento e agáo globalizantes (holfsticos). Apregoa o fím da Era de Peixes, tida como a Era Cristi, e o Inicio da Era de Aquárío, na qual urna nova mentalidade se derramará sobre os homens como agua fíuente. A Nova Era pretende Instaurar um Govemo Central para o mundo inteiro, com o controle dos transportes, da distribuigáo de alimentos, das atividades comerciáis, sob a hégide de um certo Maitreya (Messias, "melhor do que Jesús Cristo"), que está para aparecer em breve sobre a térra e se manifestará a todos os ho mens pelo radio e a televisáo.

Compreende-se que essa corrente globalizante queira também instaurar urna ReligiSo única universal, que deve resultar da fusáo de todas as crengas religiosas atuais, inclusive do Cristianismo (que estaría fadado a desapare cer): a mitología antiga, com seus deuses e deusas (a Mie-terra, Gala, espe cialmente), o panteísmo oriental, as figuras da religiáo hindú (Shiva, Krishna, Buda...), as divindades do esoterismo, o espiritismo, a mediunidade, as técni cas psicológicas, a meditagáo transcendental, a Yoga, o curandeirismo, a magia~ tudo isso 6 nivelado num sincretismo ilógico, que deverá ser imposto a todos os homens (apesar da declaragSo de liberdade religiosa, feita pelos mentores da Nova Era).

Como se vé, Nova Era é fuga da realidade e do raciocinio; é concessio á fantasía simptória e ilógica, que só se explica pelo tato de que dentro do homem há urna inextíngutvel tempera mística valiosa, mas, no caso presente, desfígada das luzes da razSo; esta deve saber penetrar os impulsos do ho-

mem, de modo a torna-Ios harmoniosos e construtivos. A Mística irracional vem a ser devánelo nocivo e desabonador da verdadeira ReligiSo.

O Movimentó dito "Nova Era" (New Age) já foi abordado em PR 354/1991, pp. 518-52 e 360/1992, pp. 235-240. Continua em moda, suscii

362

NOVA ERA (NEW AGE)

27

tando sempre interrogacóes diversas. Eis por que nos dispomos a desen

volver as informacóes já transmitidas nos fascículos anteriores, utilizando para tanto fontes produzidas pelo próprio Movimento (New Age).

É oportuno recordar, antes de explanar a mensagem respectiva, que o Movimento tem origem em escolas de ocultismo, magia e sabedo-

ria, salientando-se especialmente a Teosofía fundada por Helena Blavatsky (1831 -1891); urna das disclpulas desta "profetisa", a Sra. Alice Bailey (1880-1949), tornou-se influente mentora da corrente de pensamento através de mensagens que ela dizia receber, por via mediúnica, de um ti-

betano chamado Ojawal Khul, "mestre da sabedoria"; tais mensagens constituían"! o "Plano" da Nova Era; deviam ficar secretas até 1975, ano previsto para a difusáo de Nova Ordem Mundial, encabezada por um chefe dito "o Cristo da Nova Era". O cronograma parece ter-se cumprido, embora já antes daquela data muitas das idéias professadas pelo Mo vimento estivessem no ar. Examinemos as principáis linhas doutrinárias da corrente.

1. Nova Ordem Mundial 1. O grande objetivo da Nova Era é a implantacáo de nova ordem no mundo, caracterizada pela "consciéncia de grupo" e pelo "espirito de cooperacáo" (Sinergia). Essa nova ordem implicaria um Novo Governo

Mundial e urna Nova Religiáo Mundial; há interesse em dissolver as nacóes como tais em beneficio, pretensamente, da paz da humanidade. Como objetivos intermediarios, a Nova Era propóe - criacjio de um sistema económico mundial; - entrega das propriedades privadas relativas a transporte e producáo de géneros de primeira necessidade a um Diretório Mundial;

- controle mundial dos assuntos biológicos, como o aumento populacional e os servicos de saúde; - obrigacáo de subordinar a vida de cada cidadáo ás normas do Diretório Mundial;

- servico militar obrigatório em escala mundial (apesar das idéias pacifistas da Nova Era); - sistema de impostos mundialmente unificado. Apesar de seus protestos pacifistas, o Movimento da Nova Era apoia teses contraditórias, como sao:

- aborto e inseminagáo artificial; - compulsoria limitacáo da natalidade; 363

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

- controle dos nascimentos por eugenética;

- eutanasia, principalmente em relacáo a velhos e inválidos; - purificado da humanidade, que implica a perseguido a quem nao concorde com os objetivos da Nova Era.

2. "Nova Era" é o nome que toma a "nova ordem", porque, dizem os seus adeptos, a era de Peixes está terminando... Conforme a astrologia, as eras do Zodíaco váo-se sucedendo; deve comecar em breve a Era do Aquário. Segundo alguns, tal infcio já se deu em 1962. Como quer que seja, a era dos Peixes é identificada com a era crista, visto que Peixe (Ichthys, em grego) era, para os cristáos antigos, o símbolo de Jesús

Cristo1. A Era do Aquário realizará o que o seu nome indica: derrama-

mentó de agua sobre o mundo para simbolizar a vinda de novo espirito ou nova mentalidade. Este espirito provocará nos homens urna "expansáo de consciéncia", com a ajuda de psicotécnicas, ioga, meditacáo... e esta iluminacáo das mentes possibilitará "urna vida sem dificuldades nem problemas".

2. Pensamento Holfstico Os objetivos do Movimento exigem mudancas dos paradigmas e padrees de pensamento, como acaba de ser dito. O pensamento predo

minante em nossos tempos é o analítico, que tende a distinguir e subdis tinguir os ramos do saber, suscitando especializacóes cada vez mais profundas e delimitadas. Ora esta mentalidade deverá ceder, dizem, a

urna visáo "holística", global e globalizante; todas as coisas sao interdependentes urnas das outras; por isto tém que ser consideradas,em rela

cáo com o seu conjunto. Cada individuo humano, em particular, deve sentir-se parte da natureza e do universo; é um mikrokósmos dentro do makrokósmos. Com outras palavras: a mentalidade racional e crítica, que está na

base das pesquisas científicas, deverá ser substituida pelo pensamento

1O simbolismo se explica do seguirte modo: A palavra ICHTHYS (= peixe, em grego) compóe-se das letras midáis dos vocábulos de urna proñssSo de fé: I esous

Ch ristós

Jesús Cristo

TH eou

de Deus

Y ios S otér

Salvador

Filho

364

NOVA ERA (NEW AGE)

29

sintético e pelo método intuitivo, que se baseia em experiencias para psi cológicas e em premissas que a razáo nao pode comprova r. Assim a Nova Era quer reconciliar todos os opostos: a ciencia e o ocultismo, o bem e o mal no plano ético (a distincáo entre pecado e virtude se extinguiría).

Tais mudancas háo de proporcionar ao homem Felicidade. Esta passa a ser a meta suprema, em lugar do objetivo até hoje prevalente: a

eficiencia, a capacidade de produzir artigos de consumo.

Entende-se que tais tendencias afetam também o setor religioso,

propugnando a slntese de todas as Religióes.

3. A Religiáo Universal A nova religiáo, apregoada pela Nova Era, sendo urna tentativa de

slntese, é amorfa ou indefinida. Tem seu panteón, no qual se encontram

os deuses da india, o mito de Gaia, a "Máe-Terra", as divindades gregas

Isis, Astarte, Demetra, Hera, as do ocultismo, os esplritos dos antepassados, os bruxos e outras divindades recém-exaltadas; até mesmo Lucifer recebe nesse contexto o seu culto. O panteísmo segundo o qual tudo é Oeus, também é aceito, ao lado do espiritismo e da mediunidade. A Nova Era anuncia a vinda próxima de urna figura capital, maior e

melhor do que Jesús Cristo, chamada Maitreya, "o educador do mun

do". É designado por diversos nomes: o Messias {da concepgáo judaica),

o quinto Buda (segundo as premissas do Budismo), o Mahdi (no voca bulario dos muculmanos), o Krishna dos hindus. Será um personagem plenamente evoluído ou perfeito, também dito "Consciéncia de Cristo", preparado para atuar como "Diretor do Reino de Deus na Térra". A sua chegada próxima foi antecipadamente anunciada em muitos países no

dia 25 de abril de 1982, através de páginas inteiras da imprensa. Sua presenca será a garantía de que nao haverá terceira guerra mundial. Ele regerá o Governo central do mundo, controlando as diversas atividades

dos homens. Para se conseguir, na Nova Era, urna licenca para trabalhar no comercio, pequeño ou grande, será necessário um compromisso de lealdade a Maitreya. Todo cidadáo da Térra receberá um número, sujeito a determinada regulamentacáo, e indispensável para qualquer transacáo financeira; tal número será gravado num cartáo de crédito universal. To do tipo de dinheiro deverá ser abolido.

Benjamín Creme, líder escocés da Nova Era, é tido como o precur sor especial de Maitreya. Segundo afirma, Maitreya já estaria vivendo em 365

30

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

algum lugar na Térra, lugar que sonriente alguns discípulos conhecem. As

noticias da imprensa, em 1982, atribuiam a Maitreya poderes extraordi narios; ao chegar, ele divulgaría a sua identidade e entraría em contato com toda a humanidade através de emissoras de radio e televisáo.

Além de Maitreya, a Nova Era admite gurús, "pessoas prendadas, capazes de realizar prodigios e maravilhas". O Movimento também tem

suas "Escrituras Sagradas", suas oracóes e mantras, ritos de magia, cu ras.» Possui seus centros de estudos e culto, como sao a Comunidade Findhorn na Escocia e o Instituto Esalen, na California (USA). No tocante ao homem, a Nova Era professa o panteísmo; o homem seria "Deus" e teria criado Deus conforme a sua própria imagem. Esta concepcáo está em consonancia com as premissas hollsticas ou globalizantes da Nova Era: "tudo é uma coisa só"; por isto o homem é parte da Divindade. A morte póe termo a uma encarnagáo e predispóe para outra, se gundo a lei do Karma. Reencarnando-se, o individuo vai-se aperfeicoan-

do; quando está totalmente desenvolvido, ele se dissolve no Nirvana, on

de já nao há individualidades ou eu, tu e ele. A evolucáo da pessoa hu mana está, de cedo modo, ligada ao culto de Lucifer. David Spangler, um dos principáis mentores da Nova Era, que durante tres anos foi co-dire-

tor da Findhorn Community, escreveu em 1978 no seu livro intitulado "Reflections on the Christ (Reflexóes sobre o Cristo)":

"Lucifer está agindo em todos nos, a fím de nos levar a um estado de perieigño. Quando entramos numa nova Era, a era da perfeigáo do ser huma no, cada um de nos, de uma maneira ou de outra, chegará ao ponto que cha mamos iniciagSo luciférica' (consagragSo a Lucifer). Este é o porteo especial pelo qual o individuo tem de passar para chegar plenamente á presenga de sua luz e sua perfeigáo" (citado por Constance E. Cumbey, The Hidden Dangers of the Rainbow, Shreveport, Luisiana, Huntington House, ¡nc. 1983, p. 139). O uso de drogas é admitido, na Nova Era, como meio para que as pessoas se abram a intuicáo da respectiva mensagem; sao tidas como

"instrumentos de transformacáo". Todavía os dirigentes do Movimento nao recomendam o uso constante de drogas, pois há, segundo eles, outros meios de chegar á "lluminacáo", entre os quais a meditacáo trans

cendental, as técnicas psicológicas, os mantras, etc. A Nova Era acolhe também e professa as reivindicacóes do femi nismo. Preconiza a eliminacáo das diferencas de trata mentó existentes i

366

NOVA ERA (NEW AGE)

31

entre os sexos. O espirito da Era de Aquário tende a atribuir o predomi nio ás mulheres; daf a recusa da imagem de Oeus apresentada pelas Es

crituras Sagradas do Cristianismo, como também a rejeicáo do casa

mento e da familia, instituicóes consideradas machistas, fomento do pa triarcado. Entram em voga a imagem da Máe-Terra e as das deusas do paganismo.

No contexto eclético e holístico da Nova Era, está claro que tém lu gar as hipóteses da Ufologia (teorías sobre discos voadores e seres extraterrestres).

A nova religiao, vaga e sincretista como é, será obrigatória, pois os seus adeptos julgam que contribuirá para unir a humanidade. O Cristia nismo, que professa Jesús Cristo (tido como discípulo de Maitreya na

Nova Era) deverá ser combatido e condenado a desaparecer. Donde se vé que a Nova Era, embora professe a liberdade religiosa, só a admite den tro dos padróes formulados pela nova religiáo universal.

Aos 31 de dezembro de 1986, adeptos do Movimento celebraram o "Día da Cura Mundial" ou o "Instante da Cooperacáo Mundial" em diver sas partes do mundo. Foi entáo proferida urna "Meditacáo para a Cura do Mundo", cujo autor bem exprimía a orientacáo da Nova Era:

"Eu sou co-criador com Deus, e o novo céu está chegando, porque a

nova vontade de Deus é expressa através de mim. É verdade, sou o Cristo de

Deus... porque Deus é tudo, e tudo é Deus... A esséncia pura de um amor in condicional... Eu o vejo irradiando como luz dourada, do centro do meu ser... Sou a luz do mundo... Da luz do mundo responde agora a única presenga e torga do universo^ Vejo agora a salvagáo do planeta diante dos meus olhos, porque todas as idéias falsas sobre a fé e todas as visoes equívocas estSo dissolvidas".

A. Os sfmbolos da Nova Era Um dos símbolos mais usados pela Nova Era para exprimir suas concepcóes é o arco-Iris (geralmente reproduzido apenas pela metade); significa a ponte entre a alma humana individual e a alma superior ou a grande Mente Universal (Lucifer?); o arco-Iris aparece em brindes de propaganda, papel de carta, brinquedos da Nova Era.

A cruz suástica também é adotada como sinal do Movimento. Estórias e lendas a recomendam á veneracáo dos adeptos. O número 666 (cf. Ap 13,18) também é caro a Nova Era, pois tem "qualidades sagradas", segundo Alice Bailey; deveria ser usado com 367

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

grande freqüéncia a fim de acelerar o progresso da civilizacáo e o ad vento da Nova Era!

5. Conclusáo s

Como se vé, Nova Era é um conjunto de proposicóes ecléticas, até mesmo contraditórias entre si, que vém a ser a expressáo do atual Zeitgeist (espirito dos tempos atuais). O ¡rracionalismo e o sentimentalismo tém-se afirmado no setor da Religiáo e da Mística, ocasionando o que se chama "alta religiáo, sub-religiáo, quase-religiáo, psico-religiáo, pseudo-religiáo, para-religiáo..." A confusáo se torna sempre maior entre aqueles que abandonam as luzes do raciocinio e da lógica quando en tra m no campo religioso. Se os adeptos de Nova Era usassem um pouco de senso critico, nao proporiam tal mensagem, que nao tem coeréncia nem solidez em si mesma, mas é suficiente para mobilizar a fantasía, os sonhos e a fuga da realidade. Ao cristáo compete entender a licáo que o fenómeno da Nova Era Ihe transmite: torne-se sempre mais consciente das verdades que professa e saiba que sua fidelidade á Boa-Nova confiada por Jesús Cristo á sua Igreja e a Pedro Ihe valerá a realizagáo dos anseios de urna auténtica Nova Era.», nao ficticia nem fantasiosa, mas real e plenamente satisfatória... "O que os olhos nao viram, os ouvidos nao ouviram, e o coracáo do homem jamáis percebeu, eis o que Deus preparou para aqueles que O amam!"(1Cor2,9).

O Coracfio de María, CoracSo da Igreja, por Bertrand de Margene, S.J.. - Edh cóesMissóes Consoláis, Apartado 5,2496 Fátima, Portugal, 120x205mm, 93pp. Este //oto, escrito por grande teólogo trances, visa a aprofundara devocáo popularao S. CoragSo de María; tal devogáo poderla tomarse meramente sentimental, se nSo se procurasse o fundamento teológico que realmente a sustenta. O autor procura tazedlo explanando

diversos aspectos da veneracáo tributada ao Coracáo de Mana; assim 6 que a considera em conexSo com a RedencSo realizada por Jesús Cristo, como também em ligacáo com a contínuacSo da obra de Cristo na Igreja, especialmente na S. Eucaristía... Assim a figura de Mana loma significado marcadamente crístológico e edesiológlco, como realmente deve ser. A

oportunidade do livro ó exposta pelo Pe. Augusto Pascoal i p. 3:

"Os Santos Padres Bzeram questáo de afirmar que María, antas de concebernoseu

ventre purfsslmo, se tomara Máe de Jesús pela té. E isso é ventado, nSo apenas porque

acreditou, mas também porque amou... É aquí que toma sentido o que nos tempos modernos a piedade crista comecou a referir ao Imaculado Coracáo de Maña: o corac&o, símbolo do núcleo mais profundo da pessoa, do que ela éedo que desoja ser."

368

'Inquieto é o nosso coracáo..."

O Conceito de Deus na Grecia Pré-Cristá

Em síntese: O presente artigo percorre as escolas de filosofía da

Grecia antíga, pondo em evidencia a precaridade, ora maior, ora menor, das

concepcóes religiosas respectivas. A insuficiencia de tal processo filosófico fez que o mundo helenístico, antes de Cristo, se voltasse para as vías da ascese e da purifícagéo do coragio como meios de encontró com a Divindade;

foi o que ocorreu ñas "religides de misterios". Estas prepararam o advento do Cristianismo a este mundo; sem dúvida, a mensagem crista, por seu otimis-

mo, ultrapases o que de mais ousado podia o homem conceber antes de Cristo em materia religiosa. •

• •

^ 0 cristáo só pode lucrar se considera o pensamento religioso pré-

cristáo, pois sonriente assim sobressai a grande e inaudita novidade trazida por Jesús Cristo. Esta se resume em palavras do Apostólo Sao Joáo: "Ele primeiro nos amou" (i Jo 4,19).

"Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Oeus por

nos: Deus enviou o seu Filho único ao mundo para que vivamos

por ele. Nisto consiste o amor: nao fomos nos que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e nos enviou o seu Filho co

mo vftima de expiacio pelos nossos pecados" (1Jo 4,8b-10). Sao Paulo, por sua vez, escreve:

"Foi quando aínda éramos traeos que Cristo, no tempo

marcado, morreu pelos fmpios. Difícilmente alguém dá a vida por um justo; por um homem de bem talvez haja alguém que se disponha a morrer. Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrído por nos quando éramos ainda pecadores" (Rm 5,6-8).

369

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

O pensamento grego pré-cristáo cansou-se de procurar um conceito de Deus adequado ás aspiracoes do homem. Os gregos renuncia ra m entáo a buscar Deus por via da razáo ou da filosofía, para o procurar por via da ascese ou purificacáo do coracáo. Esta atitude concretizou-se ñas chamadas "religióes de misterios"; preparou a vinda do Cristianismo, cuja mensagem otimista ultrapassa longe os limites da razáo e as aspiragóes naturais do coragáo humano.

Temos consciéncia de que o artigo subseqüente, abordando tal assunto, fica em nivel de historia e filosofía que nao é habitual em PR. Co mo quer que seja, julgamos oportuno publicá-lo, pois também as expla-

nacóes de ordem mais erudita contribuem poderosamente para se compreender a mensagem crista.

O CONCEITO DE DEUS NO PENSAMENTO GREGO ANTERIOR A CRISTO

Quem percorre a literatura grega antiga (poetas, teatrólogos, filó sofos.»), encontra al descrito o ideal ético do homem helénico. A enanca de boa familia ensinavam os mestres, desde cedo, a arete (a honra). Esta compreendia o uso da razáo como guia da conduta humana (phrónesis), a virilidade ou andréia, o autodominio ou sophrosy'ne, a paciencia ou

capacidade de aturar provacóes (hypomoné, kartería), além da dikaiosyne ou justica. Este conjunto de virtudes apresentar-se-ia harmonioso, levando o individuo a kalokagathfa (a beleza aqui mencionada implicava a beleza física, sinal da beleza da alma). Quem assim vivesse, seria eudafmonos, feliz; atingiría o ideal da eudaimonía.

0 retrato esbocado é atraente. Apesar de tudo, porém, o homem grego nao se dava por plenamente satisfeito com tal proposta. Através da literatura helénica, verifica-se urna nota triste. Com efeito; o oráculo de Délphos preceituava: gnóthi sea uto n, "conhece-te a ti mesmo". Esse conhecer-se implicava tomar conhecimento de que o homem é mortal; é mortal, e nao Deus; somente os deuses sao imortais. Um abismo separa dos deuses os homens; eles nao sao da mesma estirpe: hen andrón, hen theón genos (Píndaro, Nemesinas6,1-12, + 439 a.C). Diz Pfndaro (+ 438 a.C.) explícitamente:

"Nos outros, morías, só desojemos da parte dos deuses bens que nos estejam proporcionados. Conhegamos bem a nossa estrada, a porgáo que nos foi assinalada. Nio queiras, 6 alma minha, desejar urna vida sem fim"

(Pitesi ñas 3,59)1.

1Me, phfía psychá, bion athánaton speude. i

370

CONCEITO DE DEUS NA GRECIA PRÉ-CRISTÁ

35

A felicidade dos homens era finita, a dos deuses sem fim. A tristeza podia levar á resignacáo, mas também podia suscitar em alguns pensa

dores o desejo de chegar a urna homolosis theoi. A athanas(a(imorta-

lidade) suporia urna theopofesís, um tornar-se Deus. O homem que

nasce, deve morrer; o homem que pertence a um mundo onde tudo é fluxo e refluxo, deve estar sujeito a esta condicáo. Por conseguinte, ele só pode atingir a imortalidade, se mudar de condicáo ou de natureza. - Ora Platáo foi o primeiro pensador que concebeu tal ideal, formulando-o vi gorosamente.

Vamos, pois, na seqüéncia desta exposicáo, percorrer as escolas fi losóficas gregas desde Platáo até o inicio da era crista, a fim de examinar como o homem foi concebendo o seu relacionamento com Deus e a pro cura da plena felicidade.

1. Platáo (427-347 a.C.) Segundo Platáo, o conceito do Divino implica o de ser; ora o ser essencial é a Idéia. A Idéia é, por conseguinte, o divino por esséncia. Dentre as Idéias, há urna que subordina a si todas as demais como fim e, por te

to, é a Idéia primeira ou suprema: é a Idéia do Bem; esta é o Ser por ex celencia e o Divino por excelencia (República 508a-509c; 517b-c; Ban quete 21 Oa-c; 211 b-e).

Ora a Idéia, como indica o nome, é objeto de visáo; o que, no mundo sensfvel, a imagem é para o olho, a Idéia é para a inteligencia no mundo dos ¡nteligíveis; ela é vista pelo noús, (mente), que a contempla.

Donde se concluí que o sabio, contemplando, assimila o Ser, e adquire a imortalidade. O homem que se inicia na vida contemplativa, se inicia

também na imortalidade (apathanatismós). Percebe-se assim que a imortalidade platónica nao é a recompensa de virtudes moráis, nem de consagracio ritual, mas da contemplacáo (sabe-se, porém, que a contemplacáo só se adquire mediante disciplina ou ascese, que leva a renun

ciar ás paixóes más)... Alias, a imortalizacáo do homem nao implica, para Platáo, mudanca

de natureza do homem. Com efeito, entre o nous e a Idéia existe urna xyngéneia, um parentesco. Sim; o conhecimento nao se dá se, entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido, nao existe urna certa conaturalidade.

Todavia é de notar que a theopofesis é conquista do homem só, sem auxilio da Divindade. Esta nao chama o homem nem Ihe comunica algum incentivo, nao se interessa pelo homem, porque talvez nem mes371

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

mo o conheca: o supremo Inteligfvel pode nao ser Intelecto, segundo Platáo; o Supremo Inteligfvel é objeto de conhecimento, é causa final, mas está longe de ser causa eficiente (= Demiurgo). Existem, pois, aspi rares do homem á Idéia do Bem e do Belo, mas nao há resposta da parte desta; a Divindade é indiferente S sorte do homem. Este tem que se esforcar a sos para conseguir seu fim supremo. Vejamos agora o pensamento de Aristóteles, discípulo de Platáo.

2. Aristóteles (384-322 a.C.) Na escola de Aristóteles, muito se aperfeicoa o conceito de Deus.

Este é Ato Puro; o Inteligtvel é certamente Intelecto, e Intelecto que está sempre a pensar ou a exercer a mais nobre atividade possfvel. Esse Ato Puro atrai o homem e o mundo como causa final; a sua existencia é necessária, pois a ordem do universo depende dele.

Mas em dois pontos a teología de Aristóteles muito deixa a desejar:

1) Se há relacionamento do homem com Deus, nao o há da parte de Deus para o homem, como nao o havia no platonismo. O homem pre cisa de Deus, mas Deus nao precisa do homem. Alias, as premissas de

Aristóteles exigem que Deus nao conheca o homem, mas só conheca a si; somente Deus é o objeto adequado do conhecimento divino; Ele basta a s¡ mesmo. Se conhecesse os seres limitados, Ele teria a limitacáo e a finitude em si mesmo; Ele se rebaixaria! 2) Aristóteles assinala, como fim supremo, ao homem a contemplacao: contemplacáo da Causa Final do universo e do relacionamento dos seres entre si e com o seu Fim Supremo. Assim fazendo, o homem imita a Deus, que contempla; assemelha-se a Deus, e imortaliza-se tanto quanto é permitido ao homem. Isto torna o sabio feliz.

Mas - note-se bem - essa contemplacáo só raras vezes, e com dificuldade, é possfvel ao homem. Tais momentos felizes e fugazes supóem um conjunto de circunstancias favoráveis cuja confluencia poucos conseguem: saúde, suficiencia de bens materiais, lar agradável, amigos de

confianca, morte as paixóes desordenadas, paz da alma (Ética a Nicó-

maco 1,8,1099b 22ss; X,8,1178b 32-1179ab). Em conseqüencia, confessa

Aristóteles, a contemplacáo, única verdadeira felicidade dos homens, é privilegio dos sabios,» sabios que, sendo humanos, déla gozam apenas em lampejos.

Pergunta-se: nem após a morte será dada ao homem a felicidade de contemplar, como admitía Platáo? i

372

CONCEITO DE DEUS NA GRECIA PRÉ-CRISTÁ

37

Aristóteles o nega. Em parte alguma de suas obras, ele promete

urna vida ¡mortal postuma. Esta posicáo decorre das premissas do sis tema. Com efeito; só há imortalidade verdadeira se o nous é pessoal, pois sou eu, com meus sentimentos e desejos, que quero viver para sem-

pre. Ora Aristóteles julga tal imortalidade pessoal um absurdo. Sim: ou o nous é pessoal, individual e, portanto, ligado ao corpo, mutável com o corpo e pereclvel com este (e neste caso nao há imortalidade pessoal); ou o nous é impessoal, nao ligado ao corpo nem á memoria individual nem ao eu (é raio de luz, que permite ao nosso espelho, o nous pathetikós, captar os inteligtveis que os objetos sensfveis encerram); um tal nous pode durar sempre, mas nao é meu; nao me assegura a imortalidade pessoal.

Como se vé, também a filosofía de Aristóteles era apta a frustrar tremendamente os seus discípulos no tocante ao problema da felicidade.

3. O Estoicismo Após Platáo e Aristóteles, dir-se-ia que o pensamento grego se

cansou; a metafísica de nada adiantara aos filósofos sequiosos de urna resposta para as aspirares fundamentáis de todo homem á felicidade e á imortalidade. As correntes filosóficas que se seguem, se voltam princi palmente para o problema da bem-aventuranca, estudado sem bases

metafísicas; a filosofía se torna disciplina da alma, apta a vencer males moráis e sedar as dores; os filósofos vém a ser médicos da alma.

É neste contexto que aparece a Estoa ou a filosofía do Pórtico, fun

dada por Zenáo de Cftio (335-263 a.C). O seu ideal é o sabio (sophós) que cultiva a apátheia (apatía). O sabio estoico é aquele que, mediante o autodominio, consegue colocar-se ácima de todos os males e dores bem como ácima de todos os prazeres e alegrías. Para ele, só existe urna des grana - a acao nao virtuosa -, e só um valor - a virtude. O sabio possui todas as virtudes porque estáo relacionadas entre si. Mais precisamente, o mundo inteiro e também os homens sao animados por um principio universal, chamado pyr(fogo), lógos (razio), pneúma (espirito). Tal principio é divino, de modo que o estoicismo é um panteísmo materialista. Disto se segué que ao homem compete viver segundo o lógos ou a razáo ou a natureza; nisto ele encontra a felicida de. Mas - diga-se - tal felicidade nao ultrapassa os limites da vida pre sente; a morte faz o homem voltar aos seus elementos constitutivos; a alma humana ou o lógos que está no homem, se dissolve no grande to do. 373

38

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

O Panteísmo estoico aparece, por vezes, mesclado és tradicóes reli giosas da Grecia; o Deus impessoal da doutrina da escola é assemelhado a Júpiter, a quem o homem dirige suas preces. A necessidade (anánke) estoica, que rege o curso dos acontecímentos, é identificada com a Provi dencia divina e com a bondade de Deus para com os homens. Todavía

tais concepcóes sao incoerentes ou contraditórias na mente de um estoi co.

A figura do sabio estoico corajoso, desafiador de todos os males, homem divino, ficou sendo mais teoría do que realidade; os próprios es

toicos confessavam que nao se encontrava tal tipo. Era demasiado artifi cial.

4. O Epicurismo Epicuro (341-270 a.C.) é o filósofo do jardim. Com efeito; imagine-se um pequeño jardim em Atenas, no qual se acha sentado um ho

mem doente, que nao se pode levantar por si. Fala com voz comedida, semblante suave e tranquilo. Sorri. Alguns jovens discípulos o escutam a dizer: "Quando alguém é jovem, ó Meneceu, nao deve postergar o filo sofar; e, quando é anciáo, nao se deve cansar de filosofar. Pois nunca é cedo demais ou tarde demais para trabalhar na saúde da alma" (Ad Menoeceum122). Epicuro procura a tranqüilidade e a paz, como os estoicos, mas sob forma de ataraxia, imperturbabilidade assim concebida: Epicuro é pessimista em relacáo ao mundo; mas nao aspira ao além ou á seme-

Ihanca com a Divindade ¡mortal. É de um pessimismo niilista. O segre-

do da felicidade, portanto, está em retrair-se de todas as atividadfes {tanto as da alta filosofía como as de ordem técnica) e mortificar todos os desejos para levar uma vida oculta e tranquila; na verdade, qualquer atividade que o homem empreenda, Ihe causa molestias e fadigas, tirando-lhe a paz; esta ou a ataraxia so se consegue fugindo de todos os empreendi-

mentos; eis a medicina da alma1 e a forma de vida que imita a ataraxia

dos deuses. Numa carta a Meneceu atribuida a Epicuro, lé-se o seguinte:

"Medita todos estes ensinamentos— Meditaos dia e noite, tudo a sos

e também com um companheiro de virtude. Se o fízeres, nao experimentarás

1Sáo palavras de Epicuro: "Vaidade é o discurso do fílósofo, se ele nao tende a curar algum dos males do homem. A medicina é inútil, se ela nao consegue removerás moles tias do corpo; da mesma forma, a filosofía, se ela nao chega a rechagar um

mal da alma" (fragmento 221,169,14ss Usen). 374

i

CONCEITO DE DE US NA GRECIA PRÉ-CRISTÁ

39

a mínima perturbagáo, nem dormindo nem acordado, e viveras como um Deus éntreos homens (zései hos theós en anthrópois)" (66,5-10).

'Todas as nossas agóes só visam a afastar o sofrimento e a perturba-

gáo. Este resultado urna vez atingido, dissipa-se o invernó da alma, pois o homem nao tende mais a alguma coisa que Ihe faga falta nem procura algum objeto que acarrete a consumagáo da alma e do corpo. Pois nos só experi mentamos o desejo da volúpia quando tomamos consciéncia do que nos falta;

desde que nao soframos mais, nao há mais necessidade da volúpia" (adMenoec, p.62, 8-55).

Alguém que sempre deseja, sempre sofre. Por isto o sabio deve "considerar seu erro" (aplanes theorfa), o que Ihe é realmente neces-

sário, a fim de se contentar com isso e chegar á autarkéia, auto-suficién-

cia.

0 sabio, entáo, como os deuses, basta a si mesmo; a autarkéia

vem a ser a nova forma de imitar os deuses. Nao há imortalidade para a

alma, pois esta consta de átomos e se dissolve como o corpo; por conseguinte, nao deve haver medo nem da morte; esta "nos priva de toda sensibilidade e. por isto, nada é para nos" (Ad Menoec, 60, 15s). "O conhecimento desta verdade nos torna capazes de usufruir desta vida mortal, suprimindo a perspectiva de urna duracáo infinita e tirando-nos o desejo da imortalidade" (Ad Menoec, 60,17-20).

Na antiguidade ocidental nao houve escola táo próxima do nirvana

budista!

O epicurismo degenerou em escola hedonista.como o estoicismo,

proclamando as leis da natureza; degenerou em escola cínica ou no ci

nismo (que zombava de todas as convencóes básicas da vida social).

Esta evolucáo do pensamento filosófico, cada vez mais pobre em concepcóes e respostas, revelou aos poucos, para o homem grego, a fa

lencia da filosofía na tarefa de procurar respostas para as aspiracóes fun

damentáis do homem á vida plena e feliz.

É precisamente como conseqüéncia deste baque da razáo pura que

surge, entre os helenistas do último século pré-cristáo e do primeiro sé-

culo após Cristo, o cultivo de outra vía ou de outra tentativa de resposta:

a via mística concretizada especialmente ñas chamadas "religióes de misterios".

375

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992 5. As religióes de misterios

Nos últimos séculos antes de Cristo, surgiram no Oriente próximo e

na Grecia os chamados "cultos de misterios". Estes prometiam a uniáo com a Oivindade e a participacáo na vida desta, nao mediante pesquisas teóricas ou elucubrares especulativas, mas através de urna serie de ritos de inícíacio (drómena) acompanhados de rigorosa ascese, apta a livrar o homem das paixóes: preces, ablucóes, procissóes, jejuns, banquetes sa grados culminavam na epoptéia ou na revelacáo, ao mista (iniciado), da Oivindade ou dos hiera; o mista entrava em hierogamia (Atis) ou numa cerimónia de adopcáo filial (Eleusis, Sabazio); ele obtinha assim a táo almejada sotería (salvacjio), associado á vida da Divindade ¡mortal. Quem tivesse visto, nao morreria. Tais cultos exerciam sobre as massas urna forca de atracáo sempre maior. Destacaram-se especialmente o culto da

frigia Magna Mater Cibele e de Atis, o de Eleusis, o do Oeus persa da luz Mitra, o das divindades egipcias Isis, Osiris e Serapis.

Tais cultos tém sua origem nos ritos agrarios, destinados a renovar as forcas da natureza amortecida pelo invernó ou exausta depois da fadiga da germinacáo; essa renovacáo recorría a cerimdnias sacro-mágicas

acompanhadas de dancas, uso de máscaras, clamores e atos licenciosos. Tais ritos, que, como se dizia, faziam ressuscitar a natureza, foram sendo oferecidos a iniciados para que deles participassem, tomando parte assim na morte e na ressurreicáo das divindades identificadas com as forcas da natureza.

6. Concfusáo

,

Este percurso histórico tem elevada significacáo, principalmente se colocado como paño de fundo do advento do Cristianismo. Mostra como este veio corresponder a urna expectativa da humanidade, á qual a filo sofía ou a razSo pura nao conseguiría satisfazer. Cansados dos exiguos resultados obtidos através da perquisigáo lógica, os homens se voltavam para a vida mística, julgando que a Divindade Ihes respondería, se purificassem o coracáo e seguissem caminhos indicados pelos deuses: esperavam que a Divindade se Ihes manifsstasse, urna vez que nao haviam con seguido descobrir plenamente a sua face por vía da filosofía.

Entende-se que o Cristianismo, sobrevindo em tais circunstancias, ten ha conseguido favorável acolhida e rápida propagacáo entre os povos

do mundo greco-romano. O caminho tinha-lhe sido aberto; as mentes dos homens estavam francamente dispostas a ouvir a Palavra vinda do Alto!

376

Um clamor abalizado:

Pornografía: Ameaca á Sociedade

Em sfntese: O S. Padre Joño Paulo II pronunciou-se, aos 30/01 pp., a respeito da pornografía, declarando-a "ameaga á sociedade inteira". O texto de S. Santidade vai abaixo reproduzido em tradugáo portuguesa, com breve

comentario de quatro pontos que parecem mais salientes no discurso: o senti do da sexualidade humana, liberdadeelicenciosidade, a mulherea.famñia, vA timas especialmente prejudicadas pela pornografía.

0 S. Padre Joáo Paulo II recebeu, aos 30 de Janeiro pp., os repre sentantes da Religious Alliance Against Pornography (Alianca Reli

giosa contra a Pornografía), sociedade norte-americana. Tal grupo estivera reunido em Roma com o Pontificio Conselho para a Familia, a fim de estudar assuntos de ¡nteressecomum.

A seguir, publicaremos urna traducáo da alocucáo de S. Santidade, da qual procuraremos focalizar mais atentamente quatro pontos salien tes.

1. Fala Joáo Paulo II... "Eminencias,

Excelencias, Senhoras e Senhores,

1. Estou feliz por poder aproveitar esta ocasiáo de encontrar-me com os membros do Comité de Organizado da Alianca Religiosa contra a Pornografía. Como grupo inter-religioso, composto de representantes das comunidades judia, católica, greco-ortodoxa, protestantes e mórmon, estáis plenamente habilitados a fazer eco ás preocupacóes de urna 377

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

parte importante da sociedade norte-americana referentes a táo grave

problema social. Vosso intercambio com o Pontificio Conselho para a

Famflia ajuda a tomar consciéncia da necessidade urgente de urna cooperacáo ativa entre os homens de boa vontade para combaterem a por

nografía e seus efeitos nocivos na vida dos individuos, das familias e da sociedade.

2. A proliferacáo da literatura pornográfica nao é senáo um indicio de mais ampia crise de valores moráis que afeta a sociedade contempo

ránea. A pornografía é imoral e, em última análise, anti-social, precisa mente porque se opóe á verdade da pessoa humana, criada a imagem e á semelhanca de Oeus (cf. Gn 1, 27s). A pornografía, por sua própria índo

le, renega p auténtico significado da sexualidade humana como dom de Deus destinado a abrir os individuos ao amor e a fazé-los participar da

obra de Deus mediante a procriagáo responsável. Reduzindo o corpo a condicáo de instrumento de prazer sensual, a pornografía impede o au

téntico cresci mentó moral e solapa o desenvolví mentó de relacóes ma

duras e sadias. Leva inexoravelmente b exploracáo dos individuos, espe cialmente dos mais vulneráveis, como se pode verificar, de modo táo trá gicamente evidente, no caso da pornografía das crianzas. Como a vossa Alianca quer enfatizar, a extensáo da pornografía significa seria ameaca para a sociedade em seu conjunto. A vitalidade de toda sociedade é dimensionada pela sua capacídade de respeitar os im perativos moráis fundados sobre a verdade objetiva da vocacáo trans cendental da pessoa humana. Quando urna sociedade exalta a liberdade

pela liberdade e se torna indiferente ás exigencias da verdade, ela acaba

limitando seriamente a liberdade humana real, que outra coisa' nao é se

náo a liberdade interior do espirito. A liberdade desvinculada de seus fundamentos moráis confunde-se fácilmente com a licenciosidade. Os efeitos dessa confusáo tornam-se dolorosamente evidentes em muitas sociedades ocidentais em que se dá crescente comercíalizacáo da sexua

lidade. A producáo pornográfica é atualmente urna industria próspera; a difusáo da mesma é, por vezes, considerada como a legitima expressáo de um discurso livre, com o conseqüente aviltamento das pessoas e, em particular, da mulher.

Todavía o problema é experimentado com igual acume também nos países em via de desenvolvimento, onde a expansáo da industria pornográfica é fonte de preocupacóes, precisamente na medida em que enfraquece os fundamentos moráis táo necessários ao pleno desenvol vimento de tais sociedades. 3. Begozijo-me por saber que o vosso encontró, no Vaticano, se

deu convo Pontificio Conselho para a Famflia. Geralmente a familia é a 378

PORNOGRAFÍA: AMEACA Á SOCIEDADE

43

primeira meta atingida pela pornografía e por seus efeitos nocivos para as enancas. Por conseguinte, a familia, como célula prímeira da sociedade, deve ser a primeira a obter a vitória na batalha contra esse mal. Faco votos para que os vossos esforcos por combater a praga da pornografía ajudem as familias em sua delicada tarefa de formar a consciéncia dos jovens, impregnando-a de profundo respeito á sexualidade e de madura apreciacáo das virtudes da modestia e da castidade. Ao mesmo tempo, estou persuadido de que o vosso trabalho ajudará a desenvolver a toma da de consciéncia da sociedade no tocante á gravidade das questóes éti cas colocadas pela pornografía; permitirá também urna melhor percepcao da necessidade de urna intervencáo decisiva por parte das autorida des encarregadas de promover o bem comum. Visto que toda agressáo á familia e á sua integridade é um ataque ao bem da humanidade, é essencial que os direitos da familia sejam claramente reconhecidos e salva guardados mediante urna legislacáo adequada.

4. Caros amigos, o vosso encontró vem a ser um notável exemplo de reuniáo de pessoas que créem, reuniáo destinada a vencer um dos mais temfveis males da sociedade de nosso tempo. Estou convencido de

que, oferecendo o testemunho unánime da sua persuasáo comum relati

va á dignidade do homem criado por Deus, os fiéis dos diversos Credos contribuiráo grandemente, agora e no futuro, para o crescimento dessa

civilizacáo do amor que está fundamentada sobre os principios de um humanismo auténtico. Estimulo vossos valiosos esforcos e invoco cordialmente sobre vos todas as abundantes béncáos do Deus todo-podero so".

2. Comentando... Quatro pontos parecem merecer especial destaque na alocucáo de S. Santidade.

2.1. O sentido da sexualidade humana A sexualidade, no ser humano, difere da dos animáis irracionais

n§o tanto pelos aspectos fisiológicos, mas pelo fato de que está integrada numa pessoa ou num ser inteligente. Este, em condicóes normáis, con cebe um ideal nobre, que é a finalidade da sua vida, e póe as suas virtua lidades a servico desse ideal, procurando assim a sua plena realizacáo.

Por conseguinte, a sexualidade humana está a servico da inteligencia e de suas metas, e destina-se a tornar mais humano o seu sujeito ou a fazé-lo viver inteligentemente. 379

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

A pornografía, ao contrario, explora a sexualidade de maneira cega e irracional, degradando o ser humano, em vez de o nobilitar. Está a

servico do lucro financeiro em muitos casos, lucro que explora a fragilidade do público e que vai crescendo és custas do vilipendio da pessoa. A pornografía proporciona um prazer baixo, envenenado, que vicia os seus clientes e pode levá-los a paixóes obsessivas e criminosas. Mui

tos crimes se ligam á pornografía, como atestam relatos de cidadáos norte-americanos publicados em PR 344/1991, pp. 36-46; 341/1990, pp. 443-454.

2.2. Liberdade e licenciosidade

É em nome da liberdade que muitos pretendem promover ou "li berar" a pornografía. - Ora a liberdade é um predicado excelente do ser humano. Todavía ela nao tem a sua finalidade em si mesma, mas existe para permitir ao homem a escolha dos meios que o tornem mais homem e digno. Isto pode ser ilustrado medíante o seguinte exemplo:

Imaginemos alguém que tenha em seu poder urna lámina gilete e um abridor de latas. Todos usam a primeira para barbear-se e a segunda para abrir os produtos de conserva. Se, porém, tal pessoa quíser afirmar sua liberdade, fugindo á norma comum e aplicando a gilete á lata e o abridor a barba, terá exercido, sim, um ato de liberdade, mas com prejuf-

zo para si mesmo. Vé-se, pois, que a liberdade nao é um fim, mas um meio para que atinjamos com espontaneidade a finalidade que está im pregnada na natureza de cada coisa e de cada pessoa (cada ser humano é naturalmente impelido para os valores da inteligencia e do amor de be nevolencia, e a liberdade é-lhe dada para que cultive tais valores com grandeza de ánimo e ideal). A liberdade desenfreada chama-se "licenciosidade". Em vez de trazer bem-estar e alegría, acaba tornando a pessoa dependente de prazeres

desarrazoados, nocivos ao individuo. É precisamente para esta ilusio da licenciosidade que os mestres cha mam a atencáo. 2.3. A Mulher

Numa época em que a mulher galga as posicóes mais elevadas da

sociedade em nome de um justo feminismo, é estranho verificar quanto é explorada - e quanto ela se deixa explorar- pela pornografía; a perspec

tiva do dinheiro pode levá-la a atitudes vis (coisa, alias, que também o homem pratica). Em nome da nobreza da sua feminilidade, é para desejar que ela imponha respeito.

k 380

PORNOGRAFÍA: AMEAQA Á SOCIEDADE

45

2.4. Familia

O Papa toca também as conseqüéncias que a pornografía tem so bre a familia. Principalmente as crianzas sao vltimas das cenas indecoro sas que Ihes sao oferecidas subliminarmente, como se fossem modelos de vida. Mas nao somente as enancas sao prejudicadas; nenhum adulto

está isento da influencia subliminar de escritos e imagens indecorosos, por

mais forte que presuma ser. A tecnología moderna, consciente desse influxo, conhece métodos requintados de sugestionar e induzir as pessoas

sem que estas o percebam; cf. PR 312/1988, pp. 194-206.

3. Conclusio Eis os motivos pelos quais nao somente os cristáos, mas também os judeus, componentes da "Alianca Religiosa contra a Pornografía", se encontraram em Roma para estudar o problema em foco. No Brasil existe o Movimento dito "O Amanhá de Nossos Filhos", que vem lutando junto as autoridades governamentais em prol de melhor qualidade dos

espetáculos de nossos meios de comunicado; trata-se de urna iniciativa de pessoas bem intencionadas e corajosas, que só poderáo obter algum éxito se os cidadaos preocupados com o futuro da nova geracáo se jun ta rem ao Movimento, prestando-lhe adesáo e apoio. Enderezo: Rúa Ma-

ranháo 620, sala 13-C-01240-000 Sao Paulo (SP). Fone: 66-0041.

APÉNDICE Á guisa de Apéndice, publicamos urna noticia colhida no JORNAL

DO BRASIL de29/04/92, concernente ao livro de José Saramago, que últi mamente explorou o erotismo e a sensualidade ao abordar a figura de Jesús Cristo; ver PR 358/1992, pp. 110-124:

Vetado o romance Evangelho segundo Jesús Cristo, Saramago, de concorrer ao Premio Literario Europeu, concedido pela primeira vez em 1990 e do qual podem par ticipar obras de autores europeus publicadas no ano anterior. O de

José

veto do subsecretario de Estado de Cultura de Portugal, Sousa Lara, está gerando polémica e protestos em toda a Comunidade Européia. Sousa Lara justificou sua decisáo afirmando apenas que o romance nao representa Portugal, explicacáo que só serviu para aumentar a indignacáo. Os meios literarios europeus consideram antidemocrática a decisáo do conservador' Sousa Lara e atribuem o veto ás posicóes políticas de Saramago. O autor preferiu ficar calado. Ñas ediedes de domingo dos jomáis portugueses, José Saramago limitou-se ao clássico "nao tenho qualquer declarado a fazer". 381

Urna comunidade anglicana passa

Do Anglicanismo ao Catolicismo

Temos registrado em PR a conversáo de luteranos e anglicanos1 ao Catolicismo; cf. PR 358/1992, pp. 132-134; 354/1991, pp. 527s. Segue-se mais um caso recente, ocorrido nos Estados Unidos e di vulgado pelo periódico "Liaisons Latino-américaines", de margo 1992,

pp. 7s. É desta fonte que extrafmos os dizeres seguintes:

"A paróquia episcopal de Arlington, no Texas, converteu-se ao Catolicismo. Todos os membros dessa comunidade, posta sob a invoca-

gáoda Virgem María, foram recebidos pelo Bispo católico de Fortti Worth, no Texas, de quem depende a cidade de Arlington, segundo o mapa

eclesiástico católico. Arlington é parte integrante da metrópole de Dallas, onde o presidente Kennedy foi assassinado. O Reitor da paróquia episco pal de Santa María de Arlington, o Rev. Hawkings, de 53 anos, casado e pai de dois filhos já maiores, será recebido como presbítero e gozará dos mesmos direitos que os presbíteros católicos. A conversáo dessa paróquia episcopaliana para a Igreja Católica tem causas múltiplas. De um lado, o Reitor e seus fiéis julgavam que, por ocasiáo do Congresso de Phoenix (Arizona), dois Bispos anglicanos que haviam ordenado homossexuais, seriam excomungados. Mas a verdadeira razio foi a ordenacáo de mulheres para o ministerio sacerdotal e o epis copado na Comunháo Episcopaliana (Anglicanismo dos Estados Unidos). O Bispo episcopaliano do lugar declarou que 'ele sofría por essa separacáo', mas que de modo nenhum ele se oporia a um relaciona-

1Episcopais ou anglicanos sao os cristáos que em 1534 se afastaram de Roma, sob a chefía do rei Henríque VIII, a quem a Santa Sé nao pode con ceder o divorcio pleiteado. 382

DO ANGLICANISMO AO CATOLICISMO

47

mentó harmonioso com o Bispo católico. A generosidade do Bispo epis-

copaliano foi tal que doou sua igreja ao Reitor de Santa María e aos res

pectivos fiéis". Como se vé, as ¡novacóes arbitrarias e o desrespeito ás leis tradicionais do Cristianismo suscitam o mal-estar e o afastamento dos fiéis. O que ocorre atualmente no Anglicanismo com certa freqüéncia, pode ocorrer em qualquer denominacáo crista que nao guarde as suas notas características ou perca a sua identidade. Isto vem a ser encaminhamento para a autodestruicáo e a morte.

LIVROS EM ESTANTE

O Sentido da Vida e da Morte, pelo Dr. Evalúo Alves D'AssumpcSo. - Edigáo da Cirplast-Cosmo S/C Ltda., Beta Horizonte 1991, 120 x 180 mm, 87 pp.

O Dr. Evaldo D'Assumpgáo tem-se dedicado aos pacientes termináis e ao estudo da morte, sendo o fundador e primeiro Presidente da ABRATAN, Associagáo Brasileira de Tanatologia.

O presente livro trata multo mais da vida do que da morte. Encara o problema da felicidade e de como a descobrir; para tanto, oferece sugestdes e

normas inspiradas pela Psicología, que tém valor também para o cristáo. O ponto nevrálgico da obra é o seu primeiro capitulo intitulado "O Senti do da Vida e da Morte" (pp. 9-25). O autor al entra em duas questóes para as quais se requerem claras nocóes de Filosofía:

1) Por que incessantemente aspiramos á felicidade nesta vida?-O Dr. Evaldo responde que isto se deve ao lato de que cada um de nósjá experimentou a felicidade perfeita quando existia só no pensamento de Deus ou an tes de nascer neste mundo (cf. pp. 19s). Ora talresposta implica algo como a preexistencia das almas e lembra, de certo modo, o espiritismo (o autor, porém, 6 peremptoriamente contrario á reencarnacSo; cf. pp. 38$). A/a verdade, devemos dizer que desde toda a eternidade o Criador tem

na sua mente divina o arquetipo, o exemplar ou o modelo de cada um de nos. Todavía só comegamos a existir realmente no día em que tomos concebidos 383

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 363/1992

no seio de nossa máe. Por conseguirle, nosso anseio de felicidade nao se de riva de urna experiencia de felicidade pré-terrestre; mas é algo de congénito,

como sBo os anseios de vida, amor, verdade, justíga... Desojamos tais valo res nao porque os conhegamos com perfeigSo, mas porque correspondem á índole de nossa natureza; tendemos espontáneamente para o Bem, porque o Criador deixou o seu sinete em riós óu esse desejo de possuir o Bem e dele gozar.

2) Ao tratar do após-morte, o autor afirma que do tempo passamos para

a etemidade (pp. 23.34. 49) - o que mais urna vez é falso. Só Deus é eterno; somente para Deus nao há passado nem futuro. Nos, criaturas, que comegamos, conhecemos necessariamente um passado, que se vai desdobrando e

ocasiona o nosso futuro; este ritmo está impregnado em nosso ser. Ninguém

se torna eterno após a morte; feto seria contraditório, pois a etemidade se

opde ao "vir-a-sef; é a posse simultánea de toda a sua existencia. Após a

morte física, portanto, toca-nos a existencia de urna alma sem fím ou ¡mortal, que necessariamente conhece urna sucessáo de atos psicológicos ou o tem po psicológico chamado "evo". Entre a etemidade, que 6 de Deus só, e o tempo, que ó das criaturas, existe o evo, que é das criaturas que comegaram a existir, mas nao acabario (por serem ¡moríais).

Ás pp. 46 s, o Dr. Evalúo entra na delicada questSo da graga de Deus e do livre arbitrio do homem: como se conciliam entre si? - O autor nao desee a pormenores, pois seu Bvro nao é um tratado de Teología, mas pode-se dizer que "resolve" o problema com simplicidade excessiva.

Em suma, o Bvro é útil na medida em que propóe um aconselhamento

psicológico para que alguém viva em paz. Mas merece serias cestrigóes quando entra em materia fíosófíca ou teológica.

Gota de Luz, por Gislaine María D'Assumpgáo. Tradugáo castelhana

do original braslleíro intitulado "Pingo de Luz" Qá esgotado). - Buenos Aires 1989, 135 x 190 mm, 40 pp.

A autora lem pós-graduagáo em Psicología Transpessoal e trabaJha em

Psicología Clínica. Como diz a IntrodugSo do Livro (p. 7), tal obra foi inspirada pelo desojo de explicar a morte aos pequeninos. Conta entáo urna historieta infantil, que supóe a preexistencia de cada ser terrestre num mundo transcen

dental; os "pingos de Luz" que exlstem no espaco, vém á Térra para aprender como numa escola, e voltam para o seu lugar de origem mais esclarecidos e eruditos ou mais luminosos (verpp. 32s). A autora supóe que, mesmo exlstíndo na Tena, o individuo (pingo deluz=alma, espirito) pode viajar peto espaco, visitando assim o seu Pal e entes queridos do além.

(continua na pág. 347)

384

ORDINARIO

para celebragio da Eucaristía com o povo 255 edicáo (atualizada)

Tradugáo oficial revisada para o Brasil pela CNBB, aprovada pela Santa Sé, contando 11 Oracóes Eucarfsticas, inclusive a mais recente "Para diversas circunstancias" Í8 novembro 91), com acréscimo

de aclamacóes e novos textos. Impressao em 2 cores, com tipos bem legfveis. 110 págs. Formato de bolso (15 x 11). Cr$ 4.000,00.

1. SAO JOÁO DA CRUZ, O MESTRE DO AMOR D0M ODILÁO MOURA, OSB. Obra publicada em comemoracáo do 4? centenario da morte de Sao Joáo da Cruz. Nela está retratada a personalidade grandiosa do homem e do santo. A sua doutrina espiritual é analisada com criterio teoló gico. 0 Doutor da Mística mostra-se na sua auténtica imagem, positiva c

atraente. O livro pode ser considerado urna ¡ntroducáo clara e completa a mística San Juanista. Editora G.R.D. - 1991. 167p

Cr$ 31.000,00

2. PORQUE CRER? A FÉ E A REVELACÁO. Por Luiz José de Mesquita. Editora Ave María - Sao Paulo Cr$ 50.000,00 Dom Estéváo disse deste livro em PR 353/456:

"Denso e Precioso... livro sobre a fé e a Revelacáo Divina. Aborda a com plexa temática de maneira exaustiva; as suas reflexóes teológicas, filosó ficas, inspiradas por S. Tomás de Aquino e sua escola, acrescenta urna coletdnea de textos do Novo Testamento, da tradicáo e do Magisterio da Igreja atinentes a fé".

3. SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE Por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B. 190 Págs. ..

Cr$ 18.000,00

O genio, ou seiaa santidade de um monge da Igreja latina do sáculo VI

(480-547) - SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida crista, empenhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na trajetória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o dis-

cfpulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo de monge".

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR. PARA 1992: CrS 30.000.00

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano: 91: Encadernado em percalina, SSO págs. com índices (Número limitado de exnmplares)... Cr$ 50.000.00

4S CENTENARIO DE FUNDAQÁO DO MOSTEIRO DE S. BENTO 1590-1990

DOCUMENTOS

Vol. I

destruido pelos invasores fran

HISTÓRICOS

ceses em 1711.

Vol. II

(1688-1793). 500 págs.

Vol. III

(1793-1829) 447 págs. (1829-1906)

Vol. IV

580 págs.

Formato 28 x 19,5

desástenlo iro

VoLV

(1907-1921) 438 págs.

Vol. VI

(1924-1943) 528 págs.

Leitura, Introducáo e índices pelo Prof. Deoclécio Leite Macedo. Apresentagáo pelo Abade do Mosteiro de Sao Bento, D. Inácio Barbosa Accioly O.S.B. Cada voiume contém valiosas reproducóes de manuscritos, escrituras de terrenos, plantas origináis dos sáculos XVII e XVIII, oferecendo preciosa contribuicjio aos estudiosos pesquisadores da historia do Rio de Janeiro, onde está situado o Mosteiro de Sao Bento, fundado em 1590, que continua, sem interrupcao, presente na "heroica Cidade de Sio Sebastiáo", louvando o Senhor e formando milhares de jovens

em seu Colegio fundado em 1858.

'

(Cada vol. Cr$ 100.000,00.)

RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2^ ed.), por Dom Cirilo Folch Gomes O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado completo de Teoiogia Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado pelo Papa Paulo VI. Um alentado voiume de 700 p., bestseller de nossas Edicóes. Cr$ 58.000.00.

O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O.P. O Autor foi exami

nador de D. Cirilo para a conquista da láurea de Doutor em Teoiogia no Instituto Pontificio Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teoiogia, é um Tratado de "Deus Uno e Trino", de orienta-

cao tomista e de índole didática. 230 p. Cr$ 38.000,00. EDigÓES "LUMEN CHRISTI" Rúa Dom Gerardo, 40-5? andar- Sala 501

Caixa Postal 2666 - Tel.: (021) 291-7122 Rio de Janeiro-RJ 20001-970

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