Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LINE
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao
Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanga e da nossa fé '.'■"
hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar. este trabalho assim como a equipe
de
Veritatis
Splendor
que
se
encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos
convenio com
d.
Esteváo
Bettencourt
e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
V)
<
SUMARIO
Nova Era
W ai
"O Cristianismo Moreno do Brasil", por E. Hoornaert
•O I-
"0 Estado do Vaticano"
v> LU
Movimento Gnóstico Cristáo Universal
3
O
"1001 Maneiras de Enriquecer", por Joseph Murphy Um Santo na Política
CD
O ce o.
ANO XXXIII
FEVEREIRO
1992
357
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
FEVEREIRO-1992
Publicacao mensal
N»357
Diretor-Respoiuável: Estévao Bettencourt OSB
S U M A R I O
Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico Diretor-Administrador:
Nova Era
49
Revendo o passado:
D. Hitdebrando P. Martins OSB
"O Cristianismo Moreno do Brasil", por E. Hoornaert
AdministracSo e distribuicáo:
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 5? andar, s/501 Tel.: (021) 291-7122 Caixa Posta! 2666
SO
Um (olheto polémico:
"O Estado do Vaticano"
60
0 Neognosticismo:
20001 - Rio de Janeiro - RJ
Movimento Gnóstico Crittio
Universal
75
tmo'SMio ■ Encaoc'naclo
Livro fantasiosa:
"1001 Manelrsc da Enriquecer". por Joseph
"MARQUES SARAWAGRÁFICOS £ EOtTCmES S * »><s
Murphy
Em pleno sáculo XX: Um Santo na Política
IOÍI «73-H9I-7?ii44 7
NO PRÓXIMO NÚMERO:
Aínda a Oescoberta da América. - "O Evangelho segundo Jesús Cristo" (José Saramago). - "A Decadencia do Catolicismo" {VEJA, 25/12/911. Tres importantes depoimentos luteranos - Ciencia e Ética {Prof. N. Frei-
re-MaiaK - A Igreja Católica na China. - Comentando a Imprensa.
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 números): Crt 13.000.00- n« avulso ou atrasado: Cr$ 1.300,00 Pagamento (a escoiha)
1 VALE POSTAL á . Agencia Central dos. Correios do R.o de Janeiro em nome de Edicoes "Lumen Chr.sti" Caixa Postal 2666
20001 - R.o de Janeiro - RJ
2 CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favo- de Ed.cñes 'Lumen Chhstí" (enderezo ácima)
3. 0R0EM DE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta N9 31.3041 em nome do MOSTEIRO DE SAO BENTO pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ n. 0435 9 I Enviar xeróx da gu.a de depósito á nossa admmjstracao. para efeito de nifcaá
86
do pagamento)
93
NOVA ERA Um dos vocábulos que mais rossonáncla despertam no ser humano,
ó o adjetivo novo. Na verdade, o homem senté que ele mesmo e o mundo
que o cerca, prontamente envelhecem e desfalecem; conseqüentemente e espontáneo o anseto a algo de novo, novo no sentido de Jovem, vigoroso,
Em nossos días, de modo especial a aspiracáo á novidade ó procla mada pela corrente dita "Nova Era",... Nova Era que será a do Aquario sucedendo á de Peixes. O fenómeno tem-se propagado, embora nem todos os seus adeptos salbam exatamente de que se trata. Pode-se dizer que, no fundo, ó o "hornern eterno* que assim se exprime, ou seja. o homem feito para a Verdade. o Amor, a Vida. — Onde poderá ele encontrar a novidade de urna Juventude perene?
Observamos que o Cristianismo sobreveio ao mundo sobre um paño
de fundo envelhecido; Jesús encontrou o Imperio greco-romano cansado, cético. decadente. A Palavra do Senhor fol fermento renovador, que. levado por simples homens da Galiléia. trouxe Juventude ao mundo velho; soer-
gueu o homem prostrado. salvou do caos a cultura e deu novo impulso á historia da humanidade. O vigor dessa juventude nao passa. porque pro
cedente da eternidade e tendente á eternidade. E por isto que os escritos dos Apostólos estáo perpassados pelo adjetivo novo: "Se alguém esta em Cristo, é urna nova criatura. Passaram-se as coisas velhas; eis que se tez urna realidade nova" (2Cor 5,17). "Dentrodo nosso homem exterior e mortal existe o homem interior, que se ronova de dia para dia" (2Cor 4,16). Esse homem novo vive de um enslnamento novo, comparavel ao vlnho novo, que nao se langa em odres velhos. ou a paño novo, que nao
serve para remendar veste velha (Mt 9.16s). Embora slnta a fraqueza da
vetustez, o cristáo caminha para a nova Jerusalóm, "cujo arquiteto e
construtor é o próprio Deus" (Hb 11.10); ele sabe que so de Deus pode
esperar a satisfacáo dos seus anseios. Por Isto olha para Aquele que, no
final das Escrituras, exclama solenemente: "Eis que faco nova» todas as coisas. Eu sou o Alfa e o Ómega, o Principio e o Fim" (Ap 21,5s). Ora esse Deus se fez presente em Cristo, de modo que S. Ireneii
(t 202) pode dlzer: "Cristo trouxe toda novidade trazendo-se a sí mesmo".
Por Isto a Igreja. todos os anos, ao celebrar a Páscoa. convida seus liéis a
tomar consciénda disto, quando reza: "Possa o mundo experimentar e ver
que as coisas decaídas sao reerguidas, as envelhecidas sao renovadas e tudo volta á sua Integrldade por meló de Quem tudo teve a sua origem
(Sábado Santo, Vigaia). — A Nova Era |á comecpu e atua no mundo
mediante os cristáos liéis, como a sementé que desabrocha (cf. Gl 6.8s). a aurora que desponta (ct. 2Pd 1,19). o fermento na massa (cf. Mt 13.33)...! E.B.
49
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXIII — NB 357 — Feverelro de 1992
Revendo o passado:
"O Cristianismo Moreno do Brasil" por Eduardo Hoornaert
Em síntose: Eduardo Hoornaert descreve a historia da evangelizagáo do Brasil a partir de premissas sócio-económico-polMcas. enquadrando
os acontedmentos dentro do esquema "opressores-oprimldos". Julga, pois, que os europeus, sobrevlndo ao Brasil, violentaran) os aborígenes e, posteriormente, os negros; estes se refugiaran) num tipo de rellgiáo que Hoornaert chama "o Cristianismo Moreno", e que representaría a rellgiáo auténticamente brasllelra. — Em conseqüéncla de taljuizo, o autor esvazia com certo sarcasmo os valores religiosos, conslderando-os preponderantemente como valores culturáis: a Moral européia monogámica (autenticamente crista) terá violentado a Moral indígena mais livre e promiscua; a antropofagia éjulgada com certo relativismo; a adesáo do Cristianismo a Roma ó vista como traicáo ao povo moreno; Leáo XIII terá teño do Tomismo (doutrina de Sao Tomás de Aquino) "urna espade de mitología fundante do Catolicismo na sua intransigencia"...
Estas e outras afirmacóes do autor carecem de valor objetivo; sao unilaterais; deveriam ser relidas á luz de obras que pdem em relevo o heroísmo de grandes vultos protagonistas da evangellzacáo do Brasil. Ademáis nao se pode reduzlr afea urna atitude meramente cultural. *
*
*
Eduardo Hoornaert é condecido historiador, autor de varias obras, das quais a intitulada "A Memoria do Povo Cristáo" já foi comentada em
"O CRISTIANISMO MORENO DO BRASIL" PR 290/1986 dd 311-322. Em1991 pubticouumllvro destinado a "resgatar
a memoria do cristianismo moreno e mestizo do Brasil". Diz o autor que.
"sem partir dessa memoria, toda descricáo da historia do cristianismo flca longe da realidade e como que flutuando no ar" (p. 22) .
O livro ó critico em relacáo ao passado e suscita varias Interrogacóes na mente do leitor. Dai a oportunldade de se teoerem algumas considera ndos a respelto.
LSíntese do livro
A obra é escrita dentro dos esquemas da Teologia da Liberta$áo (ver do 95 152) de modo que o autor treqüentemente considera a sociedade distribuida em categorías de oprimidos (populacóes Indígenas, negras e
mesticas) e opressores (brancos europeus). Admite duas fases de violencia sobre a populacáo pobre:
a) a fase da colonizacio, ató 1822, em que os reis de Portugal,
exercendo os direitos que Ihes confería o padreado, utilizavam a Igreja para impor seus interesses económico-políticos. A Igreja terá estado conivente
com o poder reojo, fazendo o jogo do mesmo mediante a sua acao evangelizadora;
b) »»■•• da rom«niz«cáo, a partirde meados do secutoXl^tómbém
dita "de trldentlnlzacáo" (aplicacáo do Concaio de Trento. 545- 563). Neste periodo, outro tipo de violencia se terá feito sentir: a violencia dos
brancoVvindos de Roma se terá exerddo sobre a populacáo mestica ou sobre o Cristianismo mestico do Brasil, em que havia contrarias. devocoes. romarias.... mas pouca freqüéncia aos sacramentos (pouca sacramentalizacáo) e pouca ligacáo com o clero (especialmente com os blspos). A
romanizacáo terá combatido essas características do Cristianismo popular ou moreno.
Examinemos de mais perto cada urna das duas fases.
1.1. Fase de colonizado
No tocante á primeira fase, o autor aponta tatos, que ele Julga
exprlmirem a videncia da Coroa e dos missionários:
1 EduarfoHoomaeitíOCrUttonlsmoMorenodoBrBBlLEd.Voíes.PeltópoUs 1991.135 x 210 mm, 181 pp.
SI
"PERQUNTE E RESPONDEREMOS" 3S7/1992
— o aldeamento dos indios: "Fd básicamente para dar espapo llvre ao gado que os Indígenas foram 'encurralados' em aldeamentos sob o pretexto de serem cristianizados. O aldeamento fol importante como meca nismo da colonlzacáo" (p. 47; el. p. 69); — a introducáo do relógio e de horarios nos aldeamentos. Era estranha ao indio a preocupadlo com horarios, que sao "urna agressáo a formas ancestrais de vida" (p. 55);
— a introducáo da nocáo de espaco arquitetonicamente distribuido
dentro da aldeia: "Esse novo espaco centralizado em torno de um poder desorienta profundamente o Indígena, que nao sabe multo bem como se
comportar, e vai perdendo com o tempo sua seguranca e a memoria do modo anterior de se mover no espaco" (p. 56);
— á p. 90 Hoornaert póe em contraste o principio hierárquico, próprio
dos europeus. e o principio comunitario, próprio dos aborigénes. Estes tinham por norma a scciedade sem classes, segundo a interpretacao de
certos estudiosos:
"Segundo a interpretacao de Pierre Clastres, esses Carai alertaran as comunidades independenles tupi diante de urna inovacáo que ameacava
de morte a vida das comunidades independentes: o inicio da desigualdade social, o surgimento de pessoas 'poderosas' no meló das comunidades, inicio do sistema do estado...
O protetismo tupi-guarani nao ó, pois, únicamente motivado pelas
mvasoes europélas do sáculo 16, mas deita provavelmente raizes no alerta contra o surgimento de urna soctedade de classes entre os própríos tupiguarani. Pelo menos essa ó a opiniáo de Pierre Clastres" (p. 81); — á p. 43 há urna referencia ás Constitulcdes Prlmelras do Arcebispado da Bahia (1707), que prescrevem a catequese doméstica. Diz entáo
Hoornaert que a catequese "dos pequeninos (filhos. discípulos, criados
e escravos) por parte dos país, mestres. amos e senhores" é "verdadei-
ra inversáo do processo evangellzatórlo — que ñas origens do cristia
nismo partía dos pobres em direcao aos ricos"; "ó típica do cristianismo
vivido em colonia. Herdamos do passado essa Imagem invertida de cristianizado: obra de gente branca, bem educada e de classe privilegiada sobre gente negra, morena e mal-educada. Sóculos de colonialismo forma-
ram essa Imagem, que nao corresponde de forma nenhuma ao que nos transmitem os documentos fundantes do Cristianismo" (p. 43).
Como se vé. o autor nao leva em conta a diferenca essenclal que há no relacionamento entre "país e filhos" e "amos e criados ou escravos". O 52
"O CRISTIANISMO MORENO DO BRASIL"
pal que nao enslna e ec'uca seu filho, ó omlsso e digno de censura, pois a crian?a ó carente de exoeriénda e conhecimentos, que ela legítimamente espera recebar dos país logo que comees a raciocinar; nao ó ela que deve enslnar aos genitores, pois nao tem cabedal para tanto. Ora os antigos, com razio, Julgavam que o senhor cristáo tinha a obrigacáo de ensinar a (ó e os bons costumes aos seus subalternos, pois se trata da transmissáo de precioso patrimonio que Cristo entregou aos homens para que o lizessem chegar a todas as criaturas; c(. Mt 28,18-20: "Toda a autoridade me fot entregue sobre o cóu e a térra. Ide,
portante, e fazei que todas as naoóes se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei".
•
■
O dever missionário e evangelizado* comeca em casa a partir dos
mais velhos e responsáveis, independentemente da cor e da condicáo social; nao é o fato de alguém ser modesto e inculto que habilita tal pessoa a ser mestre do Evangelho; — á p. 56 o combate á poligamia é tido como um "quebrar as
resistencias culturáis sobretudo através da táo conhecida regra da dominacáo 'Divide et Impera (dividir para imperar)1. Alias, á p. 136 o autor fala de antagonismo entre a "Moral Indígena" (que permitía a nudez e certa promiscuidade de parceiros sexuais) e a Moral européia (muito rígida nestes pontos). Hoornaert vé esse antagonismo do ponto de vista cultural apenas como se fosse choque entre dois tipos decivilizacáo, e abstrai do problema ótico que a poligamia e a promiscuidade suscitam;
— á p. 172 o diabo é tido como "postulado missionário indispensável na política de se reduzlr as culturas amerindias e africanas á unicidade (e uniformidade) da cultura crista". Realmente o historiador distorce qualquer tema, para o enquadrar dentro do seu esquema sócio-politico-económico. O tema "existencia do diabo" pertence ao patrimonio da lé e nao pode ser reduzido a artificio do poder dominador dos colonizadores; — as pp. 158s, o autor faz verdadeira caricatura do espirito missio nário ou evangelizador, apresentando-o como mero verniz de urna cobija
fundamental e latente, que era a cobica do ouro. "O ouro abre o caminho
para Deus. O ouro se torna 'meio de salvacáo' das gentes 'sentadas ñas trevas e ñas sombras da morte', ele é como banhado de santidade (eis a
razáo das Igrejas douradas do Brasil Colonial). Onde há ouro, há evange lho. Onde falta o ouro, o evangelho nao penetra. O ouro abre os caminhos para o evangelho, é mediador da graca divina" (p. 159);
53
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
— as pp. 123s, o autor expóe o sentido da antropofagia, relativízando
•o que ela tem de desumano e antinatural. "A antropofagia é um dos instrumentos constitutivos da sociedade tupi... A tese de Rorestan Fernan dos acerca da antropofagia tupi é que a guerra funcionava entre os tupi como geradora da sociedade: 'Todas as fontes sao unánimes em indicar o fato da maloca constituir um grupo guerreiro fortemenle solidario', escreve ele. Nessa linha de pensamento, a guerra produz a sociedade, e a cerimónia canibal serve como exibicáo e interiorizacáo da unidade da aldeia-maloca contra os inimigos. A execucáo solene do inimigo na praca central da aldeia exprime de maneira impressionante a identidade do grupo humano
ai reunido. Ela constituí o cimento da unidade das aldeias, que — seja dito de passagem — eram muito grandes e precisavam de urna pronunciada
coesáo social para poderem sobreviver" (p. 124). Para amenizar a gravidade do coslume antropofágico, o autor lembra que nossa sociedade tambóm espanca, bate, prende, tortura e mata seres humanos de maneira bárbara. — Nao se negam tais males hodiernos, mas afirma-se que sao táo condenáveis quanto a antropofagia; os erros de hoje náo.justificam a barbarie de ontem. Pode-se crer que os indios a praiicassem de consciéncia tranquila; isto, poróm. nao impede que objetivamente ela seja um mal... um mal que nao seria licito aprovar em nossos dias como se isto fosse respeito á memoria do povo moreno.
1.2. Fase da romanizacáo As criticas do autor sao acerbas quando considera os estorbos da Igreja no Brasil para sacudir a ingerencia do poder governamental e ligar-se
diretamente á Santa Sé (Roma). Assim. por exemplo, classifica essa obra-de "traigáo ao povo":
"Feijó vislumbrou com rara lucidez que a alianga com Roma, por parte da hierarqüia brasileira,significava na realidade urna traicáo ao povo e á sua maneira de se exprimir religiosamente e de se constituir em sociedade" (p. 133).
Na vérdáde, a fidelidade á Santa Sé é inórente ao Catolicismo, de
modo que nao há corrió ser auténtico católico sem acatar as decisóes de Roma.
— Para superar a rorrianizacáo ou a aplicacáo das leis de Roma ao Catolicismo do Brasil, Hoornaert enaltece o modelo do Pe. Francois de l'EspInay, que sé iniclou em terreiro de candomblé na Bahia e passou a
54
"O CRISTIANISMO MORENO DO BRASIL"
viver como os membros do terreiro. "abandonando suas certezas ocidentais para enfrentar as incertezas amerindias, africanas, masticas, brasileiras"(p. 164);
— á p. 147 lemos: "O Papa (Leáo XIII) transformóu o tomismo em
apologética, em defesa da fe. urna especie de mitologia fundante do Catolicismo na sua intransigencia" (p. 147).
Estes tópicos, aos quais outros se poderiam acrescentar. sao sufi cientes para se ter nocáo do pensamento de Hoornaert no livro em foco. Impórtanos agora tecer algumas consideracóes a respeito. 2. Refletindo...
Proporemos cinco principáis ponderacóes.
2.1. "O concertó de Igreja usado na Historia da Igreja" (p. 25) Costuma-se dizer que a Igreja é una e se encontra espalhada pelo
mundo inteiro. Ora Hoornaert julga que tal conceito de Igreja se deve á
época de Constantino Imperador (313-337): o monarca "reprimiu as igrejas nao alinhadas com o grupo aliado ao poder — e que dispunha dos instru mentos de poder e repressáo— como eram as igrejas novaciana, donatista,
montañista e marcionita na época; errtergiu entáo um novo conceito de igreja que no fundo é conceito imperial, tanto no Oriente (igreja ortodoxa) como no Ocidente (igreja católica)" (p. 25). O conceito imperial assim formado tornou-se comum. Pois bem; Hoornaert julga, apoiando-se espe
cialmente em Duquoc e dois autores protestantes (Troeltsch e Theissen), que nao há urna Igreja, mas há Igrejas provisorias, isto ó, realizacóes diferentes e momentáneas do Cristianismo condicionadas por fatores cul turáis, sociais, polfticos e económicos; "cada experiencia socio-cultural do cristianismo é, de alguma forma, igreja" (p. 28).
Por isto é que Hoornaert nao dá a seu livro o título de Historia da Igreja no Brasil, mas, sim. o de "Historia do Cristianismo Moreno no Brasil". — Em resposta, nao se pode deixar de observar que. para um
historiador católico, o conceito de Igreja nao é ligado apenas a elementos
culturáis, mas, antes do mals, ó parte integrante do patrimonio da té. Esta
ensina que a Igreja é um sacramento, ou seja. urna realidade humana (portadora de todas as vidssitudes de que é capaz a natureza humana)
através da qual passa a graca divina; é a continuacáo do misterio da
Encarnacáo, segundo a qual Deus se quis dar aos homens mediante a 55
t MtSMJNUtHtMUS
3&//iaaif
própria humanidade assumlda pelo Fllho de Deus. Por Isto há urna só Igreja (aquela que Cristo fundou e chamou "mlnha Igreja" emMt 16.18); há urna só fé, há urna só Moral Crista; esta realidade única pode revestir-se de formas culturáis diversas (Indígena, africana, europóia...) sem quebrar a unidade do todo nem perder a ligacáo com o sucessor de Pedro, o Papa.
constitu ido por Jesús Pastor Supremo da Igreja (cf.Mt 16 16-19-Le 22 Sis-
Jo 21.15-17).
A Igreja una. no Brasil, viveu sob o regime do padroado ató a proclamacáo da República em 1889. Isto Ihe imprimiu urna face própria.
que convém considerar mals detidamente.
2.2. O Padroado
No sáculo XV os reis de Portugal e Espanha, sendo reís católicos e.
ao mesmo lempo, descubridores de novas térras, receberam dos Papas
ampias (acuidades para promover a evangelizado das populacóes deseo-
bertas; seriam reis missionários. que atenderiam ao mandato do Senhor Jesús: "Ide e lazei que todas as nacóes se tornem meus discípulos" (Mt 28,19) ou aínda: "Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda
criatura" (Me 16.15).
Esses ampios poderes ditos "do padroado" consistiam em mandar Religiosos, sacerdotes, preg adores para as regióos da América Latina,
propor os nomes de possiveis bispos, erigir paróquias, etc. A intencáo dos
Pontífices, ao outorgar tais poderes, era apostólica: devia-se crer que os
monarcas católicos fossem fiáis colaboradores da Santa Sá. Nao se pode
dlzer que tenham traído por completo a sua missáo, mas se deve reconhecer que ¡nteresses espurios se mesclaram por vezes ao zelo apostólico. Na
verdade, o monarca podia fazer as vezes de um Vice-Papa; as delermina-
cóes da Santa Sé a que ele desse a sua cháncela, tornavam-se leis religiosas e civis, mas aquetas que nao recebessem o abono do monarca
eram ignoradas no reino e ñas suas colonias (foi este, porexemplo. o caso
da Maconaria, que, condenada por Roma, nao era condenada pela autoridade regia de Portugal e do Brasil, de modo que passava por licita em nosso país).
O fato do padroado pode sugerir aos historiadores que a Igreja estava aliadaao poder por causa do poder, como se ela compartllhasse as intencóes políticas dos soberanos deste mundo. Tal interpretacáo seria
errónea. Os Papas se aproximavam dos reís de Portugal e Espanha porque
estes eram católicos e responsáveis por acontecimentos de enorme valor missionário. Nao devia passar pela mente dos Papas um proceder diferen56
"O CRISTIANISMO MORENO DO BRASIL"
te. Se nem sempre a realldade correspondeu á expectativa, nem por isto a intencáo dos Pont'rflces é menos reta. Sabe-se, alias, que mais de uma vez os Papas tiveram que censurar
aos reis de Espanha e Portugal seu falso zelo apostólico. Todavía nem sempre foram respeitados pelos monarcas.
2.3. Evangelizar
Hoomaert, ñas pp. 75-81 e 82-89, se compraz em descrever a religiáo
dos aborigénes brasileiros e a dos africanos respectivamente, para, de
certo modo, fazer contraste com a religiáo dos europeus ou o Cristianismo. A evangelizado do povo brasileiro aparece assim como uma violencia ou um desrespeito cometido pelos brancos contra os amerindios, os negros e os mesticos, tidos como populacóes inferiores e mais brasileiras do que os brancos. A conclusáo que se tira de tais premissas, é a que o autor mesmo insinúa no fim do seu livro: o ideal e correto seria que todo cidadáo brasileiro
se inicie nos ritos do Candomblé ou da Macumba ou ainda nos cultos das retigióes indígenas... Conseqüentemente a poligamia, a promiscuidade de homens e mulheres, a displicencia em relacio ao relógio (aos horarios), á
arquitetura urbana, a sociedade sem classes preocupada únicamente com
o produzir para comer (sem ulteriores perspectivas), a própria antropofagia deveriam ser aceitas em respeito a memoria do povo brasileiro (- indígena pré-europeu, anterior a 15001).
Tal conseqüéncia ó absurda nao somente aos olhos da fé. mas
também aos olhos do bom sonso humano pró-religloso. Com afeito; existe a lei natural, Inata em todo e qualquer horhem, que manda nao matar e
exige-o respeito á mulher do próximo; a disciplina do tempo (horario) e da boa dlstribuicáo do espaco é penhor de engrandecimento do homem. Quem ensina isto aos seus semelh antes, pratica um ato de amor, embora contra diga aos costumes vigentes entre eles. — Mais: a pregacáo do Evangelho,
com o seu Credo e a sua Moral, ó dever de todo cristáo, conforme Mt 28,18-20; Me 16,15s. Quem está convicto de que o Evangelho ó Boa-Nova,
apta a responder ás interrogasóes básicas do ser humano . nao se pode
calar, mas senté a obrigacáo de anunciá-la a todos os homens. Isto nao ó
falta de respeito, mas é amor. O desrespeito está no proselitismo, isto é, na Imposicáo das verdades da fé por meios ilícitos ou constrangedores. Os mensagelros do Evangelho procederam de modo geral com reta intencáo;
I Tertuliano, no cometo do simio III. dizia aos pagaos do Imperio Romano que "a alma humana é naturalmente ciisli"!
57
1°
"PERQUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
mesmo os aldeamentos e as reducóes de indios (tanto no Sul como no
Norte do país) tinham em vista beneficiar os indios, preservando-os da sanha dos brancos, cobicosos, raptores, e ensinando-lhes os principios da
fé e da clvllizacáo.
é preciso salfentar que evangelizar nao é violentar; é, slm, expressáo
de amor ao próximo, contanto que nao recorra a melos constrangedores. Dizia o Apostólo Sao Paulo: "Al de mlm. se nao anunciar o Evangelhol" (tCor 9.16). Se nem sempre a obra dos mlsslonárlos do Brasil correspondeu ao ideal, é de levar em conta que enfrentavam situacóes totalmente inéditas, das quais nlngiiem tlnha experiencia; na falta de quem ensinasse a prática, tinham que tentar os camlnhos aparentemente mais piausñ/eis. De resto, nao se devem negar as fainas decorrentes da fragilidade humana no processo de evangelizacáo. Os Blspos latino-americanos as reconheceram. no tocante a toda a América Latina, qliando reunidos em Puebla no ano de 1979:
"É certo que a Igreja, emseu labor apostólico, teve de suportar o peso
dos desfalecimentos, das aliancas com os poderes da térra, de urna viseo
pastoral incompleta e da torca destruidora do pecado; mas nao é menos certo — e forcoso é reconhecé-lol — que a evangelizacáo que transforma
a América Latina no 'Continente da Esperanca' tem sido muito mais pode rosa do que as sombras que lamentavelmente a acompanharam no Interior do contexto histórico onde Ihe coube viver" (Documento de Puebla n910).
2.4. Povo brasileiro violentado?
Á p. 20 Hoornaert escreve: "Na sua formacáo histórica o povo
brasileiro sempre enfrentou a violencia dos 'outros', dos que vieram de fora
dominar esta térra".
E á p. 21: "O Cristianismo moreno vivido no Brasil é resultante de um longo processo de resistencia popular dlante das diversas formas que o colonialismo assumiu aquí".
Destas frases mais urna vez se deduz que o homem brasileiro é o indio. Todos os que sobrevleram ao Brasil de 1500 em diante nao sao brasllelros, mas sao violentadores do homem brasileiro. Ora, se apllcássemos o criterio adotado por Hoornaert á Europa, verificaríamos que os anglo-saxóes e os celtas nao sao europeus. pois Invadlram militarmente a Europa nos sáculos IV/VI; nem os eslavos que sobrevleram posteriormente,
sao europeus. Talvez nem mesmo os romanos anteriores aos anglc-saxóes
e eslavos sejam itálicos, pols antes deles havla na península itálica os etrusoos...
58
"O CRISTIANISMO MORENO OO BRASIL"
11
Os destacamentos de povos e a ocupacáo de térras habitadas sao
fenómeno constante em toda a historia da humanidade. Nao vem ao case
Julgar aqui os aspectos éticos dessas ocupacóes, mas Importa, ao menos,
dlzer que á grande maioria dos povos ho|e existentes se reconhece a nacionalidade que eles conquistaran) em conseqüéncia de guerras e invasóes.
O homem braslleiro é nao somente o Indígena, mas tambóm o descendente de africanos, portugueses, espanhóls. italianos, alemáes.
japoneses, poloneses.... que vleram fixar residencia neste país. De modo geral, trouxeram civllizacáo e cultura á térra habitada pelos indios, de sorte que muitos mesticos hoje se beneficiam dos servicos da instrucáo, da medicina, da industria... aqui introduzidos.
2.5. Relativiza$áo
De modo geral. o hvro de Hoornaert relaliviza os bens da fé ou
transcendentais, conslderando-os princlplamente como valores culturáis.
Nao haveria padrees provenientes do Senhor Deus atravós de cañáis humanos auténticos, mas apenas diversas culturas religiosas niveladas entre si. Além disto, o esquema preconcebido de "opressores" e "oprimi
dos", o interesse exclusivo pela economía e suas manifestacóos desfigu-
ram a trama da historia apresentada por Hoornaert; esta se torna unilateral e ideológica. Tem-se a impressáo de que os sucessivos acontecimentos da historia foram pérfidos e perversos, violentadores e desumanos; esta impressáo é incutida especialmente pelo tom de amargura, sarcasmo e
ceticismo que caracteriza o estilo do livro.
' Para se ter urna visáo mais objetiva da historia da Igreja no Brasil,
muito valem os lívros do Pe. Arlindo Rupert,1 que póe em relevo dignos
protagonistas do nosso passado, apontando seu caráter abnegado e sua fé profunda, sem ocultar as respectivas talhas quando ocerrem. Quem leva em conta os aspectos positivos, nao raro heroicos, da evangelizado do
Brasil, nao pode abonar as criticas unilaterais e as Interpretacóes parciais propostas por Hoornaert. O seu livro se ressente de preconceitos ideológi cos, que Ihe tiram a objetividade de um historiador imparcial.
I A Igreja no Brasil, vols. 1. II e UI, cobrindo toda a historia do Brasil Colonial alé 1822. Editora Pallottl. Santa Mana (RS). 1981.1982 e 1987. Os nonos Modelos e Patronos. Ed. PallcHÜ. Santa Macla (RS), 1984.
59
Um folheto polémico:
"O Estado do Vaticano" Em sintese: O opúsculo intitulado "O Estado do Vaticano", de origem protestante, agride a Igreja Católica na base de inverdades e sarcasmo.
Atendendo ao pedido de leitores, tocemos algumas consideracdes a respeito. O panfleto nao somonte falsifica a historia e a mensagem da Igreja
Católica, mas incide em contradigóes que bem revelam o despreparo e a
nula autoridade de quem o redigiu. *
*
*
Tém sido encaminhadas á redacáo de PR sucessivas solicitagóes no
sentido de que comente o folheto "O Estado do Vaticano", divulgado ñas paróquias do Bras:l pelo pastor protestante Lauro de Barros Campos, de
Campiñas (SP). Dada a ampia difusáo desse escrito, perpassado de inverdades estridentes, publicamos, a seguir, algumas conslderacóes a
respeito. Anima-nos táo somonte o desejo de salvaguardar a verdade, dissipando graves equívocos.1
1. Tópicos salientes
Quem lé o opúsculo (e outros semelhantes, que tém sido dlssemlna-
dos em grande número), tem a Impressáo de que o Protestantismo precisa
de mentiras e calúnias para poder propagar-se entre os fiéis. Com efeito; o opúsculo é, de ponta-a-ponta, a expressáo de inverdades grosseiras e
de odio passional contra a Igreja Católica e suas instltuicóes.
Com referencia direta ao autor do opúsculo (seria o próprlo distribui dor do mesmo?), torna-se evidente que nunca estudou a Igreja Católica,
1 Este aiilgo jd foi publicado em PR 282/1985, pp. 420-435. - Tomamos a editi-lo. dada t
insistencia de amigos.
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"O ESTADO DO VATICANO"
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sua historia, sua mensagem e sua eslrutura, pois nao cita documentacáo ou fontes de primelra máo. Refere-se a compendios de historia ou de polémica anticatólica, mas sem Indicar exatamente o autor, o título da obra, ano de edicáo, páginas em foco... As citacóes. quando ocorrem. sao geralmente imprecisas, como "Jornal II Giorno, Miláo" (p. 4), "Chiniqui, pág. 44" (p. 12). "Taiane. infra" (p. 3, sem que se veja esdarecimento infra). "Vita del Marcelo, pág. 132" (p. 12). O autor apenas repele, sem espirito científico, o que já foi escrito, e, visto que nao tem conhecimento pessoal do assunto. incide em erros e contradicóes. que passamos a recensear:
Pág. 1: O autor trapa um paralelo entre as Ordens Religiosas do Catolicismo e as denominadles do Protestantismo (Batistas, Presbiteria
nos. Metodistas, Luteranos...). Ora o paralelo nao existe, pois as Ordens e Congregares Religiosas do Catolicismo reconhecem um Pastor Supremo
comum, que é o Papa (por conseguinte, nao quebram a unidade do Catolicismo), ao passo que as denominacóes protestantes nao tém chele comum; sao independentes e multiplicam-se de modo a se afastar cada vez
mais da doutrina do Novo Testamento, tendendo a fazer prevalecer a do Antigo Testamento (cf. Testemunhas de Jeová e seitas derivadas); desta maneira quebram a ugjdade do Protestantismo e perdem-se no individua lismo mais arbitrario. Pág. 2: Sao mencionadas as "Pseudas Decretáis de Isidoro do sáculo 2»". — Na verdade, as Psoudo-Docretais datam do século IX (entre 845 e 857). Vém a ser urna colecáo de textos jurídicos, anténticos e nao auténti cos, devida a um certo escritor chamado Isidoro Mercator. provavelmente de Rheims (Franca). Este autor foi confundido nos tempos segulntes com
Santo Isidoro, bispo de Sevilha (560-636). Por isto a colecáo tomou o nome de "Pseudo-lsidoriana" ou "Pseudo-Decretais de Isidoro de Sevilha", pois se verlficou no sáculo XV que nao podía ser de S. Isidoro de Sevilha. — Donde se vé que, a varios títulos, é falso talar de "Pseu das Decretáis de Isidoro do século 2a". A historia nao conhece Isidoro do século 2a.
Pág. 3: "Antes do Papa Sixto IV ninguém la para o purgatorio, porque
nao existia... Surglu com seu decretol" A pág. 6 se lé o mesmo. Todavía a pág. 8 está dito que o dogma do Purgatorio data de 503 — o que nao se
coaduna com as aftrmacóes anteriores, pois o Papa Sixto IV data de 1471-1484. Na verdade, a crenfa na existencia do purgatorio deriva-se dos principios bíblicos (cf. 2Mc 12.38-46; 1Cor 3,10-16; Mt 5,25s) e é docu mentada por textos cristáos dos prlmelros séculos. Cf. E. Bettencourt, "Diálogo Ecuménico". 3* edicáo. Ed. Lumen Christi. Rio de Janeiro 1989. pp. 155-172.
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
Pág. 3: É mencionado "o Papa Joáo XXIII ano 1410", com a adver
tencia: "nao confundir com o Joáo XXIII mais recente; nao sabemos porque um papa posterior decide adotar o nome de um anterior táo imoral". — Ora Joáo XXIII (1410-1415), no caso, nao fol Papa, mas anti-Papa.
Pég. 5: Sao mencionados Ratramno, Rábano Mauro (nao Rubano Mauro, como se Id no opúsculo), Sao Joáo Crisóstomo, S. Agostinho como adversarios da transubstanciacáo eucaristica, sem a Indicacáo das respec tivas fontes. Na verdade, Ratramno (t 868) e Rábano Mauro (t 856) nao podem ser alinhados na mesma escola teológica, pols divergem entre si: Rábano Mauro (775-856) professa a real presenca de Cristo na Eucaristía, como tambóm o fazlam S. Joáo Crisóstomo (t 407) e S. Agostinho (t 430). Ratramno, sim, foi dissidente, professando mero simbolismo eucaristico.
Pág. 5: "Entre 1305 e 1377 a Igreja foi governada por dois Papas, um em Avinháo e cutro em Roma". — Há ai evidente confusáo: de 1305 a 1377 os Papas residiram táo somente em Avinháo; nao havia titular em Roma; de 1378 a 1415, sim, deu-se o grande cisma do Ocidente, que terminou com a eleicáo do Papa Martinho V.
Pág. 5: "Antes de 1215 nenhum cristáo aceitava que a farinha se
transfórmava em Cristos". — Abstraindo do linguajar sarcástico e pouco digno, notamos que, desde a época dos Evangelistas, a Igreja professa que o pao eucaristico se torna o Corpo de Cristo e o vinho se converte no sangue do Senhor; cf. Mt 26.26-28; Me 14.22-25; Le 22.15-20; 1Cor 11.23-25. A Tradicáo o professou desde os seus inicios, conforme a documentado apresentada em "Diálogo Ecuménico" pp. 117-141. A palavra "transubs tanciacáo" foi concebida pela teología escolástica (medieval) para designar
o fato já anteriormente professado, ou seja, a real presenca eucaristica de Jesús (transubstanciacáo significa a conversao da realidade do pao e do vinho na realidade do corpo e do sangue do Senhor). Tal vocábulo parece ter sido utilizado, pela primelra vez, pelo bispo Estéváo de Autun (f 1140); retornou sob a pena de mullos teólogos e canonistas na segunda metade do sáculo XII e foi oficialmente reconhecldo pela Igreja no Concilio do
Latráo IV (1215); é a este último fato que o opúsculo alude irreverentemen te. Antes, porem, da palavra "transubstanciacáo", já a realidade da mesma era professada pelos crlstáos, como atesta o texto dos Evangelhos, que é de clareza meridiana.
Pég. 7: Em 1215 o Papa Inocencio III terá prolbldo a leitura da Biblia. Todavía a p. 8 Isto é atribuido ao ano de 1229, quando o Papa Inocencio III já estava morto (faleceu em 1216). Na verdade, o autor é impreciso, ou melhor, enganou-se. Eis o que na verdade se deu:
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"O ESTADO DO VATICANO"
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O Bispo de Metz (Alsáda) comunicou ao Papa Inocencio III (11981216) que um grupo de pessoas da diocese havia mandado traduzir livros da Biblia para o francés no Intuito de comentá-los e dlscutl-los em circuios
fechados..., circuios que nao admltiam quem nao estivesse de acordó com ales; admoestadas por alguns sacerdotes, tais pessoas haviam-lhes resis tido. O Papa entáo escreveu duas cartas: urna ao Bispo e ao seu cabido; a outra a todos os liéis da diocese de Metz. Nesta última observava que
a pregacáo do Evangelho nao se deve eletuar em grupos fecha dos, mas de maneira pública, e cita Mt 18.27 e Jo 18,20; tal é a profundidade das Escrituras que nao so os simples e analfabetos, mas também os prudentes e doutos nao estáo habilitados a entendé-las plenamente;
— é necessário ter urna "missáo" (incumbencia atribuida pelo Bispo) para pregar.
No final o Papa exorta os fiéis a que mudem de atitude e sigam a fé católica e a disciplina eclesiástica.
Na primeira carta Inocencio III pedia ao Bispo de Metz que procedesse com prudencia e indagasse solícitamente a respailo da problemática para que ele. Papa, pudesse tomar providencias.
Como se pode observar, estes textos nao proibem a leitura da Biblia, mas tém em vista coibir possweis erros decorrentes do indevido uso da mesma. Á Igreja, sim, Cristo confiou a missáo de guardar e transmitir incólume a Palavra de Oeus.
Pég. 7: "Em 1534 surgiu urna Ordem sinistra (a dos Jesuítas)... Propunha varrer da térra protestantes, macons e muculmanos". Quantos erros nao há ai) — Na verdade, a Maoonaria filosófica só comecou a existir em 17171 Por consegulnte, os jesuítas nao podiam ter originariamente o propósito de a combater.
P¿g. 8: "O Imperador Constantino celebra o 18 Concilio em 1313". — Na verdade, o primeiro ConcDio universal, o de Nicéia I, realizou-se em 325. No ano de 313, Constantino, mediante o Edito de Miláo, concedeu a paz aos crlstáos.
Pág. 9: Entre os pretensos adversarios da virgindade de María, sao mencionados S. Ireneu de Uáo (t 202) e S. Epifánio (t 403). que foram
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"PERQUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
convictos defensores da mesma. Bem se vé que o autor do opúsculo fala sem conheclmento de causa. Ver S. Ireneu. Contra as hereslas V 2; S. Epifánio. Panário I. lll.t. II, haer. LXXVIII.
O autor acrescenta: "Afinal casar-se e ter filhos nao desmerece... O que desmerece, e muito, é a eondlcáo de celibatário". — Estas palavras
injurlam o próprlo Jesús e o Apostólo Sao Paulo, que, aos olhos do autor do opúsculo, já nao merecem crédito. O casamento, sem dúvida, é santo (cf. Et 5,25-32), mas nao excluí o valor da vida cellbatárla, instituida pelo próprlo Cristo (cf. ICor 7,25-35).
Pág. 9: Em 787 ínstituiram o culto a María". Ora as pp. 6 e 8 está dito
que "Maria comecou a ser cultuada em 431 "I — Afinal 787 ou 431? — Nenhuma das duas datas) Já em Le 1,43 Maria é chamada "Máe do meu Senhor", sendo que a palavra "Senhor" traduz o grego Kyrios, que, por sua vez, traduz o hebraico Jahveh; donde se entende que Maria é Máe de
Javé ou Máe de Deus na medida em que o Senhor Deus quis fazer-se homem e assumlr a natureza humana no seio de Maria Virgem (nao na medida em que Ele ó Deus eterno). Ora em 431 o Concilio de Éfeso
próclamou tal verdade bíblica, designando Maria como "Máe de Deus" (Theotókos, em grego, era titulo, já muito antes de Éfeso, utilizado pelos
escritores da Igreja).
Pág. 9: O Papa Joáo XII em 1317 terá introduzido a recitacáo da "Ave-Maria". — Ora o Papa Joáo XII nao é de 1317, mas de 955-964. A "Ave-Maria" já se acha no Evangelho, donde é simplesmente tirada para
ser repetida pelos fiéis: veja Le 1,27 (o anjo disse a Maria "Ave, cheia de graca, o Senhor é contigo...") e Le 1,42 (Isabel saudou María com estas
palavras: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu
ventrel").
Pág. 10: "Sao Jerónimo ano 340 dizia o mesmo..." — Sao Jerónimo
aínda nao nascera em 3401 Ele vlveu de 347 a 420.
Pág. 12: Mais urna vez volta a mencáo de Joáo XXIII em 1410. — Já
dlssemos que nao fol Papa, mas antlpapa.
Pég. 12: "Francesco Petrarca, humanista, ano 1304 descreveu o vaticano..." — Petrarca vlveu de 1304 a 1374. Em 1304 nao descreveu colsa algumal
Pág. 13: "Em 869 a Igreja Oriental separou-se de Roma". — O cisma de 869, devldo ao Patriarca Fócio de Constantinopla, nao fol definitivo, pois 64
"O ESTADO DO VATICANO"
17
houve reatamento. A ruptura definitiva deu-se em 1054. sob o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla.
Pág. 13: No § 5 desta página encontram-se afirmacóes referentes a
Lutero e ao Papa, que sao de simploriedade surpreendente. O autor do
opúsculo fala de varios temas em termos sumarios e em tom táo categórico
que so revelam sua ignorancia e obcecacáo; a pesquisa da verdade parece nao Ihe interessar; dir-se-ia, antes, com a devida venia, "um macaco em casa de loucas": desajeitado. gesticula descabidamente e faz estragos, em vez de por em relevo a verdade.
Pág. 13, § S: Nao se escreva fortalescer, mas fortalecer.
Pág. 14: "S. Ireneu. bispo de Esmirma..." — Diga-se: "bispo de Uáo (Gália)". Esmirna tica na Asia Menor. Há confusáo com S. Policarpo de Esmirna mencionado á p. 17.
Pág. 16: "O Cardeal Congar de París propós:... Todo padre e bispo
deve casar-se... O Papa nao é infalivel... Nenhum papa, bispo ou padre ó
intermediario entre Deus e o homem a nao ser Jesús Cristo". — Antes do
mais. observemos: nunca existiu o Cardeal Congar: apenas se conhece o Pe. Yves Congar. frade dominicano, teólogo do Concilio do Vaticano II! Além disto, seria favor indicar em que obras teológicas do Pe. Congar se
encontrám as propositóos a ele ácima atribuidas. Quem conhece o Pe. Congar, sabe que ele nunca escreveu tais coisas.
Pág. 16: O opúsculo refere que "no concillo de Cartago ano 397 a Igreja ratificou formalmente os vinte e sete livros do Novo Testamento". — O autor "esqueceu-se" de dizer que o mesmo Concilio nao somante definiu como canónicos os vinte e sete livros do Novo Testamento, mas também promulgou como canónicos os escritos do Antigo Testamento, incluindo neste Tobias. Judite. 19/2o Macabeus, Baruque, Sabedoria, Eclesiástico, que Lutero nao quis reconhecer e retirou da Biblia dos cristáos. O mesmo canon ampio (contendo os sete livros citados) já fora promulgado pelo Concilio de Hipona (canon 36) em 393 e haveria de ser repetido pouco depois pelo Concaio de Cartago XV em 419; tal catálogo tornou-se usual na Tradicáo crista e foi reafirmado solenemente pelos ConcBios Ecuméni
cos (universais) de Florenca em 1442 e de Trente em 1546. Donde se vé
que nao foi o Concillo de Trento que em 1546 acrescentou os sete livros deuterocanónicos (apócrifos, segundo os protestantes), mas foi Lutero quem nao os quis reconhecer e eliminou da Biblia. — Se os protestantes
estudassem um pouco mais. e sem preconceitos. nao desfigurariam tanto a verdade!
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"HfcHQUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
Após salíentar tais Incoeréncias do opúsculo em foco, elevemos voltar-nos para alguns dos principáis títulos de controversia levantados pelo resDBctivn mitnr respectivo autor.
2. O Papado
1. Segundo alguns historiadores, Sao Leáo Magno (t 461) terá sido
"o primeiro Papa" (p. 21). É difícil dizer por que afirmam isto. Tais assercóes provém geralmente da pena de pessoas que só estudam superficialmente,
e nao raro guiadas por preconceitos.
A propósito do Papado encontram-se longas explanacdes no livro "Diálogo Ecuménico" já citado, pp. 71-116. Recordaremos aqui apenas o seguinte:
O Papado tem suas origens nos próprios escritos do Novo Testamen to: Mt 16,16-19; Le 22,21s; Jo 21.15-17. Em Mt 16 Jesús promete fundar sua Igreja sobre Pedro (Kefa)1, a quem o Senhor entrega as chaves do Reino dos céus e o poder de ligar e desligar. Estes dlzeres pertencem á integra do texto evangélico (como reconhecem os próprios protestantes) e tem um sabor aramafeo muito puro. Em Le 22,31s Jesús outorga a Pedro a missáo de confirmar seus irmáos na fé, fortalecido como será, e é. por especial assisténcia de Jesús.
Em Jo 21,15-17 o Senhor confirma a promessa, constiluindo Pedro
pastor de suas ovelhas.
Todas estas palavras calaram vivamente no ánimo dos Apostólos e dos cristáos posteriores. Assim Pedro é o mais citado dos Apostólos nos escritos do Novo Testamento (171 vezes); o segundo é Joáo (46 vezes).
Logo nos prfmelros séculos da Igreja o sucessor de Pedro em Roma
intervefo de maneira decisoria em controversias teológicas (quartodecima-
I Notemos que o Senhor Jesús falou em aramaico. Porconseguinte, usou a palavra Reía: "Tu
es Keta e sobre essa Kefa edificare! a minha Igreja". — Donde se vé que ¿ va a argumentado
do opúsculo (pdg. 8). que supoe lenha Jesús utilizado as palavras pelros e petra. Basta conhecerum poucode lingüistica para refutaras proposicóes do opúsculo.
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"O ESTADO DO VATICANO"
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na, rebatismo. arianlsmo...). As palavras de Cristo, á guisa de sementé,
foram desabrochando cada vez mals; na medida em que a historia se
desenrdava. apresentavam-se novas e novas oportunidades para que o
Papa exercesse suas tuncóes prlmadals; em 451. quando Sao Leáo Magno Interveio no Concilio de Calcedonia dirlmindo um litigio crlstológlco, nada de novo ou estranho lazia; apenas continuava a mlssáo que Cristo havia confiado a seus antecessores e que os sucessores haveriam de levar adiante. Por conseguinte, nao há por que enfatizar o ano de 451 como se
• fosse o do surto do Papado.
De modo geral digamos: a Palavra do Evangelho é viva, cheia de virtualidades, que haveriam de atender aos sucesslvos desafios dos tem-
pos. Por Isto ela toma através dos sáculos novas e novas expressóes, que nao devem causar estranheza, desde que sejam o desdobramento homo géneo das virtualidades da sementé inicial. Vé-se, pois, que as formulacóes e as práticas da fó nao surgem "por decreto" na Igreja, como julgam alguns
historiadores, mas váp desabrochando aos poucos a partir da sementé evangélica até atingir a sua plenitude de significado e receber a sua
confirmacáo da autoridade da Igreja. Para avallar a autenticidade de tais
expressóes, nao há outro criterio senáo o magisterio da Igreja, á qual Cristo
promeleu a sua assisténcia perene ató o fim dos sáculos (Mt 28.18-20); nao
é tal ou tal teólogo ou profeta que julga a Igreja de Cristo e as suas
manifestacóes, pois o teólogo nao goza do necessário carisma para tanto- é somente a Igreja. por seu magisterio devidamente assistido por
Cristo e pelo Espirito Santo (Jo 14.16.26; 16,13). quem julga a autenti cidade das expressóes da fé e da vida do povo de Deus no decorrer da historia.
Todo cristáo profere tres atos de fó básicos, sobre os quais se
constroem a sua Teologia e a sua Ética:
1) "Creio em Deus Pai Criador do céu e da térra";
2) "Creio em Jesús Cristo. Palavra do Pai. Deus feito homem para nos remir";
3) "Crelo no Espirito Santo, que vive na Santa Igreja (a qual ó a
Comunháo dos Santos), para a remissáo dos pecados... e a vida eterna \
Isto quer dlzer que quem eré em Jesús Cristo, eré também no Corpo de Cristo que dele se deriva desde Pentecostés, vivificado pelo Espirito Santo, o qual é a alma da Igreja. "Creio em Deus11. "Creio em Jesús Cristo"
e "Crelo no Espirito Santo, que vive na Igreja" sao tres propos¡c.oes Inseparávels entre si, que o cristáo professa num só ato de fó (fé que nao 67
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
é cega mas que tem suas credenciais. estudadas no tratado dito "da Teología Fundamental"). A partir dessas proposites - repita-se- é que
o crlstao elabora sua teología e vive a sua Ética.
2. O fato de ter havido maus Papas nos séculos X e XVI nao invalida a autondade do Papado; antes, a corrobora. Slm; veriflca-se que também atraves desses prelados Cristo quis governar a sua Igreja. pois nenhum
O fato mesmo de que a Barca de Pedro foi entregue a timoneiros pouco dignos sem naufragar, corrobora a tese de que é Jesús mesmo quem guia a sua Igreja. De resto, notemos que as noticias sobre os Papas transmitidas
pelo opúsculo em foco as pp. 3-5 sao tendenciosas e destituidas de criterio
científico. A historia é o terrena, mais explorado pelas ideologías que procuram mterpretá-la a seu modo, a fim de justificar teses políticas e sociais dos respectivos ideólogos. Por conseguinte. é preciso que o estu
dioso saiba discernir lucidamente os livros ou manuais de historia que utiliza, pois nem todos referem os acontecimentos passados com obietivi-
dade imparcial e científica.
3. A c¡viliza$áo dos países protestantes
,.,.A p- 4 ° °Pusc"lo compara entre si nacóes protestantes e nacóes
católicas... Concluí que aquetas estáo muilo mais desenvolvidas do que estas; e isto. em virtude da sua fó protestante. O Catolicismo terá atrasado
o progresso dos povos.
— O argumento nao é novo. Já foi considerado pelo Pe Leonel Franca S.J. em seu diálogo com o Sr. Ernesto Lufe de Oliveira. protesante. Ver a propósito os livros "A Igreja, a Reforma e a Civilizacáo" de
Leonel Franca. 2» edicáo, Rio 1928. e "Catolicismo e Protestantismodo mesmo. 2» edicáo. Rio 1952. Destas obras sejam destacados alguns tópicos.
"
"A suposta superioridade das nacóes protestantes sobre as católicas
tem sido amplamente explorada nos melos de cultura intelectual inferior como argumento popular contra a Igreja" (Catolicismo e Protestantismo! p. 214).
Para elucidar a afirmacáo dos autores protestantes, procuremos.
antes do mais, desfazer algumas ambigüidades:
• O ESTADO DO VATICANO"
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3.1. Os equívocos da questáo 1. A cMlizec&o de um povo é algo de muito complexo, pois vem a ser funcáo de múltiplas e variadas causas. Reduzir a grandeza de um povo
a algumas citras de comercio e expllcá-las pelo fator religioso é simplificacáo pueril.
Com efeito. Perguntamo-nos se existem propriamente nacóes católi cas e nacóes protestantes. Qual o povo que desde a Reforma esteve sujeito únicamente á influencia católica ou á protestante? O intercambio de idéias e livros, cada vez mais acentuado, nao permite que um povo seja plasmado por um só sistema filosófico ou religioso. A própria constituicáo demográ
fica dos povos ditos protestantes mostra que constam, em proporcáo respeitável. de cidadáos católicos: assim a Holanda, a Alemanha, a Suica, a Inglaterra, os Estados Unidos... De modo especial, notemos que tais
países protestantes tém sido governados também por dirigentes católicos; tal foi o caso da Alemanha, que ser reergueu das ruinas da segunda guerra
mundial sob a adminíslracáo de Konrad Adenauer; tal foi o caso de John Kennedy nos Estados Unidos. Ver aínda as pp. 93-S6 deste fascículo.
Da mesma forma os países ditos católicos contam com certo contin gente de nao católicos e de livres pensadores, que exercem sua influencia sobre a vida pública.
2. Que se entende por "civilizacáo" de um povo? Nao raro designa-se assim o bem-estar material: prosperidade eco nómica, desenvolvimento industrial, poderío militar, influencia política... Menos se pensa na retidáo dos oostumes, na dignidade moral da vida.
Ora acontece que nem sempre os povos desenvolvidos no plano material sao os mais elevados no plano moral; a riqueza e o bem-estar sao freqüentemente fatores de embotamento da conscióncia ética. Pois bem; a religiáo é responsável primeramente pelos valores moráis de um povo; quanto aos valores materiais, ela só Indiretamente os atinge; dependem, em grande parte, nao da religiáo, mas das riquezas naturais, da posicáo geográfica, das condlcóes climatéricas, das facilidades de comunicacáo. da perspicacia política dos estadistas... O historiador deve examinar a influencia destes fatores para explicar a dvllizacio de determinado povo.
Isolar uma nacáo próspera, esquecendo os fatos históricos e geográficos
que condictonaram o seu desenvolvimento, e dizerque tal prosperidade se
deve aos fatores religiosos, é um procedimento que nem a sá razáo nem a ciencia histórica apoiam. Ouem assim proceda, poderá dizer que o politeis-
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"PEHGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
mo pagáo dos gregos e dos romanos era preferivel ao monoteísmo dos judeus e da Btolia, porque os greco-romanos tiveram dvlllzacáo e poderío militar superiores aos dos judeus;... dirá tambóm que o Islamismo de Maomé é preferivel ao Cristianismo, porque os maometanos dos sáculos X e XI construiram urna dvllizacáo que em certos pontos ultrapassou a dos cristáos da mesma época; estes só mals tarde se recuperaram. Donde se
vé que nao se deve fazer da prosperldade material de um povo o criterio para avallar suas crencas religiosas.
A superioridade do protestantismo só poderia ser comprovada se
fícasse evidente a superioridade, no plano moral, dos povos protestantes desde que e porque abracaram a Reforma; serla preciso também provar
que os povos católicos nunca atingirán) igual elevacáo moral precisamente
porque se conservaran! fiéis ao Catolicismo. Ora nunca se fizeram nem
poderáo fazer semethantes demonstracóes.
Analisemos agora o caso da evolucáo de um ou outro país em
particular.
3.2. Casos particulares 1. Espanha. Este país sofreu notável decadencia política nos sáculos XVIII e XIX. Será que Isto se deve á sua formacáo religiosa? — Franca mente nao. A Espanha foi vitima de grandes desastres navais,... das desvantagens da sua situacáo geográfica, que a obrigava a combater as vezes simultáneamente nos Países Baixos, na Italia e no Ultramar,... dos erros de política económica e financeiras cometidos por Fílipe II (1580-98) e seus sucessores,... de guerra injusta com os Estados Unidos. Quando
esses fatores aínda nao atuavam e o Catolicismo na Espanha era profundo, a Espanha era urna das maiores potencias do mundo, dotada de urna
historia que difícilmente será Igualada. É dos países que mais contribuiram para formar outros povos.
2. Portugal. Sofreu evolucáo semelhante á da Espanha. Em ambos os casos houve o mesmo fenómeno; cabeca ou meirópole na Europa e corpo esparso por quatro continentes — o que nao se poderia sustentar
indefinidamente.
3. Inglaterra. A Inglaterra, nos seus tempos de católica, ou seja, antes de 1534, era um país em que a llberdade imperava; tenham-se em vista a Magna Charla Llbortatum (a Magna Carta das Liberdades), funda mento da Constituicáo liberal inglesa de funho de 1315. O Parlamento 70
"O ESTADO DO VATICANO"
23
británico, instituicáo democrática, data de 1268.—A Reforma prostestante. porém, provocou um retrocesso notável no setor da llberdade do povo inglés: desencadeou-se no pais um regime de opressdes e tiranías que duraram tres sáculos com grande Intensidade e ató hoje conservam seus resquicios no Norte da Irlanda. Eis algumas das medidas repressoras
adotadas pelos monarcas ingleses contra a populacáo católica: 1581, pena de morte para o sacerdote que ouvisse confissáo; 1585, pena de morte ou conflscacáo de bens contra todo sacerdote ou seminarista que ousasse permanecer ou entrar em territorio inglés; mesma pena para quem ousasse
hospedá-lo ou protegé-lo; 1677. os católicos foram privados do direito de
voto; 1688. expulsáo de todos os católicos do territorio inglés; 1700. premio de mil libras esterlinas a quem prendesse sacerdote ou bispo católico ou provasse que havia celebrado Missa.
A Irlanda foi e ainda é (no territorio de Ulster, setentrional) vítima de leis repressivas dirigidas contra os católicos: um católico nao podia possuir um cávalo cujo valor passasse de cinco libras esterlinas e, se um protes
tante pudesse afirmar que excedia esta quantia. era autorizado a apoderar-se do animal pagando cinco libras (1696); nenhum católico podia comprar bens fundiários nem arrendar terrenos por mais de trinta anos (1703); morrendo um católico, se na descendencia havia algum protestan te, este era declarado único herdeiro dos bens, com exclusáo de todos os parantes católicos ainda mais próximos; havia probicáo aos protestantes de instruir católicos e a estes proibjcáo de abrir escolas ou enviar os filhos
ao continente europeu em busca de instrucáo e ciencia; havia autorizado aos magistrados de enviar os filhos das familias católicas a Inglaterra para se instruirem nos principios da Reforma; ñas familias católicas, se a máe se declarava protestante, o pal perdía o direito de educar os filhos na religiáo católica; os sacerdotes fiéis eram condenados ao exilio, ao passo que os apóstatas eram amparados oficialmente com honorarios anuais de 20, 30,40 libras esterlinas (1704-1705). Estas atitudes sao surpreendentes e inexplicáveis principalmente
num pais que professa o "livro exame da Biblia". E nao só na Inglaterra vigoraram tais medidas; tiveram seus paralelos em outros países protestantes, como registra o Pe. Leonel Franca, em "Catolicismo e Protestantismo", pp. 259s: 4. "Na Escocia presbiteriana, em principios do sáculo XVII era seve-
' ramente prolbido alugar casa a quem fosse suspelto de católico; tres
cidadáos de Edimburgo, por haverem hospedado a um sacerdote, foram condenados á morte, mas a sentenca nao foi executada; Joáo Logan pagou com 5.000 esterlinas o 'delito' de ouvir Missa; quem houvesse cometido o mesmo crlme no estrangeiro. perdía para si e para os seus herdeiros todos os bens, que passavam para a Coroa. Em 1615, Joáo Ogilvle, por ser sacerdote e jesuíta, foi executado em Glasgow.
71
24
"PEHGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992 Na Dinamarca, Colen, sacerdote católico, foi em 1624 expulso do
país, e um negociante que o havia acolhido em sua casa, justicado. Um decreto real de 18 de fevereiro do mesmo ano proibia a todos os sacerdotes e Religiosos a estada no país, sob pena de morte. Assim se ¡mplanlou e se
delendeu na Dinamarca a retigiáo do livre exame.
Na Holanda renovaram-se periódicamente as disposicóes legáis con tra os católicos. A luteranos e calvinistas, anglicanos e anabatistas reconhecia-se o direito a exercicio público do próprio culto; aos holandeses fiéis
á religiáo dos seus pais, nao. Em 1612 os Estados Gerais expediram decretos contra as ativídades dos eclesiásticos e a freqüéncia de escolas católicas; aos oficios públicos era em quase toda a parte vedado o acesso aos católicos. Quando os calvinistas que triunfaram no sínodo de Dordrecht subiram ao poder, os antigos editos penáis contra os católicos foram renovados e agravados. A 26 de fevereiro de 1622 fechava-se a entrada na Holanda a qualquer eclesiástico estrangeiro e proibia-se, sob as mais
severas multas, o culto católico, ainda de caráter privado. Este edito foi
renovado em 1624. em 1629 e aínda em 1641. Em Utrecht proibia-se sob pena de 50 florins o antigo costume de pór-se um rosario ñas máos dos
defuntos; em 1644 foi vedado as senhoras católicas que nao tinham filhos. fazer testamento. Que regime liberal para propagar e defender uma religiáo cujo principio era o direito individual ao livre exame!"
5. Brasil e Estados Unidos. Tem-se dito que o Brasil ó naturalmente mais rico e mais inteligente do que os Estados Unidos; se nao se desenvolveu tanto quanto este pais, deve-se ao fato de sermos católicos e os norte-americanos, protestantes.
A propósito transcrevemos interessantes ponderacóes do mesmo Pe. Franca em "Catolicismo e Protestantismo", páginas 267-269: "Tome uma carta geográfica, preclaro prolessor; esqueca o seu
protestantismo e observemos.
_ A primeira diferenca, capital para a civilizacáo de um povo, é que o territorio norte-americano se estende de océano a océano; o trabalho de colonizacáo e utilizacáo do solo pode ser atacado simultáneamente dos dois extremos, estimulado pelo comercio aqui com a Europa, ali com a Asia. No
Brasil, o mar só nos banha a fronteira oriental; a grande serra que para logo
se eleva dificultou extraordinariamente a penetracáo para o interior. As nossas
cidades rendiiharam a costa; a populacáo distribuiu-se por uma estreita faixa marítima; e quase todo o imenso territorio patrio, por falta de comercio poss ivel. Hcou e «cara, ainda por largo tempo, quase despovado e inexplorado. Mais. Toda a gente conhece a relacáo entre a extensáo das linhas da costa de um pais e o seu desenvolvimiento económico. África, o mais atrasado dos continentes, conta apenas um quilómetro de costa para 1.420
72
"O ESTADO DO VATICANO"
25
quilómetros quadrados de térra. Lapparent oferece-nos a seguinte tabela comparativa. Por um quilómetro da costa: Quilómetros
de territorio
África
1-420
Asia América do Sul Australia América do Norte Europa
763 689 534 407 289
Enquanto os Estados Unidos vém ¡mediatamente após a Europa, a
América do Sul só leva vantagem á África e á Asia. Se no continente
sul-americano distinguirmos o Brasil (7.920 km de costa, 8.307.218 km de área), encontraremos para cada km de costa urna superficie de 1.048 km , o que nos coloca no penúltimo lugar, superior apenas ao do continente negro, e incomparavelmente abaixo da posicáo norte-americana.
Passe agora, professor, a observar as coordenadas geográficas. O imenso territorio da República do Norte está na zona temperada; a quase
totaiidade do brasileiro, na zona tórrida. O que representa o clima na beieza e saúde da raca, na capacidade de trabalho, na resistencia á fadiga. no espirito de iniciativa, sabem-no todos os higienistas e sociólogos, exceto o Sr. Ernesto Luis.
Outro passo. A civilizacáo americana nao é autóctono; é urna civili
zacáo de empréstimo. importada do Velho Mundo. Ora a distancia que separa os Estados Unidos da Europa é. pelo menos, duas vezes menor que
a que medeia entre o Brasil e os grandes focos da cultura antiga. Rapidez e economía ñas comunicacóes muito mais favoráveis aos do Norte. Por
essa circunstancia e, mais. pela semelhanca do clima, as grandes correntes
¡migratorias dirigiram-se de preferencia para a patria do dólar. De 1840 a 1914 mais de 30 milhóes de europeus desembarcaran) nos portos norte
americanos. Era o braco do homem indispensável para valorizar as rique zas brutas da natureza. Entre estas riquezas, muito superiores ás nossas.
salientamos as jazidas de carváo de pedra e de petróleo, cuja influencia preponderante no desenvolvimento económico acabamos há pouco de assinalar".
4. Outros tópicos
Como os demais panfletos protestantes, tambóm o que examinamos
argüí os católicos de certas práticas, que já foram elucidadas em PR e, de modo especial, no livro "Diálogo Ecuménico" (DE), 3» edicáo. cujas páginas 73
26
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1092
passamos a citar: 1) Culto das Imagens: OE, pp. 227-236; 2) Indulgencias: DE. pp. 173-192; 3) Oracáo em sufragio dos morios: DE, pp. 155-171; 4) O primado de Pedro e seus sucessores: OE, pp. 71-115; 5) A conflssáo dos pecados: DE, pp. 143-154. Ver também Curso de Diálogo Ecuménico por Correspondencia, Caixa Postal 1362, 20001 Rio (RJ). Fazemos votos para que os irmáos separados estudem um pouco
mais, e com mals objetivldade, a historia do Cristianismo e a mensagem do
Catolicismo. Se o fizerem. mudaráo de atilude. A agresslvidade preconce bida nao pode construir o Reino de Deus; nao pode ser veiculo de dilusáo
do verdadeiro Evangelho.
*
*
*
Aborto no Dimito Comparado: Urna Reflexáo Critica, por Roberto Vidal da Silva Martins. — Ed. Cejup, Belóm (PA) 1991. 135 x 210 mm, 33 pp. O livro, da pena de um jovem jurista, ó corajoso, pois afirma que o
aborto ó atentado contra a vida humana e. por conseguíate, nao pode ser legalizado, como desejaria o projeto n'3.465/89, do deputado potista José Genoíno.
fí. da Silva Martins parte do tato, biológicamente comprovado, de que
o feto ó auténtico ser humano, e nao apenas um pedaco do corpo da máe. Para assegurá-lo, aduz testemunhos de genetidstas e médicos contempo ráneos que, sem preconceito filosófico algum, ou seja, movidos únicamente
pela pesquisa científica, declaram com os dentistas reunidos em Conferen cia Internacional sobre o Aborto em Washington (1967): mA maioria de nos nao pode encontrar nenhum ponto ou etapa no tempo que transcorre entre a uniáo do espermatozoide e do óvulo e o nasclmento da crianca, em que
pudéssemos dizer que essa vida nao é humana. As mudancas que ocorrem
entre a implantagao, o embriao de seis semanas, o feto de seis meses e a pessoa adulta sao simplesmente etapas de crescimento e amaduredmento' (p. 7 do liyro em foco).
Firme este principio, o autor assevera que 'o aborto sempre fot punido" (p. 8).... punido desde o Código de Hamurabi (secuto XIXa. C). A seguir, percorre os argumentos pró-aborto e evidencia que nenhum deles
ó apto a legitimar a prática do homicidio. — O livro é rico em informagóes e titagóes de fontes diversas.
74
O Neognosticismo:
Movimento Gnóstico Cristáo Universal Em sintese; O Movimento Gnóstico Cristáo Universal se filia ao Neognosticismo. Este, no secuto XIX, restaurou com modalidades diversas o gnosticismo dos sáculos II/IV da era crista. O Gnosticismo antigo era
eclético, fundindo entre si elementos da cultura grega. da crista e da oriental. A gnose prometía a salvagáo mediante o conhecimento de verda des "sublimes" reservadas aos seus adeptos; era também dualista, ou seja. intensa ao corpo e á materia.
O pensamento gnóstico reapareceu de certo modo no Catarismo e
em algumas correntes cristas espiritualistas da Idade Media. Na época moderna, a Gnose loi restaurada por Jules Doinel, que termlnou sua vida
repudiando como satánica a "Igreja Gnóstica" que ele fundara. Esta instituicáo se difundiu pela Franca, a Alemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos..., assumindo nomos diversos e sagrando "bispos".
Samael Aun Weor diz ser o sucessor do alemáo Arnold Krumm-Helter (1897-1946), que fundou urna Fratemidade Rosacruciana Antiga. Samael deu feigáo própria ás doutrinas esotéricas da Gnose, visando ao aperíeicomento moral dos seus seguidores numa perspectiva panteísta e reencarnacionista; os seus escritos sao obscuros, aparentemente eruditos, mas vulneráveis a um serio exame racional. *
*
*
Está-se propagando no Brasil o chamado "Movimento Gnóstico Cris táo Universal", fundado pelo colombiano Victor Manoel Gómez (com o
pseudónimo de Samael Aun Weor). falecldo em 1977. Antes de morrer. conflou o Movimento ao Sr. Joaqulm Enrique Amortegul Valbuena (dito Rabolú), que tem desenvolvido o ralo de acáo desse Movimento.
Visto que a Gnose e o Gnosticismo suscltam interesse no público brasilelro (e na Europa), voltar-nos-emos. ñas páginas subseqüentes, para a córrante fundada por Samael Aun Weor.
28
"PEHGUNTE E HESPONDEREMOS" 3S7/1992
1. A Gnose: queé?
1.1. Na Antigüidade A palavra gnose (do grego gnósis) quer dizer conheclmento. Nos tres primeiros séculos do Cristianismo tomou o significado preciso de "conhecimento de temas filosófico-religiosos de ordem superior, nao raro reservados aos iniciados". A Gnose do inicio da era crista era urna corrente sincretista que fundía entre si elementos das religióes orientáis, da mística grega e da revelacáo judeo-cristá. Tentou envolver o Cristianismo no processo de lusáo, pondo em xeque a pureza da mensagem evangélica nos
séculos ll/lll. Por isto já em 1Tm 6,20 há urna advertencia a Timoteo para que evite "as contradiodes de urna falsa gnose (psaudónymos gnosis)". Os gnósticos eram, antes do mais, dualistas, isto é, admitiam um
principio bom, que seria a Dívindade (simbolizada pela Luz) e. em oposicáo, a materia (simbolizada pelas trevas), má por si mesma. Da Divindade emanariam os seres (eones) num sistema de (365?) ondas concéntricas, cada vez mais distanciadas do bem e próximas do mal. O homem seria um elemento divino que, em conseqüéncia de um acontecimento trágico, terá sido condenado a se revestir de materia (corpo) e viver na térra. O Criador do mundo material seria um eon inferior, que era identificado com o Oeus justiceiro do Antigo Testamento.
Para libertar as centelhas de luz ou de bem aprisionadas na materia
e levá-las ao reino da luz.terá sido enviado ao mundo um eon superior, o Logos (Cristo). Este revelou aos homens o Oeus Sumo e Verdadeiro. que eles ignoravam; anunciou-lhes que o mundo da luz os espera e Ihes
transmitiu as maneiras eficazes de vencer e eliminar a materia.
O Salvador assim entendido tinha, conforme algumas escolas gnós-
ticas, apenas um corpo aparente (docetismo) ou, segundo outras, tinha um corpo real, no qual o Logos desceu e permaneceu desde o Batismo até a Paixáo de Jesús.
A salvacáo só pode ser obtida pelos homens pneumáticos (espiri táis) ou gnósticos, nos quais prevalece a luz. A maioria dos homens ou a massa é material (hilica) e será aniquilada como a materia. Entre os
espirituais e os materiais haveria os psíquicos ou os simples crentes
católicos, que poderiam chegar a gozar de urna bem-aventuranca de segunda ordem.
76
MOVIMENTO GNÓSTICO CRISTAO UNIVERSAL
&
Os gnósticos admítiam o retorno de todas as coisas as condicóes correspondentes á sua natureza originaria.
Pelo tato de desprezarem a materia, os gnósticos deveriam praticar
severa ascese ou abstinencia de prazeres carnais. Fácilmente, porém,
passavam ao extremo oposto: recusando o Deus do Antigo Testamento,
que era também o autor da Lei. rejeitavam normas de conduta moral e caiam em libertinismo desenfreado. Julgavam supérfiua a conlissáo de fe perante as autoridades hostis. porque a verdadeira profissáo de fé, o martirio (testemunho. em grego) consistía na gnose; quem possui a esta, nao está obrigado a sacrificio algum.
O gnosticismo se ramilícou em escolas diversas: a oriental, mais rígida, a helénica, mais branda, a de Marciao, mais chegada ao Cristianis mo, a dos Ofitas (cultores da serpente), a dos Cainitas, a dos Setianos... Floresceu principalmente entre 130 e 180. contando com cheles de capacidade notável (Basílides. Valentim, Carpócrates. Pródico...). Produziram rica bibliografía (tratados de filosofía, comentarios de textos bíblicos, hinos...), de que nos restam poucos fragmentos.
1.2. Nos tompos modernos As escolas do Gnosticismo dos primeiros sáculos se díssolveram.
Todavía as linhas-mestras do pensamento gnóstico vém periódicamente á
baila em movimentos e correntes cuja inspiracáo fundamental é o dualismo: assim na Idade Medía os cataros ou albigenses. aos quaís se sucederam certas modalidades de Cristianismo Espiritualista. A partir do sóculo XIX, o pensamento gnóstico tomou novas expres-
sóes de índole ocultista ou esotérica mesclada de magia e de traeos de
Cristianismo. Constituiram-se "pequeñas igrejas" jurídicamente indepen-
dentes urna das outras. portadoras de nomes diversos: Ecclesia Gnostica
Mysteriomm (Igreja Gnóstica dos Misterios). Fraternidade Hermética de Luxor (com seus ritos egipcios ditos "de Ménlis" e "de Mísraim ). Ordem
dos Templarios Renovada (Ordo TempH Orionli». que nao tem a ver com
a Ordem dos Cavaleiros Templarios da Idade Media), a Antiga e Mística Ordem Rosa-Cruz (AMORC). Ordem do Pleroma (- da Plenitude). Ate mesmo alguns ramos da Maconaria parecem estar ligados ao Neognosticísmo O psicólogo Cari Gustav Jung fez referencias explícitas ao Gnosti cismo antigo e moderno; o seu livro "Sete Sermóes aos Morios" ó «do por Jung como resultado de inspiracáo misteriosa e assinado com o nome do gnóstico antigo BasSides. Ató mesmo o nazismo alemáo parece ter em suas 77
30
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
origens algumas sentencas da mitología gnósllca (tenha-se em vista o mito da raca propalado por Adolf Hitler e companhelros). Essas correntes gnósticas ou chegadas a Gnose sao assaz ecléticas; fascinam & muitos pelo seu caráter, nao raro, esotérico, prometendo beneficios espirituais e materlais aos privilegiados que nelas se inidam. O Neognostioismo tem
seus "bispos" e sua hierarquia, entre os quais sedestacam Górard Encaus-
se, dito Papua (1865-1916), o livreiro esotérico Luden Chamuel e o inte lectual socialista León Fabre Des Essarts (1848-1917).
Interessante é o caso de Jules Doinel, fundador de urna "igreja gnóstica" em 1892 na Franca; dizia-se herdeiro da Gnose como era professada por Valentim e os Valentinlanos, dos séc. ll/lll; (¡liava-se outrossim ao Catarismo dualista da Idade Media; foi ele quem "sagrou bispos" Papus. Chamuel e Des Essarts. Aconteceu, poróm, que em 1895 Jules Doinel anunciou suaconversáo ao Catolicismo e publicou um livro intitulado "Lucifer Desmascarado". no qual denunciava o caráter satánico da igreja gnóstica. Teve como sucessor Léon Fabre Des Essarts (Synesius). A instituido de Jules Doinel foi-se dividindo e esfacelando, com ramificacoes na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos e em outros países.
Na Alemanha destaca-se Theodor Reuss, que se dizia "bispo gnós tico". Organizou na Suica (Monte Verdade) um Congresso pacifista, do qual
participaran! Lenin, Trotsky e um grupo de cultores da raca ariana, que transformaram a doutrina gnóstica em gnose racista, exercendo certa
influencia sobre o nazismo; assim é que o nacional-socialismo e o comu nismo sao, por alguns autores, filiados a urna corrente neognóstica, de índole política.
Theodor ñeuss "sagrou bispo" Arnold Krumm-Heller (1897-1946), fundador de urna "Fraternidade Rosacrucfana Antiga" e divulgador do Neognosticismo na América do Sul, onde viveu muito tempo. A sucessáo de Krumm-Heller é reivindicada por Samael Aun Weor, colombiano, que passamos a apresentar mais detidamente.
2. Samael Aun Weor e sucessor: quem sao? 1. Víctor Manoel Gómez nasceu na Colombia aos 3/5/1917. Desde
cedo mostrou-se interessado por revelacóes e fenómenos místicos. Por isto dedicou-se ao estudo das correntes esotéricas do passado e da época atual. Aos dezessels anos já proferia conferencias de teor esotérico. Insa-
tisfelto com as sentencas dos antepassados, houve por bem reduzir-se ao "zero radical" e instituir sua própria corrente de esoterismo, marcada por 78
MUVIMtN IU UNUSI IUU UHIS IAU UNIVCHSML
criticas e proposicóes ditas "revolucionarias". Exerceu suas ativldades na Colombia e na cidade do México, onde veio a falecer aos 24/12/1977. Deixou alguns livros de sua autoría, como "O Matrimonio Perfeito" (1950), que deu inicio ao Movimento Gnóstico Cristáo Universal; alóm do qué, escreveu "Tratado de Biología Revolucionaria", "A Grande Rebeliáo",
"O Misterio do Áureo Florescer", "Sim há Interno, Sim há Diabo, Sim há Carma", "As tres Montanhas", "Didática do Autoconhecimento"...
2.0 sucessor de Samael é Joaquin Enrique Amortegui Valbuena, dito Rabolú, nascido na Colombia aos 11/10/1926. Campónos, desde pequeño meditava na grandlosldade da natureza, observando sua perfelcáo. Adulto, levou vida pouco chegada aos preceitos crlstáos. Aproximou-se de Samael Aun Weor com muita desconfianza, mas
aos poucos foi assimilando as teorías do pregador. Resolveu entáo dedicar-se totalmente ao Movimento Gnóstico, que ele quis levar até aos confins da térra; implantou-o em mals de 40 países dos cinco continentes.
O Movimento Gnóstico chegou ao Brasil em 1960. No ano seguinte,
afirmava-se com personalidade jurídica, e em 1981 filiou-se á Nova Ordem, estabelecida por Rabolú, coordenador internacional do Movimento Gnósti co Cristáo .Universal.
Após a morte de Samael Aun Weor (1977), o Movimento Gnóstico dividiu-se em dois ramos. Já que ambos se entregam a práticas de magia sexual, provocaram urna Declaracáo da Conferencia Episcopal Latinoame
ricana'(CELAM) em 1984. Pergunta-se agora:
3. Qual a mensagem da Nova Gnose?
1. Sao tres os ob|etivos do Movimento Gnóstico Cristáo Universal, como se depreende dos próprios escritos dessa corrente:
"1) eliminar do ser humano os elementos psíquicos inumanos e indesejávels, origem de nossas fraquezas, infelicidades, dores e erros;
2) criar, através da magia prática do amor, da alquimia, veiculos superiores para Investigar e comprovar as verdades cósmicas e desenvol ver faculdades latentes no homem;
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32
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
3) entregar desinteressadamenle. gratuitamente e sem distintió, este ensinamenlo regenerador e multimilenar á humanidade, ás pessoas que anelam á Auto-Realizacáo intima do Ser" (extraído da orelha de capa de livros de Aun Weor).
Mais precisamente: quais seriam as linhas doutrinárias do Movimento
Gnóstico de Samael Weor?
2. Quem lé os escritos deste autor, deduz dos mesmos as seguintes linhas de pensamento:
1) Panteísmo O autor fala de Consciéncia Cósmica do Ser e de Conscióncia Superlativa do Ser (A Grande Rebeliáo, GR, cap. 16, p. 68), parecendo com isto indicar a Oivindade identificada com o Cosmos. Afirma que cada um de nos tem dentro de si urna Deusa-Máe: "Nao é demais esclarecer, de forma enfática, que Deusa-Máe, REA, CIBELES, Adónia, ou como queirantos chamá-la, é urna variante de nosso próprio ser individual aquí e agora" (GR, cap. 15, p. 63).
Essa Máe Divina é dita Kundalini, "a Serpente ígnea de nossos mágicos poderes" (GR. cap. 15, p. 63). ou ainda: "A Kundalini ó a energía misteriosa que faz existir no mundo um
aspecto de BRAHA MA " (ibd.).
O autor nao se furta a professar concepcóes mitológicas:
"A Kundalini encontrase enroscada tres vezes e meia dentro de certo
centro magnético, localizado no osso coccígeo.
cesa.
Ali descansa, entumesdda, como qualquer serpente, a Divina Prin No centro daquela chácara, ou estancia, existe um triángulo feminino
ou IONI. onde está estabelecido um UNGAM masculino.
Neste UNGAM atómico que representa o poder criador sexual de
BRAHAMA, enroscase a sublime serpente KUNDALINI.
A Rainha ígnea, em sua figura de serpente, despena com o sec retu m secretorum de certo artificio alquimista que ensinei, claramente, em minha obra intitulada 'O Misterio do Áureo Florescer'" (GR pp. 65s).
80
MOVIMENTO GNÓSTICO CRISTAO UNIVERSAL
3a
Pode-se perguntar: Que signilicam propriamente essas figuras mito lógicas? Que valor tém perante a lógica e a sá razáo? Passam de um jogo
de palavras apto a seduzir as emocóes? — O autor explica os seus símbolos.
b) Antropología
O ser humano parece ser, segundo Aun Weor, urna parcela da divindade revestida de materia ou do corpo portador de paixóes desregra-
das, que é preciso extirpar. Essa parcela divina é chamada "Esséncia"; ela deve desenvolver-se dentro do corpo, que a torna "engarrafada, enfrasca da" (Tratado do Psicología Revolucionaria, PR. cap. 4, p. 9).
"Na Esséncia está a religiáo, o Buda, a Sabedoria, as Partículas de Dor de nosso Pai que está nos céus. e todos os dados que necessitamos para a AUTO-REALIZAQÁO ÍNTIMA DO SER" (ibd. cap. 4. p. 10).
É preciso, para libertar a Esséncia existente dentro de nos, "dissolver o eu psicológico, desintegrar seus elementos indesejáveis, é urgente,
inadiável, impostorgável... Este é o sentido do trabatho sobre si mesmo" (ibd. cap. 4. p. 10).
"Necessitamos reduzir a cimas a crueldade monstruosa destes tempos; a inveja que, desgracadamente, veio a converter-se na mola secreta da agio; a cobica insuportável que tornou a vida táo amarga; a asquerosa
maledicencia; a calúnia que tantas tragedias origina; a embriaguez; a
imunda luxúria que cheira horrivelmente, etc. etc. etc.." (ibd. p. 10).
A Gnose ou "o TrabalhoGnóstico Esotérico" tem por finalidade ajudar a pessoa a se livrar de seus maus instintos:
"O humanóide, a respeito de seu estado interior, é urna multiplicidade psicológica, urna soma de Eus.
Os ignorantes ilustrados desta época tenebrosa rendem culto ao EU; endeusam-no; colocam-no nos altares, chamam-no ALTER EGO. EU SU PERIOR. EU DIVINO, etc.. etc., etc..
O humanóide nao tem. certamente, um Eu permanente, mas urna
multidáo de diferentes Eus infra-humanos e absurdos. 81
34
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
O pobre animal intelectual, equivocadamente chamado homem, é semalhanle a urna casa em desordem onde, em vez de um amo, existem muitos criados que querem sempre mandar e lazer o que Ihes vem na gana...
O maior erro do pseudo-esoterismo e pseudo-ocultismo baratos ó supor que os outros possuem, ou que se tem um EUpermanente e imutável.
sem principio o sem Um.
Se esses que assim pensam, despertassem a Consciéncia, aínda que tosse por um instante, poderiam evidenciar, claramente e por si mesmos, que o humanóide racional nunca ó o mesmo por muito tempo... O mamífero intelectual, do ponto de vista psicológico, está se mudan do continuamente... Pensar que, se urna pessoa se chama Luis, é sempre Luis, ó algo como urna bríncadeira de mau gosto...
Esse sujeito a quem chamam Luis, tem em si mesmo outros Eus, outros Egos que se expressam através de sua personalidade em diferentes momentos e, ainda que o Luis nao goste da cobica, outro Eu nele. chamemo-lo de Pepe, gosta da cobica, e assim sucessivamente... Dentro de cada pessoa vivem muitas pessoas, muitos Eus; isto o
pode verificar, por si mesma e de forma direta, qualquer pessoa desparta, consciente..." (PR, cap. 10, pp. 23s).
Samael Weor por vezes identifica essa Esséncia que é o núcleo de cada ser humano, com o Crislo:
"Afortunadamente, o Cristo intimo, desde o próprio fundo de nosso
Ser. trabalha intensivamente, sofre, chora, desintegra elementos perigosissimos que em nosso interior levamos.
O Cristo nasce como um menino no coráceo do homem; poróm, á medida que vai eliminando os elementos indesejáveis que levamos dentro, vai crescendo, pouco a pouco, até converter-se num Homem Completo" (GH cap. 25, pp. 102s).
c) Evolugáo e Involugáo
O processo de crescimento interior do ser humano pode ser entravado por outras pessoas, que chegam a provocar o retrocesso espiritual
82
MOVIMENTO GNÓSTICO CHISIAU UNIVfcHSAL
JO
de seus subalternos. Samael Weor julga que algo de semelhante se deu com as formigas:
"Enchemo-nos de assombro ao contemplar a perfeicáo de um palacio de formigas. Nao há dúvidas que a ordem estabelecida em qualquer formigueiro ó formidável.
Aqueles iniciados que despertaram a Consciéncia. sabem. por expe riencia mística direta, que as formigas, em tempos que nem remotamente suspeitam os maiores historiadores do mundo, foram urna raga humana que criou urna poderosissima civilizagáo socialista.
Entáo etiminaram os ditadores daqueta familia as diversas seitas religiosas e o livre arbitrio, pois tudo isso Ihes tirava poder, e eles necessitavam ser totalitarios no sentido mais completo da palavra.
Nestas condicóes. eliminada a iniciativa individual e o direito religio so, o animal intelectual se precipitou pelo caminho da involucáo e da degeneracáo.
A todo o antes dito acrescentaram-se os experimentos científicos; transplantes de órgáos. glándulas, ensaios com hormónios, etc., etc.. etc.,
cujo resultado foi a diminuicáo gradual do tamanho e a aiteracao morfoló
gica daqueles organismos humanos ató se converterem, por último, ñas formigas que hoje conhecemos.
Toda aqueta civilizacáo, todos esses movimentos relacionados com a ordem social estabelecida, se tornaram mecánicos e foram herdados de pais para lilhos. Hoje nos anchemos de assombro ao ver um formigueiro,
mas nao podemos deixar de lamentar sua falta de inteligencia.
Se nao trabalharmos sobre nos mesmos, involuimos e degeneramos espantosamente" (PR cap. 30. p. 95). Sem comentarios...
d) Consumagáo
O Movimento Gnóstico Cristáo Universal prolessa a reencarnacáo, dita "Retorno e Recorréncia":
"A morie é o regresso ao principio da vida, com a possibilidade de repetí-la novamente, no cenarlo de urna nova existencia... 83
36
"PERQUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
O reingresso existe; o retomo existe. Ao voltar a este mundo, proje-
tamos sobre o tapete da existencia o mesmo filme, a mesma vida. O ser humano tem uns tres por contó da Esséncia livre e noventa e sete por cento da Esséncia embote/hada entre os eus. Ao retornar, os tres por cento da Esséncia livre impregnam, totalmen te, o ovo fecundado; inquestionavelmente, continuamos na sementé de nossos descendentes. Personalidade é diferente; nao existe nenhum amanhá para a personalidade do morio; esta última vai se dissolvendo, lentamente, no panteáo ou cemitério.
No recém-nascido só se encontra reincorporada a pequeña porcentagem da Esséncia livre; isto dá a cada criatura autoconsciéncia e beleza interior" (GR cap. 22, p. 91). Ver também PR cap. 32.
Como se vé, ó difícil perceber a lógica dos dizeres de Samael Weor; usa de Léxico próprio; perde-se em afirmacóes gratuitas ou destituidas de fundamento.
O fim de todo o processo de sucessivas existencias parece ser a integracáo do individuo na realidade cósmica ou na Divindade inicial (algo que se assemelha ao Nirvana do budismo):
''Ouando a Vontade se libera, entáo se mésela ou se funde, integrán dose assim com a Vontade universal, fazendo-se por isto soberana... A Vontade individual integrada com a Vontade universal, pode reali zar todos os prodigios de Moisés" (PR, cap. 28, p. 83). Ou ainda:
"Qualquer intento de libertacáo, por grandioso que este seja, se nao tiver em conta a necessidade de dissolver o Ego, está condenado ao fracasso" (PH, cap. 32 p. 104). A dissolucáo do Ego e a integracáo do individuo no Universal ou Cósmico sao teses geralmente decorrentes do panteísmo.
84
MOVIMENTO GNÓSTICO CRISTÁO UNIVERSAL
37
e) Citacóes bíblicas
Samaei Weor nao hesita em citar a Biblia, como se esta desse apoio ás suas teses; d. PR pp. 41.79.81.83... Em PR p. 42 cita o Grande Kabtr Jesús (cf. pp. 75-79) e a parábola do fariseu e do publicano (Le 18,9-14). Estas e outras referencias ás Escrituras podem conferir urna aparen-
cia de Cristianismo ás idéias de Samaei Weor. Alias, este autor, colombiano como é, deve ter conhecido as tradicóes cristas, e, de algum modo, as quis
incorporar na sua sintese de pensamento. É preciso dizer, poróm, que o recurso á Biblia é totalmente despropositado por parte de Samaei Weor; a mensagem das Escrituras nao é panteista e nao se coaduna com os principios religiosos do Gnosticismo. Passemos a urna
4. Reflexáo final Nao há necessidade de mostrar minuciosamente os pontos de diver
gencia existentes entre o Cristianismo e o Movimento Gnóstico Cristáo Universal.. O Cristianismo so figura nessa corrento como placa ou rótulo, pois as diferencas entre aqueie e este sao fundamentáis. O Gnosticismo é panteista e reencarnacionista — títulos que nao se conciliam, em absoluto, com a mensagem crista. Samaei Aun Weor é mestre em dialótica vazia e fantasiosa; escreve
muito, mas diz pouca coisa, pois os seus dizeres, crivados pela lógica e a razáo. carecem de significado. A obscuridade de varias de suas proposicóes pode Impressionar o leltor. que julgará estar diante de obras altamente eruditas; o estudioso, poróm, que se dé ao trabalho de analisar mais detid amenté as afirmacóes do autor, verificará que constituem jogos de palavras vazlas.
Deve-se reconhecer, sem dúvida, que o autor em grandes linhas propóe o ideal da morigeracáo do ser humano; procura ajudar o público a se libertar de vicios e falhas moráis. Todavía este afá nao é típico da Gnose; é tambóm o do Cristianismo, que com mals énfase e fundamento pode fornecer motivacáo para a conversáo dos homens v'rtimas de desvíos moráis e sequlosos de vida mais digna e honesta.
Sobre o Neognostidsmo ver o artigo "Em Busca do Pleroma Perdido"
de Massimo Introvigne, na revista "30 DÍAS", feverelro de 1990. pp. 70-75.
SS
Livro fantasioso:
i '1001 Maneiras de Enriquecer" por Joseph Murphy Em síntose: O livro de Joseph Murphy, do qual ó fiel seguidor Lauro
Trevisan no Brasil, supóe o panteísmo, ou seja, a Identidade do homem, da Divindade e do mundo confundidos numa só susbstáncia. Na base desta premissa, Murphy julga que o homem goza de poderes divinos, e os pode exercer desde que o queira. conseguindo fazer milagros em seu proveito, especialmente no intuito de enriquecerse. — Ora tal concepcáo ó falsa; o
homem, relativo e contingente como ó, nao se pode confundir com Deus. Adamáis a experiencia mostra que sair da pobreza nao é táo fácil quanto apregoam Murphy e Trevisan. Os casos bem sucedidos através do treinamento mental preconizado por Murphy devem ser submetidos a criterioso exame; a sugestáo pode ter tido grande parte na obtencáo do apregoado
éxito (na medida em que este tenha sido real). *
*
*
Joseph Murphy é autor norte-americano já conhecido no Brasil peto seu livro "O Poder do Subconsciente"; as suas obras sao fonte de inspira-
cao para Lauro Trevisan, que difunde entre nos as idéias "otimistas" de
Joseph Murphy1. Entre os escritos maís atraentes deste último conta-se o livro "1001 Maneiras de Enriquecer"2, que passamos a analisar e comentar ñas páginas subseqüentes.
1. O livro: como enriquecer? Na verdade, as 1001 maneiras de enriquecer de Joseph Murphy reduzem-se a urna só: otimlsmo e repeticáo de «logan» ou sentencas que servem para auto-sugestionar o individuo. O autor ilustra esta sua receita
mediante varios casos de pessoas que teráo passado da penuria para a riqueza seguindo os conselhos de Murphy.
1 A respeilo do livro "O Poder Infinito de Sua Mente" de Lauro Trevisan, ver PR 263/1982 pp. 299-309.
2 Ed. Record, Rio de Janeiro.
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"1001 MANEIRAS OE ENRIQUECER"
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1.1. Tres etapas
1. Mais precisamente o autor assinala tres etapas que deyem levar á riqueza:
"Meu amigo seguiu essas tras etapas e prosperou de forma notável. Primeira etapa: Nunca taca urna afirmacao negativa sobre o seu estado linanceiro. tal como: 'Nao posso pagar o aluguel. Nao consigo ganhar para as despesas, Os negocios váo muito mal. Nao posso pagar minhas contas'. etc. Ao Ihe ocorrer um pensamento negativo, substitua-o pela afirmacao: Tenho um estoque infinito em meu intimo e todas as minhas necessidades sao satisfeitas instantáneamente. Pode ser necessário ter de repeti-la cinqüenta vezes por hora, mas persista, que o pensamento nega tivo deixará de o preocupar.
Segunda etapa: Adquira o hábito, durante o dia, de condicionar sua mente ás riquezas divinas, afirmando: Deus está sempre presente para ajudar-me ñas difículdades e Deus ó a fonte instantánea de meus recursos, propiciando-me todas as idóias necessárias em todos os momentos e oportunidades.
Tereéira etapa: Ao dormir, todas as noites.repita esta grandeyerda-
de: Sou grato a Deus por suas riquezas sempre presentes, imutáveis e eternas.
Esse homem de negocios seguiu fielmente essa prescricao espiritual e progrediu extraordinariamente; mandou posteriormente emoldurar a seguinte citacáo biblica.que mantóm em sua mesa: 'O deserto e a térra
sedenta se regozijaráo; o ermo exultará e florescerá como o narciso (Isaías 35:1)'" (pp. 15s). Outro exemplo do mesmo tipo é o seguinte:
"Urna jovem senhora era dona de um elegante salió de beleza. Sua mié. entretanto, ficou doente, levando-a a permanecer tempo considerável em casa para tratá-la e a negligenciaroseu negocio. Durante sua ausencia, dols de seus empregados deram um desfalque, delxando-a seriamente endividada.
Decldiu ela, entáo, usar as tres etapas que se seguem para se refazer das perdas sofridas:
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40
"PERGUNTE E HESPONDEREMOS" 357/1992 Primeira etapa: tmaginou que o gerente do banco local acumpnmen-
lava pelos substanciáis depósitos bancários que vinha fazendo e deixavase ficar assim Imaginando por aproximadamente cinco minutos de cada vez.
Segunda parte: Em sua imaginacáo, ouvia sua máe dizer-lhe que estava muito feliz por saber que seu negocio ia muito bem e por ter.
fregueses táo maravilhososl E permanecía, feliz e alegre, a ouvirsua máe falar dessa maneira por cerca de tres a cinco minutos. Terceira parte: Pouco antes de ir para a cama, afirmava: 'Estou proporcionando a todos um servico magnifico e Deus, por meu intermedio, abencoa todas as pessoas que comparecerá a meu saláo'. Em menos de tres semanas, seu negocio comecou a prosperar extraordinariamente a ponto de obrigá-la a admitir novos empregados; e nesse intervalo de lempo veio a se casar, recebando do marido, como presente, a importancia de 20.000 dólares, o que Ihe posslbilitou ampliar o seu negocio e abrir novas instalagóes" (pp. 90s).
1.2. O poder da palavra Em seu capítulo XIV o autor se detém especialmente sobre "o poder das palavras".
Para comecar, cita textos bíblicos de Proverbios 25,11 e 16,24; assim "Palavras agradáveis sao como favos de mel, doces para a alma e saúde para os ossos" (Pr 16,24).
Joseph Murphy interpreta estes dizeres no sentido de que as palavras tém o poder de fazer milagros. Eis como se exprime á p. 131 do seu livro: "O poder da palavra ó maior que o das bombas atómicas ou das armas termonucleares, pela simples razáo de que compete á palavra a
decisáo de emprego ou nao dessas armas". Adiante escreve o autor:
"A idóia fielmente mantida em sua mente e em seu coracáo se 'transforma em carne', de acordó com a qualidade e a natureza de suas
palavras. A palavra ó o elemento mental de produgáo das imagens nao
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IUUI MMIMCIflAa UC CNHIUUCUCH
41
somante em nosso ser, mas tambóm em nosso meio ambiente, em nossos
felacionamentos e em nossos negocios" (p. 133)'
Áp. 134lé-se: "As pessoas que assistiram a minha prelecáo sobre As Surpreendentes Leis do Poder Mental Cósmico constataram que o poder das palavras poderia proporcionar-lhes resultados fabulosos. Sugeri-lhes que escolhessem certas palavras que Ihes fossem estimulantes e as repetissem segui damente, durante dez ou mais minutos, duas vezes por dia. Muitos disseram-me que trabalhavam em escritorios e que nem sempre podiam repetí-las em voz alta: que, por isso, passaram a escreveros desejos que queriam ver realizados e a repeti-los mentalmente, de vez em quando, transmitindo gradualmente, dessa forma, aquetas idéias ao seu subcons ciente".
Eis dois exemplos concretos de aplicacáo da palavra: "Sinta a presenca de Deus, que ó também a presenca da harmonía,
da saúde e da paz, em seu amigo, através dele e á sua volta; veja-o sob a protegió de Deus. Mesmo que a outra pessoa nao perceba, desoje sua cura e acredite sinceramente neta. Proceda desse modo varias vezes por dia, se o desojar, para fortalecer a sua té. A cura pode verificarse devagar
ou rápidamente, de acordó com a sua Jó; vocé estaría enviando a sua palavra, ísto ó, o seu pensamento ou sentimento. á pessoa em quesiáo. O proteta Isaías disse: O Senhor deu-me a lingua dos que sao instruidos para que eu saiba sustentar com palavras o que está cansado...
(Isaías 50:4).Quem pode medir o valor de uma'páfavra de amor, de exalta-
cao, de louvor?
Um corto menino nao conseguía aprender; os professores achavam que era um caso perdido. A mié, entretanto, era rica e poderosa em termos de fé o amor o freqüentemonte, durante o dia, proclamava: Deus gosta do meu filho o olha por ele. A inteligencia e a sabedorla de Deus se manifestam através dele. Meu filho é urna perfeita expressio de Deus. Esse menino ó agora absolutamente normal e vai muito bem na escola. Eis ai um exemplo da riqueza espiritual das palavras, quando
impregnadas de amor e compreensáo. As palavras daquela máe tiveram o poder de harmonizar e de curar os problemas do seu filho." (p. 136). Joseph Murphy pretende fundamentar suas normas no texto bíblico, que ele cita com relativa freqüéncia, como se realmente a S. Escritura
oferecesse base para os seus conceltos. Á p. 138 escreve: 89
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"PERGUÑTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
"Quando se /a/a com base na figura do Ser Infinito, as palavras adquirem caracteres de verdade, de poder e acabam por se concretizar.
•No principio era o Verbo e o Verbo eslava com Deus e o Verbo era Deus'
(Jo 1.1)".
Estes traeos reproduzem com fidelidade o pensamento de Joseph Murphy. Importa agora ponderá-los com objetividade. 2. Avallando... Proporemos tres observacóes.
2.1. Panteísmo
Antes do mais, pergunla-se: por que Joseph Murphy atribuí tanto poder ao pensamento e a palavra?
A razáo está na filosofía panteísta do autor. Cita a Biblia, mas dentro de uma visáo nao bíblica. Com efeito; Joseph Murphy afirma que o homem e Deus se Identificam entre si, de tal modo que os poderes de Oeus sao também os do homem; bastaría ao homem "sintonizar" com a Divindade. que está dentro dele e em torno dele, para se tornar forte como a Divindade; o pessimismo e a depressáo seriam obstáculos para essa slntonia; da i a necessidade de remové-tos. Por isto também as "oracóes" que Murphy apresenta no seu livro, nao ááo diálogo com o Tu (ou Vos) de Deus, mas sao monólogos. Eis um espécimen típico dessas "preces": "Da mesma forma que o ramo de uma árvore ó uma extensáo de sua vida, eu também sou um prolongamento da sabedorla, do poder e da energía criadora de Deus. Sou um filho de Deus e herdei todos os direitos, privilegios e benesses de Suas riquezas. Minha mente está concentrada em Deus e todo o meu ser senté a Sua presenga invisivel. Acredito na substancia e no provimento infinitos. Acredito e mentalmente aceito que c Ser Infinito me inunda com Suas riquezas, proporcionando-me harmonía, inspiragáo, benesses e uma abundancia de coisas. Estou em consciéncis com o Senhor. Seu poder criador ó também meu; Sua sabedoria, torga,
inteligencia e compreensáo sao igualmente mlnhas. Sua Inteligencia Infini ta dirige todas as minhas atividades e Seu espirito de opulencia é respon
sável pelo meu sucesso, meu bem-estar e minha fartura. Minha mente t meu coráceo estáo abortos ás riquezas do Infinito e a prosperidade respon de a todos os meus esforgos. Deus e o homem sño uma mesma criatura O Senhor e eu somos uma só pessoa" (pp. 235).
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"1001 MANEIRAS DE ENRIQUECER"
43
As palavras fináis sao muito significativas: "O Senhor e eu somos urna so pessoa", o que significa "um so eu"... "Deus e o homem sao urna
mesma criatura"; o autor se esqueceu de que, se Oeus é criatura. Ele precisa de um Criador e. conseqüentemente. Ele nao é Oeus. A p. 59. poróm, Joseph Murphy diz que Deus ó Criador, revelando assim incoaren cía de pensamento.
Ora a filosofía panteista, assim professada por Murphy, nao se
coaduna com a mensagem bíblica e a fé crista. O panteísmo afirma que tudo (pan) é theóa (Deus); o homem, a Divindade e o mundo seriam urna
só substancia; por isto é que Murphy diz que o ser humano tem poderes divinos; basta-lhe concentrar-se para sintonizar com a Divindade, que está em torno dele e dentro dele, e exercer as atividades maravilhosas da própria Divindade. — Tal concepcáo é falsa nao somente aos olhos da fé
crista, que afirma nítida distincáo entre Deus-Criador e o homem-criatura, mas também aos olhos da razáo, visto que identifica entre si o Absoluto e
o relativo, o Eterno e o temporal, o Necessário e o contingente... O panteísmo é urna forma de filosofía religiosa muito sedutora, porque pro-
fessa a fé em Deus, mas nao subordina o homem a Deus; ao contrario, equipara-o ao próprio Deus:
"Sua vida é a vida de Deus e esta vida é agora a sua vida. Deus tem sempre éxito em tudo que empreende, seja isso urna árvore ou o cosmo. Vocé é um dos elementos de Deus e nao pode portanto Iracassar" (p. 14).
2.2. E os casos de resultados positivos? Joseph Murphy se compraz em narrar varios casos de feliz éxito do poder da mente. — A propósito observamos:
1) Seria preciso averiguar a consistencia e a durabilidade do éxito
apregoado. Nao se deve crer, com facilidade, em fenómenos portentosos,
mas o sadjo senso critico recomendé que se faca consciendosa averiguacSo do que realmente ocorreu;
2) a sugestáo desbloqueia a pessoa. de sorte que a conviccáo de que resolverá seus problemas faz que o individuo se livre de angustias e
temores e se mobllize para chegar á boa solucáo de suas dificuldades. O poder da sugestáo é enorme e funciona mesmo inconscientemente;
3) se as teorías de Murphy fossem realmente eficazes, em breve nao
haveria mais pobreza no mundo e a própria crise do Brasil estaría debelada; bastarla multiplicar os cursos de Treinamento Mental (alias, com grande
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44
"PERGUNTEE RESPONDEREMOS" 357/1992
lucro e enriqueclmento para os monitores de tais cursos) e pedir ao público que ponha fielmente em prática as instrucóes ai ministradas. — Ora o bom senso manda que nao sejamos táo slmplórios.
2.3. Religiáo e sugestáo Para provocar a sugestáo, J. Murphy recorre á religiáo. citando textos bíblicos que aparéntenmete apoiam os seus dizeres; cf. pp. 13.16.63.66. 93.134.138... Isto pode atrair mullos cristáos, que imaginaráo estar aprendendo o auténtico sentido da Biblia através de Murphy. Ora o uso da Biblia é totalmente despropositado nesse contexto, pois nao se coadunam a mensagem escrituristica e o panteísmo; nunca se poderá deduzir das Escrituras, numa exegese objetiva e científica, o que Murphy délas quer depreender. A quanto parece, Joseph Murphy era um protestante, que se impregnou de panteísmo.
O elogio da riqueza (eito por Murphy e o desdém da pobreza1 tém
algo de calvinista. Com efeito; para Calvino, a bóngáo de Oeus se traduzia em riqueza, de modo que os seus discípulos eram exortados a procurar religiosamente ganhar dinheiro. A pobreza nao teria sentido dentro desse quadro, apesar dos elogios que Jesús faz da pobreza voluntariamente abracada por amor de Deus e do próximo; cf. Le 6, 20-26.
Estas observacóes se aplicam, de certo modo, ás obras e á ativídade de Lauro Trevisan em seus cursos de Treinamento Mental. Revela-se discípulo de Joseph Murphy, pregando o panteísmo com capa de Catolicis mo e citando a Biblia em seu apoio. O povo do Brasil se deixa faciimente confundir por tal mensagem, que já nao é católica, embora pretenda guardar as aparéncias de doutrina da Igreja.
Doís escritos de Lauro Trevisan já foram comentados em PR: 263/1982, pp. 299-309 ("O Poder Infinito de Sua Mente"); 270/1983, pp. 423-432 ("Os Poderes de Jesús Cristo")
I "Nao há qualquer viitude na pobreza, que é na rcalidade urna doenfa mental e que deve ser abolida da face da Ierra" (p. 14).
Observamos que ha urna distintió entre pobreza voluntariamente abracada por amor a Deus e ao próximo, de um lado, e miseria material, de mitro lado. Esta i indigna do hornera e a douirina católica rejeita loda condifio de vida indigna da pessoa humana, feita a imagem e semelhanca de Deus.
92
Em pleno século XX:
Uní Santo Na Política Em sintese: Robert Sahuman (1886-1963) foi um grande estadista de após a guerra de 1939-45. Nascido no Luxemburgo, atuou na Franca, ocupando, entre outros cargos, o de Primeiro-Ministro deste país e, poste riormente, o de Presidente do Parlamento Europea em Estrasburgo (195860). Distinguiu-se por comprovadas virtudes, que o levaram a procurar a reconciliacáo dos individuos e dos povos depois das hostilidades bélicas; seus esforcos valeram-lhe o titulo de "Pai da Europa". Era também um homem de oracáo e profunda vida interior. Na mesma época viveram outros grandes estadistas católicos, como Konrad Adenauer e Alcide De Gasperi,
Phmeiros-Ministros respectivamente da Alemanha e da Italia, além do Prefeito Giogio La Pira, de Florenca. O processo de Beatificacáo de Robert Schuman foi aborto aos 9/06/1990 pelo Bispo de Metz, Mons. Pierre Raffin. *
*
*
Aos 9 de junho de 1990 foi aberto o processo de Beatificacáo1 de
Robert Schuman (1886-1963), um político católico falecido em odor de santidade. Visto que tal caso parece raro, é oportuno que seja divulgado; a historia comprova que a graca de Deus atua em todo e qualquer cristáo dentro da vocacáo que o Senhor Ihe tenha assinalado,... até mesmo nos tormentosos meandros da vida pública! Eis alguns trapos biográficos de Robert Schuman.
1. O Homem Aos 29/06/1886 nasda no Grao-Ducado do Luxemburgo Roberto, filho de fámula piedosa da Lorena (Alemanha de entáo).
I Beatificado é a cerimónia pela qual o Papa reconhece soleramente as virtudes de determi-
nado(a) Servo(a) de Deus, peimilindo que se Ihe presle culto público e venenicáo. É urna etapa
para a Canonizacáo ou a inclusáo do(a) Servc(a) de Deus no Canon (catálogo) dos Santos. Ver Código de Dlrello Canónico, Canon 1187.
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
Como jovem. conoabeu a ¡déla de entrar num Seminario e tornar-se
sacerdote. Certo dfa, porém, um amigo da famlia, o Sr. Eschbach, tentou dissuadi-lo. dizendo-lhe: "Presta atencáo: os santos do futuro seráo santos de gravatal". A gravata simbotizava entáo a vocacáo laical, distinta da clerical, que a batina designaría. Roben mudou a orientacáo de sua vida, encaminhando-se para a Faculdade de Direito; doutorou-se em Estrasbur go no ano de 1910. Dois anos mais tarde, abriu um escritorio de advocada, á qual se dedicou, ao mesmo lempo que milltava em associacóes da juventude católica.
Nao se casou para poder atender mais livremente aos seus nobres ideáis de fé e civismo.
Em 1919. após a primeira guerra mundial (1914). pediram-lhe que se
candidatasse a Deputado pela Mosela (Franca) no Partido da Democracia Crista. Com certa relutáncia, aceitou o encargo e veio a ser o segundo dos Depulados mais eleitos. Militou na política durante vinte anos. Em 1939 sobreveio a segunda guerra mundial (1939-45); Schuman foi leito Sub-Secretário de Estado durante o Governo do Marechal Pótain (1940); era
encarregado de prover aos refugiados. Eis, porém. que deixou suas luncdes e se retirou para Metz (Mosela). O Governo nacional-socialista tentou atrai-lo para colaborar com Adolf Hitler; tendo rejeitado todas as propostas. Schuman foi preso pela Gestapo aos 14/09/1940. Em 1942, conseguiu fugir da prisáo e escondeu-se na Franca. Urna vez libertada a Franca do dominio nazista, voltou á política. De 1946 a 1948 foi Ministro das Financas da Franca, Primeiro- Ministro e Ministro das Relacóes Exteriores. Nesse ano teve como grande meta a reconciliacáo dos individuos e dos povos entre si, todos muito vulnerados pelas hostili dades da guerra e das ocupacóes estrangeiras. Repetía: "A Europa deve tornar-se urna só alma" e "A Europa unida prefigura a solidariedade de todos os homens no futuro". Especialmente as relacóes entre a Franca e a Alemanha, nacóes tradicionalmente adversarias entre si, muito o ocuparam.
Um momento importante deste seu plano de trabalho ocorreu aos
9/05/1950. Como Ministro do Exterior, chamou entáo os (ornalistas ao Palacio do Qual d'Orsay, aos quais dirlgiu as seguintes palavras: "A Europa nao se tara com um golpe artificial..., mas, sim, mediante realizagóes concretas; ó preciso procurar urna auténtica solidariedade. A
aproximagáo das nacóes europóias exige que se elimine a secular oposicáo entre a Franca e a Alemanha. Em vista disto, o Governo Francés propóe urna medida ¡mediata bem definida: seja colocada toda a producáo de
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"UM SANTO NA POLÍTICA"
47
carváo e de ago debaixo de alta autoridade comum, numa organizagáo aberta á partidpagáo de todos os paises da Europa".
Tal era o plano Schuman. Fol rejeltado pela Inglaterra, mas aceito
pela Alemanha. a Bélgica, a Italia, o Luxemburgo e os Paises-Baixos; aos 18/04/1951 um Tratado de Paris. asslnado por esses países, constltuiu a
"Europa dos Seis". Assim quería Schuman chegar a um auténtica Federacáo Européia.
Em 1958 foi unánimemente eleito Presidente do Parlamento Europeu,
cuja assembléia em Estrasburgo o proclamou "Pal da Europa".
Em 1962 abandonou definitivamente a vida política, atetado pela arteriosclerose; retirou-se para Scy-Chazelle. perto de Metz. lugarejo onde aostava de isolar-se para retletlr e rezar. Passou os últimos meses da sua vida sem mudar os hábitos modestos, vindo a falecer aos 4/09/1963. Deixou definidos os propósitos de sua vida de homem público no livro Pour L'Europe.
2. O fiel católico
O Blspo de Metz. Mons. Plerre Raffin. houve por bem iniciar o
processo deinvestlgacáo das obras, dos escritos e da vida de Robert Schuman. que faleceu com fama de homem virtuoso. Alguns amigos do
estadista, membros da assodacáo "Sao Bento para a &««*■ ^™m
nesse empreendlmento. É Postulador da causa de Beatificacao o Pe. Gastón Goldschmitt. da Lorena; Vice-Postulador é o Pe. Giuseppe Audis.o. italiánoque exerce seu ministerio junto aos italianos em Mogunda (Alemanha). Entrevistado a respeito dos méritos de vida de Robert Schuman. o
Pe. Audislo respondeu: "Nao compete a mim dar urna deflnlcáo. mas é oertp
que Schuman 7e apresenta qual modelo de homem político que. soube Saticar virtudes heroicas na carrelra política... carreira que ele considerava üomo serviQO a Deus e aos homens. Nao esquecamos o seu esforco de artesáo da paz".
Entre as 160 testemunhas do processo. destacam-se o «-parlamen
tar italiano Mario Ferrari-Aggradi e a Sra. María Romana, filha do estadista italiano Aldde de Gasperi.
Ferrari-Aggradi declarou que. nos seus encontros com Schuman. foi
impressSdo "prlitclpalmente pelo seu humanitarismo, pelo ideal que o
aXa7a?peí?sua coerénda e aVua for5a de vontade". Atestou outrosslm: 95
48
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 357/1992
"Schuman revigorava-se freqüentemente na doutrina da Igreja, nao de
modo ostensivo, mas com fidelidade".
Maria Romana De Gasperi pos em relevo "o profundo senso huma
nitario de Schuman e a humanidade com que abordava as pessoas, como
se fosse ele que tinha de aprender e nao ensinar". Acrescentou: "Em algumas fotografías que conservo, e ñas quais Schuman aparece ao lado
de Adenauer e De Gasperi, o seu sorriso suave deixa transparecer a simplicidade de ánimo ou quase urna inocencia conservada milagrosamen
te através dos anos".
Alias, o estadista francés foi contemporáneo de outros grandes homens da política internacional, como Alcide De Gasperi, Prímeiro-Ministro
da Italia no pos-guerra, e Giorgio La Pira. Prefeito de Florenca, além de Honrad Adenauer, Primeiro-Ministro da Alemanha Ocfdenlal, todos católi
cos convictos e praticantes. La Pira foi, como Schuman, homem de ideáis
fortemente cristáos, levando sempre vida austera, quase monástica; De Gasperi nao Irte ficou atrás, distinguindo-se por suas aspiracóes á unifica-
cao da Europa.
Nao faltam testemunhos das virtudes de Schuman. Enlre outros. relata-se que. após a guerra de 1939-1945. fez questáo de mandar construir em Espira na Alemanha urna Friedenskirche (igreja da paz), atendendo a um desejo do Bispo local; o estadista francés justificou esta obra dizendo que, embora os nazistas fossem réus de muitos crimes, a Franca devia. de
algum modo, reparar os estragos infligidos ao povo alemáo; para tanto Schuman doou aos católicos de Espira 200.000 marcos alemáes destina dos a construcáo da igreja: compareceu ao lancamento da pedra funda mental e, com o Chanceter Adenauer. assistiu á carimónia inaugurativa do edificio.
Quando se retirava a Scy-Chazelle, Schuman se dedicava, como pai, as jovens órfás internadas num colegio da localidade; e, quando alguma délas se casava, acompanhava-a ao altare pagava as despesas respectivas. Estes poucos dados demonstram que, até mesmo ñas preocupacóes
dos encargos públicos de tempos ingratos, os fiéis cristáos se podem
santificar, contribuindo assim para a edificacáode um mundo mais fraterno e feliz.
Nao há dúvida, no Brasil de nossos días o testemunho de Robert
Schuman é de especial significacáo!
Estéváo Betlencourt O.S.B.
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A VIDA CRISTA - I - SANTO AGOSTINHO, coletánea de textos, - Temor - Pledade.. UM ENCONTRÓ COM DEUS, TEOLOGÍA PARA LEIGOS. 4?
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