Revista Pergunte E Responderemos No. 008 - Dezembro De 1957

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  • Pages: 42
Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb

(in memoriam)

APRESENTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa

crenga

católica

mediante

aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propoe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo

da

revista

teológico



filosófica

"Pergunte

Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

e

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

Responderemos DEZEMBRO

1957

ÍNDICE

1)

Páginas i. filosofía ic religiao "Jesús Cristo eleve ser considerado um ¡nárlir, mu santo, um profeta ou uní líder/"

2)

3) 4)

3

IT. DOGMÁTICA "Nao terá sido erro de Jesús ofcrecer o paraíso ao bom ladrño no iiicsino dia cm que o próprio Jesús ia morrer para deseer aos infcri'os c ¡á passar tres dias/ R, se Cristo deseen aos infernos, nao haverá salvacdo no inferno/" "Que neeessidade há de purgatorio/" "A ¡(¡reja mío transformou a confissao de pecados públi ca, como era realizada autrora (cf. Mt 18,15), cm confis sao sigilosa, auricular, de uní individuo a outro/ 11, fasendo-o. nao visara objetivos políticos/ Que nao havia cojtfissao secreta, pessoal, parece evidente

pelo que. diz S. Paulo aos Corintios: " Examinc-se o ho~ vían a si e entilo coma desse pao e beba desse cálice" (1.a cp. 11,28)" 5)

6)

"Se os padres té ni o poder apostólico de perdoar os peca dos, porque nao tciu taiubém o poder apostólico de fazer milaijrcs/" "Como se explica que a culpa original passe para todo liomcm ■'"

7)

Que dizer/"

20

" Qucira explicar o texto de Le 22,18, em que Jesús dia

IV.

10) 11)

12)

17 17

que nao beberá mais do fruto da videira a ules que tenlw viudo o Reino de Dcus" 9)

12

III. SAGRADA ESCRITURA "lint Gen 30,37-42 narro a Biblia que Jaco influencian o tipo da prole que nasccria de sitas cabras, propondo-llws um estimulo externo no momento do coito. Ora, segundo a Bioloí/ia, c inipossk'cl intervir desse modo no processo generativa.

8)

7 9

HISTORIA DO CRISTIANISMO

"Costaría de saber algo de mais exato sobre a lnquisiqao. Se os "vellios lempos" Z'oltassem, a Igreja restauraría a Inquisicdo/" V. MORAL ''Qitais os direitos do individuo anormal e do inonslro/" "O hipnotismo pode acarretar algum mal/ Será licito ao cristao deixar-se hipnotizar frcqiieiiteincnte pela inesma pcssoa/ " ( "Em caso de preuhez tubária, proibe a ¡greja o aborto antes da ruptura da trompa/ Será cntao que cía nutre es peranzas de inilagre/" ;

COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA — 2 —

22

<

23

33

36

38

Aos seus estimados correspondentes a redacao de "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" envía sinceros votos de Feliz Natal e de Ano Novo

iluminado por Aquéle que "é O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" N.o 8 — Dezembro de 1957

I.

FILOSOFÍA E RELIGIÁO

DELVAUX (Rio de Janeiro):

1) "Jesús Cristo deve ser considerado nm mártir, um santo, um profeta ou um líder?"

A Jesús Cristo competem, scm dúvida, os títulos ácima; nao bastam, porém, para explicar a sua personalidade. Os es critos do Novo Testamento, assim como a Tradigáo crista, O apresentam como verdadeiro liomem c verdadeiro Deus — Deus feito homem.

Éste ensinamento poderá parecer produto da fantasía dos primeiros discípulos. Que ncs garante a sua veracidade1.' Em resposta, refutamos sobre um ou outro aspecto da his toria de Cristo e do Cristianismo. 1. Até o séc. XVIII (ou seja, até o professor hambur gués H. S. Reimarus, t 1768), excegáo feita de um ou outro

caso esporádico, ninguém negava que os Evangelhos dáo sufi ciente testemunho da Divindade de Cristo. Nos dois últimos séculos, porém, os críticos ptopuseram suas teorías, cancelando os tragos da Divindade de Jesús nos Evangelhos, para só guar dar os que O reduziam á categoría de um "Iluminado" ou "Lí der" humano. Contudo a historia da crítica demonstrou o se-

guinte: as linhas que descrevem Jesús nos Evangelhos sao táo ligadas entre si que nao se pode cancelar urna sem ter que cancelar outras; chega-se assim a urna concepgáo de Jesús e cía sua obra (o Cristianismo) táo depauperada e absurda que 3

os críticos mais recentes acabaram concebendo horror das teo-

rias dissecadoras do Evangelho e preferiram

negar simplesmente a existencia de Jesús. Tal é o caso do médico francés Ccuchoud, que, nao querendo guardar a figura de um Jesús

histórico vago e monstruoso que lhe haviam consignado os críticos seus antecessores, se tornou protagonista da tese de "Jesus-mito" (veja-se a bibliografía indicada no fim desta questao). A experiencia, pois, parece ensinar que nao existe meio-térmo entre a fé no Senhor Jesús Dcus e Homem apregoado pela Tradigáo e a fé na nao-existencia de Jesús ou fé em Jesus-mito.

Era esta a primeira ligáo da historia que nos importava considerar. Passemos a outros dos seus ensinamentos.

2. Entre Jesús Cristo, que viveu na carne há vinte séculos, e a nossa geracáo, a ponte é estabelecida pela Igreja de

Cristo. Pois bem; qual é o esteio desta sociedade? Que é que, partindo de Jesús, a habilita a resistir aos embates de dezs-

neve séculos, quando tantas vézes {principalmente a partir de 1799, ascensáo de Napoleáo Bonaparte) já se lhe predisss a ruina?

A própria Igreja nos responde que há um elemento na

doutrina e na vida de Cristo sobre o qual repousa a sua fé, elemento sem o qual desmoronariam por completo a crenga e as energías dos cristños: tal elemento é a ressurreicao de

Jesús. Se nao fóra esta, o Rabino da Palestina nao diferiría de qualquer fundador de alguma das varias religióes hoje existentes (Buda, Confúcio, Lao-Tsé, Maomé...). Para a Igre

ja. é a ressurreigáo do Senhor que Lhe confere autoridade inconfundível ou divina: "Se Cristo nao ressuscitou, vá é a nossa pregagáo; vá é também a vossa fé" (1 Cor 15,14; cf. 17 e 19). A énfase de Sao Paulo, ao escrever estas palavras, explica-se por ser a ressurreicáo o testemunho máximo, o sél0 de autenticidade posto por Deus á pregagáo de Jesús. Sendo assim, interessa-nos examinar se, de fato, Cristo ressuscitou, como afirmam Sao Paulo e a Igreja, e, caso haja ressuscitado, quais as verdades que a ressurreigáo de Cristo confirmou e autenticou.

3.

Quanto ao fato da ressurreicáo de Jesús, ele tem sido

atirmado pela Tradigáo crista desde os Apostólos até hoje nao

só mediante palavras, mas também mediante gestos heroicos 4

(o martirio!).. Sem que se queira exagerar o valor déste tes-

terrvunho, observa-se que difícilmente milhares e milhares de pessoas, de todas as idades, épocas e regióes, dariam 0 sangue por algo que nao lhes parecesse mais certo e valioso do que a própria vida. Ademáis deve'-se notar que es Apostólos, primeiros arautos

a inventá-la

dá ressurreicáo, estavam táo pouco dispostos

(por entusiasmo

visionario ou por alucinacáo)

que foram os primeiros a tomar atitude cética logo que déla tiveram noticia (haja vista o caso de Tomé). As autoridades e o povo de Jerusalém teriam fácilmente desmascarado a frau de dos primeiros discípulos caso estes quisessem incutir a fé numa falsa ressurreicáo de Cristo. Quanto ao mundo greco-romano, sabe-se que a perspectiva de ressurreiijáo dos corpos o horrorizava pois nao raro concebía o corpo como cárct're da alma. Nao obstante, judeus e pagaos foram-se convertsndo,

abracando o código de moral ardua do Evangelho; té-lo-iam feito, se a ressurreicáo de Cristo nao fósse um fato histórico inelutável? Em conclusáo: "Nada perdura senáo a verdade... Ao con trario, o que é falso, desaparece. O falso nao tem base, ao passo que o pequeño edificio da verdade é de ac,o e cresce sempre". Sao palavras do racionalista E. Renán, que Daniel-Rops assim comenta: "Pode parecer fraco, quanto aos seus alicerces, o pe queño edificio dogmático da Ressurreigáo; mas há dois mil anos que dura e que milhóes de espiritas humanos o aceitam,

apesar de todos os argumentos em contrario, pormenor

éste

que nao se deve desprezar" (Daniel-Rops, Jesús no seu tempo.

Porto 1950,630). 4. Acrescentemos agora que a ressurreigáo de

Jesús —

fa"tó comprovado — era por Cristo apres'entada como o sinal por

excelencia da veracidade de sua pregac,áo, "o sinal de

Joñas" (cf. Mt 16,4).

5.

E qual o conteúdo da pregagáo que Jesús quería assim

autenticar?

Como verdade básica do Evangelho, Cristo ensinou ser Ele "Filho do Homem" e '^"ilho de Deus", verdadeiro homem e verdadeiro Deus.

Em particular, a sua Divindade, Jesús a afirmou

a)

por palavras. Colocava-se em igualdade de condi§óes

com Deus, que Ele chamava "Pai" nao em sentido metafórico, mas como quem participa da natureza do próprio Deus: — 5 —

"Ninguém conhece o Fliho scnáo o Pai, e ninguém conhece o Pai aenáo o Filho" (Mi 11.27).

Neste texto Jesús atribui a Si urna prerrogativa que só a Deus toca: o conhecimento cabal da infinita Perfeigáo Di* vina. A afirmacáo é corroborada por outros dizeres: "Eu e o Püí somos um só (= urna só natureza, urna só substancia, que se comunica entre duas pessoas)" (Jo 10,30); "Nao credes que eu estou no Pai e o Pai está em Mim?" (Jo 14,10);

b) por suas atitudes. A Lei dada aos israelistas no Antigo Testamento era tida como palavra do Senhor. Ora Jesús se referia aos seus preceitos com absoluta senhoria, dando a en tender que possuia a autoridade do próprio Legislador. Tenham-se em vista os seguintes dizeres: "

"O Filho do hornera é senhor mesmo do sábado" (Me 2.28).

Jesús jamáis se servia da fórmula habitual aos profetas: "Eis o que diz o Senhor Deus..."; mas falava diretamente

em seu nome, opondo a Lei antiga á nova: "Ouvistes que foi dito aos antigos: "Nao matarás" (£x 20,13)... Eu, porém, vos

digo: quem se irritar contra seu irmao..." (Mt 5,21s)". Antítese ocorrente seis vézes consecutivas em Mt 5.

Os seus milagres, Jesús os realizava por autoridade própria: "Eu o quero: sé purificado (da lepra)" (Me 1,41); "Ta-

Htha kumi; jovem (defunta), eu te mando: levanta-te" (Me 5,41);"Ephpheta, abre-te", disse Jesús ao surdo-mudo em Me 7,34.

Considere-se também o episodio do paralítico, a quem Jesús disse: "Teus pecados te sao perdoados!". Os judeus, ao ouví-lo, acusaram-no de blasfemia ou de usurpadlo de um poder que só a Deus compete. Longe de retroceder, Cristo se

dignou curar o paralítico em testemunhc de sua autoridade

divina, de sorte que a multidáo pode exclamar nunca ter visto algo de semelhante (cf. Me 2,5-11).

Estes testemunhos, que se poderiam multiplicar, dáo a

ver que Jesús se apresentou realmente aos homens como vérdadeiro Deus. Mais tarde, por sua ressurreic,áo cenfirmou tais af'rmagóes, Atualmente a subsistencia da Igreja nao é mais

do que o testemunho continuado da ressurreigáo e, por con-

seguinte, da Divindade de Cristo, vitoriosa sobre a morte e

as leis da decrepitude. Nao é sem razáo que se tem falado do — 6 —

milagro da Igreja", da deu Igreja existente sempre vigorosa, por Iuz e egtrutura J v.dagdos ^Por(

tadora da Pa]avra

Que pensar dessa Igreja que diziam ter morrido? As temnés-

tades dos homens e das épocas se desencadearam sobre ela pa

ra traga-la. Como a arca, ela atrayessou o diluvio e, de cada

te» VcaSÍÍÍ°? "0V,as ParaSens Para ^escer mais amplamente (Uardeal Suhard, Essor ou déclin de l'Eglise. París 1947,68).

BibUcana: J. Gui.lon. Jesús. Paris 19S7 (livro lamoso, que es.uda objetiva monte as hipóleses modernas coneernentos a personalidade de Jesús, e termina reafirmando a Tradlsáo).

H. Folder, Jesús de Nazaré. Voses de Petrópolis 1851. K. Adam, Jésus le Christ. Mulhouse 1934. Daniel-Rops, Jesús no seu lempo. Porto 1950. G. Bicciotti, Vita di Gesu Cristo. Milano 1941.

II. DOGMÁTICA BUBEM (Rio de Janeiro):

?) "Nao terá sido erro de Jesús oíerecer o paraíso «o bom ladrao no mcsmo dia em que o próprio Jesús ia morrer para

descer aos infernos e I¿ passar tres dias? p das?

infero?" ^^^ deS°eU 8°S infcrnos' náo haverá salvacáo no As dificuldades ácima se resolvem se se distinguem as duas

acepcoes do termo "inferno" na linguagem crfstá corrente

„. . .^er.n°" vem do Iatim "infernus", adjetivo derivado de

infra , abaixo. Designando 0 «lugar situado infra ou debaixo a palavra entrou no vocabulario dos cristáos com os «e-

gumtes matizes:

1)

"

"Infernus" pode equivaler ao termo hebraico "sheol"

Este desig-iava, segundo as concep?6es. dos antigos judeus um

lugar subterráneo para onde iam promiscuamente as almas de todos os defuntos/, bons e maus. A teologia judaica, ñas

proximidades da era crista, distinguía n0 "sheol" diversas re-

gioes, entre as quais a des pecadores reprobos (cf Jud 6) e a

dos justos, também chamada «seio de Abraáo" (cf. Le 16 22)

i
1 Sam 25,29), regíáo situada "sob o trono de Deas" (cf Apc 6,9; vejam-se outrossim Sab 3.Í-5-10; 2 Mac 15, 12-15) _ Os judeus tinham consciénda de que náo era possível passar de urna dessas regióes para outra (cf. Lc 16,26). — 7 —

2)

A Revelagáo do Novo Testamento distingue com mais

clareza a sorte postuma dos justos e a dos pecadores. Aqueles

é atribuido o "céu", a bem-aventuranga celeste, ao passo que o termo "inferno" (correspondente a "sheol") fica reservado para designar o estado dos reprobos (já era esta, alias, a ten dencia dos rabinos contemporáneos a Cristo). Note-se, porém, que os conceitos cristáos de bem-aventuranga celeste e inferno nao estáo presos a alguma topografía; designam primariamen te um estado de alma, independente de determinada localiza-

gao geográfica (nao se queira elucubrar a geografía do Além). Sendo assim, quando se diz que Cristo desceu aos infernos

no triduo após a sua morte (cf. 1 Pdr 3,19), entende-se que a sua alma santíssima se manifestou aos justos do Antigo Tes tamento que no "sheol" (seio de Abraác) aguardavam a Redengáo; o Salvador lhes anunciou que esta já se dera e, por conseguí nte, poderiam gozar da visáo de Deus na bem-aventu-

ranga celeste. — Manifestando-se aos fiéis, o Senhor nao apareceu aos reprobos, pois tal manifestagáo carecia dé razáo de ser; nác há possibilidade de conversáo após esta vida (tf. "Pergunte e Responderemos" 3/1957, qu. 5).

Ve-se, pois, que, quando se fala da descida de Jesús aos

infernos, éste último termo é tomado em sua acepgáo vétero-testamentária (a primeira ácima exposta). Quanto ao vocábulo "descida", tem sentido metafórico, derivado da maneira de falar popular dos hebreus; nao se poderia afirmar que a alma de Jesús se tenha deslocado para regióes subterráneas. Costu-

ma-se dizer equivalentemente que "Jesús desceu ao limbo dos País"; "limbo" (de "limbus", orla em latim) seria a parte su-"

perior das regióes subterráneas, a menos distanciada do céu. Éste "limbo dos Pais", mansáo provisoria,

deixou de existir,

como se compreende, desde que os justos do Antigo Testamen

to receberam a bem-aventuranga eterna. Hoje em día os teó logos falam do "limbo" em outra acepgáo, ou seja, para desig nar o estado postumo das criangas que morrem sem baüsmo. Prometendo ao bom ladráo o paraíso para o mesmo dia, Jesús nao quería dizer que éste justo arrependido O precedería

na bem-aventuranga celeste; á santíssima humanidade de Cris to ressuscitado devia, sem dúvida, tocar a primazia da entra da nos céus. Cristo, porém, dava certeza ao bom ladráo de que, — 8 —

logo após a morte de cruz, a sua alma estaría com a de Cristo, indo com esta ao "seio de Abraáo" ou ao paraíso (conforme a terminolgia dos judeus) ou aínda á mansáo dos justos defuntos da Antigo Testamento, a fim de aguardar a ressurreicáo do Senhor e a entrada na visáo de Deus. O simples fato, porém, de estar inseparávelmente associada a Jesús já acarretaria suma felicidade para o pecador agraciado: "Estar com Cristo é viver; por isso, onde se acha Cristo, ai se acha a vida, ai se acha o reino. — Vita est enim esse cum Christo; ideo ubi

Christus, ibi vita, ibi regnum" (S. Ambrosio, Com. in Le, ed. Migne 15,1834). Sobre as notóos ácima, a

morie", 2.a ed. AGIR. Rio

vejase E.

Beltoncourl, "A vida que

de Janeiro 1958, cap.

XII 5

2:

cometa com

"Para entender o

Antigo Testamento", ibd. 1956. 190s.

3)

"Que necessidade há de purgatorio?"

Em resposta, examinaremos sucessivamente em que con siste o purgatorio e quais es fundamentos bíblicos desta doutrina. 1.

Em que consiste o purgatorio.

A Sagrada Escritura ensina que o homem foi chamado a ver a Deus face a face (cf. Mt 5,8; 1 Cor 13,lis; ] Jo 3,1-3).

E' claro, porém, que só pede conseguir tal fim o individuo que, na hora de comparecer finalmente diante do Senhor, es teja ñvre de qualquer tendencia desregrada, incompatível com Deus, que é a Verdade e o Amor subsistentes.

. Ora mesmo os homens virtuosos nao raro terminam seus dias trazendo na consciéncia pequeñas faltas e. no íntimo de sua natureza, inclinac.5es mais ou menos desregradas (culpa das, porque nao suficientemente combatidas). Em tais condigóes, a criatura evidentemente nao é o

re

ceptáculo ao qual Deus se possa comunicar num consorcio ple no; é ontológicamente jmpossível a conciliacáo do impuro com o Puro. Em vista disto.Deus, que nao quer rejeitar a sua criatura, lhe proporciona a ocasiáo postuma de se habilitar á plena comjinháo com o Senhcr; tal é o purgatorio, favor gratuito e mive' icordioso do Criador. E como se dá esta purificacáo? 9

A pena primaria do purgatorio é a chamada pena de dif lacao. A vida terrestre constituí o período normal em que o homem se deve preparar para ver a Deus face a face; termi nada a peregrinado neste mundo, a criatura deveria, segun dó a ordem reta das coisas, entrar ¡mediatamente no gozo do seu Senhor. Ora a alma que, ao deixar o corpo, verifique nao estar habilitada a isto por causa de sua negligencia em combater as imperfeicóes, nao pode deixar de experimentar pro funda dor por tal motivo; chegou-lhe o tempo de se encontrar

diretamente com o Divine Amigo, e eis que ela ainda nao pode

sustentar a visao ¡mediata désse Amigo! Separada do corpo, a

alma compreende muito melhor o valor imenso da visáo de Deus face a face, assim como a hediondez que há'em todo peca-e dc; toda leviandade. Em conseqüéncia, ela experimenta espon táneamente a necessidade de se purificar, repudia as suas desordens com generosidade nova; separa-se de sea amor próprio para se identificar com a justiga de Deus, sofrendo a dilaceraqáo e a dor daí conseqüentes. Esta dor vai mais e mais pene

trando a alma, libertando-a de todo o egoísmo que o pecado

e as más inclinacóes implicam; figuradamente dir-se-ia: vai raspando, até a mais profunda carnada, toda a ferrugem que adere as faculdades da criatura. As almas, portanto, sofrem o seu purgatorio voluntariamente: sequiosas de ver a Deus, nao sao menos sequiosas de se purificar em oportuno estágio.

Além da pena da dilaeño, que é espiritual, há no purga torio urna pena física, que se costuma chamar o castigo do

fogo. Nao se poderia dizer precisamente em que consista (nem

é éste o aspecto do purgatorio que mais merega nossa atencáo). Nao se pense em fogo igual ao déste mundo. Provávelmente,

trata-se de um estímulo físico que, por permissáo de Deus, age

sobre a alma impedindo-lhe o uso das faculdades — inteligen

cia e vontade — tal como ela o quisera; esta coibigáo, partindo de urna criatura material, tem também o caráter de humilhacáo para o espirito humano.

2.

Os fundamentos bíblicos, da doutrina

. A existencia do purgatorio decorre lógicamente das afirmacóes bíblicas segundo as quais Deus exige do homem a expiacáo pessoal de faltas cometidas. Com efeito, lé-se em mais de urna passagem da Sagrada Escritura que o Senhor, mesmo — 10 —

depois de perdoar a culpa do pecador, ainda lhe pediu reparasse a ordem violada. Note-se que tal satisfago nao era, nem é, al-> go que Deus imponha arbitrariamente: já que todo pecado consiste na. ruptura, mais ou menos violenta, da ordem reta das coisas, ele nao pode ser cancelado, caso nao se dé a restauragáo da harmonia por ele burlada. Eis os exemplos bíblicos mais significativos:

Adáo foi certamente tirado ou absolvido do seu pecado (cf. Sab 10.2); nao obstante, o Criador o quis submeter a graves penas até o fim da vida (cf. Gen. 3,17s);

. . Moisés e Aaráo cederam á pouca fé em dado momento de s-ua vida; por isto viram-se pelo Senhor privados de entrar na Térra Prometida, embora nao haja dúvida de que a culpa lhes tenha sido perdoada (cf. Núm 20,12s; 27,12-14; Dt 34,4s); Davi, culpado de homicidio e adulterio, foi agraciado ao reconhecer 0 delito; nao obstante, teve que sofrer a pena de perder o. filho do adulterio (cf. 2 Sam 12,13s).

Em outros textos, o perdáo é estritamente ligado com obras de expiado; cf. Tcb 4,lls; Dan 4,24; Jl 2,12s . Além destas passagens, que manifestam o principio geral segundo o qual Deus cancela o pecado, costumam-se citar

outros trechos diretamente alusivos ao purgatorio:

2 Mac. 12,39-46: Judas Macabeu (t 160 a.C.) descobriu, debaixo das túnicas de seus soldados falecidos, pequeños ídolos,

objetos impuros dos quais se haviam apoderado no saque de Jáninia. Em conseqüéncia, considerou a morte de seus homens como castigo que Deus lhes infligirá. Nao obstante, Judas, tén-

do verificado que os prevaricadores haviam "morride piedosa-^ mente" (v. 45) (supunha, por conseguinte, se houvessem arrependido de seus pecados), mandou arrecadar esmolas a fim de se oferecer pelos defuntos um sacrificio expiatorio; julgava, pois, que lhes ficavam aderéncias da culpa, mesmo depois de haverem obtido o perdáo e terem passado para outra vida;

acreditava outrossim qué seriam purificados de tais resquicios . e conseguiriam finalmente "a bela recompensa" (v. 45), se os

vivos, por seus sufragios, os ajudassem a prestar expiagáo. Mt 5,25 (cf. Le 12,58s): Jesús recomenda aos seus discípu

los, percorram a caminhada desta vida em boa paz com os irmáos; em caso contrario, finda a peregrinaclo terrestre, teráo que responder ao Juiz Supremo, que lhes imporá duro castigo — 11 —

— duro castigo, porém, do qual seráo libertados depois de sa-

tisfazer á Justina.

1 Cor 3,10-16: Sao Paulo distingue entre operarios que no reino de Deus trabalham zelosamente, produzindo a melhor obra de que sao capazes, e outros que, sein deixar de trabalhar, se mostram negligentes. Diz que os primeiros, no dia do juízo, nada teráo a temer, ao passo que os outros (tipo dos homens que Eervem a Deus ccm as tibiezas do pecado venial) se salva-

rao, mas após haver experimentado dores e penas devidas á

sua conduta imperfeita. Embora o Apostólo, como Jesús em Mt

5,25s, se sirva de expressóes figuradas, percebe-se com clareza

suficiente que sob as metáforas de Mt 5,25s e 1 Cor 3,10-15 es-

táo coñudas as idéias que definem a doutrina do purgatorio. Vé-se destarte que o purgatorio, longe de ser invenc,áo hu mana, é expressáo da santidade e da. misericordia de Deus, que, mesmo fora do tempo normal, conciliando justiga e bondade, sabe outorgar á criatura os meios de O possuir eterna mente.

R. M. F.

(Parnaíba):

4) "A Igreja nao transformou a confissao de pecados pú blica, como era realizada outrora (cf. Mt 18,15), em confissao sigilosa, auricular, de um individuo a outro? E, fazendo-o, nao visava objetivos políticos?

Que nao havia confissao secreta, pessoal; parece evidente pelo que diz Sao Paulo aos Corintios: "Exainine-se o homem a si e entáo coma désse pao e beba désse cálice" (1.a ep. 11,28)". A questáo ácima está fundada sobre certa confusáo. Para elucidá-la, fixemos rápidamente alguns pontos referentes á teologia e á historia do sacramento da Penitencia .

1. Primeiramente, qüanto ao dever que incumbe aos cristíos, de confessar os pecados a um ministro de Deus, o artigo

de "Pergunte e Responderemos" 4/1957 qu. 3 expóe os fun damentos bíblicos e teológicos desta obrigacáo; ei-lcs suma riamente:

Jesús confiou aos seus Apostólos o poder de perdoar os pe cados ou nao, em nome de Deus: "Recebei o Espirito Santo.

Aqueles a quem perdeardes os pecados, seráo perdoados; aque les a quem os detiverdes (nao perdoardes), seráo detidos" (Jo 19

20,22s). Ora o juízo a ser exercido pelo ministro de Deus supóe da parte déste 0 conhecimento exato da causa respectiva, conhecimento que só pode ser obtido mediante a acusacao feita

pelo penitente; sómente por esta é que o sacerdote avalia a si-i tuacáo e as disposigóes do pecador. — Leve-se em conta, além disto, que Deus quis sempre, e quer, distribuir a graga aos homens mediante ministros e sinais sensíveis, pois somos por natureza sociais e dependentes das coisas visíveis; a vía normal para a tiossa santificagáo é a via dos sacramentos. No tocan te ao sacramento da Penitencia em particular, S. Agostinho o ilustrava propondo aos seus fiéis a seguinte alegoría: Cristo ressuscitou a Lázaro, mas quis que os discípulos o desatassem. de suas faixas mortuárias e o restituíssem á liberdade (cf. Jo 11,14); assim, continuava ele, é o Senhor quem perdoa os pe cados; para fazé-lo, porém, nao quer dispensar os'oficios de seus ministros (In ps. 101 enarr. 2,3; serm. 195,2).

Do texto de Jo 20,23 nao se segué que a confissáo dos pe

cados deva ser pública; basta a acusagáo secreta. Tal conclusáo nao sofre dificuldade da parte de Mt 18,15-18: Jesús ai tra-t ta nao da reconciliagáo dos pecadores com Deus, mas da cha mada "correcto fraterna"; diz que o irmáo que erra, deve primeiramente ser admoestado por seu irmáo, de maneira secre

ta: "Se teu irmáo vier a pecar (o acréscimo contra ti nao é au téntico), vai procurá-lo e repreende-o a sos" (Mt 18,15). Caso esta admoestagáo particular fique sem efeito, manda Jesús seia repetida em presenta de testemunhas, a fim de se tornar

mais eficiente; se mesmo assim o irmáo nao reconhecer a cul pa, será tidó como pagáo e publicano, isto é, como alheio á comunidade fraterna. Vé-se bem que éste texto de Mt 18 visa outra situagáo que nao a de Jo 20: trata-se em Mt 18 de susci tar o arrependimento em um cristáo desviado e pouco dispostQ a voltar á ordem, ao passo que em Jo 20 se tém em mira os pecadores desejosos de se reconciliar com Deus e com a Igreja;

a rigor Mt 18 nao supóe confissáo, nem particular nem pú blica, pois nao se trata aínda do processo de reconciliagáo. Quanto ao texto de 1 Cor 11, Sao Paulo ai nao entende re

ferir o trámite da remissáo dos pecados; trata apenas da Eu

caristía e, em vista desta, contenta-se com inculcar o exame cauteloso de consciéncia a fim de nao se profanar o corpo e o sangue do Senhor; nao intenciona, porém, indicar o que o pe cador, achando-se réu de culpa, deva.fazer para se reconciliar. — 13 —

.2.

Executando a ordem do Senhcr, a Igreja desde a ge-

ragáo apostólica exerceu o poder das chaves; o rito, porém, a

que recorría, era diferente do atual .Eis o que, segundo os me-' Inores historiadores, se depreende dos documentos dos seis primeiros séculos:

O ministro ordinario do sacramento da Penitencia era o bispo, o qual também ccstumava administrar o Batismo c a Eucaristía. Os presbíteros só o faziam por delegagáo e a título extraordinario, ao mencs no Ocidente (cf. S. Cipriano, epist. 18,1; Concilio de Elvira, can. 32, nos séc. III e IV respectiva mente). E' verdade que em Constantinopla no séc. IV havia •sacerdotes "penitenciarios", isto é, especialmente incumbidos do sacramento da Penitencia.

O primeiro passo para a reconciliagáo era a confissáo do pecado ou dos pecados graves (as faltas leves costumavam ser expiadas pela ccntrigáo e as boas obras, nao pelo sacramento da Penitencia). A confissáo era tida por necessária mesmo quando o pecado fóra público, pois era preciso que o pecador

se reconhecesse réu da culpa. A acusagáo se fazia geralmente de maneira secreta'; a proclamagáo pública de pecados ocultos era considerada grave abuso, a menos que se efeluasse es porádicamente por fervor do penitente (muito significativa a

ésse propósito é a carta do Papa S. Leáo Magno aos bispos da Campanha, datada de 6 de margo de 459; cf. Denziger. Enchiridion 145).

Uma vez ouvida a confissáo, o bispo ou o sacerdote admosstava o penitente ou públicamente (caso o pecado fósse pú blico) ou particularmente. A seguir, impunha-lhe as máos,

agregando-o a uma classe própria de fiéis — a classe dos peni tentes; a estes, assim

como aos catecúmenos

(candidatos ao

Batismo), só era lícito assistir a parte da Liturgia sagrada. Ao penitente o bispo infligía outrcssim urna satisfagáo conveniente a ser prestada por tempo mais cu menos consideravel (nao ra ro

durante os quarenta dias continuos da Quaresma); as vé-

zes, os cánones dos concilios (por exemplo, es de Ancira e Ni-

céia no séc. IV) estipulavam a penitencia devida a certas cul pas; caso nada estivesse previsto, tocava ao bispo avaliar a gravidade da culpa e o rigor da satisfagáo correspondente (a qual podia ser mitigada em vista do fervor do penitente): ge-

raímente se impunham oragóes, jejuns e esmolas; es sacc-rdo— 14 —

tes e os fiéis eram intimados a se unir com os penitentes me

diante a oragáo, a fim de que agradáveis ao Senhor e frutuosas se lhes tornassem as obras satisfatórias (ainda hoje no Mis-

sal Romano se encontra urna ora?áo pelos penitentes públicos; cf. tabela, n.° 23)

Terminada a satisfago no prazo indicado, freqüentemente na quinta-feira santa, concedia-se a reconciliaclo solene aos penitentes, ou seja, a absolvigáo dos seus pecados. O bispo e os presbíteros lhes impunham de novo as mács e por éles oravam. Daí por diante o pecador era admitido á comunháo fra terna e á participado da S. Eucaristía. Note-se que a absolvi-

cáo era diferida até que estivesse cumprida a satisfacjío tida

como justa e congrua; a antiga Igreja desejava ass'im que após

a absolvigáo nao ficasse ao penitente nem mesmo o débito de pona ou reparacáo expiatoria; a absolvi?áo sacramental devia

por fim tanto á culpa como á pena devida á culpa Acontecia, porém, que, mesmo após a reconciliac,áo, o pe nitente permanecía sujeito a regime assaz rigoroso, que em parte o assemelhava a um monge: nao se poderia casar nem

receber as ordens sacras; ficava-lhe vedado entrar no comercio, nos cargos públicos e na milicia. Além do mais, a fim, de evitar o perigo de laxismo ou rotina, nao se concedía o sacramento da Penitencia pela segunda vez; aos reincidentes os bispos nao tiravam em absoluto a esperanza de salvacáo. mas indicavam-lhes outra via para obter a reconciliagáo com Deus: a da peni tencia privada e a das boas obras reparadoras (cf. S. Agostinho,

epist. 153,7). A conseqüéncia disto era que muitos, após haver pecado gravemente, diferiam a penitencia sacramental até o fim da vida a fim de nao perder talvez prematuramente a

única "chance" de receber tal sacramento; embora os bispos récriminassem éste costume, ia-se difundindo.

Compreende-se que, com o tempo, se tenha mitigado

a

praxe.

Muitos pecadores preferiram a tal trámite a "conversáo"

monástica: faziam-se mo'nges e passavam o resto da vida sob a

Regra de um mosteiro — o que era tido como equivalente a prestar penitencia

pública (os pecados seriam

apagados por

efeito do amor a Deus traduzido na renuncia a todos os bens temporais e á vontade própria; cf. 1 Pdr 4,7).

Conseqüentemente. a penitencia pública foi sendo cada vez menos procurada pelos fiéis. Em seu lugar introduziu-se — 15 —

aos poucos o costume de administrar mais vézcs o sacramento

da Penitencia sem se lhe dar o caráter público que antes tiJ nha; o confessor (nao mais necessáriamente o bispo) concedía

a réconciliagáo ou absolvi^áo lego após a confissao, e impunha uma satisfacáo (mais ou menos mitigada) a ser prestada pslo penitente depois da reconciliacáo (á semelhanga do que hoje sé dá). Tal abrandamenlo da praxe nao implicava mudanza doutrináris nem derrogagáo á Justiga de Deus; a expiac,áo nao prestada por imposicáo do confessor seria suprida ou pelo zélo do penitente no decorrer desta vida ou entáo após a morte, no

purgatorio. Com esta mudanza de rito, abria-se o acesso do sacramento a muitos fiéis que padeciam graves crises de cons-

ciéncia em virtude da praxe antiga.

Nao se saberia dizer exatamente nem quando nem onde a mitigacáo comec,ou a ser praticada. O primeiro testemunho de que estava em vigor a administracáo privada do sacramento

da Penitencia, se deve ao Concilio III de Toledo (Espanha), que em 589 a denunciava como abuso e exigía a observancia da tradigáo antiga (cf. Mansi, Conc. Ampl. col. IX 995), As auto ridades eclesiásticas, porém, a foram reconhecendo. Muito cencorreram para a implantacáo definitiva da nova praxe os mon-

ges irlandeses e escosseses (em particular, Sao Columbano), que nos séc. VI/VII se disseminaram pelo continente europeu, comunicando aos fiéis cristáos o costume monástico de abrir a consciéncia, em caráter secreto, a um pai espiritual.

Por muito tempo, ou seja, até a Alta Idade Media (séc. XIII), ainda ficou em vigor, ao lado da penitencia sacramen tal secreta, a penitencia pública. O Concilio IV do Latráo

(1215) decretou que ao menos uma vez por ano os fiéis fariam

sua confissao sacramental auricular a um sacerdote. Na Idade Media atribuia-se tanto valer á acusagáo (secreta que fósse) das culpas que muitcs cristños, em caso de urgencia ou na impossibilidade de recorrer a um presbítero, se acusavam a um leigo: éste é claro, nao lhes podia dar a absolvic,áo sacramen tal, mas tornava-se-lhes ocasiáo de se humilharem e de excitarem uma contric,áo mais profunda, mais capaz de atrair o perdáo diretamente da parte de Deus. Ora é com referencia ao mencionado canon do V Concilio do Latráo que se diz que os padres introduziram o uso da confissao auricular entre es fiéis. Ve-se com que fundamento (nulo, em verdade) se propala tal rumor!

— 16 —

JOAQUIM NORONHA (Salvador):

5)

"Se os padres tém o poder apostólico de perdoar os

pecados, porque nao tém também o poder apostólico de fazer milagres?"

Tanto "perdoar pecados" como "fazer milagres" sao obras que os homens só podem realizar por poder divino gratuita mente comunicado as criaturas.

Ora, Deus quis que na sua Igreja a faculdade de perdoar os pecados em nome do Todo-Poderoso ficasse habitualmente associada a urna instituicáo, ou seja, á hierarquia sacerdotal iniciada pelos Apostólos. Isto era, e é, necessário para que, consoante o plano divino, a grac.a santificante seja sempre trans mitida aos fiéis pelos sacramentes.

Nác havia igual necessidade, segundo os designios do Cria dor, de torrear habituáis cu cotidianos os milagres na Santa

Igreja. Estes sao dispensados por Deus em casos esporádicos, em vista de finalidade extraordinaria a ser atingida. Os Após^tolos rtceberam, sim, o poder de fazer milagres, pois deviam implantar pela primeira vez a fé crista, o paradoxo da cruz,

num mundo totalmente pagáo. Visto, porém. que os sucesso-

res dos Apóstoles, os bispos e os sacerdotes, pregam o Evangelho em circunstancias mais benignas que as dos Apostólos, o Senhor nao quis associar de maneira estável o poder tauma

turgo ao carátes. sacerdotal; tal poder é carisma esporádico, nao institucional.

GUIMARAES (Altinópolis, S. P.):

6)

"Como se explica que a culpa original passe para todo

homem?"

•Todo homem experimenta numerosas miserias físicas a acometé-lo: a morte com seus precursores (a doenga, a fome, o frió...). Mais importantes ainda sao os achaques espirituais:

a concupiscencia desregrada, a acentuada capacidade de errar

na procura da verdade, a debilidade do querer, etc. E, fora do homem, que se verifica? A natureza nao raro parece revol-

tada; em vez de servir ao seu senhor, esmaga-o pelos flagelos (secas e enchentes, terremotos, etc).

- 17 -

I

1.

Será que esta rodem de coisas é originaria, obra do

Autor mesmo da natureza? — Bem se poderia crer que nao,

dado o avultado número de males que afetam as criaturas (até cerlo grau. as falhas e os desequilibrios nao chamariam a aten-

gao do filósofo, pois sao por si ine rentes á condigáo falível de qualquer criatura). Alias, os povos primitivos ainda hoje exis tentes costumam, em suas narrativas tradicionais, atribuir a morte e as desgragas a urna violacáo do bem-estar inicial: os primeiros individuos teriam desobedecido a Deus, acarretando sobre si a triste serte que o género humano padece (vejam-se

tais narrativas no livro de E. Bettencourt, "Ciencia e Fé na his toria dos Primordios", 3.a ed. AGIR, pág. 178-184). Ora, a fé crista elucida ulteriormente estas observagóes: ensina que o primeiro homem, Adáo, de fato pecou e que a sua culpa repercutiu em seus descendentes, assim como em



toda a natureza material, causando desordem.

O documento mais explícito a éste propósito é o texto de Sao Paulo; Rom 5,12: o Apostólo afirma que, por obra de um homem (o primeiro Adáo), o pecado (o Pecado personificado, o Pecado enquanto é um estado que afeta o género humanG inteiro) entrou no mundo. Como sangáo do pecado, entrou a

mortc, a qual também é universal, acometendo a todos indis

tintamente, "pois que, diz Sao Paulo, todos pecaram". Ora, já que todos morrem, mas nem todos cometem pecado pessoal (tenham-se em vista as criancinhas), a razáo pela qual lhes é imposta tal sangáo há de ssr o pecado de Adáo transmitido a seus descendentes juntamente com a natureza humana.

O Apostólo reafirma seu pensamento no v. 19: "Como pela desobediencia de um só homem (Adáo), a multidáo (do genero humano) foi constituida pecadora, assim pela obediencia de um só (Cristo) a multidáo será justificada". A idéia de um pecado impregnado na natureza humana desde que esta seja concebida no seio materno, decorre outrossim de Ef 2,3: "Por natureza éramos filhos da ira".

2.

Mas como sé há de entender que a Justina Divina

impute a todos os descendentes de Adáo um pecado que nao cometeram pessoalmente?

O Criador, em seus designios eternos, houve por bem con-

ceber o género humano á semelhanga de grande corpo, solidá— 18 —

"

rio de uma Cabeca, que era Adáo: "Omnes homines unub lió-:•' mo", dizia S. Agostinho; o primeiro pai devia desempérihár aos olhos de Deus o papel de compendio, no qual estava compreendida toda a estirpe humana e a sua respectiva sorte. Ora

Adáo recebeu do Criador a sua natureza humana ornada de dons preternaturais e sobrenaturais, que, segundo o plano de Deus, ele devia transmitir aos pósteros por via de gerac,áo, ca-\

so se mostrasse obediente á Palavra do Senhor (os filhos de Adáo seriam também filhos de Deus, portadores da graca des

de o primeiro instante de sua existencia). Eis, porém, que Adáo

prtvaricou; conseqüentemente foi destituido dos privilegios pa radisíacos; daí por .diante só podia gerar a natureza de um pecador, natureza que, despojada dos dons de que o Criador a revestirá, nao podia (nem pode) deixar de aparecer disfor* me aos olhos do seu Autor. Assim todo individuo, pelo fato mesmo de herdar a natureza de Adáo, traz em si uma nódoa, que se chama "o pecado de origem" ou "original". Como. se. vé, éste é um defeito que afeta primariamente a natureza huma

na como tal, mas nao deixa de ser imputado a cada individuo em particular, visto que todos constituem com AdSo um único corpo.

Exploremos um pouco mais esta figura, tirada dos escri tos de S. Agostinho e S. Tomaz, para compreendermos melhor a doutrina. Num organismo, diz-se que tal ato de tal membro (da máo, per exemplo) é voluntario, tendo-se em vista nao a vontade da máo, mas a vontade da alma que comunica á máo a respectivo movimento. Caso se considere a máo separada mente do corpo a que pertence, nao se lhe imputa como peca do um homicidio que cometa; far-se-á, porém, a incriminacáo, desde que se considere a máo qual parte do homem movida

pela vontade déste. Pois bem; algo de semelhante se dá no corpo metafórico do género humano: a desordem, a hediondea

que se encontram em tal filho de Adáo, sao voluntarios e culpáveis nao por vontade désse descendente de Adáo, mas por vontade do primeiro pai, que por via de geragáo move a todos

os que sao da sua linhagem (cf. S. Tomaz, Suma Teol. I/II

81, a.l). Está claro que toda comparacáo é. de certo modo, manca; contudo a metáfora utilizada por S. Tomaz contribuí para se ver que o pecado original em nos náó pede ser qualificado de voluntario do mesmo modo que o pecado atual, o — 19 —

qual depende diretamente da nossa vontade (nao é por von tade da máo que o homicidio é cometido); mas é voluntario

de maneira mediata, mediante a vontade de Adáo, do qual "o Criador nos quis fazer dependentes (a máo pertence a um or

ganismo dotado de vontade, vontade que comunica seu in-. fluxo a qualquer dos órgáos do conjunto). Conceba-se, pois, urna no§áo de voluntario intermediario entre o voluntario pessoal e o nao-voluntario. De passagem, seja lícito acrescentar que quem morre com o pecado original apenas, nao é conde nado como quem falece com o pecado atual (os teólogos costumam distinguir entre o limbo das crianzas, em que se goza

de bem-aventuran§a natural, e o inferno dos reprobos).

Como se vé, a transmissáo da culpa de Adáo a cada um de

nos é verdade baseada na Revelagáo Divina mais do que em argumentos meramente racionáis.

Decorre,

em última aná-

lise, cía visáo que Deus tem a respeito do género humano, vi-

sáo que transcende (mas nao contradiz) nosso bom senso: ne-

nhum de nos foi concebido pelo Criador Coladamente, mas to

dos foram concebidos e amados como imagens do Filho de Deus ou membros do Cristo Jesús, solidarios com Éste. Ora a

copia mais próxima do Senhor Jesús foi o primeiro Adáo (cf. Rom 5,14); por isto vínculos de sr.lidariedade especial nos prendem ao primeiro pai segundo os sabios designios de Deus. Nossa uniáo cem Adáo, portanto, deve ser, em última instan cia, entendida á* luz da nossa uniáo com Cristo e seu Corpo Místico.

III.

SAGRADA ESCRITURA

JOAO CARLOS (Ribeirao Préto): 7) "Em Gen 30,37^12 narra a Biblia que Jaco influenciou

o tipo da prole que nasceria de suas cabras, propondo-lhes um estímulo externo no momento do coito. Ora, segundo a Biolo gía, é impossível intervir désse modo no processo generativo. Que dizer?"

Recordemos brevemente o artificio utilizado por Jaco para obter cabras malhadas: quando os animáis estavam para en

trar em cópula, o Patriarca colocava diante dos seus olhos varas de Falgueiro, amendoeira, plátano, ñas quais fizera incisoes a fim de as tornar raiadas ou listradas de branco; a visáo — 20 —

désses ramos devia, segundo estimava Jaco, influenciar a formcgáo de embriáo, produzindo prole malhada.

Tal artificio estava muito em voga entre os antigos; jul-

gavam, como ainda hoje freqüentemente imagina o nosso povo que certos objetos avistados durante a concepcáo ou a ges-

tacáo acarretam notas próprias na prole. Vejam--se os lestemunhos de Opiano, De venatione I 327s; Plínio, Hist. nat. VII 10; Hipócrates, segundo S. Agostinho, Quaest. in Heptat. I 93;

Isidoro de Sevilha; Etymologiarum liber XII I 58-60. Nos tempos de S. Jerónimo (séc. V), dizia-se que os espanhóis por meio de tais artificios sabiam variegar a cor de seus cávalos (cf. S. Jerónimo, Liber hebraicarum quaestionum in Genesin, ed: Migne lat. 23,985).

A oiéncia genética moderna, possuidora de mais exatos conhecimentos, tende a negar a possibilidade da influencia na tural de tais fatores sobre o processo generativo. Como quer que seja, o texto sagrado dá a entender que nao foi o artificio de Jaco que, simplesmente por sua própria eficacia, deu os resultados almejados pelo Patriarca; faz-noa ver, antes ,que ele se tornou eficiente por especial intervengáo

de Deus. Esta terá sido, em última análise, a causa do éxito

do processo que por si mesmo talvez fósse váo. O expediente usado por Jaco pode ter sido mera ocasiáo para que Deus o beneficiasse. Em confirmacáo do ácima dito, note-se a énfase com que Jaco, depois de obter o sucesso, inculca ter sido especialmente auxiliado por Deus; dizia ele a Raquel e Lia: "Vejo

no

rosto

do

vosso

pai

qué

ele

nao

me

é

lavorável

como

anles, nvss o Deus de meu pai esléve ccmigo... Vonso pai burlou-se de mim. e dez vczes mudou o meu salarlo; mas Deus nao pormiliu que me fiiesse mal. Todas as vózes que ele dizia: "A prole malhada será a lúa paga", lodos os animáis davam á luz iilholos malhados; sompre que ele dizia: "A prole

raiada será a lúa paga" os animáis qeravam lilholesi raiados; Deus tirov. a vosso pai o gado é o dou a mim"(Gén 30. 7-9). No v. 16 respondem Raquel e Lia: "Slm: toda a riqueza que Deu 3 (ircu de nosso pai perlence ce nos e a nossos iilhos".

Estes versículos indicam a causa profunda de um fenóme

no que vulgarmente se atribuía ao artificio utilizado por Jaco: Deus se dignou corresponder gratuita e soberanamente á ex pectativa do Patriarca, dando bom éxito ao seu precario expe diente. Nao se invoque, pois, o texto de Gen 30 como testemu-

nho de tese científica falsamente atribuida á Biblia. — 21 —

ANGLO-AMERICANO (Rio de Janeiro):

8) "Queira explicar o texto de Le 22,18, em que Jesús diz que nao beberá mais do fruto da videira antes que lenha vindo o Reino de Deus".

Antes do mais, eis na íntegra o texto e o contexto de que

se trata: 22.14

"Chegada a hora,

pós-se desús) a mesa com

os Apostólos,

15 e

Ihes disse: "Desojol ardentemente comer esta Páscoo convosco antes de sofrer, 16 porque afirmo que nao mais a comerei até que se cunipra no Reino de Deus".

17

Tomando

¡

entáo

um

cálice,

deu

grajos

e

disse:

"Tomtri-o

e

distri-

bu!-o entre vos, 18 pois vos digo, nao mais beberei do irvito da vSnha, até que tenha vindo o Reino de Deus".

19

Depola, tomando

o

pao e

dando «iracas,

partiu-o

e

deu-o,

dizendo-

-lhes: "Islo é o meu corpo. que será entregue por vés; fazel isto em memoria

de mim".

.

20 Fez o mesmo com o cálice, no lim da cela, dizendo: "Éste cálice é a Nova AHanca no meu sangue, que será derramado por vos".

i

Analisemos sumariamente o trecho ácima. No v. 15 exprime Jesús o seu vivo desejo de comer com os discípulos a sua última ceia de Páscoa, tal como era prescrita pela Lei de Moisés; por ocasiáo dessa refeicáo, o Divino Mestre tinha em vista instituir grandes coisas.

No v. 16 diz Jesús que nao mais comerá dessa ceia "até

que se cumpra no Reino de Deus". Considera assim o rito mo

saico como figura de uma realidade maior, plena, que é a ceia do Reino de Deus. Esta se realiza em duas etapas:... de modo incoativo na Eucaristía, refei^áo sobrenatural da Igreja, do

Reino de Deus iniciado na térra;... de modo perfeito, na pa tria celeste, na visáo beatífica (Reino de Deus Consumado),

que Jesús em suas parábolas nao raro compara a urna grande ceia (cf. Mt 8,11; 22,1-14; Le 13,15-24).

Depois destas premissas, os vv. 17 e 18 supóem a obser vancia do ritual judaico, e aludem a um dos quatro cálices de vinho que o presidente da mesa devia distribuir aos seus con vivas, dando previamente gragas a Javé por ter libertado da

servidáo do Egito o seu povo. Reconhecidamente, nao se trata de vinho eucarístico (faltam as palavras da consagrado). Com referencia particular a ésse cálice judaico, afirma o Senhor que é figura de uma realidade que estará consumada no

Reino de Deus, isto é (como ácima dito), na Igreja... na Igre-<

ja militante e peregrina, mediante a Eucaristía;... na Igreja — 22 —

triunfante, mediante a visáo beatífica. Como se entende, Jesús

é conviva da ceia aucarística e da "ceia celeste" únicamente por metáfora: o Cristo glorioso nao come nem bebe, mas se

entrega aos seus fiéis em uniáo íntima.

De resto, assim como os vv. 17 e 18 aludem particularmen te ao vinho ritual judaico, pode-se crer que os vv. 15 e 16 se referem de maneira especial ao cordeiro judaico. Pois bem; aos símbobos o Senhor opóe, logo a seguir, a realidade simbolizada: paralelamente aos vv. 15 e 16 vem o v. 19, segundo o qual Jesús entrega o pao eucarístico como sendo a sua carne imolada, a carne do verdadeiro Cordeiro que tira os pecados do mundo; paralelamente aos vv. 17 e 18 está o v.

20, em que Jesús distribuí o vinho eucarístico como sendo o seu sangue derramado para selar nova Alianza, da qual a ali anza mosaica era mero prenuncio. Note-se agora a estrutura da passagem, tecida pelo para lelismo dos versículos:

vv. 15 e 16

v. 19

(cordeiro "tipo")

(cordeiro "antítipo")

vv. 17 e 18 (cálice "tipo")

v. 20 (cálice "antítipo")

Destarte Sao Lucas nos referiu a instituicao da S. Euca

ristía colocando-a plenamente sobre o seu fundo mosaico e fazendo ressaltar o seu caráter de consumagáo de realidades alegóricas antigás. Sao Mateus (26,20) e Sao Marcos (14,25) só depois das palavras da consagradlo (e nao antes, como faz Sao Lucas) referiram a alusáo ao "reino de Deus no qual Jesús bebería de um vinho novo". A ordem observada pelo terceiro Evangelista parece corresponder melhor á serie dos acontecimentos verificados na última ceia; Mt e Me neste ponto sao

sumarios e menos cronológicos. IV. HISTORIA DO

CRISTIANISMO

DESCONFIADO (Petrópolis):

9) "Gostaria de saber alge de mais exato sobre a Inqui-

sicáo. Se os "velhos tempos" ría a Iriquisigáo?"

voltassem, a Igreja restaura

— 23 —

A Inquisi?áo nao foi criada de urna só vez nem proceden sempre do mesmo modo no decorrer dos séculos. Por isto distinguem-se

1) a lnquisigáo Medieval, voltada contra as heresias ca tara e valdense nos séc. XII/XIII e contra um falso misticis mo do séc. XIV; 2)

a Inquisigáo Espanhola, instituida em 1478 por inicia

tiva dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente os ju-' deus e os muc,ulmanos, tornou-se poderoso instrumento do ab-

soJutismo dos monarcas espanhois até o séc. XIX, a ponto de quase nao poder ser considerada instituido eclesiástica (nao raro a Inquisigao espanhola precedeu independentemente de

Roma, resistindo á intervengo da Santa Sé, porque o rei da E<.panha a esta se opunha);

3) a Inquisicjío Romana. (também dita "o Santo Oficio"), instituida em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do Protestantismo.

Apesar das modalidades de que se revestiu, a Inquisigao medieval e romana foi movida por alguns principios e u'a mentalidade característicos; é justamente a estes principios que

o historiador deve voltar a sua atenc,áo, a fim de poder for mular um juízo sobre a famosa instituido. Conscientes disto, examinaremos as origens da Inquisicjío,

seus

procedimentos

mais famigerados, para finalmente chegarmos a urna aprecia-" §3o objetiva do acontecimento histórico. 1. Origens da Inquisicáo No antigo Direito Romano, o juiz nao empreendia a pro

cura dos delituosos; só procedía ao julgamento depois que lhe fósse apresentada a denuncia. Até a Alta Idade Media, o mes mo se deu na Igreja: a autoridade eclesiástica nao procedia contra os delitos se estes nao lhe fóssem previamente deferi dos. No decorrer dos tempos, porém, esta praxe mostrou-se in suficiente.

Além disto, no séc. XI apareceu na Europa nova forma de delito religioso, isto é, urna heresia fanática e revo lucionaria, como nao houvera até entáo: o catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigenses (de Albi, cida-

de da Franga meridional, onde os herejes tinham seu foco .prin— 24 —

cipal). Considerando a materia por si má, os cataros rejeitavam nao sómente a face visíwl da Igreja, mas também instituigóes básicas da vida civil — o matrimonio, a autoridade

governamental, o servigo militar — e enalteciám o suicidio. Destarte constituiam grave ameaga nao sómente para a fé crista, más lambém para a vida pública. Em bandos fanáticos, ás vézes apoiados por nobres senhores, os cataros provocaram tumultos, ataques ás igrejas, etc., por todo o decorrer do séc. XI até 1150 aproximadamente, na Franga, na Alemanha, nos Países-Baixos... O povo, com a sua

espontaneidade, e a autoridade civil se encarregaram de os re primir com violencia: nao raro o poder regio da Franga, por

iniciativa própria e a contra-gósto des bispos, condenou á morte pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamentos da ordem constituida. Foi o que se deu, por exemplo, em Orléans (1017) ■, onde o rei Roberto, informado de um surto de hereí-ia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame

dos herejes e os mandeu langar ao fogo; a causa da civilizagáo e da ordem pública se identificava com a da fé! Entre men tes a autoridade eclesiástica limitava-se a impor penas espirituais (excomunháo, interdito, etc.) aos albigenses, pois até entáo nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violencia física; S. Agostinho (t 430) e antigos bispos, S. Bernardo (t 1153), S. Norberto (t 1134) e outros mestres medievais eram contrarios ao uso da fórga ("Sejam os herejes conquistados nao pelas armas, mas pe,los argumen

tos", admoestava Sao Bernardo, In Cant serm. 64).

Nao sao casos ¡solados os scgulnlos: em 1144 ña cidade de Liáo o povo quls punir violentamente um grupo de ¡novadores que ai se introduilia; o clero, poiém, os salvou, desojando a sua conversó», e nao a suo morte. Em 1077 um hereje professou seus eiros

dianle do blspo de Cambrala;

tidáo de populares lancou-se entáo sobre ele, som cncerraram-no nuna cabana, a qual atearam o logo!

esperor

o

a muí-

Juicamente;

Contudo em meados do séc. XII a aparente indiferenca do clero se mostrou insustentável: os magistrados e o povo exigiam colaboragao mais direta na repressáo do catarismo. Muito significativo, por exerrfplo, é o episodio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao arcebispo de Reims e ao Con de da Flándria, em cujo territorio os cataros provecavam desórdens:

"Mais vale absolver culpados do que. por excossiva severldade, atacar a vida de Inocentes... A mansidáo mais convém aos homens da Igreja do quo a d:iroza".

— 25 —

Informado desta admoestagao pontificia, o rei Luís VII de Franga, irmáo do referido arcebispo, enviou ao Papa um do cumento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultáneamente: 'Que vossa prudencia dé

alencáo todo

particular

a

essa peste (a hero

sia) e a suprima antes que poesa crescer. Suplico-vos pana hem da ié crista: concedei

todos

os

rá os que assim

poderes nosto

campo

ao

arcebispo (de Reims);

ele destrui

se insurgem contra Deus; sua justo severidade será louva-

da por

todos aqueles que nesta tena sao animados do verdadotra piedade. Se procederdes de outro modo, as qucixas nao so acalmaráo {ácilraente e desencadeareis contra a Iqroia Romana as violentas recrlminacóes di opiniáo pública (Marlene, Amplissima Collecl'.o II 683s). i

As conseqüéncias déste intercambio epistolar nao se fizeram esperar muito: o concilio regional de Tours em 1163, to mando medidas repressivas a heresia, mandava inquirir (pro curar) os seus agrupamentos secretos. Por fim, a assembléia de Verona (Italia), á qual compareceram o Papa Lucio III, o Imperador Frederico Barbarroxa, numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou em 1184 um decreto de grande importancia: o poder eclesiástico e o civil, que até entáo haviam agido independentemente um do outro (aquéle impondo penas espirituais, éste recorrendo á fórga física), deveriam combinar seus esforgos em vista de mais eficientes resultados: os herejes seriam doravante nao sonriente punidos, mas também procurados (inquiridos); cada bispo inspecionaria, por si ou por pessoas de confianza, urna ou duas vézes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, baróes e as demais autoridades civis es deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito lanzado sobre as suas térras; os herejes depreendidos ou abjurariam seus érros ou seriam entregues ao brago secular, que lhes imporia a sangáo devida.

Assim era instituida a chamada "Inquisigáo episcopal", a

qual, como mostram os precedentes, atendía a necessidades reais e a clamores exigentes tanto dos monarcas e magistrados c'vis cerno do povo cristáo; independentemente da autoridade da

Igreja, já estava sendo praticada a repressáo física das heresias.

No decórrer do tempo, porém, percebeu-se que a Inquisi-í gao episcopal ainda era insuficiente para deter os inovadores; alguns bispos, principalmente no sul da Franga, eram tolej rantes; além disto, tinham seu raio de agáo limitado as .respec

tivas dicceses, o que lhes vedava urna campanha eficiente. A vista disto, os Papas, já em fins do séc. XII, comegaram a nomear legados especiáis, munidos de plenos poderes para proce— 26 —

der contra a heresia onde quer que fósse. Destarte surgiu a

"Inquisigáo pontificia" ou "legatina", que a principio ainda funcionava ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou

desnecessária. A Inquisigáo papal recebeu seu caráter defini tivo e STia organizado básica em 1233, quando o Papa Grego rio IX confiou aos dominicanos a missáo de Inquisidores; haveria doravante, para cada nagáo ou distrito inquisitorial, um

Inquisidor-Mor, que trabalharia com a assisténcia de nume-i roses oficiáis subalternos (consultores, jurados, notarios...), em geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do procedimento inquisitorial fo->

ram sendo sucessivamente ditadas por bulas pontificias e decisóes de concilios. Enfréntenles

a

autoridade

oivil

contlnuava a

aqli,

com

zélo surpreen-

denle (!), contra os sectarios. Chama a ate.icáo, por oxetnplo, a conduta do Imperador Frederico II. um dos mais porigosos adversarlos que o Papado teve no béc. XIII. Em 1220 éslo monarca exlglu de lodos os oficiaos do seu

go/érno. promelessem expulsar de suas Ierras os

herejes

reconhecidos pela

Igreja; declarou a heresla crime de lesa-ma¡estade, ■suieito a pena de moile e mandón dar busca aos herejes. Em 1224 publlcou decreto mais severo "do

que quaíquer das leis editadas pelos reís ou Papas anterioros: as autorida des cívis da Loir&ardla deveriam nao sómenlo enviar ao logo quem tivesse

side comprovado hereje pelo bispo, mas aínda corlar a lingua aos sedarlos a quem, por razóos particulares, so houvesse conservado a vida. E' possível que Frederico II visasse ¡nterésses próprios na campanha

contra a heresia;

os bons confiscados redundarían! e.n proveilo da coroa.

Nao menos típica ó a alilude de Henriaue II, rei da Inglaterra: londo entrado em lula contra o arceblspo Tomaz Becket, primaz de Cantuárla.

e o Papa Alexandre III, foi excomungado. Nao obslanle, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da heresia no seu reino: em 1185, por exemplo, alcuns

herejes

da Tlfindria

tendo-se

refugiado

na

Iriglaieitoj,

o

monarca

maedou prendé-los) marcá-los com ierro vermelho na testa e expó-los, assim desfigurados, ao povo: além dislo, proibia aos seus súditos lhes dessem asilo ou Ihes prestassem o mínimo servico.

Estes dois episodios, que nao sao únicos no seu género, bem mostram que o proceder violento conira os herejes, longe do 1er sido serop'ré inspira do pola suprema

autorldado

da Igroja,

foi

nao raro

desencadeado

indopen-

dentemente desta, por poderes que esiavam om confuto com a' própria Igiela. A Inquisicáo. em toda a sua historia, se ressentiu dessa usurpacáo de direitos ou da demasiada ingerencia den autoridades civis em questóes qus dependem primariamente do loro eclesiástico.

Em conclusáo, o histórico das origens da Inquisigáo leva-nos a ver que esta nao foi concebida como órgáo de intransi gencia odiosa, mas, sim, qual medida defensiva do bem co-

mum, religioso e civil. Consciente disto, o historiador distingue

entre a intengáo dos homens da Igreja que instituiram a Inqui

sigáo, e a conduta daqueles que a executaram, conduta que passamos a analisar. — 27 —

2. Alguns dos procedimcntos da Inquisicáo

As táticas utilizadas pelos Inquisidores sáo-nos hoje noto rias, pois ainda se conservam Manuais de instrucoes práticas entregues ao uso des referidos oficiáis. Quem le tais textos, verifica que as autoridades visavam fazer dos juízes inquisitoriais auténticos representantes da justica e da causa do bem. Bernardo de Gui (séc. XIV), por exemplo, tido como um dos mais severos Inquisidores, dava as seguintes normas aos seus colegas: "O

Inquisidor deve

ser

diligente

e

fervoroso

no

seu

zélo pelo

verdade

religiosa, pela |ialva;áo das almas e pela extirpa;áo da» hereslas. Em meio as diiiculdadcs permanecerá calmo, nunca cederá a cólera nem a Indigna-

gao... Nos casos duvidosos. ee\a circunspecto, nao de fácil crédito ao que parece provável e mullas véies nao é verdade; tamben» nao rejeile obstina damente a opiniáo contraria, pois o que parece impcovávol ireqüentemenle acaba por ser comprovado como verdade... O' amor da verdade o a piedade, que devem residir no coracero de um juiz, brilhem nos seus olhos, a fim do que, suas decisóes lamáis pnssam parecer ditada? pela cupidez e a crueldade" (Pratica VI p...

ed. Douis 232s).

Já que mais de urna vez se encontram instru?6es tais nos arquivos da Inquisicáo, nao se poderia crer que o apregoado ideal do Juiz Inquisidor, ao mesmo tempo equitativo e bom, se ' realizou com mais freqüéncia do que comumente se pensa? Nao se deve esquecer, porém, (como abaixo mais explícitamen te se dirá) que as categorías pelas quais se afirmava a justica

na Idade Media, nao eram exatamente as da época moder-i na... Além disto, levar-se-á em conta que o papel do juiz, sempre difícil, era particularmente arduo nos casos da Inquisicáo: o povo e as autoridades civis estavam profundamente interes-

sados no desfecho dos processos; pelo que, nao raro exerciam pressáo para obter a sententja mais favorável a caprichos ou a interésses temporais; as vézes, a populacáo obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o "veredictum" do juiz entre garía ao braco secular os herejes comprovados. Em tais cir cunstancias nao era fácil aos juízes manter a serenidade deseiável. Dentre as

táticas

adotadas pelos

Inquisidores,

merectm

particular atengáo a tortura e a entrega ao poder secular (pe na de morte).

A tortura estava em uso entre os gregos e romanos pré-cristáos que quisessem obrigar

um escravo a

— 28 —

confessar seu

delito.

Certos

povos germánicos também a praticavam. Em

866, porém, dirigindo-se aos búlgaros, o Papa Nicolau I a. conT denou formalmente. «, Nao obstante, a tortura foi de novo adotada pelos tribu-

nais civis da Idade Media nos inicios do séc. XIII, dado o renascimento de Direito Romano. Nos processos inquisitoriais,! o Papa Inocencio IV acabou por introduzí-la em 1252, com a

cláusula: "Nao haja mutilacáo de membro nem perigo de morte" para o réu. O Pontífice, permitindo tal praxe, dizia confoH mar-se aos costumes

vigentes em seu tempo (Bullarum am-

plissima collectio II 326). Os Papas subseqüentes, assim como os Manuais

quisidores, procuraram restringir a aplicaQáo da

dos In

tortura: só

seria lícita depois de esgotados os outros recursos para inves

tigar a culpa e apenas nos casos em que já houvesse meia-prova do delito oa, como dizia a linguagem técnica, dois "índices veementes" déste, a saber: o depoimento de testemunhas fi

dedignas, de um lado, e, de outro lado, a má fama, os maus cos-( turnes ou tentativas de fuga do réu. O concilio de Viena (Fran ca) em 1311 mandou outrossim que os Inquisidores só recor-

ressem á tortura depois que urna comissáo julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para cada caso em particular. — Apesar de tudo

que a

tortura apresenta de horroroso,

ela tem sido conciliada com á mentalidade do mundo moder

no...: ainda esta va oficialmente em uso na Franga do séc. XVIII e tem sido aplicada até mesmo em nosscs dias... Quanto á pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na jurisprudencia civil da Idade Me

dia. Sabe-se, porém, que as autoridades eclesiásticas eram con1 trárias á sua aplicagáo em casos de lesa-religiáo. Contudo, após o üurto do catarismo (séc. XII), alguns canonistas comsgaram

a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do Imperador Justiniano, que no sécr VI a infligirá aos maniqueus. Em 1199 o Papa Inocencio III dirigia-se aos magistrados de Viterbo nos seguintes termos:

''Conforme a lei civil, os réus de loga-majestado sao punidos com a pena capital c seus bons sao confiscados... Com multo mais razáo, portanto, oque-les que, desellando a ié, ofendem a Jesús, o Filho do Senhor Deas, devem

ser separados da comunháo crista e despojados de seus bens, pois milito mais grave ó ofender a Majsslade Divina do que losar a maieslade humana" (eplst. 2.1).

— 29 —

Como se vé, o Sumo Pontífice com essas palavras desejava apenas justificar a excomunháo e a confiscacáo de bens dos herejes; estabelecia, porém, urna comparacáo que daría oca-

silo a nova praxe... O Imperador Frederico II soube deduzir-

-lhe as últimas conseqüéncias: tendo lembrado numa constituigáo de 1220 a frase final de Inocencio III, o monarca, em 1224, decretava francamente para a Lombardia a pena de morte con tra os herejes e, já que o Direito antigo assinalava o fogo em tais casos, o Imperador os condenava a ser queimadcs vivos. Em 1230 o dominicano Guala, tendo subido á cátedra'episco pal de Bréscia (Italia), fez aplicacáo da lei imperial na su a diocesse. Por fim, o Papa Gregorio IX, que tinha intercambio freqüente com Guala, adotou o modo de ver déste bispo: transcreveu em 1230 ou 1231 a constituido imperial de 1224 para o Registre das cartas pontificias e em breve editcu urna lei pela qual mandava que os herejes reconhecidos pela Inquisigáo fóssem abandonados ao poder civil, para receber o devido castigo, castigo que, segundo a legislado de Frederico II, seria a morte pelo fogo.

Os teólogos e canonistas da época se empenharam por jus tificar a nova praxe; eis cerno o fazia S. Tomaz de Aquino: "E" mullo mais grave corrompor a lé. que é a vida da alma, do que ialilflcar a moeda, que é um meló de piover á vida temporal. Se. pois. os fal sificadores de moedas e oulros malieilores sao. a bom direilo. condenados

a moría peles príncipes seculares, com .multo mais

raías os .herejes.' desde

que

ser

sejam

comprovados

tais,

podem

nao

sámente

excomungados,

mai

lambém em toda justica ser condenados a morte" (Suma Teológica II/I1 11,3c).

A argumentado do S. Doutor procede do principio (sem dúvida, auténtico em si, mas pouco significativo para o mundo

moderno) de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia ameac.a a vida espiritual do pro ximo, comete maior mal do que qaem assalta a vida corporal;

o bem comum entáo exige a remocáo do grave perieo (veia-se também S. Teol. II/II 11,4c).

Contudo as execucóes capitais nao loram tño numerosas quanto se po derla crer. Infelizmente ialtam-nos estatístlcas completas sobre o assunto; consta, porém, que o' tribunal de Pamlors, de 1308 a 1324, pronunciou 75 senteucaa -condenatorias, das quais oponas cinco mandavam entregar o réu ao poder civil (o que equivalía a morte); o Inquisidor Bernardo de Gui em Tolosa, de 1308 a 1323, proferiu 930 sentengas, das quais 42 eram capitals; no primeiro caso, a proporcáo é de 1/15; no segundo caso, de 1/22.

— 30 —

Nao se poderia negar, porém, que houve injusticas e abu sos da autoridade por parte dos juízes inquisitoriais. Tais ma

les se devem á conduta de pessoas que, em virtude da fraque-1 za humana, nao foram sempre fiéis cumpridoras da sua missáo. Os Inquisidores trabalhavam a distancias mais ou menos consideráveis de Roma, numa época em que, dada a precariedade de correios e comunicac.óes, nao podiam ser asiduamen te controlados pela suprema autoridade da Igreja. Esta, porém, nao deixava de os censurar devidamente, quando recebia no ticia de algum desmando verificado em tal ou tal regiáo . Famoso.' por oxemplo, é o caso de Roberto o Buqro, Inqulsidor-Mor de Franca no séc XIII. O Papa Gregorio IX a principio muilo o ielicilava por ' seu zélo. Roberto, porém, tenáo gderido outrora a heresia, mostrava-so excessivamente cados

pelo

violento na repreqsao Inquisidor,

cerar. — Inocencio

o

Papa

da

o

mosma.

destituju

Informado dos

de

suas

desmandos

fun;5es

prali-

e mandou encar-

IV, o mesuro Pontífice quo pernütiu a tortura nos procés

eos da Inquisicáo. e Alex'andre IV. respectivamente em 1246 o 1256. mandaram aos

Padres ProvinciaU

o

Gerals

dos

Dominicanos

e

Franciscanos,

as Inquisidores de sua Ordem que se Ihes tornassem dade. O

Papa

Bonifacio

VIH

(1294-1303).

famoso

pela

I tenacidade

gor.cia de suas atitudes, ioi um dos que mais roprkniram quisidores,

mandando

examinar,

ou

sSaiplesmente

depusesssm

notorios por sua cmel-

03

e ■ instranui-

ex^e-^os do?

anulando,

sentencas

In

pro

feridas por estes. O

concilio

regional

que

v¡savU:n

impedir

> de

Narbona

abusos

do

(Franca)

poder.

em

Ent"?

1243

outras

promulgou normas,

Inquisidores só profcrissem sentenca condenatoria nos casos

guranza, tivessem apurado alguna falta, "pols mais

vale

29

artigos

prescrev'a

em que,

aos -

com se

deixar uir. culpado\

Impune do quo condena um inocente" (can. 23).

Dirigindo-se o» Impensdor Fredor'ca II, pioneiro dos métodos inqutaltoriais, o Papa Gregorio IX aos 15 do )ulho de 1233 ihe lembrava que "a arma manejada pelo

Imperador

nao

devia servir para

satlsfaier eos

pessoais, com grande escándalo dan populacóes, com

bous

rancores

detrimento da verdade

e da dlgnidade imperial" (ep. saec. XIII 538.550).

Conclusáo

Procuremos agora formular um juízo sobre a Inquisigáo medieval. . Nao é necessário ao católico justificar tudo que, em nome

desta, foi feito. E' preciso, porém, que se entendam as inten§5es e a mentalidade que moveram a autoridade eclesiástica a ins tituir a Inquisicáo. Estas intenses, dentro do quadro de pensamento da Idade Media, eram legítimas; diríamos até: deviam parecer aos medievais inspiradas por santo zélo. Podem-se reduzir a tjuatro os fatores que influiram decisivamente no surto e no andamento da Inquisicáo: 1) os medievais tinham profunda consciéncia do valor da alma e dos bens espirituais (consciéncia que hoje em dia se — 31 —

acha muito atenuada). Táo grande era o amor á fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpac,áo da fé pela heresia como um dos maiores crimes que'o homem pudesse cometer (notem-se os textos de S. Tomaz e do Imperador Frederico I ácima citados); essa fé era táo viva e espontánea que

difícilmente se admitiría viesse alguém a negar com boas mtencóes um só dos artigos do credo.

2) As categorías de justiga na Idade Media eram um tanto diferentes das nossas: havia muito mais espontaneidade (que as vézes equivalia a rudez) na defesa des direitos. Pode-se

di?er que os medievais, no caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a ternura do sentimento; o raciocinio abstrato e rígido neles prevalecia por vézes sobre o senso psicológico (nos tempos atuais verifica-se quase o contrario: muito se apela para a psicología e o sentimento, pouco se segué a lógica; os homens modernos nao acreditam muito em principios perenes; tendem a tudo julgar segundo criterios relativos e relativistas,

criterios de moda e de preferencia subjetiva). 3) A intcrvenc.áo do poder secular excrceu profunda in fluencia do desenvolvimento da Inquisicáo. As autoridades civis anteciparam-se na aplicagáo da fórca física e da pena de morte aos herejes; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse enérgicamente; provocaram certos abusos motiva dos pela cobica de vantagens políticas ou materiais. De resto,

o poder espiritual e o temporal na Idade Media estavam, ao menos em tese, táo unidos entre si que lhes parecía normal, recorressem um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. A partir dos inicios do séc. XIV a Inquisicáo foi sendo mais e mais explorada pelos monarcas, que déla se serviam para promover seus interésses particulares, subtraindo-a as dirtivas do poder eclesiástico, até mesmo encaminhando-a contra

éste; é o que aparece claramente no processo inquisitorio dos Templarios, movido por Filipe o Belo da Franca (12851314) á revelia do Papa Clemente V; cf. "P.R." 15/1959, qu. 7 (Templarios). 4)

Nao se negará a

íraqueza humana de Inquisidores e

de oficiáis seus colaboradores. Nao sería lícito, porém, dizer que a suprema autoridade da Igreja tenha pactuado com ésses atos de fraqueza; ao contrario, tem-se o testemunho de nume rosos protestos enviados pelos Papas e concilios a tais ou tais

oficiáis, contra tais leis e tais atitudes inquisitoriais. As de

clarares oficiáis da Igreja concernéntes á Inquisicáo se enquadram bem dentro das categorias da justi$a medieval; a

injustica se verificou na execugáo concreta das Jéis. Diz-se, de resto, que cada época da historia apresenta ao observador um enigma próprio: na antigüidade remota, o que

surpreende sao os desumanos procedimentos de guerra. No Imperio "Romano, é a mentalidade dos cidadáos, que nao con-

cebiam o mundo sem o seu Imperio (oikouméne ■■= orbe habi tado = Imperium). nem concebiam o Imperio sem a oseravatura. Na época contemporánea, é o relativismo ou ceticismo público; é a utilizado dos requintes da técnica para "lavar o cránio". uesfazer a personalidade, fomentar o odio e a paixác. Nao seria entáo possível que es medievais, com boa fé na consciéncia, tenham recorrido a medidas repressivas do mal que o homem moderno, com razáo. julga demasiado violentas?

Quanto á Inquisicáo Romana, instituida no séc. XVI, era herdeira das leis e da mentalidade da Inquisigáo medieval. No tocante á Inquisigáo espanhola, sabe-se que agiu mais por in

fluencia dos monarcas de Espanha do que sob a responsabilidade da suprema autoridade da Igreja.

V. MORAL

M. L. S. P. (Rio de Janeiro):

10)

"Quais os direitos do individuo anormal e do mons-

tro?"

Em vista de clareza no assunto, devemos distinguir entre o anormal psíquico e o anormal físico. Muito mais importante é o primeiro caso, do qual passamos a tratar.

1.

Todo

individuo descendente

humana tem alma

de auténtica linhagem

espiritual, dotada de inteligencia e von-

tade. Como se sabe (cf. "Pergunte e Responderemos" 3/1957, qu. 1). a alma, embora destinada a se unir a tal corpo,

nao depende déste em sua existencia; é criada diretamente por

Deus e sobrevive fora do corpo. Contudo, destinada a se unir

a um corpo e com éste chegar á sua perfeic,áo, ela nao pode exercer as suas atividades, nem mesmo as mais elevadas (que — 33 —

sao as da inteligencia e da vontade), caso nao receba do corpo

ou dos sentidos os objetos ou o "material" a serem elaborados

pelo intelecto.

"Nada há no intelecto que nao tenha estado

primeiramente nos sentidos", já dizia o filósofo grego Aristó teles. E note-se que neste adagio nao se trata apenas dos sen tidos externos (olhar,

audicáo, gósto, olfato, tato), mas tam-

bém dos internos (a memoria sensitiva, a fantasía ou imaginacáo, a estimativa e o sentido comum). Ora os sentidos estáo

localizados em determinado órgáo corpóreo e funcionam todos em relac,áo direta ou indireta cora o cerebro. Disto se segué que,

quando o cerebro do individuo é afetado por alguma molestia ou lesáo, a vida sensitiva sofre daño total ou parcial — o que impede ou dificulta o exercício da inteligencia humana. Acon tece entáo que o doente, embora possua verdadeira alma espi

ritual ou intelectiva, nao a possa manifestar; jamáis raciocina ou só raciocina com intermitencia e imperfeitamente. E' o ca-« so das pessoas que nascem psíquicamente taradas e em idade alguma chegam ao pleno uso da razáo, assim como o daquelas que, em virtude de doengas, perdem o uso normal da razáo; ésses anormais vivem como se nao tivessem inteligencia, quan do de fato a tém, mas nao a podem exprimir, porque o corpo nao lhes fornece os dados necessários ao seu funcionamento. ■ — Note-se que a criancinha sadia se acha em condicoes análogas,

enquanto os seus órgáos sensitivos nao estáo suficientemente desenvolvidos, ou seja, até a chamada "idade da razáo". Todos os alienados, pelo fato de possuir alma intelectiva, gozam de personalidade humana e sao por Deus destinados a um fim transcendente cu sobrenatural. Possuem, em conse-

qüéncia, certos direitos intransferíveis ou, se quisermos, Deus ncles possui direitos intangíveis; tais sao: a) o direito de viver. A vida humana é dom do Criador,

do qual nao é lícito, nem ao individuo nem á sociedade, disppr soberanamente. Portanto nao é permitido praticar o aborto, eliminar crianzas ou adultos que sejam debéis mentáis ou ali enados. O individuo humano, nác sendo feito simplesmente para a sociedade nem para éste mundo, tem o direito de ser sustentado

pelos seus semelhantes, mesmo nenhum possa trabalhar e produzir.

b)

quando

de modo

No piano religioso, tém direit0 ao sacramento do ba— 34 —

üsmo, como o feto e a criancinha normáis o tém, direito ao qual corresponde da parte da sociedade o dever de prover ao batismo, a fim de que a alma existente no individuo irrespon-

sável seja salva.

c)

Quanto á recepcáo dos demais sacramentos, fica su

bordinada ao uso da razáo de que tais^ pessoas gozem. Se nun ca chegam a tal, permanecem abaixo da ordem moral, irresponsáveis como as criancas inconscientes, por isto também

incapazes de pecar, de se confessar, de receber a santa Comunháo, de contrair vínculo matrimonial, etc. Se possuem luci dez mental ccm intermitencia, tém o direito de receber os sa cramentos de que precisem para sua santificado, desde, po-

rém, que tenham a devida instruijáo e as- disposi^óes conveni

entes. No tocante ao matrimonio, S. Tomaz ensina que os que gozam de períodos de lucidez sao capazes de consentimento • matrimonial, mas que nao convém admití-los ao casamento, "porque nao poderiam educar seus filhos" (S. Teol., Supl. 58,8).

Está claro que os alienados só seráo julgados por Deus na medida em que sao responsáveis por seus atos (medida cujas proporcóes escapam ao observador humano) e segundo os cri

terios brandos exigidos por seu estado mais ou menos mórbido. Quem enlouqueca definitivamente depois de ter gozado do uso da razáo. é julgado na base do seu último período de lucidez; quem a intervalos recupera o uso da razáo, é julgado na base

dos últimos atos que pratique de maneira consciente e ponsável.

2.

Os

individuos

psíquicamente saos,

re?-

mas afetados de

doenga contagiosa ou dcfeito físico, seja por hereditariedade, seja por acídente pessoal. gozam naturalmente dos direitos de personalidade ácima descritos. Por conseguinte, nao é lícito exterminá-los, nem submeté-lcs á esterilizagá0 nem reduzí-los

á categoria de meros objetos de experiencias médicas (cobaias). Em particular, a Moral crista, tendo em vistas teorías so ciológicas modernas, insiste no direito que a tais pesscas assiste. de contrair matrimonio. Caso se preveja que gerará0 filhcs doentes (previsáo por vézes assaz hipotética), poder-se-á, no máximo, aconselhar-Ihcs o celibato. E' o que Pió XI, repetindo — 35 —

a doutrina tradicional da Igreja, inculcou nos seguintes ter mos:

"Hó alguns que, demasiado solícitos com a eugenesia, nao se contentáis com dar canselhos oportunos para prover mais seguramente a saúde e ao vigor da prole lutura... roas querem que a autoridade pública proibo o ma trimonio a

todas

turas de sua

as

pessoas das

quais

julgam.

segundo

ditáiia. embora essas

mismas pessoas seiam por si aptas

nio.

que.

Querem

as

normas

c conje

ciencia, háo de nascer filhos defeiluosos por transmissáo here'mesmo

por

fórca

la

lei,

esf.rs

a contrair matrimo

pessoas

seiam.

mediante

intervencáo médica e contra a sua vontade. destituidas do direito natural de pe casar .. Alribuem aos magistrados civis. contra todo direito e legiümidade. um poder que nunca tiverair. nem podem legítimamente ter.

Os que déste modo procedem,

esquecem perversamente

que a familia é

mais santa do que o Estado e que os homens sao primaciamente gerados nao para a Torra e o tempo. mas para o Céu e a eternidade. De modo nenhum é lícito incriminar por se casarem, homens que por si sao engaza de se casar, embora se provoia que, nao obstante todo o cuidado e diligencia, háo de gerar

prole defeituosa. Verdade é que muitas vézcs a ésses tais se de verá dosaconselhar

o

matrimonio"

(Ene.

"Casti

connubii".

em

"Acta

Apcstollcae

Sedis"

22 [1930] 564s).

Pió XI, doutro lado, insiste na mesma encíclica sobre a grave responsabilidade que, perante Deus, a sociedade e a fu tura prole, assumem os individuos doenles que contraem ma trimonio.

Em suma, a doutrina católica concernente aos direitos dos

individuos anormais consiste em inculcar que sagrada e intangível é a personalidade humana. MARÍA CLAUDIA (Rio de Janeiro):

11) "O hipnotismo pode acarretar algum mal? Será lí cito ao cristáo deixar-sc hipnotizar freqiientemente pela mes ma pessoa?"

A hipnose é um estado de sonó em que 0 paciente fica sujeito as sugestóes ou á vontade de um operador (podendo perdurar a influencia déste, mesmo depois de cessado o tran se). Em estado de hipnose, portante, o individuo perde a sua per sonalidade em grau maior cu menor, pois é, até certo ponto, destituido da sua faculdade de raciocinar « da suri vontade própria. Em tais circunstancias, arrisca-se a cometer atos que

nao cometería em estado de lucidez. Tem sido muito debatida

a questáo: será que o hipnotizador possui poder sugestivo ne-

cessáric para obrigar o paciente a realizar até mesmo acóés que contrariem a sua consciéncia? — 36 —

O Dr. Julio Camino (Como se hipnotiza. Madrid), médico que tem a experiencia de milhares de casos de hipnotismo, afir ma categóricamente que o hipnotizador pode induzir o pacien te a crimes gravíssimos. Cita, por exemplo, o caso de urna se-» nhora hipnotizada a quem ele sugeriu que no dia seguinte envenenasse toda a sua familia, lanzando na respectiva comida um pó que o hipnotizador Ihe consignou (e que naturalmente era inofensivo). Pois bem; chegada a hora prevista, a senhora,

já libsrta da hipnose, julgandc que ninguém a vía, atirou nos

alimentos de seus familiares o presumido veneno; entrementcn os interessados e o médico as ocultas a espreitavam! — Nao todos os autores sao do parecer do Dr. Camino; há quem assegure que o ccnflito psíquico provocado no paciente por urna

ordem imoral pode chegar a despestá-lo do sonó hipnótico. Contado a tese de Camino parece demais comprovada pelos fatos para que déla se possa duvidar. Além disso, sabe-se que a hipnose tem ccnseqüéncias psí

quicas e físicas daninhas para o paciente: pode deformar-lhe a

personalidade, reduzir-lhe a liberdade de arbitrio, excitar-lhe

paixóes para ccm o hipnotizador, assim como influir nociva mente sobre o coragáo e as grandes arterias d0 organismo.

Tais efeitos justificam as graves restricóes que a Moral crista faz ao uso da hipnose. Nao é lícito ao homem alheiar-^e á sua responsabilidade e colocar-se abaixo do nivel da moralidade, pois Deus, tendo feito o homem animal racional, deseja que ele proceda como ser racional e consciente. Sem razóes imperiosas nao se justifica que alguém se arrisque a cometer atos degradantes ou a servir aos interésses pecaminosos de outrem, manifestando segredos, revelando nomes que dever.iam ficar ocultos, etc.

A consciéncia crista veda, por conseguinte, a hipnotizagáo praticada a título de mero divertimento. Nao se Ihe opóe, porém, desde que se tenha em mira curar ou aliviar um caso patológico, como a alucinagáo, a loucura, a insónia, a neuras

tenia, as dores resultantes de intervengáo cirúrgica. Em tais casos, devidamente diagnosticados, o cuidado el? hipnotizar só poderá ser confiado a médico perito, comprovadamente honeste, que trabalha em presenta de testemunhas moralmente idóneas e com o consentimento do paciente cu de seus responsáveis.

A liceidade da hipnotizagáo nessas circunstancias fci r£— 37 —

conhecida por declaracóes do Santo Oficio promulgadas em 1840, 1847 e 1899, as quais ao mesmo tempo nao deixavam de chamar a atencáo para os perigos da dita praxe. O Santo Pa dre Pió XII, aos 24 de fevereiro de 1957, num discurso dirigido a médicos, pronunciou-se sobre a anestesia em geral, conside rando explícitamente a hipnose; eis um dos trechos que aquí nos interessam: "Pretendo-se obter urna baixa da consciéncia e, por mcio déla, das lacuidados superiores, de maneira que se paralísem os mecanismos psíquicos de dominio utilizados constantemente pelo homem para se governar e dirigir;

éste abandonase

enlao

sem resistencia ao

dos sentimentos e impulsos volitivos. Os

iógo

das associacóes

de idéias.

perigos de tal estado sao evidentes:

pode acontecer que se libertem assim impulsos instintivos imorais... Suspen der os dispositivos de dominio lomase especialmente perigoso, quando se choga a provocar a revelacáo dos segredos da vida privada, pessoal ou faroiliat, e da vida social. .. Há certos segredos que se nao deven» revelar a ninguém, nem sequer. como diz urca lórmula técnica, uní viro prudenü o! silontii ter.cci... Por isto nao se pode deixar de aprovar o uso de narcóticos

na mí-

dicacao pré-operalória, para evitar tais inconvenientes. .,

Nao queremos

que se estenda pura e

simplesmente a hipnose em geral

o que diiemos da hipnose a servico do médico. Corr. eieito. esta, como objeto de investigacáo científica, nao pode ser esludada por quem quer que soja, mas

só por um sabio serio e dentro dos limites moráis que

valem para toda ati-

vidode cisntílica. Nao é éste o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiás ticos oue ce pratieassem como coisa intotessante, a título de pura

ou mesmo por simples passa-tempo"

Brasíleira" XVII [1957]

(texto

experiencia

"Revista Eclesiástica

477s).

JUCISTA

(Ribeirao Préto):

12)

casos

"Km

transcrito da

ele

prentiez

tubaria.

puaibe

a

igreja

o

aborto antes da ruptura da trompa? Será entáo que cía nutre esperanzas de milagre?"

A prenhez tubária se dá quando o feto humano se localiza

e desenvolve fora do lugar normal, ou seja, na trompa (donde o nome de "prenhez ectópica" em sentido largo, que também lhe é dado).

Em tais casos, muito precarias se tornam as probabilidades do sobrevivencia tanto da máe como da crianca: as vilosidades da placenta, em vista de captar o sangue necessário á exis tencia do feto, váo corroendo as paredes da trompa, tendendo a provocar graves hemorragias e ruptura

da trompa, fatais

para a vida materna.

Verifica-se, porém, nao ser impossível o desenvolvimenlo do feto assim localizado ató o sexto mes de gestacáo; isto de— 38 —

penderá da posigáo precisa do embriáo (quanto mais próximo

estiver do útero, tanto menos provável será a sua subsistencia).

Está claro que, se a prole crescer até atingir o seu sexto mes,

poderá ser extraída mediante intervencáo cirurgica, salvando-

-se entáo tanto a vida materna quanto a do pequenino. O mé

dico Dr. Clement no seu estudo "Derecho del niño a nascer", pág. 61 nota 41, refere os seguintes dados estatísticos colhidos entre especialistas: Orillard registrou 61 casos de embaraces ectópicos em que o feto chegou a bom termo; Brown, alguns mais; Lecene, urna centena; Werder, 148. Diante disto, a Moral crista costuma hoje recomendar o seguinte procedimento:

Quandc o médico verifica um caso de gravidez tubária tal que nao se preveja perigo próximo para a gestante, proporcio ne a esta vigilancia médica serr. operagáo cirurgica imediata, a fim de tentar, de um lado, salvar o feto, e, de outro lado, poder intervir imediatamente em caso de ruptura da trompa, ■ garantindo assim a sobrevivencia da gestante.

Caso, porém, o feto nao se aprésente de modo algum viá-

vel ou nao haja possibilidade de colocar a máe sob inspecáo médica, nao é ilícita a intervencáo cirurgica: o operador po derá extrair a trompa como extrai um órgáo doente a fim de salvar a vida da paciente (nao negligenciando, porém, a obrigacáo de batizar o feto). A intervencáo em tais casos nao visa diretamente eliminar o embriáo (como nos casos de aborto), mas visa remover um órgáo que, por estar mórbido, se tornou pernicioso ou fatal. Nao há dúvida, tal órgáo é portador de um

feto que, em conseqüéncia da intervengáo, perecerá; a morte do pequenino, porém, nao é o objetivo intencionado pelo cirurgiáo. mas apenas efeito permitido ou tolerado. Equipara-se assim o caso ao de um útero canceroso, que é sempre lícito extrair a fim de preservar a vida materna.

Com efeito. a trompa sujeita a hemorragias e ruptura por

corrosáo de suas paredes pede muito bem ser considerada um

órgáo doente. E' éste o ponto preciso sobre o qual se apoia a declarado de que a operac,áo em tais casos é lícita. Tal ponto nao era táo nítidamente ponderado em fins do século passa-

do ou no inicio do presente, de sorte que muitos moralistas equiparavam a intervengo cirurgica em casos de gravidez tu

bária a um aborto — o que nao é exato: ao passo que no aborto

nao há própriamente órgáo doente a ameagar a vida da mulher (cf. "Pergunte e Responderemos" 6/1957, qu. 9, onde se

trata do chamado "aborto terapéutico"), no caso da prenhez tubária existe tal elemento. Esta distingo fci nos últimos de cenios propugnada com aprovac.áo eclesiástica por obra prini

— 39 —

cipalmente do Pe. Lincoln Buscaren S. J., cujo tratado "Ethics

of Ectopic Operaticn" saiu em segunda edigáo no ano de 1944

(Editora "The Bruce Publishing Compagny", Milwaukee Wis-

consin, U. S. A.) •

Observe-se, porém, que, para extrair a trompa aoente,

o

médico deverá ter razóes serias que o levem a julgar grave o perigo de morte para a gestante em caso de náo-intervencáo cirúrgica... Bibliografía: S.

Navarro.

Problemas médico-morales.

P. Tiberghier. Médecine el Morale. París

A.

Bonnar

The

Catholic

Dodor,

em

Madrid

1954,

1952, 172-174.

Iraducáo

358-36S.

caslelhana

"El

medico católico" Buenos Aires 90-92.

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