Ano Xxxviii - No. 425 - Outubro De 1997

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P rojeto

PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa

esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta

da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos

bombardeados

por

numerosas

correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propoe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

vista cristáo a fim de que as dúvidas se — dissipem e a vivencia católica se fortalega no ¡■¿ Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio

com

d.

Esteváo

Bettencourt

e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

e

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ANOXXXVUI OUTUBRO1997 425 O Homem deste Fim de Século A Ciencia desafia e sufoca a Religiáo? "A Criacáo, Obra de Deus"

Medianeira, Co-Redentora e Advogada "O Evangelho de Tomé"

"O Diabo no Reino de Deus", por Margarida Oliva Maconaria: um pouco de Historia "Basiléia. O Reino de Deus", por D. Boaventura Kloppenburg

Ensino Religioso: Nova Disposicáo do Govemo

Transplante de Órgáo e Doacáo Compulsoria Proselitismo desonesto 1Cor 15,29: Batismo em favor dos modos?

OUTUBRO 1997

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

N°425

Publicacáo Mensa I

SUMARIO

Diretor Responsável

O Homem deste Fim de Sáculo

Estéváo

Bettencourt

Autor e

Redator de toda a materia

publicada neste

OSB

periódico

"A Criacáo, Obra de Deus"

Diretor-Administrador:

D.

Hildebrando P. Martins OSB

Administracáo e Distribuicáo:

Edicóes 'Lumen Christi" Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar-sala 501 Tel.:

(021)

291-7122

Fax (021) 263-5679

Enderezo para Correspondencia: Ed.

"Lumen

Christi"

Caixa Postal 2666 CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

433

Resposta a um Amigo: A Ciencia desafia e sufoca a Religiáo? ... 434 442

Novo Dogma:

Medianeira, Co-Redentora e Advogada.... 445 Conhecimento Superior? "O Evangelho de Tomé"

451

O Fenómeno Religioso do Brasil: "O Diabo no Reino de Deus", por Margarida Oliva

457

Poucos sabem:

Maconaria: um pouco de Historia Teológico e Pastoral: "Basiléia. O Reino de Deus", por

467

D. Boaventura Kloppenburg

471

GUNTE E RESPONDEREMOS" na INTERNET:

Ensino Religioso:Nova Disposicáo do Governo

474

http://www.osb.org.br.

Discute-se:

Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO e "PER

Transplante de Órgáos e Doacáo

Impress3o e EncadernacSo

Compulsoria

475

Proselitismo desonesto

477

Prática misteriosa: 1Cor 15,29: Batismo em favor

dos mortos?

478

-maboubssaraíva" C0M APROVACÁO ECLESIÁSTICA GRÁFICOS E EDITORES Ltda. Tais.: (021) 273-9498/273-9447

NO PRÓXIMO NÚMERO:

A Biblia escondida debaixo da Biblia. - O Caso de D. Lefebvre atualmente. - "Vozes do além me atormenlam". - Os Estigmas: que sao? - Transe e éxtase. - "Em Nome da Ciencia, parem...". - A "Chamada da Meia-Noite".

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA:

(NÚMERO AVULSO

R$ 25,00).

R$ 2,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha: 1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ. 2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax, comprovante do depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correíos. VALE POSTAL, enderezado ás EDICÓES "LUMEN CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para:

Edicóes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 20001-970 Rio de Janeiro - RJ

>

O HOMEM DESTE FIM DE SÉCULO Esta página de PR pretende ser urna homenagem ao Papa Joáo Paulo II no mes em que ele visita o Brasil pela terceira vez... Nao somente ao Papa como Pastor Supremo da Igreja, mas ao Papa que tem sido o homem deste fim de século (reconhecido como tal pela imprensa), o mais viajado a servico de um ideal religioso que é, ao mesmo tempo, humanitario e fraternal. Visitou os cinco continentes; esteve em países católicos e nao católicos, enfrentando, com destemor, perigos de vida e prognósticos ameacadores.

Joáo Paulo II é urna figura que dezenove anos de intenso servico a Cristo e aos homens tém desgastado físicamente, mas que conserva plena lucidez de mente e grande vigor espiritual. - O que faz a torca desse homem, é a conviccáo com que professa a sua mensagem, conviccáo que provém de

íntima vida de oracáo ou de profunda uniáo com Deus. Os observadores tém

realcado a sua prática de oracáo, que nao cede ao cansaco, ao peso do traba-

Iho, á debilidade da saúde. E nessa vida de oracáo que está o segredo da coragem do Papa.

Como todo grande homem, ele tem seus adversarios; muito sofre em conseqüéncia das agressóes físicas e moráis que Ihe sao dirigidas. Mas por que tem adversarios? - Em parte, porque tem lutado em prol dos direitos hu manos ou em prol da liberdade de povos dominados pelo totalitarismo e que foram emancipados por efeito (nao exclusivo, mas precipuo) da sua acáo pací fica e prudente; essa acao Ihe valeu um atentado na Praca de Sao Pedro, que o atingiu decisivamente até hoje. Em parte, o Papa tem adversarios também porque num momento de indecisóes e contradices religiosas, ele sabe manter a fidelidade a Cristo e ao Evangelho; a verdade, o "esplendor da verdade" o orienta; faz as concessoes que pode, mas guarda indefectivelmente o que deve ser guardado, ainda que isto Ihe custe sacrificios; Joáo Paulo II nao compra

aplausos nem louvores. É sempre penoso conservar a coeréncia; é sempre

mais fácil abrir máo de principios sagrados para agradar a quem contesta. Joáo Paulo II, porém, tem consciéncia de que calar-se ou seguir ventos estranhos equivale a trair o Cristo. O seu papel, em última análise, é o de impedir

que o Cristianismo se desvirtué e esfacele, levado pelo subjetivismo dos que se julgam habilitados a recomecá-lo. O anseio da unidade, alias, é o de todo cristáo sincero; este sabe que a unidade da fé se perderá, se nao houver urna autoridade respeitada por todos. O próprio Papa o nota: "Porventura nao é de

um ministerio deste género que muitos dos que estáo empenhados no ecumenismo, exprimem hoje a necessidade? Presidir na verdade e no amor para que a barca... nao seja despedazada pelas tempestades e possa chegar um dia ao porto almejado" (ene. Ut Unum Sint 96).

É para desejar que essa figura heroica seja reconhecida nao somente

pelos fiéis católicos, mas também por todos os homens de boa vontade, num mundo em que tanta coisa cede e quebra ao sabor das ondas e da cobica de vantagens humanas. E. B. 433

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXVIII - N° 425 - Outubro de 1997 Resposta a um Amigo:

A CIENCIA DESAFIA E SUFOCA A RELIGIÁO? Em síntese: Duas folhas volantes foram enviadas a PR ridicularizando a Religiáo em nome do progresso da ciencia. Os dentistas estariam dando o golpe fatal as crengas religiosas. - A resposta dissipa tal impressao; ¡á se passou a época em que os homens juravam pelo cientificismo, como se a ciencia fosse a chave para elucidar todos os mis terios e responder a todas as indagagóes da humanidade. A ciencia bem conduzida é muitas vezes aceno a urna Inteligencia Superior, criadora do mundo e do homem. Do seu lado, a fé bem entendida nada tem a oporás verdades científicas; Deus é a fonte de toda verdade, quer científica, quer religiosa. Assim se conciliam entre si criagáo e evolugáo, aceitase a exis tencia de habitantes em outros planetas, distinguem-se dos aparentes milagres os verdadeiros milagres aínda hoje ocorrentes e devidamente crívados pelos dentistas; a vida una ou indivisa bem compreendida e vivi da é alto testemunho de amor ao Senhor Deus e ao próximo. *

*

*

Chegaram á redacto de PR duas folhas volantes que, a varios títulos, pretendem impugnar a religiáo e, de modo especial, a fé católica. Argumentam principalmente em nome da ciencia como se esta, em seu progresso

constante, estivesse em condicoes de esvaziar e remover as proposicoes da fé. Tais escritos, redigidos com certa erudicao, podem impressionar os

leitores. É o que justifica urna resposta objetiva e tranquila ao questionamento apresentado. - Distinguiremos cinco pontos a ser discutidos.

1. Ciencia e Fé O autor assim cometa as suas contestacoes:

SERES ABORTIVOS Hoje em dia a ciencia acua as religióes de tal maneira que estas parecem estar a ponto de pedir arrego. O conhecimento empírico e sua

divulgagáo progrediram tanto que a maioria dos povos se pergunta: 'Como é possível que aínda persistam as bobagens e infantilidades das religides?'... 434

A CIENCIA DESAFIA E SUFOCA A RELIGIÁO? A ciencia nos mostra a realidade magnifícente do nosso universo com 100 bilhóes de galaxias, cada urna com 100 ou mais bilhóes de estrelas. Mas tal ou tal cristáo, por exemplo, morrerá teimando que só existe um muito defeituoso sistema solar, onde um diminuto planeta Térra abriga toda a hu-

manidade, que um Deus malvado críou para seu diveríimento masoquista. Os dentistas (vade retro!), nao obstante, sao muito perturbadores. Charles Darwin, por exemplo, nos fala dos interessantes 'órgáos abortivos'. Estes sao órgáos que em alguns casos sao adequados a um determinado propósito e em outros casos sao considerados totalmente inúteis. Ele cita os dentes no rinoceronte, na baleia e no narval, ossos sobre a tibia, mús culos que nao se movem, pequeño osso alado em Apteryx, ossos repre

sentando extremidades em algumas serpentes, pequeñas asas sob as

partes soldadas nos coleópteros, tetas no homem e no touro, filamentos sem anteras ñas plantas, simples escamas que representam pétalas ñas flores. Darwin comenta: 'Ninguém pode parar para refletir sobre estes fatos sem se espantar, pois nada pode ser mais claro do que as asas serem feitas para voar, os dentes para morder, e, contudo, encontramos estes órgáosperfeitos, em cada detalhe, em situagóes ñas quais, provavelmente, nao tém o seu uso normal'. Se acreditamos na evolugáo das especies e nao na criacáo divina, estes órgáos abortivos seriam o resultado de infinitas alteragóes ñas quais

alguns órgáos se tornariam inúteis. Mas Deus nao interveio aqui para nada. 'Deus nao pode errar'.

Veja bem. Calculase que existem no planeta Térra de 5 a 30 milhóes de especies de animáis e plantas. A extingáo de especies acontece natu

ralmente desde o surgimento da vida no planeta. A religiáo nao pode ex plicar esta exuberancia excessiva nem muito menos a extingáo, num mundo

organizado essencialmente para o destino do homem e sua alma... É um desperdicio improprio de um planejamento divino, como é um desperdicio

por falta de um criterio inteligente, por exemplo, a ovulagáo da mulher.

Nao encontramos por lado nenhum a máo de Deus e sim a presenga da natureza, quase sempre magnífica, mas que também comete 'erros' fla grantes como, por exemplo, a construgáo de um Sistema Solar com 1 planeta habitado e 8 planetas e 61 satélites desabitados. (Este fenomenal absurdo bastaría para concluir pela inexistencia de Deus)...

A natureza e nao Deus é também culpada pela explosáo freqüente das 'supernovas', levando talvez com elas centenas de planetas habita

dos, como supunha o saudoso astrónomo-pensador Cari Sagan.

Em resposta observemos: A concepcáo segundo a qual ciencia e fé sao incompatíveis entre si é do sáculo passado e se acha atualmente superada. Com efeito, 435

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

a) de um lado, o cientificismo do século XIX e do comeco do sáculo XX atribuía á ciencia a capacidade de desvendar todos os misterios e responder a todas as ¡ndagacóes do homem. O sonho, porém, se dissipou. Atualmente verifica-se que cada descoberta da ciencia suscita no vas questoes e parece abalar certezas anteriores; o mito da "ciencia, cha ve para todos os problemas" cede á prudencia e cautela dos sabios de

nossos dias. Alias, em vez de se opor á fé, o progresso da ciencia parece

fundamentar cada vez mais a crenca em Deus Criador do universo e responsável pela sua ordem; numerosas descobertas nos setores da lingüís tica e da literatura antigás, da arqueologia e da paleontología confirmam a

autenticidade e veracidade dos textos bíblicos, de modo que se pode dizer que "a pouca ciencia afasta de Deus e a muita ciencia leva a Deus". A propósito podem-se citar varias obras de cientistas que professam a fé, entre as quais a coletánea de diálogos de Jean Guitton com os cientistas russos Grichka e Igor Bogdanov (o original francés tem por título "Dieu et

la Science". Editions Bernard Grasset, Paris 1991, com síntese e comen tarios em PR 359/1992, pp. 146-155). b) De outro lado, a religiáo católica "amadureceu" no sentido de que compreende que na Biblia existem géneros literarios, ou seja, modos de

falar que nem sempre devem ser tomados ao pé da letra; o melhor conhecimento do Oriente antigo {Babilonia, Assíria, Fenicia...) e do Egito permitiu recolocar o texto bíblico no seu contexto de origem, dando a ver certas particularidades de linguagem oriental que até o século passado eram entendidas literalmente e que na verdade sao expressionismos metafóri cos. Exemplo típico desse melhor entendimento da Biblia Sagrada é o caso dos tres primeiros capítulos do Génesis; já nao sao compreendidos atualmente como cartilha de ciencias naturais; propóem urna visáo filosó fica e nao urna licao de cosmología. Tem-se consciéncia de que a Biblia nao pretende ensinar Física, mas sim Meta-física (o que está além do Físico ou o Transcendental). Isto nao implica mudanca do Credo, mas mudancas na hermenéutica bíblica, que nao afeta os artigos do Credo.

Em conseqüéncia, o cristáo hoje pode tranquilamente acompanhar a trajetoria da ciencia sem ter a sua fé abalada, pois ele sabe que a fé nao entra no setor das ciencias retamente cultivadas e vice-versa; em vez de

antagonismo, há complementado de parte a parte. Eis o que a propósito escreve o Concilio do Vaticano II:

"Se a pesquisa metódica, em todas as ciencias, proceder de maneira verdaderamente científica e segundo as leis moráis, nunca será oposta a fé; tanto as realidades profanas quanto as da fé oríginam-se do mesmo Deus. Aquele que tenta perscrutar com humildade e perseveranga os segredos das coisas, aínda que disto nao tome consciéncia, é como que conduzido pela máo de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo que elas sejam o que sao" (Constituigáo Gaudium et Spes n° 36). 436

A CIENCIA DESAFIA E SUFOCA A RELIGIÁO? Passemos agora ao segundo ponto controvertido. 2. Criacáo e Evolucáo

Nao há oposicáo entre criacáo e evolucáo quando se trata de expor a origem do mundo e do homem. O texto de Génesis 1-3 quer indicar nao a fenomenología das origens, mas o significado do mundo e do homem: sao criaturas boas de um único Deus, que é bom e criou a partir do nada para comunicar suas perfeicóes. A fé sabe conciliar tranquilamente criacao e evolucáo entre si, conforme o seguinte esquema: Ato criador

>

Evolucao

Ato criador

I

I

alma espiritual

Materia inicial caótica, informe —>

+ minerais —> vegetáis —> animáis —> corpo irracionais

organizado HOMEM MULHER

Isto quer dizer: a materia nao é eterna; por isto comecou mediante

um ato criador de Deus, que a tirou do nada e Ihe terá dado as leis de evolucáo. Assim orientada pelo Criador, a materia inicial ter-se-á desen volvido, produzindo os reinos mineral, vegetal e animal irracional; todos estes elementos sao meramente materiais e, por isto, podiam estar contidos na potencialidade da materia primitiva. Quando a materia do primata estava devidamente organizada para ser sede da vida humana ou de urna

alma espiritual, ocorreu novo ato criador de Deus para dar origem ao es

pirito, que é algo de totalmente novo em relacáo á materia e nao pode provir desta por evolucáo. Assim Deus criou e infundiu a alma humana de cada um dos primeiros homens, como Ele cría e infunde na materia a alma de cada criancinha que venha ao mundo até hoje. Nao há diferente origem para o homem e a mulher. Assim se conciliam criacáo e evolucáo. Tal esquema atende as exigencias mínimas da fé e da sá razáo no tocan te as origens do mundo e do homem. A ciencia nada tem a Ihe opor, porque ela versa sobre objetos concretos e experimentáis, deixando á filosofía e á teología o campo livre para a reflexáo.

O fato de que há "órgáos abortivos" nao depóe contra a sabedoria divina. Ao contrario, bem mostra que Deus rege a evolucáo, deixando as

criaturas seguir seu curso natural, de modo que ficam os vestigios da evolucáo ñas especies mais evoluídas. A perda de óvulos e esperma tozoides é testemunho da riqueza da vida criada por Deus; nao é perda de seres humanos (como ocorre nos casos de feticídio praticados por certos profissionais). 437

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

3. Habitantes em outros planetas

A fé católica nao se opóe á hipótese de haver outros planetas habita dos. A Revelacáo Divina nao se manifestou a respeito, deixando á ciencia a tarefa de investigar a questáo. Varios teólogos católicos julgam muito conveniente a existencia de seres inteligentes em planetas fora da Térra, pois tanta materia harmoniosamente disposta pelos espacos cósmicos postula a presenca de seres inteligentes, capazes de tomar consciéncia

dessas maravilhas e louvar o Criador em nome das criaturas inferiores. É,

por exemplo, o que afirma o Pe. Joseph Pohle S. J. (t 1922) na obra Die Sternenwelt und ihre Bewohner, p. 457: "Parece absolutamente conforme ao fim último do Universo que os corpos celestes habitáveis sejam povoados de criaturas que referem a gloria do Criador a beleza corporal dos seus respectivos mundos, exatamente como o homem o faz na Térra".

Já em 1877 escrevia o Pe. Secchi:

"A nos parece absurdo considerar essas vastas regióes como desertos despovoados; devem ser habitados por seres inteligentes e racio náis, capazes de conhecer, homenageare amaroseu Criador" (Le Soleil, París 1877, vol. II, p. 480).

O qualificativo de absurdo voltava aínda recentemente sob a pena de Bavink:

"Se todo este universo deve ter sentido, parece-me de todo absur do procurar esse sentido únicamente na nossa historiazinha terrestre" (Risultati e Problemi delle Scienze Naturali. Firenze 1947, p. 272).

As viagens ao espapo (á Lúa, á Marte...) nada tém que contradiga aos principios da fé católica. Se Deus concedeu ao homem a inteligencia e as facilidades para as realizar, nao há por que nao tentar tais facanhas. Contudo saiba o homem que ele nao é Deus, mas criatura de Deus, que deve prestar contas de seu comportamento ao Supremo Juiz. 4. Milagres e "Milagres" O autor do panfleto rejeita e ridiculariza os milagres nos termos seguintes:

«É a ciencia que opera verdadeiros milagres. Quem tem dor de ca-

bega, nao precisa de invocar os Santos; tome um Doril e a dorpassa.

No caso de doengas mais graves, a participagáo da ciencia é hoje muito mais importante. Já morreu muita gente de influenza, de apendicite, de tuberculose, de tifo, de peste bubónica, de cólera-morbo, de lepra, de

doenga-de-chagas, de paralisia infantil, de sífilis, de doenga-do-sono, de febre amarela, de cáncer, de AIDS, etc. Mas milhóes de pessoas foram 438

A CIENCIA DESAFIA E SUFOCA A RELIGIÁO? salvas pela ciencia com terapéutica, remedios químicos, cirurgias e trans plantes. Nunca ninguém melhorou (comprovadamente) com rezas, a nao ser no caso de disturbios psíquicos, que o psiquiatra também resolve.»

4.1. Que é Milagre? A propósito é de notar que a Igreja se mostra muito cautelosa ao

talar de milagres. Tem consciéncia de que muitos fenómenos maravilhosos sao explicáveis pelas ciencias da natureza e pela parapsicología. A Igreja submete cada caso tido como portentoso a seria investigacáo e, apesar do crivo científico (apoiado por um "Advogado do Diabo"), os próprios cientistas verificam haver fenómenos que a ciencia de hoje nao ex plica nem vé como explicar no futuro. Mais precisamente, tres sao os requisitos para que a Igreja reconheca a autenticidade de um milagre: 1) Trate-se de um fato histórico ou realmente ocorrido (pois muitas vezes os casos apresentados como milagres nao correspondem, em par

te ou de modo nenhum, á realidade histórica). O exame da historicidade já elimina muitos portentos. Tal exame é efetuado no local mesmo onde o

possível portento ocorreu; os peritos civis e eclesiásticos háo de ter todo interesse em nao trabalhar sobre logros e ilusóes.

2) O fato comprovado como histórico seja absolutamente inexplicável pela ciencia nem se veja alguma possiblidade de que venha a ser explica do futuramente.

3) O fato científicamente inexplicável deve ter ocorrido em contexto digno de Deus, de modo que possa ser tido como genuino sinal ou resposta de Deus aos fiéis que o imploravam. 4.2. Lourdes

Um dos espécimens típicos do rigor com que a Igreja procede na apuracáo dos fatos tidos como portentosos, é o que se dá em Lourdes (Franca).

Existe nesta cidade o Bureau des Constatations Medicales (Cen tro das Averiguacóes Médicas), que examina as pessoas que se dizem

curadas por ocasiáo de peregrinacóes á Gruta de Massabielle1; sao trinta 1 Semelhante órgáo foi criado em Fátima com a mesma finalidade, conforme noticia divulgada por La Documentatíon Catholique n° 1984, 21/05/89, p. 513: "No decorrer de urna entrevista coletiva á imprensa em Fátima aos 11/03/89, foi

anunciada a criagáo de urna Comissáo Médica Nacional encarregada de averiguar eventuais curas extraordinarias atribuidas á intercessáo de Nossa Senhora de Fátima ou aos videntes Francisco e Jacinta Mario. Sob a diregáo do Prof. Daniel Pinto Serráo,

ela consta de dez professores das Universidades de Lisboa, Porio e Coimbra, especi alistas em diversos setores das ciencias médicas, como a cardiología, a pediatría, a

cirurgia, a neurología, a psiquiatría, a radiología... Declarou o respectivo presidente: Á

Comissáo é estritamente independente tanto do ponto de vista eclesiástico como do religioso'". 439

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

a cinqüenta casos por ano. Após verificar a cura real e duradoura de al-

gum paciente, esse Comité envía o caso a París, onde urna Comissáo Médica Internacional, composta de grandes especialistas de qualquer orientacáo religiosa ou filosófica, se reúne anualmente para estudar os casos que os médicos de Lourdes tenham julgado inexplicáveis pela ci

encia. Tais casos sao entáo minuciosamente analisados, discutidos e submetidos a votacao para se definir se realmente podem ser considerados fora do alcance da Medicina. Dado que os médicos cheguem a esta conclusáo, a autoridade eclesiástica iniciará o processo religioso propriamente dito para averiguar se realmente tal ou tal portento pode ser tido como resposta ou sinal de Deus aos homens.

É de notar que, dentre 5.000 curas averiguadas em Lourdes, nem mesmo cem foram pela Igreja proclamadas milagrosas: sete entre 1858 e 1862; 23 entre 1907 e 1913; 24, de 1946 a 1970...

5.0 Santo Sudario de Turim O autor das folhas panfletárias se refere irónicamente ao Santo Su dario de Turim, recentemente salvo de um incendio. - Eis o que a propó sito se pode dizer: De 10 a 12 de junho de 1993 realizou-se em Roma o II Congresso Inernacionai sobre o Santo Sudario promovido pela Sociedade francesa intitulada "Centre International d'Etudes sur le Linceuil de Turin" (CIELT). Participaram do certame cerca de duzentos peritos, aos quais se dirigiram cinqüenta conferencistas em clima estritamente científico e aconfessional. Entre as conclusóes apresentadas, destaca-se a rejeicáo do teste do Carbono 14, efetudo em 1988, como metodológicamente im

preciso. Novas descobertas após tal data vieram confirmar a antigüidade do Sudario e fizeram progredir o estudo da imagem e do homem de tal mortalha: confirma-se a impressao de que tal homem foi realmente Je sús; pesquisadores judeus que participaram da assembléia, levaram sua contribuicáo, comparando traeos do Sudario com os costumes judeus de sepultamento, com os tragos étnicos dos israelitas e com a tecelagem judaica de outrora.

No primeiro semestre de 1996 descobriram-se vestigios de urna se gunda moeda colocada, esta, sobre o olho esquerdo do homem que estava envolvido nessa pega mortuária. Tal moeda (lepton) foi reconhecida como datada dos anos 29/30 d.C, ou seja, dos tempos do Senhor Jesús. Este achado mais urna vez afasta a hipótese de se tratar de um paño medieval e corrobora a tese da autenticidade do Sudario. Os vestigios da outra moeda, colocada sobre o olho direito do cadáver conforme os cos

tumes de sepultamento dos antigos, já foram encontrados em 1979. É de

crer, pois, que o Sudario seja genuino. Todavía deve-se notar que a fé nao 440

A CIENCIA DESAFIA E SUFOCA A RELIGIÁO? se baseia na autenticidade de alguma reliquia ou de alguma descoberta científica.

6. Sexualidade e Celibato

É táo veemente o ataque do panfleto ao celibato que se torna incon

veniente reproduzir sua linguagem. - Em resposta observemos:

O homem celibatário nao é um assexuado, mas sim alguém que di rige todo o seu amor (e ele o tem como qualquer ser humano) a um ideal que ultrapassa os bens corpóreos. Esta concentracáo de aspiracoes e energías nao é exclusiva de religiosos, mas foi (e é) praticada por homens e mulheres que se dedicam á ciencia, á arte, á filantropía..., como aponta a historia universal. No caso do Cristianismo, a vivencia do celibato é ainda mais fortemente motivada, como se depreende dos dizeres de Sao Paulo em 1Cor 7, 29-35: o Reino de Deus se fez presente sobre a Térra mediante a Encarnacáo do Verbo, de modo que há interesse, da parte do cristáo, em se voltar, tanto quanto possível, para os valores definitivos, deixando de lado o que possa dificultar a inteira dedicacáo ao Eterno presente no tempo:

«*9 Eis o que vos digo, irmáos: O tempo se fez breve. Resta, pois, que aqueles que tém esposa sejam como se nao a tivessem;30 os que choram, como se nao chorassem; os que se alegram como se nao se alegrassem; os que compram, como se nao possuíssem;31 os que usam deste

mundo, como se nao usassem, porque é transitoria a figura deste mundo. 32

' Desejo que viváis sem preocupagdes. Quem nao tem esposa, cui da das coisas do Senhor e do modo de agradar ao Senhor.33 Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradará esposa. Fica dividido.

34 A mulher que nao é casada e a virgem pensam ñas coisas do Senhor, para serem santas de corpo e de espirito. A que é casada, pensa ñas coisas do mundo e no modo de agradar ao marido. 3S

; Digo-vos isto em vosso interesse, nao para vos armar diada, mas tendo em vista o que é nobre e vos facilita a permanencia junto ao Senhor,

sem interrupgáo».

O ambiente fortemente erotizado em que vivem os cidadáos de nossos dias torna incompreensível a muitos a grandeza da vida una ou indivisa.

É plenamente humana, dotada dos afetos naturais do ser humano, orien

tados para o amor a Deus que nao passa, e ao próximo. Esse amor vem a ser altamente fecundo em favor dos irmáos, aos quais se dedicam, dire ta ou indiretamente, aqueles e aquelas que abracam a vida una. 441

Em pleno debate científico:

"A CRIAQÁO, OBRA DE DEUS"

Em síntese: Prosseguindo o debate iniciado no artigo anterior, vai abaixo publicado um artigo dos eminentes pesquisadores Prof. Walter González e Prof. Antonio R. Formaggio, ambos do Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciáis. Discorrem sobre urna tentativa de produzir a vida em laboratorio, e concluem que a vida está além dos resultados das expe riencias científicas. Fica, pois, espago para Deus Criador. Este nao terá produzido cada criatura em sua modalidade consumada, mas terá incutido á materia inicial, por Ele criada, as leis de sua evolugáo. - Quem quisesse apelar para o livro do Génesis a fim de ridicularizar a fé e contraporIhe a ciencia, nao teña entendido o significado do Livro Sagrado. ♦

*

*

O nosso artigo anterior procurou responder a um amigo que, em nome

da ciencia, acusava a religiáo de infantilidades e a julgava fadada a desa parecer. Sem dificuldade, no rol das numerosas publicacóes sobre tal assunto, encontram-se vozes que, em nome da própria ciencia, avivam o senso religioso e a fé em Deus Criador. Entre tais vozes, estao as dos Prof. Walter González, Consultor da NASA, e Antonio R. Formaggio, am bos dentistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciáis; estudiosos capacitados como sao, discorrem sobre urna das muitas tentativas de produzir a vida em laboratorio; após considerarem declaracóes daí resul tantes, concluem que a vida está além dos produtos de laboratorio. Ábre

se entáo espaco para Deus Criador da vida e do mundo. Percebe-se, porém, que o Criador nao produziu cada criatura em sua modalidade con

sumada, mas, tendo criado a materia inicial, Ihe terá incutido as leis de sua evolucáo; esta decorreu, como todo processo natural, com seus acidentes, mas dentro do quadro de harmonía geral prevista pelo Criador. Quem quisesse apelar para o livro do Génesis a fim de ridicularizar a fé e contrapor-lhe a ciencia, nao teria entendido o significado do texto sagrado.

Reproduzimos, a seguir, o artigo dos dois pesquisadores intitulado

"Criagáo, Obra de Deus", tal como fo¡ publicado no O ESTADO DE SAO PAULO, edicao de 18/10/1994, artigo ainda mais atual em nossos días do que na data em que foi dado a lume pela primeira vez. A Criacáo, Obra de Deus

No artigo A Síntese de organismos vivos (20/9), José Goldemberg discute experiencias feitas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) 442

"A CRIAgÁO, OBRA DE DEUS" sobre sintetizado de materiais orgánicos a partir de substancias quími cas e tenta relacioná-las com pretensas explicacóes sobre a origem da vida sobre a Térra.

Infelizmente, essa nao é a primeira nem a única tentativa de extrair conclusóes táo abrangentes a partir de experimentos táo restritos! Esse

tipo de atitude é inconveniente e contraria o verdadeiro método científico, que nao permite extrair tais tipos de conclusóes (teológicas e filosóficas) a partir de informacóes puramente restritas ao campo científico.

Considerar que as moléculas sintetizadas artificialmente tém vida únicamente pelo fato de que elas seriam "capazes de fazer copias com pletas de si mesmas" é um serio engaño! Os cristais também fazem isso e, no entanto, nao deixam de ser cristais! Um programa de computador

pode fazer o mesmo e, apesar disso, nao se pode considerar que ele tenha sido criado "á imagem e semelhanca" do seu criador!

Depois do mapeamento do código genético, realizado por Watson e Crick, nao se pode achar que a vida foi um acídente ocorrido num canti-

nho do Universo! Afirmar que "urna das primeiras moléculas sintetizadas há bilhóes de anos adquiriu a forma adequada para armazenar ¡nformacóes, como o código genético faz", é infinitamente mais que esperar que se concretize a probabilidade de que um dentre trilhóes de orangotangos, colocados frente a trilhóes de pianos, componha a Quinta Sinfonía, de pois de um número quase infinito de tentativas!

Os elementos inanimados da natureza nao sao capazes de se relaci onar com o ambiente adjacente, nao tém iniciativa, nao tém o ciclo da vida (nascer, alimentar-se, crescer, reproduzir-se, morrer). Por si só, a simples agregacáo de substancias orgánicas nao resulta num ser vivo - a vida nao se pode originar por iniciativa própria da materia. Mais aínda, como o próprio professor Goldemberg lembra, a existen cia do Universo e das suas Ieis evolutivas globais nao poderá ser vislum brada com experiencias como as do tipo MIT. Considerando que Deus criou o Universo e as Ieis que o regem, nao será necessário pensar que

Deus tenha de intervir também em cada fase evolutiva, deixando marcas para que o homem venha a descobri-las! Se assim fosse, haveria até urna contradicáo na atuacao criadora global do Universo e das suas Ieis

por parte de um Deus que teria de ir retificando a cada passo evolutivo o plano inicialmente por Ele criado.

Como em muitos outros artigos parecidos com o do professor Goldemberg, já bem conhecidos na literatura (por exemplo, aqueles freqüentemente apresentados por Cari Sagan), parece-nos que a causa do aparente confuto (apresentado apenas por estes cientistas) entre cién443

V¿

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

cia e criacáo se refere ao inadequadro entendimento do Livro do Génesis.

Esse livro nao pode ser lido como um texto que narra detalhes científicos da criacáo (e que, assim, poderiam ser testados por experiencias); porém, ele nos dá urna idéia global de que foi Deus quem criou todo o Uni verso e as suas leis. Sobre os detalhes evolutivos (que, indubitavelmente, seguem as leis dadas pelo Criador), cabe á inteligencia humana ir esclarecendo-os, sem necessariamente buscar a cada passo urna marca os tensiva do Criador!

Neste fim de milenio, com os mais recentes avancos da cosmología e da mecánica quántica, os mais sabios dentistas e pensadores se mostram humildes e reconhecem que "Deus nao é da ordem da demonstra-

gáo" e, além disso, enfatizam urna especie de alianca possível, urna con vergencia, entre a ciencia (os saberes físicos) e as coisas de Deus. Esta alianca é, sem dúvida, um desejo profundo da humanidade e torna-se cada vez mais concreta, porém sem concessóes á vulgaridade. Deus jamáis se contradiz e a ciencia, bem conduzida, jamáis chega-

rá a conclusoes contrarias á fé! A ciencia ainda tem muito por fazer na exploracao do Universo, e, como diz Robert Jastrow, astrofísico da Nasa, "o dentista escala as montanhas da ignorancia e, quando se aproxima da rocha mais alta, prestes a conquistar o cume, é saudado pelos teólogos que já lá estavam sentados há séculos! Quem é esta mulher?, pelo Irmáo Afonso Murad. - Ed. Paulinas, Sao Paulo, 135x 195mm, 244 pp.

O autor aprofunda todos os textos do Antigo e do Novo Testamento que falam de María Ssma. ou insinúan) a sua pessoa. Realiza urna exegese

seria, sem se deixar levar pela erudigáo reservada a especialistas. Apresenta belas páginas. Todavía há pontos discutíveis; o mais importante é o

que se refere á Serpente de Gn 3,15, que também é o Dragáo de Ap 12,317: o autor atribui-lhe sentido impessoal, como se significasse simplesmente "as forgas do mal" (p. 225) ou "o ente que personifica o pecado" (p. 230). teto nao corresponde ao pensamento clássico, que vé na Serpente deGn3o anjo mau ou o tentador; o demonio existe como criatura inteli gente, que optou pela rebeliáo contra Deus. Este ponto é nevrálgico, pois toca um artigo de fé, como se depreende do Catecismo da Igreja Católica n° 328 ("a existencia dos anjos - urna verdade de fé"). Ainda é de notar que o livro se abre com a exposigáo dos problemas da Mariologia; seria recomendável urna linguagem mais cautelosa para que o leitor despreparado nao desista da leitura do resto da obra, que é assaz positi va em muitas de suas partes.

444

Novo Dogma?

MEDIANEIRA, CO-REDENTORA E ADVOGADA

Em síntese: Nos últimos anos tém sido levadas á Santa Sépetigóes no sentido de que o Papa Joáo Paulo II defina solenemente, como dogma de fé, os títulos de María Medianeira, Co-redentora e Advogada. - O San to Padre tem consultado os teólogos a respeito; de modo especial salienta-se urna Declaragáo de peritos católicos e nao católicos reunidos em Czestochowa (Polonia) em agosto de 1996; tal documento afirma a con veniencia de se manter a posigáo do Concilio do Vaticano II sobria frente a tais títulos. Em conseqüéncia, conclui-se que a solene definigáo dogmática é inoportuna, de mais a mais que os próprios teólogos divergem entre si quanto ao sentido do título de Co-redentora. *

*

*

Nos últimos decenios registrou-se na Igreja um movimento favorável á definigáo de um dogma referente a Maria Santíssima Medianeira, Coredentora e Advogada do género humano. As expressoes desse movi mento, que levou á Santa Sé as suas peticóes, váo, a seguir, analisadas, ao que acrescentaremos o parecer de teólogos consultados pelo S. Pa dre Joáo Paulo II a respeito.

1. Os Fundamentos Teológicos Um dos expoentes mais significativos do movimento pró-definicáo é

o Prof. Mark Miravalle, docente de Mariologia na Universidade Franciscana de Steubenville, Ohio, U.S.A. Publicou em 1996 a obra Mary: Coredemptrix, Mediatrix, Advocata.Theological Foundations II. (Queenship Publishing Company, Santa Barbara, California, U.S.A.). O livro tem o Prefacio do Cardeal Edouard Gagnon, que Ihe dá certa autoridade e que argumenta do seguinte modo: nao basta que o povo de Deus acredite na funcáo medianeira da Ssma. Virgem; é preciso que esta seja solenemente pro clamada.

No corpo do seu livro, o Prof. Miravalle propóe a seguinte formulacáo dogmática:

"A co-redengáo de Maria é aquele privilegio pelo qual a Imaculada sempre Virgem Máe de Deus cooperou livremente com e sob Jesús Cris to, seu Filho e Redentor, na Redengáo histórica da familia humana, desde o seu Fíat na Anunciagáo até o sacrificio do seu coragáo materno no Calvario; e assim Maria se tornou para nos a Medianeira de todas as gragas da Redengáo e Advogada do Povo de Deus". 445

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

O autor da obra nao esquece o aspecto ecuménico ou pouco ecu ménico que tal definicáo apresenta; sabe que tanto os protestantes quan-

to os cristáos ortodoxos veriam na definicáo um obstáculo a mais para o diálogo ecuménico; julga, porém, que uma reflexáo aprofundada eviden ciaría os fundamentos patrísticos do dogma. Com efeito; registra-se na literatura crista dos primeiros séculos a expressáo Nova Eva, que parece conter implícitamente os títulos de Medianeira e Co-redentora. Mais: Miravalle cita textos patrísticos e, entre outros, um sermáo de S. Cirilo de Alexandria (t 444), que dízia: "Salve María, Máe de Deus (Theotókos), venerável tesouro do mun do inteiro, é pormeio de vos que a Ssma. Trindade é adorada e glorificada". Cita outrossim o teólogo russo Sergio Bulgakov, que escreveu:

"A fé em Cristo que nao inclua o seu nascimento virginal e a veneragao de sua máe é uma outra fé, é outro Cristianismo diferente do da Igreja Ortodoxa".

Para corroborar sua posicáo, Míravalle afirma outrossim que a proclamacáo da co-redencáo de Maria lembraria ao mundo que a participacáo nos sofrímentos de Cristo é colaboracáo com a obra redentora do Senhor também quando ocorre ñas geracóes posteriores á de Maria Ssma..

Conseqüentemente a Igreja estaría dizendo uma palavra de reconforto aos que sofrem em nossos dias e julgam que eutanasia e aborto sao a solucáo para certos casos dolorosos; eis palavras de Miravalle: "O exemplo de Maria Co-redentora diz á Igreja e ao mundo que o

sofrimento é co-redentor. Isto tem ¡mediato significado para as tragedias do aborto e da eutanasia, recursos estes que, cada qual a seu modo, negam os efeitos fecundos do sofrimento".

O teólogo norte-americano dilata mais aínda o seu olhar, juntamente com o teólogo anglicano John Maquarre; é da opiniáo de que a definicáo da livre participacáo de Maria na obra redentora seria uma réplica ao determinismo professado por Lutero e Karl Barth, assim como pelos ma terialistas totalitarios de direita e de esquerda: a livre cooperacáo da Virgem Ssma. sería paradigma da liberdade com que todos os homens po-

dem e devem responder ao chamado de Deus, cumprindo a missáo a eles confiada. Maria seria o símbolo da perfeita harmonía que deve existir entre a vontade de Deus e a resposta dos homens ao plano do Pai. Eis as principáis razóes aduzidas por Mark Miravalle em favor da definicáo dogmática dos títulos de Maria Medianeira, Co-redentora e Advogada.

De resto, Miravalle nao é senáo o porta-voz de cerca de 500 Bispos, 40 Cardeais e numerosos fiéis do mundo inteiro que, seguindo os passos 446

MEDIANEIRA, CO-REDENTORA E ADVOGADA

do Cardeal Mercier e de S. Maximiliano Kolbe, pediram á Santa Sé, no século XX, a mencionada definicáo. Vejamos agora a atitude do magisterio oficial da Igreja em resposta á demanda.

2. A Resposta da Santa Sé

A atitude da Santa Sé frente as mencionadas peticóes tem sido so bria e prudente.

1. Assim nos anos anteriores ao Concilio do Vaticano II ou, mais precisamente, entre 1959 e 1962 foram levadas á Comissáo Preparatoria do Concilio 265 peticóes de Bispos que solicitavam "fosse a doutrina da Mediacáo Universal de María definida como dogma de fé"; 48 Bispos pediam o mesmo, acrescentando, porém: "se isso for considerado oportu no" - o que perfazia um total de 313 peticóes, número nao desprezível. Durante o Concilio mesmo, tais pedidos tornaram-se raros, chegando a cessar á medida que se adiantavam os estudos das sessóes do Concilio, estudos sempre acompanhados de oracáo. Finalmente a Constituicáo Lumen Gentium, em seu capítulo VIII, apresenta urna síntese mariológica que nao contém a definicáo dogmática da Mediacáo Universal de María; tal documento foi aprovado em 21/11/1964 por 2151 votos numa assembléia de 2156 votantes. Este resultado beirava a unanimidade e exprimía bem o pensamento do magisterio da Igreja: entre os 2151 votos favoráveis estavam certamente quase todos os dos 313 Bispos que haviam pe dido a definicáo dogmática da Mediacáo Universal de María Santíssima. Ora trinta e tres anos após a promulgacáo da Constituicáo Lumen Gentium - o que é pouco tempo, se se leva em conta que os Concilios gerais sao raros e excepcionais - os referenciais eclesiológicos, teológi cos e exegéticos do magisterio da Igreja nao teráo mudado. De resto, o Papa Paulo VI, ao encerrar a terceira sessao do Concilio em 21/11/64, declarou que o capítulo VIII da Lumen Gentium vem a ser a mais vasta síntese que um Concilio ecuménico jamáis ofereceu "da doutrina católica

referente á posicáo que a Santíssima Virgem Maria ocupa no misterio de Cristo e da Igreja". Ora na base de tais fatos compreende-se que o Santo Padre Joáo Paulo II se veja obrigado a cautela e reservas diante do movimento pródefinicáo.

2. Ademáis é de notar que as próprias nocoes de Medianeira e Coredentora sao ainda ambiguas e obscuras no campo teológico. Com efeito: os manuais de Mariologia publicados nos dez últimos anos - e sao cerca de vinte - nao concordam entre si na maneira de entender o significado de tais atributos da Virgem Ssma. Todos sao cautelosos no sentido de nao afetar a figura singular e o papel único de Jesús Cristo Redentor do 447

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

género humano. Ora essa falta de unanimidade é suficiente para se deixar de lado qualquer tentativa de definicáo dogmática. 3. Nota-se outrossim que os principáis pronunciamentos da Igreja editados nos últimos decenios tém evitado sistemáticamente o uso do termo Co-redentora. Assim sejam citadas a Constituido Munificentissi-

mus Deus (1950) e as encíclicas Fulgens Corona (1950) e Ad Caeli Reginam (1954) de Pió XII; a Constituicao Lumen Gentium do Concilio do Vati cano II (1964); as Exortacoes Apostólicas Signum Magnum (1967) e Mari-

alis Cultus (1974) de Paulo VI e a encíclica Redemptoris Mater (1987) de Joáo Paulo II. Todos estes textos davam ocasiáo a que se mencionasse o título de Co-redentora, mas observou-se absoluto silencio a respeito. Ora, se tal tem sido a orientacáo do magisterio, pode-se entender que nos dias atuais o mesmo hesite em proceder á definicáo solene de tal título.

4. Ao invés de Co-redencáo, pode-se falar, sem os mesmos riscos de ambigüidade e desvíos doutrinários, de Cooperacáo de María na obra

da salvacáo do género humano. Tal vocábulo se encontra em Lumen Gentium ns 53. 56. 61. 63. Já S. Agostinho utilizava o termo cooperatio em sua obra De Sancta Virginitate 6. O Papa Joáo Paulo II, em sua catequese de 6/4/1997, falou amplamente da cooperacáo de María na obra da salvacáo. Em lugar de Medianeira, recomenda-se o recurso ao título de Máe de Deus (Theotókos) e Máe dos homens (cf. Jo 19,25-27): Jesús quis confiar o género humano á tutela e á intercessáo de María SSma.; cf. Lumen Gentium ne 53-56.58.61.63.65.67.69. Na qualidade de Máe, Maria intercede em favor dos homens desde a sua gloriosa Assuncáo até a consumacáo da historia da humanidade, como se lé na seguinte passagem da Lumen Gentium: "A maternidade de Maria na dispensagáo da graga perdura ininterruptamente a partir do consentimento que ela fielmente prestou na Anunciagáo, que sob a Cruz ela resolutamente manteve e mantera até a perpe

tua consumagáo de todos os eleitos. Assumida aos céus, nao abandonou esta salvífica fungáo, mas por sua multíplice intercessáo continua a gran jear-nos os dons da salvagáo eterna. Por seu maternal amor cuida dos irmáos do seu Filho que aínda peregrinam rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos á feliz patria.

Por isto a Bem-aventurada Virgem María é invocada na Igreja sob os

títulos de Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira. Isto, porém, se entende de tal modo que nada derrogue, nada acrescente á dignidade e eficacia de Cristo, o único Mediador.

Com efeito; nenhuma criatura jamáis pode ser colocada no mesmo pla no com o Verbo Encarnado e Redentor. Mas, como o sacerdocio de Cristo é participado de varios modos seja pelos ministros, seja pelo povo fiel, e como 448

MEDIANEIRA, CO-REDENTORA E ADVOGADA

17

a indivisa bondade de Deus é realmente difundida ñas criaturas de maneiras diversas, assim também a única mediacáo do Redentornao excluí, mas suscita ñas criaturas urna varíegada cooperagao, que participa de urna única fonte.

A Igreja nao hesita em proclamar essa fungáo subordinada de María. Pois sempre de novo a experimenta e recomendase ao coracáo dos fiéis

para que, encorajados por esta maternalprotegáo, mais intimamente déem sua adesáo ao Mediador e Salvador" (ns 62).

Posteriormente o Papa Paulo VI escrevia em sua Exortacáo Apostó

lica Signum Magnum n-1:

"A Virgem continua agora no céu a exercer a sua fungáo materna, cooperando para o nascimento e o desenvolvimento da vida divina em

cada urna das almas dos homens redimidos. É esta urna verdade muito reconfortante, que, por livre disposigáo de Deus sapientísimo, faz parte do misterio da salvagáo dos homens; por conseguinte, deve ser objeto da

fé de todos os cristáos".

Este texto chama a atencáo por propor, nao em termos de definicáo dogmática, mas como algo de muito lógico, a cooperacáo de María Ssma. na obra de salvacáo dos homens.

De resto, deve-se frisar bem que nem todas as verdades de fé háo

de ser promulgadas por definicoes solenes do magisterio extraordinario da Igreja. O magisterio ordinario, que ocorre mediante o ensinamento

constante e moralmente unánime dos Bispos, é suficiente para funda

mentar urna verdade ou um artigo de fé. O magisterio extraordinario da

Igreja (que se exprime em definicóes solenes) há de ser sempre extraor dinario; intervém por excelencia em caso de debates teológicos para dissipar heresias que ameacem o patrimonio da fé.

O Papa Joáo Paulo II, em sua encíclica Redemptoris Mater conce be a mediacáo mariana como mediacáo materna. É por essa mediacáo materna que a Virgem coopera para a salvacáo de todos os homens.

Todas estas ponderacóes estavam presentes aos teólogos que redigiram parecer sobre a solicitada definicáo, quando reunidos em Czestochowa, atendendo a um pedido do Papa Joáo Paulo II. - Eis o teor de tal noticia como se encontra no jornal L'OSSERVATORE ROMANO de 24/6/ 1997 (edicáo francesa):

3. A Declaracáo de Czestochowa

«Tendo a Santa Sé pedido que o XII Congresso Mariológico Interna cional, que se celebrou em Czestochowa (Polonia), em Agosto 1996, estudasse a possibilidade e a oportunidade da definicáo dos títulos marianos de 'Mediadora', 'Co-redentora1 e 'Advogada' como determinados círculos atualmente solicitam á mesma Santa Sé, pareceu oportuno constituir urna 449

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

Comissáo, escolhendo quinze teólogos específicamente preparados nesta materia, que pudessem debater juntos e analisar a questao com reflexáo amadurecida. Além da sua preparacáo teológica, preocupou-se com a maior heterogeneidade geográfica entre eles, de maneira que os seus eventuais consentimentos se tornassem especialmente significativos. Procurou-se ainda enriquecer este grupo de estudo, agregando-lhe como

membros externos alguns teólogos nao católicos presentes no Congresso. Assim chegou-se a urna dúplice conclusáo: 1. Os títulos, como sao propostos, resultam ambiguos, dado que podem compreender-se de maneiras muito diversas. Além disso, pare-

ceu oportuno nao abandonar a linha teológica seguida pelo Concilio Vaticano II, que nao quis definir nenhum deles: nao utilizou no seu magis terio o título de 'Co-redentora', e dos títulos 'Medianeira' e 'Advogada' fez um uso muito sobrio (cf. Lumen Gentium, 62). Na realidade o termo 'Co-

redentora' nao é utilizado pelo magisterio dos Sumos Pontífices, em do cumentos de relevo, desde os tempos de Pió XII. A este propósito, há testemunhos sobre o fato de ele ter evitado intencionalmente o seu uso. Quanto ao título de 'Medianeira', nao se deveriam esquecer eventos his

tóricos bastante recentes: nos primeiros decenios deste século a Santa Sé confiou a tres comissóes diferentes o estudo da sua definicáo; tal es tudo levou a Santa Sé á decisáo de abandonar a questáo.

2. Ainda que aos títulos se atribuísse um conteúdo, do qual se poderia aceitar a pertenca ao depósito da Fé, a sua definicáo, na situacáo atual, nao seria contudo teológicamente perspicua, enquanto tais títulos e as doutrinas que Ihes sao inerentes necessitam ainda de um ulterior aprofundamento numa renovada perspectiva trinitaria, eclesiológica e antropológica. Enfim, os teólogos, especialmente os nao católicos, demonstraram-se sensíveis as dificuldades ecuménicas que urna definicáo dos mencionados títulos implicaría. A Comíssáo era formada pelos seguintes membros: Pe. Paolo Mela da e Pe. Stefano Cecchin, respectivamente Presidente e Secretario da Pontificia Academia Mariana Internacional; Pe. Cándido Pozo, S.l. (Espanha); Pe. Ignacio M. Calabuig, O.S.M. («Marianum», Roma); Pe. Jesús Castellano Cervera, O.C.D. («Teresianum», Roma); Pe. Franz Courth, S.A.C. (Alemanha); Pe. De Fiores R. P. Stefano, S.M.M. (Italia); Pe. Migue! Ángel Delgado, O.S.M. (México); Pe. Manuel Felício da Rocha (Portugal); Pe. Georges Gharib, melquita (Siria); Pe. Rene Laurentin (Franca); Pe. Jan Pach O.S.P.P.E. (Polonia); Pe. Adalbert Rebic (Croacia); Pe. Jean Rivain (Franca); Pe. Johannes Roten, S.M. (E.U.A.); Pe. ErmannoToniolo,

O.S.M. (Italia); Mons. Teofil Siudy (Polonia); Pe. Antón Ziegenaus (Ale manha); Con. Roger Greenacre, anglicano (Inglaterra); Dr. Hans Christoph

Schmidt-Lauber, luterano (Austria); Pe. Gennadios Limouris, ortodoxo (Constantinopla); Pe. Jean Kawak, ortodoxo (Siria); e Prof. Constantin Charalampidis, ortodoxo (Grecia)». 450

Conhecimento Superior?

"O EVANGELHO DE TOMÉ"

Em síntese: O Evangelho de Tomé, recém-publicado em portugués, é urna coletánea de 114 sentengas atribuidas a Jesús e pretensamente recolhidas pelo Apostólo S. Tomé. Tratase de um apócrifo de origem gnóstica (dualista) incompatível com a literatura do Novo Testamento, que está Ionge de professar urna gnose (conhecimento) oculta, reservada aos iniciados, como também está Ionge de admitir antagonismo ontológico entre materia (má) e espirito (bom). *

*

*

Tornou-se famoso tanto na literatura erudita como na de divulgacáo (revistas e jomáis) o chamado "Evangelho de Tomé", Tomé que seria o Dídimo, o Gémeo (alguns dizem mesmo:... o Gémeo de Jesús). É urna coletánea de 114 sentencas atribuidas a Jesús e pretensamente recolhi das pelo Apostólo S. Tomé. A obra, porém, é do século II e de índole gnóstica, sendo, portanto, falsamente atribuida ao Senhor Jesús e a S. Tomé Apostólo. Eis que no Brasil foi editada urna traducáo portuguesa do texto do Evangelho de Tomé; é traducáo feita a partir do inglés, que por

sua vez vertía o texto copta (egipcio antigo) dessa obra, sendo tradutor

para o inglés o Prof. Marvin Meyer, da Chapman University. A Editora Imago (Rúa Santos Rodrigues 201-A, Rio, RJ) publicou o texto com um comentario do Prof. Harold Bloom, da New York University.

A fim de compreender melhor os dizeres ou logia do Evangelho de

Tomé, examinemos em que consiste o Gnosticismo. 1. O Gnosticismo

A palavra Gnosticismo vem de gnosis (= conhecimento, em grego). Significa urna corrente de pensadores que apregoavam a salvacáo pelo conhecimento de verdades ocultas, reservadas a iniciados. O gnóstico nao é um fiel (homem de fé), mas é um iniciado, que pretende possuir as respostas para as angustiantes questóes da metafísica.

O gnosticismo assumiu modalidades diversas, com algumas notas comuns:

- o dualismo ou o antagonismo entre materia (má) e espirito (bom); - a oposicáo entre o Criador do mundo visível ou Demiurgo, que fez o universo material mau, e o Deus desconhecido, que é Luz e Bondade; 451

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

- o homem tem duas almas: a celeste, superior, e a pecadora, inferi or; ele se acha no corpo, prisioneiro da materia e do tempo; - o homem Jesús se opóe ao Verbo de Deus.

Existiram gnósticos pré-cristáos, principalmente judeus (como eram os essénios de Qumran); gnósticos judeo-cristáos (os ebionitas, por exemplo), e gnósticos extra-cristáos (os mandeus e os sabeus, que sobreviveram na Mesopotámia).

Como se vé, o gnosticismo compreende em seu bojo concepcóes do judaismo, do Cristianismo e do pensamento oriental. As doutrinas dos gnós ticos dependentes do Cristianismo estáo expressas em evangelhos e epís

tolas apócrifos, ou seja, em obras dos séculos II - IV, que tinham a apa-

réncia de livros bíblicos para se impor mais fácilmente ao público cristáo.

No plano moral o gnosticismo assumia duas posicóes extremas: de

um lado, um ascetismo rigoroso, inspirado pelo horror ao corpo e á mate ria, e, de outro lado, um libertinismo total, devido á pretensáo de que a salvacáo estava garantida aos iniciados na gnose salvadora.

O Apocalipse de Sao Joáo menciona dois grupos de gnósticos da Asia Menor: os discípulos de certo Balaáo, que outrora foi pedra de tropeco para os filhos de Israel no deserto, e os nicolaítas, que maldiziam o Deus do Antigo Testamento e praticavam o libertinismo absoluto. A gnose tornou-se altamente perigosa para a Igreja nascente, pois utilizava proposicóes do Cristianismo e as desenvolvía de modo aberrante, baseada em pretensas revelacóes secretas. Consideremos agora o texto do

2. Evangelho de Tomé: origem e conteúdo Em dezembro de 1945, varios felás (camponeses) egipcios, entre os quais Muhammad Ali, do clá Al-Sammanm, deslocavam-se em seus ca

melos perto de Jamal-al-tarif, um íngreme rochedo que acompanha o rio Nilo no Alto Egito, perto da moderna cidade de Nag Hammadi. Estavam procurando sabaque, um fertilizante natural que existe na área. Ao cavarem o solo, para grande surpresa sua, descobriram um jarro com um reci piente selado em sua parte superior como se houvesse uma tampa.

Muhammad hesitou antes de abrir o jarro selado, pois temia que pudesse conter um djim ou espirito mau que, liberto, perseguiría os homens. Mas, pensando ñas lendas relativas a tesouros ocultos naquela área, resolveu quebrar o jarro com uma picareta e percebeu fragmentos de papiro de cor dourada que cintilavam á luz do sol. Na verdade, ele assim havia descoberto tres códices de papiro da biblioteca de Nag Hammadi, na qual se encontrava o Evangelho de Tomé. 452

"O EVANGELHO DE TOMÉ"

21

Este vem a ser urna coletánea de 114 sentencas (logia, em grego) de Jesús, sem alguma exposicáo narrativa como também sem o relato da Paixáo e morte do Senhor. Na antigüidade nao era raro confeccionaremse tais coletáneas: assim, entre os judeus, havia os livros bíblicos dos Proverbios, do Eclesiástico e do Eclesiastes, bem como o Tratado rabínico

Pirké Abóth (Ética dos Pais); no Egito, havia as sentencas dos Sabios

Amenemhat, Amenemops, Ptah-hotep, Shuruppak e Ahikar. Entre os ro manos, registram-se as coletáneas chamadas chreiai (Sentencas Úteis) para fins pedagógicos. Tal seria também a coletánea dita Quelle (Q) fon-

te, que se supoe tenha recolhido senten$as de Jesús, aproveitadas por Mateus e Lucas para redigirem seus Evangelhos.

Julga-se que o Evangelho de Tomé foi originariamente escrito em grego na Siria provavelmente em Edessa, onde a memoria de Tomé era muito reverenciada. Terá sido composto em 200 ou em fins do sáculo II. O texto encontrado em Nag Hammadi é copta, ou seja, redigido na língua egipcia usual no período do Imperio greco-romano.

Antes de 1945, os estudiosos tinham conhecimento desse texto ape nas pelas referencias que dele fizeram os escritores da Igreja antiga: Hi

pólito de Roma (t 235), Orígenes (t 250), S. Cirilo de Jerusalém (t 387). A ordem das sentencas na coletánea que temos, parece casual. Todavia em alguns casos percebe-se a intencáo de agrupar os dizeres em torno de urna palavra-chave (por exemplo, as sentencas 25 e 26 empregam ambas as palavras IRMÁO e OLHO): em outras ocasióes há interesses temáticos (por exemplo, as sentencas 12 e13 enfatizam a autoridade

de Tiago, o Justo, e a preeminente autoridade de Tomé); prevalece as vezes a semelhanca de forma literaria (por exemplo, as sentencas 8-9. 63-65 e 96-98 sao parábolas). Examinemos agora

3. Os Traaos Gnósticos do Evangelho de Tomé 3.1. A Recomendacáo da Gnose

A coletánea abre-se logo com a enfatizacáo da gnose ou do conhe

cimento:

Sentenca 1: "Jesús disse: 'Quem quer que descubra a interpretacáo destas sentencas, nao provará a morte'".

A sentenca 2 faz-lhe eco: "Jesús disse: 'Que aquele que procura, nao deixe de procurar até que encontré. Quando encontrar, ficará pertur

bado. Quando estiver perturbado, ficará maravilhado e dominará tudo'".

A sentenca 3 continua: "Jesús disse: 'Quando voces se conhecerem, seráo conhecidos e compreenderáo que sao filhos do Pai vivo. Mas, 453

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

se nao se conhecem, entáo vivem na pobreza e sao pobreza'". Sentenca 5: "Jesús disse: 'Conheca o que está diante de suaface, e o que está oculto para vocé, ser-lhe-á revelado. Pois nada há oculto que nao venha a ser revelado"1.

Sentenca 92: "Jesús disse: 'Procurem e encontraráo. No passado nao Ihes falei sobre as coisas a respeito das quais me indagavam. Agora estou disposto a dizé-las, mas voces nao as estáo procurando'". 3.2. Dualismo

Sentenca 112: "Jesús disse: 'Maldita a carne que depende da alma. Maldita a alma que depende da carne'". Sentenca 15: "Jesús disse: 'Quando virem alguém que nao nasceu

de mulher, prosternem-se e adorem. Este é seu pai'". Sentenca 114: "Simáo Pedro disse a eles: 'María deveria deixarnos, pois as mulheres nao sáb dignas da vida'. Jesús disse: 'Eu a guiarei para fazer déla homem, de modo que também ela possa tomar-se um espirito vivo, semelhante a voces, homens. Pois toda mulher que se torne homem, entrará no reino do céu'".

Sentenca 105: "Jesús disse: 'Quem quer que conheca o pai ou a máe, será chamado filho de máe prostituta'". - Com estas palavras Jesús estaría condenando o próprio nascimento carnal. 3.3. Sentencas Paradoxais

Sentenca 112: "Jesús disse: 'Sou a luz que está sobre todas as coi sas. Sou tudo; de mim sai tudo, e a mim tudo chegou. Dividam um pedaco de madeira, ai estou. Ergam a pedra, e ai me encontraráo'". Sentenca 108: "Jesús disse: 'Quem beber de minha boca, se torna

rá como eu; eu próprio me tornarei essa pessoa, e as coisas ocultas seráo reveladas para essa pessoa'". Sentenca 106: "Jesús disse: 'Quando de dois fizerem um, voces se tornaráo filhos do homem, e quando voces disserem: Montanha, movase, ela se moverá'".

Os comentadores do Evangelho de Tomé apontam na literatura gnóstica em geral, numerosos paralelos as sentencas de Jesús coletadas nesta obra.

Esteja claro, porém, que se trata de um apócrifo de origem dualista, nao crista, embora também haja nesse apócrifo varias sentencas encon tradas nos Evangelhos canónicos (por vezes numa forma literaria um pouco diversa). Vejam-se, por exemplo, as sentencas 64-69. 73-79. 86. 454

"O EVANGELHO DE TOMÉ"

23

APÉNDICE

Á guisa de ilustracáo, reproduzimos mais algumas sentencas do

Evangelho de Tomé. Podem ¡mpressionar pelo seu caráter misterioso, que insinúa conhecimentos reservados a poucos privilegiados:

22 «Jesús viu algumas criancinhas. Disse ele a seus seguidores: 'Essas criancas sao como aqueles que entram no reino'.

Eles Ihe disseram: 'Entáo devemos entrar no reino como criancinhas?' Jesús Ihes disse: 'Quando de dois fizerem um, e o de dentro for

como o de fora, e o de fora for como o de dentro, e o de cima for como o de baixo, e quando de homem e mulher fizerem um só, entáo o homem

nao será homem nem a mulher será mulher, quando puserem olhos em lugar de um olho, urna máo em lugar de urna máo, um pé em lugar de um pé, urna imagem em lugar de urna imagem, entáo voces entraráo [no reino]».

23 Jesús disse: "Eu os escolherei, um dentre mil e dois dentre dez mil, e eles permaneceráo como um só".

24 "Seus seguidores disseram: 'Mostre-nos o lugar onde vocé está, pois temos de procurar por ele'.

Ele Ihes disse: 'Quem quer que tenha ouvidos deve ouvir. Há luz dentro de urna pessoa de luz, e a luz bilha sobre o mundo. Se nao brilha, faz-se treva'".

25 "Jesús disse: 'Ame seu irmáo como sua alma, proteja essa pessoa como a pupila de seu olho'".

26 "Jesús disse: 'Vocé vé o cisco que está no olho de seu irmáo, mas nao vé a trave que está em seu próprio olho. Quando tirar a trave de seu próprio olho, entáo vocé verá de modo suficientemente claro para tirar o cisco do olho de seu irmáo1".

47 "Jesús disse: 'Urna pessoa nao pode montar dois cávalos ou cur var dois arcos. E um servidor nao pode servir a dois senhores, ou esse servidor honrará um e ofenderá outro. Ninguém bebe vinho envelhecido e ¡mediatamente deseja beber vinho novo. O vinho novo nao é posto em odres envelhecidos, ou estes podem quebrar, e vinho envelhecido nao é posto em odre novo, ou o vinho pode estragar. Um paño velho nao é costurado em urna roupa nova, pois iria haver um rasgáo'". 48 "Jesús disse: 'Se dois fazem as pazes entre si em urna mesma casa, dirao á montanha: 'Mova-se1, e ela se moverá1".

49 "Jesús disse: 'Felizes aqueles sozinhos e escolhidos, pois encontraráo o reino. Voces vieram dele e retornaráo a ele*". 455

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

50 "Jesús disse: 'Se Ihes disserem: 'De onde vieram?', digam-lhes: 'Viemos da luz, do lugar onde a luz surgiu por si, estabeleceu[-se] e apareceu em sua ¡magem'. Se Ihes disserem: 'Ela é voces?" digam: 'Somos seus filhos e somos os escolhidos do pai vivo'. Se Ihes perguntarem: 'Qual é a

evidencia de seu pai em voces?' digam-lhes: 'É movimento e repouso'".

51 "Seus seguidores disseram-lhe: 'Quando o repouso para os mor-

tos ocorrerá e quando vira o mundo novo?'

Ele Ihes disse: 'O que voces esperam já veio, mas voces nao o conhecem'".

59 "Jesús disse: 'Olhem para aquele que vive enquanto voces viverem, ou podem morrer e entáo tentar ver aquele que vive, e nao conseguiráo vé-lo'".

60 "Ele viu um samaritano levando um cordeiro e indo para a Judéia. Ele disse a seus seguidores: 'esse homem perto do cordeiro1.

Disseram-lhe: 'Ele pode matá-lo e comé-lo'. Ele Ihes disse: 'Ele nao o comerá enquanto estiver vivo, mas somente depois que o matar e tiver se transformado em carcaca'. Disseram: 'De outro modo ele nao poderá fazé-lo'. Ele Ihes disse: Também quanto a voces, procurem para voces um lugar para repousarem, ou podem tornar-se urna carcaca e serem comi dos' ". 61 "Jesús disse: 'Dois descansaráo em um leito; um morrerá, um

vivera'. Salomé disse: 'Quem é vocé? Vocé subiu ao meu leito e comeu de minha mesa como se fosse de alguém'. Jesús disse a ela: 'Sou aquele que vem do que é inteiro. Venho den-

tre as coisas de meu pai'. 'Sou sua seguidora'. 'Por esta razáo, digo: se alguém é inteiro, ficará cheio de luz, mas se alguém é dividido, ficará cheio de treva'".

62 "Jesús disse: 'Desvendo meus misterios para aqueles [que sao dignos] de [meus] misterios. Nao deixem que sua máo esquerda saiba o que sua direita está fazendo'".

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O Fenómeno Religioso do Brasil:

"O DIABO NO 'REINO DE DEUS' " por Margarida Oliva

Em sintese: A Prof§. Margarida Oliva publicou um livro sobre a Igre ja Universal do Reino de Deus e sua prática exorcista. Nessa Igreja todas as desgragas sao atribuidas ao demonio, o que redunda na restauragáo da mentalidade de povos primitivos. Ocorre, porém, que os ritos de exor

cismo, na Igreja Universal, estáo associados ao pagamento de dízimo e á oferta de dinheiro "espontánea", para que as gragas de Deus se possam derramar sobre o crente. O dinheiro é tido como o sangue que dá vitalida-

de á Universal. É esse estímulo a vuitosas ofertas que explica a expansao

de talcorrente, que, alias, rejeita qualquer religiáo em tom agressivo, como

se fosse a única tábua de salvagáo da humanidade tomada por muitos demonios.

A ProR Margarida M. Cichella Oliva, pesquisadora nos campos da

Teología e da Literatura, dedicou-se a colher dados empíricos e teóricos que expliquem, de certo modo, a enorme expansao da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Os observadores tém comentado as aquisicóes empresariais do respectivo fundador, mas nao se tém interessado por

descobrir adequadamente as motivacóes mais profundas do éxito da propagacáo da IURD. - Ora a Prof8. Margarida Oliva aplicou-se a esta tarefa, valendo-se de principios de sociología religiosa propostos por Rene Girard,

historiador e antropólogo francés radicado nos Estados Unidos. R. Girard e Margarida Oliva falam do diabo e de sua importancia para os membros da IURD; todavía nao o tém na conta de ser real, mas, sim, de ficcáo ou projecáo da fantasía dos povos primitivos. Terá perdido sua voga durante séculos, mas hoje em dia estaría sendo restaurado por correntes religio sas que representam o pensamento arcaico e primitivo.

O estudo de Margarida Oliva e suas conclusóes permitiram-lhe escrever a interessante obra "O Diabo no 'Reino de Deus"'1 cuja tese passamos a expor ñas páginas subseqüentes, em que a obra será citada como DRD. 1 Editora Musa, Rúa Monte Alegre 1276, 05014-010 Sao Paulo (SP), 135x210 mm, 175 pp. 457

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

1. As Idéias-mestras da IURD

Rene Girard julga que em todos os animáis existe o instinto de mímese ou a tendencia a imitar os outros; ora tal tendencia leva á rivalidade e ao confuto. No reino animal irracional a violencia assim oriunda é instintiva mente controlada; ao contrario, entre os seres humanos (tidos como des cendentes dos irracionais) a violencia deixa de ser controlada, de modo a que tendem a lutar todos contra todos; finalmente a violencia de todos

acaba-se voltando contra urna única vítima condenada a morrer; disto decorre a paz para a sociedade.

Ora, diz ainda R. Girard, essa vítima condenada a morrer como o obstáculo á paz da sociedade é o Diabo. Este vem a ser o bode expiatorio, vítima da violencia da sociedade que deseja paz e bem-estar. Tal esquema esteve em vigor na concepcao dos povos antigos e medievais que acreditavam no demonio, diz Girard. Foi eliminado pelo racionalismo dos séculos XVIII e XIX, mas está voltando a se impor ñas correntes contemporáneas como sao a IURD e outras denominacóes neopentecostais, segundo a Profs. Margarida Oliva.

Esta pesquisadora, após acompanhar atentamente as manifestacoes da IURD em seus templos e em seus programas de radio e televisáo, julga que Edir Macedo restaurou em ampia escala, para os seus seguido res, a nocáo de que todos os males vém do demonio, que é preciso exor cizar e expulsar. Afirma Margarida Oliva: "Acáo diabólica e exorcismo sao

síntomas do pensamento religioso primitivo ainda predominante na humanidade e constituem, a nosso ver, o principio determinante do fenóme no iurdiano" (DRD, p. 19). Diz, por sua vez, Edir Macedo:

'Temos ministrado o Evangelho de Jesús Cristo na sua pureza e integridade, mas por obra do Espirito Santo nossa Igreja foi levantada para um trabalho especial, que se salienta em todas as nossas reunióes - a libertagáo de pessoas endemoninhadas" (Orixás, Caboclos e Gui as, p. 16).

Por conseguinte, a IURD se prontifica para rechacar o demonio ou os demonios que infestam o corpo ou a vida de todos os homens e mulhe-

res sofredores; isto se faz pela Corrente de Libertacao, que geralmente ocorre todas as sextas-feiras nos templos da Universal. O rito do exorcis mo ou da oracáo forte é eletrizante ou altamente impressionante. Diz Edir Macedo:

"Existem pessoas que estáo possufdas por milhares de demonios, e costumamos mandar os demonios ficarem de joelhos, de castigo; bate-

rem a cabega, andarem de costas, olharem para a parede, etc."(Orixás...,

p. 63).

458

"O DIABO NO 'REINO DE DEUS'"

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"Nem o diabo nem qualquer demonio podem resistir á autorídade

que nos foi concedida", dizem os pastores da IURD (EdirMacedo, Oríxás..., p. 144).

É de notar, alias, que a IURD identifica as entidades das religióes afro-brasileiras (exus, orixás, pomba-gira....) com os anjos maus ou de monios de que fala a Biblia. Isto é totalmente despropositado, pois as

entidades afro-brasileiras sao semideuses, ao passo que o demonio é urna criatura que Deus fez boa e que se perverteu pelo pecado de soberba. Por conseguinte, é falso identificar exus e orixás com os anjos maus. O rito de exorcismo por si nao é suficiente para assegurar a paz e a

prosperidade as pessoas infestadas. Requer-se o pagamento do dízimo que nao é mais do que urna obrigacao (é devolver a Deus o que é de Deus, para que Ele possa dar algo mais ao crente). Além disto, recomen-

da-se a oferta ou o sacrificio, que nao é obrigatória, mas que vem a ser condicáo para que alguém receba do Senhor Deus os favores almejados. Assim o dinheiro adquire urna importancia vital no culto e na mensa-

gem da IURD, bem como ñas atitudes religiosas dos membros da Uni versal:

"As béngáos decorrentes do dízimo sao ilimitadas... O dízimo aben-

goa a pessoa em toda a sua plenitude... Do dízimo é exemplo o próprio Jesús, pois Ele também foi dado por Deus, a fim de que pudéssemos

participar da própria natureza de Deus. Daí a importancia do dízimo: é fundamental para a vida física, espiritual e financeira do cristao fiel... O Espirito Santo nos fez compreender que o dinheiro na sua obra é o sangue da Igreja do Senhor Jesús" (Nos passos de Jesús e Vida com Abun

dancia, citados á p. 59 de DRD).

"As bases da nossa sociedade com Deus sao as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa forca, nosso dinheiro), passa a pertencer

a Deus; e o que é dele (as béngños, a paz, a felicidade, a alegría e tudo de bom) passa a nos pertencer" (Nos passos de Jesús, pp. 103s). "O dinheiro é urna ferramenta sagrada usada na obra de Deus. Ele é o dono de todas as coisas, mas nos somos os seus socios nos seus empreendimentos. Dessa maneira o dinheiro, que é humano, deve ser a nos

sa participagao, enquanto o poder espiritual e os milagres, que sao divi

nos, sao a participagao de Deus" (Vida com Abundancia, p. 74s). "Assim como o sangue está para o corpo humano, também o dinhei

ro está para a obra de Deus" (Nos Passos de Jesús, p. 107). "Deus nunca vé a importancia que a pessoa traz em suas máos, mas sim aqueta que fica em seu bolso" (ibd., p. 106). 459

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

"Nem Deus nem a Igreja podem fazer algo para alcangar os perdidos

sem o dinheiro, tao necessário nessa sociedade de consumo em que nos

vivemos!" (Vida em Abundancia, p. 81). Os pastores sao peritos na arte de convencer o povo a dar dinheiro. A sua palavra é penetrante, se nao ameacadora:

"¿preciso... tomarjá urna atitude decisiva contra o demonio engaña dor, que vem para matar, roubar, destruir e devorar. E qual a atitude que

vence o demonio? O DÍZIMO" (citado á p. 44 de DRD).

Refere Margarida Oliva uma cena de culto da ILJRD:

"Há aínda mais do que sugestao - e isso em todas as sessoes - no convite ao "sacrificio", isto é, á "oferta espontánea". Deixa-se claro que ninguém é obrígado. Mas também fica claríssimo que sem sacrificio nao há béngáos. Importancias altíssimas sao sugeridas, de inicio. Assim, por exemplo, após a leitura de Ez 36, 26: 'tirarei de vosso corpo o coragáo de pedra...', o pastor pergunta: 'Quem tem um familiar com coragáo de pedra? Dé um milháo (pode ser cheque), quinhentos mil... O Diabo está impedindo que essa pessoa seja libertada...' Ouvimos, certa vez, o pastor sugerir que podiam fazer um cheque com todo o dinheiro da cademeta de poupanga. Violencia 'boa'?" (p. 137). Margarida Oliva julga que tal maneira de proceder é violencia, "vio lencia do Sagrado". E concluí:

"A fé iurdiana é uma fé possuidora. A julgar pela literatura e pela pregagao da Igreja Universal, saúde, amor e prosperidade financeira sao

o retorno automático do investimento feito no sacrificio - o dizimo e as ofertas espontáneas.

Somos irresistivelmente levados a compararas promessas da fé pos suidora com as do Baú da Felicidade, da Sena, e das diversas loterías" (p. 142).

Ou aínda: "Na sociedade consumista, em que 'só vale quem tem', a pregagao

da IURD usa uma linguagem que atinge diretamente a frustragáo profun da de uma grande carnada da sociedade e o desejo profundamente hu mano de ser mais. A IURD se apresenta com um poder salvador, capaz de expulsar o inimigo - o demonio - que, até mesmo através das diversas religióes, impede o livre acesso da criatura humana á vida com abundan cia, á onipoténcia divina. Mas á vitima libertada do poder maligno cabe aínda o sacrificio: o dizimo e as ofertas espontáneas. E assim se vai ali mentando o poder da IURD as custas da carencia de qualquer poder de seus fiéis" (p.53). 460

"O DIABO NO 'REINO DE DEUS'"

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A autora de DRD concluí a sua obra nos seguintes termos:

«A IURD nos aparece assim, ela mesma, como síntoma de urna realidade mascarada. A realidade de urna sociedade que aínda nao é com pletamente humana. Que aínda depende do sagrado primitivo para se

organizar. Que se governa pelo poder da violencia e tem como objeto supremo de seu desejo a violencia do poder» (p. 147). ImpÓe-se agora a consideracáo de um particular da mensagem da IURD.

2. IURD e Religíáo

Muito significativa é a oposicáo da IURD á Religiáo. A IURD nao quer ser urna Religiáo. - Esta proposicáo se baseia no conceito de Reli giáo apregoado por Edir Macedo: Religiáo seria "um conjunto de doutrinas, normas e regras estabelecidas por um grupo social que se dispoe a realizar urna determinada obra de apostolado" (DRD, p. 51). O ideal é ser cristáo sem ser religioso, pois a religiáo só atrapalha. Por conseguinte, a IURD se volta contra todas as religióes, inclusive as protestantes, e especialmente a católica: "O ideal seria ser cristáo sem ser religioso, pois a religiáo só atrapa lha. 'O homem precisa se libertar urgentemente da religiáo. Jesús mesmo nao foi considerado um religioso, mas um revolucionario e por isso foi moño. Seus discípulos nao se preocuparam em organizar um culto a Ele e sim em propagar os seus ensinamentos acerca do Reino de Deus. Cris tianismo jamáis foi religiáo. Cristianismo é Vida, e Vida com abundancia!' Tomando distancia das religióes, a pregagáo iurdiana desfecha o ata que, implícita ou explícitamente, a todas elas. 'Enquanto vocé, amigo leitor, estiver satisfeito com a tradigáo histórica de sua igreja, com seus rituais e cerimónias, com sua liturgia e com a sua aceitagáo das coisas como estáo, nao será ungido pelo Espirito Santo.' Ninguém escapa da censura iurdiana: 'Vivemos em plena era do demonismo. O espiritismo está, sob as suas mais diversas ramificagóes, dominando a mente das pessoas. As religióes orientáis, regadas a demonio, estáo, sob a capa crista ou nao,

invadindo o mundo, entrando nos salóes de festa e coabitando nos case-

bres da lávelas com os homens. Com vasta distribuigáo de leitura e pre gagáo disfargada, estáo por toda a parte disseminando a prática do demonismo'.

Mesmo as chamadas Igrejas tradicionais estariam cativas de um de monio que se poderia chamar exu tradigáo. Quanto á Igreja Católica, 'se 461

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

intitula religiao crista mas de fato, náopassa de um Estado político dentro de cada País, cuja capital mundial é Roma, de onde também comanda as guerras, revolugóes e rebelióes, tudo em nome de Deus, além de servir

como sócia da Mafia para 'limpar' todo o dinheiro que esta arrecada através do tóxico, jogos, prostituigóes, etc. E também tem usado a Biblia como fonte de suas aspiragóes de conquistas políticas, pela promogao da mise ria, especialmente entre os povos do Terceiro Mundo'. E, aínda, no comentario sobre o Apocalipse 14,8:

'£ entáo o segundo anjo anuncia a queda da Babilonia que hoje en tendemos sera Igreja Católica e filiáis...'

Mas, se na Igreja Católica, os demonios se escondem atrás das imagens de santos, 'no Brasil, em seitas como Vodu, Macumba, Quimbanda, Candomblé ou Umbanda, os demonios sao agradados e servidos como verdadeiros deuses'.

A hostilidade para com as diferentes religióes, acusadas mais ou menos claramente de estarem a servigo do demonio, parece que já foi

mais aberta e intensa, chegando mesmo as vías de fato. Em julho de 1989, no bairro da Aboligáo, no Rio de Janeiro, houve até troca de socos e tiros entre os adeptos da Igreja Universal e umbandistas. ET., urna fiel da IURD, nos contou, em conversa informal, em agosto de 90, que os irmáosjá desmancharam um centro espirita com 100 médiuns.

Essa tentativa de eliminagáo de todos os rivais na conquista da cli entela está a servigo do desejo de poder que se abriga no coragao huma no e anima a organizagáo e a pregagáo iurdianas" (DRD p. 52s). A Igreja Católica seria a Babilonia de que fala Ap 14,8. Nela os de monios se escondem atrás das imagens do Santos:

"O demonio se esconde atrás das imagens e fica rindo da gente... Bes confessam tudo aqui" (Testemunho de urna obreira da IURD, citado

emDRDp. 169).

Em conseqüéncia todas as religióes sao tidas como demoníacas e só há salvacáo na Igreja Universal do Reino de Deus. 3. Flagrantes de Sessáo da IURD

Eis como Margarida Oliva relata o que viu e ouviu: «Día 13/6/1994 - SEGUNDA-FEIRA

Em letras douradas, na parede no fundo do palco, está escrito: JE

SÚS CRISTO É O SENHOR. Urna faixa, na frente do palco, anuncia o tema das segundas-feiras: - CORRENTE DA VIDA REGALADA - e a citacáo de 462

"O DIABO NO 'REINO DE DEUS'

Ecl 3,12: Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada. A sessáo, iniciada as 19h, chegava ao seu climax. Já da rúa se ouvia a voz imperiosa do pastor imprecando contra os demonios - os exus desafiando-os a se manifestar e ordenando-lhes que "desamarrassem" a vida, os negocios, os salarios daquelas pessoas que ali estáo. E incita a

assembléia, de pé, a pisar no demonio. O clima é de delirio. Os dois pas tores, no palco, se revezam ao microfone, empolgados. E quanto mais alto gritam, mais frenéticas as pessoas batem os pés no chao. Enquanto isso, os obreiros percorrem os corredores entre as poltronas, atentos a

qualquer vestigio de manifestacáo demoníaca. Depois disso, sao convidadas a vir para a frente as pessoas que se tivessem sentido mal durante a convocacáo dos demonios, por se identificarem como vítimas das desgracas que, na sua convocacáo, os pasto res Ihes atribuíam. Varias pessoas se apresentaram para serem exorci zadas em particular. Encerrando essa etapa da sessáo, o pastor manda que toda a as

sembléia, em pé, erga os bracos e repita o seu grito: "Nao aceito o mal no meu corpo!" Empolgada, a assembléia repete em uníssono, tres vezes, e

cada vez mais alto, terminando com o gesto de bracos de quem afasta algo: "Saia! Saia! Saia!" Após o que, estando ainda todos de bracos le vantados, o pastor faz urna oracáo de béncáo para as máos erguidas e manda que as coloquem sobre a cabeca e facam de novo o gesto de expulsáo do mal repetindo: "Saia!" Um canto animado anuncia que os

diabos estáo todos amarrados da cabega aos pés e quem os vence todos

é Jesús de Nazaré. Em seguida todos se sentam e um dos pastores lé Apocalipse, capí tulo 12, 3-4.7-12, explicando que a batalha, vencida no céu, continua na térra, agora entre o demonio (o dragáo) e a Igreja (a mulher grávida). E,

explica o pastor, á mulher grávida, que é a Igreja, sao voces. É preciso,

portanto, prepararse para a peleja e tomarjá urna atitude decisiva contra o demonio engañador que vem para matar, roubar, destruir e devorar. E

qual a atitude que vence o demonio? O DÍZIMOI' A forca vitoriosa do dízimo é revelada pela palavra de Deus que está em Malaquias 3,10-11: 'Trazei todos os dizimos., e por causa de vos repreenderei o devorador...' Pede, entáo, o pastor que levante o braco quem já é dizimista (a maioria levanta) e convida os que ainda nao sao a ir buscar o envelope lá na frente. Algumas pessoas váo. Mas o dízimo ainda nao é suficiente, para quem quer alcancar de Deus alguma graga especial. Pois é dando que se recebe. Quem dá o 463

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

dízimo nao faz nada aos outros, apenas devolve o que pertence a Deus. A "oferta espontánea" é prova maior do dom do coracáo. Estáo todos, portanto, convidados a fazer a sua oferta, confiantes de que receberáo muito mais em troca. Que cada um diga á pessoa que está ao seu lado: 'Hoje é o dia da prosperidade!'

Após essa saudacáo, pede o pastor aos obreiros que tragam para a frente urna mesa e tres bacías de agua, explicando que a agua serve para purificar. Antes de entregar a oferta, lavam-se as máos na agua. Depois entrega-se a oferta e o pastor abencoa as máos do doador ungindo-as com óleo. Dada a explicacáo, é feito o apelo:

Quem vaidar CR$500.000,00? CR$ 300.000,00? CR$ 100.000,00? Apenas urna senhora se manifesta. A segunda rodada é de CR$ 100.000,00, CR$ 70.000,00 ou CR$ 50.000,00; poucas pessoas respondem ao apelo; mais outras se animam quando a quantia pedida baixa

para CR$ 10.000,00, CR$ 5.000,00 ou CR$ 3.000,00. Finalmente, esgotada a capacidade de doacáo 'espontánea', todos os presentes sao con vidados a purificar suas máos na agua e receber a béncáo.

Estando todos de volta aos seus lugares, o pastor menciona um milagre ocorrido na sessáo as 15h, quando urna senhora foi curada de cán cer. E pergunta se há alguém na assembléia que tenha sido curado de alguma doenca grave. Algumas pessoas levantam as máos e ele pede que elas o procurem no final da sessáo.

A sessáo termina por volta das 20h30 com os cánticos Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperanga e amor e Queremos Deus. O pastor avisa que na terca-feira a assembléia terá o privilegio de participar da Corrente dos 70 Apostólos, e que todos estáo convidados a 'passar pelo corredor dos milagres': quem tiver alguém doente na familia, que traga a sua fotografía.

A assembléia, que praticamente lotava o saláo, se dissolve. Algu mas pessoas váo falar com os pastores. Outras param junto á banca de

livros e artigos de papelaria, á entrada do recinto, á esquerda. Tres obreiras, junto á porta de saída, vendem a Folha Universal.

O ritual do culto iurdiano é envolvente e animado. Os cánticos sao de melodía simples e repetitiva. As palavras infundem confianca no poder de

Deus e acendem a esperanca. O esquema do culto é sempre o mesmo,

mas os gestos e 'sinais' variam conforme o tema do dia. Fazem lembrar

os 'sacramentáis' da Igreja Católica e tém um apelo forte para a sensibilidade religiosa primitiva. Sao carregados de poder.

Urna vez os presentes foram convidados a mergulhar os pés em bacías que continham gotas de agua trazidas do Rio Jordáo; outra vez, 464

"O DIABO NO 'REINO DE DEUS'"

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molharam-se as máos para colocar na parte do corpo que doía. Ou purificaram-se, na agua, as máos que trouxeram a oferta espontánea.

É interessante observar o uso mágico que se faz da agua. E a idéia

de lavar as maos, antes ou após o 'sacrificio' das ofertas espontáneas. O sacrificio sugere ¡molacáo, sangue, impureza. A que profundezas do in consciente coletivo esse gesto pode aludir?

Nos dias dedicados á obtencáo da felicidade no amor, pode-se passar sob o 'arco do amor'. Para atingir um familiar descrente ou 'difícil', leva-se para casa urna pitada de sal para colocar no seu prato. Distribuem-se coracóezinhos de papel vermelho para serem trazidos de volta com um pedido de graca a alcancar acompanhado da oferta espontánea. 'Beijinhos' (doces) sao distribuidos. Ñas sextas-feiras, os fiéis sao convi dados, as vezes, a passar por um 'tapete de sal', ou um tapete vermelho, para 'queimar' os demonios e obrigá-los a se manifestar. O culto de sexta-feira é especialmente dedicado ao exorcismo. A libertacáo do demonio é o primeiro passo para a pessoa se entregar a Deus e ter 'vida abundante'. O exorcismo é táo importante na vida da IURD que a TV RECORD transmite, na madrugada de sexta para sábado,

urna sessáo de exorcismo: é 'a madrugada da libertacáo', programa que

se segué ao '25S hora'. É para que os telespectadores vejam 'o poder de Deus se manifestar na vida das pessoas que o procuram'.

Assistimos, na madrugada de 10/9/94, ao culto transmitido da igreja de Santo Amaro. O templo estava lotado. O número de obreiros, na maioria, do sexo masculino, era grande. Muitos, também, foram os espíritos malignos que se manifestaram. Os 'possessos' foram levados para o pal co (que chamam de 'altar'), onde ficaram de joelhos, com as máos para tras como se estivessem amarradas. Urravam e gritavam. Alguns dos es píritos foram identificados: a Pomba Gira, o Exu Malandro, Zé Pelintra, Lucifer. Mas o pastor avisou:

- 'Nao pense vocé que está aiem pé, que nao tem espirito maligno na sua vida. Talvez vocé tenha mais demonios do que estes que estáo aqui manifestados. O demonio pode nao estar no seu corpo, mas está na sua vida. E o pior demonio é aquele que nao se manifesta. (...) Examine a sua vida: se ela estivesse táo boa vocé nao estaría aquí agora...'

Enquanto o pastor fala, pontuando o seu discurso de 'voces estáo entendendo?' 'Sim ou nao?' e 'AmémT, 'Gragas a Deus!', os obreiros e outros pastores libertam, com maior ou menor dificuldade, os 'posses sos'.

A passagem bíblica escolhida para essa madrugada é Me 16,15-18, com destaque para o versículo 17: 'Estes sao os sinais que acompanha465

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

rao a os que tiverem crido: em meu nome expulsaráo os demónios,[...] imporáo as máos sobre os enfermos, e estes ficaráo curados'. A voz do pastor, na oracáo final, é modulada conforme o tema em pauta: chorosa quando fala do sofrimento das pessoas; meliflua, sugere o quanto Deus nos ama e que Jesús está conosco. A oracáo é entremeada

de cánticos románticos e os fiéis sao convidados a levantar as máos para o alto, a pó-las sobre o coracáo ou a cruzar os bracos como se estivessem abracando Jesús. No final o pastor pede palmas e convida todos a se abracarem.

A reacáo dos fiéis, captada pela camera, é viva e variada: animacáo durante os cánticos; concentracáo na hora da oracáo de olhos fechados; alguns choram; alegría e abracos comovidos no final. Omitiu-se, na transmissáo, a última parte do culto, que é a da coleta do dízimo e da 'oferta espontánea'.

Embora o dia especial da libertacáo seja a sexta-feira, durante todos os cultos há sempre algum tipo de exorcismo, coletivo ou individual. E o culto sempre termina com o apelo ao sacrificio 'sem o qual é impossivei obter as béncáos de Deus'.

Essas sessóes da 'corrente da libertacáo' sao verdadeiros psicodramas. De fato, o rito do exorcismo - como encenacáo do mito - mobiliza as energías mais profundas e pode ter o efeito de catarse coletiva» (DRD, pp. 42-48). 4. Conclusáo

A IURD explora o sentimento religioso do povo simples, extorquindoIhe dinheiro,... dinheiro que permite a expansáo continua desta corrente religiosa. Margarida Oliva, como socióloga, classifica tal movimento como expressáo de resquicios da mentalidade primitiva existente na sociedade tecnológica. Na verdade, falta o senso critico aos adeptos da IURD e de correntes afins, ñas quais os sentimentos e as emocóes prevalecem so bre o raciocinio e o bom senso.

A resposta que os católicos podem e devem dar a esse fenómeno religioso, de conseqüéncias nocivas, é maior dedicacáo á catequese ou ao estudo das verdades da fé. Quem conhece bem a doutrina católica, nao se deixa iludir por pregacáo táo mal arquitetada quanto a da IURD. A

ignorancia religiosa é o ponto vulnerável do Catolicismo no Brasil; faz-se mister encarar tal desafio de maneira sistemática e coerente.

466

Poucos sabem:

MAQONARIA: UM POUCO DE HISTORIA

Em síntese: Nos países latinos da Europa e da América a Magona-

ria assumiu o qualificativo de Irregular, porque abandonou suas tradigóes religiosas e se tornou anti-religiosa, especialmente contraria á Igreja Católica. O artigo que se segué, apresenta um pouco da historia da perseguigáo movida pelos Governos magons contra a Igreja no México, onde morreram varios mártires, inclusive o Pe. Agustín Pro S.J. Também no Brasil do tempo do Imperio a Maconaria, instalada no Governo, perseguiu

os Bispos de Olinda-Recife e Belém do Para, tornándose entáo benemé rito D. Freí Vital, trazido de Olinda para o Rio, onde esteve encarcerado por resistir as injungóes do Governo magónico em assuntos de ordem interna da Igreja. *

*

*

Reproduzimos, a seguir, artigo sobre a Maconaria publicado no jor nal belohorizontino O LUTADOR, edicáo de 15 a 21 de junho de 1997, p.

8. Sao páginas que revelam aspectos pouco divulgados da Maconaria, aptos a explicar o difícil diálogo entre tal sociedade secreta e a Igreja. Agradecemos á Redacáo daquele periódico o direito de reprodugáo.

«RELAQÓES NADA CORDIAIS Tudo o que é secreto, despeña interesse.

Tudo o que é proibido, seduz. O que parece beneficente, se faz sim pático.

Será porisso que tantos católicos aínda tém dúvidas sobre a "condenagáo" da magonaria e recebem com desconfianga as advertencias da Máe-lgreja? Seja como for, o exame das relagoes entre cristáos e magons

na Historia do Brasil, bem como no México, traz a luz os sinais do odio contra a Igreja de Jesús Cristo. Bispos presos, padres fuzilados, centenas

de leigos assassinados a sangue frío... Ao menos naquele tempo e naquelas circunstancias.

MATANDO O ESCORPIÁO Que é a Maconaria? Urna sociedade secreta. Qual o seu objetivo? Tomar o poder. Como provar essa afirmacáo? Pelo exemplo mexicano. A 5 de fevereiro de 1917, foi aprovada a Constituicáo do México, macónica, aín da em vigor no México, após 80 anos. O presidente era Venustiano Carranza, também ele macom, como todos os demais que se elegeram até hoje. 467

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

A Constituicáo restringía a liberdade religiosa, considerava crime o ensino religioso e a profissáo dos votos. Ao mesmo tempo, desapropriava sumariamente os bens eclesiásticos, negando personalidade jurídica á

Igreja e encerrando-a no ámbito das sacristías. Os sacerdotes foram pri vados de seus direitos políticos (votar e ser votado, herdar, possuir bens etc.), mas deviam prestar servico militar. Além disso, o Governo determinava o número de sacerdotes permi tidos em cada localidade e decretava quem estava habilitado ao ministe rio. Só mexicanos de nascimento podiam ser sacerdotes. A partir de 1926, com a 'Lei Calles', Vera Cruz tinha um sacerdote 'autorizado' para cada 100 mil habitantes. Em Sonora, foram fechadas todas as igrejas. Os sa cerdotes sumariamente eliminados. Segundo Fidel González, em artigo na revista '30 DÍAS' (ago/93), 'a violencia contra a Igreja era dirigida sobretudo pelas lojas macónicas e por um de seus grupos, o de Sonora, que

alcancou com Calles (presidente de 1924 a 1928) o controle total do poder'.

Alvaro Obregón, um dos responsáveis diretos pelo assassinato do Pe. Agustín Pro (herói do conhecido livro Despistou Mil Secretas), declarou em discurso público: 'Quando urna formiga nos pica, nao procura mos a formiga para matá-la; pegamos um balde de agua fervente e a derramamos no formigueiro. Quando um escorpíáo nos pica, nos o mata mos; pegamos urna lantema para procurá-lo e, se encontrarmos outro

escorpiáo, nao o deixamos viver, porque nao foi ele que nos picou; nos o matamos, porque pode nos envenenar'.

UMA LEGIÁO DE MÁRTIRES Em 1992, o Papa Joáo Paulo II beatificou Miguel Agustín Pro e os 22 sacerdotes mártires mexicanos. Seu crime? Exercer secretamente o seu ministerio, confessando os penitentes, ungindo os enfermos, e celebran do a Eucaristía. Sao mártires in odium fidei (por ódío á fé). Mas também

o foram in odium Ecclesiae, (por odio á Igreja), poís o objetivo do Gover no macom que mantínha o poder no México era nao só erradicar a Igreja

Católica, mas eliminar da vida nacional o próprio acontecimento cristáo.

O episcopado tentou reagir desde o inicio. Urna Carta Pastoral dos

Bispos mexicanos apontava sem medo o projeto governamental de 'ani quilar o catolicismo', entranhado na alma do povo. O Governo reagiu com

decretos que visavam a 'mexicanizar' a Igreja, tal como fizeram os países comunistas (China, Vietname etc.), que favoreceram o surgimento de urna 'igreja nacional', 'patriótica', sem ligacáo hierárquica com Roma

A 31 de julho de 1926, os Bispos suspenderam todas as celebracóes no país. Explodia a perseguicáo contra o clero e as liderancas leigas. Lares invadidos, interrogatorios, tortura e julgamentos de fachada. Dezenas de milhares de católicos (50 mil homens, segundo alguns historiado res) sublevaram-se e empunharam armas. Comecava a guerra dos 468

MAQONARIA: UM POUCO DE HISTORIA

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'cristeros', que terminaría com o acordó de paz em junho de 1929. Embo-

ra sofrendo com a falta de armas, os 'cristeros' estavam em seu apogeu e dominavam um vasto territorio. Os Bispos aceitaram um acordó com o Governo (as circunstancias nao sao claras até hoje) e pediram aos fiéis para interromper a luta e cessar fogo. Táo logo as armas foram entre gues, comecou a matanca. A Igreja tinha sido traída.

Dolores Ortega, 85 anos, remanescente de urna familia de 'cristeros', declara: 'Todos sabiam que era um truque, que o Governo nunca respei-

taria o seu compromisso. Todos o sabiam, nos da Liga (para a Defesa da Liberdade Religiosa) e também os 'Cristeros'. Quando nos pediram para interromper a luta, sentimos urna dor surda, urna angustia mais forte do que a provacáo que a guerra exigía". Mesmo assim, obedeciam por fidelidade... 'PRENDAN! O BISPO!'

1872. Agonizava a monarquía no Brasil. As forcas republicanas engrossavam suas fileiras. No Rio de Janeiro, o Visconde do Rio Branco Gráo-Mestre do Grande Oriente do Vale do Lavradio! - preside ao Gabi

nete. Em clima de rivalidade, Saldanha Marinho era o Gráo-Mestre do Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, ligado á maconaria francesa. Aos 27 anos de idade, Dom Vital é nomeado Bispo de Olinda e toma posse a 24 de maio de 1872. Ele escreve: 'Até 1872, a Maconaria no Brasil respeitou a religiáo católica. Introduziu-se no clero, nos conventos, nos cabidos, ñas contrarias. Mas quando teve um Gráo-Mestre á frente do Governo nacional, juigou oportuno atacar a Igreja' (citado por Antonio Carlos Villaca, in Historia da Questáo Religiosa no Brasil, pág. 7.)

De fato, antes de chegar a Olinda, o novo Bispo já sofria os ataques da imprensa macónica. Entre outras provocacóes, o anuncio de Missas para comemorar o aniversario de urna loja macónica. Dom Vital impós sua autoridade sobre o clero, proibindo celebracóes e atos interditados pelo Direito Canónico. Alguns padres filiados á maconaria obedeceram ao superior. Outros se calaram. Mas houve rebeldes, que foram suspensos das ordens sacras.

Quando a suspensáo atingiu o Deáo Joaquim Francisco de Faria (diretor do Ginásio Pernambucano, ex-vigário capitular e chefe do Partido Macónico Liberal!), este organizou urna reuniáo popular e insuflou a multidáo a atacar o Colegio S. Francisco Xavier, dos jesuítas. Movéis quebra dos, cápela destruida, oito jesuítas agredidos. A seguir, o jornal católico

'Uniáo' é invadido e queimado. Numa demonstracáo de forca, a Macona ria publicou a lista dos macons que eram sacerdotes ou membros de confrarias religiosas.

Quando D. Vital lancou o interdito canónico sobre as confrarias en volvidas e se negou a obedecer á intimacáo do Visconde do Rio Branco 469

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

para o levantar, foi acusado perante o Supremo Tribunal, preso e recolhi-

do ao Arsenal da Marinha do Recife. Era o dia 2 de Janeiro de 1874. O Governo afastara previamente do tribunal todos os juizes considerados

católicos. Sem perder a firmeza e a dignidade, Dom Vital foi condenado a quatro anos de prisáo com trabaihos toreados. A 12 de marco, sua pena

foi comutada em prisáo simples, na Fortaleza de S. Joáo, no Rio de Janeiro.

PRINCIPIOS INCOMPATÍVEIS O tempo passa. Fica a memoria. O último documento da Igreja sobre

o assunto foi produzido pela Sagrada Congregacáo para a Doutrina da Fé, em 26/11/1983, e assinado pelo Cardeal Joseph Ratzinger, que os macons consideram como seu inimigo figadal. A Declaracáo afirma: 'Per manece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associacóes masónicas, pois os seus principios foram sempre considerados in-

conciliáveis com a doutrina da Igreja, e por isso permanece proibida a inscricáo nelas. Os fiéis que pertencem as associacoes macónicas estáo em estado de pecado grave, e nao podem aproximar-se da Sagrada Comunháo'. Em 1993, a revista de teología Atualizacáo (n9s 241 e 242) publicou

excelente artigo de D. Joáo Evangelista Martins Térra, S.J., sobre a acáo

da Maconaria no Brasil, que tem ricos subsidios para os interessados no tema. Ali, sao lembrados os motivos da incompatibilidade entre catolicis mo e

ri

- O relativismo e o subjetivismo masónico negam todo dogma. - Exclui-se o conhecimento objetivo da verdade. - A verdade divina é inatingível, segundo os macons. - A maconaria é 'deísta': seu 'deus' é neutro, impessoal, nada pare cido com o Pai e Senhor dos cristáos.

- Nao se admite nenhuma 'revelacáo' de Deus.

- O conceito macónico de 'tolerancia' rejeita o magisterio da Igreja. - Nao há lugar para a acáo da graca divina no crescimento moral do homem.

- O macom assume compromissos secretos, para a vida e para a morte, incompatíveis com a liberdade crista.

Isto nao significa que todos os macons brasileiros tenham esses sentimentos anticlericais, anti-lgreja, anticristianismo. Muitos sao elementos de boa vontade, atraídos para a maconaria pela camaradagem, o que parece solidariedade, filantropía. Muitos fazem número, dao prestigio á

Loja. Mas nao sabem todos os segredos. Nao entendem a filosofía macó-

nica. É a esses que a Igreja quer esclarecer». 470

Teológico e Pastoral:

«BASILÉIA. O REINO DE DEUS» D. Boaventura Kloppenburg OFM

Em síntese: O Sr. Bispo emérito D. Boaventura Kloppenburg publica urna coletánea de 43 breves capítulos sobre o Reino de Deus em seus diversos aspectos. Destacam-se os que se referem á salvagáo fora da

Igreja visível e á liberdade religiosa: existem, sim, caminhos só por Deus conhecidos para salvar todos aqueles que sem culpa própria vivem fora da Igreja visível, mas se esforgam por procurar a Deus e viver de acordó com a sua consciéncia reta e candida (podem salvarse por Cristo, único Salvador). Além de afirmar esta verdade, o Concilio do Vaticano llproclamou o direito de todo ser humano a nao sofrer coagáo em sua consciéncia nem em favor de algum Credo religioso nem em favor do ateísmo; essa liberdade nao exime o individuo do dever moral de procurar esclarecerse sobre a questáo religiosa; em consciéncia toca-lhe a obrigagáo de inves tigar a problemática religiosa e definirse diante déla. *

*

*

O grande teólogo D. Boaventura Kloppenburg OFM acaba de publicar

0 livro Basiléia. O Reino de Deus1. É urna coletánea de 43 breves capítulos

que abordam de maneira global a temática do Reino de Deus, tendo em vista principalmente o público católico de nivel medio. O autor quis dar a essa obra um cunho pastoral fundamentado em sólidos alicerces teológicos. Desejamos destacar, desse livro, os capítulos XXXIV-XXXVIII, que abordam dois temas de enorme importancia em termos sucintos e claros: a salvacáo fora da Igreja visível (cap. XXXI Vs) e a liberdade religiosa (cap. XXXVI-XXXVIII).

1. A salvacáo por caminhos desconhecidos O autor se volta para a questáo da salvagáo daqueles que nao per-

tencem visivelmente á Igreja Católica,... e ainda sao a maioria no mundo de hoje! Observa que o Concilio do Vaticano II considerou a temática com otimismo bem fundamentado:

"Todos os que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igre ja, mas bucam a Deus de coragáo sincero e tentam, sob o influxo da graga, cumprírpor obras a sua vontade conhecida pelos ditames da consci éncia, podem conseguir a salvagáo eterna. A Divina Providencia nao re1 Ed. Loyola, Sao Paulo 1997, 140x210mm, 134 pp. 471

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

cusa os auxilios necessários á salvagáo aqueles que sem culpa aínda nao chegaram ao conhecimento expresso de Deus e se esforgam, nao semagraga divina, porlevaruma vida reta"(Const. Lumen Gentium n° 16).

Tais sao os "cristáos anónimos", no dizer do teólogo Karl Rahner. Estáo no caminho da salvacáo conquistada por Cristo, único Salvador do género humano, e salvam-se pelo sacramento da Igreja, á qual pertencem ¡nvisivelmente. D. Boaventura multiplica as citacóes de textos do Concilio que ensinam a mesma doutrina: Depois de lembrar que todos os seres humanos devem chegar á gloriosa ressurreicao, afirma o Concilio que "isto vale nao somente para os cristáos, mas também para todos os homens de boa vontade em cujos coracoes a graca opera de modo invisível. Com efeito, tendo Cristo morrido

por todos e sendo urna só e a mesma a vocacáo última do ser humano,

isto é, divina, devemos admitir que o Espirito Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido por Deus, a este misterio pascal" (Const. Gaudium et Spes n° 22e).

Ver outrossim Ad Gentes 4a. 7a. 13a.

Em vista destes dados, o Concilio do Vaticano II, em varios de seus documentos, valoriza positivamente as religióes nao cristas ou pagas: em todas elas se encontram sempre elementos bons, verdadeiros, justos e santos, muito embora misturados com outros inaceitáveis, maus e erró

neos. Declara a Const. Lumen Gentium n° 16 que tudo o que de bom e verdadeiro se encontra entre os náo-cristáos, a Igreja o julga como urna preparacáo evangélica, dada por Aquele que ilumina todo homem para que tenha a vida.

Tais afirmacóes estáo longe de levar ao relativismo religioso, pois

quem está ñas vías de salvacáo só a Deus conhecidas, deve encontrar se nesse estado sem culpa própria: deve procurar a Deus de coracáo sincero, tentar cumprir a vontade de Deus manifestada pelos ditames da consciéncia reta, levando urna vida irrepreensível.

De resto, o mesmo Concilio afirma que só há um caminho objetiva

mente certo que leva á salvacáo: "O próprio Deus manifestou ao género

humano o caminho pelo qual os homens, servindo a Ele, pudessem sal-

var-se e tornar-se felizes em Cristo" (Dignitatis Humanae n° 1b).

"Apoiado na Sagrada Escritura e na Tradigao, o Concilio ensina que esta Igreja peregrina é necessária para a salvagáo. O único Mediador e caminho da salvagáo é Cristo, que se torna presente no seu corpo, que é a Igreja. Ele mesmo, ao inculcar com palavras explícitas a necessidade da fé e o batismo (cf. Me 16,16; Jo 3,5), confirmou ao mesmo tempo a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo batismo como por urna porta. Porisso nao se podem salvar aqueles que, sabendo que a Igreja 472

«BASILÉIA. O REINO DE DEUS» Católica foi instituida por Deus por intermedio de Jesús Cristo como necessária, nao querem nela entrar ounela perseverar" (Lumen Gentíum n° 14a).

É muito claro, portanto, o pensamento do Concilio: objetivamente talando, há urna só via de salvacáo. Como, porém, nem todos os homens chegam ao conhecimento desse caminho, o Senhor Deus julgará os que

sem culpa própria o ignoram, segundo os ditames de sua consciéncia candida, podendo entáo eles conseguir a salvacáo que Cristo conquistou para todos. 2. Liberdade Religiosa

O Concilio promulgou em 1965 urna Declaracáo sobre a Liberdade Religiosa, que comeca pelas palavras Dignitatis Humanae (DH). A expressáo "liberdade religiosa" ambigua, pois nela se escondem concep-

coes inaceitáveis á luz da fé católica. Tais sao: - o indiferentismo religioso, que atribuí a cada ser humano o direito de considerar o problema religioso a seu bel-prazer, sem admitir alguma

obrigacáo moral de sondar a fundo a questáo da existencia ou nao de Deus; - o laicismo, que afirma ser a consciéncia humana livre no sentido

de que estaría desvinculada de toda obrigacáo para com Deus;

- o relativismo doutrinário, que atribuí ao erro os mesmos direitos que á verdade, como se nao houvesse norma objetiva da verdade; - o pessimismo diletante, que admite ter o ser humano um quase direito de se comprazer tranquilamente na incerteza.

Positivamente diz o Concilio: "A liberdade religiosa consiste no seguinte: todos os homens devem ser imunes de coacáo tanto por parte de pessoas particulares quanto por parte de grupos sociais de qualquer po der humano, de tal sorte que, em assuntos religiosos, a nínguém se obrigue a agir contra a própria consciéncia, nem se impega alguém de agir de acordó com ela, em particular ou em público, só ou associado a outrem, dentro dos devidos limites" (DH n° 3).

Esses limites sao impostos, como diz o Concilio, pela justa ordem pública (DH n° 3d), ordem pública que incluí o respeito aos direitos de cada cidadao, a promocáo da paz pública e a preservacáo da moralidade na sociedade.

É de notar que a liberdade jurídica nao se opóe as obrigacóes mo ráis ou, mais precisamente, ao dever moral dos homens e da sociedade

para com a verdadeira religiáo e a única Igreja de Cristo. Precisamente para afastar qualquer tipo de indiferentismo religioso, o Concilio insiste fortemente na obrigagáo moral de procurar a verdade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus ou á religiáo e ordenar sua vida segundo as exi gencias da verdade. 473

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

Eis alguns tópicos do novo livro de D. Boaventura Kloppenburg que valorizam grandemente essa obra, profunda, sólida, mas também sim

ples e agradável de leitura.

ENSINO RELIGIOSO:

NOVA DISPOSIQÁO DO GOVERNO Em fins de julho pp. o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou urna lei que regulamenta o ensino religioso ñas escolas públicas do 1 ° grau. Doravante as aulas de Religiao háo de ser pagas pelo poder público. Desta maneirao Presidente revogou o dispositivo de lei anterior segundo o qual o ensino da Religiao correría sem onus para os cofres públicos.

A revista VEJA, edicáo de 30/7 pp., criticou a atitude do Presidente

nos seguintes termos: "É um absurdo num Estado laico como o Brasil. A

medida também atenta contra a liberdade das criancas de outras religiÓes (que nao a católica), que terao de engolir ensinamentos que nada tém a ver com a sua fe" {p. 73). A estas observacóes tendenciosas e caricaturáis de VEJA desejamos responder, retificando a noticia:

1) O Estado brasileiro é laico (nao é contrario á Religiao, mas nao oficializa algum Credo religioso), ao passo que o povo brasileiro nao é laico, mas é, em sua grande maioria, religioso. Ora, para que nao naja divorcio entre o Estado e o povo, a Constituido do país prevé o ensino religioso ñas escolas públicas. Isto é muito sabio, pois o Estado democrá tico deve corresponder aos justos anseios do povo e a eles servir.

2) A escola tem obrigacáo de oferecer ensino religioso em sua grade horaria. Mas o aluno nao está obrigado a cursar as aulas respectivas, se os pais nao o querem, de modo que nao há constrangimento para as criancas e as familias. Só cursam Religiao as criancas cujos pais ou responsáveis o desejem.

3) A Religiao a ser ministrada nao será apenas a católica. A oferta de cursos de Religiao corresponderá ao pluralismo da sociedade brasileira.

4) A remuneracáo dos professores de Religiáo por parte do Estado é algo de muito justo e obvio, pois nao se entende que alguém trabalhe para o Estado de graca. Se o ensino religioso é dever e tarefa do Estado, faz-se normal que o Estado se encarregue das respectivas despesas, que alias sao custeadas com o dinheiro dos impostos pagos pelo povo. Ver a propósito o artigo publicado em PR 424/1997. 474

Discute-se:

TRANSPLANTE DE ÓRGÁOS E DOAQÁO COMPULSORIA Em síntese: Os transplantes de órgáos, como tais, sao aceitos pela Moral católica desde que nao se precipite a morte do doadorpara Ihe extrair o órgáo desejado; no caso de transplante de pessoa viva para pessoa viva, requer-se que nao se prejudique decisivamente a saúde do doador.

A lei do Governo que faz de todo cidadáo um doador compulsorio (a menos que declare nao o querer) é ambigua: de um lado, procura atender

á demanda de doadores para beneficiar pacientes necessitados. De outro lado, porém, julga-se que poderá ser ocasiáo de abusos diversos por parte de pessoas voltadas para seus interesses particulares. *

*

*

Em linguagem técnica, chama-se transplante a operacáo cirúrgica pela qual se enxerta no organismo receptor um tecido colhido do doador. Trata-se da passagem cirúrgica de um órgáo de um corpo para outro corpo a fim de que no organismo receptor cumpra as suas funcoes, benefici ando a saúde do receptor.

Do ponto de vista da Moral católica, o transplante de órgáos é lícito sob determinadas condicóes:

1) Se é realizado de pessoa viva para pessoa viva, nao deve prejudicar decisivamente a saúde do doador ou nao deve causar risco serio para o doador. Assim se entende a transfusáo de sangue, o trans plante de fragmentos de ossos, cartilagem, pequeñas seccóes de glándu las ou de vasos sanguíneos. O organismo do doador costuma restaurar se sem grande dificuldade após a extracáo do material doado. O transplante de rim é mais delicado, pois se trata de órgáo de mais importancia. Verifica-se, porém, que o organismo humano funciona bem, mesmo com um rim só. Daí nao haver obstáculo para tal tipo de opera-

gao, desde que seja realizada com probabilidade de éxito e sem constranger o doador; este deve ser respeitado em sua liberdade, de modo a fazer urna doacáo consciente e voluntaria.

A caridade e a solidariedade recomendam os transplantes, que se tornam muito necessários ao bem-estar de numerosas pessoas. Sabe-se

que há dificuldade em conseguir doadores sadios para transplantes de valor decisivo para o próximo. 475

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

2) Se o transplante ocorre de morto para vivo, requer-se, para a liceidade do mesmo, que o doador esteja realmente morto. Nao é lícito antecipar ou precipitar a morte de quem quer que seja, mesmo que a

finalidade seja caritativa. Na verdade, o fim nao justifica os meios. Atualmente ainda é difícil definir o momento preciso em que se dá a morte de alguém, pois a morte real nao coincide com a morte clínica. Com efeito, sabemos que, depois de averiguada a morte pelo médico (que dá

o atestado de óbito), ainda se esperam algumas horas para sepultar o cadáver, pois a morte real (ou a separacáo de corpo e alma) é posterior á morte clínica. A alma humana ainda permanece no corpo algumas horas, tanto que em alguns casos já se viu o pretenso defunto se mexer no caixáo porque ainda vivo. Quando a morte é brusca e ocorre num organismo jovem e sadio, é mais longo o tempo de permanencia da alma no corpo; e

muito mais breve, se a doenga vem solapando as energías de um pacien te antes de o levar á morte.

O caso mais discutido é o do transplante de coracáo; exige grande

pericia dos médicos para retirarem do doador o coracáo ainda aproveitável, sem provocarem a morte do sujeito. Para definir com certeza a morte de

alguém, a medicina requer hoje dois eletroencefalogramas lisos, tirados a intervalo de seis horas um do outro. Isto pode parecer exigente demais, de modo que se receia que alguns profissionais antecipem a morte do doador.

3) Quanto á lei do Governo que faz de todo cidadáo um presumi do doador após a morte, a menos que declare o contrario em sua carteira de identidade, é algo de ambiguo: - de um lado, visa a atender á enorme necessidade de órgáos para transplante. Os doadores sao poucos e os pacientes sao muitos. Na ver

dade, após a morte ninguém sofre mais nada em seu cadáver de modo

que, se este pode ser útil a irmáos necessitados, é para desejar que o seja, em vez de ser destruido pelos vermes no seio da térra ou incinerado

em forno crematorio. Nos, católicos, afirmamos que o cadáver é total mente insensível; a alma que dele se separou, também nada sofre pela utilizacáo do mesmo para fins humanitarios. - Com razáo, porém, se teme que a nova lei dé ocasiáo a abusos da parte de pessoas pouco honestas. Poderáo uns querer precipitar a morte do doador; poderáo outros querer comercializar ou vender os ór

gáos extraídos - o que é indigno; seria um desrespeito ao corpo humano, que nao pode ser reduzido a objeto de comercio.

Ademáis pondera-se que as pessoas que nao desejem tornar-se doadores compulsorios, teráo dificuldade de procurar a autoridade civil compe tente para pedir urna carteira de identidade correspondente á sua opcáo.

Mais ainda: considerem-se a precariedade de transportes e as gran476

TRANSPLANTE DE ÓRGÁOS E DOAQÁO COMPULSORIA

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des distancias existentes no Brasil. Será que em tais condicóes se poderá aproveitar qualquer órgáo extraído vivo?

Em suma, pode-se dizer que a lei do Governo em teoría é válida, porque humanitaria e bem intencionada. Mas julga-se que na prática pode vir a ser causa de crimes e infracoes lamentáveis.

PROSELITISMO DESONESTO A Redacáo de PR recebeu de urna paróquia do Rio de Janeiro o seguinte FAX:

«Este documento da seita do rev. Moon está sendo entregue em comunidades carentes.

Os membros da seita chegam informando as familias que estáo fazendo o cadastramento para a unificagáo da Paz Mundial. Depois que a familia faz o juramento, assina um certificado e bebe um cálice de vinho "consagrado" por eles. Após a assinatura a familia faz a promessa de receber para sempre urna bolsa de alimentos e a visita periódica deste grupo.

A bolsa está sendo oferecida independentemente da pessoa preci sar ou nao».

Eis um doloroso caso de proselitismo ou de "compra" da adesáo religiosa de alguém em troca de beneficios materiais (emprego, escola, hospital, víveres...), sendo assim explorada a pobreza do próximo. Tal procedimento é desonesto, pois a fé há de ser um ato livre de quem compreendeu o valor da mesma. Infelizmente tal caso nao é esporádico no

contexto dos novos movimentos religiosos do Brasil. É necessário que os fiéis- católicos estejam alertas e saibam resistir á seducáo.

Em 1954 o mestre sul-coreano Sun Myung Moon, de origem pres biteriana, fundou a Associacáo para a Unificacao do Cristianismo Mundial (AUCM), também chamada Moonismo. Moon diz ter recebido de Deus a revelacáo de que todos os cristáos se reuniráo em breve num só rebanho. Ele mesmo, Moon, ensina ser o terceiro Avatar (o segundo terá sido Je sús Cristo, que fracassou, porque nao se casou e foi pregado a urna Cruz; o primeiro terá sido Adáo). Moon seria o Messias definitivo, que vem com

pletar a obra de salvacáo do género humano; a sua esposa Han Hak (a quarta, pois as tres primeiras se divorciaram de Moon) seria a Eva da nova humanidade.

Moon julga que Deus só se pode manifestar auténticamente na ri queza e na prosperidade. Por isto nao vé problema no fato de ser plurimilionário, dirigindo varias empresas na Coréia e nos Estados Unidos. Dispoe de grandes quantias para exercer o proselitismo que tem feito. 477

Prática misteriosa:

1Cor 15,29: BATISMO EM FAVOR DOS MORTOS?

Em síntese: O Apostólo Sao Paulo em 1Cor 15 quer incutir nos fiéis a realidade da ressurreigáo de todos os homens, visto que Cristo ressuscitou como primicias de nova humanidade. Entre outros argumen

tos, refere-se á prática de receber o Batismo em prol dos morios, prática que Paulo nao explica nemjulga. Dentro da concepgáo crista, é inconcebível tal uso, pois a morte estabiliza todo homem em sua opgáo final, nao podendo haver conversáo após a morte. Ademáis os sacramentos beneficiam a quem os recebe, de modo que ninguém pode receber algum sa

cramento em lugar de outra pessoa (viva ou defunta). *

*

*

Em 1 Corintios 15, 29 diz Sao Paulo: "Se nao há ressurreicáo dos mortos, que proveito teriam aqueles que se fazem batizar em favor dos

morios? Se os mortos realmente nao ressuscitam, por que se fazem bati zar em favor deles?". Nesta passagem o Apostólo refere-se a urna prática vigente entre

os fiéis de Corinto (talvez num grupo pequeño da comunidade), segundo a qual os cristáos vivos poderiam beneficiar os que haviam passado para

a outra vida, fazendo-se batizar no lugar deles. Sao Paulo nao explica precisamente em que consiste esse rito, nem as idéias que Ihe estavam subjacentes. Apenas menciona o fato (sem o julgar, sem o aprovar) para

daí tirar um argumento ad hominem (válido para os corintios) em favor

da ressurreicáo dos mortos. É este artigo de fé que Sao Paulo quer incutir com muita énfase.

Tal prática caiu logo em desuso, pois nao há vestigios da mesma na literatura crista posterior até o século passado; os Mórmons, fundados

por Joseph Smith em 1830, a restauraram. Tal uso se deve a influencias heterogéneas que moveram alguns fiéis de Corinto a algo que a fé crista nao pode reconhecer. Com efeito. Somente na vida terrestre é dado ao homem converter se para Deus e definir a sua sorte definitiva. Os sacramentos, entre os

quais o Batismo, sao cañáis da graca que possibilitam e alimentam a conversáo. A morte estabiliza todo ser humano na sua última opgáo: quem

morre em Cristo, tendo Deus no seu coracáo, gozará para sempre da 478

1 Cor 15,29: BATISMO EM FAVOR DOS MORTOS?

47

visáo de Deus face-a-face no céu; quem morre consciente e voluntaria mente avesso a Deus, se terá definitivamente afastado de Deus, sofrendo a frustracáo mais profunda que é o inferno. Nao é possível mudar de opcáo na vida futura. Daí a enorme importancia da caminhada terrestre,

durante a qual o Senhor Deus proporciona ás suas criaturas as mais di

versas e ricas oportunidades de escolher o bem e nele se fixar. Cada qual colherá, na hora da morte, o que tiver semeado. Além disto, é de notar que os sacramentos sao cañáis da graca

para quem os recebe, e táo somente para estes. Ninguém pode receber um sacramento em lugar do seu irmáo (vivo ou defunto). Verdade é que

na linguagem popular se diz: "Vou oferecer a S. Comunháo por um(a) aniversariante ou por um(a) defunto(a)". Em tal caso, os frutos ou as gra-

cas da Comunháo Eucarística ficam sempre reservados para quem comunga; acontece, porém, que comungar é um ato bom ou meritorio (como atender a um doente, dar uma esmola, cuidar de uma crianca...); pode entao alguém pedir a Deus que os méritos dessa boa acáo revertam em prol do próximo. Estamos na Comunháo dos Santos, de modo que as boas obras praticadas por uns podem redundar em beneficio de outros. "Uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro" (Joáo Paulo II, Exortacáo Apostólica sobre Reconciliacáo e Penitencia, n916).Com outras palavras:

uma pessoa que pratica o bem e se santifica, contribuí para a santificacáo de seus irmáos. Eis as licóes concretas que podemos deduzir de uma reflexáo so

bre o texto de 1 Corintios 15, 29.

Estéváo Bettencourt O.S.B. Carta aos Romanos, por Frei Mauro Strabeli. Colegáo "Cartas dos Apostólos" 1. Edigóes Paulus, Sao Paulo, 130x200mm, 149pp. Frei Mauro apresenta "explicagáo e atualizagáo" da epístola aos Romanos, dividida em pequeñas secgóes. Nao desee a profundos co

mentarios, pois tem intuito pastoral. Como quer que seja, á p. 24 há uma passagem que merece revisáo: após algumas ponderagóes, o autor afir

ma: "A Moral nunca é absoluta; é mutável. A Ética, nao". Ora a tese de que a Moral nao é absoluta pode sugerir o relativismo moral, que leva a

conclusdes daninhas. O que o autor quer dizer, a quanto parece, é que a lei natural (proveniente de Deus através da natureza humana) é imutáyel, ao passo que as leis positivas (devidas aos homens) sao mutáveis. A p. 87, o autor discorre sobre a predestinagáo sem levar em conta grandes

principios firmados por Concilios através dos tempos. Á p. 129 o autor parece esquecer que os cristáos em 58 ainda nao eram perseguidos ofici

almente (o que só se deu a partir de Ñero, em 64). 479

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 425/1997

O Primado Pontificio, por Pe. Manoel Augusto Santos dos Santos. Colegáo "Teologia"-9. - EDIPUCRS, Avenida Ipiranga, 6681, Predio 33, 90618-900 Porto Alegre (RS) 1997, 150x210mm, 143 pp. Este livro é urna dissertagáo de Mestrado em Teología pela Pontificia Universidade Católica de Porto Alegre. Estuda o tema mais espinhoso do

diálogo entre cristáos separados, a saber: o primado de Pedro e seus sucessores. O autor aborda a questáo de maneira exaustiva, percorrendo a fundamentagáo bíblica (Mt 16,18s; Le 22,31 s; Jo 21,15-17), o testemunho dos Padres da Igreja até Gelásio I (496), os pronunciamentos dos

Concilios ecuménicos ou gerais até o do Vaticano II (1962-1965). Por último, o autor se refere á passagem da encíclica de Joáo Paulo II Ut Unum Sint, em que o Papa fala de urna "solicitagáo a ele dirigida no sentido de encontrar urna fórmula de exercício do primado que, sem re nunciar de modo algum ao que é essencial da sua missáo, se abra a urna situagáo nova" (n° 95). A esta solicitagáo quis o Pe. Manoel Augusto aten der, apontando seis principios que podem constituir auténticos limites para

o exercício do primado papal: 1) o principio da ¡urisdigáo ordinaria dos Bispos, 2) o da colegialidade dos Bispos, 3) o da subsidiaríedade, 4) o da

edificagáo, 5) o da finalidade própria da Igreja, 6) o da catolicidade de iure, 7) os principios da leí natural.

Tais principios resultam, em grande parte, do fato de que a Igreja é urna comunháo,... comunháo, porém, dentro da qual o Papa goza de "um poder pleno, episcopal, supremo, ordinario, universal e ¡mediato" (p. 137), ao mesmo tempo que Ihe toca o carisma da infalibilidade quando define ex cathedra verdades de Fé ou de Moral (p. 137).

O livro termina citando Paulo VI: "Nao dizem alguns que, se desaparecesse o primado de Pedro, a unidade das igrejas separadas com a Igre

ja Católica sería mais fácil? Queremos pedir aos irmáos separados que ponderem a inconsistencia dessa hipótese, pois, sem o Papa, a Igreja

Católica nao seria o que é, mas, faltando na Igreja de Cristo a autoridade pastoral suprema, eficaz e decisiva de Pedro, a unidade se arruinaría, e em váo se procuraría depois refazé-la segundo criterios que substituissem o auténtico, que vem do próprio Cristo... Queiram também considerar que

este eixo central na construgáo da Santa Igreja nao quer constituir supre macía de orgulho espiritual e de dominio humano, mas primado de servigo, de ministerio e de amor. Nao é vá retórica atribuir ao Vigário de Cristo o título de 'servo dos servos de Deus'" (ene. Ecclesiam Suam). O assunto é rico em facetas, que o sabio leitorpoderá descobrir des de que se dedique ao estudo desta valiosa obra.

480

PUBLICARES MONÁSTICAS - SAO BENTO, O ETERNO NO TEMPO, D. Lourenco de Almeida Prado, O.S.B. Ed. "LUMEN

CHRISTI", 1994, 289 págs

R$ 15,00.

(A coletánea que forma este volume, representa até pela volta freqüente aos mesmos textos e as mesmas reflexóes, pensamentos ou meditacoes de um beneditino que ficou mais conhecido como educador, sem nunca deixar de querer ser, antes de tudo, um discípulo do Patriarca de Monte Cassino).

- SALTERIO MEU MINHA ALEGRÍA, os 150 Salmos pelas Monjas beneditinas de Santa María - SP. Salterio ¡lustrado para criancas e adultos com alma de crianca... 2- edicáo. 1994. Formato: 21.5x16cm R$ 11,50.

- ESCRITOS MONÁSTICOS - SAO JERÓNIMO: Vida do Bem-aventurado Paulo, prímeíro eremita. Vida de S. Maleo, escravo e monge. Vida de S. Hilariáo. Carta XXIII a Eustáquia. Traducáo: D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisáo Mosteiro María Máe de Cristo. Impressáo: Monteiro da Santa Cruz. 1996. 148 Págs R$ 11,00.

- A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido, OSB. 2a edicáo revista- 1997. 215 págs R$ 15,00. - A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal

Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitiba/PR. CIMBRA

- 1994. 115 págs

R$ 16,50.

Apresentado pelo Dr. Roberto Runde, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo Cardeal Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao Bento da Bahia. - A REGRA DE SAO BENTO, 39 edicáo em latím-portugués, com anotacóes por Dom Joáo Evangelista Enout OSB. A Regra que Sao Bento escreveu no século VI continua viva em todos os mosteiros do nosso tempo, aos quais nao faltam vocacóes para montes e

monjas. 210 págs

R$ 11,50.

- PRESPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO, Irma Aquinata Bóckmann OSB. Comentario sobre o Prólogo e os capítulo 53,58,72,73 da Regra Beneditina - Traducáo do alemáo por D. Mateus Rocha OSB. A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma (Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao so na Alemanha, Italia, Franca, Portugal, Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania, Coréia e Filipinas, por ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs R$ 10,20.

- SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE por Dom Joáo Evangelista Enout OSB. 190 págs

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O genio, ou seja, a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) - SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida crista, empenhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na trajetória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discípulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo de monge". Pedidos pelo Reembolso Postal ou conforme 2- capa.

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SAO BENTO, UM MESTRE PARA O NOSSO TEMPO, D. Gregorio Paixáo, OSB. Edicoes Sao Bento - Salvador, BA - 1996, 112 págs R$ 10,00. Trecho da introducáo: "...Assim, além do texto inicial sobre a atualidade de Sao Bento, acrescentamos outros, especialmente selecionados, de sua Regra e de sua Vida, com

urna traducáo facilitada,-aproximando o texto do leitor de primeira viagem...".

DIÁLOGO COM DEUS. INTRODUQÁO A "LECTIO DIVINA". D. García M. Colombás, MB. Traducáo: Monges do Mosteiro da Ressurreicáo. Paulus. 1996. 128 págs

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Trecho de apresentacáo: "...O presente texto, como lemos no prólogo da edicáo espanhola, reúne conferencias originariamente dirigidas a auditorios monásticos. Podem, entretando, por sua simplicidade, aliada ao dominio seguro e profundo do tema, orientar leigos e religiosos na prática frutuosa da lectio divina...".

O MANTO DE ELIAS. ITINERARIO ESPIRITUAL PARA A VIDA RELIGIOSA. Enzo Bianchi. Traducáo Mosteiro de N. Sra. das Gracas. Cimbra-1996. Editora Santuario. 114 págs RS 17,00. Trecho do prefacio: "...Na crise atual que a vida religiosa, profundamente, aínda atravessa, nao é oportuna urna modernizacáo, mas apenas urna resposta do radicalismo evangélico testemunhado pela grande tradicáo...". A MEDALHA DE SAO BENTO. D. Próspero Guéranger O.S.B., Abade de Solesmes. 2a edicáo - 1996 - Artpress - Sao Paulo. 142 págs. Brinde: Urna Medalha de Sao Bento

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Trecho de prólogo do autor: "...O único desejo que nos leva a publicar este ensaio sobre táo delicado assunto, numa época em que o racionalismo vai causando tantos estragos,

é sermos de utílidade a nossos ¡rmáos na fé...".

TRATADO SOBRE A ORACÁO. Tertuliano, S. Cipriano e Orígenes. Traducáo do Revmo. D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revísáo: Mosteiro de María Máe do Cristo - Caxambu. Cimbra-1996. Mosteiro da Santa Cruz. 250 págs RS 16,50.

VIDA E MILAGRES DE S. BENTO - LIVRO SEGUNDO DOS DIÁLOGOS DE S.

GREGORIO MAGNO. Traducáo do Mosteiro de S. Bento do Río de Janeiro. 4a edicáo.

1996. 115 págs. Edicóes "Lumen Christi" R$ 6,00. Trecho da ¡ntroducáo: "...A traducáo que estas páginas apresentam, é a vida de um santo escrita por um santo. S. Gregorio, o grande Papa restaurador da disciplina eclesiástica após a invasáo dos Bárbaros, o reformador da liturgia romana, escreve a vida de S. Bento...".

MAIS PODE A GRACA - O acompanhamento espiritual. Dom André Louf, Cisterciense, Abade de Mont des Cats. Traducáo do Mosteiro de Salvador. CIMBRA. 1997. Editado p/ Santuario Editora. 222 págs R$ 23,00.

CONSTITUICÓES - Congregacáo Beneditina do Brasil - 2a edicáo revista. Apresentacáo de Dom Basilio Penido, O.S.B. Abade Presidente, de 11 de julho de 1988. Edicoes Lumen Christi, Impresso no Mosteiro da Santa Cruz, 120 págs R$ 15,00.

ESTATUTO DOS OBLATOS DA CONGREGACÁO BENEDITINA DO BRASIL. Nova tiragem. 1997. 44 págs. com apresentacáo de P. Estéváo Bettencourt OSB

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