Ano Xxxviii - No. 420 - Maio De 1997

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P rojeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

-

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

Ano xxxvm

Maio 1997

420

"Alegra-te, cheia de gra?a" Para vocé, quem é Jesús Cristo?

"Sua Santidade", por G. Bernstein e M. Politi "Eutanasia. Um Desafio para a Consciéncia", por Marciano Vidal Planejamento Familiar e Anticoncepcáo, pelo Dr.

Joáo Evangelista dos Santos Alves

A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro A Clonagem faz pensar. Aborto: Sim ou Nao?

MAI01997

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

N°420

Publicacáo Mensal

SUMARIO

Diretor Responsável Estéváo Bettencourt OSB

Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico

"Alegra-te, cheia de graca" Sempre atual:

Para vocé, quem é Jesús Cristo?

Diretor-Administrador:

D. Hildebrando P. Martins OSB

A Historia oculta do nosso Tempo: "Sua Santidade", por G. Bernstein

e M. Politi

Administracao e Distribuicáo:

Edicóes "Lumen Christi"

Rúa Dom Gerardo. 40 - 5° andar - sala 501 Tel.: (021) 291-7122

194

200

Seguro e documentado: "Eutanasia. Um Desafio para a

Consciéncia", por Marciano Vidal

Fax (021) 263-5679

193

210

Fala o Médico:

Ed. "Lumen Christi"

Planejamento Familiar e Anticoncepgáo, pelo Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves... 219

Caixa Postal 2666 CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

Inculturacáo ou Profanacao? A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro .... 234

Enderego para Correspondencia:

Visite O MOSTEIRO DE SAO BENTO e "PER GUNTE E RESPONDEREMOS" na INTERNET: http ://www.osb.org. br.

A Clonagem faz pensar

237

Aborto: Sim ou Nao?

238

ImpressSo e Encaderna?áfo

"MARQUES SARAÍVA"

COM APROVAQAO ECLESIÁSTICA

■ GRÁFICOS E EDITORES Ltda.

Tels.: 1021) 273-9498 /273-9447

NO PRÓXIMO NUMERO:

Os Armenios professam a Fé Católica. - Nova Era: características. - As Profecías Desmentidas. - Anticoncepcáo (Dr. J. E. dos Santos Alves). - Fundamentalismo: que é? _ Televisao e Ética. - «Milagres» (O. G. Quevedo). - «Diálogo com Deus» (Garda Columbas).

(PARA RENOVAQAO OU NOVA ASSINATURA:

(NÚMERO AVULSO

R$ 25,00).

R$ 2,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ. 2

Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na

C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax. comprovante do depósito, para nosso controle.

3 Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado ás EDICÓES "LUMEN CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: EdicSes "Lumen Christi"

Caixa Postal 2666 20001-970 Rio de Janeiro - RJ

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"ALEGRA-TE, CHEIA DE GRAQA" (Le 1,28) Os fiéis católicos tém por hábito saudar a Virgem María com as palavras do anjo Chaire Kecharitoméne (Le 1,28), que sao geralmente traduzidas por Ave Maria, cheia de graca. Todavía o texto grego diz literalmente: "Alegra-te..." e nao "Ave" ou "Salve". A diferenca de traducóes é importante, pois o convite á alegría dirigido a Maria faz eco ao mesmo convite dirigido freqüentemente, no Antigo Testamento, á Filha de Sion ou ao povo de Israel; cf. Is 12,6; 44,23; 49,13; 54,1... O motivo da alegría proposta é a vinda do Messias e da salvacáo a ser realizada por Ele. A Filha de Sion assim interpelada é tida como a Máe que dará á luz o Messias (Jr 4,31; Mq 4,10). De modo especial vem ao caso o texto de Sofonias 3,14-18 como paño de fundo do anuncio do anjo a Maria: Sf 3,14-18 Le 1,28-33 "Alegra-te, "Alegra-te, Filha de Sion. Cheia de graca. O Senhor está no meio de ti. O Sen hor está contigo... Nao temas, Sion. Nao temas, Maria. O Senhor teu Deus está em teu seio1 Conceberás em teu seio... Como Salvador, E o chamarás Jesús (Salvador), O Senhor Deus de Israel". E reinará". Recolocando, pois, a saudacáo do anjo sobre o seu fundo de Antigo Tes tamento, verifica-se algo de muito profundo: Maria, interpelada por Gabriel, vem a ser a representante, por excelencia, da Filha de Sion; é a auténtica Máe do Messias. Daí a exortacáo á alegría, que Sao Lucas tanto recomenda em seu

Evangelho(cf. Lc1,14.28.41.44.58; 2,10; 10,17-23; 15,6.9.10.23.32; 24,21.54...). Desponta a aurora da salvacáo; nao há por que temer (observacáo também feita aos pastores em Le 2,10). Maria, grávida, vai ter com Isabel, cujo filho "exulta de alegría no seio materno" (Le 1,41.44).

Assim toda a historia do Antigo Testamento confluí para Maria Ssma. Ela é o ponto final que compendia em si a expectativa dos Patriarcas, as angustias dos justos á espera do Messias, a paciencia do povo de Deus... E ela responde ao

Senhor que Ihe fala, com as palavras Génoitó moi (Faca-se em mim...), verbo no modo optativo, que significa: "Oxalá realize o Senhor em mim a sua obra conforme a palavra do anjo" (Le 1,38). Esta resposta exprime ardente desejo ou

prece e plena disponibilidade para o sen/ico do Senhor, aínda que apresentado misteriosamente. Diante do inédito, Maria se curva, porque "para Deus nada é imposslvel" (Le 1,37). Alias, já no Antigo Testamento, o Senhor Deus revelou que a salvacáo do homem é possivel, mesmo quando parece inexeqüfvel; cf. Gn 18,14; Jr 32,21.

É, pois, com razáo que a Igreja se volta para Maria neste mes de maio,

venerando-a em sua grandeza humilde, e pedindo-lhe que continué a exercero seu papel de Máe do Messias, pois Este tem um Corpo prolongado, que é a comunidade dos fiéis, ou seja, cada cristáo congregado na Comunháo dos Santos. "Alegra-te, Filha de Sion, cheia de graca...!" E. B.

1 O texto hebraico diz "No teu seio..."-o que é mais significativo do que "no meio de ti". 193

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXVIII - N° 420 - Maio de 1997 Sempre atual:

PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO? Em síntese: O texto reproduz urna palestra do Cardeal Giacomo Biffí, Arcebispo de Bolonha, a respeito de Jesús Cristo. Prescinde da fé e analisa o comportamento de Cristo como homem, tal como o Evangelho o descreve. E chega á conclusáo de que Jesús foi um homem excepcionalmente notável, que disse serDeus; esta afirmagao, que podería sera de um louco, foi feita poralguém que, além de darprovas de grande sanidade mental, ressuscitou dos moños, como atesta o destemor dos arautos do Evangelho, incrédulos a principio, mas vencidos pela evidencia do fato e dispostos a dará vida para nao o renegar.

A ¡dentidade de Jesús Cristo está muito em voga. Alguns periódicos tém proposto hipóteses aparentemente revolucionarias, mas pouco con

sistentes, se nao procedentes de inspiracáo sensacionalista. Os EvangeIhos canónicos, identificados como tais pelos cristáos dos primeiros sácu los (muito mais próximos de Cristo do que nos), sao a fonte auténtica, até hoje tranquilamente aceitável, para se delinear a figura de Jesús Cristo.

Em 1996 o Cardeal Giacomo Biffi, Arcebispo de Bolonha (Italia), foi convidado por um Conselho Comunal da periferia de Bolonha para profe rir urna palestra sobre Jesús Cristo. Já que o auditorio era leigo, procurou 0 orador considerar Jesús do ponto de vista meramente humano, fazendo urna leitura nao preconceituosa do Evangelho. Eis, em traducáo portu guesa, o que entáo disse:1 1. O "IDENTIKIT" DE CRISTO "Direcionei para Ele toda a minha vida, a única vida que tenho. E por isto sinto, de vez em quando, a necessidade de contemplar o seu miste rio, e de reavivar o identikit de Cristo. Muitas vezes ouvimos falar de

1 O íexfo foi publicado pela revista FAMIGLIA CRISTIANA, em Suplemento datado de 4/12/1996, com o titulo GESÜ CRISTO, ÚNICO SALVATORE DEL MONDO. 194

PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO?

Jesús Cristo; de quando em quando na ¡mprensa escrita aparece alguém que faz alguma resenha sensacionalista sobre Ele; de vez em quando

aparecem interpretacoes ¡maginosas da figura de Jesús Cristo. Mas os

únicos testemunhos que nos falam de Cristo, sao os Evangelhos. Por isto

ou nos atemos aos Evangelhos ou renunciamos a falar dele. Em conse-

qüéncia nao direi uma só palavra que nao seja fundamentada, á diferenca de quem inventa livros, filmes e discursos. 2. QUE TIPO ERA?

Eis a primeira pergunta, a mais simples: de que tipo físico era esse Jesús? Que homem era Ele? O Evangelho nao responde com precisáo. E devo dizer que ista me aborrece um pouco, porque dirigí toda a minha vida para Ele e nem sei de que cor eram os seus olhos. Era belo ou era feio? - Pois bem; segundo me parece, era belo. Há um episodio do capí tulo 11 do Evangelho de S. Lucas, em que Jesús se apresenta falando ás multidoes. De repente uma mulher, lancando um grito de entusiasmo, diz: 'Bem-aventuradas as entranhas que te trouxeram e os seios que te ali-

mentaram!1. Aqui está o prímeiro panegírico1 de Cristo. É redigido em termos muito... corpóreos. O fato é tal que Jesús reprova a mulher por esquecer a Palavra de Deus, detendo-se apenas sobre a beleza física de

Jesús; diz entáo: 'Bem-aventurados aqueles que escutam a Palavra de Deus' (Le 11,27s). Nos, porém, agradecemos a essa mulher desconhecida a ocasiáo de responder á nossa pergunta preliminar: Jesús era real mente um homem belo.

3. O SEU OLHAR

Ele tinha também dois olhos estupendos. O olhar de Jesús impressionava a quem O encontrasse. Os Evangelhos, principalmente o de Mar cos, falam, muitas vezes, do seu olhar: penetrante em Simio, que Lhe foi apresentado por seu irmáo André (Jo 1,40-42); afetuoso para com o jo-

vem rico, que depois foi embora, porque Jesús lhe disse que deixasse tudo e seguisse o Mestre (Me 10,21s); de simpatía para com Zaqueu, o chefe dos publícanos, cobradores de impostos, que roubavam, e que contemplava Jesús trepado numa árvore (Le 19,1-10). E, ainda, de tristeza ao

considerar as ofertas dos ricos (Me 12,41-44), de desdém ao ver o que ocorria no Templo (Jo 2,13-17), de dor para com aquele que o traía (Jo 13,21-30)... Em suma, o olhar de Jesús era olhar que falava.

4. IDÉIAS CLARAS Pode-se compreender que Jesús tinha idéias claras. Muito claras. Quando falava, jamáis dízia: 'Talvez, Como creio, Parece-me...1. E nao 1 Panegírico = discurso em louvorou elogio (Nota do Tradutor). 195

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

tinha papas sobre a língua, nem mesmo diante dos poderosos; quem nao

se lembra de que chamou Herodes 'raposa' (Le 13,31-33)? 5. HOMEM LIVRE

Urna das notas mais belas de Jesús era a de ser um homem iivre. Mesmo frente aos seus amigos. Quando Sao Pedro fez a sua profissáo de fé,... Jesús Ihe respondeu com um panegírico jamáis dirigido a um homem (Mt 16,17-20), tanto que Sao Pedro se deve ter regozijado e quicá comecado a envaidecer-se. Mas, quando Jesús anunciou a Pedro que o Mestre devia ser condenado á morte e Pedro já se sentía 'Primeiro-Ministro do Reino de Deus', Pedro tomou Jesús por um braco e O repreendeu. Jesús nem mesmo o olhou e o tratou com energía: "Vai-te, Satanás, tu nao tens o senso das coisas de Deus, mas, sim, o das coisas dos ho mens' (Mt 16,21-23). Eram palavras nao usuais nos labios de um amigo. 6. AÍNDA MAIS LIVRE FRENTE AOS FAMILIARES

Mas nao creíais que era um homem duro. Jesús amava muito. Prin cipalmente as enancas. Sabia compreendé-las, dom que raramente nos, adultos, possuímos: geralmente quando conversamos com elas, só sabe mos perguntar quantos anos tém, em que serie da escola se encontram... Estas sao coisas que absolutamente nao interessam ás crianecas. Jesús, ao contrario, dizia: 'Deixai as enancas vir a Mim' (Me 10,15). Depois, chamava os amigos. Jesús tinha um forte sentido de amizade. Por exemplo, era muito amigo dos seus discípulos; estava particularmente ligado a Pedro, Tiago e Joao (Me 5,37; 9,2; 14,33); e, aínda dentre estes, mormente Joáo Ihe era amigo (Jo 13,23-25).

Em suma, também Jesús tinha suas preferencias entre os amigos1; como bem se compreende, os amigos nao sao todos iguais. Jesús tam bém amava o seu povo. Sentia-se plenamente hebreu, israelita, tanto que

a previsáo da destruicao de Jerusalém o levou a derramar lágrimas. 7. ATENQÁO ÁS PARTICULARIDADES

Há outra coisa na personalidade de Jesús que sempre me impressionou: a sua atengáo ás particularidades. Jesús era muito atento ás pequenas coisas da vida, mesmo porque sabia que as poderia aproveitar 1 Deus ama a todos os homens, sem dúvida, edáa cada um as gragas necessárías para que chegue á plenitude da vida. Todavía nao podemos ditarnormas ou regras ao

amor de Deus. Se Jesús manifestava especial atengSo a Joao, Ele o fazia soberana

mente, sem tesar os direitos de qualquer outro Apostólo, visto que, tudo o que Deus

dá aos homens, Ele o dá gratuitamente, sem ter algum débito para com quem quer que seja. 196

PARA VOCÉ,' QUEM É JESÚS CRISTO? em parábolas. Lembremo-nos daquela que compara o Reino de Deus a uma mulher, dona de casa, que toma um pouco de fermento e o lanca dentro da massa até que esteja toda fermentada (Mt 13,33). Pensemos também na parábola do amigo fastidioso que foi atendido pelo amigo que

desejava ver-se livre dele (Le 11,5-8). É bem correspondente á realidade.

8. UM EPISODIO: A MULHER DE MÁ VIDA Haveria tantos outros episodios a recordar. No capítulo 7 do Evange-

Iho de Lucas conta-se que Jesús fazia sua refeicao em casa de um chefe dos fariseus; em dado momento entrou uma daquelas muiheres cujo nome nao se sabe ao certo... Digamos: uma prostituta. Ela se colocou perto de Jesús e comegou a acariciá-lo e a perfumá-lo (Le 7,36-50). Era uma cena de enorme gravidade... Jesús, porém, nao se perturbou. Ao contrario, defendeu-a com nobreza. 9. UMA FIGURA HUMANA EXCEPCIONAL?

Dos Evangelhos, portanto, depreendemos uma figura humana ex cepcional. A tal ponto que, quando Pondo Pilatos o apresentou ao povo, disse: 'Eis o Homem1 (Jo 19,5). Eu, porém, digo: eis o ponto de interrogado. Jesús era apenas um homem? Pois a maioria das pessoas que nao créem, o considera um grande homem, a ser estimado. Esta posicáo, contudo, é insustentável, se levamos em conta aquilo que Jesús disse de Si mesmo. Exemplos? Ele se definiu como 'Filho do Homem1, título usado pelo profeta Daniel para indicar um personagem misterioso que havia de vir dos céus e por fim á historia (cf. Dn 7,13s; Mt 24,30; 26,64). Com isto Jesús evocava sua origem celeste e o seu caráter definitivo. Diz Ele também ser maior do que Davi (Mt 22,41-45), embora Davi fosse o rei ideal, o ideal da monar quía e da realeza para os israelitas.

10. É MAIS DO QUE UM HOMEM Todavía, o que há de mais serio, Ele o disse no sermáo da montanha: 'Bem-aventurados os pobres' (Mt 5,3). Pois bem; naquele discurso, entre outras coisas, disse: 'Ouvistes o que foi dito aos antigos: Nao mata rás. Eu, porém, vos digo...' (Mt 5,21s). Considerai bem: com estas palavras, Jesús quase corrige a Revelacao de Deus. E reivindica para si o poder de julgar os homens (Mt 16,27). E quem pode fazer isto senáo alguém que tem consciéncia de ser Deus? Pensemos em outras coisas que Ele recomenda: 'Quem perder a vida por causa de Mim, a encontrará'

(Mt 16,24-26). Ó! Dar a vida por alguém nao é brincadeira... Mais aínda:

'Dá de comer ao teu irmSo, porque nele tu vés a Mim1 (Mt 25,35s). Se um 197

:É*MOS" 420/1997 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" discípulo de Mazzini dissesse: 'Ajuda teus irmáos, porque neles deves

ver Giuseppe Mazzini1, diria algo que a ninguém comoveria, porque um

homem pobre vivo é muito mais importante do que Mazzini morto. Mas

Jesús? Jesús retribuí com a vida eterna. É o que Sao Marcos diz no seu

Evangelho, escrevendo em tom um tanto paradoxal: 'Quem deixar pai e máe, campos e casa por causa de Mim, receberá o céntuplo neste mundo

com as perseguigóes, e a vida eterna' (Me 10,28-31). Como se dissesse: haverá primeiramente um tanto de maus tratos, mas, depois, a vida eterna.

11. JESÚS É DEUS O fato é que Jesús terá sido um grande homem, um homem excep

cional. Mas, ácima de tudo, Ele é Deus. É o Filho de Deus. Nao como

todos nos o somos ou como o sao todas as criaturas, como a borboleta... é filha de Deus; Jesús é o Filho por excelencia, o Unigénito1.

12. UMA PARÁBOLA INVEROSSÍMIL Nos últimos dias de sua vida, Jesús contou urna parábola, urna das mais inverosslmeis em sua estrutura literaria: a parábola dos vinhateiros infléis e homicidas, que ocupavam o terreno do patráo sem Ihe dar os devidos rendimentos. O patráo mandou aiguns servidores para fazer a cobranga. Os vinhateiros os espancaram. O patráo mandou outros, mas

os locatarios os mataram. O relato aqui me parece um pouco exagerado; como imaginar que alguém pudesse matar de tal maneira o próximo e

ficar totalmente impune? Eis, porém, que a parábola se torna altamente

surpreendente. O patráo disse: 'Tenho um filho único. Vou mandá-lo, pois háo de temer o meu filho1. Qual é o pai que, sabendo estar tratando com

bandidos, poe em risco a vida do seu filho único? Na verdade, os vinhateiros resolveram matar também a este, de modo a ficar com o patrimonio do patráo (em que código está escrito que a heranca passa para os assassinos do único herdeiro?). Em suma, a parábola é toda ela inverosslmil2.

Apesar disto, ela se cumpriu ao pé da letra; sim, Jesús morreu fora da vinha, como diz o texto do Evangelho, ou fora dos muros de Jerusalém. E foi o Pai Celeste que O mandou (cf. Me 12,1-12).

1 Toda criatura é filha de Deus em sentido ampio, pelo fato de seroreflexo da sabedoria e da perfeiqéo do Criador. O ser humano, mais do que os seres i/racionais, é imagem e semelhanga de Deus. Aqueles que sao elevados pela graga a um estado de vida sobrenatural, aínda sao mais propriamente fílhos de Deus. Mas Jesús é tal em sentido único, exclusivo; sua natureza humana intimamente unida á de Deus Filho, é Filho de Deus em sentido singular. De resto, como Deus, Jesús é inigualável. (Nota do Tradutor).

2 Toda parábola é urna historia ficticia, que tem verossimilhanga com a realidade histó rica costumeira. A parábola dos vinhateiros homicidas deve deixar de ter verossimi lhanga histórica porque quer ilustrar o inédito e "incrível" amor de Deus (o dono da vinha) aos homens (os vinhateiros infléis). (Nota do Tradutor). 198

PARA VOCÉ, QUEM É JESÚS CRISTO?

13. DIANTE DELE NAO HÁ SENÁO QUE SE AJOELHAR Juntai uns com os outros todos esses dados. Eles reproduzem o

retrato de um homem excepcional, que diz ser Deus. Eis urna provocacáo. Mas nos temos que aceitar esta provocacáo. Pois, se alguém se apresenta de tal maneira, dizendo-se Deus, restam duas alternativas: ou

considerá-lo louco (entáo nao se Ihe pode dedicar estima e veneracáo) ou crer que é verdade o que ele diz. Neste último caso, nao nos toca senáo ajoelhar-nos. Nao basta dizer: é um grande homem.

14. JESÚS RESSUSCITOU! JESÚS ESTÁ VIVO!

Na verdade, que é que os Apostólos foram pregar a respeito dele? Qual é o núcleo da mensagem crista? Tudo se resume numa palavra: Ele ressuscitou. Ele despertou do sonó da morte. Os Apostólos se puseram a viajar afirmando que Jesús ressurgiu e ainda está vivo (At 2,24; 3,15;

5,31). Sim, vivo ainda hoje! Quando eu ensinava em Milao, no Instituto de'

Pastoral, dei urna aula sobre a ressurreicáo de Cristo. Após a aula, urna senhora me procurou e perguntou: 'O senhor quer dizer que Jesús está realmente vivo...?' - 'Sim, senhora: o seu coracáo bate como o coracáo da senhora e o meu coracáo1. - 'Mas entáo é preciso que eu vá á casa dizé-lo ao meu marido'. - 'Bem, minha senhora, vá e diga-o ao seu mari do1. No dia seguinte, ela voltou e me disse: 'Eu o contei ao meu marido'. 'E ele?1. - 'Respondeu-me: Volta a perguntar; talvez tenhas compreendido mal". Notemos que aquela senhora era urna catequista. E, apesar dis to, esteva desconcertada. Eu Ihe passei a fita em que estava gravada a aula, e ela a fez ouvir ao seu marido.

15. SE É ASSIM, TUDO MUDA Ele acabou por render-se, dizendo: 'Mas, se tal é a realidade, entáo tudo muda'. Considerai bem, e dizei-me se nao é auténtica a conclusáo: se aquele homem belo, bom, excepcional, é realmente Deus, e se Ele ainda vive entre nos, entáo tudo realmente muda".

Possa este texto servir para ilustrar a figura de Jesús aos olhos de

quem mal a conhece!

199

A Historia Oculta do nosso Tempo:

"SUA SANTIDADE" por C. Bernstein e M. Politi

Em síntese: O objetivo de Bernstein e Politi é tragar urna biografía do Papa Joáo Paulo II destinada a por em relevo sua agáo nos rumos deste mundo durante os anos de seu pontificado. Expóe principalmente a influencia do Papa na queda do comunismo no Leste da Europa, revelan do fatos, conversas e atitudes que mediante ampia consulta a fontes foi

possíveíconhecere apresentar. A obra, sob este aspecto, é muito impor

tante e indispensável ao historiador. Todavía sob outros aspectos deixa a desejar, pois nao se furta a procurar o sensacionalismo num ou noutro dos seus tópicos. Quando abordam pontos de fé, Moral, historia e estrutura da Igreja, os autores nem sempre sao bem sucedidos, pois nao conhecem exatamente a temática. Estes escorregóes nao tiram o valor da obra nem seu conjunto. *

*

*

Cari Bernstein é jornalista americano, que se tornou famoso no mun

do inteiro por urna serie de reportagens que revelaram o escándalo de

Watergate e derrubaram o presidente Richard Nixon em 1974. Quanto ao

italiano Marco Politi, é o decano dos jomalistas no Vaticano. Os dois colaboraram ñas pesquisas previas e na redacáo de urna densa obra: "Sua Santidade: o Papa Joáo Paulo Mea historia oculta do nosso tempo"1. Procura ir ao fundo dos principáis acontecímentos que tém ocorrido sob o pontificado de Joáo Paulo II, estando em destaque o relacionamento do Papa com a Polonia e a URSS, com os Estados Unidos e os países da América Latina. A obra está amplamente documentada, a ponto de utili zar papéis secretos do Politburó de Moscou: os autores realizaram cente

nas de entrevistas em Roma, Moscou, Washington e Varsóvia, abordan do as principáis personalidades envolvidas na historia. As pp. 547-567 apresentam as fontes de cada Parte do livro, indicando um total de mais de trezentas pessoas entrevistadas, a maioria das quais foi consultada entre 1993 e 1996; diversos Cardeais, todos os membros do Governo Reagan e funcionarios da CÍA com seu respectivo presidente foram inter rogados, de modo a se obterem ¡nformagSes precisas. As pp. 569-573 1 Tradugáo do inglés por M.H.C. Cortes. Editora Objetiva Ltda., Rúa Cosme Velho 103. 22241-090 Rio de Janeiro (fone 021-556-7824), 180 x 250 mm. 591pp. 200

"SUA SANTIDADE"

9

encontra-se bibliografía que terá servido aos autores ou que pode com

pletar os dados fornecidos. O livro assim se reveste de credibilidade; to davía nao raro interpreta erróneamente a agáo pastoral do Papa, suafidelidade á doutrina da fé e á Moral católica, seu interesse missionário, que se estendeu ao mundo inteiro em exaustivas peregrinacóes. O enfoque dos dois jornalistas é o de observadores que registram fatos sem os en tender devidamente ou sem conhecer os auténticos motivos religiosos que os inspiraram.

A seguir, seráo postos em relevo alguns tragos característicos do

grosso livro.

Além do Prólogo, a obra compreende oíto Partes ou capítulos, que delineiam o currículo de vida do Papa. Tendem a salientar a tempera forte e enérgica de tal Pastor, ao mesmo tempo que mostram seu senso de

equilibrio e moderagáo. Joáo Paulo II exerceu papel relevante ñas sortes dos países dominados pelo comunismo nao por motivos de política parti daria, mas por causa dos valores religiosos que estavam em jogo: o ate ísmo, o materialismo, o espezinhamento da pessoa humana, o desrespeito dos direitos dos cidadáos e dos povos... motivaram a intervencáo decidida de Joáo Paulo II no rumo dos países tanto do Leste Europeu quanto da América Latina.

1. A QUEDA DO COMUNISMO

O livro tem, entre os seus temas, a influencia do Papa na queda do comunismo. Poe em relevo as atitudes corajosas do Pontífice, que jamáis pensou em derramamento de sangue ou revolucáo armada, mas, sim, em mudangas paulatinas que abrissem os regimes totalitarios á verdade e á liberdade. Em sua agáo política, o Papa fez sempre questáo de guar dar sua identidade crista polonesa; e a historia da Polonia católica, vitoriosa de varios males por causa de sua fé nutrida pela devogáo a María

SS., estimulou as atitudes do Pontífice. Alias, ele se vía como eslavo di ante dos eslavos da URSS, o que de certo modo facilitava o diálogo; também conhecia, por experiencia, o que é o socialismo. Sem poder prever qual o rumo que tomaria sua gestao frente aos dirigentes soviéticos, Joáo Paulo II percebeu, desde a sua prímeira visita á Polonia em junho de

1979, que tinha o apoio do povo polonés, apoio que ele soube inflamar mediante discursos corajosos, mas sempre bem ponderados. Com o tem po, a opiniáo pública percebeu que os eixos do mundo nao eram apenas Washington e Moscou, mas que entre um e outro havia a dupla Vaticano-

Varsóvia. O Papa, sem tropas nem armas, se tornara urna forga decisiva nos destinos da Europa pelos predicados humanos e cristáos que o qua-

lificavam, e pelo fato de representar o pensamento de milhóes e milhóes de pessoas sufocadas em seus direitos. Em seu favor, o Papa contava 201

10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

nao somente com urna fé muito viva e um caráter bem formado, mas também com a habilidade de um poeta, de um autor de livros e antigo ator de teatro e com a cultura de seus estudos filosóficos e teológicos. Quando finalmente o comunismo caiu, comentam os autores do livro, "boa parte do mundo passou a saudar Wojtyla como o vencedor de urna guerra que ele comegara em 1978. O próprio Papa assumiu urna opiniáo mais sobria. Ele evitou expressamente apresentar-se como urna especie de super-homem, que havia derrubado o urso soviético.

Melhor do que muitos políticos ocidentais, ele compreendia que o sistema soviético ruíra através de urna implosáo. As pressóes externas tinham revelado as fissuras do sistema, mas, no final, o colapso ocorrera devido a profundas fainas internas.

Nesse colapso os falsos fatores económicos e moráis estavam interligados... Ácima de tudo, foram as condicóes éticas que solaparam o sis tema. Com Kruschev, a necessidade da verdade estimulara urna tentativa de reformar o sistema. Com Brejnev, a negacáo da verdade produzira estagnagáo e um profundo cinismo; com Gorbachev, a sede da verdade, da glasnot, tinha-se tornado táo intensa a ponto de derrubar o próprio sistema.

Esse tema da verdade e da impossibilidade de se manter a mentira sempre fascinou Joáo Paulo II em seu pensamento sobre o totalitaris mo... O Papa disse em sua primeira visita a Praga após a queda do comu nismo, em 1990, que o comunismo "se tinha revelado como urna utopia inatingível, porque alguns aspectos essenciais da pessoa humana eram desprezados e repudiados: o anseio irreprimível do homem pela liberdade e a verdade, bem como sua incapacidade de se sentir feliz quando se

excluí o relacionamento transcendental com Deus" (pp. 488s)1. 2. O ATENTADO CONTRA O PAPA

Aos 13/5/1981 o Papa foi vítima de um atentado, movido pelo agente turco Mehmet Ali Agca na Praga de Sao Pedro. Este fato é tongamente comentado pelos autores do livro, que analisam as diversas hipóteses

propostas para explicar essa tentativa de assassínio. 1 Os dois jomalistas referem outros pronunciamentos de Joño Paulo II sobre o comu nismo e a verdade:

"Para o Pontífice havia urna nítida divisoria entre nos e e/es... Para eles, a verdade nao existia. A única coisa que contava para eles era o que servia aos interesses do poder, do partido. Porém, a Igreja tinha que responder 'Nao, a verdade existe na consciéncia dos homens e das mulheres; ela existe na sociedade, que precisa de ter esse privilegio da verdade'" (p. 195). "Como Wojtyla sempre dissera, eles mentiam, eles nao tinham o menor respeito pela verdade" (p. 202). 202

"SUA SANTIDADE"

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Pode-se crer que ele foi urna represalia á atuacio do Papa contraria aos regimes comunistas, embora haja quem diga que nao os comunistas, mas os maometanos da Turquía e de povos vizinhos é que empreende-

ram eliminar o Papa do cenário mundial. Discute-se, porém, qual a partícipagáo dos búlgaros, solicitados pelos russos soviéticos nesse gesto vi

olento; há fortes argumentos que incutem a tramítacáo de agentes búlgaros ("a conexáo búlgara"), mas também há contra-argumentos. Eis o que escrevem os autores do livro:

"A tentativa de assassinar o Papa continua sendo um dos grandes misterios deste sáculo. A reagSo do Papa ao atentado e ao seu desfecho apenas aumentou o misterio.

'É o último grande segredo de nossos tempos', diz o ex-diretor da

CÍA, Roberi: Gates. William Casey, o chefe de Gates na ocasiáo do aten tado, estava convencido (e tentou prová-lo) de que os soviéticos estavam por tras da tentativa de matar Wojtyla ...

Contudo, por motivos que nao sao claros, o Papa disse a Deskur, seu mais íntimo amigo no Vaticano, que 'sempre esteve convencido, des

de o comego, de que os búlgaros estavam completamente inocentes; eles nada tiveram a vercom isso'. Ele nunca explicou o porqué dessa afinvagao nem mencionou quaisquer fontes independentes de informagáo que pudesse tertido em maos" (p. 301).

3. A MORTE DE JOÁO PAULO I A morte do Papa Jo§o Paulo I aos 29/9/78, após trinta e tres días de pontificado, causou surpresa e suscitou comentarios. Alguns falavam de misterio e ¡maginaram "a lenda de que o Papa tinha sido envenenado, urna hipótese inacreditável, mesmo para os observadores do Vaticano mais paranoicos. Um homem que achou essa teoría particularmente ridi cula, foi um padre que conhecia Albino Luciani extremamente bem, tendo sido seu Secretario pessoal em Veneza durante sete anos. 'Ele se partiu, disse o padre, sob um fardo pesado demais para o seus ombros frágeis e com o peso de sua ¡mensa solidao'.

Na noite anterior á sua morte, quando estava terminando de jantar,

Joáo Paulo I disse a Monsenhor Magee: 'Já tomei todas as providencias para os exercícios espírítuais da Quaresma'. E entáo acrescentou: 'O re

tiro que gostaria de fazer agora, é o retiro para urna boa morte1" (p. 158). A chave para entender o fim de Joáo Paulo I parece estar nessa premonicáo. Sua alma já tinha sido ferida de morte pelo estresse, o ¡solamentó e seu profundo desejo de nao ser Papa. Alguns días antes de sua

morte, disse ao seu Secretario durante o jantar: "Um outro homem, me203

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Ihor do que eu, podia ter sido escolhido.. Paulo VI já tinha apontado seu sucessor. Ele estava sentado bem em frente a mim na Cápela Sixtina... Era, é claro, Wojtyla! Ele vira, porque eu me vou" (p. 58). "O Papa Joáo Paulo I, como urna caricatura no Le Monde o repre

sentara, tlnha sido esmagado sob o peso da cúpula de Sao Pedro depois de um pontificado de trinta e tres dias" (p. 160). 4. "O PAPA INDIGNADO"

A Parte XIII do livro tem o titulo ácima. Da p. 493 á p. 504 menciona os dissabores que o Papa tem sofrido por defender principios da doutrina

teológica e moral fiéis á Tradicáo e ás verdades da fé. Entre outros, está a desagradável surpresa que o Papa experimentou quando voltou á sua patria em 1991, após a queda do comunismo. Encontrou lá um povo um tanto diferente, porque infiltrado pela mentalidade dos países consumistas, favoráveis ao divorcio e ao aborto. Joáo Paulo II se indignou com tais tendencias de seus compatriotas. Disse o Papa mais de um ano depois, por ocasiáo do Natal de 1992: "Fui ofendido pelos poloneses... Mas estou superando ¡sso". Joáo Paulo II sonhava com a Polonia como "símbolo especial para todas as nacóes, como ponte en tre o Leste e o Oeste... Mas a Polonia, para Karol Wojtyla, havia-se trans formado num espetáculo de derrota" (p. 500). «Na visao que o Papa tem das coisas, atualmente um novo espectro

comegou a atormentar o mundo: o consumismo, urna especie de virus como ele ové- que está se espalhando do Ocidente para o Oriente. Essa foi sua mensagem quando ele foi a Praga pela primeira vez depois do fim da Cortina de Ferro. - 'Nao se deve subestimar o perigo que pode trazer consigo a recém-conquistada liberdade de contatos com o Ocidente' disse ele aos checos. - 'Infelizmente, nem tudo que o Ocidente oferece em termos de visao teórica e estilos de vida práticos reflete os valores do Evangelho. Assim sendo, é preciso que se preparem defesas imunizadoras contra certos virus, como o secularísmo, o indiferentismo, o consumismo

hedonista, o materialismo prático e o ateísmo formal que, hoje em dia, está difundido de forma tao ampia'» (p. 502). Além do mais, deve-se dizer que a saúde de S. Santidade vem decli nando sensivelmente; sujeito a internacóes na Clínica Gemelli de Roma, o Papa sabe converter suas dores físicas em ocasióes de santificacáo. Em novembro de 1993, após fraturar o ombro, comentou: "Para mim, isto é apenas urna oportunidade de me unir mais intimamente ao misterio da Cruz de Cristo, em comunháo com tantos irmáos e irmás sofredores". De resto, "a luta com seu corpo parece estar estimulando sua tremenda forca 204

"SUA SANTIDADE"

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de vontade. Os anos mais recentes de seu pontificado tém-se caracteri zado por um surto de atividades... Continuou a fazer viagens tongas e cansativas ao Extremo-Oriente e á América do Norte" (p. 509).

Eis, porém, que o livro em foco merece reservas, a comecar pela Parte VI, pp. 399-451.

5. PASTOR UNIVERSAL

A Parte VI (pp. 399-451) do livro apresenta Joáo Paulo II em sua atividade dentro da Igreja e em sua funcáo missionária. Os dois autores escrevem essas páginas como jornalistas, e interpretam os fatos como interpretariam acontecimentos de política interna e externa de um país.

Em particular, descrevem o Papa como figura autoritaria, antidemocrática, ciosa de guardar seu poder, apesar de insinuagóes ou postulacoes a ele levadas. Essa caricatura de Joáo Paulo II resulta de grande mal-entendi do: a atitude do Papa firme e enérgica nao se deve a urna opgáo pessoal, arbitraria, contingente do Pontífice, mas deve-se á consciéncia que o Papa tem, de nao ser "chefe de urna república ou de um clube, mas, sim, da Igreja que é um sacramento .... sacramento, isto é, um corpo social cuja estrutura nao é criada pelos homens, mas é de instituigáo divina (cf. Mt 16,16-19; Lc21,32s; Jo 21,15-17); ao Papa nao compete ganhar simpa tías, condescendendo com reivindicagóes que em consciéncia ele julgue

alheias á índole divino-humana da Igreja; ao Papa toca o dever de ser incondicionalmente fiel a Cristo. Por isto ele tem o dever de evitar qual quer surto de deterioragáo da estrutura da Igreja ou qualquer movimento que possa abalar ou obscurecer a face da própria Igreja. Tal firmeza do Papa, em vez de o desprestigiar, suscita a admiragáo e a gratidáo de quantos conhecem um pouco melhor os valores que estáo em causa. A vigilancia de Joáo Paulo II se exerceu, e exerce, com especial atengáo sobre os assuntos de fé e de Moral que concepgóes filosóficas modernas pretendem esvaziar do seu conteúdo específicamente cristáo; a ele com pete "confirmar seus irmaos na fé" (cf. Le 22, 31 s) e jamáis agradar a quem quer que seja, traíndo o patrimonio da fé. Se nao se compreende

isto, desfigura-se o Pontífice, que antes deve ser louvado pela sua intrepi dez a toda prova no desempenho de sua missao.

A devogáo de Joáo Paulo II a María SS. nada tem de idolatría (p. 407), expressáo mal aplicada pelos dois jornalistas, pouco afeitos á lin-

guagem religiosa.

As pp. 233 e 448 há mengáo de Pió XII, que teria sido inerte frente á perseguigáo dos judeus por parte dos nacional-socialistas alemáes. - Temse aqui um tópico que nao raro volta sob a pena de escritores contempo

ráneos, mas já tem sido desmentido lucidamente por historiadores ¡m205

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

parciais: Pió XII trabalhou em favor dos judeus evitando fazer alarde; estava consciente de que este poderia redundar em agravamento da situacáo, pois os alemáes eram capazes de responder com sanha mais aticada contra seus opositores. Ver PR 418/97, pp. 118s.

6. UM PONTÍFICE SOLITARIO A Parte VIII do livro encerra a seccáo intitulada "Um Pontífice Solita rio" (pp. 504-537), em que os dois autores consideram os pronunciamentos recentes do Papa sobre questoes de fé (ordenacáo sacerdotal de muiheres, recusa da Comunháo Eucarística a divorciados casados no foro civil apenas) e de Moral (homossexualismo, aborto, planejamento famili

ar...); registram a resistencia que o Pontífice tem encontrado a respeito dentro e fora da Igreja; vozes exaltadas de teólogos e de muiheres Ihe tém feito oposigáo. Também se verifica que Joáo Paulo II rejeita tendenci as a reduzir a Igreja a urna democracia, governada por Conselhos Deliberativos, assembléias... Tais atitudes do Papa sao consideradas pelos dois jomalistas do ponto de vista meramente profano, como intérpretes da opiniáo pública, pouco conhecedores do principios da fé, da Moral e da Eclesiologia católicas. O Papa parece um conservador, intransigente, autoritario quando poderia ser mais aberto, de modo a acompanhar melhor os rumos da sociedade civil de nossos dias... Na verdade, porém, o Papa, em seus pronunciamentos nítidos e enérgicos, nao tem feito senáo reafirmar a constante doutrina da Igreja; nao está defendendo pontos de vista pessoais, inspira dos por urna corrente particular do Catolicismo; está simplesmente sendo fiel a Cristo e á Igreja, á qual ele quer e deve servir. Em todos os setores em que os principios da fé e da Moral nao estejam em jogo, Joáo Paulo II tem-se mostrado aberto aos postulados de nossos dias; tenham-se em

vista principalmente as censuras que faz ao consumismo, ao egoísmo e á selvagem cobica do lucro nos países capitalistas, usando linguagem pró xima á do socialismo austero. O que caracteriza Joáo Paulo II, é a retidáo de espirito, que o leva a falar corajosamente sempre que o julga oportu no, sem procurar captar a simpatía de quem quer que seja.

«Para se contraporao extremismo nacionalista, que nos últimos anos

levou a guerras sangrentas nos Baleas, na África e na extinta Uniáo Sovi

ética, ele pronunciou um dos seus discursos mais apaixonados, conde nando a adoragao da Nagáo. - Nao é urna questao de amor legítimo pela Patria de cada um ou de respeito porsua identidade - disse ele ao Corpo Diplomáticojunto á Santa Sé -, mas de repudiar o Outro na sua diversidade a fim de se impora ele. Para esse tipo de chauvinismo, todos os meios sao válidos: exaltar a raga, supervalorizar o Estado, imporum modelo eco nómico unifomie, acabar com [quaisquer] diferengas culturáis específicas. 206

"SUA SANTIDADE"

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JoSo Paulo II empenhou a Santa Sé num conceito ¡novador de dimi to internacional conhecido como "interferencia humanitaria". O próprio Papa explicou o conceito em relagáo á agressao da Servia contra a Bosnia: - Se vejo meu vizinho perseguido, tenho que defendé-lo. É um ato de caridade. A comunidade internacional tem o mesmo direito e dever em relagao a qualquer Nagao que tenha sido atacada e, como um último recurso [para defender urna Nagao independente], pela forga das armas»(p. 542).

Alias, o Papa nao está solitario, como pensam os dois jornalistas. A Igreja, como tal, Ihe é fiel; reconhece que ele tem razio, pois quer defen der nao somente o que a fé ensina, mas também o que a dignidade hu

mana exige. É de notar, alias, que toda pessoa que assuma posigoes

nítidas e corajosas, suscita contrariedades e adversarios; só nao tem ad versario quem é amorfo. Seja ainda recordada a comemoracao dos cinqüenta anos de sacerdocio do Pontífice em 1°/11/96: foi ocasiáo de enor

me afluencia de clérigos é leígos numa demonstracáo de simpatia e afeto semelhante as dos mais belos anos do seu pontificado; nessa ocasiáo foi tido pela imprensa como "o homem do século XX" (cf. PR 418, pp. 113s). Pouco antes, em setembro 1996, o Papa, visitando a Franca, conseguiu converter o clima hostil que o esperava, em ambiente de entusiasmo e apreco por sua pessoa e suas afirmacóes; saiu vencedor de urna batalha

agressiva que a imprensa Ihe preparara (cf. PR418, pp. 108-113). Bernstein e Politi fecharam seu relato antes de tais acontecimentos ocorrerem. Em suma, as pp. 504-537 do livro sao páginas que nao dizem inverdades, mas que apresentam os fatos um tanto unilateralmente e como quem nao entende bem dos assuntos em foco.

Entre diversas ¡mprecisóes, que revelam inseguranca dos autores, sejam mencionadas as seg'uintes:

Á p. 518 os autores dizem que foram concedidas "anulacoes de ca

samento" por tribunais eclesiásticos; na verdade, nao houve anulacoes de casamentos válidos, mas decíaracóes de nulidade.

O mesmo erro ocorre á p. 425. Á Igreja apenas toca declarar nulo um casamento que sempre foi nulo.

Á p. 407 os autores atribuem ao Papa a "idolatría mariana" - o que é falso, pois veneragao nao é idolatría. María nao ocupa o lugar supremo na tradigáo católica polonesa (retifique-se a falha da p. 408).

Á p. 545 está dito que Savonarola se opós ao Papa Leáo X, quando na realidade se insubordinou contra Alexandre VI.

Á p. 448 em vez de "sábado de Aleluia" leia-se "sexta-feira santa". 207

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TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

A tradugao deixa, por vezes, a desejar, como, por exemplo, á p. 400 (nota de rodapé): o texto diz "abencoados" em vez de "beatificados"; á p. 198 fala-se de "Conselho ecuménico" em lugar de "Concilio ecuménico"...

7. HERÓI Após a p. 537, o último segmento da Parte VIII e do livro apresenta Joáo Paulo II como herói. Mostra como, apesar de sua saúde debilitada,

ele continua "olhando para o futuro com alegría". "Quer ver reconciliados a Cruz, o Crescente e a Estela de Davi. Ele acha que a religiao nunca mais deve servir de pretexto para a guerra. Ele previne os fiéis sobre a violencia verbal e física do fundamentalismo de qualquer coloragao" (p. 538).

O Papa também "deseja ir á Rússia e visitar as distantes ilhas Solovetski no Mar Branco, onde os soviéticos construíram um dos seus

mais temíveis campos de concentragao, destinado a Bispos e clérigos ortodoxos e a dissidentes religiosos" (p. 539). O Papa também "sonha atravessara Cortina de Bambú para provo

cara uniao dos católicos chineses com a Sé de Roma, libertando os cató

licos chineses das correntes do regime comunista" (cf. p. 539). "Embora sua mao esteja cada vez mais cansada quando a ergue para abengoar os fíéis, ela aponta para um horizonte mais vasto. O mun do se deu conta de que ele é um dos últimos gigantes no cenário mundial

- que nao há outros grandes arautos de visóes ampias ou de principios, independentemente de sua causa ou ideología. Ele definiu o seu tempo como talvez nenhum outro líder o tenha feito, mesmo quando estava voci ferando contra essa própria era. Por enquanto, Joáo Paulo II fica quase

sozinho pregando a dignidade do trabalhador e o auxilio para os desempregados, instando á reconciliagao e a solidariedade entre as diversas

carnadas da sociedade e exortando as Nagóes ricas a cuidarem dos Paí ses sufocados pela pobreza e pela divida externa. Lutando contra a dore a fadiga, o Papa continua a embarcar em viagens longas e cansativas,

para levar sua mensagem ao mundo, inclusive urna visita triunfal aos Es tados Unidos em 1995, que atraiu milhóes de católicos e nao-católicos também, junto com urna enorme e apaixonada cobertura da mídia. De repente, num palco mundial dominado por profundas divisóes económicas, nacionais e religiosas, o Papa se destaca como o único por ta-voz universal de valores universais. Ele oferece um evangelho de salvagáo e de esperanga diante dos novos ídolos - egoísmo tribal, naciona

lismo exacerbado, fundamentalismo ferozmente sectario e violento, lucro sem preocupagao com a qualidade da vida humana" (p. 541). 208

"SUA SANTIDADE"

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Ainda é de notar como os dois jornalistas expoem a reagáo de Joáo Paulo II aos seus achaques físicos: «Diante da deterioragao de sua saúde, Joáo Paulo II passa a vida rezando mais do que nunca. - Logo que ele para, comega a rezar- diz um veterano da Curia. O seu dia inteiro avanga na cadencia da prece. Depois de se levantar, ás cinco da manha, ele reza por duas horas na cápela, antes de celebrar a Missa. Ele reza antes e depois do almogo, antes e

depois dojantar. Durante o decurso do dia, ele reza quase continuamen te. Mesmo quando está no papamóvel, ele puxa seu rosario e fica dediIhando lentamente as contas até o último instante, quando tem que sairdo carro. - Domine, non sum dignus (Senhor, nao sou digno) - sussurra ele quando crescem aplausos á sua volta. Ninguém que o tenha visto, poderá esquecera maneira como ele se concentra. Parece estarmergulhando ñas profundezas da suaprópria alma.

O bispo Mariano Magrassi, de Barí, diz: - 'É uma experiencia impressio-

nante vero Papa no seu genuflexório, com a cabega pendendo sobre sua

cruz. Suas sobrancelhas sejuntam. Durante esses momentos de silencio, pode-se realmente ver como seu rosto está contraído no esforgo de se encontrar com Deus'. - Na oragao, o Papa se deixa arrebatar. Um monsenhorque o viu muitas vezes na sua cápela privada diz que 'é uma busca para se identificar com a vontade de Deus'» (pp. 540s). Alias, tem-se observado que o segredo da acáo corajosa e fecunda de Joáo Paulo II em seu pontificado está em sua profunda vida de oracáo e uniáo com Deus. Este, de resto, foi sempre o segredo de todos os San tos: conseguiram falar ao mundo e impressioná-lo nao por seu aparato pujante de máquinas ou dinheiro, mas por seus predicados éticos, entre

os quais sobressai uma viva intimidade com o Senhor Deus. É Ele quem dá aos justos, especialmente a Joáo Paulo II, a graca de agir bem.

O livro termina apresentando a procissáo de Corpus Christi de 6/6/ 1996: "Ñas sombras da noite, Ka rol Wojtyla ia singrando na procissáo mística, como Osiris na sua barca rumando para o poente" (p. 546). Sao estas as últimas palavras do livro. Cremos que este é um fecho improprio para a obra de Bernstein e Politi. Poderiam ter escolhido pala vras que mais correspondessem á figura do Pontífice, pouco antes classi-

ficado como HERÓI, e HERÓI cristáo.

Em suma, o livro é valioso pelas numerosas informacóes que oferece, colhidas, muitas vezes, em fontes inacessíveis ao público. A leitura pode tornar-se empolgante. Todavía, quando aborda certos tópicos de fé,

Moral e Historia da Igreja, nem sempre é feliz, pois os autores sao um tanto estranhos á temática. Estes "escorregóes" háo de ser levados em conta, mas nao tiram a importancia da obra em seu conjunto. 209

Seguro e documentado:

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA" por Marciano Vidal

Em síntese: O conhecido teólogo moralista Pe. Marciano Vidal dis serta sobre morte e eutanasia com riqueza de documentos e sabios alvitres. Rejeita a eutanasia ativa, que consiste em matar diretamente o paci ente, aínda que a título de compaixúo. Rejeita também a distanásia, isto é, a obstinagáo terapéutica, aplicada a pacientes queja nao tém esperanga

de recuperagao e seo submetidos a complexa aparelhagem, donde resul ta inútil sofrímento. - Propugna a eutanasia passiva, que consiste em evi tar a obstinagáo terapéutica sem, porém, deixar de ministrar ao enfermo terminal os meios rotineiros de subsistencia (soro, transfusao de sangue, alimentagáo simples...). Tal é a posigao oficial da Igreja. - O livro, além disto, se recomenda como fonte de informagóes e repertorio de documen tos interessantes.

Marciano Vidal é conhecido teólogo moralista espanhol, redentorista, cujas obras tém sido traduzidas para o portugués e que, desta vez, vem a

público com um livro sobre a eutanasia1. A obra é rica em documentacáo e bem orientada. - A seguir, por-se-á em relevo a posicáo do autor, enriquecida por textos de fontes oficiáis, apresentados por Marciano Vidal para ilustrar a questao da morte e do tratamento que se pode ou deve aplicar ao paciente terminal. LÁTESE DO AUTOR

Antes de tratar da eutanasia propriamente, o autor escreve longas páginas que dissertam sobre a morte e seu significado á luz de diversas escolas filosóficas e da fé crista (capitulo 1). Sao muito variadas as posicóes dos autores citados; merecem atencáo dois depoimentos, que con trasta m entre si:

Epicuro, filósofo de época decadente, nao cristáo, escreve por cerca

de 270 a.C: 1 Eutanasia. Um Desafío para a Consciéncia. - Ed. Santuario, Aparecida 1996, 135 x 210 mm, 174 pp

210

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA"

19

"Enquanto tu existes, nao existe a morte, e, quando a morte sobrevém, és tu que já nao existes. Eu e minha morte somos incompatíveis. Quando ela chegar, eujá nao estarei para experímentá-la. Serao os outros que terao de se entender com minha morte, que terao de se ocupar déla e com ela. Portanto por que me pré-ocupar do que nunca terei de me ocupar?" (citado á p. 120 do livro em foco).

No polo oposto, S. Agostinho (f 430) pondera:

"Desde o instante em que comegamos a existir neste corpo mortal, nunca deixaremos de caminharpara a morte. Esta é a obra da mutabilidade

durante todo o tempo da vida (se é que vida se deve chamar): o caminhar para a morte... Porque o tempo vivido é um nada dado a vida, e claramen te diminuí o que resta, de tal forma que esta vida nao é mais do que urna corrida para a morte" (citado á p. 23).

Eis duas posicóes contrastantes: a de quem nao quer pensar na morte e a de quem a enfrenta corajosamente. A primeira se explica pelo fato de que Epicuro nao tinha clara nocáo de vida postuma, ao passo que S. Agostinho sabia que a caminhada pelas estradas deste mundo leva á plenitude da vida.

A posicáo de Epicuro é consolo artificial e precario. Tém mais bom senso os marxistas que, julgando insustentável viver neste mundo sem

consciéncia de outra vida, postulam a ressurreicáo. Lemos á p. 14 do livro citado:

"... A sobrevida individual no além-históría. Alguns marxistas reconhecem isso. 'Sao essas interrogagóes que movem Garaudy - nao somente ele, mas também os pós-marxistas Adorno e Horkheimer- a pro clamar o postulado da ressurreigao' como pnessuposto, a seu ver, de urna opgáo revolucionaría coerente e honesta".

Para o cristáo, lembra Marciano Vidal, a concepcáo da morte é inseparável da consciéncia da morte e ressurreicáo de Cristo; a morte é participacáo da Páscoa de Jesús: "Em Jesús, o Crucificado, Deus aceitou nossa morte como sendo sua própria morte... Isto nao nos exime da mor

te tal como ela é na realidade. Mas já podemos morrer com a esperanga posta no Filho. E a incompreensível angustia da nossa morte será participagáo na agonía de Jesús" (Karl Rahner, Reflexóes sobre a Morte, citado á. p. 18 da obra de M. Vidal).

O capítulo 2 do livro trata da "morte clínica" (melhor dizendo:... morte real), procurando os criterios que a definem. Os síntomas de morte real háo de ser assinalados pela medicina e nao pela Teología, como já dizia Pió XII num discurso proferido em 1957. A legislacáo espanhola no real 211

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'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

decreto sobre "Expropriación y Transplante de órganos" art. 10 considera falecida urna pessoa "mediante comprovacáo da morte cerebral, baseada na constatacáo conjunta, durante trinta minutos, pelo menos, e a per

sistencia seis horas depois do comeco do estado de coma, dos seguintes sinais:

- ausencia de resposta cerebral, com a perda absoluta de consciéncia; - ausencia de respiracáo espontánea;

- ausencia de reflexos cefálicos, com hipotonia muscular e midríase;

- eletroencefalograma 'plano', demonstrativo da inatividade bioelétrica cerebral.

Os sinais citados nao seráo suficientes diante de hipotermia induzida artificialmente ou sob efeitos de administracáo de drogas depressoras do sistema nervoso central" (livro em foco, pp. 41s). O capítulo 3 trata do termo e do conceito de eutanasia. Expoe a ter minología vigente:

Eutanasia ativa é a procura da morte mediante algum ato diretamente mortífero (injecáo na veia, geralmente). Pode ser solicitada pelo próprio paciente como pode ser infligida a este pelos familiares e o médi co a título de compaixáo ou para por termo a sofrimentos irreversíveis.

Eutanasia passiva: consiste em subtrair ao paciente os meios de subsistencia - o que leva á morte. Tais meios podem ser os de rotina (alimentacáo, soro, transfusáo de sangue...) como também podem ser os complexos recursos dos Centros de Terapia Intensiva. Distanásia é, etimológicamente falando, o contrario de eutanasia. O prefixo grego dys significa doloroso, difícil (como em dispepsia, dispnéia, disfuncáo...), ao passo que o prefixo eu implica suavidade. Distanásia vem a ser a morte dolorosa e difícil que resulta da obstinacáo terapéutica;

prolonga-se a vida do paciente, fazendo-o sofrer, sem que disto resulte alguma melhora para seu estado de saúde. Adistanásia é a negacáo da distanásia. Vem a ser a morte conseqüente a urna interrupgáo dos meios extraordinarios de subsistencia ou a chamada eutanasia passiva (suspensáo dos meios extraordinarios ou desproporcionáis, nao proporcionados aos parcos resultados obtidos).

Ortotanásia é a prática que sabe conciliar dois elementos ¡nerentes á dignidade humana: o respeito á vida humana e o direito de morrer dig namente, ou seja, sem ser atormentado por urna incondicional obstinacao terapéutica. Em gráfico: 212

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA"

21

A ortotanásia é

a realizagáo do duplo valor do

respeito a vida humana e do

dimito de mormr dignamente

valor que a eutanasia nao realiza (exagerando o valor: "direito a morrer")

valor que a distanásia nao realiza (exagerando o outro valor: "apreso exagerado á vida")

Nos capítulos subseqüentes, Marciano Vidal define sua posicáo frente á eutanasia, que nao é outra senáo a da Igreja, expressa pela Congregagao para a Doutrina da Fé em Carta datada de 05/05/1980, a saber:

A eutanasia ativa viola os direitos da pessoa humana á vida. Esta é o valor básico, ao qual n§o se pode preferir outro valor; além do qué, a entanásia ativa pode encobrir intengdes espurias (desejo, da familia, de se ver livre do paciente ou repartir logo a heranga...), utilitaristas (aproveitamento de órgáos do paciente), falsa compaixáo a encobrir interesses particulares...

A eutanasia passiva, na medida em que subtrai ao enfermo os meios rotineiros de subsistencia, é injusta. Também viola o direito do pacien te á vida.

A eutanasia passiva é lícita se consiste em suspender meios de sobrevivencia extraordinarios ou, melhor, desproporcionáis,... meios com plexos cujos resultados sao nulos, pois é irreversível o estado patológico do enfermo terminal. Assim é rejeitada a distanásia, que alguns chamam "crueldade terapéutica": esta é a atitude do médico que, diante da certeza moral que Ihe dáo os seus conhecimentos científicos, de que os tratamentos ou os remedios de qualquer natureza já nao proporcionam bene ficios ao enfermo e só servem para prolongar sua agonía inútilmente, se obstina em continuar o tratamento e nao deixa que a natureza siga seu curso; é a isto que alude o Comité Episcopal da Espanha para a Defesa da Vida, citado á p. 93 da obra em foco.

Apregoa-se entáo a adistanásia ou, mais positivamente, a ortotanásia. O mesmo Comité Episcopal proclama os Direitos do Enfermo nos seguintes termos: 213

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

«Ex/sfem alguns direitos do enfermo moribundo? - Certamente. O direito a uma auténtica morte digna inclui: • O direito de nao sofrer inútilmente.

• O direito de que se respeite a liberdade de sua consciéncia. • O direito de conhecer a verdade sobre seu estado.

• O direito de decidir sobre si mesmo e sobre as intervencóes a que tenha de se submeter.

• O direito de manter um diálogo confidencial com os médicos, fami liares, amigos, e sucessores no trabalho.

• Direito de receber assisténcia espiritual.

O direito de n&o sofrer inútilmente e o direito de decidir sobre si mes mo amparam e legitimam a decisao de renunciar aos remedios excepcionais na fase terminal, sempre que atrás deles nao se oculte uma vontade suicida.

E estes direitos nao poderiam legitimar alguma forma de eutanasia passiva (poromissáo)?

- Nao. Quando a morte aparece como inevitável, porque já nao há remedios eficazes, o enfermo pode determinar, se estiver em condicóes de fazé-lo, o curso de seus últimos dias ou horas, mediante alguma destas quatro decisóes:

• Aceitar que se testem as medicagóes e técnicas em fase experi mental, que nio estáo imunes de todo risco. Aceitando-as, o enfermo poderá dar exemplo de generosidade para o bem da humanidade. • Recusar ou interromper a aplicagáo desses remedios.

• Contentar-se com os meios paliativos que a medicina Ihe possa oferecer para mitigar a dor, embora nüo tenham nenhuma virtude curati va; e recusar medicacoes ou operacóes em fase experimental, porque sejam perigosas ou sejam excessivamente caras. Esta recusa nao equi vale ao suicidio, mas sim é expressáo de uma ponderada aceitacao da inevitabilidade da morte.

• Na iminéncia da morte, recusar o tratamento obstinado que única mente irá produzir um prolongamento precario e penoso de sua existen cia, embora sem recusar os meios normáis e comuns que Ihe permitem sobreviver.

Nestas situagóes, nao há eutanasia, pois esta implica - vamos repe

tir - numa deliberada vontade de acabar com a vida do enfermo. É um atentado contra a dignidade da pessoa a procura deliberada de sua mor214

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA"

23

te, mas é próprio dessa dignidade a aceitagáo de sua chegada ñas condicóes menos penosas possíveis. E é no fundo do coracáo do médico e do paciente que se estabelece esta diferenca entre provocar a morte ou esperá-la em paz e do modo menos penoso possível mediante alguns

cuidados que se limitem a mitigar os sofrimentos fináis" (Comité Episcopal Para a Defesa da Vida, A eutanasia, San Pablo, Madri, 1993).

Marciano Vidal documenta sua posicáo citando outrossim a Confe rencia Episcopal Alema, segundo a qual "o direito a urna morte humana nao deve significar que se busquem todos os meios á disposicao da me dicina, se com eles se obtém como único resultado o de retardar artificial mente a morte. Isto se refere ao caso no qual por urna ¡ntervencáo de caráter médico, urna operacáo, por exemplo, a vida se prolonga por pouco tempo e com duros sofrimentos,... a graves transtornos físicos ou psi cológicos. Em semelhante situagáo, urna decisáo eventual, do enfermo, de nao se submeter á operacáo deve ser respeitada sob o ponto de vista moral.

Existem, além disso, hoje em dia, possibilidades técnicas da medici na que nos colocam diante de problemas novos. Podemos justificar dian te de nossa consciéncia moral o uso prolongado de um pulmáo artificial, por exemplo, para manter com vida um paciente? Desde o momento em que se pode vislumbrar que, com este tratamento, o enfermo grave se pode curar, é nosso dever utilizar semelhantes meios, e é tarefa de um Estado de caráter social agir de sorte que aparatos e meios, inclusive caros, sejam postos á disposicao daqueles que deles necessitam.

Mas é diferente o caso no qual, eliminada toda esperanca de melhora, o emprego de particulares técnicas médicas nao serve para outra coisa senáo para retardar a morte á custa de mais sofrimentos. Se o pacien te, seus parentes e o médico, depois de ter avahado todas as circunstan

cias, renunciam ao emprego de medicinas e de medidas excepcionais, nao háo de ser acusados de estar usurpando um direito ilícito para dispor da vida humana. Para o médico, isto pressupóe, naturalmente, o consentimento do paciente, e, quando isso já nao seja possível, o consentimento de um de seus parentes. Em tal caso, respeita-se o direito de que a vida termine com a morte, que Deus colocou como limite déla» (Conselho Per

manente da Conferencia Episcopal Alema, 1974, Ecclesia n. 1758 [27-IX1975] 19-20).

Como se vé, o livro de Marciano Vidal é valioso, pois reafirma de maneira sólida e persuasiva a doutrina da Igreja, enriquecendo-a com citacóes interessantes e ilustrativas. A leítura é, por vezes, um tanto pesa da, pois o texto recorre a vocábulos técnicos, cujo sentido nem sempre é

claro á primeira vista. Contudo isto nao impede a compreensáo do pen215

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

samento do autor. Além do mais, a obra oferece ocasiáo de refletir sobre a morte - o que é salutar.

2. APÉNDICE A documentado que M. Vidal apresenta, inclui dois textos que pare

ce oportuno reproduzir aqui, dado o seu elevado significado. O primeiro se refere aos Centros de Terapia Intensiva, e vem a ser urna advertencia á despersonalizacáo ou á desumanizacáo das condicóes em que se acha o paciente ai internado. I. CARTA DE UMA ALUNA DE ENFERMAGEM

EM ESTADO TERMINAL AS SUAS COLEGAS

"Sou urna estudante que vai morrer. Escrevo esta carta a todas voces que se preparam para ser enfermeiras, com a esperanca de voces participarem daquilo que experimento, a fim de que um dia estejam - oxalá! mais preparadas para ajudar aqueles que váo morrer.

Restam-me ainda de um a seis meses de vida, talvez um ano, mas ninguém quer falar disto. Encontro-me, por isso, diante de um muro sólido e frío. O pessoal nao quer ver o moribundo como pessoa e, por conse-

guinte, nao pode comunicar-se comigo. Eu sou o símbolo do seu medo. Voces entram em meu quarto na ponta dos pés para me trazer a medica do e tomar-me o pulso e desaparecem, urna vez cumprida sua tarefa. Seria por ser aluna de enfermagem ou simplesmente como ser humano que eu tenho consciéncia do medo de voces e sei que o medo de voces aumenta o meu medo? De que voces tém medo? Sou eu que estou para

morrer. Percebo o mal-estar de voces, mas nao sei o que dizer nem o que fazer. Suplico que acreditem em mim. Se voces se preocupam comigo, nao me podem fazer mal. Digam-me somente que voces tém essa preocupagáo; nao necessito de mais nada... Nao fujam. Tenham paciencia. Tudo de que necessito, é saber que alguém estará a meu lado para pegar minha máo entre as suas, quando eu precisar.

Tenho medo. Talvez voces estejam cansadas de ver pessoas morrer,

mas para mim é urna novidade. Morrer... nunca isso me ocorreu. É, de certo modo, urna ocasiáo única. Voces falam de minha juventude, mas, quando alguém está para morrer, nao é alguém táo jovem. Há coisas de que eu gostaria de falar. Nao tiraría muito tempo de voces... Se nos atrevéssemos a reconhecer onde estamos e a admitir, voces como eu, nossos medos, acaso isso tornaría menos valiosa sua competencia profissional? Estaría realmente excluido que nos comuni quemos como pessoas, de forma que, quando nos chegue a hora da morte 216

"EUTANASIA. UM DESAFIO PARA A CONSCIÉNCIA"

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no hospital, tenhamos a nosso lado pessoas amigas?" (R. Delgado, em JANO [6-17-11-1985] 61).

O outro texto é o depoimento de um homem famoso indiferente á religiáo nos dias de sua gloria, mas voltado para Deus ao se sentir próxi mo da morte.

II. DECLARAQÓES DE FREDERICO FELLINI O famoso diretor de cinema italiano manifestou numa sugestiva en trevista as vivencias e profundas experiencias que Ihe proporcionou a grave enfermidade que sofreu em agosto de 1993, meses antes de morrer. In ternado num hospital depois de ter sofrido um ataque cerebral, sofreu urna paralisia no lado esquerdo, o que nao era um bom sinal. Pouco de

pois foi transladado para outro hospital para dar inicio ao tratamento de reabilitacáo da parte esquerda de seu corpo.

Fellini sempre esteve, e nao teve dificuldade em afirmar isso quando o achou oportuno, afastado do mundo da fé. Por isso, as suas decíaracóes tornam-se significativas nestes momentos em que se encontrou, como

ele diz, "com alguém maior que este pobre homem, que ocupou meu lu gar na cadeira de diretor".

Reproduzimos, em seguida, parte de sua jocosa entrevista:

"- No seu "scrípt", ou, se prefere, na encenagáo de sua existencia, vocé previra este golpe de cena? - Em verdade, nao. Nao esperava. Esta é a verdade. N§o estava preparado, nem sequer me passara pela imaginacáo, e creio que, pela primeira vez, alguém maior do que este pobre homem que sou eu, ocupou minha cadeira de diretor e me contou urna piada que nao é de todo má. - Melindrou-o esta intromissáo?

- Nao, nao creio que me tenha incomodado, mas cansou-me... - Que significa para vocé agora o medo?

- Antes de tudo, nao Ihe escondo que tive medo. Quando no hospital me veio visitar meu amigo Titta, precisamente ele, o materialista e blasfemador, me disse: "Sabe, Fellini? Rezei por vocé". Naquele momen to tive medo. Meu medo é mais que o temor de nao ver mais as luzes que dáo colorido ao filme de minha vida ou de vé-las desaparecer pouco a pouco, como se meu ser se afastasse lentamente délas. - Rezou durante esses dias? - Sim, rezei.

- Que é a oragao? 217

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

- Urna maneira extremamente racional e inteligente de por no chao os fardos mais pesados da vida e de confiar a alguém o peso das angus tias e das dúvidas.

- Pensou em Deus? - E como se poderia viver sem pensar nele?

- No filme de sua vida, o protagonista se converteu num crente? - O caminho é longo e as tentacóes muitas, e creio que meu prota gonista terá fortes crises, mas nao me faca dizer mais, porque, de outra maneira, revelaría todas as minhas surpresas " (Labor Hospitalaria, n° 228, 122-123).

Como se vé, o diálogo termina em reticencias... é importante, porque revela como a chegada da morte transforma as pessoas: as mais autosuficientes e indiferentes a Deus sentem o vazio de toda a gloria humana e concebem a necessidade de se voltarem para Deus, o único amigo que nao falha, Aquele que fica quando tudo passa, Aquele com quem todo homem se encontra definitivamente no momento final da sua caminhada terrestre. Continuagáo da pág. 237:

é urna vitória para o pesquisador. Todavía, se o dentista nao sabe impor limites as suas aspiracóes, respeitando os valores da ética, a ciencia pode tornar-se um instrumento daninho ao homem, em vez de beneficiar o ho mem. Isto, alias, já se tem verificado mais de urna vez; a bomba atómica, por exemplo, é o produto da ciencia nao orientada pela consciéncia ética.

Apontam-se razoes de ordem médica e sentimental para justificar a eventual clonagem do ser humano. - Observe-se, porém, que seria iníquo produzir artificialmente urna criatura humana para a esquartejar em beneficio da saúde de adultos ou para dar prole a um casal estéril; a crianca nao é urna coisa, á qual os cónjuges tenham direito, como tém

direito á casa própria, ao carro próprio e aos seus eletrodomésticos; a enanca é um ser transcendental, que traz em si algo da sabedoria e do

misterio do próprio Deus, de modo que ela há de ser obtida pelas vías estabelecidas pela natureza mesma ou pelas leis do Criador. Nada, em suma, legitimaría a clonagem do ser humano.

Á guisa de esclarecimento, deve-se aínda notar que o ser humano eventualmente obtído por clonagem, se for auténtico ser humano, terá verdadeira alma humana, criada e infundida pelo Senhor Deus para vivi

ficar a materia produzida artificialmente. No caso, porém, de se produzir algum monstro (o que nao é para se descartar), tal produto, sendo indefi nido, nao terá alma humana. 218

Respeito á vida Humana:

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQÁO Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves

Em síntese: O autor recomenda o planejamento familiar, segundo o

qual nao se devem colocar no mundo changas sem que naja condigóes de as educar dignamente. A seguir, analisa os meios artificiáis de conteng§o da natalidade, mostrando o que cada qual tem de contra-indicado.

Publicamos, ñas páginas subseqüentes, o segundo artigo da serie de autoría do Dr. Joáo Evangelista dos Santos Alves sobre o respeito á

vida do embriáo. O primeiro artigo versava sobre "como se transmite a vida humana" (ver PR 419/1997, pp. 176-180). Mais urna vez agradece mos ao autor a sua valiosa colaboracáo.

1. PLANEJAMENTO FAMILIAR O problema da natalidade últimamente tem sido tema freqüente nos meios de comunicacáo de massa. Informacóes, as mais contraditórias possíveis, nem sempre provenientes de fontes idóneas, sao diariamente transmitidas ao público em geral. Do emaranhado de opinioes emerge,

quase sempre, a falsa idéia de que a difusao de métodos anticoncepcio-

nais (e também os abortivos) constituí remedio - senáo suficiente, pelo menos necessário e indispensável - para a cura dos diversos males que afligem a humanidade, como a miseria, a fome, a violencia, o analfabe tismo, etc.

Nao pretendemos, aqui, discutir os varios aspectos que envolvem essas questóes, ñas o bom senso e a experiencia mostram que nao é possível resolver problemas humanos com a desvalorizacáo da própria vida humana, permitindo-se a destruí cao de um ser humano na aurora de

sua existencia, ou impedindo o "seu existir" pela interferencia ñas fontes da vida.

É inegável, porém, a ocorréncia de situacóes em que urna familia se veja na contingencia de planejar o número de filhos, a curto ou a longo prazo. Nao podemos inclusive ignorar que é grande o número de familias que se encontram nessas circunstancias, pois todas as pessoas, as fa milias em geral, comunidades inteiras, sofrem as tensóes provenientes 219

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

do ritmo de vida atual, conseqüente a varios fatores e também, em gran de parte, a urna mentalidade utilitarista, hedonista, viciada e distorcida, porém real e influente.

Teóricamente, pode-se até admitir, para raciocinio, que venha a humanidade a correr o perigo de superpopulacáo mundial e, conseqüentemente, tenha necessidade de reduzir o número dos nascimentos no mun do inteiro.

Em tais circunstancias, diante de motivos serios, nao seria desonesto o espacamento da prole, desde que os meios utilizados fossem lícitos, pois os fins, mesmo bons, nao justificam meios maléficos; é importante repetir.

Vemo-nos, assim, diante do problema do planejamento familiar e da necessidade de encará-lo objetivamente. Entre os varios aspectos a con

siderar, surge ¡mediatamente urna questáo primordial: a escolha dos mé todos a serem adotados e as providencias paralelas a serem tomadas, de modo a se atingir os fins sem produzir efeitos sociais graves, que possam

denegrir a dignidade humana, criando um círculo vicioso de conseqüénci-

as imprevisíveis. O remedio inadequado ou mal formulado, ao invés de representar urna solucáo para a doenca social, poderá acrescentar mais miserias á agitada humanidade deste final de século. A anticoncepgáo e o aborto provocado nao sao remedios nem solucóes; sao problemas...

É obvio que urna das principáis e urgentes providencias a ser toma da - nao so por motivos éticos, mas também com vista á procriagao res-

ponsável e ao planejamento familiar - é a de prover, pelos meios cabíveis, o saneamento do ambiente moral e espiritual da sociedade. Entre outros aspectos, naquilo que se refere á exploracáo exagerada e abusiva do sexo por parte dos poderosos meios de comunicacáo de massa. Es tes criam e sustentam urna atmosfera moralmente poluída e depreciam os valores fundamentáis da vida familiar, estimulando de maneira cons tante o exercício desordenado do impulso sexual.

É necessário e imprescindível que o homem nao perca o sentido ético de suas acóes. Os meios a serem utilizados devem respeitar o valor e a dignidade da vida humana no próprio nivel das fontes da vida, preservando-se, portanto, a integridade na transmissáo da vida e rejeitando-se

tudo o que significa dizer Nao á vida. Eis o problema fundamental: como fazer um honesto e consciente planejamento familiar, sem agredir a saúde da mulher, sem atingir a dig

nidade dos cónjuges, sem desvalorizar a vida humana, sem deturpar a finalidade intrínseca do ato procriador, sem fechar as portas á vida? Os métodos propostos exigem criterioso exame de todas as suas particulari220

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO

29

dades e conseqüéncias, antes de serem aceitos. A aplicado do método

é materia do ámbito da Medicina: nao pode o médico prostituir-se com o exercício profissional que esvazie a Medicina de seu conteúdo ético.

Considerando o que foi dito anteriormente e tendo como ponto de referencia o respeito á vida humana, podemos agrupar os métodos atualmente propostos para o planejamento familiar em tres grupos: I - Métodos que destróem a vida: aborto provocado (métodos crimi nosos);

II - Métodos que impossibilitam a vida, tornando infecundos os atos sexuais que seriam normalmente fecundos: anticoncepgáo ou contra-

cepcáo (métodos artificiáis); III - Métodos que respeitam a vida e as fontes da vida: fisiológicos (métodos naturais).

2. ABORTO - ANTICONCEPCÁO - MÉTODO NATURAL Podemos compreender perfeitamente a diferenca ética e científica entre os tres grupos de métodos propostos para o planejamento familiar: aborto, anticoncepgáo (contracepcáo) e método natural. Os métodos abortivos agem destruindo a vida já concebida; os mé todos contraceptivos agem impedindo o eclodir da vida por impossibilitar

a concepgáo, tornando infecundos os atos que seriam naturalmente fe cundos; enquanto os métodos naturais respeitam as fontes da vida, valendo-se dos períodos naturalmente férteis e inférteis da mulher. No aborto provocado, a nova vida humana, já concebida, é destruida para nao sobreviven Na contracepgáo, esta mesma vida teria sido impe dida de iniciar sua existencia pela interrupcáo do processo fisiológico de sua formacáo, desencadeado pelo ato sexual realizado. Há, portante, urna diferenca entre esses dois métodos, mas verifica-se também urna importante semelhanca: ambos constituem urna atitude voluntaria contra

a vida humana, destruindo-a (aborto), ou obstando-a (anticoncepgáo). Já os métodos naturais - baseados nos períodos férteis e inférteis da mulher - diferem de ambos ácima referidos porque respeitam a vida e as fontes da vida, pois todos os atos sexuais realizados seguem sua evo-

lugáo natural permanecendo abertos á vida. Esta, no período infértil, nao se consuma naturalmente, apesar de nada ter sido feito para impedi-la; e

no período fértil o ato nao é realizado; o casal é livre para realizá-lo ou nao.

É importante compreender bem a diferenga entre a natu reza dos métodos propostos. Muitas máes que, por exemplo, já praticaram aborto 221

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

- algumas até varias vezes - ignoravam a realidade da acáo que pratica-

ram, pois nao tinham plena consciéncia do que acontecía. Urna vez conhecendo o que realmente significa o aborto, concordam em levar a ter mo urna gravidez em curso, acolhendo o filho ou entregando-o a quem possa cuidar dele, e murtas vezes optam por urna mudanca de vida. Outras trocam a contracepcáo pelo método natural de planejamento familiar. 3. O ABORTO A propósito deste tema, vamos insistir no que já comentamos mais amplamente em varias outras oportunidades*.

Em termos gerais, o aborto consiste na morte da nova vida humana dentro do ventre materno ou na sua expuisáo ainda vivo, porém antes da viabilidade extra-uterina, isto é, sem maturidade suficiente para sobreviver fora do útero. 3.1. Aborto Natural e Aborto Indireto

Aborto espontáneo ou natural é aquele que, como o nome indica, ocorre espontáneamente, naturalmente, em decorréncia de fatores vari

os, que escapam aos nossos designios. É a morte natural do concepto. Aborto indireto. A morte do concepto pode ocorrer também como conseqüéncia nao visada, embora prevista, de ato médico realizado para curar gestante portadora de enfermidade, cuja natureza grave nao per mite adiar o tratamento até a viabilidade fetal.

Assim, por exemplo, em urna gestante cardiópata, no primeiro tri mestre da gravidez, com indicacáo de tratamento cirúrgico cardiovascular inadiável, o risco do abortamento existe, mas nao invalida a conduta cirúrgica, que é legítima, pois visa a salvacáo da máe e nao constituí agressao direta ao feto. Se ocorrer, o abortamento será ¡ndireto, acidental, nao desejado pelo ato médico, embora previsto.

Do mesmo modo, varias outras enfermidades, como os tumores ovaríanos, os miomas uterinos volumosos com confuto de espago, etc.,

constituem casos em que a indicacáo cirúrgica é imperativa e legítima, no que pese encerrar grave risco para a vida fetal, devendo-se tomar todas as providencias cabíveis para protegé-la, o que nem sempre se consegue.

Até mesmo no cáncer do coló uterino, o tratamento da máe - retira da do útero pela cirurgia (histerectomia radical), ou sua irradiacáo (radio

terapia intra-uterina) - é lícito e pode ser efetuado, nao obstante implicar * ALVES, J.E.S., BRANDÁO, D.S., TORTELLY COSTA, C, BRAGANCA, W., AbortoO Direito á Vida, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1982. E outras publicares. 222

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgÁO

em morte certa do concepto. Conseqüéncia esta ¡ndireta, nao visada, mas inevitável. A conseqüente morte do concepto constituí aqui o que se chama, em Moral, ato indireto, isto é, o que nao foi desejado, nem visado , quer como fim, quer como meio de obter um fim, mas foi previsto como conseqüéncia possível ou certa, porém inevitável, de um ato diretamente desejado (no caso, a destruicáo do cáncer uterino pela retirada do órgáo ou pela ¡rradiacáo).

Nessas circunstancias, a morte do feto nao constituí a finalidade do ato praticado, pois ocorre contra o objetivo do médico, ainda que nao contra suas previsóes. Fundamenta-se a liceidade do ato no principio do duplo efeito, assim compreendido:

a) á prática de um ato, moralmente bom ou indiferente, seguem-se dois efeitos paralelos, um bom e outro mau;

b) apenas o efeito bom é visado pelo ato praticado;

c) o efeito mau, embora inevitável, nao é desejado nem visado pelo ato, sendo apenas previsto e tolerado; d) o efeito mau nao se constitui no meio de se obter o efeíto bom; e) o efeito bom é conseqüéncia direta do ato praticado, nao sendo, portanto, secundario nem conseqüente ao efeito mau;

f) o efeito bom visado é suficientemente importante para tolerar-se o efeito nocivo previsto.

Assim, em mulher portadora de cáncer do coló uterino, a conduta terapéutica ácima referida (ato bom) visa a extirpagáo do cáncer (fim bom). O fato de a paciente engravidar no decorrer da avaliacáo pré-operatória, ou mesmo já estar grávida antes, nao Ihe tira o direito ao tratamento adequado, ainda que, paralelamente ao fim bom (extirpacáo do tumor uterino canceroso para a cura da máe) — objetivo do ato terapéutico — preveja-se como inseparável urna conseqüéncia má (morte do feto que se encontrava dentro do útero canceroso). A morte do feto assim ocorrida nao infringe principio deontológico,

nem constitui objeto de atencao de nenhum Código de Ética Médica ou Código Penal, sendo pacifica e universal sua aceitacáo do ponto de vista moral e legal. 3.2. Aborto Provocado

Aborto provocado é aquele que resulta de ato direta e delibe

radamente destinado á morte do concepto. É a morte provocada e pre meditada de um ser humano inocente. 223

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Os métodos utilizados pelos aborteiros variam de acordó com a idade do concepto e outras circunstancias. A maneira mais precoce de provocar o aborto consiste em transfor mar a mucosa uterina — ambiente adequado e acolhedor que normal mente é — em ambiente hostil e inadequado ao novo ser humano, impedindo a sua nidacáo no útero ou, ocorrida esta, provocando a sua morte antes que o trofoblasto (anexo fetal) inicie a producáo de hormónios necessários á sua própría subsistencia.

Os principáis meios utilizados para esse tipo de aborto sao dois: o dispositivo intra-uterino (DIU) e a chamada "pílula pós-coital" ou "pílula do dia seguinte". 3.2.1. O DIU

O Dispositivo Intra-uterino (DIU) é um artefato construido sob for matos e tamanhos diversos, para melhor se adaptar á cavidade do útero a que se destina. Existem varios modelos, que se tornaram conhecidos pelos nomes de seus autores, pelas suas formas ou pelo material com que sao fabricados.

Em outras palavras: o referido artefato — intencionalmente coloca

do dentro do útero e ai mantido por tempo indefinido — é um corpo estranho intra-uterino que impede, por efeito de sua presenca, o desenvolvimento da gravidez todas as vezes que sua portadora concebe um filho.

Obviamente, qualquer artefato que provoque a morte do novo orga nismo nao pode ser chamado de anticoncepcional, visto nao haver im

pedido a concepcio, mas atuando após a mesma. Pode parecer supérfulo chamar a atencáo sobre esse fato, mas isso se justifica em razáo da existencia de autores que insistem, erróneamente, em denominar o DIU de "anticoncepcional", quando eles próprios sabem que quase todos os mecanismos de acáo do DIU agem após a fecundacáo, sendo, portanto, abortivos.

A inibicáo que podem exercer sobre a motilidade dos espermatozoides nao é suficiente para deter totalmente a enorme quan-

tidade desses gametas que ascende em direcáo ás trompas de Falópio, como admitem os próprios adeptos do DIU.

Como se sabe, a natureza prodigalizou um grande excesso de ga metas masculinos para assegurar a reproducáo. Variando entre 1,5 a 5 mi de sémem, cada ejaculagáo encerra urna concentracáo de espermatozoides que varia entre 60 a 200 milhoes por mi. Concentracóes bem menores sao suficientes para lograr a fecundacáo, sendo con siderado viável até o limite mínimo de 30 milhóes ou até mesmo 20 mi lhóes de células por mililitro. 224

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQÁO

33

Normalmente, o número de gametas que ascendem ao útero e ás trompas é muito maior que o mínimo necessário. A elevada concentra-

cáo de células reprodutoras masculinas resguarda um possível desper dicio das mesmas, no decorrer do processo gerador, para que isto nao

implique em impedimento da fertilizacáo do óvulo. É conhecida a resis

tencia do semen á acio de substancias químicas espermatotóxicas de positadas no fundo vaginal, cujo objetivo anticoncepcional é muitas ve-

zes frustrado, posto que suficiente quantidade de espermatozoides per manece capacitada para ascender ás trompas e exercer a fecundac3o. Portanto, o fato de o uso do DIU criar condicóes desfavoráveis á vida dos espermatozoides, dificultando sua ascensáo ás trompas, nao constituí

motivo razoável para admitir-se que este artefato possa impedir a con cepto. Sabe-se ser curto o lapso de tempo em que os espermatozoides se expóem, no meio uterino, ás hostilidades causadas pela presenca do DIU, que nao impede seu trajeto para as trompas.

Vencidas as dificuldades e ocorrida a fecundacáo, o novo ser recém concebido desee através da luz tubária com destino á cavidade uterina para ai permanecer e implantar-se no endométrio, já na fase de blastocisto.

Constituí, portanto, a cavidade uterina nao urna breve passagem, mas o "habitat" do novo ser até o nascimento. Se as condicóes naturais, favoráveis ao seu desenvolvimento, forem modificadas e transformadas em meio hostil, como acontece pela presenta do DIU, o concepto certamente pe

recerá antes ou logo após a nidacáo, ocorrendo, em seguida, a menstruacáo. Portanto, no caso do DIU, o que está em causa é a inviolabilidade da vida do novo ser, que já existe antes da nidacáo, e que é desrespeita-

da pela aplicacio do DIU. Ainda que os aplicadores de DIU queiram rejeitar o valor de conclusoes de trabaihos científicos que demonstram a acáo abortiva precoce e

sistemática destes dispositivos, e aleguem a ignorancia de certos aspec

tos do mecanismo de aguo dos mesmos, nao podem, de forma alguma, deixar de aceitar, ao menos, que existem fortes indicios bem fundamen tados de que tais instrumentos sao agentes abortivos que impedem a implantado do blastocisto ou o deslocam logo após a implantado. Fi-

cam, portanto, ainda assim, éticamente impedidos de propagá-los e aplíca

los amplamente como fazem, ainda mais portratar-se, como alegam eles, de métodos cujo mecanismo íntimo de a?3o é incompletamente conhecido. A ignorancia nao os impede de aplicar o dispositivo, mas querem que

os absolva de culpa pelos efeitos antiéticos dos mesmos.

Nao obstante serem desconhecidos alguns aspectos do mecanis mo íntimo de acáo do DIU, o seu efeito ocisivo sobre o óvulo já fecunda225

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

do — isto é, sua acáo abortiva — é fato plenamente admitido, como pode ser visto em farta literatura nacional e estrangeira. Quase todos os trabalhos científicos sobre o DIU — ainda que o denominen), impropriamente, de anticoncepcional — ao referir-se a

seu efeito, o fazem citando este artefato como fator que impede a nidacáo do ovo, destruindo-o, quando este alcanca a cavidade uterina

(aborto). Vale assinalar que seus autores sao , na maioria, adeptos do método, e exercem suas atividades e experiencias em servicos que o

adotam, sendo, portanto, insuspeitos de parcialidade, quando assim se pronunciam, reconhecendo o efeito ocisivo do DIU sobre o novo ser já concebido. O efeito abortivo do DIU, inclusive o de cobre, fica evidenciado, so-

bretudo, com a preconizacáo que se faz atualmente para uso pós-coital, visando a impedir a nidacáo do concepto resultante de ato "desprotegido". Além do efeito abortivo, exerce o DIU acáo nociva sobre a saúde da mulher em que é colocado. A principal complicado consiste na infecgáo pélvica, patología geralmente grave, podendo levar á morte ou deixar seqüelas nem sempre passíveis de cura, como a esterilidade e dores pélvicas crónicas, conseqüentes a aderéncias inflamatorias englobando os órgáos pélvicos.

Complicacáo mais freqüente e nao menos desprezível é o sangramento uterino anormal, causando anemia ou agravando anemia preexis tente.

Entre as complicacóes menos freqüentes, destaca-se a perfuracáo uterina causada pelo artefato abortivo (DIU), de conseqüéncias imprevisíveis. Deve-se considerar ainda a possibilidade de reacáo orgánica ao cobre, quando o DIU contém este material. 3.2.2. A "Pílula do Dia Seguirte"

A "pílula do dia seguinte" ou "pílula pós-coital" consiste em medi camento de natureza hormonal que, sendo ingerido dentro de 72 horas após o ato sexual, é capaz de causar importantes alteracóes no

endométrio — mucosa muito sensível a certos hormónios e que reveste a cavidade uterina, onde o embriáo se aloja — provocando a sua descamacáo semeihante a urna menstruacáo normal ou um pouco mais

intensa, e, se houve concepcáo, eliminando também o concepto. Como o DIU, é a pílula pós-coital um cripto-abortivo, pois provoca o aborto ocul tamente, sem que a mulher tenha conhecimento de haver gerado um

filho, já que a menstruacáo ocorre nos limites do prazo habitual. 226

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO

35

3.2.3. Outros Métodos

Á medida que a gravidez evolui e a crianga cresce dentro do útero materno, os aborteiros usam outros métodos abortivos "melhor adapta dos " á idade do concepto:

RU - 486 - É um medicamento que compete com a progesterona (hormónio necessário para manter a gestacio), neutralizando os seus efeitos. Sem a agio da progesterona, o útero grávido se contrai continu amente até ínterrom per a gravidez, expulsando o concepto. Os aborteiros o recomendam só até sete semanas após a última menstruacáo. Método de aspiracáo - consiste em dilatar o coló uterino e ¡ntrodu-

zir urna cánula ligada a urna máquina aspiradora com forca varias vezes

superior á forca de um aspirador de pó. A criancinha é aspirada junto com a mucosa uterina, transformando-se numa massa de tecido e sangue, quase nao sendo possível identificar-se as partes fetais. Método de curetagem - exige também a dilatacáo do coló uterino

para permitir a introducao de urna "colher" cortante (a cureta), que raspa

a mucosa uterina, dilacerando e esquartejando a chanca, cujas partes podem ser identificadas e, inclusive, reconstituido o seu corpo após lavar e retirar os coágulos sanguíneos e fragmentos da mucosa uterina.

Método da injecáo salina - consiste na injecáo de urna certa quantidade de solucáo salina hipertónica no líquido amniótico, no interior do qual a crianga se movimenta normalmente. A solucáo salina hipertónica injetada soba pele de qualquer pessoa, no tecido celular subcutáneo,

provoca forte dor e necrose do tecido, seguindo-se ferida e escara. Inje tada no interior do líquido amniótico, provoca verdadeiras queimaduras na crianga, matando-a aos poucos, sendo, algumas vezes, eliminada aínda

viva para acabar de morrer fora do útero.

Método das ¡njecóes ocitócicas - substancia principal é a prostaglandina, que, injetada na mulher, provoca a contragáo uterina e a ex-

pulsáo da crianga, aínda incapaz de sobreviver fora do útero, principal mente se nao for assistida. Provoca o aborto em qualquer fase da gestagao, sendo mais usada pelos aborteiros no segundo trimestre.

Método da Operacáo Cesariana - consiste geralmente na chama

da micro-cesária, porque é realizada em idade de inviabilidade fetal fora do útero, vindo o feto a morrer por imaturidade. Mas a operagáo cesaria

na com fim abortivo tem sido realizada também até próximo ao termo da gestagáo em muitos países onde o aborto foi liberado. As changas, mesmo retiradas com vida - inclusive as viáveis - sao abandonadas até mor

rer, como se fossem animaizinhos sem valor, sendo, inclusive, conforme 227

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

varios relatos divulgados, remetidas a laboratorios experimentáis para

estudos e experiencias biológicas.

Como vimos, os métodos abortivos sao aplicados para destruir urna vida humana concebida, sendo utilizados desde o inicio até o final da gravidez. 3.3. Ponderacóes Gerais Varios sao os motivos com os quais se quer justificar o aborto: mo tivos terapéuticos, económicos, sociais, sentimentais, de honra, etc. Mas

o respeito á vida de um indefeso, inocente e frágil ser humano nao seria motivo mais que suficiente para se proibir e condenar o aborto?

É incontestável que o aborto é urna acáo contra a vida, é atentado contra urna existencia humana. Afirmar contrariamente é falsear a verda-

de para justificar atos "convenientes" ás difíceis circunstancias do mo mento.

Sem nenhuma dúvida científica ou ética, o aborto provocado consti tuí violenta agressao á máe e á enanca que vive em seu ventre, sendo,

para o filho, de efeito mortal, constituindo-se, portanto, em verdadeiro assassinato.

Por mais dramáticas que sejam as circunstancias arroladas — como perigo de práticas clandestinas, doenca da máe, familia numerosa, pro-

miscuidade, pobreza, miseria, desonra, violencia, incesto, estupro,

malformacQes fetais, explosáo demográfica, etc. — nao se justifica a legalizacáo do abortamento voluntario, pois seria legalizar um ato de vio lencia premeditado. A legalizacáo dessa prática, em qualquer das circunstancias referi das, representa gravíssimo afrouxamento, quase equivalendo, na práti ca, a verdadeira liberacáo, com todas as suas conseqüéncias deletérias sobre a pessoa humana como tal, sobre a familia como instituicáo, sobre a sociedade em geral. O abortamento voluntario legalizado constituí falsa e contraditória tentativa de solucáo de problemas que afligem a humanidade, pois con

siste em ato, por sua natureza, contrario á ordem moral e que atinge aínda mais a dignidade humana, desvalorizando a vida que se quer pro

mover. É urna tentativa de resolver problemas humanos com desprezo

da própria vida humana.

Permitindo-se, sob qualquer pretexto, a supressáo voluntaria de urna vida humana inocente em sua fase intra-uterina, como impedir-se a su pressáo de urna vida humana em qualquer fase de sua existencia, quando constituí pesada carga: aleudes, inválidos irrecuperáveis, loucos agres228

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPQAO

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sivos, velhinhos arterioscleróticos, comatosos irreversíveis, doentes cró nicos de difícil manuseio, etc.? Só com o respeito aos di reítos de cada um, inclusive dos mais fracos e indefesos, é possível salvaguardar o direito de todos.

Por rebaixar o valor da vida humana ao nivel dos animáis irracionais, constituí o abortamento provocado serio atentado aos alicerces na-

turais da familia, desagregando-os pelo triunfo do egoísmo, que rejeita riscos e repele sacrificios.

Os tres pretextos mais freqüentemente invocados para a liberacáo do aborto sao: risco de vida para a máe (aborto dito terapéutico), gravi dez decorrente de estupro (aborto dito sentimental) e malformacao congénita (aborto dito eugénico).

Aborto terapéutico- No que concerne ao aspecto estritamente mé dico, as opinióes convergem para a aceitagáo do fato de que se tornam

cada vez mais raras as situagóes patológicas em que se poderia concluir pela impossibilidade de evolucao da gravidez até a viabilidade fetal. Em tais casos é impossível afirmar que o aborto salvará a máe. Os extraordinarios recursos de que dispóe atualmente a Medicina, oferecem ao médico meios para prosseguir na luta, visando a salvacáo do binomio máe-filho. Na época atual, aquela desconcertante situacao de "expectativa com os bracos cruzados" nao mais prevalece.

É correto, como dissemos anteriormente, afirmar que a gestante por tadora de enfermidade de natureza grave pode ser tratada como se nao estivesse grávida. Nao quer isso dizer, obviamente, que nao se envidem esforgos para impedir que o feto venha a sofrer as conseqüéncias do tratamento materno. A obstetricia moderna dispóe de recursos semióticos e terapéuticos que devem ser postos em prática com vistas ao concepto, coadjuvando o tratamento materno.

Nao faltam no Brasil centros médicos suficientemente desenvolvi dos e aparelhados para oferecerem a melhor assisténcia aos casos mais graves. Nao seria difícil a remocao, para tais centros, das gestantes resi dentes no interior, desde que, para isso, se voltasse a atengáo dos responsáveis.

Assim, pois, o direito ao tratamento nao é postergado na mulher grávida, podendo esta ser sempre tratada, desde que nao se utilize mé todo que agrida diretamente a vida do concepto, mas pelo contrario se envidem esforgos para preservá-la, sempre que seja possível (ver aborto indireto, pág. 222s).

Vemos, pelo exposto, que a moral de modo algum impede que a gestante enferma seja tratada adequadamente. 229

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

O apelo ao chamado "aborto terapéutico" como meio de salvar a vida da gestante nunca constituiu recurso científico, e muito menos nos dias atuais, em face das modernas conquistas da Medicina. Aborto sentimental - A prática do estupro configura problema gravíssimo e extremamente doloroso, mas o recurso ao aborto — exter minio deliberado da nova vida inocente — nao constitui solugáo, pois consiste em outra brutal violencia, incompatível com a consciéncia hu mana. E com que fim? Evitar urna crueldade já praticada? Impossível! Repará-la? Nao com o sacrificio de urna vida inocente, mas, isto sim, proporcionando á mae assisténcia adequada.

Ocultar o ato bestial e suas conseqüéncias? Nem mesmo isso, pois a prova de violencia exige tramitacáo policial e judiciária demorada, justificável pela gravidade do caso, o que nao pode ser feito em segredo e tem inevitável repercussáo e conseqüente divulgacao, embora indesejada.

Enquanto isso, a gravidez evoluindo até a viabilidade fetal acabará por absolver da "pena de morte" o "réu" sem culpa, o filho inocente pelo

crime que seu pai cometeu. Por tal motivo tem sido comentada a impraticabilidade desse injusto inciso do Código Penal. "Por que, se nao existe o amor no ato genésico, o feto nao merece férvida extra-uterina?

É a teoría do desamor. Mas qual o maior desamor, qual o maiorcríme? A vida chegada de um ato onde o amor foi ausente, ou a morte consentida pelo desamor? Onde o desamor maior?

Creio que na segunda proposigáo. Isto é induvidoso. Traumas futu ros podem ser equacionados, evitando-os através de psicólogos, psiqui atras e terapéutica adequada; muito mais tratándose da inesgotável fonte de amor- a maternidade" (Dr. Celso Panza - Juiz de Direito).

O estupro nao interfere comprometedoramente no processo fisioló gico da gestacáo dele resultante, e o fato de ser brutal violencia nao constitui problema específicamente obstétrico, nao cabendo, portanto, outra conduta médica que nao seja a correta assisténcia pré-natal, coadjuvada pelo amparo psicológico e espiritual. Aborto eugénico (caso de malformacáo congénita) - Consiste no

exterminio, em nome da Eugenia, de fetos defeituosos. Ora, a Eugenia, considerada como Ciencia, jamáis se poderia afirmar patrocinando a 230

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO

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destruicáo de vidas humanas. Legitimada essa prática abortiva, envere

daríamos numa linha de raciocinio até a justificativa de todas as barbari dades já praticadas em nome de urna falsa idéia de Eugenia. Truncando o obvio, para confundir, alega-se — em defesa do abor

to... — "o dimito de urna críanga nascer perfeita e saudável, visando a plenitude de sua vida e sua integragáo na sociedade". Certamente ninguém deixará de advogar essa tese. Mas, na realidade, o que se preten de com o aborto nesses casos é bem outra coisa: é que só as criancas

perfeitas e saudáveis tenham o direito de nascer, as deficientes nao! Se sao cegas, se sao defeituosas, se sao aleijadas, devem ser destruidas

no ventre materno?... Ora, se é crime abominável matar um ser humano inocente e sadio,

por que deixará de sé-lo se o indefeso inocente apresentar deficiencia

física ou mental? A vida deficiente necessita de ajuda e protegió, e nao de violencia e agressáo.

É obvio que o ser humano nao pode ser julgado pela ¡ntegridade de seus órgáos ou de suas funcoes. "Nao se avaliam homens como se ava-

liam animáis, como se avaliam gados para o corte ou como se avaliam cávalos para os hipódromos". A proposta de aborto para esses casos fere o respeito devido á dignidade da vida humana, que nao permite a injusta distincio entre defici entes e normáis: estes seriam dignos de existir e aqueles nao... Ninguém ignora que existem situacóes delicadas, dificílimas e até

dramáticas, mas em nenhum caso o exterminio pré-natal do deficiente constituí solugáo digna, nem eficaz.

Compete á sociedade buscar solucóes justas, positivas e compatíveis com a dignidade humana, sem conspurcar a Medicina, arrastando-a para práticas anti-éticas, contrarias ao seu espirito e finalidade.

É urgente promover o desenvolvimento da assisténcia pré-natal em todo o territorio nacional. É também importante estimular a criacáo de instituicoes com finalidade de prestar assisténcia a todos os portadores de deficiencia grave. Nao apenas aos assim provenientes do ventre ma

terno, mas também aos que a adquirirem no decorrer dos anos. Recupéra los o quanto possível e desenvolver suas potencialidades, por mínimas que sejam, é dever da comunidade, é tarefa que exige a participacáo de toda a sociedade. O crescente progresso científico e tecnológico possibilita o diagnóstico pré-natal, ou logo após o nascimento, de ¡numeras malformacóes, o que favorece a correcáo precoce de muitas deficienci

as, inclusive com procedimentos intra-uterinos. 231

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

Casos especiáis - A permissividade legal para a prática do aborto em "casos especiáis" servirá apenas para acobertar delitos ou propiciar alternativa mais fácil, tora da verdadeira solucáo, diante de situacoes difíceis a exigir tarefa ardua e de responsabilidade. Constituí, aínda, gra ve injustiga para com aqueles catalogados entre "os casos especiáis", excluindo-os, injustamente, de protegáo legal, além de enfraquecer, na comunidade, a consciéncia do devido respeito aos direitos humanos naturais e inalienáveis.

É fato bem conhecido que as leis nao sao apenas punitivas, pois, quando retamente formuladas, constituem, pela sua expressao educativa, importante fator para a formacáo moral do povo. Qualquer iniciativa, destinada a remediar táo grave mal social, per

dería sua eficacia diante de urna legislacáo permissiva, com varias conseqüéncias fácilmente previsíveis. A legislacáo e todos os recursos devem ser colocados a servico da

maternidade e da vida, protegendo-se o filho e a m§e. Protegendo-se também o médico, pois as leis e as circunstancias, sendo ordenadas para o prosseguimento da gravidez, servem-lhe de apoio para que nao resvale, por fraqueza ou por ambicao, para práticas contrarias ao seu juramento. Este é o caminho: cuidar da máe e proteger o filho. Este é o dever do médico: assistir o seu paciente desde o inicio da vida, na concepgáo, até seu último alentó. Sem dúvida nenhuma, repito, o aborto provocado consiste na destruigáo de urna vida humana inocente e indefesa na aurora de sua exis

tencia e, certamente, também em um atentado á consciéncia da máe, á do pai e á do médico. E mais que isso: constituí o aborto provocado um processo de destruigáo da própria consciéncia humana. Nao é necessário recorrer á religiáo para condenar o aborto provo

cado, poís se trata de problema de ordem natural, que fere o respeito ao direito humano basilar, que é o direito á vida, cujo desrespeito atinge todos os outros direitos. Obviamente, o direito á vida é atributo de todos

os seres humanos: materialistas e espiritualistas; católicos, protestantes, espiritas, agnósticos e ateus, velhos, jovens, criangas, recém-natos e nascituros, desde a concepgáo, pobres e ricos, brancos e negros, etc. Portanto, qualquer atentado contra a vida humana inocente constituí falta

condenável, quer seja praticado por pessoa religiosa, quer por ateu con victo.

"A questao da vida e da sua defesa e promogáo nao é prerrogativa únicamente dos crístáos. Mesmo se recebe urna luz e forga extraordina ria da fé, (...) tratase, com efeito, de um valor que todo ser humano pode 232

PLANEJAMENTO FAMILIAR E ANTICONCEPgAO

enxergar, mesmo com a luz da razéo, e, por isso, diz necessaríamente respeito a todos".1 Quanto ás máes que procuram o aborto para solucáo de seus pro

blemas, acredito que muitas sao influenciadas pela malfazeja mentalidade antinatalista difundida pela mídia, e outras s3o movidas também pelo sofrimento, pelo medo e pelo desespero, sem pleno conhecimento do horror em que consiste essa prática criminosa. Compete a quem as assiste esclarece-las e orientá-las na busca de reais solucóes para suas

dificuldades, excluindo o aborto, que nunca será solucáo para nada; pelo contrario, constituirá sempre um novo problema, acrescentado ao que se pretende resolver.

E aquelas máes que já passaram pela triste e infeliz experiencia do aborto provocado, longe de serem repudiadas, devem ser ajudadas, pelo conselho sincero e acolhedor de pessoas amigas e esclarecidas, a recuperarem os valores esquecidos e a reencontrarem o caminho perdido, podendo incluir-se, com seu doloroso testemunho, entre as mais convin centes defensoras da vida humana nascente.

Mas "o problema ético da natalidade n§o se resume na salvaguarda da vida humana existente, nem se reduz a urna questao de técnicas, encaradas exclusivamente sob o prisma da conservagSo indispensávei de todo ser humano concebido. O horizonte dessa materia é bem mais ampio. Antes mesmo de se configurara situagao dramática e extrema do

aborto, o valor da pessoa humana exige que sua dignidade seja respeitada no próprio nivel das fontes da transmiss§o da vida",2 rejeitando-se assim a contracepcáo (que desvincula o ato sexual da procriacáo) e a manipulacáo do embriáo humano ñas técnicas de fecundacao "in vitro" (que desvincula a procriacSo do ato sexual).

1 JOÁO PAULO II, Evangelium Vitae (101) -1995. 2 Sá Earp, N. A. 233

Inculturacáo ou Profanacáo?

A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO

Em síntese: A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro é um ensato de inculturagáo no qual prevalecem os aspectos folclórícos e teatrais sobre o sagrado. Vem a ser a profanagao do rito eucarístico, contrariando as nor mas da Igreja e desnorteando os fiéis ou o público em geral. *

*

*

Tem sido celebrada no Brasil a Missa do Campeiro ou do Boiadeiro, com seus trajes, símbolos e ritos próprios, que fogem as prescricoes da Liturgia da Igreja e deixam as mentes confusas.

Vamos, a seguir, expor alguns tragos do respectivo ritual e tecer-lhe

alguns comentarios.

1. O RITO DA MISSA CAMPEIRA

Eis o que se lé logo no cabecalho do folheto respectivo:

"Preparagao: Preparase o altar com ornamentos típicos sobre um carro de boi ou um palco com urna cruz de bambú ou lenha rústica; ao lado, bem destacada urna lamparina no lugar das velas e pode haver urna tocha ao lado da cruz. Os campeiros e campeiras colocam-se em forma de meia-lua ao redor do altar, de preferencia a cávalo com traje típico. Providenciase um bom servigo de som, com microfone sem fío, de prefe rencia. Fazse o comentario e durante o canto de entrada vém chegando campeiros com o herrante, a bandeira do Brasil, do Estado, da cidade e da Igreja; logo atrás vem o Padre com trajes típicos ladeado por duas

campeiras; todos a cávalo. (É bom que o cávalo do Padre seja bem man

so). Ao chegar, ele veste a túnica alva e a estola e fica a cávalo até o momento do Ofertorio; depois monta, após a Comunháo, para dar a béngao e participa do desfile".

O Canto de entrada é acompanhado pelo toque do berrante. Por ocasiSo do ato penitencial "os presentes depositam suas armas

diante do altar".

Ao Gloria é previsto que "04 pares com trajes típicos podem fazer

coreografía ou dancar diante do altar".

A primeira leitura é introduzida por um campeiro, que "chega a galo pe e diz em tom bem forte: 'Com licenca, seu Padre. - Pois nao, com234

A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO

43

panheiro; o que vocé traz para a gente? - Trago urna mensagem do Pa¡ Santo, lá da estancia eterna. - Óchente! Pois entáo leía pra nos1". Ao Ofertorio reza a rubrica: "Urna equipe pode trazer as ofertas dan-

cando e continua dancando diante do altar até o final do canto. Dois campeiros recolhem as ofertas com o chapéu". Por ocasiáo da Consagracáo manda a rubrica: "Toca-se o berrante e dá-se um tiro, depositando, em seguida, a arma descarregada sobre o altar num gesto de paz e vida nova".

Na Oracáo Eucarística, o Papa é chamado "capataz", o Bispo "admi nistrador". Na introducao ao Pai-Nosso, Jesús é dito "o Divino Campeiro". "Após a Comunhao o Padre pode distribuir 02 paes e 02 cantis de vinho, que estaráo sobre o altar, para que cada um passe adiante. Dois campeiros a cávalo podem ser ministros para irem distríbuindo pao e vi nho".

Terminada a Oracáo final, "o Padre monta a cávalo e procede á béncáo e pode seguir-se um desfile com os campeiros e campeiras enquanto se canta o canto final".

Durante o canto final, "toca-se o berrante e pode-se soltar rojóes. Cada um guarda em lugar apropriado as suas armas. O povo pode dancar durante o canto".

Eis o depoimento de alguém que assistiu á Missa do Boiadeiro:

«No domingo p.p., esteve aquí, em minha paróquia, um Padre para celebragao de urna missa "campeira", mais conhecida como missa do boiadeiro. A mesma foi celebrada num dos morros da cidade, encontrán dose o celebrante, durante todo o tempo, montado em cima de um cáva lo, com trajes típicos de um boiadeiro, com chapéu inclusive, até o mo mento do ofertorio. A consagragáo foi feita em cima de um carro de boi, sendo certo que, neste momento, o celebrante colocou túnica.

Durante a consagragáo, foram consagrados páes, que foram distri buidos aos pedacinhos para os participantes. O vinho foi consagrado num chifre de boi, e, em pequeñas jarras. Em seguida, era bebido na própría vasilha e passado de boca em boca». Pergunta-se agora:

2. QUE DIZER?

Proporemos seis comentarios ao fato:

1) A primeira pergunta que muitas pessoas colocam a respeito, concerne á validade de tal celebracáo. - Pode-se dizer que foi válida, 235

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

embora sacrilega e totalmente ilícita, ... válida desde que o celebrante (devidamente ordenado) se tenha servido de pao de trigo puro, vinho de uva, e tenha tido a ¡ntencáo de consagrar, pronunciando a fórmula exata da consagracáo eucarística. Note-se que algo pode ser ilícito, pecamino so, mas válido, como o ato de roubar é ilícito e pecaminoso, mas, em certos casos, válido para pagar urna divida.

2) Se a Missa foi válida, nem por isto é tolerável, como dito. Trata-se de urna tentativa falha e abusiva de inculturar, que nao respeita o caráter hierático ou sagrado das celebracóes litúrgicas. A Liturgia nao pode ser reduzida a folclore, muito interessante e atraente por suas imagens, seus cantos, seus símbolos...; ela é a celebracáo do misterio da fé, que requer urna atitude de sobriedade e reverencia. O Senhor disse a Moisés, para o tornar mais consciente da presenca de Deus: "Tira as sandalias dos pés, porque o lugar em que estás, é urna térra santa...". Continua o texto: "En tilo Moisés cobriu o rosto" (Ex 3,5s). Na verdade, os gestos corpóreos sao a expressáo do que há no íntimo do ser humano; a reverencia a Deus manifesta-se em gestos contidos e sobrios.

3) Deve-se evitar distribuir a S. Comunháo "em massa" ou a todos os participantes da assembléia. O pao eucarístico nao é símbolo, um pre sente dado a amigos; é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Jesús Cristo, que só pode ser adequadamente recebido por quem esteja isento de pecado grave; o fato de se celebrar urna confraternizacáo nao justifica a distríbuicáo indiscriminada da Eucaristía. Ademáis, para a con sagracáo do vinho eucarístico, requerem-se vasos fabricados precisamente para tal fim, segundo as normas da Liturgia; nao é lícito usar qualquer vasilha. Também os paramentos litúrgicos sao obrigatórios, conforme as

rubricas do Missal, de tal modo que nao é permitido usar trajes profanos para a celebracáo da Eucaristía.

4) A tarefa de inculturacao dos valores religiosos nao pode consistir em baixar o nivel do sagrado, adaptando-o totalmente aos conceitos e costumes da assembléía. A verdadeira inculturacáo parte do nivel em que se acham os fiéis e procura elevá-los a niveis superiores de compreensáo religiosa; há de ser urna pedagogía que faga crescer na fé e na

vivencia cristas. O Transcendental tem que transparecer através das for mas de expressáo popular; se ¡sto nao acontece, a inculturacáo "achata" o povo e impede-o de subir a planos mais elevados de fé católica; presta um desservico em vez de servir.

5) Somente a Santa Sé é competente para autorizar qualquer mudanca no rito oficial da celebracáo da Eucaristia; as adaptacoes de incul turacáo háo de ser submetidas ao julgamento da autoridade eclesiástica para que se evite que, alterando os símbolos, se altere também a mensagem da fé. Nao raro pode acontecer que tal ou tal forma de cultura ponha 236

A MISSA DO CAMPEIRO OU DO BOIADEIRO

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em relevo um aspecto interessante, mas secundario, da Liturgia e deixe na penumbra os aspectos principáis.

6) É, pois, para desejar que cesse ¡mediatamente o costume de cele brar a Missa do Boiadeiro, por mais bem intencionado que esteja o seu autor. O Santo Padre o Papa tem pedido aos Bispos do Brasil que vigiem sobre a fiel observancia das normas da Liturgia, de modo que nao se cometam abusos - o que sempre desconcerta e prejudica a fé do povo de Deus, a quem todos os ministros do Senhor desejam servir. Estévao Bettencourt O.S.B.

A CLONAGEM FAZ PENSAR... A noticia de que alguns dentistas escoceses conseguiram produzir urna ovelha sem o concurso do elemento macho ou por clonagem, surpreendeu a humanidade... De mais a mais que se prevé que o mesmo

processo será aplicado ao ser humano. - Que dizer a propósito?

É lícito fazer clonagem com ovelhas e animáis irracionais, porque nSo tém personalidade nem amor nem compromisso familiar. Sendo assim, o cientista considera apenas o aspecto bioquímico da reproducáo e a manipula segundo interesses económicos, científicos, medicináis... Ao contrario, o ser humano nao é meramente material; vivificado por urna alma espiritual, emerge ácima dos demais viventes deste mundo. Daí o respeito que se deve á pessoa humana; a sexualidade e a reproducáo

humanas estáo associadas ao amor e ao compromisso familiar. A prole é o fruto da doacáo mutua do homem e da mulher comprometidos entre si para formar um lar onde a crianca possa nascer e ser educada. Com outras palavras: a Moral católica apela para a lei natural, que é a lei de Deus. O Criador fez dois sexos para que se complementem mutu amente tanto no plano psíquico como no plano físico. Em conseqüéncia, todo tipo de uso da sexualidade que desrespeite essa ordem natural con traria os ditames do Senhor e já nao é lícita ao homem.

"A ciencia nao para", diz-se. Até certo ponto os dentistas tém razáo; compete-lhes conquistar sempre mais o mundo material, a fim de o adaptar á inteligencia humana. Todavia nao háo de esquecer que as suas

conquistas devem servir ao homem, e nao o homem deve servir á ciencia. O cientista pode-se deixar dominar pela volúpia de dominar a natureza, penetrando mais e mais em setores ainda indevassados; cada conquista

Continua na pág. 218 237

Sempre em foco:

ABORTO: SIM OU NAO? Publicamos, a seguir, dois pronunciamentos sobre o aborto: o primeiro, da Uniáo dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro, e o segundo do Deputado Severino Cavalcanti, de Pernambuco. O segundo completa o anterior.

1. FALAM OS JURISTAS CATÓLICOS

UNIÁO DOS JURISTAS CATÓLICOS DO RIO DE JANEIRO

Rúa Benjamín Constant, 23 - sala 420 20241-150 RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL

A propósito do Projeto de Le¡ n° 20/91, que dispóe "sobre a obrigatoriedade

de atendimento dos casos de aborto previstos no Código Penal, pelo Sistema

Único de Saúde", entendemos dever externar as consideracoes que seguem. A Constituicáo Federal no caput do art. 5o estabelece que:

"Art 5o - Todos sao iguais perante a lei, sem distincáo de qualquer natureza, garantindo-se... a inviolabilidade do direito á vida..." (grifamos)

Tal texto, que abre o titulo "Dos Direitos e Garantías Fundamentáis", é notavelmente claro e direto ao colocar o "direito á vida" a salvo de qualquer

violacáo, nao sendo lícito á legíslacáo infra-constitucional estabelecer "distin cáo de qualquer natureza".

Seria, portanto, inconstitucional, urna lei que, direta ou indiretamente, permitisse fosse violado o direito á vida em urna determinada fase de sua

existencia, no caso, na fase intra-corpo materno.

A propósito, vale transcrever a informacáo de um dos maiores dentistas de nosso secuto, intemacionalmente laureado, o Professor JÉRÓME LEJEUNE,

geneticista francés, descubridor da causa da Síndrome de Down:

"As leis biológicas, após estabelecidas, entram ¡mediatamente em vigor

e definem a vida...

O mesmo se passa quando o ser humano é concebido, isto é, quando a incorporacáo veiculada pelo espermatozoide vai se encontrar com a que está no óvulo: urna nova "Constituicáo" humana se manífesta ¡mediatamente e um novo ser dá inicio á sua existencia." (Conferencia pronunciada no Audi torio Petrónio Portella, Senado Federal, no dia 27 de agosto de 1991 - publica do de 1992 - grifamos)

Definido qual seja o inicio da vida humana, cabe á sociedade nao só pelo bom senso, mas também porexpressa disposicáo constitucional, garantir

"a inviolabilidade do direito á vida".

Verifica-se, ademáis, que o Projeto de Lei n° 20/91 é equívoco desde a sua emenda, pois propóe dispor "sobre a obrigatoriedade de atendimento dos 238

ABORTO: SIM OU NAO?

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casos de aborto previstos no Código Penal..."

O Código Penal, no capitulo relativo aos crimes contra a vida, tipifica o aborto (arts. 124 a 127) e estabelece duas hipóteses (art. 128 I e II) em que nao é punido, sendo certa que a nao punibilidade nao torna a conduta lícita e, muito menos, um direito.

Quanto ao aborto praticado como único meio de salvar a vida da ges tante (art. 128,1), há que se considerar os notáveis avancos da Medicina, que devem estar a servico da vida e nao da morte. A nao punibilidade neste caso exige que o objetivo buscado seja salvar a vida da máe e que inexista outro meio para tal além daquele que provoca o aborto.

Nos trágicos casos de gravidez resultante de estupro, há que se consi derar que o ensinamento de BECCARIA, de que a pena nao deve passar da pessoa do réu, está normatizado a nivel constitucional (art. 5°, XLV) e, princi palmente, que já existe urna nova vida humana, que tem direito á protecáo, devendo-se concluir, pois, pela incompatibilidade do art. 128, II, do Código Penal com o art. 5°, caput, da Constituicáo. Também por este motivo, conviria fosse editada norma legal determinando que, nessa hipótese, coubesse ao Estado amparar a mulher no curso da gestacáo e, se assim o desejar a máe, responsabilizar-se pela vida e educacáo condignas da crianca.

Por último, cabe realfar um aspecto que tem considerável importancia na formacáo da opiniáo pública e dos responsáveis pela elaboracao das leis, que é a informacáo ou a manipulacáo desta, a desinformagáo. A propósito, convém citar um estudioso sobre o assunto, o emérito Professor da Universidade de Louvain, na Bélgica, MICHEL SCHOOYANS: "A desinformagáo aparece sobretudo quando se trata dos meios utiliza dos no intuito de chegar á liberalizacáo do aborto.

As observacóes do Dr. BERNARD NATHANSON a respeito dos EUA concordam com as de RENE BEL sobre a Franca. Nos EUA, recorreu-se a urna prática habitual que consiste em aumentar

as cifras correspondentes aos abortos (pseudoclandestinos, bem como dos acidentes fatais por eles ocasionados). Além disto, as cifras das sondagens foram manipuladas" (in "O Aborto: Aspectos Políticos", Ed. Marques Saraiva, Rio, 1993, p. 82).

O "Estado Democrático de Direito" e a "sociedade fraterna" configura-" dos pelos constituintes exigem o respeito á vida como primeiro fundamento,

pois dele decorrem e dependem todos os demais direitos e a própria possibilidade de "harmonía social".

Admitir a supressáo da vida de seres humanos inocentes e indefesos,

no inicio de sua existencia, e direcionar verbas públicas para tal, significa nao só desrespeitar a Constituicáo Federal mas, também, abrir caminho para as mais variadas formas de arbitrio e violencia. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1997. 239

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 420/1997

O texto que se segué, é interessante porque, entre outras coisas, ex plícita a manipulacáo da informacáo, tendente a deformar a opiniáo pública. 2. EM DEFESA DA VIDA1

Dep. Severino Cavalcanti

A vida humana é "una e única", do comeco ao fim, e o aborto nunca poderá ser proposto no nosso país: nossa Constituicáo (art. 5o) prolbe qualquer emenda tendente a abolir os direitos e garantías individuáis, sem determi nar que estes estejam assegurados somente a partir do nascimento.

A opiniáo pública mundial recentemente ficou chocada com as declara?6es do Premio Nobel de Biología, o cientista americano James Watson, de que é favorável á eliminacáo dos homossexuais no útero materno, caso chegue a serdescoberto um gene da homossexualidade. E urna monstruosidade

inconceblvel e que só faz fortalecer a nossa conviccáo de que é preciso combater, com as armas de que dispomos no Congresso Nacional, todas as teses

e propostas defendidas por grupos abortistas ou que atentem contra a vida

humana, como a despenalizacáo do aborto, a legalizacáo da uniáo civil entre

pessoas do mesmo sexo - que perdería a sua razáo de ser com a tese defen dida por Watson - e o planejamento familiar através da esterilizacáo.

Em 1973, ao legalizar o aborto, díziam que nos Estados Unidos ocorriam de cinco mil a dez mil mortes com o aborto clandestino, quando as estatlsticas oficiáis mostravam que, de fato, somente 39 muiheres haviam morrido porcomplicacóes de práticas abortivas. Como nao pensar que estáo usando a mesma tática no Brasil? Dizer que o número de abortos diminuí com a legali zacáo nao é verdade. Na Franca, havia cerca de 80 mil abortos por ano. Depois de sua legalizacáo, esse número passou para 300 mil.

Reconhecemos que um número cada vez maior de meninas engravidam

no nosso país. Mas nao é podando o fruto prematuro dessas meninas grávi das que estaremos "solucionando" o problema. Suas causas sao muito mais

profundas. Somos todos vitimas de urna sociedade hedonista, consumista e

sensualizada. Os próprios meios de comunicacáo se prestam a incutir esse modo de vida ñas pessoas. Agravada com a situacáo de miseria em que vive parte da populacáo, toda essa propaganda resulta na situacáo de permissividade que vivemos hoje.

É preciso dar o remedio certo e nao o paliativo. O Executivo e o Legislativo

- e quem tem o poder de agir - devem garantir mais educacáo, melhores

condicóes de vida e a mais ampia promocáo posslvel dos métodos naturais de anticoncepcáo. Muitos nao querem isto, pois é mais lucrativo trabalhar com entidades como a Bemfam, afiliada á IPPF, que tem no Brasil um orcamento de US$ 2,5 milhóes anuais para financiar o aborto, de acordó com publicacáo

do Fundo de Populacáo da ONU.

1 Publicado em O GLOBO, de 1'/3/97, p. 7. 240

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