Ano Xxxix - No. 434 - Julho De 1998

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P rojeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (7n memoríam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa

esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta

da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

•— ; '■; i

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio

com

d.

Esteváo

Bettencourt

e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

e

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

Ano xxxix

Julho 1998

434

Vencer...

A Peca "Der Stellvertreter" (O Representante) de Rolf Hochhut

"Quando o Papa pede perdáo" por Luigi Accattoli As Obras Caritativas de Joáo Paulo II Aborto: O Papa e os Bispos Alemáes A Igreja resolve aceitar o Espiritismo?

Reforma Agraria "O Juramento dos Jesuítas" por Karl Weiss

JULHO 1998

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

N-434

Publica$áo Mensal

Diretor

SUMARIO

Responsável

Estéváo Bettencourt OSB

Vencer

Autor e Redator de toda a materia

Ainda Pió XII e os Judeus: A Peca "Der Stellvertreter" (O Repre sentante) de Rolf Hochhut

publicada neste periódico Diretor-Administrador:

e

Distribuido:

Edicóes "Lumen Chrísti" Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501

Tel.: (021) 291-7122 Fax

(021)

Endere9O

263-5679

para

2S0

Livro de peso:

D. Hildebrando P. Martins OSB Administracáo

288

Correspondencia:

Ed. "Lumen Christi" Caixa Postal 2666

CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

na INTERNET: http://www.osb.org.br e-mail: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET

"Quando o Papa pede perdáo" por Luigi Accattoli

303

Solicitude Pastoral: As Obras Caritativas de Joáo Paulo II

308

Candente Problema: Aborto: O Papa e os Bispos Alemáes

316

Sensacional: A Igreja resolve aceitar o Espiritismo?

325

Um Documento da Santa Sé: Reforma Agraria...,,.

328

A Desonestidade da "FOLHA UNIVERSAL" "O Juramento dos Jesuítas" por Karl Weiss

335

lmpres$3o e Encadernai;?o

-marquessaraiva" COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA

GRÁFICOS E EDITORES Ltda. Tels, (021) 502-9498

NQ pROX,M0 NUMERO:

O declínio da natalidade. - O Poder Regio e a Inquisicáo em Portugal. - As Esportillas de Missa. - Esportillas «coletivas» de S. Missa. - Os graves erras da "Folha Universal". Congelamento de cadáveres humanos. - «Um pouco de Etiqueta nao faz mal». (PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA:

(NÚMERO AVULSO

R$ 30,00).

R$ 3,00).

O pagamento poderá ser á sua escolha: 1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ. 2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na C/C 31.304-1 do Mosteiro de S. Bento/RJ, enviando em seguida por carta ou fax, comprovante do depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderecado ás EDICÓES "LUMEN CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: \.

Correspondencia

para: Edicóes "Lumen Chrísti" Caixa Postal 2666 20001-970 Rio de Janeiro - RJ

y

VENCER... No mes de julho 1998 a palavra vencer se torna mais freqüente na mente e no linguajar de muitos segmentos da nossa populacáo; a disputa do campeo nato mundial de futebol a suscita calorosamente; todos querem vencer. Para o cristáo porém, a Vitoria é um conceito familiar, pois está presente em toda a historia sagrada. Esta comeca com urna derrota - a do pecado dos primeiros pais -, mas continua sob o signo do protoevangelho (Gn 3,15), que prometeu a Vitoria da Mulher sobre a Serpente ou do Bem sobre o Mal. A promessa vai-se cumprindo aos poucos, mas só estará consumada no fim dos tempos.

Quem considera os textos bíblicos, verifica que é urna Vitoria paradoxal: ela passa através da Cruz e de um aparente fracasso. Este modelo se esboga já no Antigo Testamento: o Servo de Javo, em Is 52,13-53,12, é vitorioso porque se entrega ao sacrificio pelos seus irmáos. Além disto, os mártires, que dáo a vida para nao trair a fé, sao apresentados como vencedores de um pareo atlético, em conseqüéncia do qué recebem a coroa da Vitoria: "A virtude... na eternidade triun fa - coroada, vitoriosa - numa luta de límpidos troféus" (Sb 4,2).

No Novo Testamento a figura de Jesús Cristo preenche o esquema. Mais de urna vez, Jesús caracteriza sua obra como sendo a Vitoria sobre Satanás e o pecado: Ele é "o mais Forte" que vence o "Forte" (cf. Le 11,14-22). Ele é o General que volta do campo de batalha, vitorioso: o seu cortejo de triunfo leva consigo as Potencias adversas, despojadas do seu vigor, em espetáculo para o mundo inteiro" (cf. Cl 2,15). O último inimigo que Ele há de vencer, é a Morte, no fim dos tempos (cf. 1 Cor 15,24-27).

Por isto Jesús pode dizer aos seus discípulos: "Confiai! Eu vencí o mun do!" (Jo 16,33). Alias, Sao Joáo, mais do que qualquer outro autor sagrado, enfatiza

a nocáo de Vitoria..., Vitoria da vida sobre a morte: "É esta a Vitoria que vence o mundo: a nossa fé" (Uo 5,4). Daf as promessas feitas aos discípulos no Apocalipse: "Aquele que vencer, sentar-se-á sobre o trono de Cristo" (Ap 3,21),... "com Ele regerá as nacóes" (Ap 2,26);"... receberá um nome novo" (Ap 2,17),"... comerá do fruto da árvore da vida" (Ap 2,7), "...tornar-se-á coluna no templo de Deus" (Ap 3,12), "...nao temerá a segunda morte" (Ap 2,11). Os cristáos sao os oficiáis de um General que retoma da batalha em cortejo, sobre cuja estrada se derrama agradável perfume; "Gracas sejam dadas a Deus, que por Cristo nos carrega sempre em seu triunfo e por nos expande em toda parte o perfume do seu conhecimento" (2Cor 2,14).

Consciente destas verdades, o cristáo, ao acompanhar as etapas do tomeio mundial de futebol, contempla a sua transparencia; a disputa atlética é imagem do grande tomeio que compete a cada cristáo: "Nao sabéis que os que correm no esta dio, se abstém de tudo; eles para ganhar urna coroa perecível; nos, porém, para ganhar urna coroa ¡mperecível?"(1 Cor 9,24s).

Se eles sao capazes de vencer, nao serei eu capaz de vencer em vista da vida eterna? E.B. 289

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXIX - N9 434 - Julho de 1998

Aínda Pió XII e os Judeus:

A PEQA "DER STELLVERTRETER" de Rolf Hochhut

Em síntese: O texto a seguir explana a pega "Der Stellvertreter" (O Vigário ou O Representante) de Rolf Hochhut, que deu origem a campanha contra Pió XII frente aos nazistas. O enredo da pega, de qualidade secundaria, leva a crer que, se Pió XII tivesse protestado contra Adolf Hitler, as hostilidades antisemitas teriam sido sustadas ou, ao menos, abrandadas - o que é falso, conforme atestaram os próprios judeus pouco depois de terminada a guerra. Pió XII fez o que pode e, de fato, salvou a vida de muitos israelitas; só nao pode trabalhar abertamente, pois, com fundamentados motivos, quería evitar mais veemente represalia dos na cional-socialistas.

A campanha de difamacáo contra o Papa Pió XII comecou em 1963, ou seja, dezoito anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Foi desencadeada pelo teatrólogo alemao Rolf Hochhut, mediante a pega Der Stellvertreter (O Representante). Antes dessa data, os judeus agradeceram a Pió XII quanto fez em defesa deles, a tal ponto que o Graorabino Zolli, de Roma, se converteu ao Catolicismo, tomando o nome de Eugenio em homenagem ao Papa Pacelli. Entre os muitos fatos que ates-

tam o interesse de Pió XII pelos judeus, sejam citados os seguintes: quando o coronel alemáo SS. Kepler exigiu do Gráo-rabino Zolli que Ihe entregasse 50 quilos de ouro, o Papa mandou completar o peso de ouro com

reservas da Igreja. Logo da chegada dos alemáes a Roma, o Papa man dou suspender a clausura dos conventos para permitir o acesso de refu

giados judeus de ambos os sexos ñas casas religiosas católicas. R. Hochhut julgava que um solene protesto de Pió XII deteria a sanha anti semita dos nazistas; enganava-se, pois os alemáes dominavam a Euro290

A PEQA "DER STELLVERTRETER"

pa e o Norte da África; podiam desencadear represalias mais veementes em réplica a Pió XII. A peca de Rolf Hochhut é pouco explanada; daí a conveniencia de se divulgar o seu conteúdo e a repercussáo que teve na sua época (1963).

Toda a campanha contra Pió XII parte de um fundamento inconsistente e falacioso, como se poderá perceber pelos dados, a seguir, aduzidos. 1. Apresentacáo da pega

1. Aos 20 de fevereiro de 1963 o teatro popular de Berlim-Oeste dava estréia á obra de ñolf Hochhut intitulada «Der Stellvertreter», pega

posta em cena por Erwin Piscator, famoso técnico que já contava cerca de cinqüenta anos de servico no teatro alemáo. Ao mesmo tempo era publicado o respectivo enredo em livro da Editora «Rowohlt» de Hamburgo.

Tal enredo referia-se a perseguicáo movida contra os judeus pelo governo nacional-socialista. Corría o ano de 1943... Aconteceu entáo que um jovem sacerdote jesuíta, o Pe. Riccardo Fontana, é avisado por um oficial do SS («Schutzstaffel», tropa de defesa) alemáo de que o governo

nazista acabava de conceber um plano para exterminar por completo os judeus. Ardoroso como é, esse jovem Religioso vai ter com o Papa Pió XII, pedindo-lhe intervenha em favor dos israelitas mediante solene pronunciamento. Pió XII, porém, recusou-se a isto, procurando atender a interesses de sua política («razóes de Estado»). O Pe. Fontana retirouse entáo, e resolveu tornar-se o representante («Stellvertreter») da compaixáo crista junto aos judeus perseguidos, tomando sobre a sua batina a estrela amarela (distintivo entáo imposto aos israelitas) e internando-se com eles no campo de concentracáo de Auschwitz. Finalmente, ai veio a morrer. Tal é, sumariamente, a trama da peca. Em urna palavra, ela significa severa crítica ao Papa Pió XII, que é apresentado como o chefe de urna instituicáo de interesses meramente terrestres, gélido e cobicoso, aristocrático e destituido de atencáo para

com os sentimentos mais temos do coracáo humano. 2. Quem era propriamente o autor da pega?

Rolf Hochhut era um crente protestante alemáo de 33 anos de idade, que outrora pertencera á Organizacáo da Juventude Nazista. Nos

seguintes termos expós ele o seu drama de adolescencia: «Eu tinha quatorze anos em 1945; a queda total da Alemanha me abalou profundamente. Nao pude deixar de me propor a questáo: 'Que

farias se tivesses idade suficiente para intervirna vida pública?'Assim fui levado a estudaro que o supremo representante do ideal cristáo fez dian291

TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

fe de tantos crimes».

Hochhut pós-se entao a ler as obras de Leáo Polikov, historiador israelita de París, e de Josef Wulf, escritor berlinense. E, como fruto de suas reflexóes, veio a escrever a peca «Der Stellvertreter». Se Pió XII

tivesse protestado contra os desmandos racistas de Hitler, julga Hochhut, haveria mobilizado os ánimos de cerca de 500 milhóes de católicos do mundo inteiro, obrigando-os a tomar a defesa dos judeus; em particular,

teria excitado os 35 milhóes de católicos alemáes para resistirem á campanha anti-semita. Tais forcas, opondo-se a Hitler na medida do possível, nao teriam deixado de obter um tratamento mais justo e humano para o povo judeu.

3. A peca assim concebida teve repercussáo extraordinaria, embora Hochhut até a estréia conservasse a impressáo de que provavelmente seria interditada pela opiniáo pública. Os principáis órgaos da imprensa e os empresarios de teatro da Alemanha se fizeram representar na exibi-

cao inaugural e, logo no dia seguinte, o empresario Peter Hall solicitava a pega para ser apresentada em temporada da «Royal Shakespeare

Company» no teatro Aldwych de Londres durante o mes de setembro de 1963.0 decorador Leo Kerz, por sua vez, negociou a encenacáo de «Der Stellvertreter» em Nova lorque no mes de outubro de 1963 e, posterior mente, em París. A «Haagsche Comedie» de Haia (Holanda) também se candidatou, sem demora, a um contrato para exibicóes.

Desde entáo, Hochhut mostrou-se tranquilo e confiou na sorte feliz de sua obra. Afirmava que esta nao hostilizava o Catolicismo; era dema siado crista para que pudesse ser tida como anticatólica, declarou ele; e mais de urna vez terá reconhecido a acáo dos numerosos sacerdotes católicos que defenderam os judeus.

Nao obstante, o trabalho de Hochhut suscitou opinióes contraditórias entre os críticos, principalmente na Alemanha. Apontam-se graves

falhas em seu conteúdo, falhas que transmitem urna interpretacáo unila teral e tendenciosa dos acontecimentos a que Hochhut alude. A elegan cia, porém, da apresentacáo artística terá logrado o éxito á pega, contribuindo para captar simpatías.

Que dizer da obra considerada com serenidade? 2. Avaliacáo da pega

Entre os cronistas que, com seriedade, analisaram «Der

Stellvertreter», destaca-se o historiador Dr. Hans Buchheim, que redigiu

seu parecer, publicando-o no periódico «Herderkorrespondenz» XVIII 8 (maio de 1963, 377-381). 292

A PEQA "DER STELLVERTRETER"

Em síntese, eis o que Buchheim, acompanhado por cronistas nao somente católicos, mas também nao-católicos, aponta de falho ou ten dencioso em «Der Stellvertreter»:

a) Hochhut construiu sua pega sobre urna suposicáo que, para ele,

é quase axioma, a saber: se Pió XII tivesse levantado claramente a voz contra o anti-semitismo, teria detido o exterminio dos judeus planejado por Hitler. Ora, dizem os críticos, somente quem nao estudou nem experimentou de perto as condicdes da vida sob o regime nazista pode admitir

tal afirmacáo. O próprio Hochhut dá provas de nunca ter tomado conhecimento exato do que era a rede administrativa do governo nazista (ou, ao menos, supóe em sua pega urna organizacáo govemamental que nao corresponde á realidade histórica do regime hitlerista).

É o que se depreende, por exemplo, quando ele afirma que o mi nistro Himmier organizou o corpo policial do SS na base das normas

contidas nos «Exercfcios Espirituais» de S. Inácio de Loiola, ou... quando apela para a autoridade de Gerald Reitlinger, cujos escritos sao táo defi cientes, do ponto de vista científico, que nenhum estudioso serio os toma em consideracáo, ou aínda... quando descreve a personalidade e a acáo dos carrascos dos judeus (o «Doutor» que dirige o campo de concentra-

cáo de Auschwitz, é estilizado a ponto de se tornar símbolo do demonio). Na verdade, o governo de Hitler controlava de tal modo a vida pú

blica e particular da nacáo que, humanamente talando, era impossível a

Pió XII, mediante um pronunciamento verbal (ou seja, mediante um ins trumento de efeitos meramente moráis e nao violentos), derrogar aos planos de acáo do regime. Se a torga das armas estrangeiras tantos anos levou para destruir a máquina nacional-socialista, que poderia pretender a torga meramente moral da palavra do Papa ou dos valores filosóficos, religiosos ou simplesmente humanitarios que Pió XII havia de evocar? Ademáis pergunta-se: como poderiam os católicos da Alemanha tomar conhecimento exato do que o Papa Pió XII houvesse dito? As no ticias e os documentos que fossem enviados para a Alemanha, passavam por rigorosa censura. Os programas de radio do estrangeiro eram

vedados, de modo que dificilmente alguém ousava difundir o que ouvira da Radio Emissora do Vaticano ou de Londres... De antemáo o governo fazia questáo de dizer que tais fontes de noticias eram tendenciosas;

procurava contrabalangá-las com noticias contraditórias. Pelo mesmo motivo, ninguém se arriscava a divulgar algum escrito proveniente da Santa Sé e nao devidamente aprovado pela censura nazista.

E, caso se espalhasse a noticia proveniente do estrangeiro e 293

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

concernente a acontecimentos da Alemanha, como poderiam os cida dáos alemáes ter certeza de que tal noticia era fiel e nao tendenciosa? Ninguém sabia exatamente o que se dava no interior do país. Em particu

lar, quanto aos judeus alemáes, nao eram condenados a morte senáo após um ano de isolamento, de modo que, quando eram presos, os cida dáos que os conheciam nao percebiam que havia intencáo de os matar; o plano de acao anti-semita era assaz dissimulado. A extincáo dos ju deus em geral se dava em lugares remotos no Oriente. Quanto aos ju deus estrangeiros atingidos pelo nacional-socialismo, eram desconhecidos dos cidadáos alemáes, de sorte que pouca gente tomava consciéncia de que também estavam destinados a ser sistemáticamente eliminados.

Observam os cronistas mais o seguinte: dado que os católicos ale máes se pudessem certificar de que o Papa havia protestado contra o anti-semitismo do governo nazista, nao te Mam podido fazer coisa alguma

que realmente criasse obstáculo á campanha de Hitler; eram demais vi giados pela policía, de modo mesmo a nao ter possibilidade de se con

gregar e organizar para uma acao de conjunto nessa linha. Portante verifica-se que um protesto solene de Pió XII contra a

perseguicáo aos judeus na Alemanha, por mais bem concebido que fosse, praticamente nao conseguiría alterar a situacáo alema. E nao sonrien te...; teria mesmo agravado as condicoes de vida de judeus e cristáos sujeitos ao regime nazista, pois este, consoante a praxe dos governos totalitarios, teria provavelmente tomado medidas violentas de represalia,

visando a impedir qualquer reacáo dos católicos. Maiores males e mais acerbos sofrímentos poderiam assim ser provocados por uma denuncia pública e hostil feita por S. Santidade o Papa. b) Eis, porém, que Hochhut, no decorrer da peca, procura reforcar

sua crítica a Pió XII lembrando que o bispo von Galen, de Münster (Ale manha), protestou publicamente contra o exterminio (ou a eutanasia) de

debéis mentáis e alienados na Alemanha, de maneira tal que a denuncia pública logrou efeitos benéficos, detendo muitos crimes. Tivesse Pió XII feito o mesmo no tocante ao anti-semitismo, e haveria sido bem sucedi

do...

Em resposta, observam os historiadores que o argumento de

Hochhut mais uma vez parece desconhecer a verdadeira realidade histó rica. Com efeito, eram diversas as táticas aplicadas na eliminacáo dos mentecaptos e na dos judeus. A eutanasia dos doentes mentáis era, sim, praticada aberta e oficialmente, com conhecimento do público, de modo que os protestos do bispo de Münster nao faziam senáo exprimir um

repudio já experimentado por muitos e muitos cidadáos alemáes; gozavam assim de forca ou autoridade especial. - Ao contrario, o exterminio 294

A PEgA "PER STELLVERTRETER"

dos judeus era praticado pelo governo em termos clandestinos, de sorte que freqüentemente escapava á observacao do público. Nessas circuns tancias, uma voz de protesto, proveniente nao do interior da Alemanha, mas do estrangeiro (como seria a voz de Pió XII), arriscava-se a ser con trovertida ou, ao menos, a carecer de repercussáo seria; ninguém na Alemanha poderia tomar consciéncia exata do que o Papa estivesse de nunciando. Ademáis nota-se que Hitler dava muito menos importancia á eliminacáo dos doentes mentáis do que á dos judeus; em conseqüéncia, podía mais fácilmente recuar no empreendimento daquela campanha do que no desta: o anti-semitismo e a conquista de «espaco vital» no Oriente eram, de fato, pontos centráis do programa de Hitler, pontos dos quais o «Führer» nao podia abrir máo sem renunciar á sua própria ideología. Foi justamente por ponderar esses elementos ou por pensar com realismo nos prováveis efeitos (positivos e negativos) de suas palavras que Pió XII preferiu nao exarcebar os ánimos mediante solene protesto

contra o anti-semitismo de Hitler. Ele se manifestou, sim, intenso a esta iniqüidade, mas em termos moderados pela prudencia que a situacáo

exigia. - É o que passamos a considerar no parágrafo abaixo. 3. Depoimentos significativos

1. Mais de uma vez, durante e após a guerra, o Sumo Pontífice expós e justificou sua atitude perante o anti-semitismo de Hitler.

A primeira ocasiáo teve lugar aos 27 de fevereiro de 1943. Trata-se

de uma carta de Pió XII ao bispo de Berlim, futuro Cardeal von Preysing, em que se lé o seguinte trecho:

«Como Supremo Pastor dos fiéis, estamos ciosos de veros vossos católicos (da Alemanha) guardar as suas convicgóes e a sua fé isentas de qualquer compromisso com principios e atividades que contrariam a lei de Deus e o espirito de Cristo e que chegam nao poucas vezes a escarnecer estes valores sagrados. Muito nos consolou a noticia de que os católicos, principalmente os de Berlim, mostraram grande caridade para com os cidadáos náo-arianos oprimidos. A este propósito desejamos dizer uma palavra de paterno agradecimento e de íntima simpatía a Mons. Lichtenberg, que se encontra atualmente no cárcere».

Pió XII assim aludía a uma sociedade fundada por Mons. von Preysing na diocese de Berlim, a fim de prestar auxilio aos fiéis de orí-

gem judaica. Essa sociedade prestou realmente grandes servicos. Mons. Lichtenberg (a quem Hochhut dedicou a sua pega) era entáo Preposto do cabido de Berlim; havia de morrer no comboio que o deportava para um campo de concentracao. 295

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

Continuando em sua carta, revelava Pío XII o «segredo» da sua

atitude: «Deixamos aos pastores de almas que exercem as suas fungóes nos respectivos postos, o cuidado de avaliaraté que ponto é preciso usar de reserva, apesar dos motivos de intervengáo, a fim de evitar maiores males; com efeito, as declaragóes de bispos arriscam-se a acarretar re

presalias e desencadear paixóes; além disto, é preciso levar em conta outras circunstancias, devidas talvez á duragáo e a psicología da guerra.

É este um dos motivos pelos quais Nos impomos certas reservas em Nossas declaragóes: a experiencia que fizemos em 1942, entregando,

para a distribuigáo entre os fiéis, alguns escritos pontificios, justifica a Nossa atitude». Ainda na mesma missiva, Pió XII se referiu a declarares do bispo

de Berlim, Mons. von Preysing, que denunciavam o caráterdesumano da ditadura nacional-socialista: «Somos gratos a Vos, venerável Irmáo, pelas palavras claras e nítidas que em ocasióes diversas tendes dirigido aos vossos fiéis e, airavés deles, ao público em geral. Temos em vista, entre outras coisas, a vossa explanagáo de 28 dejunho de 1942 referente ao conceito cristáo

de direito, assim como os vossos pronunciamentos no dia de Finados em novembro passado a respeito do direito de todo homem á vida e ao amor; principalmente, porém, temos em mente a vossa carta pastoral do Ad vento, que foi lida ñas provincias eclesiásticas da Alemanha ocidental, a propósito dos direitos de Deus, do individuo e da familia». Essa carta pastoral era a resposta de Mons. von Preysing á decisáo de exterminar os judeus que pairava nos planos de Hitler. Afirmava em termos claros: «Nenhum dos direitos fundamentáis do homem - direitos á vida, á

integridade corporal, a liberdade, a propriedade, a matrimonio nao sujeito

ao arbitrio do Estado - pode ser denegado a quem nao possui o nosso sangue ou nao fala a nossa lingua... Negar esses direitos ou agir cruel

mente contra os nossos semelhantes é injustiga nao somente para com estrangeiros, mas também para com o nosso povo». Pió XII, acentuando o valor dessas declaracóes, manifesta com suficiente clareza e, ao mesmo tempo, com o necessário equilibrio, a sua repulsa á perseguicáo anti-semita.

Outra ocasiáo em que o Sumo Pontífice quis esclarecer a sua posicáo frente aos acontecimentos da Alemanha, foi urna audiencia dada ao

Corpo Diplomático pouco após a guerra (25/2/46). Dizia entáo: 296

A PEQA "DER STELLVERTRETER"

«Com todo o cuidado procuramos evitar qualquer pronunciamento injusto. Contudo nao podíamos deixar de cumprir o Nosso dever de de nunciar o mal e toda atividade merecedora de condenagáo; ao fazé-lo, porém, tínhamos que Nos abster de expressóes que haveriam acanela do maiores males do que beneficios para os povos subjugados, embora tais expressóes em si fossem períeitamente justificadas pela realidade dos fatos».

Eis aínda duas outras manifestares de Pió XII proferidas durante a guerra mesma.

Em urna mensagem de Natal de 1942, asseverava o Pontífice: «Perante as ¡numeras pessoas deslocadas, que o vento tempestu oso da guerra arrancou do seu solo natal e transpós para térras estrangeiras, tem o género humano a obrigagáo de reconstruir a ordem social

sobre as bases do direito natural. Essa obrigagáo se faz sentir perante as centenas de milhares daqueles que, embora inocentes, as vezes só por pertencerem a talpovo ou tal raga, sao condenados á morte ou á miseria mais e mais angustiante».

Dirigindo-se ao Sacro Colegio em 2 de junho de 1943, dizia mais S. Santidade: «Com carinho especial procuramos dar ouvidos aos clamores da

queles que com o coragáo temeroso se voltam para Nos. Sao homens que, por causa da sua nacionalidade ou por causa da sua raga, sao submetidos a tremenda desgraga e a duras penas, sofrem graves restrigóes, aínda que sejam inocentes, condenados mesmo ao exterminio. Os governantes dos povos nao devem esquecer que... quem traz a espada só pode dispor da vida e da morte de seus semelhantes em conformidade com a leí de Deus, do qual procede todo poder».

Destas explicacóes se depreende bem que foi justamente o desejo de evitar maiores injusticas e violencias que induziu Pió XII á sobriedade nos termos de sua condenacáo ao anti-semitismo. 2. Conscientes disto, os bispos da Alemanha, solenemente reuni dos de 4 a 6 de margo de 1963, houveram por bem fazer a seguinte declaracáo, que pode ser tomada como um ato de desagravo á memoria de Pió XII:

«Pió XII cumpriu a sua missáo de Supremo Pastor da Igreja com admirável senso de responsabilidade e justiga, numa época que se tor nara particularmente difícil e confusa em virtude da segunda guerra mun dial e da desordem conseqüentemente desencadeada no seio de muitos

povos... O povo alemáo deve gratidáo a Pió XII principalmente pela be297

10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

nevoléncia paterna de que o Pontífice Ihe deu provas após a guerra per dida. Sua prontidáo para auxiliar e seu ánimo justo abriram o caminho ao

povo alemáopara que se reintegrasse na comunidade das nacóes. Épor isto que julgamos particularmente deprimente o fato de que em meio a esse mesmo povo a atividade de Pió XII seja falsamente apresentada e difamada a sua memoria».

Fazendo eco a este depoimento do episcopado católico, o famoso bispo luterano Dibelius em Berlim, por sua vez, declarava aos 3 de abril

de 1963, tendo em vista a obra de Hochhut: «Essa pega nao presta bons servigos nem ao nosso povo nem as

nagóes que aínda estáo sofrendo dos golpes recentemente experimenta dos... Falei com Pió XII apenas urna vez. Tive dele urna impressáo bem diferente da que a obra de Hochhut pretende comunicar. Até mesmo um jovem autor devería compreender que mensagens papáis enderegadas a todos os povos tém que obedecer a estilo diverso do das mensagens destinadas a um círculo restrito; o jovem autor nao devería qualificar as

mensagens gerais de 'oratoria vazia' e 'discurseira' nem sugerir ao leitor a suspeita de que opróprío Papa nao acreditava no que aíproclamava». Alias, Hochhut mesmo, na sua peca, parece reconhecer a inutilidade ou, antes, os efeitos nocivos que teria tido na Alemanha algum pronunciamento feito no estrangeiro sobre a situacáo interior do «Reich». Sim; eis o que um dos personagens da peca, Gerstein, responde ao Pe. Riccardo Fontana, quando este o incita a fazer denuncia antinazista atra-

vés da Emissora Radiofónica de Londres: «Herrgott - ahnen Sie nur, was Sie da verlangen: Ich tue alies - aber dies kann ich nicht tun. Eine Rede von mir am Radio London, Und in Deutschland wird meine Familie ausgerottet».

O que quer dizer: «Ó Senhor Deusl Imagine um pouco o que está pedindo: posso fazer tudo, mas, isso, nao o posso. Basta que eu me

pronuncie na Radio de Londres para que na Alemanha minha familia venha a ser exterminada». Embora pareca ter reconhecido a forca desse argumento, Hochhut daí nao deduziu as conseqüéncias no que se refere ao comportamento do Papa Pió XII.

3. A título de complemento, váo aqui transcritos outros abalizados testemunhos, que afirmam a inutilidade ou mesmo a inconveniencia de protestos veementes de Pió XII contra a política racista de Hitler. 298

A PEgA "PER STELLVERTRETER"

11

Assim, por exemplo, se exprime o próprio escritor judeu Poliakov:

«É certamente doloroso termos de verificar que, durante a guerra

inteira, enquanto as fábricas de armas mortíferas funcionavam ininter-

ruptamente, o Chefe Supremo da Igreja se calava. Contudo será preciso reconhecer, na base de experiencia feita na época e no lugar adequado, que protestos públicos do Papa podiam acarretar desapiedadas represa lias... Qual teña sido a repercussáo de uma condenagáo solene da parte

da autorídade máxima do Catolicismo? Certamente uma atitude rígida (do Papa) diante da problemática teña tido vastas conseqüéncias no setor das idéias; nao podemos, porém, dizer que efeitos práticos tal atitude teña provocado, seja para as instituigoes da Igreja Católica, seja para o povo judeu» (Frankfurter Allgemeiner Zeitung 11/IV/63). O autor francés Mauriac professa a mesma opiniáo:

«O silencio do Papa e da hierarquia correspondía a uma assustadora exigencia das circunstancias; tratava-se de evitar maiores males». Merece ainda atencáo o depoimento de outro personagem israelita: Harry Greenstein. Este senhorfoi o Presidente das Associacoes judaicas caritativas de Baltimore (U.S.A.); tendo em vista a peca de Hochhut, resolveu escrever uma carta ao arcebispo católico da mesma cidade, D. Shehan, relatando-lhe o seguinte:

Como oficial da U.N.R.R.A. («Agencia das Nacóes Unidas destina da a socorrer as vítimas civis da guerra»), Greenstein esteve na Palesti na, onde se encontrou com o Grao-Rabino Herzog, de Jerusalém. Este conhecera Pío XII ñas funcóes de simples sacerdote e sempre mantivera

correspondencia epistolar com ele durante a guerra. Herzog encarregou Greenstein de levar ao Papa a sua mensagem de gratidáo por quanto

Pió XII fizera em favor dos judeus da Italia. - Pouco depois, Greenstein

foi recebido em Roma por Pío XII. Refere entáo verbalmente:

«Jamáis esquecerei esse encontró. Sua Santidade tinha um corpo franzino, mas nunca me defrontei com alguém que desse tal impressáo de profundidade espiritual, associada a notável afabilidade. Disse a Sua Santidade que Ihe Ievava uma béngáo especial do seu amigo o rabino Herzog, em reconhecimento dos esforgos que fizera para salvar a vida dos israelitas durante a ocupagáo nazista na Italia. Ainda tenho muito viva a lembranga do brilho do seu olhar; o Papa respondeu que apenas

lamentava nao ter podido salvar maior número de judeus». As fontes donde colhemos tais documentos, sao:

Herder-Korrespondenz XVIII8 (maio de 1963) pág. 377-381;

Informations Catholiques Internationales n5189 (1Bde abril de 1963)

pág. 15s.

299

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

Após as consideracóes até aqui propostas, procuremos chegar a urna

Conclusao

Os críticos ainda apontam outros traeos de enredo de «Der Stellvertreter» que revelam, da parte de Hochhut, pouco conhecimento da realidade histórica que este autor focaliza e pretende censurar. Assim a peca apresenta o Pe. Riccardo Fontana S. J. no campo de concentracáo de Auschwitz, onde «o Representante» (da caridade cris ta) teria ¡do unir sua sorte á dos judeus massacrados... Contudo o espec tador colhe a impressao de que o Pe. Fontana se encontra no campo de concentracáo «em visita meramente transitoria»...

Os prelados da Igreja Católica sao descritos por Hochhut á semeIhanga dos maiorais do governo nazista, maiorais apresentados pelo mesmo escritor na sua obra «Die Streiflichtern». A intencáo de caricaturar se mostra especialmente marcante no

que concerne á pessoa de Pió XII. Este nao somente aparece como frió e maquiavélico chefe de Estado político, mas ainda como personalidade mesquinha em seu comportamento íntimo. Com efeito, apelando para declaracóes do médico pessoal de Pió XII, o Dr. Galeazzi-Lisi, Hochhut descreve o Papa como «maníaco de higiene», o qual teria tido horror e se teria esquivado a audiencias, por motivos de profilaxia ou defesa da própria saúde. Ora na verdade sabe-se que poucos Papas tiveram pro grama de audiencias diarias táo ocupado como Pió XII. Mais ainda: o Pontífice haveria nutrido a grande ambicao de vir a ser canonizado um dia após a sua morte. Para conseguir este objetivo, haveria preparado o caminho, canonizando o Papa Pió X e introduzindo o processo de canonizacáo de Pió IX.

Ao interpretar desta forma as atitudes de Pió XII, Hochhut parece ter-Se deixado levar muito mais por urna preconcebida tendencia a desfi gurar do que pelo desejo de analisar objetivamente a historia passada. Ora quem assim procede perde de antemáo a autoridade aos olhos do público. É o que tira o valor ou o caráter de seriedade as críticas empreendidas por Hochhut á pessoa do Papa Pió XII. Daí se vé que a peca «Der Stellvertreter», incutindo falsa idéia da realidade histórica, exige reprovacáo, longe de merecer encomio ou recomendacao.

APÉNDICE As acusagóes contra Pió XII encontram seu mais nítido desmenti do na obra intitulada Actes et Documents du Saint Siége relatifs á la 300

A PEQA "PER STELLVERTRETER"

13

seconde guerre mondiale (Atos e Documentos da Santa Sé relativos á segunda guerra mundial), publicada em doze volumes entre 1965 e 1981. Após o lancamento da peca de Rolf Hochhut, o Papa Paulo VI, que fora assíduo colaborador de Pió XII, autorizou a publicacáo dos documentos da Santa Sé referentes á segunda guerra mundial. O trabalho foi confia do a quatro sacerdotes jesuítas: P. Blet, A. Martini, R. A. Graham e B. Schneider, que se encarregaram de minuciosa pesquisa dos arquivos da Secretaria de Estado do Vaticano; puderam assim acompanhar, em vari os casos, dia por dia ou hora por hora a atividade de Pió XII e de seus

colaboradores. Nos arquivos se achavam as mensagens e discursos de Pió XII, a correspondencia do Papa com as autoridades civis e eclesiás ticas, Notas da Secretaria de Estado, comunicacoes de oficiáis subalter nos a superiores para transmitir ¡nformacóes e propostas, notas de cará-

ter particular de oficiáis da Secretaria, oficios diplomáticos da Secretaria de Estado com as Nunciaturas Apostólicas, Internunciaturas, Delegacóes Apostólicas, Embaixadas e Ministros credenciados junto á Santa Sé. A documentacáo evidencia os esforcos da diplomacia da Santa Sé para evitar a guerra de 1939-45, para dissuadir a Alemanha de agredir a Polonia, para convencer a Italia de se separar da Alemanha nazista; estáo ai presentes os telegramas aos soberanos da Bélgica, da Holanda e do Luxemburgo após a invasáo desses territorios pelas tropas germánicas, os corajosos conselhos dados a Benito Mussolini e ao rei Vítor Emanuel III para pedirem a paz isoladamente.

A publicacáo de tais documentos tem seu paralelo em colecoes semelhantes devidas a diversas nacóes envolvidas no confuto: Foreign

Relations of the United States, Diplomatic Papers, Documents on British Foreign Policy (1919-1939), Documenti Diplomatici Italiani, Akten zur deutschen auswártigen Politik 1918-1945.

O documentarlo da Santa Sé dissipa, entre outras, duas objecoes freqüentes:

1) o silencio de Pió XII diante da perseguicao aos judeus. - Os textos mostram os esforcos tenazes e continuos do Papa opondo-se ao encarceramento e á deportacáo de israelitas. O Papa agia discretamen te, utilizando os prestimos das Nunciaturas e dos Bispos de diversos pa

íses. Pió XII e a Secretaria de Estado explicaram repetidamente as razóes dessa atitude discreta e um tanto imperceptível: os protestos públi cos nada teriam conseguido; antes, haveriam agravado os tormentos dos perseguidos e aumentado o número dos mesmos, visto que Hitler tinha ampios poderes sobre a Europa de sua época.

2) O Vaticano teria recebido o ouro dos nazistas ou, melhor, o ouro subtraído pelos nazistas aos judeus, e, com esse ouro, teria providencia301

14

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

do a fuga de criminosos nazistas para a América Latina. - Ora está comprovado que a fonte de tal noticia é um suposto jornalista "vaticanista" chamado Virgilio Scattolini, que inventava "episodios" e os passava a todas as Embaixadas, inclusive á dos Estados Unidos; esta, por sua vez,

os transmitía ao Departamento do Tesouro norte-americano, que os en-

tregava á imprensa. Ver R. A. Graham, II vaticanista falsario.

L'incredibile sucesso di Virgilio Scattolini, em La Civiltá Cattolica 1979 III, pp. 467-478.

Nos arquivos da Secretaria de Estado do Vaticano nao há a míni

ma noticia da entrada de ouro nazista. Quem propaga tal noticia, tem a obrigacáo de exibir alguma prova ou documentacáo, talvez um recibo que tenha ficado em máos do Governo alemáo. - Ao contrario, há nos arquivos a noticia de que Pió XII doou aos judeus quinze quilos de ouro, quando o Grao-Rabino Ihe pediu ajuda para atender a uma exigencia da Policía alema.

Existe o livro de Ladislao Farago com o título Á la recherche de

Martín Bormann et des rescapés nazis d'Amérique du Sud (Á procu

ra de Martín Bormann e dos fugitivos nazistas da América do Sul), que mésela historia e fiecáo, descrevendo a pista dos chefes nazistas em fuga de Roma para a Argentina, o Paraguai e o Chile; uma alta dose de imaginacáo romanceada caracteriza tal obra.

Seria preciso, pois, que os acusadores de Pió XII se munissem de provas para fundamentar suas objecoes, provas, porém, que nao existem. Ao contrario, o que se encontra ñas fontes auténticas, é o testemunho de que Pió XII e a Santa Sé tomaram coerente posicáo contra o nazismo, procurando evitar represalias violentas ou mais violentas da parte da faecáo hitlerista.

Entre esses testemunhos, está o da Sra. Golda Meír, Ministra das Relacóes Exteriores do Estado de Israel, que, por ocasiao da morte de Pió XII aos 9/10/1958, declarou: "A vida do nosso tempo foi enriquecida por uma voz que exprimia as grandes verdades moráis ácima do tumulto dos conflitos cotidianos. Pranteamos um grande servidor da paz". Por sua vez, o presidente Eisenhower, dos Estados Unidos, afirmou: "O mun do agora está mais pobre, após a morte do Papa Pió XII" (cf. L'Osservatore Romano, 9/10/1958). Em suma, foram unánimes os pro testos de admiracáo e gratidáo a Pió XII. Vera propósito Pierre Blet, La Leggenda alia Prova degli Archivi. Le Ricorrenti aecuse contro Pío XII, em La Civiltá Cattolica 19981, pp. 531-541.

302

Livro de peso:

"QUANDO O PAPA PEDE PERDAO" por Luigi Accattoli

Em síntese: O livro de Luigi Accattoli é um rico repertorio de 94 textos nos quais o Papa Joáo Paulo II pede perdáo a populagóes ou

grupos ofendidos por católicos no decorrer dos sáculos. O autor se faz benemérito por este trabalho, mas carece deprecisáo de linguagem, muito necessária no caso. A Igreja nao se desviou como Igreja. Ela goza da infalfvel assisténcia do Espirito Santo para guardar e transmitir incólume o depósito da fé e da Moral; esse aspecto da Igreja pode ser chamado, com Maritain, "a pessoa da Igreja". A mesma, porém, conta com seres humanos falfveis e limitados; estes, sim, falham e podem desviarse das normas de comportamento que a Igreja, Máe e Mestra, Ihes apresenta. Reconheceras falhas desses católicos é nobre e digno, pois sabiamente disse S. Ambrosio: "Pecar é comum a todos os homens, mas arrepender-

se e pedir perdáo é próprio dos Santos". Ademáis, para julgar os antepassados, faz-se mfster recuar até a época deles e procurar compreender as respectivas categorías culturáis.

O vaticanista Luigi Accattoli, do "Corriere della Sera", houve por bem reunir num único volume 94 textos nos quais Joáo Paulo II pede perdáo aos africanos, aos indígenas e aos nao católicos..., tendo em vista preparar a Igreja para o terceiro milenio. O livro é rico em documen tos cujo teor e significado podem surpreender o leitor. Exige, porém, co mentarios, visto que Accattoli considera os fatos como jornalista e nao como filósofo ou teólogo. Daí a conveniencia de urna reflexáo sobre tal obra1.

1. O conteúdo do livro A obra consta de um Prefacio (Um exame do final do milenio) e de duas Partes: 1) Antecedentes históricos e ecuménicos e 2) Pronuncía me ntos de Joáo Paulo II. Estes versam sobre Cruzadas, Ditaduras, Divi-

sóes entre cristáos, Mulheres, Judeus, Galileu, Guerra e paz, Guerras de religiáo, Huss, Calvino e Zvínglio, Povos indígenas, Injustas, Inquisicáo, 1 Quando o Papa pede perdió. Todos os mea culpa de Joáo Paulo II. Tradugáo de Clemente Raphael Mahl. - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1997, 135 x 200mm, 229pp. 303

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

Integralismo, Isla, Lutero, Mafia, Racismo, Ruanda, Cisma do Oriente, Historia do Papa e Tráfico de negros.

O autor mostra que tempo houve em que a Igreja nao pensava em

pedir perdáo; os protestantes o teráo feito; daí por diante, os Papas Joáo XXIII, Paulo VI e Joáo Paulo II adotaram a prática. Todavía fez-se sentir certa resistencia a tal atitude por parte de Bispos e Cardeais, temerosos de que isso possa suscitar mal-entendidos no grande público; "poderia ser objeto de manipulacáo por parte de alguns" (p. 66). Apesar de tudo, Joáo Paulo II tem prosseguido no seu propósito. Feitas estas ponderacóes, Accattoli passa em revista os textos

"expiatorios" de Joáo Paulo II. Quem os lé, verifica que jamáis o Papa acusa a Igreja, como tal, de haver cometido tais e tais erros; estes sao

atribuidos aos filhos da Igreja, que procederam nao raro á revelia das explícitas instrucóes do magisterio da Igreja. O caso é típico, por exemplo, quando Joáo Paulo II se refere k escravizacáo de africanos. Com

efeito, aos 22/2/1992 Joáo Paulo II esteve no Senegai (África) e visitou a

ilha de Goréia, onde ainda se vé a "Casa dos Escravos", na qual eram concentrados antes de partir para a América. Nesse local proferiu palavras calorosas, que váo reproduzidas a seguir: «Essas geragoes de negros, de escravos, fazem-me pensar que

Jesús quis tornarse escravo, que ele se fez um servidor. Ele se fez por tador da luz da revelagáo de Deus para a escravidáo. A revelagáo de

Deus que quer dizer: "Deus-amor". Aquí se vé sobretudo a injustiga. É um drama da civilizagáo que se dizia crista.

O grande filósofo antigo, Sócrates, dizia que aqueles que sofrem a injustiga encontram-se em melhor situagao do que aqueles que sao cau

sa de injustiga. É o outro lado da realidade da injustiga vivida neste lugar. É um drama humano: o grito das geragoes exige que nos nos libertemos para sempre desse drama, porque as suas raízes estáo em nos, na natureza humana, no pecado. Vim aqui para prestar homenagem a todas as vítimas desconheci-

das. Nao se sabe exatamente nem quantas nem quais foram tais vítimas. Infelizmente, a nossa civilizagáo, que se dizia e se diz crista, voltou por um momento a prática da escravidáo, mesmo no nosso sáculo. Sabe mos o que foram os campos de exterminio. Há neles um modelo de escravidáo. Nao podemos nos deixar tragar pela tragedia da nossa civilizagáo, da qossa fraqueza, do pecado. Precisamos permanecer

fiéis a um outro grito, o grito de Sao Paulo que disse: "Ubi abundavit peccatum, superabundavit gratia [onde abundou o pecado, superabundou a gragaj. 304

"QUANDO O PAPA PEDE PERDÁO"

17

A visita á Casa dos escravos nos traz á memoria aquele tráfico dos negros que Pió II, escrevendo em 1462 para um bispo missionário que partía para a Guiñé, definía como um crime enorme, magnum scelus. Durante todo um período da historia do continente africano, homens, mulheres e enancas negros foram condenados nesse pequeño lugar, expulsos de sua térra, separados dos seus entes queridos, para serem vendidos como mercaduría. Eles vinham de tudo quanto é país e em gru

pos partiam para outras plagas conservando como última imagem da África

nativa a massa de rocha basáltica de Goréia. Pode-se dizerque esta ilha permanece na memoria e no coragáo de toda a diáspora negra. Tais homens, mulheres e enancas foram vftimas de um vergonhoso comercio do qual tomaram parte pessoas batizadas, mas que nao viviam a sua fé. Como esquecer os enormes sofrimentos infligidos, desprezando os direitos humanos mais elementares, ás populagdes deportadas do continente africano? Como esquecer as vidas humanas aniquiladas pela escravidáo?» (pp. 221s).

Observe-se que o Papa se refere aos cristáos e nota que se afastaram das diretrizes de Pió II promulgadas em 1462. Noutra ocasiao, em 19/4/95, talando a Bispos do Brasil, Joáo Paulo II fala de outras normas do magisterio da Igreja:

«Com relagáo á escravidáo africana, já tive a oportunidade de im plorar o perdáo do céu pelo vergonhoso comercio de escravos do qual participaram também nao poucos cristáos e que, a partir do continente africano, sustentou a máo-de-obra ñas novas térras descobertas. Naqueles tempos de tristes recordagóes nao foram suficientes as severas proibigdes dos meus veneráveis predecessores Pió II em 1462 e Urbano VIII no ano de 1693 e nem sequer o discurso agressivo de Bento XIV (cf. Bulla Immensa Pastorum), que chegou a impor a excomunháo aqueles que possuíam, vendiam ou maltratavam os escravos ou que induziam os africanos á escravidáo.

Nao obstante a sociedade e a cultura da época, a Igreja nao cessou nunca de defender os escravos diante da situagao injusta de que eram vítimas, como atestam, porexemplo, as Constituigóes da Bahía, em 1707, primeira diretñz canónica elaborada em territorio brasileiro, que procuraram atenuar o máximo possível as terríveis conseqüéncias da es

cravidáo (cánones 303 e 304) (Visita ad limina dos bispos brasileiros, 1S de abril de 1995)» (pp. 225s). 2. Que dizer?

Dois ¡tens se impóem á nossa consideracáo, além do que já foi dito até aqui. 305

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 434/1998

2.1. Imprecisio de linguagem

Á p. 20 descreve Accattoli: «Urna forma particular de resistencia ao admitir erros dopassado é a praticada com respeito ás outras confissóes cristas, o que impediu a Igreja Católica de participar do movimento ecuménico em sua primeira

fase. Se fizermos coincidir a data do aparecimento do movimento, como é habitual entre os historiadores do assunto, com a do Congresso Missionário de Edimburgo, em 1910, veremos que a Igreja Católica adere a esse movimento só meio sáculo depois, no inicio da década de 1960, com a constituigáo do Secretariado para a Uniáo (1960) e com a aprovagao, ocorrida no Concilio, do Decreto sobre o ecumenismo (1964).

Tal atraso ainda se deveu ao receio de que a participagáo da Igreja Católica no movimento pela uniáo pudesse incluir o reconhecimento de que havia também urna responsabilidade déla ñas rupturas que se quería remediar».

Esta descricáo histórica supóe insuficiente conhecimento do as sunto. Com efeito; o ecumenismo, para os cristáos nao católicos, signifi ca procura de bom relacionamento entre comunidades eclesiais na base

de um mínimo denominador comum ou de um miniCredo. Cada comunidade continua autocéfala. A falta de unidade é expressa pelo fato de que nao há urna Ceia do Senhor única, mas diversas Ceias. Ora este conceito de ecumenismo nao é o da Igreja Católica; esta sabe que as verdades

da fé foram apregoadas por Jesús e transmitidas ininterruptamente ás geracoes posteriores na Igreja fundada por Cristo e assistida pelo Espiri

to Santo; o Credo é sempre o mesmo. Ele é vivenciado dentro da estrutura da Igreja que tem sua origem em Cristo e nos Apostólos; donde se segué que ecumenismo, para os católicos, é a procura do reatamento da

unidade rompida por cismas diversos, sob o pastoreio de Pedro e seus sucessores, os Bispos de Roma. Eis por que a Igreja Católica nao é

membro do Conselho Ecuménico das Igrejas (protestantes e ortodoxas orientáis); a Igreja Católica envia observadores ás assembléias de tal Conselho e cultiva o ecumenismo mediante o seu Secretariado para a Uniáo dos Cristáos; este se esforca por promover encontros de diálogo que dissipem os preconceitos de parte a parte e mais e mais aproximem os cristáos entre si. O ecumenismo exige também conversáo radical dos fiéis católicos á sua vocacáo católica, a fim de que possam testemunhar com lucidez a fé que receberam dos Apostólos. 2.2. Pessoa e Pessoal da Igreja

Em outras passagens do seu livro Accattoli diz que "a Igreja se desviou..."; cf. pp. 7.11. A palavra é ambigua e suscetível de mal-entendi306

"QUANDO O PAPA PEDE PERDÁO"

19

dos. Faz-se mister distinguir, com Jacques Maritain, entre pessoa e pes soal da Igreja.

A pessoa é o que a Igreja tem de transcendente; ela é o Corpo de

Cristo, infalível quando se trata de definir verdades de fé e de Moral; Jesús prometeu-lhe sua assisténcia indefectível para que ela possa guar dar intato o depósito do Evangelho até o fim dos tempos; cf. Mt 28,18-20. Com outras palavras: a pessoa da Igreja assim entendida nao se pode desviar, porque acompanhada pela indefectível assisténcia do Es

pirito (cf. Jo 14,24; 16,13-*I5). Nem se poderia pensar de outro modo; se Jesús nao garantisse á sua Igreja a infalibilidade doutrinária, o Evange

lho se diluiría e perder-se-ia toda a obra de Cristo. É portante lógico e necessário que a Igreja nao se desvie, cometendo falhas em questóes

ligadas á fé e á Moral. O pessoal da Igreja sao as criaturas limitadas e falíveis que erram; foi pelos erros cometidos pelo pessoal da Igreja que o Papa pediu perdáo. No decorrer de vinte séculos houve, sem dúvida, falhas humanas. Seria mesmo estranho que os homens e as mulheres da Igreja nao faIhassem; Jesús, em sua parábola de Mt 13,24-20.36-43, nos diz que no campo do Senhor há joio e trigo, e deve haver joio até o fim dos tempos. Joáo Paulo II é nobre e digno ao reconhecer o joio na historia da Igreja. Alias, dizia muito sabiamente S. Ambrosio: "Errar é comum a todos os homens, mas arrepender-se e pedir perdáo é próprio dos Santos". Reco nhecer o pecado é sinal de sinceridade, de amor á verdade e de grande za de alma. Deve-se observar ainda o seguinte. Hoje em dia vé-se com clareza que os antepassados erraram. Mas pode-se perguntar se os antigos ti nham a mesma clareza que nos. Para julgar os antepassados sem co meter injustica, o homem moderno tem que se transportar até a época deles e avahar dentro dos parámetros da sua cultura o que eles praticaram; nao é lícito aplicar categorías modernas a geracoes que nao as tinham nem podiam ter. Seja dito isto nao para negar erros do passado, mas para que nao se cometam injusticas, exigindo dos antepassados concepcóes e atitudes que Ihes eram estranhas.

Assim o livro de Accattoli é valioso repertorio de documentos; vem a ser interessante informativo da recente historia da Igreja. Mas sugere concepcóes eclesiológicas erróneas, que o leitor procurará corrigir recordando-se da importante distincáo entre a pessoa e o pessoal da Igreja.

307

Solícitude Pastoral:

AS OBRAS CARITATIVAS DE JOÁO PAULO II

Em síntese: As páginas subseqüentes apresentam o elenco das obras caritativas de Joáo Paulo II no decorrer do ano de 1997 realizadas mediante o Pontificio Conselho "Cor Unum", a Fundagáo "Populorum

Progressio" e a Fundagáo Joáo Paulo II para o Sahel num total de US$

4.833.000. Este dinheiro provém do Óbolo de Sao Pedro, coleta efetuada

todos os anos aos 29/06, e de outras doagoes de sociedades e de fiéis católicos feitas á Santa Sé.

Todos os anos, por ocasiáo da festa dos Apostólos Sao Pedro e

Sao Paulo (29/06), faz-se em todas as igrejas a coleta do Óbolo de Sao Pedro. A quantia recolhida é enviada ao S. Padre, que a distribuí a gru pos de pessoas ou a regióes necessitadas, independentemente de sua

crenca religiosa. Ao Óbolo de Sao Pedro se juntam outros donativos pro

venientes do mundo inteiro, permitindo ao S. Padre atender ás carencias de numerosas populacóes. Tres sao os órgáos mediante os quais o Papa exerce sua acao caritativa: 1) O Pontificio Conselho "Cor Unum", que tem em vista vítimas de catástrofes e projetos de promocio humana e crista; 2) a Fundagáo

"Populorum Progressio", voltada para as comunidades auctóctones, mestifas, afro-americanas e camponesas da América Latina; e 3) a Funda gáo Joáo Paulo II para o Sahel, que atende á luta contra a seca e a desertificacáo do Sahel.

A Santa Sé publicou os dados numéricos correspondentes á atividade caritativa de S. Santidade em 1997, numa atitude de prestacáo de contas, aos fiéis, do emprego do dinheiro por eles doado.1 - A seguir, transcreveremos esses dados, que evidenciam o interesse da Igreja pela

humanidade, qualquer que seja a filosofía de vida dos necessitados. 1. "Cor Unum": ás Vítimas e á Promocáo Humana Janeiro 1997:

Cabo Verde: US$ 10.000 a Caritas nacional, para as vítimas da seca.

1 Ver L'Osservatore Romano, ed. francesa de 10/03/1998, pp. 6s. 308

AS OBRAS CARITATIVAS DE JOÁO PAULO Uganda: US$ 30.000, ás dioceses de Gulu, Kabale e Kasese, para os refugiados.

Zaire: US$ 10.000 á diocese de Goma, para a reconstruyo de casas paroquiais.

India: US$ 10.000, á Caritas nacional, para as vítimas das inundacóes.

india: US$ 8.000, á diocese de Visakhapatnam, para as vítimas das ¡nundacóes.

Honduras: US$ 10.000, á diocese de San Pedro Sula, para as vítimas das inundacoes.

Nicaragua: US$ 10.000, á paróquia de San Pablo Apóstol de Ma nagua, para o restabelecimento de servicos de base em favor de 2.000 criancas das escolas primarias.

Kirguizistáo: US$ 5.000 á Nunciatura Apostólica, para as urgen tes necessidades das criancas.

Iraque: US$ 10.000 ás Religiosas do Hospital Sao Rafael, para a aparelhagem médica

Marco 1997:

Burundi: US$ 60.000 á Nunciatura Apostólica, para os refugiados. Burundi: US$ 10.000 á Nunciatura Apostólica, em favor do pro grama pro-Juventude por ocasiáo da Jornada Mundial da Juventude.

Ruanda: US$ 10.000 á Nunciatura Apostólica em favor do progra ma pro-Juventude por ocasiáo da Jornada Mundial da Juventude.

Tanzania: US$ 15.000 á Caritas nacional para os refugiados. Uganda: US$ 15.000 á Caritas nacional para os refugiados

Zaire: US$ 310.000 ás dioceses de Bukavu, Butembo-Beni, Goma, Kindu, Kasongo, Uvira Bunia, Mahagi-Nioka, Isiro-Niangara, DorumaDungu, Buta, Wanda, Bondo, Kalemie-Kirungu e Kisangani, para aten der ás vítimas dos conflitos internos

Zaire: US$ 10.000 á diocese de Goma, para o Encontró da Juven tude.

Argentina: US$ 15.000 ás Filhas da Divina Providencia, para as criancas de rúa de Santa Fé.

Perú: US$ 15.000 á Caritas nacional, para as vítimas das inunda coes.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

Irá: US$ 20.000 á Nunciatura Apostólica, para as vítimas do terre moto.

Albania: US$ 20.000 á arquidiocese de Durres-Tirana, para os re fugiados.

Itália-Roma: US$ 8.000 ao Centro de Orientacáo de Estudos para os estudantes refugiados de Ruanda e do Zaire.

República Centroafricana: US$ 10.000 para a Caritas diocesana de Bangui, para as criancas abandonadas.

Zámbia: US$ 15.000 ao Catholic-Center-Kitive, para a formacáo espiritual e profissional dos jovens.

Malo 1997:

Colombia: US$ 5.000 para a formacao profissional dos jovens e dos desempregados da paróquia de Sant'Elena na arquidiocese de Medellín.

Costa Rica: US$ 12.000 á arquidiocese de San José, em favor da promocáo humana das familias pobres.

Equador: US$ 10.000 em prol do programa de formacáo humana integral na paróquia de Sao Tomás de Aquino, na arquidiocese de Guayaquil.

Líbano: US$ 10.000 ao Foyer de la Providence, de Saída, para um programa de promocáo humana.

Zaire: US$ 15.000 para o envió urgente de medicamentos ao Hos pital de Kabinda.

Irá: US$ 10.000 á Nunciatura Apostólica, para as vítimas do terre moto.

Julho 1997:

República Democrática do Congo: US$ 15.000 ao Departamen

to de Obras Sociais de Bukaru, para as criangas abandonadas. República árabe do Egito: US$ 15.000 á Associacáo do Alto Egi-

to para a Educacáo e o Desenvolvimento, em favor dos programas de ajuda alimentar a 3.000 criancas. Guiñé Equatorial: US$ 10.000 ao Arcebispo de Maleh, para as familias desabrigadas. 310

AS OBRAS CARITATIVAS DE JOÁO PAULO II

23

Quénia: US$ 5.000 ao Centro para Criarlas Deficientes de Timbila. Uganda: US$ 15.000 ao Bispo de Moroto, para as vítimas da fome.

Argentina: US$ 5.000 ao Bispo de Concepción, para as familias desabrigadas. Colombia: US$ 10.000 á arquidiocese de Medellín, para progra mas de formacáo e promocao humanas.

El Salvador: US$ 10.000, para programas em favor de mulheres e criancas na diocese de San Marcos.

El Salvador: US$ 10.000, para o Lar Infantil de Zacatecoluca, em favor de criancas pobres.

Guatemala: US$ 10.000, para um programa de Pastoral sócio-caritativa na paróquia de Santa María e Sao Francisco Xavier em Zacapa. Tailandia: US$ 10.000 á Nunciatura Apostólica para o repatriamento de refugiados.

Polonia: US$ 10.000 a arquidiocese de Cracovia, para as vítimas das inundacóes.

Tadjiquistáo: US$ 10.000 á Sociedade do Verbo Encarnado, por ocasiáo do inicio da missáo sui iuris. Venezuela: US$ 15.000 á Representado Pontificia, para as víti mas do terremoto.

Itália-Roma: US$ 15.000 ao Centro Cultural Internacional Joáo XXIII da UC-SEI, para o sustento de estudantes do Terceiro Mundo, em parti cular de Ruanda, Burundi e do Congo. Outubro 1997:

Burundi: US$ 10.000 á Caritas Internacional, para os refugiados.

Colombia: US$ 10.000 as Irmas dos Pobres de S. Vicente de Paula, de Medellín, para a escolarizacáo de criancas pobres. República Democrática do Congo: 10.000 US$ para a reestruturacáo da diocese de Tshumbe vítima dos conflitos.

El Salvador: US$ 10.000 para um programa de formacáo espiritu al e profissional das criancas e dos jovens na paróquia de San Juan Ma ría Vianney na diocese de Santiago de María. Etiopia: US$ 10.000 ao "Ethiopian Catholic Secretariat" para as vítimas da seca e da fome. 311

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1996

Ghana: US$ 10.000 á diocese de Kumasi, para as vítimas das inundacoes.

Guiné-Bissau: US$ 5.000 para o programa de formacao integral das mulheres na diocese de Bissau.

Brasil: US$ 20.000 para instituir um curso para enfermeiras profissionais na diocese de Foz do Iguacu.

Madagascar: US$ 10.000 as Irmas Missionárias Monfortanas de Antsirabe, para assisténcia médica de enfermos e assisténcia religiosa ñas aldeias.

México: US$ 15.000 á Caritas nacional para as vítimas do furacáo Pauline.

México: US$ 15.000 á arquidiocese de Acapulco para as vítimas do furacáo Pauline.

Montserrat, Antigua: US$ 10.000 á diocese de St. John's Basseterre, para as populacóes flageladas pela erupcáo vulcánica. Perú: US$ 12.000 á diocese de Callao, para um projeto de forma cáo agrícola e alimentar. Polonia: US$ 8.000 á Caritas diocesana de Opole, para a restauracáo das populacóes flageladas pelas inundacóes. Roménia: US$ 10.000 as Irmas dos Pobres de S. Vicente de Paula

em favor da Casa para pessoas abandonadas e a escola anexa para as criancas pobres da cidade de Craiova. Italia: 120.000.000 de liras as dioceses de Assis, Camerino, Foligno

e Perusia, para socorrer as populacóes vítimas do terremoto e 60.000.000 de liras para as instituicóes religiosas vítimas do mesmo. Dezembro 1997: Argentina: US$ 12.650 aos ESUR (Equipos Solidarios del Sur), para a realizacáo de um projeto dito "Hortas Comunitarias para Jovens" em favor da comunidade semi-rural de San Jorge em Posadas.

Bolívia: US$ 5.000 ás Irmas da Providencia de Ch ivirria rea, na arquidiocese de Cochabamba, para a formacáo espiritual e o sustento material das 140 criancas acolhidas em tal instituto.

Colombia: US$ 10.000 á arquidiocese de Medellín, para a reconstrucáo de urna sala polivalente destinada a ser cápela, sala de reunióes, lugar de encontros, catequese e laboratorio de formacáo profissional para jovens 312

AS OBRAS CARITATIVAS DE JOÁO PAULO II

25

e mulheres na paróquia da Máe'do Salvador na circunscrigáo de Itagüi. Equador: US$ 10.000 ao mosteiro de clausura das Irmázinhas do Sagrado Cora9áo de Jesús em Ibarra, para a aquisicáo de urna máquina

para fabricar hostias e de tecido para confeccáo de vestes litúrgicas, assim como para a construcáo de pequeña loja para a venda das mesmas.

Perú: US$ 5.000 á diocese de Lurin para a formagáo de adultos pobres.

República Dominicana: US$ 5.000 ao "Centro de Evangelización Madre del Carmen" na diocese de San Pedro de Macoris, para a assisténcia alimentar as 850 enancas pobres acolhidas por tal instituto.

Camaroes: US$ 5.000 á Representacáo pontificia para a assistén-

cia aos sacerdotes e seminaristas refugiados. Guiñé Equatorial: US$ 5.000 á arquidiocese de Malabo, para a construcáo de um Centro Pastoral. Quénia: US$ 10.000 para socorrer as regióes flageladas por inundagóes ñas circunscrigóes eclesiásticas de Mombasa e Garissa.

República Centroafricana: US$ 8.000 á Escola "Santa Teresa" de Bangui, para a assisténcia escolar, alimentar e médica de 50 criancas de Ruanda, filhos de refugiados, privados de todo recurso. Ruanda: US$ 20.000 ao "Centro Cipriano e Daphrose Rugamba", para assistir a 100 órfáos e 70 criancas de rúa acolhidas por tal instituto. Somalia: US$ 20.000 á Administracáo Apostólica de Mogadiscio, para as populacoes flageladas pelas inundacoes no quadro dos progra mas de assisténcia coordenados pela Caritas irlandesa.

india: US$ 10.000 em favor das casas para pessoas idosas aban donadas na diocese de Vijayawada.

Indonesia: US$ 20.000 á Representacáo pontificia para socorrer as populacoes flageladas pela fome e a seca. Víetnam: US$ 300.000 para socorrer as populagóes de quatro cir cunscrigóes eclesiásticas vítimas do tufáo "Linda".

Papuásia-Nova Guiñé: US$ 20.000 á Representacáo pontificia, para socorrer as populagóes vítimas da seca.

Em síntese, os donativos do S. Padre em 1997 atingiram a cifra de mais de dois bilhóes de liras. Foram possíveis gragas á generosidade

dos fiéis de todas as partes do mundo, solidarios com seus irmaos flagelados por miseria e catástrofes. 313

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

26

2. A Fundacáo "Populorum Progressio"

Foi fundada em 13/02/1992 para atender a populacoes autóctones, mesticas, afro-americanas e camponesas pobres da América Latina e do Caribe. Eis o que pode financiar em 1997, tendo em vista saúde, educacáo, profissionalizacáo, trabalhos agrícolas, comercializacáo dos produtos de tais populacóes.

PAÍS

Número de Projetos

Firtanciamentos

concedidos em US$

ANTILHAS

1

10.000

ARGENTINA

3

23.380

BOLÍVIA

20

168.300

BRASIL

5

35.200

20

163.600

COLOMBIA

2

17.300

CUBA

2

25.000

CHILE

11

91.900

EQUADOR

30

149.070

EL SALVADOR

3

28.600

GUATEMALA

6

42.500

11

106.700

HONDURAS

2

20.000

MÉXICO

3

16.800

11

79.800

PANAMÁ

5

49.000

PARAGUAI

1

9.600

PERÚ

12

108.700

REP. DOMINICANA

13

121.900

URUGUAI

2

19.700

VENEZUELA

4

COSTA RICA

HAm

NICARAGUA

TOTAL

167

26.500 1.313.550

3. A Fundacáo Joáo Paulo II para o Sahel

Fundada aos 22/2/1984, destina-se a ajudar o combate á seca e á

desertificacáo da regiáo do Sahel (África do Norte). Eis o que pode finan

ciar em 1997, num total de 3.330.000.000 de liras italianas ou 11.099.194 francos franceses. 314

AS OBRAS CARITATIVAS DE JOÁO PAULO II pa(s BURKINA FASO

Número total de projetos

Montante em Francos Franceses

113

4.768.558

2

106.770

TCHAD

30

1.553.123

GÁMBIA

15

1.176.658

3

153.060

10

362.567

6

253.098

NIGERIA

14

559.392

SENEGAL

29

1.979.512

1

126.456

223

11.039.194

CABO VERDE

GUINÉ-BÍSSAU MALÍ

MAURITANIA

INTERNACIONAL TOTAL

27

«Vos sois a luz do mundo. Nao se pode esconder urna cidade situada sobre um monte. Nem se acende urna lámpada e se coloca debaixo do aiqueire, mas no candelabro, e assim ele brilha para to dos os que estáo na casa. Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus» (Mt 5,14-16).

continuagáo da pág. 336

Sabe-se, de resto, que a Companhia de Jesús foi fundada em 1540 para constituir urna milicia vigorosa na defesa dos interesses da S. Igreja ameacada por heresias e maquinacóes políticas. Os jesuítas, desde os

inicios da sua fundacáo, se dedicaram generosamente a essa tarefa e

conseguiram grandes benemerencias, ao mesmo tempo que extraordi

naria propagacáo nos quatro continentes do globo. Isto Ihes valeu entrar

em conflitos... Os adversarios da Companhia acusavam-na de apregoar

hipocrisia, e o principio de que «o fim justifica os meios». Na verdade, os documentos oficiáis da Companhia nunca propugnaram qualquer atitude ilícita ou desonesta.

Seria para desejar que os articulistas da "FOLHA UNIVERSAL" ti-

vessem mais amor á Verdade e nao se entregassem táo fácilmente á mentira. Diz o Senhor Jesús que a mentira é filha do Maligno (cf. Jo 8,44). Esteváo Bettencourt O.S.B. 315

Candente Problema:

ABORTO: O PAPA E OS BISPOS ALEMÁES Em síntese: Na Atemanha a lei civil estipula que as mulheres grá vidas podem impunemente abortar desde que um grupo de consultores (religiosos ou nao) Ihes dé um certificado pró-aborto. A Igreja Católica tem 264 consultores que, conforme a lei, devem expedir tal certificado,

caso ojulguem oportuno. Ora o S. Padre Joáo Paulo II se opoe a partid-

pagáo da Igreja no morticinio de enancas inocentes; por feto vem man iendo diálogo com os Bispos da Alemanha desde 1995 para evitar que a

Igreja seja envolvida, de algum modo, na prática do aborto. Os Bispos concordam com o Papa nos principios doutrinários, mas nao véem como sustar ¡mediatamente a praxe vigente. - O artigo publica a Carta do Papa aos Bispos alemáes datada de 11/01/98 com a respectiva resposta do Episcopado da Alemanha. *

*

*

Nos últimos tempos vem ocorrendo certo problema na Alemanha com relacáo ao aborto. Os Bispos alemáes concordam com o Papa no tocante á iniqüidade do aborto, mas julgam que no momento nao podem tomar as providencias desejáveis para resolver melindrosa situacáo. Vamos, a seguir, propor o histórico do caso; após o qué, publicare mos a traducáo portuguesa da recente Carta de Joáo Paulo II aos Bispos da Alemanha e a resposta dos mesmos a S. Santidade. 1.0 Histórico da Questáo

A permissáo de aborto na Alemanha nao era coisa nova, quando em 21/08/1995 o Governo promulgou urna lei que obrigava as candidatas ao aborto a consultar urna instancia adequada para saberem se de fato seria indicado o abortamento no caso. O órgáo consultado, caso fosse de parecer positivo, daria um certificado segundo o qual a interessada poderia interromper a gravidez impunemente.

Os consultores que trabalham em tais órgáos, sao nomeados e pagos pelo Estado alemáo, que os escolhe dentre entidades científicas e religiosas (protestantes e católicas); toca-lhes o dever de dar o certifica do, caso julguem ser o aborto recomendável. O total desses consultores é de 1685, dos quais 264 sao católicos (peritos no assunto, psicólogos e sacerdotes), que agem em nome da Igreja Católica e do episcopado ale máo. 316

ABORTO: O PAPA E OS BISPOS ALEMÁES

29

Tal situacáo confere prestigio á Igreja Católica e a possibilidade de que algumas muiheres desistam de abortar. Doutro lado, porém, em muitos casos (talvez na maioria) a Igreja dá atestado para abortar. A ambigüidade desta ordem de coisas suscitou a intervencáo da Santa Sé, que pediu a suspensáo das consultas das quais resultaría um certificado para abor tar. Todavía os Bispos Alemáes, excetuado o de Fulda, recusaram-se a obedecer de ¡mediato, embora pretendam fazé-lo oportunamente ou em ocasiáo propicia. E por que isto? - Porque a Igreja, assim convidada pelo Governo para colaborar na vida pública, ganhou relevo especial na histo ria do país; ora isto é muito oportuno, pois a unificacáo das duas Alemanhas (a Federativa Ocidentai e a Democrática Oriental) fez que muitos cidadáos orientáis viessem para a parte ocidentai; tais pessoas haviam vivido num clima de desprezo á Igreja e ateísmo declarado, que perdurou quarenta anos; era, pois, conveniente que na regiáo ocidentai vissem a Igreja prestigiada. Ademáis, alegavam os Bispos, as muiheres grávidas que fossem consultar peritos católicos, poderiam deles ouvir urna palavra de evangelizacáo.

Já que a pendencia entre a Santa Sé e o episcopado alemáo se protraía, o Papa, aos 11/01/1998, houve por bem escrever longa Carta aos Bispos daquele país. Nesse documento Joao Paulo II faz breve his tórico da questáo, mencionando os encontros realizados com represen tantes do episcopado germánico desde 1995 (ano em que enviou a primeira carta relativa ao assunto, datada de 21/09/95). O Santo Padre nao

deixou de elogiar a firme atitude dos prelados que se opuseram unáni memente á prática do aborto e pede-lhes instantemente que se empenhem pela mudanca da lei vigente e deixem de manter consultorias gerenciadas por católicos ou, ao menos, facam o possível para que nao déem mais certificado pro-aborto.

Os Bispos responderam estar de acordó com o Papa; todavía observaram que nao poderiam mudar ¡mediatamente a situacáo; notavam

aínda estar diante de um dilema: ou dar o certificado pró-aborto ou per der a ocasiáo de aconselhar pastoraimente muitas muiheres grávidas e carentes de urna palavra de fé católica. Somente o Bispo de Fulda, Mons. Dyba, nao aceitou tal tipo de colaboracáo com o Governo, excluindo da

sua diocese a possibilidade de haver consultores católicos; frisa que o certificado pró-aborto é "licenca para matar".

A situacáo ainda espera urna solucáo definitiva: os Bispos da Alemanha estáo dispostos a usar de coeréncia e acabar com a ambigüidade, mas nao prevéem a data em que isto se dará. Publicamos em seguida a Carta do Santo Padre, em traducáo por tuguesa, datada de 11/01/1998. 317

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

2. A Carta do Papa Joáo Paulo II

«Aos Veneráveis Irmios no Episcopado da Alemanha Saudacáo e Béncáo Apostólica!

1. No dia 27 de Maio do ano passado, a pedido de D. Karl Lehmann, Presidente da vossa Conferencia Episcopal, discutimos e aprofundamos os problemas da correta insercáo dos consultorios católicos na consultacao

prevista pelos regulamentos do Estado, de acordó com a leí de 21 de Agosto de 1995, sobre a gravidez e a familia. Agradeco-vos mais urna vez este encontró, no qual expressastes a vigilante consciéncia da vossa responsabilidade para com o Evangelho da vida, assim como a vossa disponibilidade para encontrar a solucáo justa, em uniáo com o Sucessor de Pedro. Nos meses sucessivos estudei de novo os varios aspectos da questáo, consultei ulteriormente a respeito da materia e apresentei o proble ma ao Senhor na oracáo. Quereria entáo hoje, como se anunciou no final do coloquio, resumir mais urna vez os resultados alcancados e, de acordo com a minha responsabilidade de Supremo Pastor da Igreja, indicar algumas orientacóes para o caminho futuro nos pontos abordados.

2. A vossa Conferencia Episcopal empenha-se desde há décadas, de modo inequívoco, em testemunhar com palavras e gestos a mensagem da dignidade intangível da vida humana. Com efeito, embora o direito á vida tenha um preciso reconhecimento na Constituicáo do vosso amado País, contudo o legislador legalizou em determinados casos a morte das criancas nascituras, e noutros casos despenalizou-a, embora Ihe atribuísse o caráter de ilegalidade. A vossa Conferencia Episcopal nao aceitou a precedente e menos ainda a atual lei sobre o aborto, mas justamente, com liberdade e sem temor, tomou posicáo contra o aborto. Em muitos discursos, declaracóes, iniciativas ecuménicas e outras intervencóes, entre as quais tem particular relevo a Carta Pastoral "Menschenwürde und Menschenrechte von allem Anfang an", de 26 de Setembro de 1996, prociamastes e defendestes o valor da vida humana desde a sua concepcáo.

Na luta pela vida nascitura a Igreja deve hoje distinguir-se cada vez mais do mundo circunstante. Assim o fez desde os seus inicios (cf. Carta a Diogneto 5.1 -6.2) e continua a fazé-lo. "Quando anunciamos este Evan

gelho, nao devemos temer a oposicáo e a impopularidade, recusando

qualquer compromisso e ambigüidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo (cf. Rm 12,2). Com a forca recebida de Cristo, que venceu o mundo pela Sua morte e ressurreicáo (cf. Jo 16, 33), devemos

estar no mundo, mas nao ser cfo mundo (cf. Jo 15,19; 17,16)" {Evangelium Vitae, 82). Com as vossas múltiplas iniciativas ao servico da vida,

traduzistes na prática estas palavras e assim contribuístes para que a 318

ABORTO: O PAPA E OS BISPOS ALEMÁES

31

atitude da Igreja perante o problema da defesa da vida desde a infancia

se tornasse familiar aos cidadáos do vosso País.

Quereria exprimir-vos de todo o coracáo o meu apreco e o meu pleno reconhecimento por esta incansável dedicac.ao. Agradeco também a todos os que se empenharam e se empenham na vida pública para defender o direito á vida de cada homem. Urna particular mencáo, neste

campo, merecem os políticos que nao tiveram nem tém medo de levantar a voz em favor da vida das crianzas nascituras.

3. Ao lado de algumas afirmacóes positivas sobre a defesa da vida e sobre a necessidade da consultacao, a lei de 21 de Agosto de 1995 prevé que, na presenca de urna "indicac.áo médica" muito vagamente descrita, o aborto seja legítimo até ao nascimento. E justamente criticastes com veeméncia esta determlnacáo. Assim como a legalizacáo do aborto na presenca de urna "indica$áo criminológica" é totalmente inaceitável para um fiel cristáo e para todos os homens dotados de urna vigilante consciéncia. Suplico-vos que toméis aínda todas as medidas possíveis para a mudanca destas disposicóes legislativas. 4. Dirijo agora a minha atencáo ás novas determina?oes legislativas sobre a consultacáo para as mulheres grávidas em dificuldade, porque notoriamente essas normas tém um significado relevante para a missao da Igreja ao servico da vida, e para a relacáo entre Igreja e Estado no vosso País. Em virtude da minha solicitude a respeito das novas determinacóes, a 21 de Setembro de 1995 sentí o dever de recordar numa carta pessoal alguns principios que sao muito importantes nesta questáo. Eu chamava á vossa atencáo, entre outras coisas, para o fato de que a definicáo legislativa positiva da consultacáo no sentido da defesa da vida estava a ser debilitada por certas fórmulas ambiguas, e que o certificado de consultacáo atribuido pelos consulentes tem agora um valor jurídico diverso daquele que tinha no regulamento legislativo precedente. Pediavos que definísseis de modo novo a atividade de consultado da Igreja e prestasseis atencáo para que nisto a liberdade da Igreja nao fosse coarctada e as instituicóes eclesiais nao se tornassem co-responsáveis

pela morte de enancas inocentes.

Ñas Diretrizes episcopais provisorias determinastes ulteriormente, em relacáo á lei, a finalidade da consultacáo eclesial no sentido da defe sa absoluta da vida. Com estas e outras disposicóes conferistes aos con sultorios eclesiásticos um perfil claro e específico. Na luta para obter da parte do Estado o reconhecimento das Diretrizes episcopais provisorias no ámbito de cada urna das regióes, a posicáo autónoma da Igreja na

questáo manifestou-se ulteriormente.

5. Permaneceu controversa a problemática acerca do certificado 319

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS' 434/1998

de consultacáo, que decerto nao pode ser considerado independentemente do conceito de consultacáo, mas deve ser avaliado com cuidado, segundo o seu significado jurídico objetivo. No discurso de 22 de junho de 1996, durante a minha viagem pastoral na Alemanha, eu disse: "E claro, a partir da nossa fé, que por parte das instituicóes eclesiais nada pode ser feito que, de algum modo, possa servir para a justificacáo do aborto".

Para encontrar uma solucáo ao problema do certificado de consultacáo, chegou-se - como continuacáo do primeiro encontró de 5 de Dezembro de 1995 - ao segundo coloquio, a 4 de Abril de 1997, entre uma delegacáo da vossa Conferencia Episcopal e representantes da Congregacáo para a Doutrina da Fé, durante o qual, apesar de uma unanimidade fundamental quanto á doutrina da Igreja sobre a tutela da vida, á condena^áo do aborto e á necessidade de uma consultacáo global para as mulheres grávidas em necessidade, a debatida questáo do certificado de consultacáo nao pode ser resolvida de modo definitivo. Durante o en contró de 27 de Maio de 1997, todos os elementos a serem considerados foram apresentados mais uma vez, numa atmosfera fraterna de liberdade e abertura.

Na minha missáo de confirmar os irmáos (cf. Le 22,32), dirijo-me agora de novo a vos, caros Irmáos. Trata-se, de fato, de uma questáo pastoral com evidentes implicacóes doutrinais, que é importante para a

Igreja e para a sociedade na Alemanha e em muitas outras partes. Ainda que a situacáo jurídica no vosso País seja singular, é obvio que o proble ma de como anunciar o Evangelho da vida de modo eficaz e crível no mundo pluralista de hoje, diz respeito á Igreja no seu conjunto. A tarefa de defender a vida em todas as suas fases nao admite reducóes. Daí resulta que o ensinamento e o modo de agir da Igreja na questáo do aborto devem, no seu conteúdo essencial, ser os mesmos em todos os países. 6. Atribuís muita importancia ao fato de os consultorios católicos continuarem presentes de modo público na consultacáo para as mulhe res grávidas, a fim de poderem salvar da morte, com uma consultacáo bem orientada, muitas enancas nascituras e estarem, com todos os meios á disposicáo, ao lado das mulheres em difíceis situacóes de vida. Ressaltais que nesta questáo a Igreja - por amor das enancas nascituras - deve servir-se, do modo mais vasto possível, tanto dos espacos de acáo abertos pelo Estado a favor da vida como da consultacáo, e nao se pode sentir culpada de ter descuidado possíveis ofertas de ajuda. Encorajo-vos nesta solicitude e espero muito que a consultacáo eclesial pos sa continuar com energía. A qualidade desta consultacáo, que toma mui to a serio tanto o valor da vida nao nascida quanto as dificuldades da mulher grávida e procura uma solucáo baseada na verdade e no amor, atetará a consciéncia de muitos que procuram um conselho e constituirá 320

ABORTO: O PAPA E OS BISPOS ALEMÁES

33

um apelo significativo para a sociedade.

Quereria neste contexto ressaltar de maneira expressa o empenho das consulentes católicas da Caritas e do Servigo Social das Muiheres Católicas, assim como de algumas outras instituicóes de consultacáo. Conheco a boa vontade das consultoras e as suas fadigas e preocupacóes. Quereria agradecer verdadeiramente o seu empenho e pedir-lhes que continuem a lutar por aqueles que nao tém voz alguma e aínda nao podem defender por si mesmos o direito á vida. 7. No que se refere depois ao problema do certificado de consultacao, quereria repetir quanto já vos escrevi na carta de 21 de Setembro de

1995: 'Ele atesta que se efetuou urna consultacáo, mas é ao mesmo tempo um documento necessário para o aborto despenalizado ñas pri-

meiras 12 semanas da gravidez'. Vos mesmos designastes varias vezes como 'dilema' este significado contraditório do certificado de consultacáo, que tem o seu fundamento na lei. O 'dilema' consiste no fato de que o certificado atesta a consultacáo, no sentido da defesa da vida, mas per manece sempre a condigáo necessária para a execucáo despenalizada

do aborto, aínda que certamente nao seja a causa decisiva que o provoca. O texto positivo, que formulastes para o certificado de consultacáo fornecido pelos consultorios católicos, nao elimina de modo radical esta tensáo contraditória. A mulher, com base ñas determinacóes legislativas,

depois de tres dias pode usar o certificado para abortar, isto é, para fazer com que o seu filho seja eliminado de modo despenalizado, em instituígóes públicas e em parte também com meios públicos. Nao se deve transcurar o fato de que o certificado de consultacáo requerido pela lei, que quer certamente assegurar antes de tudo a consultacáo obrigatória, de fato assumiu urna funcáo-chave para a execucáo de abortos despenalizados. As consulentes católicas e a Igreja, por cujo encargo essas agem em muitos casos, encontram-se assim numa situacáo de confuto com a sua visáo de fundo na questáo da defesa da vida e com o

objetivo da sua consultacáo. Contra a sua intencáo, sao envolvidas na atuacáo de urna legislacáo, que conduz á morte de pessoas inocentes e

é escándalo para muitos.

Depois de maturada consideracáo de todos os argumentos, nao posso deixar de concluir que, quanto a isto, existe urna ambigüidade que

ofusca a clareza e o significado unívoco do testemunho da Igreja e dos seus centros de consultacáo. Por isso, estimados Irmáos, quereria convi

dar-vos com insistencia a fazer com que um certificado dessa natureza já

nao seja fornecido nos consultorios eclesiásticos ou dependentes da Igreja. Exorto-vos, contudo, a fazer com que, em todo o caso, a Igreja

permaneca presente de maneira eficaz na consultacáo as muiheres em busca de ajuda. 321

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

8. Venerados Irmáos! Sei que o convite que vos dirijo diz respeito a um problema nao fácil. Já há muito tempo e sobretudo depois do encon tró do dia 27 de Maio de 1997, muitas partes, também pessoas que em prol da Igreja e na Igreja se empenham, se puseram de sobreaviso com vigor contra essa decisáo, que deixaria as mulheres em situacoes de confuto sem o apoio da comunidade de fé. De igual modo com veeméncia denunciou-se que o certificado envolve a Igreja na morte de criancas inocentes e torna menos crível a sua absoluta contrariedade ao aborto. Tome i em seria considerado ambas as vozes e respeito a apaixo-

nada investigacáo, por ambas as partes, da via justa para a Igreja nesta questáo importante; entretanto sinto-me impelido, por causa da dignidade da vida, a dirigir-vos o supramencionado convite. Reconheco, ao mesmo tempo, que a Igreja nao pode subtrair-se á sua responsabilidade pú blica, sobretudo no que se refere á vida e a dignidade do homem, que

Deus criou e pelo qual Cristo morreu. A lei para a ajuda á gravidez e á familia oferece muitas possibilidades para permanecerem presentes na

consultacáo; em última análise, a presenca da Igreja nao deve depender do fomecimento do certificado. Nao deve ser só a obrigacáo de urna prescricáo legislativa a levar as mulheres aos consultorios eclesiásticos, mas sobretudo a competencia profissional, a atencáo humana e a disponibilidade a ajuda concreta que neles se encontram. Estou convicto de que vos, com as múltiplas possibilidades das vossas instituigdes e organizacóes, com o rico potencial de torgas intelectuais e de capacidade de inovacáo e criatividade, haveis de encontrar as vias nao só para nao deixar diminuir a presenca da Igreja na consultacáo, mas para a fortalecer aín

da mais. Estou certo de que, no debate que já se está a fazer na sociedade do vosso País e que agora prosseguirá, sabereis mobilizar todas as vossas forcas para tornar compreensível a opcáo da Igreja, tanto no seu interior como fora dele, obtendo para ela pelo menos respeito, também onde nao se julga poder compartilhá-la.

Que a Igreja, num ponto concreto, nao possa proceder ao mesmo tempo pelo caminho do legislador, será um sinal que, precisamente na contraposigáo, contribuirá para o aprimoramento da consciéncia pública e, desse modo, em definitivo servirá também ao bem do Estado: 'O Evangelho da vida nao é exclusivamente para os crentes, destina-se a todos...

a nossa acáo de povo da vida e pela vida pede para ser interpretada de modo justo e acolhida com simpatía. Quando a Igreja declara que o res

peito incondicional do direito á vida de toda a pessoa inocente - desde a sua concepgáo até a morte natural - é um dos pilares sobre o qual as-

senta toda a sociedade, ela quer simplesmente promover um Estado

humano. Um Estado que reconheca como seu dever primario a defesa dos di re ¡tos fundamentáis da pessoa humana, especialmente da mais débil' (Evangelium vitae, 101). 322

ABORTO: O PAPA E OS BISPOS ALEMÁES

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Agradeco-vos mais urna vez o vosso múltiplo empenho em defen der a vida dos nascituros, e também a vossa disponibilidade para refletir sobre a atividade católica de consultacáo. Recomendó a María, Máe do Bom Conselho, os fiéis a vos confiados, sobretudo as muiheres e os homens empenhados na consultacáo, assim como todas as muiheres grávidas em dificuldade, e concedo-vos do íntimo do coracáo urna espe

cial Béncao Apostólica.

Vaticano, 11 de Janeiro de 1998, festa do Batismo do Senhor». Faz-se importante conhecer

3. A Resposta dos Bispos Alemáes Tendo recebido a Carta do S. Padre, os Bispos do Conselho Per manente da Conferencia Episcopal da Alemanha se reuniram aos 25 e 26 de Janeiro pp. num mosteiro perto de Würzburg, a fim de estudar a

situacáo e redigir urna resposta a Joáo Paulo II. Eis os pontos principáis dessa resposta-declaracáo: «Agradecemos ao Santo Padre ter explícitamente reconhecido os esforgos da Igreja em nosso país, e em todos os níveis, na tentativa de salvar a vida das criancas ainda nao nascidas, incluindo o trabalho dos consultores; agradecemos-lhe por estimular os Bispos a prosseguir, tan to quanto possível e de modo eficaz, a atividade de consultorias. Precisa mente nos últimos dias tornou-se evidente para a opiniáo pública o ele vado grau de estima que os consultores eclesiásticos obtiveram dentro e fora da comunidade eclesial. Temos razóes para exprimir gratidao, junta mente com o S. Padre, a esses consultores e á sua atividade.

Na Carta o S. Padre enfatiza, varias vezes, e claramente, a funda mental unanimidade de juízo existente entre a Santa Sé e os bispos ale máes a respeito da doutrina da Igreja em defesa das enancas ainda nao nascidas e em condenacáo do aborto como também sobre a necessidade de se oferecer ampia consultoria as muiheres grávidas postas em dificuldade.

Como ñas discussóes ocorridas nos anos passados, resta até ago ra o problema da interpretacáo e da valorizacáo do certificado de consul ta realizada.

Sobre este fundo o S. Padre escreve: 'Por isto desejo convidar-vos

com insistencia, caros Irmáos, a vos esforcardes para que tal tipo de certificado nao seja mais expedido ñas consultorias da Igreja ou depen dentes da Igreja. Exorto-vos, porém, a proceder de tal modo que, em

todos os casos, a Igreja fique presente de modo eficaz na consultoria 323

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

prestada ás muiheres que precisam de ajuda'.

Acataremos este pedido. Mas isto nao significa que a consultoria, da parte da Igreja, venha a ser diminuida. Ao contrario, nos a reforcaremos sempre mais. O próprio Papa deseja explícitamente que nos apro-

veitemos, quanto possível, do espago oferecido pelo sistema de consultoria estatal para a defesa de criancas nao nascidas. Está fora de discussao aceitarmos um convite para nos retirarmos do sistema de consultoria previsto pela lei...

Nao reduziremos a oferta e a qualidade da consultoria oferecida ás máes grávidas postas em dificuldade. Procuraremos, como foi solicitado pelo S. Padre, novas vias para poder desenvolver uma consultoria eficaz em situacóes confutantes, sem que haja a expedicáo do certificado próaborto. Nos nos esforzaremos por elaborar uma formulacao do sentido da consultoria desligado do certificado em discussao. Todavía estamos convencidos de que nao existe solucáo que nao acarrete desvantagens e nao provoque escrúpulos.

Decidimos constituir um grupo de trabalho que se encarregará de procurar, tanto quanto possível, novas pistas que correspondam ao pedí-

do do Papa e também aos nossos anseios, a fim de que a Igreja fique presente de modo eficaz na consultoria oferecida ás muiheres que procuram ajuda. No momento oportuno promulgaremos uma nova formulacao da atividade de nossos consultores.

Visto que estamos dispostos a construir nossa consultoria, intensa e muito apreciada, pedímos aos políticos que também procurem novos

caminhos que tornem possível á consultoria sem a ambigüidade do cer

tificado tal como foi entendido até agora.

Embora o S. Padre, em sua Carta de 11 de Janeiro de 1998, nos tenha confiado uma difícil tarefa, estamos persuadidos de que uma nova formulacáo da atividade de consultoria redundará em beneficio de toda a nossa sociedade e poderá ser de maior ajuda ás muiheres grávidas pos tas em dificuldades. Quanto ás minucias, o Papa as entregou aos Bispos, aos seus colaboradores e colaboradoras.

Würzburg, 26 de Janeiro de 1998».

Como se vé, os Bispos da Alemanha estáo dispostos a corresponder

aos anseios do S. Padre num setor de trabalho altamente delicado. Trata-se de sintonía com a lei de Deus relativa a nao matar inocentes e com toda a Igreja, que no mundo inteiro repudia o aborto. Queira Deus ilumi nar os Bispos alemaes e seus assessores para que encontrem a fórmula exata que permita á Igreja exercer sua missáo de aconselhamento sem ter que expedir certificados em favor do abortamento! 324

Sensacional:

A IGREJA RESOLVE ACEITAR O ESPIRITISMO?

Em síntese: Urna noticia divulgada pela internet anuncia que o teólogo Gino Concetti afirma tersido reconhecida a comunicacáo com os

morios pela Igreja. -A noticia é evidentemente falsa, pois contém contradigáo, rejeita a evocagáo dos morios, por exemplo mas apregoa o "diálo go com os falecidos" - o que é a mesma coisa. Além disto, um teólogo ¡solado, dando entrevista a um jornal vagamente citado, nao é credenciado porta-voz da Igreja. O Novo Catecismo da Igreja, citado pelo entrevista do, nao diz o que a entrevista Ihe atribuí. Donde se vé que se trata de noticia vaga e tendenciosa. *

*

*

Via internet a nossa revista recebeu mensagem segundo a qual a Igreja Católica já aceita o espiritismo e as práticas mediúnicas. O assunto desperta interesse e certa perplexidade; pelo qué será considerado a seguir. 1. A Mensagem

A mensagem redigida em espanhol diz o seguinte: "O VATICANO ANALISA A MEDIUNIDADE

Em novembro do ano de 1996, o Pe. Gino Concetti, comentarista do jornal 'L'Oservatore Romano', órgáo oficial do Vaticano publicou declaracóes no periódico ANSA, que nos revelam a Igreja em sua nova postura frente á comunicabilidade com os mortos e á paranormalidade. Vejamos algumas das respostas formuladas por Concetti: P. Que significa essa nova postura? R. Segundo o novo Catecismo moderno, Deus permite a nossos

caros defuntos que vivam na dimensáo ultraterrestre, enviar mensagens para guiar-nos em certos momentos da vida. Após novas descobertas na

área da psicología relativas ao paranormal, a Igreja decidiu nao proibir mais as experiencias de diálogo com os falecidos, sob a condicáo de que sejam executadas com finalidade seria, religiosa e científica. P. Para interpretar esses fenómenos, a Igreja permite recorrer aos

chamados 'sensitivos' e aos médiuns? 325

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

R. Sim; a Igreja permite recorrer a essas pessoas particulares, mas

com grande prudencia e sob certas condicóes. Os sensitivos aos quais se pode pedir assisténcia, devem ser pessoas que realizem suas experi encias, inclusive aquetas efetuadas com técnicas modernas, inspirándo se na fé. Se forem sacerdotes, será ainda melhor.

A Igreja corta todos os contatos dos fiéis com aqueles que se comunicam com o além praticando a idolatría, a evocacáo dos morios, a

necromancia, a supersticáo e o esoterismo; em suma... todas as práticas ocultas que incitem á negacáo de Deus e dos seus sacramentos". Passamos a breve comentario. 2. Refletindo...

Cinco sao os pontos que convém considerar. 1) Toda decisáo doutrinária da Santa Sé é publicada em documen to assinado pelo Santo Padre ou por seus colaboradores; a colecáo "Acta

Apostolicae Sedis" é o órgao através do qual sao divulgados todos os atos oficiáis da Santa Sé. Um teólogo ¡solado, dando entrevista a um jornal vagamente citado, nao pode ser tido como representante do pen-

samento da Igreja. 2) O jornal ANSA, ao qual G. Concetti terá concedido a sua entre vista, é citado de mane ira imprecisa, sem data de edicáo - o que foge as normas de urna noticia científica.

3) O novo Catecismo da Igreja Católica também é vagamente aduzido, sem indicacáo de parágrafos alusivos á mediunidade. Alias, estes

nao se acham no Catecismo; quem o percorre, só encontra ai a clássica doutrina da Comunháo dos Santos, sem referencia a "diálogo com os falecidos". Vejam-se os parágrafos seguintes:

§ 958 "A comunháo com os falecidos. Reconhecendo cabalmente

esta comunháo de todo o corpo místico de Jesús Cristo, a Igreja terres tre, desde os tempos primevos da religiao crista, venerou com grande

piedade a memoria dos defuntos (...) e 'já que é um pensamento santo e

salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados de seus peca dos' (2Mc 12,46), também ofereceu sufragios em favor deles. A nossa oracáo por eles pode nao somente ajudá-los, mas também tornar eficaz a sua intercessáo por nos. § 959 Na única familia de Deus. Todos os que somos filhos de

Deus e constituímos urna única familia em Cristo, enquanto no comuni camos uns com os outros em mutua caridade e num mesmo louvor á

Santíssima Trindade, realizamos a vocacáo própria da Igreja. 326

A 1GREJA RESOLVE ACEITAR O ESPIRITISMO?

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§ 2683 As testemunhas que nos precederam no Reino, especial mente as que a Igreja reconhece como santos, participam da tradicáo viva da oracáo, pelo exemplo modelar de sua vida, pela transmissáo de seus escritos e pela sua oracáo hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e

nao deixam de velar por aqueles que deixaram na térra. Entrando na alegría do Mestre, eles foram postos á frente de muito. A sua intercessáo é o mais alto servico que prestam ao plano de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nos e pelo mundo inteiro".

A Igreja aceita a invocacáo dos santos (oracoes humildes dirigidas aos justos do céu para que intercedam por nos), mas nao aceita evocacáo dos mortos (prática ritual que julga obter respostas e mensagens dos mortos).

4) O texto da mensagem eletrónica contém contradicóes:

- rejeita a evocacáo dos mortos e a necromancia, mas apregoa "o diálogo com os mortos" - o que é a mesma coisa; - a Igreja rejeita as práticas que levem "á negacáo de Deus e dos seus sacramentos". Por conseguinte, rejeita o espiritismo, que nega os sacramentos do Batismo, da Eucaristía, da Reconciliacáo...

5) O estudo da paranormalidade é algo de científico; consiste em observar o comportamento psíquico para-normal (= ao lado do normal).

Precisamente a consciéncia de que existe um comportamento paranormai dissipa a concepcáo de que os fenómenos estranhos produzidos no es piritismo se devem ao além, pois se verifica que sao suficientemente ex plicados pelo psiquismo do individuo paranormai. A Igreja aceita tranquilamente o estudo da paranormalidade, que ela distingue da comunicacao com os mortos. O sensitivo é o individuo dotado de paranormalidade mais ampia; nao é necessariamente um médium espirita; só será médium se julgar que os seus fenómenos

psiquicos paranormais sao produzidos por espíritos do além. Estas observacóes permitem concluir que a noticia em foco é fal sa, e nao somente falsa...; é também tendenciosa, pois tende a envolver o clero em práticas espiritas.

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Um Documento da Santa Sé:

REFORMA AGRARIA Em síntese: O Conselho de Justiga e Paz da Santa Sé publicou um documento sobre reforma agraria, cuidadosamente elaborado duran te anos, em atengáo aos problemas rurais existentes no mundo inteiro. Descreve minuciosamente a problemática dos pequeños labradores, desprezados e marginalizados. Propóe linhas de solugáo tiradas da Escritu ra Sagrada e da Doutrina Social da Igreja: a propriedade particular é legítima, mas sobre ela pesa urna hipoteca social; a posse da térra nao é independente de obrigagóes para com a sociedade, especialmente para com os mais pobres. Em seguida, o documento traga as linhas de autén tica e eficaz reforma agraria, que nao pode consistir apenas em distribuir térras, mas há de ser acompanhada de assisténcia tecnológica, econó mica, escolar..., tal que o trabalhador rural possa explorar seu campo e transportar seus produtos para os grandes mercados que Ihe déem a justa paga. Assim serio evitadas as migragdes de muitas familias que deixam o campo e váo para a periferia das grandes cidades, onde freqüentemente encontram motivo de frustragao e desánimo. *

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Após longos anos de trabalho foi assinado aos 23/11/1997 e publica do aos 13/01/98 um documento do Pontificio Conselho de Justica e Paz intitulado "Para melhor distribuicáo da Térra. O desafio da Reforma Agraria". O texto exigiu pesquisas e estudos múltiplos, pois a problemática rural varia de país a país, de continente a continente. Os redatores procu-

raram oferecer urna redacáo que fosse, ao menos parcialmente, válida para qualquer parte do planeta.

A fim de abordar eficazmente a questáo, o documento nao se deteve em problemas de agricultura em geral, mas concentrou-se no tocante á distribuicáo da térra, assunto que implica crédito, meios de transporte, maquinaria adequada...

O texto foi elaborado na base de noticias e dados históricos, estatísticos e outros levados á Santa Sé por diversas instituicSes e pessoas, especialmente pelo povo de Deus representado por seus Bispos e pelas

Nunciaturas Apostólicas; os Bispos da América Latina foram particular mente escutados, já que o continente latino-americano muito sofre com a injusta reparticáo de térras.

Nos países tidos como desenvolvidos, a agricultura nem sempre é devidamente considerada, cede aos interesses do mundo da economía, mais exigentes á primeira vista, embora até pouco tempo atrás a Uniáo 328

REFORMA AGRARIA

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Européia Ihe dedicasse a maior parte do seu balance É de notar também que os maiores exportadores mundiais de produtos agrícolas sao alguns dos países mais industrializados; os Estados Unidos e o Canadá exportam mais da metade dos 200 milhóes de toneladas de cereais importa dos pelos países que deles necessitam. Apesar de tudo, pode-se dizer que no mundo inteiro a opiniáo pública demonstra pouco interesse pelos problemas agrícolas Daí a importancia do documento da Santa Sé, que

enfatiza o valor do setor rural, fundamental para a alimentacáo da humanidade e para a existencia de milhares de familias que vivem do trabalho no campo, freqüentemente em condicóes ingratas e malsás. A própria revolucáo industrial nao teria sido possível sem o apoio da agricultura e o

progresso da mesma a partir da segunda metade do século XVIII.

Vamos, a seguir, sintetizar o documento do Conselho de Justica e Paz, que compreende tres partes: 1) Descricáo do problema (a concentracáo da propiiedade rural); 2) Os principios bíblicos e teológicos que devem inspirar a solucáo da problemática; 3) Urna eficiente reforma agraria, condicáo de um futuro mais inspirado pela justica. O texto observa nítidamente que nao é urna proposta política, pois esta nao é da alfada da Igreja (cf. n° 2). 1. O Problema: Concentracáo da Propriedade Rural

O sistema económico vigente no mundo atual é capaz de produzir enormes riquezas, mas nao consegue distribui-las adequadamente, nem mesmo nos países ricos e, muito menos, nos países em vía de desenvolvimento. Nestes a estrutura agraria é caracterizada, de um lado, por peque-

no número de extensas propriedades do senhorio de poucos latifundiários e, de outro lado, grande número de pequeños proprietários, colonos e loca tarios, que cultivam a térra restante, geralmente de qualidade inferior. Assim o cerne do problema vem a ser os latifundios, entendidos como "grandes extensoes de térra, cujos recursos sao geralmente pouco utilizados; o respectivo proprietário Ihes é, muitas vezes, ausente, pa gando mal seus funcionarios e aplicando tecnología antiquada" (n° 2, nota 2 do documento em foco). O latifundio assim conceituado é bem distinto, segundo o texto, das grandes propriedades organizadas e culti vadas com empenho e segundo tecnología moderna; tais propriedades tém sua problemática própria. A situacao dos latifundios é fruto de um passado próximo, ou seja, da segunda metade do século XIX, quando foram promulgadas leis que desvirtuaram a propriedade rural. Os Governos nacíonais tém-se preocupado com

rápida industrializacáo, na esperanza de que esta seja benéfica para toda a populacáo; em vista disto, as taxas de cambio e os precos dos diversos

produtos tém sido estipulados com desvantagem para os agricultores. Em conseqüéncia, muitos destes, sentindo-se prejudicados, abandonam a térra e a lavoura, o que mais favorece a concentracáo da propriedade da térra. 329

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As tentativas de reforma agraria até hoje realizadas tém logrado exiguos resultados, principalmente porque os Governos procederam como

se bastasse repartir ou redistribuir a térra (n° 7). Ora o documento da Santa Sé chama repetidamente a atencáo para o que há de ilusorio neste concertó; é necessário, além de distribuir térras, proporcionar á regiáo as indispensáveis infra-estruturas e os servicos sociais, oferecer assísténcia técnica, acesso ao crédito; além do mais, a desonestidade e a corrupcáo dos interessados frustraram as tentativas.

É de notar ainda que a necessidade de pagar a divida extema fez que os Governos favorecessem a producáo destinada á exportacáo, prejudicando, a mais um título, os pequeños proprietários, que nao costumam cultivar produtos destinados aos mercados estrangeiros. Ainda um espinhoso problema se impóe á consideracáo: o das tér

ras tradicionalmente ocupadas pelos aborígenes ou destinadas a eles. Grandes empresas muitas vezes se apoderaram dessas térras, ou acon

tece que estas foram alagadas para converter-se em bacías hidroelétricas ou ainda os exploradores do subsolo penetraram em tais terrenos, desrespeitando os direitos dos indigentes. Estes, alias, nao costumam conhecer os mecanismos jurídicos mediante os quais se possam defender, de modo que sao mesmo "legalmente" rechacados, apesar de que "a sua

cultura e a sua espiritualidade considerem a térra como base de todo valor e fator que os une e alimenta a sua identidade" (n° 11). Na verdade, ao perderem a térra, muitos povos indígenas perdem a sua cultura.

Para rechacar os aborígenes como também os pequeños proprie tários, ou para os obrigar a trabalhar em troca de um salario de fome, muitos grandes senhores nao hesitam em recorrer á violencia, tendo a cumplicidade das próprias autoridades governamentais.

Mais um ponto delicado é o que se refere aos títulos de posse e propriedade da térra. Nao raro as leis sao insuficientes, de modo que preva lece o direito do mais forte, do mais bem informado, do mais apadrinhado, sendo entáo expulsas da térra familias que durante decenios a habitaram. Nem sequer há interesse dos jovens em permanecer na zona rural, pois ai faltam escola, assisténcia médica e os subsidios que garantem o respeito a dignidade humana.

Nao raro ñas zonas rurais faltam adequados meios de transporte, o que dificulta aos lavradores o acesso aos servicos sociais e os impede de chegar aos grandes mercados para vender seus produtos em boas condicoes; sao obrigados a vender no mercado local, muitas vezes domi nado por monopolio.

Observa-se também que em varios países faltam as garantías da Previdencia Social para os agricultores. A perspectiva da velhice desam330

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parada faz que muitos vejam nos fiihos um fator de seguranca para o seu fim de vida. Daí a elevada taxa de crescimento da populacáo. Este fator,

por sua vez, provoca forte fluxo migratorio do campo para a periferia das

megápoles, ñas quais os emigrantes nao conseguem inserir-se.

Por último, acontece que em tais circunstancias os problemas ambientáis se agravam. Daí o desmatamento de grandes áreas para se conseguir térra produtiva como também vSo sendo cultivados terrenos improprios, de encostas ou arenosos, porque a térra boa fica em máos

dos grandes proprietários.

2. Os Principios Bíblicos e Teológicos

O mundo rural está bem presente aos autores bíblicos, de modo que deixaram a posteridade significativos textos relativos á térra e ao homem no plano de Deus.

O Senhor Deus, ao criar, confiou a térra e seus recursos naturais ao homem, a fim de que os cultivasse como imagem e lugar-tenente de Deus, dente de que a natureza é um dom do Criador e urna béncáo. A prerrogativa de dominar a térra "no Egito e na Babilonia... era atribuida a alguns. No texto bíblico, porém, o dominio toca á pessoa humana como tal e, por conseguinte, a todos" (n° 23). Na Biblia o israelita se senté realmente livre quando possui o seu pedaco de térra, mas é claro que o homem nao é o verdadeiro senhor da térra, e sim o seu administrador. O verdadeiro senhor é Deus. Isto signi fica duas coisas importantes: de um lado, ninguém, nem mesmo o reí, pode retirar a térra do respectivo usuario; doutro lado, o direito de propriedade sofre limitacoes; por isto é que de cinqüenta em cinqüenta anos se celebrava o jubileu, ocasiáo em que voltavam aos antigos proprietári os as térras e as casas vendidas; nessa mesma ocasiáo, a lavoura cessava e os campos repousavam:

"A térra nao será vendida para sempre, pois a térra me pertence, e

vos sois para mim estrangeiros e hospedes" (Lv 25,23). A Doutrina Social da Igreja, baseando-se nos principios bíblicos, afirma, de um lado, o destino universal dos bens naturais e, de outro lado, o direito á apropriacio individual desses bens. O direito á proprie-

dade privada "nao é incondicional, mas caracterizado por vínculos bem precisos" (nB 30), pois sobre a propriedade particular pesa urna hipoteca social. Em conseqüéncia ensinam S. Tomás de Aquino e, depois dele, o Concilio do Vaticano II: "Aquele que se encontra em extrema necessidade, tem o direito de se valer das riquezas de outrem" (Constituicáo Gaudium et Spes, ns 69a). Este principio ajuda a esclarecer os casos de camponeses que lavraram a térra sem que Ihes fosse concedido o ne-

cessário para sobreviver, como também certas invasoes de térra 331

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ocorrentes em casos de extrema necessidade ou indigencia; tais situacóes podem ser legitimadas quando se trata realmente de extrema po breza e total falta de melhores perspectivas. O latifundio, conseqüentemente, é condenado como "intrínseca mente ou, como tal, ilegítimo", porque recusa a numerosos trabalhadores o direito de participar eficientemente do processo produtivo e de prover ás necessidades deles mesmos, de suas familias e da nacáo a que

pertencem. Ao mesmo tempo sao condenadas as injusticas decorrentes

de indevida apropriacáo da térra como também a exploracáo dos trabaIhadores remunerados com salario indigno de urna pessoa humana. A solucáo de táo graves problemas é a reforma agraria, muito re comendada por documentos pontificios anteriores: "Nos casos de térra nao suficientemente cultivada, justifica-se a expropriacáo da térra medi ante a devida indenizacáo dos proprietários, a fim de entregar um lote a quem nao o tenha ou a quem só possua urna porcáo muito limitada" (n9 36). O documento recomenda outrossim a difusáo e a defesa da propriedade particular, tendo em vista favorecer a pequeña empresa familiar; todavía nao é excluida a propriedade comunitaria, tradicional entre os povos indígenas.

É reconhecido, além do mais, o direito, dos lavradores, de consti tuir agremiacóes que defendam os seus direitos.

Para concluir, é dito que á propriedade da térra se deve associar a propriedade do saber, decorrente de adequada rede escolar. 3. Para urna eficiente Reforma Agraria O terceiro capítulo é inteiramente dedicado á reforma agraria con siderada como "necessária e inadiável" para o desenvolvimento harmonioso da economía e da sociedade.

Entre outras vantagens da reforma, apontam-se: garantir a alimentacáo das populacoes e conter a onda de migracáo para as grandes cidades. Isto nao poderá deixar de redundar em expansáo da industria e da

economia em geral. Assim também se evitaráo as invasóes de térra: "Es tas..., mesmo quando provocadas por situacóes de extrema necessida de, ficam sendo atos nao conformes aos valores e ás regras de urna auténtica convivencia social" (n° 44). A ocupacáo de térra é a expressáo de situacóes intoleráveis, que háo de ser evitadas mediante genuína reforma. O documento repete que a reforma agraria, para ser eficaz, nao se pode limitar á distribuigao de térra, mas há de ser completada por urna serie de outras medidas que a tornem duradoura: - coeréncia com a política nacional e com a dos organismos internacionais; 332

REFORMA AGRARIA

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- assisténcia técnica que ajude o lavrador a utilizar a tecnología adequada, da qual resultaráo aumento de producáo e protecáo do ambiente; - acesso ao crédito e criacáo de cooperativas, fator de éxito; - instrucio para homens e muiheres em níveis correspondentes aos seus justos anseios; quem tem certa cultura geral, sabe melhor encaminhar-se na vida, vencer obstáculos e inserir-se na sociedade; - consideracáo respeitosa das muiheres, que em alguns países sao responsáveis por mais da metade do trabalho agrícola (cf. n° 52). As muiheres costumam ser estimadas pelo seu trabalho doméstico e nao

como agentes de tarefas produtivas; as leis geralmente privilegiam os homens, principalmente quando se trata de propriedade da térra. Levem-se em conta outrossim os direitos das.populacóes indíge nas; sejam-lhes restituidas as térras que possuíam, especialmente se

Ihes foram subtraídas em época recente. Em suma, haja participacáo das comunidades interessadas, sempre que o Estado tiver que definir programas e leis referentes ao mundo rural.

É de notar que urna eficaz reforma agraria implica a colaboracáo de varias organizacóes nacionais e internacionais; pode também benefi ciar o comercio internacional. Enfim a proximidade do jubileu do ano 2000 deve levar todos os cristáos a um exame de consciéncia e urna tomada de responsabilidade mais eficiente. Ao abordar o tema bíblico da distribuicáo da térra, o Pontificio Conselho de Justica e Paz tenciona chamar a atencáo para um dos cenários mais tristes e dolorosos, que apelam para a co-responsabilidade também de muitos cristáos, marcado que é por graves modalida des de injustica e marginalizacáo social, que violam direitos humanos fundamentáis (cf. n9 60). "O espirito do jubileu leve-nos a dizer 'Basta!' aos muitos pecados individuáis e sociais que provocam situacoes de pobreza e injustica dramáticas e intoleráveis" (ns 61). Em conclusáo: o documento da Santa Sé considera um grave pro

blema nem sempre reconhecido pelas autoridades civis, mas de enorme abrangéncia, pois diz respeito a milhoes de seres humanos, muitas vezes levados ao desespero por falta de ajuda. A Igreja quer dizer-lhes, mediante tal pronunciamento, que Ela caminha lado a lado deles, a fim de tutelar os seus direitos e ajudá-los a viver a dignidade de criaturas amadas por Deus.

Este artigo muito deve ao de Gian Paolo Salvini S. J.: La Térra é per tutti, publicado em La dviltá Cattolica 19981, pp. 484-493. *

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APÉNDICE A Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, em sua 368 Assem333

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

bléia plenária, publicou numa declaracáo sobre a Reforma Agraria, data da de 1s/5/98, que passamos a transcrever:

PARA UMA EFETIVA REFORMA AGRARIA "A questáo da Reforma Agraria vai além dos interesses, conflitos e reivindicacóes da populacáo do campo, de movimentos ligados á térra, de produtores rurais e de órgáos governamentais. Inúmeras sao as razóes que fazem da Reforma Agraria, no con senso geral, urna prioridade nacional: a concentrado da propriedade da térra, o éxodo rural, o aumento do desemprego, o crescimento, sem con trole, da populacáo urbana, e, últimamente, o confronto multas vezes

violento entre os sem-terra, os proprietários rurais e as torcas policiais.

O assentamento de milhares de familias acampadas exige, com

urgencia, urna solucáo justa e pacífica. A Reforma Agraria é caminho para a paz social no campo e ñas grandes cidades atormentadas pelo desemprego, a violencia e a subnutricao endémica de milhóes de brasileiros. Também a solidariedade para com os famintos de outras regióes do mundo obriga-nos, como Nacáo e Estado, a rever a estrutura fundiária e os objetivos do desenvolvimento económico do Brasil. A concretizacáo da Reforma Agraria incluí, além disto, urna eficien te política agrícola, com legislacáo tributaria mais adequada para a pro

priedade rural e a producáo agropecuaria, mecanismos de apoio á pro priedade familiar com incentivo ao desenvolvimento de cooperativas, á defesa das populacóes indígenas e grupos de remanescentes dos 'quilombos' contra a expropriacáo de suas térras.

O recente documento 'Para urna melhor distribuigáo da térra - O Desafio da Reforma Agraria' do Pontificio Conselho de Justica e Paz (Roma, 23/11/97), explícitamente confirmado e aprovado pelo Papa Joáo Paulo II, é posicáo clara e comprometedora da Igreja e, portante interpelante para a consciéncia de todos os brasileíros, especialmente dos governantes, diante do problema da térra. A Assembléia da CNBB, reunida em Itaici, assume com responsabilidade esse documento e manifesta a firme esperanca de que ele se torne ponto de partida para um grande consenso, envolvendo governo e sociedade, a fim de que se comprometam a dar os passos necessários para a táo esperada Reforma Agraria em nosso País.

Que Deus ilumine, com sua sabedoria, governantes, movimentos

sociais e todos que se empenham para que se efetive a Reforma Agraria. Que, com a protecáo da Virgem Máe Aparecida, cooperemos todos, em espirito de solidariedde e fraternidade, na construcáo da justica social em nosso Brasil. Itaici (SP), 19 de maio de 1998 334

A Desonestidade da "Folha Universal"

"O JURAMENTO DOS JESUÍTAS" por Karol Weiss

Em sfntese: O jornal "Folha Universal" ataca a Companhia de Je

sús mediante documento espurio e caluniador. O articulista Karí Weiss transcreve um pretenso juramento dos jesuítas que se comprometiam a eliminar "os hereges", sem citara fonte respectiva - o que fere as normas de um trabalho científico que merega consideragáo. Os historiadores sabem que os jesuítas tém sido falsamente acusados no decorrerdos séculos, inclusive mediante um libelo intitulado "Mónita Secreta" (Admoestagües Secretas), que os própríos protestantes mais cultos reconhecem ser falso. *

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O jornal "FOLHA UNIVERSAL", da Igreja Universal do Reino de Deus, é sistemáticamente agressivo á Igreja Católica, valendo-se mesmo de inverdades e calúnias, como já tem sido registrado em números

anteriores de PR; ver 422/97, pp 325-328; 423/97, pp. 387s; 430/98, pp. 111-114. Em sua edicáo de 22/3/98, p. 3, o jornal publicou veemente ata que aos jesuítas assinado por Karl Weiss, que se baseia em falso docu mento: segundo Weiss, os jesuítas foram fundados para combater o protes tantismo; deviam jurar aplicar todos os meios para eliminar os protestantes, inclusive no Brasil; fundaram escolas em nossa patria para impedir a propagacáo do protestantismo... Eis o comeco do texto do presumido juramento:

"Prometo, na presenga de Deus e da Virgem María, e de ti, meu pai espiritual, superior da Ordem Geral dos Jesuítas, e pelas entranhas da Santfssima Virgem, defender a doutrina contra os usurpadores protes tantes, liberáis e magons, sem hesitar".

A simples leitura deste texto dá a ver como é espurio e falso. Foi traduzido para o portugués a partir de um original de outra língua (qual?) sem conhecimento do assunto; com efeito, os jesuítas nao constituem urna Ordem Geral, mas a Companhia de Jesús... Ademáis a Companhia foi fundada em 1540, ao passo que a Maconaria filosófica (a que hoje

existe) foi fundada em 28/2/1723. É, pois, impossível que, no século XVI,

os jesuítas tenham sido fundados para combater a Maconaria, que nao

existia. Tal juramento falso só pode ter sido redigido no século XVIII, depois que os jesuítas haviam fundado muitos colegios no Brasil. Karl Weiss nao indica a fonte donde transcreveu o texto do pretenso

juramento; desta maneira fere as normas de um trabalho científico e nao pode ser levado a serio, pois todo trabalho que pretenda merecer atencáo indica as suas fontes, especialmente quando diz citar algo. O final do texto diz o seguinte: 335

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 434/1998

«'Farei arrancar seus estómagos e o ventre de suas mulheres, e esmagarei a cabega de suas criangas contra a parede, a fim de extirpara raga. Quando nao puder fazer isso publicamente, usarei secretamente o

veneno na chávena de cha, a corda de estrangular, o lago, o punhal e a bala de chumbo.

Com este punhal molhado no meu sangue, farei minha rubrica como

testemunha. Se eu for falso ou perjuro, podem meus irmáos, os soldados do papa, cortarem máos e pés, e minha garganta de orelha a orelha; minha barriga seja abena e queimada com enxofre, e que minha alma seja torturada pelos demonios para sempre no inferno'» Tais dizeres, bárbaros como sao, jamáis poderáo ter sido texto oficial da Companhia de Jesús, que contou, entre os seus membros, figuras de relevo, reconhecidas como beneméritas pela historiografía brasileira; tenhamse em vista os Padres José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Antonio Vieira...

Existe, sim, um documento falso, que ridiculariza os jesuítas com o título "Mónita Secreta" (Admoestacóes Secretas) datado do século XVII. Terá Karl Weiss tirado desse libelo o texto do pretenso juramento? - Nao é de crer, pois o juramento se volta contra os macons, que só comecaram a existir, como tais, no século XVIII. De resto, os "Mónita Secreta" foram desacreditados por historiadores críticos e abalizados, mesmo entre os ad versarios dos jesuítas. Tenhamos em vista os protestantes Gieseler, Hubert, Tschackert, Reusch, Pauius, Nippol e os dois velhos-católicos Doeliinger e Friedrich (Janus). Adolf von Harnack, protestante liberal, escrevia:

"É lamentável que tenham explorado contra a Companhia de Jesús falsos documentos como os Mónita Secreta. Saibamos nos, protestan tes, precaver-nos contra falsos testemunhos a respeito do próximo" ("Theologische Literaturzeitung" 1891, p. 122).

O historiador R. F. Littledale no verbete «Jesuits» da «Encyclopaedia Britannica» (ed. de 1930) observava o seguinte:

"As Regras oficiáis e as Constituigóes da Companhia de Jesús estáo em contradigáo patente com essas pretensas instrugóes (dos Mónita), pois proíbem expressamente aceitar dignidades eclesiásticas, a menos que por ordem explícita do Papa; desde os tempos do fundador Inácio, sabemos quantos obstáculos a Companhia opós a tais promogóes. Ade máis nao raro aconteceu que instrugóes auténticas secretas, provenien tes do Superior Geral e dirigidas a Superiores subalternos, caíssem em máos hostis; ora em muitos casos essas instrugóes auténticas promulgavam orientagóes diretamente contrarias ás dos Mónita; em nenhum caso, aquelas corroboram a estas". Pode-se, pois, concluir que os "Mónita Secreta" sao um juramento forjado e espurio.

continua na pág. 315

336

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