Ano Xxxix - No. 432 - Maio De 1997

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P rojeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Verítatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da rtossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos

bombardeados

por

numerosas

correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

;

'] i

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

e

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

Ano xxxix

Maio 1998

432

A Dama Sabedoria

A Igreja Católica acrescentou Livros á Biblia? "Os Homens de Qumran" (García Martínez e Trebolla Barrera) "Karol Wojtyla me salvou a vida em 1945" (Edith Zirer)

"O Inferno nao existe" (Leonardo Boff) Ainda o Horóscopo Símbolos religiosos e publicidade

"Vocé Decide": Incesto? Plínio o Jovem a Trajano Imperador

O Canon dos Cristáos Orientáis Separados Duas parábolas nao bíblicas

MAI01998

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

N°432

Publicacao Mensal

Diretor

SUMARIO

Responsável

Estéváo Bettencourt OSB

A Dama Sabedoria

Autor e Redator de toda a materia

Onde está a Verdade? A Igreja Católica acrescentou Livros á Biblia? 194

publicada neste periódico Diretor-Administrador:

A mais importante descoberta arqueológica: "Os Homens de Qumran" (García Martínez e Trebolla Barrera) 203

D. Hildebrando P. Martins OSB Administrado

e

Distribuicáo:

Edicoes "Lumen Chrísti' Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501

Tel.: (021) 291-7122

para

Magnanimidade e Coragem: "Karol Wojtyla me salvou a vida em 1945" (Edith Zirer) 210 Urna tresleitura bíblica: "O Inferno nio existe" (Leonardo Boff)... 212

Fax (021) 263-5679

Endereco

193

Correspondencia:

Ed. "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" na INTERNET: http://www.osb.org.br e-mail: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET Impressüoe EncadernapSo

Forjas cegas e ocultas? Ainda o Horóscopo

216

Desrespeito e abuso: Símbolos Religiosos e Publicidade

219

Emocao e calor: "Vocé Decide": Inoesto?

224

No século II d.C: Plínio o Jovem a Trajano Imperador .... 230 O Canon dos Cristáos Orientáis Separados

234

Procurando ver o Invisfvel: Duas parábolas nao bíblicas

235

"marques saraiva- COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

GRÁFICOS E EDITORES Ltda.

Te,s, (021) 502-9498

NQ pR0X|M0 NUMERO:

Clonagem humana (Pontificia Academia Pro-Vita).- «O Papa que venceu o Comunismo» (B. Lecomte). - O caso Balasurija. - Os Mórmons: quem sao? - «Vita Brevis» (carta de Flória Emilia a Agostinho). - Aborto e Academia de Medicina do Paraguai. - O valor do silencio.

(PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA:

(NÚMERO AVULSO

R$ 30,00).

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O pagamento poderá ser á sua escolha: 1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ. 2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, para agencia 0435-9 Rio na

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3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado ás EDICÓES "LUMEN CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

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para: Edicdes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 20001-970

Rio de Janeiro - RJ

>

A DAMA SABEDORIA Os livros tardíos do Antigo Testamento muito enaltecem a Sabedoria de Deus,... Sabedoria que equilibra as criaturas entre si e faz a harmonía das coisas dispares, ... Sabedoria em virtude da qual Deus permite que o homem cometa suas falhas, pois sabe tirar dos males bens ainda maiores (S. Agostinho). A tal ponto chegou a estima da Sabedoria Divina que os autores sagrados a conceberam como Pessoa criada por Deus e assistente do Altíssimo na obra da criacáo do mundo e no governo de todos os seres. Na verdade, trata-se de imagens poéticas, pois os judeus nao admitiriam alguma proposicáo que parecesse quebrar a sua fé monoteísta. Eis um dos maís belos espécimens desse discurso poético:

"O Senhorme criouprimicias da sua obra, dos seus feitos mais antigos... Quando os abismos nao existiam, eu fui gerada, quando nao existiam os mananciais das aguas. Antes que as montanhas fossem implantadas, antes das colinas, eu fui gerada. Ele ainda nao havia feito a terna e a en/a, nem osprimeiros elementos do mundo. Quando firmava os céus, lá eu estava, quando tracava a abobada sobre a face do abismo, quando condensava as nuvens do alto, quando se enchiam as fontes do abismo, quando punha um limite ao mar... eu

estava junto com ele como um mestre-de-obras, eu era o seu encanto todos os días, todo o tempo brincava em sua presenca, brincava na superficie da térra e me alegrava com os homens"'(Pr 8,22.24-32; cf. Sb 7,22s; Eclo 24,3-6).

No decurso do tempo, esta personificacáo poética da Sabedoria foi entendida por autores cristáos como insinuacáo da segunda Pessoa da SS. Trindade, que, conforme os teólogos, procede por via do intelecto ou como Lógos ou Sabedoria do Pai; tenha-se em vista o próprio Sao Paulo em 1Cor 1,30: "Cristo Jesús se tornou para nos sabedoria proveniente de Deus". Assim o Antígo Testamento, lido á luz do Novo Testamento, estaría prepa rando a revelacáo do misterio trinitario. Num passo ulterior, a Liturgia católica estendeu a aplicacáo dos textos do Antigo Testamento a Maria SSma. Como e por qué? - A Virgem SSma.

é a Sede da Sabedoria e a obra-prima da Sabedoria Divina; por isto ela participa do elogio que toca á Sabedoria Divina. Com efeito; Maria SSma., na sua qualidade de genitora do Verbo feito carne, tornou-se o tabernáculo do Logos ou da Sabedoria eterna; é tida como a Virgem Sabia por excelen cia, aquela criatura privilegiada em que a harmonía de paixóes e afetos deixa transparecer a grandeza e a santidade do próprio Deus.

É esta faceta de Maria SSma. que se propóe particularmente á consideracáo dos cristáCó neste mes de maio, dedicado a Maria. Se o predicado de Máe de Deus e dos homens é de importancia capital, pode-se crer <}i¡e o aspecto de Sede da Sabedoria é outrossim ponderoso neste momento de desconcertos e desatinos sociais. A Sabedoria, visáo das coisas a partir da ek midade, só pode serenar os ánimos e abrir roteiro para que, no emaranhado dac idéias da hora presente, o cristáo descubra o caminho do Absoluto e Definitivo. E.B. 193



PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXIX - N9 432 - Maio de 1998

Onde está a Verdade?

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA?

Em síntese: Certas correntes protestantes alegam que a Igreja Católica, no sáculo XVI, acrescentou sete livros á Biblia, a saber: Tobías, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico, 1/2 Macabeus, além de frag mentos como Ester 10,4-16,24 e Daniel 3,24-90; Daniel caps. 13 e 14. Tal versáo da historia é falsa, como se deduz do estudo do canon do Antigo Testamento, estudo realizado nao somente por autores católicos, mas por

mestres protestantes, cujos dizeres vao reproduzidos ñas páginas subseqüentes.

* * *

A revista VINDE, protestante moderada, publicou em seu número de novembro 1997, p. 39, urna noticia (alias, nao rara nos escritos pro testantes) assim concebida:

«Se a produgáo de biblias católicas é semelhante a protestante em

termos de crescimento numérico, as semelhangas entre ambas param por ai. As biblias católicas incluem os livros chamados deuterocanónicos ou apócrifos, como Tobías, Judite, Macabeus e Sabedoria, que sao

rechazados pelos evangélicos. A Igreja Católica Romana aceita a autoridade desses escritos, que foram encontrados numa versáo grega das Escrituras, mas excluidos dos cánones da Biblia hebraica pelo Sínodo de Jamnia, por volta do ano 100 da Era Crista. Para os protestantes, assim como os ortodoxos orientáis - outro ramo do cristianismo -, esses livros, embora contenham relatos históricos verídicos, nao possuem a

necessária inspiragáo divina para legitimá-los como fonte de doutrina e ensinamento. Tanto que ficaram quase 1.500 anos fora das Escrituras, só voltando para a Biblia usada pelos católicos a partir do Concilio de 194

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA?

3

Trento, no século 16, como parte da reagáo da Igreja Romana a Reforma Protestante».

O autor da noticia refere-se aos sete livros que os católicos designam como deuterocanónicos e os protestantes tém como apócrifos. Sao eles: Tobías, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, 1/2 Macabeus,

além de fragmentos como Ester 10,4-16,24; Daniel 3,24-90; 13-14. Tais livros e fragmentos nao constariam da Biblia dos cristáos até o século XVI, conforme certas correntes protestantes; o Concilio de Trento os terá ai introduzido em 1546. Tal acusacáo é grave e, além de grave, é falsa. Com efeito; os

próprios autores protestantes que estudam o assunto, atestam que os

livros deuterocanónicos passaram da biblioteca sagrada dos judeus de Alexandria para a Biblia dos cristáos logo no inicio do Cristianismo. - Isto

será demonstrado ñas páginas subseqüentes, que exporáo: 1) a historia do canon do Antigo Testamento (após breve explicacáo da terminología); 2) os testemunhos de estudiosos protestantes que corroboram tal versáo dos fatos e nao deixam dúvida de que nao foi o Concilio de Trento que acrescentou livros e fragmentos á Biblia; antes foram os protestantes que retiraram tais escritos da Biblia dos cristáos. 1. Nomenclatura

Notemos os termos habitualmente utilizados neste estudo: 1) Canon, do grego kanón = regra, medida -> catálogo. 2) Canónico = livro catalogado - o que implica seja inspirado.

3) Protocanónico = livro catalogado protón, isto é, em primeiro lugar ou sempre catalogado.

4) Deuterocanónico = livro catalogado déuteron ou em segunda instancia, posteriormente (após ter sido controvertido).

5) Apócrifo, do grego apókryphon = livro oculto, isto é, nao lido ñas assembléias públicas de culto, reservado á leitura particular. Em con-

seqüéncia, livro nao canónico ou nao catalogado, embora tenha aparéncia de livro canónico (Evangelho segundo Tomé, Evangelho da Infancia,

Assuncáo de Moisés...).

Os apócrifos, embora tenham sido, durante sáculos, tidos como desprezíveis portadores de lendas, sao últimamente reconhecidos como

valiosos para a historia do Cristianismo, porque 1) através de suas afirmacóes referem o modo de pensar dos judeus e cristáos dos séculos

pouco anteriores e pouco posteriores a Cristo (século II a.C. até século V d.C); 2) podem conter proposicóes verdadeiras que nao foram consig195

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

nadas pelos autores sagrados (os nomes dos genitores de María SS., a Apresentacáo de María no Templo aos tres anos de ídade, a assuncáo corporal de María após a morte...); 3) contém sentencas de hereges, que contribuem para a compreensao da historia do Cristianismo.

O Canon católico compreende 47 livros do A.T., se se conta como unidade distinta a carta de Jeremías (= Baruque 6); se, ao contrario, é considerada como o capítulo 6 de Baruque, o total é de 46 livros. No Novo Testamento há 27 livros - o que perfaz 74 (73) livros sagrados ao todo.

Examinaremos, a seguir, a historia do Canon ou a maneira como se foi formando o catálogo do Antigo Testamento. 2. Historia do Canon do Antigo Testamento As passagens bíblicas comecaram a ser escritas esporádicamente

desde os tempos anteriores a Moisés; é de notar que a escrita era urna arte rara e cara na antigüidade. Moisés foi o primeiro codificador das tradicóes oráis e escritas de Israel, no século XIII a.C. - Essas tradicoes (leis, narrativas, pepas litúrgicas) foram sendo acrescidas aos poucos por outros escritos no decorrer dos séculos, sem que os judeus se preocupassem com a catalogacáo das mesmas... Assim foi-se formando a biblioteca sagrada de Israel.

Todavía, no século I da era crista, deu-se um fato importante: co mecaram a aparecer os livros cristáos (cartas de S. Paulo, Evangelhos...), que se apresentavam como continuacáo dos livros sagrados dos judeus. Estes, porém, nao tendo aceito o Cristo, trataram de impedir que se fizesse a aglutinacáo de livros judeus e livros cristáos. Por isto, segundo bons autores modernos, varios rabinos reuniram-se no sínodo de Jámnia ou Jabnes ao Sul da Palestina, por volta do ano 100 d.C, a fim de estabelecer as exigencias que deveriam caracterizar os livros sagrados ou inspirados por Deus. Foram estipulados os seguintes criterios: 1) o livro sagrado nao pode ter sido escrito fora da térra de Israel;

2)... nao em língua aramaica ou grega, mas somente em hebraico;

3) ... nao depois de Esdras (458-428 a.C); 4)... nao em contradicao com a Tora ou Lei de Moisés. Em conseqüéncia, os judeus da Palestina fecharam o seu canon sagrado, sem reconhecer livros e escritos que nao obedeciam a tais cri

terios. Acontece, porém, que em Alexandria (Egito) havia próspera colo nia judaica, que, vivendo em térra estrangeira e falando língua estrangei196

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA?

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ra (o grego), nao adotou os criterios nacionalistas estipulados pelos ju deus de Jámnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os livros sagrados hebraicos para o grego entre 250 e 100 a.C, dando assim origem á versáo grega dita "Alexandrina" ou "dos Setenta Intérpretes". Essa edicáo grega bíblica encerra livros que os judeus de Jámnia nao aceitaram, mas que os de Alexandria liam como palavra de Deus; assim os

livros de Tobías, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico (ou Siracides), 1/2 Macabeus, além de Ester 10,4-16,24; Daniel 3,24-90; 13-14.

Podemos, pois, dizer que havia dois cánones entre os judeus no inicio da era crista: a restrito da Palestina, e o ampio de Alexandria. Ora acontece que os Apostólos e Evangelistas, ao escreverem o

Novo Testamento em grego, citavam o Antigo Testamento, usando a traducao grega de Alexandria, mesmo quando esta diferia do texto hebraico; tenham-se em vista Mt 1,23 (-► Is 7,14); Hb 10,5 (-> SI 39,7); Hb 10,37s

(Hab 2,3s); At 15,16s (-> Am 9,11s). O texto grego tornou-se a forma comum entre os cristáos; em conseqüéncia, o canon ampio, incluindo os sete livros e os fragmentos citados, passou para o uso dos cristáos. Verificamos também que nos escritos do Novo Testamento há citacdes implícitas dos livros deuterocanónicos. Assim, por exemplo, Rm 1,1932 -> Sb 13,1-9; Rm 13,1 -> Sb 6,3; Mt 27,43 -> Sb 2,13.18; Tg 1,19 -> Eclo 5,11; Mt 11,29s -> Eclo 51,23-30; Hb 11,34s -> 2Mc 6,18-7,42; Ap 8,2 ->Tb 12,15.

Deve-se, por outro lado, notar que nao sao (nem implícitamente) citados no Novo Testamento livros que, de resto, todos os cristáos tém como canónicos; assim Eclesiastes, Ester, Cántico dos Cánticos, Esdras, Neemias, Abdias, Naum, Rute, Proverbios.

Nos maís antigos escritos patrísticos sao citados os deuterocanónicos como Escritura Sagrada: Clemente Romano (em cer ca de 95), na epístola aos Corintios, recorre a Jt, Sb, fragmentos de Dn,

Tb e Eclo; o Pastor de Hermas, em 140, faz ampio uso do Eclo e do 2 Me (cf. Semelhancas 5,3.8; Mandamentos 1,1...); Hipólito
Nos séculos II/IV houve dúvidas entre os escritores cristáos com referencia aos sete livros, pois alguns se valiam da áutoridade dos ju deus de Jerusalém para hesitar; outros deixavam de lado os deuterocanónicos, porque nao serviam para o diálogo com os judeus.

Finalmente, porém, prevaleceu na Igreja a consciéncia de que o canon do Antigo Testamento deveria ser o de Alexandria, adotado pelos Apos tólos; sabemos que, das 350 citacóes do Antigo Testamento no Novo, 197

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

300 sao tiradas da versáo dos Setenta. Em conseqüéncia, os Concilios

regionais de Hipona (393), Cartago III (397), Cartago IV (419), Trulos (692) definiram sucessivamente o Canon ampio como sendo o da Igreja. Esta definicáo foi repetida pelos Concilios ecuménicos de Florenca (1442), Trento (1546), Vaticano I (1870).

S. Jerónimo (t 421) foi, sem dúvida, urna voz destoante neste con junto. Tendo ido do Ocidente para Belém da Palestina a fim de aprender o hebraico, assimilou também o modo de pensar dos rabinos da Palesti na neste particular.

Durante a Idade Media pode-se dizer que houve unanimidade en tre os cristáos a respeito do canon.

No século XVI, porém, Martinho Lutero (1483-1546), querendo con testar a Igreja, resolveu adotar o canon dos judeus da Palestina, deixan-

do de lado os sete Iivros e os fragmentos deuterocanónicos que a Igreja

recebera dos judeus de Alexandria. É esta a razáo pela qual a Biblia dos

protestantes nao tem sete Iivros e os fragmentos que a Biblia dos católi cos incluí. Para dirimir as dúvidas, observamos que - os criterios adotados pelos judeus de Jámnia para nao reconhecer certos Iivros sagrados eram criterios nacionalistas; tal nacionalismo decorria do fato de que desde 587 a.C. os judeus estavam sob dominio estrangeiro, que muito os aborrecía;

- é o Espirito Santo quem guia a Igreja de Cristo e fez que, após o período de hesitacáo (séc. I-IV), os cristáos reconhecessem como válido o canon ampio.

Alias, o próprio Lutero traduziu para o alemáo os Iivros deuterocanónicos: na sua edicáo alema datada de 1534 o catálogo é o dos católicos - o que bem mostra que os deuterocanónicos eram usuais entre os cristáos. Nao foi o Concilio de Trento que os introduziu no canon. De resto, as Sociedades Bíblicas protestantes até o séc. XIX incluiam os deuterocanónicos em suas edicóes da Biblia.

Para os católicos, os Iivros deuterocanónicos do Antigo Testamen to sao táo valiosos como os protocanónicos; sao a Palavra de Deus inerrante, que, alias, os próprios judeus da Palestina estimavam e liam como textos edificantes. Por exempio, os próprios rabinos serviam-se do Eclesiástico até o séc. X como Escritura Sagrada; o 1Mc era lido na festa

de Encénía ou da Dedicacáo do Templo (Hanukkah). Baruque era lido em alta voz ñas sinagogas do séc. IV d.C., como atestam as Constitui-

cóes Apostólicas. De Tobías e Judite temos midrachim ou comentarios em aramaico, que atestam como tais Iivros eram lidos na sinagoga. 198

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU UVROS Á BÍBLIA?

7

3. Os Testemunhos de Autores Protestantes1

Serao citados Edgard Johnson Goodspeed e Bruce M. Metzger. 3.1. "Como nos veio a Biblia" (Edgard J. Goodspeed) Tal obra foi traduzida do inglés e enriquecida com notas por B. P. Bittencourt; é edicáo da Imprensa Metodista, datada de 1981. Diz o tradutor da obra no Prefacio:

«Edgar Johnson Goodspeed nao necessita apresentagáo. Nasceu

em 1871, doutorando-se na Univerisdade de Chicago em 1898. No mesmo ano tornou-se professorda Faculdade de Teología da mesma Universidade, no Departamento de Novo Testamento. Em 1915 foi nomeado Professor Catedrático de Novo Testamento. Em 1933 foi designado "professor distinto" da cátedra "Ernest D. Burton" de grego patrístico da qual se tornou professor emérito ao aposentarse em 1953.

Visitei a Universidade de Chicago no veráo de 1954. Pelos corre

dores vetustos da Faculdade de Teología paira o espirito erudito do Dr. Goodspeed. Sua obra é ¡mortal. Autor de mais de cincoenta volumes so bre a Biblia e seu significado, é ele conhecido através do mundo inteiro». Eis o que Goodspeed apresenta como resultado de seus estudos: Páginas 61-63 da obra em foco:

«Enquanto os judeus da Palestina limitavam o conteúdo de suas escrituras aos livros que conhecemos como o Velho Testamento, os ju deus que falavam grego e que viviam no Egito nao pararam ai. Entre eles creceu um considerável grupo de outros escritos históricos e religiosos, em parte pela tradugáo de novas obras da literatura hebraica, ou pela ampliagáo de livros do Velho Testamento tais como Ester e Daniel, no

decurso de sua tradugáo para o grego, e também por composigóes origi nalmente escritas em grego. Esses livros associaram-se no Egito aos livros do Velho Testamento já traduzidos e assim passaram a fazer parte do Velho Testamento em grego, a chamada Versáo dos Setenta. E, quando esta versáo tornou-se a Biblia da Igreja Primitiva, esses livros vieram com ela.

Assim os livros apócrifos, como costumeiramente sao chamados, espalharam-se através da Biblia grega da Igreja Primitiva, e dai passa ram para a Biblia latina antes e depois do trabalho de revisáo de Jerónimo. Eles passaram naturalmente, como já vimos, para a primitiva tradugáo 1 Os textos devem-se á cortesía do Dr. Celso de Almeida Kundlatsch, que os cedeu gentilmente a PR. Esta revista exprime aquí a sua gratidáo ao colaborador amigo. 199

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

germánica da Biblia latina, feita na Boémia, no século catorze, e também para a tradugáo inglesa feita por Wyclif e seus auxiliares em 1382-88. Mas Lutero traduziu o Novo Testamento grego e o Velho Testa mento hebraico e quando ele terminou sua obra, verificou haver certo número de livros no Velho Testamento em latim e alemáo, deixados de lado. Jerónimo fez a mesma verificagáo muito antes e havia chamado esses livros de "Apócrifos" - livros secretos ou ocultos. Lutero deu-lhes o mesmo nome e logo os traduziu do texto grego, exceto um, Segundo Esdras, do qual nenhuma versáo grega se encontrou, mas somente a latina. Comojá vimos em capítulo anterior, quando ele terminou sua tra dugáo da Biblia em 1534, colocou-os num grupo a parte no fim do Velho

Testamento, ou depois deste. Seu exemplo foi logo seguido por Coverdale ao imprimirá primeira Biblia em inglés no ano seguinte. Daipara a frente todas as grandes Biblias históricas em inglés seguiram o mesmo proce der, fazendo desses livros um grupo em separado e colocando-o depois do Velho Testamento-a Biblia de Thomas Matthewde 1537, a de Tavemer de 1539, a Grande Biblia de 1539, a Biblia de Genebra de 1560, a "Bishops' Bible"de 1468, eado Reí Tiago de 1611. Somente no Velho Testamento Católico de 1610, que foi traduzido da Vulgata Latina, eles permaneceram espalhados através do Velho Testamento, como aínda se encontram na Biblia de Douai da Igreja Católica.

Quais foram esses livros táo altamente estimados pelos cristáos por tantos sáculos, e que aínda fazem parte de qualquer edigáo Autoriza da da Biblia?»

Página 72:

«Há perigo em ficar-se com urna falsa apreciagáo da historia religi osa crista e judaica se tentarmos passar diretamente do Velho Testamen to ao Novo omitindo os livros apócrifos. Eles fízeram parte dos fundamen tos literarios do movimento cristáo. Eles nos introduzem a personagens

dramáticas do Novo Testamento - santos e pecadores, fariseus e

saduceus, anjos e demonios. Sua influencia se exerceu em cada livro do Novo Testamento.

Página 112:

«A Biblia latina foi traduzida para o alemáo no século catorze, e, naturalmente, esses apócrifos foram traduzidos como parte da mesma.

Assim ñas numerosas Biblias alemas impressas que apareceram entre 1466 e 1522 e ñas Biblias Católicas em alemáo que se seguiram, esses apócrifos foram incluidos.

Eles também encontraram lugar na primeira Biblia inglesa conhecida, aqueta produzida por John Wyclif e seus auxiliares, Hereford e Purvey, 200

A IGREJA CATÓLICA ACRESCENTOU LIVROS Á BÍBLIA?

9

em1382. Esta Biblia foi traduzida da Vulgata Latina e, naturalmente, incluía os livros a que chamamos de apócrifos». Páginas 119-121:

«De maior importancia foi a influencia de Lutero sobre o lugar dos apócrifos na Biblia inglesa. Seu procedimento em juntando esses livros e os colocando como um grupo depois do Velho Testamento foi seguido por todas as antigás Biblias inglesas, excegáo feita ao Velho Testamento Católico de 1610, no qual, naturalmente, eles foram espalhados por todo o Velho Testamento, pois aqueta tradugáo foi feita da Vulgata Latina, e a seguiu na colocagáo dos livros.

As Biblias inglesas continuaram a imprimir os apócrifos juntos, en tre o Velho e o Novo Testamentos, até que a repugnancia Puritana a muitas coisas sobre eles levou-os a serem deixados de lado silenciosa

mente na Biblia de Genebra. Isto aconteceu muito cedo em 1599. Até mesmo exemplares da Biblia do Reí Tiago de 1611 surgiram que os coló-

cavam de lado ocasionalmente, e isto bem cedo em 1629. Mas eles ainda continuam teóricamente como partes da Biblia completa. Foi na realidade a influencia de Lutero que levou praticamente os livros apócrifos a serem retirados da Biblia, pois se ele nao houvesse primeiro segregado esses livros, os puritanos nao os haveriam eliminado táo fácilmente e de urna vez.

Hoje difícilmente se pode encontrar urna Biblia inglesa que possa ser tomada pela máo e que seja publicada do outro lado do mar, que inclua a Biblia inteira, Velho Testamento, Apócrifos e Novo Testamento. A Imprensa das Universidades de Cambridge e de Chicago sao os úni cos editores meus conhecidos que possuem tais edigoes. E, quer queiramos ou nao, os apócrifos formam parte integrante da historia bíblica in

glesa, desde Coverdale até a do Rei Tiago, epara qualquer estudo litera rio, estético ou religioso da Biblia, eles sao indispensáveis». 3.2. Prof. Bruce M. Metzger

Mestre de Princeton, Bruce Metzger é um dos responsáveis por

urna edicáo grega do Novo Testamento juntamente com Kurt Aland, de Münster, Matthew Black, de Saint Andrews (Escocia) e Alien P. Wikgren, de Chicago.

Escreve no seu Prefacio aos Livros Apócrifos/Deuterocanónicos na nova e revista Standard Bible:

"PREFACE TO THE APOCRYPHAL/DEUTEROCANONICAL BOOKS IN THE NEW REVISED STANDARD VERSIÓN When the King James or Authorized Versión of the Bible was 201

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

published in1611, it contained, between the Oldand the New Testaments,

the books of the Apocrypha. These are books andportions ofbooks that appear in the Latín Vulgate, either as part of the Oíd Testament or as an

appendix, but are not in the Hebrew Bible. With the exception of2 Esdras, these books appear also in the Greek versión of the Oíd Testament that is known as the Septuagint. In the course of time printers began to issue editions of the King James Bible without the books of the Apocrypha, and when the Amerícan Standard Versión ofthe Bible was published in 1901, it did not include the Aprocrypha. After the Revised Standard Versión of the Bible was issued in 1952, a request carne from the General Convention ofthe Protestant Episcopal Church that the Standard Bible Committee undertake also the revisión of the English translation of the Apocrypha. This work was accomplished in 1957. It was on the basis ofthis versión that the text ofa "Common Bible", approved by both Román Catholics and Protestants, was issued in 1973».

Em tradu?áo portuguesa:

"Quando a versáo da Biblia Autorizada ou Biblia do Reí Jaime foi publicada em 1611, continha, entre o Antigo e o Novo Testamentos, os

livros apócrifos. Estes sao livros e fragmentos que aparecem na Vulgata Latina, seja como partes do Antigo Testamento, seja como Apéndice, mas nao estáo na Biblia hebraica. Com excegáo do 2B de Esdras, esses livros

aparecem também na versáo grega do Antigo Testamento conhecida como 'dos Setenta'.

No decorrer dos tempos, os editores comegaram a publicar edigóes da Biblia do Reí Jaime sem os livros apócrifos; quando a Versáo Standard Americana da Biblia foi publicada em 1901, ela nao incluía os apócrifos. Depois que a Versáo Standard Revista da Biblia foi publicada em 1952, a Convengáo Geral da Igreja Protestante Episcopal solicitou que a Comissáo da Standard Bible empreendesse também a revisáo da tradugáo inglesa dos Apócrifos. Esta tarefa foi realizada em 1957. Foi na base desta Versáo que foi publicado em 1973 o texto de urna Biblia Comum (Common Bible), aprovado tanto pelos católicos como pelos pro testantes".

Interessa, neste texto, a observado segundo a qual os deuterocanónicos estavam ñas edicóes da Biblia até 1611 e somente após esta data foram retirados das edicoes protestantes do Livro Sagrado.

Como se vé, o estudo dissipa os preconceitos e as falsas acusacoes. A ignorancia os alimenta.

(Ver Apéndice deste artigo á pág. 234 do presente fascículo) 202

A mais importante descoberta arqueológica:

"OS HOMENS DE QUMRAN" por García Martínez e Trebolle Barrera

Em síntese: O livro em foco apresenta urna visao panorámica de Qumran (localidade situada no deserto que cerca o Mar Moño): seus habitantes (monges essénios), com sua Regra de vida, seus rituais, seus escritos sagrados... Aborda a questáo da "conspiragáo do silencio", ex pondo os cinco fatores que explicam a demora na publicagao do texto dos manuscritos de Qumran; mostra como as origens do Cristianismo nao precisam de ser retidas ou repensadas como se em Qumran dados ¡novadores tivessem sido descobertos; póe em evidencia os pontos de contato e as diferengas que há entre os escritos de Qumran e os do Novo Testamento. - Em suma, dá a ver urna face do judaismo pré-cristáo desconhecida a muitos cristáos e altamente elucidativa para a historia da Revelagáo judaico-cristá.

A Editora Vozes publicou interessante livro intitulado "Os Homens de Qumran. Literatura, Estrutura e Concepcoes Religiosas"1; deve-se a

dois mestres espanhóis, especialistas na materia: Florentino García Martínez e Julio Trebolle Barrera. Na verdade, a obra é urna coletánea de artigos publicados por esses dois autores em periódicos diversos; perfazem urna certa unidade, oferecendo um panorama variado e rico de ¡nformacóes sobre aquilo que se tem conceituado como "a mais importan te descoberta de manuscritos deste sáculo" (W. E. Albright)

Pode-se dizer que cada capítulo do livro é interessante, pois descortina para o leitor um mundo pouco explorado, em torno do qual se tém levantado conjeturas dos mais diversos tipos. Ñas páginas subseqüentes seráo postas em relevo algumas noticias relativas á descoberta, ao conteúdo e á publicacáo do texto dos manuscritos de Qumran. 1. A Descoberta dos Manuscritos

Já em PR 166/1973, pp. 424-426 foi apresentada a historia da des coberta dos manuscritos de Qumran, como ela é habitualmente relatada. Por isto no presente artigo será resumida apenas para que o leitor tenha 0 fundo de cena da problemática. 1 Tradugáo de Luís Fernando Gongaives Pereira. - Ed. Vozes, Petrópolis 1996, 160 x 230 mm, 299 pp. 203

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

As minucias da historia sao tidas pelo Prof. Trebolle como lendárias. Como quer que seja, pode-se dizer que a N. O. do Mar Morto (térra de Israel) um pastor árabe da tribo Ta'amireh, chamado Mohammed AdhDhib, descobriu em 1947 uns jarros de cerámica que continham rolos de pergaminho. Achavam-se escondidos numa gruta. O pastor, analfabeto como era, nao soube identificar a escrita gravada naqueles rolos, mas,

suspeitando que fossem algo de valor, foi vendé-los a uns antiquários de Belém. Um deles, chamado Khalil Iskander Shahin, mais conhecido como Kando, adquiriu urna parte dos rolos e em julho de 1947 vendeu ao metropolita Atanásio Y. Samuel, do mosteiro Sirio ortodoxo de Sao Mar cos em Jerusalém quatro dos sete manuscritos; o preco ajustado foi 24 libras esterlinas. Os tres manuscritos restantes foram comprados provavelmente de Kando no final de 1947 pelo Prof. Eleazar L. Sukenik da Universidade Hebraica de Jerusalém. Os pesquisadores que foram tomando conhecimento desses pergaminhos, reconheceram a antigüidade e o conteúdo bíblico ou religioso de tais documentos, de modo que os avaliaram como precioso tesouro. A consciéncia disto levou beduinos e arqueólogos a investigar ul teriormente as grutas das cercanías do Mar Morto, sendo que os beduinos geralmente se antecipavam ñas buscas por conhecerem melhor a regiáo. Veio assim á tona um enorme acervo de manuscritos, grandes e pequeños, que despertaram os interesses de estudiosos de varios paí ses. Foram sendo adquiridos por quem os podia comprar, sendo que o seu preco ia sendo mais e mais elevado: se em 1947 quatro manuscritos valiam 24 libras esterlinas, em 1954 passaram a ser vendidos pela cifra redonda de 250.000 dólares. A fim de evitar a dispersáo de táo importan te material, o Museu Rockefeller de Jerusalém convidou algumas instituicóes académicas para contribuirem financeiramente na edicio dos ma nuscritos em troca de determinados direitos. Responderam positivamen te a este apelo as Universidades McGill do Canadá, de Manchester e de Heidelberg, a Biblioteca do Vaticano, o McCorkick Theoiogicai Seminary de Chicago, a Real Academia das Ciencias dos Países-Baixos, a Escola Bíblica de Jerusalém, The All Soul's Church de Nova lorque e a Universi dade de Oxford.

Nos anos seguintes as primeiras descobertas nao cessaram de aparecer novos manuscritos. A última gruta foi explorada em Janeiro de

1966, sendo entao a 11a de Qumran (11Q). Nao se pode esquecer que, para além de Qumran, ainda em torno do Mar Morto, os beduinos exploraram Wadi Murabba'at e Massada, encontrando ai material precioso para a historia do judaismo.

«A partir de 1955, a equipe de dentistas tinha diante de sium verda204

"OS HOMENS DE QUMRAN"

13

deiro quebra-cabega composto duns 40.000 fragmentos de manuscritos.

Para recompó-lo, eles deram-se um prazo de dez ou doze anos. O cálcu lo resultou demasiado otimista. Passaram-se mais de quarenta anos e o quebra-cabega continua ocupando os 55 membros que atualmente compóem a equipe internacional encarregada da edigáo oficial dos manuscri

tos. A primeira tarefa que era preciso realizar, consistía em desdobrar e ¡impar os fragmentos resgatados do pó das grutas e classificá-los em grupos, segundo o colorido do couro ou do papiro utilizados, a tinta, o tipo de escrita, etc.' Urna vez classificados, passava-se a fotografá-los, utilizando em muitos casos o sistema infravermelho para alcangar maior

contraste e assim tomar mais fácil a leitura de textos que com o tempo tinham enegrecido, a ponto de a sua leitura, em certas ocasióes, tornar se quase desesperante. O trabalho de classificar os manuscritos trazia junto consigo o de identificar os textos, isto é, determinar a que obra pertenciam os fragmentos encontrados. Urna vez que se conseguía iden tificar um texto, ficava mais fácil relacionar uns fragmentos com outros e, inclusive, casá-los entre si, completando aos poucos o texto conservado da obra em questáo. Se se tratava de textos bíblicos, a identificagáo nao era demasiado difícil; a consulta a 'Vocabularios' do texto hebraico do

Antigo Testamento, isto é, a listas alfabéticas completas, já existentes, de

todas as palavras utilizadas na Biblia, permitía identificar todo o restante do material conservado daquele manuscrito. Tampouco ficava muito difí cil identificar os fragmentos que correspondiam a urna obra hebraica per dida, mas da qual se conservavam tradugóes antigás em outras línguas como o grego, latim, siríaco, etiópico, etc. A identificagáo era muito difícil e ainda o é, quando se trata de textos de que nao se conhece nenhuma

outra copia ou tradugáo e de que nao se conservam mais que fragmentos pequeños e desconexos» (pp. 36s).

Os manuscritos encontrados sao, na medida em que puderam ser identificados, de índole bíblica ou parabíblica. No total mais de oitocentos manuscritos foram recolhidos ñas grutas. A quarta parte deles con1 «A análise do ADN da pele de cabra ou de ovelha em que estáo confeccionados os pergaminhos de Qumran permite saber quais fragmentos de pele ou pergaminho correspondem a um mesmo animal. Desse modo, é possível casar uns fragmentos com outros e, em conseqüéncia, uns textos com outros. Os fragmentos duma mesma pele correspondem em principio a um mesmo escrito. Nao cabe imaginar que o

escriba ordenasse o sacrificio dum animal para cada tira de pergaminho, para escrever sobre ela urna coluna de texto, levando-se em conta que um escrito podía ter a extensáo de 50 ou mais colunas. O estudo do ADN dos pergaminhos permitirá con trolaros resultados já obtidos mediante o estudo paleográfico dos manuscritos. Frag mentos soltos cujo texto nao foi identificado, poderáo ser adstrítos a um conjunto de

fragmentos que procedem de urna mesma pele e correspondem a mesma obra lite raria» (p. 30). 205

t4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

siste em copias de diversos livros do Antigo Testamento, mais ou menos

completas e mais ou menos diferentes do texto conhecido, com excecáo do livro de Ester, do qual nao se encontrou nenhum fragmento. Os outros seiscentos manuscritos representam textos seletos da literatura religiosa da época.

«Há numerosas composigóes apócrifas, muito semelhantes, quanto ao estilo e conteúdo, aos livros do Antigo Testamento, mas que nao

conseguiram entrar no canon da Biblia. Algumas délas, como o livro de Henoc ou o livro dos Jubileus, eram-nos conhecidas por terem-nos sido transmitidas (em tradugáo) por alguma das Igrejas cristas posteriores. Muitas outras mais eram-nos antes completamente desconhecidas. En tre estas encontramos todos os géneros literarios que aparecem nos di ferentes livros do Antigo Testamento: obras narrativas que recontam a historia santa, composigóes poéticas ou hínicas, obras sapienciais, his torietas edificantes, composigóes litúrgicas, apocalipses diversos, etc. Mais curiosas e interessantes aínda resultam toda urna serle de composigóes que refletem o pensamento, as polémicas, a interpretagáo bíblica, a prática religiosa, a organizagáo social e a forma de vida dum grupo (ou de varios grupos) judeu que se sinta aparentemente á margem do judaismo oficial e que nos proporcionam urna visáo do judaismo muito distinta da que conhecíamos através dos escritos rabinicos posteriores» (p. 16). A edicáo dos manuscritos maiores e mais bem conservados come-

cou em 1958; foram publicados o texto quase completo do profeta Isaías, um comentario do livro de Habacuque e urna colecáo de normas que regulavam a vida da comunidade de monges que viviam em Qumran. Alias, deve-se notar que os manuscritos de Qumran pertenciam a mon ges que viviam naquela localidade em um mosteiro do qual se encontraram ruinas bem conservadas; ao fugirem dos invasores romanos em 68

d.C, esconderam sua preciosa biblioteca ñas grutas da regiáo, na ex pectativa de achá-la de novo quando voltassem - o que nunca se deu. Coloca-se agora urna pergunta que, para muitos observadores, se reveste de grande importancia.

2. Por que tanta demora na publicacáo dos manuscritos? 2.1. O Problema Na década de 1980 (e um pouco menos na de 1990) registrou-se, por parte de estudiosos como também por parte de jornalistas, um cla mor "escandalizado": por que após quarenta e mais anos da descoberta

dos manuscritos de Qumran nao foram todos eles publicados? Imaginaram urna "corispiracao do silencio" na qual estariam interessadas autori dades religiosas cristas (inclusive a Igreja Católica) e judaicas, pois o 206

"OS HOMENS DE QUMRAN"

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documentário de Qumran subverteria as concepcoes vigentes sobre a origem do Cristianismo e sobre a esséncia do judaismo. Em particular, salienta-se a tese de Robe ti Eisenman, da State University da California, e de Barbara Thiering, da Universidade de Sidney (Australia); afirmavam

que os manuscritos de Qumran procedem de urna seita judaico-cristá ou de um grupo judeu de tendencias zelotas, e teráo sido escritos nos anos da revolta dos judeus contra Roma (68-70 d.C); conteriam informacóes

que modificariam profundamente as nocóes de historia das origens do Cristianismo. Segundo Eisenman, o Mestre de Justica que os manuscri tos mencionam, seria Jesús de Nazaré ou talvez Joao Batista ou o apos

tólo Tiago. Para B. Thiering, o chamado "Sacerdote ímpio" terá sido Sao Paulo ou mesmo Jesús de Nazaré!...

Na verdade, porém, a tese de que os manuscritos se referem á origem do Cristianismo peca por anacronismo, pois está comprovado, pelo teste do Carbono 14 e outros meios, que os manuscritos se devem a épocas mais recuadas. 2.2. Quais seriam as razóes do atraso da publicacáo...?

Apontam-se cinco fatores principáis: 2.2.1. A situacáo política do Oriente Medio

«Um dos mais decisivos fatores foi determinado pela situagáo polí tica do Oriente Medio, crítica em tantas ocasioes desde o inicio das descobertas. Os primeiros achados tiveram lugar no ambiente em torno da

guerra entre árabes e judeus no ano de 1948. No ano de 1956, a crise do Canal de Suez e a ocupagáo por parte de Israel da península do Sinai

criaram na parte árabe de Jerusalém um tal clima de tensáo que obrigou os estudiosos estrangeiros a abandonarem temporariamente a cidade. Por razóes de seguranga, os manuscritos da Gruta 4 foram trasladados

para o Banco Otomano, em Ama, capital da Jordania. No ano seguinte, foram devolvidos ao Museu Rockefeller em Jerusalém, mas alguns ma nuscritos voltaram em estado irrecuperável» (p. 42).

2.2.2. O ótimo é inimigo do bom «Outra das razóes do atraso foi, numa medida nao-desprezível, o

tipo de edigáo escolhido pelos responsáveis. Estes podiam-se ter limita do a publicar as fotografías dos manuscritos, apresentar urna transcrigáo do texto em caracteres hebraicos e justapor a correspondente tradugáo numa língua moderna. Os responsáveis pela edigáo optaram por urna

edigáo acompanhada de ampios estudos e comentarios. Á medida que

se incrementava o número de textos que era necessário comparar, tanto da literatura qumránica como da literatura judaica e nao-judaica dos perí207

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

ocios persa, helenístico e romano, a tarefa adquiría proporgdes inacessíveis» (p. 43).

2.2.3. O fator económico

«Nao se deve esquecer o fator económico. Até o ano de 1960, a equipe internacional pode disporpara o seu trabalho de recursos da Fundagáo Rockefeller. Naquele ano, o grupo dispersou-se e os membros regressaram as suas respectivas universidades ou centros de investigagao, onde haveriam de simultáneamente darconta do trabalho de Qumran e de suas docencias, além de muitos outros compromissos de trabalho em campos bastante dispares» (p. 43). 2.2.4. Morte prematura de alguns pesquisadores

É de notar a morte prematura dos dois primeiros diretores do proje to de edigáo (Roland de Vaux e Pierre Benoít) e de varios editores (Patrick Skehan, Ygael Yadin e Jean Starcky), desaparecidos antes de terem ter minado seu trabalho. 2.2.5. Dificuldades de leitura dos pequeños fragmentos

«Quando os textos em questáo se conservam em fragmentos rela tivamente extensos, a tarefa de leitura, tradugao e interpretagáo nao é extremamente complicada, podendo inclusive textos previamente deseo-

nhecidos ser publicados com relativa velocidade. Porém, mesmo nesses casos, a rapidez de publicagáo pode ter resultados funestos, como o prova a publicagáo do primeiro grupo de textos da Gruta 4. Sua edigáo na serie oficial, a cargo de John Allegro, foi ¡angada com grande rapidez em 1968, mas essa edigáo apressada (com apenas 90 páginas de texto) é táo defeituosa que nao pode ser utilizada sem as mais de 100 páginas de corregóes publicadas em 1971 pelo atual diretor da equipe internacional de edigáo dos textos, John Strugnell, da Universidade de Harvard. Quando, dos textos origináis, só se conservou um fragmento de mínimo tamanho, com muito pouco texto escrito, a tarefa de reconstrugáo desse quebra-cabega gigantesco de mil pequeñas pegas sem unióes di retas é desesperante. Sem esquecer que os fragmentos ¡solados admitem múltiplas interpretagóes e que todas elas devem ser avalladas antes de proceder á edigáo.

Terminare! com um exemplo do que nao se deve fazerpara acele rar a publicagáo dos materíais ainda inéditos: o caso de 4QTherapeia. Esse pequeño fragmento de forma quase triangular, com resquicios de 11 linhas aparentemente completas, foi destinado para publicagáo a Joseph Milik. Pensando tratarse dum texto extraordinariamente impor tante, cuja publicagáo se mantivera secreta porque podía servir de base 208

"OS HOMENS DE QUMRAN"

17

para urna interpretagáo gnóstica da iniciagáo crista mediante a ungáo com o esperma (rito ao qual Jesús teria submetido seus discípulos), Allegro publicou-o em 1979 no apéndice dum livro sobre o mito cristáo. Segundo sua interpretagáo, o fragmento qumránico conservaría as anotagóes das visitas dum médico essénio, numa estranha mistura de grego, hebraico e

aramaico, com os tratamentos que o citado médico Ormiel teria aplicado a um ceño Caifas. Em vista da escassez de textos médicos judaicos do período pré-cristáo, um texto desse tipo seria efetivamente muito impor

tante, independentemente de toda interpretagáo simbólica. O texto seria aínda ma'ts espetacular se a receita que o médico Ormielprescreve e usa

para curar Caifas fosse, como pretende Allegro, a aplicagáo do semen dum cabrito. Infelizmente, porém, o fragmento qumránico nao tem nada a ver nem com medicina, nem com o emprego de semen de cabrito como rito de iniciagáo em misterios (como supóe Allegro), nem como simples remedio (como postula Charlesworth numa monografía dedicada a esse texto em 1985). O texto (como provou Joseph Nave e como reconheceu

o próprio Charlesworth numa retratagáo pública) é um simples exercício

de escrita, feito pelo escriba sobre um resto de pele para acostumar a máo antes de comegar a copiar seus textos e nao contém nada além duma lista de nomes hebraicos em ordem alfabética. Esse enorme erro de interpretagáo é um triste exemplo das conseqüéncias a que conduz a obstinagáo com o mito da conspiragáo do silencio para interpretar textos

qumránicos» (p. 224s). Sao estas algumas amostras do conteúdo do livro de García Martínez e Trebolle Barrera. Evidenciam o valor da obra, que trata outrossim de como viviam e pensavam os homens do Mar Morto, que Regra de vida seguiam, que conceitos de messianismo professavam, que

ritos adotavam, que tipo de escritos sagrados liam e meditavam, que relacionamento podem ter tido com os cristáos (sao comparados entre si textos de Qumran e textos do Novo Testamento, pondo-se em evidencia

os pontos de contato e as diferencas). A leitura de tal obra é muito instrutiva nao só por seus aspectos de erudicao, mas também porque, de modo geral, traz a tona urna face do judaismo pré-cristáo desconhecida ao comum dos cristáos.

CARO(A) LEITOR(A), SE ESTA REVISTA LHE FOI ÚTIL, QUEIRA DIVULGÁ-LA ENTRE OS SEUS FAMILIARES E AMIGOS, QUE TALVEZ ESTEJAM DESEJOSOS DE INFORMACÓES SOBRE TE MAS DA ATUALIDADE. SABEMOS QUANTO A SOCIEDADE DE

HOJE É SACUDIDA POR TEORÍAS FILOSÓFICO-RELIGIOSAS, QUE

DEIXAM AS PESSOAS SEQUIOSAS DE CONHECER MELHOR OS VALORES EM FOCO. NOSSA REVISTA TEM POR FINALIDADE

SERVIR A QUEM PROCURA. 209

Magnanimidade e Coragem:

"KAROL WOJTYLA ME SALVOU A VIDA EM 1945" (Edith Zirer)

A nossa revista recebeu pela Internet duas mensagens comple mentares referentes a um episodio desconhecido: no final da segunda guerra mundial ou em fevereiro de 1945, o sacerdote Karol Wojtyla (hoje Papa Joáo Paulo II), com 25 anos de idade, salvou abnegadamente a vida de urna senhora judia recém-libertada de um campo de concentra-

gao e prestes a encerrar seus dias. É a própria beneficiada quem o narra, domiciliada no Estado de Israel, onde vive tranquilamente.

Visto o caráter muito significativo do fato (que, alias, está perfeitamente na linha das atitudes habituáis do Santo Padre), publicamos, a seguir, as duas versoes do episodio, agradecendo ao remetente Ervino

Martinuz a gentileza das noticias. 1. Fala Edith Zirer (I)

Jerusalém, 07 fev (SN) - "Lembro-me como se fosse hoje. Tinha 13 anos, sozinha, doente, fraca. Tinha acabado de passartrés anos num campo de concentracáo alemáo, e estava a ponto de morrer. E Karol Wojtyla me salvou a vida, como um anjo, como um sonho vindo do céu: deu-me de beber e de comer e depois me carregou ñas costas uns quatro quilómetros, na nevé, antes de tomar o trem rumo á salvacáo". Edith Zirer conta o fato: Era urna fria manha dos primeiros dias de fevereiro de 1945. A menina judia, única sobrevivente da familia deixouse levar pelos bracos de um jovem sacerdote de 25 anos, alto, forte, que, sem Ihe pedir nada, simplesmente Ihe deu um pouco de esperanca. Hoje, segundo ela, aquele sacerdote é o bispo de Roma. Edith gostaria de agradecer finalmente aquele gesto. "Só um simples 'muito obrigado em polonés' por aquilo que fez, pela maneira como o fez, para Ihe dizer que nunca me esqueci dele", afirma de sua bonita casa perto das colinas do Carmelo, na periferia de Haifa.

Edith tem 66 anos e dois filhos. Reconstruiu a vida em Israel, onde chegou em 1951, quando aínda padecía a tuberculose e os traumas da guerra. Durante este tempo guardou para si este fato. Quando, em 1978, Karol Wojtyla foi eleito Papa, sentiu a necessidade de falar, de contá-lo a alguém, de mostrar seu agradecimento. 210

"KAROL WOJTYLA ME SALVOU A VIDA EM 1945"

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As perguntas que nascem diante desta versáo, sao muitas, e os próprios jornalistas do "Kolbo", de Haifa, que publicaram o episodio na última quinta-feira, as fizeram. E chegaram á conclusáo de que o fato "parece verídico". Táo verídico que a Embaixada de Israel junto á Santa Sé já se está movimentando para encontrar urna data e favorecer o reen contró entre a senhora Zirer e o Papa que a salvou. 2. Fala Edith Zirer (II)

Jerusalém, 07 fev (SN) - O fato fala por si mesmo. "A 28 de Janeiro de 1945, os soldados russos libertaram o campo de concentracáo de Hassak, onde fiquei presa quase tres anos trabalhando numa fábrica de municóes", explica Edith, que na época tinha treze anos. Estava atordoada e sem forca por causa da doenca. "Dois dias depois, cheguei a urna pequeña estacáo ferroviaria entre Czestochowa e Cracovia. Estava convencida de ter chegado ao final de minha viagem. Caí por térra, num canto da grande sala onde estavam dezenas de ex-prisioneiros, que aín da vestiam seus uniformes com os números dos campos de concentra cáo. Entáo veio até mim Wojtyla, continuou Edith. Veio com urna grande

xícara de cha, a primeira bebida quente que experimentava ñas últimas semanas. Depois me trouxe um pouco de queijo e um pedaco de pao polonés, divino. Eu porém, nao podia comer; estava demasiado cansa da. Ele me obrigou. Depois me disse que teria que caminhar para pegar

o trem. Tentei, porém caí no chao. Entao, pegou-me em seus bracos e me carregou durante bastante tempo. Enquanto isso, a nevé continuava caindo. Lembro seu paleto escuro, a voz tranquila, que me contou a mor-

te de seus pais e seus irmáos, a solidáo que sentía, e a necessidade de nao se deixar levar pela dor, e de combater para viver. Seu nome ficou gravado para sempre em minha mente".

Quando finalmente chegaram até o trem destinado a levá-los até o Ocidente, Edith encontrou urna familia judia, que tomou conta déla: "Cui dado, os padres tentam converter as criancas judias", Ihe disseram. Ela teve medo e se escondeu.

"Só depois compreendi que o que ele quería mesmo, era ajudarme. E gostaria muito de agradecer-lho pessoalmente".

Estas narrativas póem em relevo mais urna vez os traeos de mag-

nanimidade e coragem que tém caracterizado a pessoa e a vida de um homem que, por sua influencia na historia geral, bem poderá ser consi derado "o Homem do Século XX".

211

Urna tresleitura bíblica:

"O INFERNO NAO EXISTE"? (Leonardo Boff)

Em síntese: Leonardo Boff declarou á revista Rio Artes ng 21, 1997, que o inferno nao existe; o conceito respectivo terá sido elaborado por teólogos, que nao levaram em conta a figura feminina de Deus, que é misericordiosa. Em linguagem irreverente o autor escarnece a nogáo bí blica de inferno, que ele parece ter esquecido, embora outrora mostrasse conhecer o conteúdo da Biblia. Na verdade, o inferno nao é o que Dante e a imaginagáo popular concebem, mas é conseqüéncia de livre opgáo do homem, o qual se condena a nao amar a Deus, que sempre o amará.

O ex-Fre¡ Leonardo Boff publicou na revista Rio Artes, n9 21,1997, o artigo "O Inferno nao existe"; terá sido elaborado o conceito de inferno por homens, á revelia da nocao de Deus, que é Máe misericordiosa. Vis to que o artigo fez alarde e deixou leitores perplexos, será comentado ñas páginas que se seguem.

1. Os Dizeres do Autor

Eis palavras textuais de Leonardo Boff:

"O inferno é urna imagem religiosa, exigencia da cultura do homemvaráo. Mas que Deus é esse, que nao tem poder sobre o mal? Nao é ele onipotente? Existe a justiga, que condena os perversos. É seu inferno. Mas tratase apenas de um drama maior. Deus prepara um outro ato, o da vitória adequada á sua natureza divina de amor e perdao... Essa representagio feminina maternal de Deus ultrapassa o inferno...

A misericordia revela um aspecto essencial da natureza divina: o lado feminino de Deus. Misericordia significa, etimoiogicamente, possuir um coragáo que se compadece da miseria do outro, porque a senté pro

fundamente como sua. Em hebraico é aínda mais forte, pois a palavra misericordia significa terentranhas como urna máe e possuir seios como urna mulher...

A existencia do inferno é a eterna vergonha para Deus. É como se pudéssemos ver os diabos do inferno alegrándose com sua vitória parci al sobre Deus, mostrando a Iíngua e o traseiro para Deus e fazendo-ihe trejeitos com as máos sobre o nariz".

212

"O INFERNO NAO EXISTE"?

Nao pode deixar de surpreender o leitor a linguagem usada por um autor que outrora escrevia num "teologués" de fundo germánico. Tem-se aqui urna linguagem de baixo caláo, pouco digna da temática abordada e do leitor merecedor de respeito. O autor levanta o problema da conciliacáo da existencia do inferno com a misericordia de Deus. A abordagem deste problema requer nocoes claras de um e outro dos termos que compóem o binomio. Faz-se mister, portanto, procurar elucidar os dois conceitos em pauta. 2. Inferno existe? Que é? 2.1. Existe...

A existencia do inferno é explícitamente afirmada nos escritos do Novo Testamento - o que afasta a hipótese de ter sido criada pela imaginacáo dos homens.

Com efeito,

Em Mt 25,31-46 Jesús descreve o quadro do juízo final, em que é dito aos infiéis: "Afastai-vos de mim... para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos, porque tive fome e nao me destes de comer..." (vv. 41 s). Sem dúvida, nesta passagem o Senhor recorre a linguagem parti cularmente forte, que é preciso entender como tal. Como quer que seja,

significa que há urna sancáo condenatoria para os que renegam a Deus. Em Mt 13,40-42 Jesús termina a parábola do joio e do trigo, dizen-

do: "Como se junta o joio e se queima no fogo, assim será no fim do mundo: o Filho do Homem enviará seus anjos e eles apanharáo do seu Reino todos os escándalos e os que praticam a iniqüidade e os lancaráo

na fornalha ardente. Ali haverá choro e ranger de dentes". É evidente

neste texto o uso de metáforas (fornalha ardente, choro e ranger de dentes), mas nao é menos evidente que o Senhor se refere a urna sorte punitiva que tocará ao joio ou aos infiéis no além.

Seja mencionada ainda a passagem de Jo 5,28s: "Nao vos admiréis com isto: vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirao a voz do Filho do Homem e sairáo; os que tiverem feito o bem para urna ressurreicáo de vida, e os que tiverem cometido o mal para urna ressurreicáo de julgamento". Ver ainda Ap 21,8; 22,15.

É claro assim que a nocáo de duas sortes postumas diferentes, correlativas ao tipo de vida de cada individuo, é bíblica, e nao somente

própria do Novo Testamento; já os judeus anteriores a Cristo professavam a mesma concepcáo, como se depreende de Dn 12,2:

"Muitos dos que dormem no pó da tena, acordaráo, unspara a vida eterna, e outros para o opróbrio, para o horror eterno". 213

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

Conseqüentemente torna-se difícil explicar como alguém que conhece as Escrituras, possa dizer que a nocáo de inferno foi criada por

teólogos.

É de notar, porém, que o grande obstáculo á aceitacao do inferno,

para muitas pessoas, sao as imagens fantasiosas que a poesía e a fanta

sía popular críaram a respeíto do inferno. Na verdade, para muitos o in ferno é um tanque de enxofre fumegante com diabínhos e tridentes a torturaros condenados. Ora tal ¡magem é falsa. Os conceitos materiais e grotescos tém que dar lugar a concepcóes mais puras e dignas de Deus. Daí a pergunta:

2.2. Em que consiste o inferno?

a) Antes do mais, é preciso afastar a idéia de que Deus criou ou cría o inferno... Este nao é um espaco dimensional nem é um lugar, mas sim um estado de alma,... estado de alma no qual o próprio individuo se projeta quando rejeíta radicalmente a Deus pelo pecado grave; comeca entao o estado infernal, do qual o pecador se pode insensibilizar pelo

fato de nao dar atencáo ao seu íntimo ou a sua conscíéncia, mas que saltará á tona quando ele nao mais puder escapar á voz da consciéncia. Vé-se, pois, que nao é Deus quem condena ao inferno; ao contrarío, o Senhor Deus quer a salvacáo de todos os homens, como afirma Sao

Paulo em 1Tm 2,4. É a própria criatura que lavra a sua sentenca ou que

se condena quando diz um Nao total a Deus, que é o Sumo Bem, o único Bem que o ser humano nao pode perder.

b) Mais precisamente: o inferno é o vazio absoluto ou a suprema

frustracáo. É o nao amar... nao amar nem a Deus nem ao próximo. Todo

homem foi feíto para o Bem Infinito, como notava S. Agostinho (t 430): "Senhor, Tu nos fizeste para Tí, e inquieto é o nosso coracao enquanto nao repousa em Ti" (Confissóes I 1). Quem nao repousa em Deus, inquieta-se e angustía-se, á semelhanca da agulha magnética, que foi feíta para o Norte, que a atrai; quando alguém a desvia do seu Norte, ela se agita e só para quando se Ihe permite voltar-se para o Norte.

c) Conseqüentemente, vé-se que o inferno é mesmo algo de lógi

co, pois é a violencia que o homem comete contra si mesmo. Verdade é que ninguém pode definir quantas pessoas morrem avessas a Deus. Bem pode acontecer que na hora da morte muitos pecadores obstinados se

convertam e recebam a graca da reconciliacio com Deus, como se'deu

no caso do bom ladráo. Afínal nínguém sabe quantos "bons ladroes" existiram e existiráo através dos séculos. Possivelmente um grande núme ro... para surpresa de quem só considera a face aparente da historia. 3. E a Misericordia de Deus?

L. Boff apela para a misericordia de Deus e julga que a existencia 214

"O INFERNO NAO EXISTE"?

_23

do inferno seria motivo de vergonha para Deus... O diabo zombaria do Senhor Deus pelo fato de haver seres humanos condenados ao inferno. Deve-se responder que, sem dúvida, Deus é infinitamente miseri cordioso, mas nao é "tiránicamente" misericordioso. Com outras palavras: Deus nao impóe a sua misericordia ou o seu perdáo a quem nao o pede ou nao o quer receber. Deus nao obriga o homem a amar a Deus. Nisto consiste precisamente a grandeza e a nobreza de Deus. Ele nao violenta nem forca a criatura a se abrir para a misericordia. Ora na outra vida nao há possibilidade de conversáo. A morte fixa o ser humano em sua última opcáo, de modo que após a morte ninguém pode mudar suas

atitudes. Assim o inferno, em vez de ser motivo de vergonha para Deus, é o testemunho de que Deus respeita a sua criatura e nao Ihe tira a liberdade que Ihe deu para dignificá-la.

Pode-se ir mais longe, e dizer que o inferno é a conseqüéncia do amor irreversível de Deus. Tal amor se dá e nao volta atrás; nao pode voltar atrás precisamente porque é divino e nao pode contradizer a si mesmo (cf. 2Tm 2,13). Por isto Deus ama a criatura que nao O ama e se afastou dele. O fato de que Deus continua a amar, é que atormenta o

reprobo; este percebe que se incompatibilizou com o Supremo Bem e o Sumo Amor. Donde se segué que o inferno é compatível com a Grande za e a Santidade de Deus. Urna ¡magem servirá para ilustrar de algum

modo o que é o inferno: observe-se o caso de um jovem que foge de casa para ir viver com seus colegas numa república de estudantes, por

que "papai é cafona e mamáe é quadrada"... Pai e máe que amam o filho, se preocupam, e resolvem enviar recados, perguntando ao jovem como

está,... se precisa de alguma coisa,... quando voltará... Estas interpelacoes do amor incomodam ou atormentam o filho; este se daria por mais tranquilo se pai e máe desistissem de o amar e o esquecessem. O fato, porém, é que pai e máe nao podem deixar de amar seus filhos e de mostrar-lhes o seu amor. Paralelamente Deus nao pode deixar de amar suas criaturas, mesmo quando elas se afastam do Pai celeste; a consciéncia desse amor atormenta o pecador que se incompatibilizou com

Deus. Se o Senhor retirasse ou cancelasse o seu amor, o reprobo nao

sofreria tanto, porque estaría totalmente voltado para seus ídolos, sem ser atraído pelo Bem Supremo. Mas, como dito, Deus nao se pode desdi-

zer ou nao pode dizer Nao após ter dito Sim (aquele Sim proferido quan do criou cada ser humano). Nisto está a nobreza de Deus, que é parado-

xalmente motivo de tormento para quem nao responde ao amor divino. Em suma, é altamente consolador ser amado por Deus, mas também é assustador ser amado por Deus e nao O amar.

Eis o que, em poucos parágrafos, se pode responder a Leonardo Boff, a quem Deus queira conceder suas melhores luzes e gracas! 215

Forcas cegas e ocultas?

AÍNDA O HORÓSCOPO Em síntese: O presente artigo propóe sete razóes que evidenciam a fragilidade dos oráculos da astrologia. Esta se acha fundamentada em concepcoes científicas uitrapassadas. Na verdade, notase em pleno sáculo XX a persistencia da mentalidade mágica: o homem contemporá neo fácilmente se deixa assujeitar por pretensas forgas misteriosas ou ocultas, quando ele foi criado á imagem e semelhanga de Deus para dominar a tena e seus elementos.

A revista francesa "Science et Avenir", Janeiro 1998, pp. 52s, publi ca o artigo de Gilíes Moine intitulado "Pour en finir avec l'Astrologie...

(Para acabar com a Astrologia...). É de alto nivel científico e destinado a

público de estudiosos - o que confere autoridade ás observacoes de Gilíes Moine.

A seguir, seráo propostos os principáis tópicos do artigo e breve comentario ao mesmo. 1. Sete Consideracóes

1) O número de planetas reconhecido pelos astrólogos até 1781 era de seis. Tem aumentado; em 1781 foi descoberto o planeta Urano, em 1846 Netuno e em 1930 Plutonio. E quem garante que nao se descobrirá um décimo planeta do nosso sistema solar? - Ora póe-se a pergunta: se os astros exercem influencia sobre o comportamento dos seres humanos, eles a exercem mesmo quando nao sao conhecidos pelos ter restres. Como pode entáo o astrólogo definir a conduta ou o destino de alguém, se este é influenciado por forgas desconhecidas? 2) A astrologia parte do principio de que certos corpos celestes, como sao os astros, exercem sobre o recém-nascido urna influencia de

vida á forca da gravidade e coisas semelhantes. Mas, pensando bem, pode-se observar que o médico obstetra e a parteira devem exercer aín

da maior influencia sobre a criancinha, porque estáo mais próximos déla; exercem urna forca gravitacional seis vezes mais importante do que a do planeta Marte. Verdade é que a massa corpórea do médico ou da partei ra é muito menor do que a de um planeta, mas, em compensacáo, estáo muitíssimo mais perto do bebé que nasce.

3) A Física ensina que o poder de atrair que tém os corpos, vai diminuindó á medida que aumenta a distancia entre os corpos. Ora aconte216

AÍNDA O HORÓSCOPO

25

ce que a astrologia julga que a influencia dos astros é independente da sua distancia; em conseqüéncia, a influencia de Marte sobre os recémnascidos seria a mesma quer o planeta Marte esteja do mesmo lado do Sol que a Térra, quer esse planeta esteja do outro lado do Sol, sete vezes

mais longe da Térra. Tal concepcáo contradiz as leis da Física e se deve, em parte, á ¡magem geocéntrica dos antigos astrólogos. 4) Conseqüentemente ainda se pergunta: se a influencia dos as tros é independente das distancias, por que a astrologia nao leva em conta a possível influencia de estrelas e galaxias esparsas pelo univer-' so? - Está claro que, se os astrólogos fossem considerar tais eventuais influencias, a astrologia se tornaría táo complexa e complicada que deixaria de ser cultivada. A astrologia só pode ter tido origem em época muito recuada, na qual pouco se conheciam os astros, e só pode subsis

tir se se faz abstracáo de tantos astros descobertos após a origem das astrologia. 5) Questiona-se ainda: por que a influencia dos astros só se exerce a partir do momento em que a crianca nasce, e nao a partir do momento em que é concebida no seio materno? Quando a astrologia comecou a

ser praticada, julgava-se que o nascimento era o momento "mágico" do

surto ou da origem da vida. Hoje, porém, sabe-se que a vida da criancinha comeca nove meses antes, em conseqüéncia da fecundacáo do óvulo

pelo espermatozoide. É notorio também o fato de que o bebé ou o feto ouve a voz de sua máe e é sensível aos choques e ao barulho violento.

Na verdade, a data do nascimento é algo de evidente a todo ser humano, ao passo que a data da fecundacáo do óvulo pelo espermatozoide é mis teriosa e nao poderia ser levada em conta pelos astrólogos. 6) Surge ainda a indagacáo: por que é que os astrólogos nao sao

mais ricos? Explicando a pergunta um tanto maldosa, há quem observe que os astrólogos afirmam nao poder predizer acontecimentos pontuais

e precisos, mas apenas grandes tendencias. Em conseqüéncia, nao poderiam predizer o número que será sorteado na Lotería, mas poderiam prever as oscilacóes e as inflexóes que váo tomando as Bolsas de Valo

res. Como teria sido vantajoso se tivessem previsto a queda das Bolsas

asiáticas e se pudessem predizer como evoluirá a problemática da eco nomía mundial em 1998!

7) Aponta-se outrossim o fenómeno da precessáo dos equinóxios. Com efeito; o signo do Cáncer tem as datas de 22 de junho a 22 de julho. Outrora o Sol estava na constelacáo do Cáncer; mais precisamente, há dois mil anos... Hoje ele está na constelacáo de Gémeos, a 10e do limite

da constelacáo do Cáncer, ou seja, vinte vezes o diámetro da Lúa. Tal

fenómeno é dito "a precessáo dos equinóxios"; consiste em que o eixo de rotacáo da Térra percorre um círculo completo em 25.000 anos; em 217

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

conseqüencia, a Térra se deslocou em relacáo as constelacóes do Zodíaco.

2. Refletindo...

As consideracóes até aqui propostas levam a ver que nao há por que dar crédito ao horóscopo e a semelhantes processos de adivinhacao do futuro. O ¡nteresse pelo horóscopo como também por Taró, I Ching, Numerologia, Cabala, jogo de búzios, cartas, etc. é alimentado por mentalidade que se pode dizer "mágica". Quem se entrega á prática de tais processos de adivinhacao, de certo modo acredita estar subordinado a fo reas cegas e misteriosas; o cliente de tais instancias se amedronta e dobra diante de poderes ficticios - o que nao é cristáo. A propósito seja citado S. Agostinho {t 430):

Certa vez, em sua igreja de Hipona (Norte da África), Agostinho se referia a um chaváo daquela época e também dos dias atuais: "Os tem pos sao maus, sao ingratos! Como era feliz o passado!". O santo Bispo

respondeu: "Os tempos somos nos. Sejamos bons e os tempos serlo bons. Quais formos nos, tais seráo os tempos". Tais palavras merecem atencáo. Muitos sao aqueles que se queixam de que os tempos nao sao propicios a urna auténtica vida crista, reta e honesta, porque incitam á

desonestidade; tais pessoas quase se dobram diante de um preconceito, como se fosse impossível remové-lo. Ora Agostinho nota que nos somos maiores do que os tempos, porque nos é que fazemos os tempos ou damos aos tempos o seu colorido próprio. Vale a pena ter consciéncia disto. Alias, já dizia Roger Garaudy em sua trajetória de simpatizante com o Cristianismo: "O homem foi criado criador".

Em outra ocasiáo S. Agostinho comentava as ameacas dos godos contra a cidade de Roma. Os homens da época julgavam que, se Roma

caísse sob os golpes de invasores, o mundo acabaria; tal era o apreso que a populacáo do Imperio devotava a Roma. A seus fiéis assustados Agostinho respondeu: "Que é Roma? Roma nao sao pedras; Roma sao os romanos; se os romanos nao cairem, Roma nao caira". E acrescen-

tou: "Quem colocou pedra sobre pedra para construir as muralhas de Roma, sabia que as pedras cairiam. Nao nos surpreende o fato de elas desmoronarem. Mas o essencial de Roma sao os seus cidadáos, pois sao eles que fazem a grandeza de Roma". Também aqui se exprime pro funda sabedoria. O homem é maior do que as pedras, é maior do que os fatos que o ameacam. A grandeza e a riqueza do ser humano estáo den tro dele; sao a dignidade do caráter, a fidelidade ao dever, a coragem de enfrentar dificuldades e desafios, a aspiracáo a nobres ideáis. Se estas qualidades nao desfalecem, o essencial nao está perdido, mesmo quando os furacóes tentam desarmar e desatinar a pessoa humana. Em suma: Roma nao caira, se os romanos nao cairem. O Brasil, nossa comunidade nao cairao, se os brasileiros ou se nos nao cairmos! 218

Desrespeito e abuso:

SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE

Em síntese: O Presidente da Conferencia dos Bispos da Franga e

Presidente da Associagáo Croyances et Liberté publicou em fevereiro de 1998 urna Carta dirigida ao Presidente do Grupo Volkswagen-Franga, protestando contra o uso indecoroso de símbolos e fórmulas religiosas.

Isto fere o senso religioso de numerosos cidadáos numa atitude de des respeito, que exige desagravo ou reparagáo. - Tal Carta val, a seguir, publicada, juntamente com a respectiva resposta e trechos de um Docu mento do Pontificio Conselho para as Comunicagóes Sociais, que trata

de Ética e Publicidade. O assunto interessa muito de peño ao Brasil, onde os cartazes publicitarios e os préstitos carnavalescos violam o bom senso e o respeito devido aos cidadáos do país.

A Associagáo católica Croyances et Liberté (Crencas e Liberdade) foi fundada pela Conferencia dos Bispos da Franga para "defender a liberdade religiosa, o direito ao respeito das crencas..., a doutrina da Igreja assim como as suas instituigoes". No Estatuto dessa Associagáo, pro mulgado em 1996, lé-se o seguinte: "A Associagáo tem por principal objetivo proteger e defender os católicos contra os assaltos aos seus sentimentos religiosos ou as suas convicgóes de fé, que Ihes possam provir do radio, da imprensa, dos filmes, da televisáo, das artes pictóricas ou de qualquer outra fonte. Tem outrossim a tarefa de defender e promover a nogáo de dignidade huma na, tal como a professa a Igreja Católica".

Sao membros natos da Associagáo o Presidente, o Vice-Presidente, os integrantes do Conselho Permanente da Conferencia dos Bispos da Franga, assim como todos os Bispos que o solicitem. Essa Associagáo realizou urna assembléia plenária em Lourdes aos 7/11/97. Posteriormente houve por bem, em nome da Conferencia Episcopal Francesa, enviar ao Sr. Presidente do Grupo Volkswagen-Fran ga urna carta datada de 4/2/98, em que faz serios reparos a urna campa-

nha publicitaria de tal empresa por abusar de símbolos e fórmulas religi osas a fim de promover a venda de novo tipo de veículo.

Mais precisamente: a partir de 28/1/98 foram espalhados dez mil cartazes pela Franga, relativos a um novo modelo de carro Golf: apre219

28

TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

sentavam a Última Ceia de Cristo em versao deturpada: ai um homem, re presentando Jesús Cristo, nao proclamava "Tomai e bebei; isto é o meu sangue", mas "Meus amigos, alegremo-nos porque nasceu um novo Golf!

A carta é assinada por Mons. Louis-Marie Bulé, Presidente da Con ferencia dos Bispos da Franca e da referida Associacáo. O seu teor, tor nado público, reza o seguinte: A CARTA1 "Senhor Presidente,

A empresa Volkswagen se empenha atualmente pela promogáo de novo modelo de carro mediante uma campanha publicitaria. Serve-se deliberadamente de imagens e de fórmulas características da fé crista. Numerosos fiéis ressentiram como ofensa grave uma tal instrumentalizagáo dos símbolos da sua fé, instrumentalizagáo contra a qual formulo vigoroso protesto.

Será que a empresa Volkswagen precisa, para promoverá venda e a qualidade de seus carros, de transpor os limites do mais elementar respeito? Na medida do que sei, todas as firmas de automóveis estáo atentas a proteger os seus modelos contra os maleficios da contrafagáo

ou da delinqüéncia industriáis. Como entáo uma dessas firmas ousa apo

derarse do que nao Ihe pertence? Com efeito, existe uma Iinguagem dos sinais e dos símbolos que, aos olhos de todos, pertencem a fé crista. Sem dúvida, estáo a disposigáo de todos os cidadáos, nao, porém, para

fazerem deles um uso qualquer. O problema nao consiste no fato de que a Volkswagen quer vender seus carros; tal é a sua incumbencia, incum bencia mediante a qual ela presta á sociedade um servigo entre outros. O problema está, antes, no fato de que, para promover a venda, a empresa desvia do seu sentido e da sua finalidade imagens e palavras cujo alcan ce é tal que nao podem ser postas a servigo de finalidades comerciáis, por mais legítimas que sejam.

Queiram ou nao os publicitarios a quem recorrestes, há imagens que fazem violencia a fé crista e agridem aqueles que a vivenciam; e nao somente a estes..., mas também a varios daqueles cidadáos que, sem

vivencia da fé, pressentem que existem limites intransponíveis. Naquele

acontecimento que a imagem da Última Ceia representa - Última Ceia de

Cristo antes da sua morte, ato pelo qual Ele fundou e instituiu a Eucaris tía - muitos homens e mulheres encontram um sentido para a sua exis tencia e uma ajuda para a sua vida; nao se pode, por conseguinte, travestir impunemente tal acontecimento. Por certo, um mural como aquele que

representa a Última Ceia de Cristo, poderla parecer nao mais do que ' Tradugáo portuguesa feita na base do original francés publicado por SNOP, nB 1025,

de 13/2/98 (boletim oficial dos Bispos da Franga). 220

SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE

29

urna piscada de olhos inofensiva a fé crista; na verdade, porém, ele rebaixa a fé ao piano de artificio publicitario e a torna ridicula. Conseqüentemente, em nome da responsabilidade que me toca, dirijo-me ao Tribunal da Grande Instancia de París, a fim de abrir um debate diante da Justiga e obter a devida reparagáo do prejuízo sofrido pelos crístáos. Fico-vos á disposigáo, pedindo-vos, Sr. Presidente, que aceitéis a

expressáo da minha mais elevada consideragáo.

Louis-Marie Billé Presidente da Conferencia dos Bispos da Franga

Presidente da Associagáo Croyances et Liberté" COMENTANDO...

A intervencáo de Mons. Louis-Marie Billé é corajosa e importante, pois toca um problema que afeta nao somente a Franca, mas também outros países, inclusive o Brasil. Caracteriza-se por tres pontos:

1) Protesta contra o desrespeito a símbolos e fórmulas religiosos, que, para numerosos cidadáos, tém valor decisivo ou constituem o sinal, do grande referencial da sua vida. A

ninguém é lícito vilipendiar ou

"travestir" o bem alheio, agredindo os vizinhos, nem mesmo a título de legítima propaganda comercial; os interesses publicitarios nao de aterse aos limites que o bom senso e a cortesía Ihes impóem. 2) Observa-se que as próprias firmas distribuidoras de automóveis exigem respeito as suas insignias f rejeitam qualquer contrafacáo ou abuso das mesmas. E com razáo defendem-se contra tal tipo de agressáo. Nao abusem, pois, das insignias alheias.

3) O caso nao diz respeito apenas ao foro religioso, como se fosse únicamente urna ofensa aos cidadáos que tém fé. Tal abuso tem implica-

cóes de foro civil, pois fere a boa ordem da sociedade e os direitos, dos cidadáos, de nao ser injustamente agredidos. Daí a conveniencia de le var o debate as instancias judiciárias civis de París e exigir reparacáo ou desagravo da injuria cometida contra os direitos da populacao civil; a

esta é lícito ter sua filosofía de vida e as respectivas expressóes, desde

que nao firam o bem comum.1 Seria para desejar que as advertencias de Mons. Billé encontrassem ressonáncia também em nosso país. 1 A Associagáo Croyances et Liberté pede indenizagáo e a publicagáo de urna sen-

tenga de retratagao em cinco jomáis diarios. 221

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

UM DOCUMENTO DA SANTA SÉ Em fevereiro de 1997 o Pontificio Conselho para as Comunicacoes

Sociais publicou o documento "Ética na Publicidade", no qual chama a

atencáo para a exploracao de temas religiosos na publicidade. Eis alguns de seus tópicos mais salientes:

"13... A publicidade suscita problemas específicos quando trata de religiao ou de questóes que tém dimensáo moral. No primeiro caso, os publicitarios comerciáis incluem, por vezes, temas religiosos ou recorrem a personagens ou imagens religiosos para vender seus produtos. Isto pode ser feito de modo respeitoso e oportuno, mas tal prática é nociva e

injuriosa quando explora a religiao ou quando a trata libertinamente... 23. Em última análise, onde existe liberdade de palavra e comunicagáo, os publicitarios sao chamados a assumir urna atitude ética responsável, condizente com a sua profissáo. Deveriam nao somente evitar os abusos, mas também reparar os danos publicitarios na medida do possível; isto é feito, por exemplo, pela publicagáo de notas corretivas, pelo ressarcimento dos prejuízos causados aos cidadáos... Quando as práticas ¡moráis se propagam e se arraigam no público, os publicitarios conscienciosos nao evitaráo os sacrificios pessoais necessários para as corrigir.. Mesmo as pessoas que desejam proceder com retidáo moral, devem estar prontas a sofrer danos e desvantagens pessoais antes que causar o mal a alguém.

Á luz destas reflexóes, convidamos os publicitarios, assim como todos

os que estáo comprometidos com tarefas congéneres, a adotar normas éti cas sólidas, que protejam a veracidade, a dignidade humana e as responsa bilidades perante a sociedade. Deste modo ofereceráo sua contríbuigáo es pecífica e preciosa ao progresso da humanidade e ao bem comum".

Possam tais normas repercutir favoravelmente também no Brasil!

O FIM DA PENDENCIA Pouco depois dos fatos atrás registrados, a Volkswagen e os Bispos da Franca se entenderam, de modo que aos 10/2/98 publicaram o seguinte

COMUNICADO

"A Associagáo 'Croyances et Liberté' levou á Justiga Volkswagen e sua agencia de publicidade DDB por causa da campanha publicitaria em favor do novo carro Golf.

Ela quis assim suscitar um debate sobre a possibilidade de utilizar, para fins publicitarios, no pleno respeito devido aos crentes e as suas crengas, símbolos concementes aos elementos fundamentáis da Tradi222

SÍMBOLOS RELIGIOSOS E PUBLICIDADE

gao crista e ás suas representagóes iconográficas, que fazem parte do patrimonio comum da nossa civilizagáo. A Associagáo 'Croyances et Liberté', as sociedades Volkswagen e DDB se aproximaram entre si. Estas duas últimas lamentaran) ter podido chocar as convicgóes dos católicos. Volkswagen e DDB reafirmaram que queriam respeitar os valores essenciais da sociedade assim como os valores que tocam o fundo ínti mo das crengas; é segundo tal principio que tencionam pautar seu comportamento.

Foi neste espirito que Volkswagen decidiu retirar ¡mediatamente os muráis, a fim de manifestar seu respeito pela féea sensibilidade expressas por ceños fiéis.

Cada qual das partes tomou consciéncia da boa vontade recíproca e das concessóes feitas por urna e outra parte, de modo que 'Croyances et Liberté' resolveu desistir da agáo judicial. DDB e Volkswagen desejam fazer urna doagáo a 'Secours

Catholique' (Socorro Católico) em vista de atendimento de urgencia e de proximidade a pessoas carentes".

(Extraído do Boletim SNOP, da Conferencia dos Bispos da Franga, ne 1026, de 27/2/98)

Ao verificar tais fatos, nao podemos deixar de registrar o anseio de que no Brasil semelhantes atitudes de desagravo ocorram sempre que

for lesada a fé católica pela publicidade.

Encontros de Catequese - Crisma, por María Lucia de Carvalho Pagnoncelli. Paulus, Sao Paulo 1996, 140 x 210 mm, 157 pp.

O livro destinase á formagáo de crísmandos. Já está em terceira edigáo; aprésenla urna síntese doutrinária que nao contém erros teológi cos, mas é falha por suas omissóes, especialmente graves por se tratar provavelmente da última instrugáo religiosa oficial que os jovens recebem. Assim a p. 67, quando se fala do pecado, há urna alusáo ao pecado dos primeiros pais, mas nao ocorre a expressáo "pecado original": o dos primeiros pais (dito "originante") e o dos descendentes (dito "originado"). Áspp. 102s, ao falar de María SSma., o texto se refere á Maternidade de

María sem falar de sua virgindade, nem de sua Imaculada Conceigáo; nem mesmo a expressáo "Máe de Deus" ai ocorre. Falta toda e qualquer

alusáo aos últimos acontecimentos (novíssimos), que tém valor decisorio para a vida do cristáo. Em suma, o livro, que nao se dirige a criangas, parece superficial; os temas poderíam ser aprofundados, especialmente os que se referem a Jesús Cristo e outros artigos da fé. 223

Emocao e calor:

"VOCÉ DECIDE": INCESTO?

Em síntese: O programa da TV-Globo "Vocé Decide" apresenta casos perplexos, cuja solugáo é solicitada ao grande público. Este temse manifestado em favor de alvitres surpreendentes, que violam os conceitos mais rudimentares da Moral: foi o que se deu em novembro pp.,

em prol do homossexualismo, e em Janeiro pp. em prol do incesto. Este é rejeitado nao só pela fé, mas também pela lei natural, como demonstram as tribos primitivas cujos membros praticam casamentos endógenos (en tre próximos consanguíneos), dos quais nasce prole deficiente. Na verdade, a Moral nao se decide por plebiscito, especialmente nao por um público colocado sob o impacto colorido e sonoro da televisáo. - Nao se pode apelar para os filhos de Adao e Eva (Gn 5,4) para justificar o casa mento entre irmáos. Nem se podem tomar como cifras matemáticas os

números de anos atribuidos aos Patriarcas bíblicos, visto que se trata de

números simbólicos.

O programa "Vocé Decide" da TV-Globo vem apresentando casos perplexos, cuja solucáo é solicitada ao grande público sob o impacto do aparato visual e sonoro de um espetáculo televisivo. Já em novembro pp. foi exibido o caso de duas jovens, amigas desde a infancia, que desejavam unir-se em uniáo lésbica, como se fossem constituir um verdadeiro casal. O público apoiou esta iniciativa por 140.000 votos contra 15.000 aproximadamente. Tal resultado causou surpresa na opiniáo pública, pois enorme maioria de telespectadores abonava assim o homossexualismo. Aos 27/01/98 algo de semelhante ocorreu no programa Tabú, que apresentou um caso de incesto. O fato será considerado e comentado ñas páginas subseqüentes. 1. O Episodio: Incesto

Um casal, em segundas nupcias, tinha urna filha jovem, cujo relaci-

onamento com o pai era péssimo, a ponto que ele queria ver a filha sair

de casa. O mesmo senhor tinha também um filho, nascido de sua primeira esposa, ainda viva; o rapaz era trabalhador e correto; fora abandona do, quando enanca, pelo próprio pai e residía em cidade distante. 224

"VOCÉ DECIDE": INCESTO?

33

Eis que o pai sofreu um derrame cerebral e fo¡ internado num Cen tro de Terapia Intensiva, posto entre a vida e a morte. A segunda esposa resolveu entáo telefonar ao rapaz, propondo-lhe que viesse ver o pai. -O jovem aceitou o convite e se hospedou na casa do pai e de sua "madras ta". Originou-se entáo urna forte amizade entre o jovem e a filha do casal, irmá do rapaz por parte de pai. Tal "simpatía" transformou-se em namoro, e suscitou o impasse...

Ao público foram colocadas entáo tres perguntas:

1) Deve o rapaz abandonar a casa de familia e voltar para a cidade em que morava?

2) Deve o jovem par desistir da absurda idéia de namoro e restringir-se á amizade entre irmáos?

3) Devem os dois superar todos os preconceitos de ordem moral e legal e mudar-se para outra cidade, onde possam tranquilamente viver juntos como esposo e esposa?

O resultado da votacáo foi o seguinte: item 1:15.000 votos; item 2: 35.000 votos; item 3: 79.000 votos.

Os números surpreenderam os próprios produtores do programa,

como noticia o JORNAL DO BRASIL, ed. de 29/01/98, cad. B, p. 6: SURPRESA NO FINAL

"Foi urna surpresa para a diregáo do Vocé decide o final escolhido pelo público para o episodio Tabú, apresentado terga-feira. Por urna mar-

gem de vantagem considerável, os espectadores optaram pelo desfecho que unta o casal, apesar de todo mundo (inclusive os personagens) sa

ber que os dois eram irmáos. Á medida que o placar ia se definindo, a

diregáo do programa até tentou ajudaruma virada, mudando, áspressas, o texto do apresentador Celso Freitas que ao longo do caminho foi con denando a conduta da personagem Christiane Fernandes. Em váo. Sábe se que o maior temor da diregáo do programa era com a reagáo da Igreja, preocupada com a aprovagáo pelo público de urna transgressáo desse porte".

Os fatos sugerem reflexóes... 2. Refletindo...

A grande maioria dos telespectadores se pronunciou em favor do incesto, que é a uniáo entre consanguíneos muito próximos. Era, sim, incestuosa a uniáo do rapaz (filho do primeiro matrimonio) e da jovem (filha do segundo matrimonio), pois eram irmáos por parte de pai. 225

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

Ora o incesto é inaceitável tanto no plano da Moral como no do Direito; nem mesmo a alegacáo de que ele e ela nao haviam sido educa dos como irmáos justificava tal uniáo; eram consanguíneos próximos. Para fundamentar tal recusa, nao é necessário recorrer á fé. O in cesto é contrario á lei natural, lei que o Criador incutiu á natureza de todo ser humano. A repulsa da natureza se manifesta no fato de que o incesto

dá lugar a prole deficiente, sobre a qual se acumulam taras hereditarias. A nocáo de incesto existe em todas as sociedades conhecidas, a tal pon to que o antropólogo Claude Lévi-Strauss afirma que a proibicáo do in cesto constituí o fundamento de todas as formas de organizacáo social.

Pergunta-se entáo: por que o público optou táo machamente em favor do incesto? - Só se pode compreender isto pelo fato de que os telespectadores deixaram sentimentos e emocóes falar ácima da razáo. O ambiente sentimental e emotivo em que o público é interpelado pela televisáo, faz que nao tenha tempo ou condicóes para raciocinar devidamente; som e imagens impressionam, quase abafando o bom senso. Pode-se crer que o mesmo público, interpelado fríamente a respeito do incesto num plano meramente teórico e abstrato, repeliria a uniáo inces tuosa. De resto, é importante observar que nao se resolvem questoes de

Ética fundamental mediante plebiscitos ou pelo voto da maioria, princi

palmente quando se trata de maioria sentimentalmente impressionada. 3. E os Filhos de Adáo e Eva?

Diz a Biblia que Adáo e Eva tiveram dois filhos: Caím e Abel. O primeiro matou o segundo; donde surge a pergunta: com quem se casou Caím? - Já houve quem respondesse que se casou com urna jovem proveniente de outro planeta, o que é totalmente preconcebido e infun

dado.

Urna leitura superficial do texto bíblico fornece a resposta ¡media ta. Com efeito; em Gn 5,4 está dito que Adáo e Eva tiveram muitos filhos e filhas, de modo que Caím tinha com quem se casar, ainda que fosse com urna irmá sua. Eis o teor do texto sagrado:

"Quando Adáo compfetou cento e trínta anos, gerou um filho á sua semelhanga, como sua imagem, e Ihe deu o nome de Sete. O tempo que viveu Adáo depois do nascimento de Sete, foi de oitocentos anos, e ge rou filhos e filhas" (Gn 5,3s).

Todavía, se Caím se casou com urna irmá sua (com a autorizacáo do próprio Deus), como se pode condenar o incesto? Respondemos: na hipótese de Caím ter-se casado com urna irmá sua, nao houve violacáo da natureza nem pecado, pois na primeira gera226

"VOCÉ DECIDE": INCESTO?

_35

cao humana nao havia doencas hereditarias a transmitir ou nao havia o perigo de acumulo de taras. Também nao havia muitas familias a se congracarem, como manda a lei natural. Em conseqüéncia nao terá sido tal uniáo contraria á lei natural. O mesmo nao se dá em nossos días, quando existem taras hereditarias e se verifica a necessidade de congracamento entre as familias, ao contrario do que ocorre em tribos de povos que váo declinando por causa de seu sistema de matrimonios endógenos. Aproveitamos, porém, a ocasiáo para chamar a atencáo para a exegese mais recente do episodio de Caím e Abel; segundo a moderna interpretado do relato, nao se poderia falar de casamento entre irmáos

na primeira geracáo da humanidade. É o que apresentamos sob o título seguinte:

4. Caím e Abel: como entender Gn 4,1-16?

Quem observa este episodio, verifica que supoe um estado adiantado da cultura humana, ou seja, o período neolítico: os homens já domesticavam os animáis, de modo que Abel é pastor, e já cultivavam in dustriosamente a térra, de modo que Caím é agricultor (4,2); Caím funda urna cidade (4,17), tem medo de se encontrar com outros homens (4,14),

sabe que haverá um clá pronto para defendé-lo... Diante destes tragos

literarios, os autores propoem duas maneiras de entender o episodio:

1) Fato histórico antigo descrito com roupagem da época pos terior. O autor sagrado estaría relatando um fratricidio realmente ocorri do nos inicios da pré-história bíblica, mas teria usado linguagem da épo

ca neolítica para tornar-se mais compreendido pelos leitores: os atores

da cena teráo sido apresentados como se fossem homens contemporá neos do escritor sagrado. Esta ¡nterpretacáo é aceitável, mas nao parece ser a melhor. É preferível a seguinte:

2) Fato meta-histórico ou trans-histórico1. Observemos que hou-

ve urna tribo dos quenitas ou quineus ou cineus na época de Moisés (séc. XIII a.C); tinham por patriarca fundador um certo Caím. Leíamos, por exemplo Nm 24,21: "Balaao viu os quenitas e pronunciou o seu poe

ma. Disse: 'A tua morada está segura, Caím, e o teu ninho firme sobre o rochedo'"; os quenitas eram nómades (1Cr 2,55); tinham relacoes estreitas com Madiá (Nm 10,29; Jz 1,16); ver também 1Sm 15,4-6; Jz 4,11.17; 5,24. Ora pode-se crer que esse patriarca Caím tenha sido um fratricida famoso; o crime de Caím ocorrido nos tempos de Moisés ou pouco antes

terá sido tomado como um fato típico da maldade humana. Por isto o 1 Meta-histórico ou trans-histórico é o fato histórico que nao pertence a um deter minado período da historia apenas, mas se reproduz em diversas fases da historia. Este conceito se esclarecerá no decorrer da nossa explicagéo. 227

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

autor sagrado haverá colocado esse fato logo no inicio da pré-história bíblica, querendo assim significar, de maneira muito concreta, que, quando o homem diz Nao a Deus, passa a dizer Nao também ao seu irmao; a fidelidade a Deus e a fidelidade ao próximo sao inseparáveis urna da outra; por isto também o Senhor Jesús quis resumir toda a Lei em dois preceitos: o do amor a Deus e o do amor ao próximo (cf. Mt 22,40). Neste caso nao se pode dizer que Caím e Abel foram filhos diretos

dos primeiros pais. Nem era a intencáo do autor sagrado dlzé-lo. Nos onze primeiros capítulos do Génesis, a Biblia propóe fatos históricos, sim, dispostos, porém, de maneira a nos fazer compreender o porqué da vocacáo de Abraáo; ela quer mostrar que o primeiro Nao dito a Deus desencadeou urna serie de outras negacóes, das quais a primeira é o Nao dito ao homem. Segundo tal interpretacáo, o fratricidio cometido por Caím contra seu irmáo Abel é fato histórico, mas um fato que nao ocorreu apenas urna vez no século XIII a.C; ocorre em todas as épocas, a

partir da primeira fase da historia da humanidade; até hoje há muitos

Cains que matam seus irmáos, como houve também um no inicio da

historia sagrada.

Quem aceita tal interpretacáo, já nao formula a pergunta táo freqüentemente colocada por leitores da Biblia: com quem se casou Caím, se Adáo e Eva só tiveram dois filhos e Caím matou Abel? Se o episodio de Caím e Abel é datado do século XIII a.C, vé-se que nao há por que formular a questáo; a populacáo humana já se alastrara sobre a térra. 5. E a Longevidade dos Patriarcas em Gn 5,1-32?

O autor sagrado quis propor a linhagem dos bons; estes tém nú meros, isto é, gozam de ordem e harmonía e estáo inscritos no "livro da vida". Diz o livro da Sabedoria que "o Senhor tudo dispoe conforme nú mero, peso e medida" (Sb 11,20). Nao se atribuí aos descendentes de

Adáo e Sete nenhuma obra civilizatória, pois tais obras estavam associadas, na mente do autor, aos imperios pagaos da vizinhanca de Israel.

A grande longevidade assinalada a cada patriarca nao quer dizer que, na verdade, viviam séculos; mesmo que entendamos os 930 anos

de Adáo, os 912 de Sete... como anos lunares (um pouco mais breves do

que o ano solar), nao estaremos atinando com a mensagem do autor

sagrado. Para os antigos, a longevidade era sinal de venerabilidade e respeitabilidade; por conseguinte, quando atribuiam a alguém longa duracáo de vida, queriam apenas dizer que tal pessoa era merecedora de toda estima e consideracáo. Este modo de falar está documentado, por exemplo, na tabela dos reis pré-diluvianos que o sacerdote Berosso, da Babilonia, nos deixou:

228

"VOCÉ DECIDE": INCESTO?

37

Aloro reinou 36.000 anos; Alaparo 10.800; Almelon 46.800 anos; Amenon 43.200 anos; Amegalaro 64.800 anos; Amenfsino 36.000 anos;

Otiartes 28.800 anos; Daono 36.000 anos; Edoranco 64.800 anos; Xisutro 64.800 anos.

Temos nesta lista dez nomes de reis de elevada longevidade. Também no Egito se encontrou a lista de dez reis que governaram o povo nos

seus primordios; os persas conheciam seus dez Patriarcas; os hindus enumeravam nove descendentes de Brama, com os quais Brama completava urna serie de dez geracóes pré-diluvianas.

É á luz destes documentos que se deve entender Gn 5,1-32. Os dez nomes significam os homens que transmitiram a fé e a fidelidade aos seus descendentes; visto que a vida é o bem fundamental, urna longa vida, para os antigos hebreus, era símbolo de béncáo divina e honrabilidade; a indicacáo de que cada Patriarca viveu elevado número

de anos após gerar o seu sucessor na lista, significa que esses pais do género humano tiveram a possibilidade de manter pura na sua familia a revelacáo primitiva; donde se concluía que a religiáo que por tal via chegara a Israel, era a religiáo verdadeira, conservada através de urna serie de geracóes providencialmente favorecidas por Deus.

Em síntese, nao se deverá crer que os Patriarcas bíblicos viveram séculos. Ao contrario, sabe-se hoje com certeza que a duracao da vida humana na pré-história era muito breve: oscilava entre os 20 e 40 anos, os homens nao gozavam dos beneficios da medicina e da cirurgia para debelar seus males.

(continuagáo da pág. 234)

Os sirios monofisitas aceitam até hoje os deuterocanónicos. Tenham-se em vista os testemunhos de Jaco de Edessa (t 708), que reconhecia Br, Est, Jt, Eclo, e Gregorio Bar-hebreu (t 1286), que comentou Dn 3 e 13, Sb, Eclo, e citou Br e Me.

Os nestorianos, representados por Ebed Jesu (t 1318), tém em seu catálogo a maioria dos deuterocanónicos.

Os etíopes monofisitas reconhecem os deuterocanónicos e acres-

centam-lhes alguns livros que os católicos tém como apócrifos, quais sao o 49 de Esdras, o 39 dos Macabeus, o livro de Henoque. O mesmo se diga dos coptas e dos armenios monofisitas. Estes dados evidenciam que nao se pode, sem mais, dizer que os cristáos orientáis nao aceitam os livros deuterocanónicos. 229

No sáculo II d.C:

PLINIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR

Em síntese: O artigo apresenta trechos de correspondencia entre

Plínio o Jovem, procónsul da Bitínia e do Ponto (Asia Menor ou Turquía

de hoje) e o Imperador Romano Trajano (98-117). Revelam a perplexidade de Plínio o Jovem, que se vé obrigado a perseguir os crístáos, cujo teor de vida era irrepreensível, mas cuja existencia era ilícita por nao adorarem os deuses de Roma. Importante é a passagem em que Plínio refere como os crístáos se reuniam de madrugada para cantar um hiño a Cristo Deus (terminando a Eucaristía após longa vigilia noturna, como se

pode crer) e voltavam a se encontrarpara celebrara ceia fraterna (ágape) a tarde. Já entáo (112) a Eucaristía e o ágape eram eventos distintos, a diferenga do que dá a entender a 1Cor 11,17-22 no ano de 56. A historia da Igreja nao é suficientemente conhecida. Quem a estuda, por pouco que seja, descobre ai quadros de grande beleza, que abrem horizontes assaz interessantes. Atendendo, pois, á necessidade de difundir facetas da historia, seráo, a seguir, publicados trechos de duas cartas importantes: urna, de

Plínio o Jovem, procónsul da Bitínia e do Ponto (Asia Menor ou Turquia

de hoje) ao Imperador Trajano, datada de 112 aproximadamente, e outra do Imperador Trajano a Plínio o Jovem.

1. A Carta de Plínio o Jovem

Desde 64 o nome de cristáo era banido ou ilícito no Imperio Ro mano. Com efeito; o Imperador Ñero (54-68), querendo ver-se livre da suspeita de haver provocado o recente incendio de Roma em julho de 64, ofereceu ao povo da cidade o espetáculo de cristáos lancados as feras ou feitos tochas vivas, sob a acusacáo de que "odiavam o género humano" e se entregavam a urna "supersticáo deletéria" (exitialis superstitio). Tal acusacáo se baseava no fato de que os discípulos de Cristo nao adoravam os deuses de Roma e assim podiam atrair as iras da Divindade sobre o Imperio. De 64 em diante, o nome de cristáo ficou sendo ilícito.

O Imperador Domiciano (81-96) tornou especialmente violenta a perseguicáo, como supóe o livro do Apocalipse escrito por Sao Joáo exi lado na ilha de Patmos. 230

PLÍNIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR

39

Sob Trajano (98-117), homem de rígida tempera militar, nova onda persecutoria teve seu surto; foram proibidas todas as sociedades nao

legitimadas pela autoridade imperial. Na Asia Menor Plínio o Jovem dis-

pós-se a executar as ordens do monarca; condenou numerosos cristaos ao martirio e tentou levar outros á renegacáo da fé. Achava-se, porém, inseguro, pois Ihe doía ter que maltratar gente cujo tipo de vida era ¡no cente no foro policial; ademáis impressionava-se com a expansáo dessa "supersticáo extravagante e absurda". Resolveu entao escrever ao Impe rador para pedir-lhe instrucóes relativas ao melhor modo de proceder no caso. - Eis o trecho da carta que ¡nteressa:

"AO IMPERADOR TRAJANO

É urna norma invariável, Senhor, a que tenho de referir-vos todos os assuntos a respeito dos quais me sinto em dúvida; pois quem estará mais bem capacitado a dissiparos meus escrúpulos ou esclarecer minha ignorancia? Nao tendo estado jamáis presente a umjulgamento de quem professasse o Cristianismo, desconhego tanto a natureza dos seus crimes e o rigor de suas punigóes, como a medida em que devo avangar no

inquérito a eles concernente. Se, por isso, cumpre fazer alguma diferenga usualmente com respeito a idades, ou se nao se deve observar nenhuma distingáo entre o jovem e o adulto; se o arrependimento o qualifica para o perdáo ou se, tendo urna vez sido cristáo, um homem nada lucra em abjurar do seu erro; se é a própria profissáo de fé crista, desacompanhada de qualquer ato criminoso, ou apenas os crimes inerentes a tal profissáo que sáopuniveis - em todos estes pontos sinto-me completamente em dúvida.

Entrementes, o método que tenho observado relativamente aque

les que tém sido trazidos perante mim sob acusagáo de cristaos, é o seguinte: pergunto-lhes se sao cristaos; se admitem sé-lo, repito a pergunta duas vezes, e ameago-os de punigáo; se persistem, ordeno que sejam ¡mediatamente punidos, porquanto estou persuadido, qualquer que

seja a natureza de suas opinióes, de que urna obstinagáo inflexível e contumaz é certamente merecedora de corregáo. Outros houve que, possuidos de igual sandice, foram também trazidos á minha presenga; como,

porém, se tratava de cidadáos romanos, ordenei que fossem mandados para Roma.

Mas esse crime se espalhou (como costUma ocorrer, via de regra) enquanto estava em curso o processo e varios outros casos da mesma natureza se verificaram. Urna informagao anónima foi-me trazida, acu sando varias pessoas; estas, interrogadas, negaram ser cristas ou ja

máis o terem sido. Repetiram comigo urna invocagáo aos deuses e fizeram oferendas rítuais com vinho e incensó diante de vossa estatua (que 231

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

para tal propósito ordenei fosse trazida, juntamente com as dos deuses), chegando mesmo a vituperar o nome de Cristo. Ao que dizem, os que sao realmente cristáos nao fazem semelhante transigencia, nem á forga. Estimei, portanto, serjusto considerá-los inocentes de culpa. Alguns, entre os acusados por urna testemunha em pessoa, confessaram, a principio, serem cristáos, mas ¡mediatamente depois o negaram; os demais reconheceram que, na verdade, haviam pertencido áquele número outrora, mas depois (uns há tres, outros há mais, e uns poucos cerca de vinte anos atrás) renunciaram a esse erro. Todos adoraram vossa estatua e as imagens dos deuses, pronunciando imprecagdes, ao mesmo tempo, con tra o nome de Cristo.

Sustentaram que toda a sua culpa ou erro era a de se terem reunido certos dias, antes do amanhecer para dirigir preces a Cristo como a urna divindade, comprometendo-se, mediante juramento solene, sem qualquer intuito malévolo, a nunca cometerem fraude,

roubo ou adulterio; a nunca faltarem á palavra ou renegarem um

compromisso que houvessem assumido. Feito o juramento, era costume deles separarem-se, para se reunirem mais tarde com o fito de comerem juntos refeicáo inofensiva. Renunciaram, contudo, a tal costume depois da publicacáo do meu edito, pelo qual, de acordó com vossas ordens, eu proibia toda e qualquer reuniao.

Depois de ouvir estas explicagóes, julguei aínda mais necessário procurar obter a inteira verdade, e submeti á tortura duas escravas, que diziam ser oficiantes nos seus ritos religiosos: tudo quanto logrei descobrír, porém, foique entretinham urna superstigáo extravagante e absurda. Reputei mais avisado, por isso, adiar quaisquer outras providencias até vos consultar. Parece tratarse de um assunto que vos deve merecer toda a atengáo, tanto mais que grande número de pessoas deve estar envolvi do no perigo dessas perseguigóes, que já comprometeram, e continuaráo possíveimente a comprometer, pessoas de todas as categorías e idades e, inclusive, de ambos os sexos. Essa superstigáo contagiosa, na realidade, nao se confina as cida-

des apenas, mas infecta os vilarejos vizinhos e os campos. Nao obstante, talvez seja possível conter-lhe o progresso. Os templos, pelo menos, que havia pouco estavam quase totalmente desertos, comegaram agora a ser freqüentados, e os ritos sagrados, depois de urna longa pausa, sao de novo revividos, ao mesmo tempo em que se verifica urna procura geral de vítimas, que tempos atrás encontravam pouquíssimos compradores. De tudo isso é fácil deduzir que grande número de pessoas poderia regene

rarse se um perdáo geral fosse concedido a todos aqueles que se arre-

pendessem do seu erro".

232

PLÍNIO O JOVEM A TRAJANO IMPERADOR

42

Como se vé, Plínio o Jovem se defrontava com quatro tipos de acusados:

a) auténticos cristáos dispostos a professar a fé até o martirio; b) auténticos cristáos, que gozavam dos privilegios de cidadáos

romanos e, por isto, nao podiam ser condenados por Plínio, mas deviam ser enviados a Roma (como Sao Paulo); c) cristáos que parecem ter renegado a fé; d) falsos réus que nada tinham de cristáo. Muito importante é a seccáo em que o procónsul refere como os cristáos se reuniam de madrugada para cantar um hiño a Cristo Deus

(provavelmente terminando com a Eucaristía urna longa vigilia noturna de leituras e oracóes) e voltavam a se encontrar no fim do dia para cele-

brarem o ágape ou a ceia fraterna. Isto evidencia que em 112 a Eucaristía e o ágape já constituiam dois eventos distintos, coisa que aínda nao apa rece em 56 na 1Cor 11,17-22, trecho em que o Apostólo registra desordens e abusos na celebracáo conjunta de Eucaristía e ágape. Veja-se agora a resposta de Trajano. 2. A Carta de Trajano Imperador

Trajano mantém o decreto de perseguigáo. Parece, porém, compreender o problema do procónsul. Daí as medidas restritivas a perse guigáo: - nao se procurassem os cristáos para os perseguir; - urna vez apresentados á autoridade, fossem incitados a apostatar;

caso nao o quisessem, fossem punidos (conquirendi non sunt; si

deferantur et arguantur, puniendi sunt); - quem apostatasse, seria posto em liberdade;

- ficava proibido aceitar denuncias anónimas. Eís o trecho da carta de Trajano que vem ao caso:

TRAJANO A PLÍNIO Agiste corretamente, meu muiprezado Secundus, em investigaras acusagóes contra os cristáos que foram trazidos á tua presenga. Nao é possívei estabelecer urna regra geralpara todos os casos que tais. Nao

te desvies da tua rota para persegui-los. Se, contudo, forem trazidos a ti e o crime deles ficar provado, é mister puni-los, com a restrigáo, porém, de que, sempre que o réu negué ser cristáo e prove nao o ser invocando nossos deuses, deve ser (malgrado qualquer suspeita anterior) perdoa233

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

do mercé do seu arrependimento. Informagóes anónimas nao devem ser

acolhidas em nenhuma especie de processo de acusacao. Isso seria abrir

um precedente assaz perigoso, totalmente estranho ao espirito de nossa época ".

Interessa nesse carteio salientar as hesitares dos magistrados pagaos frente aos cristaos. Estes obedeciam as leis do Imperio, como registravam os apologistas dafé (ver em particular a Epístola a Diogneto), mas nao se dobravam diante dos deuses de Roma. O bom senso das

autoridades romanas parecía inseguro diante de tal tipo de cidadaos. Nao obstante, a religiáo crista continuou ilícita até 313 (edito de Constantino ou Paz de Miláo), sendo que, a partir de 250, o furor perse guidor recrudesceu. Isto, porém, nao impediu que "o sangue dos cristaos fosse sempre sementé de novos cristaos" (Tertuliano).

O CANON DOS CRISTAOS ORIENTÁIS SEPARADOS

Á p. 194 deste fascículo foi publicada urna noticia da revista VINDE segundo a qual os ortodoxos orientáis nao aceitam no catálogo bíblico os livros deuterocanónicos. - Tal noticia exige retificacoes.

Os orientáis gregos ortodoxos, a partir do Concilio de Trulos (692), reconheceram os deuterocanónicos como partes integrantes da Biblia. O próprio Patriarca Fócio (t 891), autor de cisma prolongado, os aceitava. Da mesma forma os canonistas gregos J. Zonaras e Th. Balsanon, do século XII. Nunca houve litigio entre latinos e gregos a respeito do canon bíblico. No século XVII, porém, sob o influxo do protestantismo, o Patriar

ca de Constantinopla Cirilo Lucaris (t 1638) rejeitou os deuterocanónicos. Tal posicáo foi, pouco depois, contestada pelo Sínodo de Constantinopla celebrado em 1638 sob Cirilo Contaris, sucessor de Lucaris, como pelo Sínodo de Jerusalém em 1672 sob o Patriarca Dositeu; a sentenca de

Cirilo Lucaris foi veementemente condenada. Acontece, porém, que em nossos días, aínda sob influxo protestante, muitos teólogos gregos negam a canonicidade dos sete livros em foco.

Algo de semelhante acontece com os russos ortodoxos, que até o século XVII adotaram o canon ampio. Mas sob a orientacáo de Teofanes Prokopowitcz (1682-1725), o canon protestante foi sendo mais e mais aceito, a tal ponto que hoje muitos teólogos russos nao reconhecem os deuterocanónicos. Quanto aos orientáis separados heréticos, deve-se notar o seguinte: (Continua na pág. 229) 234

Procurando ver o Invisível:

DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS

Em síntese: Seguem-se duas parábolas nao bíblicas, das quais a primeira tem por objetivo ilustraras relagóes de Deus com a sua criatura humana - relagóes de poder, maestría, mas também carinho e benevo lencia... A outra estória ilustra os males que o desánimo possa causar ao cristáo; é a melhor ferramenta do demonio. *

*

*

O vocábulo pará-bola vem do grego pará-bolé e significa algo lancado (bolé) ao lado (para). Em literatura, a parábola é urna historia ficti cia que, de maneira concreta, pretende ilustraros valores invisíveis, como que dando a ver o Invisível.

Existem numerosas parábolas na Biblia, mas existem outrossim parábolas náo-bíblicas, que contribuem para por em evidencia verdades

transcendentais. As páginas seguintes apresentaráo duas estórias de tal tipo com alguns comentarios que aprofundem o seu sentido. I. DISPONÍVEL COMO ARGILA

"O Senhor Deus plasmou o homem com o pó da térra" (Gn 2, 7) Eu, naquele entardecer da criacáo, senti passos no jardim. Era ele, O Senhor da criacáo. Acontece que, nesse entardecer, ele parou, inclinou-se, com um olhar carregado de amor. E, de repente, recolheu-me no chao, a mim, pobre e pequeño punhado de térra, e ficou a me olhar pen

sativo... Remexeu-me longamente... longamente... com todo carinho! E entáo comecou a me amassar: primeiro, retirou de mim urna por-

páo de impurezas que o atrapalhavam: pedrinhas, pedacinhos de pau, ciscos. E eu fui ficando térra pura, do seu gosto. Fez ainda outras operacóes, que eu nao compreendia nem poderia compreender:

"Pode por acaso um vaso dizer ao oleiro: eu entendo disso mais do que vocé?" (Is 29, 16)

Eu nada perguntei. Oferecia simplesmente o meu ser em disponibilidade de amor. Deixava-me trabalhar. Deixava que ele me fizesse. Porque eu sabia que era obra sua e que ele transformava com amor.

De fato, fui tomando forma. Urna forma á maneira dele, á sua ima235

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

gem! Para que haveria eu de servir no futuro? Eu nao o sabia. "Como argila ñas máos de um oieiro, assim estava eu em suas máos" (Jr 18,6).

E eu fui-me tornando obra de Deus. "E ele aplicava seu coracáo em aperfeicoar-me, pondo cuidado vigilante em tornar-me belo e perfeito" (Eclo 38, 31). Depois, veio urna etapa difícil. Porque um torno superaquecido

veio dar ao barro torga e consistencia. É o calor que leva a bom termo a

obra de suas máos, o Senhor Criador. A cada vaso muito querido, ele dá contornos de eternidade. Entáo comecei a olhar em torno de mim. E descobri outros vasos que suas máos habéis e cheias de amor haviam amas-

sado e modelado artísticamente. Sem se cansar, dava ele mais outra máo aqueles que nao haviam saído bem. Cada um tinha sua forma e sua cor, sem dúvida, conforme á sua destinacáo no mundo. Mas, do mais humilde ao mais rico, todos eram lindos, todos bem feitos. Ele nos tinha feito como ele bem quería... "Pode, por ventura, um vaso perguntar ao oieiro: por que me fizeste assim? Nao tem o oieiro poder sobre o barro para fazer da mesma argila um vaso de uso nobre e outro de uso vulgar?" (Rm 9, 20-21).

Ó Oleíro Divino, Criador e Pai, permite que se cumpra em mim a obra que comecaste. Seja meu projeto o teu projeto sobre mim! Comentando...

Sejam propostos quatro comentarios a respeito de tal estória: 1. O Homem feito do Barro

A Biblia diz que Deus fez o homem a partir do barro. Ora, como se deduz do estudo das literaturas antigás (cf. PR 419/1997, pp. 181-187), a imagem do oieiro nao pode ser tomada ao pé da letra; vem a ser urna expressáo dos povos primitivos, que significava assim como o oieiro está para o barro assim Deus está para o homem. E como é que o oieiro está para o barro?

- Está ele para o barro como artesáo cheio de carinho, sabedoria,

dominio, maestría, providencia... É segundo tais predicados que Deus se relaciona com o homem, quer o texto bíblico dizer, sem tencionar entrar em questóes de antropología moderna. A mensagem bíblica é filosóficoreligiosa; quer ensínar como se vai para o céu, e nao como vai o céu.

Ora a parábola explora essa atitude carinhosa e sabia de Deus para com as suas criaturas. O Senhor fez cada qual délas á sua imagem

e semelhanca, nao porque Deus tenha corpo, mas porque Ele é espirito 236

DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS

45

e deu ao ser humano urna alma espiritual, dotada de inteligencia e vonta-

de. Pela sua inteligencia e a sua vontade o homem é capaz de continuar a obra de Deus, arrumando e embelezando este mundo. 2. O Misterio da Sabedoria

Muito delicadamente a parábola poe em relevo também o misterio da Sabedoria do Criador: pode, por ventura, um vaso perguntar ao seu

oleiro: por que me fizeste assim e nao de outro modo? Por vezes a criatura humana tende a reclamar de Deus, criticando o plano divino, como se soubesse melhor do que Deus o que Ele deveria fazer e nao fazer... Ora tal atitude é desarrazoada, pois Deus, por definicáo, é a Suma Perfeicáo e a Suprema Sabedoria; Ele nao se pode enga ñar. Se o pudesse, nao seria Deus; seria preciso imaginar um outro Deus, verdadeiramente Deus, infalível e santo.

Á criatura convém adorar os designios de Deus e aceitá-ios de coracáo generoso, pois tudo é graca, embora nem sempre o homem o compreenda. O bom cristáo entrega-se totalmente ao Senhor, como um filho se entrega ao Pai em um gesto de absoluta confianca. 3. A Funcáo do Fogo

A parábola fala precisamente do fogo, que leva a bom termo a obra do oleiro. Tal fogo, no caso, é a imagem das provacóes que o Senhor Deus permite acontecam aos seus fiéis para acrisolar as virtudes, forta lecer a fé e o amor. Oxalá saiba o cristáo reconhecer as visitas de Deus como algo de benéfico e proveitoso para a sua vida espiritual! 4. "Aqueles que nao haviam saído bem..."

Merecem especial atencáo as palavras: "Sem se cansar, dava ele mais outra máo aqueles que nao haviam saído bem". - Isto quer dizer muito claramente que o Senhor Deus nao abandona os fracos, mas, ao contrario, sempre procura ajudá-los a crescer. Contemos com a graca de Deus e nunca desanimemos. A propósito outra parábola vem ilustrar esta observacáo relativa ao desánimo. Ei-la: II. A MELHOR FERRAMENTA DO DIABO

Vocé nao se senté desanimado hoje? Lá no fundo do seu coracáo, vocé nao tem vontade de jogar tudo pelos ares, que tudo se dañe, e dizer: "Chega, eu nao agüento mais?"

Talvez vocé tenha sido traído, humilhado, abandonado quando mais precisava da presenca de um amigo, talvez caluniado, mal compreendi-

do, criticado, e talvez esteja táo desiludido com as pessoas, que vocé 237

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

senté que está perdendo a coragem de continuar a lutar como cristáo para santificar a sua vida e o que está á sua volta, perdendo a garra que vocé tinha no comeco. Até a sua fé parece abatida e entáo, em alguns momentos, vocé chega a pensar que nao adianta mais rezar porque a oracáo nao vai resolver o seu problema...

Vocé está pensando em desistir? Caro irmao e irmá, se vocé se senté assim, o diagnóstico para o

seu caso é: vocé está invadido, inundado de um profundo desánimo e Satanás está dando pulos de alegría por causa disto. Afinal ele conseguiu atingir vocé, derrubar vocé, utilizando a sua melhor ferramenta. Ouca esta historia:

Foi anunciado que o diabo deixaria seus trabalhos e ofereceria suas ferramentas para qualquer um que desejasse pagar o preco. No dia da venda, elas foram expostas de maneira atraente: mali cia, odio, maus desejos, inveja, ciúme, sensualidade, fraude... Todos os instrumentos do mal estavam lá, cada um marcado com o seu preco.

Separada do resto, encontrava-se urna ferramenta de aparéncia inofensiva, que, apesar de estar usada, tinha prego superior ao de todas as outras.

Alguém perguntou ao diabo o que era.

"É o Desánimo", respondeu ele. "Nossa! Mas por que está tao cara?"

"Porque", respondeu o diabo, "ela me é mais útil do que todas as outras ferramentas. Com ela, eu sei entrar em qualquer homem, e, urna vez no interior dele, eu posso manobrá-lo da maneira que melhor me

convém. Esta ferramenta é usada, porque eu a utilizo com quase todo mundo e pouquíssimas pessoas sabem que ela me pertence".

É supérfluo acrescentar que o preco afixado pelo diabo para o De

sánimo era táo alto que a ferramenta nunca foi vendida.

Agora vocé já sabe qual é a melhor ferramenta de Satanás para destruir vocé... Coragem, levante-se, corra depressa, busque ánimo novo e a forca do Espirito Santo junto a Jesús. Nao permita que, com o desá nimo, o inimigo destrua o Plano de Amor que Deus tem para vocé.

Nao deixe que o desánimo Ihe abaixe os bracos e Ihe faca pensar que nao vale a pena ser do time de Jesús! Nao permita que o desánimo tome conta do seu coracáo e assim Satanás o manobre de maneira que

convém a ele. Quebré a sua ferramenta, chamando o sangue de Jesús 238

DUAS PARÁBOLAS NAO BÍBLICAS

47

sobre o seu desánimo e sobre vocé. Diga: "Jesús, eu te dou agora todo o desánimo e abatimento que me invade hoje. Liberta-me deles com o poder do Teu sangue. Toca no mais íntimo do meu ser e renova em mim o entusiasmo, o espirito de firmeza e a alegría da salvacáo. Espirito Santo, dirige-me e recoloca os meus olhos sobre Jesús em vez de colocá-los sobre as pessoas e situacoes e infun de em mim ánimo novo, confianca e coragem dos verdadeiros soldados de Cristo!"

E diante de cada situacáo desanimadora da sua vida aplique a palavra que Ihe foi dada em Filipenses 4,4-7. Em vez de murmurar, de se queixar, desanimar, reivindique de Jesús que a promessa ali dada a vocé se concretize. E confie no Senhor! Porque Ele diz hoje a vocé:

"Meu justo vivera da fé; porém, se ele desfalecer, meu coragáojá nao se agradará dele!" (Hb 10,38) Respondamos entao, com coragem agora a Jesús:

"Nao, nao somos absolutamente daqueles que perdem o ánimo para a nossa ruina; somos daqueles que mantém a fé para a nossa salvagáo!" (Hb 10,39).

Viva vocé, Jesús, meu único Salvador! Suzel Frem Bourgerie Comentando...

O desánimo é realmente desastroso, pois consiste em fazer que a

pessoa nao saiba por que há de lutar, porque que há de fazer algo... Ela perde o sentido da vida, que, segundo Viktor Frankl, é a grande mola propulsora da dinámica de alguém. Quem se acha desanimado, está desesperado, ou seja, perdeu a última fibra, aquela que só morre depois que todas as outras morreram (bem se diz que "a esperanca é a última coisa que morre"). Sem esperanca ou sem razáo para viver e lutar, é muito difícil ao ser humano viver com dignidade; encontra-se, antes, a caminho do suicidio.

Eis por que o cristao nao desanima; ele tem em seu favor a vitória de Cristo, com a qual ele comunga pelo Batismo e a Eucaristia; ele pode sofrer, mas sabe que a última palavra da historia será a da Verdade, a do Amor, a da Vida... O importante é jamáis afastar-se de Cristo, jamáis O trair.. Muitos infelizmente, na hora da tribulacáo, abandonam a Deus, julgando falsamente que Ele os esqueceu - o que só contribuí para agravar a situacáo. 239

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 432/1998

O desánimo pode tomar a modalidade da acédia ou acidia. Esta é a falta de gosto pelos valores espirituais, o desánimo na luta contra os defeitos moráis ou, mais brevemente, a lerdeza e o torpor na vida espiri tual. A pessoa assim atetada se envolve febrilmente em afazeres terres tres; mostra-se cansada e inconstante em seus empreendimentos, deixando-se levar pelos criterios do comodismo. Pode até sentir tristeza por ter sido chamada por Deus para seguir o Cristo e entrar na vida eterna, visto que tal vocacáo implica desapego e luta. Esse marasmo espiritual era freqüentemente denunciado pelos antigos monges, que o chamavam acédia e nele viam a porta aberta para graves pecados e desastres. Comparavam-na ao abatimento que alguém pode experimentar debaixo do

sol do meio-dia, havendo já trabalhado a manhá inteira e devendo ainda percorrer a outra metade do día. A acédia pode afetar também as pesso-

as de ideal que chegam presumidamente á metade da sua vida (aos quarenta anos); o tedio da monotonía, do cansaco e o desejo de tudo

largar para recomecar como se tivessem apenas vínte anos podem dar origem a urna crise interior (a qual, porém, é superável). Entre as conseqüéncias da lerdeza espiritual, apontam-se: a náoobserváncia de obrigacóes tidas como incómodas, a tagarelice, a entre ga ao ocio vazio ou á atividade febril, o mau humor contra aqueles que

exortam á virtude, etc.

O Senhor Jesús alude a tal estado de coisas no Apocalipse: "Conhego a tua conduta: nao és nem frío nem quente: oxalá fosses frío ou quente! Assim, porque és momo, nem frío nem quente, estou para te vomitar da minha boca!" (3,15s).

Todavía há sempre possibilidade de retorno ou conversáo:

"Recobra, pois, o fervor, e converte-te! Eis que estou á porta, e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e

cearei com ele, e ele comigo" (3, 19s).

Estéváo Bettencourt O.S.B.

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240

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{A coletánea que forma este voíume, representa até pela volta ^üenJ «°» ^f^

textos e as mesmas reflexóes, pensamentos ou medita5oes de um benedrtino que fioou mais conhecido como educador, sem nunca deixar de querer ser, antes de tudo, um discípulo do Patriarca de Monte Cassino).

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Traducáo- D. Abade Timoteo Amoroso Anastácio, OSB. Revisao Mosteo Mana Mae de Cristo Impressáo: Mosteiro da Santa Cruz. 1996. 148 pags

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TrldSdo do original inglésalas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitiba/PRXIMBRA

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