Ano Xxvii - No. 291 - Agosto De 1986

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESEIsfTAQÁO

DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaieca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

SUMARIO

"O Espirito vos Ensinará Tudo" "Escatologia Crista" Ser Católico e ser Macom?

Urna Carta Aberta ao Cardeal Ratzinger O Direito ao Foro Intimo "La Religión en La URSS"

"Invitation á La Vie"

ANO

XXVII

-

AGOSTO

-

1986

AGOSTO - 1986

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

NP291

Publicacáo mensal

SUMARIO

)iretor-Responjável:

"O ESPI'RITO VOS ENSINARÁ TUDO

EstévSo Bettencourt OSB Autor e

Redator de toda a materia

publicada neste periódico

1

A Libertacao na Historia:

"ESCATOLOGIA CRISTA"

por J.B. Libánio e M.C. Bingemer

)iretor-Administrador

2

Mais uma vez

D. Hildebrando P. Martins OSB

SER CATÓLICO E SER MACOM? Xdrninistracáo e distrtbuicáo:

11

Comentario a

UMA CARTA ABERTA AO CARDEAL

Edicoes Lumen Christi

Dom Gerardo. 40 - 5o andar, S/501 Tel.r (021) 291-7122

Caixa postal 2666

RATZINGER,

por D. Boaventura Kloppenburg

21

No Novo Oireito Canónico:

20001 - Rio de Janeiro - RJ

O OIREITO AO FORO INTIMO

30

Tese eantítese: 2omposi£ao e Impressao:

"LA RELIGIÓN EN LA URSS" por Alexéi Puzin

"Marques Saraiva" Santos Rodrigues, 240

O Movi mentó de

Rio de Janeiro

"INVITATION A LA VIE" (IVI)

\ssinatura de 1986: Júmero avulso 'ara

40

CzS 100,00 CzS 11,00

46

NO PRÓXIMO NÚMERO

pagamento da assinatura de

1986, queíra depositar a importan;¡a no Banco do Brasil para crédito

292 - Agosto- 1986

na Conta Corrente n9 0031 304-1

"Carnis resurrectionem". - Milagres: sim ou nao? -

;rn nome do Mosteiro de Sao Bento

do Rio de Janeiro, pagável na Agén:¡a da Pra$a Mauá (n° 0435) ou en /iar

VALE

POSTAL

Agencia Centra!

pagável

Ritos Soviéticos. — O ZenBudismo.

na

dos Correios do

Rio de Janeiro.

Santa Maria Goretti: luz sobre o caso. - E as Financas da Santa Sé? - "O Segredo de Fátima". - Os

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ O.UANTO ANTES

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

A SU A ASSINATURA

MUDANCA DE ENDERECO

"O Espirito vos Ensinará Tudo..."3 (Jo 14,26)

:

Aos 18/05/86 o S. Padre Joao Paulo II assinou mais urna de suas encí clicas, que versava sobre o Espirito Santo. Entre as profundas passagens deste documento, apraz citar o § 65: lembra a atual situacfc da humanidade, dotada.de vertiginoso progresso técnico-científico, mas, apesar de tudo, ameacada por suas próprias conquistas e a bracos com real decadencia espi ritual.

É nesta fase precisamente que. mais aflora a consciéncia do crístffo a

prática da oracao, cujo Mestre inspirador é o Espirito Santo; é pela oraclo

que o homem "obtém a forca capaz de o reerguer". "Deste modo os tempos em que vivemos aproximan) do Espirito Santo muitas pessoas que retómam

á oracao". 0 S. Padre refere-se entffo a existencia multissecular dos mosteé ros, onde homens e mulheres se consagram ao louvor de Deus e a vidaftie oracao "com grande proveito para a Igreja"; depois volta-se para "o créácéfl-

te número de pessoas que nos últimos tempos tém posto a oracStíOlil^ri* meiro lugar e nela procuram a renovacfo da vida espiritual". Asslm ntóvictó)

pelo Espirito Santo, esses cristlos tém sentido em seus coracSes uhWr& funda aspiracao d santi'dade. Estas observares de Joao Paulo II tém o papel de nos colocar diáhíe

dos valores supremos e definitivos. "Nossa época difícil tem particular netóísl-

dade de orapao". Em última análise, quando Deus despoja o homem dtfesteios,

naturais, Ele só o faz para Ihe recordar que, na verdade, é a graca do'SerShtir

que dá fecundidade aos seus trabalhos, graca que a oracá*o e a vida déwiilb com Deus podem impetrar. Diríamos também: mais do que os sabios e técni cos, sá*o os Santos que decidem as sortes da humanidade; unidos ao Senhor Jesús, exercem a funcao dos dez justos em vista dos quais Deus estava?dis-

posto a poupar Sodoma e Gomorra (cf. Gn 18,23-33). Ora o Espirito Santo quer cortamente dizer isto aos homens de hoje, atraindo muitos & orácfo

particular e comunitaria.

,

"A Igreja continua fiel ao misterio do seu nascimento"
da do Cenáculo, ela nunca abandounou o Cenáculo, perseverando na oracao

com María

Sé tu também, caro cristao, urna célula viva da Igreja, na qual o Espi rito possa gemer com gemidos inefáveis, pedindo a revelacSo da gloria dos filhos de Deus, que será igualmente a libertacfo das demais criaturas suleitas á loucura do homem pecador (cf. Rm 8,19-27)! 337

"PERQUNTE E RESPONDEREMOS

II'

ANO XXVII - n?291 - Agosto de 1986

A Libertado na Historia:

«Escatologia Crista» por J. B. Libánio e M.C. Bingemer

Em sfntese: O livro do Pe. LibSnio e de María Clara Bingemer parte da premissa de que corpo e alma nio se distinguem realmente entre si, mas sa~ó apenas dois aspectos do mesmo ser humano. Em conseqüéncia, admite que o

homem morra todo e, por isto, deva ressuscitar na hora da morte. Esta já co locaría o individuo diante da parusia (segunda vinda de Cristo) e dojufzo fi nal. Assim é cancelada a distinqao entre escatologia individual (consumacaó do individuo) e escatologia coletiva (consumacaó do género humano e do

universo); nem tem mais razio de ser a escatologia intermediaría (entre a morte da pessoa e a ressurreigSo dos corpos no fim dos tempos). As sim elaborado, o livro contradiz á doutrina oficial da Igreja, definida pelo Papa Bento XII em 1336 (Constituicao "Benedictus Deus'7 e reafirmada por um pronunciamento da S. CongregacSo para a Doutrina da Fé, datado de 1979. — O Pe. LibSnio nSo quer negar essa doutrina oficial; por isto in terpreta-a com sutileza para reduzi-la á tese contraria. A metodología do livro é típica eestranha:pretende auscultaras aspiracoes sódo-polftícas do povo de Deus (cf. p. 194) para tentar deduzir da Sa grada Escritura e da TradicSo (entendidas de maneira preconcebida) as respostas a estas aspiracdes — o que deforma a perspectiva do tratado da Esca tologia. Na verdade, a teología parte diretamente dassuas fontes (a S. Escri tura e a TradicSo) e destas deduz substanciosas respostas para o povo de Deus em todos os planos.

Lamentamos que. o enfoque e as premissas assumidas por Libánio e M. C. Bingemer os levem a distorcer a auténtica mensagem escatológica do Cris tianismo.

Jáem PR 286/1986, pp. 140-142 foi apresentada a coledlo "Teología e Líbertapáo", que em 50 volumes deveria tornar-se um manual de Teología 338

"ESCATOLOGIA CRISTA" elaborada em chave de libertario (sabemos que em maiopp. aS. Congregó pao para a Doutrína da Fé mandou suspender a publicacao da obra, a fim de

proceder a urna revisao dos respectivos quadros redacionais).

■ ■ ■ •:* ■■&,

O volume "Escatologia Crista"1 deve-se ao Prof. Pe. Joao Batista Lib> .

nio e a Profa María Clara Bingemer, esta do Estudantado Franciscano de Petropolis, ex-aluna da PUC-RJ. Estuda o tema "últimos acontecimentos" aus-. cuitando as indagacóes e as situacoes do homem latino-americano (que se exprime em cancoes populares de Chico Buarque ou em poesias de Vinicius de Moraes, Carlos Drumond de Andrade, D. Pedro Casaldaliga..). As fontes da Teología, como a S. Escritura, a Tradicao e o Magisterio, sao relidasem funcao de tais conjunturas, a fim de se formular a resposta para essas ¡nterrogacóes. Examinaremos, a seguir, o conteúdo do livro assim redigido e pro curaremos ref letir sobre o mesmo. ?

1. As grandes I inhas do livro Após urna consideracao assaz extensa da historia passada e presente do

tratado da Escatologia (em que os movimentos populares e o fenómeno Ca nudos também tém seu lugar!), apos análise da mensagem bíblica (que poderia, ou mesmo deveria, ser bem mais profunda e precisa), o Pe. Lib&nió'expoe sua tese, que pode ser resumida nos segulntes termos:

"'

O homem é um todo monolítico, em que corpo e alma sao duas face tas da mesma e única realidade: "A palavra 'alma' é suporte lingüístico de urna visSo profundamente dualista e espiritualista, em que o corpo, a historlcidade do homem e do mundo, as realidades cósmicas nSo encontram ressoninda nem relevancia" (p. 181).

"A materia é um 'momento'do nosso espirito humano. Nao 6 simples coisa qUe se une a ele" (p. 209). Se nao há distincao real entre corpo e alma, conclui-se que o homem morre por inteiro; nio há alma ¡mortal que sobreviva separada do corpo; aguardando a ressurreicáo da carne no fim dos tempos. Em conseqüéncia, a ressurreicao se dá logo após a morte:

1

Colecao "Teología e LibertacSo", serie Ill/A: Libertacao na Historia, Ed.

Vozes, Petrópoiis 1985,207x135 mm, 302 pp. 339

"PERGUNTEE RESPONDEREMOS" 291/1986 •. "O esquema ressurreicio na hora da morte resolve melhor a refació da materia e espirito, segundo os postulados das ciencias físicas e humanas. Ca sa melhor com as linhas antropológicas atuais" (p. 211).

A morte, portante, coloca o homem diante da parusia1 ou da segunda vinda de Cristo e do Juízo universal: "Em cada ressurreicio na hora da morte temos o encontró da pessoa com a totalidade acabada da historia glorificada. Portento a ressurreipio na

hora da morte nSo contradiz o dogma da ressurreicio no final dos tempos" (p.212).

"A ressurreicio' dos mortos é o Reinó de Deus acontecendo em plenitude em relapao a cada um que termina a sua historia" (p. 212; cf. p. 218).

"O misterio do Cristo surge como fim, plenitude, Vitoria última sobre

a historia dos homens no momento da morte de cada um. Verdadeira parusia\" (p. 216).

Nffo haverá consumacao da historia com a vinda de Cristo glorioso pa ra rematar os tempos e julgar todos os homens; a questao do fim do mundo se torna assim indiferente do ponto de vista teológico, pois o mundo acaba

(para cada um) quando cada qual termina a sua carreira terrestre:

"Nesse sentido perde relevancia o problema se a historia terrestre su cumbirá a uma catástrofe apocalíptica ou prosseguirá interminável em inde finidas sucessoes. Cortamente o núcleo do dogma continuará igualmente yerdadeiro, ao afirmar que a ressurreicio da carne, a transformado cósmica se dará no final dos tempos por acao de Deus. Pois em cada ressurreicio na ho ra da morte acontecem tal ressurreicio da carne e tal transformacao cósmica pela acio transcendente de Deus" (p. 213).

0 purgatorio nao é negado, mas reduzido a um momento fugaz na horada morte. O céu é admitido sem reservas; quanto ao inferno, é aceito por M.CBingemer, com a referencia de que o inferno comeca na térra em

virtude das injustas condicoes sociais, das quais alguns sao responsáveis e ou-

1 "Parusia" é palavra grega (parousfa), que designava a visita do Imperador Romano a alg'uma cidade do Imperio - o que era festejado-solenemente. Pas-

sou a designar na linguagem cristia segunda vinda de Cristo glorioso no fim dos tempos para fulgar os vivos e os mortos, como rezam os últimos artigos do Credo.

340

"ESCATOLOGIA CRISTA" tros sao vítimas (o pecado social parece ser o único pecado que merecamen-

Apaga-se assim'a clássica distincao entre escatotogia individual

Julzo particular, purgatorio, céú ou inferno, antes do Juizo final) ee

gia coletiva, universal (segunda vinda da Cristo ou parusia, ressurrefcaoVifife

mortos, Julzo final); também desaparece, nesta perspectiva, o que setttilma

"a escatologia intermediaria", isto é, a considerado do estado queímedela entre a morte de cada individuo e a consumacao dos tempos ou a parüsia de

Cristo.

■•?■?!) x!'i-•

Como se vé, a nova imagem proposta por Libünio é profundamente diver

sa daquela que classicamente se apresentou na teología, no catecismo,'? no

proprio Credo, cuJos artigos professam: "Creio em Jesús Crista .. que subju aos céus, donde há de vír a Julgar os vivos e os mortos". A nova perspectiva se deve, em grande parte, ao principio adotado pelo Pe. Libinio, como por

outros teólogos contemporáneos1: o homem nao é um composto de.cprpo (materia) e alma (espirito), mas corpo e alma nao sao senáo dois aspectós'do

mesmo ser humano; a realidade da alma espiritual sendo negada, é claro que se nega também a imortalidade da mesma. Por isto a morte há de ser p fim

do homem todo, que Deus graciosamente ressuscita quando morre£Se'h'do assim, a parusia e o juízo final sao antecipados, ao menos na linguagemdo autor, que Ihes tira seu sentido clássico.

^ tr..1 ■"■'.• «>.-■

Vejamos o que pensar a respeito.

2. Uma reflexáfo...

^<.v:::

. ,v

Raciocinaremos 1) a partir dos dados que a Filosofía e a Biblia nos oferecem; 2) a partir de pronunciamentos do magisterio da I grej& E 3) acrescentaremos consideracoes fináis.

2.1. A partir da Filosofía e da Biblia

A argumentacfo básica do Pe. Libánio consiste em dizer que a real dis

tincao entré corpo (materia) e alma (espirito) nao é de origem bíblica oü de fundo semita, mas provém da filosofía grega, que seria uma fonte espuria pa ra a Teología

A propósito observaremos:

1) É inadequado associar a mensagem biblica a determinada córrante filo sófica (semita, por exemplo), oposta a outra córrante filosófica (grega). A S.

1

Ver José Comblin, Antropología Crista. Colegio "Teología e Libertaba".

Petrópolis 1985.

341

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986 Escritura nao adota sistema filosófico algum, mas exprime verdades eternas

dentro das categorías de pensamento tanto dos semitas (hebreus) como dos gregos. Houve, sim, autores bíblicos de cultura helenista; esta transparece, porexemplo, em Sb 2-5 (que professa a sobrevivencia da alma sem o corpo apos a morte), em Mt 10,28 ("Nao temáis os que matam o corpo, mas nao podem matar a alma Temei, antes, aquele que pode destruir a alma e o cor po na geena"), em ITs 5,23 ("o vosso ser inteiro, o espirito, a alma e o cor po sejam guardados de modo ¡rrepreensível para o Día da vinda de Nosso Senhor Jesús Cristo").

2) A filosofía grega nao é únicamente dualista Ao lado do platonismo,

do neoplatonismo e das escolas orficas, haviá'o aristotelismo, que professava ser a alma o ato ou a entelecheia do corpo, destinada a se unir harmoniosámente ao corpo; Aristóteles admitía, pois, a real distincao entre corpo e al

ma, nao, porém, o antagonismo (dualismo) entre um e outra A proposito observa José Ferrater Mora: "A alma, declara Aristóteles, é de algum modo 'principio da vida ani mal' (Da anima / 1,402a 6), na medida em que é vida que se move espontá neamente. . . O corpo é a materia; a alma é urna certa forma. Eis aquí as duas célebres definicoes dadas pelo Estagirita: 'A alma é a primeira entelequia do corpo orgánico' (ohcitll 1,412b, 25s);é 'a primeira entelequiado

corpo físico que possui vida em potencia' (II 1 412a 27ss). Por conseguinte, nao tem sentido perguntar se o corpo e a alma sao urna só realidaurna realidade. 0 sentido da unidade do corpo e da alma é a relacSo de urna atualidade com urna potendalidade. A alma é, pois, urna substancia; é o quid essencial do corpo... A alma é a forma do corpo na medida em que constituí o con/unto de possfveis operacBes do corpo. Assim como o próprio do martelo ó dar marteladas, o pró-

prio da alma á fazer que o corpo tenha forma que Ihe corresponde como corpo e, portañto, fazer que o corpo se/a realmente corpo. A alma é a causa ou fonte do corpo vivo {II 4 415b S/'7Diccionario de Filosofía, vol. 3, Ma drid 1981. pp. 104s).

A linguagem de Ferrater Mora é técnica O que nos interessa, é que mostra que a filosofía grega nao pode ser dita, em bloco, dualista ou maníquéia Na escola de Aristóteles encontrase urna elaboracao do conceito de alma distinta do corpo, que corresponde auténticamente á perspectiva cris ta e que foi assumida, muito orgánicamente, pelos doutoresda lgre|a;S. To más de Aquino aperfeicoou e rematou tal concepcao numa slntese profunda e fiel a mensagem crista 342

"ESCATOLOGIA CRISTA" Por isto nao concordamos com os dizeres do Pe. Libanio á pg*1J33: "Aristóteles conhecia urna alma espiritual, mas universal". Na verdadéjj|¿t£ se de que o intelecto é um só e comum a todos os homens, nao é de Aristóteles,

mas do filósofo árabe Averroes (1126-1198). Cf. Ferrater Mora, ¡bií'^de-

mais, para evitar o dualismo (antagonismo) entre corpo e alma, nao é preciso cair no monismo. Existe a dualidade, que afirma a distincao real de corpo e alma, sem admitir antagonism'o entre um e outro.

...,si;... ■if:s«;"!i.'"

3) A verif¡cacao de que a alma humana é espiritual e distinta da materia nao leva necessariamente ao desprezo da corporeidade; esta é criatura do

mesmo Senhor, que fez a alma humana e é chamada a participar da gloria dos filhos de Deus na consumacao final (cf. Rm 8, 18-22). Se houve santos que, por ascese, mortificaram seu corpo (e nao há cristao que nao o deva fa-

zer até hoie) e que procuravam esqüecer as coisas transitorias para mais de dedicarem aos valores eternos, nao o fizeram por espirito dualista, mas den tro da perspectiva aberta por Sao Paulo em ICor 7,25-35: "Passa a figura deste mundo".

De resto, quem nao admite a real distinguió de corpo e alma, caí no mero materialismo antropológico - o que destoa de toda a Trádicáo crista. ..'.:?.-r,

4} O Pe. Libánio parece propor ao leitor verdadeiros malabarismos men táis, quando quer negar a parusia e o jufzo final nofim dos tempos, antecipandoos para a hora da morte de cada individuo; cf. p. 212 — Como pode alguém, morrendo em 1986, presenciar a consumacao final da historia que

ainda é futura e depende de criaturas que ainda nao nasceram? Ten>se I im-

pressfo de que o autor nao ousa simplesmente negar a parusia e o jufzafinal porque estío fundamentados nos escritos do Novo Testamento e da •Tradicao, mas Ihes dá um sentido que os esvazia por completo. 5) A explicacao que o mesmo autor dá de sufragio pelos mortose de indul

gencias, é assaz estranha (pp. 242s); em vez de seguir a doutrina oficial da

Igreja, o Pe. Libánio procura interpretacoes de ordem social: r

-

.■- ■ i

■.-

"A medida que luíamos por urna soríedade j'usts, á medida que. nos engajamos num processo de libertacSó integral do homem, da sodedade,

criamos estruturas que favorecem a integragib das pessoas na ¡ustica e no amor. Verdadeiro processo purificatorio. . . Toda ajuda comunitaria para que alguém se integre no amor, na ¡ustica, é 'indulgencia' que sustenta a pessoa nesse processo depuríf¡cacaoagorae no momento da morte" (p.243).

Observamos que o purgatorio, segundo a concepcao clássica, é nealidade postuma, que deve ser assim entendida: se eu morrer com meu amor voltado para Deus, mas ainda contraditado por imperfeicoas e pecados leves, de343

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986 verei extinguir esses afetos contraditórios na*o eliminados na vida presente. Es-

$a extincao nao se fará de maneira "mágica" ou repentina na hora da morte, pois sabemos quanto a natureza desregrada resiste aos nossos propósitos de amar plenamente a Deus. Por conseguinte, ap6s a morte (fora do tempo, mi ma duracao chamada "evo"), o amor a Deus deverá penetraros mais recón ditos afetos da minha alma, purificándoos de tendencias desordenadas. Isto se dará com maior ou menor facilidade, de acordó corn o maior ou menor arraigamento dessas tendencias desregradas. As preces dos vivos pelos defuntos tém em mira pedir a Deus que essa purificacao seja firme e decidida As indulgen

cias aplicadas aos defuntos tém o mesmo sentido. Nao nos estenderemos aqui sobre o assunto, porque'jáfoi abordado em PR 239/1979,pp. 462s; 257/1981, p.245 e no livro Diálogo Ecuménico, cap. Vil e VIII (Ed. Lumen Christi,C.p.

2666,20001 Rio- RJ). 2.2. A partir dos pronunciamentos do Magisterio da Igreja

O Pe. Libanio sabe que a idantif¡cacao de corpo e alma e as conseqüéncias teológicas desta tese nao correspondem aos ensinamentos do Magisterio da Igreja Cita ás pp. 63. 180..191. 207 a definicao de Bento XII (1336), se

gundo a qual a ressurreicao se dá no fim dos tempos e, por conseguinte, apos

a morte a alma humana subsiste sem corpo1. Cita também a Declaracáo da

S. Congregacáo para a Doutrina da Fé datada de 17 de maio de 1979, que reafirma a separacao de corpo e alma pela morte e a subsistencia da alma sem corpo até a ressurreicáo no fim dos tempos; cf. PR 275/1984, pp. 1661

Eis o texto do Papa Bento XII: "Por esta Constituido, que há de valer para sempre, definimos com

autoridade apostólica que, por disposigao geral de Deus, as a/mas de todos os santos que deixaram este mundo antes da PaixSo de Nosso Senhor Jesús Cristo, as almas dos santos apostólos, mártires, confessores, virgens e dos ou-

tros fiéis falecldos depois de ter recebido o santo Batismo de Cristo, dado que nada tenha havido a purificar quando morreram ou nada haja a purifi

car quando futuramente morrerem, ou — caso tenha havido ou haja algo a purificar — urna vez purificadasapósa morte, as almas das enancas que tenham renascido ou que futuramente ha/am

de renascer pelo Batismo de Cristo, e que venham a morrer antes do uso do fivre arbitrio, essas almas todas, logo depois da morte e da purificacao de- que preci-

sem mesmo antes da ressurreicSb dos corpos e do jufeo geral, após a Aseensio do Salvador Nosso Senhor Jesús Cristo aos céus,

foram, estafo e estarSo no cóu, possuidoras do reino dos céus e do para íso celeste com Cristo, gozando do consorcio dos santos anjos". 344

"ESCATOLOGIA CRISTA'

27a Todavía julga que esta Declaracáo da Santa Sé é mero "esquema teo lógico", que deve ser preterido em favor do "esquema" que identifica corpo e alma:

"Os fiéis consa'entizados das implicantes sócio-pol(ticas do compro-

misso da fé questionam esquemas teológicos que nio dio conta de tais dimensdes. Assim a posicio tradicional com seu corte temporal entre o desti no individual na hora da morte e o destino no final dos tempos nio respon de a urna consciéncia mais comunitaria, social, de compromisso com a trans

formado do mundo. Essas comunidades pedem novo esquema interpretati vo do conteúdo básico da mensagem de esperanca da RevelacSo" (p. 194). Este texto su ge re alguns reparos:

1} 0 livro do Pe. Libánio e de María Clara Bingemer é todo elaborado em funcao das "aspiracoes sócio-poKticas" do povo de Deus. Estas sao quase o fiel da balanca para sejulgarem sentencias teológicas. Ora isto é evidentemen te erróneo; a teología há de ser elaborada a partir de suas próprias fontes (a

S. Escritura e a Tradicao) e as sentencas dos teólogos há*o de ser julgadasa luz de tais fontes. Cortamente as conclusoes assim elaboradas contribuirlo valiosamente para construir o Reino de Déus nao só na etemidade, mas também no tempo.

_ 2) As declaracóes do Magisterio da Igreja (e a de Bento XII é urna deflnicáo de fé) nao podem ser tidas como "esquemas teológicos", .mas possuem

valor normativo; mesmo as que nao respeito e obrigam em consciéncia, a to mais fortes e evidentes do que as sua sentenca. O Magisterio da Igreja mas é assistido pelo Espirito Santo.

sao definicSes de fé ou Moral, extgem menos que o teólogo tenha razoes muído Magisterio da Igreja para proferir a nao é o de urna Academia de Ciencias,

2.3. Consideracoes fináis

1. Como nos demais escritos da Teología da Libertadlo, a figura de Jesús Cristo é vista em ótica reducionista ou reduzida a de mero profeta (os auto res nao negam a Divindade de Jesús, mas nao a levam na devida conta); as sim, por exemplo, como dito á p. 65, Jesús ignorava o desfecho da sua missao, pensando que a parusia ocorreria durante a sua vida; a p. 113 se lé que "Jesús suou sangue para entender que o Reino de Deus passava por sua Pai-

xa o". Ver ainda p. 89.

De resto, a fundamentacao bíblica do tratado é fraca e-superTiciaL Os autores citam escritores modernos (teólogos, poetas, compositores folclóri345

10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

eos. ..), mas nao se debrucam com a devida precisao sobre as fontes da Teo logia

2. As aspiraedes dos fiéis cristaos nao se voltam apenas para os bens tem-

porais. Sao ardentemente sequiosas de valores transcendentais explícitamen te (e nao implícitamente apenas) reconhecidos. A prova disto é a deband'ada de muitos fiéis batizados na Igreja Católica para as comunidades e seitas que

tém invadido o Brasil; váo procurar nestas urna resposta, superficial e emo

cional, que encontrariam na Igreja com grandeza e profundidade inigualáveis se os arautos da Palavra na Igreja nao se preocupassem tanto com os afazeres temporais. Estes tim seu valor, sem dúvida, mas nao devem ser o prisma através do qual todas as proposípoes do Cristianismo sejam lidas e aferidas. Sao estes os principáis reparos que o livro em foco sugere. Nao se po

den a ignorar que, dentro de um enfoque infeliz, tem suas belas passagens, insuficientes, porém, para redimir o conjunto da obra *

*

Epístola aos Colossenses e Epístola a Filemón, por José Comblin. Colefio "Comentario Bíblico". Publicacao da Editora Vozes de Petrópofis, da Imprensa Metodista de Sao Bernardo do Campo e da Editora Sinodal de Sao Leopoldo, 135x210mm, 107 pp. Esta serie de Comentarios Bíblicos 6 inspirada pelos principies da Teo logía da Libertacao; considera o texto sagrado a partir da temática da luta

de c/asses, de riqueza e pobreza, lei e revolucao... - Assim também o volu

nte presentó, da autoría do Pe. Comblin: para o comentador, a epístola aos Colossenses refere-nos o caso de urna común idade de cristaos pobres e hu

mildes, que é invadida por ¡ntelectuais de élite; estes ameácam arrebatar a hegemonía aos pobres, que nao sabem resistir á pressSo de idéias prestigio sas. Epafrás, o fundador da comunidade, teria ¡do procurar Sao Paulo para informá-lo da situacSo; o Apostólo haveria entao ditado a carta aos Colos

senses, para dar-lhes argumentos de defesa contra a invasSo cultural (pp. 80s). — Ora o enfoque é artificialv toreado: em Cl tratase de fé ortodoxa e de heresia, sim; a conotacao da luta de classes, porém, é acréscimo do co mentador. Há também pobres que professam idéias fantasiosas e pouco ra cionáis, como aquetas que os hereges de Colossosprofessavam\ Sao Paulo tem em vista o quadro "verdade e erro", e nSo "riqueza e pobreza".

Enfoque semelhante é dado á carta a Filemon; esta, por tratar diretamente da questao de patrio e escravo, mais se presta a urna consideracSo de

ordem social tal como é apresentada as pp. 101-107; o autor parece mais comedido nestas refíexoes sobre Fm, preconizando que a caridade ou ágape prevaleca hoje em día ñas re/aedes entre os membros da sodedade. E.B.

346

Mais urna vez:

Ser Católico e Ser Macom? Em símese: A insistencia de muitas pessoas para que a Igreja retire o seu veto á Maconaria exige novos esclarecimentos a. respeito cfessa recusa, até hoje mantida. Um artigo do sr. Bispo de Augsburg, que participou durante seis anos (1974-80) de um coloquio entre católicos e macons na Alemanha, aborda minuciosamente a questSo, mostrando que a Maconaria professa o relativismo doutrinário; nao admite verdades filosóficas e religiosas objetivas, que obriguem todos os homens. Ora esta posicio contraria nSo umaouou-

tra proposicao de fé, mas a própria atitude de fé; esta professa a verdade que Deus, o Senhor Absoluto e Supremo, ravelou aos homens para fazé-los consortes da sua vida. Nesta divergencia básica está a raíz da condenacSo da Maconaria por parte da Igreja. A verdade revelada por Deus e elevada i consumacao por Cristo é um tesouro intocável, que a Igreja tem a mlssSb de proteger para o bem mesmo da humanidade; daf a recusa de toda forma de relativizacao da verdade. Alias, reconhecer a verdade e deixar-se guiar por ela em nada diminuí a grandeza do homem; ao contrario, corresponde é aspíracSo fundamental da criatura racional.

Apesar da nao aceitacáoda Maconaria reafirmada pela Igreja aos 27 de novembro de 1983, por ocasiao da promulgaba o do novo Código de Direito

Canónico1, sao insistentes as peticSes levadas á Santa Sé para que revela a sua posicáo e reconheca a legitimidade do "ser católico e ser macom ao mes mo tempo".

Até hoje a Igreja nao revogou sua decisáo, nem preterid» fazé-lo. As razoes profundas desta persistencia ja foram, em parte, abordadas" em PR 275/1984, pp.303-314;281/1985,pp.3OO-307. A fim de as ex por novamente ao público, o Sr..Bispo D. JosefStimpfle.de Augsburg (Alemanha), escreveu

um artigo para a revista 30 Giorni intitulado"L'lmpossibile Coabitazione*", 1

Ver PR 275/1984, pp. 3Ó3-314.

1

30 Giorni, maio de 1986 (edicSo italiana), pp. 41-47. 347

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

artigo do qual aposentaremos as grandes linhas a seguir. O Sr. Bispo O.

Stimpfle foi um dos representantes do Episcopado Alemao que durante seis anos (1974-1980) estudaram juntamente com membros da Magonaria a questáo das relacoes entre esta e a Igreja Católica; é este estudo, com suas conclusoes, que esclarece a posicao do Catolicismo frente ás Lojas Magonjcas. Vé-se, pois, que o autor do artigo é pessoa credencia da para abordar o assunto.

1. A Comissao de Estudos: resultados Em vista das hesitacoes de clérigos e fiéis leigos diante da Maconaria contemporánea, a Santa Sé, desejosa de esclarecer dúvidas, pediu á Confe rencia dos Bispos da Alemanha Ocidental procedesse a um estudo criterioso e objetivo da temática Por conseguinte, em junho de 1974 urna Comissao nomeada pelos Bispos comecou o diálogo com urna delegacao das Grandes

Lojas Unidas da Alemanha num clima de lealdade e sinceridade. Á Comissao

Episcopal foi oferecido o acesso a documentas e rituais mácemeos que sao vedados ao público, a fim de poder informar-se devidamente. Tres eram os pontos do programa a estudar:

1) Terá havido mudancas na Magonaria alema?

2) Será compatível a pertenga a Igreja Católica com a filiagao á Magona-

ria?

3) No caso de resposta positiva ás duas perguntas anteriores, elaborar-se-ia um texto que comunicasse ao público o novo relacionamentode Igreja e Magonaria

Os prolongados estudos permitiram aos católicos tomar conhecimentó exato dos principios e das perspectivas da Magonaria - o que evidenciou clara mente aantftese existenteentre aqueles e as verdades fundamentáis da Revelacao crista Tal incompatibilidade prescinde de eventuais maquinacoes ou tra

mas da.Maconaria contra a Igreja Estas ocorreram em épocas passadss, co mo no caso da Questao Religiosa do Brasil (que atingiu os Bispos D. Frei Vi

tal, 11878, e O. Macedo Costa). Aínda etn 1968 o Grao-Mestre da Magonaria Francesa Jacques Miterrand, fazendo eco a dizeres de Garnier-Páges em 1848, afirmava: "A República tem as suas raízes na Magonaria e a Magonaria é a República secreta . . O servigo á República exige, no nosso mundo oci dental, a rebeliao contra as forcas da reacao encamada na Igreja Católica Ro mana N&s nao nos contentamos com ser a República secreta no interior dos nosso templos; somos, ao mesmo tempo, a Anti-lgreja".

Atualmente podem-se verificar tres atitudes da Maconaria frente á Igreja: 1) existem Lojas que se dizem amigas da Igreja; 2)... Lojas neutras e 348

CATÓLICO E MACOM?

13

3). •. .Lojas Inimigas. A Maconarla alema, segundo testemunhos dos próprios

participantes do diálogo, se aprésente como "amiga da Igreja". Mesmo assim

ñas declaracóes de principios desta existem obstáculos á conciliacáo com o Catolicismo; com efeitó, os tres primeiros graus de ¡niciaclo macóntea (que, alias, sao os mesmos emqualquer ramo da Maconaria no mundo inteiro) professam relativismo frente a verdade; ora tal atitu de é de todo incompatível com as normas básicas do Cristianismo, como se verá sob o tfinlo seguinte.

2. Relativismo filosófico Durante os coloquios da Comissáo mista de estudos, os macons afir-

maram, como sendo a sua característica mais original, a recusa do valor obje

tivo de qualquer proposicao ou da própria verdade. Com outras palavras, isto significa que o homem nao atinge a verdade; por isto tanto faz afirmar co

mo negar alguma proposicao, pois nunca se sabe o que é certo e o que é er rado. Por isto também o homem nunca se senté obrigado pela verdade; é

absoluta a autodeterminacéb do ser humano; é o homem que faz a verdade, e nao é a verdade que faz o homem. Este, individualmente, é o criterio da verdade, mesmo no campo da ética ou moral, como já afirmava o sofista grego Protágoras (t.410 aC): "O homem é a medida de todas as coisas". A dignidade do homem, segundo os macons, "exprime-se no fato de que o ser hu mano nao obedece a lei nenhuma a nao ser áquela que ele mesmo estabelece para si a cada momento".

Confirmando estes principios, o Dicionário Maconico professa o se guinte: "O ponto de vista da Maconaria a respeito dos problemas do mundo e da humanidade é o do relativismo. No seu simbolismo e nos seus Rituais

transparece claramente a posicao relativista".Por isto o aspirante a urna Loja

deve "possuir aquela intima liberdade de espirito que nao conhece submis-

sao.alguma aos dogmas e as paixSes".

Para os mapons, os dogmas estao sempre associados a constrangimentos; donde a afirmacao; "As instituicóes de índole dogmática, das quais a principal pode ser considerada a Igreja Católica, praticam oconstrangimento da fé".

Em conseqüéncia, professam ainda as Lojas: "A Maconaria nao recc* nhece dogma algum, mas congrega os adeptos de diversos dogmas religiosos, políticos e nacionais, desde que se submetam ao dever da tolerancia". Esta

condicao é decisiva

A Maconaria nao distingue entre tolerancia para com as pessoas e to lerancia para com as idéias. As pessoas devem ser respetadas, qualquer que

seja a sua opiniao filosófico-religiosa honesta; isto, porém, nao quer dizer 349

14

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/19Sb

que todas as opcoes sejam igualmente válidas ou de valor relativo, como pro-

fessa outra declarapao macónica: "O Neo-humanismo e o pragmatismo sSó conaturais á Maconaria em

muitos pontos importantes, especialmente quando professa o relativismo da verdade, que excluí toda intolerancia e faz triunfar a causa mesma da tole: renda".

Na base de tais premissas existem diversos conceitos de Deus dentro

da propria Maponaria. As leis da moralidade podem ser desvinculadas da

nocáo de Deus - o que resulta numa Ética leiga:

"A emancipado das leis moráis de algum fundamento religioso pode ser aportada como o conceito básico dentre todos os conceitos fundamen

táis da Maconaria"{D\c\onár\o Internacional da Maponaria). "Kant rejeitou a teología, a lanterna mágica das idéias do cerebro, co mo também a metafísica dogmática que menospreza a experiencia. . . A concepcao kantiana da Moral (desvinculada de fundamento religioso) mostra como esse filósofo, no íntimo do seu ser, era macom".

Ora tais afirmacóes nao se coadunam com os principios básicos do Cristianismo. Este eré que a razao natural é apta a atingir a verdade, embora

o faca mediante discurso lento, e as vezes, tortuoso; eré, além disto, que Deus revelou aos homens o seu plano de salvacao, que a fé formula. Inegavelmente a linguagem humana é sempre pobre para exprimir o transcenden tal; nao obstante, o que ela diz com evidencia objetiva, exprime realmente a

VERDADE. Passamos assim a novo título:

3. Maconaria e Religiao A obra "Teses até o ano 2000" foi publicada pela Maconaria logo apos o encerramento dos coloquios entre católicos e macons ná Alemanha Nesse livro a Maponaria apresenta a sua identidade em nossos dias, as suas bases doutrinarías e os seus projetos para o futura A prímeira tese deste livro, que é também a mais importante, toma posipao frente á Igreja Católica: "Nao reconhecemos sistemas ideológico-reli-

gíosos com pretensoes de vínculos exclusivistas". O artigo 19 da obra declara que a Maponaria nao é urna religiao. Mas logo a seguir afirma que a Maponaria age no mesmo ámbito em que se move a fé católica: "Embora a Msconaria nao seja, nem ensine, urna religiao, ela 350

CATÓLICO E MAgOM?

15

j'jlga ser uma legitima resposta ao que Kant define como 'disposicao natural do homem a especu lacio' e Schopenhauer chama'necessidade metafísica'". -r.i*.

-■

Num. programa radiofónico da Deutsche Welle (Onda Alema) de Colo nia transmitido em diversas línguas aos 04/08/1981 sobre a Maconaria e a Igreja, foi de novojjosto.em relevo o relativismo:

"Para a Maconaria, que tem exigencias de tolerancia, nSo pode haver alguma cosmovisSo ou alguma religiio que exija absoluta vinculacao é verda de; nao se pode admitir, portanto, a atitude da Igreja Católica, que tem a

pretensSo de proclamar uma auténtica RevelacSo divina. O confuto entre uma e outra sodedade parece tragado de antemSb: de um lado, existe a

Igreja com um sistema de dogmas rígidamente predisposto e, de outro lado, a Lo/a, um dos poucos agrupamentos que no decurso da sua historia nSo desenvotveram nenhum dogma: concebe as religiSes como sistemas paralelos e concorrentes entre si e contesta a possibilidade de um reconhecimento obje tivo da verdade".

0 Grao-Mestre Adriano Lemmi (t1906) aínda no século passado enviou uma carta circular a todas as Lojas, dizendo:

"O Grande Oriente apela para o espirito de humanidade a fim de que todos os irmaos possam unirás suas forcas para dispersar as pedras do Vati cano. Com estas pedras dispersas possa ser construido o templo da Nació chegada a maioridadeV

Está clara, portanto, a posicáo da Maconaria frente á Religiáb: nao ad mite o ámago mesmo de toda atitude religiosa, que é a adesao ao Absoluto de Deus.

A propósito observamos: é erróneo negar a verdade objetiva em nome da dignidade humana. Esta nao se rebaixa nem diminui quando reco-

nhece a VERDAOE que o homem nfo cria, mas descobre já existente; a VERDADE é anterior ao homem, porque é perene, ao passo que o homem é criatura contingente e transitoria A VERDADE reconhecida na sua dimensao perene e absoluta jamáis 6 contraria aos auténticos interesses do homem, mas antes os protege e defende contra todo tipo de manipuiacáo; a verdade

objetiva é mesmo o criterio que permite ao homem distinguir de subrepti cias lavagens de cránio as influencias construtivas de que precisa

Estas consideracóes evidenciam que nao é possível ser alguém simultá neamente católico e mapom. Para poder tornar-se um auténtico macom, o

católico deveria conceber a sua fé como uma opiniao subjetiva ou pessoal,

ou como um fato de consciéncia subjetiva, em vez de ser uma proposicfo 351

16

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

válida umversalmente para todos os homens; ora isto despoja da sua forca e da sua identídade os artigos da fé e contraria a esséncia mesma da mensagem

crista

4. Concilio do Vaticano II e Maconaria Apis a segunda guerra mundial (1939-1945), diversos passos foram dados no sentido de um entendimento entre católicos e macons. Fazendo eco a tais negociacóes, o Bispo de Cuernavaca (México) D. Sergio Méndez Arceo pediu ao Concilio do Vaticano II urna palavra de reconciliacáo com a Maconaria. Diversas correntes de pressao se exerceram sobre os padres con ciliares em tal sentida Todavía o Concilio nao se referiu á Maconaria; repeliu diversos erras doutrinários, sim; exortou ao cultivo do amor e do respei-

to para com todos os homens, mas nao reconheceu os principios da Macona ria, pois estío em contraste com os da fé. Nao obstante, o teólogo alemao Herbert Vorgrimler, discípulo de Karl Rahner, escreveu: "Ao valorizar altamente a Hberdade de consciéncia e o respeito das conviertes de todo homem, mesmo dos ateus (coisas tió solenemente pro clamadas pelo último Concilio), a Igreja Católica redescobriu um caminho que por muito tempo Ihe fícara obscuro e no qual a Maconaria a precederá".

A propósito podemos observar que o Concilio nada mais fez senáo re petir o pensamento de S. Agostinho: "Odeia os erros, mas ama aquele que

erra". Ou aínda: "Ñas coisas necessárias, naja unidade; ñas que estáo sujeitas

a dúvidas, liberdade; em tudo, porém, caridade". Nao faltam, alias, autores macons que reconhecem a ¡ncompatibílidade das duas posiedes. Assim, porexemplo, o francés Oswald Wirth (t1943), chegado a alto grau da sua Loja, escreveu:

"A initíacSo é o chamamento daqueles espíritos inquietos, aos quais nSo basta a sabedoria adquirida. .. Quem eré num inviolável Credo religio so-filosófico, científico e político, nada perde num templo da Loja. Mas, se ele se filia, ele o faz como intruso... A vocacao á iniciacSo é para aqueles es píritos errantes que, tendo abandonado a protecSo da sua escola e da sua Igreja, vagueiam na escurídSb sem encontrar a verdadeira luz".

Estes dizeres, em última análise, professam também urna convíccao

dogmática (nao sao táo anodinos quanto pretendem ser); além do qué, mostram que os principios maconicos nao questionam urna ou outra determina da proposicao de fé, mas questionam a própria atitude de fé. Isto também 352

CATÓLICO E MACOM?

17

evidencia que nao é necessáría alguma leí da Igreja cu um canon do Oireito

Canónico para vacar aos católicos a ingresso na Maconaria; na verdadero

próprio Direito Divino ou a lei de Oeus, expressa pela razao e pela Revela-

cá*o, já o proibe.

Alguns pensadores macons, mais liberáis do que Oswald Wirth/ admitem a possibilidade de que um católico seja iniciado nos tres prímeiros gréus

da Maconaria sem perder sua identidade católica1. Quanto aos graus poste

riores, os interlocutores macons do coloquio alemao os consideraran! ír>

compatlveis e se recusaram peremptoriamente a fomecer noticias a respei-

to1. O. escritor Albert Pike, bom conhecedor da Maconaria, especialmente

do Rito Escocés em seus iríais altos graus, pode escrever: "É muito simplista afirmar que o conteudo dos ensinamentos da Maconaria se encontré todo nos tres primeiros graus".

O pesquisador Stephen Knight empenhou-se por desvendar algo ¿de que ocorre nos ulteriores graus da Maconaria e, a grande custo, conseguiu

colher dados que publicou no sensacional livro "The Brotherhood" (Londres

1984)! Revelou que noaltograu da"Holy Royal Arch" (Santa Arca Regia),

em vez do "Grande Arquiteto do Universo" aparece o nome Jah-Bul-On: Jan vem de Javé (o nome de Oeus revelado a^ Moisés; cf. Ex 3,4s); Bul vertí de

Baal, a divindade abominável mencionada"em 1Rs 18,26; 19,18; 2Rs 10.18

28; Rm 11,4; e On vem de Osiris, divindade mitológica do Egito. Donde se vi como o próprio conceito de Deus é pervertido a medida que o macom so be na escala da sua Loja. O macom Albert Pike em 1873, ao tomar conhecimentó dessa designacao de Oeus, ficou profundamente horrorizadoe escre-

veu: "Ninguém pode obrigar-me a reconhecer como palavra santa, como símbolo da infinita e eterna verdade, um vocábulo que contém o nome de urna Divindade paga maldita e detestável, nome que, há mais de 2000 anos, é apontado como o de um demonio".

Stephen Knight consultou cerca de setenta e cinco macons de tal grau e pode verificar que, embora falassem livremente da Maconaria, diante da

palavra Jabulon setenta e um perderam a paz e a seguranca Relata especial

mente o caso de um macom de elevado grau que, tendo deixado sua Loja, testemunhava ser ¡ncompatível a Maconaria com o Cristianismo; todavia.

1

Vimos, porém, á p. 349 que mesmo nestes tres primeiros graus há elemen

tos incompatfveis com a doutrina da fé.

2 Este fato revela quao mal informados estao os autores católicos que, sem

conhecer a Maconaria por dentro, propugnam a plena conciliagao entre Ma conaria e Catolicismo.

353

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

interrogado a respeito da pormenores, recusou peremptoríamente responder dizendo: "A tal proposito nao ouso falar".

5. Maconaria e Protestantismo Verífica-se que, ao contrarío da Igreja Católica, o Protestantismo nao

se opds á Maponaria nos séculos passados1. É mesmo notorio que em certas Lojas da Inglaterra alguns oficiáis graduados sao eclesiásticos anglicanos ou

protestantes: um arcebispo anglicano é GraoMestre; 14 Bispos e 24 outros

digrátários daAnglicanismo fazem parte do Conselho da Grande Loja Uni

da A sombra da Abadia anglicana de Westminster funciona urna Loja consti

tuida quase somente por clérigos. Algo ds semelhante ocorre ñas Lolas de outros países de maioría protestante.

Para explicar o bom relacionamento tradicional da Maponaria com o Protestantismo, sirvam as observacoes dos macons Lennhoff e Posner no Dicionário Internacional da Maconaria: "A Maconaria é um dos movimentos que, no inicio da Idade Media, nasceram em réplica ao absolutismo do Ma gisterio da Igreja .. No ámbito religioso isto levou ao Protestantismo". De passagem, notemos o anacronismo: a Maconaria filosófica nao ex is tia "no inicio da Idade Media", pois foi fundada em 1717 na Inglaterra .. No inicio da Idade Media havia, sim, corporacoes de pedreiros que, como as demais ihstituicoes da época, tencionavam ser fiéis á Igreja. No Rito Escocés, o grau do cavaleiro Kadosh implica solicitacáb de vínganca pelo assassínio do Grao-Mestre dos Templarios Jacques de Molay,

tido como urna das principáis figuras da Maconaria2. No Ritual correspon

dente a esse grau, a tiara do Papa é simbólicamente atirada á poeira e Lutero é apontado como um dos vingadores de Molay: "O preco dessa vinganca...

1

Verdade é que últimamente na Inglaterra a denominado metodista co-

mecoua declararse avessa á Maconaria. Cf. PR 284/1986, pp. 20-24.

2 Os Templarios constituiam urna Ordem Católica de Cava/eiros (ditos "do

Templo"), fundada em 1119 na cidade de Jerusalém; tinham por fina/idade

escoltar os peregrinos que se dirigiam a Jerusalém. - O reí FU¡pe IV o Befo, desejoso de apropriar-se dos bens da Ordem na Franca, moveu campanha

contra ela, acusando os irmSos calunhsamente de adorar um /dolo chamado

Bafomet O seu último GrSo-Mestre Tiago de Molay foi veementemente incri minado pelo monarca i francés, que o prendeu, mandou torturar, obtendo finalmente a sua condenacSo á morte.

354

CATÓLICO E MACOM?

19

foi pago no diaem que Lutero, emnome da liberdade de consciéncia, subte-

vou metade da Europa contra o Papa".

As denominapóes protestantes alemas permitem aos seus membros fi liarse a Maconaría. Todavía urna Comissao evangélica que entrou em diálogo com macons ao rnesmo tempo que a comissao católica, manifestou certa

perplexidade a respeito do que se faz ñas Lojas Macbnicas: "Nao foi posslvel aos participantes do coloquio formar opiniao definitiva sobre o significa do do Ritual e as suas repercussóes na vida interior de cada cristáo. Por isto levantaram a questlo: a influencia do Ritual na vida interior do cristSo e o trabalho do mapom nao contribuem para empalidecer nos evangélicos a nocao de justificarlo pela grapa?"

É de crer que, se a mesma comissao tivesse realizado estudos mais apu rados, haveria chegado a conclusoes mais claras e precisas. Walter Hannah, no seu livro "Darkness. -.." observa: "Nenhuma Igreja que tenha examinado seriamente os ensinamentos religiosos e os principios da Maconaría, jamáis deixou de a condenar".

Recentemente John Lawrence publicou na Inglaterra urna pesquisa científica sobre a religiao, intitulada "Breemasonry — a Way of Salvation?". O autor é ministro anglicano que provém de familia macónica e vive em boas relapoes com os macons. Apesar disto, escreve: "As minhas pesquisas puseram-me em contato com muitos cristaos, eclesiásticos e leigos, que afirmavam sentir que a Igreja é tío prejudicada pelo inf luxo maconico que o Es

pirito de Deus af é sufocado,...e sufocado por homens sinceros e de boa vontade". .

No tocante ao liame dos individuos com a respectiva Loja, diz ainda

Lawrence: "A sufocacao está em contraste com a forca redentora de Cristo; Ele veio para tornarnos livres, para dar-nos a verdadeira luz". E concluí ser imposstvel, por razoes teológicas, a militáncia simultánea na Igrefa e na Maponan a'

6. A "Maconaria Crista" Na Alemanha existe a "Ordem dos Mapons Cristaos", que constituí a

"Grande Loja dos La'nder".

A proposito, a Conferencia dos Bispos da Alemanha Ocidental declarou:

"Essa Mafonaria Cristi nao é de modo nenhum estranha ao estatuto fundamenta/ da Mafonaria; apenas admite maior possibilidade de assodara Mafonaria com urna eren(a cristi subjetiva. Mas nSo se pode dizer que pro355

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986 fesse urna teología admissível, pois os fatos fundamentáis da Revé/agio, co mo a Encamacio de Deus e a sua comunhao com os homens, sao concebidos como poss/veis vanantes do pensamento macónico e reconheddos apenas por pequeño grupo de macons. É digno de considerado o fato de que na plataforma oficial dessa Maconaría Cristi nio aparece o nome de Cristo, mas o de Bafomet A Ordem da Maconaría Cristi se considera como 'a con tinuadora da Ordem dos Templarios'. Ela claramente quer ser tal, venerando

Bafomet, que dizem era cultuado pelos Templarios. Os macons Lennhoffe

Posner esclarecem a respeito de Bafomet: 'Nome de horrenda imagem do de monio, que os Templarios foram acusados de venerar'".

Ora é ¡nconcebível que um cristáo possa cultuar Bafomet Daí dizer-se com razao que tal corrente de Maconaria nao.é crista

7. Conclusáfo A verdade revelada por Deus e levada á consumacao por Jesús Cristo é um patrimonio extremamente precioso para os fiéis católicos; trata-se de algo único e insubstituível, pois diz respeito á Boa Nova da Redengáo. Por isto a Igreja se senté incumbida de preserva-la de todo relativismo e toda deterioracao. Esta atitude nada tem de presuncoso ou arrogante, mas é um servico prestado ao género humana O Senhor Jesús afirmava: "A verdade vos libertará" (Jo £32). Multo sabiamente notava o Cardeal J. Ratzinger aofalar do pensamento moderno: "O abandono da verdade é a esséncia especifi ca da nossa crise". - A filiacao á Maconaria nao é viável aos fiéis católicos precisamente porque eles amam a verdade. A Igreja toca o dever de indicar aos seus filhos os percalcos que poem em perigo as proposicoes da fé ou a propria grandeza da fé.

356

Comentario a

Urna Carta Aberta ao Cardeal Ratzinger Frei Boaventura Kloppenburg, O.F.M. Os teólogos Leonardo e Clodovis Boff, irmSos, ambos presbíteros e Religiosos, publicaram no día 11-05-1986 urna Carta aberta ao Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregado para a Doutrina da Fé, a fim de manifestar-lhe como a Instruyo Libertatís Consdentía, de 22-03-1986, neles repercutiu. A mencionada Congregado é o órgao da Santa Sé que elaborou a Instrucao "sobre a Liberdade Crista e a LibertacSo", ampio documento que completa a anterior "sobre alguns aspectos da Teologia da IibertacSfo", de 06.08.1984.

A Carta Aberta é longa e ná"o pode ser analisada em breve artigo. Quero apenas referir-me a cinco pontos:

1. Menoscabo do Magisterio

Os irmaos Boff iniciam com esta dedaracSo: "Nossa responsabilidade teológica n§fo nos faz meros repetidores do Magisterio". Jamáis algúém pediu aos teólogos que se transformassem em meros repetidores no sentido

de se aterem apenas ao que o Magisterio nos propOe. É, porém, dever deles,

enquanto cristaos fiéis, prestar "religiosa submiss3o da vontade é da inteli gencia" aos ensinamentos do Magisterio (LG 25a), que ter§o a funcSo de

balizas ou sinaleiras para seus ensaios de reflexSo teológica. E as duas Instruc5es da Congregado para a Doutrina da Fé sSo expressQes legítimas

deste Magisterio. Para os católicos, vige esta norma: "Quando os Sumos Pon

tífices no exercício do seu magisterio, emitem de caso pensado urna decisáo em materia até entilo controvertida, é evidente que tal questSo, segundo a mente e a vontade dos mesmos Pontífices, já nao pode constituir ob jeto de livre discussáo entre os teólogos" (Pió XII, Humani generis, de 12-08-1950). Daí a determinado do novo Direito Canónico, no canon 754: "Todos os fiéis tém a obrigacio de observar as constituicOes e os decretos que a legítima autoridade da Igreja dá com o intuito de propor a doutrina e proscrever as opinioes erróneas". Quando alguém, particularmente versado em determinado assunto, julga nao poder dar seu assentimento interior,

1

Bispo A uxiliar de Salvador
22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

sinta-se obligado a manter publicamente urna atitude de aeatamento exte rior, chamado "silencio obsequioso" (que em casos de obstinacío pode até

ser imposto); poderá, no entanto, dirigir-se discretamente á autoridade da

qual discorda, para apresentar suas razoes, mas sem manifestar logo seu desacordó em Carta Aberta publicada nos jomáis de maior circulacSo, antes mesmo que á autoridade tenha tomado conhecimento.

2. Esvaziamento da segunda Instrupao Persuadidos de que "Roma" (é a expressío que repetem para designar a Santa Sé) reconheceu e assumiu a problemática da libertacao, os irm5os Boff anunciam logo no comeco da Carta Aberta: "O que importa aqui ná"o é tanto o que Roma disse sobre a Iibertac3o (embora isso tenha toda a sua importancia), mas o fato de Roma ter-se pronunciado e afirmado: a libertacao é urna questfo que precisa ser assumida; ela está na 'medula da mensagem evangélica' (n.2). Ter-se-ia quase a tentacao de dizer que frente a esse dado global e massivo tudo o mais é detalhe".

A segunda Instrucao, a Libertatis Conscientia, foi cuidadosamente elaborada com a finalidade de salvaguardar o conceito de libertacao naufra gado num mar de ambigüidades, para descobrir o exato sentido cristío do termo. Urna teología "da libertacao" nao podía continuar a trabalhar com palavra-chave tao carregada de ambigüidades. Sentia-se a urgente necessidade de definir melhor o termo. A multiplicidade de seus sentidos era um fácil refugio neste debate indefinido que vinha perturbando toda a producáo teológica. Os próprios teólogos da ÜbertacSo faziam o jogo da anfibología. A nova Instrucáo da Santa Sé mostra no capítulo primeiro as conquistas, as ameacas e as ambigüidades em torno da libertacao, concluindo no final do n.

19: "O profundo movimento de libertacao foi contaminado por erros moríais acerca da condícJo do homem e de sua liberdade. Ele carrega, simul táneamente, promessas de verdadeira liberdade e ameacas de moríais servidSes". E logo no inicio do tópico seguinte torna a recordar a "mortal

ambigüidade". Daí o empenho da Santa Sé em definir com clareza a expres-

sao. E a finalidade do documento.

Declarar agora que, "embora isso tenha toda a sua importancia", o que vale mesmo c a libertadlo ela mesma, sem adjetivo, e nffo tanto aquilo que a Instrucao ensina sobre ela, ou chegar mesmo a insinuar "que tudo o mais é detalhe", é na verdade, querer permanecer na anterior "mortal

ambigüidade" e jogar o enorme esforco esclarecedor da InstrucSo á categoría do mero "detalhe".

Nao há dúvida de que somos convocados á libertacao, mas á liberta cao "crista", tal como ela foi exposta ñas duas InstrucOes e na Mensagem do 358

CARTA AO CARDEAL RATZINGER

23

Papa aos Bispos do Brasil de 09-04-1986. E esta libertacao é, em primeiro lugar e principalmente, soteriológica: "O homem é libertado, antes de rudo, do poder do pecado e do poder do Maligno que o oprimenl, e é introduzido

na comunhao de amor com Deus", define a segunda Instrucao (n.63). Esta

é a "significacáo primordial da libertacao" (n.99). É sua esséncia, a medula da mensagem evangélica. A dimensa'o ético-social ihe é "acrescentada"

(n. 23), é sua "conseqüéncia"(n.71), seu "prolongamento"(n.99), na"o sua es séncia e muito menos o cerne da soteriologia crista. Ver e manter nítidamen te esta distincao fundamental no conceito cristao da libertacao é justamente a grande preocupacáo atual dos documentos da Santa Sé. Já a primeira Instrumao estabelecera na Introduciío esta baliza teológica: "Discernir com cla

reza o que é fundamental e o que faz parte das conseqüéncias, é condicíío indispensável para urna reflexao teológica sobre a libertacao". Reduzir agora tudo isso a mero detalhe de secundaria importancia, é escamotear a soterio logia crista. Semelhante "recepcao" da InstrucSo significa esvaziá-la total mente.

3. Requinte de triste irania Os irmáos Boff informam ao Cardeal Ratzinger: "Roma acaba de decla rar - agora ñas palavras inequívocas do Papa aos Bispos do Brasil (9/4/86) - que 'a teología da libertario é nío só oportuna, mas útil e necessária. Ela

deve constituir urna nova etapa da reflexao teológica'. E o Papa sitúa entao a Teología da Libertacao em linha direta com os Apostólos, os Santos Pa dres, os Doutorcs medievais, os Papas e os outros Pastores maiores da Igreja. Nenhuma teología pode ría imaginar ou reivindicar posicío e vocacfo mais elevada". "Deste modo, ser contra a proposta da elaboracáo da Teolo gía da Libertacao hoje é se enfrentar com a própria Igreja". Temos aqui quatro afirmacQes: O Papa declarou que a Teología da Li bertacao é nao só oportuna, mas útil e necessária; a Teología da Libertacáo deve constituir uma nova etapa de reflexao teológica; o Papa sitúa a Teolo

gía da Libertacáo em linha direta com os Apostólos etc.; a Teología da Libertacao recebeu assim um status incomparável na Igreja.

O que aconteceu de fato? Na citada Mensagem aos Bispos do Brasil o Papa descreve amplamente os atuais desafíos de ordem eclesial, cultural, sócio-política e económica, recordando-lhes que a Santa Sé nao os deixou desamparados no esforc.o de encontrar respostas justas, insistindo particularmente ñas duas InstrucSes da

Congregacao para a Doutrina da Fé, promulgadas "com minha explícita aprovacüo", que "tém para o Brasil uma inegável relevancia pastoral". Neste empenho de encontrar respostas justas "consonantes e coerentes com os 359

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

ensinamentos do Evangelho, da Tradicao viva e do perene Magisterio da Igre ja", escreve o Papa, "a Teologia da Libertado é nSo só oportuna mas útil e necessária". Esta Teologia, afirma entao Sua Santidade, deve constituir uma nova etapa na historia da reflexío teológica. Tal nova etapa, no entanto, deve .es tar "em estreita conexao com as anteriores", como continuado de uma reflexao "iniciada com a TradicSo apostólica e continuada com os grandes Pa dres e Doutores, com o Magisterio ordinario e extraordinario e, na época re cente, com o rico patrimonio da Doutrina Social da Igreja, expressa em do cumentos que vao da Rerum Novarum á Laborem exercens". Aqui Joáo

Paulo II riao faz uma animado de fato, mas enuncia um postulado: a Teo logia da Libertacáo deve estar em linha direta com os Apostólos etc. E, por saber que esta Teologia de fato nem sempre está na dita linha, o Papa de clara ser "insubstituível a acá"o sabia e corajosa dos Bispos" no sentido de "velar incessantemente para que aquela correta e necessária Teologia da Li

bertado se desenvolva, no Brasil e na América Latina, de modo homogéneo e nao heterogéneo com relacao á Teologia de todos os tempos, em plena fi-

delidade á doutrina da Igreja". Longe de ser uma aprovac,ao da Teologia da Libertacao já existente, a Mensagem pontificia c antes um pedido de vigilancia para que se elabore no Brasil uma correta e necessária Teologia da Libertacao. Nao ignorava o Papa os numerosos desvíos e perigos de desvíos, prejudiciais á fé e á vida crista", inerentes a certas formas da Teologia da Libertacao divulgadas entre nos e fortemen te denunciadas pela Instrucao Libertatis Nuntíus e que "propoem uma interpretado ¡novadora do conteúdo da fé e da existencia crista, inter pretare que se afasta gravemente da fé da Igreja, mais ainda, constitui uma negacJo prática desta fé" (VI.9). Isso se denunciava em 1984. E agora, em 1986, a Instrucáo Libertatis Conscientia avisa: "Longe de terem perdido va lor, aquelas advertencias mostram-se ca.da vez mais pertinentes e oportunas" (n. 1). Anunciar agora em tom triunfalista que, precisamente em vista destes documentos, "nenhuma Teologia poderia imaginar ou reivindicar posicSo e vocacio mais elevada", soa como requinte de triste ironía.

Concluem os irmaos Boff que "ser contra a proposta de elaborac.ao da Teologia da Libertacao hoje é se enfrentar com a própria Igreja". Aceitamos com satisfacao a proposta para a formacao da Teologia da LibertacSo, na"o, por certo, daquela que se vulgariza por ai e que foi condenada pela Instru yo Libertatis Nuntius como "perversJo da mensagem crista" (IX.1), pois te-

n'amos que enfrentar-nos com a própria Igreja, mas da que ainda está por ser organizada. Na Mensagem opina o Papa que a Igreja no Brasil pode desempenhar um papel importante e delicado no sentido de criar espado e condi;5es para o desenvolvimento desta reflexao teológica, apta a inspirar uma 360

CARTA AO CARDEAL RATZINGER

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praxis eficaz em favor da Justina social, contanto que se fa$a "em perfeita sintonía com a fecunda doutrina contida ñas duas citadas Instruyes".

4. Desconhecímento das balizas fundamentáis Bem sabem os irmáos Boff que "n§o é qualquer expressfo da Teologia da Libertaffo que é válida". E dizem muito bem que a segunda Instru?3o fi-

xou balizas doutrinárias fundamentáis para a elaborado da "legítima, orto doxa e necessária" Teologia da Liberta$2o. Opinam que, "para estabelecer estas balizas, Roma recolheu alguns dos melhores frutos da reflexao teológi ca feita em torno desta materia"; e os enumeram: o privilegio do pobre, a importancia das CEBs, o valor da religiáo popular, a significacáo libertadora

do Éxodo, a mensagem dos Profetas em favor da Justina, a dimensáo com prometedora do Magníficat e a Cristologia da libertacío; até mesmo o méto

do seria aprovado. Julgam que estes seriam no momento os pontos comprovados e firmes da doutrina da Igreja, o consenso fundamental mínimo, tracando aquela froríteira á retaguarda que permita aos teólogos prosseguir

tranquilamente. E em termos futebolísticos jubilam com este documento: Roma garante-a defesa e os teólogos podem avadar para o ataque.

Na realidade, a situacáo ná"o é tío simples nem fácil assim. E isso por

dois motivos:

Em primeiro lugar, as próprias balizas por eles elencadas recebem des ta tnesma Instniíao demarcac.5es bem claras. Nao se afirma, por exemplo, apenas a validade das CEBs, indicam-se também as condicOes para que sejam, de fato, motivo de •esperanza para a Igreja. Dizer, porém, que a Santa

Sé aprovou também a Cristologia da libertacío nSo tem nenhum fundamen

to na segunda InstrucSo e é formal e fortemente desmentido pela primeira

(cf. X, 8-13). Nao podemos lanc^r ás urtigas as balizas plantadas pela libertatis Nuntius de 1984.

Em segundo lugar, desconhecem as balizas verdaderamente funda

mentáis com que os documentos da Santa Sé delimitam o campo da Teolo gia da Libertacío, tais como: o próprio conceito da libertacío crista"; o pri mado absoluto da dimensáo soteriológKX sobre a ético-social; as condic5es para urna reflexao teológica a partir do particular ou da experiencia; a missao essencial da Igreja; a distin$áo entre evangelizacao e promocáo humana, ou entre o Reino de Deus e o progresso terrestre; o primado da liberdade pessoal sobre a libertac.5o; a verdadeira raiz das alienac,6"es humanas; o senti do do pecado social; o pecado como fonte de opressáo e divisSo; as múlti plas formas da miseria humana; o perigo da ideologizacáo na opqSo pelos po bres; a natureza da Doutrina Social da Igreja e seu lugar na Teologia da U361

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

bertacáo; o recurso á violencia, o mito da revolucSo, o caminho da reforma, a pluralidade de caminhos concretos, a acao do desenvolvimento, etc. A tudo isso é necessário acrescentar as importantes balizas da Instru9I0 anterior sobre a fundamental distinfffo na libertagSo crista entre o essencial e o conseqüencial; o criterio final e decisivo da verdade na teología; a condiclo primeira para a análise da sociedade; a própria análise marxista; a

teoriá da luta de classes como leí estrutural fundamental da historia; o monis mo histórico ("urna so historia"); a própria historia como nocSo central; a fé

como fidelidade á historia; a esperanca como confianca no futuro; a carida-

de como opcSo pelos pobres; a subordina$á"o da teología ao criterio político ("tudo é político"); a Igreja dos pobres como Igreja classista; a Igreja do povo como Igreja da luta organizada; o próprio povo como objeto da fé; o povo como fonte de ministerios; o lugar social do pobre como principio hermenéutico determinante; o ponto de vista da classe oprimida como único ponto de vista da verdade; a ortopraxis como criterio da verdade; a rejeicSo da Doutrina Social da Igreja; a releitura política da Escritura; a figura de Je

sús como símbolo da luta dos oprimidos; a Eucaristía como celebracSo do povo na sua luta; a classe dos pobres como construtora da unidade; etc. Sao os pratos prediletos da teología da liberta$3o mais vulgarizada. Para cada um destes temas há agora balizas orientadoras da Santa Sé. Nem podemos olvidar a importante premissa doutrinal sobre os crite rios para um auténtico método teológico, que a Congregac3o para a Doutri na da Fé deu ao próprio Frei Leonardo Boff, O.F.M., na Notifícacío de 11-03-1985, insistindo principalmente em duas balizas; o primado da heran9a comum anterior as situares concretas e particulares e délas inteiramente independen te; a impossibilidade de tomar a praxis como ato prime iro em teología. Com estas balizas demarcando limites e sinaleiras indicando caminhos,

poderá na verdade surgir urna Teología da Liberta9á"o capaz de enriquecer a vida e iluminar a a?ao dos cristSos. Só deste modo poderlo os teólogos avan zar serena e prudentemente pelas veredas da Hberta9á"o. "Assim urna teología da liberdade e da libertado, como eco fiel do Magníficat de María conserva do na memoria da Igreja, constituí urna exigencia do nosso tempo" (n. 98 da segunda Instruyo).

5. Postergacáo do decisivo em nome do urgente Ensinam os irmaos Boff ao Cardeal Ratzinger que temos o dever de articular o decisivo (a liberta^ao do pecado) com o urgente (a libertado da miseria), defendendo que saciar os pobres em sua fome de pao continua sen362

CARTA AO CARDEAL RATZINGER

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do mais urgente que saciá-los em sua fome de Deus. Voltam assim a procla mar a prioridade da dimensío ético-social (que eles denominam "histórica",

como se a outra nao o fosse) sobre a soteriológica. Ninguém nega a urgencia de solucionar o grave problema da fome no mundo, sofrimento que já se conhecia no tempo de Jesús e que o Senhor na"o ignorava. Mas a Igreja de Je sús, como tal, yertamente na"o foi instituida com o objetivo de combater o problema da fome. Sua missío essencial é definida pela dimensío soter.ológica da libertado crista e nío por sua dimensá"o ética. Ao miserável e pobre paralítico de Cafarnaum Jesús ofereceu primeiro o perdió dos pecados, que era também para ele, como ainda é hoje para todos os pobres do Terceiro Mundo, o mais decisivo e também o mais urgente; e depois lhe restituiu a saúde do corpo como sinal visível de seu poder de perdoar pecados (cf. Mt 9,l-8).O mais urgente, precisamente por ser o mais decisivo, é procurar o Reinado de Deus ñas almas dos homens: "Buscai primeiro o Reinado de Deus e sua justica (= santidade) e todas estas coisas (comer e vestir) vos serSo acrescentadas" (Mt 6,33). Postergar a dimensSo essencial da ÜbertacSo crista" em favor de sua dimensao conseqüencial ou ético-política, adverte o Papa aos Bispos brasileiros, "é subverter e desnaturar a verdadeira libertadlo crista". Como todos os seres humanos, também os pobres e miseráveis necessitam, com a maior urgencia possível, da libertado soteriológica. Sonegá-la seria defraudar e desiludir os pobres do Brasil. Buscariam entao ñas seitas o

que a Igreja da libertacSo ná"o lhes oferecer Quando na prímeira comunidade crista de Jerusalém se apresentou o problema da fome, os Doze convocaram a assembléia dos discípulos e disseram: "N3o nos convém abandonar a Palavra de Deus para servir ás mesas. Procurai, antes, entre vos, irmiíos, sete homens de boa reputacá"o, repletos do Espirito e de sabedoria, e nos os colocaremos na direcfo deste oficio. Ouanto a nos, permaneceremos assíduos á oracSo e ao ministerio da Pala

vra" (At 6,2-5). Era urna primeira divisSo de oficios segundo o criterio da importancia (o "decisivo") e n3o o da urgencia. Para os Doze, o mais impor tante era mesmo permanecer na assídua oracao e no ministerio da Palavra,

para saciar a fome de Deus.

Comunicam os irmaos Boff ao Cardeal Ratzinger: "Por nSo ter percebido tal articulacáo (do decisivo com o urgente) há quem ataque a Teología da Libertacao por antepor as questOes materiais ás questOes espirituais. Cria se para tanto urna artificial e estranha oposicjSo entre urna 'teología da libertacáo marxista', que seria a realmente existente, e urna 'teología da libertacao crista', que seria a de Roma. Ora, Roma nunca falou nestes termos. Esta distincáo nao encontra apoio nos documentos romanos". Seria mesmo verdade que os autores da Carta Aberta nffo leram a Instrumao Libertatis Nuntius? Pois lá está, num documento "romano", que as teologias da libertacao aceitam um conjunto de posicSes incompatíveis com

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

a vislo crístf do homem, porque nelas "o núcleo ideológico, tomado do marxismo o que serve de ponto de referencia, exerce a funcio de principio

determinante" (VIII, 1); e por isso mesmo a Teología da Libertado deve ser criticada "a partir do ponto de vista de classes que ela adota a priori e que nela funciona como principio hermenéutico determinante" (X,2), já que os teólogos da libertario "partem do pressuposto de que o ponto de vista da classe oprimida e revolucionaria, que seria o mesmo deles, constituí o único

ponto de vista da verdade" (X,3). É exatamente isso o que os mesmos dois

irmá"os Boff explicam em Como fazer Teología da Libertacáo (Ed. Vozes, Petrópolis 1986).

É certo que Leonardo Boff, no día 08-05-1985, "antes de entrar no silencio penitencial", fez questáo de esclarecer publicamente: "Declaro que nio sou marxista". Mas tao formal manifestado era retórica e ambigua. Porquanto ele mesmo insiste na distincio de quatro tipos de marxismo (cf. seu livro O Caminhar da Igreja com os oprimidos, 1981, no capítulo intitulado

"Marxismo na Teología", pp. 196-206): l?o marxismo como prática histó rica de luta de classes, 29o marxismo como prática económico-política, 39o marxismo como prática teórico-filosófica, e 49 o marxismo como prática

científica ou métodos de análise sócio-histórica ou o materialismo histórico.' Se agora declara que "nao é marxista", entende que ná*o o é do terceiro tipo, que incluí o materialismo dialctico e o ateísmo; mas no citado livro procla ma abertamente ser marxista do quarto tipo e ná~o deixa de simpatizar com

os dois primeiros. Quando se refere ao quarto tipo, diz expressamentc que considera o materialismo histórico como "científico", "especialmente como crítica ao sistema capitalista e proposito do socialismo". Iim seguida, pon dera que tal análise "serve de arma teórica para as classes exploradas em bus ca de sua libertacáo; para isso foi pensado e querido o marxismo como mate

rialismo, histórico". E dá mais este esclarecimento: "Os agentes de Igreja, em geral, se encontram com o marxismo quando mergulham no mundo cultural do pobre. Ai o encontram nao como filosofía materialista e negadora de Deus (que seria o marxismo do terceiro tipo), mas como o único instrumen to a seu alcance para entender sua condicao de explorados e como um caminho de organízacáo, de formacáo de consciéncia crítica e de mobilizacüo dos

setores populares" (p. 203). Precisamente a adocSo desta análise "como úni co instrumento" e até mesmo "como um caminho de organizado, de forma;ao de consciéncia crítica e de mobil¡zaca"o dos setores populares", marxiza

a teología e a pastoral da libcrtacao, politiza nao poucas comunidades de base e perverte muita opcao pelos pobres.

Outros reparos poderiam ser feitos á Carta Aberta, partícula! mente aos "pontos a aprofundar e a assumir". Assim, por exemplo, os irmaos Boff 364

CARTA AO CARDEAL RATZINGER

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acusam a Instrucáo de ter um conceito mágico da verdade salvífica ("verda-

de-fetiche") quando anuncia que "a verdade nos liberta": ou que possui urna "concepcáo exteriorista do pobre" ao fazer dele "objeto de um amor prefe-

rencial", usando ainda urna linguagem assistencialista de trinta anos atiás quan do recomenda obras de beneficencia. Acusam-na outrossim de fazer urna leitu ra "desconfiada, reticente, contida e pessimista" da historia dos últimos séculos. Incriminanvna por usar um estilo "doutrinário, abstrato, conceptua lista e dedutivo". Lamentam que a Instrucao nSo discuta a manipulado do Cristianismo, como fez em seu tempo Karl Marx ao atacar a religiüb como opio do povo. Esperavam que a Instruyo fizesse urna "evangélica autocríti ca"; que falasse das lutas, dos martirios e das organizafOes dos pobres em busca de sua libertacáo; que discorresse sobre os pobres como "novo sujeito histórico hegemónico" e sobre o potencial evangelizador dos pobres e sua capacidade de "construir urna Igreja na base", mobilizando os oprimidos pa ra a acao libertadora: "Contém luz, mas nao produz calor".. .

Tal foi a "recepcao" da última Instrucáo por parte de dois notorios re

presentantes da conhecida área da Teología da Libertacfo. Eles dirigem a Carta Aberta ao Cardeal Ratzinger e por ele "a todo o Povo de Deus". É o expe diente que na realidade mais lhes interessava. Desta maneira seus epígonos já tém á disposi$ao um modelo de leitura da Instrucáo que na"o só na"o lhes faz nenhuma restricao, mas até lhes dá a "garantía" de estarem no caminho certo, agora plenamente endossado por "Roma". E ficam sabendo muito mais: quem nao estiver do lado deles, terá que enfrentar-se doravante com a propria Igreja.

365

No novo Direito Canónico:

0 Direito ao Foro íntimo Em síntese: O cSnon 220 do novo Código de Direito Canónico garan te a todo fiel católico o direito de defender o seu foro íntimo ou a sua priva cidade, pois esta é o que há de mais típico e mais profundo dentro da pessoa.

Na verdade, a Igreja nSo é contraria ao estudo da Psicología; ao contra rio, reconhece os prestimos dos estudos psicológicos em favor da estrutura$5o da pessoa humana. Todavía a Igreja deseja evitar toda imposicSo de tes tes psicológicos e analíticos a quem nSo os autorize explícita e livremente;

principalmente os candidatos ao sacerdocio e á ProfissSo Religiosa nao de ser respeitados neste particular, ao invés do que ocorreu no mosteiro mexi cano de Cuernavaca em 1965-1967: todos entao eram coagidos a se submeter a tratamento analítico. A privacidade e a consciéncia sao tesouro inde-

vassável da pessoa, cu/o valor mais e mais tem sido reconhecido tanto por

grandes organizares civis como pelo Direito da Igreja.

Era PR 272/1984, pp. 2-14, abordamos os direitos e deveres dos fiéis católicos na Igreja segundo o novo Código de Direito Canónico. Resta expla

nar, de modo mais ampio, o teor do canon 220, que afirma o direito á pri

vacidade ou ao foro interno:

"A ninguém é lícito tesar ilegítimamente a boa fama de que alguém goza, nem violar o direito, de cada pessoa, de defender a própria intimida-

de"1.

A razao de ser deste canon - novo, em relacao ao Código anterior - é que o direito á própria intimidade (ou privacidade) é fundamental para todo

ser humano. Tem sido últimamente conculcado de maneiras diversas, me-

1 Ilegítimamente. . . Nao é ilegítima, por exemplo, a denuncia, perante a autoridade competente, de urna conduta escandalosa, a fim de evitar um mal público, mesmo que redunde em descrédito da pessoa denunciada. 366

DIREITOAO FORO INTIMO

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diante torturas físicas e moráis, violáceo de segredos, manipulares na área da medicina, ingerencias indevidas na esfera da intimidade pessoal; mesmo

no ámbito da Igreja tém-se verificado abusos, como no caso do mosteiro de Cuernavaca (México), onde todos os candidatos eram indistintamente submetidos á psicanálise e outros testes que violentavam o íntimo de tais pessoas; cf. PR 93/1967, pp. 365-375. Os Papas, a partir de Pió XII, vém chamando a aten;á~o para esses ma leficios; o mesmo foi feito pelo Concilio do Vaticano II, como se dirá adiante.

Importa-nos agora considerar o significado e o alcance do canon 220.

1- Igreja e testes psicológicos O canon 220 nao significa que a Igreja seja contraria aos testes psicoló

gicos como tais. É o que se depreende dos seguintes documentos:

Em 1956 (31/05), a Constituicao Apostólica Sedes Sapientiae, tratan do da formacáo dos candidatos á Vida Religiosa, afirma que é preciso ter em vista a formacío do homem perfeito enf Cristo Jesús (cf. Cl 1,28), e acrescenta:

"No tocante aos meios e métodos de formacáo, é claro que osprofissionais da pesquisa humana de nossa época nSo devem ser despiezados, des

de que sejam competentes; ao contrarío, faz-se mister considerá-los, aprecía los e admití-tos com sabedoria" (Acta Apostolicae Sedis 48, 1956, p. 359). Pió XII, dirigindo-se a especialistas, enfatizava: "Os testes e os outros métodos de investigacSo psicológica contribuíram enormemente para o conhecimento da personalidade humana e tém prestado servícos notáveís" (Aos participantes do XIII Congresso Internacio nal de Psicología Aplicada, 10/04/1958). O Concilio do Vaticano II, abordando a formacáo dos futuros sacer dotes e dos Religiosos, sugere que se tenham presentes os métodos psicoló gicos modernos.

Assim, por exemplo, o Decreto Optatam Totius, que versa sobre as vo-

ca$oes sacerdotais, exorta: ". . . Promovam (os Bispos) acáo pastoral global em prol das voca;5es sem menosprezar os oportunos auxilios que utilmente nos oferecem as hodiernas doutrinas psicológicas e sociológicas" (n? 2). Os alunos dos Seminarios Menores "levem urna vida conveniente á idade, ao es367

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

pírito e á evolucao dos adolescentes, plenamente adaptada ás normas da sa" psicología, sem se omitir adequada experiencia das realidades humanas"

(n93).

O decreto Perfectae Caritatis sobre a Vida Religiosa pede que os Re ligiosos nao sejam admitidos á profissíTo "senSo após urna provacSo realmen te suficiente e com a devida maturidade psicológica e afetiva" (n?12). Em 1967, já após o Concilio do Vaticano II, Paulo VI publicou urna encíclica sobre o celibato sacerdotal. Entre outras coisas, lamentava inadequada formado dos jovens para abracarem a vida sacerdotal celibatária e acrescentava:

"O Concilio Ecuménico Vaticano II ¡ndicou. . . criterios e normas sapientfssimas, de harmonía com o progresso da psicología e da pedagogía e

mesmo com as condicdes dos homens e da sociedade contemporánea. É vontade Nossa publicar o maís cedo possfvei instrucdes adequadas onde este te ma seja tratado com a necessária amplitude, recorrendo para isso a peritos, a

fím de podermos prestar um válido e oportuno auxilio aos que ná Igreja tSm o gravfssimo dever de preparar os futuros sacerdotes" (n960s, referindo-se a

Optatam Totius 3-11; Perfectae Caritatis n? 12).

Destas observacoes de Paulo VI resultou certa bibliografía, devida a es pecialistas católicos de psicología, que procuraram aprofundar o papel das ciencias psicológicas na formacáo dos sacerdotes. Seja mencionado o Pe. L. M. Rulla S.J., fundador do Instituto de Psicologia da Universidade Gregoria

na (Roma), que publicou importantes obras como Psicologia del profondo e

vocazione. Torino 19812 e Strutura psicológica e vocazione. Motivazioni di entrada e di abandono. Torino 1981

(esta última em colaborado com F.

ImodaeJ. Ridick). Como se vé, a Igreja nao é contraria á pesquisa psicológica; todavía ela se senté obligada a formular ditames de ordem moral, que se impOem ao psi cólogo, como se impOem a todo pesquisador. Ciencia sem consciéncia (mo ral) é arma de dois gumes.

Urna vez elucidada esta questSo preliminar, tentemos penetrar mais a

fundo no sentido do canon 220.

2. O direito á privacidade O direito é a faculdade moral de exigiónos o que nos pertence ou nos é devido. Implica, nos outros, o dever ou a obrigacáo moral de respeitar tal 368

DIREITO AO FORO INTIMO

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exigencia. O direito pode ser natural ou positivo, conforme decorra da própría natureza humana ou da autoridade competente.

A existencia de um direito natural tem sido reafirmada e defendida pe

la Igreja, como atesta a seguinte passagem da encíclica Pacem in Tenis de

Joáo XXIII:.

"Estabeleca-se como fundamento o principio de que todo ser humano é pessoa, isto é, natureza dotada de inteligencia e de livre vontade. Por isto é su/eito de direitos e deveres, que procedem ¡mediata e simultáneamente da própria natureza humana: direitos e deveres que, por isto, sao universais, invioláveis e inalienáveis" (nP8).

O Concilio do Vaticano II faz eco a esta afirmacao, enfatizando "a eximia dignidade da pessoa humana, superior a todas as coisas, cujos direitos e deveres sao universais e inalienáveis" (Const. Gaudium et Spes n?26; Deelaracao Dignitatis Humanae).

Ora a Igreja sabe que Cristo lhe confiou a missSo de transmitir a Boa-

Nova a todos os povos - o que indui a proclamado da própria leí natural e de suas aplicacoes:

"Por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e sua missao consiste em anunciar e ensinar auténticamente a verdade que é Cris to, e, ao mesmo tempo, proclamar e confirmar com autoridade os principios

da ordem moral que decorrem da própria natureza humana" fDignitatis Hu manae n?4).

Ora o direito á privacidade ou ao foro íntimo é algo que decorre da

natureza humana e que, portanto, a Igreja tem o dever de proclamar. Já Pió XII o fez em 1958; falando aos participantes do XIII Congresso Internacio

nal de Psicología Aplicada, quis propor a nocao de "intimidade ou privacida de pessoal" nos seguintes termos:

"Há larga faixa do próprio mundo interior que a pessoa só manifesta a poucos confidentes e defende contra a intrusao de outros. Por conseguínte, ela conserva em segredo certas coisas a todo preco e em relacSo a quem quer que seja. Há outras coisas de que o próprio su/eito nSo consegue tornar se consciente. A psicología ensína, além isto, que existe urna regiSó íntima

do psiquismo - relativa especialmente a tendencias e disposicdes — tao ocul ta que o individuo nunca chegará a conhecé-la nem mesmo a supo-la. E, co

mo é ilícito apropriar-se dos bens de outrem e atentar contra a sua ¡ntegridade corporal sem o consentimento seu, assim também nao é lícito entramo 369

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

intimo de alguém contra a vontade desse alguém, qualquer que se/a a técnica ou o método aplicado" fActa Apostolicae Sedis 50, 1958, p. 276).

Isto quer dizer que dentro do homem existem segredos, . .. segredos

referentes ao ser e nao somente ao ter do individuo. Sao como que partes

constitutivas da personalidade, mas na*o sao objeto de experiencia direta do sujeito: sao chamados "segredos essenciais", "segredos pessoais" ou segredos

do eu. 0 eu vive a sua intimidade como a coisa mais sua e mais típica dele mesmo. 0 eu senté certo pudor de revelá-los. Esse pudor é como urna aura de resistencia e de protecüo, que ajuda a afastar toda indevida ingerencia nesse setor, que, para o eu, é sagrado.

A intimidade pessoal, portanto, é o que de mais profundo, mais secreto e mais sagrado possui a pessoa humana, lntrometer-se nela, sem previo, ex

plícito e livre consentimento, significa violacao de um direito natural. Impli ca também desprezo, porque n3o se leva em conta a dignidade própria do ser racional e livre, e perscruta-se um homem como se sondaría urna coisa. Tal ato. tem a malvadez do furto, porque se apropria, sem a permissáo do pro-

prietário, do que mais intimamente pertence a este. É violacío de segredo, porque nada existe de mais reservado do que o íntimo da consciéncia; com efeito, diz a Constituicáo Gaudium et Spes do Vaticano II: "A consciéncia é

o núcleo mais secreto e o sacra rio do homem, onde ele se encontra a sos

com Deus, cuja voz ressoa na intimidade" (n? 16). É ato de violencia, por

que se op5e a um direito, e a um direito fundamental; nao importa que se aplique a forca ou nao; desde que alguém se oponha a um direito, há sempre violencia. Se é verdade que o amor nos leva a abrir-nos aos outros, também é ver-

dade que esta abertura nao pode ser imposta pela autoridade, desde que se trate dos direitos fundamentáis e inalienáveis da pessoa; diz Santo Tomás:

"O homem nao está voltado para a comunidade política segundo todo o scu

seré segundo todas as suas facilidades" (Suma Teológica 11/11 qu. 21, art.

4,ad 3) - o que quer dizer: o liomem conserva sempre, mesmo dentro da sociedade, um foro íntimo indevassável.

3. Consciéncia de tal direito hoje Em nossos dias a consciéncia humana tem amadurecido notavelmente no reconhecimento do direito á privacidade. Assim a Declaracao dos Direi tos Humanos, assinada aos 10 de dezembro de 1948, reza: "Ninguém será sujeito a interferencia na sua vida privada, na sua fami lia, no seu lar, na sua correspondencia, nem a ataques á sua honra e repu370

DIREITO AO FORO INTIMO

35

ta?ao. Todo homem tem direito á protegió da lei contra tais interferencias, ou ataques" (art. 12). "Todo homem tem direito á Iiberdade de pensamento, consciSncia e religiSo" (art. 18).

As mesmas verdades slo proclamadas pelo magisterio da Igreja. 0 Papa Joao XXIII, por exemplo, escrevia na encíclica Pacem in Terris:

"Todo ser humano tem direito ao respeito a sua pessoa, é boa reputacao, á Iiberdade na pesquisa da verdade e na manifestado do seu pensamen to" (n910).

0 Concilio do Vaticano II chama a atenciío para as violacOes de tais

direitos, quando diz:

"Tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilacoes, as torturas físicas ou moráis e as tentativas de dominacao psicológica

. . ., todas estas práticas. . . sao efetívamente dignas de censura. Enquanto elas infeccionem a civilizado humana, desonram mais os que se comportam desta maneira, do que aqueles que padecem tais injurias. E contradizem sobremaneira á honra do Criador" (ConstituicSo Gaudium et Spes n?27J. Filósofos e teólogos tem insistido na temática como, por exemplo, Jñeques Maritain:

'Visto que a pessoa é dotada de livre escolha e, portanto, constituí um toau independente em relacao ao mundo,... nem mesmo o Estado pode to

car este universo, sem a sua permissSo. O próprio Deus, que está e age na criatura, age de modo particular e com delicadeza extrema. Isto mostra a es

tima que Ihe dedica. Mesmo habitando no fundo da criatura, respeita a

Iiberdade da mesma, solicita-a, mas nunca a forca" (citado por G. Duhamel,

La defensa de la persona humana, Madrid 1949, p. 48). O teólogo Karl Rahner observa:

"O homem possui uma faixa de intimidade, na qual só pode entrar ,jem está autorizado pelo próprio possuidor desta faixa; mesmo assim, ; jem tenha livre acesso, só pode penetrar... deixando em todo momento a quem o autorizou, a faculdade plena de expulsar o intruso. Com efeito, é es te foro íntimo uma característica indelével da pessoa e da Iiberdade, median te a qual a pessoa possui a si mesma... e, por conseguinte, só pode ser possuida por outra pessoa (que nio o Criador) por via de conhedmento, e sem371

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

pre na base e na proporcSo da abertura que Ihe oferees por espontánea von-

tade" fMissione e grazia. Roma 1966, p. 276). Concluí B.A.M. Peters: "Pertence únicamente a Deus sondar os rins e o coracao, isto é, ver

a través da personafidade o fundo do ser. Nunca será lícito penetrar com violencia na intimidade da pessoa, colocando-a num estado em que ¡á nao pode dispor livremente de si mesma. . . Ninguém tem o direíto de penetrar na intimidade de quem se fecha, eliminando o controle da consciéncia:a ra

zio disto é que a aütorizacSo de penetrar na intimidade da pessoa nSo de pende da maneira, social ou nio social, como tal intimidade é vivida, mas da resposta que se deve dar á pergunta: tenho eu o direito de despojar a pessoa humana da faculdade de agir como pessoa moral e de eliminar a identidade

desta? A pessoa humana, na medida em que é capaz de se determinar moralmente, é inviolável; /amáis deve ser constrangida nem impedida no uso da sua própría responsabilidade" (La valeur morale de l'intimité personelle, em

Studia Moralia 1964 II ?53s). Examinemos agora as

4. Conseqüéncias práticas

1. 0 que acaba de ser dito, leva á conclusas de que nap se pode obrigar alguém a submeter-se á análise de sua intimidade pessoal. Para tanto será sempre necessário obter do paciente a autorizacSo previa, explícita, cons ciente e totalmente livre. Para evitar ilusSes ou passos em falso nessa área, a

S. Congregacao do S. Oficio em julho de 1961 publicou um Monitum(Admoestacáo), que visava a pontos relacionados com a sexualidade e a psicaná-

lise:

"Gente de que estao comumente difundidas e esparsas muirás e peri-

gosas opinides a respeito dos pecados contra o sexto mandamento e a propó sito da imputabilidade dos atos humanos, esta Sagrada Congregacao julgou oportuno baixar as seguintes normas:

I) Os Srs. Bispos, os Diretores de Faculdades Teológicas e os Responsáveis pelos Seminarios e Escolas dos Religiosos exijam estritamente dos pro-

fessores de Teología Moral e das disciplinas congéneres que se conformem fielmente á doutrína da Igreja (cf. canon 129)1.

1

0 canon 129 do antigo Código rezava: "Os Clérigos, depois de recebido o

presbiterado, nao deixem de estudar, principalmente, as disciplinas sagradas. 372

DIREITO AO FORO ftlTIMO

37

2) Os censores eclesiásticos usem de grande cautela na recensSo e avalla do de livros e revistas que abordam o sexto preceito do Decálogo. 3) Aos Clérigos e Religiosos sao vedadas as funcoes de psicanalista, se

gundo a mente do canon 139 § 21.

4) Deve-se re/eitar a opiniio daqueles que afirmam ser absolutamente ne-

cessário o processo psicanalitico como etapa previa para se receberem as Ordens Sagradas ou asseveram que testes e exames psicanal/'ticos propríamente ditos devem ser impostos aos candidatos ao sacerdocio e á Profissáó Reli

giosa.

Estas proibicoes aplicam-se também aos casos em que se tente avaliar a aptidSo de candidatos ao sacerdocio ou á ProfissSo Religiosa.

Mais: os Religiosos de ambos os sexos e os sacerdotes nSo devem pro curar psicanalistas a nao ser que o permita o seu Ordinario1 por motivos graves.

Dado em Roma, na sede do S. Oficio, aos ISdejuIho de 1961. Sebastiáo Massala

Notario"3

No estudo destas sigam a doutrina entregue pelos antepassados e comumente aceita pela fgreja, cortando as novidades vazias e profanas e a falsa cien

cia".

O novo Código conserva este canon sob o n?279, § 1, acrecentandoIhe: "Sigam a doutrina entregue pelos antepassados e comumente aceita pela

Igreja, tal como é determinada principalmente pelos documentos dos Conci

lios e dos Pontífices Romanos".

1 O canon 139 § 2 do amigo Código de Direito Canónico proibia aos clé

rigos o exercfcio da medicina e da cirurgia, assim como os oficios de tabeliSo e notario fora da Curia eclesiástica. - O canon 285 do novo Código, que corresponde ao de n9139 do anterior, já nao proibe o exercfcio da medicina

e da cirurgia, nem os outros oficios citados. Isto, porém, nSo quer dizer que os Bispos diocesanos, cada um em sua diocese, nao possam proibir tais atividades, caso as ¡ulguem, de momento, incompativeis com o estado clerical.

2 Bispo ou prelado local ou Superior Religioso.

3 Texto publicado em L'Osservatore Romano, ed. cotidiana italiana, de 16/07/61; cf. REB, vol. XXI. 1961, p. 732. 373

38

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

Este documento da Santa Sé, embora date de 1961, ná"o perdeu atualidade, especialmente no seu ítem 4. Mas, á luz do canon 220, adquire novo vigor, cujo significado pode ser assim resumido: A ninguém, nem mesmo aos Superiores Diocesanos e Religiosos,, é ií-

cito penetrar dentro da intimidade psicológica ou moral de alguém sem ter

recebido explícito e livre consentimento previo. Em conseqüéncia, os semi naristas, os novicos e clérigos em formacao ná*o devem ser levados a práticas

psico-projetivas, de qualquer tipo que sejam, se falta a autorizac.3o do inteíessado, autorizafao que nao será lícito extorquir.

2. Outra conseqüéncia do canon 220 diz respeito á conservac;áo do segredo, ao qual está~o obrígados o psicólogo e 6 psicanalista, após ter explora do, com o consentimento do paciente, a intimidade psicológica ou moral de uma pessoa. A obrigatoriedade de tal segredo é das mais severas, pois partici

pa do segredo natural e do segredo profesional. Observa B.A. M. Peters: "Nunca será lícito dispor livremente do foro íntimo de outra pessoa

que se tenha aberto a mim, porque nao tenho absolutamente o direito de

dispor da subjetividade de outrem. é sobre esta norma que, segundo me pa rece, se funda o significado mais profundo do segredo profissional, sem levarmos em conta outros numerosos motivos de ordem social" (obra citada, p. 249).

Estes motivos de ordem social tém sua importancia: sao a honra, a es tima, a boa fama, da qual todo cristSo tem o direito de gozar para agir po

sitivamente numa sociedade, especialmente se se trata de sacerdotes e Reli giosos. Diz S. Tomás: "A honra ou fama, dentre todos os bens temporais, é o mais precioso, porque, se a perde, o homem é impedido de realizar multas coisas boas... A reputacao ou fama é mais valiosa do que as riquezas, pois é mais próxima

dos bens espirituais do que estas" (S. Teol. /////, qu. 73, art. 2). Conseqüentemente é considerada ilícita a exibicao ou mesmo a con

servado (sem estrita necessidade) de fichas referentes ao foro íntimo de alguém, pois cada um deve ser sempre o único depositario dos seus segredos,

a respeito dos quais há de poder tomar decisSes livres. Também nao é lícito a um psicólogo ou profissional induzir o paciente a recordar fatos desregrados ou pecaminosos do passado, para tentar revíve los a título de se livrar de complexos, inibic.Ses, aversSes, etc. Nao é lícito a um psicoterapeuta pedir a um paciente que consinta em movimentos e im pulsos instintivos ocorrentes durante a terapia, desde que contradigan! á re374

D1REIT0 AO FORO fNTIMO

39

ta ordem moral. Nada impede, porém, que se evoquem ou recordem sitúa95es escabrosas contidas no inconsciente ou no subconsciente, a fim de colocá-las sob a auténtica luz da moralidade, avaliá-las do ponto de vista ético e ajudar o paciente a se libertar de erróneas conceptees. Sao estas algumas observacoes que o canon 220 do novo Código pode sugerir a um estudioso. Na confecfio deste artigo muito nos valemos do estudo de V. Marcoz-

z¡: "II dirítto alia propría intimita nel nuovo Códice di Diritto Canónico",

em "La Civi/itá Cattolica" n?3204, 17/13/83, pp. 573-580.

Ver a propósito PR 205/1977, pp. 3-13: "Exames psicológicos e direitos dn homem".

CURSOS POR CORRESPONDENCIA CARO LEITOR, ESTÁO A SUA DISPOSigÁO TRES CURSOS POR

CORRESPONDENCIA, DESTINADOS A AJUDÁ-LO A FORTALECER E ESCLARECER A SUA FÉ: O DE SAGRADA ESCRITURA, O DE INICIACAO TEOLÓGICA E O DE TEOLOGÍA MORAL. NAO PERCA A OCASI ÁO DE CONHECER MELHOR A BOA-NOVA DO SENHOR JESÚS. PE DIDOS DE INFORMAC6ESSEJAM DIRIGIDOS Á ESCOLA "MATER ECCLESIAE"

RÚA BENJAMÍN CONSTANT, 23, 3? 20241 RIO (RJ)

375

Tese e antítese:-

"La Religión en la URSS" por Alexéi Puzin Etn sin tese: O artigo abaixo transcreve trechos de livro do Governo Soviético referentes á liberdade de consciéncia e á ReligiSo na URSS. Logo a seguir, apresenta noticias colhidas através de rede nSo oficial sobre o mesmo assunto. A ¡ustaposicao evidencia quanto a realidade é diferente daquilo que os regimes da Cortina de Ferro querem incutir aos seus leitores; a discriminació religiosa aparece evidente e brutal.

Encontram-se no Brasil livros impressos em Moscou em língua espanhola, para ser difundidos na América Latina, a respeito do comunismo e da ReligiSo na URSS. Entre outros, deve-se mencionar o de Aléxei Puzin: La Religión en la URSS. Editorial de la Agencia de Prensa Novosti, Moscú (sem data). Apresenta seis capítulos: "Liberdade e Inviolabilidade de Culto e Costumes", "Igualdade Absoluta de ReligiOes", "Garantías Seguras'" "Crentes e Ateus", "Liberdade de Consciéncia", 'Testemunhas Convincentes". O autor tenciona persuadir o público de que na URSS existe plena liberdade religio sa, de acordó com as normas da Constituicáo Soviética. Sem muito procurar,

o leitor se depara com tópicos como os que vio abaixo transcritos.

1. Passagens significativas Deixaremos os textos em seu teor original para nüo Ihcs tirar a autenticidade e o seu valor significativo. "El Decreto del Poder soviético acerca de la libertad de consciéncia y de cultos terminó con la opresión secular que pesaba sobre la Iglesia: la libe

ró de sp tutela exterior y sólo aportó beneficios a su vida interior. El Decre to concedió la libertad a todas las comunidades religiosas y garantizó la in violabilidad de esa liberación" (p. 27). "La Iglesia ejerce libremente sus funciones religiosas y nadie le impide celebrar oficios, administrar los sacramentos prescritos por sus dogmas y sus

cánones" (p.27). 376

"LA RELIGIÓN EN LA URSS"

41

"Todos los ciudadanos pueden ejercer con absoluta libertad los ritos religiosos: bautismo, matrimonio, comunión, confesión, extremunción, sepe

lio, etc.; pueden ir libremente a la iglesia o rezar en su casa; adornar su apar tamento con icones, cruces o imágenes y demás símbolos religiosos; comprar devocionarios, revistas y almanaques litúrgicos, la Biblia, el Corán y otra li teratura religiosa publicada por los centros confessionafes" (p. 37).

"Ningún ciudadano que entre en un trabajo o ingresse en un centro de enseñanza está obrígado a declarar sus convicciones religiosas ni se le puede despedir o negarle la admisión en el trabajo o en un centro docente por mo tivos religiosos. Los.que se afilien a los sindicatos, cooperativas, sociedades deportivas, etc., no tienen la obrígación de manifestar la fe que profesan. El Decreto dice: Toda mención de figurar o no pertencera una religión queda eliminada de los documentos oficiales'" (p. 38).

"La justicia se ejerce en la URSS sobre la base de la igualdad de los ciu dadanos ante la ley y ante los tribunales, independientemente de la posición social, situación económica, cargo, raza y nacionalidad a que pertenezscan o religión que profesen" fp. 39).

"La prática de una fe, se dice en los códigos civiles de las Repúblicas Federadas, no influye en la capacidad cívica, es decir, en la integridad de los derechos de propriedad, en la posesión de casas y en otros poderes de los ciudadanos.

También está estabelecida la libertad de derechos de los ciudadanos en

los asuntos familiares y matrimoniales, independientemente de la religión

que profesen " (p. 39).

"Hay quienes pretenden que en la URSS se impide a los niños y a los adolescentes asistir a la iglesia. En la Unión Soviética no existe esa ley. El que quiera, puede entrar en un templo y convencerse de que nadie les impi de el paso a los chicos y ver como participan en la celebración de ritos reli

giosos"(pp. 39s).

Ora quem presta ouvidos mais apurados á realidade soviética e dá aten9S0 a testemunhos nao do Governo, mas de simples cidadaos, que falam em nome da populacáo, verifica que a ReligiSo nos países comunistas sofre tra-

tamento assaz diverso daquele que oficialmente se Ihc atribuí, como se depreenderá dos depoimentos subseqüentes.

377

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

2. "A Igreja que sofre..." Existem no Ocidente algumas OrganizagSes que se interessam pela Igreja do Silencio, ou seja, pelos cristáos que na realidade perderam sua libeidade religiosa nos países da Cortina de Ferro; mantém contatos (até clan destinos) com individuos e grupos residentes ñas térras comunistas, de mo do que oferecem ao público noticias tiradas da experiencia doscidadáos sujeitos ao regime socialista. Citaremos, a seguir, trechos desses depoimentos

publicados pelo periódico "Chrétiens de l'Est. Faits et Témoignages" n9 48, 4? trimestre de 1985. Tal revista é órgáo da Sociedade "Aide á l'Eglke en Détresse" (Ajuda á Igreja que sofre), B.P. 1, 787S0 Mareil-Marly, Franca; o que abaixo será lido, tem seus paralelos ñas demais edigOes de tal periódico. 2.1. SEGREGAQÁO "Num momento em que muito se fala de apartheid e de segregacao, é preciso evitemos um conceito unilateral desta realidade.

Se ela é espetacular na África do Sul, a segregado nao é menos real nem menos cruelmente eficaz em outros países, que, no cenarlo internacio nal, se dizem ospioneiros da Iuta contra o apartheid. Na Uniao Soviética, por exemplo, e em todos os outros países de regi me marxista, o apartheid existe. Apenas lá o criterio de discriminacSo nSo é a cor da pele, mas a do pensamento.

Os que nao pensam 'vermelho', os que 'pensam de outro modo' (os inakomisli, como eles mesmos se chamam) sao sistemáticamente marginalizados. E, entre eles, estao todos os crentes, para os quais nSo há lugar na hospedaría (ver Le 2.7}, isto é, na sociedade, da qual eles sio os parias. O Estado tolera a sobrevivencia dos fiéis em certos ghettos bem deli mitados, pois tais 'reservas' vém a ser excelentes vitrines para estrangeiros simplórios, que, com a Constituicao Soviética numa mao e urna máquina fo

tográfica na outra, podem voltar de lá afirmando que na URSS existe líber-

dade religiosa e que eles a encontraram...

Certamente é urna grapa para os cristáos da URSS ter aínda algumas igrejas abenas, em que a Palavra de Deus e a vida sacramental sa~o transmiti das. Mas nem esses lugares de culto, nem os sacerdotes nem os fiéis tém seu lugar numa sociedade que os excluí radicalmente.

Nao há lugar para Deus nesse Imperio que O expulsou. Por isso, é no humilde, mas radioso presepio do coracSo de cada cristSo, que María e José 378

"LA RELIGIÓN EN LA URSS"

43

se refugiam e é lá que, sem que o saiba o orgulho do César, incessantemente renasce o Menino-Deus e Salvador do mundo".

(Editorial de Chrétiens de l'Est, n°48,4° tr. 1985, p. 1).

2.2. DISCRIMINACÁO ANTICRISTA "Os responsáveis pelas Igrefasprotestantes da Alemanha Oriental criticaram, no domingo 22 de setembro de 1985, a discriminado da qual sSo vitimas os cristaos daquele país. Estas criticas coñudas no relatórío anual do

Sínodo Protestante referem-se ao controle exercido sobre os cristffosva Re pública Democrática da Alemanha, controle que destróí as iniciativas, espe cialmente dos jovens. As restrícoes a todo tipo de viagem para fora do país sao comparadas ao despotismo que tolhe o sentido da responsabilidade pessoal e a independencia nos jovens".

(Agenda A. F.P., París - 24/09/85)

2.3. BIBLIAS TRANSFORMADAS EM PAPEL HIGIÉNICO!... A Agencia de Informacoes Religiosas suíca "Glaube in der Zweiten Welt" possui relatónos que falam de 20.000 Biblias em húngaro que "desapareceram" na Ruménia. Evidentemente tratase de urna remessa feita pela Alianca Reformada Mundial, declararan) os porta-vazes da Agencia. Interro

gadas a propósito, as Sociedades Bíblicas Unidas responderam que 10.000 Biblias em húngaro foram enviadas á Igreja Reformada da Rumania em setemoso de 1980. O secretario das mesmas na Europa havia pessoalmente ga rantido a entrega desses volumes ao bispo Nagy de Cluj, dirigente da Igreja Reformada da Ruménia. A Alianca Reformada Mundial nao recebeu informacao alguma sobre a distribuicao dessas Biblias.

Outras Organizares de Defesa dos Direitos Humanos também apresentaram rolos de papel higiénico sobre os quais se podía ler o nome da usi na de transformacao do papel "Bisthta Prundul Birgaului", o número da se rie, o preco e também trechos da Biblia em húngaro. O ex-embaixador norte-americano David Funderbunk observou que as 20.000 Biblias enviadas na década de 70 para Bucarest pela Alianca Refor

mada Mundial foram confiscadas pelas autoridades rumenas e transformadas em papel higiénico. Varios rolos de papel, sobre os quais aínda se podiam ler as palavras "Deus" e "Jeremías", acham-se em poder de Organizacoes Ame ricanas de Defesa dos Direitos do Homem.

379

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986

Sabe-se que a Rumania carece de papel. Um ¡nquérito iríais apurado permitiu concluir que o papel higiénico fora fabricado com Biblias introduzidas no país sem autorizado oficial e confiscadas pelos servicos da alfándega.

ÍChrétiensdel'Est,n?4S,4?fr. 1985. pp. 25s).

2.4. "A INDEPENDENCIA DO CRISTÁO COMECA COM A ARTE DE D1ZER NAO!..." Foi nestes termos vigorosos que o Cardeal Joachim Meisner, bispo de Berlim, se dirigíu em malo 1985 a mil jovens da República Democrática Alema reunidos na Catedral de Santa Edwiges, em Berlim Oriental, para en cerrar um Congresso da Juventude Católica. Durante tres dias todos esses

jovens refletiram sobre o tema "Cristo, nosso futuro". Os servicos de seguranza do Estado nSo permitiram aos jornalistas assistissem a essa assembléia espetacular, á qual nSo fizeram referencia os meios de comunicado social. Na sua alocucao de encerramento, após ter lembrado a visita de corte sía que o Presidente do Conselho de Estado fizera ao Papa JoSo Paulo II, o Cardeal Meisner exprimíu o désejo de que "o governo da RDA saiba tirar as conseqüéncias desse encontró". E, sob urna trovoada de aplausos, o Cardeal acrescentou: "Julgaremos o Governo segundo os seus atos".

Aos jovens ouvintes o Cardeal pediu urna profíssSo de fé mais clara, rejeitando toda duplicidade e ambigüidade:

"É preciso que nao levemos urna existencia crista duvidosa, aceitando, por exemplo, trabalhar profissionalmente segundo métodos contrarios á conscüncia crista" ou freqüentando a escola sem ousar confessar que somos

discípulos de Cristo. . . A independencia do cristSo comeca com a arte de dizer Nao. . . É preciso saber dizer NSo as grandes instancias que na verdade regem a nossa vida. . . Dizer NSo as forcas que tomam posse de nos median

te promessas, ilusoes e pressoes, é exprimir urna breve profissao de fé..."

{Correspondencia particular, Chrétiens de l'Est n?48, 4?tr. 1985, p. 7). REFLEXÁO FINAL A situado da Igreja do silencio vem a ser apelo vivo aos eristaos do Ocidente no sentido de que procurcm mais e mais tomar consciéncia dos va-

380

"LA RELIGIÓN EN LA URSS"

45

lores da fé e da profísslo desimpedida da mesma. Os irma"os perseguidos se queixam de certa indiferenca dos ocidentais em relacSo aos da Cortina de Ferro; a liberdade de que aqueles gozam talvez os iluda, insinuando que em toda parte no mundo a Igreja é livre. Daí a importancia de refletirem sobre a Igreja do silencio, sobre o heroísmo dos cristSos sufocados e sobre a necessidade de lhes acudir mediante oraches e urna vivencia cada vez mais coerente da sua vocac.50 crista"; a santidade dos membros da Igreja é um dos recursos mais efícazes do Cristianismo para enfrentar o ateísmo e obter de Deus as gracas necessárias aqueles que sofrem e pedem apoio. "Urna alma que se ele

va, eleva o mundo inteiro". (continuado da p.384)

6. De resto, as expressoes da Sra. Yvonne Trudert correspondem as de urna pessoa megalomanfaca, cuja visita ao Brasil seria um privilegio para os

brasileiros; enviada por Poderes superiores, viria de outros mundos a fim de alertar a populacao da Térra. Tais afirmacSes geralmente se prendem a per turbares mentáis — o que impede as pessoas sensatas de levar a serio a dou-

trina da Sra. Yvonne.

Quanto á mensagem do amor ao próximo, nao é específica do IVI, mas é tirada do Evangelho, onde se encontra em termos muito mais signifi cativos e convincentes: "Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanece! no meu amor. Se observardes os meus mandamentos, permane ceréis no meu amor" (Jo 15,9s). Muito antes do IVI, a Igreja tem pregado

esta mensagem do Evangelho e continua a pregá-la.

Como se vé, nao é preciso refletir muito para se perceber a total incompatibilidade de Cristianismo e IVI. Somente o despreparo do público e a sede do maravilhoso — as vezes mais emotiva do que orientada pela razao — explicam a penetracao do Movimento dentro da sociedade brasileira. Estevao Bettencourt O.S.B.

381

O Movimento de

14 Invitation á la vie"(IVI) Em sin tese: O Movimento IVI nSo se compatibiliza com a mensagem

Cristi a varios títulos: propoe um conceito pan teísta de Deus (a Divindade seria tudoi; conseqüentemente professa a reencarnacao; reduz a oracao a

fenómenos de telepatía ou á emissio dé ondas energéticas positivas eeficazes.

Além do mais, a mensageira do Movimento no Brasil, a Sra. Yvonne Trudert, exprímele em termos megalomaníacos: seria a enviada de Potencias Supe-, riores, oriunda de outros mundos para dizer aos habitantes da Térra que mu-

dem de vida, pois Jesús Cristo está para voltar em breve; essa senhora diz conhecer os seus ouvintes há milenios e saber o que está por tras de cada semblante; a sua visita é um privilegio para os brasileiros. Já esta atitude megalomanfaca é suficiente para Iancar o descrédito sobre a doutrina apregoada pela Sra. Yvonne. Quanto á exortacao ao amor, é plenamente válida, mas nSo é específica de IVI; encontrase mais clara e convincente nos Evangeihos tais como tém sido lidos e proclamados na Igre/a Católica.

Está sendo disseminado no Brasil o Movimento dito "Invitation á la Vie" (IVI), trazido pela Sra. Yvonne Trudert. Em suas palestras geralmente

realizadas em ambiente de elevado ni'vel social e em língua francesa, esta mensageira tem atraído muitas pessoas, impressionadas pela pregacao de IVI.

Veremos, a seguir, as principáis linhas doutrinárias da nova corren te' e o que ela sugere do ponto de vista cristSo.

1 Mesías páginas apresentarei a doutrina da Sra. Trudert tal como pessoalmente a pude ouvir em conferencia a que assisti, tomando anotacdes. Tam-

bém me valerei de fitas gravadas durante as suas palestras com a devida auto rízalo da conferencista. (E.B.)

* Convite á Vida. 382

"INV1TATI0N Á LA VIE" (IVI)

47

1. A Mensagem

1. Yvonne Trudert se diz católica, sim (pois é breta, como ela mesma ex

plica). Nao é deste planeta, mas cumprindo ordens superiores, foi enviada á Térra para anunciar que Jesús Cristo está para voltar em breve; Ele procla mará a transformacao deste mundo. A visita de Yvonne é um privilegio con cedido aos seus ouvintes brasileiros. Estes, em conseqüéncia, devem mudar de vida, enquanto ainda é tempo. Yvonne diz que há milenios conhece os

seus ouvintes; sabe o que está atrás de cada semblante. Sabe também onde estao os mortos, especialmente os do Triángulo das Bermudas; é capaz de

diagnosticar e de curar doencas á distancia.

2. Também os ouvintes da mensageira nSo sSo deste mundo; vém de fora (vous venez d adleurs); sao extraterrestres. A conferencista professa a reencamacSo, embora diga que "desconfia da palavra reencamacáo".

3. O convite de IVI é para urna vida de amor. Yvonne afirma que o único (?) mandamento deixado por Jesús é o de nos amarmos uns aos outros Dis corre tongamente sobre o amor, citando passagens do Evangelho nem sempre cuidadosamente traduzidas para o francés.

4. O conceito de Deus é panteísta. Deus é dito "o poder cósmico" ou

energla cósmica . A sra. Yvonne chega a professar que nos somos membros

de Deus:

Ele e o corpo .

5. Em conseqüéncia, a oracío é telepatía; por elá emitimos ondas de

energía que realizam os efeitos almejados. A oracSo nos possibilita comuni

car-nos com outros mundos. Assim se elucidaría o seguinte fato: quando ca

tólicos, protestantes, israelitas, muculmanos e ateus se encontram no IVI,

"rezam a mesma oracao universal, isto é, Pai Nosso e Ave-María. E todos rezam. Pois nos explicamos o que quer dizer oracáo. A oracSo é urna vibracSo;

é urna melodía, é algo muito forte, que nos enriquece e que nos dá urna paz e urna serenidade profunda. Isto é porque todas as religiSes se reunem num único canto, numa única voz, amar".

A oracao dos membros do IVI, dizem, obtém curas, mesmo nos casos desengañados pelos médicos e á distancia. Isto se compreende se a oracffo significa emissfo de ondas energéticas. Alias, diz Yvonne, as doencas slo causadas por ondas negativas que penetram no corpo dos homens; tais ondas sSo vulgarmente chamadas "demoníacas" ou "diabólicas" (embora o demo nio nao exista como ser real, segundo a Sra. Yvonne).

O Batismo é menosprezado; nao é ele que nos torna filhos de Deus

diz a mensageira.

383

'

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 291/1986 Em síntese, sao estas as principáis linhas da mensagem do Movimento

IVI. Passemos agora a urna

2. Apreciado

É evidente que o Movimento IVI, embora recorra ao Evangelho e diga ter sido recebido em audiencia pelo Papa, nao é católico, nem mesmo cristáo. A sua linguagem talvez confunda ou atraia os ouvintes, pois fala de amor e formula normas éticas que o Cristanismo aceitaría. Todavia a doutri-

na fílosófíco-teológica do Movimento nío se coaduna com a da fé católica a diversos títulos: 1. O panteísmo opóe-se radicalmente ao pensamento cristao, que é mo noteísta. Enquanto aquele afirma que tudo é Deus ou a divindade é tudo, o Cristianismo afirma que Deus é transcendente, distinto do mundo, embora esteja presente a cada criatura como Criador e Conservador de tudo o que existe. Alias, o panteísmo nao é rejeitado apenas pela mensagem bíblica; também a sa" razSo o tem por contraditório, pois identifica o Absoluto e o relativo, o Eterno e o temporal, o Necessário e o contingente... 2. Jesús nao nos deixou apenas o mandamento do amor aos irmáos, mas também, e em prímeiro lugar, o do amor a Deus. Este ná"o é devidamente

realcado pela mensagem IVI. - De resto, como amar a Deus numa perspec tiva panteísta, em que a Divindade sou eu mesmo? 3. A orac.á~o nao pode ser assemelhada a algum processo mecánico ou parapsicológico; nada tem que ver com cmissa~o ou vibracao de ondas. E simplesmente a linguagem da mente que se eleva a Deus no plano espiritual; é urna atitude filial do orante na presera de Deus, que aceita graciosamente os anseios de suas criaturas; nao há, porém, oraches todo-poderosas ou "mais eficazes" e "menos eficazes"; nosso relacionamento com Deus está baseado exclusivamente sobre a misericordia divina.

4. A fé católica afirma a existencia do demonio como ser real. Foi criado por Deus como anjo bom; pecou, porém, por soberba e atualmentc, por permissáo divina, tenta os homens ao pecado. Este objetivo é visado pelo Malig no em sua acáo nefasta. S. O Batismo é o sacramento que nos regenera, fazendo-nos nascer para a

vida de filhos adotivos de Deus no sentido pleno da palavra (cf. Jo 3,3.5). A reencamac.ao é totalmente alheia á mensagem crista; ver Hb 9,27: "Foi estabelecido que os homens devem morrer urna só vez; depois vem o julgamento".

(continua na p. 381)

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