Ano Xxvii - No. 288 - Maio De 1986

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTTAgÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

£_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se .

dissipem e a vivencia católica se fortaleca

J"" no Brasil e no mundo. Queira Deus

abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

SUMARIO 3

Benevolencia e Verdade O

O Evangelho de Marcos Antes de 50? "Contra toda Esperanza" "Da Teología ao Homem" A Educacao na Nicaragua

"Homossexualidade: Ciencia e Consciéncia" oo

O ce Q.

ANO

XXVII

_

MAIO



1986

288

MAIO - 1986

PERGUNTE E RESPONDEREMOS.

N9288

Publicado mensal

Diretor-Responsável:

SUMARIO

Estévao Bettencourt OSB

Autor e

Redator de toda a materia

publicada neste periódico

Descoberta inesperada:

O EVANGELHO DE MARCOS ANTES DE 50?

2

Diretor-Administrador

22 anos em Gulag cubano:

0. Hildebrando P. Martins OSB

"CONTRA TODA ESPERANQA", por

Ar

mando Valladares

Administracáo e distribuicáo: Edicoes Lumen Christi

Dom Gerardo. 40 - #? andar, S/501 Tel.M021» 291-7122

9

"Ensato sobre a Teología da Libertacao":

"DA TEOLOGÍA AO HOMEM", por P. - E.

Charbonneau

Caixa postal 2666 20001 - Rio de Janeiro - RJ

'

25

Urna Carta dos Pais de Familia:

A EDUCACÁO NA NICARAGUA

35

Na Ordem do Dia:

Composicáo e Impressao:

"HOMOSSEXUALIDADE: CIENCIA E CONSCIÉNCIA", por Marciano Vidal e outros . 41

"Marques Saraiva" Santos Rodrigues. 240 Rio de Janeiro

Assinatura de 1986: Cz$ 100,00 Número avulso CzS 11,00 Para pagamento da assinatura de 1986, queira depositar a importan

cia no Banco do Brasil para crédito

na Conta Corrente n? 0031 304-1

em nome do Mosteiro de Sao Bento

do Rio de Janeiro, pagável na Agen cia da Praca Mauá (n? 0435) ou en viar

VALE

POSTAL

pagável

na

NO PRÓXIMO NÚMERO 289 - Junho - 1986

"Sobre a Liberdade Crista e a Libertacao" (S.C.

D F ) - "Antropología do Sofrimento" (H.Leparg-

neur). - "O Mito da Idade Media" (R. Pernoud).-

''A Arte do Aconselhamento Psicológico" (Rollo May). - "A Igreja da Libertacao" (filme). - Ensino Religioso Interconfessional.

Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro.

RENOVÉ QUANTO ANTES A SUA ASSINATURA

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

MUDANCADE ENDERECO

Benevolencia e Verdade A suspensao do silencio imposto a Frei Leonardo Boff suscitou comen

tarios. Parecía que a Teología da Líbertacao de fundo marxista, que Leonar do defenderá, estava reabilitada. — Ora tal nao é o caso.

Sem dúvida, Boff recorreu ao marxismo para elaborar sua teología — o que foi erróneo. Mas o motivo mais poderoso da sua condenacao sao as teses defendidas pelo franciscano no seu livro "Igreja: Carisma e Poder". Com efeito; aos 11/03/85 a S. Congregacao para a Doutrina da Fé publicou urna Notificado, em que chamava a atencao para quatro pontos erróneos da obra: 1) Jesús nao teria fundado a Igreja; por conseguinte, esta pode ser refeita em nossos dias; 2) as fórmulas de fé seriam relativas a certa época e a

determinadas circunstancias; por isto seriam passíveis de reformulacao hoje; 3) a autoridade seria exercida na Igreja á semelhanca do que acontece nos países totalitarios de esquerda, havendo, pois, manipulacSo dos bens de con sumo (a palavra de Deus e os sacramentos); 4) cada crístSo é profeta, apto a ensinar e servir na Igreja segundo o seu "carisma", cabendo á hierarquia ape nas o papel de propiciar a harmonia entre os varios profetismos e servicos. Foram tais proposicoes que provocaram decisivamente a intervencao da S. Congregapao para a Doutrina da Fé; exigem urna retratacao que até hoje nao ocorreu, pois o livro censurado continua a ser vendido sem retoque algum, como se a advertencia da Santa Sé nao merecesse consideracao concre ta.

A atitudede Roma para com Leonardo Boff foi de benevolencia ; a Igreja

nao somente é Mestra, mas também é Míe. Ademáis a imposicao de silencio devia um dia, cedo ou tarde, chegar ao seu termo; a Santa Sé escolheu para

tanto a festa de Páscoa de 1986, que foi a celebracao do grande perdáb outorgado por Deus aos homens. Tal benevolencia, que é também um voto de

confiañca, aguarda a correspondente atitude do teólogo. A Igreja tem o direito de a exigir, pois a caridade ná"o pode estar dissociada da Verdade; as verdades da fé, entregues por Cristo á Igreja, há*o de ser preservadas incólu mes por vontade do próprio Senhor. Por isto Frei Leonardo tem urna divida a resgatar para com a Verdade, ferida nos quatro pontos indicados pela S. Congregacao para a Doutrina da Fé. Nao se pode reduzir o Cristianismo a mera comunhao de caridade; esta, distanciada da luz da verdade, seria cega e redundaría em traicao do próprio Senhor Jesús.

Permita Deus que o teólogo retifíque as suas proposicoes com a humil-

dade que sempre caracterizou os grandes homens e os santos! E.B.

«PEROUHTE E RESPONDEREMOS» ANO XXVII - n? 288 - Maio de 1986

Descoberta inesperada:

0 Evanselho de Marcos antes de 50 ? Em símese: Na década de 1960 foram descobertos manuscritos gregos

na sétima gruta de Qumran (Palestina) ou 7Q. Destes um, o de n? 5, foi em 1972 identificado pelo papirólogo José O'Callaghan como sendo o texto de

Me 6,52s. Os críticos puseram-se a discutir a proposta, mas nos últimos anos convergen? mais e mais para a aceitacSo da mesma, como se depreende do

carpo desta comunicacao. Se tal tese é verídica, como serios argumentos indicam, os estudos da origem dos Evangelhos devem ser fundamentalmente

revistos: o Evangelho segundo Marcos seria pouco anterior ao ano de 50 o que muito o aproxima da pregacáo oral de Jesús (27-30 ou 30-33); fica assim afastada qualquer tendencia racionalista a admitir um hiato entre Je sús e os evangelistas - hiato que teña propiciado a formacao de mitos e f ic:

cSes em torno de Jesús. — O assunto já foi abordado em PR 154/1972, pp. 454-460. Agradecemos a gentil colaboracao do Pe. Joao Agripino Dantas (Caico, RN) nesta reapresentacSo. *

*

*

Até meados do sáculo presente o mais antigo fragmento ma nuscrito dos Evangelhos que se conhecia, era o Papiro 52 (p") , também dito John Rylands 457 (pois está guardado na John Ryland's Library de Manchester, Inglaterra). Apresenta os dizeres de

Jo 18, 31-33. 37-38; deve ter sido escrito no Egito (pois lá foi encontrado) por volta de 125. Tal papiro foi publicado pela pri

me ira vez em 1935 por C. H. Boberts. Em conseqüéncia, os estu diosos puderam, e podem, afirmar com certeza que a redacao do Evangelho segundo S. Joao se deu no fim do século I; se redigido

em Éfeso (Asia Menor), como de fato foi, admita-se o intervalo

de 25 anos, a fim de que pudesse passar da Asia Menor para o Egito.

C.H. Roberts verificou aínda que o Papiro 52 (p") era um segmento de folha escrita em frente e verso; apresentava sete li194

O EVANGELHO DE MARCOS ANTES DE 50?

nhas, de caracteres assaz nítidos. Tentando reconstituir a imagem de urna folha inteira, concluiu que cada lado de folha devia apresentar dezoito linhas, cada qual com trinta ou trinta e cinco le

tras; consecuentemente, o código assim formado teria compreen-

dido 130 páginas, cada qual do formato de 21,5 x 20 cm. Esta descoberta arqueológica fo¡ de enorme importancia, pois dissipou as teorías daqueles que datavam o quarto Evangelho do século II, como se fosse obra de um discípulo dos Apostólos, imbuido de filosofía grega mais do que de cultura ¡udeo-crista. - Em nossos dias há quem situé a redaclo do quarto Evangelho ainda em época maís recuada, ou seja, por volta de 70 - o que

é menos provável.

Todavía na década de 1960 veio a baila urna noticia ainda mais surpreendente para os exegetas bíblicos: terá sido descoberto um fragmento do Evangelho de S. Marcos redigído por volta do ano de 50. As conseqüéncías desta nova descoberta eram de grande alcance, como se depreenderá da exposicao abaixo. - Es ta terá caráter de certa erudicao; nao o evitaremos para que os leítores habilitados possam aferir o peso das respectivas conclusoes. 1. O AdHADO 1. Em 1962 tres arqueólogos publícaram a noticia de suas pesquisas realizadas em pequeñas grutas do deserto de Qumran, a N. O. do Mar Morto. Chamava-lhes a atencao especialmente a gruta n° 7 (7Q), situada á parte das demais, na extremidade da plataforma que se extende ao sul de Khirbet; continha tao-so-

mente manuscritos gregos, sem mésela de fragmentos hebraicos. Todos eram de papiro, ao passo que ñas demais grutas se achavam pergaminhos. Esses papiros eram portadores de texto sobre urna

só de suas faces - o que significa que pertenciam a rolos.1 Eram estes os manuscritos encontrados em 7Q:

7Q1, que os estudiosos sem grandes dificuldades ¡dentif ¡caram com Ex

28.4-6;

7Q2, que com probabilidade foi identificado com Baruque 6 (carta de

Jeremías), versículos 43b-44.

1 Cf. M. Baillet/J. T. Milik/R. de Vaux, Discoveries in the Judean De-

sert of Jordán 111: Les Petites Grottes de Qumran. Oxford 1962. 195

4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

Havia outros dezesseis manuscritos, que ficaram nio identificados, até que em 1972 o papirólogo espanhol José O'Callaghan pro pos as seguintes

conclusoes de seus estudos:' 7Q4

= 1 Timoteo 3,16; 4, 1-3;

7Q5 = Marcos 6, 52-53; 7Q6i = Marcos 4,28; 7Q6j= Atos dos Apostólos 27,38; 7Q7

= Marcos 12,17

7Q8 7Q9

= Tiago 1,23-24; = Romanos 5, 11-12;

7Q10 = 2Pedro1,15; 7Q15= Marcos 6,48.

Ora é certo que em 68 d.C. tais grutas foram fechadas e

abandonadas pelos monges hebreus (essénios) moradores da regiao; fugiram entao dos invasores romanos. Há quem julgue que durante a segunda revolta judaica, ou seja, entre 132 e 135 as grutas foram reabertas; esta hipótese é muito discutida pelos es tudiosos, que geralmente aceitam a seguinte sentenca: as grutas de Khirbet Qumran podem ter sido utilizadas entre 132 e 135, mas a ocupacao das mesmas e o depósito de manuscritos em seu bojo sao anteriores a 68 d.C.

Ora as propostas papirológicas de O'Callaghan eram surpreendentes e, se aceitas pela crítica, levariam a urna revisao total das datas até entao assinaladas para a redapao dos escritos do Novo Testamento.

2. Os pesquisadores, interpelados pelo enorme alcance das teses de O'Callaghan, puseram-se a estudá-las com senso críti co. As opinioes se foram dividindo a partir de 1972. Acontece,

porém, que nos últimos anos há consenso significativo, se nao unánime, sobre a identidade de 7Q5: seria fragmento dos versí culos de Me 6, 52-53. Esta afirmacao so pode ser comprovada se se leva em conta o original grego de Me e a maneira como os ami gos escreviam - o que ultrapassa a finalidade das páginas desta revista. Como quer que seja, tentaremos esbocar o raciocinio dos críticos, usando caracteres latinos.

1 J. O'Callaghan.i Papiros neotestamentarios en la cueva 7 de Qumran?

em "Bíblica" 53 (1972) pp. 91-100.

O EVANGELHO DE MARCOS ANTES DE 50?

Tratava-se de cinco linhas, com letras ora mais, ora menos

legíveis. Após muito conjeturar, O'Callaghan e sua equipe admitem a seguinte configuracao para o papiro 5 da gruta 7 (7Q5): e

ytone

e kaiti nnes

thesa

Ora o texto assim reconstituido sugere algumas ponderacoes:

a) Trata-se de um texto de escrita continua (sem separacao entre as palavras). Nao obstante, na terceira linha há um hiato en tre e e kaiti, o que parece estranho. Todavía explica-se bem pelo fato de que o e termina urna narracao (a do caminhar de Jesús so

bre as aguas) e o kai dá inicio a outra seccao (a da cura de doen-

tes em Genesaré).

b) A palavra kai da terceira linha corresponde em grego á

nossa cópula e. Nao é a preposicao habitual para ligar as frases em grego clássico; contudo ficou sendo muito usual ñas Ifnguas semi

tas (no hebraico e no aramaico, por exemplo). Sao Marcos, que

redige a catequese pregada por Sao Pedro em aramaico, conservou freqüentemente no texto grego do seu Evangelho a parataxe

do linguajar semita ou a justaposicao de frases mediante a cópula kai (e).

c) Na quarta linha há o estranho bloco nnes. Procuraram alguns identificar ai a forma verbal egénnesen (gerou), e concluíram que o fragmento pertencia a urna tabela genealógica, como seria a de Mt 1,1-14. O'Callaghan, porém, observou que tal bloco bem poderia ser parte do nome Gennesaret, o que foi aceito por outros críticos. Assim é que as cinco linhas se apresentam como fragmento dos versos 52 e 53 de Me 6. Este fragmento supoe um conjunto de versos mais ampio ou mesmo urna parte conspicua do Evangelho, se nao o livrq inteiro de Marcos. O texto completo

197

6

.

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

do papiro 5 da gruta 7 de Qumran seria, em caracteres latinos, o seguinte:

synekan e pitoisartoie

aliena ytone kardiapepopho men e kaiti aperasantes elthoneise nnes arektai prosormis thesa nkaiexel

Os críticos perguntam qual seria a probabilidade de que o conjunto de letras de 7Q5 possa ocorrer em outro texto (de sig nificado inteligfvel) que nao Me 6, 52-53. E respondem que a im-

probabilidade de que tal aconteca é da ordem de 2,25 x 10'6515'. é ao mesmo resultado que os estudiosos chegam quando pergun

tam: com que probabilidade um macaco, utilizando urna má quina datilográfica, escreveria as obras de Goethe?... ou urna ex-

plosao ocorrente numa tipografía imprimiría as tragedias de Sha kespeare? A probabilidade de que tais coisas acontecam é praticamente nula.

3. O fragmento de 7Q5 foi redigido, como dito atrás, em es crita continua, designada técnicamente como Zierstil (estilo de corativo, ornamental). Ora a época de uso de tal escrita, como in dica a paleografía, sao os decenios que vao de 50 a.C. a 50 d.C. Isto quer dizer que 7Q5 nao é do ano de 68 (ano em que a res pectiva gruta foi fechada e abandonada), mas é de 50 d.C. ou de

data anterior. Com efeito; é decrerque o manuscrito nao tenha si

do confeccionado em Qumran, mas que tenha vindo do Ocidente. Para corroborar esta suposicao, observa-se o seguinte: Na gruta 7 encontraram-se também fragmentos de um jarro,

cuja parte superior trazia duas vezes a inscricao hebraica r w m

(o que se lé Ruma). Em 1962 os pesquisadores admitirán) que se

tratasse de um nome próprio nabateno1, o qual indicaría o pro-

prietário ou o reméteme do jarro. Outros estudiosos maís tarde pensaram na aldeia Ruma, que Flávio José menciona na obra

"Sobre a Guerra Judaica" 3,7:21. O arqueólogo J. A. Fritzmeyr,

perito em estudos de Qumran, propós que rwm seria a designacao da cidade de Roma, capital do Imperio. Todavía os professor

Nabatenos eram habitantes do deserto, que se fortalecerán e, nos

tempos de Cristo, constituíram um reino localizado na regiao de Petra, ou

se/a, na vizinhanca da Palestina.

198

O EVANGELHO DE MARCOS ANTES DE 50?

res Y. Yadin e D. Flusser, da Universidade de Jerusalém, replica-

ram que inscricoes em jarros nao costumam significar lugares ou cidades, mas ou sao nomes de pessoas ou indicam o conteúdo do respectivo jarro. — Esta última observacao seria fecunda no caso de 7Q5: poderia significar que a comunidade crista* de Roma, en viando esse jarro com os manuscritos (talvez mesmo como invo lucro de um manuscrito), queriam lembrarque oscristaos de Ro ma eram os doadores e remetentes de tais manuscritos. Esta supo-

sicao se torna especialmente plausível se levamos em conta que o Evangelho de Marcos foi originariamente redigido em Roma (a Tradipao refere que Marcos reproduziu, segundo o seu estilo, a catequese pregada por Sao Pedro em Roma).

2. CONCLUSÁO Depois de muito debater a questao, verifica-se que os críti cos em nossos dias sao mais e mais favoráveis á tese de O'Cal laghan. Varias tentativas foram feitas no sentido de propor outras

interpretares para 7Q5 (excluida a hipótese de se tratar de Me 6,52-53); os estudiosos, usando computadores, procuraram na traducao grega do Antigo Testamento (dita dos LXX) urna passagem que ilumine o conjunto de letras ocorrente em 705. Assim pensaram em Ex 36,10-11; 2Rs 5,13-14; 2Sm 4,12-5,1, como também pensaram em Mt 1,2-3. Todavia nenhuma destas possíveis explicacoes se revelou suficiente, porque exigiriam alteracoes pouco verossímeis ou muito farpadas no texto de 7Q5 para poder adaptá-lo á respectiva passagem do Antigo ou do Novo Testamen to; de modo especial, o parágrafo ou o hiato da linha 3 dificulta a adaptacao a outra seccao que nao Me 6,52-53. Em conseqiién-

cia, um dos últimos estudiosos do assunto, Carsten Peter Thiede, concluíu após longas consideracoes: "Wer von 7Q5 = Mk 6,52-53 ais aeltestem erhaltenen Fragment eines neutestamentlichen Textes sprechen will, darf das ruhigen Gewissens tun. — Quem quer

considerar 7Q5 = Me 6,52-53 como o mais antigo fragmento até hoje conservado do texto do Novo Testamento, pode fazé-lo com

a consciéncia tranquila."1 Tal conclusáo deverá ter enorme repercussao em toda a pes

quisa referente á origem dos Evangelhos: exigirá urna revi sao das

1 Ver bibliografía, artigo de C.P. Th. em Bíblica 65 (1984), p. 557. 199

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

datas até agora assinaladas. A crítica do século passado, movida por preconceitos racionalistas, tendía a distanciar da pregacao de

Jesús (anos de 27-30 ou 30-33) a redacto dos Evangelhos; esta era atribuida ao século II (até o ano de 180). Tao longo intervalo de tempo, segundo tais críticos, terá sido propicio á cria cao de

mitos ou de falsas imag'ens de Jesús elaboradas paulatinamente pela fantasía popular e finalmente no século II consignadas pelos evangelistas em seus escritos! Aos poucos, porém, tal suposicao preconceituosa foi sendo desfeita pela evidencia dos manuscri

tos encontrados, entre os quais o p" mencionado no inicio desta comunicacao.

Com o progresso dos estudos verifica-se que mais ainda se devem aproximar entre si a redacao dos Evangelhos e a pregacao de Jesús. Isto contribui para evidenciar que a fé crista nao está

baseada em ficcSes imaginosas da mente ignorante dos antigos, mas na veracidade dos dizeres do próprio Cristo. O Evangelho faz eco muito próximo e fiel a quanto disse Jesús.

Todavia alguém poderá indagar: o fragmento de 7Q5 supoe o Evangelho de Marcos já em sua forma definitiva ou pertence a urna das etapas da redacao desse livro sagrado? — Bons exegetas, entre os quais Kurt Aland, rejeitam esta última hipótese. Toda via a questao permanece aberta; qualquer que seja a resposta da da, fica sendo inegável que entre as palavras de Jesús e as do evangelista Marcos há continuidade; o Jesús descrito por Marcos nao é um "outro" Jesús, mas é o próprio Jesús que caminhava e pregáva pela Palestina. Bibliografía:

Caster Peter Thiede, Ein Markus-Fragment ca. 50 n. Ch. geschrieben.

Sensationeller Befund mit weitreichenden Folgen, em: "Theologisches" n? 188, dezember 1985, cois. 6769-6774.

ídem, 7Q. Eine Rückkehr zu den neutestamentlichen Papyrusfragmen-

ten in der siebten HShle von Qumran, em "Bíblica" 65 (1984), pp. 538-559.

José O'Callaghan, Papiros neotestamentarios en la cueva 7 de Qum

ran? em "Bíblica" 53 (1972). pp. 91-100.

M. Baillet/J. T. Mi/ik,/fí, de Vaux, Discoveries ¡n the Judean Desert

of Jordán til: Les Petites Grottes de Qumran, Oxford 1962, pp. 27-31 e 143s.

A revista "Bíblica" de 1972 e 1973aprésenla varios artigos e comuni-

capóes relativos ao assunto.

200

22 anos em Gulag cubanos:

"Contra Toda Esperanza" por Armando Valladares

Em símese: As páginas subseqüentes apresentam um capitulo das Me morias de PrisSo do poeta cubano Armando Valladares publicadas em castelhano com o título "Contra toda Esperanza. 22 años en el Gulag de las

Americas" (Buenos Aires). O autor foi detido por confessar-se cristao; ora em Campos de trabalhos forcados, ora em prisSes-gavetas, ora em ptitSes-

túmulos, foi sujeito a todo tipo de tortura (fome, sede, nudez, espancamentas, pressóes psicológicas. . .) para que aceitasse a "reabilitacao políti

ca" ou a doutrinacüo marxista. Os seus carrascos o levaram varias vezes até

o limiar da morte, mas nido fizeram para que nao chegasse a morrer; nao queriam provocar o martirio de um ccistab, mas a "conversao" do mesmo para o comunismo. Armando Valladares resistiu com a graca de Deus, e, por mediacao de varias autoridades estrangeiras, inclusive do Presidente Fran-

cois Mitterand, logrou a liberdade aos 22/10/1982, tendo sido preso com 23 anos de idade aos 28/12/1960. - O livro é de grande valor documentário;

deverá sair brevemente em traducao brasileira. *

*

*

Armando Valladares é poeta cubano. Pelo fato de se ter declarado

cristao e haver resistido ao processo de "reabilitacáo política" l= doutrinapao marxista) do regime comunista de Cuba, foi encarcerado aos 26/12/1960 com vinte e tres anos de idade, e so foi libertado aos 22/10/82, após 22 anos de cárcere ou 7.236 dias e noitesde so frimemos ¡ndizíveis, pía nejados e aplicados "científicamente" pelos revolucionarios cubanos. O seu único

crime foi haver dito: "Se Fidel Castro se revela marxista, eu nSo o poderei seguir, porque sou cristao". Durante 46 dias do longo período de encarceramento, negaram-lhe alimentos para tentar dobrar a sua vontade; em conseqüéncia deste e de outros maus tratos, passou oito anos em cadeira de rodas. Finalmente Anistia internacional adotou Armando Valladares como "prisioneiro de consciéncia". Governantes, intelectuais e a imprensa de to das as partes do mundo ocidental exigiram sua liberdade. Em 1982 o Presi dente Francois Mitterrand, da Franga, conseguiu que o poeta fosse soltó. 201

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986 Já durante os anos de prisao A. Valladares comecou a escrever suas Memorias. Posto em liberdade, publicou a obra "Contra Toda Esperanza. 22 arios en el Gulag de las Américas", Editorial ínter Mundo S.A., Buenos Aires, Argentina, 160 x 230 mm, 412 pp.

O livro é altamente interessante porque revela realidades difícilmente imagináveis e que nao ficam atrás dos campos de concentracao nazistas e soviéticos. O mais desumano regime visava a dobrar os súditos nao confor mistas, levando-os até o limiar da morte, todavía sem permitir que morressem. As Memorias de Valladares seráo publicadas em tradupao brasileira nos próximos meses. Délas extrai'mos o capítulo XL, pp. 292-302, que nao é o mais aterrador de todo o livro, mas já diz muito do que é o regime marxistaem Cuba.

UMA PRISAO NAZISTA NO CARIBE1

De todas as prisoes e de todos os campos de concentracao de Cuba, a Penitenciaria de Boniato, na extremidade oriental da Una, é a mais repressiva. Talvez tenha havido urna época em que a/guns detentos ai experimentaran! condicoes normáis. Mas para

os prisioneiros políticos provenientes das provincias ocidentais e para lá transferidos pelo Governo, Boniato foi e é sempre esse inferno.

Boniato fica sendo o acampamento preferido pelos comunis tas cubanos quando querem realizar experiencias biológicas e

psíquicas sobre um grupo de prisioneiros ou simp/esmente quan do querem ocultar, espancar e torturar impunemente os seus detentos. Escondido no fundo de um vale, cercado de campos militares, afastado das aldeias e das estradas, Boniato é o lugar

ideal para esse tipo de experiencias. Ninguém consegue ouvir as

que/xas dos torturados nem as rajadas das metralhadoras. Os gritos derradeiros dos moribundos se perdem também eles na

solidao dessa serie de montes e colinas. E as familias das vi'timas estao longe, tao longe, a mil quilómetros de lá. E, quando após urna peregrinacao interminável e esgotante, um familiar chega

perto da Penitenciaria, onde sofre um dos seus, é para receber a

ordem de voltar ao lugar donde veio. O ocultamento secreto é

um dos objetivos que nenhuma outra prisao conseguiu atingir

com tanta perfeicao.

1 Este é o título do capítulo, devido ao autor. Os subtítulos sao do

tradutor.

202

"CONTRA TODA ESPERANZA"

Para nos, a viagem para Boniato foiapiorde todas. A capacidade dos vetolios carcerários era de vinte e dois prisioneiros, apertados ao máximo. Ora éramos vinte e seis quando nos vimos no interior do nosso carro, empurrados para dentro aos golpes de coronha de espingarda.

¿ramos quatro num dos cárceres sobre rodas previsto para

tres detentos sentados. Eu me coloquei, como pude, debaixo da banqueta de madeira, encurvado e esbarrando ñas pernas dos outros. Embora muito sacudido, adormecí até que um dos meus companheiros. Piloto, incomodado pelo cheiro de gasolina e afetado pelo enjoo da viagem, comecou a vomitar. O único recipien te que tfnhamos, era um pote déaluminio que eu Ihe dei.

Em Santa Clara, 300 km mais longe, distribuiram-nos, para urinarmos, urna lata de conserva vazia. De novo deitei-me de baixo da banqueta. Todas as vezes que o carro freava brusca mente ou sempre que passávamos por cima de um trilho, um tanto de urina pulava da lata e nos salpicava as pernas. Piloto continuava doente e nada tínhamos para aliviar as suas náuseas. Um dos nossos veículos sofreu um enguico ao chegarmos em Camagüey, com a conseqüéncia de que a viagem durou mais de vinte e cinco horas. Por fim, a-caravana estacionou diante da

entrada da prisao de Boniato. Quando o portao se abriu, tive o tempo de perceber um ¡menso cartaz onde se lia um letreiro

muito em voga na época: "Cuba, primeiro territorio livre da América!" A segunda parada, dessa vez definitiva, ocorreu no fundo da

prisSo. Fizeram-nos entao descer e levaram-nos ao pavilhSo n? 5. Diante da Seccao C, que era a do nosso destino, aproveitei o tumulto causado pelos prisioneiros e guardas para entregar a Enrique Diaz Correa, lá chegado antes de mim, um pequeño pacote, que eu havia escondido e que continha urna cañeta, urna minúscula fotografía de Marta,1 alguns pedacos de papel muito fino e um pequeño frasco de tinta fabricada na prisao. Se nSo tomasse tal providencia, eu teria perdido tudo quando, logo a seguir, me rebuscaran), pois fui despido e examinado a fundo até mesmo atrás da bolsa dos testículos.

Marta era a filha de um prisioneiro. amigo de Armando Valladares. Casou-se com o poeta. (N.d. T.}. 203

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

Cercaram-nos semblantes hostis e baionetas sem nos perder

de vista por um só instante. Mas a nossa chegada se desenrolou sem brutalidades. Naque/a noite foram-nos distribuidas, em latas vazias de conserva de carne russa, tres colheradas de macarrao férvido com um pouco de pSo. Era o dia 11 de fevereiro de 1970. Esta data é também aqueta em que comecamos a sofrer um plano de exterminio e de experimentacao biológica e psicológica, que é o mais brutal, o mais desapiedado e o mais desumano de todos os que o mundo ocidental conheceu depois dos crimes dos nazistas. Um sistema totalitario de crueldade mental, de furor e de torturas.

Boniato e as suas celas cercadas de muros ficario sendo para

sempre um testemunho atroz contra esse regime, a prova de que

Fidel Castro submeteu ao suplicio, condenou á loucura e as-

sassinou os seus presos políticos. Mesmo que se esquecessem todas as outras vio/acoes dos direitos humanos cometidas por Fidel

Castro, o que aconteceu em Boniato bastaría para tornar o regime castrista o mais cruel e o mais degradante de todos os que co nheceu o continente americano.

Passamos a noite encerrados em quarenta celas. Para ir á la-

trina, tfnhamos que chamar o guarda. Coisa curiosa: nao houve chamada de controle na tarde anterior. A minha cela tinha urna esteira de saco de ¡uta esburacada.

De manha os guardas irromperam no corredor herrando e

chamando-nos "filhos da puta". Eu sabia o que isso significava:

esse tipo de carrascos precisa sempre de se excitar para criar coragem; precisa de se embriagar, primeiro, com o barulho ensurdecedor das suas armas — barras de ferro ¡ntroduzidas num tubo de borracha (para nao ferir a pele), cafados, espiráis de fios eletrieos, correntes e baionetas — com as quais batiam nos muros e

ñas grades.

Sem justificativa nem mesmo pretexto, abriam metódica mente cela após cela, maltratando os ocupantes de cada urna. A primeira cela era a de Martín Pérez. Lembro-me disto por causa de sua voz grossa: senhor de si até o fim, ele continuou a maldi-

zer os comunistas sem fazer grosserias. Quis aproximar-me da grade para ver, mas um golpe de corrente me jogou para tras; o agressor faltou atingir-me no rosto, como ele evidentemente quería.

204

"CONTRA TODA ESPERANQA"

13

Eu os ouvi abrir as celas n? 3, 4 e 5. Á medida que se aproximavam, eu me sentía tomado de um temor interno que contraía todos os meus músculos e me dificultava a respiracao. O medo, a consciéncia de minha incapacidade e a cólera se mes-

clavam em mim, enquanto eu ia ouvindo cada vez mais distinta

mente o ruido dos golpes que eram desferidos sobre as.costas

nuas e os cránios dos meus companheiros, os arquejos de uma futa desesperada, mas rápida, a queda dos corpos no chao. Eu esperava a minha vez numa especie de alienacao de mim mesmo,

de aniquilamento, de destruicao do meu ser. Antes mesmo que os carrascos entrassem ñas nossas celas, atguns de meus compa

nheiros de desgraca nao conseguiam conter-se, tendo a resisten cia nervosa esgotada; punham-se a soltar gritos, cuja histeria aumentava ainda o horror daquele momento.

O primeiro guarda que abriu a grade do meu cárcere, estava

armado com uma baioneta. Atrás dele, outros tres bloqueavam

a entrada. Apenas tive o tempo de observar que um deles trazia

uma corrente ñas maos. Para poder levantar os bracos e espancar

meu companheiro e a mim, tiveram que nos empuñar para o

fundo da cela; apesar disto, estavam quase colados a nos, e, dada

a nossa resistencia tenaz, quase nao conseguiram manejar as suas baionetas e as suas correntes.

Fazi'amos tudo para nao nos separarmos, conscientes de que o perigo seria ainda maior. Infelizmente caí por térra. Um ponta-pé

em pleno rosto me abriu uma ferida profunda no la

bio inferior. Quando voltei a mim, meu rosto voltado para o chao jazia numa poca de sangue. Meu companheiro de cela tinha o nariz a sangrar e o punho fraturado. Houve diversos ferídos em grave estado. O sargento "Buena

Gente" tinha quebrado a maca do rosto de um dos irmaos Graino. 0 golpe fora tao violento que a vítima tinha cuspido varios de seus molares e o sangue derramado Ihe recobria uma face inteira do rosto. Pechuguita, um camponés de Pinar del Rio, precisou de doze pontos de sutura para fechar um ferimento no couro cabeludo.

Fomos todos espancados, sem excecao, metódicamente,

cela após cela.

205

[f

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS1' 288/1986 Pior a expectativa da tortura do que a tortura

Depois dos carrascos vieram oficiáis e um médico, que nos examinaran). Juntaran» todos os prisioneiros ferídos, e um enfermeiro, que empurrava urna carreta de medicamentos, costurou e enfaixou os ferimentos. A cada qual dos ferídos repetirán) iróni camente a mesma frase: "Nao vas dizer depois que te recusaram os cuidados médicos!" Quando voltamos para as nossas celas, julgamos que seria para aguardar urna próxima surra.

Meu corpo estava recoberto de placas azuis. Eu tinha o ros

to ¡nchado e a sangrar. Quase nao podia ficar em pé, tantas eram as dores que eu sentía por todo o corpo: mofdo de basto nadas, tinha a pele dilacerada em varías partes do corpo. Mas o que me tinha atetado mais do que os golpes, era a expectativa dos mesmos, da qual eu guardava urna lembranca mais atroz do que os meus próprios ferimentos. Tive mil vezes inveja dos pri

sioneiros da primeira cela: os carrascos entravam, espancavam, mas sem que os prisioneiros sofressem antes a tortura mental da espera, espera insuportável, capaz de me destruir os ñervos. Um dos detentas ferídos mais gravamen te após essa primeira onda de brutalidade era Odilo Alonso, um espanhol que emigrara para Cuba no fim da década de 50. Quando Castro confiscou a propríedade rural em que trabalhava, aconselharam-no a voltar para a Espanha. Ele o podia, mas respondeu que Cuba /he abrirá

os bracos como a um filho e que o seu deverera lutarpela líberdade do país. Ele tomou urna espingarda, e foi reunirse ñas montanhas de Escambray aos guerriiheiros que combatiam contra o comunismo. Feito prisioneiro, fora condenado a vinte anos de

reclusSo. Cristao idealista e generoso, recusava o plano de reabi-

litacao1. Até o último día guardou urna atitude intransigente

diante dos seus a/gozes.

Na noite seguinte, os nossos carrascos voltaram, e o pesadelo da manha recomecou: a lenta abertura das celas, urna após a outra, os golpes, e aínda mais gente ferida.

1 fíeabilitacaó política era o regime de "reeducacao " que os presos polí ticos cubanos podiam pedir quando renegavam os seus "erros"passados e prestavam ato de submíssao ao castro-comunismo. Os "reabilitados" traziam uniforme azul, como os presos comuns. (Nota do tradutor). 206

"CONTRA TODA ESPERAN CA"

Conseguimos, mediante gritos, comunicar-nos com as outras seccoes do edificio: assim dissemos uns aos outros os nomes dos ferídos mais graves.

Na manha seguinte, Odilo Alonso tinha a cabeca monstruo

samente inchada. Eu nunca vira urna tal inflamacao. O inchaco atingirá o cranio inteiro, para tras das orelhas; dir-se-ia que trazia urna peruca.

Após tres días de violencias á manha e á noite, alguns dentre nos jé nao conseguiam ficar em pé. Martín Pérez e de Vera

urinavam sangue; outros jé quase nao podiam abrir os olhos tesa dos e quase colados por causa dos golpes. Isto, porém, nao im-

portava aos nossos torturadores: nenhum de nos, mesmo em tais condicoes, escapava aos golpes.. .

O sargento Buena Gente, cujo verdadeiro nome era Ismael,

pertencia ao Partido Comunista. Tinha um bigode pendente a moda de Pancho Villa. Quando os guardas se lancavam aoassalto para nos espancar, ele nao deixava de aclamar o comunismo.

"Viva o comunismo!" era, para ele, urna especie de grito de guer

ra. Pedia aos outros que Ihe deixassem os ferídos para que pudesse baté-los por cima das bandagens: "Assim, explicava ele, nao

poderao provar que foram espancados duas vezesl"

Outro sargento batía também nos ferídos, mas dizendo o

contrario: "Assim hao de te costurar duas vezes!"

Em conseqüéncia dos golpes que Ihe haviam dado na cabeca,

o estado de Odilo se agravou. De suas orelhas comecou a sairpú's

misturado com sangue, e o seu semblante também ficou inchado.

Quando finalmente viram que ele já nao conseguía ficar em pé,

transportaram-no para o hospital.

Nem aos ferídos mais graves se dava ao menos urna aspirina. Nossa seccao era um recinto fechado, do qual nSo safa prisioneiro

atgum a menos que estivesse em perigo de morte. E/es nao tínham em absoluto a intencao de nos matar rápidamente; seria generoso demais da parte dos nossos carrascos.

Sadismo científico para dobrar os prisioneiros

Eles tinham sempre o mesmo objetivo: torturar-nos e incutir-nos um tal terror que acabaríamos aceitando o seu plano de reabilitacao política. Para atingir a sua finalidade, planejaram fríamente urna lenta e inexorável desintegracao: levar-nos-iam ao 207

16

'gERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

limiar da morte e ai nos manteríam, sem permitir que o atravessássemos. Todo estava preparado com sadismo meticuloso, a tal ponto que, quando partimos de Havana, fomos vacinados contra o tétano. Doravante poderiam ferir-nos a golpes de baioneta ou de machado, poderiam dilacerar-nos o coro cabeludo com suas

correntes, se'm que contraissemos essa molestia.

Nossa atitude coletiva foi analisada na revista Moneada,

órgao oficial do Ministerio do Interior. Foi Medardo Lemus mesmo

o responsável pelas Penitenciarias e Prísoes, quem escreveu

ess'e artigo. Confessava que a nossa resistencia atrasava os planos

do Governo, Que Quería aplicar a todos os deten tos os métodos

da reabilitac'ao política, e que essa atitude de revoita e indisci

plina diante das normas penitenciarías era um mau exemplo para os outros encarcerados. Era preciso, portanto, que nos isolassem do resto da populacao carcerária. Certamente nosso comportamentó se tornara um desafio a todos os métodos soviéticos des tinados a quebrar a forca moral dos prisioneros. Muitos foram os que nao puderam resistir aos assa/tos, duas vezes por día, dos nossos carrascos, ao terror, as torturas psíqui

cas Acabaraffl por se vestir como os outros. Essas desercoes eram dolorosas para nos, como se nos arrancassem um pedaco de nos mesmos. Eu me sentía diminuido cada vez que um dos nossos desertava. Anos de terror, de privacoes e o mesmo sonho de liberdade nos tinham tanto unido!

Como é difícil medir a capacidade de resistencia de um ser humano! Os mesmos homens que haviam desferido o golpe de fogo contra a ditadura casuista ñas montanhas da guerrilha ou ñas cidades . ■ Que tinham cumprido missoes perígosas saindo de

Cuba e a¡"'entrando clandestinamenter .. que tinham multipli

cado as pravas do seu valor e do seu heroísmo, foram incapazes, urna vez desarmados, de resistir por muito tempo ao terror, ao ocultamento, 3 urna reclusao solitaria. Cederam. Mas afina! de

contas foi m'elhor para nos: nosso núcleo se consolidou por oca-

siao de cada defeccao. De dia para dia, nosso corpo emagrecia, nossas torcas diminuíam nossas pernas já nao nos sustentavam, mas um cimento interior se consol¡dava em cada um de nos, e sentíamos urna forca indestnttível a levantarse dos recantos mais profundos do

nosso cerebro e da nossa alma. Cada golpe de baioneta, cada vexame, cada ignominia, cada chaga só fazia fortalecer a nossa fé. 208

"CONTRA TODA ESPERABA"

17

Nos cárceres da Direcao da Penitenciaria, que haviam sido preparados debaixo das escadas, os prisioneiros políticos resistiram durante quase um ano. Esses ¡ovens haviam regressado clan destinamente ao nosso país, desembarcando no litoral da provin cia do Oriente.

Um oficial da Policía Política, que chamavam "El Pinto", fora amigo de um dos prisioneiros. Vafeu-se dessa amizade para engañar a todos, dando-lhes a crer que os ajudaría a fúgir. Ape nas um dos detentos desconfiou da armad'i/ha e nao caiu nela. O oficial forneceu-lhes todo o material necessário para abrirem seus cárceres. Urna vez fora, nao chegaram nem mesmo ao primeiro portao de seguranca: os guardas os esperavam atrás do pequeño

hospital. De urna só vez todos os projetores se acenderam, e rajadas de metralhadoras abateram tres deles. O quarto, que caminhava um pouco afastado numa faixa de sombra, pode es conderse atrás de um monte de areia, declarando em alta voz que se entregava. Os guardas Ihe responderam que se aproximasse com as maos cruzadas por cima da cabeca. Quando chegou na

faixa iluminada, os guardas abriram o fogo das suas metralhado ras. Assim foram assassinados aos 19 de marco de 1971 Armando Rodríguez, Raúl Valmaseda, Mario Fernández e Rafael Pena. Torturados a ponta-pés porque rezavam

Todos os días, ao cair da tarde, a voz reboante de Gerardo, o pregador protestante que nos chamávamos "o Pregador da Fé",

fazia-se ouvir nos corredores da nossa prisao, chamando-nos to

dos a oracao: "Levanta-te, filho de leao, levanta-te e caminha, pois o Senhor te espera!" E todos aqueles que o podiam, respondiam ao seu apelo sempre igual.

Sem resultado, a direcao comunista tentou proibir toda prática religiosa. Interrompiam nossas oracoes; mandavam que

nos calássemos, e nossa resistencia era a ocasiao de urna racao

suplementar de golpes.

Da primeira vez, estávamos a celebrar o culto quando os guardas entraram em cada cela e nos espancaram a ponto que jul-

gávamos estar para morrer. Mas apenas haviam os guardas saído

de um cárcere, os prisioneiros espancados recomecavam a cantar com os demais. Era urna cena impressionante. Os guardas se moviam e distribuían) seus golpes, encarnando urna realidade que 209

_[8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

contrastava com a nossa, prísioneiros que rezávamos e cantávamos. Vi na cela de frente os algozes tratar aos ponta-pés dois prísioneiros caídos por térra. Mal, porém, haviam sai'do e as vftimas recomecaram a dar gloria a Deus, enquanto aqueles que canta-

vam na cela vizinha se calavam sob os golpes durante alguns instantes para, logo depois da saída dos carrascos, se associarem ao louvor do Senhor proferido por todos os colegas. E, por cima de todo esse tumulto, a voz do Irmao da Fé entoava: "Gloria, Gloria, Aleluia!" Certa noite, outro pregador protestante, o irmao Rivero lia urna pequeña Biblia introduzida clandestinamente apesar da vigi lancia dos guardas. Absorvido em sua leitura, deixou-se pegar em flagrante. Ora a descoberta de um depósito de armas nao teña perturbado os comunistas mais do que esse livrinho! Cinco minu tos mais tarde, o diretor da Prisao, o Chefe de Policía Política e um grupo de oficiáis estavam aglomerados diante da cela de Rivero, um negro velho, que era todo bondade, carinho e docura conosco, mas rebelde e azedo para com os inimigos. Entraram, espancaram-no com um sabré de cava/aria. Por todo o corredor,

chegava até nos o ruido da pesada lámina de acó que se pro/etava sobre as costas desnudas e veneráveis do irmao Rivero. Nao sei mais quantos golpes Ihes ap/icaram para puni-lo do seu crime:

talvez quinze, vinte ou quicá mais, nao sei... Chetos de odio e

raiva, picaram diante dele a Biblia em pedacinhos antes de ir embora, deixando o anciao com o dorso em carne viva. A minha cela dava para a padaria, de tal modo que pude fa-

zer contato com um prísioneiro que trabalhava no forno. Nao

dispondo de outro papel, tive a idéia de utilizar o dos meus cigar ros. Escrevi um bilhetinho para Marta e escondí-o dentro do mió lo que tirei de um pedaco de pao. Para melhor dissimulá-lo, fiz com isso urna bolinha. Depois, com muita cautela, aproveitei o momento em que o preso estava sobre a rampa da padaria e os

arredores estavam vazios, e lancei a bolinha por entre as grades. Ela rolou pelo chao até chegar quase aos pés do colega. Este nao se abaixou para recolhé-la, mas pegou-a com os dedos dos pés e colocou-a dentro do sapato. Na semana seguinte, o bilhete saiu

escondido dentro da dentadura postica do meu amigo. Chegou as-

sim ató Marta, que conseguiu fazé-lo sair do país a fim de atestar a maneira como eram tratados os prisioneros.

210

"CONTRA TODA ESPERANgA"

19

Túmulos para encerrar esses mortos vivos

No pavilhao n? 4 estavam reformando as celas e as convertiam nos cárceres mais desumanos e repressivos que ¡amáis existiram, com excecao das "celas-gavetas" dos campos de concentra-

ció Tres Macfos e San Ramón.

Día após día víamos horrorizados o avanco da construcSo. Evitávamos talar do assunto entre nos. Apenas a contempláva-

mos com angustia crescente, sem comentario a/gum.

No dia 6 de Janeiro deixamos o pavilhSo n? 5 e passamos

para as celas muradas, nossos túmulos. Era um sinistro presente

de festa dos neis, dia de alegría que as enancas de Cuba ¡é nao celebram porque foi supresso pelos comunistas. A nossa novaprísSo parecia-se com urna cripta com vinte nichos de cada lado. Todo o Estado-Maior da Penitenciaría assistiu ao desfile de nossos corpas famélicos, com os ossos á flor da pele. A/guns arrastavam as pernas. outros só podiam caminhar com ajuda. Aqueles que empurravam as cadeiras de rodas dos inválidos, por sua vez.

apoiavam-se nelas. Jé éramos ruinas humanas..., mas o pior aínda nao tinha comepado. Creip, porém, que havia em todos

os nossos olhos urna vida incrivelmente pu/ante, urna chama, um anseio, urna decisao ¡nabalável: a de nSo nos dobrarmos. Extenórmente esses olhos eram o único elemento que aínda conser-

vávamos vivo. Mas por dentro levávamos um mundo de sois e estrelas, de luzes, de cores, e a vítalidade espiritual que os nossos

carcereiros nao nos tinham podido arrancar.

Nossas celas-túmulos tinham tOpés (3 metros) de comprímento e 4,5 pés (1,35 mi de largura. Num canto, um buraco

fazia as vezes de latrina; em cima dele, quase pegado ao teto, um tubo recurvado fazia as vezes de chuveiro. De fora, o guarda de servico, posto na sua guarida, dispunha das duas chaves necesserías para abrir ou fechar, a seu arbitrio, o fornecimento de agua de um e de outro lado do corredor.

Guando os militares acabaram de fabricar as celas muradas do cárcere de Boniato, quiseram estudar os efeitos dos mesmos sobre delinqüentes comuns. E puseram ali os mais "ferozes", que já tinham passado anos em rec/usao. Esses criminosos, querendo sair de lá, cortaram as veías de seuspunhos, engo/iram pre-

gos, pedacos de colher, pequeñas láminas; a ficar lá, preferíam 211

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

que Ihes fosse aberto o ventre. Aquele que mais tempo agüentou, nao resistiu mais do que tres meses. Esses "túmulos" foram construidos especialmente para nos, presos políticos cubanos. Após os fracassos anteriores, as autori dades confiavam na eficacia dos mesmos para atingir os seus obje tivos. Segundo os seus construtores, essas celas muradas deviam produzir aquilo que nao tinham conseguido os trabalhos foreados na Una de Pinos, com seus pantanos, suas pedreiras, suas semeaduras, suas torturas, suas mutilacoes e seus assassinatos. Agora, ao escrever estas Memorias, nao posso deixar de pen sar ñas centenas de homens que foram meus companheiros e que aínda se acham nesse inferno, em condicoes aínda piores. Há dois anos, para isolá-los aínda mais, a administracao penitenciaría teve a idéia de levantar de cada lado desse pavilhao um e/evado muro, mais alto do que o próprio edificio; a seguir, cotocaram urna rede de árame ¡untando um muro ao outro, de modo que todo o pavilhao ficou dentro de urna jaula. Os corredores eram vigiados por circuitos fechados de televisao. Os dirigentes das prísoes cubanas podiam estar satisfeitos. Todos os diretores dos campos de concentracao e das Peniten ciarias da provincia compareceram para nos ver inaugurar essa obra-prima. Contentes consigo mesmos, riram com a ufanía de

filántropos e homens de bem que se congratulassem por ter cons truido um hospital ou urna escola. Havia ironía e escarnio no tom das vozes que nos chegavam, como se de antemao estívessem sa

boreando o triunfo que esperavam. Finalmente tornara-se urna realidade a idéia dos cárceres-túmulos! Para tanto, os constru tores haviam aproveitado toda a experiencia acumulada pelos

soviéticos, os tchecos, os húngaros e os comunistas alemaes em materia de torturas e de aniqu¡/amento da pessoa humana. Tudo o que havia de mais eficiente nos aparelhos repressivos da Europa Oriental, estava conjugado naquela obra. Médicos epsicólogos de países comunistas, inclusive de Cuba, prestaram sua contribu¡cao científica ao preparo de regimes alimentares, ao cálculo de calo rías, a producao de situacoes desestabilizantes, a provocacao das doencas de carencia mais penosas.. .

Quando estávamos para entrar ñas celas, a/guns oficiáis nao nos ocultaram que os mais duros dos prisioneiros comuns nao haviam podido resistir a reclusao nesses túmulos; por conseguin212

"CONTRA TODA ESPERANZA"

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te, antes de seis meses nos estaríamos pedindo perdió de ¡oeIhos... Depois empurraram-nos para dentro dos cárceres. O ruido dos cadeados e dos ferrolhos foi sufocado pelo barulho

ensurdecedor das pesadas portas de ferro que se fecharam atrás de nos, sem que soubéssemos por quanto tempo. Alguns dentre nos nao sairiam vivos dali.

Mergulhados nos excrementos e privados de agua

De manha o sol aquecia ao máximo a placa de ferro que tapava a minha janela, voltada para Leste. A cela tornava-se entao urna especie de forno onde eu me derretía em suor. Essa transpíracio, acompanhada da emulsao gordurosa dos nossos po

ros, enchia com o seu odor fétido (semelhante ao de peixe po dre) aquele espaco fechado e a escuridao perpetua na qual viviam doís homens.

De tarde, á medida que o sol avancava, eram as placas da frente que exalavam um calor de estufa. Passamos semanas inteiras sem nos lavar. Os carcereiros, sentados em suas guaridas, abriam os condutores de agua a seu bel-prazer ou por ordem superior. Faziam-no sem se perturbar, a qualquer hora sentados a sua mesinha, movendo as duas torneiras de comando. No verao esperavam que as placas de ferro estivessem candentes. No invernó, abriamñas de madrugada fría. Do corredor, anunciavam-nos, aos gritos, que tinhamos cinco minutos para nos lavar. Quando calculavam

que tfnhamos o corpo coberto de sabio, fechavam as torneiras.. Diante do clamor de indignacao que se erguía, iam-se tranquila

mente para a cozinha a fim de tagarelar com os guardas do outro

pavilhao. 0 sabio secava sobre o nosso corpo, formando urna especie de carnada pastosa que distendía a nossa pele e lambuzava os nossos pelos e os nossos cábelos. Com os ñervos a flor da pele, nos nio cessávamos de reclamar agua aps gritos — o que era urna tortura a mais. Naquele inferno, tudo estava previsto para solapar aos poucos o nosso equilibrio mental, a fim de realizarmos o

objetivo final dos nossos carcereiros.

Era-nos proibido ter um recipiente qualquer para fazerprovisao de agua; só nos era deixada urna lata de um quarto de litro. Poucos días após a nossa chegada, o buraco-latrina da nossa prisao se entupiu; ao redor deste, havia urna pequeña cavídade de ci213

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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

mentó, que logo ficou cheia de urina, de excrementos e de um liquido pestilento. Esse líquido, em que flutuavam excrementos, transbordou, recobrindo aos poucos o chao da cela. Pepino e eu fizemos o impossível para desentupir o buraco. Meternos nele o braco tao profundamente quanto possível, como também as coIheres. Tudo era inútil. Os nossos esforcos nao deram resultado. Quando os guardas abriam as torneiras, tinhamos que ficar em pé debaixo do tubo de agua, em cima daquele buraco onde ¡á havia vermes. A agua caía diretamente no centro daquela poca infec cionada, salpicando a nos e as paredes. A partir daquela ocasiSo

vivemos numa la trina, cujo mau cheiro insuportável aderia as nossas narinas. Era como se tivéssemos constantemente um tam-

pao de excrementos dentro do nariz.

Para comer, segurávamos a lata na palma da mao, como se faz sempre em casos semelhantes; faz ¡'amos tudo para nao tocar os alimentos com nossos dedos e assim evitar qualquer doenca contagiosa. Também nao usávamos a colher, mas derramávamos, bem ou mal, o alimento diretamente dentro da boca como se

fosse um líquido. 0 cardápio era sempre o mesmo: macarrSo fér

vido, a/etria, pao,... pSo, aletria, macarrSo férvido.

Numa noite vieram buscar quatro dos nossos, que e/es colocaram em outras celas, e outros prisioneiros ocuparam os

cárceres vazios. Quando o baruiho dos ferrolhos e dos cadeados cessou e os guardas se retiraram, tentamos comunicar-nos com esses detentos para sabermos quem eram. Mas em v§o chamaram-nos os colegas das celas vizinhas; nao responderam. Insisti mos em inglés e francés, /'ulgando que talvez fossem estrangeiros. Nada. Silencio permanente. En tao adormecemos. No dia seguíate haverfamos de tentar mais urna vez fazer contato com os recém-

chegados. Talvez tivessem medo por serem prisioneiros novos.

Um grito horrível acordou-nos em sobressalto. 0 eco repercutiu longamente nos corredores, onde o mínimo baruiho se

prolongava indefinidamente. E logo ouvimos, estupefatos, urna

explosao de gargalhadas, gritos e frases incoerentes... Haviam colocado dois loucos naque/as celas. Com a chegada desses infelizes, haviamos de ser acordados bruscamente em mu¡tas outras madrugadas. Eram dois prisioneiros comuns, perdidos

irremediavelmente ñas trevas de um espirito que nao resistirá ao encarceramento. A chegada desses pobres loucos fazia parte do 214

"CONTRA TODA ESPERANZA"

23

plano dos nossos carrascos: queriam a todo prego desintegrar-nos.

Desde entao passamos noites inteiras sem poder fechar o olho. Esses gritos e gañidos eram desconcertantes. Dormiam durante o dia, como mu¡tos dementes, para moverse e pór-se a berrar de noite, como animáis, sem nos deixar dormir...

Resistencia que impressiona os carrascos Passaram-se meses.

Um dia, foi visitar-nos um capitao da Policía Política. Esses "especialistas" nao compreendiam a nossa resistencia, que osdeixava estupefatos. Vinha para pressionar-nos urna vez mais.

Nossos guardas nos tinham feito sair das celas para proceder a urna vistoria. Estávamos ñus, com as costas coladas á parede

perto da nossa porta, quando ele entrou. Seu semblante era inex-

pressivo; ele nao caminhava normalmente, mas marchava como se estivesse fazendo exercícios de infantaria. Deteve-se no meio do pavilhao, com as mSos ñas costas, para comunicar-nos que a re volucao, irritada por nossa atitude, nao a podía mais suportar e que, se nao mudássemos de comportamento, seriam toreados a tomar contra nos medidas enérgicas.

Prosseguiu, dizendo que a revolucao nos oferecera um meio de sair do cárcere, sem odio e sem espirito de vinganca. Mas nSo tfnhamos aceito. Se nos teimássemos, o alto comando do Minis terio do Interior já tinha disposicoes e planos que seriam executa-

dos. Até entao, eles se haviam mostrado extremamente tolerantes para conosco, mas nos tudo tfnhamos feito para esgotar a sua pa ciencia:

"A revolucao nao quer despejar em cima de voces todo o seu rigor,^ mas, se voces a obrigarem, nunca mais tomarao a ser gente. Nao vamos matá-los, mas taremos de cada um de voces um farrapo!"

E acrescentou ao sair:

"Nao o esquecam!" As suas pa/avras haviam de ser mais do que simples ameacas.

215

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

O capítulo transcrito dispensa qualquer comentario. Apenas Ihe acrescentamos o final do livro em foco, onde se lé a seguínte declaracao de Fidel Castro, feita a jornalistas franceses e norte americanos no Palacio da Revolucao em La Habana aos 28/07/83. Foram publicadas no jornal Granma, edicao de 10/08/83. Transcrevemo-las no seu teor original:

"Desde nuestro punto de vista, nosostros no tenemos ningún

problema de derechos humanos: aquí no hay desaparecidos, aquí no hay torturados, aquí no hay asesinados. En veintecinco años de revolución, a pesar de las dificultades e los peligros por

que hemos atravesado, jamás se ha cometido una tortura, jamás

se ha cometido un crimen".

Alias, é notorio que, para o marxismo, o fim justifica os meios - o que quer dizer que a revolucao justifica a mentira e a

hipocrisia.

NOVIDADE!

Além dos Cursos de Iniciacáo Bíblica e de Iniciacáb Teológica a Esco la "Mater Ecclesiae" oferece. a partir de marco 1986, também um Curso

de Teología Moral por Correspondencia (em 28 módulos).

As inscricóes podem ser feitas em qualquer época do ano. A duracáo

do Curso está a criterio do aluno. Quem se matricular, receberá as primeiras licoes em casa; após estudar, responderá ás perguntas respectivas- mandará

sua prova para a sede da Escola, que Ihe devolverá o trabalho corrigido jun tamente cotn novas licoes. Taxa de inscricáo e 1°.s módulos: Cz$ 10,00.

Inscricoes e pedidos de informacoes sejam dirigidos á Escola "Mater

Ecclesiae", Rúa Benjamin Constant 23, 3? andar, 20241 Rio (RJ).

Sao Pedro nos diz que todo cristao deve estar sempre pronto para res ponder a quem Ihe pega razoes de sua esperanca (1Pd 3,15). Amigo aprovei-

te a oportunidade de melhor conhecer sua fé e os porqués do seu modo de

vi ver cristao!

216

"Ensaio sobre a Teología da Libertagao":

"Da Teología ao Homem" por P. — E. Charbonneau

Em síntese: O livro de Charbonneau elogia a Teología da Libertadlo

(TL) como Grapa de Deus, de valor perene. Todavía nao expoe com clare za que tipo de Teología da Libertadlo é assim elogiado; ás pp. 155-158 o autor sintetiza o seu conceito de TL em oito itens, que incluem a Doutrina Social da Igreja; quem lé tais páginas, diria que o autor em seu livro tenciona

enaltecer a ética Crista Social. Todavía á p. 294 Charbonneau afirma que a TL deve adotar elementos do marxismo sem se tornar marxista. Ora a Doutri na Social da Igreja nao se coaduna com o marxismo, nem reconhece como válida a análise marxista da sociedade que Charbonneau quer assumir. Daí a

ambigüidade central do livro. Outras muitas ambigüidades ou mesmo falhas de conteúdo podem ser apontadas nessa obra: a identificacáo da Teología clássica, académica, com o Nominalismo; a aversao ao arístotelismo, que te-

ria provocado a "aristotelizacao do.Cristianismo até hoje vigente" (I); a apresentacáo da TL (impregnada de marxismo) como algo de tradicional, arraigado ñas Escrituras e na Tradicao e fadado a afastarda América Latina o marxismo.

é de notar que o ¡nteresse pelos pobres nao é privilegio da TL hoje em dia discutida; a Igreja sempre o teve e praticou; a novidade da TL nao está na proposta de justica e amor aos pobres (que ela nao poderá cumprir se estiver aliada ao marxismo), mas, sim, no fato de que utiliza o marxismo para tentar reformular a sociedade. — O livro, prolixo e irónico, se desdassifica tanto por seu estilo como por seu conteúdo.

0 Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, desta vez, entrega ao públi co um livro sobre Teología da Libertagao (TL)1 ... Exalta a esta

1 Charbonneau. Da Teología ao Homem. Ensaio sobre a Teología da Líbertagao. - Ed. Loyola, Sao Paulo, 1985, 210 x 140 mm, 311 pp. 217

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

qual Grapa de Deus ' (alias, o autor exaltou também o filme "Je vous salue, Marie" como Grapa de Deus; cf. "Folha de Sao Pau

lo, 26/01/86, p. 94). Seria a mais genuína expressao da mensa-

gem bíblica e da Tradicao crista (cf. p. 86); seria "teología pere ne, que nao passará como o Oeus que ela prega" (p. 115). "Inevitavelmente toma emprestados alguns dos instrumentos de análise oferecidos pela marxismo, pois ninguém melhor que Marx conseguiu explicar certos fenómenos que caracterizam a sociedade in

dustrial" (cf. p. 294)1; todavia, segundo o mesmo Charbonneau,

a Teología da Libertacao nao deve adotar a filosofía marxista

nem pactuar com o marxismo (p. 278); ela sería até "o único

obstáculo que se levanta entre o marxismo e a América Latina; é cegó quem nao vé ¡sto, e infeliz quem nao o compreender" (p. 154).

A TL opor-se-ia assim á Teología académica ou á Teología

escolástica e neo-escolástica, que Charbonneau castiga com seve ros adjetivos. Em compensacao propoe como mestres os teólogos da libertacao, entre os quais Gustavo Gutiérrez, freqüentemente citado, Juan Luís Segundo, Leonardo Boff... Frente ao magisterio da Igreja, que já se pronunciou sobre a

TL3, Charbonneau toma posícao Hvre. Afirma, sim, que o magis terio simplesmente ordinario (isto é, os pronunciamentos do Pa pa ou dos Bíspos que nao sejam definícoesde fé e de Moral) me

rece respeito e consideracáo prudente, mas nao é infalível ; portanto "no caso do Magisterio simplesmente ordinario, a crítica é

o crisol em que se tempera a fé. Esta é a razao pela qual nao há que ter medo. Contestar certas consideracoes veiculadas por do-

1 "Deus no-la deu; ela nao é outra coisa senao a expressSo da sua Graca.

Longe de escandalizar-nos, desertamos todos rejubilar com o fato de

urna teología rao renovada nos tenido dada no momento propicio" (p. 117). "Era preciso que surgisse urna Teología da LíbertacSo. Ela foi provo cada pela Graca de Deus" (p. 126).

2 Charbonneau parece esquecer que na sua obra "Marxismo e Socialis mo Real" ele mesmo criticou severamente os principios "científicos" do

marxismo: formulados em meados do sáculo passado, estariam ultrapassados em nossos dias. Cf. PR 239/185, pp. 101-122.

3

Cf. PR 277/1984, pp. 457-470. 218

."DA TEOLOGÍA AO HOMEM"

27

cumentos emanados de Roma será, portanto, legítimo, sadio,

ortodoxo. Os que se escandalizarem com isso, demonstram igno rar as regras da interpretacao teológica" (p. 39). Por conseguinte, Charbonneau se faz de juiz do magisterio ordinario da lgr.eja,

definindo o que haja de certo e de errado nos pronunciamentos deste.

Em síntese, eis o conteúdo do livro, escrito em estilo prolixo e repetitivo, em tom nao raro irónico e caricatural, cheio de adjetivos e de sentencas "magistrais", que dáo orientapoes tanto ao magisterio da Igreja quanto aos teólogos da libertacao e aos seus adversarios. Procuremos refletir sobre os principáis tópicos dessa obra.

REFLETINDO... 1. A TL que o livro exalta

Como se sabe, a expressao "Teología da Libertacao" recobre

um leque de comentes teológicas*, inclusive o pensamento paulino, que fala da nossa Reden cao e da liberdade dos filhos de Deus frente ao pecado e á Lei de Moisés; cf. 1 Cor 6,20; 7,23; Gl 5,1. Charbonneau, desde o cap. I do livro, menciona a TL (cf. p. 22), mas nao explica o que entende por esta designacao. Só as pp. 155-157 expoe o "seu" significado de TL: refere entao oito itens que compendiam tal significado. Ora quem os lé, tem a ¡mpres-

sao de que a TL apregoada por Charbonneau nao é senao a Doutrina Social da Igreja, que Charbonneau explícitamente abraca no item 8: "A TL endossa tudo o que o Concilio apresenta como sendo a Doutrina Social da Igreja, que nos oferece as pistas pelas quais podemos escapar á ¡njustica" (p. 157). Os outros itens sao todos

inspirados

em

documentos

de

Paulo

VI ("Evangelii

Nuntiandi") e Joao Paulo II, e nao em obras de Gutiérrez, Segun do, Sobrino, Boff... Se tal é a proposta de Charbonneau, nao a deveria chamar "Teología da Libertacao" (pois este vocábulo é ambiguo) e, sim, "Doutrina Social da Igreja"; esta, com efeito, merece os encomios que Charbonneau tece á sua proposta. 219

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

Infelizmente, porém, o autor entra em contradicao consigo mesmo, pois á p. 294 afirma que sua Teología da Libertacao deve adotar elementos do marxismo sem se tornar marxista. Ora

esta tese contradiz frontalmente á Doutrina Social da Igreja1. O autor parece querer guardar urna "certa" fidelidade á Igreja, mas sem desagradar (ao contrario, favorecendo) aos teólogos da libertacao extremados. 2. O conceito de Teología

Como diz a etimología da palavra, teología é o discurso (lógos) a respeito de Deus (Theós). Por conseguinte, ela supoe a fé em Deus e na sua Palavra e procura aprofundar tudo que esta nos diz a respeito de Deus e do seu plano de salvacao. Tudo na Teología é considerado sob a luz de Deus, inclusive o próprio homem e a historia. Do aprofundamentó teológico segue-se a

Etica ou a Moral Teológica; esta considera diretamente nao Deus, mas o ethos ou os mores do homem, propondo normas para que

o comportamento do individuo e da sociedade mais e mais se conforme ao modelo do Reino de Deus. A Moral teológica nao anula nem dispensa a chamada Teología Sistemática, isto é, a re-

flexao sobre Deus em si (seus predicados, sua vida trinitaria), a criacao, a Encamacao do Filho, a graca divina, a consumacao da

1 Alias, nao é esta a única contradicao em que incorre Charbonneau: depois de haver combatido a filosofía grega e o uso da mesma (especialmen

te de Aristóteles) por parte dos teólogos medievais, inclusive S. Tomás, o autor diz em seguida: "Com Santo Tomás a teología atingiu um climax. A Suma Teológica é certamente insubstitufvel" (pp. 77s). Perguntamos: se é certamente ¡nsubstituível, por que Ihe substituir a Teología da Libertacao,

que adota premlssas marxistas? Ademáis a Suma Teológica de S. Tomás serve-se da filosofía aristotélica.

Á p. 138 diz o autor que a TL é "teología inédita", ao passo que á

p. 75 afirma: "A Teología da Libertario nao faz senáo exprimir em linguagem acessfvel ao homem contemporáneo o que sempre foi ensinamento da Igreja".

Oremos que, se Charbonneau tivesse escrito menos ou menos prolixamente, teña evitado as contradicoes em que incorre. 220

"DA TEOLOGÍA AO HOMEM"

29

historia. Ao contrario, a Moral teológica so pode ser elaborada

como decorréncia da Teologia Sistemática (que é a teologia propriamentedita).

Ora, quando Charbonneau se refere á Teologia da Libertapao, parece ter em vista tao somente a Ética crista: é o que se depreende dos oito itens expostos as pp. 155-157. A teologia, no caso, já nao estudaria Deus e a riqueza de sua vida nem a criacio nem o misterio da Encarnacao..., mas se voltaria para o homem e a sua libertacao integral. Alias, é ¡sto também que insinúa o estranho título do livro: "Da Teologia ao Homem"; significa que passamos do discurso sobre Deus, considerado academicista, inexpressivo, ultrapassado, para o discurso sobre o homem? Também chama estranhamente a atencao a concatenacao de conceitos proposta por Charboneau: a TL se interessa pela realidade, nao por abstracoes (pp. 51, 56, 57, 69...). Opoe-se assim

á Teologia académica, que versa sobre abstracóes e irrealidades (pp. 44, 49...) e que recorre ao instrumental da filosofia, especial mente da Filosofia grega (que Charbonneau impugna duramente,

pp. 43s). Por sua vez, a Teologia académica é, muito erróneamen

te, identificada com o Nominalismo (pp. 45-49)'; é tida qual

Trigonometría matemática abstráta (p. 47) - o que só se pode entender como decorréncia do espirito preconcebido caricatural e sarcástico, a que Charbonneau cede em seu escrito. — Ora o autor do livro assim generaliza e simplifica ou porque carece de acume filosófico ou porque está obcecado por seu espirito crí tico preconcebido. Com efeito.

1 O Nominalismo é urna escola de Filosofía da Idade Media. Afirmava que os conceitos universais (justica, fortaleza, beleza, flor, péssaro, ho

mem..J sao meros sopros de voz ou meros nomes, sem base na realidade concreta. Tal corrente ficou sendo lateral dentro da Filosofia medieval; os

grandes mestres da época condenaram o Nominalismo, afirmando que os universais nao sao meros produtos da mente, mas tém seu fundamento na realidade concreta, donde sao abstraídos pelo raciocinio: quando vejo urna crianca, um velho, um gordo e um magro, um branco e um preto, digo que todos sao seres humanos; abstraio da realidade concreta de cada um a

sua esséncia perene e universal (sao viventes racionáis), que me permite dife renciar da pedra ou da planta o ser humano. 221

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

1) Nao se diga que a TL é que recupera o homem e a reali-

dade concreta, ao passo que estes tinham sido esquecidos pelos teólogos anteriores. A Teologia anterior á da Libertacao (que comeca na década de 1960) tinha profunda consciéncia do plano de Deus neste mundo; cultivava sua antropología teológica e sua soteriologia... Ela nao versava sobre abstracoes e irrealidades, a menos que se diga que Deus e a sua •mensagem sao irrealidades.

2) A Teologia académica, isto é, a que estuda Deus como tal e sua Palavra, está longe de ser Nominalismo; está longe de "preparar o triunfo das palavras sobre Deus ou um diluvio ver bal teológico no qual se afogara a verdadeira face de Deus"

(p. 46). Se houve teólogos nominalistas no fim da Idade Media e posteriormente, estes nao representam a teologia clássica, muito menos a teologia tomista (recomendada mais urna vez por Lelo XIII, pelo Concilio do Vaticano II e pelo novo Códi

go de Direito Canónico, can 252, § 3). O estudo da verdade

como tal, sem preocupacóes utilitarias, é ¡menso valor; nem se diga que a verdade é irrealidade - o que seria contraditório. Está claro que a verdade é inseparável do bem, de modo que, por si mesma, ela há de inspirar urna Etica altamente constru-

tiva, á qual se refere Sao Paulo em Ef 4,15: "seguir a verdade em amor."

Quanto á utilizacao da Filosofía na elaboracao do discur so teológico, nao há por que a condenar (como faz Charbonneau). A própria Teologia da Libertagao extremada, rejeitando a Filo

sofía clássica, adota a Filosofía de Marx, segundo a qual a praxis é anterior ao lógos e produz o lógos (ou o pensamento).

A Filosofia é a concatenacao lógica dos conceitos. Os gre-

gos, especialmente Aristóteles, elaboraram tal sistema que foi

posteriormente reconhecido como o mais lúcido e mais corres pondente á verdade. E, assim como a verdade é urna só, também

a concatenacao verídica dos conceitos ou a Filosofia assim cons

truida vem a ser Filosofia perene; pouco importa que se derive de Aristóteles, de Platao ou de outra fonte; a verdade será sempre verdade e se imporá á inteligencia humana, qualquer que seja o canal que a transmita.



"DA TEOLOGÍA AQ HOMEM"

31

Repetir a verdade em materia filosófica n§o é vergonhoso para ninguém, como nao é vergonhoso repetir o teorema de Pitágoras, os postulados matemáticos de Euclides, as le¡s da flutuacao dos corpos, da gravidade, dos vasos comunicantes já conhe-

cidas por Arquimedes e outros gregos pré-cristaos. Será que, por tratar-se de verdades formuladas pelos gregos pagaos, deveremos rejeitá-las?

Em conseqüéncia, nao se entende porque Charbonneau tan to relativize a Filosofía, especialmente a Filosofía aristotélica, quando o próprio Charbonneau utiliza urna Filosofía, que ele julga melhor do que as outras. . . Nao se entende também por que Charbonneau chame a Filosofía grega (a aristotélica) Filosofía paga (pp. 76-79); seria paga se estivesse impregnada de paganis mo; mas, se impregnada de paganismo, já nao seria Filosofía (se ria mitología); a Filosofía como tal nao tem confissao religiosa, nao é nem paga nem crista, pois so atinge as verdades que estao ao alcance da razio,

3) Também é estranho ler sob a pena de Charbonneau um

texto tao falso como este:

"Com o Concilio de Trento, a Palavra de Deus se tomón, em última anal¡se, prisioneira dé Aristóteles. O paganismo havia emprestado sua face ao Cristianismo, para a maior infelicidade deste. . . 0 malfadado resultado foi a arístotelUacSo do Cristia nismo" (p. 82).

A p. 88 diz Charbonneau que hoje estamos diante de urna

"caricatura de Jesús" ou de um "Cristo aristotélico". A Revé la

clo foi parausada porque se antepós Aristóteles a Cristo" (pp.

88s). Com que base o diz? Para provar o contrario, basta percorrer a bibliografia teológica e mística dos últimos séculos para veri ficar quao vivo está presente o Cristo dos Evangelhos na reflexlo católica. Somente um pensador preconcebido e desejoso de sati rizar pode escrever tal inverdade. A propósito observamos que o Cristianismo nunca deixou de ser genuinamente tal; basta lembrar os santos que viveram na época do Concilio de Trento (1545-1563) e nos séculos posterio

res: Sao Joao da Cruz, S. Teresa, S. Inácio de Loiola, S. Francisco Xavier, S. Pedro de Alcántara, S. Vicente de Paulo e tantos ou tros até S. Teresinha de Lísieux. . .; pouco ou nada souberam de Aristóteles, mas no Evangelho beberam a sua doutrina, que deu

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

origem a escritos e ¡nstituicoes notáveis por seu vigor puramente cristao. Registramos também que em nosso século XX, antes da Teología da Libertacao, surgíram os movimentos litúrgico, bíbli co e catequético, que sao testemunhos da vitalidade da Igreja a se opor ao racionalismo dos últimos tempos e que vao muito mais as fontes do Cristianismo do que a Teologia da Liberta cao. Mais: a preocupacao com os pobres nao é bandeira da Teologia da Liber tacao; é de todos os tempos da Igreja; muito antes que os teólo gos da libertacao propusessem suas teses, os Papas haviam levan tado o brado a respeito da questao operaría.

Nem se diga que a Teologia da Libertacáo é oriunda da Amé rica Latina e orientada para as populacoes deste continente. Com efeito; as premissas exegético-bíblicas da Teologia da Libertacáo foram ha uri das ñas escolas do protestantismo liberal da Alemanha {de Rudolf Bultmann especialmente) por teólogos europeus ou latino-americanos que estudaram na Europa. E, quando tal teologia é apregoada ás populacoes simples da América Latina, es tas se mostram desinteressadas por causa do secularismo de tal pregacao (preocupada com greves, eleicoes políticas, inflacao, Constituinte, Reforma Agraria. . .) e vao procurar ñas seitas pro testantes a resposta para os seus anseios religiosos. Ademáis nota-se que Charbonneau afirma muitas proposi

tes sem as documentar ou sem citar fontes ou textos básicos {ás

vezes refere-se a comentadores ou historiadores modernos, mas nao se chega aos mananciais das idéias); é o que torna a sua obra superficial, mais passional do que científica. Se tivesse sido mais conciso, nao teria incorrido em tantas fainas de forma e de conteúdo.

Para ilustrar quá*o injusto é dizer que o tomismo ou a Teolo gia clássica alheava os cristaos da realidade (realidade que só a Teologia da LibertacSo estaria considerando adequadamente), pode-se citar o Papa Leá"o XIII: este tanto recomenda o tomismo (em oposicao ás esteréis filosofías racionalistas e f i deístas do século XIX) como é autor da encíclica Rerurn Novarum (1891), que abre a serie dos documentos pontificios relativos á questao social.

4) Também nao se pode aceitar a expressao de Charbonneau ocorrente a p. 80: "reafirmar certos dogmas e formular novos dogmas". — A Igreja nao cria novos dogmas; nao tem poder para 224

"DA TEOLOGÍA AO HOMEM"

33

tanto. Em suas def inicoes solenes, Ela apenas afirma serem dog mas de fé verdades tao antigás quanto o próprio Evangelho. 3. O Magisterio da Igreja

Ás pp. 23-39 o autor trata do magisterio da Igreja, guarda e

intérprete do depósito da fé credenciado pelo próprio Cristo (cf Mt 16,16-19; Le 21,31s; Jo 21, 15-17; Jo 14,16s; 16,13s).

Distingue oportunamente entre Magisterio extraordinario (o dos Concilios Ecuménicos e o do Sumo Pontífice quando definem

proposicoes de fé e de Moral) e Magisterio ordinario. Ao primeiro reconhece o carisma da infalibilidade; reconhece-o também ao magisterio ordinario da Igreja, desde que implique o ensinamento

unánime e universal dos Bispos espalhados pelo mundo inteiro. Quanto aos documentos pontificios (que Charbonneau classifica

como "magisterio simplesmente ordinario"), o autor os considera falfveis, embora merecam respeito e consideracao (pp. 32-35). "Isto significa que é possível descobrir falha, isto é, erras nos do cumentos que criticam (por vezes ásperamente) as teses defendi das pelos teólogos da Libertacao. Significa também que estes erros, como tais, devem ser combatidos, já que os erros pontifi

cios, por solenes que sejam, nao gozam de privilegio algum peran-

teaverdade" (p. 38).

Estes dizeres sao altamente significativos. Charbonneau re conhece a autoridade dos documentos pontificios, que por si nao gozam do carisma da infalibilidade porque nao tencionam definir proposicoes... Naprática, porém, afirma que qualquer fiel (p. 38) pode arvorar-se em arbitro desses documentos e "filtrá-los" (p.

(p. 38) segundo o seu parecer pessoal. No caso, presume-se que naja um dom de infalibilidade para qualquer fiel, dom que falta ao Sumo Pontífice; qualquer fiel será juiz do Papa enquanto este nao disser: "Defino tal ou tal proposicao. . ."! Assim poe-se ter mo praticamente ao Magisterio da Igreja. Quando este fala, mesmo sem proferir definicoes, só o faz depois de muitos estudos e após especial assisténcia do Espirito Santo, de que certa mente nao se beneficia nenhum fiel em particular {nem mesmo um teó

logo). Observando isto, nao queremos cair no "infalibilismo",

mas desejamos lembrar que é preciso haver razoes muito serias e densas para que alguém rejeite o magisterio da Igreja (Charbon neau fala em "combaté-lo"); pode um cristao presumir, sem fal225

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

tar á fé e á humildade, ser o arbitro sempre infalível do magiste

rio falível? é preciso lembrar que o magisterio da Igreja nao éo de urna Academia de Ciencias ou de Letras, mas é assistido pelo Espirito Santo (como admite o próprio Pe. Charbonneau á p. 34: goza da "garantia de urna assistencia do Espirito Santo de ordem prudencial e pastoral"). A mentalidade assim instilada por Charbonneau (e outros autores) tem levado a grandes danos dentro da Igreja: esta be leceu-se o hábito do livre exame, segundo o qual vale para cada um

"o que ele acha" (o "achismo"). O espirito de fé se enfraquece, de modo que muitas instituicoes (obras e Congregacoes Religio sas) se vao esfacelando. A juventude, em vez de ser atraída pela onda de subjetivismo, se afasta de tais instituicoes, que se encami-

nham para a extincao total por falta de vocacoes. E pelos frutos que se conhece a árvore (cf. Mt 7,16-20); a perda da identidade e a descaracterizacao de muitos setores da Igreja tém sido mortais para os mesmos.

Muitas outras consideracoes poderiam ser feitas a respeito do livro de Charbonneau. As suas expressoes eufóricas, semelhan-

tes áquelas com que o autor saudou o filme "Je vous salue, Marie", parecem fora de propósito. Os próprios teólogos da libertacao nunca elogiaram tanto a sua teología como Charbonneau a elogia. O enfoque passional que o autor toma, o seu caráter am biguo e, por vezes, confuso sugerem ao leitor serias restricoes a tal obra. Afinal de contas, que tenciona dizer de serio e cien tífico? *

*

*

Desculpa, Oeus, aínda nao sei rezar, pelo Pe. José (Zezinho) Fernandes

de Oliveira SCJ. - Ed. Santuario, R.Pe. Claro Monteiro 342, 12570 Apareci da (SP), 98 x 135 mm, 158 pp. Rezar nem sempre é fácil, visto que as coisas sensíveis nos atraem e di ficultan? o diálogo com Deus. Por isto já os Apostólos pediram ao Senhor:

"Ensina-nos a rezar!" (Le 11,1). Consciente disto, o Pe. Zezinho procura ajudar a quem o queira, principalmente aos jovens. No livrinho ácima proposto, É margem de textos bíblicos, o autor formula oracoes de estilo vivaz, que pSem á tona o íntimo do ser humano com seus anseios e seus proble mas; o leitor é assim incitado a continuar a oracáb com suas próprias refle-

xoes e aspiraedes na presenca de Deus.

A obra lembra a de Michel Quoist: "Poemas para Rezar", que tanto bem faz ao nosso público.

226

Urna Carta dos Pais de Familia:

A Educacáo na Nicaragua Em símese: O documento aqui publicado é urna carta de pais de fami

lia nicaragüenses dirigida ao Ministro da Educacáo do seu país. Pe. Fernando Cardenal: denuncia as táticas totalitarias aplicadas á educacSo de criancas, adolescentes e jowens da Nicaragua, e expoe o sentido da libertacao que cor responde as aspiracoes dos cristaos. O texto é corajoso e belo, além de muíto expressivo.

Como se sabe, o Ministerio da Educacáo na Nicaragua foi confiado pelo Governo Sandinista ao Pe. Fernando Cardenal. Es te (alias, suspenso de ordens pela Santa Sé por infringir normas do Direito Canónico) tem feito as vezes de promotor do marxis mo no setor que Ihe foi entregue, a ponto de provocar a réplica

das familias nicaragüenses cristas. Redigiram belo documento que protesta contra a sufocacao dos direitos humanos assim ocorrente

e expoe o auténtico sentido da libertacao crista a que aspiram.

Abaixo publicamos o texto em pauta. O original espanhol se encontra no boletim CELAM de junho 1985; foi traduzido para o francés e publica do por "La Documentation Catholique" n? 1905, de 03/11/1985 pd 1035s.

'

CARTA AO MINISTRO DA EDUCACÁO Ao Pe. Fernando Cardenal Ministro da Educacao Sr. Ministro,

Com grande surpresa, os pais de familia dos colegios cristaos

tomaram conhecimento da carta circular enviada pelo Ministerio de que estáis incumbido. Obriga todas as criancas da escola pri maria, em coordenacao com a Associacao das Criancas Sandinis-

tas (ANS), a seguir, durante duas horas semanais, o que se chama 227

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

"o Plano de Educacao Patriótica da Infancia"; este compreende palestras de índole política e militar, acampamentos, excursoes e ¡ogos que visam a formar ñas criancas urna mentalidade de Partí do e a fomentar o odio das classes, a violencia, o gosto pelas ar mas e a guerra. Além disto, tratase de um programa informal, pa ra o qual nao existem conteúdo nem diretrizes previamente ma nifestadas aos diretores de colegios, aos professores e, menos aín da, aos país de familia (dado que o programa é enviado mes por mes pelo Ministerio da Educacao). Assim tal programa pode cons tar de tudo que passe pela mente dos responsáveis designados pelo Ministerio; isto implica que os país sao obrigados, de olhos fechados, a enviar seus filhos ao colegio a fim de que deformen) seus coracoes e seus espiritos segundo os designios e os interesses do Partido governante. Se bem que os programas de estudos atualmente em vigor, de acordó com o que se chama "Objetivos e Fi nalidades da nova Educacao" — que foram impostos á revelia dos país de familia, os quais os tiveram por inoportunos — já sejam bastante alienantes para os jovens adolescentes, a campanha de doutrinacao se endurece agora contra os inocentes, dado que nao encontrou eco na ¡mensa maioria da juventude que reflete.

AMEAgAÁLIBERDADE País de familia, estamos extremamente preocupados com urna serie de fatores que, dia após dia, adquirem maior significa

do no processo de educacao da juventude. Entre esses enume ramos:

— Todas as materias do ensino (pré-escolar, primario, se cundario e superior) tém conteúdo político, que se acentúa cada vez mais rápidamente.

— O horario da semana é cada vez mais carregado de ensinamentos marxistas-leninistas, ao passo que a educacao da fé (nos

colegios particulares confessionais) nao tem espaco oficialmente

autorizado, de maneira que, cada dia que passa, é mais difícil a esses colegios educar na fé, embora sejam oficialmente autoriza dos a funcionar.

— Exerce-se vigilancia muito estrita e dura sobre a educacao dispensada pelas instituicoes particulares, e sobre cada um dos di retores dessas instituicoes (dos quais muitos sao estrangeiros)

pesa a ameaca da destituicao ou da expulsao. 228

A EDUCACÁO NA NICARAGUA

37^

— Os diretores de colegios, o corpo docente e os alunas independentes estao constantemente as voltas com pressoes do que

se chama "a Juventude Sandinista Wdejulho". Esta, embora seja urna pequeña minoría (mesmo ñas escolas públicas), recebe o

apoto do Ministerio, da Polfcia Sandinista, da ANDEN, dos CDS e de todas as autoridades do país para impor pela forca as suas diretrizes políticas.

— £ exercida pressao sobre os professores para que se filiem é Associacao Nacional dos Educadores Nicaragüenses (ANDEN), que vem a ser um organismo de massa inscrito na Frente Sandi nista de Libertacao, através do qual o Estado canaliza as subvencoes especiáis para os professores "conseqüentes" e mantém a maioria numa situacao de inquietude. — Há ingerencia de pessoas estranhas as escolas no processo educativo, como também no programa dito "de formacao vocacional", que escapa ao controle dos diretores de colegio e dos professores, os quais nSo sao autorizados a assistir as aulas de tal programa. "Técnicos" sao enviados pelo Ministerio da EducacSo, a freqüéncia é obrigatória e controlada por um membro da Juventude Sandinista. Como .explicar esse segredo e esse regulamento tao peculiar?

Pais de familia, julgamos que os jovens devem receber nao apenas os conhecimentos que Ihes servirao para se formar como

profissionais liberáis ou técnicos, mas também urna educacao que Ihes permita agir na vida cívica como cidadaos plenamente forma dos; isto, porém, está longe do que se tenciona fazer na Nicara gua, onde as autoridades querem aproveitar o processo educativo

para utilizar a ¡uventude em prol de urna ideologia materialista estranha, que nega o valor da pessoa humana como tal. Nem se

pode alegar que estamos a formar cidadaos verdaderamente Iivres, marcados por urna ideologia independente e pluralista, e nao

alienados em relagao as potencias estrangeiras, pois todos sabe mos que tal nao é o caso.

A VERDADEIRA LIBERTAQÁO Queremos que nossos filhos conhecam seu país, que o amem, que se sintam ufanos de ser nicaragüenses e que nao tenham de 229

38

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 285/1986

sofrer no estrangeiro pelo simples fato de serem tais. Queremos que se formem cidadaos íntegros, sinceros, fraternos, de espirito e coracao puros, que amem seu próximo e /he sirvam, que construam a paz e a unidade mediante o amor e o sacrificio, e que

amem a liberdade como pessoas, como ñiños de um Deu's infini

tamente bom e generoso, que os torna livres para que procedam como cidadaos dignos de seus atos. Nao queremos que nossos fiIhos se/'am apenas números numa multidao amorfa, que obedecam a ordens que nao correspondam nem mesmo aos interesses do seu país. Nao queremos vt'ver num país em que os cidadaos pensam como Ihes manda o Partido governante e em que é delito "nao estar de acordó" com o modo como os interesses públicos da nacao sao tratados. Também nao imaginamos que os nicara güenses possam aceitar um Estado policial, em que os membros da mesma familia desconfiem uns dos outros. NSo podemos aspirar a esse tipo de "iibertacao".

E tudo depende da educacao. Vos, que sois sacerdote, sa

béis, meihor que muitos, de que é que nos devemos libertar. Sa béis que as causas da servidao, nos nao as encontramos fora das

nossas fronteiras, nem para além das paredes de nossos lares, nem mesmo fora de nossas prúprías pessoas. Como sacerdote, sabéis onde se encontra a raiz do pecado e por que ele frutifica. Como

sacerdote, sabéis o que o Senhor espera de nos comopaisde fami

lia, como filhos, como irmaos, como amigos. Sabéis como fomos formados e por qué. Sabéis que os pais de familia tém urna obrigacao sagrada a cumprir para completar a obra que o nosso Cria dor iniciou. Sabéis que isto nao é apenas um deverque enche de

alegría e que todo pai de familia está disposto a cumprir com amor, mas é também um direito que nao nos foi conferido por

algum Estatuto, Dec/aracao, Convenció ou Lei, mas que recebe

mos, ao nascer, como parte de nos mesmos e que, por conseguir)-

te, nao podemos ceder nem delegar nem transferir a quem quer

que se/a, mesmo que isto se chame "o Estado".

Nos, como cristaos, em maioría católicos, eremos que, se o Governo que dirige este pais vos escolheu a vos sacerdote para Ministro da Educacao e mostrou grande empenho em que con tinuéis como responsável por essa pasta, é porque ele considera que, como sacerdote católico, estáis ñas melhores condicoes para dirigir a educacao neste pais, de acordó com a doutrina que nossa 230

A EDUCAgÁO NA NICARAGUA

39

Santa Mae a Igreja apregoa em materia de educacao. Ele (o Go-

verno) reconhece, de fato, que tal é a verdadeira educacao liberta

dora.

£ por isto que temos confianza em que sabereis reorientar os rumos que a educacao vai tomando em nosso país, segundo o que se espera de vos como discípulo de Jesús Cristo, e nao segun do o que recomendam os tao numerosos conselheiros estrangeiros que ocupam os Departamentos desse Ministerio. Como primeiro passo em demanda dessa reorientacao, nos vos seriamos gratos se suspendesseis ¡mediatamente o "Plano de Educacao Patriótica da Juventude" que recordamos atrás e que motivou esta exposicao.

Contai com nossas oracoes para que o Senhor vos ajude a

cumprir a tarefa sagrada que, direta ou indiretamente, Ele confiou a vossa responsabi/idade.

Rogamo-vos excusar-nos por nos termos dirigido a vos de

maneira pública. Dada a urgencia do assunto a tratar, nao podía

mos esperar que nos oferecesseis urna audiencia mais tarde; nao

obstante, estamos dispostos a nos encontrar convosco quanto an tes para tratar de maneira mais ampia deste e de outros temas de interesse comum.

Nos vos saudamos com votos cristaos de Páscoa, que impli-

cam simultáneamente o sentido antigo da Páscoa, o da libertacSo da escravidao (Antigo Testamento), e o sentido novo que Ihe deu

a ressurreicao de Nosso Senhor, o da libertacao do pecado. Cristo ontem. Cristo hoje. Cristo sempre.

Que Deus vos abencoe!

Managua, 9 de abril de 1985

O Comité de Direcao da UNAPAFACC (Uniao Nicaragüense das Associacoes de Pais de Familia dos Colegios Cristaos). 231

40

-PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986 Sofon/'as C/SNEROS L, Presidente

Francisco ECHEGOYENM., Vice-presidente Francisco ORTEGA G., Secretario. Seguem-se 23 outras assinaturas.

O texto é tao significativo que dispensa comentarios. Bem

p6e em relevo a importancia básica da educacao numa sociedade,

a ponto de que todo Governo totalitario, logo que sobe ao poderi

tente monopolizá-la, a fim de conseguir formar cidadá"os obedien tes as ordens dos governantes e incapazes de ter seu modo de pen sar próprio. O texto também poe em relevo o modo sorrateiro e

dissimulado como procedem os regimes totalitarios: guardando capa democrática, sufocam por vias aparentemente legáis ou ino cuas a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Isto lembra a palavra do Senhor Jesús: "Quem faz o mal, odeia a luz, e nao vem para a luz, para que suas obras nao sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade, vem para a luz, para que se manifesté que suas obras sao feitas em Deus" {Jo 3.20s).

A enanca e a Televisao. Amigos ou Inimigos?, por Luiz Monteiro Tei-

xeira. - Ed. Loyola, Sao Paulo 1985, 140 x 205 mm, 61 pp.

O autor registra influencias negativas da prolongada assisténcia á televisSo por parte de enancas. As pesquisas revelam que, de modo geral, a enanca gasta mais tempo assistindo aos programas televisionados do que de-

senvolvendo qualquer outra atividade, a nSo ser o sonó. A televisao se Ihe torna urna "escola paralela ", que influí sobre os pequeños mais do que a es

cola institucional. Tal influencia prejudica a saúde física e a saúde mental da enanca, além de interferir deleteriamente na formapáb moral da mesma. Em conseqüéncia, o Prof. Luiz Teixeira ná*o recomenda que se proiba a televisao ás enancas (o que seria antididático), mas, sim, que se proponham outras atividades mais condizentes com o seu estágio de desenvolvimento, a fim de que "nao se torne um futuro consumidor passivo de produtos e idéias". é importante também que os pais proporcionem aos filhos um debate crítico acerca dos programas apresentados. - O livro é bem documentado e enri quecido com a narracao de tatos, de modo a merecer o acato de pais, educa dores e da sociedade em geral, fortemente influenciada pelos meios de co mún ¡cacao social.

232

Na ordem do dia:

"Homossexualidade: Ciencia e Consciéncia" por Marciano Vidal e outros

Em sfntese: Os estudos do livro em foco, de caráter interdisciplinar,

convergem para amenizar o julgamento sobre o homosexualismo. Este, ao menos em certos casos, poderia ser aceito na sociedade ao lado do heterosse-

xualismo. A principal razao aduzida vem a ser o caráter ainda obscuro do fenómeno homossexual; nao devería ser avaliado do ponto de vista mera mente biológico ou fbiológico, mas do ponto de vista psicológico e afetivo; se praticado por amor, dizem, é algo que tem seu valor e merece respeito no plano ético ou moral.

A propósito observamos que 1) o livro n3o leva na devida conta a lei natural, que é parámetro seguro para se julgar o homossexualismo como

prática aberrante no plano fisiológico e, por conseguinte, no plano ético; 2) o livro nada diz a respeito dos recantes procesos terapéuticos aptos a reintegrar o homossexual na sociedade. Hoje em dia existem estudos que

aparesentam resultados notáveis obtidos mediante tratamento psicoterapia

de individuos homossexuais.

*

*

*

9 'lvr? "Homosse*ual¡dade: Ciencia e consciéncia" é obra

interdisciplinar, que estuda o mesmo tema do ponto de vista da

biología, da antropología cultural, da psicología, da sociología, da Biblia, da historia do Cristianismo, da Moral e do Direito. Colaboram na obra Marciano Vidal, Javier Grafo, José María Fernández-

Martos, Pablo Lasso, Gregorio Ruiz, Gonzalo Higuera, professores do Departamento de Praxis da Universidade Comillas (Ma drid)1. Trata-se de um estudo ampio, que tem certo peso. Por isto vamos dedicar-lhe as páginas subseqüentes, analisando a sua te se fundamental, que perpassa os diversos artigos e procurando refletir sobre a mesma.

1 Tradufio do espanhol por Roberto Peres de Queiroz e Silva e Marcos

Marcionilo. - Ed. Loyola, Sao Paulo 1985, 140 x 210 mm, 154 pp. 233

TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986 1. ATESEDOLIVRO Nos estudos referentes á "Ciencia" (pp. 7-80) é posto em re levo o caráter aínda obscuro do homossexualismo: seria fenóme no congénito, arraigado no próprio processo genético do indivi

duo? Seria, ao contrario, devido ao ambiente em que o individuo cresce, e as influencias que sofre durante os seus anos de formacao? Com outras palavras: teria raizes biológicas ou meramente psicológicas?

Após longas explanares, o Prof. Javier Grafo ("Biología da Homossexualidade") concluí seu estudo com as seguintes palavras: "Embora os dados biológicos se/am aínda fragmentarios e incompletos, nao se pode excluir, em minha opiniao, que deter minados fatores biológicos tenham importante incidencia no fato da homossexualidade: fatores genéticos, influencias hormonais pré-natais, sexualizacao do cerebro. . .Sobre estes pontos se faz necessário um maior aprofundamento, que deverá ser levado em conta em urna avaliacao integral do fenómeno da homossexua/idade. Em qualquer caso, os dados que citamos, parecem apontar preferencia/mente para urna explicatSo psicológica ou sociológica atual dos nossos conhecimentos, a possibilidade de que determi nados fatores biológicos possam favorecer ou predispor para um comportamento homossexual" (pp. 29s).

Em nome da Psicología, concluí o Prof. José María Fernan

dez-Martos:

"Eu, a partir da psicología clínica, sonho com o dia em que o homossexual se veja e viva muito mais integrado no conjunto da humanidade. Se fantasiamos esta como urna grande orquestra, pensó que cada um de nos traz, desde nossa primeira idade, identidade e pobreza á singular música de nosso instrumento. A sinfo nía conjunta iría mal, se o oboe desprezasse o celo, ou o piano a flauta, ou oyiolino se enchesse de orgulho e nao soubesse retirar se em movimentos rápidos. Coube ao homossexual um instru mento nada fácil de dominar, mas creio que nem por isso menos valioso ao conjunto. Sua maior sensibilidade, seu sangrar com a conflitividade do humano, sua falta de defesa, sua capacidade pa ra o matiz, etc. podem-nos ser valiosíssimos por integrar em nossa 234

"HOMOSSEXUALIDADE: CIENCIA E CONSC1ENCIA"

43

grande orquestra tao heterossexual, machista e viril e que, para ser sincero, nao passou, depois de sáculos, de tocar uma fan farra mais ruidosa que atraente e melódica. Quem sabe tenham algo de cómico o trombone ou o bumbo, mas lá estao com sua surpresa e seu encanto. Por desgraca, nao é apenas a minoría homossexual que os da orquestra dos fortes e 'como devem ser' mantSm a margem. Ai estao outros instrumentos esperando ser ouvidos: defi

cientes físicos, Terceiro Mundo, idosos,etc. Eles sao mais pobres ou menos valiosos? Teñamos de parar e ouvir a sua música"

(p. 64). Logo no primeiro artigo, Marciano Vidal e J.M.F.-Martos

afirmam:

"é o homossexual, enquanto homossexual, um anor

mal? Nossa resposta decidida é: nao" (p. 12). A p. 15 acrescentam: "Todos estes fatos indicam que a homossexualidade é uma variante, se preferível, nao desejável, porém, lógica e normal dentro do vastíssimo reino da sexualidade humana".

Passando ao plano ético. Marciano Vidal pondera diversos

aspectos da questao e afinal nao toma pos ¡cao moral diante do

fenómeno: critica tanto a total condenacao como a total libera-

cao do homossexualismo, e propoe em sua conclusao alguns itens significativos:

"/. Impde-se, em primeiro lugar, adotar uma atitude de provisoriedade ñas abordagens e ñas solucoes, sejam estas de caráter aberturista ou conservador. Os dados antropológicos nao sao defi nitivos: conseqüentemente, o /uízo ético nao pode ser fechado. A avaliacSo moral da homossexualidade deverá ser formulada em

uma chave de busca e de abertura.. .

4. Destacamos, de modo especial, o respeito á estrutura día/ética do ¡uízo ético, que tem de ser ao mesmo tempo objetivosubjetivo e particular-geral. Nao se pode cair em reducionismos nem 'objetivistas e universa/izantes' nem 'sub/'etivistas e carismáticos'.

6. Para o homossexual irreversível, a coeréncia salvadora pa ra sua situacSo nao passa necessaríamente pela única saída de uma moral rígida: mudanga para heterossexualidade ou abstinen

cia total. A moral crista é suficientemente criativa e salvadora pa ra q matiz etc. podem-nos ser valiosíssimo por integrar em nossa 235

fj

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

cial, ao ser humano que, sob o olhar do Deus Amor, se encontra existindo a partir da condigao homossexual" (pp. 125s).

Dir-se-ia que, conforme Marciano Vidal, o juízo ético favorável ou desfavorável á prática do homossexualismo varia de caso para caso. Poderá haver situacoes em que tal procedimento será lícito, como também haverá circunstancias em que o mesmo seja moralmente ilícito.

A posicao de Marciano Vidal parece representar bem a mentalidade da obra; esta nao assume atitude definida diante da práti ca do homossexualismo; tende mesmo a fazé-lo passar por legíti mo em muitos casos (excluidos naturalmente aqueles em que o homossexualismo implica violencia sobre parceiro, abuso de enancas e adolescentes, prostituicao homossexual...). A Biblia e a Tradicao da Igreja sao abordadas também em termos liberáis, de modo a nao se tirar dessas fontes nenhum argumento que conde ne peremptoriamente as práticas homossexuaisquando derivadas

de homofilia ou de "amor". Entre as razoes alegadas em favor de um juízo brando sobre o assunto, está a seguinte: na Idade Media considerava-se a prática homossexual únicamente do ponto de vista biológico ou genital (era tida, em conseqüéncia, como anti

natural); ora nos tempos atuais dever-se-iam levar em conta o

relacionamento interpessoal e os afetos que o homossexualismo propicia e exprime (cf. pp. 104s). O fato de ser urna manifestacao de "amor" tornaría legítima a prática homossexual.

2. UMA REFLEXÁO Proporemos tres pontos.

2.1. O criterio básico

1. O livro em foco, cheio de ponderacoes e propostas formu ladas em nome da ciencia e da filosofía contemporáneas, eviden cia a necessidade de se procurar um ponto de partida e o fio da meada para avaliar a prática homossexual. Ora esta hade ser jul-

gada á luz da lei natural. A natureza normalmente leva seus indi viduos á masculinidade ou á feminilidade (biológica e psicológi

ca); urna existe para encontrar sua complementacao (física e psí quica) na outra... complementacao que se traduz no fruto do 236

"HOMOSSEXUALIDADE: CIENCIA E CONSClENCIA"45 amor ou na prole. Neste contexto, a prática homossexual apare

ce, a mais de um título, como anormalidade, pois agenitalidade masculina foi estruturada para se unir á feminina e vice-versa; e somente nestas condicoes a vida sexual atinge a sua razao de ser e

a sua plena fecundidade.

é sobre este raciocinio que se baseia o juízo da Igreja (e de

muitos pensadores nao cristaos) sobre a prática do homossexualismo. Ver Declaracao "Persona Humana" da S. Congregapao pa ra a Doutrina da Fé, de 29/12/75.

2. Dir-se-á: a biologia é algo de cegó ou neutro dentro do ser humano e nao representa a sua personalidade; esta se exprime, por excelencia, nos afetos e no amor. Por conseguinte, se há amor numa relacao contraria a natureza ou homossexual, nao existe ra zao para condenar tal prática.

Em resposta, observamos: os afetos e o amor da pessoa hu mana pertencem a um ser psicossomático, isto é, composto de

alma e corpo. O corpo nao é algo de estranho á pessoa, de modo que esta nao pode amar auténticamente desprezando o seu corpo

e as Ieis da biologia; quem ama, é um sujeito corpóreo, que só subsiste e sobrevive se observa as Ieis da corporeidade ou da sua biologia; se quero comer pedras, respirar gas carbónico, viver no fundo dos mares..., destruo a minha pessoa, porque destruo a minha corporeidade com as suas Ieis biológicas. Paralelamente dizemos: se quero amar, praticando o uso do sexo contrariamen te ás Ieis da natureza, estou cometendo urna aberracao que afeta a minha pessoa e o meu próprio ser.

3. Formulemos a mesma proposicao a partir de urna objecao. Para tentar provar que nao existe léi natural e que o homem

na"o está sujeito ás normas da sua biologia, já se disse o seguinte:

o homem domina os rios (desviando o seu curso), as montanhas e colinas (derrubando-as para fazer estradas), os mares (aterrándo

os); assim o homem muda a natureza que o cerca para implantar-

Ihe as marcas da sua inteligencia. Como entao nao Ihe seria lícito mudar ou desviar as Ieis naturais do seu organismo para impor-lhe

as tendencias da sua afetividade? - Em resposta, notemos que os

rios, as colinas e os mares sao objetos postos fora do homem; nao sao o próprio homem, ao passo que o corpo nao está fora do ho mem; este nao tem um corpo (como pode ter um rio ou urna 237

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

montanha...), mas é o seu próprio corpo; quando digo eu, é meu corpo que o diz; por isto as leis do corpo (ou da biología) sao as

leis do próprio eu, sao as minhas leis; se violo essas leis, se volun

tariamente uso a sexualidade de maneira antinatural, destruo-me

no plano físico e também no plano moral. — Nao há como fugir

desta verificacao básica.

4. É certo que a ciencia moderna aponta elementos outrora

desconhecidos pelos moralistas. Mostra, por exemplo, que no ini cio da sua existencia o ser humano pode ser sexualmente indiferenciado; no decorrer de toda a sua vida, a pessoa masculina guar da traeos de feminilidade, e vice-versa; entre o masculino e o feminino pode haver tipos intermediarios {em vez de XX e XY, po-

dem-se encontrar individuos XYY, XXY, XO, XXX...)... Estas descobertas, porém, nao habilitam o cientista a falar de um ter-

ceiro ou de um quarto sexo...; reconhece apenas que, em algumas pessoas masculinas, os caracteres femininos sao mais acentua

dos, e vice-versa. Neste contexto os individuos homossexuais e

transexuais1 sao estatisticamente minoritarios (os homossexuais vém a ser 4 ou 5% nos levantarnentos feitos até agora); dir-se-ia que correspondem áquela faixa de desacertos que a natureza, embora sabia, sempre produz; o processo genético está sujeito a desvíos diversos e o ambiente no qual o individuo vive, pode sus citar a evolucao transviada do potencial genético da pessoa.

Reafirmada a anormalidade do homossexualismo, o que a sa filosofía hoje propoe como algo de novo, é que os individuo» ho mossexuais merecem tratamento compreensivo. Sao pessoas que geralmente sofrem, porque marginalizadas ou reduzidas a solidao.

Muitas vezes nao tém culpa de ser tais. Daí surge a necessidade de

ajudá-las a superar a problemática mediante recursos terapéuti cos. Isto na*o quer dizer que se legitimem as práticas homosse xuais. Para vencer as dificuldades, será muito útil ás pessoas ho mossexuais dedicar-se ao trabalho, á arte ou a algum hobby, que sublime os respectivos afetos. Certamente tal condicao pode ser penosa; todavia o sofrimento implicado pelo autodominio e a temperanca é inerente a todo programa de auto-real¡zacao huma-

1 Observamos que homossexual é o individuo que aceita seu sexo e procura

parceiro do mesmo sexo. Ao contrario, transexual é aquele que recusa seu sexo e quer mudá-lo.

238

"HOMOSSEXUALIDADE: CIENCIA E CONSC1ÉNCIA"

47

na; mesmo os heterossexuais tém que praticar o autodominio e a

renuncia em varios pontos, se nao se querem entregar as paixoes

que degradam. Nao há grandeza de personalidade sem firmeza de opcoes radicáis. Infelizmente a psicología moderna pouco leva em

cons¡deragao este fator de engrandecimento da pessoa; as escolas contemporáneas induzem seus clientes a crer que a renuncia trau

matiza e prejudica;quem acredita nesta proposicao, sugestiona-se no sentido de evitar qualquer programa de austeridade; torna-se incapaz de resistir aos instintos pré-deliberados e se torna escravo das paixoes. O problema da homossexualidade é entao pretensa

mente resolvido pela concessao aos impulsos eróticos. — Todavía quem sabe que austeridade e disciplina de vida sao elementos indispensáveis á formacáto de qualquer personalidade, encontra me nos dificuldade em praticá-las e colhe os frutos positivos de tal autodominio. A pessoa homossexual pode ser feliz mesmo num quadro de abstencá*o e continencia.

2.3. A fundamentacao bíblica

O Prof. Gregorio Ruiz abordaa homossexualidade na Biblia (pp.81-94).

Considera longamente o texto de <3n 19,1-16, que narra o pecado de Sodoma, do qual se derivam as expressoes '.'sodomía" e "sodomita". O exegeta tende a mostrar que a interpretacao homossexual do episodio talvez seja in fiel ao texto bíblico: tratar-se-ia nSo de pecado sexual, mas de falta de hospitalidade e acolhida por parte dos habitantes de Sodoma. G. Ruiz nao afirma categóricamente a nova ¡nterpretacao, mas a tem como conjetura bem fun

damentada.

Independentemente, porém, do texto de Gil 19, o autor reconhece

que a S. Escritura condena peremptoriamente o homessexualismo em passagens como Lv 18,22; 20,13; Rm 1,26s; ICor 6,9s; 1Tm 1,9-11. Procura, porém, atenuar a condenacáb 1) observando que sao relativamente poucos os textos bíblicos que rejeitam o homossexualismo e 2) tentando relativizar o seu significado pelo fato de dependerem da cultura antiga (hoje ultrapassa-

da) e especialmente de catálogos de victos confeccionados pelos estoicos.

Notamos, porém, que, 1) se a Biblia se refere poucas vezes ao homos sexualismo, ela o faz com muita clareza e firmeza, principalmente em Lv 18, 22; 20,13 e Rm 1,26s; 2) o fato de que, antes dos autores sagrados do Novo Testamento, já os estoicos haviam condenado tal prática, nao esvazia as pala-

vras de Sao Paulo, mas, ao contrario, manifesta que, á luz mesma da razao natural, o homossexualismo parecía antinatural e reprovável fora da Revelapao bíblica. Eis por que o artigo da coletánea referente á Biblia é fraco, se nao

inspirado por premissas preconcebidas.

239

'ERGUNTE E RESPONDEREMOS" 288/1986

3. CONCLUSÁO modernas muito alargaram o horizonte dos estudiosos no tocante ao homossexualismo. Um de seus grandes beneficios consiste em fazer-nos compreender que alguém pode ter umaestrutura homossexual por

fatores biológicos e psicológicos involuntarios; muitos sao tais sem culpa moral. Ao mesmo tempo, porém, verifica-se na bibliografía moderna a ten dencia a inocentar ou mesmo legalizar a própria prática homossexual com dolorosas conseqüéncias moráis para os individuos e a sociedade.

Ponderando tais dados, chegamos á seguinte conclusao:de um lado, as ciencias contemporáneas, apesar de seus progressos, nao permitem tirar ao homossexualismo a qualificacao de prática aberrante e antinatural. De outro lado, seguir a natureza ou as leis naturais é penhor de retidlo e grandeza pa ra o ser humano. Basta lembrar que, após as calamidades ocorridas na guerra de 1939-1945, as NacSes Unidas houveram por bem reafirmar ditames da própria natureza sancionados na Declaracaó Universal dos Direitos do Homem; esta, em grande parte, nada mais é do que a promulgacao solene da lei natural e do direito natural. Por ¡sto com muita sabedoria a Moral crista* reprova as práticas homossexuais; fazendo-o, ela presta um servigo á humanidade, que tende a destruir os seus valores mais típicos, que sao os da Ética. Essa reprovacáb, porém, é acompanhada de urna atitude de compreensáo be nigna que, em vez de esmagar, procura ajudar o irmüo a se reencontrar com seu modelo natural e assumir o lugar que Ihe compete na sociedade.

É lamentável que o livro em foco tenha obscurecido tal perspectiva,

usando de estilo nao raro ambiguo, mas tendente a concessSes pouco sadias. Alias, é estranho nao haja no livro um capítulo sobre a terapia do homosse xualismo ou sobre os procedimentos da Psicología Clínica contemporánea,

que tem ajudado os individuos homossexuais a se integrarem na sociedade em que nasceram.

A propósito nao podemos deixar de citar o livro do Prof. Dr. Gerard van den Aardweg: "Homosexuality and Hope. A Psychologist talks about Treatment and Change" (Homossexual¡dade e Esperanca. Um Psicólogo fala a respeito de Terapia e Mudanca). Servant Books Ann Arbor, Michigan, U.S. A. O autor é doutorem Psicología pela Universidadede Amsterdam (Holan

da); tem dado cursos em diversos países da Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil;em suaclínica especializou-se no tratamento de homosse xuais; a prolongada experiencia de consultorio forneceu-lhe muitos dados que integram o seu livro. O Dr. van den Aardweg tem dois capítulos alta mente interessantes no caso: The Road to change (A Via para Mudar, c. 8) e

Change without Psychoterapy (Mudanca sem Psicoterapia, c. 9). Através de

suas páginas, o clínico mostra que sao recuperáveis, total ou parcialmente, varios dos pacientes que, por falsa orientacáb, se julgam condenados a ser di

ferentes dos demais seres humanos. É muito importante valorizar o trabalho

dos profissionais que se empenham nessa linha terapéutica. 240

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