Ano Xxv - No. 388 - Setembro De 1994

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTTAQÁO DA EDipÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé I-"1

hoje é mais premente do que outrora,

visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores:

aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de ÉL vista cristáo a fim de que as dúvidas se * dissipem e a vivencia católica se fortalega

■Aa" no Brasil e no mundo. Queira Deus

abengoar. este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A

d.

Esteváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ANO XXXV SETEMBRO 1994

(A

<

■i UJ

O

SUMARIO A Grande Oracao pelo Brasil

"Os Cinco Evangelhos", pelo Jesús Seminar Sobre a Ordenacab de Muiheres

iti

O Efeito "Placebo"

O

"Sexo como no Primeiro Mundo"

V)

<

UJ

m

8 Q.

"Um jogo pela Vida", por Cl. Mesquita e Bl Salgueiro

Campanhas contra a AIDS na contramao, por Helio Begliomini Acompanhando um jovem aidético Na Albania que renasce... Movimento Sacerdotal Mariano

SETEMBRO 1994

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

N9 388

Publicado mensal

SUMAR 10

Diretor-Responsável

A Grande Oracao pelo Brasil

Estéváo Bettencourt QSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico

385

Celeuma exegétrca:

"Os cinco Evangelhos" pelo

Jesús Seminar

Diretor-Administ rador:

0. Hildebrando P. MartinsOSB

Administracao e distribuicáo:

Joao Paulo 11 se pronuncia: Sobre a Ordenacao de Mulheres

386 396

Mentir para curar?

Edicóes "Lumen Christi"

Rúa Dom Gerardo, 40 — 5? andar — sala 501 Tel.: (021) 291-7122 Fax (021) 263-5679

O efeito "Placebo"

403

Um livro sobre Educacao Sexual: "Sexo como no Primeiro Mundo"

408

Des-educacáo Sexual: "Um jogo pela vida" por Cl. Mesquita

Enderezo para correspondencia:

e B. Salgueiro

Ed. "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Icnpressáo e Enc3derñafio

412

Tentando levantar o véu: Campanhas contra a AIDS na contramao

por Helio Begliomini

416

Testemunho eloqüente:

Acompanhando um jovem aidético .... 419 "MARQUES SARAIVA "

GRÁFICOS E EDITORES S.A.' Tels.: (021) 273-9498 /273-9447

A situacao da I gruja:

Na Albania que renasce

424

Movimento Sacerdotal Mariano

431

NO PRÓXIMO NÚMERO: Pío XII e os Judeus. - "O Movimento de Jesús" (E. Hoornaert). — "O Direito contra o Direito" (D. Antonio A. de Miranda). — "A Seita que n§o ousa dizer seu Nome". — Amway e Nova Era. — Duas Mulheres Heroi cas. — A Receppao do Clero Anglicano na Igreja Católica.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA - ANO: 94/95: (12 números R$ 13,00 — n? avulso ou atrasado R$ 1,30) .O pagamento poderá será sua escolha:.

1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro, cruza-'

do, anotando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO na conta do favoreci do" e, onde consta "Cód. da Ag. e o N? da C/C", anotar: 0229 - 02011469-5. 2. Depósito no BANCO DO BRASIL, Ag.0435-9 Rio C/C0031-304-1 do Mosteiro deS. Ben

to do Rio de Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle. 3. VALE POSTAL pagável na Ag. Central 52004 - Cep 20001-970 - Rio. Sendo novo Assinante, é favor enviar carta com nome e endereco legi'veis.

Sendo renovacao, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo a Revista.

A GRANDE ORAQÁO PELO BRASIL As crises. por mais dolorosas que sejam, podem ter um aspecto salutar; poem o homem diante da evidencia de que ele é frágil e incapaz de responder plenamente a si mesmo. Nesses momentos mais do que nunca, aflora a intuicao de que o homem é de pendente de um Ser Superior ou do Absoluto, único apto a saciar as aspiracoes "santa mente utópicas" do ser humano. Entao a prece brota espontáneamente do corapao: "Senhor, salva-nos; estamos a parecer!" (Mt 8,25). Toda a historia da humanidade dá testemunho desta verdade. Muitos e muitos comecaram, e comecam, a se lembrar de Deus ñas situacoes aflitivas. O Cristianismo reconhece este fato tao freqüente; a S. Escritura muito insiste no valor e na necessidade da oracüo em todo tempo... O Senhor Jesús, por exemplo, numa de suas parábolas, se refere a um homem que, de noite (ñas trevas e na inseguranpa da noite), vai importu nar o amigo pedindo-lhe tres paes e, por rogar perseverantemente, recebe mais do que tres paes,... recebe tudo aquilo de que necessita (cf. Le 11, 5-8).

A Tradipao crista fez ampio eco a estas verdades, a tal ponto que S. Afonso Ma ría de Ligório CM787), repetindo o que antes se dissera, pode afirmar: "Quem reza, certamente se salva; quem nao reza, certamente se condena" (Del Gran Mezzo de I la Preghiera). No século IV, Sao Joao Crisóstomo, em Constantinopla, já dizia: "Nada se

compara ao valor da orapao... É possi'vel até no mercado ou num passeio solitario fazer orapao freqüente e fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo, ou mesmo cozinhando..." (Eclogae 2). Dirá alguém: as vezes, Deus parece ¡nsensfvel á orapao dos homens! - Um

Deus insensi'vel a seus filhos nao seria Deus, responde nao sonriente a fé, mas também o bom senso. Os Santos explicam o fato: "Nao te aflijas se nao recebes ¡media tamente de Deus o que Lhe pedes, pois Ele quer fazer-te um bem ainda maior pela tua perserveranpa em permanecer com Ele na orapao" (Evagro Pdntico, monge do século IV, Da Orapao 34). Ele nao despreza os anseios do homem, pois foi Ele mesmo quem os incutiu no corapao do homem ao criá-lo (todos foram feitos para a vida, e a vida plena), mas Ele vé mais longe do que a criatura e discerne melhor o que lhe convém.

De resto, há no Evangelho urna estranha bem-aventuranpa: aquela dos que tém fome e sede de justipa (cf. Mt 5,6). Esses nao tém justipa, nao tém santidade, nao tém a resposta para seus anseios mais profundos, mas tém fome e sede desses valores; sofrem por causa dessa fome e sede, e sao felizes porque assim sofrem, diz o Senhor. Na ver dade, tal é a condipao mais auténtica do homem: sentir-se faminto e sedentode Algo mais, saber-se peregrino do Absoluto, ser viandante em demanda da Plenitude... E, por ter fome do Absoluto, ser orante...

O mes de outubro, dedicado ao Rosario da Virgem SSma., seja o mes da Grande Orapao dos cristaos. ... orapao por todas as necessjdade&_dflJfl[fija,_do mundo e, em i»oc-it».

especial, do Brasil!

BIBLIOTECA CENTRAL

385

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXV - N? 388 - Setembro de 1994

Celeumaexegética:

"OS CINCO EVANGELHOS"

Em símese: O Jesús Seminar, congregando 74 peritos norte-america nos, chegou á conclusao de que somente 18% dos dizeres atribuidos a Je sús nos Evangelhos sao auténticas palavras do Senhor; as demais sentencas da colecao de mais de 1.500 sentencas encontradas nos Evangelhos seriam concepcoes das antigás comunidades cristas.

A propósito pódese notar que 1} os peritos norte-americanos se deixaram muitas vezes inspirar por hipóteses, probabilidades e preconceitos subjetivos ou dogmáticamente estabelecidos sem fundamento objetivo. O racionalismo os moveu fortemente em seus estudos;

2) existem pesquisas de outros críticos protestantes (também estes) que preferem ver nos Evangelhos o eco da pregacao dos rabinos. A imagem

de Jesús, mestre a instruir seus discípulos, está muito viva nos Evangelhos. Estes escritos parecem ser o eco fiel do pensamento de Jesús, podendo por vezes perceber-se ipsissima verba (as próprias palavras) de Jesús. Tal é a conclusao da escola escandinava (Riesenfeld, Gerhardson e colegas);

3) além disto, tentou-se fazer a traducao do Evangelho grego para o aramaico — o que surpreendeu os tradutores, pois averíguaram que o texto

grego parece corresponder a um discurso aramaico, cuja sintaxe e linguagem estao no linguajar do texto grego.

Donde se vé que é preconcebida a tese de que somente 18% dos dize res atribuidos a Jesús sSo auténticos. A Igreja, baseada em boas razoes de ordem histórica, professa a fidelidade dos Evangelhos. *

*

386



"OS CINCO EVANGELHOS"

Foi publicada nos Estados Unidos a obra "The Five Gospels. The Search for the Authentic Words of Jesús"1, devida a Robert W. Funk,

Roy W. Hoover e THE JESÚS SEMINAR (um conjunto de 74 peritos)!

Tal obra, já comentada na base de noticia da revista VEJA em PR 384/

1994, pp. 216-224, chega á conclusao de que sonriente 18% dos dizeres de

Jesús nos Evangelhos s3o auténticos. — É a este estudo que dedicaremos as páginas seguintes, acrescentando dados novos aos que já foram apresentados PR 384, pois entrementes nos chegou ás maos a obra em seu original inglés.

1. OS RESULTADOS DO "JESÚSSEMINAR" A equipe de mais de setenta peritos trabalhou durante seis anos, com parando frase por frase de Jesús com paralelos bíblicos e extra-bíblicos. Chegou á conclusa*o de que nos Evangelhos Sinóticos existem

1) auténticas sentencas proferidas por Jesús (assinaladas com a cor vermelha),

2) sentencas que provavelmente se aproximam do que Jesús disse (cor lilas), 3) sentencas que Jesús nSo proferiu, mas cujo conteúdo está próximo do pensamento de Jesús (cor cinzenta),

4) sentencas que, de modo nenhum, provém de Jesús, mas de urna tradicao posterior a Jesús ou diferente do que Jesús ensinou (preto). A prime ira categoría compreenderia apenas 18% dos 1.500 ou mais dizeres atribuidos a Jesús. Os resultados eram obtidos por votacao realiza da após o estudo, em equipe, de cada sentenca do Evangelho. Muito interessante é que nenhuma das passagens que se referem aos pontos ti'picos da doutrina de Cristo ensinada pela Igreja Católica é tida como proveniente dos labios de Jesús; seriam todas de tradicao tardía ou diferente. Assim

a) os textos de Mt 16,17-19; Le 22,31 s; Jo 21,15-17, onde Jesús res pectivamente promete o primado a Pedro e as chaves do Reino dos Céus,

1 "Os Cinco Evangelhos. A procura das auténticas Palavras de Jesús" (cin co Evangelhos, porque aos quatro canónicos é acrescentado o apócrifo

"Evangelho de Tomé"). A Polebridge Press Book. Macmillan Publishing Company. New York 1993. 387

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

entrega a Pedro a missao de confirmar seus irmios na fé e finalmente con fia a Pedro o pastoreio de todo o rebanho de Cristo (cor preta); b) as palavras da consagrado da Eucaristía, em que Jesús afirma que o pao se torna seu corpo e o vinho seu sangue, s3o tidas como espurias: Mt 26,26-29 (preto); Me 14,22-25 (cinzento); Le 22,15-22 (preto); c) as palavras de Jesús que conferem aos Apostólos o poder de perdoar ou nao perdoar os pecados também sao tidas como tardias ou de tradicao diferente (cor preta): Jo 20,22s. Também o perdao outorgado por Jesús ao paralítico é tido como espurio (preto): Mt 9,2-6 (é importante notar que o v. 6 diz que "Deus deu tal poder aos homens" ou o poder de perdoar pecados; compreende-se que tenha sido rejeitado, pois está fora

de uso no protestantismo); d) os dizeres de Jesús que proibem o divorcio em Me 10,1 ls; Le 16, 18; Mt 5,23;19,9 nao seriam oriundos do próprio Jesús (cor cinzenta);

e) as palavras fináis de Jesús em Mt 28,18-20 também sao tidas como espurias (cor preta). E por qué? — Jesús provavelmente nao tinha a intencao de lancar urna missao pelo mundo afora, e certamente nao foi o funda dor de urna instituicao. As tres partes do mandato — fazei discípulos, batizai e ensinai — constituem o programa adotado pelo movimento missionário da Igreja nascente, e nao refletem instrucSes dadas por Jesús" (p. 270). Mais urna vez se vé que os autores refletiram na base do provavel mente ou da suposicao assaz subjetiva e arbitraria, tendo sempre em vista negar a fundacao da Igreja por parte de Jesús Cristo; f) as palavras de Jesús em Me 1,17 "Eu vos farei pescadores de ho mens" nao seriam palavras de Jesús... Por qué? — Porque, segundo alguns estudiosos, Jesús nao angariava discípulos; era um mestre itinerante que nao tinha a ¡ntencao de criar urna instituicao ou a Igreja que hoje conhecemos. Foram, portanto, os discípulos que atribuiram a Jesús estes dizeres para justificar a sua procura missionária de adeptos. Apenas a metáfora de pescar homens pode ser considerada palavra de Jesús; cf. p. 41. — Como se vé, os autores procedem na base de premissas preconcebidas ou de hipóteses gratuitas: sao protestantes e, como tais, relativizam o valor da Igreja (esta, para os protestantes, é obra meramente humana, que cada reforma

dor pode recomecar a seu talante), de modo que de antemSo negam que Jesús tenha dito algo que implique a fundacSo da Igreja-instituícSo. Tal é a razao também por que os membros do Jesús Seminar rejeitam a autenti-

cidade de Mt 16,17-19; os preconceitos filosófico-religiosos estao muito presentes em tal trabalho; 388

"OS CINCO EVANGELHOS"

g) Jesús nao pode ter dito: "Completou-se o tempo. O Reino de Deus se aproxima. Convertei-vos e crede no Evangelho" (Me 1,15). - Por que nao o pode ter dito? Eis a explicarlo traduzida literalmente: "Nos Evangelhos Jesús aparece raramente a convocar o povo para o arrependimento. Tal exortacao é característica de Joao Batista (Mt 3,7-12; Le 3,7-

14). Como a visao apocalíptica da historia, o apelo ao arrependimento

bem pode ter sido derivado de Joao Batista e atribuido a Jesús" (p.41).

Pergunta-se, porém: por que Jesús nao pode ter chamado os homens á penitencia? Pelo fato de que Joao Batista os chamou, Jesús nao pode ter apregoado o mesmo apelo, aínda com mais énfase?

Entende-se desta maneira que os resultados a que chegam os membros do Jesús Seminar sejam extremamente pobres para se reconstituir a figura de Jesús histórico. Os autores juigam que á imagem real de Jesús foi sobreposta a de urna figura mítica e celeste, figura esta que o Apostólo

Paulo tomou das religioes helenistas de misterios. É impressionante o tom

dogmático ou definitório utilizado pelos scholars do Seminar, na base de preconceitos ou de concepcoes formadas de antemao; em virtude do racio nalismo negam que Jesús tenha dito tal ou tal sentenca. Diante destes resultados da pesquisa, pode-se, de ¡mediato, ponderar o seguinte: a dependencia dos Evangelhos em relacao á cultura paga hele nística já foi tese de certa autoridade entre os críticos. Atualmente, po rém, está de certo modo superada, tendo-se em vista especialmente os ma nuscritos judaicos de Qumran e, mais, os estudos da escola de críticos (protestantes) suecos, que enfatizam as raízes hebraicas do Evangelho e mostram a continuidade entre o Jesús histórico e o Jesús documentado

pelos Evangelhos. É o que passamos a examinar.

2. O FUNDO SEMITA (HEBRAICO-ARAMAICO) DOS EVANGELHOS 2.1. Métodos e Locucoes Rabínicas

A exegese contemporánea dos Evangelhos tem chamado a atencao para a "hebraicidade" de Jesús e de seu círculo de discípulos. Por exemplo, Rudolf Bultmann, que é um dos críticos mais radicáis e contestata rios, afirma que Jesús nao era cristSo, mas hebreu, inteiramente mergulhado na tradicao de Israel.

Na verdade, o Cristianismo nasceu no bojo do judaismo. Daí a con veniencia de procurar entender o Cristianismo a partir da tradicao judaica, muito mais do que á luz do helenismo. 389

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Esta tarefa foi realizada especialmente por dois estudiosos suecos:

H. Riesenfeld' e seu discípulo B. Gerhardson,2 mestres da chamada "Es cola Escandinava".

Estes dois autores afirmam que os Evangelhos nao nos referem ape nas aquilo que as antigás comunidades cristas pensavam, mas, sim, o pensamento do próprio Jesús. Eis como raciocina Riesenfeld: Os judeus eram muito ciosos de transmitir as palavras recebidas dos mais velhos; remontavam, de geracao em geracao, até a revelacao feita por Javé a Moisés no monte Sinai; os vocábulos utilizados para designar essa transmissSo eram masar (entregar) e gibbel (receber). Ora precisamente nesse ambiente de tradicao oral teve origem a transmissao do Evangelho, servindo-se da mesma terminología: paradidonai (entregar) e paralambánein {receber);cf. 1Ts 4,1s; 1Cor 11,23-25... A missao dos Apostólos era tida como "um servico da palavra" (At 6,4). Os Apostólos eram "ministros da Palavra" (Le 1,2), "testemunhas oculares desde o comeco" (Le 1,2), tendo convivido com Jesús (At 1,22). O Mestre cujas palavras eram transmitidas, era Jesús. Daí a expl¡cacao da da por Riesenfeld ao título do Evangelho de Marcos: "Comeco do Evan gelho de Jesús Cristo" significa "Inicio da Boa-Nova transmitida pelo pró prio Jesús Cristo". Numa palavra: a única explicacao possível para o nascimento dos Evangelhos é a pessoa e o ensinamento do Mestre. B. Gerhardson aprofundou as idéias de Riesenfeld. Estudou os processos de transmissao da Lei no judaismo rabínico e comparou-os com o que o Novo Testamento dá a perceber. Assim nos meios rabínicos — a conservacao da Lei escrita se realizava por tres vías: a) havia os escribas profissionais, cuja missao era garantir a pureza da tradicao; b) havia o meio escolar, no qual o menino aprendía a ler e recitar a Lei; c) havia as sinagogas, ñas quais a leitura pública contribuía para a fixacao do texto; — existiam oficiáis dedicados á tarefa de transmistir a Palavra: os tannaim (repetidores), cuja funcao era ajudar a decorar a Lei ou também

os dizeres (debarim) e os fe ¡tos dos grandes rabinos comentadores da Lei;

1 The Gospel Tradition and its Beginnings. London 1957. 2 Memory and Manuscript. Oral Tradition and Written Transmission in Rabinic Judaism and early Christianism. Uppsala 1961. 390

"OS CINCO EVANGELHOS"

— para facilitar a memorizacao, utilizavam varias técnicas: palavras-

chaves, fórmulas concisas (simanim), frases cantantes ou cadenciadas, a repeticao em alta voz...1 Continua Gerhardson, observando que na formacao dos Evangelhos encontramos vestigios de semelhante procedimento. Assim, por exemplo, Sao Lucas comepa seu Evangelho com termos que refletem exatamente o método hebraico de transmissao oral dos ensinamentos dos mestres:

"Muitos já tentaram compor urna narracao dos fatos que se cumpriram entre nos, como nó-los transmitiram os que foram testemunhas desde o inicio e tornaram-se mestres da Palavra" (Le 1,1s). De resto, urna análise feita por computador demonstrou que os termos "testemunho, testemú nha e testemunhar" sao dos mais freqüentes do Novo Testamento. O proprio Sao Paulo, embora fizesse questao de dizer ter recebido sua missao do Senhor (Gl 1,1), afirmava sua dependencia da tradicSo (1Cor 15,3); como os rabinos, ele conservava as tradicoes dos Pais (Gl 1,13s; Fl 3,5s); foi con frontar seu Evangelho com o daqueles que eram tidos como "colunas" da Igreja (Gl 2,9).

Assim Gerhardson evidenciou que nao se pode compreender o Cris tianismo considerando apenas o que os antigos cristaos pensavam; insistía no retorno a Jesús, que, por sua vez, está inserido numa tradicao judaica, á qual Ele dá nova orientacao por suas palavras e suas obras. Jesús terá uti lizado os processos dos rabinos do judaismo.

A persistencia da tradicao oral com suas técnicas e seus métodos po de ser detectada nos escritos do Novo Testamento. Assim, por exemplo, o paralelismo das sentencas:

"Amai os vossos ¡nimigos, orai pelos que vos perseguem" (Mt 5,44);

"Toda árvore boa dá bons frutos; mas a árvore má dá maus frutos"

(Mt7,17);

"Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou" (Mt 10,40).

1 "Para aprender de cor e repetir as tradicóes oráis até serem reconhecidos

como fiéis transmisores, preparavam-se repetidores oficiáis, os tannaim. Partes da tradicao oral eram compendiadas em resumos, kelalut, que continham o ensinamento do rabbi sobre qualquer questao proposta. Por sua vez, esses resumos eram decorados pelos seus cabecalhos ou títulos, sima nim, e inventavam-se técnicas mnemónicas mediante as quais se podiam

reter esses simanim" (J. Bourke, O Jesús da historia e o Cristo do Kerygma, em Concilium 2, 1966/1, p. 31). 391

8

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

"Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo..." (Mt 5,21.27.31.33.38.43). "Tu, quando deres esmota, orares, jejuares... nao facas como os fariseus... Em verdade vos digo: jé receberam sua recompensa. Tu, porém, quando deres esmola, orares, jejuares, ... E teu Pai, que vé no segredo, te recompensará" (Mt 6,2-6).

As parábolas eram usuais entre os rabinos; foram utilizadas por Je sús porque naturalmente despertam curiosidade e podem favorecer a memorizapao, já que as imagens se ¡mp6em mais fácilmente aos ouvintes. Também se pode apontar o desenrolar do primeiro Concilio realiza do em Jerusalém no ano de 49, segundo At 15,1-29: seguiu o método das academias rabmicas, em que havia discussao de um ponto de doutrina, troca de pareceres entre pessoas qualificadas, confronto das opinioes com a tradicao guardada na memoria ou em breves notas, recurso a preceden tes e á Tora, decisao final tomada pelos chefes. 2.2. A traducao do Evangelho grego para o aramaico Para comprovar a presenca do patrimonio judaico e, por conseguin te, a continuidade entre judaismo e Cristianismo, foi efetuada outra ex periencia, a saber: a traducao dos Evangelhos (escritos em grego) para o aramaico. Diz a propósito o Prof. Gianfranco Ravasi, eminente biblista italiano:

"Foi possfvel captar no aramaico os jogos fonéticos subjacentes, com os quais se favorecía a lembranca e se comprovava a fidelídade da transmissao dos conteúdos. A poesía e a prosa /iteraría hebraicas, de fato, estao ligadas á sonoridade, isto é, ao amalgama harmónico dos sons dos vocábulos..., aos matizes das tonalidades, que se manífestavam sobretudo na recitacao oral" (citado por V. Messori, Padeceu sob Póncio Pilatos?,

p. 295). Vé-se assim que a rima dos vocábulos reaparece ñas traducoes feitas para o aramaico, que era a língua falada por Jesús e pelos Apostólos.

Observa ainda Gianfranco Ravasi: "O rabí cristao, como seu colega judaico, levava o discípulo a decorar nao só o texto central, mas também um seu comentario oficial. Por isto nos Evangelhos encontramos frases de Jesús comentadas por outras frases

por ele pronunciadas, talvez em contextos diferentes, mas afinspelo conteúdo. Só um exemplo elementar: ao lado do Pai Nosso reportado por 392

"OS CINCO EVANGELHOS"

Mateus, temos o comentario de um dos seus pedidos principáis: 'E perdoai-nos as nossas ofensas assim como nos perdoamos a quem nos tem ofendido... pois, se perdoardes aos outros as ofensas recebidas, também o Pai celeste vos perdoará. Mas, se nao perdoardes uns aos outros, o Pai tam bém nSo perdoará vossos pecados' (Mt 6,12.14s)" (ib. p. 296). Nesse comentario merece atencao aínda o paralelismo "Se perdoar des... se nao perdoardes..."; tem funcao mnemónica, visando a facilitar a recordacao das palavras de Jesús e do seu comentario oficial.

Em conclusao, escreve Gerhardson: "A própria raiz hebraica da árvore crista fez com que a tradicao evangélica, ligada ao rabino Jesús de Nazaré, ofereca uma sólida garantía de qualidade e fidelidade histórica ñas pala vras de Jesús e ñas lembrancas sobre Jesús" (ib. p.297).

É esta uma conclusao frontalmente contraria á do Jesús Seminar, que imagina ñas primeiras comunidades cristas uma proliferacao fantasiosa de dizeres atribuidos a Jesús.

Deve-se aínda notar aquí a posicao de G. Theissen:1 pondera que no Evangelho há paiavras duras inspiradas por um radicalismo total no tocan te ao comportamento dos disci'pulos; assim, por exemplo, os dizeres de Le 14,26: "Se alguém nao aborrecer seu pai, sua mae, sua esposa e seus fiIhos... nao poderá ser meu discípulo". Pergunta Theissen: pode-se dizer que tais palavras sao oriundas da mente das primeiras geracoes cristas? Sao elas condizentes com as tendencias humanas mais 'razoáveise simpáticas'? Nao devem ter tido origem na pregacao mesma do Mestre? Quem as terá concebido e sustentado durante decenios sem que viessem dos labios do próprio Jesús? Pode-se aínda registrar um dado significativo: o vocábulo Parákletos (advogado, intercessor) só ocorre nos escritos joaneus, a saber: em Jo 14, 16s.26; 15,26s; 16,7-11.13.15; Uo 2,1. Ora, como só se acha em Jo e Uo, escritos de fins do século I ou do inicio do sáculo II, os peritos do

Jesús Seminar tém essa palavra como totalmente alheia a Jesús (cor preta) e oriunda no seio das primeiras comunidades cristas de cultura helenís tica, que se julgavam assistidas por "Alguém" invisível (parákletos) após a partida de Cristo. Eis como se exprimem tais estudiosos: "Para a nova ge-

racao, o Evangelho promete a vinda do Espi'rito Divino, o advogado (vv.

1 Wanderradikalismus. Literatursoziologische .Aspekte der Überlieferung

von Worten Jesu im Urchristentum, em Zeitschrift für Theologie und Kirche 70 (1973), pp. 245-271. 393

H)

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

16-17), cuja principal responsabilidade há de ser 'lembrar' aos crentes o

que Jesús disse (v.26). Assim compreenderao que Jesús habita nao so men te com o Pai, mas também neles" (p. 452).

Ora certamente a palavra Parákletos tem chamado a atencao dos es tudiosos pela sua ocorréncia típica nos escritos joaneus apenas. Todavía nao faltam críticos que apontam no próprio judaismo as raízes do conceito de Paráclito {advogado, ¡ntercessor); com efeito, o judaismo tardio falava muito de intercessores junto a Oeus: anjos, patriarcas, profetas, jus tos... Assim S. Mowinckel, Die Vorstellungen des Spatjudentum vom Heiligen Geist ais Fürsprecher und der johanneissche Paraklet: ZNTW32 (1933), 97-130; N. Johansson, Parákletos, Vostellungen von Fürsprechern für die Menschen vor Gott in der alttestamentlichen Religión, im Spa'tjudentum und im Urchristentum, Lund 1940.

Há também quem. veja nos escritos de Qumran um antecedente do conceito de Parákletos. Sim; os monges de Qumran muito se referiam a in tercessores veneráveis do passado — os Patriarcas, Moisés —, fazendo eco ao mesmo conceito encontrado nos apócrifos (livro etíope de Henoquee livro dos Jubileus). Tal é o ponto de vista de O. Betz, Der Paraklet. Für sprecher im haretischen Spatjudentum, im Johannes-Evangelium und in neu gefundenenen gnostischen Schriften, Leiden-Koln 1963. Donde se vé mais urna vez que é precipitada e contestável a sentenca dos peritos do Jesús Seminar.

2.3. A obra de Jean Carmignac O Pe. Jean Carmignac dedicou-se especialmente ao estudo dos manus

critos de Qumran (cf. PR 367/92, pp. 533-542); desde 1954 aplicou-se a esta análise na própria térra de Israel. Isto o levou a fundar, dirigir e redigir (quase a sos) a famosa Revue de Qumran, o único periódico do mundo ¡nteiramente consagrado a tal tema. Em 1963 experimentou grande surpresa, que ele mesmo descreve:

"Traduzindo e estudando aqueles textos recuperados das trevas das grutas, encontrava continuamente nexos muito claros com os Evangelhos.

Dei-me conta assim de que eu poderia escrever um comentario sobre estes últimos é luz dos documentos de Qumran. Decidí comecar pelo Evangelho de Marcos e, para meu uso pessoal, quis ver que som teña quando traduzido para o hebraico de Qumran... Eu imaginava que tal traducao seria difícil e complexa, em virtude das consideráveis diferencas entre o pensamento semítico e g grego, Ao 394

"OS CINCO EVANGELHOS"

invés disso, surpreendido, logo descobrí que a traducao se reveiava extre

mamente fácil. Depois de um só día de trabalho - era abril de 1963 - eu estava convencido de que o texto de Marcos nao podía ter sido redigido em grego: na realidade, devia ser a traducao literal de um original hebraico.

As grandes dificuldades que eu estava prevendo, ¡á tinham sido resolvidas pelo tradutor original, que transpusera — palavra por palavra — o texto, conservando até a ordem dos termos requerida pela sintaxe hebraica...

Quanto mais avancava no trabalho, tanto mais - primeiro em Mar cos, depois em Mateus — eu descobria que o corpo visfvel era helenístico, mas que a alma invisível era semítica, sem nenhuma margem de dúvida" (ib. p. 304).

A opiniao de Carmignac, compartíIhada por alguns estudiosos, segun do a qual o texto original dos Evangelhos é hebraico e nao grego, encontra dificuldades serias, pois obrigaria a admitir a redapao dos Evangelhos ou, ao menos, dos Sinóticos antes do ano de 70 (quando Jerusalém foi des-

trui'da e os romanos expulsaram os judeus de sua térra). Todavía pode-se dizer, com certeza, que o texto grego dos Evangelhos supoe a pregacao oral aramaica dos Apostólos, fazendo ressoar aos nossos ouvidos o linguajar se mita (revestido de grego) dos primeiros pregadores. Para finalizar, note-se algo de curioso: o novo tende a redescobrir o antigo. A pos procurar em fontes e ambientes helenísticos e pagaos luzes para entender os Evangelhos, a exegese contemporánea (mesmo nao cató lica) se volta para as fontes semitas do Evangelho, mostrando a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento. O Concilio do Vaticano II professou sabiamente:

"A Santa Mae Igreja, com firmeza e máxima constancia, sustentou e sustenta que os quatro Evangelhos, cuja historicidade Ela afirma sem hesitacSo, transmitem fielmente aquilo que Jesús, Filho de Deus, ao víver en tre os homens, realmente fez e ensínou" (Constituicao Dei Verbum n? 19). *



*

APÉNDICE NSo podemos deixar de mencionar aqui o livro do rabino Jacob Neusner intitulado no seu original "A Rabbi talks with Jesús" e traduzido para o portugués como "Um Rabino conversa com Jesús. Um Diálogo en tre Milenios e Confissoes" (Imago Editora Ltda. Rúa Santos Rodrigues,

(continua na pag. 411) 395

Joáo Paulo II se pronuncia

SOBRE A ORDENAQÁO DE MULHERES

Em síntese: Em vista dos recentes debates sobre a ordenacao sacerdo tal de mulheres, o S. Padre Joao Paulo II houve por bem escrever urna Car ta aos Bispos do mundo inteiro assinada aos 22/05/94, em que declara, de modo definitivo e peremptório, a posicao da Igreja: a esta nao foi concedi da a faculdade de ordenar mulheres. Joao Paulo II, assim talando, nao faz senao retomar a posicao assumida por Paulo VI e por anteriores documen

tos da Igreja. Os fundamentos da Declaracao sao: 1) o exemplo de Cristo, que só chamou homens para constituir o colegio apostólico; 2) a praxe da Tradicao de quase vinte séculos; 3) os pronunciamentos do magisterio da Igreja. A posicao do Catolicismo, diversa da do Anglicanismo contempo ráneo, nao implica menosprezo da dignidade da mulher; é de lembrar que María SS., mais digna do que os Apostólos, nao foi chamada para fazer parte do colegio apostólico; além do qué, a Igreja reconhece o papel im portante e insubstituível da mulher na historia da humanidade e do Cris tianismo. Mais: a Igreja afirma que o valor de urna pessoa nao depende das funcoes que exerce, mas das suasprendas moráis e da sua santidade. *

*

*

Aos 22 de maio pp., Joao Paulo II assinou urna Carta dirigida aos Bis pos do mundo inteiro, em que aborda a questao da ordenacao sacerdotal de mulheres na Igreja Católica. Passamos a consideracao do problema em foco e do texto de Sua Santidade, que vem a ser um dos mais importantes do pontificado de Joao Paulo 11.

1.0 PROBLEMA

É notorio que o tema da ordenacao sacerdotal de mulheres tem sido discutido nos últimos anos por mais de urna razao:

1) a promocao e a projecao da mulher em diversos setores da vida pública levam a perguntar por que nao também no exerci'cio do ministerio sacerdotal; 386

SOBRE A ORDENApÁO DE MULHERES

2) a escassez de clero em varias partes do mundo sugere a varios cristaos a tendencia a chamar mulheres para integrarem o clero da Igreja Católica; 3) o procedimento da Comunhao Anglicana, que em 1994 resolveu

solenemente ordenar mulheres, tem influido fortemente na abordagem do tema entre católicos, embora as ordenacSes anglicanas nao sejam reconhecidas como válidas pela Igreja Católica.1

4) um certo feminismo passional tem contribuido para acirrar os de bates em torno da questao.

Tém-se multiplicado coloquios e estudos sobre o assunto fora e den tro da Igreja Católica. A Comunhao Anglicana vem-se ressentindo viva mente da decisao de seus hierarcas, sancionada pela rainha Elizabeth II em 1994; muitos clérigos (Bispos, ministros ou pastores) e leigos tém

abandonado o Anglicanismo, pedindo admissao na Igreja Católica, pois

julgam que a medida fere os principios básicos do Cristianismo; nem'jesus Cristo nem os Apostólos nem a Tradicao posterior conferiram as ordens sacras ás mulheres; fazer isto no sáculo XX parece a muitos uma derroga-

cao ás disposicoes do Senhor e uma adaptacao inoportuna ao pensamento e aos procedimentos da modemidade.

Visto que dentro da própria Igreja Católica as opinioes tém estado divididas, havendo mesmo certa pressao sobre a Santa Sé para ceder á onda ¡novadora, o S. Padre resolveu escrever uma Carta breve, mas muito

clara e enérgica, pela qual intenciona por termo final ás hesitacoes e discussoes, como se verá a seguir.

2. A CARTA DE JOAO PAULO II 2.1. Nítida. Posicao

Após a exposicSo de motivos, os incisos fináis (§ 4) da Carta exprimem o que há de essencial no documento:

1 Nao sSo reconhecidas como válidas, porque a hierarquia católica tradi

cional foi quase totalmente extinta (por morte ou por encarceramento) sob a rainha Elizabeth I (1558-1603). Recomecou na pessoa de Mateus Parker, antigo cape/So da rainha, que foi ordenado bispo em 1559 por William Barlon, bispo deposto pela rainha, mas auténtico sucessor dos Apostólos. Todavía o ritual utilizado por Barlon excluía qualquer alusao á Missa como perpetuacao do sacrificio de Cristo. Em conseqüéncia, as ordenacoes anglicanas, após prolongada aná/ise dos fatos e textos, foram por Leao XIII declaradas inválidas em 1896 mediante a Bula Apostolicae Cu rae. 397

14

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

"4. Embora a doutrina sobre a ordenacao sacerdotal, que se deve re servar somente aos homens, se mantenha na Tradicáo constante e univer sal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magisterio nos documentos mais recentes, todavía atualmente, em diversos lados, continua-se a considerá-la como discutível, ou entao atribui-se um valor meramente disci plinar á decisao, da Igreja, de nao admitir as mulheres á ordenacao sacer dotal.

Portanto, para que seja excluida qualquer dúvida em assunto da má xima importancia, que pertence á própria constituicao divina da Igreja, em virtude do meu ministerio de confirmar os irmaos (cf. Le 22,32), declaro que a Igreja nao tem absolutamente a faculdade de conferir a or

denacao sacerdotal ás mulheres, e que esta sentenca deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja." Neste parágrafo chamam-nos a atencao os seguintes tópicos:

1) o S. Padre nao fala apenas como um Bispo ou um teólogo, nem fala como Papa que sugere, recomenda ou preceitua, mas pronuncia-se "em virtude de seu ministerio de confirmar os irmaos na fé (Le 22,32)"... Isto quer dizer que Joao Paulo II afirma tratar-se de urna questao ligada á fé católica e, de modo particular, ao conceito de Igreja que decorre do Novo Testamento e da Tradicáo; a temática "pertence (diz respeito) á própria constituicao divina da Igreja" e a afeta; isto é, mexe em algo que poderia mudar a ñoclo e a estrutura da Igreja tal como foram a nos lega

das por Cristo Jesús. É, pois, o conceito dogmático da Igreja que está em jogo.

2} Dada a gravidade do assunto, o S. Padre faz uso do máximo grau de autoridade que Ihe compete. Com efeito; segundo as palavras de Jesús, cabe-1 he confirmar os ¡rimaos na fé e discernir peremptoriamente verdade e erro em materia de fé, desde que corra perigo o patrimonio das verda des entregues por Cristo a sua Igreja (cf. Le 22, 31s).

3) Assim fundamentado, o S. Padre declara que foge ás faculdades concedidas por Cristo á sua Igreja a de ordenar mulheres. E acrescenta que "esta sentenca deve ser considerada definitiva por todos os fiéis da Igre ja". - Isto quer dizer que nao pode haver hesitacüo legítima a respeito, nem se pode mais dizer que o assunto é discutfvel ou que um dia a Igreja poderá ordenar mulheres. O S. Padre fecha a questao com firmeza e nitidez.

A atitude de Joao Paulo II, corajosa como é, inspira-se no zelo de conservar íntegro o depósito da fé, entregue por Cristo á Igreja e, parti

cularmente, ao ministerio de Pedro, o Apóstolo-primaz e Pastor Supremo 398

SOBRE AORDENAgÁO DE MULHERES

15

do rebanho de Cristo (cf. Jo 21,15-17). Com outras palavras: é a ¡ntencao de ser fiel a Cristo que norteia o S. Padre, ainda que isto desagrade aos homens. Em nossos dias turbulentos mais do que nunca, é necessário que naja declarares nítidas sacudidos por vendavais assunto fosse de ordem mento urna ¡ntervencao

que orientem os fiéis e os clérigos, pois estes sao de idéias que desnorteiam muitas cabecas. Se o meramente humana ou política, n3o teria cabi peremptória da autoridade respectiva, mas, visto

tratar-se de questao de fé, impoe-se urna definicao autoritativa, pois a fé nao depende de pareceres, opinioes e argumentos de bom senso ou de fi losofía, mas é a adesao á Palavra de Deus, que se faz ouvir por.seus er

gios auténticos, assistidos por Cristo e pelo Espirito Santo. Eis por que os fiéis católicos - homens e mulheres — nao de acatar respeitosamente a Palavra do Papa, que nao falou na base de pesquisas pessoais apenas,

mas se pronunciou no exercício do seu ministerio carismático, a ele con fiado por Jesús Cristo.

Vejamos as razoes aduzidas por Joao Paulo II para firmar a posicao assumida. 2.2. As razoes aduzidas Logo no § 1 da Carta, Joao Paulo 11 transcreve palavras do seu ante

cessor Paulo VI dirigidas ao arcebispo anglicano de Cantuária, Dr. F.D.

Coggan, em 30/11/1975: "A Igreja Católica defende que nao é admissível ordenar mulheres pa ra o sacerdocio, por razoes verdaderamente fundamentáis. Estas razoes

compreendem: o exemplo — registrado na Sagrada Escritura — de Cristo, que escolheu os seus Apostólos só de entre os homens; a prática constante

da Igreja, que imitou Cristo ao escolher só homens; e o seu magisterio vi vo, o qual coerentemente estabeleceu que a exclusao, das mulheres, do

sacerdocio está em harmonía com o plano de Deus para a sua Igreja".1

1 Cf. Paulo VI, Rescrito á carta de Sua Graca o Rev.mo Dr. F.D. Coggan, Arcebispo de Cantuária, sobre o ministerio sacerdotal das mulheres, 30 de Novembro de 1975: AAS 68 (1976), 599-600: "Your Grace is ofcourse well aware of the Catholic Church's position on this question. She holds that it is not admissible to ordain women to the príesthood, for very fun damental reasons. These reasons include: the example recorded in the Sacred Scriptures of Christ choosing his Apost/es only from among men;

the constant practice of the Church, which has imitated Christ in choosing only men; and her living teaching authority which has consistently held that the exclusión of women from the príesthood is in accordance with the God's plan for his Church" (p. 599). 399

16

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Como se vé, o S. Padre se baseia 1) no exemplo de Cristo, que só escol heu Apostólos masculinos, 2) na prática constante da Igreja, 3) no ma gisterio da mesma Igreja.

Além da Carta de Paulo VI, a Congregacao para a Doutrina da Fé, so licitada pelo mesmo Pontífice, escreveu a Decíarapao ínter Insigniores, datada de 15/10/1976, retomando a mesma posicao na base dos mesmos

argumentos, acrescidos de considerares de ordem antropológica. Cf. PR 209/1977, pp. 202-213. O S. Padre Joao Paulo II, repetindo o que já fora dito na Igreja, faz questao de observar que a decisao tomada nao implica, em absoluto, menosprezo da dignidade da mulher; Jesús Cristo mesmo era livre frente aos preconceitos da sociedade de seu tempo, tomando atitudes que dignificavam a mulher, á revelia dos costumes da época; apesar de tudo, nao chamou María SS. para compor o colegio dos Apostólos. — Com efeito, o Se nhor fazia-se acompanhar em suas viagens nao só pelos doze, mas também por um grupo de mulheres (cf. Le 8, 2s). Quis que as mu I he res fossem, pa ra os Apostólos, as mensageiras da sua ressurreícao (cf. Mt 28,7-10; Le 24, 9s; Jo 20,11-18), embora o Direito judaico pouco valor reconhecesse á palavra das mulheres. Perdoando á mulher adúltera, Jesús quis mostrar que nao se deve ser mais severo para com a mulher do que para com o homem (cf. Jo 8,11).

Estes e outros dados evangélicos nao sao, por si mesmos, argumentos decisivos. Háo de ser considerados á luz de toda a Tradicao da Igreja, que viu na atitude de Jesús urna orientacüo decisiva para determinar o sujeito

do sacramento da Ordem. Essa Tradicao foi a mesma tanto no Ocidente como no Oriente; tal unanimidade é digna de nota especial, visto que em outros pontos nao se verificou; até hoje, alias, tanto os cristaos orientáis como os ocidentais recusam o sacerdocio ás mulheres, tencionando assim ser fiéis ao modelo de ministerio intencionado pelo Senhor e fielmente mantido pelos Apostólos. Se a Igreja Católica em nossos dias rompesse

essa Tradicao, abriría novo fosso entre ocidentais e orientáis. De resto, é de se notar que, embora María SS. tenha sido intimamen te associada ao misterio de Cristo, desempenhando funcao sem par, nao foi investida do ministerio sacerdotal. Este fato foi tido como altamente significativo na teología católica. Assim, por exemplo, escrevia o Papa Inocencio III (t 1216):

"Ainda que a bem-aventurada Virgem María ultrapassasse em dignida de a excelencia todos os Apostólos, nao foi a ela, mas a estes que o Senhor 400

SOBRE A ORDENACÁO DE MULHERES

17

confiou as chaves do Reino dos Céus". (Epístola de 11/XII/1210aos bispos de Patencia e Burgos).

Alias, desde o século II os escritores da Igreja lembram o fato de que Maria, tío exaltada como foi pelo Senhor Deus, nao recebeu a ordenacao

sacerdotal. O lugar de Maria, no plano de Deus, é único; Ela n§o deve ser comparada aos Apostólos, pois está ácima deles. Isto bem mostra que na

Igreja há funcoes diferentes: se, de um lado, nao há accepcao de pessoas diante de Deus, de outro lado existe complementacao de tarefas; o minis

terio sacerdotal nao é a única forma de dignidade, mas é urna maneira de servir entre outras. Maria SS. nao precisa do "acréscimo de dignidade" que certos autores de espiritualidade Ihe quiseram atribuir, chamando-a "Vir-

gem Sacerdotisa".

A propósito ainda, o S. Padre Jólo Paulo II, no § 3 do documento que analisamos, referese á Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, de sua

autoría, Carta na qual exalta o papel insubstitui'vel e a dignidade 'própria da mulher na historia da humanidade e da Igreja:

"A presenca e o papel da mulher na vida e na missao da Igreja, mesmo nao estando ligados ao sacerdocio ministerial, permanecem, no entanto, absolutamente necessários e insubstitui'veis. Como foi sublinhado pela mesma Declaracao ínter Insigniores, a Santa Madre Igreja auspicia que as mulheres cristas tomem plena consciéncia da grandeza da sua missao: o seu papel será de capital importancia nos días de hoje, tanto para o renovamento e a humanizacáo da sociedade, quanto para a redescoberta, entre os fiéis, da verdadeira face da Igreja.1 O Novo Testamento e toda a historia da Igreja mostram amplamente a presenca, na Igreja, de mulheres, verdadeiras discípulas e testemunhas de Cristo na familia e na profissao civil, para além da total consagracao ao servico de Deus e do Evangelho. A Igre ja, defendendo a dignidade da mulher e a sua vocacao, expressou honra e gratidáo por aquelas que — fiéis ao Evangelho — em todo o tempo participaram na missao apostólica de todo o Povo de Deus. Trata-se de santas

mártires, de virgens, de máes de familia, que corajosamente deram testemunho da sua fé e, educando os próprios filhos no espirito do Evangelho, transmitíram a mesma fé e a tradicáo da Igreja.2 Por outro lado, é á santidade dos fiéis que está totalmente ordenada a estrutura hierárquica da Igreja. Por isso, lembra a Declaracao ínter Insig niores, 'o único carisma superior, a que se pode e deve aspirar, é a caridade

1 Congregado para a Doutrína da Fé, Declaragao ínter Insigniores V/.ASS

(1977), 115-116.

2 Joao Paulo II, Carta Apostólica Mulieris dignitatem, 27.AAS 80 (1988), 1719.

401

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

(cf, 1Cor 12-13). Os maiores no Reino dos céus nao sao os ministros, mas

os santos'".' Estas ponderacoes evidenciam bem a posicao lúcida que o S. Padre assume diante da temática discutida. O respeito ás disposicoes do Senhor Deus ditam a atitude da Igreja; homem e mulher, embora sejam iguaisem dignidade, sao diferentes em su as peculiaridades masculinas e femininas; estas hao de ser reconhecidas, para que entre elas haja complementacao harmoniosa e construtiva, em vez de confusao desordenada. A Igreja é sabia e "perita em humanidade" (Paulo VI), principalmen te quando se trata de ensinar as verdades da fé a todos os homens, assistida pelo Espirito de Cristo.

A propósito ver PR 209/1977, pp. 202-213 fsin tese da Declarado ínter Insigniores, da Congregacao para a Doutrina da Fé, datada de 15/10/ 1976).

Crescendo com a Yoga, por Clara de Oliveira. — Ed. "O Lutador", Caixa postal 1028, 30161-970 Belo Horizonte (MG), 1993 (2a. edicao), 142x215 mm, 87 pp.

A autora é católica e professora de Yoga. Encara a Yoga como urna terapia dissociada de crencas religiosas. Reconhece que a Yoga nasceu em ambiente hindúísta, nao cristao, e é praticada hoje segundo os parámetros do pensamento religioso da india. Todavía afirma que o acompanhamento religioso nao é necessário a um praticante de Yoga, como se depreende da definicio proposta á p. 16: "A Yoga é um sistema de técnicas psicossomáticas destinadas a reeducar e integrar a totalidade da personalidade física,

anímica, intelectual e espiritual do homem. £portanto urna escola de psi

cología científica, experimental, que apresenta certas afinidades interpre tativas com o moderno gestaltismo ocidental". Conseqüentemente diz a autora á p. 25: "O ocidental e o cristSo, para praticarem Yoga, terSo que dissociar a prática e a teoría, extrair os exercícios da atmosfera bramánica que os rodela e restitui-los á natureza original, antes de inserí-los num cli ma cristao..." E á p. 26: "Consideraremos o Yoga como urna técnica que permite ao homem viver, quando isso convenha, no silencio efetivo dos sentidos, dese/'os e paixoes humanas; silencio da mente Hvrando de preocu-

pacdes e, ácima de tudo, aceitando calar para que possa o Espirito Santo falar e o espirito humano escutar". — Após esta apresentacSo geral da Yoga, a autora expoe em sete capítulos a técnica da Yoga e suas diversas posturas, oferecendo assim um Manual muito útil aos cristaosque se Árjferessem pelo assunto. Era necessário que se publicasse tal livro, para dissipar as ambigüidades que a Yoga tem suscitado entre os ocidentais. 3 Congregacao para a Dóutrina da Fé, Declaracao ínter Insigniores, VI: AAS(1977), 115. 402

Mentir para curar?

O EFEITO "PLACEBO'

Em sfrítese: Placebo é um medicamento inerte ou inoperante, que sugere aos usuarios pronto alivio ou cura radical, como se o placebo fosse o mais recente e moderno produto da farmacología. Age únicamente por efeito de sugestao. A eficacia de tais produtos tem sido escudada, Com grande surpresa para os dentistas; há quem Ihes atríbua efeitos benéficos em 60% dos casos; até mesmo algumas intervencoes cirúrgicas sao simula das, bastando a simulacao para aliviar ou beneficiar os pacientes.

Estas descobertas sio valiosas nao somente no setor da medicina, mas também em perspectiva religiosa. Com efeito; dissipam a idéia de que os curandeiros e cirurgioes mediúnicos estejam atuando sob a orientacao de entidades superiores. Os beneficios do curanderismo (que, sem dúvida, sao ambiguos e duvidosos) hao de ser interpretados á luz da sugestao e da ciencia, que mais e mais penetra os meandros do psiquismo humano, descobrindo as enormes potencialidades do mesmo. *

*

*

A palavra placebo significa em latim "agradarei"; designa um medica mento inerte ou inoperante ministrado a pacientes a fim de Ihes sugerir que se rao prontamente aliviados ou mesmo curados. 0 placebo, como tal, nao tem eficacia terapéutica, mas o uso do mesmo condiciona o psiquismo do enfermo, dando-lhe a crer que está sendo tratado com um recurso novo e poderoso; disto resulta, muitas vezes, a melhora ou a recuperacSo da saúde do doente.

Os dentistas nos últimos tempos tém-se aplicado ao estudo mais atento deste fenómeno, conhecido, mas nao explorado sistemáticamente. E tém chegado a conclusoes que surpreendem o público bem como aju-

dam a compreender a eficacia "mágica" de certos artificios do curandeirismo. Passamos a expor esses resultados, valendo-nos do artigo "Mentir pour

guarir" de Ludmila Couturier, publicado em "Sciences et Avenir", n? 567, mai o 1994, pp. 20-24. 403

20

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

1. AS EXPERIENCIAS RECENTES 1.1. Variedade de aplicacoes

Como ponto de partida da reflexao sobre o assunto, pode-se citar o caso segu inte: Dois grupos de músicos estavam para entrar em cena. Todos apresentavam síntomas de nervosismo: taquicardia e sensacao de stress. Deu-se a um desses grupos um medicamento tido como eficaz contra o stress. Ao outro grupo ministrou-se um produto de aparéncia idéntica, mas desprovido de qualquer ingrediente medicinal, todavia sem que se Ihe dissesse que era um artificio. Ora aconteceu que, pouco antes do concertó, os agentes de saúde tomaram o pulso de todos esses músicos e verificaram que o rit mo cardiaco se havia acalmado nos dois grupos. Tal foi a experiencia rela tada por Gilíes Bouvenot, responsável pelo Laboratorio de Metodología de Ensaios Clínicos da Faculdade de Marselha. Evidenciou bem quanto um placebo pode ser eficaz. O recurso a placebo tem ocorrido no tratamento de numerosas doeneas: úlcera gástrica, angina do peito, poliartrite reumatoide, asma, depressao, insónia, dores pós-operatórias ou cancerosas... Está claro que a eficacia do placebo depende nao só da hábilidade de quem o ministra, mas também das predisposicoes emocionáis do paciente: expectativas mais intensas sao mais coroadas de éxito.

Os estudiosos tém comparado entre si a acao do medicamento autén tico e a do placebo, e verificam que este produz os mesmos efeitos que aquele: mesma relacao dose/efeito (duas doses de placebo sao mais eficazes do que urna só), mesmos efeitos cumulativos... Em geral, os efeitos se cundarios do placebo sao náuseas, vómitos, diarréias, dores de cabeca, palpitacoes, vertigens... Nenhuma área da medicina é excluida da acao dos placebo: medicina física (cinesíterapia, eletroterapía...), pediatría, psiquiatría, e até mesmo a cirurgia... Com efeito; tem-se pratícado a cirurgia simulada. Urna das primeiras experiencias deu-se na década de 1960: apregoava-se urna cirurgia das arterias mamarias para tratar a angina do peito; certa vez, porém, os médicos resolveram distribuir em dois grupos os pacientes que precisavam dessa ¡ntervencáo: a metade dos enfermos foi realmente operada, ao passo que a outra metade sofreu apenas urna pequeña incisSo superficial. Referiu entao o Dr. Patrick Lemoine, psiquiatra em Liao: "Os resultados dessa pes

quisa mostraram a inutilidade de tal intervencao; centenas de pacientes foram beneficiados, pois a cirurgia propriamente dita Ihes teria sido fatal". 404

O EFEITO "PLACEBO"

21

1.2. Dados numéricos

Até os últimos tempos julgava-se que o placebo seria eficaz em 30% dos casos. Atualmente, porém, após as pesquisas efetuadas pela Scribbs Foundation em La Jolla (California), o placebo pode ter efeito benéfico em 60% dos casos de aplicacao. Verdade é que os resultados numéricos sao muito oscilantes: quando se trata de újcera gástrica, a cura por placebo pode variar de 20% a 70% dos casos, segundóos estudiosos. Nota-se tam bém que a mesma pe'ssoa pode ser muito sensi'vel a um placebo em deter

minado momento e.em vista de certa doenca, mas náío é sensível em outro momento ao placebo destinado a curar outra doenca.

Em psiquiatría, afirma o Dr. Eduardo Zarifian, o placebo pode atin gir 40% de éxito no tratamento das depressoes e 80% no das ansiedades. Verificase outrossim que a modalidadedos placebo influí no resulta do do tratamento: assim, por exemplo, as injecoes s§o mais eficazes do

que os xaropes e os comprimidos. Estes alcancam mais beneficios se sao

grandes e amargos ou também muito pequeños; as cores também desempenham certo papel. Os laboratorios levam em conta estes dados para con feccionar seus produtos. Pergunta-se agora:

1.3. Como explicar a eficacia dos placebo?

É claro que os placebo desencadeiam urna acao sobre o psíquico do

paciente: este se torna otimista, julgando que descobriu o mais eficaz dos tratamentos e obterá a "impossível" cura. Isto desbloqueia o psiquismo e permite melhor reacSo do organismo á molestia.

Mais precisamente, o jornal The Lancet propoe urna interpretacao biológica do efeito placebo no tocante ás dores pós-operatórias: a acao

analgésica poderia decorrer da secrecao das endorfinas, ou das moléculas produzidas pelos neurónios e implicadas na moderaclo das sensacoes dolorosas. Os pesquisadores chegaram a esta conclusüo bloqueando a secrecá"o de endorfinas por meio de um inibidor; verificaram entao que o placebo

nSo aliviava as dores. O Dr. Patrick Lemoine, Chefe do Servico de Psiquia tría do Hospital Le Vinatier (Li3o), afirma: "É muito provável que outros neurotransmissores

placebo".

intervenham como, suportes bioquímicos do efeito

Está claro que grande importancia toca ás atitudes do médico que mi nistra o placebo. Já se observou o valor de urna palavra reconfortante: "Vocé será curado ou curada dentro de tres dias com esse medicamento". 405

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Estas palavras sao muito mais úteis do que outras do tipo seguinte: "O que eu Ihe receito, pode-lhe ser útil; se nao, queira chamar-me de novo".

Há também o efeito contrario do placebo: o nocebo (prejudicarei); é a atitude pessimista do médico.que, se nSo agrava o estado de um pacien te, pode tornar nulo o respectivo tratamento. Isto leva o Dr. Patrick Lemoine a afirmar que "certos médicos que muitas vezes obtém maus resul tados, se deveriam interrogar a respeito das suas relacoes com os respecti

vos pacientes".

A pessoa do médico ou do agente de saúde desenvolve papel ainda

mais influente, se essa pessoa age em nome de urna crenca religiosa: xamanismo, marabutismo ou outra que utilize a imposicao das maos. 1.4. Aspecto ético

Levanta-se a questao: será moralmente h'cito recorrer a placebo no tratamento de enfermos? A razao para duvidar é que tal procedimento implica engañar o doente, mentindo-lhe. Precisamente a eficacia do place bo decorre do fato de que o paciente julga estar sendo atendido com um medicamento muito eficaz, recém-descoberto, cuidadosamente minis trado, etc. Este tipo de terapia tem merecido a condenacao de varias Comissoes

de Ética Médica. Na Franca a lei Huriet, promulgada em setembro de

1990, exige que as pessoas exprimam um consentimento esclarecido e livre ao tratamento que Ihes é proposto.

Há também quem pondere o seguinte: um paciente procura seu médi co para recuperar a saúde. O médico que Ihe atende, quer corresponder

aos anseios do cliente. Julga, porém, que o paciente é dotado de constituicao psicossomática tal que a medicina convencional será de pouca utilidade ou mesmo poderá gerar efeitos laterais indesejados. Entáo por que nao recorrer a um placebo devidamente estudado e ministrado, desde que na

ja probabilidade de efeitos salutares? O médico que assim procede, está promovendo a cura do paciente, cura que este muito deseja e que nao con seguiría (suponha-se) de outro modo. NSo se deveria ponderar caso por ca so, em vez de rejeitar globalmente o uso de todo e qualquer placebo?

2. A IMPORTANCIA DAS EXPERIENCIAS A tomada de consciéncia da eficacia dos placebo é de grande valor

nao somente para a ciencia médica, mas também para explicar fenómenos 406

O EFEITO "PLACEBO"

23

de curandeirísmo. Este é exaltado como terapia muito eficaz, mais do que a convencional; a própria cirurgia de curandeiros ou de "médicos do

espaco" é elogiada como eficiente e valiosa. Os resultados positivos sao explicáveis mediante presumidas ¡ntervencdes de seres do além, que estariam atuando através de médiuns, pais-de-santo, benzedores... Tais expli-

cacSes conseguem convencer muitas pessoas... Ora a descoberta da efica

cia dos placebo dissipa a presuncao, do curandeirísmo, de ser dirigido por

entidades superiores e portentosas. Os efeitos positivos do curanderismo podem ser enquadrados dentro do dinamismo de aclo dos placebo. Assi m cai mais urna mistificacao de nossos tempos.

APÉNDICE

Á guisa de ilustracao e complementado, segue-se urna noticia pu

blicada pelo JORNAL DO BRASIL, aos 3/6/94, p. 8:

Eficacia de placebo é subestimada

WASHINGTON - Dores de cabeca, coluna, cólicas pos-operatorias ou provocadas por anginas e asma podem ser combatidas, em grande parte dos casos, com placebo - pílulas que simulam remedios mas que nSo tém qualquer efeito farmacológico.

"A eficacia do efeito placebo no tratamento da dor tem sido subesti mada", afirma a pesquisadora Judith Turner, da Universidade Washing ton, de Seattle, baseada em um estudo que desenvolveu durante 15 anos e

que acaba de ser publicado na revista da AssociacSo Médica Americana (JAMA). Depois de analisar urna serie de publicacoes e os resultados de mais de 75 pesquisas sobre os efeitos analgésicos obtidos por medicamentos e cirurgias ficticios, Turner concluiu que o efeito placebo funciona em urna proporcSo de pacientes muito maiorque os 35% estimados até agora.

Em urna pesquisa com 2.500 pessoas que apresentavam problemas nos discos intervertebrais da coluna lombar e que se submeteram a cirur gias — mas nSo chegou a haver intervencao porque nao se constatou a presenca de hernia — 43% dos pacientes disseram nSo sentir mais dor após a operacao. O mesmo efeito placebo foi constatado em 37% das pessoas que se queixavam de dor no ñervo ciático.

Os resultados obtidos no tratamento da asma também foram sur-

preendentes.

¿07

Um novo livro sobre Educacao Sexual:

"SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO'

Foi recentemente lampada a traducao brasileira de Guidelines for

Comprehensive Sexuality Education, guia de orientacao sexual elaborado nos Estados Unidos pelo SIECUS (Sex Information and Education Council of United States). No Brasil, o Guia foi traduzido sob a coordenacao do GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa e Orientacao Sexual) e adapta do á realidade brasileira; dizem os protagonistas que "acabou ficando meIhor que o original norte-americano" (palavras do próprio representante do SIECUS, Dr. William Yarbet). O trabalho de adaptacao foi coordenado pela Sra. Marta Supplicy; destina-se a obra principalmente a professores dos m'veis de primeiro e segundo graus, podendo ser muito útil á classe

médica, como dizem os comentadores (ver JORNAL DA ASSOCIACÁO

MÉDICA BRASILEIRA;abril de 1994, p. 6).

O manual defende a prática da masturbacao "para o prazer e o ali vio de tensoes sexuais de pessoas que n§o tém parceiros". Defende também o pretenso direito ao aborto mediante frases do seguinte teor: "Um dos argumentos mais aceitos a favor da legalizacao do aborto no Brasil é que se trata de urna questao de saúde pública e um direito da mulher". "A legalizado do aborto nao obriga a pessoa a realizá-lo, se isso con traria seus va/ores moráis ou religiosos".

"Fazer um aborto em condicoes seguras e higiénicas raramente ínterfere na capacidade, da mulher, de engravidar ou de dar á luz no futuro". Ora um grande médico, Professor Titular do Departamento de Medi cina Clínica da Universidade Federal Fluminense, o Dr. Herbert Práxedes,

escreveu para o mesmo JORNAL DA ASSOCIACÁO MÉDICA BRASI

LEIRA um artigo que prova nao estar a classe médica de acordó com as apreciacoes publicadas no mesmo periódico em suá edicao de abril pp.

— É precisamente esse artigo, que retoma o título do anterior, acrescen408

SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO

25

tando-lhe urna interrogacao, que passamos a transcrever ñas páginas subseqüentes.

SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO? Sob o título ácima oJAMB, de abril do corrente ano, divulga com grande destaque o lancamento da adaptacao brasileira do livro america no "Guidelines for Comprehensive Sexuality Education" coordenada pela

senhora Marta Supplicy. É mais um desservico que esta senhora presta á

educacao e medicina brasileiras. Sexualidade é o conjunto dos fenómenos da vida sexual, a expressao fenotípica própria a cada sexo e também urna forma de expressar, de sentir e viver o amor humano. Nao pode, e principalmente nao deve, ser confundida com um de seus aspectos: a genitalidade, biológicamente diri gida á reproducao humana. A chamada educacao sexual, somente explicitando biológicamente o sexo, mais apropriadamente deve ser denominada de ¡nformacao sexual. Aulas de informacao sexual, sem que os valores e responsabilidades inerentes á atividade sexual humana sejam simultaneamente ensinados, fazem com que o adolescente tenda a , precoce e irresponsavelmente, transformar em prática aquilo que teóricamente aprendeu. Em numerosas escolas elementares americanas, há urna "School-based

clinic" onde os alunos, de qualquer idade e mesmo sem consentimento paterno, recebem instrucoes e material de contracepcao, tratamento de doencas sexualmente transmitidas e, quando julgado necessário, aspiracoes uterinas para "fazer descer a menstruacao atrasada", obviamente abortos precocemente provocados. Essa forma de abordagem sexual nos jovens dos EEUU resulta atualmente em maisde um milhao de maes adolescentes além de anualmente um milhSo e meio de abortos provocados. Gestacoes juve nís, sempre inconvenientes, o aborto, a promiscuidade e suas conseqüéncias sao seus frutos.

Onde estao as vantagens de seguir-se este exemplo de "modernidade de primeiro mundo", advogada pela senhora Marta Supplicy, se a conse-

qüéncia prática da marica informacSo sexual, sem formacao, fomecida á crianca e ao adolescente, é assim catastrófica? É isso que o primeiro mun do vem tentando nos ensinar a nao imitar e que pessoas como a senhora Supplicy insistem em querer copiar. Nao acham que já temos problemas

demais? Um extrato da publicacao em questao diz: "A legalizacao do aborto nao obriga pessoas a realizá-lo, se isso contraria seus valores moráis ou reli409

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

giosos". Esta sentenca, de um relativismo absurdo, é parafraseada de urna outra, em que a Suprema Corte Americana, no sáculo XVIII se referia á escravidao: "Se vocé nao concorda com ela, nao ten ha escravos. A escravidáb nao é obrigatória, mas nao tente impor sua moral a outros". Se a aplicarmos a alguns problemas atuais como execucao de menores infratores por grupos de exterminio, tortura, racismo, eliminacao de idosos inúteis, de doentes crónicos, de deficientes físicos e/ou mentáis, etc., teremos um bom exemplo de onde nos pode levar essa pseudo-moral. Em outro trecho da publicacao, a ciencia do Direito é também agredida, quando é afirmado que o aborto é um direito da mulher. Quem outorgou á mulher esse suposto direito? O Direito Natural — fonte do Di reito Positivo — garante a todo ser humano, nascido ou ná"o, o direito a vida, e dele decorrem os demais direitos. Um simples estatuto legislativo nao tem autorídade para revogar leis que nao foram feitas pelo homem. Para a senhora Supplicy e seu grupo, n3o existem valores absolutos, como a vida, cuja cotacao varia ao sabor dos interesses individuáis ou de grupos.

Em urna das varias incursoes em que a Medicina é diretamente atin gida, a senhora Supplicy e companheiros dizem que o aborto no Brasil é

urna questao de saúde pública. É urna afirmacao, no mínimo, ja I adosa.

0 fato de muitos dos abortos realizados no Brasil — todos clandestinos — em condicoes precarias de higiene complicarem gravemente, até com a morte da mulher, nao os transforma em problemas prioritarios de saúde pública, e muito menos justifica a criacao da Abortobrás, com a transformacao de servicos hospitalares públicos em matadouros de criancas nao nascidas. Ousariam os adaptadores da publicacao-sdvogar como solucao para o problema do menor abandonado — um dos frutos do sexo irresponsável e hedonista que eles advogam — seu exterminio por pessoas com petentes, em locáis confortáveis e em condicoes higiénicas perfeitas, onde

eles seriam abatidos por "profissionais" e nlo por "amadores ou curio sas?". A diferenca é apenas a idade.

A desnutricSo associada ás doencas parasitarias e infecciosas, conseqüente ás baixas condicoes sociais de urna grande parte da populacSo sao, sob qualquer ángulo de vista serio, verdadeiros problemas de saúde pú blica. A descriminalizacao do aborto nao viria solucionar nenhum deles e, ao contrario, acrescentaria ¡números outros. Se aprovada, urna rede hospitalar pública, literalmente destrocada em todo o país, incapaz de atender á demanda normal da populacao para reais problemas de saúde, teria acrescida em suas atribuicSes a execucao de criancas na"o nascidas sempre que suas mSes nSo as desejassem.

Outro problema nao abordado na reportagem e aparentemente tam bém ná"o no livro é: de quem seria a responsabil idade pela'execucao do 410

SEXO COMO NO PRIMEIRO MUNDO

27

trabalho sujo de eliminar as crianzas? Seriam os sexólogos especialmente treinados? Dos médicos, cuja formacSo é toda dirigida a salvar vidas, é que nao. Eles, para se graduarem, prestam um juramento solene, escrito

por Hipócrates 400 anos AC, com linguagem atualizada pela Organizacao Mundial de Saúde, onde, entre outras, fazem a prornessa de nunca realizar ou indicar abortos. O aborto, se, para infelicidade do Brasil, algum dia for retirado da lis ta dos crimes hediondos por alguma lei iníqua, votada por homens ¡níquos, terá certamente a oposicao marica da Classe Médica. Ela certamen-

te, em sua grande maioria, nao se corrompeu. O Código de Ética Médica

garante ao médico, em seu artigo 28, a objecao de consciéncia, isto é, negar-se a realizar determinados procedimentos que, mesmo considerados le gáis, atentem contra seus principios e valores.

(continuagao da pág. 395) 201-A, 20250-430 - Rio-RJ). Este sabio israelita defende a autenticidade dos Evangelhos e comenta o trabalho do Jesús Seminar numa entrevista concedida ao periódico 30 DÍAS, Janeiro 1994, pp. 51-55. Dessa entrevista extra irnos alguns trechos de especial significado: Repórter: "O senhor usou palavras muito duras para comentar a últi

ma moda exegética dos Estados Unidos, o Jesús Seminar..." Neusner: "Creio que o Jesús Seminar é urna mistificacao intelectual

de gente que pretende saber coisas que é ¡mpossível saber. Antes, pensei que era urna brincadeira. Agora nSo pensó mais assim. Sao pessoas que se levam muito a serio e pretendem ter urna opiniSo fundamentada sobre questoes dificéis de ser resolvidas. Pretendem até decidir as questSes com

o voto. Creio que tudo isso é absurdo. É mais do que urna mistificacao. Os estudos sobre o Novo Testamento que conhecemos hoje, entraram em

urna 'bancarrota intelectual', porque deixaram de lado todo o capital de racionalidade, lógica e argumentacSes rigorosas que sustentam a erudicüo. NSo se pode renunciar a todas as regras e ser levado a serio". Repórter: "Mas o sucesso deles é inegável. Revistas importantes como a Time e a US News dedicaram dezenas de páginas ás teses deles. Como se explica isso?"

Neusner: "É o sucesso de urna operacao de public relations. Voces sabem muito bem como sao os Estados Unidos... O sucesso deles n§o é inte(continua na pág. 415) 411

Des-educacao sexual:

'UMJOGO PELA VIDA'

por Cl. Mesquita e B. Salgueiro Em símese: Está sendo utilizado ñas escolas da rede oficial do Estado

do Rio de Janeiro um manual de pretensa preservacao contra a AlDS, pa trocinado pelo BANERJ, apoiado pela Secretaria Estadual de Educacao do

Rio de Janeiro e financiado por duas instituicoes estrangeiras. É livro de

realismo vulgar, que descreve a cópula sexual e os perigos de contrair

A/DS nessa ocasiao, sem apresentar alguma escala de valores nem o senti do da sexualidade humana.

Em réplica a esse texto vai, a seguir, publicado, em traducao brasileira, um artigo de D. Jacques Fihey, Bispo de Coutances, que aponta a castidade ou o amor conjugal fiel como única defesa segura do organismo con tra o flagelo da AIDS. *

*

*

Está sendo distribu ido na rede escolar oficial do Estado do Rio de Janeiro um manual intitulado "Um Jogo pela Vida. Tudo que vocé nunca

pensou sobre Al DS e que nos gustaríamos que vocé soubesse". É obra de

Claudio Mesquita (textos) e Bia Salgueiro (desenhos) com a colaboracao de Marco Py (pesquisa bio-médica) e Sheila Gliosci (revisao). A edicao de 410.000 exemplares foi financiada por instituicoes estrangeiras: ABF/Estocolmo e Public Welfare Foundation, Ins. A obra conta com o apoio da Secretaria de Estado de Educacao do Rio de Janeiro e com o patrocinio do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ). Como responsável pela edicSo, consta a ABIA (Associaclo Brasileira Interdisciplinar de AIDS), Rio de Janeiro 1992.

O texto é redigido em estilo simples, usando o jargá'o popular ou mesmo vulgar; mostra com realismo a maneira como funcionamoaparelho genital masculino e o feminino, procurando assim evidenciar como se pode contrair a AIDS mediante a cópula sexual. A conclusao de toda a explanacao é a recomendacao do uso do preservativo como se fosse a.garantia de 412

"UM JOGO PELA VIDA"

29

"sexo seguro". Nenhuma norma ética é ai proposta, nenhuma escala de valores, nenhuma apreciacáo do sentido da sexualidade e da genitalidade... O leitor acaba tendo a impressá'o de que o uso da genitalidade em qualquer idade é um imperativo ao qual ná*o se pode ou nao se deve resistir; o que importa, é tomar as cautelas para ná*o contrair as molestias que daí pro-

venham.1 Ora isto nao é educar, mas, sim, deseducar; é reduzir o ser hu

mano a seus impulsos naturáis, desregrados que sejam, sem a mínima intencao de formar o caráter ou a personalidade mediante o despertar de bons hábitos. Tal desservico prestado á juventude brasileira tem o patro

cinio e o apoio das autoridades governamentais e de instituicoes estrangeiras que financiaram a vultosa edicao de 410.000 exemplares!

A juventude é assim explorada e ludibriada, pois a própria imprensa tem noticiado repetidamente que os preservativos s3o falhos, porque po rosos e suscetíveis de rebentar duante a cópula sexual. Ver a propósito PR 384/1994, pp. 225-229. Muitas vozes sensatas se tém levantado contra a recomendacao de preservativos. Nestas páginas vem reproduzido em traducao portuguesa o

artigo.de D. Jacques Fihey, Bispo de Coutances (Franca), publicado no Boletim Diocesano de Coutances, n° 9, de 4/5/1994.

I. "LUTAR CONTRA A AIDS" Ouco, muitas vezes, criticas á pos ¡cao da Igreja Católica relativa á AIDS; raramente, porém, essas críticas procedem de um conhecimento exato do que é essa doenca. Eis, por conseguinte, o qge pensó. Para lutar contra a AIDS, é preciso agredir o essencial. A sexualidade é urna realidade humana fundamental dotada de sentido profundo; todo ser humano, religioso ou nao, compreende que nao se pode fazer qualquer coisa neste setor. A Biblia diz aos fiéis que Deus criou o homem á sua ¡magem, homem e mulher Ele os criou. Isto quer dizer que a doacSo mutua e o compromisso de amor do homem e da mulher, vividos muito especial mente na relacao sexual, exprime algo da realidade de Deus, que é amor. Por isto, interessado, com a Igreja, em guardar o valor fundamental da se-

1 "Todos os seres humanos transam de urna forma ou de outra e há muitos milenios. Porém, neste momento transar pode ser muito arriscado, se nao conhecemos os cuidados que devem ser tomados para anular os ris cos. E sao bem poucos e muito simples. Nenhüm carinho ou bei/'o passa AIDS. Nem mesmo o bei/'o na boca" (p. 16). 413

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

xualidade humana, creio que o homem é afetado por tudo o que diz respeito á sexualidade; a humanizado do homem se faz ou desfaz, em proporcOes significativas, de acordó com a maneira como a pessoa vive a sua sexualidade. Isto é tao verídico que, cada vez que o homem dissocia um do outro sexualidade e compromisso de amor, ele se destrói; a pornogra fía, a prostituiclo degradam homens e mulheres; degradam a humanidade. Eis por que protesto quando se reduz a luta contra a AIDS ao uso de pre servativos. Isto quer dizer concretamente que os homens julgam quase inevitável, muito natural, que as pessoas tenham relacoes sexuais com muitos parceiros; só importaría o uso de preservativos.

Antes de falar do preservativo, é preciso falar, principalmente aos jo vens, a respeito do sentido da sexualidade; é preciso dizer-lhes que a f idelidade, num casal, é humanizante e construtiva. Para todos aqueles que vivem essa fídelidade, o preservativo nao tem utilidade, ao menos se nenhum

dos dois é portador de HIV. Somente os preconceitos impedem de ver, e

talvez de dizer, que a fidelidade é urna das vias para lutar contra a AIDS. Os jovens valem muito mais do que aquilo que se imagina quando só se Ihes fala de preservativos. Joao Paulo 11 disse aos jovens de Uganda que o laco sexual da castidade é a única maneira segura e virtuosa de por fim a essa praga trágica que é a AIDS;ele nao Ihes falou de preservativo, contra riamente ao que pensam as pessoas que criticam a posicao do Papa.

Da mesma forma, a questao do preservativo (na medida em que seja

de confianca) só se coloca para aqueles que o querem ou para aqueles que

nao sabem viver a fidelidade, para aqueles que tém encontros sexuais com parceiros múltiplos. A esses ná"o digo que eles tém razio; ao contrario, creio que destroem pouco a pouco em si mesmos algo de muito belo... A um comportamento que nSo se pode aprovar, nao queiram acrescentar um risco grave. Seria avolumar a falta.

Um jovem dizia-me, um dia, para justificar o recurso aos preservati vos: 'Quando o fogo comeca a arder, é preciso urgentementeapagaroin

cendio', é verdade; é preciso apagar o incendio, mas é preciso tarnbém evi

tar as causas do incendio e nfo acumular materia inflamável na casa que

queima. Ora tenho a ¡mpressao de que, apregoando o preservativo, os ho mens v3o acumulando materias inflamáveis. Assim sSo implícitamente es timuladas as relacoes sexuais múltiplas, precisamente esse fator que causa adifusSodaAlDS".

II. REFLETINDO...

O texto de D. Jacques Fihey é simples e claro. Diz-nos que, se quere mos combater a AIDS, devemos ir ao ponto essencial da luta: Ora este se 414

"UMJOGO PELA VIDA"

31

acha na sexualidade humana - algo de grande e digno que faz parte da nobreza do ser humano. Quando se banaliza a sexualidade, banaliza-se a própria pessoa humana. Ora a recomendacSo de preservativos é implícita

mente o abono do sexo livre ou do libertinismo sexual ou, aínda, da de-

gradac§o do homem. Favorecendo as múltiplas relacSes sexuáis sem

parámetro, o preservativo, em vez de combater, tormenta a AIDS e sua propagacao.

A única maneira de combater eficazmente o flagelo é, como disse Joao Paulo II, a castidade ou o uso do sexo dentro dos referenciais institui'dos pela natureza (= pelo Criador), ou seja, dentro da vida conjugal vi

vida em amor e fidelidade.

(continuagao da pág. 411)

lectual, mas um modo de fazer publicidade e ganhar dinheiro. Mas a publi-

cidade e a verdade nao sao a mesma coisa". Repórter: "E qual é a sua postura?".

Neusner: "Nao quero entrar em discussoes muito complicadas. Mas eu pergunto por que nao podemos identificar nao só o Jesús da historia, mas também o Jesús Cristo da fé ñas coisas ditas pelo Jesús de Mateus. E pergunto: por que o Jesús dos eruditos deve ser mais importante que o Je

sús que foi considerado bom por milhSes de fiéis durante os sáculos? A distincáo entre um e outro, importante para alguns teólogos e apologetas tanto do judaismo como do cristianismo, impressiona-me pela falta de fundamentado. Dizem que os Evangelhos a presentam muitas discordan

cias, mas eu prefiro notar que durante sáculos os cristaos estiveram satisfeitos com a harmonía que está presente neles... Os mesmos dados que impressionaram os estudiosos dos últimos duzentos anos, nao causaram gran de ¡mpressao nos fiéis dos dezoito sáculos anteriores. O ini'cio da escola exegética que pretende distinguir o fato da ficcSo, o mito ou a lenda do evento auténtico, depende do modo como os teólogos protestantes, prin cipalmente na Alemanha, comecaram a escrever a vida de Jesús, ná"o seguindo simplesmente a letra dos Evangelhos, mas julgando-os. Essa atitude de ceticismo sistemático cobre os Evangelhos com consideracSes que as geracSes anteriores nao tinham concebido".

415

Tentando levantar o véu...

CAMPAN HAS CONTRA A AIDS

NA CONTRAMÁO

Em sintese: Dr. Helio Begliomini, como médico pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina, julga que o recurso a camisinhas e preservati vos é ineficaz para evitar a propagacao da AIDS; alias, a experiencia mesma mostra que a doenca se alastra sempre mais. Preconiza, pois, urna me dida mais radical no combate a tal molestia, ou seja, a mudanca de costumes da nossa sociedade libertina, mudanca sem a qual é inútil qualquer campanha de prevencao. De resto, observa o Dr. Begliomini que tais cam panhas, enquanto favorecem indiretamente a propagacao da AIDS, proporcionam negocios altamente lucrativos a todas as empresas que de algum modo estao ligadas ao exercício da sexualidade. *

*

*

0 Dr. Helio Begliomini, já conhecido por sua colaborado com PR, é pós-graduado pela Escola Pau lista de Medicina e médico do Hospital do Servidor Público do Estado de Sao Paulo (HSPE-FMO). Preocupado com a difusSo da AIDS, escreveu um artigo que vai, a seguir, publicado, e no qual denuncia a ineficacia das campanhas ditas "de prevencao contra

a AIDS"; a molestia tem-se propagado sempre mais. E propoe como solucao radical para o problema a mudanca de costumes libertinos da nossa sociedade. Nota outrossim que, enquanto as campanhas "preventivas" nao surtem os almejados efeitos, propiciam negocios altamente lucrativos a firmas ligadas ao exercício da sexualidade. Daí o título do artigo abaixo,

que, alias, faz eco a tres outros artigos deste fascículo.

CAMPANHAS DE PREVENQAO DA AIDS NA CONTRAMÁO. A QUEM INTERESSAM?

Infelizmente urna das poucas posicSes de destaque ocupadas pelo Brasil no cenário internacional se refere á grande incidencia de portadores da Síndrome da I mu nodef¡ciencia Adquirida (AIDS). Os dados sao alar mantes e, segundo os especialistas, a cifra de pessoas contaminadas com o virus é ao redor de tres a quatro vezes aquela sabidamente conhecida atra416

CAMPANHAS CONTRA A AIDS NA CONTRAMÁO

33

vés da notificado compulsoria. Este número representa, de fato, um grande "exército", apto a atacar "invisivel" e "silenciosamente" seus adversarios sadios, como se estivesse implantada em cada um deles urna bomba mortal, programada para explodir cinco... sete ... ou dez anos mais tarde. Torna-se fato inconteste que a grande maioria dos portadores do vi

rus da AIDS adquiriu sua condicao através de disturbios do comportamento: quer por meio de relacoes sexuais descompromissadas, múltiplas e/ou promiscuas, quer através da utilizacao de drogas injetáveis. Paralelamente, temos assistido a um ¡nvestimento macico em campanhas ditas "de pre vencao" nos mais diversos e persuasivos matizes de veiculos: jomáis, pan fletos, outdoors, cinema, teatro, te levi sao, vídeo-tapes, fitas, radio, revis tas, boletins etc.

Curiosamente, as pesquisas divulgadas pelos especialistas no assunto demonstram que a AIDS continua crescendo alarmante e céleremente, apesar dos esforcos empreendidos em termos de prevencao. Parece que os grupos de risco (homossexuais, heterossexuais promis cuos, e drogados) nao estao, em sua maioria, preocupados com a doenca e sua transmissibilidade. Para alguns, disseminara doenca torna-se até manifestacao de revolta por ter contra ido urna enfermidade incurável. Esta-

riam as campanhas preventivas mal orientadas? Dirigidas de forma inadequada? Sem suficiente penetracao nos meios visados? Tudo indica que nao. Parece, sim, que a populacao mais susceptivel é dominada por urna mentalidade alienada e distorcida dos padrees da normalidade. Tal fato é muito bem alimentado por urna sociedade essencialmente egoísta, consumista e hedonista, onde levar vantagem sobre outrem passa a ser o

objetivo primordial do individuo. Ademáis, a acentuada solidao em que vivem os cidadaos dos grandes centros urbanos, aliada á miseria cada vez mais presente, ao lado do despreparo educacional, favorecem a busca de alternativas alienantes, mais facéis, e nem sempre honrosas. Por sua vez, a situacao torna-se mais favorável numa sociedade "conformada", onde as pessoas se omitem, e ná~o se posicionam a favor do bem. Talvez se ludibriem numa falsa liberdade, segundo a qual cada um é dono de si, podendo fazer o que bem quiser, desde que nao incomode os outros. A AIDS pare ce ilustrar um vetusto e popular aforisma que diz que a "liberdade de um comeca onde termina a do outro". Mas qual é a sua medida ética? Após estas consideracoes, faz-se necessário perguntar: A quem se destinam as campanhas de prevencao da AIDS? — Constata-se que sao um ne

gocio altamente lucrativo para empresas ligadas ao sexo ñas suas mais di versas formas de atuacSo, sempre oferecendo empregos diretos e indi retos. 417

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

As industrias de preservativos, apenas um exemplo, tém suas metas superatingidas e nunca venderam tanto quanto em nossos dias. Acrescenta-se a este fato que, num sistema de Governo acostumado a receber propinas através da participacao ñas transacSes de quaisquer especies de projetos, obras e compras de mercadorias, a falta de ética parece pairar nao mais em receber porcentagens, mas no definir o elevado montante dessas porcentagens.

Paralelamente, varios médicos "opinión makers" e profissionais rela cionados á área da saúde tém sido muito solicitados para falar, aqui e aco la, sobre a situacao sombría da AIDS. Tais andanpas, se nao representam real beneficio á prevencao deste inexorável flagelo, pelo menos proporcionam bons dividendos políticos e promocional aos seus protagonistas e promotores.

Conseqüentemente, faz-se mister acrescentar urna frente a mais, e só lida, na batalha contra a AIDS. Desta vez, através da genui'na divulgacao dos bons costumes. Pouco vale tao somente informar, mas vale muito for mar pessoas. Números e estatísticas que nao visam ao homem na sua in

tegral idade, sao um irracional saco vazio. Portanto, querer prevenir a AIDS sem explícito, rígido e firme combate ao consumo de drogas e á dañosa prática sexual ¡rresponsável, com seus múltiplos meandros e nuanpas de apresentapao, é, no mínimo, incoerente e inconseqüente. Nisto os experts deveriam concordar. Alias, ná*o se requerem apenas técnicas, mas, sim, homens íntegros e corajosos para mudar os rumos. Até hoje nao se descobriram medidas científicas para se obter a cura e a tá*o sonhada profilaxia da AIDS. E necessário, porém, que se compreenda que urna enfermidade certamente mortal, disseminada, em sua maior parte, por desvíos comportamentais, deve ser combatida lucidamente por urna mudanpa de costumes.

Portanto, querer prevenir a AIDS distribuindo preservativos e ofer

tando seringas descartareis aos respectivos grupos de risco 6, ao mesmo tempo, estimular a frouxidao de costumes, a debilidade de carátere, indi-

retamente, a própria disseminacao da doenpa. É querer equipar um carro de corrida com pára-choques de borracha e orientar o piloto a dirigi-lo na contramao em plena competipao. Chegará a salvo através das múltiplas e repetitivas oportunidades de acídente, apesar das placas de sinalizacao e

de sua "protecSo"?

418

Testemunho eloqüente:

ACOMPANHANDO UM JOVEM AIDÉTICO

Em smtese: Eis o testemunho de uma apóstola dos doentes, que nar ra os seus encontros com um aidético. A principio, revoltado contra tudo,

reconciliou-se com Deus, voltando a usar o crucifixo que ele anteriormen

te trazia pendente ao pescoco. — Morreu sereno, embora nao tenha recebido os sacramentos fináis. Esse fim de vida tranquilo, após atitude de revolta e desánimo, se deve ápaciencia zelosa e as oracoes assíduas de A.G., que soube comportarse com o rapaz de modo delicado e caridoso. *

*

*

A AIDS é um maiores flagelos de nosso tempo, causando certa retracao do público em geral. Todavía existem pessoas dedicadas que nao se furtam ao trato caridoso e benévolo de seus irmaos sofredores. Entre elas seja mencionada uma anónima agente da Pastoral dos Enfermos (aumoniére d'hópital) na Franga, que deixou por escrito o testemunho de sua expe riencia com um jovem aidético. Este depoimento foi publicado pela revis

ta Vie Chrétienne, n? 385, abril de 1994, pp. 4-7. Merece ser divulgado, pois, em meio ás tragedias que afetam a nossa sociedade, poe em relevo luz

e amor voltados para a desgraca alheia. Ei-lo em traducao portuguesa.

I. O TESTEMUNHO

"Acompanho pacientes em fase terminal, mas prefiro dizer que acompanho os doentes para os fazer viver do melhor modo possível até o fim.

Existe entre nos um Servico que acompanha tao somente os enfer mos atingidos por AIDS, assim como os drogados e os que tentaram o suici'dio. Foi precisamente nesse Departamento que eu tive de intervir para acompanhar um doente aidético.

Esse acompanhamento durou cinco semanas. A pedido do médico, eu fui ter junto a um rapaz que chama reí Patrick, de trinta e dois anos de 419

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

idade. O médico dissera-me: 'Minha senhora, ele necessita de ser ouvido

muito particularmente'. As palavras 'muito particularmente' me perturbaram um pouco. Que significavam no caso? Perguntei entao: 'Doutor, que entende o Sr. por escuta muito particular?' Respondeu-me: 'Creio que ele tem uma fé muito vaga; ele procura algo'. Passei pela cápela para criar o vazio em mim, rogar ao Espi'rito Santo e fui ter á cabeceira desse enfermo. Viera do Sul. Fazia questSo de guardar um certo incógnito; a fami'lia nao estava a par da sua doenca. Fiquei sabendo que somente sua irma Ihe

conhecia o estado de saúde. Por conseguinte, ao entrar no quarto, eu nao conhecia esse senhor, e quase nada havia no seu fichário. Logo colócou-me ele á vontade, pois foi o primeiro a falar, perguntando: 'Sabe a Sra. de que mal eu sofro?' Respondí afirmativamente: 'Vocé sabe que tenho acesso aos fíchanos médicos para poder ajudar os pacientes, mas estou obrigada ao segredo profissional. Nao se preocupe portanto'.

Após o primeiro contato, logo senti em Patrick uma enorme revolta interior, mal expressa e desajeitada. Ele nao sabia como havia de me pedir ajuda. Também nao sabia como eu ia aceitar e acolher o seu pedido; ele modisse mais tarde. Acrescentou logo que ele me conhecia mediante o pessoal de enfermagem. Minha visita foi abreviada por um chamado, mas, antes que eu deixasse o quarto, ele nao quis deixar de me dizer: 'Até

amanhá".

No dia seguinte, encontrei um rapaz totalmente prostrado, apagado, ausente. Apesar de tudo, respondeu ao meu 'Bom dia' e pediu-meque me sentasse. Fez-se um silencio total entre nos. Ele tomou mesmo o cuidado

de virar a cabeca para nao mais me ver. Uma atitude silenciosa de acolhimento nao era coisa fácil. Podem imaginar a minha angustia. Eu sentia em mim uma forca intensa que me levava a dizer-lhe algo;eu quería irdepressa demais, mas, ao mesmo tempo, eu dizia no fundo de mim mesma: 'Vai devagar. Tu queres conseguir que ele exista com o seu passado, no pleno respeito á sua pessoa; tu o queres reconciliar com a vida, entao vai deva

gar. Na verdade, nao houve abertura alguma. Todavia a sua chaga estava

bem presente. Vivemos esse silencio durante uns dez días. Cada dia diziame ele: 'Até amanha\

E esse amanha chegou. Num domingo em que eu estava de servico,

levando a ComunhSfo a outros doentes, o médico veio dizer-me que Patrick quería ver-me. O enfermo acolheu-me dizendo: 'Este é um dia belo para voces, hoje; é domingo'. Respondi-lhe: 'Com efeito; tenho a alegría de dis tribuir a Comunhao a alguns doentes do Departamento em que vocé está'. Nesse momento uma descarga de agressividade, de maldade, de grosseria caiu sobre mim. Ele me falou, aos gritos, da sua revolta, do seu sofri420

ACOMPANHANDO UM JOVEM AIDÉTICO

37

mentó, da sua dor e, a seguir, dos seus pesares, a tal ponto que urna enfermeira veio, através da porta semi-aberta, perguntarseeu precisava de ajuda. Eu tentava manter-me tao calma quanto possi'vel e rezava, rezava. Acabou dizendo-me: 'Como é que a Sra. quer que me sinta á vontade em meio a toda esse turbulencia?'. Acrescentou com mais calma: 'A Sra. sabe, o silen cio era apenas um modo de testá-la. Eu julgava que a Sra. fosse fazer um discurso moralizante, que fosse dizer-me que eu causaría pesar á minha fa milia no dia em que soubesse que sofro de AIDS...' e assim por diante. Após alguns minutos de silencio, ele retomou: 'Que terá acontecido para que hoje eu precise de Ihe gritar meu sofrimento e minha revolta?'. Nesse momento, ousei dizer-lhe que, desde o nosso primeiro encon tró, eu rezava por ele e que o Senhor acabara de nos dar um sinal da sua presenca em meio a nos. Entao ele me pediu que me retirasse, porque ele estava cansado.

No dia seguinte, ele solicitou-me que apanhasse a sua corrente e a sua cruz que estavam em sua bolsa. Eu o fiz ¡mediatamente. Perguntei-lhe: 'Por que ná*o as traz mais consigo?'. Respondeu-me que havia muito tempo que estavam em sua sacóla porque ele nao se sentia dignodeastrazer; aquele dia, porém, era, para ele, um momento de reconciliacao com o Senhor, algo de muito simples que ele quería realizar na intimidade. Seguiu-se urna partilha de reminiscencias: falou-me do seu passado, fora escoteiro... mas misturava as coisas; e, para ele, tudo era negativo. Eu tentei mostrar-lhe o lado positivo da sua vida, pois ele fizera coisas magníficas. Isto durou bastante tempo; devo dizer que fui a prímeira a me cansar, e disse-lhe simplesmente: 'Podemos interromper esta conversa, estou cansa da, mas antes vamos rezar com palavras que saem do meu coracao'. Diariamente durante semanas caminhamos assim. Tranquilamente, sempre seguindo as suas perguntas. Eu nunca me quis antecipar; chegamos a falar da morte, da morte dele. Ele nao tinha medo de morrer; ele quería

saber como ia morrer e se ia sofrer. Em dado momento, ele me disse: 'Que é que eu serei diante de Oeus após a vida de malandro que eu levei? Como isto me angustia!'. Esta interrogacao me deu a ocasiao de dizer-lhe que esse Deus de amor e misericordia estava muito perto dele nesse momento, pois o gesto de voltar a usar a cruz desde o dia do seu retorno equivalia a um Sim dito ao Senhor. Chorou muito, segurou-me a mao e abracou-me. No dia seguinte de manhS, a enfermeira acolheu-me dizendo-me:

'Entao, vai ao encontró marcado amoroso!'. Passei por umsobressalto; ela continuou: 'Imagine, Senhora G., que Patrick nos chamou ontem á noite, a todas, e nos disse que estava bem melhor desde que se sentia enfim ama do como tal'. Na verdade, era um encontró amoroso para mim. 421

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Caminhávamos devagar; talamos dos sacramentos, do padre, um pouco desordenadamente. Nunca eu me despedía dele sem urna ¡nvocacao á Vírgem e urna orapao.

Naquela noite, ele me disse: 'A Ave-Maria nao se canta?' — 'Se vocé quer, eu acantarei'. Quanto mais eu me ad¡antava nesse acompanhamento, tanto mais estava em paz, pois eu sabia que o Senhor nos antecedía, e que em cada um dos nossos encontros Ele estava presente; Ele me possibilitava acolher os ¡rmaos como eles eram, mesmo que eu tivesse a ¡mpressa*o de estar mar cando o passo ou até de estar voltando atrás. Eu quería, ácima de tudo, respeítar a marcha do irmao.

Deíxando-o naquele sábado, sentí algo que nao pude explicar; era um pressentimentó auténtico, poís, de noíte, o Departamento me chamou dízendo-me que Patríck me desejava. Encontrei-o meio-sentado em seu leito, em paz, sorríndo. Entrei nes se quarto com angustia e medo, dizendo: 'Senhor, que hei de fazer ou de dízer?'. Logo, porém, ele me ¡nterpelou: 'Eu nao quería ¡r embora sem Ihe dizer Obrigado'. Tomei-o pela mSo e perguntei-lhe se eu podía ir cha mar urna das enfermeiras que se haviam ocupado especialmente com ele, pois ela precisava de Ihe dizer, ela também, quanto ela o amava. Respondeu-me ele: 'Nao; nao quero que ela me veja na agonía'. Com efeito;em poucas horas, o seu físico se degradara terrivelmente. Para ele, eu era urna estranha ao mundo médico e ¡sto o incomodava menos. E, com um olhar cheio de luz, radiante, ele me pediu que cantasse, dessa vez, o Magníficat. Eu tinha sempre a mao dele na minha; em dado momento, sentí que ele a apertava mais forte do que de costume, e foi o fim.

Sim; eu chorei... de alegría também. Agradecí ao Senhor as maraviIhas que Ele tinha realizado no coracSo de seu filho, e a ocasiao de encon trar Patrick.

Foi esta urna facanha que marcou profundamente o Servico. Eu teria gostado de que ele particípasse mais; mas creio que, antes do mais, era pre

ciso preservar a ¡ntimidade e a vontade desse paciente. O fim foi, para mim, rápido demais; fiquei aínda ansiosa...; teria desejado urna Común nao, urna Uncao dos Enfermos, como sugería a nossa formacao; mas o Senhor

decidiu de outro modo. Fiz a dura experiencia de minha pobreza; senti422

ACOMPAMHANDO UM JOVEM AIDÉTICO

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me, muitas vezes, despreparada, mas creio que a oraclo foi, para mim, um sustento inestimável.

A.G. Agente de Pastoral de Hospital"

II. COMENTANDO. .. Este depoimento chama a atencao sobre quatro pontos:

1) a delicadeza respeitosa da Sra. A.G., que deixou o jovem á vontade para que se manifestasse como quisesse e quando quisesse. Nao o tendo incitado a falar, facilitou-lhe a abertura espontánea para Deus.

2) A carencia, de afeto e carinho experimentada pelo jovem paciente; sentiu-se reviver ou melhorar depois que atguém Ihe mostrou benevolencia. As vezes, mais importante do que a técnica e sua aparelhagem é, para o en fermo, a mío que o segura em sinal de solidariedade amiga. 3) A fé pode vir á tona e revigorar-se em presenpa dos sinais do amor de Deus. Infelizmente o enfermo nao chegou a receber os sacramentos fi

náis, mas deu pravas de procurar sinceramente a Deus no termo da vida;

estava arrepentido e tentou unir-se a Cristo mediante a imagem do Crucifixo. Só Deus sabe o que vai no íntimo dos homens em fase terminal; pode ser que esse enfermo tenha feito tudo o que sabia e podia fazer para se reconciliar com Deus nos últimos momentos de sua existencia terrestre. O Senhor o terá recebido em seu regaco de amor.

4) Parece que mais de quinze milhoes de pessoas no mundo estao afetadas por AIDS. Sao cinco mil aproximadamente os casos detectados cada dia. Esta realidade constituí um desafio nao somente para os médicos e agentes da saúde, mas também para os cristaos comprometidos, pois o pro blema nao é de ordem meramente medicinal, mas é também, na maioria dos casos, moral. NSo se pode silenciar o fato de que a AIDS se prende,

muitas vezes, aos desvíos e abusos sexuais. Só a revisto da escala dos valo res á luz da fé pode por um dique ao progresso da molestia. *

*

*

Reencarnacao: Pros e Contras. Opúsculo reeditado agora pela Escola "Mater Ecclesiae"; juntamente com quinze outros ("Por que nao sou pro testante?". Por que nao sou espirita?", "Porque nao sou ateu?"), integra a serie catequética. Pedidos á caixa postal 1362,20001-970 Rio (RJ). 423

A situacao da Igreja

NA ALBANIA QUE RENASCE...

Em sintese: 0 Pe. Simón Jubani, albanés, que passou dezoito anos em prisao pelo simples fato de ser católico, descreve algo do que foi a perseguicao religiosa nos tempos do comunismo albanés. Mostra o heroísmo de familias e grupos católicos, que, arriscando a vida, mantiveram a fé e algumas poucas expressoes de sua religiao num ambiente sufocador. Atualmente existe liberdade religiosa no país, nao, porém, registrada na Constituicao nacional; a situacao ainda é ambigua. Os católicos, que nao sao mais do que 13'/< da populacao do país, gozam de certo prestigio perante

as autoridades e os próprios muculmanos (que sao 67% da populacao). A reconstruQao material e espiritual da Albania está sendo ardua, mas empreendida com grande coragem. 0 autor expoe esta situacao com fervor reli gioso e zelo patriótico, e termina pedindo a ajuda dos povos irmaos. *

*

*

Publicamos, a seguir, em traducao brasileira, um artigo do Pe. Simón

Jubani, albanés, que passou dezoito anos em prisao pelos simples fato de ser católico.1 É um dos poucos clérigos sobreviventes á grande noite que se abateu sobre a Albania durante cinqüenta anos de comunismo. As suas palavras, que revelam grande amor á patria e á Igreja Católica, apresentam algo do histórico da Igreja Católica na Albania dos últimos tempos.

I. A IGREJA NA ALBANIA A Albania, situada nos Baleas, é o país mais atrasado da Europa por causa das sucessivas ocupacSo que sofreu por parte de povos estrangeiros. Após nove séculos de ocupacoes bizantina, houve o imperio turco, que dominou a regiSo durante cinco séculos. 0 comunismo Ihe infligiu o golpe de misericordia, apoderando-se da Albania pelo período de cinqüenta anos

1 0 texto castelhano foi publicado pela revista mexicana Ecclesia, faneiro-

marco de 1994, pp. 79-85.

424

NA ALBANIA QUE RENASCE, , .

após a segunda guerra mundial (1939-1945). A nacao conta tres milhSes de habitantes, 67% dos quais sao muculmanos, 20% ortodoxos e 13% cató licos; estes vivem no Norte do país, em "Shkodra com as cinco montanhas". Ñas montanhas refugiou-se a minoría católica para escapar da ira dos turcos. Somente Shkodra, cidade do Norte, tem sua historia religiosa própria. Os albaneses foram libertados do jugo turco em 1912. Até o advento do comunismo faziam parte da Europa Ocidental. As grandes potencias européias haviam confiado á Italia o atendimento á Albania; houve peritos italianos na Albania até 1944; deram á Albania otomana urna fisionomía européia, construindo rúas, escolas, pontes, hospitais, servicos públicos como Correios, Telégrafos e outros elementos que caracterizam um Estado civilizado. A Igreja na Albania, com as suas seis dioceses, tinha em 1944 um De legado Apostólico, representante da Santa Sé, seis Bispos e duzentos sa cerdotes diocesanos e religiosos. Editavam-se lá periódicos e impressos ca tólicos. Existia a escola católica (primaria e secundaria). Havia dois Semi narios (a Teología era estudada no estrangeiro), dois orfanatos e outras instituicoes religiosas, culturáis e sociais, mediante as quais a Igreja dava tom europeu ao país inteiro. Apesar disto, a nacao, aínda em nossos dias, é considerada térra de missao. Cento e cinqüenta Irmasalbanesasdirigiam as creches, institutos de instrucao elementar e media para meninas. A mi-

noria católica levava todos os seus filhos as escolas católicas nao mistas; estas instituicSes vinham a ser um oasis naquele deserto que se chama Al bania e que, apesar de tudo, está destinado a reverdescer. As influentes fa milias muculmanas e ortodoxas levavam seus filhos aos colegios católicos. Por conseguinte, a Igreja tomava parte ativa na vida cotidiana do país. Aos 29 de novembro de 1944, com a ascensáfo do comunismo ao po der, a Albania passou da esfera ocidental para a oriental. Até aquela data o Governo jurídico representava os interesses de todos os cidadaos. Foi subs tituido por um cIS. A nacao caiu em maos de pessoas sem escrúpulos, que ¡mediatamente expulsaran) os peritos italianos, assessores do Estado, e em 1944 mandaram vir peritos comunistas servios, depois soviéticos e mesmo chineses, uns mais comunistas do que os outros.

Ao passo que nos outros países ex-comunistas, satélites da Uniao So

viética, a perseguicao foi leve, a Igreja na Albania sofreu um genocidio radical; de um total de duzentos sacerdotes foram condenados á morte, com ou sem processo, cento e quinze, além de cinco Bispos. O clero albanés passou anos ñas prisSes e nos campos de concentrac3o; todas as insti tuicSes religiosas, culturáis e sociais da Igreja foram arrasadas. O ditador 425

42

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

Enver Hoxha aplicou rigorosamente a doutrina de Marx, Engels, Lenin e Stalin. Mediante urna Constituicao atéia, o tirano de Tirana monopolizou nao somente a forca muscular, mas também a consciéncia de tres milhoes de súditos. O terror era de tal forma cruel que obrigava os prisioneiros a aplaudir continuamente o ditador, que os mantinha em prisáo porque acreditavam em Deus e proclamavam os direitos humanos. Os demais cida-

daos, fora dos cárceres, foram obrigados a ostentar em suas casas o retrato de Hoxha; por ocasiSo das festas de familia, o primeiro brinde se fazia pela salvacao e pelo regime totalitario do autócrata. Durante cinqüenta anos foram assassinados cem mil albaneses por albaneses, encarcerados em prisao quinhentos mil e deportados quase um milhao. A Albania era urna gaiola de ferro fechada e separada do mundo da cultura. Foi cortado até mesmo o cabo telefónico que a Turquía tinha estendido ao largo do Mar Adriático e que unia a Albania ao mundo ocidental. Como nos tempos da ocupacao turca, a minoría católica albanesa foi sempre um problema para o Governo comunista de Tirana. Gracas á inde

pendencia frente ao Estado e gracas ao celibato, o clero católico nao abjurou em 1967, quando foram oficialmente extintas todas as religiSes, como fizeram o clero muculmano e o ortodoxo, casados e sempre instrumentos em maos dos políticos: cuius regio, eius religio (tal chefe político, tal religiao). Os católicos, animados pela atitude heroica do seu clero, se reuniam diariamente sobre as rumas dos santuarios e das igrejas, debaixo do olhar e do terror dos comunistas, que os espancavam, os despediam do trabalho, os deportavam, os punham no cárcere e chegavam a matá-los. 0 regime ateu, encontrándose frente a essa forca sobrenatural, julgou que ela provinha das cruzes dos cemitérios; por isto profanaram a es tes com armas e quebraram os seus símbolos religiosos, como ainda hoje se pode ver. Os católicos, e com elesalguns muculmanos e ortodoxos, se reuniram sempre em maior número diariamente, porque a Virgem "fazia mila-

gres" em favor de todos, inclusive sobre as rumas das igrejas. Quando gru pos comunistas iam ás residencias para recolher os livros sagrados, os rosa

rios, as estatuetas, as ¡magens e os crucifixos das familias católicas e saiam das casas carregados de objetos religiosos, havia sempre quem Ihes dissesse:

"Esperem, esperem um pouco, porque esqueceram urna cruz". Os comu nistas perguntavam entao: "Onde está? Nao a vimos?". Nesse momento toda a familia reunida frente a eles fazia o sinal da cruz, dizendo-lhes: "Eis aqui a cruz que jamáis nos podereis retirar".

O viajante que chega á antiga Dalmácia, a partir de qualquer ponto

da península, tem a impresslo de ver um territorio depois de um bombardeio, imerso no caos, sem escolas, sem rúas, sem hospitais, um povo agita do, que perdeu a confianca em suas próprias forcas e ñas reservas patrias e 426

NA ALBANIA QUE RENASCE...

43

que procura no Ocidente um horizonte melhor. A populacao nSo quer ficar em sua térra natal; quer ir embora, pois nao há trabalho, nao há segu ranea.

Nao obstante o genocidio radical que sofreram, durante o ano de

1990 cinqüenta mil católicos se manifestaram: ou morrer ou retirar das

pracas as estatuas de Stalin e Enver Hoxha; ou morrer ou celebrar a Primeira Missa em público após trinta anos. Grapas ás intervencoes intemacionais, nada de dañoso aconteceu. A Missa foi celebrada num cemitério católico de Shkodra, cemitério profanado e cápela incendiada. O cemité rio inspira respeito pela morte e pelos mortos. Nada aconteceu de dañoso, mas teria bastado urna fai'sca, para que o dia acabasse num banho de sangue. Tudo acabou bem. Essa Missa tirou o medo a todo o pai's e obrigou o Governo a abrirse ao mundo e a dar a liberdade relativa que agora usufruirnos, mas que nao consta de nenhum decreto escrito. Infelizmente, mesmo depois da perestroika (abertura), o poder conti nua ñas maos do mesmo grupo político que antes governava, embora te-

nha trocado de nome. O atual Presidente, Sali Berisha, um enfermeiro, era membro do Partido Comunista. O Parlamento e o Gabinete só sabem fazer barulho, porque, tendo escassa formacao política, se assemelham a um grupo que, nao conhecendo o solfejo, nem as regras do contraponto, pretende tocar a nona sinfonía de Beethoven, e a única coisa que consegue é desafinar.

Para se ter idéia de como se desmoraliza um povo sem Deus nem religia*o, convém conhecer a seguinte estatística: em 1944, quando o comunis mo subiu ao poder, mil policiais bastavam para os 900.000 habitantes do país, porque a religiao conservava a ordem pública nacional; atualmente há quase tres milhoes de habitantes e o Governo só consegue manter a or

dem com 26.000 policiais. O comunismo construiu na Albania o reino da dissolupao geral, da ignorancia e da pobreza.

Apesar de tudo, o comunismo trabalhou em pro I da. Igreja de Cristo, pois demonstrou ao mundo todo que sem Deus nada se pode construir e comprovou as palavras do Salmista: "Se o Senhor nao guarda a cidade...". O comunismo destruiu o fundamento islámico, já que forcou os mucul-

manos a comer carne de porco; os muculmanos já na*o sao urna forca reli

giosa, mas política e económica, e adotaram todos os usos e costumes ca

tólicos. Até mesmo trocaram os nomes; já nao se chamam com nomes ára bes, mas com nomes cristaos europeus; adotaram os ritos em favor dos

mortos como os católicos os tém, e escrevem em língua albanesa (indoeuropéia) com o alfabeto latino, ao passo que antigamente escreviam em tur

co com caracteres árabes. 427

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

A Igreja é a única farpa moral, cultural e política, independente como sempre, que se está organizando para renovar as dimensoes e os va lores humanos destruidos pelo comunismo ateu durante cinqüenta anos. A Igreja, através da Caritas, está vestindo e alimentando os albaneses fa-

mintos e mal vestidos e reduzidos a condicoes de extrema necessidade.

Antes de 1990 havia trinta sacerdotes e quarenta Religiosos em todo

o pai's. Grapas aos missionários estrangeiros da Italia, dos Estados Unidos, da Croacia... somos atualmente cem sacerdotes e cento e setenta Irmas. Entre a Santa Sé e o Governo albanés foram estabelecidas relacoes diplo máticas no Natal de 1991. A visita do Papa Joao Paulo II foi urna data histórica. Um Papa havia excomungado o Governo de Tirana duas vezes após a supressao da religiao em 1967; agora outro Papa, Joao Paulo II, foi convidado para ir á Albania. Aos 25 de abril de 1993 foi recebido cordialmente pelos muculmanos. Na catedral de Shkodra o Santo Padre sagrou quatro Bispos, criando assim urna híerarquia nacional. Oeixou a mensagem da paz, da bondade e sua béncao para se resolverem pacificamente os ¡nú meros problemas espinhosos que afligem o pai's no caos.

Os jesuítas dirigem um Pré-Seminário com cinqüenta jovens. Os fran ciscanos dirigem outro com vinte. Varias Congregacoes de Religiosos e Re ligiosas trabalham atualmente no país. Constroem-se igrejas e casas paroquiais. A imprensa católica circula gracas á fotocopiadora. Os salesianos comecaram a construir urna escola profissional. Mas ainda há tres dioceses sem Bispo, sem sacerdotes, sem Religiosas, sem igrejas. O Nuncio Apostó lico, o Arcebispo Ivan Dias, originario de Bombaím, celebra em dois ritos e pastorela todo o Su I da nació, que é mucu I mano e ortodoxo. É o prelado de urna regiao sem católicos. Muitos muculmanos e ortodoxos tomam parte em nosso culto, e aos domingos as igrejas se enchem até 80% ñas cidades e até 100% ñas aldeias e montan has onde naja um sacerdote. As relacoes da Igreja Católica com

os muculmanos e ortodoxos sao boas, dado que nenhum católico respon

de ás denuncias e discriminares publicadas na imprensa nao católica sub vencionada pelo Govemo. Os muculmanos escrevem continuamente, em seu periódico "Luz do Isla", que o mundo católico ocidental terminou como religiao e somente o Isla será a sua salvacao. Estas acusacoes contra a Igreja provém do mal-estar decorrente de estarem suas mesquitas vazias e se converterem alguns muculmanos ao Cristianismo. Isto nSo impediu que as hierarquias muculmana e ortodoxa participassem da Jomada de Oracao Ecuménica que o S. Padre organizou em Assis. A Igreja na Albania está unida e forte; nSo temos medo das numero sas seitas que entraram no país, especialmente de origem protestante. 428

NA ALBANIA QUE RENASCE.. .

45

Existe o diálogo com todos esses grupos através de visitas, cartas, telegra mas..., para nao falar das acusac5es contra a Igreja. De fato; sonriente os governantes sao fundamentalistas; o povo, quer muculmano, quer ortodoso, tem simpatía pelos católicos, que sempre foram o símbolo de liberdade religiosa e política, mesmo em meio ao terror. O país está arruinado somente no plano material; religiosamente há mais fervor do que antes. Talvez por gozarem de situacao económica mais folgada, os católicos das cidades sao um pouco indiferentes; sofrem os

males do modernismo e do consumísmo, como sao o divorcio e o aborto. Ñas populacSes das aldeias e das montanhas, onde existe maior pobreza, a familia católica permanece intata; muitas enancas rezam mais, embora nao tenham um sacerdote, nao conhecem o divorcio e o aborto e vém a ser campo fértil para se colherem vocacSes, que sao muitas (mas faltam Semi narios). A Igreja, a Caritas, a ajuda humanitaria da Comunidade Européia, a aplicacao de capital estrangeiro e os pequeños comerciantes contribuiram para melhorar a situacao crítica do país. Todavía este progresso vai entran do nesta antiga porcao do bloco comunista em proporcao aritmética, e a Igreja é muito pequeña para transformar toda a nacao. O Estado é urna forca económica; tem o monopolio de tudo (materias primas, petróleo, co bre, cromo, prata, mar e outros recursos); mas quase nada faz em favor do povo. Este, a seu turno, procura únicamente abandonar o país; pensa em

emigrar para o Ocidente, mesmo que seja para exercer os trabalhos mais humildes. Mas nao pensa em reconstruir a sua patria, imersa no caos e na desordem. A situacao dramática da Albania é fruto de urna mentalidade equivocada e, para mudar essa mentalidade, é necessário levar os jovens a estudar no Ocidente.

A ígreja na Albania procura realizar com a Igreja do Ocidente a lei dos

vasos comunicantes; damos exemplo de resistencia, mas precisamos de ajuda económica para reconstruir os templos e levar ao Ocidente nossos jo vens, a fim de renovar a geracao vindoura de Irmas, sacerdotes e intelectuais católicos que ajudarao a criar um futuro para a Albania de acordó com o pensamento da Igreja. Agradecemos de antemao a todos aqueles países católicos que colaboram conosco na propagaclo do Reino de Deus e na salvacao das almas. Louvado seja Jesús Cristo."

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

II. COMENTANDO...

O autor escreve inspirado pela alegría de haver recuperado a liberdade, tendo a Albania ultrapassado os dolorosos tempos de dominio comu nista. As suas observacoes sugerem alguns comentarios: 1) A liberdade religiosa e civil existente na Albania nao está funda mentada em nova Constituicao. Os homens do atual Governo sao os do antigo regime; mudaram de nome, mas foram formados na escola do mais rigoroso comunismo ateu. Pode-se crer que se tenham decepcionado e desejem enveredar por outros caminhos, embora perplexos. Alias, fenómeno semelhante parece ocorrer em outros países recém-libertados do comunis mo; os antigos dirigentes voltaram ao poder com outros títulos e talvez com outras idéias. Isto pode deixar os povos libertados na ¡nseguranea quanto ao futuro. O fato é que nao há, entre os nao comunistas de outrora, quem tenha sido preparado para assumir o Governo ou exercer lideranca, tal era o achatamento a que eram reduzidos. 2) O autor registra certo desánimo da populacao albanesa, que pensa antes em deixar a patria do que em colaborar na reconstrucao nacional. A falta de protecao e estímulo por parte das autoridades deve concorrer para

essa atitude. A situacao é pouco convidativa; o autor emprega, mais de urna vez, a palavra caos. 3) Nesse contexto conturbado Simón Jubani se refere á Igreja Católi ca com amor. Julga que foi um baluarte da resistencia ao ateísmo perse guidor..., baluarte mais enérgico e forte do que outras correntes religiosas, embora os católicos fossem (e sejam) minoritarios. Algo de semelhante se deu em outros países subjugados pelo comunismo; os católicos sempre fo ram os mais destemidos e, por isto, também os mais visados. Parece transparerer ai algo do misterio da Igreja: vivificada pela forca de Páscoa ou pe la vitória de Cristo, que ela celebra nos sacramentos, a Igreja tem assumido no mundo de hoje posicoes de resistencia "imprudente" ás ondas do ateís mo, do hedonismo, do libertinismo; ela eré que nao é a onda nem a moda que definem a verdade e o bem, mas é o paradoxo da Cruz. A Igreja tem dito Nao a muitas tendencias fortes do mundo de hoje. Ela o faz para se

conservar fiel a Cristo e desempenhar o seu papel de Mae e Mestra; ela presta assim um servico á humanidade, nao porque arrogue a si a funcao de consciéncia ética, mas porque ela sabe que a sua única razao de existir é a fidelidade a Cristo, que propde urna escala de valores diferente do he donismo e do materialismo.

O Pe. Jubani observa que essa atitude fiel da Igreja tem atraído até

mesmo ortodoxos e muculmanos. Na verdade, o mundo de hoje admira a 430

MOVIMENTO SACERDOTAL MARIANO

47

virtude da coeréncia e a capacidade de sacrificar vantagens materiais para ná*o perder os valores definitivos. Essa capacidade é um dos bens que mais faltam ao mundo contemporáneo.

4) O autor termina pedindo ajuda. É mais do que compreensível. Se

rá a ajuda das oracoes dos cristaos e de qualquer outra coisa que esteja ao alcance daqueles que esta mensagem possa interpelar. *

#

*

MOVIMENTO SACERDOTAL MARIANO

Alguns leitores pedem urna palavra sobre o Movimento Sacerdotal

Mariano (MSM) ñas páginas de PR. Tal Movimento, alias, é acompanhado pelo livro "Mensagem aos Sacerdotes, filhos prediletos de Nossa Senhora", portador das linhas diretrizes de tal Movimento de espiritualidade. O livro tem sido controvertido, porque está dito que reproduz mensagens que a Virgem SS. terá comunicado ao Pe. Stefano Gobbi mediante locucoes in teriores. Eis breve parecer sobre o assunto, parecer inspirado exclusiva mente pela intencao de servir á S. Igreja. Distingamos, como, alias, faz o próprio Pe. Gobbi á p. XXXVI do li vro, entre o MSM e o livro concomitante: 1) O MSM é muito recomendável, pois visa á consagracao dos sacer dotes e dos fiéis leigos a Nossa Senhora, incentivando a piedade e a renovacao de vida numa hora tao carente de estímulos. O MSM vem a ser urna

das muitas iniciativas hoje existentes na Igreja para reunir os fiéis e oferecer-lhes um programa de espiritualidade. Fica a criterio de cada fiel católi co aderir a este ou aquele outro Movimento, atendendo ás suas disposicoes

pessoais. O S. Padre e muitos Bispos tém apreciado e incentivado o MSM. 2} O livro de locucoes interiores é algo de discutido pela índole mesma extraordinaria de tal fenómeno; o próprio Pe. Gobbi cataloga as objec5es que se tém levantado contra tal obra, visto que locucSes interiores podem nSo ser senao urna manifestacao patológica e ilusoria. Com muita sinceridade o Pe. Gobbi reconhece o perigo de ilusao, mas julgaquenem

por isto se pode de antemao condenar qualquer manifestacao de tal tipo. 431

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 388/1994

O Pe. Gobbi tem certeza de que a Virgem SS. Ihe fala. Os criterios para avaliar a autenticidade de tal fenómeno sao: 1) ortodoxia da doutrina proposta;

2) fidelidade á Igreja, especialmente ao Papa e aos pastores legi'timos; 3) humildade e despretensao da pessoa agraciada pelas locucoes; 4) frutos positivos decomentes das respectivas mensagens (afervoramento, conversóos, catequese...).

Ora tais requisitos tém-se verificado em torno das mensagens atribui das a Nossa Senhora. Especialmente os frutos permitem reconhecer a árvore (cf. Mt 7, 15-20). Daí nao se poder, a rigor, impugnar o fenómeno das locucoes menores e o que elas transmitem, na obra do Pe. Gobbi. Pode haver, sem dúvida, quem nao se identifique com a tónica colocada sobre este ou aquele ponto, como, por exemplo, a explicapao dada aos números 666 e 333 (ver Ap 13,18) as páginas 647s; a referencia ao Anticristo (pp. 649s), ao sinal impresso sobre a fronte e sobre a mao {pp. 655s); em suma, a interpretacao do Apocalipse, que ocorre esparsa pelo livro, é de nivel pastoral, nem sempre correspondente á da exegese científica; a predicao da ¡mínente segunda vinda de Jesús (pp. 704.712) é algo de controvertido.

Em suma, nota-se que a mensagem das locucoes interiores é um apelo á conversao ou ao afervoramento — o que certamente é muito válido. Há ai' censura de erros doutrinários e moráis apontados com realismo e com oportunidade — o que também é válido. As previsoes, ameacas e promessas é que sSo questionáveis; há tantas previsSes e ameacas paralelas atribuidas ao Senhor e aos Santos em nossos días que é lícito perguntar se, de fato, vém do céu ou sao projecoes da mente humana cansada de tantos males e flagelos contemporáneos e, por isto, espontáneamente disposta a crer que "so Deus dá um jeito nisso". Podemos crer que estamos á beira de urna catástrofe mundial, mas na"o convém acentuar esta h¡pótese como se fosse urna certeza e um referencial para o comportamento dos cristaos. Ao crístao compete viver como se estivesse.sempre diante do juízo

de Oeus, sem dúvida; isto implica que qualquer momento pode ser o últi mo. Basta que saiba isto para que se prepare constantemente para o encon

tró final com o Senhor Jesús; nSo há necessidade de profecías que definam algum tempo ou momento com precis§o. Disse o Senhor Jesús: "NSo com pete a vos conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com a sua própria autoridade" (At 1,7). Estéváo Bettencourt O.S.B. 432

NOVIDADES

SALTERIO ILUSTRADO PARA CRIANQAS E ADULTOS COM ALMA DE CRIANCA... Formato: 21,5x16,00.. . R$ 8,50

OS 150 SALMOS PELAS MONJAS BENEDITINAS DE SANTA MARÍA - S.P.

2? edipao- 1994 R$ 8,50

- O COMPROMISSO CRISTÁO DO MONGE, Augusto Pascual, OSB. Traducao do Mosteiro da Virgem, de Petrópolis. CIMBRA-1994. 350 p

RS 28,60

Palavras de Madre Eugenia Teixeira, OSB:

"O autor, monge de Leyre, Espanha, oferece estas páginas aos monges e monjas

que tém como norma ¡mediata de vida crista a Regra beneditina.

Sao conferencias dadas através dos tempos e em variadas circunstancias, a grupos

monásticos.

O autor eré que possam interessar também a outros cristaos, especialmente reli giosas, urna vez que a vida monástica está na raíz e na base dos institutos de vida consa grada que se multiplicaram através dos séculos. Ele nota que nossos dias carecem de um conhecimento aprofundado da espiritualidade monástica. Nao temos obras deste género."

- A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal.

Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró CuritibaPR.

CIMBRA-1994. 115 p r$ 14,30 A presentado pelo Dr. Roben Runcie, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo

Cardeal Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, aba de de Sao Bento da Bahía.

Palavras do Cardeal Basil Hume, OSB.:

"É bom ter um livro sobre a Regra de Sao Bento que venha, como diz a autora

"da experiencia de vida de urna mae e dona-de-casa". Temos grande necessidade de obras que nos ajudem a viver os ideáis do Evangelho. A leitura espiritual é indispensá-

vel para conhecer e amar melhor a Oeus.

Muitas pessoas ficarao gratas á autora deste livro que mostrou ser a sabedoria antiga, quando auténtica, também muito moderna e contemporánea. Pedido pelo Reembolso Postal ou conforme 2a capa.

Novidade

RS 15,00 INTRODUQÁO

A - SÓ. SOB O OLHAR DE DEUS 1 - Sao Bento e Sua Obra

2 • Sao Bento e sua mensagem 3 - A Primazia do Espiritual

4 - Hospitalidade e Apostolado 5 - Sío Bento, o trabalho e a Construyo da Cidade Medieval

6 - Ensinando pela Experiencia 7 - Sao Bento e o Zelo de Amargura 8 - Feliz o que caminha na Lei do Senhor

B - SAO BENTO E A EDUCAQÁO 9 • Sao Bento e o Livro 10 - 14 Sáculos de Educacao 11 • O Ensino na Ordem de Sao Bento 12 - Um Educador Beneditino c •APÉNDICE 13 ■ A Excomunhío na Construeao da

Unidade Monástica

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