Ano Xxix - No. 318 - Novembro De 1988

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim nossa

incitados a procurar consolidar crenca católica mediante um

aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaieca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

SUMARIO "Senhor, é Tempo de nos Vermos!"

"A Última Tentacao de Cristo"

C/5 LU

E a Credibilidade dos Evangelhos?

O I-

Dissidentes Voltam á Unidade da Igreja

co UJ

A Escravidao no Brasil

O

"Igreja Católica Apostólica Carismática'

00

<

S LU _l

m

O cr o.

ANO

XXIX

NOVEMBRO

1988

318

UNTE E RESPONDERESMOS

NOVEMBRO - 1988

Publicapáo mensal

N?318

sponsável:

SUMARIO

Bettencourt OSB e

Redator

de

toda

a

materia

"Senhor, é tempo de nos vermos!". . . . 481

da neste periódico Um filme ousado:

"A Última Tentacao de Cristo"

Iministrador:

482

ebrando P. Martins OSB

Fazendo eco á ¡mprensa:

E a Credibiiidade dos Evangelhos? .... 489

acáb e distribuicáb:

> Lumen Christi

3erardo, 40 - 5? andar, S/501 121)291-7122 'ostal 2666

Reconciliaba o:

Dissidentes voltam á Unidade da Igreja . 502 Ainda no Centenario da A bol ¡gao: A Escravidao no Brasil

— Rio de Janeiro — RJ

509

Religiao e Plagio:

"Igreja Católica Apostólica Carismática" 519

MARQUES-SARA/VA" saíneos F cañones s<

leítor,

NO PRÓXIMO NUMERO:

:amos-lhe que o prego da assinanossa revista PR 1989 foi estipulao segué, em vista dos constantes s

de

papel,

Correios,

máo-de-

m nosso país. ■nto efetuado até

!:

Cz$

6.000,00

i:

CzS

7.800,00

):

CzS 10.000,00

):

CZS 13.200,00

319 - Dezembro - 1988 Mil anos de Cristianismo na Rússia. — Ética do Planejamento Familiar. — O Confucionismo. — O Taoísmo. — "Mediunidade dos San tos" (Clóvis Tavares). - Ainda "A Última Tentacao de Cristo". — "Prier" (Rezar).

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

Ja compreensáo de V.S. subscrevemo-nos atenciosamente

AADMINISTRACÁO nto (á escolha)

E

POSTAL á

Agencia

3¡os do Rio de Janeiro.

OIIF RANCÁRIO

Central dos

3. No Banco do Brasil, para crédito na Con-

ta Corrente n? 0031, 304-1 em nome do

Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, pa■

~

••

' • .O niici

"Senhor, é Tempo de nos VermosT 0 mes de novembro é marcado pela Comemoracao dos nossos defun-

tos em Finados. Pensar na morte é algo que horroriza muitas pessoas pois parece que ela encaminha para o desconhecido e obscuro. Provocando urna ruptura, com o mundo visfvel, a morte é tida como espantalho que nao se

deve encarar senáo quando bater á porta e nao for possfvel esquecé-la...

Tal estado de coisas é paradoxal, pois (sem ceder a masoquismo ou

pessimismo) o s.ábio deve dizer que a morte é a única certeza que o homem tem desde que nasce; nao sabe se será sadio ou doente, rico ou pobre,... mas

sabe que há de morrer. Como entao evitar a reflexao sobre o desenlace final

desta caminhada?

O livro do Eclesiastes aprésenla a propósito bela página que merece

consideracao: "Lembra-te do teu Criador nos dias da juventude, antes que

venham os dias da desgraca e cheguem os anos dos quais dirás: 'NSo tenho

mais prazer'. Antes que se escurecam o sol e a luz, a lúa e as estrelas... antes que o fio de prata se rompa e o copo de ouro se parta, antes que o jarro se quebré na fonte e a roldana rebente no poco, antes que o pó volte a térra de onde veio e o sopro volte a Deus, que o concedeu" (12,1s.6s>.

É precisamente antes que a morte se anuncie, quando o homem está

lúcido ou no pleno gozo de sua saúde, que se faz necessário pensar no desfe cho. Com efeito; quando os precursores da morte já se fazem sentir, é, mui

tas vezes, difícil ao homem raciocinar com lucidez e profundidade; os acha ques da doenca ou da velhice o acometem de tal modo que nao se pode entregar a longas reflexoes; deve, antes, viver do que tenha armazenado nos

dias de seu vigor ffsico e intelectual. De resto, já os antigos romanos dizia/n: "In ómnibus réspice finem. Em tudo o que fagas, leva em conta o fim". O fim é o ponto de chegada, a meta, que deve nortear todos os passos anterio res; é a partir do fim que cada qual concebe as etapas que deve atravessar.

E, para o cristá"o, o fim é o encontró com Deus face-a-face..., com Deus, que já é reconhecido diariamente na penumbra da fé e se vai manifes tando cada vez mais a quem O procura fielmente. Quem assim vive, deixa

• de ver na morte urna ruptura violenta para considérala como o pleno desabrochamento de urna realidade já possufda seminalmente desde o Batismo. A morte vem a ser a etapa final de um nascimento que comeca quando a críanca é dada á luz, mas só termina quando essa enanca feita adulta for dada á visSo da Luz Eterna; entao é que acabaremos de nascer, pois teremos atingido a plenitude de nossa estatura definitiva.

Quem assim reflete, já nao se assusta diante do espectro da morte mas poderá dizer com S. Teresa de Ávila: "Senhor, é tempo de nos vermos!" ou

com o autor sagrado: "Maraña tha! Vem, Senhor Jesús!".

E.B.

481

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXIX - N? 318 - Novembro de 1988 Um filme o usado:

"A Última Tentagáo de Cristo" de Martín Scorsese

Em sfntese: 0 filme "A Última Tentacao de Cristo" merece o repudio da opiniao pública, de fiéis e incrédulos, pois atinge o patrimonio da cultura de numerosos povos da face da térra. Tal patrimonio deve suscitar o respeito ' dos cultores da arte, como toda pessoa humana o deve suscitar. A arte nao há de ser utilizada para caricaturar valores que a historia pos em relevo. — As

alegacoes aduzidas para justificar o filme em foco sao inconsistentes; a fé crista professa, sem dúvida, que Jesús tinha verdadeira natureza humana, suscetfvel das tentacoes que o Evangelho refere. . ., mas incapaz de se des viar da reta linha moral, pois Jesús tinha um único Eu ou urna so Pessoa — a

do Filho de Deus feito homem; por conseguinte, quaiquer pecado que Jesús cometesse, deveria ser atribuido ao próprio Deus — o que é totalmente absurdo.

Tem provocado calorosas discussoes o filme "A Última Tentacao de Cristo" de Martín Scorsese, considerado um dos mais prendados produtores de filmes dos Estados Unidos. Um dos síntomas de quáo delicada é essa pelí cula está no fato de que a Paramount estava disposta a executar a filmagem

em 1983, mas desistiu de o fazer poucas semanas antes de comepar a tare-

fa.1 'Foi entao que a Universal Pictures decidiu assumir a iniciativa; prome-

teu exibir o filme a representantes religiososos antes de o entregar ao grande público, a fim de ouvir os comentarios dos mesmos; parece, porém, que pro-

telou ao máximo o cumprimento dessa promessa e, quando o fez, muitos

dos convidados se recusaram a comparecer.

Esta desistencia explica talvez a carta do Cardeal Joseph Bernardin a Mons. Pío Laghi, Pro-Núnclo Apostólico nos Estados Unidos, asseverando que nao havia motivo para recear um filme irreverente sobre Jesús. Cf. PR 315/1988

pp. 383s.

-

482

"A ÚLTIMA TENTAQAO DE CRISTO" As páginas que se seguem, apresentarao ao leitor algumas informales

e pontos de reflexao sobre tao controvertida película.

1. O filme: aspectos característicos Martín Scorsese é um ex-candidato ao sacerdocio católico, que entrou em crise de fé e, após dezesseis anos de reflexao, resolveu produzir o seu filme sobre Jesús (um Jesús que só aos poucos chega á consciéncia de ser o Messias). Tal película, diz Scorsese, "é o meu modo de tentar chegar mais perto de Deus".

A inspiracao de Scorsese é proveniente de um livro do escritor grego Nikos Kazantzakis: "The Last Temptation of Christ" (A Última Tentacao de Cristo); a atriz Barbara Hershey (a M adalen a do filme) o ofereceu a Scorsese em 1972, provocando-o assim á reflexao. Nikos Kazantzakis parece ter passado por urna evoluplo de pensamento, que o levou finalmente a ado tar o socialismo militante; o seu livro sobre a última tentacao de Jesús valeu-lhe a excomunhao por parte da comunidade ortodoxa grega. Faleceu em 1957.' Scorsese exibe urna figura de Jesús muito diferente da clássica. Filma da no Marrocos durante dois meses e meio em fins de 1987,* a película aprésente um Jesús inseguro, que nao sabe o que deve fazer (matar os roma nos ou pregar o amor?); é um homem que aos-poucos vai concebendo a

idéia de que também é o Messias. Fabrica cruzes de madeira, que sao usadas pelos romanos para punir os judeus rebeldes. Depois torna-se o gurú ou o chefe, de olhar selvagem, posto a frente de um bando de seguidores violen tos;, mas permanece ainda confuso a respeito da sua mensagem e missao.

Certa vez, Jesús abre o seu próprio tórax (que mais parece urna barriga), re tira o coracao e o mostra aos apostólos para que o admirem e sigam (o que parece ser urna sátira a devocao ao Sagrado Coracao de Jesús).

Outras sátiras ocorrem no filme: Lázaro, por exemplo, ressuscita num ambiente de mau cheiro, que provoca tosse; entáo um zelota Ihe pergunta qual a diferenca entre estar vivo e estar mono; pensativo, responde Lázaro: "Fiquei um pouco surpreso. Nao rtá grande diferenca". As vezes Jesús apa rece como um orador embaracado a dizer: "Umm, uh, l'm sorry (tenho pe

na, lamento)..."; outras vezes parece um neo-bacharel de Teologia da Shirley

lA respeito de Nikos Kazantzakis e seu livro "O Cristo Recrucificado", ver

PR 126/1970, pp. 265-274.

7 A fílmagem custou seis milhoes e meio efe dólares ou menos da metade do

prepo de um filme medio feito em Hollywood.

483

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988 MacLaine School of Theology, afirmando: "Todas as coisas sao partes com

ponentes de Oeus!"1

O filme tambám está cheio de cenas de sangüe. Os animáis sacrificados, por exemplo, deixam escorrer sangue pelas rúas; Jesús come uma mapa, da qual inesperadamente sai sangue (réplica grosseira a Génesis 3,6?); na

Última Ceia, o vinho se torna sangue...

Judas, o melhor amigo de Jesús, é um valente ativista e falador; quer expulsar os ocupantes romanos, enquanto Jesús quer liberdade interior. Exclama para este: "Vocé é uma desgrapa, vocé é um covarde!"; entao Je sús o convence de trair o Mestre a fim de cumprir o plano de Deus; Judas entrega, pois, Jesús aos romanos nao tanto por causa de trinta moedas de prata, mas incitado pela grande amizade que tem a Jesús; Judas sacrifica seu ideal revolucionario e entrega o homem que ele mais ama. A cena mais dramática e típica do filme ocorre quando Jesús se acha

pregado a Cruz. Alucinado, Jesús tem um devaneio provocado pelo demo nio: desee da cruz, renuncia ao seu papel de Messias, casa-se com María Ma dalena e vive com ela uma longa vida conjugal: a película mostra entao ce nas de sexo. O devaneio continua: Madalena morre;em conseqüéncia, Jesús se casa com Maria, irma de Marta e Lázaro, e comete adulterio com Marta...

Comenta Richard Corliss: "The sex scene (in which Barbara Hershey'Mary Magdalene entertains some customers) exposes a strong woman's degradatiori more than it does her flesh. And the filme's carnage is emetic. - A cena* de sexo {na qual a Maria Madalena de Barbara Hershey se entretém com alguns clientes) expoe uma forte degradacao da muiher mais do que a sua carne. E a carnagem do filme é vomitoria..." (Time, 15/08/88, p. 32).

Pergunta-se agora:

2. Que dizer? Proporemos tres ponderales:

2.1. Tentacao e pecado

O filme é evidentemente irreverente.

Atribuí a Jesús (verdade é que a Jesús em devaneio) nao somente o poder ser tentado ao pecado, mas o próprio pecado - o pecado de adulta-

1 Observafdes feitas pelo comentarista John Leo de Time (A Holy Furor) 15/08/1988. pp. 30-32.

484

"A ÚLTIMA TENTACÁO DE CRISTO" rio, decorrente de urna natureza insegura e confusa. Ora isto fere frontalmente a fé crista. Esta professa, com o Concilio de Calcedonia (451), que

"em Jesús há urna s6 pessoa (a divina) e duas naturezas", isto é: em Jesús há um só sujeito ou suporte de todos os atos, e este suporte é a segunda Pes soa da SS. Trindade; por conseguinte, se Jesús podia pecar (e se pecou), Deus podia pecar e pecou - o que é blasfemo, além de incoerente. Nao há como contornar esta conclusao.

Verdade é que alguns se valem da tese de que Jesús era verdadeiro homem; quem ná*o admite isto, cai na heresia dita "docetismo", segundo a qual Jesús tinha um corpo aparente apenas (heresia condenada pelos proprios escritos de S3o JoSo; cf. Jo 19,33-37; 20,31; Uo 5,6-8...). - Sem dúvida, excluindo o docetismo, os cristSos aceitam que Jesús pudesse ser ten tado por estímulos extrínsecos (Satanás o tentou tres vezes no deserto;

cf. Mt 4,1-10; Le 4,1-11).' Satanás podia querer provar Jesús como ho

mem; mas em seu íntimo a humanidade de Jesús era plenamente submissa

ao Pai e á Lei de Deus, a ponto que no horto das Oliveiras o Senhor (como homem) pediu que o cálice da Paixao fosse afastado, mas logo acrescentou: "Faca-se, ó Pai, a tua vontade, e nao a minha" (Le 22,41-44 e paralelos; ver também Jo 12,27-30). Alias, é de notar que nos Evangelhos Jesús é tentado por propostas de Messianismo imperialista e glorioso (no plano terrestre), mas nSo se refere alguma tentacao da carne; parece obvio ou subentendido que Jesús 6 harmonioso em seus anseios íntimos; Ele veio, desde que entrou no mundo, para fazer a vontade do Pai (cf. Hb IQ.,5-7). Vé-se assim que o pecado é totalmente incompatível com a ¡dentidade que a fé crista atribuí a Jesús. Deve-se, pois, dizer que o filme de Scorsese vem a ser mera ficcao..., ficcao decorrente de mentalidade pansexualista disseminada por correntes contemporáneas; a obsessao genitalista leva muitos a nao compreender que os impulsos sexuais possam ser sublimados sem que haja detrimento para o

amor e a grandeza de urna personalidade. Em Jesús Nikos Kazantzakis

(e Scorsese) projetaram um problema que o próprio Kazantzakis descreve no Prólogo do seu livro "The Last Temptation of Christ":.

"Minha principal angustia e a fonte de todas as minhas alegrías e tris tezas, desde a minha juventude, tem sido a constante e implacável batalha entre o espirito e a carne.

Dentro de mim estao as obscuras e imemoráveis foreas do Maligno, humano e pré-humano; dentro de mim estao também as luminosas forcas, humanas e pré-humanas, de Deus - o minha alma é a arena onde os dois exércitos se tém encontrado e chocado.

1 Jesús quis livremente experimentar tentaedes a fim de merecer para os ho-

mens a forca de as vencer.

485

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988 A angustia tem sido intensa" (p. 1. Ed. Simón and Schuster New

York 1960).

Mas nao somente por admitir o pecado em Jesús o filme de Scorsese é

ofensivo...

2.2. A imagem de Jesús

A imagem de Jesús, no filme, é caricatural. Trata-sede um homem hesi tante, passional, que acaba julgando ser Deus (pois ele quer muito aproximar-se de Deus) ou ser Messias e se assusta com a descoberta do designio do Criador.

Além disto, Scorsese recorreu (consciente ou inconscientemente) a

ironía, quando, por exemplo, mostra Jesús a apresentar seu coracáo..., quan-

do na Última Ceia o vinho se transforma em sangue ou o sangue jorra de urna maga que Jesús come.

Note-se que Cristo escolheu livremente a vida celibatária, á revelia da tradipao dos judeus, que viam no casamento a preparacao da vinda do Mes

sias (este seria descendente de Davi). Escolheu-a porque Ele mesmo era o Messias, que viera dedicar-se por completo ao anuncio da Boa-Nova do Rei no de Deus: Jesús quería dízer que, com Ele, comecava a última fase da his toria da salvacao; o celibato, após Jesús, tornar-se-ia urna atitude familiar aos cristaos, que desde a década de 50 o cultivaram (cf. ICor 7,25-35); exprime o anseío de viver na presenpa de Deus e dos valores definitivos com a máxima disponibilidade possfvel. Alias, o próprio Senhor disse no EvangeIho: "Há eunucos que se fazem tais por amor do Reino dos céus" (Mt 19,12). Embora Jesús ten ha tido urna auténtica natureza humana, sabe-se que o sujeito das atividades de Jesús era a Pessoa do Filho de Deus (a segunda Pessoa da SS. Trindade). Deste fato se deduz nao apenas que Jesús nao po día pecar (embora pudesse ser atingido por estímulos ao pecado ou pela tentacao), mas também que todas as acoes de Jesús eram divino-humanas ou

teandricas; tinham sempre valor salvffico para nos. É S. Tomás quem o diz, desenvolvendo a fórmula do Concilio de Calcedonia atrás mencionada: as apoes efetuadas pela humanidadé de Jesús "nao foram realizadas apenas pelas potencialidades da natureza humana, mas também pelo poder da natu reza divina, que I he está unida" (In epistolam I ad Thetsalon ¡censes 4,13).

Ou aínda: "A atividade humana de Jesús participa do poder da atívidade di vina" (Suma Teológica III, qu. 19, a. 1, ad 1). Disto tira S. Tomás conseqüáncias muito importantes: "Tudo o que Jesús realizou em sua carne, foi salutar para nos em virtude da Divindade, que Ihe estava unida" (Com pendio de Teología 239). "Tudo o que Jesús fez e padeceu, age instrumentalmente pelo poder da Divindade em favor da salvapao dos homens" (Suma 486

"A ÚLTIMA TENTACAO DE CRISTO" Teológica III, qu. 48, a. 6c). Tal foi o caso da circuncisao (III, qu. 37, a.1, ad 3), do Batismo (III qu. 39, a. 1), da Paixfo (III, qu. 48, a. 6, ad 2), da morte (III, qu. 50, a. 6), da supultura (III, qu. 51, a. 1 ad 2), da ressurreigao (III, qu. 56, a. 1), da Ascensao (III, qu. 57, a. 6, ad 1)... DizaindaS. To más de Aquino:

"A Paixao de Cristo nao teve eficacia meramente temporal e transitóría, mas sempiterna. . . Assim vé-se que a Paixao de Cristo nao teve maior eficacia outrora do que ela a tem atualmente" (III, qu. 52, a. 8c).

Percebe-se, de ¡mediato, a enorme diferenca existente entre este clássico modo de ver e a concepcáo adotada'por Scorsese, que aprésente Jesús

cedendo a devaneios pecaminosos nos momentos fináis da sua vida. A posicao de Scorsese, alias, segué a tendencia de teólogos dos últimos decenios a deixar de lado a teología do Concilio de Calcedonia em favor de um re torno a certo tipo de Nestorianismo condenado pelo Concilio de Éfeso (431); pensadores nao católicos e também católicos tendem a enfatizar a humanidade de Jesús a tal ponto que acabam por tratar Jesús como mero homem ou como mais um grande profeta, sem levar na devida conta a Divindade de Cristo.

Com outras palavras: a Crístologia "de cima para baixo" (que parte dos dados da fé para ler o Evangelho) tem sido suplantada pela Crístologia "de baixo para cima", que pretende descobrir a transcendencia de Jesús através da sua figura humana. . . Dizemos que urna e outra maneira de estudar Jesús sao válidas e necessárias, mas nunca se poderá prescindir da fé ou das verdades reveladas se se quer entender devidamente a figura de Jesús. Ora o respeito aos dados da fé tem faltado em modernos estudos cristológíeos, de modo que Jesús vem sendo tratado praticamente como mero homem. Mais um ponto de reflexao se impoe ao estudioso. 2.3. María Madalena nos Evangelhos

Scorsese apresenta Jesús tendo afetos para com Maria Madalena, muIher de má vida. . . A propósito há um equívoco exegético que precisa de ser apontado.

Desde S. Gregorio Magno (Í604), os escritores ocidentais identificam entre si tris mulheres: a pecadora anónima que ungiu os pés de Jesús com suas lágrimas, conforme Le 7,36-50; María Madalena, que acompanha Jesús e da qual o Senhor expulsou sete demonios, conforme Le 8,2, e María de Betánia, ¡rma de Marta e Lázaro, que ungiu os pés de Jesús com perfume, con forme Jo 12,1-8. As razoes desta fusao sao as seguintes: 487

8

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

A pecadora anónima é identificada com María de Betánia, porque am bas regaram os pés de Jesús (embora uma o tenha feito com lágrimas e per

fume por ser pecadora arrependida, e a outra com bálsamo apenas) e final mente essa mulher anónima (que passa a chamar-se Maria) é identificada com Maria Madalana, porque era de má vida e Maria Madalena foi tida como pecadora (pois Jesús expulsou déla sete demonios). Ora nao há fundamento sólido para tais interpretares. Na verdade, trata-se de tres mulheres, como professam os escritores orientáis: a pecadora

de Le 7, 36-50 foi intencionalmente deixada no anonimato por S. Lucas (respeite-se o estilo do Evangelista); além disto, a possessao diabólica nao significa necessariamente grave pecaminosidade; e — mais — Maria de Betá nia é uma santa mulher, que nao deve ser identificada com a pecadora de Le 7, 36-50. Quanto a Maria Madalena, só se sabe que, beneficiada por Je sús, acompanhava e servia o Mestre em sua vida pública (cf. Le 8,1-3); este-

ve ao pé da Cruz (cf. Mt 27,56) e foi encarregada de anunciar aos Apostólos a ressurreicáo do Senhor (cf. Jo 20,11-18). A identificacao das tres mulheres entre si deu margem á fantasia de romancistas, que imaginaram Jesús assediado por Maria Madalena, mulher

de má vida. Ora Scorsese se acha nesta corrente, com a ressalva de que dis tingue Maria Madalena, tida como pecadora, de Maria, irma de Marta e Lá zaro. Nisto há um erro exegético. Reconhecamos que é de pouca monta em comparacao com os outros graves erros veiculados pelo filme.

Em si'ntese, a película merece o repudio da opiniao pública, de fiéis e incrédulos, pois atinge o patrimonio da cultura de numerosos povos da face da térra. Tal patrimonio deve suscitar o respeito dos produtores de obras artísticas, como toda pessoa humana o deve suscitar. Martín Scorsese sabia que seu empreendimento era ofensivo, pois, antes de ser executado

pela Universal Pictures, foi rejeitado pela Paramount. A arte auténtica é nobre e elevada. Quem hoje caricatura Jesús, amanha caricaturará Buda,

Maomé, Confúcio, Moisés... E a que título? — A título de causar sensacao, projetar problemas pessoais, ganhar dinheiro, fazer celebridade, sem algum

resultado positivo para o grande público. As alegacdes que Scorsese e seus adeptos tém aduzido (Jesús foi vérdadeiro homem) para justificar a produ

cto de "A Última Tentacáo de Cristo" sSo inconsistentes, como foi dito atrás: Jesús foi homem, mas homem interiormente harmonioso, nunca peca dor, pois no caso Deus seria o pecador.

Nos comentarios publicados sobre o filme, mais de uma vez esteve em foco a credibilidade dos Evangelhos. Será abordada no próximo artigo.

488

Fazendo eco á imprensa:

E a Credibilidade dos Evangelhos? Em símese: Os mais recentes estados sobre a origém dos Evangelhos permiten) dizer que o texto escrito de Mateus, Marcos, Lucas e Joao remon ta até Jesús, sua fonte,... mediante tres etapas. Com efeito; a mensagem passou do Senhor aos Apostólos; estes a transmitiram és antigás comunidades

cristas por eles fundadas (Tessalónica, Corinto, Fifipos, Roma..,) e, final mente, estas (ou a Igre/a) a entregaram aos Evangelistas. O texto sagrado da ta da segunda metade do sáculo I, mas sem hiato entre Jesús e Mateus, Mar cos, Lucas e Joao; ao contrario, a pregacSo oral da Boa-Nova comecou ccm Jesús, continuou com os Apostólos e discípulos até chegar aos Evangelis tas. Essa tramitacao permitiu um desdobramento homogéneo da mensagem

apregoada por Jesús sob forma seminal; o Espirito prometido pelo Senhor

(cf. Jo 14J26; 16,12s) assegurou a fidelidade do desenvolvimento da BoaNova. Aiém disto, verificase que os Apostólos eram ciosos de guardar a ver-

dade dos fatos ocorrídos com Jesús, distinguindo nítidamente entre mythos (mito, fábula) e logos (palavra da verdade ou da fé). As tentativas de deturpar o Evangelho ou "inventar" mensagens ocorreram, sem dúvida, como é compreensfvel, mas foram relegadas para a literatura apócrifa, cu/o estilo é

evidentemente fantasioso e diverso do estilo sobrio dos Evangelhos canóni cos. Os Apostólos, longe de criar suas proposicbes de fé, nao queriam ser senao testemunhas, como provam numerosas citacóes do corpo deste artigo. Sao estas algumas ponderacoes que podem ser feitas frente a artigos da imprensa profana que negam a veracidade dos Evangelhos. *

*

*

Os debates sobre o filme "A Última Tentacao de Cristo" levantaram a questao da credibilidade dos Evangelhos... Em mais de um órgao da impren sa foi divulgada a tese de que nao sao narracóes históricas, mas, antes, a expressao da criatividade das primeiras geragoes cristas, que imaginaram o

Jesús descrito por Mateus, Marcos, Lucas e Joao. Ora, a bem da verdade, tais afirmacoes sugerem um atento exame da questao. Consideraremos os dados do problema, e Ihes acrescentaremos as ponderales da crítica objeti va e fundamentada.

489

_10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

1.0 problema Eis, por exemplo, o que se lé sob a pena de Richard Outling na pági

na 80 de Mánchete n? 899,10/09/88: "Do ponto de vista de muitos académicos, os autores anónimos dos

quatro Evangelhos (mais tarde, convencionalmente chamados de Mateus, Marcos, Lucas e JoSo) trabalhavam com material de segunda e terceira maos, transmitido verba/mente durante algumas décadas antes de ser registrado por escrito.

Conseqüentemente, os Evangelhos nao podem ser aceitos como verdade pura; isto é, nao podem, em todos os casos, ser considerados como a descricao de acontecimentos indiscutfveis. 'O

Novo Testamento é o teste-

munho de homens crentes', disse o teólogo católico liberal Edward Schillebeeckx, da Holanda. 'O que dizem nao é a historia, mas expressoes de sua fé em Jesús como Cristo'. A tentativa dos estudiosos modernos de descobrir o Nazareno real e histórico dos relatos supostamente enfeitados da Biblia - um processo co-

nhecido como o método histórico-crftico ou 'alta crítica' - produziu alguns resultados nao ortodoxos. Alguns exemplos: — Jesús nao afirmou ser o Messias. Essas declaracoes representan! a crenca posterior da Igreja, que os autores dos Evangelhos ¡nseriram mais tar

de na vida de'Cristo. - Quando Jesús disse que era 'Filho de Deus', nao quis ser entendido ao pé da letra. A linguagem dessa natureza no Novo Testamento — referirse

a Jesús como o 'Cordeiro' ou o 'Verbo' de Deus - é metafórica". No "Jornal do Brasil", caderno B, p. 2, de 8/8/88, lé-se o comentario de John Dart:

"Quando um trabalho de ficcSo se afasia dos relatos dos Evangelhos, muitos cristSos alegam que desviar-se do 'registro histórico' sobre a vida de Cristo é urna ofensa a, pior. urna blasfemia. Mas o fato é que o consenso en tre os especialistas — aqueles que aplicam os métodos críticos e históricos

contemporáneos ao estudo da Biblia — é de que os textos de Marcos, Ma

teus, Lucas e JoSo nSo sao registros históricos na acepcao moderna da palavra, muito menos testemunhos oculares. Os Evangelhos, segundo eles, sao o produto de mentes criativas no terco final do século I — bem depois da morte de Jesús por voita do ano 30... 490

A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHOS

1_1_

Elaboracoes criativas sobre a historia bíblica de Jesús fazem parte, há

muito tempo, da tradicao cultural do Ocidente. As Igrejas dos prímeiros tempos da era crista produziram muitos textos apócrifos como o Evangelho

da Infancia de Tomé, que conta os milagres feitospeio Menino Jesús. Espe cular sobre os tacos afetivos entre Cristo e Maria Madalena nao é exclusivida-

de de A Última Tentacío. O Evangelho de María, um texto gnóstico crístao do sáculo II, e o Evangelho de Felipe, de origem semelhente, possivelmente do secuto III, estSo cheios de especulacoes a respeito". Um leitor nao iniciado em tais assuntos poderá, na verdade, julgar que

se acha diante.de conclusoes seguras e bem arquitetadas da pesquisa bíblica, sem desconfiar de leviandade ou superficialidade do noticiario. Eis por que passamos a expor o que a crítica seria e fidedigna hoje em día propoe sobre a origem dos Evangelhos.

2. Origem e historicidade dos Evangelhos Os estudos modernos recorrem ao chamado Método da Historia das Formas, citado pela imprensa como "método histórico crítico" ou "alta crí tica" (ver. p. 490 deste fascículo). Em que consiste?

2.1. O Método da Historia das Formas Jesús nada deixou escrito nem mandou que seu» Apostólos escrevessem, visto que a escrita era difícil e rara na antigüidade. Por ¡sto o Evangelho foi sendo pregado de viva voz na Palestina e fora desta. Aos poucos, porém, para facilitar o uso da memoria, os pregadores foram redigindo seccoes avulsas (urna serie de parábolas que ilustrassem o Reino de Deus, a misericordia do Pai, . . . urna serie de milagres de Jesús, ou de altercacoes com os farise-js. . .). Essas pequeñas unidades (folhas volantes) foram sendo colecionadas, de modo a dar urna síntese dos ensinamentos e dos principáis feitos de Jesús. Quatro dessas sínteses foram reconhecidas pela Igreja como canónicas

ou auténtica Palavra de Deus; tais sao os Evangelhos segundo Mateus, Mar cos, Lucas e Joáo.

A compilacao e a redacao fináis devem ter ocorrido entre os anos de

60 e 100. Todavia é de notar que foram feitas em continuidade com a pregacáo anterior, que procedía do próprio Jesús; ná"o houve hiato entre Jesús e os evangelistas ou entre o ano 30 (Ascensao do Senhor) e as últimas déca das do sáculo I: a palavra do Senhor foi sendo transmitida ininterruptamen-

te. Ora o Método da Historia das Formas estuda esse intervalo entre Jesús

e os Evangelistas (ou estuda a pré-história do texto escrito definitivo), pro curando reconstituir o ambiente e os fatores que podem ter influido na re dacao oral e escrita da pregacSo dos Apostólos. 491

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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

A Igreja Católica reconheceu a validade desse estudo mediante a Instrucao Sancta Mater Ecclesia da Pontificia Comissáo Bíblica, de 21/04/1964. Tal documento apresenta tres fases na confeccá*o do texto escrito do Evangelho:

1) A pregacáb de Jesús aos Apostólos. Jesús, portanto, está na origem do texto que hoje circula (e ná*o apenas a fá dos cristaos do fim do século I, como disse Edward Schillebeeckx). A palavra do Senhor foi entendi da com dificuldade pelos Apostólos antes de Páscoa (pois ainda estavam impregnados de conceitos nacionalistas (cf. Me 4,13; 6,51s; 8,16-20; 9,10...).

- Todavia depois de Páscoa e Pentecostés os Apostólos compreende'ram o

sentido dos dizeres e feitos do Mestre; entenderam que o Jesús, companheiro de viagens pelas estradas da Palestina, á o Kyrios, o Senhor Ressuscitado,

o Messias ou o Cristo (ver Jo 2,22; 12,16...); alias, o próprio Senhor Ihes havia prometido que o Espirito Santo Ihes recordaría tudo o que Ele Ihes dissera e os levaría á plenitude da verdade (cf. Jo 14,26; 16,12-14; 7,37-39). Assim a imagem de Jesús cresceu na mente dos Apostólos; foi aprofundada e meditada homogéneamente sob a guia do Espirito Santo. O "Je sús da historia" tornou-se o "Jesús da fé"; é o mesmo Jesús, outrora percebido com hesítacoes e mal-entendidos, mas finalmente penetrado auténti camente pela fé e pela experiencia dos seus primeiros seguidores.

Ainda se tém nos Evangelhos vestigios ou ecos diretos da pregagao de Cristo ou ipsissima verba Christi (as mesmissimas palavras de Cristo); vejam-se*, por exemplo,

- a seccSo de Mt 16,16-19, em que se encontram numerosos aramaísmos, inclusive o trocadilho "Pedro-Pedra", que so poderia ocorrer em aramaico com a palavra Kepha, e nSo em grego (Petros-Petra); - as disputas de Jesús com os fariseus a respeito de textos bíblicos

utilizados segundo o método (pesher) dos rabinos antigos: Mt 22,34-40. 41-46; Le 11,29-32;

- as disputas com os saduceus, que também versavam sobre textos bíblicos interpretados segundo as escolas dos mestres de Israel: Mt 22,23-33...

2) Dos Apostólos ás primeiras comunidades cristas. Tendo recebido a ordem de pregar ao mundo inteiro (cf. Mt 28,18-20), os Apostólos disseminaram a Boa-Nova.

O primeiro tema da pregacao dos Apostólos devia ser a Páscoa, ou seja, a Paixá*or-a Morte e o triunfo final do Senhor Jesús. Quem aceitasse esse 492

A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHQS

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primeiro anuncio (querigma), era levado á catequese ou ao estudo da doutrina e dos feitos de Jesús que durante a vida pública haviam provocado a condenapao do Senhor. A pregacao dos Apostólos podia limitar-se a esses dois momentos; compreendia as ocurrencias entre o Batismo e a Ascensao do Senhor, sem retroceder até a infancia e a vida de Jesús na casa de Na-

zaré; cf. At 1,21.' Foi precisamente o que fez S3o Marcos no seu Evangelho;

Sá"o Mateus e SSo Lucas acrescentaram episodios avulsos da infancia de Je sús (cf. Mt 1-2; Le 1-2) sem ter a intencSo de fazer urna biografía ou urna narrativa completa da vida do Senhor.2

Ao transmitir a Boa-Nova, os Apostólos e discípulos tinham sempre em vista as circunstancias e particularidades características dos seus ouvin

tes.3 Procuravam dar á Palavra de Deus o Sitz im Leben, o lugar, a resso-

náncia na vida dos ouvintes. Assim foram redigindo formas literarias adap tadas á finalidade da pregacao:

- a forma da catequese sistemática (Mt 5-7; Le 15...);

- a forma do sermáo litúrgico (cf. as narrativas da Paixao e Ressur-

reicao em Mt 26-28; Me 14-16; Le 22-24; Jo 13-20);

- a forma de hinos (cf. Fl 2,5-11; Cl 1,15-20; Ef 1,3-14; 2Tm 2,11-13), doxologias (Rm 16,25s; Jd 24s);

1 Foi Sao Pedro mesmo quem fixou os termos da pregado dos Apostólos: ia

desde o Batismo ministrado por Joao até a Ascensao do Senhor, sendo que a ressurreicao era o primeiro e mais importante. Tenhamos em vista as palavras de Pedro antes da escolha de Matías: "É necessário que, dentre os homens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesús vlveu em nosso meto, a comecar do Batismo de Joao até o dia em que dentre nos

foi arrebatado, um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreicao" {At 121s).

2É isto que explica a lacuna existente, nos Evangelhos, entre os 12 e os

27/30 anos de Jesús. - Há quem diga que ela se deve a urna hipotética víagem do Senhor pelo Oriente remoto, de modo que os evangelistas nada sabiam a respeito de Jesús nesse período. Tal hipótese é falsa, pois os Evan gelistas sabiam que Jesús fora carpinteiro (cf. Me 6,3; Mt 13,55). Nada ou quase nada escreveram a respeito de tal período, porque este escapava ao

ámbito da pregacSo que os Apostólos tinham em vista. Cf. PR 206/1977, pp. 61-76.

3Comparem-se entre si At 13,16-41 e At 17,22-31. No primeiro caso, Sao

Paulo em Antioquia da Pisfdia prega ajudeus recorrendo aos textos e feitos do Antigo Testamento, familiar aos ouvintes. No segundo caso, o Apostólo em Atenas prega aos filósofos pagSos gregos utilizando nao o Livro Sagrado, mas argumentos filosóficos e testemunhos da tradiqao do povo ateniense. 493

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

- a forma de apología: havia textos do Antigo Testamento devida-

mente selecionados paraprovar a messianidadede Jesús; Is 7,14 (cf. Mt 1,23);

Mq 5,1 (cf. Mt 2,6); Os 11,1 {cf. Mt 2,15); Jr 31,15 (cf. Mt 2,18); Is 40,3 e MI 3,1 (cf. Me 1,2s); Is 8,23-9,1 (cf. Mt 4,15s). . .; - a forma de controversia destinada a responder as objecóes levanta das pelos ouvintes; os Apostólos tiravam do repertorio das respostas de Je sús as palavras adequadas ás necessidades dos seus interlocutores: assim devia haver dúvidas a respeito do sábado (Me 2,23-3,6), de casamento e divor cio (Mt 5,31s; 19,3-12), do jejum (Me 2,18-22; Mt 6,16-18), da volta do Senhor (Mt 24,36; 24,42-25,13; Me 13,32). ..

Assim se foi desenvoivendo homogéneamente a mensagem deixada por Jesús sob forma seminal. Todo este trabalho foi assistido pelo Espirito San to para que nao houvesse desvio nem perversao, como o próprio Senhor o

predisse; cf. Jo 14, 26; 16,12s. Esta afirmacao é essencial para o cristao; nao somente a fé a sugere, mas também argumentos de ordem racional, que adiante serao apresentados. O cristáo eré que o texto escrito dos Evangelhos, embora tenha passado pelas fases preliminares que urna mensagem possa atravessar, é o eco fiel da doutrina de Jesús, desdobrada orgánicamente pe los Apostólos e discípulos a fim de a encarnar ñas diversas comunidades por eles fundadas.

3) Das primeiras comunidades aos Evangelistas. Aos poucos foi to mando vulto ñas comunidades cristas o desejo de possuir por escrito o ensinamentb de Jesús. Devem ter sido redigidos entao pequeños blocos lite rarios avulsos portadores ou de parábolas ou de milagres ou de altercacoes ou de traeos biográficos de Jesús.

Essas pecas independentes foram sendo aos poucos agrupadas a fim de se ter o ensinamento completo de Jesús. Dos muitos ensaios resultantes dessa tarefa (cf. Le 1,1), quatro foram reconhecidos pela Igreja como au téntica Palavra de Deus ou como canónicos: os de Mateus, Marcos, Lucas e Joao.

O agrupamento foi colocado dentro do quadro da vida terrestre de Jesús. Os mensageiros da Boa-Nova conceberam um esquema simples da vida pública do Senhor, composto de quatro partes:

1) preparacao do ministerio de Jesús (Joao Batista, Batismo do Se

nhor, tentacoes...);

2) a pregacao na Galiléia, com centro em Cafarnaum, á margem do

lago de Genesaré;

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A CREDIBIUDADE DOS EVANGELHOS

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3) a subida a Jerusalém;

4) os acontecímentos da última semana na Cidade Santa e a glorifica-

pao do Senhor Jesús.

Dentro deste esquema biográfico foram sendo enquadrados os blocos que a pregacao anterior transmitía ¡ndependentemente uns dos outros.

Está claro que cada Evangelista, tendo recebido da Igreja a mensagem de Jesús formulada pelos Apostólos, Ihe deu o seu cunho próprio, enfatizando mais este ou aquele aspecto da Boa-Nova e da figura do Senhor (Ma teus, por exemplo, é o Evangelista dos judeo-cristáos, Lucas o dos pagaos convertidos ao Cristianismo). A cronología da origem dos Evangelhos pode ser assim concebida:

Mt aramaícogg

Tradicao joanéía

Me grego65/70

Le grego75

Mt grego80

Joao grego 100

As datas ácima sao aproximadas, mas muito prováveis. A prímeira redacao do Evangelho deu-se por obra de Mateus na térra de Israel e, por isto, em aramaico. Esta redacao serviu de modelo para Marcos e Lucas, que utilizaram o esquema de Mateus, acrescentando-lhe características pessoais. O

texto de Mateus foi traduzido para o grego, visto que o aramaico entrou em desuso quando Jerusalém caiu em poder dos romanos no ano de 70; o tradutor, desconhecido a nos, retocou e ampliou o texto aramaico, servindo-se

de Me. Isto quer dizer que o texto grego de Mateus (único existente, porque 495

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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

o aramaico se perdeu) é, segundo alguns aspectos, o mais arcaico e, segundo outros aspectos, o mais recente dentre os sinóticos.

Pergunta-se agora: 2.2. Pode-se crer nos Evangelhos?

Há quem julgue que a mensagem de Jesús, tendo passado por varias instancias intermediarias, foi sendo aos poucos desfigurada, de modo que o texto escrito já nfo refere a verdade histórica. — Em resposta observaremos o seguinte: 2.2.1. Testemunhas

Os Apostólos eram muito ciosos da fidelidade a Jesús e á realidade his tórica. Tinham consciéncia de que a Revelacao de Deus aos homens passou pela trama da historia do Antigo Testamento e da vida de Jesús; os aconte cí mentos da historia da salvacao sao portadores de mensagem; ligam-se a ver dades, como também as verdades da Revelacao se prendem a fatos históri cos. Sao Paulo chega ao ponto de dizer: "Se Cristo nao ressuscitou, vazia é a nossa pregacio, vazia também é a vossa fé. . . Se Cristo nao ressuscitou, ilusoria é a vossa fé" (1Cor 15,14.17). Isto quer dizer que toda a sublimidade da sabedoria crista" se retira de campo ou renuncia a se apresentar se nao está ligada ao fato concreto histórico da Ressurreicao corporal de Jesús.

Por conseguinte, em perspectiva crista nao se pode, sem mais, negar a histo ria bíblica e, apesar disto, afirmar a doutrina religiosa do Cristianismo. Isto se evidencia, entre outras coisas, pelo fato de que os Apostólos nao queriam ser sen a o testemunhas. . . Com efeito; os conceitos de "testemunho", "testemunha" e "testemunhar" ocorrem mais de 150 vezes nos escritos do Novo Testamento. Ora "testemunha" é a pessoa que está habilitada a fazer afirmap5es verídicas, pois tem o conhecimento de causa mais seguro, que é a pro-

pria experiencia pessoal.

É ¡nteressante notar a insistencia com que os Apostólos se apresentam como testemunhas de Jesús; afirmam nao transmitir senáo o que viram e ou-

viram. Parece, de certo, que a regra de "testemunhar apenas", sem nada acrescentar de falso, marcava profundamente a vida e a profissao de fé das antigás comunidades cristas. Tenham-se em vista as seguintes passagens: Quando entre a Ascensáo e Pentecostés os Apostólos trataram de subs tituir Judas, o traidor, estipularam, como qualidade própria do novo Apos tólo, a de testemunha, e... testemunha principalmente da ressurreigao do Senhor. Tais forarñ entao as palavras de Sao Pedro: 496

A CREPIBILIDADE DOS EVANGELHOS

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"Convém que, dentre esses homens que tém estado em nossa compa-

nhia todo o tempo em que o Senhor Jesús viveu entre nos, a comecar do batismo de JoSo até o día em que de nosso meio foi arrebatado, um deles se/a incluido em nosso número, como testemunha da sua ressurreicao" (At 121s)

No dia de Pentecostés, afirmava Sao Pedro: "A esse Jesús, Deus res-

suscitou. Disto todos nos somos testemú nhas" (At 2,32).

No seu segundo sermáo, voltava a dizer Sao Pedro: "Matastes o prín cipe da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. Disto nos somos testemunhas"(At3,15).

Diante do sinedrio, Pedro e os Apostólos responderam:

"Foi Deus quem, com a sua destra, elevou (a Jesús) como Príncipe e Salvador para dar a Israel o arrependimento e a remissao dos pecados. E nos somos testemunhas dessas coisas, nos e o Espirito Santo, que Deus deu a todos os que Ihe obedecem" (At S,31s).

Em casa de Comélio, dizia S. Pedro: "E nos somos testemunhas de tudo que (Jesús) fez no pafs dos judeus e em Jerusa/ém. Eles O mataram,

suspendendo-0 a um madei'ro. Deus, porém, O ressuscitou ao terceiro dia, e permitiu-Lhe aparecer de modo visfvel, nao a todo o povo, mas ás teste munhas antes escolhidas por Deus: a nos, que comemos e bebemos com Ele, depois que ressuscitou dos mortos" (At 10,39-41).

Palavras de Sao Paulo: "... Mas Deus O (Jesús) ressuscitou dos mortos. Por muitos dias apareceu aqueles que com Ele tinham subido da Galitéia para Jerusa/ém e que sao agora suas testemunhas perante o povo" (At 13 30s).

Sao Paulo, ao contar sua conversao, refere a seguinte ordem de Deus: "Levanta-te e poe-te em pé, pois eu te aparecí para te constituir mi nistro e testemunha das coisas que viste, e de outras para as quais hei de me manifestar a ti" (A 126,16).

Sao Paulo fazia questao de lembrar aos corintios as principáis teste munhas da ressurreicao:

"Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; foi se pultado e ressuscitou ao terceiro dia, conforme as mesmas Escrituras; apa497

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

receu a Cefas e depois aos doze. Posteriormente, apareceu, de urna vez, a rhais de quinhentos irmaos, dos quaís a maior parte vive até hoje, tendo alguns fafecido. Depois apareceu a Vago e, em seguida, a todos os apostólos. Púr fim, depois de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo" (Wor 15,3-8).

Por fim, Sao Pedro escrevia aos fiéis da Asia Menor: "Eu,

presbítero...

e

testemunha

dos sofrimemos

de

Cristo..."

Alias, ao acentuar o seu papel de testemunhas, os Apostólos nao faziam senao cumprir os dizeres do Mestre: "Seréis minhas testemunhas" (At 1,8; cf. Le 24,48). Intencionando, pois, passar por testemunhas, os Apostólos terao to mado o devido cuidado para ser fiéis a mensagem de Cristo. 2.2.2. Os mitos e o Evangelho

Nao há dúvida, na Igreja nascente houve tentativas de deteriorar a mensagem evangélica. Sao Paulo se refere a fábulas, erros gnósticos, dualis tas, docetistas..., que ele compreendia sob a palavra grega mythoi, mitos, e cuidou zelosamente de que tais mitos na"o se mesclassem com a auténtica doutrina do Cristianismo, chamada logos. Observemos como os Apostólos tinham consciéncia de que os mitos nao fazem parte da mensagem evangélica e, por isto, devem ser banidos da prégapao:

ITm 1,3s: "Ao partir para a Macedónia, pedi-te (6 Timoteo) que per-

manecesses em Éfeso a fim de admoestares certas pessoas a nSo ensinarem doutrina diferente nem se apegarem a fábulas fmythoisj e genealogías íntermináveis".

Sá*o Paulo tinha em vista lendas inventadas no século I d.C. para escla recer fatos do Antígo Testamento; visava também a pesquisas que correspondiam ao gosto dos doutores judaicos e dos homens ecléticos da época. Mais adiante volta o Apostólo a exortar:

"Rejeita as fábulas (mythousy profanas, verdadeiros coritos de vefhas. Exercita-te napíedade" (ITm 4,7). 498

A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHOS

19_

Na segunda carta a Timoteo lé-se ainda:

"Os homens afastarSo os ouvidos da verdade e os aplicarao ás fábulas (mythous)" (2Tm 4,4).

Mais:

Tt 1,13s: "Sede saos na fé e nSo deis ouvidos a fábulas (mytho'n) ju daicas ou mandamentos de homens desviados da verdade". 2Pd 1,16:

"Nao foi seguindo fábulas fmythois,/ sutis, mas por termos

sido testemunhas oculares da sua majestade Que vos demos a conhecer o po der e a vinda de nosso Senhor Jesús Cristo".

Do mythos se distingue o logos, a palavra, que Sao Paulo muito recomenda:

Rm 10,8: "Ao teu alcance está a palavra da fé que nos pregamos". 1Ts 2,13: "Sem cessar agradecemos a Deus por terdes acolhido a sua Palavra, Que vos pregamos nao como palavra humana, mas como na verdade é, a Palavra de Deus, que estáproduzindo efeito em vos".

2Tm 2,9: "Pelo Evangelho sofro até as cadeias... Mas a Palavra de

Deus nao está atgemada".

2Tm 2,15: "Procura apresentar-te... como um trabalhador.. . que dis pensa com retidao a palavra da verdade".

Ver ainda Tt2,5; Tg 1,22s; 7Jo 1,1; At 13,26. Donde se vé que nao se deve admitir tenha sido a mensagem crista pe netrada por mitos e confundida com estes, como se os primeiros pregadores da mesma fossem simplórios e destitufdos de discernimento.

De resto, os mitos todos tém estilo vago, do ponto de vista da cronolo gía e da topografía; nao podem propor quadro histórico e-geográfico preciso; é o que os isenta de controle. Ora dá-se o contrario nos Evangelhos: a topo grafía da Palestina é por estes minuciosamente mencionada; também a cro nología respectiva é relacionada com a cronología profana, como se depreende de Le 2,1 (referencia a César Augusto) e Le 3,1s (referencia a Tiberio César, Pondo Pilatos, Herodes, Filipe, Lisanias...).

Mais ainda: nenhum criador de mitos teria inventado c "mito" do Evangelho, cujos trapos sao desafiadores e exigentes para a mente humana: 499

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988 a mensagem de Deus feito homem e, mai

crucificado era escándalo

para os judeus e loucura para os gregos (ICor 1,23). A promessa de ressur-

reicao ou de re-uniao da alma com o corpo era contraria ao pensamento grego; a Moral crista, que valorizava a mulher, a enanca mesmo ¡ndesejada, a

familia, o trabalho manual, o escravo (cf. a epístola a Filemon. ..), a estríta monogamia sem divorcio..., só podia encontrar oposicao da parte da Filoso

fía greco-romana. Nada disso tinha condicoes de partir da mente dos homens

do sáculo I da nossa era.

2.2.3. Os apócrifos

Era natural que a fantasía humana elaborasse lendas e estórias a respeito de Jesús, visando a completar, de algum modo, o logos ou a Palavra da pregapao dos Apostólos. Acontece, porém, que a Igreja, sabiamente guiada

pelo Espirito Santo, soube discernir da historia real essas ficcoes, relegan

do-as para a literatura apócrifa. Esta é caracterizada por estilo evidentemen

te ¡maginoso e ficticio, bem diferente do dos Evangelhos canónicos, como se pode perceber através de simples amostragem:

"O menino Jesús tinha cinco anos quando um día se encontrava a brincar sobre a passarela de um riacho depois da chuva. Recolhendo a agua em pequeñas vasilhas, tornava-a cristalina no mesmo instante e a dominava apenas com a sua palavra.

Depois fez urna massa de barro e com ela plasmou doze passarinhos.

Era enfao sábado e havia outros meninos a brincar com Jesús.

Certo judeu, vendo o que Jesús acabara de fazer em dia de festa, foi

ter correndo com seu pai José e Ihe contou tudo: 'Olha, teu filho está no

riacho e. tomando um pouco de barro, fez doze pássaros. profanando assim

o sábado'.

José foi ter com Jesús e, ao vé-lo, censurou-o dizendo: 'Por que fazes no sábado o que nao é lícito fazer?' Jesús entao bateu palmas e se dirigiu aos passarinhos de barro, dizendo-lhes: 'lde-vos\' E os passarinhos todos se puseram a voar e cantar.

Ao ver isto, os judeus se encheram de admiracao e foram contar a sous chafas o qua tinhnm visto Jnsus fninr" r'Evangalho do Pseudo-Tomé II).

"Acontaceu que um jovem. ao cortar lenha, deixou cair o machado que Ihe cortou a planta do pé. 0 infeliz ¡a morrendo aos poucos por causa

da hemorragia. Houve entao grande alvoroco e tumulto de muita gente Je-

sus também se fez presente; depois de abrir passagem, pela forca, entre a 500

A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHQS

21

multidao, chegou peno do rapaz ferido, e com sua mao apertou o pé dani-

ficado do jovem, e este ¡mediatamente ficou curado. Disse entao Jesús ao

moco: 'Levanta-te já; continua a cortar lenha e lembra-te de mim'. A multi dao, ao ver o ocorrido, adorou o menino, exclamando: 'Realmente neste

menino habita o Espirito de DeusV " (ib. n? X).

"Quando Jesús tinha seis anos, sua mae deu-lhe um jarro para que o

fosse encher de agua e o levasse para casa. Mas Jesús tropecou no caminho e o cántaro se quebrou. Entao ele estendeu o manto que o cobria, encheuo de agua e levou-o a sua mae. Esta, ao ver tal maravilha, pós-se a beijar Jesús. E conservava em seu coracao todos os misterios que ela o via realizar" (ib. n? XI).

Ao contrario do que se dá nos apócrifos, quem le os Evangelhos ca

nónicos, observa ai' notável sobriedade de estilo, síntoma de que os Evange listas tinham consciéncia de que a sua mensagem narrada com simplicidade tinha em seu favor o fascfnio e poder da verdade e, por isto, nao precisava de ser "embelezada" artificialmente para encontrar a aceitacao do público.

Pode-se, pois, concluir que a mensagem do Evangelho é de origem

transcendente e nao terá sido produto do ficcionismode judeus ou de pagaos

da antigüidade. - é isto que mais urna vez nos compete afirmar diante das noticias sensación a listas de certa imprensa. A propósito:

GUITTONJEAN, Jesús. Ed. Itatiaia, Befo Horizonte.

LAMBÍAS!, F., Autenticidade histórica dos Evangelhos. Ed. Paulinas.

MESSORI, V/TTORIO, Hipóteses sobre Jesús. Ed. Paulinas.

TÉRRA, JOÁO EVANGELISTA MARTINS. Jesús. Ed. Loyo/a.

PR 219/1978, pp. 95-108 (panorama da moderna crítica dos Evan

gelhos).

*

*

*

"PALAVRAS DO SENHOR" O Pe. Alberico Volpe, da Diocese de Sao Carlos (SP), publicou um li vro de breves meditacoes diarias intitulado "PALAVRAS DO SÉNHOR.

CENTELHAS DE PENTECOSTÉS", com a Apresentacao do Sr. Bispo Dio

cesano D. Ruy. Cada meditacao parte de um texto bíblico, ao qualse segué

urna reflexio acompanhada de oracio final. O livro é subsidio válido para

ajudar os fiéis a rezar com a S. Escritura ñas maos. 501

Reconciliapao:

Dissidentes Voltam á

Unidade da Igreja Em si'ntese: Ñas páginas seguintes vio publicados dois documentos im portantes: o primeiro é a Carta dos Cardeais Joseph Ratzinger e Paúl Augustin Mayer, Que em nome do S. Padre comunicam a reconciliacao outorgada a dois mosteiros seguidores de D. Lefebvre (um na Franca, outro em Nova

Friburgo, Brasil). O outro documento é a declaracao do Prior D. Gerardo Calvet, explicando aos amigos os porqués de sua decisao de aceitar a recon ciliacao com a Santa Sé. Verificase que os monges se deram conta de que a sua fidelidade á Tradicao nao pode ficar desligada da Igreja visfvel e oficial; precisamente escrevia S.

Roberto Belarmino, contradizendo á concepcao

protestante de que a Igreja é invisfvel ou nao institucional: a Igreja 6 a sociedade dos que professam a mesma fé, recebem os mesmos sacramentos e obedecem aos mesmos pastores. Os tradicionalistas, menosprezando estas

notas, correm o risco paradoxal de incidir no protestantismo. *

*

*

O cisma aberto por D. Marcel Lefebvre, cujas dimensoes eram ¡mprevisíveis a principio, vai tomando contornos mais nítidos: entre outros gru pos lefebvristas, urna comunidade monástica com ramificacáo no Brasil retornou á unidade da Igreja. Trata-se do Mosteiro de Santa Madalena du Barroux (Franca), que fundou o Mosteiro de Santa Cruz (Nova Friburgo,

Brasil); da comunidade deste, parte aceitou e parte recusou a reconciliacáo com a Santa Sé. A origem destes cenobios é a seguinte: o monge francés Oom Gérard Calvet, nascido em 1927, pertencia á Abadía de Tournay da Congregacáb Beneditina de Subiaco (Provincia Francesa); como tal, desde 1963, e duran te seis anos, fez parte de urna comunidade fundada em Curitiba por Tournay. - Voltou, porém, para a Franca em 1968, permanecendo um ano em Tour nay. Finalmente resolveu afastar-se de sua comunidade para constituir um mosteiro de índole tradicionalista, inspirada por D. Lefebvre, em 1969 na

localidade de Bedoin (Sul da Franca). Em 1970 essa comunidade se transfe-

riu para o vilarejode Le Barroux, auns 25km de Avignone lOkm de Bedoin; foi sempre crescendo o número de candidatos que se Ihe agregavam. 502

DISSIDENTES VOLTAM. . .

23

Em 1987 o monge brasileiro D. Tomás de Aquino foi nomeado Prior

da pnmeira fundacSo no estrangeiro. Estabeleceu a sua comunidade em ter

reno doado nos arredores de Nova Friburgo (RJ): o novo mosteiro foi inau gurado aos 3 de maio de 1987 com a presenca de D. Antonio de Castro

Mayer, bispo emérito de Campos; tem desenvolvido suas construpoes no in

tuito de poder acolher 35 ou 40 monges.

Ocorre, porém, que estavam suspensos de ordens1 todos os monges sacerdotes tanto da comunidade de Le Barroux como do mosteiro de Nova Friburgo. Isto nao podia deixar de entristecer tais ¡rmSos. Contudo em julho pp. abriu-se-lhes a oportunidade de regularizar a sua situaclo canónica: foi retirada pelo Santo Padre Joáo Paulo II a censura que pesava sobre os mon ges, contanto que se atenham as cláusulas estipuladas pela Santa Sé e aceitas

por D. Marcel Lefebvre aos 05/05/88 (infelizmente, porém, canceladas pelo mesmo aos 06/05/88). Acontece, porém, que nem todos os monges de Santa

Cruz aceitaram a reconciliacao; permanecem em Nova Friburgo, ao passo

que os confrades reconciliados voltaram para a Franca.

A noticia, importante como é, vai aqui apresentada mediante dois documentos: a Carta da Santa Sé a D. Gérard Calvet, comunicando-lhe a reconciliacfo, e a explicacao dada por D. Gérard aos amigos que Ihe pediam

esclarecimentos."

1. O Comunicado da Santa Sé

Aos 25/07/88, a Congregacao para a Doutrina da Fé, em carta n? 75/83, dirigiu-se nos seguintes termos ao Pe. Gérard Calvet, Prior do Mosteiro de Santa Madalena de Le Barroux:

"Reverendo Padre Gérard Calvet,

Em resposta á carta que V. Rma. enviou ao Prefeito da Congregapao para a Doutrina da Fé aos 08/07/88 e á súplica dirigida ao Santo Padre na mesma data, o Cardeal Prefeito desta Congregapao e o Cardeal Presidente da Comissfo Especial instituida segundo o Motu proprio 'Ecclesia Dei' de

02/07/88, tém o prazer de comunicar-lhe conjuntamente o que se segué:

1 Tratase da censura ou penalidade segundo a qual ao sacerdote nao é licito

celebrar a Missa e as funcoes sagradas.

5 Os dois textos foram traduzidos dos origináis franceses publicados pelo

jornal Présent, de París, edicio de 18/08/1988. 503

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

No decorrer de urna audiencia concedida ao Cardeal Joseph Ratzinger em 23 de julho de 1988, o Sumo Pontífice quis bondosamente: 1) absolver de todas as censuras e irregularidades contraídas - por

causada recepcao de Ordens sacras das máos de S. E. Mons. Marcel Lefebvre ele mesmo suspenso a divinis1 - todos os membros das comunidades de' Santa Madalena de Le Barroux e Santa Cruz de Nova Friburgo que se achem em tais condicóes;

2) conceder ás duas mencionadas comunidades a plena reconciliacao

com a Sé Apostólica dentro das cláusulas já oferecidas pelo Cardeal Paúl Augustin Mayer por ocasiao de sua visita ao Mosteiro de Le Barroux aos 21 de junho de 1988 e em conformidade com o parágrafo 6a) do Motu proprio 'Ecclesia Dei', a saber:

- o uso, privado e público, dos livros litúrgicos vigentes em 1962, para os membros das comunidades e aqueles que freqüentam as Suas casas;

- a possibilidade de solicitar a um Bispo, conforme as regras ca

nónicas vigentes, que confira as Ordens sacras segundo o Livro Pontificial

outorgado, desde que o Superior de cada casa autónoma aprésente as cartas dimissoriais exigidas2; - o direito, para os fiéis, de receber os sacramentos segundo os li vros litúrgicos concedidos ás casas das comunidades, levando-se em conta os

cánones'878, 896 e 1122 do Código de Direito Canónico;

- a possibilidade de exercer urna ¡rradiacao pastoral mediante

obras de apostolado e de conservar os ministerios atualmente assumidos pe las comunidades, observados os cánones 679-683.

Estas medidas terao vigencia na data do recebimento desta Carta Ou-

tros problemas jurídicos eventuais hao de ser submetidos á competencia da

Comissao Especial encarregada da aplicacao do Motu proprio 'Ecclesia Dei1.

Por fim, no tocante á inserpao das duas comunidades na Confederacao

Bened.t.na. o Cardeal Presidente da Comissáb Especial pede ao Rmo Abade Primaz que tome as providencias necessárias, levando em c «a as aspirares manifestadas na citada Carta de V. Rma. datada de 8 de julho de 1988.

1 Isto é, suspenso da celebrado do culto divino.

2Nenhum membro de Ordem ou Congrégalo Religiosa pode receber de um

B.spoalguma Ordem sacra (diaconato, presbiterato) sem que o respectZ

Supenor o aprésente e recomendé a tal Bispo. 504

respectivo

DISSIDENTESVOLTAM. ..

25

Devemos acrescentar que o Santo Padre, correspondendo aos senti-

mentos de fidelidade e adesSo que V. Rma. Ihe manifestou, nao duvida do sincero desejo de V. Rma. de contribuir para o bem das almas mediante o sen apostolado em comunhao com o Papa e todos os Pastores da Igreja;

S. Santidade conta muito particularmente com as orapoes de V. Rma. e de seus ¡rmáos.

Queira acolher, Reverendo Padre, a expressao de nossos sentimentos de religiosa dedicacao no Senhor. Joseph Ratzinger

Paúl Augustin Mayer"

É de notar que ao Mosteiro de Santa Madalena de Le Barroux está associado também um Mosteiro de monjas, que aceitaram unánimemente a reconciliacao com a Santa Sé.

O texto da Carta dos dois Emos. Cardeais é esclarecido pelas ocorréncías antecedentes, as quais se refere o próprio D. Gerardo Calvet na Declarapao seguinte.

2. A Declaracao de D. Gérard Calvet "Desde 30 de junho pp. recebemos urna quantidade de cartas de todos os matizes: conselhos, ameacas, aprovacóes, desaprovacoes, súplicas, intima-

coes, etc. . . Visto que nao posso responder a todos e que a nossa Carta aos

Amigos do Mosteiro só aparecerá no comepo de setembro, resolví dirigir-me a vos através das colunas do jornal PRESENT, ao qual agradeco a acolhida. Desminto como destituido de todo fundamento o rumor segundo o qual eu teria sido cogitado para ser ordenado bispo.

Por que aceitoi o Protocolo que D. Lefebvre recusou logo depois de o ter assinado? Esta é urna longa historia, para a qual peco alguns minutos de atenpáo:

já há quinze anos que pedimos ser absolvidos da suspensao de Ordens e rein tegrados na Confederado dos Mosteiros beneditinos; mas as condicoes a nos impostas eram ¡nexeqüíveis (renuncia ao rito tradicional); por isto recusamo-las, resignando-nos a ficar na ilegalidade de preferencia a trair a verdade.

Muito após tais conversacóes, na sexta-feira 17 de junho do corrente ano, o

Vaticano chamou ao telefone o Padre Prior. O Cardeal Mayer anunciava-nos a sua visita; ele chegaria na segunda-feira 20 de junho ás 18h 30 min com 505

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Mons. Perl, a fim de nos propor, da parte da Santa Se", o Protocolo de acordo assinado aos 5 de maio e cancelado na noite de 5 para 6 de maio. No día seguinte, reunimos urna dezena de padres em torno do Cardeal a fim de estudar a proposta do Papa. Realizamos duas sessoes, urna de manha e outra á tarde, de atento debate, no qual nada foi esquecido. O texto do Protocolo que nos era apresentado, correspondía aos postulados que submetemos á Santa Sé desde 1983. O que pedramos desde o inicio (Missa de

Sao Pío V, Catecismo, Sacramentos em conformidade com o rito da TradicSo secular da Igreja), nos era concedido, sem restripoes doutrinárias, sem concessoes nem retratacoes. Por conseguinte, o Santo Padre nos oferecia a

integracSo na Confederacáo Beneditina a nos tais como somos. As nossas razoes

Tudo bem ponderado, após diversas reunioes do Conselho dos Padres, aceitei a proposta e expliquei aos nossos fiéis, durante a Missa de domingo, as razoes que, no nosso caso, pareciam militar em favor do acordó:

a) Nao é désejáve I que a Tradicá*o da Igreja seja colocada fora doseu perímetro oficial visfvel. Isto é contrario a honra da Esposa de Cristo. A visibilidade da Igreja é urna de suas características essenciais.

b) É lamentável que os únicos beneditinos afastados da grande familia

beneditina seiam precisamente os que guardam a sua tradicáo litúrgica. Nao é esta um apanágio da Ordem Beneditina?

c) Em ¡gualdade de condicoes, isto é, ressalvados a fé e os sacramen tos, é melhor estar de acordó com as leis da Igreja do que as violar.

d) Por último, a razao. talvez determinante, que nos levou a aceitar a absolvicao da suspensao a divinis de nossos sacerdotes prende-se a um ponto de vista missionário: nao é necessário que o maior número possível de fiéis possa assistir as nossas Missas e festas litúrgicas sem serem entravados por seus capeláes ou seus Bispos? Pensó principalmente nos jovens estudantes, escoteiros, seminaristas, que as vezes nunca viram urna Missa tradicional. Parece que seríamos culpados se, por nao aproveitarmos a ocasiáo, milhares de jovens ficassem para sempre privados da Missa latina e gregoria na, da Missa diante de Deus, na qual o Canon é envolvido no silencio, na qual a Hostia Santa, centro da adoracáo dos fiéis, é recebida de joelhos e na boca.

O desafio rilo é insignificante, como vemos. 506

__

DISSIDENTES VOLTAM...

27

Nossas condicoes

Estipulamos duas condigoes para assinaro acordó:

1) Que tal acontecimento nao implique descrédito para a pessoa de D. Lefebvre: isto foi dito varias vezes no decorrer do nosso coloquio com o

Cardeal Mayer, que aceitou a condipáío. De resto, nSo foi gracas á tenacidade

de D. Lefebvre que tal estatuto nos foi concedido?

2) Que de nos nao se exija alguma restripao doutrinária ou litúrgica

e que nao se imponha o silencio a nossa pregapao antimodernista. As reacoes

Muitos dos nossos correspondentes, mal informados, mostraramse desconfiados e suspeitosos. Esperamos ter apaziguado a sua inquietude. Lamentamos cá ou lá certas reapoes amargas decorrentes mais de espi rito de partido do que do senso eclesial. Há quem queira intimar os fiéis a 'escolher o seu partido', menosprezando o respeito devido as almas, que é a condipao primeira de todo apostolado. Seria grave erro querer instituir na Igreja urna especie de grande Partido unificado que tenha á frente um chefe manipulador arbitrario de suas tropas. A Tradipáo assumiu, por forpa das circunstancias, urna atitude de resistencia. Ficamos sendo nos mesmos fiéis aos imperativos da fé integral e á Tradipáo imutável da Igreja, mas é preciso que a nossa resistencia legítima nao se transforme em resistencialismo, no qual reinem a suspeita e o espirito de facpao; a santa liberdade dos

filhos de Oeus seria a primeira vftima desta atitude e, com ela, muitas ou-

tras preciosas virtudes, a comecar pela caridade.

Nosios tres anseio»

Para terminar, desejo formular tres anseios, que me estío a peito:

1) Que ninguém se apresse em proferir julgamentos precipitados so bre situapoes complexas sem ter conhecimento de todos os-elementos; pre-

cipitapSo e malevolencia trabalham em favor do Inimigo. Se quiséssemos pacientar um pouco, ten'amos a ocasiao de julgar a árvore pelos seus frutos... Nao é este o criterio proposto pelo Evangelho?

2) Nao nos desgastemos em litigios internos, em rivalidades de cía ou de jurisdipao. Ao contrario, permanepam em amizade fraterna todos aqueles

que combatem em prol da Tradipáo: doutrina, pregapSo, Missa, sacramentos. Quem nos poderá dividir se trabalharmos todos para Cristo Rei? 507

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

3) Por fim, desejo que tiremos proveito do trecho do Evangelho em que Sao Joao, dirigindo-se a Jesús, Ihe diz: 'Mestre, vimos alguém expulsar os demonios em teu nome e nos o quisemos impedir porque nao nos acompanha'. Mas Jesús Ihe disse: 'N5o o impecais, porque quem nao é contra vos, está convosco ' (Le 9,49). Dom Gerardo O.S.B.

Prior do Mosteiro de Santa Madalena do Barroux" *

*

*

O fiel católico nao poderá deixar de se regozijar profundamente pela reintegrapáo dos monges franceses na Igreja Católica. Ao mesmo tempo, pe de ao Senhor ilumine os olhos daqueles que ainda hesitam em aderir plena mente á única Igreja que Cristo fundou; sem o querer, tais irmSos estao ado tando os principios do protestantismo, segundo os quais a Igreja é invisível. Contradizendo a esta concepcao protestante, Sao Roberto Belarmino

(t 1621), que os tradicionalistas certamente acatam e estimam, definía a Igreja como "a sociedade cujos membros professam a mesma fé, recebem os mesmos sacramentos e obedecem aos mesmos pastores". D. Gerardo Calvet

foi iluminado ao averiguar que nao se atinha a esta definicao proposta por S. Roberto Belarmino em vista do cisma protestante; vejarse a razao a apon-

tada para justificar a reconciliacao com a Santa Sé. Querendo ser extrema mente católicos, os tradicionalistas arriscam-se paradoxalmente a incidir

no protestantismo. É de crer que o Senhor Deus os preserve de tao doloro-

sa surpresa. A túnica de Cristo inconsútil nao foi dividida pelos soldados ro manos no Calvario (cf. Jo 19,23$); nao seja dividida pelos discípulos do Se

nhor!

A propósito das idéias-mestras de D. Marcel Lefebvre ver PR 316/1988

pp. 407-422.

*

*

*

"O DISCÍPULO" Na diocase de Sa~o José dos Campos (SP) é publicado periódicamente

o caderno "O DISCÍPULO. SEGU/NDO AS PEGADAS DO SENHOR". Tra

tase de urna coletánea de artigos extraídos de revistas e livros merecedores de maior atencSo da parte dos fiéis católicos. A selecSo é criteriosa, visando á formacao doutrinária, á vida espiritual e á acSo pastoral dos interessados. Com tal caderno em mios, o cristao tem urna antología que Ihe permita acompanhar as publicares católicas sem grandes despesas. Recomenda-se

vivamente a assinatura de tal periódico, cuio endereco para correspondencia é: Avenida Madre Tereza 519, ap. 4A, - 12200 Sao José dos Campos (SP) Fone (0123)-21-5911.

508

Ainda no Centenario da Abolicao:

A Escravidáo no Brasil

Em síntese: O Centenario da AbolicSo da Escravatura no Brasil ocasionou a publicacSo de verías obras atinentes ao assunto, portadoras de no ticias e documentos pouco divulgados referentes á acao humanizadora da Igreja em favor dos escravos. Tres dessas obras sao utilizadas ñas páginas seguintes, pondo-se em relevo traeos da atitude da Igreja frente á escrava tura. *

*

*

Já em PR 267/1983, pp. 106-132 e PR 274/1984, pp. 240-247 foi

abordado o tema "Igreja e Escravatura"; foram a( publicados textos de Pa pas, Bispos, sacerdotes e leigos que censuram tal regime, procurando abrandá-lo e colaborando para extingui-lo. Em muitos manuais e tratados de his toria, tais depoimentos sao ignorados ou silenciados, pois se registra a tendSncia a afirmacoes genéricas e contundentes, destituidas de qualquer documentacao comprovante.

A ocorréncia do Centenario da AbolicSo no Brasil oferece-nos ocasiao de voltar ao assunto, valendo-nos de obras recém-editadas sobre o mesmo e portadoras de novos dados, extrai'dos de Arquivos, que poem em mais cla ro relevo a acao humanizante da Igreja perante o fato escravagista. De modo especial referimo-nos a tres publicacoes:

Cónego José Geraldo Vidigal de Carvalho, A Escravidáo. Convergen cias e Divergencias. Ed. Folha de Vicosa 1988. ídem, A Igreja e a Escravidáo. As Irmandades de Nossa Senhora do

Rosario dos Pretos. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Ja neiro 1988.

Jaime Balmes, A Igreja Católica em face da Escravidáo, com Adendo

do Cdn. José Geraldo Vidigal de Carvalho: A Igreja e a Escravidáo no Bra sil, Sao Paulo 1988. 509

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Estas tres obras apresentam informacoes e documentos pouco divulga dos, que passamos a resumir ou ocasionalmente transcrever ñas páginas subseqüentes.

1. O Tráfico Negro no Brasil e a Igreja

1. As tribos da África Ocidental praticavam a venda de homens negros

como escravos. Procuravam assim os vencedores na guerra retirar algum lu

cro da vitória: trocavam por dinheiro ou mercadorias os adversarios prisioneiros; para estes, era preferível ser vendidos como escravos a permanecer sob o dominio de africanos vencedores; estes tratavam ignominiosamente

os vencidos.

No Brasil, a explorapao das minas e demais riquezas naturais sugeriu aos portugueses a procura de escravos na África - coisa, alias, que já outros povos (como, por exemplo, os árabes da península ibérica) praticavam, pa ra atender aos servicos da agricultura e da industria. Principalmente após

D. Afonso, que reinou até 1453, os reis de Portugal perderam o controle sobre a importacao de escravos, de modo que os colonos portugueses levaram multidoes de africanos para a Europa. Conseqüentemente também

os trouxeram para o Brasil, fazendo negocios altamente lucrativos tanto para quem vendia como para quem comprava os negros.

2. A Igreja nao se calou diante de tais costumes. Entre os documen tos que o atestam, além dos que já foram citados em PR, existe urna carta

do Papa Joáo VIII, datada de setembro de 873 e dirigida aos Príncipes da Sardenha, que diz: "Há urna coisa a respe/to da qual desejamos admoestar-vos em tom paterno; se nSo vos emendardes, cometeréis grande pecado, e, em vez do

lucro que esperáis, veréis multiplicadas as vossas desgrapas. Com efeizo;por instituicio dos gregos, muitos homens feitos cativos pelos pagaos sao ven didos ñas vossas térras e comprados por vossos cidadaos, que os mantém

em servidao. Ora consta ser piedoso e santo, como convém a cristaos, que, urna vez comprados, esses escravos sejam postos em liberdade por amor a

Cristo; a quem assim proceda, a recompensa será dada nSo pelos homens,

mas pelo mesmo Nosso Senhor Jesús Cristo. Por isto exortamo-vos e com paterno amor vos mandamos que compréis dos pagaos alguns cativos e os

deixeis partir para o bem de vossas almas" (Deminger-Sch'ónmetzer, Enquirfdio dos Símbolos e Def inipoes n? 668).

O Papa Pió II, em 7 de outubro de 1462, condenou o comercio de

escravos como magnum scelus (grande cr.ime)'.

'O. RainaMi, Annales X (a. 1482). 510

A ESCRAVIPAO NO BRASIL

31_

Em 1571 Tomás de Mercado, teólogo de Sevilha, declarava desumana e ¡Ifcita a traficáncia de escravos, tanto mais que instaurava uma luta fratri

cida entre os próprios africanos. Em sua Summa de Tratos y Contratos, este autor afirmava nao haver justificativa para negocio tío infame.

3. Houve mesmo sacerdotes que se sacrificaram, tanto no Brasil como fora, em favor dos escravos. Sejam citados, entre outros, os Padres Afonso Sandoval S.J. e Pedro Claver. 0 primeiro foi o pioneiro do trabalho em prol dos negras em Cartagena das Indias, porto de tráfico no Mar das AntiIhas; com grande coragem denunciou os maus tratos de muitos traficantes; através de seus escritos, tentou suscitar urna mentalidade antiescravagista; para melhor trabalhar, procurou conhecer a cultura africana a fim de enten der mais perspicazmente aqueles pobres seres humanos que ele defendía.

Quanto a Pedro Claver, em 1610 chegou de Sevilha a Cartagena das Indias, onde o Pe. Sandoval Ihe ensinou o amor aos negros. Na Colombia foi ordenado sacerdote e passou a trabalhar com o Pe. Sandoval junto aos negros. No ano seguinte, foi para o Perú; retornou depois a Cartagena e assumiu também as missoes entre os escravos das fazendas do interior. Duran te toda a sua vida, cuidou de cerca de trezentos mil escravos. Em 1639,

quando o Papa Urbano VIII publicou um documento em favor dos escravos, viveu dias felizes. Todavía esse servidor dos escravos morreu paralítico, de doenca contraída ñas missoes da regiáo pantanosa de Tolu e Finu, aos 8

de setembro de 1654.

4.

As Constituicoens primeyras do Arcebispado da Bahia (1707) mais

de uma vez se voltaram para a sorte dos escravos, procurando fazer que os senhores Ihes propiciassem ou facilitassem os bens espirituais. Assim, por exemplo, no tocante ao sacramento do matrimonio, rezavam as Constituí poes: "Conforme o direito divino e humano, os escravos e escravas podem

casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores Ihes nSo podem

impedir o matrimonio nem o uso dele em tempo e lugar conveniente, nem por esse respeito os podem tratar pior, nem vender para outros lugares re motos, para onde o outro, por ser cativo ou por ter'outro justo impedimen

to, o nao possa seguir, e, fazendo o contrario, pecam mortalmente e tomam sobre suas consciéncias culpas de seus escravos, que por este temor se deixam muitas vezes estar e permanecer em estado de condenacao" (D. SobastiSo Monteiro de Vide, Constituipoens, título 71).

Os sacramentos da Eucaristía e da Penitencia eram de fácil acesso aos escravos, principalmente na Quaresma, em vista do cumprimento do preceito pascal.

511

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988 No concediente ao sacramento da Ordem, o impedimento para os es-

cravos nao era racial, mas provinha da própria condicao de escravos. Regozi-

javam-se, porém, quando entravam em contatos oom sacerdotes negros, que vinham da Costa de Angola ou da ilha de Sao Tomé, onde havia um cabido de cónegos todos negros.

5. Oeve-se notar também o papel benéfico desempenhado pelas Irmandades de Nossa Senhora do Rosario dos Pretos, cujas igrejas eram pon tos de encontró de escravos e livres; af cultuavam a Deus e faziam suas devocoes como também exprimiam suas aspiracoes e deixavam vir á tona seus íntimos sentimentos. Oentre os Estatutos dessas Contrarias me rece m destaque alguns tó picos como os seguintes:

"Toda pessoa, preta ou branca, de um ou outro sexo, forro ou cativo,

de qualquer nació que seja, que quiser ser Irmio desta Irmandade, irá á mesa ou é casa do Escrivao da Irmandade pedir-lhe faca assento de Irman

dade" (cap. I do Compromisso da Irmandade da Paróquia do Pilar de Ouro

Preto).

O capítulo II do mesmo Compromisso reza:

"Haverá nesta Irmandade um Rei e urna Rainha, ambos pretos, de qualquer nació que se/am, os quais serio eleitos todos os anos em mesa a mais votos e serio obrigados assistir com o seu estado as festividades de Nos sa Senhora e mais Santos, acompanhando no último día atrás do palio". Vé-se que nestes textos desaparecem as diferencas raciais; além do que, escravos e livres sao equiparados entre si.

6. Descendo através dos tempos, temos urna Carta do Papa Pió Vil enviada ao Imperador Napoleao Bonaparte da Franca, em protesto contra os maus tratos infligidos a homens vendidos como animáis; ao que acrescentava: "Proibimos a todo eclesiástico ou leigo ousar apoiar como legítimo, sob qualquer pretexto, este comercio de negros ou pregar ou ensinar em pú blico ou em particular, de qualquer forma, algo contrario a esta Carta Apos tólica" (citado por L. Conti, A Igreja Católica e o Tráfico Negreiro, em O Tráfico dos Escravos Negros nos sáculos XV-XIX. Lisboa 1979, p. 337).

O mesmo Sumo Pontífice se dirigiu a D. Joáo VI de Portugal nos se

guintes termos:

"Dirigimos este oficio paterno á Vossa Majestade, cuja boa vontade nos ó plenamente conhecida, e de coracio a exortamos e solicitamos no Se512

AESCRAVIDÁONOBRASIL

33

nhor, para que, conforme o conselho de sua prudencia, nao poupe esforcos

para que. .. o vergonhoso comercio de negros se/a extirpado para o bem da religiSo e do género humano ".

Pío Vil também muíto se empenhou para que no Congresso Interna cional de Viena (1814-15) a instituipSo da escravatura fosse condenada e abolida.

7. Quanto á travessia do Océano Atlántico por parte dos escravos trazidos em navios negreiros, veriftca-se hoje que descricoes de Castro Alves

e outros autores sao hiperbólicas e poéticas, fugindo á realidade histórica.

Os brancos tinham interesse em prover á conservacao da vida de seus escra

vos em condicoes tao boas quanto possfvel, visto que os negros deviam ser

oferecidos aos colonos do Brasil, que os examinariam de perto antes de os

comprar. Julga-se até que os traficantes contratavam médicos que acompanhavam a populacao dos navios negreiros.

2. Alforrias e "Mao Posta" 1. A alforria é ato de libertar um escravo. Tal prática foi notável no Brasil colonial nao só em favor dos inválidos (como erróneamente já se dis-

se).

Havia ocasioes propicias á concessao de alforria por parte dos senhores: festas familiares, confeccao de testamento, visitas episcopais.. . A alfor ria podia ser concedida também como recompensa á lealdade no servico. Além disto, registram-se os varios casos de escravos que compravam a sua liberdade ou a conseguiam através de padrinhos e madrinhas benfeitores.

Os libertos ajudavam os ex-companheiros de servico a conseguirem a sua libertacáo. As próprias Irmandades emprestavam dinheiro para que o escravo se tornasse forro.

Podia outrossim ocorrer a chamada "coartacao": o escravo e o patrao estipulavam o prepo do resgate, que o servo ia pagando aos poucos; entrementes, o cativo já gozava de varios direitos do homem livre.

Mais: os escravos que denunciassem um contrabando, eram libertados

pelo Estado. Aqueles que encontrassem diamantes ácima de vinte quilates,

eram alternados.

Na Bahía os negros organizaram "fundos de empréstimos" para faci litar a compra da alforria; essas organizap5es foram-se convertendo em so513

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

ciedades emancipacionistas. A eficacia de tais instituigoes pode-se avallar pelo seguinte depoimento de Herbert S. Klein, doutor pela Universidade

de Chicago e autor do livro African Slavery ¡n Latin América and the Caribbean, onde assevera: "Na época do prímeiro censo nacional brasileiro, em 1872, havia 42 milhoes de pessoas de cor livres e 1,5 milhio de escravos. As pessoas de cor livres nSo apenas ultrapassavam em número os 3,8 milhoes de brancos,

mas também representavam 43% da populacao brasileira, de 10 milhoes de habitantes. Tudo isto mais de urna década antes da abolicao da escravatura'* (pp. 241-3).

A Igreja incentivou as formas de libertacáo dos cativos, como bem dizia D. Pedro Mari a de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro:

"Provemos que os aplausos tantas vezes dados a quem dava alforria, eram aplausos sinceros, nascidos de um coracao ansioso de ver a liberdadet

refulgir mais e mais entre os homens á sombra da Cruz" (Carta Pastoral anunciando a Lei n? 2040 de 27/09/1871).

2. A Manu posita (Mao posta) era a prática de angariar recursos para redimir cativos por parte de pessoas caridosas; estas eram chamadas "manuposteiros". Constituiam associa?5es com seu Regimentó; os membros dessas entidades tinham cada qual a sua funcao: ora a de esmolér, que pedia donativos por ocasiao das festas ou ñas fazendas, ñas igrejas, ñas ermidas..., ora a de escriturar as receitas (escrivaes), ora a de guardá-las e distribui-las na qualidade de tesoureiro...

Alias, existiam na Igreja a Ordem da SS. Trindade, desde 1198, e a

dos Mercedários ou Nolascos desde 1222, destinadas a redimir os cativos detidos pelos Sarracenos. A existencia dessas Ordens era, por si mesma, urna réplica á prática da escravatura: como explicar a arrecadagao de eleva das somas para p6r em liberdade cativos, se, de outro lado, os próprios por tugueses aprisionavam africanos e os reduziam aescravidSo? Os Trinitarios

e os Mercedários suscitaram, por seu trabalho, urna mentalidade anticatíveiro, que se exprimiu no Brasil através dos manuposteiros. Assim descreve o historiador Vítor Ribeiro a solenidade do resgate realizada pelas Ordens Religiosas:

"Era revestida de pompas estranhas a expedicao de resgates. Os reden tores, depois de terem recolhido as esmolas em cofre especial, despediam-se

de El-Rey e do seu convento, deixavam crescer tongas barbas, embarcavam com o cofre, _e iam á Mauritania expor-se a mil perígos, vexames e embos cadas com a cautela que a experiencia Ibes ia aconselhando; negociavam os 514

AESCRAVIDÁONOBRASIL

35

resgates por intermedio do governo de Bey ou das autoridades e, por fim,

conseguindo libertar os cativos, reconduziam-nos ao reino, onde faziam e publicavam tongas listas de resgates, com os nomes, idades, naturalidades, condicoes de cativeiro e libertacao e custo dos resgates. . . Depois, em día aprazado, fazia-se em Lisboa solene procissao em que entravam varias Ordens e Contrarias, especialmente a da Misericordia e a de Nossa Senhora do nésgate, a qual dava volta á igreja velha da Misericordia e regressava ao convento" (cf. Historia de Portugal, vol, IV, Damiao Peres (DirJ Barcellos, Portucalense Editora 1932, p. 565). 0 Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro María de Lacerda, em 1871 escrevia na sua Carta Pastoral referente á Lei do Ventre Livre: "A Igreja Católica alegrase ¡mensamente á vista do que acaba de rea lizarse entre nos. E como nSo? Por ventura nao é a Igreja Católica que deu ao mundo Sao Joao da Mata e que aprovou a Ordem dos seus Religiosos da Santíssima Trindade, cujo fim principal foi resgatar os que gemiam cativos em poder dos Sarracenos? NSo foi a Igreja Católica que aprovou a Ordem dos Religiosos das Mercés, instituida por SSo Pedro Nolasco com o fim de resgatar os cativos que viviam sob o poder dos infléis, obrigando-os a um

heroísmo assombroso de caridade, ligando-os com um solene voto a se deixarem eles mesmos em ferros como penhora e reféns, se tanto fosse preciso

para o resgate dos Cristaos? E a Igreja Católica nao celebra há tantos séculos a 24 de setembro de cada ano a instituicao dessa heroica Ordem Re ligiosa, criada por inspiracao de María Santíssima, a quem a Igreja reconhece tanti operis Institutricem? E gracas a Deus, no quinto dia dentro do oitavário desta festa é que a nova lei brasileira foi sancionada pela Augusta Princesa Imperial Regente".

Os frutos da mentalidade humanitaria despertada pelo Cristianismo sao atestados por varios relatos de viajantes e cronistas que passaram pelo

Brasil. Entre outros, merece atencao Henry Koster. Filho de ingleses, nasci-

do em Portugal, chegou ao Brasil em 1809. No seu livro Travels in Brazil re lata viagens ao Nordeste e refere-se a condicao dos escravos: "Atesta Koster: 'Os escravos no Brasil gozam de maiores vantagens que seus irmaos ñas colonias británicas. Os numerosos días santos para os quais a Religiao Católica exige observancia, dio ao escravo muitos días de repouso ou tempo para trabalhar em seu proveito próprio. Em trinta e cinco desses días e mais nos domingos é-lhes permitido empregar seu tempo como

Ihes agradar'. Atribuí á opiniao pública forca suficiente para obstar que os senhores diminutssem o número destes dias, o que revela urna mentalidade altamente humanitaria da sociedade de entao. 515

36

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Desee Koster a detalhes sobre as a/forrias, porta abena para a liberta-

gao dos cativos...

Destaca o papel nao relevante das associaedes religiosas: 'Os escravos possuem sua Irmandade como as pessoas livres, e a ambicio que empolga geralmente o escravo é ser admitido numa dessas contrarias, e ser um dos oficiáis ou diretores do conselho da sociedade'... Focaliza a terna devocao dos cativos a Nossa Senhora do Rosario, 'algumas vezes, pintada com a face e as maos negras'. Ressalta que 'os reis do Congo brasileiro invocam a Nossa Senhora do Rosario e sSo vestidos como vestem os brancos. Conservam, é verdade, a danca do seu pafs, mas nessas

festas sao admitidos pretos africanos de outras nacoes'. £ que tríbos de di versas regioes africanas, muitas até rivais na África, aquí se irmanavam sob o signo da Mié comum, a Virgem Mana, que tanto amavam e veneravam. Que os escravos eram respeitados se deduz deste assento: 'Os escravos po Brasil sao regularmente casados de acordó com as fórmulas da Igreja Ca tólica. Os proclamas sao publicados como se fossem para pessoas livres. Tenho visto varios casáis felizes ftio felizes quanto podem ser os escravos}, com grande número de filhos crescendo ao redor deles'. Nota aínda Koster que era permitido que os escravos se casassem com pessoas livres. Se a muIher era escrava, o filho permanecía cativo; mas se o homem era escravo e a mulher forra, o filho era também livre. 'Aos escravos pertencem os sábados de cada semana para providenciar sua própria subsistencia, além dos domingos e dias santificados. Os que sao diligentes raramente deixam de comprar sua liberdade. Os monges náb guardam interferencia alguma quanto as rocanas dadas aos escravos, e quando um desses morre ou obtém sua alforria, permitem que leguem seu pedaco dé térra a qualquer companheiro de sua escolha. Os escravos alquebrados sao carinhosamente próvidos de alimento e roupa'. (Grifo nosso).

Testetnunha aínda que muitos agricultores tratavam sua escravaria com carinho. Alias, alega textualmente: 'Embora os negros sejam sustentados por seus amos, existindo térras com abundancia, permitem aos escravos plantar o que quiserem e vender as colheitas a quem Ihes aprouver. Muitos críam galinhas e porcos e, ocasionalmente, um cávalo para alugar e possuir o dinheiro assim obtido'" (transcrito do livro de J. Balmes: A Igreja Cató lica em face da Escravidáb, pp. 108-110). Sao estes alguns aspectos da historia da escravidao no Brasil que devem ser postos em relevo para que se ten ha urna visá*o tao objetiva e fiel quanto possrvel do período analisado.

516

A ESCRAVIDAO NO BRASIL

37

3. Observado final

É necessário, sim, reconhecer o passado com realismo e veracidade.

Mas nao se pode esquecer o presente ainda trágico, que a humanidade vive, trazendo até hoje a chaga da escravatura, embora dissimulada ou elegante mente rotulada.

Eis, a propósito, o que se refere na imprensa de nossos días:

Mundo tem 200 miihoes de crianpas escravas

"Londres - Em alguns países podem ser comprados pelo equivalente a apenas USS 15 e em outros trabalham até 20 horas por dia. Nao se trata dos robos produzidos pela moderna tecnología, mas de vt timas de um comer cio que se acreditava há muito desaparecido: a escravidao de criancas.

Segundo a Sociedade contra a Escravidao, que tem sede em Londres, há no mundo pelo menos 200 miihoes de criancas escravas, trabaihando em fazendas, fábricas, na industria do sexo, esgotando-se em longos expedien tes, freqüentemente maltratadas e sempre pagas com migalhas.

No livro 'Criancas escravizadas', recentemente /aneado, fíoger Swayer, de 57 anos, doutor em Historia, afirma que há no mundo mais escravos hoje que durante o sáculo passado, quando a escravidao se tornou ilegal. Autor de muitas outras obras sobre a escravidao, ele explica que aparece até como

participacao toreada das vítimas em conflitos bélicos.

Swayer descreveu em seu livro as condicoes imperantes numa fábrica

do norte da índia, onde foram libertadas 27 criancas. Algumas haviam sido

seqüestradas, outras vendidas por mies desesperadas para receber algumas rupias imprescindfveis a alimentar o resto da familia e outras 'hipotecadas' a prestamistas que os parentes das vftimas utilizam para adquirir comida.

'Qualquer tentativa para escapar dos estreitos limites de urna ¡ornada de trabalho de 20 horas era reprimida por golpes com urna vara de ferro ou bambú, e a penalidade por chorar era ser golpeado por urna pedra envolta de paño. O castigo por tentar fugir era ser pendurado numa árvore de cabeca para baixo'.

Na Europa e nos Estados Unidos, as criancas-escravas trabalham fun damentalmente para a industria do sexo. 'O sofrimento fi'sico das criancas

utilizadas na industria do cinema pomo, na prostituicSo e no tráfico de nar cóticos faz com que, comparadas ás criancas do Terceiro Mundo, parecam 517

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

privilegiadas', escreveu Swayer, segundo quem a prostituicao infantil e ju venil está proliferando em París, Nova York e Londres.

Somente em París, segundo especialistas, existem 8.000 enancas de ambos os sexos dedicadas á prostituicSo, em sua maioria provenientes da Argelia e Mañocos. Em varias grandes cidades dos Estados Unidos existem os denominados 'cavalaricos', meninos de entre 12 e 14 anos que praticam a prostituicao" (O Globo, 25/07/88, p. 12).

Como se vé, aínda mais importante do que censurar o passado é consi derar o presente e dar-lhe os remedios de que carece para evitar a persisten cia da escravatura em nossos días. Na verdade, somente a fé em Deus, que suscita o amor ao próximo, é capaz de con te r a onda de erotismo e ganancia que degradam o ser humano em nossos tempos. Possa, pois, o passado servir de escola e advertencia ao presente, contribuindo para despertar a consciéncia do homem contemporáneo para urna das grandes nódoas do momen to i

A propósito:

TÉRRA, JOÁO EVANGELISTA MARTINS, A Igreja e o Negro no

Brasil. Ed. Loyola 1983.

PR 274/1984, pp. 240-247 (sfntese do livro ácima). Biblia, Igreja e Escravidáb. Coordenador Joao Evangelista Martins Térra S.J. Ed. Loyola 1983. PR 267/1983. pp. 106-132.

*

*

*

ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA Sáb Francisco e o Misterio da Vida, por Frei Carmelo Surion OFM. - Ed. Santuario, Aparecida (SP), 135 x 205 mm, 171 pp. O conhecido teólogo franciscano Frei Carmelo apresenta a vida de Sao

Francisco como fonte de espiritualídade. tendo em vista especialmente a

Ordem Terceira Franciscana. Procura outrossim mostrar pontos de contato entre o espirítualidado franciscana e o Documento de Puebla. O livro será

muito útil aos discípulos e admiradores de Sao Francisco, que foi certamente um auténtico intérprete do Evangelho.

518

Religiáfo e Plagio:

"Igreja Católica

Apostólica Carismática" Em símese: A "Igreja Católica Apostólica Carismática"pediu registro civil de pessoa ¡urfdica e o obteve. Todavía o Sr. Arcebispo de Campiñas, D. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justica com recurso contra tal registro, mostrando que causaría confusao no grande público, visto que o nome da

sociedade registrada e toda a sua linguagem sio o plagio do nome e dos sím bolos da Igreja Católica. - A apelacao de D. Gilberto foi acolhida pelo Tri bunal de Justica de Sio Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar o registro da "Igreja Católica Apostólica Carismática". O parecer e o acordao que concluem o processo, vio abaixo reproduzidos; os seus dizeres aplicam-se a todas as denominacoes que praticam o curanderismo e o plagio. *

*

*

É notorio o avaneo de denominacoes religiosas que prometem ao pú blico curas e dons extraordinarios em ge ral mediante ritos que utilizam a linguagem, os paramentos e os símbolos da Igreja Católica: hostias, agua benta, "Missa", etc. Esses ritos sao muitas vezes ocasiao a que as pessoas interessadas (geralmente as mais carentes no plano económico) deixem con-

siderávéis quantias de dinheiro nos cofres dos respectivos templos. Entre outras, á Rede Nacional de Missoes Católicas e ramos das Igrejas B ras i le ¡ras cometem tais abusos. Esse comportamento é ilícito a varios títulos: 1) os novos grupos praticam o curanderismo, isto é, propiciam alivio ilusorio a pacientes que nao sao curados, mas, apesar disto (por causa da sugestao e

da sua credulidade), deixam de se tratar, permitindo o recrudescimento das suas molestias; 2) exploram o bolso dos pobres, que sao generosos ao dar dinheiro em troca da "restituicáo mágica" de sua saúde; 3) praticam o pla gio ou a imitacao desonesta de práticas e símbolos da Igreja Católica. Ora este terceiro título de delito foi considerado em 1987 pelo Tri

bunal de Justica de Sao Paulo. Com efeito; a "Igreja Católica Apostólica Ca rismática" pediu registro civil de pessoa jurídica e o obteve. Todavia o Sr. Arcebispo de Campiñas, D. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justica com recurso contra tal concessao, mostrando que causaría confusao no grande 519

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

público, visto que o nome da sociedade registrada e toda a sua linguagem

sao plagio da designacáfo e dos símbolos da Igreja Católica.

A apelacao de D. Gilberto foi acolhida pelo Tribunal de Justica de Sao Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar o registro da "Igre ja Católica Apostólica Carismática". O Parecer e o Acórdao que concluem o processo, vém a ser de grande interesse para o público, pois o que neles se diz se aplica a todas as entidades religiosas que praticam o plagio, dando a crer ao povo católico que sao legítimos órgaos do Catolicismo. Eis por que, ñas páginas seguintes, publicaremos o texto do Parecer do Dr. José Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor, e o Acórdao subseqüente assinado pelos Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura em ou-

tubrode 1987.

A linguagem usada em tais documentos é a do Direito, com suas expressSes técnicas e convencional, cujo sentido se torna claro a um leitor atento.

Merecem, pois, consideracao os arrazoados que se seguem, dado que se poderiam aplicar a numerosos outros casos paralelos ao da "Igreja Cató lica Apostólica Carismática". I. O PARECER

APELACAO ClVEL N? 7.150-0/5 - CAMPIÑAS "Excelentfssimo Senhor Desembargador Corregedor Geral:

Na"o se conforma D. Gilberto Pereira Lopes, Arcebispo Diocesano de Campiñas, como representante da Igreja Católica Apostólica Romana, com a

r. decisao de fls. 85/87 do d. Juiz Corregedor Permanente do 1? Cartório

de Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, desacolhendo a dúvida suscitada

pelo Oficial, determinou registro e arquivamento do estatuto social da Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil.

Em seu apelo ao E. Conselho Superior da Magistratura, aduz que a utilizacffo de nome análogo e de estrutura semelhante á da apelante, induzirá a populapao em erro e isso autoriza a recusa do registro, com fundamento no artigo 115 da Lei de Registros Públicos... OPINO:

I. Suscitou o erudito oficial do registro civil das pessoas jurídicas da Comarca de Campiñas a presente dúvida, com fundamento no artigo 115 da 520

"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA"

41

Lei de Registros Públicos, quando se Ihe apresentou a registro o estatuto social da pessoa jurídica denominada Igreja Católica Apostólica Carismática. no Brasil. Aduziu que o nome e a própria organizacao da entidade se prestariam a propiciar engodo e confusSo ao povo da cidade, em relapao a Igreja Católi ca Apostólica Romana. Exemplifica o receio, com a enunciacáo dos cargos existentes na hierarquia da entidade registranda: 'padres, sacerdotes, bispos, freirás, madres e seminaristas', nomeados por um 'Supremo Concilio'...

II. A teor do disposto no § 5? do artigo 153 da Constituicao da Re pública, 'é plena a liberdade de consciéncia e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que nao contrariem a ordem pública e os bons costumes'.

Quer isso dizer que o Estado brasileiro é leigo. 'É-lhe vedado, pela Constituicao, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los ou em-

baracar-lhes o exercício (artigo 9? , II, da CF). A neutralidade do Estado em

materia confessional constitui importante fator de garantia e de respeito ás liberdades religiosas (liberdade de crenca e culto)' (José Celso de Mello F¡-

Iho, 'ConstituicSo Federal Anotada', 2? ed., 1986, Saraiva, p. 439).

É da tradicao do Estado Liberal que o núcleo dos direitos garantidos

aos cidadaos seja definido e caracterizado pela pretensao de excluir intervencóes do poder estatal, consideradas perigosas para as liberdades individuáis. Assim, a liberdade de pensamento e suas manífestacoes quanto a conscién cia, culto, educagao e Imprensa, estaria totalmente ¡muñe a qualquer contro le do organismo estatal.

Sob prisma tal, concluir-se-ia — como o fez o d. magistrado corregedor permanente — que descabe tolher registro a sociedade religiosa cuja denominacao nao coincide, exatamente, com aquela da terceira interessada. III. A questao merece outras reflexoes, contudo. 0 fator religioso fortalece como nenhum outro a unidade e a dignidade dos valores políticos. Nao que a Igreja se reduza a mero suporte de estabilidade política, mas sao reconhecfveis nela tais efeitos temporais. 'Mais prudente sois - escreve Cicero - quando cercáis a cidade com a religiao, do que quando a rodeáis de muralhas'. O respeito a autoridade, o freio dos

apetites de gozo e predominio, o clima de honestidade e confianca que toda convivencia requer, a moralidade profissional, a abnegacao no cumprimento do dever, o sacrificio, o heroísmo, tém na religiáo suas mais fundas e seguras

raízes' (José Corts Grau. 'Curso de Derecho Natural', 5? ed., Ed. Nacional Madrid, 1974, p. 458).

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Esse principio foi adequadamente formulado por Donoso, ao advertir que a ordem passou do mundo religioso ao mundo moral e do moral ao po lítico. Assim, 'nao há mais do que duas repressoes possíveis, a religiosa e a

política. Estas sao de tal natureza, que quando o termómetro religioso está alto, o termómetro da repressao está baixo e quando o termómetro religioso está baixo, o termómetro político, a repressSo política, a tiranía, está alta' ('Discurso sobre la Dictadura', t. II, p. 107, apud Corts Grau op cit p. 459).

Daquilo que superficialmente se abordou, deflui que um Estado libe ral moderno, mesmo nao confessional, admita a tolerancia de culto, mas nao

a sua irrestrita liberdade. Do ponto de vista cristao, o governo de um país ca

tólico nao pode predispor seus súditos ao indiferentismo ou á apostasia. Do . ángulo filosófico, nao Ihe é lícito cair num relativismo que equipare o erro a verdade. E do ángulo político, ¡mporta-lhe manter um fator decisivo para a unidade nacional.

Igreja e Estado sao sociedades perfeitas, cada urna em sua ordem. 'Ao Estado importa cooperar com os fins da Igreja, por razoes de intrínseca hierarquia e porque, os riscos da Igreja, acaba por sofre-los sempre a sociedade

civil, e a Igreja importa manter no Estado um máximo ético e velar pela estabilidade social, porque também a dissolucao civil se propaga á eclesiástica' (CORTS Grau, op. cit., p. 464). Nao interessa ao Estado fomentar a contradicao, sob pretexto de

viabilizar a Kberdade religiosa. Por esse motivo é que a Constituicao assegura aos crentes o exercício dos cultos religiosos que nao contrariem a ordem pública e os bons costumes.

IV. Por bons costumes se entendem as atitudes ou valores sociais con sagrados pela tradicáfo e que se impóem aos individuos do grupo e se transmitem através das geracoes. Sao os comportamentos prescritos do ponto de

vista moral. E sob esse enfoque, nao corresponde com os ditames da moral pretender-se o registro de entidade com denominapao quase idéntica a outra, muito mais antiga e de evidente prestigio.

A despeíto da inequívoca diferenca entre direito e moral, ninguém re

cusa a interpenetracSo entre os dois campos. É da rotina forense a api ¡cacao

de preceitos moráis na solucfo de questSes jurídicas. Citando RIPERT, lembra o Prof. ALVINO LIMA a necessidade de recorrer a lei moral, a fim de reforcar, atenuar ou esclarecer a regra jurídica' ('A fraude do Direito Civil' Saraiva, SP, 1965, p. 7).

Constata-se urna migracáo continua e irrepreensível de prescricoes moráis para o direito positivo, de tal forma que 'o progresso do direito posi522

"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA"

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tivo é um esvaziamento progressivo do campo da moral social', na frase de George Renard ('Le Droit, La Justice et la Volonté', Sirey, París, 1925,

p. 108). No momento em que a entidade registranda pleiteou o registro da Igreja Católica Apostólica' Carismática no Brasil, quis se valer do dissemina do respeito de que usufrui a Igreja Católica Apostólica Romana. E a lei positiva nao pode ser indiferente a atitudes calcadas em falta de originalidade que destoa da mera coincidencia. 'A missáfo do direito nao é apenas a

de disciplinar coativamente atividades humanas para dirigí-las e conté-las dentro dos limites legáis prefíxados, mas é, outrossim, um fator de civilidade, urna forpa de persuasao em virtude dos valores moráis que encerra' (Alvino Lima, op. cit. p. 10). Existe, a rigor, um preceíto que impede o registro da entidade que se inspira integralmente em similar mais longeva. Admitir-se a protecao decorrente da publicidade registrária nesse caso seria premiar a esperteza e des considerar a regra moral a qual repugna a ¡mítacao. E "a substancia interna, a medula nutritiva da regra de direito positivo é a regra moral, o preceito de justica que ela se contenta de determinar ao contacto das condicoes históricas da época" (J. T. Dedos, 'Le probléme des rapports du droit et de

la morale', in 'Archives de Philosophie et Science Jurídique', 1933, p. 80). Aínda que nao exístísse 'preceito legal que condene expressamente a conduta desleal, desonesta, fraudulenta, lesiva de direito de terceiros, a regra usual de retidao, de probidade se impoe, nao só porque está implí

cita e virtualmente incerta em ¡números preceitos legáis, regulando casos

particulares; mas ainda por ser o ato de improbidade lesivo do direito de outrem, repudiado como contrario ao principio geral de direito — neminem

laedere' (Alvino Lima, op. cit. p. 10). .. Ao se atentar para essa possibilidade vivificadora propiciada pelos

principios gerais de direito - dentre os quais o que determina nao prejudicar

a ninguém - estar-se-á a reconhecer que o direito nao pode ser desvinculado de seu fím. 'O fim é a vida interna, a alma escondida, mas geratriz, de todos

os di re ¡tos' (Saleilles, 'De La Personnalité Jurídique', p. 497). Lembrava o grande Benjamín Cardoso, que 'nao colhemos as nossas

regras de direito ¡nteiramente maduras das árvores. Cada juiz, consultando a sua própria experiencia, deve ter consciéncia do momento em que o livre exercício da vontade, dirigido com o propósito de promover o bem comum,

deve determinar a forma e a tendencia de urna regra, a qual, nesse instante, se origina de um ato criador' ('A Natureza do Processo e a Evolucáo do

Direito' 3? ed., Col. Ajuris-9, p. 112/113). .. 523

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

É problema da jurisprudencia delimitar o conceito de imoralldade

num sentido estrito. Na espacie, diffcil concluir-se que a pretensao ao regís-

tro de sociedade eclesiástica inspirada integralmente numa outra, de que sao

reproduzidos, com pouca imaginacSo, os tres primeiros e identificadores no-

mes, possa revestir um ato moralmente idóneo. É l¡ca"o de senso comum que,

obtido o registo, essa Igreja se prestará a confundir as pessoas, com a ¡magem que elas tém da Igreja Católica tradicional. E o conceito de senso co mum pode auxiliar o convencimento de que o acesso á protecib registraría é de ser impedido: 'Todo mundo entende por senso comum certo número de nocSes evidentes por si mesmas, onde todos os homens va*o buscar os moti vos de seus jufzos e as regras de sua conduta. Mas o que nao se sabe bastante é que esses princfpios sá*o, simplesmente, as solucdes positivas de todos os grandes problemas que a filosofía agita... o senso comum é urna filosofía propriamente dita, pois se encontra espontáneamente no fundo de todas as conscifincias, independente de toda pesquisa científica' (Jouffroy, 'Mélanges Philosophiques', apud Garrigou-Lagrange, 'Le Sens Commun' Nouv. Lib. Nat., 1922, p. 85/7).

É a perene filosofía, imorredoura como a razio humana. Obra dos

sáculos, essa filosofía tradicional ná*o é sená*o a perpetua justificagáfo das solucóes do senso comum, ou do bom senso, ao qual repugna a idéia de apropriacáo do nome de entidade semelhante, ainda que aparentemente destina da a práticas de elevacáo.

V. Sob,outro prisma o tema admite análise. O Direito Brasileiro con templa a protecáo de marcas, patentes e direitos autorais, a constituir 'um

incentivo á criatividade', além de evitar 'o caos, a deslealdade e a prepoten cia' (AC. 56.690-1, SSo Paulo, Reí. Des. Jorge Tannus, RJTJESP-97/228). A entidade apelada inclui em sua denominacao tr6s expressoes, que revestem significado bastante em si: Igreja Católica Apostólica. A locucao de que se utilizou é elemento integrante, constitutivo e distintivo do nome da apelante. Tanto que, ao se referir qualquer pessoa a Igreja Católica, pressup5e-se a expectativa de comportamento de que o* ouvinte ¡mediatamente absorva e assimile o significado relativo a Igreja Católica Apostólica Roma na. A colidéncia á manifesté e a mera possibilidade de confusao afastaria a possibilidade de utilizacfo do nome posterior, reconhecida a preferencia de uso pela entidade prejudicada. Assim tem entendido a jurisprudencia do E. Tribunal de Justica de SSo Paulo (RJTJESP-60/191).

N5o se pode exigir urna imitacSo completa. É suficiente, como o fez a

entidade de denomínacSo registrada, se cónfiam ao nome elementos comuns, indistintos, para tomar viável o quid pro quo por parte das pessoas media nas, quase sempre imunes a um exame mais atento. Valeria recorrer ao con524

"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA"

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ceito de imitado de Gama Cerqueira, tantas vezes invocado nos julgamentos referentes á protecao da propriedade industrial: 'Verifica-se imitacSo sempre que urna nova marca, em seu conjunto ou em urna de suas partes,

despena a impressao visual ou fonética da outra existente, ou sugere ao es pirito a mesma idáia que esta, de modo a induzír em erro ou confusao o consumidor' ('Patentes e Máquinas', p. 300, in RJTJESP-75/142). O princfpio é o mesmo e a natureza diversa da atuaca'o das duas entidades aquí con sideradas, mas legítima a cautela com que se houve o registrador. A proximidade léxica entre as duas denominares perturba a atuaca'o apostólica de cada qual. A confusffo, aqui, nffo caí na sede da inconseqüéncia de contaminado. A identidade nlo é acidental e molesta, nao apenas potenciaImente, á primeira délas, ora apelante. Ressalte-se que atuarSo no mesmo universo, arrebanhando idéntica faixa de fiéis, com a explicacao* de

individualidade insuficiente para acentuar sua diferenca institucional. Con

creta e aparente, portanto, a ilicitude entrevista.

NSo se houve a Igreja Carismática com a boa-fé cujos contornos os Romanos precisaran). 'A boa-fé deve ser considerada de um modo negativo. Desde que o interessado ignore a situaca*o do seu parceiro, ... é lícito con cluir pela sua boa-fé. Os Romanos, designando essa ocorréncia, se valem des-

tas expressoes: - ignorare, putare, existimare, nescire, e quando se referem á má-fé, a qualificam como um estado de ciencia. Daf dizer-se que a boa-fé se caracteriza somente pelo estado de ignorancia do sujeito, ou pela sua crenca e opiniao de que o direito é aquele que sua compreensao representa' (Octavio Moreira GuimarSes, 'Da Boa-Fé no Direito Civil Brasileiro' 2a ed Saraiva.SP, 1953. p. 30).

É fato notorio a existencia de urna Igreja Católica Apostólica Roma

na. Ninguém poderia ¡gnorá-lo e, nestes autos, a circunstancia restou perfei-

tamente caracterizada, mediante a recusa do registrador, seguida de chamamento da terceira ¡nteressada. Escusado a Igreja Carismática alegar deseonhecimento.

Ao pretender o registo, nele insistindo mesmo após explicitadas as razoes da apelante, desacompanhou a Igreja Carismática o último dos preceitos carácter¡2adores da tríplice inclinacSo natural do homem, com vis tas á conservacSo, a propagacáfo e aelevacfo do homem. Sobre isso discorre Alceu Amoroso Lima, remetendo á obra de GREDT: 'Pode-se distinguir no homem urna tríplice inclinacSo natural, como substancia, como animal e como racional. Enquanto é substancia, inclina-se a conservar o seu ente, e. segundo essa inclinacSb veda a lei natural o suicidio e preceitua aqui lo que se refere á conservacá"o de si mesmo, como seja a nutricSo. Enquanto é

animal, inclina-se a conservar a sua espacie pela geracáb e educaca*o dos fi525

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Ihos e de acordó com essa ¡nclinacao existem todos os preceitos, que dizem

respeito á geracá"o, ao matrimonio e á educacáo dos filhos. Enquanto é ra

cional inclina-se a conhecer a verdade e a viver em sociedade, e segundo essa

inclinacao ordena a lei natural que o homem evite a ignorancia e náb ofenda aqueles com quem deve conviver' ('Introducto ao Direito Moderno' 3a ed Agir, 1978, Rio, p. 99).

Por último, ná"o se trata de qualquer orientacao confessional, que pudesse direcionar a análise no sentido objetivado pela apelante. É a mera constatacao de que a boa-fé, a imaginapao criadora, o repudio pela imitacao e pela apropriacío de idéias, preordenada ao proveito que se extrairá da confusao, reside na consciéncia do comum dos homens.

Catherein já reconhecia que 'O Cristianismo derramou abundante luz sobre tais verdades. Porém elas já sSo, por si, acessfveis á razao, como o provam.os exemplos dos grandes filósofos da antigüidade: Sócrates, Platao,

Aristóteles, Cicero e outros' ('Filosofía Del Derecho', trad. A. Jardon e C.' Barja, 4a ed., Reus, Madrid, 1941, p. 205/206). A propósito, basta a reffexao serena sobre c texto de Confúcio que segué: 'O homem, dizem os nossos

antigos sabios, é um ser á parte, em que se reúnem as qualidades de todos os outros seres. Ele é dotado de inteligencia, perfectibilidade, liberdade e so-

ciabilidade; é capaz de discernir e comparar, de agir em vista de um fim e escolher os meios necessários para a consecucao desse fim Pode aperfeipoar-se

ou depravarse, conforme o bom ou mau uso que fizer de sua liberdade; conhece virtudes e vicios e senté que tem deveres a cumprir para com o Céu, para consigo mesmo e para com o próximo' (apud T. Rothe, 'L'Esprit du Droit chez les Anchiens', R. Sirey, París, 1928, p. 154/155).

VI. O parecer que me permito submeter á superior consideracfo de Vossa Excelencia é no sentido do provimento do apelo para que se recuse o registro á Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, com fundamento no artigo 115 da Lei de Registros Públicos, de acordó com a interpretacao

que ora se Ihe conferiu.

Ao elevado discernimento de Vossa Excelencia. Sao Paulo, 15 de setembro de 1987. (a.) José Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor".

II.OACÓRDAO '"Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelacao Cfvel N°

7.150-0/5, da Comarca de Campiñas, em que 6 apelante a Igreja Católica Apostólica Romana, rep. p/ Dom Gilberto Pereira Lopes, apelado o Sr.

Oficial do Cartório de Títulos e Documentos e Pessoa Jurfdica e interessa526

"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMATICA"

47

da a Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, rep. por Euclides Nunes.

Acórdam os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura,

por votacao unánime, em dar provimento á apelacSb. Custas na forma da leí.

O relator inicialmente confirmava a sentenca, mas reconsiderou seu

ponto de vista em face do voto do eminente 3? Juiz, que ficou unánime mente acolhido como razao de decidir, nos seguintes termos: 'Meu voto, com a devida venia, acompanha o do Sr. Revisor e dá pro

vimento ao apelo.

Pouco se tem a acrescentar ao primoroso parecer do Dr. Nalini que, a

meu ver, bem enfoca a controversia e Ihe dá solucSo adequada.

A ordem pública e os bons costumes referidos no artigo 115 da Lei de Registros passam, na especie, pelo exame do artigo 153, § 5? da Constituicao Federal, onde se garante aos crentes o exercfcio do próprio culto religioso.

Essa garantía há de compreender a seguranca de que a prática do culto nao seja inibida por contrafases maliciosas capazes de induzir em erro os adeptos de determinada religiSo'.

Dentro desse ángulo, como no parecer se observa, 'difícil concluir-se

que a pretensa^ ao registro de sociedade eclesiástica inspirada integralmen te numa outra, de que sSo reproduzidos, com pouca imaginacao, os trts

primeiros e identificadores nomes, possa revestir um ato moralmente idó

neo, é licáo de senso comum que, obtido o registro, essa Igreja se prestará

a confundir as pessoas, com a imagem que elas tém da Igreja Católica tra dicional'. Como, alias, noticias existentes nos autos já deixam claramente

entrever. De qualquer forma, 'a proximidade léxica entre as duas denomi nares perturba a atuacáo apostólica de cada qual'.

Mutatis mutandis, aplica-se aqui a conhecida I ¡cao de GAMA CERQUEIRA, no sentido de que ocorre im¡taca*o proibida 'sempre que urna nova marca, em seu conjunto ou em urna de suas partes, despena a impressao vi sual ou fonética da outra existente ou sugere ao espirito a mesma ¡déla que esta, de modo a induzir em erro ou confusSfo o consumidor'.

A permissao do registro importaría em conseqüente ambigüidade em prejufzo da Igreja antes estabelecida e a qual nSo se pode negar o legítimo direito de defesa das notas características de sua identidade, netas compreendidas o nome, a estrutura organizacional e o culto religioso, a cujo exercf527

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

ció o Poder Público, na forma da Leí Maior, nao deve criar embaraco (art. 9,11).

Participaran! do julgamento, com votos vencedores, os Desembarga-

dores Marcos Nogueira Garcez, Presidente do Tribunal de Justica e Milton Evaristo dos Santos, Vice-Presidente do Tribunal de Justica. Sao Paulo, 19 de outubro de 1987.

(a.) Sylvio do Amaral, Corregedor Geral da Justica e Relator" Passam os dizeres de tais documentos despertar a atencao para quanto

de ¡Ifcio e fraudulento ocorre no plagio, na explorapao financeira e no

curanderismo praticados por varias correntes religiosas do Brasil contempo ráneo!

Estévao Bettencourt O.S.B. *

*

*

UM COMPENDIO DE TEOLOGÍA MORAL Foi publicado recéntenteme o terceiro volunte da serie "OBEDIEN

CIA E SALVACÁO". Tratase de um Manual de Teología Moral editado

pelo Instituto Diocesano Missionárío dos Servos da Igreja (Diocese de Sio José do Rio Preto, SP), com a palavra de Apresen ta^ao do Sr. Bispo Dio

cesano D. José de Aquino Pereira. O prímeiro volunte estudava os Principios

Fundamentáis da Moral; o segundo, as Virtudes e os Vicios; este terceiro é dedicado aos Sacramentos e Sacramentáis, incluindo a temática das Indul gencias, das Penas Eclesiásticas, das Vocacdes em geral e da Familia. Cada capitulo é acompanhado de questionárío para favorecer o estudo e de um texto de leitura espiritual. A orientacio é fiel ao pensamento da Igreja. Muí-

to úteis serio as páginas dedicadas ás tres condicSes para que naja matrimo

nio válido na Igreja; os cánones relativos aos impedimentos matrimoniáis sao passadosem revista com bastante clareza, de modo a informar devidamente

os interessados (futuros nubentes e Párocos encarregados dos processos ma trimoniáis).

Fazemos votos para que tal obra se difunda em nossos Seminarios e Institutos de formacSo do laicato. Pedidos ao endereco seguinte: Centro Vo-

cacional Coracio Imaculado de María, Rúa Osvaldo Aranha 585 - Caixa

Postal 55 - 15001 SSo José do Rio Preto (SP); fone (0172) 32-1598.

Como ulterior subsidio para o estudo, podemos indicar os CURSOS

POR CORRESPONDENCIA DA ESCOLA "MATER ECCLESIAE". Mor-

macdes sejam solicitadas á mesma Escola, Rúa Benjamín Constant 23 — 20241 - Rio de Janeiro fRJ). 528

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luz do Vaticano II. 1981. 2a ed

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A PALAVRA DO PAPA: A Liturgia das Horas. Texto com pleto da Instrupao Geral sobre a Oracáo do povo de Deus

105 págs. 1982

A PALAVRA DO PAPA: Constituicáo Sacrosanctum Concilium (Sobre a Sagrada Liturgia) Edicao Bilingüe. 1985. 153 págs

ANTROPOLOGÍA E PRAXIS NO PENSAMENTO DE JOÁO PAULO II. Conferencias do Congresso Interna cional, Rio de Janeiro, 18 a 22 de outubro de 1984,

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Dom Marcos Barbosa, 2a Ediclo. 1985. 92 págs. (José Otympio Editora)

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