Ano Xxix - No. 313 - Junho De 1988

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  • Pages: 54
Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIN.E

Apostolado Veritatis Spiendor

com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoristm)

APRESENTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico • filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

SUMARIO O Misterio da Palavra 0 Culto das Imagens

"Religioes, Seitas e Heresias" uu

a

Somente a Escritura? É Nociva a Castidade?

A Fecundacao Artificial "Gift" <

Livros em estante

CD

O ce a.

ANO XXIX

JUNHO

1988

313

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

JUNHO - 1988

Pubjicacáo mensal

NP 313

SUMARIO

Diretor-Responsável: Estéváo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico

Diretor-Administrador:

D. Hildebrando P. Martins OSB

Administrado e distribuí?3o: Edicóes Lumen Christi Dom Gerardo, 40 - 5" andar, S/501 Tel.: (021) 291-7122

Caixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro - R J

O Misterio da Palavra

241

Carta de Joao Paulo II sobre

O Culto das Imagens

242

Diálogo Ecuménico

"Religióes, Seitas e Heresias"

251

"Sola Scriptura"

Somente a Escritura? Atual mente esquecida

É Nociva a Castidade?

258

2*71

Moralmente lícita? ■M.'JtQUES-SAXAJVA" GRÁFICOS £ coirones s.a.

A Fecundacáo Artificial "Gift"

279

Livros em estante

287

ASSINATURA:Cz$ 1.000,00

NO PRÓXIMO NÚMERO: 314-

Número avulso: Cz$ 100,00

Julho- 1988

Pagamento (á escolha):

A Solicitude Social da Igreja (Joao Paulo II).

1. VALE

gia da

POSTAL á Agencia Central dos

Correios do Rio de Janeiro.

2. CHEQUE BANCÁRIO.

3. No Banco do Brasil, para crédito na Con-

— Para Entender o Protestantismo. — "TeoloLibertaclo"

(Pe. Paschoal Rangel).

— "Igreja para a Libertacao" (David Regan). — "Carta a urna Máe que renuncia á Materni-

dade.

ta Corrente n?0031, 304-1 em nome do Mostei ro de S. Bento do R io de Janei ro, pagável na Agencia da Praga Mauá (n?0435).

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ OUANTO ANTES

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

A SUA ASSINATURA

MUDANCA DE ENDEREQO

O Misterio da Palavra Um dos instrumentos mais poderosos de que dispóe a pessoa, é a pa lavra. Já S. Tiago o observava, apresentando a It'ngua como um leme ou como um pequeño fogo incendiario (cf. Tg 3,1-12).

Os pensadores tém refletido a respeito, deixando-nos textos notáveis, como o abaixo transcrito:

"A biografía do bomem é, no fundo, urna biografía da palavra. Com seu respirar o bomem é ser vivo, com seu caminhar ó ser móvel, com seu bater é ser forte. Apenas com sua palavra, sobretodo aquela dirigida ao outro, o homem se torna ser pessoal, inteiramente bomem. A palavra auténtica é misterio, porque tem no Ser sua fonte original. Os profetas e poetas — e todo homem tem um pouco de profeta e poeta —... conhecem bem as fronteiras do Ser, de onde jorra a vida misteriosa da pala vra...: 'Eu nao invento, mas descubro' (Charles Péguy)... O homem é um ser essencialmente visitado, e a palavra é o hospede que ele mais hospeda. Quem sabe guardar palavras auténticas, tornase mora da... para as coisas, os eventos, as pessoas que o visitam, preparándose assim para hospedar o Poeta absoluto, Deus. A biografía do homem ou da sua pa

lavra é um crescimento, até que o homem se identifique com a Palavra que Deus pronunciou a seu respeito. Aquela Palavra 'esté á nossa porta e bate; se abrirmos, ela entraré e ceará conosco' (cf. Ap 320)" (Valerio Mannucci). Muita coisa está dita nestas densas frases:

1) O homem se caracteriza pela palavra, expressao de sua inteligencia e de seu afeto. A palavra transmite o tesouro da vida ou a morbidez contagiosa de quem a profere.

2) Toda palavra auténtica tem sua fonte e seu modelo em Deus, Suma Inteligencia e Primeiro Amor, que se nos manifestam através do Logos en

carnado, Jesús Cristo (cf. Jo 1,14).

3) A visita que todos nos mais recebemos, é a da palavra (conversas,

leí tu ras, radio, televi sao...). Quem sabe acolher as palavras portadoras dé

Verdade e de Bem, dispoe-se cada vez mais a acolher o próprio Deus e a se configurar á Palavra eterna, exemplar, que o Criador proferiu sobre cada um de nos.

4) Aqui está a responsabilidade de quem fala: seja vefculo daquela Pa-

lavra-fonte, da Palavra sabia e santa de Deus, que cada cristao deve cultivar em si para poder transmiti-la aos seus semelhantes! É um pouco da sabedo-

ria e da santidade de Deus (oxalá faltamente abrigadas em nosso íntimo!)

que assim nos é dado comunicar.

E.B.

241

"PEROUNTE E RESPONDEREMOS" AnoXXIX-N9313-Junhode 1988

Carta de Joáo Paulo 11 sobre

O Culto das Imagens Em si'ntese: Aos 04/12/87 o S. Padre Joao Paulo II assinou urna Cana Apostólica dirigida aos Bispos do mundo inteiro em comemoracao do dé cimo segundo aniversario do Concilio de Nicéia II, que confirmou o culto de veneracao das sagradas imagens. O S. Padre aproveita a oportunidade para

observar o papel importante que o Niceno II atribuí á Tradicao nao escrita, como, alias, recomendam a própria S. Escritura e a teología patrística. A se guir, expoe o sentido teológico das imagens como foi desenvolvido pelo

Concilio de Nicéia II, em oposicao aos iconoclastas. Por último, enfatiza o valor das imagens em nossos días para estimular a piedade, valor que os cristafos orientáis fervorosamente reconhecem aos seus icones. Possa o ¿e/o dos Srs. Bispos interessar-se pelo genuino culto das imagens em nossos templos, evitando os possiveis desvíos.

Já em PR 308/1988, pp. 2-12 foi comemorado o 1.2009 aniversario do Concilio de Nicéia II (787), que confirmou a legitimidade do culto das imagens (culto de veneracao, e nao de adoracáo) durante a controversia ico noclasta dos séculos VIII e IX. O valor teológico das imagens sagradas foi ex planado nesse artigo. Eis, porém, que em fevereiro de 1988 foi divulgada a Carta Apostólica do S. Padre Joáo Paulo II Duodecimum Saaculum, dirigida

aos Bispos do Mundo inteiro e destinada a recordar o Concilio de Nicéia II e a sua doutrina. Visto que se trata de um documento pontificio, rico de observacoes teológicas e práticas sobre o assunto, publicamos, a seguir, ao me nos, a segunda, a terceira e a quarta Partes desse texto.

242

O CULTO DAS IMAGENS A primeira Parte vale-se da oportunidade da comemoracáo de um Con cilio para lembrar o papel indispensável sempre desempenhado pelos Papas

por ocasiao dos Concilios Ecuménicos; sem, ao menos, a aprovacao pontifi cia, as resolucoes de um Concilio universal nunca tiveram vigencia na Igreja.

A segunda Parte trata da Tradicao nao escrita como auténtico vei'culo

da Palavra de Deus, desde que sancionado pelo magisterio da Igreja. A terceira Parte aborda o significado teológico das santas imagens. A quarta Parte acentúa o apreco que a Igreja Universal teve ás ¡magens

até hoje. Especialmente os orientáis es ti mam os seus icones, prática esta que se transmite atualmente aos ocidentais. Isto tudo impóe aos Bispos da Igre ja o dever de se interessarem pelo culto das imagens e seu valor teológico, to davía sem permitir desvíos provenientes da piedade mal esclarecida.

Eis o texto da Carta em traducao portuguesa tirada de L'Osservatore

Romano, edicao semanal portuguesa, 14/02/1988, pp. 14s.

O TEXTO

11. A Tradicao nao escrita» 1. Concilio de Nicéia II e Tradicao "5. O Concilio Niceno II afirmou solenemente a existencia da tradicao

eclesiástica escrita e nao-escrita 17, como referencia normativa para a fé e

para a disciplina da Igreja. Os Padres manifestaram o seu desejo de conservar intatas todas as tradicoes da Igreja, que Ihes foram confiadas, fossem elas

escritas ou nao-escritas. Urna délas consiste precisamente na pintura dos

icones, em conformidade com a carta da pregacáo apostólica 1S. Contra a

corrente iconoclasta, que também tinha apelado para a Escritura e para a Tradicao dos Padres, especialmente para o pseudo-sinodo de Hiéria de 754,

o II Concilio de Nicéia sanciona a legitimidade da veneracao das imagens,

confirmando u ensino divinamente inspirado dos santos Padres e da Tradi

cao da Igreja Católica. "

*Os títulos e subtítulos sao da redapio da PR. Como dito é p. 242, a Parte I é aqui omitida.

11 Cf. Quartum anathema, em: MANSIXIII, 400. 18 Horos, in:MANSI XIII, 377BC. 19 Ibid. 377C. 243

4

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

Os Padres do II Concilio Niceno entendiam a 'tradipáo eclesiástica' como tradicao dos seis concilios ecuménicos precedentes e dos Padres orto doxos, cujo ensino era acolhido comumente na Igreja. O Concilio, deste

modo, definiu como sendo de fé aquela verdade essencial, segundo a qual a mensagem crista é 'tradicáo', paradosis. Na medida em que a Igreja se foi desenvolvendo, no tempo e no espapo, a sua inteligencia da Tradicáo, da qual é portadora, conheceu também ela as fases de um desenvolvimento, cuja investigacáo constitui, para o diálogo ecuménico e para toda a reflexao teológica auténtica, um percurso obrigatório. 2. Biblia e Tradipao nao Escrita

6. Já Sao Paulo nos ensina que, para a primeira gerapáo crista, a parádosis consiste na proclamapáo do Acontecimento de Cristo e do seu signifi cado atual, que realiza a Salvapáo mediante a apáo do Espirito Santo (cf.

1Cor 15, 3-8; 11, 2). A tradipáo das palavras e dos atos do Senhor foi recolhida nos quatro Evangelhos, mas sem se exaurir neles (cf. Le 1, 1; Jo 20, 30; 21, 25). Esta tradipáo primigenia é tradipáo 'apostólica' (cf. 2Ts 2, 14-15; Jd 17; 2Pd 3, 2). Ela diz respeito nao apenas ao 'depósito' da 'sá doutrina'(cf. 2Tm 1,6-12;Tt 1,9), mas também ás normas de comportamentó e ás regras da vida comunitaria (cf. 1Ts 4, 1-7; ICor 4, 17; 7, 17; 11,

16; 14, 33). A Igreja lé a Escritura á luz da 'regra da fé' 30, quer dizer, da sua fé viva mantida coerente com o ensino dos Apostólos. Aquí lo que a Igre

ja sempre acreditou e praticou, ela considera-o justamente como 'Tradipáo apostólica'. Santo Agostinho dizia: 'Urna observancia mantida pela Igreja inteira e conservada sempre. que nao tenha sido instituida pelos Concilios, acaba por nao ser outra coisa, com pleno direito, senao urna tradipáo que

emana da autoridade dos Apostólos'31.

Oe fato, as tomadas de posipao dos Padres no decorrer dos grandes de bates teológicos dos sáculos IV e V, a importancia crescente da instituipáo sinodal a nivel regional e universal, fizeram com que, pouco a pouco, a tradi

páo se tornasse a 'tradipáo dos Padres' ou 'tradipáo eclesiástica', entendida como desenvolvimento homogéneo da Tradipáo apostólica. Foi por isto que . Sao Basilio Magno fez apelo ás 'tradipdes nao-escritas', que sao as 'tradipoes

70 Cf. Santo Ireneu, Advenus Haereses I, 10. 1; I, 22, 1; em: Sources Chré-

tiennes (= SCH) 264, pp. 154-158; 308-310; Tertuliano, De praescríptione 13,16; em: Corpus Christianorum. Series Latina ( = CChL), I, pp. 197-198;

Orígenes, Peri Archón, Pref. 4, 10, em: SCh 252, pp. 80-89.

De Baptismo IV, 24, 31; em: Corpus Scriptorum Ecc/esiasticorum Latí-

norum ( = CSBL) 51, p, 259.

244

OCULTODASIMAGENS

dos Padres,33 para fundamentar a sua teología trinitaria, e sublinha a prove niencia dupla da doutrina da Igreja 'do ensíno escrito, bem como da tradicáo

apostólica'.33

O próprio Concilio Ni ceno II, que cita oportunamente Sao Basilio a

propósito da teología das imagens M, invocou também a autoridade dos grandes doutores ortodoxos, como Sao Gregorio de Nissa, Sao Cirilo de Alexandria e Sao Gregorio de Nazíanzo. Sao Joáo Damasceno pos também ele

em relevo a importancia, para a fé, das "tradicóes nao escritas", isto é, nao

contidas na Escritura, ao declarar: 'Se alguém se apresentar com um EvangeIho diferente daquele que a Igreja católica recebeu dos Santos Apostólos, dos Padres e dos Concilios e que ela conservou até aos nossos días, nao o

escuteis'.35

3. Concilio Vaticano II e Tradicao

7. Mais próximo de nos, o Concilio Vaticano II apresentou novamente em plena luz a importancia da 'tradicáo que provém dos Apostólos'. De

fato, a Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, enquanto consignada por escri to sob a inspiracao do Espirito divino; a Sagrada Tradicao, por seu lado, é portadora da Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espirito

Santo aos Apostólos, e transmitida integralmente aos seus sucessores.36 'Ora, aquilo que foi transmitido pelos Apostólos, compreende tudo

quanto contribuí para que o Povo de Deus viva santamente e para o aumen

to da sua fé' ". Juntamente com a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradicao constituí 'um único depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado á Igreja'. A ¡nterpretacáo auténtica da Palavra de Deus escrita ou contida na Tradi

cao foi confiada únicamente ao Magisterio vivo da Igreja, cuja autoridade é

33 Sobre o Espirito Santo, Vil 16, 21,32; IX 22,3; XXIX 71.6; XXX 79,15; em SCh 17 bis, pp. 298.300.322.500.528.

23 Ibid. XXVII 66; 1-3. p. 478-480. 34 Cf. Horos. in: MANSIXIII. 378E. 35 Discurso sobre as imagens III. 3, em: PG 94, 1320-1321; e B. KOTTER, Die Schriften des Johannes von Damaskos, vol. III (Contra imaginum calumniatores orationes tres), em: "Patristische Texte und Studien" 17, Berlim-Nova lorque, 1975, III, 3,pp. 72.75.

36 Dei Verbum, 9.

27 Ibid.. 8. 245

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

exercida em nome de Jesús Cristo28. É mediante urna fidelidade igual ao tesouro comum da Tradipáo que remonta aos Apostólos, que as Igrejas se esforcam hoje por aprofundar os motivos das suas divergencias e as razoes que há para as superar.

III. A controversia iconoclasta 1. O Problema

8. A terrfvel 'controversia sobre as imagens', que dilacerou o Imperio bizantino sob os imperadores ¡satíricos Leao III e Constantino V, entre os anos de 730 e 780, e de novo sob Leao V, de 814 a 843, explicase principal mente pelo debate teológico que, desde o inicio, foi o seu fulcro.

Sem ignorar o perlgo de um ressurgimento sempre possi'vel das práticas idolátricas do paganismo, a Igreja admitía que o Senhor, a Bem-aventurada Virgem María, os Mártires e os Santos fossem representados em formas pictóricas ou plásticas para favorecer a orapao e a devopao dos fiéis. Era claro para todos, segundo a fórmula de Sao Basilio, recordada pelo Concilio Ni ce

no II, que 'a honra prestada ao i'cone é dirigida ao prototipo'29. No Ocidente, o papa Sao Gregorio Magno tinha insistido no caráter didático das pintu ras ñas igrejas, úteis para que os analfabetos, 'ao contémplalas, possam ler pelo menos ñas paredes, aquilo que nao sao capazes de ler nos llvros', e acentuava que esta contemplapio devia levar á adorapao da 'única e omnipotente

Trindade Santíssima'.30 Foi neste contexto que se desenvolveu, de maneira particular em Roma durante o sáculo VIII, o culto das imagens dos Santos, dando lugar a urna produpao arti'stica admirável.

O movimento iconoclasta, rompendo com a tradipao auténtica da Igre ja, considerava a venerapao das imagens como um retorno á idolatría. Nao sem contradipao e ambigüidade, ele proibia a representado de Cristo e as imagens religiosas em geral, enquanto continuava a admitir as imagens pro

fanas, em particular

as imagens do imperador com os sinaís de reverencia

que a elas andavam ligados. A base da argumentapao dos iconoclastas era de

28 Ibid., 10.

29 Sobre o Espirito Santo, XVIII 45,19, em: SCh 17 bis, p. 496; Nicéia II

Horos. em: MANSIXIII, 377ü.

30 Cartas de Sao Gregorio Magno ao Bispo Sereno de Marselha, em: MGH,

Gregorii I Papae ñegistrum Epistularum II, 1, ¡ib. IX, 208, p. 195 e II, 2, lib. XI, 10, pp. 270-271; ou em: CChL 140A, lib. IX, 209, p. 768 e lib XI 10

pp. 874-875.

'

246

'

OCULTODASIMAGENS

natureza cristológica. Como pintar Cristo, que unia na sua Pessoa, sem as confundir nem as separar, a natureza divina e a natureza humana? Por um lado, seria ¡mpossível representar a sua divindade ¡napreensível; por outro, representá-lo na sua humanidade somente seria dividí-lo separando n'Ele a divindade da humanidade. Escolher urna ou outra destas duas vias levaría ás duas heresías cristológicas opostas do monofisismo e do nestorianismo. Com efeito, quem pretendesse representar Cristo na sua divindade condenar-se-ia a absorver nessa representadlo a sua humanidade; e quem mostrasse apenas um retrato de homem, acabaría por ocultar que ele é também Deus. 2. A Solucao

9. O dilema posto pelos iconoclastas envolvía algo que ¡a muito além da questlo da possíbilidade de urna arte crista; punha em causa toda a visáo crista da realtdade da encarnapao e, portanto, das relapoes de Deus com o mundo, e da grapa com a natureza, numa palavra, a especif icidade da 'Nova Alianpa', que Deus concluiu com os homens em Jesús Cristo. Os defensores das imagens advertiram muito bem isso: segundo urna expressao do Patriarca

de Constantinopla Sao Germano, ¡lustre vítima da heresia iconoclasta, era

toda 'a economía divina segundo a carne'31 que era posta de novo em questáo.

Com efeito, ver representado o rosto humano do Filho de Deus, 'ima-

gem de Deus invisível' (Cl 1,15), é ver o Verbo feito carne (cf. Jo 1,14), o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29). Portanto, a arte pode representar a forma, a efigie do rosto humano de Deus e levar aquele que o contempla ao misterio inefável do mesmo Deus feito homem para a

nossa salvapáo. Assim,

o Papa Adriano pode escrever: 'Grapas a um rosto

visi'vel, o nosso espirito será transportado, por um atrativo espiritual, até a majestade invisível da divindade, através da contemplapao da ¡magem em que está representada a carne, que o Filho de Deus se dignou assumir para a nossa Salvapáo. E, sendo assim, nos adoramos e conjuntamente louvamos, glorificando-o em espirito, este mesmo Redentor, porque, como está escrito,

'Deus é Espirito' e é por isso que nos adoramos espiritualmente a sua divin

dade'.3' 0 Concilio Niceno II, portanto, reafirmou solenemente a distinpao

tradicional entre 'a verdadeira adorapao (latreia)' que, 'segundo a nossa fé,

31 Cf. Teófano, Chronographia ad annum, 6221, ed. C. de BOOR I, Leipzig, 1883, p. 404; ou PG 108, 821C

3i Carta de Adriano I aos Imperadores, em: MANSIXII, JQ£?A$.~:{?'ln}'Í7*i-"■

247

8

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

é devida somente á natureza divina' e 'a prosternado de honra (timetiké proskynesis), que é prestada aos icones, porque aquele que se prostra diante do ícone, prostra-se diante da pessoa (a hipóstase) daquele que na figuracao

é representado.'33

A iconografía de Cristo implica, portanto, toda a fé na realidade da

Encarnacáo e no seu significado inexaurível para a Igreja e para o mundo. Se a Igreja costuma pó-la em prática, falo porque esta convencida de que o Deus revelado em Jesús Cristo resgatou realmente e santificou a carne e o inteiro mundo sensível, ou seja, o homem com os seus cinco sentidos, a fim de Ihe permitir renovar-se constantemente 'a imagem d'Aquele que o criou'.
IV. Apóso Niceno II 1. Na'Historia Subseqüente 10. O Concilio Niceno II, por conseguinte, sancionou a tradigao se

gundo a qual 'devem expor-se as venerandas imagens sacras, manufacturadas

com tintas, com mosaico e com outras materias idóneas, ñas igrejas consa gradas a Deus, nos vasos e paramentos sagrados, ñas paredes e nos retábulos, ñas casas e ñas rúas: e isto aplicase tanto á imagem de Nosso Senhor Deus e Salvador Jesús Cristo e á de Nossa Senhora Imaculada, a santa Theotokos, bem como as imagens dos veneráveis anjos e de todos os homens santos e

piedosos'.34 A doutrina deste Concilio sustentou a arte da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente, inspirando-lhe obras de urna beleza e de urna profundidade sublimes.

Em particular, a Igreja grega e as Igrejas eslavas, apoiando-se ñas obras dos grandes teólogos Sao Nicéforo de Constantinopla e Sao Teodoro Studita, apologistas do culto das imagens, consideraram a veneracao do i'cone como parte integrante da Liturgia,

á semelhanca da celebracao da Palavra.

Como a leitura dos livros materiais permite a audicao da Palavra viva do Se nhor, assim a exposicao de um i'cone figurativo permite aqueles que o contemplam ter acesso aos misterios da Salvacao mediante a vista. 'Aquilo que por um lado é manifestado pela tinta e pelo papel, por outro no ícone, é

manifestado pelas varias cores e pelos outros materiais'.35

33 Horos, em: MANSI XIII, 377E. 34 Ibid., 377D.

35 Teodoro Studita, Antirrheticus, 1,10, ¡n.PG 99, 339D. 248

OCULTODASIMAGENS

NoOcidente, a Igreja de Roma distingue-se, numa continuidade sem

interrupcao. pela sua acao a favor das imagens,36 sobretudo no momento cnt.co em que, entre os anos de 825 e 843, os Imperios bizantino e franco se demonstraram ambos hostis ao Concilio Niceno II. No Concilio de Tren-

to, a Igreja católica reafirmou a doutrina tradicional, contra urna nova forma

de iconoclastia que entao se manifestava. Mais recentemente, o Concilio Va

ticano II recordou com sobriedade a posicao constante da Igreja a respeito

das imagens" e da arte sacra em geral.38 2. Cristaos Ocidentais e Icones

11. Desde há alguns decenios para cá nota-se um surto de interesse pela teología e pela espiritualidade dos icones orientáis; isso é sinal de urna necessidade crescente da linguagem espiritual da arte auténticamente crista. A este propósito, nao posso deixar de exortar os meus Irmáos no Episcopa do a 'manterem o uso de expor imagens ñas igrejas á veneracao dos fiéis,39 e a empenharem-se para que surjam cada vez mais obras de qualidade verdadeiramente eclesial. O crente de hoje, como o de ontem, há-de ser ajudado na oracao e na vida espiritual mediante a visao de obras que procurem expri

mir o misterio sem nunca o ocultar. É esta a razao pela qual, hoje como no

passado, a fé é a indispensável inspiradora da arte da Igreja.

A arte peja arte, que nao leve a pensar senao no seu autor, sem estabelecer urna relacao com o mundo divino, nao encontra espapo na concepcao

crista do ícone. Seja qual for o estilo que adote, todo tipo de arte sacra deve

exprimir a fé e a esperanca da Igreja. A tradicáo das imagens mostra que o artista deve ter consciéncia de cumprir urna missao ao servico da Igreja.

A arte crista auténtica é aquela que, através da percepcáo sensivel, leva

á intuicao de que o Senhor está presente na sua Igreja, os acontecimeritos da historia da Salvacáo dao sentido e orientapáo á nossa vida e a gloria que nos

está prometida comeca já a transformar a nossa existencia. A arte sacra deve tender a proporcionar-nos urna sintese visual de todas as dimensoes da nossa

36 Cf. Carta de Adriano a Carlos Magno, em: MGH, Epistulae V (Epistulae

Karolini Aevi, t. III), pp. 557;ouPL98. 1248-1292.

31 Cf. Sacrosanctum Concilium, 111, 1; 125; 128; Lumen Gentium, 51; 67-

Gaudlum et Spes, 62, 4-5; e também Código de Direito Canónico, can. 1255

e 127S.

38 Sacrosanctum Concilium, 122-124. 39 Ibid., 125. 249

10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

fé. A arte da Igreja deve ter a preocupacao de talar a linguagem da Encarnagao e exprimir, com os elementos da materia, Aquele que 'se dignou habitar na materia e realizar a nossa salvacao através da materia', segundo a fórmula

feliz de Sao Joao Damasceno.40 A redescoberta do ícone cristao ajudará também a tomar consciéncia da urgencia de reagir contra os efeitos despersonalizadores, e as vezes degra dantes, das múltiplas imagens que condicionam a nossa vida, na publicidade e nos "mass-media"; trata-se, de fato, de urna imagem que faz chegar até nos o olhar de um Outro invisi'vel e que nos dá acesso á realidade do mundo espiritual e escatológico.

3. O Zelo dos Bispos 12. Amadíssimos Irmaos:

Ao recordar a atualidade da doutrinado Vil Concilio Ecuménico, parece-me que estamos perante um chamamento á nossa tarefa primordial de evangelizacao. A secularizacao crescente da sociedade mostra que ela está a tornar se, em larga escala, alheia aos valores espirituais, ao misterio da nossa

Salvacao em Jesús Cristo e a realidade do mundo futuro. A nossa tradicao mais auténtica, que compartilhamos plenamente com os nossos irmaos orto

doxos, ensina-nos que a linguagem da beleza, posta ao servico da fé, é capaz de atingir o coracao dos homens e de os levar a conhecer, a partir de dentro, Aquele que ousamos representar ñas imagens, Jesús Cristo, o Filhode Deus feito homem, 'o mesmo, ontem e hoje e por todos os séculos' (Hb 13,8). A todos dou, de coracao, a Béncao Apostólica.

Dado em Roma, junto de Sao Pedro, a 4 de Dezembro, memoria litúrgica de Sao Joáo Damasceno, Presbítero e Doutor da Igreja, do ano de 1987, décimo do meu Pontificado.

(a) Joao Paulo II"

40 Discurso sobre as imagens. I, 16, em: PG. 94, 1246A; e ed. KOTTER I 16.p.89.

250

Diálogo Ecuménico:

"Religióes, Seitas e Heresias" por J. Cabral

Em síntese: O livro de J. Cabral ana/isa, a seu modo, as crencas religio sas nao protestantes, atríbuindo-as á inspiracao do demonio. É especialmen te agressivo ao Catolicismo, fundándose, porém, sobre urna serie de afirmacoes falsas, imprecisas, dependentes de leituras de segunda mao e de preconceitos. A grande! dificuldade encontrada no diálogo católico-protestante con siste em que os protestantes léem a Biblia desarraigada do seu berco e da sua Tradicao, de modo que déla deduzem conclusoes subjetivas, que varíam da denominacao para denominacao protestante. - A explanacao do principio "Somente a Escritura" se encontra no artigo seguinte ao presente.

A literatura espalhada pelo protestantismo chama, nao raro, a atencáo, pela sua índole tendenciosa e preconcebida, que a desvaloriza aos olhos de quem estudou o Cristianismo (doutrina e historia). Infelizmente, porém, ela é capaz de impressionar e aliciar leitores desprevenidos, que nao tenham cri

terios para distinguir o falso do verídico. Eis por que mencionamos aqui o li vro de J. Cabral "Religióes, Seitas e Heresias", editado pela Universal Produpoes — Industria e Comercio, Rio de Janeiro, em dezenas de milhares de exemplares.

0 autor é protestante batista, que se opoe nao somente a denominacoes protestantes como sao as pentecostais, o Adventismo, a Ciencia Crista,

mas também ao Catolicismo, á Maconaria, á Rosa-Cruz, ds religióes orien táis... Muitas dessas denominacoes religiosas ou filosóficas sao apresentadas

de maneira caricatural ou falsa — o que fundamenta urna crítica mais sarcástica da parte do autor. Satanás seria o autor de todas as correntes religiosas e filosóficas que nao estivessem de acordó com a Biblia entendida como J. Ca bral a entende.

Todavía que é que a Biblia ensina? É esta a pergunta da qual depende todo o valor da argumentacao de J. Cabral. A resposta a esta questao defini rá o apreco a ser dado á obra de J. Cabral. Por isto é que apresentamos neste 251

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

fascículo um artigo sobre "a Biblia: única fonte de Fé?" Ver pp. 258-270. Examinemos outros trapos do livro em foco.

1. Hermenéutica Bíblica A maneira como J. Cabral interpreta a Biblia, é pré-cienti'fica ou cega, só podendo levar a conclusoes erróneas. Eis alguns exemplos: 1) P. 11: "As Escrituras Sagradas ensinam que a nossa gerapao parte de urna só familia tronco - a de Noé (Gn 9, 17-19). Dos seus filhos Sem, Cao e

Jafé descendem todas as pessoas, o que nos leva a entender que o conhecimentó de Deus transmitido a Noé e seus filhos deveria ser o mesmo hoje em todas as rapas, tribos e napóes".

— Na verdade, a Biblia nao quer dizer que toda a humanidade deseende de Noé e seus filhos. - O episodio do diluvio (Gn 6-9) insere-se na cha mada "pré-história bíblica", isto é, narra um evento que nao tem coordena das geográficas e cronológicas definidas. Trata-se de um episodio avulso ocorrido em tempos remotos, apresentado pelo autor sagrado antes da voca-

pao de Abraao (Gn 12,1-3)' precisamente para mostrar como o pecado se ia alastrando após a queda de Adao. O diluvio bíblico nao foi urna catástrofe universal, isto é, nao atingiu a térra inteira (para que recobrisse toda a térra, deveria constar de urna carnada de agua de 4.600.000.000m3, a fim de ultrapassar a altitude do monte Everest — o que é impossível), nem atingiu to dos os homens (pois o autor sagrado, após a fuga de Caím homicida, só tem emvistaalinhagem dos filhos deSete.quese ia corrompendo moralmente).2 Por conseguinte, é falso dizer que a humanidade inteira descende de Noé e seus filhos, como sao falsas as conseqüéncias derivadas desta premissa. Só fala assim quem ignora a mentalidade, a intenpao e os processos redacionais dos autores sagrados. 2) O Evolucionismo é apresentado de maneira distorcida; após o que se

lé: "É preciso mais fé para crer ñas hipóteses da evolupáo do que para crer nos ensinos da Biblia, isto é, que foi Deus que criou todas as coisas. Génesis 1,1; 1,21.24.25" (p. 23s).

— Note-se que o autor sagrado nao tinha em vista descrever a formapao do universo do ponto de vista científico; o seu intuito era religioso; quis

1 Esta, sim, tem suas coordenadas geográficas e cronológicas. Com e/a (1850

a.C. aproximadamente) comeca a historia bíblica.

2 Ver a propósito Curso Bíblico por Correspondencia, 4a Etapa, Módulo 5. 252

"RELIGlOES, SEITAS E HERESIAS"

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dizer-nos o sentido que o mundo e o homem tém á luz de Deus. Por isto nao

tratou da questao do evolucionismo, que é um tema científico moderno, to talmente ignorado pelos antigos. Ao dizer que Deus criou todas as coisas,

quis incutir a nogao de que tudo o que vemos é proveniente de um único

Deus Criador; portanto nao há astros sagrados (como imaginavam os mesopotámios), nem há bosques sagrados (como diriam os cananeus) nem há

animáis sagrados (como admitiam os egipcios). O autor bíblico, porém, nao quis dirimir a questao: cada urna dessas criaturas provém diretamente de um

ato criador de Deus ou indiretamente? A evolucao é admissivel aos olhos da fé, desde que se reconheca que Deus fez a materia primordial e Ihe deu as leis do seu desenvolvimento, acompanhando essa evolucao, etapa por etapa,

com a sua sabia Providencia. Neste sentido o cristao pode aceitar a evolucao das especies (está claro que nao tem a obrigacao de a professar, pois se trata

de hipótese). Contudo a alma humana, que nao é materia, só pode ter urigem por um ato criador de Deus.

2. O Canon bíblico No tocante ao canon (catálogo) bíblico (p. 78), o autor julga que fo¡ acrescido de sete livros apócrifos em 1547. Nao leva em conta o seguinte:

Até o século I d. C. nao havia um catálogo de livros sagrados claramen te definido entre os judeus. Estes tinham sua biblioteca sagrada, que eles utilizavam no culto público e na leitura particular, sem se preocupar com catalogacao. Todavía, quando no século I apareceram os livros cristáos (cartas de S. Paulo, Evangelhos...), os judeus, nao tendo aceito o Cristo, tratavam de impedir que se fízesse a aglutinacao de livros judeus e livros cristáos. Por isso reuniram-se no sínodo de Jámnia ou Jabnes ao Sul da Palestina, por volta do ano 100 d.C, a fim de estabelecer as exigencias que deveriam caracterizar os livros sagrados ou inspirados por Deus. Foram estipulados os seguintes cri terios:

1) o livro sagrado nao pode ter sido escrito fora da térra de Israel; 2)... nao em língua aramaica ou grega, mas somente em hebraico; 3)... nao depois de Esdras (458-428 a.C); 4)... nao em contradiplo com a Tora ou Lei de Moisés. Em conseqüéncia, os judeus da Palestina fecharam o seu canon sagra

do sem reconhecer livros e escritos que nao obedeciam a tais criterios. Acon tece, porém, que em Alexandria (Egito) havia próspera colonia judaica, que, 253

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

vivendo em térra estrangeira e falando língua estrangeira (o grego), nao adotou os criterios nacionalistas estipulados pelos judeus de Jámnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os li'vros sagrados hebraicos para o grego entre 250 e 100 a.C, dando assim origem á versao grega dita "Alexandrina" ou "dos Setenta Intérpretes". Essa edicao grega bíblica encerra livros que os judeus de JÉmnia nao aceitaram, mas os de Atexandria liam como palavra de Deus; assim os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico ouSiracides, 1 e 2 Macabeus, além de Est 10,4-16,24; Dn 3, 24-90; Dn 13-14.

Podemos, pois, dizer que havia dois cánones entre os judeus no inicio da era crista: o restrito da Palestina, e o ampio de Alexandria.

Ora, acontece que os Apostólos e Evangelistas, ao escreverem o Novo Testamento em grego, citavam o Antigo Testamento, usando a traduclo gre ga de Alexandria, mesmo quando esta diferia do texto hebraico; tenham-se em vista Mt 1, 23 {-•> Is 7,14); Hb 10,5 (-»SI 39,7). Esta tornou-se a forma comum entre os cristaos; em conseqüéncia o canon ampio, incluindo os sete livros atrás citados, passou para o uso dos cristaos.

Verificamos também que nos escritos do Novo Testamento há citacóes implícitas dos livros deuterocandnicos. Assim, por exemplo, Rm 1,19-32 -»Sb 12-15; Rm 13,1; 2,11--Sb 6,4-8; Mt 27,43->Sb 2,13.18; Tg 1,19-* Eclo 4,34; Mt 11,29s-> Eclo 51,23-30; Hb 11,34s->- 2Mc 6,18-7,42. Deve-se, por outro lado, notar que nao sao (nem implícitamente) cita dos no Novo Testamento livros que, de resto, todos os cristaos tém como canónicos; assim Eclesiastes, Ester, Cántico dos Cánticos, Esdras, Neemias, Abdias, Naum.

Nos mais antigos escritos patrióticos sao citados os deuterocandnicos como Escritura Sagrada: Clemente Romano (em cerca de 95), na epístola ios Corintios, recorre a Jt, Sb, fragmentos de Dn, Tb e Eclo; o Pastor de Hermas, em 140, faz ampio uso do Eclo e do 2Mc (cf. Semel. 5,3.8; Mand. 1,1...); Hipólito (t 235) comenta o livro de Daniel com os fragmentos deu terocandnicos; cita como Escritura Sagrada Sb, Br e utiliza Tb, 1 e 2 Me.

Nos sáculos II/IV houve dúvidas entre os escritores cristaos com refe rencia aos sete livros, pois alguns se valiam da autoridade dos judeus de Jerusalém para hesitar. Finalmente, porém, prevaleceu na Igreja a consciéncia de que o canon do Antigo Testamento deveria ser o de Alexandria, adotado pelos apostólos. Em conseqüéncia, os Concilios regionais de Hipona (393), Cartago MI (397), Cartago IV (419), TrulOs (692) definiram sucessivamente o Canon ampio como sendo o da Igreja. Esta definicao foi repetida pelos Concilios ecuménicos de Florenca (1442), Trento (1546), Vaticano (1870). 254

"RELIGlOES.SEITAS E HERESIAS" S. Jerónimo (t 421) foi, sem dúvida, urna voz destoante nesse conjun to. Tendo ido do Ocidente para Belém da Palestina a fim de aprender o he braico, assimilou também o modo de pensar dos rabinos da Palestina neste particular.

Durante a Idade Media pode-se dizer que houve unanimidade entre os cristaos a respeito do canon.

No sáculo XVI, porém, Martinhe Lutero (1483-1546), querendo con testar a Igreja, resolveu adotar o canon dos judeus da Palestina, deixando de lado os sete livros deuterocanónicos que a Igreja recebera dos judeus de Ale-

xandria. É esta a razao pela qual a Biblia dos protestantes nao tem sete li

vros e os fragmentos que a Biblia dos católicos incluí. Para dirimir asdúvidas, observamos que — os criterios adotados pelos judeus de Jámnia para nao reconhecer

certos livros sagrados eram criterios nacionalistas;

— é o Espirito Santo quem guia a Igreja de Cristo e fez que, após o pen'odo de hesitagao (séc. I-IV), os cristaos reconhecessem como válido o canon ampio.

Alias, o próprio Lutero traduziu para o alemao os livros deuterocanó nicos — o que bem mostra que eles eram usuais entre os cristaos. Nao foi o Concilio de Trento que os introduziu no canon.

Para os católicos, os livros deuterocanónicos do Antigo Testamento sao tao valiosos como os protocanónicos; sao a Palavra de Deus inerrante, que, alias, os próprios judeus da Palestina estimavam e liam como textos edificantes. Por exemplo, os próprios rabinos serviam-se do Eclesiástico até

o sáculo X como Escritura Sagrada; o IMc era lido na festa de Encénia, ou da Dedicagao do Templo (Hanukkah), Baruque era lido em alta voz ñas sina

gogas do séc. IV d.C, como atestam as Constituicóes Apostólicas. De Tobías e Judite temos midrachim ou comentarios em aramaico, que atestam como tais livros eram Ildos na sinagoga.

Em conclusao: a própria Biblia nao define o seu catálogo. Portante este só pode ser depreendido mediante a Tradicao ( = transmissáo) oral, que de gerapao em geracáo foi entregando os livros sagrados ao povo de Deus, indicando-os, ao mesmo tempo, como livros inspirados e, por conseguinte, canónicos. Essa tradicao oral viva fala até hoje pelo magisterio da

Igreja, que nao é senao o eco auténtico da Tradicao oral. O S. Padre Joao Paulo II, em su a recente Carta sobre as Imagens, rea-

firmou e desenvolveu o tema da Tradicao; ver pp. 243-246 deste fascículo. 255

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

3. A imagem do Catolicismo 0 autor julga que o inicio do "Catolicismo Romano" está na época de Constantino Imperador (306-337); nesse periodo muitos pagaos se converteram á fé crista, de tal modo que, segundo J. Cabral, foram adotadas práticas pagas pela Igreja; assim o culto aos Santos, a veneracao de reliquias, o ritual da Liturgia...

Na verdade, só urna visao preconcebida dos fatos pode inspirar tais

afirmacoes. Vejamos a verdade objetiva:

É certo que Constantino deu liberdade á Igreja — o que facilitou a conversao de numerosos pagaos. Estes nem sempre estavam plenamente conscientes da novidade do Cristianismo, de sorte que em varios casos praticaram um certo ecleticismo; tais práticas, porém, eram denunciadas e rejei-

tadas pelos Bispos, como atestam os escritos de S. Agostinho ( t 430), Sao Leao Magno ( '(461), S. Cesário de Arles (t543) e outros. Oentre os exemplos citados por J. Cabral, nenhum tem raizes no paga nismo. Assim o culto de veneracao (nao de adoracao) aos Santos é atestado desde o secuto I como fruto da mais genuína concepcao crista"; com efeito,

junto aos túmulos dos mártires (a comecar por S. Pedro e S. Paulo) encontram-se vestigios ou inscricoes de fiéis que iam pedir as oracoes dos mesmos; o aniversario do martirio era comemorado mediante a celebracao da Eucaris tía, como se vé ñas Catacumbas. As reliquias eram cuidadosamente guarda das, pois eram tidas como destrocos de corpos que o Espirito Santo havia utilizado para toda especie de obras boas (como diz S. Agostinho).

Á p. 81 o autor apresenta um elenco de práticas do Catolicismo que terao sido introduzidas no decorrer dos sáculos, deturpando a esséncia do Cristianismo: entre outros dados, afirma que "o sacrificio da Missa" teve orígem em 1100; os sete sacramentos e a transubstanciacáo em 1215; a confte-

sao auricular em 1216..." Muitos dos elementos desta lista já foram conside

rados e esclarecidos em PR 295/1986, PP. 552-563. A titulo de complemento, examinemos algumas das acusacoes aínda nao estudadas em PR:

a) "A Tradicao em 1546" (p. 81). — Tradipáo significa, no caso, a transmissao oral da Palavra de Deus. O Catolicismo afirma que Deus falou aos homens, primeiramente, por via oral e que, em segunda instancia, a Pala vra de Deus oral foi consignada por escrito; a transmissao ou a tradicao oral, que é anterior a escrita, é indispensável para se entender a Palavra escrita ou a Biblia; ela continua viva, e é recomendada pelo Apostólo em textos cita256

ncLI UIUEO, o

dos ás pp. 264-267 deste fascículo. Por conseguinte, para o Catolicismo, a Tradipao oral cotneca com Jesús Cristo e os Apostólos e nao no século XVI. 0 que comepou no século XVI, é a Tradicáo dos protestantes; sim, estes,

além da Biblia, tém necessariamente urna tradicao oral, que ensina como in terpretar a S. Escritura (tomada em si, a Biblia é letra suscetível de ser repu-

xada em diversas direcóes). Assim Lutero (f1546) deu inicio á tradicao lute rana; Calvino (ti564), á tradipao calvinista ou presbiteriana; John Wesley (ti791), a tradicao metodista; Ellen Gould White (1"I915>, á tradipao adven tista...

Se os protestantes adotassem apenas a Biblia como fonte de fé, professariam todos o mesmo Credo e formariam todos urna só comunidade eclesial. 0 fato, porém, é que, embora tenham todos a mesma Biblia, constituem centenas de denominapoes separadas urnas das outras, que nao se reduzem a

urna só. E por qué? — Precisamente, porque, além da Biblia, cada denominapao tem sua tradicao oral, que a caracteriza definitivamente. b) "A Imaculada Conceipao de Maria: 1950" (p. 81). Na verdade, des

de os primeiros sáculos os cristaos veneram a Virgem SSma. como santa e sem mancha (a primeira orapao que se conheca, data do século III: "Sob a vossa protepio recorremos, Santa Mae de Deus..."). A definí cao dogmática

da Imaculada Conceipao ocorreu em 1854, e nao em 1950, consagrando a fé multissecular dos cristaos nesta prerrogativa de Maria SS. - Em 1950 houve

a definipao da Assuncao corporal de Maria, outra prerrogativa já cultuada desde a Idade antiga. — Donde se vé como as acusapoes levantadas contra os católicos pelos protestantes estao baseadas em ¡nformacóes erróneas ou mes mo em ignorancia.

c) "Credo do Papa Pió IV, que introduziu novas doutrinas — 1560" (p. 81). — Seria para desejar que J. Cabral apresentasse aos seus leitores esse "Credo portador de novas doutrinas", país nenhum historiador o conhece... Será que J. Cabral estava consciente do que dizia?

4. Conclusao O livro em foco é espécimen significativo de como o Protestantismo se

pode tornar sectario em nosso Brasil. Atribuindo ao demonio a inspirapáo de crenpas religiosas nao protestantes, suscita um clima de medo e fanatismo entre os seus adeptos. — Um exame sereno do livro mostra que está cheio de afirmacoes falsas, imprecisas, unilaterais, dependentes de preconceitos e de leituras de segunda ou terceira mío, muito mais do que de estudo serio da materia em foco.

Urna tal obra carece de valor doutrinário e histórico. Dado, porém, que se pode tornar prejudicial a quem a leia, pareceu-nos necessário apontar

algumas das falhas que a perpassam. — O Espirito Santo seja o Mestre inte rior daqueles que, sinceramente e sem preconceitos, desejam seguir a Cristo! 257

"Sola Scriptura"?

Somente a Escritura? Em síntese: Oí Reformadores do sáculo XVI estabeleceram o princi pio de que Sola Scriptura, somente a Escritura, pode ser considerada fonte

de fé, com exclusio da Tradicao oral. Desta maneira Lutero quería "purifi car" o Cristianismo de tradicoes espurias ou crencas e costumes menos adequados que se haviam introduzido no Catolicismo. — Verificase, porém, que a recusa dos Reformadores foi drástica demais. Teña sido necessário dis tinguir entre a Tradiqao divino-apostólica (oriunda de Cristo e dos Apostó los) e as tradicoes que, posteriormente a estas, comeparam a existir dentro

da Igreja; estas nao gozam de garantía de autenticidade, ao passo que aqueta a possui. Com efeito; sábese que Cristo nada deixou escrito nem mandou es-

crever, dado que a escrita era urna arte difícil e rara na antigüidade. Os Apostólos pregaram de viva voz, e só ocasionalmente escreveram algo de

quanto assim anunciaram; cf.Jo 20¿2; 21 ¿5; 2Ts 2,15. Em conseqüéncia,

os escritos do Novo Testamento (como também os do Antigo Testamento) nio podem ser lidos independentemente da Tradicao {= transmissao) oral que os precedeu e os bercou; é essa Tradicao que, antes do mais, define o catálogo dos escritos sagrados ou o canon bíblico; é essa Tradicao que con tribuí auténticamente para o entendimento do texto bíblico, o qual está su-

jeito a ser distorcido segundo as categorías subjetivas dos seus intérpretes. A Tradicao oral oriunda de Cristo e dos Apostólos continua viva na Igreja através dos sáculos e é fielmente expressa pelo magisterio da Igreja, a quem Cristo confiou a missSo de guardar e transmitir a sua Palavra. Quem nao leva em conta este ampio quadro da Revelacao Divina, mas se ppe a ler e interpretar a sos as Escrituras, arriscase a deturpá-las, desvian do cada vez mais o Cristianismo das suas orígens, como atestam as nume rosas denominacoes protestantes originadas pelo principio do "Livre exa-

me".

No diálogo entre católicos e protestantes volta freqüentemente a per-

gunta dos interlocutores evangélicos:

"Como se pode provar tal ou tal pro

posita o pela S. Escritura?" Esta ¡ndagacao é decisiva para que os protestan tes aceitem, por exemplo, a Virgindade de María SS., a existencia do purga torio, o primado de Pedro, etc.. A posicao evangélica se deve ao fato de que 258

SOMENTE A ESCRITURA?

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Lutero e os reformadores do sáculo XVI estipularam como única fonte de fé a S. Escritura (Sola Scriptura), julgando que a Tradicao oral, como era, e é, professada pela Igreja Católica, deturpa, aumenta ou desvia o depósito da fé revelada por Jesús Cristo. A questáo é básica no diálogo ecuménico: será a Escritura a única fonte de fé?

Ou poder-se-á admitir a seu lado a Tradicao oral? Urna análise se

rena e objetiva dos fatos evidenciará que o problema supoe um equivoco e

se pode resolver sem grande dificuldade.

1. Tradicao oral e Tradicao escrita A fé crista procede do fato fundamental de que Oeus quis revelar aos homens os misterios de sua vida assim como seu desi'gnio de salvacao; este incluí a participacao do homem, elevado á dignidade de filho, na vida do próprio Deus: "Recebestes o Espirito pelo qual clamáis: Abbá, Pai!" (Gl 4,6; Rm8,15). A Revelacao iniciada com o Patriarca Abraáo (sáculo XIX a.C), conti nuada através dos sáculos do Antigo Testamento, foi consumada por Jesús Cristo, o Logos ( = Palavra) de Deus feito homem (cf. Jo 1,1.14). Ora sabe-se que a revelacao de Deus aos Patriarcas, aos Profetas e aos Apostólos se realizou sem o concurso da escrita: os antigos só rara e difícil mente escreviam, pois tal arte era ardua e dispendiosa; as mensagens eram transmitidas por vía meramente oral.

Detendo-nos, de modo especial, na revelacao do Novo Testamento,

verificamos que Jesús Cristo nada deixou escrito nem se preocupou com a redacao de seus ensinamentos. Apenas mandou aos Apostólos fossem pregar pelo mundo e se tornassem testemunhas da verdade; cf. Mt 10,7; 28,18-20;

Me 16,15. Acontece, porém, que os Apostólos e seus discípulos, ao anunciarem a Boa-Nova, experimentaran! a necessidade ocasional de escrever algo. Ora tratava-se de responder a dúvidas de cristaos recém-evangelízados ou de com

pletar a catequese inacabada (tais foram as ocasioes que levaram Sao Paulo e os outros Apostólos a escrever su as cartas). Ora tratava-se de deixar aos fiéis urna parcela ou urna smtese de quanto havia sido pregado pelos Apostólos

(tal foi a ocasiao dos Evangelhos). É de notar, porém que os autores de tais

escritos (evangelistas, Sao Paulo, Safo Joao, Sao Pedro, Sao Tiago...) nao tiveram em vista expor todo o depósito dos ensinamentos de Jesús, como eles mesmos declararam: 259

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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988 "Muitos outros prodigios fez aínda Jesús, na presenta dos discípulos,

os quais nao estao escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que acreditéis que Jesús é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais

a vida em seu nome" (Jo 20,30s). "Há aínda multas outras coisas que Jesús fez. Se elas se escrevessem, urna por urna, pensó que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se teriam de escrever" (Jo 21.25; cf. 2Ts 2.15). Os Apostólos consignaram por escrito aspectos da vida e da doutrina

de Jesús, atendendo a necessidades esporádicas das comunidades cristas e da catequese. Disto se seguem conclusoes importantes: 1) Tradicao divino-apostólica

Existe no Cristianismo urna Tradicao oral que remonta ao próprio Cristo e aos Apostólos e, por isto, é chamada divino-apostólica. Esta Tradipáo divino-apostólica é anterior á S. Escritura e se espelha ou exprime nesta. Tem-se indagado últimamente, entre os teólogos, se existem verdades de fé que tenham ficado apenas na Tradipao oral, nao havendo sido consignadas pelos autores sagrados nos livros do Novo Testamento. Em nossos dias admitem os teólogos que a S. Escritura contém, ao menos de modo implícito, todas as proposicoes da fé; estas encontram seu fundamento próximo ou re moto nos textos da Biblia; admite-se, portanto, a suficiencia da S. Escritura, desde que lida no contexto da Tradicao viva que a berpou. 2 ) Identificacáo e interpretacao da Biblia A Biblia só poderá ser explicada auténticamente á luz do depósito oral

que a precedeu e que é a grande fonte donde os escritores sagrados tiraram o material histórico-dogmático que eles redigiram. Esse depósito meramente oral continou a ser transmitido incontaminado (em virtude da prometida assisténcia de Cristo e do Espirito) até hoje, identificando-se com a voz ofi cial dos sucessores dos Apostólos ou com o magisterio da Igreja. O ponto em que mais aparece a necessidade de recurso a algo anterior á S. Escritura mesma, é o que se refere ao canon ou catálogo dos livros bíblicos: como saber se

um livro é ou nao inspirado ou fonté de fé? — Procuraram os Reformadores do sáculo XVI estipular criterios como o da sublimidade do conteúdo, o da beleza do estilo, os frutos de piedade e edificacao suscitados pela leitura de tais livros, mas nenhum criterio é eficaz, pois na verdade existem livros, na

Biblia, de conteúdo chao ou mesmo violento, "escabroso" (cf. Jz), de esti lo rude (cf. Ap, Me), aparentemente esteréis ou áridos ao leitor (cf. Lv, Nm).

— Somente a palavra da Tradipáo oral que entrega ao povo de Deus tais e tais livros e nao outros, palavra confirmada pelo magisterio da Igreja, é capaz 260

SOMENTE A ESCRITURA?

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de servir de criterio para definir o catálogo sagrado. A Igreja, guiada pelo Espirito Santo, á medida que a literatura crista ¡a surgindo, tomava consciéncia (ora mais cedo, ora mais tarde) de que tal ou tal escrito era inspira do e, por isto, merecedor de ser agregado á colecao dos livros sagrados, ao passo que a mesma consciéncia crista rejeitava outros escritos como espurios ou apócrifos. Nunca esse testemunho foi consignado por escrito antes do sé-

culo IV. Quando em 393 um Concilio regional reunido em Hipona definiu pela primeira vez a lista dos livros sagrados, foi a Tradicao oral, anterior aos

escritos bíblicos, quem falou por esse Si'nodo; o Concilio nao era um novo órgao de ensinamento dentro do Cristianismo (órgao criado simplesmente

pelos homens da Igreja}, mas era, ao lado das Escrituras, outra expressao do depósito de verdades que Cristo e os Apostólos transmitiram verbalmente ás geracoes cristas. 3 ) Duas fontes ou urna? O Concilio refere-se, logo a seguir, ao magisterio da Igreja como órgao

da: existem duas fontes de Revelapáo Divina — a Tradicao oral e a S. Escri tura (como diziam alguns católicos)? Ou existe apenas urna fonte — a S. Es critura (como dizem os protestantes)? Após longos estudos, a assembléia

conciliar se exprimiu, afirmando haver urna só fonte de Revelapáo — a Palavra de Deus — e os dois cañáis de transmissao da mesma — a S. Escritura e a Tradicao oral. Estes dois cañáis se harmonizam mutuamente: "A Sagrada Tradicao e a Sagrada Escritura relacionam-se e comunicam estreitamente entre si. Com efeito, derivándose ambas da mesma fonte divina fazem como que urna coisa só e tendem ao mesmo objetivo" fConstituicao Dei Verbum nP 9).

O Concilio refere-se, logo a seguir, ao magisterio da Igreja como órgao assistido pelo próprio Cristo para interpretar auténticamente a Palavra de Oeus transmitida por seus dois cañáis:

"O oficio de interpretar auténticamente a Palavra de Deus escrita ou

transmitida oralmente foi confiado únicamente ao Magisterio vivo da Igre/a, cuja autoridade se exerce em nome de Jesús Cristo. Tai Magisterio evidente mente nao está ácima da palavra de Deus, mas a seu servico, nao ensinando senao o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assisténcia do Espirito Santo, píamente ausculta aqueta Palavra, santamente a guarda e fielmente a expoe. E deste depósito'único da fé tira o Magisterio

o que propSe para ser acreditado como divinamente revelado" fDei Verbum n9 10).

É importante notar que o Magisterio da Igreja nao é urna terceira ins261

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

táncia ao lado da Palavra escrita e da Tradiclo oral, que transmita as verda des da fé, mas, em última análise, nao é senao a Tradicao oral que continua a falar auténticamente através dos sáculos; o Magisterio so se pronuncia depois de auscultar a_Palavra de Deus oral e escrita existente no depósito da Igreja, procurando, com a assisténcia do Espirito Santo (cf. Mt 16,16-19; Le 22,32; Jo 21,15-17), deduzir desse depósito as conclusóes nele comidas para ser desdobradas no decorrer da historia do Cristianismo. Dizia Jesús: "O Consolador, o Espirito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito" (Jo

"Quando vier o Espirito da verdade. Ele vos guiará para a verdade to tal, porque nao falará de si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido, e anunciarvos-á o que há de vir" (Jo 16,13).

4 ) Tradiclo e Protestantismo O próprio Protestantismo, que afirma só reconhecer a fonte bíblica, recorre necessariamente á Tradicao oral em duas ocasioes: a) ao definir o catálogo dos livros sagrados do Antigo Testamento, Lutero optou pela tradicao dos judeus firmada pelo Sínodo de Jámnia em 100 d.C, ao passo que a Igreja Católica, seguindo o uso dos Apostólos, optara

pela tradigao dos judeus de Alexandria, como está dito ás pp. 253-255 deste fascículo. Sem recurso á Tradicao oral, nao se pode definir o catálogo sagra

do, visto que em parte nenhuma da S. Escritura está dito qual o ámbito da mesma ou quais os livros que, inspirados por Deus, a devem integrar; é preci so procurar a delimitagao do canon bíblico fora da Escritura ou na Tradigao oral, isto é, no testemunho que passou de geragao a geragao desde Abraáo

até hoje (os pais entregam a Palavra de Deus aos filhos, estes aos netos, estes, por sua vez, aos bisnetos...).

b) Na sua maneira de interpretar a S. Escritura, os protestantes também recorrem a urna tradigao. Com.efeito; embora o texto da Biblia seja o

mesmo para as diversas denominagoes evangélicas, estas nao concordam entre si, por exemplo, no tocante aó batismo de criangas, á constituí gao da Igreja, á observancia do dia do Senhor, etc. As divergencias nao provém do texto da Biblia como tal, mas da interpretagao dada a esse texto por cada fundador de denominagao protestante. Com outras palavras: dependem da tradigao, oral ou escrita, que cada fundador quis iniciar na sua respectiva

congregagao. Donde se vé que, embora o cristlo queira rejeitar a Tradigao oral, ele a professa sempre: professa a Tradigao divino-apostólica, oriunda de Cristo e dos Apostólos, ou a tradigao oriunda de Lutero, Calvino, John 262

SOMENTE A ESCRITURA? Knox, Wesley, John Smith,

23

Ellen Gould' White, etc.. Isto se explica pelo

fato de que a Palavra escrita jamáis pode ser separada da oral; é esta que dá vida, atualidade e pleno significado á letra ou ao texto escrito. Sem a pala vra oral que a traduz de maneira atualizadae viva, a letra pode tornarse pe pa de museu.

5 ) A Reforma considerada hoje Os reformadores do sáculo XVI encontraram na Igreja de seu tempo tradipóes secundarias, infelizes ou tnadequadas, ao lado da TradipSo divinoapostólica. No intuito de cancelar tais tradipóes, Lutero e Calvino rejeitaram

a própria Tradicao — o que se tornou nocivo para o Cristianismo, em vez de o beneficiar. Com efeito, originou-se assim um cisma que até hoje perdura e tem gerado outros cismas; o Protestantismo, em conseqüéncia da sua pró pria índole, desligada da Tradicao e entregue ao subjetivismo de "mestres" e leitores da Biblia, vai-se esfacetando cada vez mais.

Muito a propósito vém as ponderapóes de Peter Langsfeld em Mysterium Salutis 1/2, p. 16: "A Reforma, iniciada como movímentó de retorno á fidelidade ao Evangelho, desagüou em divisao da própria Igreja que pretendía reformarse.

A repulsa as práticas indevidas e aos costumes tradicionais na Igreja nao afastou apenas a tradicao eclesiástica que contrariava o Evangelho, mas também a própria tradicao que afeta a fé, enquanto continuacao e prolongamento da Escritura. Nao nos compete expor aqui a historia e as conseqüéncias desta controversia. Tem contudo a teología católica a impressao de que, do lado da Reforma, a crianca, que se amava e se procurava salvar, /he foi roubada, ao dar-se-lhe o banho que, sem dúvida, deveria reformá-la; com a tradicao,

os costumes e ensinamentos opostos e estranhos á Biblia, a Tradicao firmada /ia Biblia e a autoridade eclesiástica, que guarda a Tradicao e a Escritura, foram repelidas..."

Já em 1907, Adolf v. Harnack descrevia, com exatidáo, a situapao atual da referida controversia: "... Escritura e tradicao: quanto se debateu a autoridade destas duas realidades, no sáculo XVI e depois dele\ Através de quantos profundos escri tos se doutrinou sobre este assuntol Presentemente, contudo, e jé desde muito tempo, perceberam os teólogos protestantes que a Escritura nao se

pode separar da Tradicao. Por seu turno, viram também os teólogos católi cos que nenhuma tradicao deve ser admitida sem a devida critica e que o Novo Testamento, no tocante aos problemas mais importantes do Cristianis mo primitivo, é a única fonte ¡ndispensável. A grande controversia perdeu, 263

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

pártanlo, nao somente seu caráter agudo, mas até sua razio de ser, desde que se emenda a própria Escritura cómo tradicao, e que nSo se admita trad'h cao nenhuma sem a devida prova..." fProtestantismus und Katholizismus ¡n Deutschland, Berlín 1907, pp. 18-19). Vé-se, pois, assim que a questao da Sola Scriptura (somente a Escritu ra como fonte de fé) se resolve sem dificuldade desde que haja síncerídade

de parte a parte entre católicos e protestantes. Em verdade, - de um lado, a S. Escritura só nao pode ser, nem é no Protestantis mo, a única fonte de fé, pois a própria índole da Escritura rejeita tal tese; a

S. Escritura pede ao leitor ausculte a Palavra viva e auténtica que a bercou e que a acompanha; vejam-se, além dos textos bíblicos citados ás pp. 264266, a palavra da 2Pd 1,20: "Antes de triáis nada sabei isto: que nenhuma profecía da Escritura re

sulta de urna interpretacao particular, pois que a profecía ¡amáis veio por vontade humana, mas os homens impelidos pelo Espirito Santo falaram da parte de Deus"; - de outro lado, a Tradigao oral e o magisterio da Igreja só tém senti

do se fazem eco á S. Escritura, pois esta se tornou a Palavra normativa: "Somente a Escritura, em seu caráter objetivo e permanente, pode conservar as origens em toda a sua pureza, de modo que, desde o inicio até o fim dos

tempos, serve ela de regra de fé, da pregacao e da vida na Igreja. Por outro lado, nao lograría a Escritura realizar sua mensagem se Ihe fosse vedado um incessante encontró com a tradigao eclesiástica..." (Peter Langsfeld, Mysterium Salutis I/2, p. 240).

2. O testemunho da própria Escritura Um atento exame das páginas bt'blicas manifesta que a própria S.

Escritura atesta a existencia de auténtica Tradigao oral, da qual a Biblia se originou e da qual recebe sua ¡nterpretacáo. Tenham-se em vista as seguintes passagens:

a) Em 2Ts 2,15, Sao Paulo exorta:

"Assim, pois, irmios, permanece/ firmes e guardai as tradicoes (paradoseis, em grego) que recebestes, se/a de viva voz, seja por carta nossa". No caso, o Apostólo nao apenas exorta a guardar as tradigoes, mas ex plica que, quer escritas, quer oráis, elas tém igual autoridade, desde que provenham do Apostólo. 264

SOMENTE A ESCRITURA?

25

b) Em 1Cor 11,2 lé-se em termos semelhantes outra alusao as tradicoes:

gue/".

"Eu vos louvo por guardardes as tradicoes tais como eu vd-las entre

c) Particularmente enfáticos sao os textos de Sao Paulo a Timoteo:

"Sei em quem acreditei. Toma por norma as sis palavras que ouviste de mim, na fé e no amor de Cristo Jesús. Guarda o bom depósito fparatliéken; com o auxilio do Espirito Santo que habita em nos" f2Tm 1,12-14). Nesta passagem o Apostólo emprega um termo técnico da linguagem jurídica de seu tempo, o qual é altamente significativo: parathéke. Este vocábulo designava um tesouro confiado pelo respectivo proprietário aos cuida dos de um amigo, o qual se obrigava em consciéncia a guardá-lo e restituí-lo; nao era lícito ao depositario utilizar tal tesouro em seu proveito pessoal ou segundo seu bel-prazer. 0 ato de depositar pressupunha confianpa da parte de quem entregava seus bens e exigia fidelidade absoluta da parte de quem os recebia; severas penas eram infligidas a quem violasse tais normas. Era esta a concepcao de "depósito" vigente tanto entre gregos e romanos como

entre judeus; atribuiam mesmo índole e autoridade religiosas á legislacao concernente ao depósito. Alguns autores antigos chegavam a equiparar a religiáo {com suas crenpas e práticas) a um depósito (parathéke) entregue pela Divindade aos homens, depósito que os fiéis deviam conservar ciosamente, sem o ousar retocar em ponto algum (cf. Ranft, Der Ursprung des katholischen Traditionsprinzips. Wuerzburg 1931).

Pois bem. No texto de Sao Paulo ácima citado vé-se que o depósito cristáo sao as palavras de doutrina que o Apostólo fez ouvir a Timoteo, e

que Paulo, por sua vez, recebeu de Cristo; esboca-se entao a linha pela qual passa o depósito:

CRISTO

—^ PAULO

—►■

TIMOTEO

(o qual recebeu suas palavras do Pai, como Ele mesmo afirma em Jo 8,28.40)

d) A linha continua..., conforme 2Tm 2,2:

"E, o que ouviste de mim em presenca de muitas testemunhas, confiao (ou deposita-o, parathou, forma verbal derivada da mesma raíz que para théke; a homens fiéis, que sejam capazes de o ensinar aínda a ouiros". 265

26

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988 Tem-se conseqüentemente a seguinte sucessao de depositarios:

O

PAI

—+■ CRISTO

—*■

PAULO

(OS

APOSTÓLOS)

—^ TIMOTEO (OS DISCÍPULOS IMEDIATOS DOS APOSTÓLOS) —*■ OS FIÉIS —^ OUTROS (FIÉIS). Desta forma a Escritura mesma atesta a existencia de auténticas proposicóes doutrinárias de Cristo a ser transmitidas por via meramente oral de geracáo a geracao, sem que os cristaos tenham jamáis o direito de as menosprezar ou, como quer que seja, retocar. Este depósito oral chegou até a gera cao presente e é expresso pela voz oficial da Igreja.

e) Na epístola aos Hebreus, a mesma concepcáo é professada com nao menos clareza; o escritor, que pertence á geracao seguinte á dos Apostólos (nao é Sao Paulo mesmo), traga por sua vez o roteiro da Tradigao oral:

"... a mensagem saturar, anunciada primevamente pelo Senhor, nos foi seguramente transmitida por aqueles que a ouviram" (2, 3). A serie de transmisores seria:

O

SENHOR

RES

*■



AS TESTEMUNHAS

NOS.QUEOUVIMOSDÉSTES.

AURICULA

f) Voltando ás epístolas pastorais, encontramos mais urna vez a idéia do depósito de doutrina oral a ser fielmente preservado e transmitido:

"O' Timoteo, guarda o depósito fparathéken^; evita os discursos vaos e profanos e as objecoes de urna falsa ciencia; por ter professado a esta, alguns erraram na fé" (1Tm 6,20s). Neste texto Sao Paulo opóe seus ensinamentos (dados oralmente a Timoteo, como é obvio) a discursos ¡novadores, fazendo da guarda do ensinamento oral a condicáo para que o discípulo nao naufrague no erro. g) Em 2Ts 2,5s Sao Paulo apela para o ensinamento oral que deu pre

viamente aos seus leitores e, em conseqüéncia, dispensa-se de escrever muita coisa sobre a segunda vinda de Cristo.

Em conclusao, os textos citados mostram a Escritura mesma a reco mendar ás subseqüentes geracoes o respeito máximo a tradicao oral que a antecedeu e ininterruptamente a acompanha.

Sao estas ponderacoes inspiradas por documentos bíblicos e respeitá266

SOMENTE A ESCRITURA?

27

veis textos do Cristianismo nascente e contemporáneo que levam a Igreja Católica a nao separar S. Escritura e Tradicao oral.

3. O Cristamismo antigo Passando agora aos testemunhos dos antigos escritores cristaos, verifi camos que, embora tivessem em maos todos os livros do Novo Testamento, nao desprezavam, mas, ao contrario, continuavam a estimar, como fonte pri

mordial da fé,

a Tradicao oral. Seja mencionado em primeiro lugar Papias

( t cerca de 130), bispo de Hierápolis na Asia Menor:

"Caso viesse alguém que tivesse convivido com os presbíteros, eu procurava saber os ditos dos presbíteros, isto é, o que haviam ensinado André,

Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, Joao, Mateus ou outros dos discípulos do Senhor... Estava convencido de que da leitura dos livros nao retiraría tanto proveíto quanto da voz viva e permanente" (fragmento citado por Eusébio, Historia da Igreja 3,39). E Papias conhecia bem os Evangelhos escritos, como o demonstram as

referencias que a eles faz em seus escritos.

S. Ireneu ( t 220) é muito explícito no seu testemunho: "Se os Apostólos nada tivessem deixado escrito, dever-se-ia igualmen

te seguir a ordem da Tradicao por eles confiada aos dirigentes da Igreja. Éste método é seguido por muitos povos bárbaros que créem em Cristo. Sem pa pel e sem tinta, estes trazem inscrita em seus coracoes a salvacao por obra do

Espirito Santo; conservam fielmente a amiga Tradicao" ^Adv. haer. 3,4,2, ed. Migne gr. 7.855). Naturalmente, pode haver tradicóes meramente humanas, que de tur-

pem o depósito sagrado. Existem, porém, criterios para distinguí-las das au ténticas tradicóes; estas

1) referem-se únicamente a fé e aos costumes (pois nao há outro obje to da Revelacao divina); por conseguinte, proposicóes de cosmología, biolo gía e ciencias naturais em geral, afirmadas repetidamente pelas geracóes cris tas, carecem da autoridade do depósito da fé, embora os antigos, mediante urna exegese deficiente, julgassem queeram abonadas pela Escritura Sagrada. Tal é o caso da exegese de Génesis 1-3. Entendia-se esta peca bíblica como cartilha de cosmología (Deus teria criado o mundo em seis dias de 24h

ou em seis eras geológicas...). Tal foi também o caso de Josué 10,8-15, don de se deduzia que Josué fizera estacionar o sol e que, por conseguinte, o sol 267

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

girava em torno da Térra, centro do universo. Os antigos, conscientes de que

a Biblia é a Palavra de Oeus, a consideravam como urna enciclopedia na qual encontrariam respostas para todas as suas perguntas sem levar em conta que a finalidade da inspiracao bíblica é estritamente religiosa. — Hoje em dia, quando se reconhece melhor o ámbito específico da mensagem bíblica, os teólogos nao hesitam em deixar de lado certas tradicdes exegéticas de índole meramente cosmológica ou biológica... 2) Além de se referirem únicamente á fé e aos eos tu mes, as auténticas

tradicSes também sao universais. O que quer dizer: sempre e em toda parte estiveram em vigor, segundo a fórmula de Vicente de Lerins (T450): "Na Igreja Católica é preciso dar grande cuidado a que guardemos aquilo que em

toda parte, sempre e por todos tem sido acreditado" (Commonitor 2, ed. Migne lat. 50, 640).

Era principalmente por recurso a este segundo criterio que os antigos Padres da Igreja julgavam as novas teorias ou as interpretacoes da Revelacao

propaladas em tal ou tal regiao (Gnosticismo, Montañismo, Arianismo...); pediam dos ¡novadores que demonstrassem estar em contato com os Apostó los através dos tempos e provassem que transmitiam urna doutrina sempre

ensinada e reconhecida pelos cristaos em geral. Caso se comprovasse, ao con trario, que as teses discutidas jamáis tinham sido propaladas antes de deter minada época e eram apanágio de um grupo de cristaos apenas, tais teses eram tidas como aberrantes ou heréticas.

4. Considerapoes fináis Urna das principáis razoes por que o homem moderno concebe dif icul-

dades para aceitar a tradicáo meramente oral como regra válida, é o fato de que as instituicóes modernas, desde a época de sua fundacao, costumam ter seus estatutos escritos, os quais definem com precisao a orientacao doutrinária e disciplinar da respectiva instituicao; quem formula os estatutos se

empenha por incluir neles tudo que deva ser observado como norma, de sor-

te que fora do código escrito nada pode haver de importante para a configuracao de tal sociedade. Tal praxe é possível (e só se tornou possível) após a

descoberta da imprensa por Gutenberg (t 1468). Antes disto, quanto mais se retrocede na serie dos séculos, tanto mais se verifica que tal praxe era inexeqüível, pois a escrita constituía urna arte difícil, mormente nos tempos anteriores e ¡mediatamente subseqüentes a Cristo; o instrumento apto para ensinar e legislar devia forzosamente ser a palavra oral.

Os historiadores ensinam que principalmente no setor da religiao o ensinamento oral foi sempre grandemente estimado. Comefeito, sendo a religiao 268

SOMENTE A ESCRITURA?

29

um fenómeno muito antigo, verifica-se que cada um dos grandes sistemas re ligiosos da humanidade depende de um patrimonio doutrinário transmitido de geraclo a geracao por vía meramente oral, depósito oral que, em época tardia e em virtude de necessidades mais ou menos acidentais, foi parcial mente (nao por inteiro) consignado em livros sagrados; em certas religioes

os fiéis se negaram sempre a escrever algumas de suas proposicóes mais caras. A tradicao oral é, pois, elemento essencial de todas as crencas religiosas, ele mento que, mesmo após a redacüo dos códigos sagrados, continuava a ser auscultado com carinho. Em suma, cada urna das grandes religioes é mais antiga do que seus respectivos livros sagrados. Chama a atengao, por exemplo, nos escritos oficiáis da primitiva religiao chirtesa (de que se derivaram o Taoísmo e o Confucionismo), a fórmula assaz freqüente: "Eu ouvi...".

Para assegurar a fidelidade na transmisslo oral de suas eren gas, os antigos costumavam, de um lado, disciplinar a memoria e, de outro lado, redigir as suas sentencas sob forma de frases breves, ritmadas ou cantantes, o que muito facilitava a aprendizagem de cor.

Pois bem; foi no mundo habituado a proceder desta forma que o Filho de Deus anunciou o Evangelho. A Revelacao ou o depósito de fé do Cristia nismo foi, por conseguinte, transmitido aos homens pelas vias comuns do

magisterio de outrora: palavra oral parcialmente cristalizada na palavra escri ta em ocasioes esporádicas. A título de ¡lustracao, vai aqui transcrito um trecho das chamadas "Recognitiones Clementinae", romance cristao oriundo provavelmente no

séc. III. O episodio, embora seja ficti'cio, é contudo ótima expressSo de quanto as primeiras geracoes cristas estimavam a palavra oral: "Ao despontar do día que fóra escolhido para a disputa com Simao

(Mago), Pedro (Apostólo), levantándose aos primeiros cantos do galo, des-

pertou também a nos; todos juntos éramos treze a dormir no mesmo aposen

to... Á luz da candeia... sentamo-nos todos; Pedro, vendo-nos alertas e bem atentos, saudou-nos e comecou sua alocucao:

'£ surpreendente, irmSos, a elasticidade de nossa natureza, a qual me parece ser adaptável e maleável a tudo. Digo-o apelando para o que eu mes mo tenho experimentado. Logo depois da meia-noite, costumo acordar-me espontáneamente e nao consigo mais conciliar o sonó. Isto me acontece por

que me habitud a evocar em minha memoria as palavras que ouvi de meu

Senhor (Jesús Cristo); dese/oso de as revolver no espirito, indtei o meu áni mo e a minha mente a se despertaren!, a fim de que, em estado de vigilia, 269

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

recordé cada palavra de Jesús em particular e as guarde todas ordenadamen

te na memoria. Já que desejo com profundo deleite meditar no meu coracáo as palavras do Senhor, adquirí o hábito de ficarem vigilia, mesmo que nada, fora deste intento, me preocupe o espirito' " (Ps.-Clemente II 1, ed. Migne gr. 1, 1247-9}.

Este texto nao nos interessa pela sua narrativa como tal, mas antes por pressupor que de fato os antigos cristaos estimavam extraordinariamente a

decoracao e a repeticáo industriosas (auxiliadas por métodos mnemotécnieos) das palavras do Divino Mestre. Tal mentalidade privilegiava o ensinamentó transmitido de boca em boca.

BIBLIOGRAFÍA

CONCILIO DO VATICANO II, Constituigao Dei Verbum 1965. FEINER-LOEHRER, Mysterium Salutis 1/2. Ed. Vozes, Petrópolis 1971.

SCHMAUS, M., A Féda Igreja, vol. I. Ed. Vozes. Petrópolis 1976.

(Continuacao da pág. 288) tas passagens do Evangelho já nao sao a imagem ou o eco do que Jesús fez e

disse, mas seriam pecas elaboradas pela fé dos Apostólos e discípulos. O autor nao nega explícitamente o valor de tais passagens do ponto de vista teológico, mas nao o afírmale modo que o leitor pode conceber aos poucos a idéia de que os Evangethos sao de credibilidade duvidosa. Exemplos da atitude gratuitamente liberal de Brown sao os seguimos: á p. 58 sugere que a

resposta de Jesús a Pedro em Mt 16,18s ("Tu és Pedro e sobre esta pedra...") é posterior á ressurreicao de Jesús ou nao saiu dos labios de Jesús; este "taivez nao tenha pensado na estrutura da Igreja". — Ora os estudiosos, mesmo

protestantes (como Joachim Jeremías), reconhecem que as sentencas prefe ridas por Jesús sobre o primado de Pedro em Mt 16,16-19 estao cheias de

aramaismos, que parecem revelar a linguagem mesma de Jesús fipsissima ver ba Christi¿-

— as pp. 42 e 62 Brown se refere á ciencia e consciéncia de Jesús em termos inadequados. Ver o estudo da Pontificia ComissSo Teológica Inter nacional publicado em PR 294/1986. pp. 482-497: os teólogos afirmam, com base em textos bíblicos, que Jesús tínha o conhecimentó claro de tudo o que diz respeito á sua identidade pessoal e 4 sua missao. Hoje parece reviver o Nestorianismo, que no sáculo V afirmava a existencia de dois Eu ou duas pessoas em Jesús — a divina e a humana; em conseqüéncia, muitos es-

(Continua na pág. 278) 270

Atualmente esquecida:

É Nociva a Castidade?1 Em síntese: A castidade é o reto uso da sexualidade tanto antes como depois do casamento; antes do matrimonio, significa, entre outras coisas, abstencao de relacoes sexuais; após o casamento, implica vida sexual consen-

tSnea com as leis da natureza e do Evangelho. O Dr. Begliomini, na qualidade de médico, considera os mal-entendidos existentes a respeito, causadores de comportamento desorientado e nocivo tanto entre jovens quanto entre adultos: as razoes aduzídas em favor do "sexo livre" derivam-se geralmente da ignorancia das mais básicas nocoes de anatomía e fisiología do organismo

e da genitalídade. "é sempre oportuno frisar que, do ponto de vista médico, a abstencao sexual nao leva a atrofia ou depreciacao do organismo".

Muitas sao as modificacóes hodiernas oriundas da evolucao tecnicista da sociedade contemporánea, contribuindo para que o "modus vivendi" do individuo, bem como o da comunidade na sua globalidade, seja profunda mente alterado.

Tais mudancas tém minimizado ou mesmo desprezado valores cultu ráis e religiosos, fulcros da educacao de ¡numeras geracóes ao longo de dece nios e sáculos.

0 fenómeno nao é regional, mas sim de caráter universal abrangendo países de milenares tradicoes. A bel-prazer e ao sabor de um pretenso modernismo, por vezes irracio

nal e instintivo, temos presenciado a urna metamorfose contundente do comportamento humano, que merece ponderagoes ético-cristas apropriadas.

1 Este artigo se deve ao Dr. Helio Begliomini, pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina, Médico do Hospital do Servidor Público do Estado de Sao

Paulo. Colaborador de PR; ver nQ 284/1986, pp. 40-46 (aborto) e n°. 308/ 1988, pp. 33-38 (crise vocacional na ótica de um leigoí.

Ao Dr. Hélío Begliomini vai aquí expressa a sincera gratidao da Direcio de PR por mais esta valiosa contribuicao.

271

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

Entre as alteracóes dos costumes, salientaremos algumas consideracoes relativas á castidade, que constituí rao a substancia deste artigo.

1. Castidade como Virtude O conceito tradicional a respeito de castidade que nos vem á tona, deixa a desejar, urna vez que a vincula á virgindade (ver diferencas á frente) com a presenca de sinais corpóreos, nem sempre passíveis de serem natu ralmente detectados ou nao característicos. A castidade é, por assim dizer, urna virtude almejada por diversas crencas, tendo realce sobremodo no cris tianismo. A castidade, como as demais virtudes, é um estado a ser atingido, a ser mantido e aperfeicoado. Daí resulta urna constante luta interior do eu contra as tendencias desregradas da carne, alimentadas pelo mundo externo, repleto de instigacoes a favor da libertinagem, sensualidade, desrespeito e sexualidade doentia.

Embora nos bons Dicionários do vernáculo encontremos a castidade como sinónimo de virgindade, pensamos que há, ao mesmo tempo, urna sutil e significativa diferenca. '

A virgindade, como tal, é a qualidade pela qual urna pessoa nunca passou por experiencias sexuais, quer asósquer comoutrem. Infelizmente, a vir

gindade, quando normalmente citada, é referida somente á mulher; o homem fica numa situagao diversa. Além disso, o conceito tende a dar real

ce á preservacáo ilesa do hi'men, em detrimento, as vezes, de urna conduta moralmente salutar.

Assim sendo, castidade e virgindade apresentam matizes dignos de se rem considerados, embora, á primeira vista, possam ser confundidos. Em outras palavras, a virgindade é urna qualidade que reflete mais um predicado fí sico, sem menosprezo dos valores moráis, e a castidade exibe mais urna atitude moral, sem ignorar a preservacáo física. Oessa forma a virgindade pressupoe a castidade e esta nao pressupoe aquela. A título de melhor compreen-

sao, poder-seia dizer que todo virgem é casto, mas nem todo casto é virgem.

É fácil compreender esta diferenca quando nos deparamos com o exemplo

do matrimonio.

O(a) jovem que se vai casar e que nunca teve atividade sexual, é considerado(a) virgem no pleno exercício da castidade. O casamento, como institulcao divina, jamáis poderia vilipendiar ou sequer menosprezar tal qualida de. Ao contrario, enaltece-a, convidando ambos os cónjuges a manterem-se

fiéis a Deus e á Igreja, sendo fiéis a si mesmos. Portante, com o casamento cristao perde-se a virgindade (condicao física), porém nao a castidade (condicao moral). Daí a expressao "viver a castidade no matrimonio". A castida272

É NOCIVA A CASTIDADE?

33

de no matrimonio é perdida quando ocorre a infidelidade conjugal ou a prá-

tica do sexo individual ou do sexo aberrante (contrario á natureza). Outro

exemplo seria o de um(a) jovem que se queira consagrar a Deus e que tenha perdido a virgindade previamente. O voto de castidade que ele(a) fará, terá as rnesmas implicacoes que aquele realizado por um(a) jovem virgem.

Dessa forma, o conceito de castidade está vinculado a alguns predica dos, como respeito a si mesmo e a outrem, fidelidade, obediencia, autotreinamento da vontade, sinceridade no cumprimento moral dos deveres e gesto de misericordia. Este, embora possa ser estranho neste contexto, nao o é, na

medida em que a castidade é urna constante luta pela conquista e/ou manutencáo de um estado de sexualidade compatível com a mensagem crista. Além do mais, a perda da virgindade é irrecuperável, assim como urna perna

amputada ou o rejuvenescimento de um corpo desgastado pela senilidade. Ao contrario, a castidade perdida pode ser reconquistada, pode ser reassumida, desde que naja um verdadeiro retorno e a intencao de se readquirir e

revi ver a sobriedade e o autodominio perdido. Em linhas anteriores, foi utilizado propositadamente o termo castida de como qualidade de alguém, e nao como virtude de alguém. Ao nosso ver,

a palavra virtude tem um alto prego para os cristaos, urna vez que alude aos mais simples e, ao mesmo tempo, mais elevados requisitos, expressos por

Jesús Cristo, de tornar viável o resumo da Lei: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. A virtude, como vocábulo cristao, sofreu a cháncela de inumeráveis homens e mulheres de fé, que, amando a

Deus através do amor á Igreja e ao próximo, dignificaram as acoes dos verdadeiros discípulos do Senhor.

Dessa forma, a palavra "virtude" foi emancipada do vocabulario vul gar, ao longo da historia, constituindo-se o denominador comum, tanto de

homens como de mulheres, de pobres como de ricos, de iletrados como de doutos, de saudáveis como de doentes, de pretos como de amárelos, verme-

Ihos ou brancos, de criancas como de velhos..., de reis como de súditos..., de escravos como de livres... etc., bastando para isso que permitissem que o amor a Deus fosse neles manifestado. A castidade, assim como outros bons predicados da conduta humana, só deixa de ser qualidade, para ser virtude, quando é praticada por amor a Deus, Principio e Fim de todas as coisas.

Simplificando, nos nos atreveríamos a dizer que, se um individuo exerce a castidade de modo inconsciente ou irracional (quer porque nao te-

ve oportunidade de atividade sexual, quer porque julga que tanto faz ser casto como nao, ou porque tem baixo quociente de inteligencia devido a doenca 273

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

mental), ele nao possui a virtude de ser casto como assim quer significar a verdadeira acepcáo crista da palavra, urna vez que visto nao implica numa

consciente acao a favor e para a gloria de Deus. tais pessoas possuem a qualidade de ser castas, mas nao a correspondente virtude.

2. Castidade e mitos Embora vivamos numa época em que se fala muito de educacao sexual,

é evidente o número de noivos que vio

para o casamento, parcial ou total

mente desinformados sobre questoes concernientes nao somente ao que vao

enfrentar na vida a dois, á dinámica familiar, mas, sobretudo, a conceitos fundamentáis de anatomia e fisiología do organismo de cada um e do respec

tivo cónjuge. Tal ignorancia é fácilmente constatada através dos cursos de noivos, bem como através da prátíca da medicina. Nao há lugar em que o problema nao exista, sendo detectado tanto em cidades interioranas como em grandes centros. Outrossim, nao é apanágio apenas de analfabetos ou subalfabetizados; mas abrange também outros adultos, pais de familia, universita rios e profissionais liberáis.

A má educacáo em geral, e na área sexual em particular, se deve, en

tre outras causas, a grande número de analfabetos existentes no país; miseria desproporcionalmente elevada, gerando um baixo m'vel desaúde populadonal com um conseqüente aumento da promiscuidade;

saúde e educacáo

como nao prioridades ñas esferas governamentais em anos sucessivos; deses-

truturacao da familia, outrora vista como fonte de amor, educacáo, respeito, hierarquia; sociedade excessivamente consumista, explorando ávidamente os prazeres do corpo e sobremodo a sexualidade; confusao entre liberdade e libertinagem; sociedade iconoclasta, dizimando personalidades do presente e

do passado e tratando com desdém a Igreja, a religiáo e as ¡nstituicóes civis legalmente constituidas, que foram e sao o esteio da nossa cultura e educa cáo; indiferenca aos conceitos de certo e errado, ocasionando a impressao de

que tudo é permitido; censura, como órgao decorativo e arcaico; educacáo sexual enfocando o ser humano apenas no seu aspecto físico/genital, empalidecendo a esfera psicológica e olvidando a magnitude transcendental do homem, etc., etc.

Em decorréncia disto, grassam em nosso meio preconceitos sexuais, adquiridos desde tenra idade e trazidos a vida adulta, que,

aos olhos de al-

guém equilibrado, nao deixam de ser verdadeiras piadas. Entre eles, citamos: a associacao entre virilidade e tamanho peniano, a prática da masturbagao

para nao somente aumentar o tamanho peniano como para impedir que o

semen possa entrar no sangue e causar disturbios psíquicos..., reí acao entre o tamanho do fálus e o prazer feminino; lavar a cabeca em época menstrual atrairia o sangue menstrual para o cerebro...; necessidade de relapáo sexual an274

É NOCIVA A CASTIDADE?

35

tes do matrimonio para que se possa ter experiencia adquirida e nao fracas-

sar no casamento ou para que se possa estudar se o casamento dará certo ou nao; predilecao por ser socialmente separado(a), desquitado(a), divorciado(a) em lugar de ser solteiro(a); a falta do sexo como causa de atrofia dos órgaos genitais; para se ter prazer, é necessário utilizar circunstancias e obje tos anómalos que provocam dor, etc., etc. Depreende-se fácilmente que, á luz dos conhecimentos atuais, o sexo está malversado, nivelando em muitas situacoes o homem com animáis ir ra cionáis.

É sempre oportuno frisar que, do ponto de vista médico, a abstencáo sexual nao leva a atrofia ou depreciacáo do organismo. A prática do sexo, quer de forma individual, quer com outrem, tem, em varias pessoas, motivos preconcebidos, muitas vezes arraizados no subconsciente; acreditam errónea

mente que o nao-uso do sexo levaría a efeitos deletérios sobre o organismo, entre eles: inadequacao ou inaptidáo sexual, impotencia, alteracdes psicoló gicas pelo acumulo do semen no corpo, sensacao de que a mulher seria inte riorizada sentimental, social e psíquicamente, etc., etc.

A maior parte de tais argumentos nada mais sao do que pura ignoran cia sobre as mais básicas nocoes de anatomía e fisiología do organismo e dos órgaos genitais, aliada a urna visao miope do homem como um todo e de sua

dignidade, ou aínda do primado da razao/vontade sobre o corpo/instíntos. Para os cristaos, nao haveria melhores justificativas para o respeito ao cor po do que aquetas bíblicas, ao afirmarem que "o homem é imagem e semeIhanca de Deus" e "o templo do Espirito Santo". Infelizmente, varios indi viduos com um certo grau de díscernimento, e até mesmo profissionaís uni

versitarios das áreas médicas e paramédicas, colaboram para que o estado de

obnubilacao mental causado pelo desconhecimentodaverdade seja perpetua do, alimentando mitos descabi'veis á luz dos conhecimentos atuais.

3. Sexo e doencas sexualmente transmissíveis Como o nome já quer exprimir o sentido exato do termo, as doencas

sexualmente transmissíveis, outrora conhecidas como doencas venéreas, sao aquetas afeccoes mórbidas adquiridas através do relacionamento sexual, ex

clusivo ou nao. Tém-se, como rápidos exemplos, a blenorragia ou gonorréia, que é adquirida exclusivamente pelo ato sexual. A sífilis, além do contagio sexual, poderá também ser adquirida através de transfusoes sanguíneas ou durante a gestacao. Nesta eventualidade, a máfe contaminada pode passar a

infeccáo ao feto. Hoje em dia, com excegao da Síndrome da Imunodef¡cien cia Adquirida (SIDA ou AIDS), todas as doencas sexualmente transmissíveis sao curadas, desde que se procure o tratamento adequado precocemente.

275

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

Neste sentido, é bom sempre fritar que, há aproximadamente duas décadas

e meia, era comum transmitir conceitos de educacao sexual ou exortapao a castidade ás expensas de um temor exagerado de se adquirir alguma doenca venérea. Atualmente, tornase praxe totalmente anacrónica e ineficaz. O cul to e a procura da castidade nao se deve assentar no medo de se contaminar,

mas, sim, numa atitude sincera de procurar a virtude, cujo único interesse seja o de agradar a Oeus. Somente dessa forma o individuo fica livrede casuismos e genuinamente aberto para urna auto-oferenda segundo as normas do Criador, advindo daí as reais benesses desta oppáo.

4. Sexo e censura Desafortunadamente a palavra censura está, de fato, fadada a ser bani-

da do nosso Dicionário. Seu emprego tem sido alterado, sendo-lhe impresso um caráter sempre pejorativo ou, pelo menos, de desprezo. Assim sendo, em nome de urna "liberdade e/ou democracia" nao muito bem conceituadas e definidas, estao-se permitindo verdadeiras barbaridades políticas, socíais, educacionais e sexuais. As vezes, a bandeira levantada é a do modernismo ou a do feminismo, ou mesmo a teoría do igual direito entre ambos os sexos.

Nestas eventualidades, o homem, no sentido ampio, tem sua dignidade nive lada por baixo, aproximándose da condipao dos animáis inferiores. 0 direi to que o homem deve ter em relacao á mulher, á luz de um modernismo sa-

dio, supoe o cultivo e a preservacáo da integridade moral interior, fruto do dom gratuito de Deus.

É oportuno observar as mais variadas formas institucionalizadas de libertinagem e aberraclo sexual de que a sociedade contemporánea dispoe

hábilmente. Além dos já tradicional drive ¡n, motéis, casas de massagem, saunas mistas, tem-se observado um significativo incremento de revistas por nográficas, vídeo-cassetes, anuncios, em jomáis, de sexo a domicilio, acompanhantes, sex shops e a divulgapao, em horarios nobres, de programas que induzem nao somente a urna desestruturacao da familia, mas também a urna

idéia impropria, libertina e irresponsável do sexo. Como se isso nao bastasse, mais amiúde se véem filmes pornográficos ñas telas da televisao, Invadindo

inescrupulosamente os lares. É muito cómoda e leviana a resposta dos produtores no sentido de que se mude de canal ou se desligue o aparelho, quando se sabe que no Brasil existe grande número de analfabetos ou subalfabetizados, ficando reduzidos a pequeña minoría aqueles que tém reais condi-

coes de discernimento e opcao. Mais urna vez, em prol de urna pseudodemocracia se induz a populacao a urna vida fácil, irresponsável e irreal. Seria o mesmo que dizer que pode haver ¡numeras oportunidades para ser roubado, devendo apenas os cidadaos cuidar de evitá-las. Ou, que 276

o ladrao está

É NOCIVA A CASTIDADE?

37

no seu direito de roubar, pois está exercendo a sua liberdade. Tais alegacoes sao evidentemente falsas; daí se depreende que o mal deve ser combatido porque carrega em si algo dañoso e contrario á própria finalidade para a qual

o homem foi criado.

Todos devemos combater o mal físico ou moral

■na medida direta de sua atuaclo e perniciosidade. É fácil entender que aque les individuos que estao lidando com dimensoes populacionais e que reúnem poder sobre a conduta da sociedade, possuem urna exponencial e histó rica carga de responsabilidade, que nao deve ser simplesmente minimizada mediante o chaváo "cada um deve fazer o que pensa" ou "cada qual é dono de seu próprio nariz". Daí a importancia de se selecionarem homens certos e moralmente íntegros para funcoes de realce, pois o enf raquecimento de um povo se inicia, também e sobretudo, com seu desmazelo moral.

5. Sexo e Igreja A Igreja no Brasil, de modo geral, tem mudado sua atuacao no que se refere ao sexto e ao nono mandamentos. Nao é que deixaram de ser pecados as violacoes destes preceitos. Contudo nao se tém observado pronunciamentos adequados aos acontecí mentos que acabamos de recordar. Nao nos queremos constituir em jui'zes; mas o fato é que, há vinte ou trinta anos atrás, a Igreja exageradamente "so" apontava o pecado da carne, o do sexo. Hoj'e em dia, parece que "so" há o pecado da injustica social. Urna atuacao e catequese mais equilibrada torna-se nao somente necessária e oportuna, mas também poderia oferecer subsi'dios de educacao e persuasao mais eficazes.

6. Conclusao A castidade é urna qualidade almejada por varias religioes, tendo sido

énobrecida através do Cristianismo como urna das mais nobres virtudes. Trata-se de um conceito dinámico, urna vez que supoe integridade física, mental e moral extensiva nao somente á vida celibatária (consagrada ou nao), mas também á conjugal. Através déla, urna pléiade incontável de seres humanos nortearam e

norteiam sua vida, chegando por vezes a assumirem conseqüéncias extremas.

Tem-se como exemplo, entre tantos anónimos, o martirio de Santa Maria Goretti, que preferiu a morte a perder o seu estado virginal. A castidade se re

veste de especial valor quando é adornada com as cores do Cristianismo, pois entao ela se torna proficua nao somente para o individuo que a exerce, mas também para toda a Igreja. No contexto hodierno, quando urna miríade de fatores tentam sufocar ou vilipendiar as riquezas da mensagem crista, a cas tidade, entre tantas outras virtudes, deve ser divulgada, estimulada, enalteci da nao somente pelo corpo hierárquico da Igreja, mas também pelos leigos. 277

38

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

O exercício da castidade nao é prejudicial ao funcionamento físico ou psíquico do individuo; ao contrario, torna-o apto a uma auto-educacáo e abertura para a compreensao de valores imprescindíveis de uma verdadeira felicidade, pois propicia mais íntimo contato da criatura com o Criador. Nesta retomada de consciéncia deve-se deixar claro que a castidade nao é característica de pessoas assexuadas, anormais, angelicais, sem libido, ou de tendencias homossexuais. Ao contrario, é apanágio de homens e mu-

Iheres feitos do mesmo barro que o restante da humanidade, porém imbuídos de profundo espirito de fidelidade ao Criador. Nao há maior justificati va em prol da castidade do que a sincera intencao de amor, gratidao e louvor a Deus, através do devido uso da sexualidade, que é uma das maravilhosas expressoes do nosso corpo criado por Ele.

(Continuado da pág. 270) tudiosos detém-se de preferencia sobre a humanidade de Jesús, cujo saber tere sido limitado; nao levam em conta a Divindade do Senhor, que, pelo lato da Encarnacao. nada oerdeu do saber do próprio Deus; em verdade, Jesús tinha um só Eu ou uma só Pessoa — a Divina —, de modo que sabia

tudo o que Deus sabe, mas também podía funcionar como homem, pois ti nha o intelecto característico da natureza humana. Nao se pode ignorar que o livro de Brown pode ser útil como fonte de informacoes; mas quem o lé, tem a impressao de estar diante de um debate de sen tencas hipotéticas que deixam solapada a credibilidade dos Evangelhos e, conseqüentemente, a figura de Jesús. Ora nao é a tais conclusoes que a

teología contemporánea leva o estudioso destituido de preconceitos gratuitos. E.B.

AMIGO, VOCE TEM A SUA DISPOSICAO CINCO CUR

SOS POR CORRESPONDENCIA: 1) S. ESCRITURA; 2) INI-

CIACÁO TEOLÓGICA; 3) TEOLOGÍA MORAL; 4) HISTORIA DAIGREJA;5) LITURGIA.

PARA INFORMAQOES E PEDIDOS, RECORRA A ESCO LA

"MATER

ECCLESIAE",

CAIXA POSTAL

RIO-RJ. 278

1362, 20001

Moralmente lícita?

A Fecundado Artificial "Gift" Em síntesa: O presente artigo descreve o método de fecundado artifi cial homologa dito Gift ( Gametes Intra Falloppian Transfer/, praticado na Policlínica Gemelli, de Roma. O seu mentor, Dr. Nicola Garcea, julga ser compatível com a Instrucao Donum Vitae, da Santa Sé, que apregoa o respeito ás leis naturais. A Moral católica só tolera intervencoes da técnica para facilitar o desenvolvímentó natural das funcoes do organismo. Por enquanto, nao há pronunciamento oficial da Igre/a sobre o assunto. O método pare ce realmente nao ferir a Moral católica, pois nao recorre á masturbacao nem pratica a fecundacao em proveta, mas sim no organismo feminino, onde ela ocorre naturalmente.

É conhecida a Instrucáo da Santa Sé dita Donum Vitae (O dom da Vi da), assinada aos 22 de fevereiro de 1987 a respeito das novas técnicas de

manipulacao de sementes vitáis humanas e de embrides.' A Igreja tomou posiglo francamente contraria a qualquer ¡ntervencao artificial no processo de fecundapao e gestaclo. Até mesmo a fecundacao artificial homologa (entre

esposo e esposa) foi rejeitada, pois esta separa da cópula conjugal a fecun dacao; além do mais, é geralmente praticada mediante masturbacao masculi na destinada a obter os espermatozoides. Eis o respectivo texto da Instrucao Donum Vitae:

"A inseminacao artificial substitutiva do ato conjugal ó proibida em

razio da dissociacao exercida voluntariamente entre os dois significados do ato conjugal. A masturbacao por meio da qual se obtém normalmente o es-

perma, é outro sinal de tal dissociacao; também quando é efetuado em vista da procriacao, o gesto permanece privado do seu significado unitivo; faltaIhe... o sentido integral da doacao mutua e da procriacao humana no contex to do verdadeiro amor" (nQ 6). A única possibilidade de intervengao artificial homologa consistiría em reforcar a obra da natureza, concorrendo para que ela atinja o seu devido fim. Eis as palavras da Instrucao:

1 Ver PR 302/1987, pp. 299-311. 279

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988 "A inseminacSo artificial homologa, dentro do matrimonio, nao pode

ser admitida, exceto no caso em que o meio técnico nao substitua o ato con-

jugal, mas se torne apenas facilitado e auxilio para que aquele atinja a sua

finalidade natural" (nQ 6). Como se vé, a Igreja nao excluí a possibilidade de que os casáis recorram a técnicas científicas para superar a esterilidade. O que importa á Moral crista, é respeitar valores fundamentáis da natureza tal como foi criada por

Deus, a saber: o vínculo entre uniao conjugal e procriacao, e a índole pessoal destes dois atos; a prole há de ser a expressáo do dom recíproco de esposo e

esposa; a intervencao da técnica só é aceita ve I se "facilita o ato conjugal e o

ajuda para que atinja a sua finalidade natural". Ora no Hospital Gemelli, de Roma, urna equipe de médicos, chefiada pelo Dr. Nicola Garcea, tem-se dedicado com éxito á aplicacao do método

Gift (em inglés, Dom), sigla de Gametes Intra Falloppian Transfer (Transfe rencia de Gametas para as Trompas de Falópio). Consiste na transferencia dos gametas masculinos (espermatozoides) e femininos (óvulos) para dentro das trompas, ambiente natural onde a fecundadlo se dá espontáneamente. O Dr. Nicola Garcea é professor titular de Endrocrinologia Obstétrica

e Ginecológica na Universidade Católica do Sacro Cuore (Milao); é ajudado

pelo Prof. Sebastiano Campo, a Ora. Marina Esposito e cerca de doze pessoas especializadas no setor. Tais profissionais afirmam que o seu procedi-

mento científico nao ofende as normas da Santa Sé, podendo vir a ser reconhecido como moralmente licito. Vejamos, pois, como se desenvolve.

1.0 Método "Gift" A equipe do Dr. Garcea faz questao de nao provocar a fecundado em proveta nem manipular embrides. A coleta de sementé vital masculina é feita mediante a relacao sexual

normal de esposo e esposa, empregando-se um dispositivo próprio que per mite recolher parte dos espermatozoides ejaculados. Terminada a cópula, os dois conjugas vao para urna Clínica; ai sao selecionados os espermato zoides mais dinámicos e fortes, enquanto a esposa é levada a urna sala cirúrgica para coleta dos óvulos: após a anestesia geral, apagam-se as luzes todas

do recinto, pois poderiam prejudicar os óvulos. Perfura-se o abdomen da mulher a fim de introduzir dentro do mesmo um laparoscópio ou urna mi núscula cámara que transmite imagens do interior do ventre; no vídeo desse televisor pode aparecer um folículo semélhante a urna ameixa madura; com urna agulha especial perfura-se o folículo e aspira-se o líquido folicular, de

modo que a aparente ameixa se torna seca. O líquido aspirado é colocado 280

"FECUNDACAO ARTIFICIAL "GIFT"

41

numa proveta e levado sem demora a um microscopio para se averiguar

quantos óvulos naja ai; pode haver um só, que aparece ao microscopio sob a forma de pequeña nuvem com um ponto branco (o ideal é ter um óvulo maduro no quarto grau).

Entrementes o laparoscópio (cámara interna) procura outros folículos; geralmente a natureza fornece um só em cada ovulacao, mas o método Gift recorre a estimulantes do ovario, que provocam a producao de muitos. Os operadores desejam ter varios óvulos á disposicáo, a fim de escolher os que nao sejam nem ¡maturos nem demasiado maduros; pode acontecer que se consigam, por aspiracao, quatro óvulos aproveitáveis. Feito isto, num pequeño tubo se colocam, por aspiracao, um pouco do líquido folicular, dois óvulos, urna bolha de ar e os espermatozoides selecionados. A bolha de ar é ¡ndispensável, pois impede que os óvulos e os espermatozoides entrem logo em contato — o que poderia provocar a fecundapáo fora do seu lugar natural. 0 pequeño tubo, assim carregado, derrama seu conteúdo dentro das trompas da mulher, trompas que aparecem na cá mara do laparoscópio como manchas vermelhas.

Está entao tudo efetuado, do ponto de vista técnico, para que haja fecundacao. Se esta realmente ocorrer, será perceptível dez dias após a trans ferencia dos gametas. Tal operacao se recomenda especialmente nos casos de esterilidade sine causa (sem causa averiguada); obtémse entao 30 ou 40% deengravidamentos.

O Método Gift é frustrado quando há oclusao (fechamento) ou danos irreversíveis ñas duas trompas. Para superar este obstáculo, os dentistas estío procurando injetar os óvulos e os espermatozoides no útero em vez de recorrer as trompas; esperam consegui-lo dentro de breve prazo, devendo, porém, resolver previamente alguns problemas técnicos.

Após um ano de experiencia do Método Gift no Hospital Gemelli, verificaram-se onze casos de gravidez em curso e quatro partos, dos quais ñasceram seis enancas, pois um desses partos foi de trigémeos. O nascimento de

gémeos pode ocorrer com certa freqüéncia, visto que os médicos injetam ñas trompas mais de um óvulo, pois nao estao certos do grau de madureza ou

aproveitabilidade de cada um. Os casáis esteréis agraciados com dois filhos de urna vez deram-se geralmente por felizes, pois assim evitaram o problema

do filho único. A primeira enanca "doada" pelo Método Gift (Dom) em 1987 chama se Nicoletta (em homenagem ao Dr. Nicola Garcea), tendo nasctdo aos 02/ 281

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

01. é filha de um casal do Lacio, muito discreto, que nao deseja aparecer nos jomáis; a rnáe declarou: "Direi a minha filha como foi concebida quando ela tiver condicóes de compreendé-lo. Nao quero que seja informada por

outros". Estavam casados havia seis anos quando nasceu a menina; o marido, que é médico, explicou: "Minha esposa sofría de obstrupao das trompas; submeteu-se a urna cirurgia plástica, mas nem por isto engravidava. Continua

mos as tentativas; só depois da segunda intervenpao Gift é que minha mulher concebeu. Somos católicos praticantes... Para poder compreender o que é o

desejo de um filho, é preciso fazer a experiencia do mesmo". O casal Domenico e Teresa Amuroso, que teve os tres gémeos Francésca, Giuseppe e Saverio, é de Ñapóles; nao tem dificuldade para contar como

procederam. Observa Teresa, com seus trinta e dois anos de idade e nove de luta para superar a esterilidade:

"Cada médico me dizia algo de diferente: 'Sofres disto,... daquilo'. Da i tratamentos, remedios, despesas. Sugaram-nos o sangue. Finalmente vi na televisao o programa Check up, no qual falou o Prof. Mancuso, da Policlínica

Gemelli. Nao tratou do Método Gift, que naquele tempo era um tanto secre to, mas tratou de como vencer a esterilidade. Inspirou-me confianca: fui logo'a Roma á procura do médico. Este propós o Método Gift; nao hesi-

tei. Dez dias depois da intervencao, soube que esteva grávida; quarenta dias depois, soube que teña dois filhos; noventa dias depois, soube que seriam tres; o terceiro se esconderá tao bem atrás dos outros dois que se tornara invisível mesmo aos raios".

As tres enancas nasceram pequeñas, mas sadias, no dia 06/01/1987. Observou Domenico: "Quando me dizem: 'Que belas crianpas!', explico: Sao tais porque foram feitos á máo e nao á máquina!".

Diante de tais experiencias, já noticiadas pela televisao brasileira em caráter sensacionalista, é obvia a pergunta:

2. Que dizer? O Dr. Nicola Garcea é cauteloso ao avaliar os aspectos éticos do seu trabalho. Vale-se do principio: "Existem técnicas que parecem poder ser aplicadas enquanto nao se torna claro que elas sejam contrarias ao ensinamento da Igreja".

Interrogado, porém, sobre a atitude que tomaría, caso a Santa Sé condenasse o seu procedimento, respondeu: "Deixaria ¡mediatamente de o praticar. Se a Santa Sé chegar á conde282

"FECUNDACÁO ARTIFIC1 AL "Gl FT"

43

ñafio, isto significará que o Método Gift foi submetido a urna serie de refiexoes e deducoes, que, como médico católico, nio poderia nao compartilhar". Em verdade, quais seriam as razoes pro e contra as experiencias do Dr. Nicola Garcea? Tentaremos enumerá-las nos seguintes termos:

1) Razóos favoráveis: a) O Método Gift nao recorre á masturbacao para extrair a sementé vi tal masculina (masturbacao condenada pela Santa Sé), mas coleta os esper matozoides ejaculados em cópula normal realizada entre esposo e esposa;

b) a fecundacao dos óvulos (quando ocorre) é obtida em funcao dessa cópula conjugal normal; é o desdobramento e a consumacao de um ato na tural, levado a bom termo com o auxilio da técnica; c) a fecundacao ocorre dentro do organismo feminino, precisamente no lugar em que ocorre segundo as leis da natureza; d) nao há exterminio de embrióes fecundados, tidos como defeituosos ou inúteis, supérf luos. Os espermatozoides e os óvulos que se perdem ou

nao chegam á fecundacao, sao aqueles que se per den am naturalmente; com efeito, em toda cópula realizada segundo as leis da natureza, há desperdicio de sementes vitáis que nao podem atingir a fecundacao.

Ponderados estes elementos, parece razoável dizer-se que o Método Gift satisfaz as exigencias da Moral católica, que só tolera intervencoes da técnica

"para facilitar e ajudar o processo do organismo em demanda do seu objeti vo natural". 2) Em contrario, porém, poder-seia perguntar: será que a extracao das sementes vitáis para fora dos respectivos organismos do homem e da mulher é compati'vel com o respeito á natureza? — Talvez aquí esteja o nó da ques-

tao. O tempo, a reflexáo e o estudo dos mestres e da autoridade da Igreja é que poderao dar resposta a tal ínterrogacao. Por ora o Dr. Nicola Garcea e sua equipe vao trabalhando na própria cidade de Roma, sem ter recebido alguma censura da parte da Santa Sé. Mais do que isto nao se pode dizer por enquanto.

Na confeccao deste artigo, valemo-nos do trabalho de Franca Zambo-

nini: "Sei Bambini 'donati'", publicado em Famiglia Cristiana, nQ 9,02/03/ 1988, pp. 34-37.

283

Aínda a disciplina da Liturgia:

Oracoes Eucarísticas

e Experiencias Litúrgicas A Congregado para o Culto Divino publicou aos 20/03/88 urna Decíaracao referente á Liturgia Eucarística, que nos dois últimos decenios tem sofrido alteracoes nem sempre lícitas e adequadas: causam confusao e perplexidade nos fiéis, principalmente quando afetam a parte central da Missa ou a chamada "Oracao Eucarística, Anáfora ou Canon", que tem caráter fixo e vem a ser a moldura da consagrado do pao e do vinho.

Vista a importancia desse documento, publicamo-lo em traducao por

tuguesa.1

DECLARAQAO "A Congregacao para o Culto Divino, considerando certas iniciativas na celebracao da Liturgia, julga necessário lembrar algumas regras referentes as Oracoes Eucarísticas e as experiencias litúrgicas, regras que já foram pro

mulgadas e que continuam em vigor. A propósito, verifica-se que é necessá rio vigiar para que o Corpo inteiro da Igreja possa progredir unánime na unídade da caridade..., tanto mais que a Liturgia e a fé estao estritamente rela

cionadas entre si a ponto que o que se faz em favor de urna repercute sobre a outra.

I. No tocante ao uso das Oracoes Eucarísticas, a Congregacao para o

Culto Divino considera oportuno lembrar o que se segué, extraído principal mente da Carta Circular Eucharistiae Participationem: 1) Além das quatro Oracoes Eucarísticas que se encontram no Missa I Romano, a Congregacao para o Culto Divino aprovou, no decorrer dos anos,

outras Oracoes Eucarísticas, seja para o uso da Igreja inteira, como as Ora coes sobre a Reconáliacao, seja para o uso de certos países ou regióes, como aquelas para as Missas de Cr ¡ancas, e também Oracoes que foram aprovadas

1 O original é latino. A tradujo foi feita a partir do texto francés publicado

em La Documentation Catholique, n° 1961, 1°/5/88, pp. 446s. 284

QRAgOES EUCARÍSTICAS

45

em funcáb da circunstancias particulares a pedido de algumas Conferencias Episcopal*.

A Congregado para o Culto Divino aprovou outrossim alguns Prefa cios que nao se encontram no Missal Romano.

2) O uso dessas Oracoes Eucarísticas e desses Prefacios é reservado

únicamente aqueles a quem foram concedidos dentro dos limites de tempo e de espado definidos pelo documento que os aprova. Nao é licito utilizar outra Oracao Eucarística redigida sem a autorizacao da Sé Apostólica ou nao aprovada por esta.

3) A Sé Apostólica, movida pelo amor pastoral á unidade, reserva a si o direito de regulamentar assunto tafo importante quanto a disciplina das Oracóes Eucarísticas. Preservada a unidade do rito romano, a.Santa Si ná"o recusa tomar em consideracáo legítimos pedidos, e examinará com benevo lencia as solicitacdes apresentadas pelas Conferencias Episcopais em vista de

eventualmente compor e introduzir na Liturgia alguma nova Oracao Eucarís tica destinada a atender a circunstancias especiáis. Em cada caso, a Congre gacao para o Culto Divino formulará as normas a ser observadas.

II. No que concerne as experiencias, a Congregacao para o Culto Di vino já se pronunciou na Instrucao Liturgicae Instaurationes, que permane ce válida até noje.

1) As experiencias litúrgicas, quando sao necessárias ou parecem opor

tunas, só podem ser autorizadas pela Congregacao em documento escrito, segundo normas precisas e definidas e sob a responsabilidade da autoridade competente.

2) No tocante á Missa, todas as licencas de experimentar concedidas

em vista da reforma da Liturgia estáo revogadas... As normas e a maneira de

se celebrar a Eucaristía sao aquelas que se encontram na Aoresentacáo Geral do Missal Romano e no Ordo Missae.

3) Toca as Conferencias Episcopais examinar, em primeira instancia, as adaptacoes já previstas pelos livros litúrgicos, em particular pelos diversos Rituais; a seguir, as Conferencias as proporao á Sé Apostólica para serem confirmadas.

4) Conforme a Constituicao Sacrosanctum Concilium n° 40, quando se trata de modificar a estrutura dos ritos ou a disposicao das partes que se

acham nos livros litúrgicos, ou quando se desoja introduzir algum elemento estranho á tradicao ou certos textos novos, antes de qualquer experiencia, a 285

46

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

Conferencia dos Bispos deve apresentar á Sé Apostólica o respectivo roteiro com suas minucias. Antes da resposta da Sá Apostólica, nao é lícito a ninguém, nem mesmo a um sacerdote, por em prática as adaptacoes solicitadas, nem acrescentar, retirar ou mudar o que quer que seja, por própria iniciati va, na Liturgia.

5) Tal é a prática apregoada pela Constituicao Sacrosactum Concilium e exigida pela importancia do assunto. No que diz respeito as adaptacdes concebidas em vista da cultura e das tradicoes dos diferentes povos, confor me a Constituicao Sacrosanctum Concilium n<> 37-40, a Congregacao para o Culto Divino publicará algumas orientapoes.

Pede-se instantemente as Conferencias Episcopais e a cada Bispo que induzam sabiamente os presbíteros a observar a única disciplina da Igreja

romana, fazendo valer os motivos apropriados. Isto favorecerá o bem da Igreja assim como o bom desenrolar das celebrares litúrgicas. Com efeito;

compete aos Bispos orientar

a vida litúrgica, promové-la e ser seus custo

dios, corrigindo os abusos, além de propor ao povo que Ihes é confiado o fundamento teológico da disciplina dos sacramentos e de toda a Liturgia. Na Sede da Congregacao para o Culto Divino, 21 de marco de 1988. Paulo Agostinho, Cardeal Mayer Prefeito Virgilio Noé Secretario"

Como se v§, o documento em foco distingue entre a Liturgia da S. Missa e a dos demais sacramentos ou sacramentáis.

1) No tocante á Eucaristía, o documento de 21/03/88 confirma a Declaracáo Eucharistiae Participationem da mesma Congregado para o Culto Divino,que aos 27/04/1973 dava por encerrado o pen'odo de experiencias e ¡novacoes na celebracáo da S. Eucaristía. Estas haviam sido autorizadas após 0 Concilio em vista de reforma e atualízapáo dos ritos litúrgicos. Todavía desde 1973 já nao sao permitidas. Tornou-se estritamente obrigatório seguir

as normas do Missal Romano promulgado por Paulo VI,1 Missal, alias, que

1 Excetuam-se os casos em que a Santa Sé últimamente permitiu a celebracSo eucarfstíca segundo o Missal promulgado por S. Pió V, tendo em vista pequeños grupos existentes dentro da Igreja.

286

ORACOES EUCARl'STICAS

47.

deixa certa liberdade ao celebrante para propor fórmulas de saudacáo e exortagao em momentos devidamente indicados da Liturgia Eucarística.

2) Quanto aos demais Rituais da Igreja, prevéem, em algumas de suas passagens, alguma adaptacáo do rito ás circunstancias locáis. Tais adaptacóes, porém so tém valor definitivo depois de aprovadas pela Santa Sé. Nem mesmo as experiencias podem ser efetuadas em caráter provisorio sem ter sido previamente autorizadas pela Congregacao para o Culto Divino. Ao formular tais normas, a Santa Sé nao faz senáo repetir quanto já foi definido em documentos anteriores: Constituipao Sacrosanctum Concilium do Concilio do Vaticano II, InstrucSo Liturgicae Instaurationes de 05/ 09/1970 e Instrucáo Eucharistiae Participationem de 27/04/1973. A razao da insistencia da Santa Sé na regulamentapao minuciosa da S. Liturgia decorre do fato de que o culto divino e a fé estao intimamente associados entre si: Lex orandi lex credendi (rezamos de acordó com aquilo que eremos), já diziam os antigos. Com efeito, a Liturgia é naturalmente urna expressao da fé do povo de Deus e, ao mesmo tempo, urna escola catequética para os fiéis. A Liturgia sempre esteve na mira dos doutrinadores heréticos, que déla se quiseram servir para transmitir doutrinas peculiares desta ou daquela facclo.

Em nossos dias, mesmo quando nao haja heresias declaradas, há tendencias doutrinárias e pastorais erróneas, que se comunicam através de hinos, cánti cos e preces nao aprovados pela autoridade eclesiástica competente. Toca

aos pastores da Igreja vigiar para que se guarde fielmente o patrimonio da fé apregoado por Jesús Cristo; tal tarefa é servigo ao povo de Deus, servico de

importancia capital, pois o Apostólo Sao Paulo considera as heresias como gangrena a ser radicalmente extirpada
Livros em Estante A Memoria Popular do Éxodo, por M. Schwantes, H.A. Trein. A. F. Anderson, G. Gorgulho... Colegio "Estudos Bíblicos" n9 16. - Ed. Vozes, Petrópolis 1988. 160 x 230 mm, 84 pp.

Este volunte pertence a urna serie de comentarios bíblicos que tendonam refer a Biblia "a partir da ótica dos oprimidos" fp. 52). Partem da premissa de que os pobres sao os autores da- Biblia; por isto sao também os

intérpretes qualificados da mesma. Esta premissa confunde o pobre do Anti287

48

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 313/1988

go Testamento, que é o cliente de Deus, cheio de fé e amor, com o pobre e

oprimido da luta de classes marxista. Além do qué, deve-se realcarque o Es-

píríto Santo é o Autor principal das Escrituras e, por isto, a Biblia há de ser lida em consonancia com o Espirito de Deus, que vive na Igreja, e nao

apenas em funcao de categorías sociais (ver Dei Verbum n9 12).

0 livro em foco procura descubrir nos textos do Éxodo a presenca dos

pobres, camponeses, guerreiros como responsáveis pela redacao das páginas sagradas. Esta preocupacio domina a obra inteira, tornando-a unilateral ou

mesmo deficiente. Chámanos a atencao especialmente o artigo do Pe. José Comblin ás pp. 76-80 sobre o éxodo na Teología paulina: acaba numa criti

ca á instituicao da Igreja. tidacomo "mediacao"; julga que "mediacao entre

Deus e os homens" é algo próprio do Antigo Testamento; tere sido abolida

por Jesús, mas restaurada pelos cristaos no sáculo III, "usando de novo o vocabulario do Antigo Testamento, que servia a designá-lo: lei, sacerdotes,

templos, sacrificios, mandamentos, consagracoes, proibicoes. etc. Valoriza-

ram novamente o sistema legalista montado por Moisés... Desapareceu a

compreensao do significado do Espirito" (p. 79). - Ora estes dizeres de Comblin sao assaz ambiguos, apresentados sem documentacao, ou de maneira superficial; deles se poderia deduzir que o Cristianismo subsistiría muito bem sem a sua arteria vital que é o sacramento da Igreja, centrada na Euca ristía. - Quem assim pensasse, estaría construindo outro Cristianismo ou o seu Cristianismo. - De resto, acao do Espirito e instituicao eclesial nao se

opoem entre si; antes, complementam-se mutuamente, é semelhanca da Divindade e da humanidade em Jesús Cristo. A Igreja visivel é a continuacao

do misterio da Encarnacao...

Crises na Igreja? Reflexoes Bíblicas, por Raymond E. Brown. - Ed. Loyola, Sao Paulo 1987, 137x208mm, 117 pp.

O autor é sacerdote, professor de Estudos Biblicos no Unión Theological Seminary em Nova lorque. Tem-se dedicado ao Ecumenismo, de modo que faz parte tanto da Comissao "Fé e Ordem" do Conselho Mundial das Igrejas (protestante) como do Secretariado para a Uniao dos Cristaos (católi co).

No livro presente. Brown estúda temas discutidos, baseando-se princi palmente em textos biblicos. Revela erudicao. O que se /he pode objetar, é o uso excessivo e aerifico do Método da Historia das Formas. Com efeíto; admite, como á certo, que o Evangelho escrito tem seus antecedentes na pre-

gacao oral dos Apostólos e dos discípulos; julga que, em conseqüéncia, muí(Continua na pág. 270)

288

EDIQOES LUMEN CHRISTI 1. RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2? ed.l, por Dom Cirilo Folch Gomes OS.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado. autor de um tratado completo de Teologia Dog mática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado

pelo Papa Paulo VI. Um alentado volume de 700 p.. best seller de nossas EdicSes, cuja traducáo espanhola está sendo prepara da pela Universidad» de Valencia

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examinador de D. Cirilo para a conquista da láurea de Doutor om Teologia no Instituto Pontificio Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teologia, é um Tratado de "Deus Uno e Trino", de orientacáo tomista e de índole didática. 230 p

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DIÁLOGO ECUMÉNINO, Temas controvertidos.

Seu Autor, D. Estévao Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discussao no plano teológico perdeu muito de sua razáo, de ser. pois, nao raro, versa mais sobre

patavras do que sobre conree tos ou proposicoes — 380 páginas. SUMARIO: 1. O catálogo bíblico: livros canónicos e livros apócrifos — 2. Somente a Escritura? - 3. Somente a fe? Nao as obras? — 4. A SS. Trindade. Fórmula paga? — 5. O primado de Pedro — 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento - 7. A Confissao dos pecados. - 8. O Purgatorio - 9. As indulgencias - 10. Maria, Virgem e MSe -11. Jesús teve irmaos? 12. 0 Culto aos

Santos - 13. E as imagens sagradas? - 14. Alterado o Decálo go? - 15. Sábado ou Domingo? - 16. 666 IAp.13.18) - 17. Vocé sabe quando? - 18. Seita e Espirito sectario - 19. Apéndice geral. — 304 págs

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Continuadora da REVISTA GREGORIANA, direcao e redacao de D. Joáto Evangelista Enout OSB. Há 35 anos sai regularmen te.

O n9

de marco-abril (205) apresenta os seguintes títulos:

Páscoa, celebracSo da Vida - A uncSo do Espirito - O pá"o do céu e a bebida de salvacáo — O sentido do Sagrado e á linga-

gem simbólica na Luurgia — Gnosticismo rnoderno — Berñanos e a inútil liberdade — Democracia sob ditadura económica — Centenario de Berñanos — Esperanca de Civilizacáo — Crónica

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LITURGIA PARA O PÓVO DE DEUS BREVE MANUAL DE LITURGIA _

Por D. Cario Fiore SDB

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