Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim
incitados
a
procurar
consolidar
nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.
um
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos <
SUMARIO
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"Nec Laudibus Nec Timore"
^
Os Meios de Comunicacao Social: Influencia e Responsabilidades
O
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"Sintese de Religiao Crista"
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"O Espirito e o Feminino. A Mariologia de L. Boff"
O
"Por que Deixamos a Batiría" "Béncaos Papáis Produzem Maldicoes?"
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A Restauracao do Domingo Cristao
^
Livros em Estante
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O oc
.
a.
■
ANO
XXIX
.
-
MAIO
-
1988
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
MAIO-1988
N? 312
Puhjicapao mensal
SUMARIO
'retor-Responsável:
Estéváo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico retor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Jministracáo e distribuidlo: Edicóes Lumen Christi Dom Gerardo, 40 - 5" andar, S/501 Tel.: (021) 291-7122
Caixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro-RJ
"NEC LAUDIBUS NEC TIMORE" OS ME I OS DE COMÚN I CACAO
SOCIAL: INFLUENCIA E RESPON
SABILIDADES
Urna tentativa de
"SINTESE DE RELIGIÁO CRISTA" . . 207
"O ESPI'RITO E 0 FEMININO A MARIOLOGIA DE L. BOFF" ....... 214
Um livro polémico-
"PORQUEDEIXAMOSA
BATINA"
aUfcos c cenotes s.a.
3INATURA:Cz$ 1.000,00
228
Fatos históricos?
"BÉNCÁOS PAPÁIS PRODUZEM
lili.: <021)27>«4M - 271-9447
... 194
Ecos de um livro candente -
MALDigOES"? Urna alerta pastoral: "MARQUES-SARAJVA"
193
A "escola paralela":
A RESTAURACÁO DO DOMINGO CRISTAO
LIVROS EM ESTANTE
232 236
238
NO PRÓXIMO NÚMERO
mero avulso: Cz$ 100,00
313-junho-1988 amento (áescolha):
VALE POSTAL á Agencia Central dos Córrelos do Rio de Janeiro. CHEQUE BANCÁRIO. >Jo Banco do Brasil, para crédito na Con:a Corrente n?0031, 304-1 em nome do
Vlosteirode S. Bentodo Rio de Janeiro, palável na Agencia da Praca Mauá (n90435).
RENOVÉ QUANTO ANTES A SUA ASSINATURA
O Culto das Imagens (Joao Paulo II). - "Religioes, Seitas e Heresias" (J. Cabral). - So-
mente a Escritura? - É nociva a castidade? -A Fecundacaoartificial "Gift".
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA
COMUNIQUE-NOS QUALQUER MUDANQA DE ENDEREQO
Laudibus Nec Timore
M
Sobre o túmulo do grande Bispo von Gallen, de Münster (Alemanha),
acham-se os dizeres que exprimem um dos traaos de sua personalidade: Nec
laudibus nec timore, nao fo¡ movido nem pelo desejo de louvores nem pelo medo de ser zombeteado e perseguido. Com efeito, durante os anos do regíme nacional-socialista (1933-1945), aquele prelado soube resistir heroica
mente aos erros e ás invectivas da ideologia, mantendo intrépidamente
a profissáo de fé católica, apesar dos ataques que sofría. Alias, nao foi o úni co prelado a se distinguir pela coragem e lealdade.
Tais homens deixam aos pósteros um testemunho eloqüente; "defun-
tos, ainda falam" (cf. Hb 11,4). Sao os grandes heróis que nossa época pre cisa de considerar.
Sim. O auténtico servidor é aquele que nao procura satisfazer aos seus interesses particulares, mas leva em conta a verdade como tal e o bem co-
mum, aos quais deseja atender á custa do sacrificio de si mesmo, se necessá-
rio. Pratica incondicional mente o cumprimento dos deveres, sabendo que nisto existe urna nobreza que nenhuma lisonja alcanpa e nenhuma censura extingue. Há na fidelidade firme um discurso mais persuasivo do que belas
palavras vazias.
Aqueles que nao tém fé, de¡xam-se impressionar por tal testemunho,
pois véem que ainda existe o HOMEM-PALAVRA em nossos dias, aquele que nao se degrada por causa de situapdes passageiras. Quanto aos que tém
fé, percebem no HOMEM-PALAVRA o reflexo do Cristo Jesús. Os amigos doutores da Igreja sempre exaltaram a figura do cristao, e especialmente a do pastor, intrépido. Assim, por exemplo, escreve S. Gregorio Magno (1604):
"Nao diga o pastor o que deve calar, nem cale o que deve dfzer. Pois, da mesma form.i que urna palavra inconsiderada arrasta ao erro, o silencio inoportuno deixa no erro aqueles a quem poderia instruir. Muitas veres pas tores imprudentes, temendo perderás boas grecas dos homens, tém medo de falar abertamente: e. segundo a palavra da Verdade, absolutamente nao
guardam o rebanho com solicitude de pastor, mas, por se esconderem no si tando, agem como mercenarios que fogem do lobo. — O Senhor, pelo Pro-
feta, repreende estes tais, dizendo: 'Caes mudos que nao conseguem ladrar' (is56,10)"iRegra Pastoral2,4J.
Felizes aqueles que vivem em tempos como os nossos, tempos nos quais cada um é chamado a tomar posicao clara: por Cristo ou contra Cris to. Sao tempos em que ninguém se pode deixar ficar amorfo ou mediocre sem ser tragado pelas ondas dos "modismos"! "Nem pelos louvoures, nem
pelo temor", mas pelo amor heroico a Cristo, á S. Igreja e á Verdade.. .
Tal é o programa de vida do genuino cristao.
1 Nem pelos louvores nem pelo temor. 193
E.B.
"PEROUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXIX - N? 312 - Maio.de 1988
A "Escola paralela":
Os meios de Comunicado Social: Influencia e Responsabilidades... Em síntese: O livro de Alfredo Casado sobre "Os Meios de Comuni cacao Social" chama a atencao para a rapidez dos progressos da técnica em materia de comunicacao social e para as vultosas conseqüéncias que este fato tem acarretado para os individuos e a sociedade. Os meios de comunicacao social, além da sua acao abena ou explícita, nao raro direcionada neste ou naque/e sentido, exercem muitas vezas urna acao subliminar; esta é progra mada de modo a penetrar diretamente no subconsciente das pessoas e induzi-las a pensar ou agir de tal ou tal modo, sem que os usuarios o percebam. Grupos políticos, ideológicos e económicos utilizam tal recurso para persua dir e alidar as massas.
Ora tao vasta influencia dos meios de comunicacao social tem inci
dencias éticas. Requer-se honestidade e objetividade, assim como respeitoá liberdade alheia, da parte dos comunicadores; da parte dos usuarios, deseja-
se senso crítico, capaz de discernir distorcoes ou desvíos. Aos genitores no lar, aos educadores na escola, aos catequistas e sacerdotes na Igreja toca o dever de formar a consciéncia crítica dos pequeños, dos jovens e dos adul tos, a fim de que saibam desvencilhar-se dos perigos de manipulacao ao usa-
rem os meios de comunicacao social; estes, alias, considerados em si, sao pre ciosa conquista da técnica humana. Ao Estado toca, outrossim, estabelecer normas referentes ás comunicacoes sociais, a fim de garantir o uso construtivo dos mesmos e defender de agressoes sorrateiras os seus usuarios.
194
MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL Nao há quem nao reconheca o enorme poder dos meios de comunicapao social (MCS) como radio, televisao, cinema, imprensa escrita... na for-
macao de mentalidades. Embora seu alcance seja vultoso, parece nao haver nos usuarios consciéncia suficientemente esclarecida a respeito. Entre os estudos últimamente publicados sobre o assunto, está o de Alfredo Casado: "Os Meios de Comunicarlo Social e sua Influencia sobre o Individuo e a So-
ciedade"1. Visto que o autor aborda a temática com sabedoria, passamos a apresentar urna símese de tal obra.
1. A rápida evolucao da técnica Nos últimos oitenta anos o número de descobertas científicas e de realizacoes técnicas vem crescendo em progressao hipergeométrica, isto é, de
modo mais rápido que a progressáo aritmética, a geométrica e até a expo nencial. 0 seu volume equivale ao de todas as invencoes obtidas desde o inicio da humanidade até o principio do sáculo XX. Atualmente convivem muito mais cientistas e pesquisadores do que quantos existiram desde o surto do homem sobre a Térra até o fim do sáculo XIX. Limitando-nos ao setor das común i capóes sociais, registramos em 1901 a primeira transmissao de telegrafía sem fio entre dois continentes (Europa e América do Norte); em 1936, o ini'cio dos programas regulares de televisao; em 1962, a trans
missao de imagens entre Estados Unidos e Europa através do primeiro satélite artificial (Telstar); em 1986, o primeiro videotelefone instalado na cidade de Biarritz (Franca) para todos os seus habitantes... Podemos acrescentar que sao mais de duzentas as aplicacoes de descobertas científicas
ao setor das comunicacóes sociais nos últimos cinco anos. Tais avancos modificaram profundamente o tipo de conduta do ho
mem. Com efeito; em apenas 86 anos duplicou-se a expectativa de vida do homem (era de 36 anos no inicio do sáculo; em 1986, pode atingir os 70 ou 80 anos). Realizaram-se grandes progressos no combate as doencas. Os paí ses mais desenvolvidos debelaram o analfabetismo e diversificaran! a sua cultura. Aumentou-se o número de horas de lazer, para as quais se criaram
novas formas de ocupacáo {viagens, torneios esportivos, temporadas artísti cas... ). Doutro lado, porém, a instalacao de máquinas velozes e precisas suscitou o desem prego de muitos e muitos operarios. O traba I no hoje requer
geralmente mao de obra especializada. É ¡nteressante notar a seguinte evolu cao no tipo de trabalho na Europa durante o secuto XX:
'
Ed. Cidade Nova, Rúa Ce/. Paulino Carlos 29,04006 Sao Paulo fSP), 110
x 185mm,92pp. 195
"PER6UNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988 Populapao que trabalha em
a) agricultura, pecuaria, pesca, minas b) industria (movéis, automóveis, fibras, material de construcáo, produtos alimen
ticios, transíormagio de metáis...)
c) correios, telefone, transportes em geral, hotel aria, informapóes e relacoes huma
nas, serví pos do lazer
1900
1986
55%
17%
34%
36%
11%
47%
Em 1900, 66% da populapao vivía no campo, em pequeñas aldeias e
vilas. Em 1986, 43%da populacao das nacoes desenvolvidas vivem em cidades de pelo menos 50.000 habitantes.
Desapareceu, em grande parte, o trabalho na pequeña propriedade familiar relativamente satisfatório; e multiplicou-se o número de trabalhadores por conta de terceiros e assalariados. O trabalho é assim considerado, nao raro, como penoso e sufocador, a tal ponto que o trabalhador julga viver a sua verdadeira vida ñas horas Hvres, ñas quais ele desfruta da familia, do divertimento ou realiza algum servico de dedicapao ao próximo por ideáis re ligiosos.
£ precisamente neste contexto do lazer que se coloca a acao influente dos meios de comunicapao social.
2. A influencia dos MCS Outrora a falta de comunicapao retardava o progresso da civilizapao.
Basta lembrar que já em 1221 os chineses criaram os tipos movéis para im
primir; todavia no Ocidente esta arte ficou ignorada até que Joao Gutemberg a concebeu em meados do sáculo XV. Algo de análogo aconteceu com
a descoberta da pólvora, que s6 chegou as nacóes da Europa no sáculo XIII, depois de muíto conhecida e utilizada no Oriente. Hoje em dia, porém, todo evento importante ocorrido em qualquer parte do mundo é quase ¡mediatamente conhecido em todos os recantos da Térra. As noticias viajam com a velocidade da luz ou das ondas hertzianas. As grandes Agendas Internacíonais de Noticias dispoem de milhares de jornalistas espalhados em todos os países.
Há também as transmiss5es instantáneas de ocorréncias que se devem
aos sistemas eletrdnicos de comunicaclo: assim, por exemplo, as competí196
MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL
cóes esportivas e os festivais artísticos internadonais sao contemplados si multáneamente via satélite por telespectadores do mundo inteiro; a Assem-
bléia de Oracao pela Paz promovida pelo Papa Joao Paulo 11 em Assis (1986)
com representantes das grandes religioes foi acompanhada por milhoes de telespectadores - crentes e nao crentes - dos cinco continentes. Os encontros entre Reagan e Gorbachev em Genebra e em Washington foram apresen-
tados durante o almoco ou o jantar em todos os lares de boa parte do mun do no mesmo dia.
A rapidez e a profusao de imagens e noticias assim transmitidas, além de apresentar suas enormes vantagens, pois unificam o mundo e favorecem a solidariedade, acarretam seus inconvenientes, que, embora serios, sao pouco considerados pelos usuarios. Procuremos catalogá-los:
2.1. Sobrecarga de noticias e saturacao
As noticias sao transmitidas em tal quantidade e velocidade que muitas vezes nao há tempo para a ref lexáo pessoal sobre as mesmas. O ouvinte
ou telespectador nao tem de ¡mediato um criterio pessoal para interpretar e
assimilar o que Ihe é transmitido; por isto tende a cair na passividade, que ocasiona a saturacao. - Alias, este é um fenómeno cada vez mais freqüente em nossos dias: multiplicam-se os campos do saber a tal ponto que, para nao
ficar na superficialidade, o estudioso deve limitar sempre mais o setor de sua atencao; "saberá cada vez mais de cada vez menos - ou saberá quase tudo de quase nada". 2.2 Criterios de transmissáo e recepcao
A profusao de noticias é tal que tanto o transmissor como o receptor
as devem selecionar. Pergunta o transmissor: "Que porei no ar?" E o recep tor: "Que emissora contactare!?". Ora o transmissor muitas vezes depende do IBOPE ou de fins comer ciáis; tende a se ¡nteressar por ¡nformacóes de caráter espetacular, raro, sen
sacional, influente em determinada direcao ou de maior rentabilidade financeira, mesmo quando tais noticias nao sao as mais aptas a produzir solidarie dade e senso ético entre os homens.
As pessoas que selecionam as noticias a ser transmitidas, possuem forca de influencia quase ilimitada, de tal modo que a imprensa escrita chegou
a ser chamada "o quarto poder" de urna nacáo. Mais forte aínda é a acáo
da televisao. Ora todo este poder é colocado freqüentemente a servíco quase exclusivo de interesses lucrativos, comerciáis ou mesmo... político-partida rios e ideológicos... 197
6
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988 Quanto ao receptor, é propenso a dar atengao apenas ás noticias e
¡rrtagens que correspondem ás suas categorías filosóficas pessoais1.
O que importa, porém, é chamar a atencao para a responsabilidade da-
queles comunicadores que utilizam os MCS em sentido unilateral ou distor cido, violando o direito do público a ser informado com objetividade. A sucessao de noticias sinistras - morte de inocentes por terrorismo, seqüestros, cifras exageradas de aborto, dissolupáo de familias pelo divorcio, guerras e guerrilhas, revolucoes armadas... - acaba convencendo as massas de que no mundo atual é obrigatório conviver com a violencia permanente.
0 aborto e o divorcio seriam realidades indiscuti'veis; os casáis teriam o direi to de se separar, e as mulheres o de eliminar a vida que está em seu seio. Os valores moráis sao assim relativizados; seriam questio de cultura, de preconceitos ou de afinidade étnica. Esjta acáo deletéria faz que muitas pessoas - principalmente as mais jovens - percam, ou nao cheguem a ter, urna escala de valores para se orientar. Tornam-se seguidores do comporta-
mentó dos grandes grupos que pensam e decidem por elss; acabam acredi tando que "6 impossível que a grande maioria se engañe"; tem-se entáo o
"homem-massa", de consciéncia diluida, que se deixa conduzir pelo grupo despersonalizante; a torrente de noticias, sugestóes e modelos dificulta-lhe a reflexao objetiva; a voz da consciéncia do usuario é abafada; antes, os infor mativos levam-no a julgar que tal voz interior é resquicio de épocas que foram ultrapassadas pela civilizacáo. 2.3. O Consumijmo
Os MCS sao também porta-vozes dos interesses de firmas e empresas comerciáis.
"Que deve a dona de casa comprar no supermercado? Como deve a
jovem vestír-se nesta ou naquela estacáo? Como e onde o adolescente se há
de divertir? Que brinquedos o papai deve comprar para os filhos? Muitas
1 "Vía de regra, as pessoas aceitam com facilidade aquilo que está de acordo com suas opinioes e interesses. O receptor costuma limitar a sua expe riencia aos objetos e conteúdos que se harmonizam com as suas preferen cias. ..
F/ca impresso e se memoriza melhor aquilo com que a gente concorda mentalmente, é esquecido com facilidade aquilo que nSo se coaduna com as
próprias idéias do receptor. Existem mecanismos que favorecem ou tornam mais difícil a transmissao de urna mensagem e fatores de potenciamento capazes de incrementar, a sua eficacia na pessoa que recebe a comunicacao" (pp. 50s). 198
MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL outras perguntas como estas já tém sua resposta dada pela propaganda na
sociedade de consumo" (p. 23). "O homem massificado nao precisa de se preocupar com a maneira de gastar o seu dinheiro. Os anuncios da televisao indicam-lhe como vestir-se, pentear-se ou onde passar as ferias. A saúde e a juventude perdida sao recu peradas com a última meditacao iogue que acaba de chegar do longínquo Oriente, com regime light com reduzido número de calorías, ou com um novo sistema de ginástica. Tudo como se anuncia na televisao. Quem nao
segué estas normas é um cafona, desatualizado, vive out e nao in como um competente e bravo telespectador. Nao importa se o produto anunciado pela publicidade nao possua nenhuma das qualidades que Ihe sao atribuidas. Importa que seja apresentado por um ídolo do esporte ou da televisao. Se aquele xampu nao deixa os cá belos leves e brilhantes ou sottos como o personagem o apresenta, é secun dario; se o detergente nao tira as mancha* mais encardidas, mais dif icéis, nao entra em questao. A empregada que os compra, recebe um brinde quando tem tres cupoes do produto, que devem ser enviados ao endereco indicado no verso.
A sociedade de consumo já conquistou a enanca, o adolescente, o ho-( mem e a mulher adulta. E chega a prometer ás pessoas da terceira idade o
retorno aos anos dourados da juventude. Mesmo sabendo que nao se pode recuperar mais aquela idade, o slogan levou muitas pessoas de cábelos enca necidos a sonharem... O consumismo manobrado pela publicidade nao pode regredir. Existem Agencias que elaboram anuncios publicitarios e, caso nao acontecer um aumento de vendas até um certo m'vel pré-fixado, devolvem os gastos de
producao do anuncio. Tém certeza de que os resultados serao superiores. Todo mundo sabe que quem paga o anuncio é o consumidor, através de um aumento de prego. Mas isso é inevitável, pois vivemos numa sociedade
de consumo. Alguém qualificou a nossa época como sendo a era do consu mismo por causa dos meios de comunicacao. Entretanto o problema é mais ampio. As emissoras de radio e televisao sao empresas e como tais necessitam da publicidade para subsistir" (pp. 23s). 2.4. Efeitos a curto, a medio e a longo prazo
É claro que a influencia dos MCS pode encontrar certa resistencia — consciente ou inconsciente - da parte dos seus usuarios. Da/ distinguírem-se tres tipos de seus efeitos: a)
Efeitos a curto prazo. No setor do consumo ou da inducao a com
pras, os MCS tém mais pronta eficiencia do que quando se trata de mudar a 199
8
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
mentalidade ou a filosofía dos homens; a moda, as "ondas", os cbstumes mais recentes sao absorvidos mais fácilmente por estes. b) Efeitos a medio prazo. Quem respira tranquila e assiduamente os ares dos MCS, acaba-se situando numa matriz socio-cultural poderosa. Prin
cipalmente os jovens sao presas facéis dos meios, pois ainda nao estáo liga dos a modelos pró-estabelecidos; o linguajar, o gesticular, os modos de namorar, casar e "des-casar", adulterar... apresentados pela televisao vém a ser
escola para os telespectadores inexperientes. Os psicólogos registram o fenó meno da identificacao, pelo qual o individuo se senté solidario com os personagens apresentados, por causa de admiracao e simpatía por eles; tende, pois, a viver inconscientemente os mesmos modos de ser e de agir dos indi viduos que os MCS exibem; é propenso a repetir na vida real o mundo dos sonhos contemplados. "Tanto isto é verdade que hoje, além da escola insti
tucional, se pode falar da escola paralela dos meios de comunicacao" (p. 64). c) Efeitos a longo prazo. Segundo alguns observadores, a génese da chamada "sociedade de massa" encontra-se nos meios de comunicacao so
cial. Estes ditam o modo de organizacáo, expressao e os criterios para julgar
a realidade material, social e espiritual. É o que explica a enorme difusáo dos televisores: até nos barracos de favela, onde faltam agua, espapo e higie
ne, encontra-se um aparelho de radio ou de televisao. Os meios áudio-visuais "geram em muitos urna fé quase sobrenatural no seu poder mágico" (Merton e Lazarsfield). "A civilízacao industrial, com seu trabalho monótono e sem criatividade, suscita a fome de evasao, de paraíso de fantasía envolvente. Donde o poder narcotizante dos meios áudio-visuais" (p. 28). Estas observacoes se rao ulteriormente aprofundadas. 2.5. Acao subliminar
Os especialistas tém estudado a atuacao subliminar ou inconsciente
dos MCS sobre os seus usuarios. Com efeíto; está comprovado que tais meios podem atingir d i ret amen te o subconsciente, burlando o consciente e a líberdade do receptor; utilizando métodos sofisticados, podem simultáneamente enviar dupla mensagem: urna, a ser recebida conscientemente pelos sentidos da visao e da audicao, e outra aparentemente ¡mperceptivel, mas eficaz, des
tinada a alcancar diretamente o inconsciente do individuo. Isto fot averigua do com certa precisao no cinema mediante a seguinte experiencia:
A fita de um filme normal tem o comprimento aproximado de tres mil metros, com o tempo de projecáo continua de mais ou menos urna hora e
meia. Atualmente a velocidade da projecáo é de 24 fotogramas por segundo — o que equivale a meio-metro de fita por segundo. — Ora em determinado filme foram intercalados isoladamente, a cada cem metros da fita normal, fotogramas independentes do enredo. Nestes fotogramas estava escrita urna 200
MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL
9
mensagem simples dirigida á percepcáo subliminar, era a mesma em todos os fotogramas ¡solados, de modo que, reiteradamente, aparecía a mesma frase: "Tome tal refrigerante, coma pipoca freqüentemente; sao gostosos e fazem bem á saúde". Durante a projepao do filme, nenhum espectador conseguiu ler a mensagem subliminar; ninguém percebeu algo de estranho durante a projecao do filme. Mas averiguouse que a mensagem ocultachegou, de for ma subliminar, até os espectadores. Sim; em todas as sessoes ñas quais se exibiu o filme que continha a mensagem subliminar, a venda do refrigerante recomendado aumentou de 9 5%acima do habitual, e o consumo de pipoca cresceu em 13%! Todos os espectadores tinham acompanhado o enredo por eles livremente escolhido, com o mesmo interesse; todavía 9,5% dos mesmos (aqueles de opcóes menos definidas em materia dj bebidas) deixaram de
comprar o refrigerante habitual e preferíram aquele indicado pela mensagem do filme, um número maior, ou seja, 13% resolveu comprar pipoca, porque isto fícara registrado no seu subconsciente sem que o percebessem,
A explicacao psicológica do fenómeno é muito simples. As pessoas de
criterios bem estabelecidos nao mudam fácilmente de conduta por causa de mensagens subliminares; mas os individuos indecisos ou inconstantes deixamse prontamente influenciar pela última mensagem recebida. Sao vftimas de acao subliminar transmitida a seu subconsciente sem que o possam averiguar. Eis urna experiencia semelhante realizada em outro setor:
Durante o horario normal de urna Fiagáo, as operarías que trabalhavam ñas seccóes menos barulhentas, costumavam ouvir as cancóes de maior tama no momento. Ora, em algumas fitas foí ¡ntroduzido, mediante proces-
sos requintados, um refrao a ser ouvido periódicamente como mei.sagem
sublíminar: "Quando urna operaría trabalha bem, produz mais e é mais con dignamente remunerada". As varias canpóes transmitirán! de maneíraconstante o mesmo estribilho subliminar durante um mes. - Os efeitos nao tardaram: ao fím do mes, verificou-se que o rendimento quantitatívo aumenta ra 7% A melhora da qualídade da f ¡acao {ausencia de defeitos nos estampa
dos, na textura, etc.) superava, em media, 21% do normal.
Após esta experiencia, passado certo tempo, e com a autorizacáo do dono da fábrica, fez-se nova experiencia; todavía a mensagem emitida pelo mesmo processo trazia outro refráo: "Todo operario deve reivindicar com
firmeza os seus direitos para nao ser injustamente explorado". Embora estes
dizeres sejam a expressáo da justica, criaram um clima de inquietacSo tal
que em menos de tres semanas a producao da fiacao baixou de 14% abaixo do normal e se perdeu a ótima qualidade obtída mediante a mensagem ante rior.
Estes fatos mostram como é vulnerável a pessoa humana; ela pode ser sorrateiramente invadida e violentada sem que o saiba e, por ¡sto, sem que 201
10
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
se possa defender. - Passemos agora a algumas ulteriores conclusoes da Psi cología.
2.6. Dados numéricos
Para se aquilatar melhor a influencia dos MCS, levem-se em conta os seguintes dados:
Urna boa imagem tem mais eficiencia pedagógica do que dezenas de palavras. A crianca capta 71% com os olhos (donde a importancia da linguagem pictórica), 16% com a audicao e o restante com os demais sentidos (co mo o olfato, o paladar, o tato...). Oizem os peritos outrossim que ficam
tmpressos na mente dos adultos apenas 12% daquilo que ouvem, 23% do que véem, mas 38% do que véem e ouvem simultáneamente. Em virtude da con vergencia das impressoes, o ser humano guarda melhor o que percebe ao mesmo tempo por varios sentidos. A pujanca da te lev ¡sao é tal que, segundo alguns pesquisadores, as
criancas nascidas em 1980 te rao passado, no final do secuto ou vinte anos mais tarde, a quarta parte de sua vida diante da televisan. Os próprios pais, ás vezes, estimulam os filhos a procurar tal passa-tempo, porque assim os
pequeninos ficam quietos (em muitos casos, ao menos) e nao perturbam os mais velhos. Numa pesquisa realizada nos Estados Unidos, 13% das criancas responderam que, tendo de escolher entre o pai e a TV em casa, optariam
pela TV. Assim se verifica que a TV pode contribuir para desagregar a fami lia ou dificultar o bom relacionamento entre os membros da mesma; é certo
que em muitos lares os horarios, os costumes e as opinioes sofrem modíficacóes- sucessivas por causa das insinuacoes dos meios de comumeacao de massa.
Por sua vez, a imprensa escrita tem criado seus grandes "imperios". O Japao, por exemplo, é o país que possui as maiores tiragens de jornal no mundo; o recordista é o Asahi Shimbum, com 6.650.000 exemplares em edicáo matutina, e 4.250.000 na edicao vespertina; o segundo é o Yominuri Shimbum, com 6.550.000 exemplares diarios; o terceiro, o Mainichi Shim bum. Em patamares semelhantes, encontram-se as grandes organizares jor
nal ís ticas norte-americanas. - A empresa do Asahi Shimbum emprega cerca de 100.000 funcionarios, enquanto o Washington Post aproximadamente 60.000. No variegado setor das comunicacoes tém-se formado trustes que pos-
suem diferentes tipos de MCS e se encarregam de toda a producao, distribuícao e propaganda de seus valores. A Companhia de Rupert Murdoch, por exemplo, possui emissoras de TV nos Estados Unidos da América, na GraBretanha e na Australia; dispoe também de jomáis nos mesmos pai'ses e
grande sistemado producao e distríbuicáo de filmes e vídeos. 202
MEIOS DE COMUNICAjCÁO SOCIAL Quem considera o poder de tais grupos, pode perguntar onde fica a in dependencia de um jornalista, de um diretor artístico de cinema ou de tea tro ou de um locutor de radio..., que sofrem a ameapa de perda do emprego, caso nao se dobrem aos interesses económicos das respectivas firmas ou ás torcas político-ideológicas?
Estas ponderapóes e noticias sejam base para urna reflexao de ordem ética.
3. E a Ética? Como fo¡ observado atrás, a poderosa influencia dos MCS tem inci dencias sobre a ética. Pergunta-se: até que ponto urna organizacao (Partido político. Estado, empresa económica ou comercial...) tem o direito de ma nipular um meio de comunicacao social para influenciar os usuarios, sem que estes o saibam ou queiram? Em resposta, distinguiremos diversos aspectos:
1) Nao seria justo condenar os MCS como tais, pois representam valio sa conquista da humanidade, que pode servir ao bem-estar dos individuos e das sociedades, amenizando desgrapas e promovendo valores. Tratase de iecursos que, bem aplicados, podem beneficiar grandemente a pessoa humana. Todavía...
2) As noticias ou ¡nformapóes devem ser, tanto quanto possível, obje tivas e fiéis á verdade. Este de ver corresponde a um direito que todo homem tem, de ser devidamente informado ou de viver á luz da verdade.
3) Sabe-se, porém, que nao é fácil formular objetiva e apartidariamen-
te noticias e informapoes; a filosofía de vida de quem transmite, imprime muí tas vezes um cunho pessoal ou subjetivo aos termos da mensagem, por mais que o mensageiro se esforcé por nao distorcer. — Daí a necessidade de que o público seja alertado para o fato e para a necessidade de refletir, em crítica sadia, sobre quanto Ihe é transmitido.
Esta alerta há de ser praticada ñas familias e ñas escolas; a pais e mestres cabe especial incumbencia neste particular, visto que crianpas, adoles centes e jovens sao mais sugestionáveis ou menos experientes da complexa realidade dos MCS. f=, alias, muito recomendável que as pessoas interessadas escrevam aos
chefes de produpáo de radio, televisSo, revistas, jomáis..., manifestando o sen desagrado por tal ou tal mensagem despropositada; assim os emissores poderao sentir mais vivamente a repercussáo negativa de seus produtos e a ameapa de perda de IBOPE... 203
12
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988 Tal gesto, da parte dos usuarios, é muito mais eficaz do que comenta
rios entre pessoas escandalizadas, mas inertes ou inoperosas no caso.
■ Erh suma, é preciso que todo usuario dos MCS saiba que ele corre o risco, de ser dominado, teleguiado ou mesmo violentado, sem o perceber, por tais meios; utilize-os, portanto, mas eliminando toda tendencia á passi-
vidade e subserviéncia. 4) Nao é lícito a urna EstacSo emissora transmitir mensagens veladas,
explícitamente preparadas (ver os exemplos dados ás pp. 200s deste fascícu lo) para que escapem ao controle dos usuarios; visariam a levar ao público a comprar tais ou tais artigos, freqüentar tais ou tais restaurantes, teatros, aderir a tal ou tal Partido, faccao, grupo ideológico ou, pior, renunciar aos seus principios moráis e ceder á corrupcao ética. Qualquer interferencia deste ti po significaría desrespeitar a pessoa humana e submeté-la a urna suave (?) lavagerri de cránio, de nocivas conseqüéncias e de péssima qualificapao ética! 5) Visto que a realidade das comunicacoes sociais é altamente delicada e sedutora, é para desejar que o Estado intervenha com urna legislacao adequada, apta a preservar a liberdade e a identidade dos cidadaos. Mais: essa regulamentacao deverá ser sustentada por acordos internacionais e por Códi gos Deontológicos, válidos no mundo inteiro, como sao válidas a Declarapáo dos Direitos Humanos, a dos Direitos da Crianpa, etc.
Tal deve ser o comportamento do Estado democrático, á diferenca do Estado totalitario:
"Nao se deve admirar que, num sistema autoritario como o da Rússia, LSnin respondía ao pedido de Giner de Los Rios por liberdade: 'Para que li berdade?' Para Lénin, a liberdade de imprensa e outras liberdades sao urna invencao da burguesía e dos seus sequazes social-democratas para impedir o socialismo revolucionario.
A imitacao do modelo russo, todos os regimes marxistas do mundo mantém um rígido controle sobre os meios de comunicacao, a tal ponto de instaurarse um verdadeiro e auténtico sistema de desinformacao. O sistema
unidirecional de mentali2acao, mediante os meios de comunicacao, é tao forte nos regimes marxistas que toda tentativa de romper este controle, por
menor que se/a, é considerada um grande delito contra o Estado e o 'bemestar cultural do povo'. é o grande pecado de 'colaboracao com o imperalismo capitalista'...
Nao se deve pensar que as ditaduras fascistas de direita tenham sido menos sensfveis é tendencia monopolizados total. Mussolini teve a coragem de dizer: 'O jomalismo italiano (da sua época) é livre, porque só serve a urna causa e a um regime..., porque pode exercer e exerce funcoes de controle, 204
MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL de critica e de incremento... A imprensa mais livre do mundo inteiro é a italiana' (p. 74).
6) A Igreja está consciente da complexa questlo dos MCS; estima-os e valoriza-os grandemente. Mas nao deixa de apontar as implicacóes éticas que deles decorrem tanto para os emissores como para os receptores de mensagens. A propósito o Concilio do Vaticano II promulgou o Decreto ínter Mirifica (1963) e a Santa Sé publicou em 1971 a Instrucao Pastoral Communio et Progressio. Tais sao as palavras simples e claras do documento do Con cilio:
"Deveres dos usuarios; Estao comprometidos por especiáis obrigacoes
todos os usuarios, isto é, os leitores, os espectadores e os ouvintes que por urna escolha pessoal e livre recebem as comunicacoes difundidas pelos meios de comunicacao social. Pois a correta escolha exige que estes prestigiem ple namente todas aquetas comunicacoes que se destacan) pela perfeicao, a cien cia e a arte; evt'tem, porém, aquetas que Ihes sao causa ou ocasiao de prej'uízo espiritual ou que, pelo mau exemplo, possam levar outros ao perigo ou impecam as boas comunicacoes e promovam as más Para que os usuarios cumpram a lei moral, nao se esquecam de sua obrigacao de informarse oportunamente acerca das determinacoes baixadas nesta materia pela competente autoridade e de acaté-las em conformidade com as normas da reta consciénda; contudo, para que resistam com mais facilidade a conselhos menos corretos e promovam irrestritamente os bons, empenhemse com meios adequados em dirigiré formar sua consciéncia. Deveres dos Jovens e dos Pais. Os usuarios, especialmente os jovens, cuidem de que no uso destes meios se habituem á moderacao e á disciplina;
esforcem-se outrossim em penetrar com a inteligencia naquilo que viram, ouviram e feram; conversem com educadores e peritos nestes assuntos e aprendam a emitir um julgamento correto. Os pais lembrem-se de que é seu dever vigiar regularmente para que espetáculos, revistas e outras coisas deste
género, desde que lesivos á fé e á Moral, nao entrem na soleira do Lar do méstico nem os filhos procurem em outros lugares tais coisas.
Deveres dos autores. Quanto ao correto uso dos meios de comunicacao social, importante obrigacao moral toca aos jornalistas, escritores, ato
res, teatrólogos, produtores, vendedores, distribuidores, gerentes e patroci nadores, críticos e outros mais que de alguma forma tomam parte na confec-
cao e transmissao das comunicacoes. Claramente se evidencia, ñas atuais condicdes humanas, que deveres e quao importantes incumben) a todos es tes, pois que e/es, informando e matando, podem levar o género humano para o caminho certo ou para o abismo. 205
14
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988 Cabe a eles equilibrar os interesses económicos, políticos e artísticos
de sorte que jamáis se desviem do bem comum...
Sempre se lembrem de que grande parte dos leitores e espectadores é constituida de jovens que precisam da imprensa e de espetáculos que oferecam honestos divertimentos e arras tem os espíritos para realidades mais su blimes. Cuidem, além disto, de que as comunicacoes sobre assuntos religio sos sejam confiadas a pessoas dignas e competentes e sejam executadas com a devida reverenda"
E¡s, em poucas páginas, o conteúdo do livro do Prof. Alfredo Casado: sucinta, mas clarividente, esta obra pode ajudar muí tos leitores a despertar
da apatia para um uso mais construtivo dos MCS: "Os receptores devem sacudir a inercia com que recebem as mensa-
gens. Há urna tendencia á passividade (é-nos dado tudo pronto) e á aceitacio aerifica das mensagens (sao apresen tadas com elegánda, colorido, verossimilhanca etc.. .)■ Somente adquirindo urna capaddade adequada de leitura critica e a
consdénda de atender para o poder que os meios possuem, é que se pode evitar acolher dócilmente a sua doutrina e influencia. Em conseqüéncia, lamentavelmente devemos concluir que, em geral, apenas poucas pessoas estao em condicoes de exercer sobre si mesmas o au-
tocontro/e necessárío; poucas estao em condicoes de usar o senso crítico, de
saber avallar as mensagens recebidas para poder enfrentar os Meios de Comu nicado Social nos seus conteúdos, na apresentacao da vida real e na visao global de mundo que oferecem" (pp. 65s).
A Trindade como Historia, por Bruno Forte. Traducao do Pe. Alexandre Macintyre S.J. - Bd. Paulinas, Sao Paulo 1987, 130 x 210mm, 212pp. NSo é fácil escrever sobre a SS. Trindade, tida por vezes como enigma
que nSo interessa á vida do cristSo. Muitos fiéis tSm urna espiritualidade pouco familiarizada com o misterio da SS. Trindade. Ora o Pe. Bruno Forte, Professor de Teología na Italia Meridional, nos apresen ta a SS. Trindade co mo a Biblia a revela, ou seja, em estilo muito vivendai; a Páscoa de Jesús é o grande momento em que a Trindade se manifesta e comunica aos homens. Além disto, aborda o aspecto escolástico e as espeeulaedes de teólogos e
pensadores diversos sobre a SS. Trindade, de modo a oferecer urna sintese muito fiel e valiosa da teología concernente ao misterio de Deus. - 0 livro servirá tanto para os Seminarios e Cursos de Teología quanto para os leito res interessados em alimentar a sua vida espiritual. 206
Uma tentativa de
"Súrtese de Religiao Crista" pelo Pe. Frederico Dattler
Em síntese: O livro do Pe. Dattler incorre na omissao de varios pontos
importantes da fé católica, que ele tenciona expor: ¡ustica original, pecado dos primeiros país e conseqüéncias, nocao e divisao de pecado, purgatorio,
Missa dominical... Além disto, em pontos de doutrína abordados o autor é insuficientemente claro, como nos casos do sacramento da Penitencia, da Escatologia, da antropología teológica... Sao estes traeos que levam a dizer que tal obra nao expoe adequadamente a doutrína católica. 0 autor tencio na basear-se em textos bíblicos, que ele interpreta, por vezes, de maneira muito pessoal, sem levar na devida conta o magisterio da Igre/a.
0 Pe. Frederico Dattler é um estudioso de S. Escritura, autor de varios 11 vi os, entre os quais um compendio que apresenta ao público "um resumo
sistemático" da doutrina da fé1. 0 livro merece comentarios; embora o autor
tenha intencionado fazer "obra razoavelmente completa" (p. 9), a leitura do seu trabalho suscita muitas ¡nterrogacóes, que, a seguir, vao enunciadas e consideradas.
OS PONTOS DUVIDOSOS 1. CristSo-católico
Ja o título do livro chama a atencao pela sua índole indefinida. Por "religiao crista" pode-se entender tanto a católica como a protestante e a
ortodoxa. Á p. 11 o autor fala da "religiao crista" e das "variadas formas de comunidades cristas", acrescentando: "Para nos em particular, trata-se da Igreja Católica com sede central no Vaticano chefiada pelo Sumo Pontífice, que ó o sucessor direto do Apostólo Pedro" (p. 11). Assim a Igreja Católica torna-se, para Oattler, objeto de uma opcSo que o autor nao justifica..., opgao que aparentemente poderia ser outra. Ora teria sido necessário pro1
Síntese de Religiao Crista. Ed. Vozes. Petrópolis, 1985, 135 x 210mm,
146 pp.
207
16
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
fessar a i'ndote singular da Igreja Católica, como, por exemplo, a enuncia o Concilio do Vaticano II:
"Esta é a única tgreja de Cristo, que no Símbolo confesarnos una, santa, católica e apostólica; que nosso Salvador depois da sua ressurreicao entregou a Pedro para apascentar e confíou a ele e aos demais apostólos para a propagar e reger (cf. Mt 28,18-20), levantando-a para sempre como coluna e fundamento da verdade (1Tm 3,15)" (Constituicao Lumen Gentium n° 8, Unitatis Redintegratio n° 4), Assim vé-se que o livro comeca um tanto indefinido ou talvez... com medo de dizer claramente a verdade... — Isto redunda em algo muito im portante, a saber:
2. Omissoes
A índole vaga do título exprime bem o conteúdo da obra, que, de mo do geral, se apresenta superficial ou mesmo omissa em pontos importantes; o autor silencia certos temas de peso, como, por exemplo: a) a justica original, o pecado dos primeiros pais e o pecado original ñas criancas. Nem mesmo quando trata do Batismo (pp. 110-114) o autor se refere explicitamente ao pecado original. Entre os efeitos do Batismo enun cia "o perdao dos pecados, no adulto, em conseqüéncia do arrependimento, da profissao de fé em Cristo" (p. 112). Ora a doutrina da elevacao do nomem a filiacao divina (ordem sobrenatural) e a queda dos primeiros pais sao de valor fundamental na mensagem da fé; elas inspiram a antítese paulina entre o primeiro e o segundo Adao (Rm 5, 12.18; 1Cor 15,21 s), foram obje to de múltiplas definicdes da parte de Concilios através dos sáculos; e sao professadas pelos documentos do Concilio do Vaticano II (cf. Lumen Gen tium 2; Dei Verbum 3; Gaudium et Spes 13, Apostolicam Actuositatem 7...) assim como no Credo do Povo de Oeus redigido por Paulo VI em 1968. Nao há, pois, como omitir este artigo numa sin tese da doutrina cató lica. b) a dirtincao dos pecados em graves (moríais) e leves (veniais). Nao há sequer, no livro, urna definicáo de pecado, tema, hoje em dia, de grande atualidade catequética, pois muitos perguntam: "Que é o pecado?" O autor trata das virtudes, sim (pp. 83-96), mas nao do pecado nem dos vicios. Mes mo ao abordar o sacramento da Penitencia, o livro nao apresenta a noció e as divisoes de pecado.
c) a obrigacao de Mitsa nos domingos e diaj santos de guarda, reafirmada recentemente pelo Código de Oireito Canónico (canon n° 1247), ver pp. 236s deste fascículo. Também nada se encontra na obra sobre os demais preceitos da Igreja. 208
"Sl'NTESE DE RELIGIÁO CRISTA"
17
d) a Virgindade perpetua de María ou a questao dos "irmábs de Jesús" nao é mencionada, embora o autor afirme que María concebeu virginalmente e nos fale de "María Virgem" (pp. 28s). A pericia exegétíca do Pe. Dattler nao teria dificuldade para estudar os textos que falam dos "irmSos de Jesús" e mostrar que eram primos do Senhor, ou seja, filhos de Cleofas, irmao de Sao José.
e) O purgatorio, estágio postumo (sem fogo), em que o cristáo se li berta das escorias do pecado com que tenha morrído, exercitando um amor mais intenso e coerente a Deus e um repudio mais radical ao pecado. 3. Antropología Ao tratar da origem da especie humana, Oattler é ambiguo. Admite a evolucao, mas nao a delimita claramente. Eis os seus dizeres:
"Esta criacao (do homem) tornou-se um fato, paulatinamente, dentro da evolucao (pré-)histórica da especie e se concretiza na geracao dos indivi duos subseqüentes"... "A criacao da alma intelectual e ¡mortal ¡á está //?• clufda no ato criador inicial" (p. 24). . Que signifícam estas afirmacoes? Carecem de nitidez.
Na verdade, deve-se distinguir entre corpo e alma do homem. 0 corpo pode provir, por evolucao, de materia viva preexistente; mas a alma humana é criada d i re t amen te por Deus para cada individuo concebido no seio de sua mSe; corpo e alma tém orjgens distintas, pois aquele é material, ao passo que
esta é espiritual. Ver Pío XII, Encíclica Humani Generis n° 35. Em relacao com este tema, acha-se o da ressurreicao dos mortos. O autor parece insinuar que Jesús, como homem, ressuscitou logo após morrer;
terá passado do tempo para a eternidade, onde nao há sucessáo de dias. O Pe. Dattler, ao falar da ressurreicao dos homens em geral, nao entra na ques tao do momento em que ela se dará (no fim dos tempos ou logo após a morte?); á p. 40 insinúa que ocorrerá no dia da morte do individuo. — Ora ó certo que a tese da ressurreicao logo após a morte nao condiz nem com a fi losofía clássica nem com a doutrina da S. Escritura e da Igreja. Com efeito; nenhuma criatura passa do tempo para a eternidade; passam todos, sim, da
vida temporal para a vida ¡mortal do álém, vida que nao terá fim, mas nao é
eterna, pois eterno é Deus só ou o Ser que nao teve comeco nem terá fim1.
1
É verdade que Sio Joao fala repetidamente de "vida eterna" (cf. Jo 4,14;
6, 40.51,58; 10, 28; 12,25; 17, 2s...). Todavía o seu modo de exprimirse nao pretende ser rigorosamente filosófico; tem em vista apenas acentuar a imortalidade da alma humana. 209
18
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
O ser humano que deixa o tempo, passa a ser regido pelo evo, que é sucessao de atos de conhecimento e vontade, ¡ndependentes da moldura de dia e noi-
te; cf. PR 260/1982, pp. 42-44.
A p. 63 o autor explica o que seja "eterno", mas omite o ponto nevrálgico que acabamos de assinalar. 4. O Sacramento da Penitencia
O Pe. Dattler parece relativizar a importancia deste sacramento por varios motivos:
a) afirma que o texto de Jo 20,22s se refere ao Batismo1... Nao ex plica, porém, por que o assevera, contradizendo ao Concilio de Trento e á Tradicao crista, que viram ñas palavras de Jesús a fundamentacao do sacra mento da Penitencia com a confissao dos pecados; b) Dattler apresenta diversos meios, além do Batismo, para se obter o perdió dos-pecados (exercício da contricao, da caridade, leitura da Palavra de Deus...) e, por fim, menciona tambám o sacramento da Penitencia, sem dizer que é o recurso obrigatório para se obter o perdió dos pecados graves (cf. Código de Direito Canónico, canon 960), e sem mencionar a prática, tao recomendada pela Igreja, da confissao de devocao. Assim o leitor pode julgar que o sacramento é um meio a escolher dentre outros, de acordó com a pre
ferencia do interessado. A doutrina da Igreja sobre a Penitencia sacramental é deixada de lado ou mesmo mal vista pelo autor, que chega a dizer: "La mentamos, como desnecessárias, as regulamentacoes burocrático-jurídicas
da misericordia divina na Igreja latina" (p. 117). — Te ría sido importante expor claramente o pensamento doutrinário e as determinacoes pastorais da
Igreja neste setor (como em todos os outros abordados pelo autor), pois a doutrina da f&náo pode ser arquitetada e estruturada pelos exegetas bíblicos apenas segundo o seu bom senso; ela nos é revelada por Jesús Cristo através
da súa S. Igreja. Á p. 116 tem-se a ¡mpressao de que a fórmula proferida pelo celebran te no inicio da Missa ("Deus todo-poderoso tenha compaixao de nos...") tem eficacia para apagar qualquer pecado - o que é falso, pois recai apenas sobre as faltas leves ou veníais. 5. Divorcio Dattler observa que, conforme os autores do Novo Testamento, Jesús rejeita o divorcio {pp. 142s). Mas, ao considerar os textos de Mt 5,31$; 19,9,
1
"Jesús soprou sobre os Apastólos e Ihes disse: 'Recebei o Espirito Santo.
Aqueles a quem perdoardes os pecados, serio perdoados; aqueles aos quais os retiverdes, serio retidos'" (Jo 20J22s). 210
"Sl'NTESE DE RELIGIÁO CRISTA"
19
nao é bastante claro; teria sido necessário expor os sentidos que a palavra grega pornáia pode ter, em vez de conceder, como faz Dattler, urna brecha para o divorcio em caso de adulterio. - A palavra pornéia corresponde provavelmente ao aramaico zenut, prostituicao ou uniao ilegítima, como se encontra nos escritos rabi'nicos; designava toda uniao tornada incestuosa em
virtude de um grau de parentesco proibido pela Lei de Moisés (cf. Lv 18,620).' Tais unioes, contraídas legalmente pelos pagaos ou toleradas pelos judeus no caso de prosélitos, devem ter criado dificuldades nos ambientes judaico-cristaos, quando tais pessoas se convertiam. Por isto Sao Mateus in sinúa em 5,31 e 19,9 a necessidade de se romperem essas un¡6es irregulares, que nao eram sen So falsos casamentos. - Ver a propósito a nota da Biblia de Jerusalém ao texto de Mt 19,9. 6. Descida á mansáo dos morios
Dattler julga que a descida á mansáo dos mortos nada mais é do que o sepultamento de Jesús (cf. pp. 32s). Em conseqüéncia, o Símbolo dos Apos
tólos professaria duas vezes consecutivas que Jesús foi sepultado: "Foi cru cificado, morto e sepultado, desceu á mansáo dos mortos, ressuscitou ao terceiro día".
A posicao de Oattler é assaz radical; nada reconhece de específico no artigo do Credo em pauta. Tal nao é a posiclo da Tradicao crista. Já na dé cada de 60 a 1Pd 3,18-20 afirmava a descida de Jesús a mansáo dos mortos em termos que podem ser assim interpretados, segundo bons exegetas: Jesús, tendo morrido como homem, foi anunciar aos justos do Antigo Testamento a Boa-Nova da redencio realizada pela Cruz; estes aguardavam a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte para entrar no gozo da bem-aventuranca celeste (cf. Hb 11,39$; 12,23); ora Jesús Ihes terá comunicado o Evangelho da salvacáo. - Esta concepcáo aflora de certo modo também em outros textos bíblicos como: At 2,24.31; Rm 10,7; Ef 4,8s; Hb 13,20. A Tradicao crista exprimía a mesma crenpa em apócrifos como "Des cida de Cristo aos Infernos", "Declaracáo de José de Arimatéia", "Evange lho de Bartolomeu". Está claro que tais escritos sao, em grande parte, fan tasiosos, mas manifestam a consciéncia que os cristSos tinham de que, entre a sua morte e a sua ressurreicáo, Jesús terá anunciado aos mortos a derrota da morte obtida na Cruz (entre outros textos, o de Mt 27,52s pode ser en
tendido neste sentido). O Catecismo Romano, cap. VI (comentario do 5?
artigo do Símbolo dos Apostólos), retoma a clássica doutrina da "descida de
Jesús á mansáo dos mortos".
1
Tratase de prescrícoes minuciosas, que o leitor lera com interesse nos
versículos indicados.
211
20
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
CONCLUSÁO Nota-se que o Pe. Dattler pouco utilizou os documentos do magis terio da Igreja para a elaboracao da sua si'ntese: valeu-se, muitas vezes, de textos bíblicos interpretados de maneira pessoal ou própria, quando haveria que levar em consideradlo a doutrina da Igreja desenvolvida mediante os Concilios e declaracoes através dos sáculos.
O Cardeal Joseph Ratzinger, numa famosa conferencia proferida a respeito de catequese em nossos dias, refere-se precisamente as escolas que
tencionam apresentar a doutrina da fé a partir da Biblia separada do seu am biente originario e concomitante que é a Palavra oral e viva, transmitida de geracao em geracao dentro da Igreja. Tal método leva fácilmente ao protes tantismo ou, melhor, ao esfacelamento da mensagem do Cristianismo, pois cada intérprete da Biblia, em conseqüéncia, deduzirá do texto sagrado as
"proposicóes" que ele intuir subjetivamente, sem alguma baliza objetiva pa ra confrontar suas sentencas. Eis as ponderacoes do Sr. Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregacáo para a Doutrina da Fé:
"Chegamos assim ao ponto central de nosso tema, ao problema do lugar que ocupam as 'fontes' no processo de transmissao da fé. Com efeito, urna catequese que explicasse a fé, por assim dizer, diretamente a partir da Biblia, sem caminhar através do dogma, poderia pretender ser urna cateque
se especialmente derivada das fontes. Mas deu-se um fenómeno curioso. A impressao de autenticidade, provocada em umprimeiro momento pelo con
tato direto com a Biblia, nao foi duradoura. É certo que no comeco esse
contato com a Biblia infundiu muita fecundidade, beleza e riqueza á trans missao da fé: sentíase o aroma da térra da Palestina, revivíase o drama humano no qual nasceu a Biblia; tudo se fez mais concreto, humanamente mais verdadeiro. No entanto, logo apareceu a ambigüidade do processo que
J.H. Mohler, em seu Einheit in der Kirche, descreveu de maneira clássicahá cento e dnqüenta anos. O que a Biblia traz de belo, de ¡mediato, de irrenundável. Mohler o descreve assim:
'Sem a Escritura, permanecería oculta para nos a forma própria das palavras de Jesús; nao saberíamos como falava o Filho do Homem, e creio que nao poderia continuar a viver se já nao O ouvisse falar'. Mas Mohler sublinba ¡mediatamente a razao pela qual a Escritura nao
pode ser separada da comunidade viva, único lugar no qual a Escritura pode ser a Escritura. Mohler, com efeito, continua:
'Mas, sem a Tradicao, nao saber íamos quem é que ali falava, nem o que é que pregava, e a alegria que fluí de seu modo de falar desaparecería no 212
"SINTESE DE RELIGIÁO CRISTA"
21
mesmo instante'1. O processo que sofre urna catequese que se quer basear apenas no es-
tudo das fontes literarias é descrito também - numa perspectiva totalmen te diferente-na Geschichte der Leben-JesuForschung de Albert Schweitzen
'É curioso o que sucedeu na investigado sobre a vida de Jesús. Essa investigacio partiu na busca do Jesús da historia, e creu que poderia voltar a colocá-lo em nosso tempo tal como era, como Mestre e Salvador. Tal investigacao desfez os vínculos que, há séculos, o uniam ao ensinamento da Igreja, e alegrou-se quando sua silhueta voltou a tomar vida e movimento e ao ver que o Jesús histórico vinha de novo ao seu encontró. Mas eis que, ao chegar, nao se deteve: passou ao largo do nosso tempo e retornou ao seu'. -
Na realidade, este processo, cuja evolucao teológica Schweitzer pensoü ter findado há quase um sáculo, repete-se sempre de forma nova e com varia das modificacoes na teología e na catequese modernas. Isto porque os docu mentos que se quer ler sem outro intermediario além do pensamento histó
rico, afastaram-se, por isso mesmo, do histórico. Urna exegese em que a Bi
blia nao vive e nao é compreendida noea partir do organismo vivo da Igreja, tornase necrofilia: monos que enterram outros morios.
Isto se percebe, concretamente, no fato de que, nesta perspectiva, a Biblia desaparece como Biblia, para nao ser mais que urna colecao de livros heterogéneos. Daia pergunta: como situarse nessa literatura, e com que cri terios escolher os textos para construir a catequese? A rapidez com que evoluiu o processo se vé, por exemplo, na seguinte proposta, feita recentemente na Alemanha, através da carta de um leitor a urna revista: imprimir ñas no vas edicoes da Biblia em tipos pequeños o que está condicionado pelo tem po e superado e, destacar, ao contrario, o que continua vigente. Mas o que
está vigente? 0 que esté superado? Afina! de contas, decide o gosto de cada um, e a Biblia seré o instrumento perfeito para dar autoridade a nossos proprios caprichos."
:
A metodologia adotada prejudica seriamente o livro de Dattler, que
nao pode ser tido como expressao completa e plenamente fieLdadoutrina
1 J.H. MÓHLER, Die Einheit in der Kirche, edició'J.R. GEISELMANN, Darmstadt, 1957, p. 54. 213
Ecos de um livro candante:
"O Espirito e o Feminino. A Mariologia de L. Boff por J.M. Hennaux S.J.
Em síntese: O teólogo belga Pe. J.M. Hennaux S.J. escreveu urna recensao do livro de Leonardo Boff sobre a "Ave-María" (publicado em tra-
ducao francesa). Observa que o teólogo franciscano propde a uniao hipostática do Espirito Santo com María, á semelhanca do que aconteceu entre o
Verbo de Deus e a humanidade de Jesús; María sería a encarnacao do Espi
rito Santo, como Jesús foi a do Filho de Deus. Ora este paralelismo tem con-
seqüéncias graves para toda a teología trinitaria. Com efeito; Sao Paulo afir ma que o Pai é o Principio de quem tudo provém. 0 Filho é Aquele por quem tudo nos provém do Pai; e o Espirito Santo é aquele em quem vive mos a vida do Pai e do Filho (cf. I Cor 8,6; Rm 11, 36; Ef 1,3-14; 3.20s;
2Cor 13,13). Com outras palavras: o Filho procede do Pai; o Espirito Santo
procede do Pai e do Filho ou pelo Filho (cf. Jo 14,16s.24.26; 15,26; 16,7). Dai nSo se poder dizer que o Espirito é a Mié Divina de Cristo ou que o Es pirito se encarna em María.
Vé-se que L Boff faz urna re-leitura da mensagem da fé a partir de urna premissa de outra ordem ou de ordem social: a emancipacao e a exaltacao da mulher. A Teología da Libertacao é aplicada ao caso, e aparece mais urna vez como teoría sócio-politica que provoca urna re-leitura das verdades
da fé em chavé heterogénea. Isto significa simplesmente a subordinacao da
mensagem crista a principios de índole sócio-politica ou um desvirtuamento
total da revelacao crista. Esta há de ser /ida e estudada na sua objetividade, sem preocupacoes heterogéneas; as suas conclusoes de ordem ética serio suficientemente exigentes para provocar a remocao das in/usticas sodaís.
O Pe. J.M. Hennaux S.J. publicou na Nouvelle Revue Théologique n9 109 (1987), pp. 884-895 uma recensao do comentario de Frei Leonardo Boff sobre a Ave-María em traducao francesa intitulada "Je vous salue,
Mario. L'Esprit et le Féminin" (París, Cerf, 1986). é importante ao público
brasileiro conhecer os termos em que é avaliada a Mariologia do teólogo bra214
"O ESPfRITO E O FEMININO"
23
sileiro fora do ambiente latino-americano; urna opiniáo nova, de quem olha
com a presumível objetividade da distancia, pode contribuí'' para ajudar a reflexáo dos estudiosos no Brasil. Eis por que vem apresentada ñas páginas seguintes a traducao brasileira do artigo do Pe. Hennaux S.J.; este supoe certos conhecimentos de teología; por isto nao será de fácil leitura, mas o seu significado geral será percepti'vel aos leitores de PR, que poderao dispen sarse de ler as notas de roda-pé.
I. O TEXTO* "Leonardo Boff consagrou varios escritos á Virgem Maria. Um destes,
o comentario da Ave-María, acaba de ser traduzido para o francés1. Redigido com fervor e bem documentado, este livro utiliza correntes muito ricas: a
Escritura, a Liturgia, a Patrística (principalmente a oriental), a Teología Dogmática, a Mística e a devocao popular. A relativa brevidade do livro nao nos deve engañar. De fato, a partir de urna intuicao profunda e segura - a da
uniao muito especial entre Maria e o Espirito Santo —, o autor desenvolve proposicoes audaciosas, capazes (segundo ele) de renovar a Mariologia, e que tocam pontos nevrálgicos do atual debate teológico: o misterio trinitario, Maria e o Espirito, o feminino de Deus, o feminino do homem, a mulher. Apresentaremos nossas reflexoes em torno dos temas teológicos que nos pa-
recem mais importantes, mesmo que tenhamos que deixar de lado aspectos
¡nteressantes da obra2.
1. A uniao de Maria e do Espirito Santo A intuicao mariológica central de L. Boff é a da uniao, absolutamente
única, existente entre Maria e o Espirito Santo3. Maria é a 'contemplada'; á
* As chapóes do livro de L. Boff referem-se á edicao francesa. (Nota do tradutor).
1
L. Boff. Je vous salue, Marie. L'Esprit et le féminin, traduzido do portu
gués por Christine e Luc Durban, Colecao "Théologies". París, Cerf 1968, 15x24,92pp.
2
Desde que nao naja indicacao contraria, serio do comentador os grifos
ñas frases citadas do livro em foco.
3
Na encíclica Redemptoris Mater, Joio Paulo II comenta a expressao
'cheia de graca' (Le 1,28} á luz das béncaos espirituais com que fomos aben-
coados no céu em Cristo (Ef 1,3): 'No misterio de Cristo, María está presente desde antes da fundacao do mundo; é ela que o Pai escolheu como Mae de seu Filho na Encamacao — e, ao mesmo tempo que o Pai, o Filho a esco lheu, confiando-a desde toda a etemidade ao Espirito de santidade' (nP 8).
No cap. VIII da Lumen Gentium, consagrado á Virgem Maria, o Concilio do Vaticano II enfatiza mais de urna vez a uniao de Maria com o Espirito
215
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
luz de Le 1,35 {'0 Espirito Santo descera sobre ti') e do misterio da Imacu
lada Conceicáo, é preciso dizer que o que define María e faz sua identidade e seu nome próprio, é o fato de ser 'o templo do Espirito' (p. 36); ela foi
constituida 'templo do Espirito, tabernáculo escatológico e santuario defi nitivo, táo real e radicalmente que ela se viu um dia a ele unida de modo incomparável' (p. 13). O autor tem consciéncia, neste ponto, de ¡novar, ao menos parcial
mente: 'Defendemos a hipótese (que nao é a doutrina oficial da Igreja) de que existe urna relacao ontológica entre a pessoa divina do Espirito Santo e
María, de tal modo que esta-se torna realmente (sem metáfora nem eufemis mo) o templo do Espirito' (p. 36). Esta relacao ontológica, L. Boff tenta, em varias passagens, descobri-la melhor e maravilhar-se com ela. Todavía cabe perguntar se ele nao está de-
mais interessado em concebé-la segundo o modelo da Encarnacao e em para lelismo com ela: 'O Espirito se pneumatizou em María, ¡sto é, tomou forma humana; ergueu sua Tenda (chekiná) em meio a nos na pessoa de María, co mo o Filho a ergueu entre nos em Jesús de Nazaré (p. 36); 'María personifi ca o Espirito Santo' Ip. 39); 'O Espirito... tomou corpo na bem-aventurada Virgem María' (p. 47); 'Como o Filho, o Espirito parece ter, ele também, urna missao particular e urna personifícalo plena' (p. 59) 'De certo modo (L. Boff usa esta expressao entre parénteses), o Espirito se auto-realiza numa dimensao distinta da dimensáo intratrinitária (uniao do Pai edo Filho), assumindo como sendo sua a natureza humana de María' (p. 59); 'Existe urna comunicacao realmente única do próprio Espirito Santo a María, táo concreta e real quanto a comunicacao do Filho eterno a Jesús de Nazaré.
(continuacao da pág. anterior) Santo. O Condiio lembra que o Filho de Deus 'tomou carne na Virgem María por agio do Espirito Santo' (nP 52); ela é 'a Mié do Filho de Deus e, por conseguinte, a filha predileta do Pai e o santuario do Espirito Santo' (n9 53); 'nada há de estranho... em que se tenha implantado entre os Santos Padres o costume de chamar a Mié de Deus a Toda Santa, isenta de toda mancha de pecado, tendo sido plasmada pelo Espirito Santo e formada co mo nova criatura' (n° 56); 'Deus, querendo que o misterio da salvacao dos homens só se manifestasse abertamente no momento em que Ele derramaría o Espirito prometido por Cristo, vemos que os Apostólos, antes do dia de Pentecostés, perseveravam unánimemente na orafio com algumas muiheres, entre as quais María, Mié de Jesús, e com seus irmSos, e vemos María impe trando com suas oracoes o dom do Espirito, que, na Anunciacao, ¡á a recobríra com a sua sombra' (nP 59); 'por sua fé e sua obediencia ela gerou na térra o Filho do Pai, sem perder a sua virgindade, envolvida pelo Espirito Santo' (n9 63). 216
"O ESPI'RITO E O FEMININO" (pp. 67s), finalmente, L Boff objeta o seguinte ao Pe. Manteau-Bonamy: 'Segundo este autor, o Espirito Santo nao assume a carne da Virgem como o
Filho assume a carne de Jesús' (p. 74)4. Essa concepcáo, que assemelha demais a un i lo de María com o Es pirito a urna encarnacao do Espirito em Maria, nao é a melhor, eremos, pa
ra explicar a 'relacao ontológica' (plenamente aceitável) existente entre a
Virgem Maria e a Terceira Pessoa. Nao se deveria continuar a dizer com J. Monchanin5, que o Espirito Santo é 'Sem Forma'? E isto, a fim de que seja preservado o seu misterio essencialmente multiforme e seja considerado como totalmente relativo á 'Forma' única da Revelacáo, o Logos. Nao deve o Espirito Santo ser considerado como 'sem semblante' para quenele veja
mos a luz que nos permite contemplar o semblante do Filho Único? De
resto, se L. Boff tem razao ao considerar Maria como termo de urna missao
do Espirito Santo, o fato de se conceber essa missao em paralelismo cons tante com a Encarnacao nao equivale a considerá-la como algo de extrínseco
á missao do Verbo e nao intrinseco? Enfim Jesús nao deve ser reconhecido como o primeiro pneumatóforo na historia da salvacao? E será licito fazer da Encarnacao, acontedmento único, urna especie da 'analogante' que tenha seu 'analogado'?
2. Maria á altura de Deus
Conceber a uniao de Maria e do Espirito Santo segundo o modelo da unilo hipostática suscita um problema, como acabamos de ver. A pneumati4 Cf. H.M. Manteau-Bonamy O.P., La Viorge Marie et le Saint-Esprit. París, LethielleuK 1972, 2a ed., aumentada. Urna das diférenlas entre ManteauBonamy e Boff é esta: ambos véem na Anunciacao urna missao visivel do Espirito Santo; para o primeiro, essa visibilidade é significada pela 'sombra da Shekinah' mencionada em Le 1,35;para o segundo, Maria éa visibilidade mesma do Espirito. s Em L'lrtde et la Contemplaron fDieu Vivant 3 [1945] 15-49), Jules
Monchanin fala do Espirito nestes termos: 'Pessoa nao circunscrita, que só aparece através das formas fluidas - o sopro, a agua, o vdo, o fogo, as meta-
morfoses. Pessoa que se percebe nao como o Verbo, mediante o visfvel, mas mediante os fenómenos espirituais, os carismas e, principalmente, o ágape, a comunhao dos santos, a misteriosa imanénda de todos em cada um e de ca da um em todos...' (p. 23s). 'A Trindade se consuma no Espirito, e o Espiri
to se manifesta ao mundo. Toda a sua personalidade vista através da sua epi
fanía é de metamorfose: a espiritualizacao do homem, do universo. As metamorfoses estao centradas pelo Ressuscitado e nele ... O Sem-Forma^través-de-Toda-Forma faz resplandecer o Toda-Forma' (p. 27). Pódese reco mendar também, do mesmo autor, Thóologie et Mystique du Saint-Esprit, em Dieu Vivant 23 (1953) pp. 71-76. 217
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zapfo do Espirito em María é quase totalmente descrita por L. Boff confor
me o modelo da Encarnapao do Verbo. Há, infelizmente, outros sinats de que o livro de Boff nao se preserva suficientemente do perigo de fazer de Maria urna deusa. Por certo, o autor afirma que, tudo o que ele atribuí a Maria, ela o recebeu por grapa e nao o possui por natureza. Mas o seu modo de falar nao é plenamente coerente com esta afirmacao.
'A Virgem foi visitada pelo Espirito Santo de maneira táo profunda e pessoal que isto implica urna real elevacao a altura divina' (pp. 65. 35. 36.69...)' 'Devemos dizer que a pessoa de Maria, assim como as diversas funcoes ligadas á sua realidade de muiher, se tornam divinas' (p. 68); Maria 'foi criada no Espirito de modo que ela possui com Ele urna eterna conaturalidade' (p. 75); predestinada desde toda a eternidade a ser um só Templo com o Espirito, 'Maria é nao somente o templo de Deus, mas o Deus do Templo' (p. 75). Esta parece ser a fórmula consumada para exprimir o mis terio de Maria, eternamente 'contemplada'. Tal fórmula nao leva em conta a diferenca ontológica abismal que existe entre Deus e a criatura, diferenca nao supressa pela divinizagáo, e que o Concilio do Latráo IV (1215) expri mía nos termos seguintes: 'Entre o Criador e a criatura nao se pode estabelecer urna semelhanca tao grande que ela nao implique urna dissemelhanpa maior ainda'. Leonardo Boff reflete sobre o plano da causalidade exemplar
de Deus com relagao á criatura (homem, muiher, masculino, feminino), mas
nao leva em conta suficiente o plano da causalidade eficiente58. 3. A natureza e a graca
Quando se fala da divinizapao do ser humano pela grapa do Espirito Santo, é bom distinguirmos entre existencia e esséncia, entre ato e natureza. 0 ser humano é ontologicamente transformado pela grapa, mas permanece
ser humano. 'A grapa nao extingue a natureza'. A esséncia do homem nao se torna divina; seu ato e seus atos sao elevados, mas sem perder a sua estrutura natural6. L. Boff nao faz essas distincóes.
sa Isto quer dizer que as criaturas se aproximan) de Deus grandemente pelo fato de trazerem a imagem (e a semelhanca) de Deus; tal é o caso do homem e da muiher. Mas essa proximidade ocorrente pela semelhanca nao nos deve levar a esquecer que o homem e a muiher sao criados, temporais, limitados, faUveis,... ao passo que Deus é incriado, eterno, infinitamente perfeito e infalível. (Nota do tradutor).
6 O homem justificado participa na natureza divina, mas ele nao muda de natureza; a sua esséncia nao se torna urna esséncia divina. Persiste a diferen ca ontológica da qual fala o Concilio do Latrao IV, que acabamos de citar. ■ 218
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Em Cristo as duas naturezas estáo unidas, mas sem confusao. A mesma regra vale para a Mariologia. Ora aquí L. Boff tende sempre a divinizar a essenda de María, isto é, o feminino. Ele o faz, porque quer mostrar que em María há urna assuncao divina do feminino. Nesse seu livro, com efeito, o
teólogo da libertadlo quer trabalhar em pro I da libertacao da mulher. "Co mo o masculino em Jesús é divinizado pelo Filho, o feminino em María é di vinizado pelo Espi'rito Santo' (p. 14); María 'pertence ao primeiro designio
do Misterio, que deseja divinizar o feminino mediante a assuncáo divina do feminino pelo Espirito Santo' (p. 70); 'confirmamos a hipótese segundo a qual María foi assumida pelo Espirito Santo, a fim de divinizar o feminino' (p. 71); 'o principio feminino... é divinizado e torna-se portador de Deus,
Templo vivo de Deus' (p. 77). Sem dúvida, todas estas proposicoes podem ter um sentido aceitável, mas, nao obstante, elas ficam sendo ambiguas. Por vezes parece que o feminino foi divinizado em María urna vez por todas e que existe no feminino como tal (o 'feminino', segundo L. B., ultrapassa os
termos da mulher; está presente no homem tambám) um elemento divino. Assim nao se corre o risco de esquecer que a revelacáo do feminino pelo Es pirito em Maria constituí urna vocacáo para a mulher e urna vocacáo sobre
natural? É muito certo, repitamo-lo, que consideremos María 'unida ontologicamente' (p. 77) ao Espirito Santo, mas é necessário enfatizar que a esséncia de Maria fica sendo a de urna criatura humana.
4. A concepcao virginal e a maternidade divina Semelhante confusao da natureza e da graca parece-nos existir, salvo
meliore iudiáo (a menos que alguám tenha melhor sentenca), na explicacSo da maternidade divina de Nossa Sen hora. Segundo L. Boff, esta deve ser ca
pacitada (por sua divinizacao) para gerar o divino. É a sua uniao com o Espi rito Santo que Ihe dá essa capacidade. O Espirito 'age nela de maneira tao profunda que Ele eleva as suas facuidades maternais a ponto que ela se torna a Mae de Deus' (p. 28). 'So Deus pode gerar Deus. Maria é elevada a essa al tura divina pelo Espirito, que faz nela a sua morada' (p. 36); 'a maternidade divina de Maria se apresenta como a conseqüéncia desta af¡rmacao: Jesús, o Filho de Maria, é Deus. Todavía podemos considerar esta verdade a partir de outro polo, o do Espirito Santo, sob a aca*o do qual Maria Virgem há de se tornar Míe' (p. 67). 'Qual deve ser acondicáode urna míe cujo Filho é Deus?
É preciso que seja elevada á altura divina. Assim o que déla nasce, só pode ser Filho de Deus (Le 1,35). A maternidade de Maria é divina em sua fonte, em si mesma, e nao apenas em sua conseqüéncia, pois o seu Filho é Deus' (p. 69).
O principio condutor do pensamento, neste caso, á que somente o di
vino pode gerar o divino, é preciso, portanto, que Maria seja divina para ser Mae de Deus.
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Todavía esta reflexao supoe que a Maternídade de María possa exercer urna causalídade real sobre a divindade do Filho, que ela concebe e poe no mundo. Ela deve ser Deus para gerar Deus. Tal nao era o modo de pensar do
Concilio de Éfeso. Segundo este, a maternídade de María nao tem por termo a natureza divina do Filho (esta é gerada na eternidade pelo Pai só) como também nao tem por termo a natureza humana de Cristo, pois a relacao de maternidade nlo tem por termo a natureza, mas a pessoa; María é mae da pessoa do Verbo Encarnado; eis por que ela deve ser dita Mae de Deus. L.
Boff mesmo cita estas af¡rmacoes do Concflio de Éfeso (pp. 66s), mas preci
samente esta explicacáo Ihe parece insuficiente. Para ele, a maternidade de María há de ser explicada também, se nao principalmente, a partir da su a uniao com o Espirito ou a partir da sua dívinizacao pelo Espirito. Notemos que esta verdade nao era estranha a certos Padres da Igreja, que afirmaram que María foi máe mais pela fé do que por seu corpo, fé que
Ihe provinha da sua divinízacao7. L. Boff cita esta conceppao patrística
(p. 61), quando fala da 'peregrinapáo de fé' de María, e nao quando tenta ex plicar sua maternidade divina. Segundo L. Boff, a funcao materna, a própria maternídade é divinizada (ver principalmente p. 68: María, 'com todas as suas capacidades maternais, é assumida por Deus Espirito Santo. Este trans forma a sua maternidade em maternidade divina'; e p. 74$: quando o autor
diz que o Espirito assume a carne de Maria, ele quer dizer, a quanto parece, que Ele assume a funcao materna de Maria para divinizá-la). Encontramos aqui de novo o que diziamos atrás: a divinizacao do feminíno como tal. Por tan to, segundo L. Boff, nao é somente em funpao da sua fé, da sua esperanpa e da sua caridade teológica que Maria colabora para a Encarnacao do Fi lho de Deus, mas também em funpao de urna eleva gao e divinizapao do seu
7 Esta idéia está presente em Lumen Gentium (c. VIII): 'A Virgem María... por ocasiSo da AnunciacSo do An/o recebeu o Verbo de Deus tanto no seu coraqao como no seu corpo' (53); 'aprouve ao Pai das Misericordias que a Encarnacao fosse precedida por urna aceitacao da parte dessa Mae predesti nada' (56); 'concebendo o Cristo,... ela prestou á obra do Salvador urna cooperacao absolutamente sem igual mediante a sua obediencia, a sua fé, a sua esperance, o seu ardente amor' (61). Sob a acao do Espirito, Maria concebeu espiritualmente o seu Filho antes de O conceber cama/mente. Ou meIhor: ela só exerceu a sua atividade corporal de conceber no interior da sua concepcao espiritual, isto é, a partir da fé pela qual ela meditava, aderindo,
com todo o seu ser, á revelado do Filho de Deus que Ihe fora feita. Daía
importancia da 'mensagem' que Ihe foi dirigida, no relato da AnunciacSo. Esta fé é evidentemente inseparável da sua esperanca e da sua caridade. Maria concebe o Verbo com toda a sua alma, antes de O conceber corporaímente. Boff nao tem idéia exata das relacoes da alma e do corpo. 220
"O ESPI RITO E O FEMININO"
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corpo feminino. Esta elevapao substituí a causalidade eficiente de Deus (a criapáo da humanidade do Verbo}, professada tradicionalmente, explicapao
que, alias, considera a alma como o único sujeito possível da grapa divina (esta pode, sem dúvida, transbordar sobre o corpo mediante a alma). Con forme L. Boff, o corpo feminino de María, assumido pelo Espfri.to Santo, torna-se capaz de gerar Deus. Este gerar já nao é propiamente 'milagroso' no sentido da Tradipao, que sempre considerou a concepcao virginal de Ma
ría como urna ¡ntervencao milagrosa de Oeus Criador8. O autor nao faz in-
tervir a apao criadora de Deus. Ele nao pensa no Deus que cria, mas no Deus que diviniza. Urna vez admitido que o Espirito tenha assumido a carne de
María, este gesto produz o seu fruto natural: a conceppáo do Filho de Deus. Esta conceppáo, se podemos dizer, nao seria senSo urna conseqüéncia nor
mal do assumir a carne de María por parte do Espirito Santo, é bem neste
sentido que L. Boff quer interpretar o dio kai de Le 1,35 ('0 Espirito Santo vira sobre ti. . .; eis por que, dio kai, aquele que nascer será chamado Filho de Deus').
Vé-se: para L. Boff, a conceppáo virginal é o efeito aa pneumatizapáo do Espirito em María, ou seja, efeito da assunpao da carne de María pelo Es pirito ou, ainda, da divinizapáo de sua capacidade maternal. Ela nao é o efei to - além da gerapao do Filho pelo Pai no seio de María e da assunpao da
carne pelo Verbo - de urna apao criadora das Tres Pessoas9. Dissemos: o au
tor negligencia este aspecto de causalidade eficiente milagrosa, habitualmente atribuida de modo especial ao Espirito Santo, visto que a razao da con ceppáo virginal está no amor. L. Boff quer ultrapassar este plano da atribuípao e fálar de urna missio do Espirito Santo. Damos-I he razio neste ponto (voltaremos a isto), mas a sua teología poderia ajudar precisamente a com-
preender por que essa atribuipáo nao é arbitraría: ela nao o é em virtude da missáo do Espirito á Virgem María. A apio criadora comum ás tres Pessoas é, para o Espirito, intrínseca á sua missao, missao santif icadora de María e consecratória do Verbo Encarnado. Este aspecto de eficiencia, com a diferenpa ontológica que ele implica entre o Criador e a criatura, evita toda confusao entre a apao criadora do Espirito na conceppáo virginal e a apao de conceber
*
Por esta acao criadora de Deus na Encamado, entendemos a fundió de
Deus na formacao do corpo de Cristo e na crlacio da sua alma (reconhece-
mos que este modo de falar é deficiente: Deus nao cria um corpo e urna alma separadamente; Ble cria a humanidade). María concebe seu Filho se gundo o processo biológico de toda maternidade humana; neste ponto, a
concepcao de Cristo é algo de natural; todavía, por ser virginal, ela é mila grosa e sobrenatural. Sendo virginal, a concepcao atesta intervencao divina.
9
O ato pelo qual o Verbo assume a sua humanidade, contém o ato pelo
quat Ele a cria.
221
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de Maria. L. Boff nao conseguiu evitar esta confusáo, ao que nos parece. Quando dizemos no Credo: concebido do Espirito Santo, o ds nao designa a
causa material, mas sim a causa eficiente. É preciso consideremos a acáo do
Espirito Santo como urna agio espiritual, e nao como urna intervencáo psicof ísica. Outro sinal da confuslo feita por L. Boff está em que, para ele, o Es pirito é 'a mae divina do homem Jesús' (p. 750. Voltaremos a isto. ' Já que o Espirito assume a carne de Maria na maternidade divina, é da da urna dimensáo física á uniao da Virgem com a terceira Pessoa. Nao se cor
re entao o risco de favorecer urna interpretacao mitológica do 'casamento de Maria com o Espirito Santo' (urna única vez a expressao ocorre a p. 64, com 'casamento' entre aspas) no sentido das 'nupcias divinas' da antiguidade? Ao contrario, eremos que L. Boff tem razao ao querer completar a exe-
gese habitual, únicamente cristológica, de Le 1, 35, lendo neste versículo, com o Pe. Manteau-Bonamy, a afirmacáo de urna missáo do Espirito a Ma ría10. Mas esta exegese pneumatológicaí nao pode excluir a primeira. Sim; por que o Espirito é enviado a Maria? Para santificá-la em, vista da sua mater
nidade e para consagrar, com a sua missáo, desde a concepeáo, a carne assu mida pelo Verbo de Deus. Portanto a missao do Espirito está ligada á missáo do Verbo que se encarna. É: inseparável desta. O Espirito é enviado pelo Pai, que envia o Filho, e pelo Filho, que é enviado para se encarnar. Mais: a missao do Espirito a Maria como fruto da Redencao depende da Encarnacáo re dentora e da Cruz. Por conseguinte, nao há como separar a exegese cristológica e a pneumatológica de Le 1, 35, como tende a fazer L. Boff quando ele discute com H. Manteau-Bonamy, S. Lyonnet e L. Legrand (pp. 73s) ou quando ele escreve: 'Maria é Mae de Deus por duas razoes: primeiramente, porque é assumida pelo Espirito Santo, que diviniza a sua maternidade; em
segundo lugar, porque ela dá a vida ao Filho Eterno, que, Ele também, divi10 Na Anunciacao dá-se urna missao do Espirito a María, pois naquele mo mento a Virgem inaugurou a missao que devia ser a de toda a ¡greja: conceber, gerar e dar nome ao Cristo Jesús (cf. Le 1,31). Com efeito; a missao do Espirito é toda dirigida á missao da Igreja. Antes de se perceber em toda a sua profundidade, como fez Lumen Gentium, o liame do misterio de
Maria com o misterio da Igreja, também nao se podía reconhecer, na íntervenció do Espirito na Anunciacao, urna missao no sentido próprío da palavra. Lumen Gentium 59 explícitamente aproximou a missao do EspMto em Pentecostés e a vinda do Espirito na Anunciacao. Ad Gentes é mais explícita aínda: 'Foi em Pentecostés que comecaram os atos dos Apostólos, como
também foi pela vinda do Espirito Santo sobre a Virgem Maria que o Cristo foi concebido, e pela vinda do mesmo Espirito Santo sobre Cristo em oracao o Cristo foi levado a comecar oseu ministerio' (1,4). Ver também Presbyterorum Ordinis /// 18.
222
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31
niza a maternidade de sua mae' (p. 68). Na verdade, estas duas razoes sao
apenas urna, é importante nao quebrar a sua unidade. L. Boff a rompe, quan-
do afirma, por exemplo: 'a santidade de María nao se apresenta como sim ples reflexo da fonte de santidade que seria Jesús. María nao é a personificacao de um 'misterio da lúa' (mysterium Lunae), que recebe a sua luz de um 'misterio do sol' (mysterium Solis). A sua santidade é original, pois é a santi
dade do Espirito' (p. 60). Mais precisamente, o Espirito tem a sua origem no Filho. ..
A nosso ver, Leonardo Boff separa demais missao do Verbo, e missao
do Espirito, e a prioridade cronológica do Espirito tende a torñar-se assim
prioridade ontológica. Sabemos que ele poderia objetar-nos o seguinte: des de toda a eternídade, o Pai concebe seu Filho como dado ao mundo, como encarnado. Ele nao O pode conceber como Dom dado aos homens senao no
Espirito Santo, que é precisamente, em Deus, o Dom como tal. Sim; o Pai e o Filho se dao um ao outro no Espirito, que é o seu Dom mutuo em Pessoa. Sendo em Deus o Dom como tal, o Espirito Santo é principio de todo dom divino fora da Divindade. Ele é, com relacao a nos, diz S. Tomás, o dom primeíro. Ele aparece assim como quem está no principio de toda a dispensacao da grapa, ou na fonte do exercicio do Misterio de Deus na historia. É, pois, no Espirito que, desde toda a eternídade, o Pai concebe seu Filho co mo 'Cristo' (Salvador dado aos homens, ungido pelo Espirito). Aquele que, em Deus, é o Terceiro, e consuma assim o fluxo do Amor Trinitario, está no inicio de toda difusao que Deus faz para fora de Si.
Mas essa comunicacao de Deus (criacao e divinizaplo), precisamente por ser comunicacao de Deus, nao pode contradizer ao que Deus é em si mejmo na ordem das processoes eternas. Eis por que a ordem das missoes se
gué, lógica e ontologicamente, a ordem das processoes. Boff nao nos parece levar este principio em conta suficiente.
5. O Espirito, Divina Mae de Cristo No final do seu livro, L. Boff coloca a pergunta: 'Quando dizemos que María é assumida pelo Espirito e que o Espirito nela toma forma histórica, podemos concluir que o Espirito é a mae divina do homem Jesús?' (pp. 75s; grifado pelo autor). A esta questio responde: 'Cremos que isto se impoe ló gicamente' (p. 76).
L. Boff nao procura fundamentar essa maternidade do Espirito Santo ñas relacoes trinitarias eternas. Assim, por exemplo, Scheeben escrevia em
'Misterios do Cristianismo': 'A terceira Pessoa aparece em Deus como o in termediario entre o Pai e o Filho, de maneira semelhante á da mae, que apa rece como a intermediaria entre o pai e os filhos na sociedade humana. A
mae é o vinculo de amor entre o pai e o filho; em Deus, o Espirito Santo é o 223
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vt'nculo de amor entre o Pai e o Filho. A meé comunica ao f ilho a natureza
do pai, ela realiza a unidade entre o pai e o filho; assim o Espirito Santo faz
aparecer a unidade de natureza entre o Pai e o Filho, nao por comunicar ao Filho a natureza do Pai, mas porque Ele é o fruto da unidade e do amor re
cíproco do Pai e do Filho". Quando L. Boff diz que o Espirito é a Mae divi na de Jesús, 'ele entende urna maternidade temporal referente áhumanidade de Jesús, pois, na sua dimensáo eterna, a filiacao divina de Jesús nao se deve ao Espirito, mas ao Pai' (pp. 76s). Assim a filiacao de Jesús se deve ao Pai na sua dimensáo eterna, ao passo que, na sua dimensáo temporal, ela se deve ao
Pai e ao Espirito Santo12.
Notemos: como L. Boff admite que a maternidade de María teve parte na geracao da natureza divina de Cristo, assim ele considera que a maternida de do Espirito se exerce em relacao á natureza humana do Verbo encarnado.
Apesar da sua visao personalista, o autor quase nao raciocina a partir do
principio pessoal estabelecido pelo Concilio de Éfeso, mas reflete muito mais em funcáo das naturezas.
Chamar Jesús 'filho do Espirito' em virtude da cmcao da sua humanidade, da sua justificacio, da sua uncáo, da sua transfiguracao, da sua inspira-
cao, da sua ressurreicáo, é algo que ainda poderia ser compreendido13, mas 1' M.-J. Scheeben, Les Mystéres du Christianisme, traducao de A. Kerkvoorde O.S.B., París, Desclée de Brouwer 1947, p. 192. 12 Além do ponto de vista da eternidade e do ponto de vista do tempo, po
demos também considerar o ponto de vista da predestinacao. é neste plano que se sitúa o Pe. Manteau-Bonamy. O Pai nao gera o Filho no Espirito, mas é no Espirito (Amor e Dom, principio de toda a economía salvifica) que o Pai predestina ('concebe', diz também o Pe. M.-BJ o Cristo. Desde toda a
eternidade, o Pai vé seu Filho no Espirito como dado, como encarnado, co
mo Ungido ou Cristo, como Filho de María. O Espirito Santo, sendo o Amor no qual o Pai concebe ou predestina o Cristo, Ele pode ser chamado a 'concepcao ¡ncriada' do Cristo, isto é, o Amor no qual o Pai concebe o Cristo e no qual o Cristo é concebido como Cristo. O Espirito Santo é envia do pessoalmente a María na Anunciacao e se comunica a ela para que ela
possa ser no tempo o amor no qual o Pai pode gerar seu Filho. Por conseguinte. María é no tempo o que o Espirito é no plano da predestinacao. Co mo a missao visivel de urna pessoa divina é orientada é manifestacao dessa pessoa, María manifesta em nossa historia o que é o Espirito eterno. Ela é epifanía do Espirito. Visto que Cristo é predestinado no Espirito, a missao do Filho deve ser precedida, no tempo, por urna missao do Espirito.
13 Orígenes e S. Jerónimo citam sem criticar (num total de tres vezes) o Evangelho dos Hebreus, que, a propósito do Batismo ou da Transfiguracao 224
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33
que nao deixaria de ter graves contra-indicacóes. Sim; implicaría em se admi
tir no Cristo urna dupla filiacSo em relacao a Deus, e isto obscurecería a sua filiacao com referencia ao Pai. Os argumentos de S. Tomás contra urna paternidade do Espirito Santo em relacao a Cristo valem igualmente contra urna matemidade da terceira Pessoa (ver Suma Teológica III, qu. 32, a. 3). Mas é principalmente em virtude de ter sido concebido por María que
L. Boff considera Jesús dependente do Espirito como de urna mae: na rela cao mae-filho, há comunicacfo da substancia da míe ao filho; isto quer dizer, segundo L. Boff, que na concepcao virginal houve comunicacao, me diante a carne de María, da substancia do Espirito a Jesús, e que o Espirito fecundou María á guisa de um esposo (já que Jesús é, segundo a carne, filho do Espirito). Por conseguinte, a carne de María foi identificada com a subs tancia do Espirito Santo. — Encontramos aqui de novo o aspecto fisico da pneumatizacao do Espirito em María, a mistura de Deus e da sua criatura assim como a confusao da grapa e da natureza. Estes pontos sao, fora de dúvi-
da, inaceitáveis14.
6. A missao do Verbo e a do Espirito Fazer de Jesús o filho do Espirito redunda em inverter a ordem das missoes divinas. Estas missoes - vimo-lo atrás - o autor tende a concebé-las
em paralelo ou distanciadas, separadas urna da outra. L. Boff é levado a isto, eremos, pela sua idéia de que o Verbo e o Espirito se consideram mutuamen
te como o homem e a muiher; já nao sao intrínsecos um ao outro. — é bem
verdade que Deus criou o ser humano masculino e feminino, e que, por con
seguinte, a imagem de Deus é masculina e também feminina. é verdade também que se pode considerar o Espirito Santo como a personificacao do as
pecto feminino e maternal de Deusis. Mas dai nao se segué que o relacionamentó mutuo do homem e da muiher seja o ponto de partida para se conceber o relacionamento mutuo do Verbo e do Espirito. de Jesús, fala do Espirito como sendo a Mae de Cristo. L. Boff procura apoiar-se neles (p. 76).
14 Se María é a encarnacao do Espirito (ver o subtitulo I deste artigo), a carne de María é evidentemente a carne do Espirito e Jesús deve ser dito
filho do Espiritol
1 s Ver Joao Paulo II: 'O Espirito Santo... é o Amor do Pai e do Filho e, como tal, 6 o Dom trinitario, sendo ao mesmo tempo a fonte eterna de toda a liberalidade divina feita ás criaturas. Nele precisamente podemos conosber como personificada e realizada de maneira transcendente a misericordia' (Ene. Domínum et Vivificantem n9 39). 225
34
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988 A antropología de L. Boff sugere urna teología da pericorese, poís eia
reconhece a presen pa do feminino no homem e a do masculino na mulher.
Ao contrarío, porém, o autor, ao menos duas vezes, fala da primeira Pessoa da Trindade designando-a indiferentemente como 'Pai e/ou Mae de
infinita ternura' (pp. 34 e 57). Há cortamente no Pai um aspecto maternal16, mas nao convém colocar no mesmo plano o aspecto paterno e o materno do
Pai. Jesús sempre chama Deus seu Pai; nunca o interpela como sua Mae. Isto deve ter algum peso teológico.
Receamos que a problemática da complementaridade dos sexos e das diferencas sexuais, assim como a preocupagao com a igualdade dos sexos, tenham imposto a L. Boff límites estreitos demais na sua pesquisa teológica.
Nao basta pensar Deus a partir do homem e da mulher; é preciso também
pensar o masculino e o feminino a partir de Deus e sob a luz de Deus11. 7. Para concluir
A convergencia das observares que apresentamos, mostra que, ñas citacóes que fízemos do livro de Boff, nao se trata de exageras momentáneos de linguagem, mas sim de urna teoría que se desenvolve com todas as suas conseqüéncias.
O autor professa urna diferenca essencial entre a 'pneumatízacao' do Espirito em María e a Encarnacao do Verbo em Jesús. Embora nao o diga em parte alguma, nao existe ¡dentidade de pessoa entre María e o Espirito Santo. A fórmula que exprime a unilo de María e do Espfrito, é, antes, a seguinte:duas pessoas numa só natu reza, feminina e maternal. O Espirito assu-
me plenamente a natureza humana de María, que é a forma humana do Espi rito. Lendo A Ave-Maria, pode-se pensar muitas vezes na palavra de outro
filho de S. Francisco, Sao Maximiliano Kolbe: 'A Imaculada revela o Espiri
to Santo'. María é epifanía e transparencia do EspCrito. É esta mesma intuí-
cao que L. Boff quer exprimir, mas ele nao retoma a fórmula de Kolbe (e de Montfort): 'María, esposa do Espirito'. Segundo Boff, o Espirito é mais 'es
posa' (p. 86) do que esposo. É considerado totalmente do lado da Igreja; é totalmente feminino.
16 VerJoio Paulo II, Ene. Dives ¡n Misericordia/!? 4s.
17 Ver M.-J. Scheeben, Les Myítéres..., citado na nota 11. p. 198: 'Esta idéia transfigurada e sobrenatural da mulher 6 menos urna imagem visfvel e independente que nos faz conhecer a terceira Pessoa Divina, do que um ref/exo ¡nvisfvel da esséncia do Espirito Santo, reflexo que só pode ser eom~ preendido por essa esséncia mesma'. 226
"O ESPI'RITO E O FEMININO"
35
Todos estes misterios slo teológicamente dif icéis. L. Boff teve o méri to de tentar penetrá-los. Ao preco de alguns erros, parece-nos. Esperamos
que ele possa repensar sua intuicáo e apresentá-la de maneira satisfatória. O seu ensaio mostra, em todo caso, que o teólogo brasileiro nao menospreza as
sendas do pensamento contemplativo e espiritual. Jean-Marie Hennaux S. J.
B. 1040 Bruxelles - Avenue Boileau 2"
II. REFLEXÁO FINAL A recensáo do Pe. Hennaux ao livro de L. Boff é nítidamente contra ria ás posicóes deste autor, sem agressoes pessoais. Em suma, o teólogo franciscano propoe a uniao hipostática do Espiri to Santo com María, á semelhanca do que aconteceu entre o Verbo de Deus
e a humanidade de Jesús; María seria a encarnapao do Espirito, como Jesús foi a do Filho de Deus. Ora este paralelismo tem conseqüéncias graves para toda a teología trinitaria. Com efeito; Sao Paulo afirma que o Pai 6 o Princi pio sem principio, de quem tudo provém; o Filho é Aquele por quem tudo nos provém do Pai, e o Espirito Santo é Aquele em quem vivemos a vida do Pai e do Filho (cf. 1Cor 8,6; Rm 11, 36; Ef 1, 1-14;3. 20s; 2Cor 13,13). Com outras palavras: o Filho procede do Pai; o Espirito Santo procede do Pai edo Filho ou pelo Filho (cf. Jo 14,16s.24.26; 15,26; 16,7). Daínaose poder dizer que o Espirito é a Mae Divina do Cristo ou que o Espirito se en carna em María. Vd-se que L. Boff fez urna re-leítura da mensagem da fé a partir de urna premissa de outra ordem ou de ordem social: a emancipacao e a exaltapao da mulher. A Teología da Libertacao é aplicada ao caso, e aparece mais
urna vez como teoría sócio-politica que provoca urna re-leitura das verdades da fá em chave heterogénea; ora isto significa simplesmente a subordinacao da mensagem crista a principios de Índole sócio-politica ou um desvirtua-
mento total da revelapao crista. Esta há de ser lida e estudada como tal, sem preocupacóes sócio-políticas; as suas conclusoes de ordem ética serao sufi cientemente eloqüentes para provocar remocao das injusticas sociais. Estas poucas reflexoes, contidas no artigo de Hennaux, evidencíam o porqué da recusa das teorías de L. Boff por parte do magisterio da Igreja.
227
Um livro polémico:
"Por que deixamos a Batina" por Syr Martins
Em símese: 0 livro de Syr Martins traz pretensos depoimentos de sa cerdotes e Religiosos que se passaram para o Protestantismo, e apresenta "fíazoes pelas quais nao sou católico romano". - A primeira cautela a to mar diante de tal obra é averiguar até que ponto os casos citados sao históri
cos e reais; atualmente a literatura polémica protestante é de tao baixo ni vel que recorre a inverdades e distorcoes; o próprio Syr Martins faz á Igreja Católica acusacóes baseadas em caricaturas. — Nos casos reais, é de notar que muitos dos que se passaram para o Protestantismo, talvez o tenbam feito por motivos disciplinares, e nao por razoes doutrinárias, pois é mais fácil ser protestante do que ser católico. Além disto, deve-se frisar que quem se passa para o Protestantismo, nao se converte ao Evangelho puro ou depura do, como insinúa S. M., mas converte-se á interpretacao do Evangelho dada por Lutero, Calvino, John Knox nos sáculos XVI/XVIII, deixando de lado a Tradicao viva do Cristianismo que bercou e acompanhou o Evangelho, a partir de Jesús Cristo e dos Apostólos. - Assim o livro de S. M. é de pouco valor histórico e doutrinário. *
*
*
Infelizmente certos livros polémicos exigem resposta. Os leitores de PR a solicitam, pois percebem os efeitos de tais escritos. Tal é o caso do li vro de Syr Martins, pastor batista que apresenta, como diz, "depoimentos de dezenas de Padres e Freirás que deixaram o Catolicismo Romano" sob o tí tulo "Por que deixamos a Batina". Esta obra saiu em sua quarta edicao no ano de 1988, com um apéndice intitulado "Por que nao sou Católico Ro mano?" (alias, sem paginapao).
A leitura deste livro sugere algumas ponderacoes.
1. Fidelidade histórica? Os casos de padres e freirás aduzidos por Syr Martins mereceriam inves-
tigacáo para se apurar o grau de historicidade dos mesmos. Com efeito; atualmente a literatura protestante no Brasil mais de urna vez tem apelado para mentiras, distorcoes, meias-verdades...; a paixao e a hostilidade sao tío fortes que obcecam a razao. Os protestantes nao estudam o Catolicismo, 228
"POR QUE DilXAMOS..."
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nem para poder atacá-lo, mas combatem-no na base de generalizacóes, preconceitos e numerosas inverdades; repetem chavóes cujo conteúdo eles mal conhecem. . . Em PR já tivemos a oportunidade de apontar exemplos distover 295/1986, pp. 552-563.
O próprio livro de Syr Martins é portador dessas inverdades. Assim,
por exemplo:
No Apéndice (sem paginacáo. . .!), diz que a Missa "tira do inferno as
almas" - o que é falso (ver "Missa e Transubstanciapáo").
Ai também (título "Idolatría") atribuí aos católicos a adoraclo de pessoas e coisas que eles nao adoram. - Só adoramos a Deus. Pode um cristao, de boa fé, afirmar que os católicos adoram ídolos, quando precisamente toda a historia da Igreja é palmilhada pela figura de heróis e mártires que morreram para nao adorar ídolos?
A afirmacao "Béncáos papáis sao maldicoes" é comentada e desmasca rada neste fascículo, pp. 232-5. Baseia-se no texto de Mt 2,2, erróneamente interpretado, sem recurso aos origináis e ao respectivo contexto, de modo que o autor faz a Biblia afirmar o que ela nao afirma.
Quando fala do celibato, o autor cita os textos bíblicos que convém á sua tese e toma o cuidado de nao mencionar ICor 7,25-35 (em que o Apos tólo recomenda o celibato).
Quando trata da Eucaristía, nao cita urna vez os textos em que Jesús diz que o pao é seu corpo e o vinho é seu sangue (cf. Mt 26,26-28; Me 14, 22-25; Le 22,19; 1 Cor 11, 23-25.
Ao falar de Ecumenismo, o autor diz que nao há textos bíblicos que o recomendem, esquecendo-se de Jo 10,16 ("um só rebanho e um só pastor"), Ef 4,3-6 (urna só fé, um só Batismo, um só Corpo, um só Deus").
Em suma, todo o Apéndice "Por que nao sou Católico Romano" é urna caricatura do Catolicismo, cuja doutrina e cuja historia sao tendenciosa mente desfiguradas para poder ser escarnecidas. Quem lé essas páginas, veri fica que nao decorrem de um estudo objetivo e sereno do que é realmente o Catolicismo. A propósito pode-se ler o livro "Djálogo Ecuménico" de E. Bettencourt (Ed. Lumen Christi, C. p. 2666, 20001 Rio, RJ).
2. Converteram-se ao Evangelho puro? Quem passa do Catolicismo ao Protestantismo, nao "se converte ao Evangelho", como repetidamente insinúa Syr Martins, mas converte-se a urna interpetacao humana do Evangelho, ou seja, á interpretacao que ao Evangelho foi dada ou por Lutero ou por Calvino ou por Knox (presbrteria229
38
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
no) ou por John Smyth (batista), ou por John Wesley (metodista) ou por
Joseph Smith (mórmon) ou por William Miller (adventista) ou por Charles Parham (pentecostal)...
O Evangelho é sempre o mesmo para todos os cristaos. Ele existe tan to no Catolicismo como em qualquer denominacao protestante. Todavia no Catolicismo ele é lido dentro da Tradicao oral que o bercou e o acompanha
- a Tradicáo iniciada por Jesús Cristo e pelos Apostólos -, ao passo que no Protestantismo o Evangelho é lido dentro da tradicáo que no sáculo XVI Lutero, Calvino, Knox ¡niciaram, ou dentro da tradicao a que John Smyth e outros fundadores posteriores deram origem: enquanto os luteranos e os cal vinistas batizam enancas e as batizam por infusao, os batistas só batizam jovens ou adultos e por ¡mersao. Por qué? - Nao por causa do Evangelho, que é o mesmo lá e cá, mas por causa da tradipáo derivada do fundador humano seja do Luteranismo, seja da corrente batista...
Com outras palavras: o Evangelho nunca é lido fora de urna corrente viva de pensamento; ora, no Catolicismo essa corrente viva é a que Jesús ¡niciou e entregou aos Apostólos, garantindo-lhes a assisténcia infah'vel para que conservassem íntegro o depósito da fé (cf. Mt 28, 18-20; Jo 14,26;
16,13). Ao contrario, no protestantismo a tradipáo que ilumina o Evangelho 6 a que tem inicio com o respectivo fundador humano nos sáculos XVI/ XVII ou depois, bem distanciada de Jesús e dos Apostólos. Donde se vé quanto é falso dizer que quem se faz protestante ou batista "se converte ao Evangelho e segué tao somente o Evangelho"; na verdade. . . converte-se a um modo humano de entender o Evangelho, desarraigado das origens do Cristianismo.
3. Maus católicos se fazem protestantes Seria preciso averiguar quais as razoes que levaram padres e freirás pa
ra o Protestantismo, nos casos em que realmente isto tenha ocorrido. Verif i-
car-se-á talvez que muitos desses se fizeram protestantes nao por causa da doutrina, mas por razoes disciplinares e moráis. Sim; é mais fácil ser protes tante do que ser católico, de modo que tornar-se protestante é urna "saída
elegante" para quem tem problemas disciplinares dentro do Catolicismo.
Um protestante, por exemplo, nao tem obrigacao de Missa aos domingos, nem de Confissao sacramental, nem de celibato sacerdotal; se casado, pode recorrer ao divorcio (alguns diriam:. . . até ao aborto)... Se nao se dá bem em sua denominacao, pode passar para outra, fazendo-se presbiteriano, ba tista, pentecostal. . .; o protestante julga ter o magisterio do Espirito Santo dentro de si, de modo que recorre ao livre exame e nao precisa de obedecer a instancia superior que "contradiga ao seu Espirito Santo"; se é presbiteria no clássico, pode tornarse presbiteriano independente; se é batista calvinista, 230
"POR QUE DEIXAMOS..."
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pode tornar-se batista congregacionalista ou batista do livre pensamento ou ainda batista dos seis principios, batista tunker, batista campbellista... Se é luterano federado, pode fazer-se luterano dissidente (filiado ao Sínodo de Missouri, USA)...
é freqüentemente esse Vfaeilitárfo" que leva maus católicos ao protes
tantismo, e nao a "veracidade" da mensagem protestante. Por isto já se tem dito muitas vezes que sao os maus católicos que se tornam protestantes, ao passo que os bons protestantes se tornam católicos.
Poderfamos tecer urna longa lista de protestantes que se tornaram ca tólicos e descobriram o Evangelho na Igreja confiada a Pedro. Para nao citar muitos nomes e nao entrar na seara brasileira, lembramos o Cardeal John
Henry Newmann (1801-1890), o teólogo Pe. Louis Bouyer (contemporá neo), o ex-pastor Wolfgang Tschuchke (cf. PR 310/1988, pp. 121-130) e
outros varios.
4. Os sacerdotes que nao se tornam protestantes Muito curiosas sao as afirmacoes feitas por S. M. a respeito dos sacer dotes que nao se tornam protestantes: seriam homens sem fé e ateus: "Entre
os padres com mais de cinco anos de exercício do sacerdocio, nao há 5% que acredite na existencia de Deus. . . Nao tém as alegrias espirituais de que go-
zam todos os crentes. . . Sao os homens mais desgranados do mundo!"
(p. 14s). - Estas palavras revelam grande ignorancia do assunto, se nao. má fé. Mais habilitado do que o pastor S. M. é o autor destas linhas ao se tra tar do clero e dos Religiosos da S. Igreja Católica: posso atestar que sao ab solutamente falsas as assercoes de S. M., que, alias, ridiculas como sao, nao deveriam merecer atencáo. É surpreendente a auto-suf¡ciencia com que o au tor fala do que nao conhece. Para refutá-lo, basta citar os nomes de sacerdo
tes que se tornaram homens de santa fama no mundo ¡nteiro'S. Jólo Bosco
(T 1888), Sao José Cottolengo (t 1842), o Santo Cura de Ars (t 1859), S. Jerónimo Emiliano (t 1537). . . e tantos outros, existentes também no Bra sil, aos quais foram dedicadas mas e pracas das nossas cidades!
O sacerdote católico fiel á sua vocacao tem motivos para ser ¡mensa mente feliz, visto que trata diariamente a S. Eucaristía e conhece a devocfo
filial a Maria SS. Tal felicidade leva a mais serenidade e menos agressividade
do que a felicidade de S. M.
Estas poucas reflexoes relativizam o significado do livro de Syr Martins, a quem se pode sugerir que estude melhor antes de escrever polémica
mente.
231
Fatos históricos:
"Bén?aos Papáis produzem
Maldices?" Em síntese: 0 jornal "A Voz Quadrangular", do protestantismo pen-
tecostal, afirma que a béncao pápalepenhor de desgranas físicas, baseandose em alegacoes nSo documentadas. - A noticia comeca evocando o texto de MI 22, que nada tem a ver com o propósito do articulista. Nao prova o
que assevera. . .; o autor confunde o "depois de. . ." com o "por causa de...". Esquece que o Papa é, no dizer da imprensa neutra, urna das figuras mais populares e benquistas do mundo contemporáneo — o que desmente a noticia tendenciosa ou maldosa do jornal em foco. Os pentecostais tém o direito de propagar suas crencas, masé para desejar que o facam como cristaos e nao como sectarios, colocando sempre o amor é verdade objetiva ácima das paixoes.
A ¡mprensa protestante, numa atitude nada evangélica, tem publicado urna lista de "Béngaos papáis que produziram maldicoes". Entre outras en-
contra-se a do jornal "Voz Quadrangular", ano IX, n? 47, de dezembro 1987-janeiro 1988, p. 12, onde se lé: Béncáos papáis produzem maldicoes
"Malaquias profetizou que muitas hincaos de pessoas impías, transformam-se em maldicoes (Malaquias 2:2). Efetlvamente, muí tos fatos e expe
riencias de homens, instituicoes e nacoes, comprovam que as béncaos papáis tém resultado, muitas vezes, em maldicoes terrfveis e ¡mediatas. Citaremos alguns fatos reais e impresionantes que a Historia registrou. a) Carlota de Bourbon visitou o papa, recebeua béncao, masantes de deixar o palacio do Vaticano enlouqueceu. b) Maximiliano, do México, após receber a béncao papal, foi preso e
fuzilado, em Queretaro. c). O exército francés, em 1870, após ser abencoado pelo papa, entrou em batalha e foi fragorosamente derrotado. 232
"BÉNCÁOS PAPÁIS..."
41
d) O vapor América recebeu a béncao papal e a seguir, no día 24 de dezembro de 1871, foi destruido pelo fogo, em Mar del Plata. e) O Banco Católico da Lyon, logo depois de ser especialmente abencoado pelo papa, faliu.
f) Napoleio IV, após ser abencoado pelo papa, partiu para ZuluISndia e de lá só voltou cadáver.
g) Francisco José, imperador da Austria, em 1886, após receber a béncao papal, foi derrotado em Sadowa.
h) A Imperatriz Isabel, após ser abencoada pelo papa, sofreu acídente em que fraturou a perna e pouco mat's tarde foi deposta do poder e expulsa do Brasil.
i) O Brasil, am 1905, após receber a béncao papal, sofreu urna violenta crise económica, ¡nundacóes, secas, miseria, fome e praga de gafanhotos em S. Paulo.
¡) A América do Norte, após ter recebido a béncao do papa, sofreu violentíssimo incendio em S. Francisco da California.
k¡ O Brasil, após receber as hincaos dos dois últimos papas que nos visitaram, tem experimentado terriveis maldicoes, entre as quaisasseguintes: violenta ditadura militar discricionária e capitalista; multiplicacao das agen
cias de gatunagem, centenas de estafáis insolventes, desprezo ao povo pobre, desfalques nSo apurados; erkes económica, moral e religiosa; desemprego, ondas de corrupcao moral e pornográfica; recrudescimento do espiritismo
fetichista, engañador e perverso; multiplicacao da criminalidade, com vio lencias, roubos, jogatina, assassinatos, despoliciamento das cidades e até do
campo; omissao de autoridades repressivas. resultando multiplicacao da cri minalidade, do contrabando, de presidios superlotados e inseguranca geral; contaminacSo, poluicao e depredacao da natureza por Individuos e organiza-
coes que ficam impunes; multiplicacao de falencias e concordatas; inundacoes, secas, pragas, doencas, pestes e outros males; evasao do dinheiro e das
riquezas minerais, das rendas públicas (divisas), por falta de fiscalizacao e repressao e muitos outros graves males. Eis a verdade dos fatos e o perígo das béncaos papáis ".
Estas noticias merecem breve comentario.
REFLETINDO... Impdem-se algumas ponderacóes a respeito do texto transcrito: 1) Em MI 2,2 lé-se: "Se nao escutardes, se nao levardes a serio dar gloria ao meu Nome - disse o Senhor dos exércitos -, mandarei contra vos a maldicao e amaldicoarei a vossa béncao. Sim, eu amaldicoarei porque nao leváis isto a serio".
Este texto é dirigido aos levitas negligentes após o exilio, ou seja, no século V a.C. O Senhor Ihes anuncia punicáo; as béncaos a eles concedidas 233
42
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
(isto é, os beneficios temporais que tocam aos levitas, conforme Dt 33,11}' tornar-se-ao maldicóes, isto é, desgrapas, segundo a advertencia já feita em Dt 28,20:" O Senhor Deus desencadeará contra ti a confusao e a ameaca em toda obra em que te ocupares, até que sejas destrui'do e perecas rápidamente por causa da maldade de tuas acoes pelas quais me abandonaste".. Como se vé, o texto nao quer dizer que "béncaos concedidas por pes-
soas i'mpias se transformam em maldicoes" para as pessoas "abenpoadas"; isto seria ¡nfquo da parte do Senhor Deus, pois quem recebe de boa fé urna
béncao, nao deve pagar pelas culpas de quem "abencoa". 0 que o texto bíblico quer dizer, é que os favores prometidos pela Lei de Moisés aos levitas se transformarao em desgrapas ou maldicóes para esses mesmos levitas por causa do indigno comportamento destes: em vez de gozarem de prosperidade material, serao entregues aos seus adversarios. Por conseguinte, a observacao do jornal "Voz Quadrangular" comeca com um sofisma ou urna distorpao do texto bíblico. Ela nao tem o mínimo
fundamento na S. Escritura, ao invés do que pensa o respectivo articulista. 2) Abstracao feita deste tópico, vamos ao conteúdo da nota: As afirmacoes de ruina ou desgrapa de Carlota de Bourbon, de Maxi
miliano do México, do exército francés... sao vagas e destituidas de docu-
mentacao. - Ora, em materia histórica, é absolutamente necessário que as assercóes sejam documentadas... e documentadas de maneira fidedigna ou idónea, pois se sabe que há freqüentes afirmacóes gratuitas (resultantes de equívocos), como também há preconceitos e interpretacoes unilaterais no estudo da historia.
Quanto ao Brasil, só recebeu um Papa — Joao Paulo II — em 1980 (em 1982 desceu no Aeroporto do Galeao, RJ, de passagem para a Argentina). — O Cardeal Joao Batista Montini esteve no Rio de Janeiro como arcebispo
de Milao, e nao como Papa Paulo VI. Donde se vé outra imprecisao no texto citado, que fala da visita de dois Papas ao Brasil. — Quanto ás desgrapas que nossa patria tem experimentado, elas nao sao datadas da década de 1980, mas tém raízes e expressoes bem anteriores. Seria simplório dizer que a atual infelicidade da napao sucedeu a um período de prosperidade; os males que afligem nosso povo, tém causas em acontecimentos remotos, que vao dando
maus frutos.
3) Um sadio principio de Filosofía diz-nos que é preciso nao confun dir "depois de..." com "por causa de...". O fato de um evento se seguir a 1
"Abenfoai. Senhor, os seus estorbos e aceitai a obra de suas maos. Ferí
os ríns dos seus adversarios e dos que odeiam Levi, para que nao se levan-
tem"(Dt 33,11). 234
"BÉNCAO PAPÁIS. .."
43
outro nao quer dizer que haja causalidade do primeiro em re laclo ao segúndo; por exemplo, se o telefone toca numa casa e, logo a seguir, o pai de fa
milia volta do trabalho, pode-se dizer que houve um "depois de...", nao, porém, um "por causa de...". Conseqüentemente o fato de alguém ter recebido a béncáo papal e, pouco depois, haver sofrido urna desgrapa física nao quer dizer que a béncao tenha sido a causa da infelicidade; seria falso silogis
mo aquele que assim concluisse (a conclusao excedería as premissas). - Ade máis, como dito, seria injusto da parte de Deus fazer que a pessoa "abencoa-
da" sofresse o castigo devido a quem abenpoa; nem o Profeta Malaquias quer insinuar isto, como vimos atrás.
4) Numa perspectiva crista, nao se pode dizer que todas as desgracas fi'sicas sao castigo. O Novo Testamento dissocia os termos que o Antigo Testamento combinava entre si: pecado - desgraca material (cf. Dt 28-30). Assim, por exemplo, diz o Senhor no Apocalipse: "Repreendo e educo to dos aqueles que amo" (3,19); ver também Hb 12,4-11; 1Cor 11,32. A provacáo no plano temporal pode ser comparada ao cadinho, que purifica o ouro, separando-o das escorias; assim a tribulacao é permitida pelo Senhor
Deus para dar aos seus fiéis a ocasiao de se libertarem do velho homem egoCsta e concupiscente; é neste intuito que o Senhor consente na provacáo dos seus amigos; nunca há, da parte de Oeus, urna pena meramente víngativa; todo sofrimento é medicinal.
5) Ademáis a presenca e a béncao do Papa tém sido estimadas no mundo de hoje a tal ponto que a imprensa internacional reconhece que Joáo Paulo 11 é a figura mais popular e benquista da nossa época. Ainda aos 26/12/1987 noticiava o jornal O GLOBO, p. 13: CIDADE DO VATICANO - "O Papa Joao Paulo II encerrou ontem as cerímónias do Natal fazendo, em 51 idiomas, um apelo á paz no mundo. Cerca de 50 mil fiéis se reuniram na Praca de Sao Pedro para ouvir o pronunciamento papal, transmitido para todas as regioes do planeta por 47 cadeias de TV, atingindo urna audiencia calculada em pelo menos um bilhio de pessoas...
Os tradicionais festejos do Natal comecaram á meia-noite, quando o Chefe da Igreja cqncelebrou urna missa so/ene com a presenca de cardeais e prelados da Curia e embaixadores dos 117 países acreditados ante a Santa Sé".
Por conseguinte, os acontecimentos desmentem eloqüentemente a tendenciosa ¡nterpretacao do jornal evangélico.
Vé-se, pois, quao infundada, e até mesmo maldosa, é a noti'cia de "Voz Quadrangular". Pode impressionar o leitor desprevenido, mas é vazia aos olhos de quem reflete; dir-se-ia que procede de preconceitos e nao do amor á verdade, que deve caracterizar todo cristáo. 235
Urna Alerta Pastoral:
A Restaurado do Domingo Cristao Os Bispos da Alemanha Ocidental e os responsáveis pelas comunidades
evangélicas naquele país emitiram urna declaracao comum, em que chamam a atencáo para a necessidade de se restaurar na sociedade a consciéncia do que é o domingo cristao. — Eis o texto portugués desse documento, plena
mente válido para o Brasil': "No Antigo Testamento Deus preceituou ao povo de Israel que guardasse o sábados como día santo. No Novo Testamento os cristaos sempre
festejaran) o domingo como o dia da semana em que Jesús Cristo ressuscitou dentre os mortos. Jesús lembra aos homens a quem Ele anuncia a mensagem do Reino de Deus: 'O sábado foi feito para o homem, e nao o homem para
o sábado' {Me 2,27). Isto vale tambóm para o domingo. Se o homem santifi ca o domingo, voltando-se para Deus na oracao e no culto litúrgico, ele entSo está consciente de que nao deve a sua vida ao acaso, mas a Deus, seu Criador; ele também professa que a finalidade da sua existencia nao é o desa pareo mentó e a morte, mas a salvacao e a vida eterna, á qual nos todos so
mos chamados por Deus. A celebracao do domingo torna possfvel aos ho mens urna experiencia elementar do sentido desse dia. Já há milito tempo varios aspectos da evolucao da nossa sociedade poem o domingo em perigo. Muitos cristaos já nem tém consciéncia da origem religiosa do domingo nem do porqué da santificacao e da celebracao
desse dia. Também na vida pública, o sentido profundo e o significado do domingo para toda a nossa cultura desapareceram. Ao mesmo tempo, vemos
que urna serie de realizacóes técnicas, económicas e sociais se vao implantan
do, capazos de acarretar urna progressiva erosSo do domingo. Nesta situacao precisamos de ref letir. Os cristáos, por certo, mas tam
bém todos os homens de boa vontade, os grupos sociais, os homens políti cos, devem perguntar a si mesmos: que valor tem para nos o domingo e co1 A traducáo francesa do original alemao foi publicada por S.N. O.P., órgao noticioso filiado ao episcopado francés, n° 702 (24/02/88), pp. 7 e 8. - Foi dessafonte que fizemos a traducáo portuguesa.
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O DOMINGO CRISTÁO
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mo o podemos manter qual dia do Senhor e qual valor fundamental da nossa cultura? No decorrer destes últimos anos, em declaracóas públicas, particu lares ou colativas, as Igrejas se manifestaram freqüentemente a tal propósito. Para despertar as responsabilidades neste setor, a Conferencia dos Bispos da Alemán ha e o Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha dirigem-se mais urna vez ao público numa Declaracao comum: 'Nossa responsabilidade em relapáo ao domingo'. Pedimos a todos que facam sua a preocupacao das Igre jas concernentes á observancia do domingo e procedam de maneira coerente. Bonn e Hanover, 25 de Janeiro de 1988
Mons. Dr. Karl Lehmann Presidente da Conferencia dos Bispos da Alemanha
Bispo Dr. Martín Kruse Presidente do Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha
O texto levanta um problema muito real no mundo inteiro, devido ao fenómeno da secularizacao; os valores religiosos sao recobertos por bens pro fanos, que parecem por si mesmos justificar a vida e a atividade do homem; assim se da com o domingo, com o Natal, com a Semana San^a, com o casa mento, etc.
Este fato vem a ser um desafio para os cristáos, incitados a afirmar com mais nitidez o patrimonio da fé por palavras e por seu teor de vida. O texto atrás transcrito lembra este dever em termos sobrios, sem descer a por
menores ou a explicacoes de alta Teología. O cristao deve saber que o do mingo é o dia da Páscoa do Senhor, o dia em que se celebra a vitória da vida sobre a morte e se abrem aos homens as portas da eternidade; é o dia que dá sentido aos demais dias da semana. Por isto os fiéis procuram vivé-lo intensa mente, participando da Páscoa do Senhor na Eucaristía; recebendo o sacra
mento, recebem um fermento que os fará viver o resto da semana numa atitude de esperanca e confianca, apesar das inevitáveis lutas de cada dia. - Se no cristao se apaga a consciéncia do valor do domingo, extingue-se o princi pal dmamo de sua vida crista, que poderá guardar a fachada, mas nao terá a sua vitalidade ti'pica. Daí a importancia da alerta que, juntamente com os Bis pos católicos, os dirigentes evangélicos dirigem aos seus fiéis no sentido de procurarem restaurar no povo de Deus a observancia fiel do dia do Senhor. Atualmente a disciplina da Igreja Católica referente ao domingo é as sim formulada pelo Código de Oireito Canónico: "Canon 1247. No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis tém a obrigapáo de participar da Missa; além disto, devem abster-se das 237
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
atividades e negocios que impepam o culto a ser prestado a Deus, a alegría própria do dia do Senhor e o devido descanso da mente e do corpo.
Canon 1248 - § 1?. Satisfaz ao preceito de participar da Missa quem assiste á Missa em qualquer lugar onde é celebrada em rito católico, no proprio dia da festa ou na tarde do dia anterior.
§ 2?. Por falta de ministro sagrado ou por outra grave causa, se a par ticipacao na celebracáo eucan'stica se tornar impossivel, recomenda-se viva mente que os fiéis participem da liturgia da Palavra, se a houver, na igreja paroquial ou em outro lugar sagrado, celebrada de acordó com as prescricóes
do Bispo diocesano; ou entao se dediquem á oracao por tempo conveniente, pessoalmente ou em familia, ou em grupos de fami'lias de acordó com a oportunidade". A propósito observamos: 1) A Missa dominical é de preceito, preceito que o cristio bem formado deseja cumprir espontáneamente; 2) o Código nao indica a partir de que horas a Missa vespertina de sábado é válida para o domingo; 3) o formulario da Missa dominical pode se.', por excegao, o de
casamento ou o de defuntos, para que o cristao cumpra o preceito da Euca
ristía dominical; 4) a maneira de se observar o repouso dominical é expressa em termos um tanto genéricos: exclui-se tudo o que possa impedir o culto a Deus e o sadio repouso da mente e do corpo. EstévSo Bettencourt O.S.B
Livros em Estante A Biblia do Povo, em 4 volumes, correspondentes aos Quatro EvangeIhos, traduzida e comentada por Freí Paulo Avelino de Assis. — Edicao do Centro Bíblico Católico, Rúa Itaqui 146 (Canindé), Sao Paulo (SP), total de 840 pp., 140x2 lOmm.
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Sagrada... Tudo redigido em estilo fácil e lúcido. 0 autor tem em vista escla recer o leitor sobre pontos especialmente importantes como sao "os irmaos de Jesús" (Mt Í3.55), o primado de Pedro (Mt 16,16-19), a Ceia de Páscoa e a Eucaristía (Mt 26,26-28).... No fim de cada capítulo aprésente urna Vi
vencia ou ñeflexio, que leva o cristio á oracao, como é para desejar; pela leitura do texto sagrado, Deus fala ao homem; pela oracao, este Lhe respon de. - A obra merece ampia difusao nos Colegios, ñas Faculdades, nos Cír culos Bíblicos, nos lares cristaos, pois é muito didática e segura em suas ex238
LIVROS EM ESTANTE planacóes. Parabéns ao benemérito autor, que há decenios se dedica ao apos
tolado bíblico com zelo e tenacidade! Comunidades Eclesiais de Base, Bases Teológicas, por Faustino Luiz Couto Teixeira. - Ed. Vozes, Petrópolis 1988, 135x 210 mm, 222 pp. O autor é jovem teólogo leigo, casado, que estudou na PUC-RJ e na Universidade Gregoriana de Roma, onde se doutorou em Teología. Tendona apresentar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) como genuínas realiza-
cóes da Igreja, segundo a linha depensamento de Leonardo e Clodovis Boff, Gustavo Gutiérrez, Ignacio El/acuna, Jon Sobrino e outros latino-america
nos. Especialmente neurálgico é o capitulo Vdo livro: "A dimensao eclesiat das CEBs" (pp. 113-139), pois o autor exalta as CEBs sem levar em conta os desvíos apontados (corrí documentacao) por D. Amaury Castanho, Bis-
po de Valenca (cf. PR 307/1987, pp. 530-538). 0 Prof. Faustino Teixeira cita numerosos textos em suas notas complementares, que revelam orientacoes e rumos duvídosos adotados pelas CEBs; isto, porém, nao influí na avalíacao que o autor faz das mesmas.
A importancia que as CEBs atribuem á acao transformadora da soaedade é tal que ameaca os próprios conceitos centráis da fé. Assim, por exem-
plo, rezam dois depoimentos preparatorios do II Encontró Intereclesial de CEBs: "E preciso nascer de novo para receber o Batísmo" e "Acho que para mim o Batismo só chegou agora. Antes sabia que era batizado porque tinha padrinho e madrinha. Agora sei, porque tenho um compromisso com os irmaos" (p. 213, nota 381). A primeira frase corresponde exatamente ao
pensamento dos Batistas (protestantes), para os quais o Batismo é o testemunho de conversSo previamente realizada sem o sacramento.
No tocante á autoridade da Igreja, as CEBs se mostram desejosas de certa isencao, como transparece á p. 137: "Témese o risco de um controle institucional da autoridade eclesiástica sobre as liderancas leigas, que pode levar a urna cristalizacao das mesmas". Com referencia á Conferencia dos Bispos, diz Freí Clodovis Boff, citado á p. 204, nota 327: "A CNBB tere que adotar um relacionamento homogéneo á natureza original das CEBs... De todos os modos as exigencias de comunhao (conceito de reciprocidade - nao se/a isso esquecidol} serio no sentido de CNBBIZAR as CEBs e de CEBIZAR a CNBB. Ambos os movimentos sao necesarios e ambos muito
delicados". Tais dizeres sugerem mero paralelismo entre CEBs e CNBB, taivez duas irmas que devem procurar concordar entre si! A "Igreja Nova" é assim entendida: "Está nascendo agora urna Igreja do povo, desde que assumiram a liberdade dése responsabilizar pelas coisas
da Igreja; entao se considera nascendo urna Igreja nova, do povo, nao só de urnas pessoas" (Comunidade de Tacaimbó, Pernambuco; citado á p. 216, nota 395).
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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 312/1988
Em suma, embota o autor queira afirmar a auténtica eclesialidade das CBBs, deixa entrever, através das interessantes citares que faz, as /acunas dessa eclesialidade decorrentes de urna "democratizacSo" e de urna "protestantízacao", que nao se coadunan) com o conceito de "Igreja-Sacramen-
to" (cf. Lum«n Gentium n? 1). O livro éelucidativo do pensamento da Teología da Libertacio radical; o estudo nSo é polémico, mas tendencioso, além de um tanto prolixo e re petitivo.
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