P rojeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (¡n memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDI9ÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora,
visto
que
numerosas
somos
bombardeados
correntes
filosóficas
por e
religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questoes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
Sumario Póg.
UM DISCURSO A TODOS OS POVOS
441
Cristáos e marxistas: LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
r
443
A RESSURREIQÁO DOS MORTOS ; QUANDO ?
43B
Queslao candente :
.Géneros literarios na Biblia: QUE É UM APOCAUPSE ?
485
Devo?áo popular:
E AS
CORRENTES DE ORACÓES ?
476
AOS NOSSOS LEITORES E ASSINANTES
3? capa
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA
NO
PRÓXIMO
NÚMERO:
dia '
(M. Clévenot).
V
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Número avulso de qualquer mes
OS
18,00
Assinatura anual
Cr$
180,00
Diregáo e Redasao de Estéváo Bettencourt OS B. ADMINISTBACAO Uvrarla Mlsslonária
Editora
Rúa México, 111-B (Castelo)
20.031 Rio de Janeiro (R.T) Tcl.: 224-0059
REDACAO DE PR Catxa posta, , ggg
20 00° Rl° «Je Janeiro (RJ)
UM DISCURSO A TODOS OS POVOS
M A figura do Papa Joáo Paulo II vem-se impondo Icomo-a—
de um lider universal, aplaudido nao em virtude de demagogia, mas, sim, por causa de suas atitudes corajosas e coerentes a servigo da Verdade e do Bem.
De modo especial, merece atengáo o discurso de S. Santidade proferido aos 2/10/79 perante a Assembléia Geral da Organizado das Nagóes Unidas. Pode-se dizer que, tocando verdades profundas e fundamentáis, essa alocugáo representa a voz da sabedoria numa fase difícil da historia humana. A principio, S. Santidade houve por bem explanar as razóes de sua presenga na ONU. Convidado por esta, o Pontífice nao quis furtar-se a falar-lhe, pois a Santa Sé mantém estritos liames de cooperagáo com a ONU. Com efeito, se a ONU reúne todos os povos e Estados, a Igreja Católica também o faz do seu modo, procurando as vías da colaboragáo pacífica entre os membros dessa grande familia que é a humanidade. E precisamente a fim de poder cumprir essa missáo, a Sé Apostólica tem sua soberanía territorial; esta, circunscrita ao pequeño Estado da Cidade do Vaticano, é justificada pela necessidade de assegurar ao Pontífice plena liberdade no exer-
cício da sua missáo; o Papa precisa de poder tratar com todos os homens sem estar sujeito á interferencia de potencias estranhas; sem esta liberdade, o seu ministerio estaría prejudicado.
A tónica do discurso de S. Santidade nao podia ser a temática da fé como tal. Foi, sim, o servigo ao homem, ser vigo que todas as instituigóes nacionais e internacionais estáo obrigadas a prestar; toda atividade política é exerdda em favor do homem. Isto quer dizer que qualquer forma de tor tura ou de opressáo carece de justificativa e deveria desapa recer para sempre na vida das nagóes.
O respeito ao ser humano leva a profligar também as guerras. Já dizia Paulo VI na própria Assembléia da ONU
em 1965: «Nunca mais a guerra, nunca mais a guerra!... Nunca mais uns contra os outros»... nem mesmo «um ácima
do outro», mas sempre «uns com os outros». Na verdade, a Igreja Católica pede ao Senhor pela paz, e educa o homem para a paz. Esta paz é ameacada hoje em dia pelo armazenamento, em diversos países, de armas cujo poder é totalmente inédito. Se bem que os detentores de tais instrumentos afirmem estar apenas assumindo atitudes de precaugáo, esses líde res mostram que tencionam estar prontos para a guerra; «ora AA-i
estar pronto guer dizer, em certa medida, provocar a própría guerra».
A fim de evitar os conflitos armados, requer-se a extingáo das causas que, em última instancia, levam os povos a se conflagrar... Quais as raizes do odio, do desprezo, da destruigáo? — Vém a ser a violacáo dos direitos inalienáveis da pessoa humana, direitos que a ONU promulgou logo nos primor dios da sua historia (dezembro 1948).
O ser humano vive simultáneamente de valores materiais e de valores espirituais, cabendo o primado a estes últimos. Os bens materiais, sendo limitados, nao podem ser distribuidos com facilidade por todos os homens; em conseqüéncia, entre as nagóes que os possuem e aquetas que nao os possuem, se criam nao raro tensóes e discordias aptas a levar á luta aberta. Ao contrario, os bens espirituais podem ser estendidos a todos os homens, sem diminuigáo, mas, ao contrario, com engrandecimento e nobilitagáo, para quem os distribuí (é o que se dá, por exemplo, com as producóes do pensamento, da música, das
artes figurativas, da poesía...). Eis, porém, que nos últimos tempos os interesses da humanidade tém-se voltado mais e mais para a producáo e o consumo de bens materiais, de tal modo que se vem embotando a sensibilidade dos homens para os valores espirituais. O ser humano se vé assim escravizado pela conquista da materia (que divide os seus conquistadores)
e perde a estima daquelcs valores que nao dividem, mas, ao
contrario, levam á comunháo todos os seus cultores. — Pois bem; a Igreja Católica julga ser sua tarefa precisamente lem-
brar aos homens o valor decisivo dos bens espirituais; estes elevam o ser humano ácima do mundo transitorio e despertam a consciéncia de que o homem tem urna grandeza indestrutível,... indestrutível apesar da morte, á qual cada um está sujeito sobre a térra.
Será, pois, para desejar que doravante as autoridades pú blicas redobrem seus esforcos no sentido de erradicar as injustigas sociais e levar todos os homens á participagáo de justo desenvolvimento material. Mas faz-se mister outrossim que essas rñesmas autoridades se empenhem por respeitar, e fazer
respeitar, «os direitos objetivos do espirito, da consciéncia
humana, da criatividade, inclusive o livre relacionamento do ser humano com o Senhor Deus rel="nofollow">.
O leitor destas ponderagóes sentir-se-á impelido a pedir ao Senhor Deus queira abrir os coragóes dos homens á sabedoria que por elas fala... E.B.
— 442 —
«PERGUHTE E RESPONDEREMOS» Ano XX — N« 239 — Novembro de 1979
Cristaos e Marxistas:
luía de classes e cristianismo Em sintese: O Movimento de "Cristaos para o Socialismo" tem incitado os cflstáos em geral a tomar parte na I uta de classes apregoada pelo marxismo-leninismo; o amor crlstáo pacificista seria mera cobertura para permitir aos opressores que continúen» a violentar os oprimidos. Ora a propósito observa-se : 1) A nocSo mesma de "lula de classes" é científicamente dlscutlvei. Pergunta-se: que é classe social ? Os peritos nSo sao unánimes na sua maneira de a conceituar. Além disto, a dlvisSo da socledade em duas clas ses — a proletaria e a capitalista — proposta por Marx está hoje em día ultrapassada. Existem tres ou quatro classes soclais: a dirigente, a media,
a operária e a camponesa. Mais aínda: é difícil trabar os limites entra as diversas classes; um operarlo altamente qualificado pertence á classe media ou á classe operária? Em tercelro lugar, deve-se lambrar que nao so o fator económico divide os homens entre si, mas também a política, as diversidades raclals, as religiosas, etc. Por último, reconheca-se que nao é o operarlado quem detém o poder revolucionario em nossos dias. mas, slm, as "minorías energéticas". 2)
Do ponto de vista específicamente crlstáo, deve-se
dizer:
O crlstSo reconhece as Injustlcas soclais e se Ihes op5e. — Em prlmelro lugar, procura os melos da persuasáo e o diálogo, pois acredita que a pesaoa humana, mesmo que erre, ó reeuperável. Caso os melos
pacíficos nada consigam, recorre á pressáo moral e á resistencia passiva
(tenha-se em vista a greve). Vía de regra, nSo chega á violencia armada, pols esta gera violencia e é incapaz de criar urna socledade nova. O crls táo procura respeitar mesmo os Inlmlgos, de modo que nao Ihes aplica recursos que violem a dignidade humana (a tortura, os seqüestros, a lavagem de cránio...). De resto, nao há como lludlr-se: nao haverá sociedade perfcita ou
isenta de falhas,
enquanto
correr a
historia
dos
homens.
Em suma, o crlstáo é adversario das Injusticas sociais. Opoe-se-lhes, porém, diversamente do marxlsta, pois tem urna visio própria do que sejam o homem, a sociedade e a historia, e é movido pelo amor de Deus, que torna todos os homens Irmaos entre si.
443 —
4
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
Comentario: Sao muitas e notorias as tentativas de apro ximado de cristáos e marxistas ocorrentes nos últimos tempos. Uns e outros tentam esquecer certas premissas filosófi cas que os deveriam distanciar entre si, para deter-se em pon tos de agáo concreta em que parece poder haver colaboragáo. Um destes pontos é a «luta de classes», mediante a qual os oprimidos procurariam derrubar os opressores. O movimento de «Cristáos para o Socialismo» langou últi mamente um manifestó que apresentava a luía de classes nos seguintes termos: "A luta de classes, com os fenómenos de violencia que a acompanham, parece a muitos cristaos ser Incompatível com urna orientacáo de fé e de
amor. Esquecem as guerras santas, as cruzadas, as teorias sobre as guer ras justas de que está cheia a historia da Igreja. Na verdade, a luta de
classes é um fato objetivo e histórico, que a anáüse marxista define e conceitua. O amor cristáo — que muitos querem opor á luta de classes — tende a encobrir essa realidade, apregoando a colaboragáo entre oprimidos e opressores. Esta versáo adocicada do amor inspira a doutrina social do Cristianismo; serve de cobertura ao inter-classismo e, em última análise, atende aos interesses da classe burguesa. O auténtico amor ao próximo nSo impede a luta de classes; ñas atuals condiedes históricas, o amor se exerce pela solidariedade com a classe que traz urna esperanca de justlca para toda a humanidade: o proletariado" (COM-Nuovi Templ 1975, n? 20, pp. 11s).
Quanto ao amor cristáo, diz o documento que «ele tem ofuscado a visáo do conflito social, constituindo um entrave para a plena participagáo dos trabalhadores cristáos na luta
de classes». Afirma que se tem feito «um uso político do preceito do amor cristáo para exorcizar a violencia e inculcar a pacificagáo social a todo custo, refreando o parausando urna participagáo mais decidida e vivaz na luta para transformar
as estruturas políticas e económicas da sociedade. Assim o amor cristáo, em vez de ser forga de solidariedade na luta de classes, torna-se obstáculo á plena realizagáo dessa luta> (ib. 6,10).
As afirmagóes ácima tornaram-se comuns entre os cris táos para o socialismo. Visto que constituem um desafio ao pensamento cristáo (este seria fautor de acomodagáo e abni-
guesamento covardes), vamos abaixo procurar situar o cris táo perante o problema proposto pela «luta de classes». Seria o Cristianismo realmente o «opio do povo»? — 444 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
A fim de se perceber melhor o significado do problema, comegaremos por definir e comentar o que o marxismo chama «luta de classes».
1.
Marxismo e «luta de classes»
1. O marxismo tem assumido facetas cada vez mais diversas no decorrer dos últimos decenios. Com razáo, G. Martinet fala de «cinco comunismos: o russo, o iugoslavo, o chinés, o tcheco, o cubano», aos quais se pode acrescentar o «eurocomunismo» professado pelos PC da Italia, da Franga e da Espanha'. Todavía permanece sob qualquer dessas modalida des a teoría da luta de classes, tida como esquema apto a fazer compreender a vida social e a promover a mudanga da
sociedade.
Se da visáo marxista se cancelasse a tese da luta
de classes, o próprio marxismo se extinguiría.
Na verdade, Marx concebe o desenrolar da historia dos homens como urna luta incessante determinada pelos bens de produ;áo. Estes suscitam relagóes entre os homens, fazendo que uns poucos sejam patróes e outros (multidóes) sejam escravos; aqueles constiluem a burguesía, e estes, o proleta riado !. Éa infra-estrutura económica que, em última análise, rege toda a realidade da historia e da humanidade. A luta de classss, como tal, nao é objetivo, mas é meio e etapa. Ela tende primeiramente a estabelecer a ditadura do proletariado. «Essa ditadura durará até que estejam destrui das as bases económicas da existencia das classes. Isto quer dizer que, enquanto subsistirem outras classes e, em particular, a elasse capitalista, enquanto o proletariado lutar contra esta,
deverá usar de violencia, pois a violencia é um meio de governar»
(palavras de Marx citadas por G. Gurvitch, Etudes sur
les classes sociales.
París 1965, pp. 70s).
Urna vez supressa a classe capitalista sobre a qual o pro
letariado exercerá a sua supremacía, desapareceráo o Estado 8, i Cf. Q. MARTÍ NET, Les clnq communlsires: russe, yougoslave, chlnois,
•cheque, cubaln. París, Ed. du Seull 1971. = Hoje em día, em vez de talar de "burguesía" e "proletariado", dever-
-se-ia talar dos grandes monopolios ou das sociedades mullinaclonais, que detém as alias «naneas e os capitals. Em lugar dos trabajadores e dos camponeses do século passado, dever-se-la talar do "bloco" social que. de um modo ou de outro, está sujeito á exploracSo capitalista. 3 Marx concebe o Estado como "o poder organizado de urna classe em vista da opressáo da outra classe".
— 445 —
o proletariado e a ditadura do proletariado. Haverá entáo a sociedade sem classes, em que o homem já nao explorará o homem, mas cada um desenvolverá todas as suas atividades criadoras num clima de liberdade e solidariedade: "Dar-se-á o dominio pleno do homem sobre as torgas naturais... Haverá pleno desdobramento das capacidades criadoras do homem; ...com outras palavras, ...o desenvolvimento de todas as lonjas humanas como
tais", (K. MARX, Lineamenli fondamentall della critica dell'economla politica". Firenze 1968.
2. A luta de classes assim concebida é o grande dinamo da historia, conforme Marx. Este reconhecc que nao há ape nas conflitos sociais, mas assevera que qualquer tipo de conflito se reduz á luta vigente entre as classes sociais por moti vos económicos: "Todas as lutas da historia, quer se desenrolem no terreno político, quer no religioso, quer no filosófico ou em qualquer outro setor ideológico, nao sao senao a expressáo mais ou menos nítida da luta das classes
sociais. Esta lei, que Marx descobriu como pioneiro, tem para a historia a mesma importancia que tem para as ciencias naturais a lei da transformagao da energia" (Engels, prefacio a O 18 Brumátio de Luís Bonaparte, 1885).
Isto significa que, para o marxismo, toda a historia d¡i humanidade se reduz a conflilos sociais. Significa também que
toda a vida social — superestrulura — se explica, em última análise, pela estrutura económica da sociedade. Isto quer dizer aínda que a historia há de ser entendida em sentido materia lista: as estruturas da produc.áo material explicam os fenóme nos da consciéncia (o direito, a arte, a moral, a religiáo...), e nao vice-versa. 3.
A luta de classes é lambém a norma o o fundamento
da moral. Em outros tex-mos: a moral é regida pelas condi-
góes económicas da sociedade em cada urna das fases desta; nao há valores moráis absolutos nem transcer.dentais. Sao palavras de Fr. Engels: "Rejeitamos toda pretensSo de nos imporem quatquer forma de dogmática moral que seja lei ética eterna definitiva, imutável... Afirmamos
que qualquer teoría moral até hoje foi, em última análise, o resultado das condicoes económicas da sociedade do seu tempo. E, visto que a sociedade até agora se moveu no plano dos antagonismos de classe, assim a moral sempre foi urna moral de ctasse; ela tem justificado o domfnio e os interesses da classe dominante, ou, nos casos em que a classe oprimida se lenha tornado suficientemente forte, a moral representou a revolta contra — 446 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
esse dominio e exprimlu os Interesses (AnH-Duhring. Roma 1950, p. 106).
futuros
dos
homens
oprimidos"
É, pois, a classe dominante que faz a moral. E, já que esta é relativa, a classe dominada, o proletariado, tem por mo ral tudo que o leve a tornar-se classe dominante, ou seja, tudo o que favorega o seu sucesso revolucionario e a sua ascensáo ao poder. A moral para os trabalhadores está subordinada aos objetivos revolucionarios destes, de tal modo que todos os meios (inclusive a violencia) úteis a esses objetivos sao moráis. Proclamava Lenin nos 2 de outubro de 1920: "Para nos, a moralidade está subordinada aos Interesses da luta do
ctasses do proletariado... Dlzemos: é moral o que contribuí para a destruicSo da antlga sociedade dos exploradores e para a uniao de todos os trabalhadores em torno do proletariado, que está criando a nova sociedade".
Marx, já antes, dissera: "Sem urna vontade de acó, que nSo se deixe deter diante de nenhuma consideracSo, nada se pode efetuar na historia" (citado por J. D'HONDT, De Hegel k Marx. Paris 1972, pp. 78s).
4. Note-se aínda que o marxismo-leninismo propóe a luta entro as classes, sem levar em conta as características pcssoais dos individuos que componham tais classes. Cada um é considerado táo somente como membro da classe a que per-
tence (burguesía ou proletariado); é inevitavelmente tido como portador dos interesses da sua classe ou como personificagáo da própria classe. Nao aceita, pois, que possa haver capitalis tas bons e capitalistas maus, mas considera todos os capitalis tas, independentemente da sua boa vontade, como ministros do capital e da opressáo, sujeitos a ser violentamente comba tidos. Também nao admito a distincáo entre trabalhadores bem intencionados e mal intencionados, mas considera todos os trabalhadores como vítimas oprimidas... Nao reconhece, por-
tanto, responsabilidades pessoais, mas táo somente as coletivas. 5.
Da parte do proletariado, a luta contra o capital nao
é empreendida em nome da Justina. Marx nunca fundamentou as reivindicagóes comunistas sobre virtudes ou sentimentos mo
ráis, mas sobre a necessidade de destruir o modo de producto capitalista num processo que se realiza todos os dias diante dos nossos olhos. Por isto também nao se devem fazer tenta tivas de reconciliadlo entre as duas classes em nome da jus— 447 —
S
tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
tifia, do amor fraterno ou de sentimentos filantrópicos; ao con trario, qualquer tentativa desse tipo seria mistificagáo e equi-
valeria a trair os interesses da classe operaría. De resto, diz Marx, é ilusoria qualquer esperanga de que melhorem as con-
digóes de vida do operario dentro da estrutura capitalista; donde se vé que é necessário rejeitar qualquer esquema de reforma pacífica da sociedade e visar á revolugáo violenta que destrua o capitalismo.
O odio e o terrorismo inspirado por este sao meios nor
máis e moráis pela quais o marxista propugna o seu ideal. Tenham-se em vista, por excmplo, os dizeres de L. Trotsky, que, em resposta a Kautsky, defendía as execucóes em massa e a captura de reféns por parte dos bolchevistas: "A revolugáo exige da classe revolucionaria que esta cheguo aos seus objetivos usando todos os meios de que disponha. O terrorismo é inepto quando aplicado em reagao a uma classe que esteja históricamente em pleno desenvolvimiento. Mas, utilizado contra uma classe reacionária que recusa deixar a cena, o terror pode ser eficaz" (Terrorisme et communisme. Antikautsky.
Hambourg
1920).
Eis, em poucas palavras, algumas das características mais típicas do conceito marxista de luta de classes. Passemos agora a uma crítica serena e objetiva de tal conceito, que vem empolgando muitos cristáos.
2.
Lufa de classes: reflexoes filosóficas
Apresentaremos algumas objegóes 'á teoría marxista da luta de classes. 1) Em primeiro lugar, perguntamo-nos: que é propriamente «classe social»? — Nem mesmo Marx, que tanto falou de luta de classes, expós claramente o que entendía pelo con ceito de «classe». No término de sua vida, em um fragmento publicado no fim do livro III de O Oapita!, ele perguntava: «Que é uma classe?». A indecisáo se devia ao fato de que havia, no pensamento de Marx, dois criterios para distinguir as classes sociais:
— o primeiro seria o da posse ou nao: posse dos meios
de produgáo, resultando daí a distin^áo entre duas classes fun damentáis: a dos burgueses e a dos proletarios; — 448 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
— o outro criterio seria o da origem dos rendimentos; nesta perspectiva, Marx distinguía tres classes: a dos trabalhadores assalariados (que deveriam viver do seu salario), a dos capitalistas (que vivem da exploracáo do capital) e a dos latifundiários (que vivem da renda dos seus latifundios). Na verdade, o conceito de classe social é complexo e difí cil de ser definido. Os próprios especialistas (como M. Weber, V. Pareto, P. Sorokim, G. Gurvitch, R. Aron, F. Perroux, S. Ossowski, E. Pin...) divergem entre si neste particular.
M. Weber, com exemplo, diz que classe é agrupamento no plano económico ao passo que partido é facgáo no plano político; a classe constaría, pois, de pessoas que compartilham as mesmas condigóes de vida, porque tém interesses económicos comuns no tocante as posses e as vendas; a luta de classes seriam as divergencias resultantes de relacionamentos económicos em um contexto de comercio. Ao contrario, M. Halbwachs julga
que urna classe social se caracteriza por urna consciéncia de classe, represcntacóes coletivas e memoria coletiva ou histó rica. P. Sorokim, por sua vez, afirma que o fenómeno das clas ses sociais é característico da sociedade industrial ocidental, tendo por base a profissáo, a situagáo económica e a situagáo jurídica dos membros dessa sociedade. Pode-se dizer que, se o conceito de classe é equivoco nos
livros dos pensadores, ele o é, antes do mais, na realidade social, que cada qual procura interpretar como pode. Donde se vé que qualquer teoria sobre «luta de classes» se defronta de imediato com a necessidade de clarear o conceito básico de classe. 2) A teoria marxista da luta de classes supóe a socie dade capitalista dividida em duas classes antagónicas. Ora tal bipolarizacáo — já contestável nos tempos de Marx (séc. XIX) — hoje em dia tem consistencia ainda mais precaria, pois simplifica excessivamente a realidade social. Com efeito; em nossos dias é preciso falar nao de duas, mas de tres ou quatro grandes classes sociais, dentro das quais se distinguem muitas subdasses, dotadas de interesses diversos
ou mesmo opostos entre si: assim é necessário que reconhecamos a existencia da classe superior ou dirigente, a da classe media, a da classe operaría e, talvez, a da classe camponesa. Mas, estabelecida esta realidade, pergunta-se: Quem pertence — 449 —
10
fPEKGUNTK t: RESPONDEREMOS» 239/1979
á classe superior ou dirigente?
Como se podem distinguir e
delimitar as classes medias? Um operario altamente qualificado pertence á classe operaría ou 'á classe media? Os gran des líderes do sindicatos e os chufes dos partidos dos trabalhadores, que dispóem de grande poder político e económico, fazeni
parte da cla.sse operaría? No esquema marxista bipolar, onde sao colocados os pequeños que nao fazem parte da classe operária (os anciáos, os aposentados, os enfermos, os excepcionais...)?Na verdade, a realidade social é muito mais com
plexa do que sugere a bipolarizagáo marxista. Esta, de modo especial, nao leva em conta alguns dados muito significativos da moderna sociedade industrial, a saber: — o surto de urna classe media sempre mais densa e pode rosa e sempre mais variegada;
— a crescente influencia da ciencia, da técnica e, em geral, da cultura, que as vezes mais valem do que a propriedade dos bens; a ciencia e a técnica hoje em dia podem conferir mais poder do que a posse de bens. Assim o esquema dicotómico adotado por Marx no «Manifestó Comunista» já nao pode ser tomado por base de urna exposicáo científica da dialética da historia.
3) A redueáo de todas as lutas sociais a motivos eco nómicos é outro artificio que nao condiz plenamente com a
realidade. É certo que os fatores económicos tém grande peso ñas divergencias entre os homens, mas nao sao sempre deter
minantes. Há outros, nao económicos, que entram em jogo e
que muitas vezes desempenham funcáo decisiva: assim os fato res políticos, raciais, moráis, religiosos, como a ambicáo, o desejo de poder, o prestigio, o espirito nacionalista, a aspirac.áo á liberdade, os valores da fé...
Leve-se em conta, por
exemplo, a luta entre o Papado e o Imperio Germánico da Idade Media; está longe de poder ser assimilada a um confuto de interesses entre urna classe de opressores e urna classe de oprimidos!
Pode-se também perguntar se em nossos dias os contras
tes sociais sao devidos 'á posse ou náo-posse dos bens de produgáo (como pensava Marx) ou se nao há algo mais impor tante do que estes, a saber: o poder e a parücipagáo no poder de decisáo. Este poder nem sempre está ñas máos daqueles que possuem os meios de produgáo, mas, sim, ñas máos daque— 450 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
11
les que dispóem da tecnología (meios de comunicacáo social: imprensa, televisáo, radio, cinema...) e movem a política. O contraste essencial nao está sempre entre o proletariado e a burguesía capitalista, mas entre aqueles que detém o poder e aqueles que, embora nao sejam privados de bens de produeáo, nao tém poder, nem influem sobre as dccisóes políticas e económicas.
4)
Marx assinalou ao proletariado industrial a fungáo de
libertar a si mesmo e libertar a sociedade inteira destruindo
o capitalismo. — Ora ó provável que no séc. XEX o proleta riado industrial fosse urna forca revolucionaria; hoje, porém, na atual sociedade industrial
a forga revolucionaria parece
residir no que se chama «as minorías energéticas», pois sao estas que conseguem manobrar as grandes massas.
Em condusáo, as premissas do esquema marxista da luta de classes estáo hoje ultrapassadas. Já nao corresponden! ao
estado atual da sociedade industrial, que é pos-capitalista. Já nao atingem os «mecanismos secretos» da nossa sociedade, nem podem servir como instrumento de leitura da nossa realidade social.
3.
O cristáo frente á luta de classes
O cristáo rao rejeita a luta de classes apenas por motivos políticos; ele lhe opóe também razóes moráis e religiosas, visto que a teoría marxista contradiz radicalmente ao conceito cris táo de homem e de sociedade.
Na verdade, o marxismo concebe a sociedade como divi dida em duas classes que tendem a se destruir mutuamente, movidas por odio mortal. Nessa perspectiva considera a luta como um valor, pois faz progredir a historia. O cristáo reconhece a situacáo que o marxismo aponta: os poderosos tándem a explorar os fráeos c pequen inos, ao passo que estes procuiam unir-se lutando contra a opressáo. Todavía
o cristáo nao vé nisto um fato natural ou urna necessidade histórica, mas urna situagáo que contraria o plano de Deus sobre a humanidade; aos olhos do Criador, os homens sao iguais entre si e devem viver em espirito de fraternidade e
soiidariedade.
— 451 —
12
tPERGUNTE K RESPONDEREMOS» 239/1979
Em conseqüéncia, o cristáo, diante do mal esbogado, nao cruza os bracos com indiferenga, mas assume as seguintes atitudes: 1) É preciso, antes do mais, tentar aproximar os homens entre si mediante a conversáo interior dos iníquos á justiQa. Só haverá colaboracáo e fraternidade entre os homens se esliverem todos convictos de que sao irmáos uns dos outros; é pois, a motivagáo — motivacáo digna e nobre — que convém, antes do mais, propor para so obter a solueüo eficaz do problema. Tenham-se em vista as palavras de Paulo VI no documento sobre a Evan^elizacáo no mundo contemporáneo, n1 33: "A Igreja iem certamente como algo importanie e urgente que se construarn estruturas mais humanas, mais justas, mais respeitadoras dos direitos da pessoa e menos opressivas e menos ese rav izado ras; mas cía continua a estar consciente de que ainda as melhores estruturas, ou os sistemas mslhor idealizados depressa se tornam desuníanos, se as ten dencias inumanas do coracao do homem nao se acha.-em purificadas, se nao houvcr urna cor.versáo do coracao e do modo de encarar as coisas naqueles que vivem em tais estruturas ou que as comandam".
2) O cristao iveonhoce que a propriedade particular pode ser algo de justo e honesto, áasáe que legítimamente adquirida e desempenho fuii(?áo social
social. Pode haver proprietários e patróes justos e (iesejosos de implantar a Justina em seu setor de a..áo, como pode haver
operarios que nao sojam meras viíimas da injustica alhoia. Em nomo da justica, poder-se-iam praticar graves injusti^as se nao se levassem em consideracáo as diversas perso nalidades que compóem cada grupo da sociedade. 3) É necessário também mover campanhas em favor de leis justas e em defesa dos interesses dos mais fracos. Faca-se chegar ao conhecimento das autoridades competentes a situaCáo infra-humana c, por vezes, iniqua em que vivem certas partes da populacáo, a fim de que, por via legítima e oficial, os responsáveis pelo bem comum solucionem os problemas.
— 452 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
4)
13
Caso os meios pacíficos e persuasivos nao logrem o
resultado almejado, é lícito ao cristáo recorrer á pressáo mo ral e á resistencia passiva. É o que se dá, por exemplo, em toda greve. Este recurso deve representar urna atitude extre mada, destinada a resolver graves situagóes de opressáo e injustica. Nao há de ser absolutizada nem considerada como mé todo normal de promocáo social, mas, antes, como atitude de emergencia. 5) A violencia, ou seja, o emprego das armas e da agressáo física nao é nem crista nem evangélica. Eis como Paulo VI a caracteriza na sua carta sobre a Evangelizado no mundo contemporáneo, n? 37: "A Igreja nao pode aceitar a violencia, sobretudo a forca das armas
— de que se perde o dominio, urna vez desencadeada — e a morte de
pessoas sem discnminagáo, como caminho para a libertagao; ela sabe, efetivamente, que a violencia provoca sempre a violencia e gera ¡rresisti-
velmente novas formas de opressáo e de escravizacao, nao raro bem mais pesadas do que aquelas que ela pretendía eliminar. Dizíamos quando da Nossa viagem á Colombia: 'Exortamo-vos a nao por a vossa confianca na violencia, nem na revolugáo; tal atitude é contraria ao espirito cristáo e pode lambém retardar, em vez de favorecer, a elevacáo social pela qual
legitimamente aspiráis'. E ainda: 'Nos devemos reafirmar que a violencia nao é nem crista nem evangélica e que as mudanzas bruscas ou violentas
das ostruturas seriam falazes e ineficazes em si mesmas e, por certo, nao conformes á dignidado dos povos" ".
Vc-se assim que a posigáo do cristáo frente as injustieas sociais nao ó do passividade; o amor cristáo está longe de ser cobertura para favorecer a oxploi-acáo do bomcm polo homem ou dos fracos pelos poderosos. O amor crisláo nao consagra injustiras, mas promove a justiga mediante recursos aptos a falar á inteligencia e ao senso ético de todos os homens. A
tese que atribuí ao cristáo o irenismo fautor de estruturas iníquas, ó forjada pelos adversarios do Cristianismo; para refutá-la, basta recordar, entre outros, o caso do Pe. Joáo Bosco Penido Burniei, que, aos 12/10/76, faleceu em Mato Grosso, porque quería, por palavras e atitudes, impedir um soldado de praticar violencias contra duas pobres mulheres.
6) Leve-se em conta outrossim que a luta de classes está intimamente associada ao odio, ... ao odio do homem para com o homem. Ora o cristáo nao pode aceitar urna teoría que pregue o odio e justifique o terrorismo. O amor para com todos, mesmo os inimigos, é um dos pontos cardeais do Evan— 453 —
14
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
gelho, que enslna serem todos os homens irmáos, filhos do mesmo Pai. Há, porém, quem sustente que a luta de classes nao im plica o odio das classes entre si. Assim, por exemplo, Giulio Girardi em seu livro Christianisme. IJbération hiimaine. Luttf
de classes (París 1972, p. 179). Ora esta posicáo nao se concilia com os principios do marxismo-leninismo; leve-se em conta, por exemplo, a observagáo de V. I. Prokofiev, que, apó? haver citado o versículo do Evangelho «Amai os vossos inimigos», escreve:
"Os soviéticos rejeitam esta moral religiosa, porque tém um caráter nítidamente reacionário. Um auténtico humanismo, um verdadeiro amor aos homens sup5em o odio aos inimigos da humanidade" (Le caractére anlihumanlste de la morale rellgleuse, em "Cahlers de communisme" 1959, p. 1081).
Insistem alguns marxistas, dizendo que a luta de classes
é prática de amor cristáo para com os adversarios, pois tende a libertar do pecado da injustica os poderosos que o cometem
por estarem presos ñas estruturas económicas do capitalismo. Em resposta, observar-se-á que o amor estaría sendo realmente praticado, se a luta de classes marxista tivesse em mira a «conversáo» dos detentores do capital; acontece, porém, que a luta de classes, no sentido marxista-leninista, tende a supressáo
da classe capitalista; esta, que nao é urna abstracto, mas se constituí de homens, há de ser eliminada, segundo Marx, por urna luta sem treguas. Escreve Mao-Tse-Tung: "Quanto ao pretenso
amor á
humanidade,
nunca exisliu
esse
amor
universal desde que a humanidade está dividida em classes... Nos nao podemos amar os nossos inimigos, nao podemos amar os males sociais; a nossa meta é destrui-los" (citado por R. Guillain, Dans trente ans la Chine. Paris 1965. p. 269).
A mentalidade que inspira tais palavras, é bem diversa
daquela que move um cristáo a resistir ás estruturas injustas e a combaté-las. Com efeito, mesmo envolvido em dura luta, o cristáo há de guardar sempre o respeito ás pessoas, aínda que inimigas; tratá-las-á como seres humanos, aos quais nao se podem aplicar recursos desonestos (seqüestros, torturas, lavagem de cránio, etc.). O cristáo procurará o diálogo, sem pre que possível, e acreditará que mesmo os piores dos homens
sao recuperáveis ou tém a possibilidade de rever suas posicóes e converter-se.
— 454 —
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO
15
7) Por último, há ainda um aspecto da luta de classes marxista que o discípulo de Cristo nao pode aceitar: é a fungáo salvífica e messiánica que Marx atribuí á dasse proletaria. Para o crístáo, o único Salvador é Jesús Cristo, ao passo que todos os homens, sejam proletarios, sejam capitalistas, trazem em si principios de egoísmo e injustiga, e precisam de ser liber
tados por Cristo. A divisáo entre bons e maus nao coincide com a classificagáo dos homens em operarios e capitalistas, como se os bons e justos fossem os operarios pelo fato mesmo
de serem operarios e os maus e injustos fossem os patróes e capitalistas pelo fato mesmo de serem patróes e capitalistas. A divisáo entre o bem e o mal passa, sim, pelo coracáo de cada homem. O cristáo, portanto, nao pode exaltar a classe operária pelo fato só de ser operaría, nem odiar a classe burguesa
pelo simples fato de ser burguesa. Se o cristáo se coloca do lado dos operarios, ele nao o faz porque tal classe seja necessariamente portadora de salvagáo, mas porque (e na medida em que) tal classe se constituí de gente pobre injustamente explorada.
Conclusao O rrisláo, sem dúvidn, há de se opor as injusticas da sociedade e trabalhar pelo surto de nova sociedade; todavía é incompativel a concepcáo marxista de luta de classes com os principios da mensagem evangélica. Além do mais, o discípulo de Cristo nao se ilude a respeito do éxito dos esforgos seus e de seus companheiros: ele sabe que nunca se realizará uma sociedade perfeita na térra. Como quer que seja, ele tem cer teza de que a única via para se tentar criar uma sociedade nova, mais justa e pacífica é a via do amor e da solidariedade; a violencia c o odio só podem gerar uma sociedado violenta e injusta, ainda que movida por novo tipo de violencia e injustiga. A justica e a paz sao frutos exclusivos do amor; tal é a
grande novidade que o Evangelho anunciou ao mundo e que os cristáos devem evidenciar, inspirando-se no amor, mesmo quando aplicados aos mais tormentosos problemas sociais. Este artigo muito deve ao estudo de G. de Rosa, Lolta di classt e amore cristiano, em "La Civiltá Cattolica" n° 3034, de 20/XI/1976, pp. 322-335.
— 455 —
Questáo candente:
a ressurreicáo dos mortos: guando?
Em sintese: O presente artigo comenta a Carta-lnstrucfio da S. Congregagao para a Doutrina da Fé publicada em julho de 1979. Este
documento reafirma a escatologia intermediaria assim como a sobrevivencia, após a morte, de um elemento espiritual, dotado de consciéncia e vontade;
nao menciona a reuniáo de corpo e alma após a morte, mas táo somente a subsistencia da alma, ficando diferida a ressurreicáo dos mortos para o fim dos lempos, como sempre ensinou a S. Igreja, baseada ñas epístolas de S. Paulo. Em conseqüéncia, a glorificado de María após a morte é caso único; antecipa o que tocará a todos os justos na consumacSo da historia.
Comentario: Em PR 238/1979, pp. 399-404, publicamos o texto de urna Declaragáo da Santa Sé concernente a questóes da escatologia crista. Dada a importancia de tal documento, propomos, a seguir, alguns comentarios do mesmo, na tenta tiva de explicitar o seu conteúdo.
De antemáo convém observar que o texto em pauta nao
aborda todos os aspectos da doutrina dos Novissimos, mas ape
nas alguns dos que constituem a chamada «escatologia inter mediaria»: trata-se de aspectos concernentes ao estado do ser humano entre o seu desenlace terrestre e a consumagáo da historia. É justamente a propósito de tal estado que se tém levantado dúvidas e hipóteses entre teólogos e pastores, deixando o povo de Deus um tanto perplexo:
"Ouve-se discutir a existencia da alma e o significado de urna sobre vivencia e fazerem-se Interrógaseles quanto ao que se passa entre a morte do cristáo e a ressurreicáo universal. Ora com todas estas coisas o povo cristáo fica desorientado, urna vez que já nSo encontra o seu vocabulario e as nocfies que I he sao familiares".
Cientes do problema, examinemos precisamente o que a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé houve por bem rea firmar.
T.
O conteúdo do documento
Como se pode ver em PR 238/1979, a Declaracáo consta de sete artigos, que vamos, a seguir, considerar atentamente. — 456 —
RESSURRE1CA0 DOS MORTOS: QUANDO?
1.1.
17
A ressurrei;óo dos mortos (art. 1 e 2)
Os artigos 1 e 2 reafirmam a ressurreisáo dos mortos,
professada por Sao Paulo (ICor 15) e pelo Símbolo da Fé
desde as suas mais antigás formulacóes.
O cristáo nao é dualista nem reencarnacionista. Julga que a materia é criatura de Deus, de tal modo que ela integra a realidade do homem; este é psicossomático, a tal ponto que nao
se consuma como anjo nem como espirito desencarnado, mas como ser composto de espirito e materia ou de alma e corpox. A teoría da reencarnagáo, afirmando que o espirito hu mano volta
ao corpo em sucessivas reencarnagóes para se
purificar, é dualista: supóe ser o corpo um cárcere ou um ins
trumento de punicüo. Apregoa como ideal a definitiva desencarnagáo. Ora isto nao é cristáo, nem se pode fundamentar sobre provas objetivas. 1.2.
A sobrevivencia postuma
(art. 3)
Que acontece logo após a morte ou o desenlace terrestre do ser humano? 1.
O art. 3> «afirma a sobrevivencia, depois da morte,
de um elemento espiritual, dotado de consciéncia e de vontade, de tal modo que o eu humano subsista».
Esta afirmagáo supóe que o homem seja um composto de corpo e alma. Aquele, sendo material, desgasta-se. Quando já nao tem condigóes de ser sede da vida humana, a alma se separa dele e continua a viver (sobrevive), enquanto o corpo 1 Como se compreende, o espirito n§o deve ser concebido como fluido energético ou corrente elétrlca, mas, slm, como ser incorpóreo, ineslenso (sem figura, sem dlmensóes, sem peso), dotado de inteligencia e vontade; nao morre ou n§o se dissolve, porque nao é composto. Dis tinguimos tres tipos de espirito: incriado:
Deus
para viver Espirito
criado
sem
corpo: anjo
para se realizar plenamente no corpo ou na materia :
alma
humana.
Vé-se, pois, que o conceito de espirito é mais ampio que o de alma. A alma humana é espirito ou espiritual, mas nem iodo espirito é alma humana.
— 457 —
18
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
é sepultado. A alma traz em si os constitutivos do eu humano, isto é, consciéncia e vontade.
Esta afirmacáo da Igreja exdui diretamente a tese segundo a qual após a morte a alma humana entra em estado de incons ciencia ou sonó, como pensavam os israelitas de outrora e alguns autores protestantes (cf. O. Cullman e Ph. ÍH. Menoud...). Na verdade, a morte nao extingue a lucidez cons ciente do ser humano nem a sua capacidade de aderir volun tariamente ao fim supremo que ele tenha escolhido. A mesnici aiirmac.no excluí tambcm a tese da ressurrcigáo logo após a morte, muito propalada em nossos dias. O texto menciona apenas a sobrevivencia de um elemento espi ritual chamado alma, sem mencionar a ¡mediata re-uniáo de alma e corpo. Esta ó diferida para o fim dos tempos, como se verá pouco adiante ao estudarmos os artigos 5 e 8. A tese da ressurreicáo logo após a morte carece de fundamenlagáo bíblica. As Escrituras do Novo Testamento prevéem a ressurreicáo para o fim dos tempos; cf. ICor 15,22: "Assim como todos morrem em Adáo, em Cristo todos receberáo a vida. Cada um, porém, em sua ordem : como primicias, Cristo ; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasiáo da sua vinda". Cf. 1Ts 4,16.
2. Há quem queira defender a lose da ressurreicáo após a morte referindo-se á antropología semita. Esta nao
conhece vida consciente sem corpo; nao admitiría a possibilidade de existencia lúcida para a alma separada do corpo. Ora,
dizem, tal é a concepto bíblica. A idéia de «alma separada do corpo» seria oriunda da filosofía grega platónica, dualista, nao bíblica. Por conseguinte, nao poderia ser defendida numa genuína teología bíblica. A isto respondemos:
1) AS. Escritura nao tenciona adotar determinado sis tema filosófico com exclusáo de outros. Se a antropología do Antigo Testamento freqüentemento acentúa a corporeidade do homem, a do livro da Sabedoria admite alma sem corpo (cf. Sb 4 e 5) e a do Novo Testamento é assaz variada; Sao Paulo chega a propor diversas concepcóes antropológicas, que ele nao procura conciliar entre si; cf. lTs 5,23; Gl 5,16s; ICor 2,11-15. Por isto é inconsistente o argumento segundo o qual a fidelidade 'á S. Escritura impóe determinada concepeáo antropoló gica ou excluí a tese de alma separada do corpo. — 458 —
RESSURREIgAO DOS MORTOS: QUANDO?
19
2) Algumas correntes de pensamento gregas eram dua listas (a pitagórica, a órfica, a platónica...), isto é, admitiam oposigáo ontológica entre alma e corpa Todavia o pensamento de Aristóteles propunha a distingáo entre corpo e alma sem dualismo, ou seja, afirmando a uniáo harmoniosa de corpo e alma no homem.
Alias, faz-se mister nao confundir dualismo e dualidada. O pensamento bíblico e cristáo nao c dualista (nao admite oposigáo ontológica entre corpo e alma), mas é dual, isto é, admite a real distingáo e separabilidade de corpo e alma, em-
bora afirme que ambos sao partes complementares do com posto humano. A dualidade (que nao é dualismo) é fato obvio na natureza: homem e mulher, dia e noite, frió e calor, veráo e invernó... 1.3.
Ressurreijóo dos morios e
eonsumajáo
universal
(art. 5 e 6)
1. A tese de que a ressurreigáo dos mortos nao ocorre logo após a morte, mas é diferida para o momento da consumagño universal, vem insinuada pelos artigos 5 e 6 da men cionada Instrugáo:
1) O artigo 6 «exclui qualqucr explicagáo que lire a Assungáo de Nossa Senhora o que ela tem de único e singular»
ou «o fato de ser a antecipagáo da glorificagáo que tocará a todos os outros eleitos».
Em conseqüéncia, se a glorificagáo de María é algo de único e antecipativo, deve-se dizer que os outros eleitos nao sao glorificados, como María, logo depois da morte, mas só o seráo no fim dos tempos.
2) O artigo 5 ensina que «a gloriosa manifestagáo de Nosso Senhor Jesús Cristo é distinta e diferida em relagáo áquela condigáo própria do homem ¡mediatamente depois da morte».
Distinta... Esta afirmagáo opóe-se á tese que propóe a identidade do juizo particular e do juízo universal.
Diferida, isto é, postergada, adiada...
Estes dizeres enfa-
tizam a existencia da chamada «escatologia intermediaria» e afirmam que, mesmo depois da morte, há urna expectativa da parte do ser humano. Com outras palavras: a morte nao dá
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20
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
ao ser humano a fruieáo da eternidade, mas, sim, a da imortalidade em sua forma definitiva. Tal afirmagáo opóe-se á tese de Karl Barth e Emil Brunner, protestantes, bem como á de autores católicos, segundo os quais a morte póe o homem fora do tempo; por conseguinte, nao haveria distancia tem poral entre a morte do individuo e a eonsumagáo da historia ou a segunda vinda de Cristo. 2.
Faz-se misler esclarecer nítidamente a concepcáo de
escatologia intermediaria: 1) Somente Deus ó eterno e frui da eternidade. Com efeito, a eternidade nao é unía duragáo indefinidamente longa, mas é a posse simultánea de todo o respectivo sar ou da res pectiva existencia. Ora somente Deus é tal; só Deus nao tem passado nem futuro: só Deus possui simultáneamente toda a sua existencia. Nenhuma criatura goza deste privilegio, pois toda criatura, pelo tato mesmo de ser criatura, teve comeco; urna porgáo da existencia de cada homem já passou e nao voltará a ser presente (nem mesmo depois da morte) e outra porgáo da existencia de cada homem é futura e ficará sendo futura.
2) Com outras palavras: o ser humano, depois da morte, emancipa-se do tompo ou da sucossáo de dia c noito imposta
pelo movimento dos astros, mas nem por isto entra na posse simultánea de toda a sua existencia (peculiaridade exclusiva do Eterno ou de Deus); a existencia da criatura emancipada do tempo é chamada o evo ou a eviternidade. No evo há sucessáo... nao, porém, de dias e noites ou de momentos cronoló gicos, mas de atos de maior ou menor intensidade. Pode-se dizer que, contemplando a Deus face-a-face, o justo descobre sempre algo do novo; Deus só nao é
novo para
si mesmo.
Nao se dove, portanlo, crer que, morrcndo, o sor humano já experimenta o que ainda deverá acontecer no fim dos tempos ou já toca a parusia (a gloriosa manifestado de Nosso Senhor Jesús Cristo); ele a aguarda, solidáiño com os irmáos
que ainda realizam a historia do mundo; ele vivera a eonsu
magáo da histeria juntamente com seus irmáos que ainda sao peregrinos.
Alias, nao se entende que alguém, morrendo em 1979, já
atinja a consumacáo da humanidade que ocorrerá em época incerta para nos, com a provável participagáo de geragóes humanas que ainda nao vieram á existencia real. _ 460 —
RESSURREICAO DOS MORTOS: QUANDO?
1.4.
Céu, inferno e purgatorio
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(art. 7)
A morte vem a ser a passagem ou o acesso do ser humano á sua sorte definitiva. Esta pode ser a bem-aventuran;a plena ou a visáo de Deus face-a-face ou a frustracáo definitiva, cha mada «inferno». O purgatorio é concebido como estágio pre vio á bem-aventuranca final para quem ainda nao esteja puri ficado de todo resquicio de pecado.
Vejamos de per si cada qual destes estados postumos: 1) Céu... É o encontró com o Senhor Deus sem inter mediario nem símbolo; ó a contemplagáo face-a-face da Beleza Infinita. O documento em pauta chama a atengáo do cristáo para dois pontos importantes: — há continuidade entre a vida presente e a postuma; a
visáo de Deus face-a-face ocorrerá na proporcáo do grau de caridade com que cada qual morrer; colheremos no além o que tivermos semeado no aquém; — há também urna ruptura radical entre a realidade pre sente o a postuma, pois o regime da fé será substituido pelo da plena luz. A visáo ¡mediata do misterio de Deus é algo que «o olho jamáis viu, o ouvido jamáis ouviu e o coracáo do homem jamáis pcrcebeu» (ICor 2,9). A S. Escritura insinúa
essa realidade postuma mediante figuras, que merecem todo o respeito, mas devem ser tidas como tais, evitando-se a propó sito os devaneios da fantasía.
2) Inferno... O inferno nada tem a ver com imagens populares de tanque de enxofre fumegante, nem é algo criado por Deus. Vem a ser a frustragáo total ou a separagáo de Deus resultante de livre op;áo da criatura na térra.
Com outras palavras: todo ser humano foi naturalmente feito para o Bem Infinito; este, explícita ou implícitamente, exerce um tropismo sobre todo homem, á semelhanga do Norte que atrai a agulha magnética da bússola. Se alguém, usando da sua livre vontade, diz Sim a esse Norte (= Deus), encon-
tra repouso e plenitude... Se, porém, voluntariamente lhe diz Nao e é encontrado pelo Senhor numa atitude final de repulsa consciente e voluntaria, terá o definitivo distanciamento de Deus. É isto que se chama inferno; a própria criatura a ele se
condena, sem que o Senhor Deus necessite de proferir alguma sentenca.
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cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/3979
Esse estado é definitivo e sem fim, porque a alma humana é, por si mesma, imortal. O seu estado infernal só terminaría
— se o Senhor aniquilasse a criatura (o que seria contra rio á sabedoria do Criador);
— se o Senhor forgasse a vontade da criatura a dizer-lhe um Sim postumo, contrario á livre op;áo da mesma (ora o Senhor, que deu a liberdade ao homem, nao lha retira); — se o Senhor cessasse de amar a criatura e deixasse de lhe aparecer como o Sumo Bem; entáo o pecador se fecharía em si mesmo ou no seu egoísmo sem experimentar a atragáo de Deus. Todavía o Senhor nao pode deixar de amar o homem, porque Ele é incapaz de se contradizer; Ele nao pode dizer Nao após ter dito Sim; o seu amor é irreversivel.
Eis o que se entende por inferno numa lúcida concepcáo teológica. Vé-se que tal estado, longe de ser incompatível com a santidade de Deus, resulta precisamente do fato de que Deus ama a criatura,... e a ama divinamente, isto é, sem se poder desdizer e sem poder retirar-lhe o seu amor; cf. 2Tm 2,11-13.
3) Purgatorio... Este nao há de ser concebido como condenagáo ou a semelhanga do inferno. Entende-se do seguinte modo: Se alguém ama fundamentalmente a Deus, mas ó incoe-
rente, alimentando negligentemente falhas e imperfeigóes por que nao tem a coragem de extirpá-Ias, urna tal pessoa, ao morrer, nao é rejeitada pelo Senhor Deus; está voltada para Ele, embora portadora de covardia e certa tibieza. Todavía nao poderá passar diretamente para a visáo face-a-face de Deus, pois na presenga do Santo nao subsiste a mínima sombra de faina. Terá, pois, que se purificar das escorias do pecado, fazendo na vida postuma o que por negligencia deixou de fazer na vida presente.
Essa purificagáo postuma nada tem que ver com fogo. Ela se realiza mediante arrependimento sincero, que faz o amor de Deus penetrar em todas as carnadas da personalidade ñas quais subsistía o amor próprio desregrado. Pode ser ilustrada por urna lenda hindú, que assim reza:l
Certo mendigo, sentado á margem da estrada, viu certa vez a carruagem do rei aproximar-se. Imediatamente pós-se 1 Temos conscléncla de que tal estórla tem suas amblgüldades, mas eremos que pode ilustrar o que seja o arrependimento postumo.
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RESSURRE1CAO DOS MORTOS: QUANDO?
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a pensar que chegara o seu grande día, pois o monarca haveria de tirá-lo da sua miseria e lhe daria ricos presentes. Aconteceu, porém, que, descendo da carruagem, o rei se lhe chegou e pediu-lhe um pouco de trigo! O mendigo sentiu terrível aecepgáo, mas nao se pode furtar ao soberano; catou, pois, entre os graos contidos na sua bolsa o menor de todos, e o entregou ao monarca... Todavía, quando o pobrezinho, no fim do dia, abriu a sacóla para fazer o balanco da jornada, verificou que, entre seus graos de trigo, havia um de ouro; era o menor de todos... Compreendeu entáo que fora mesquinho e que, se ele tudo tivesse dado ao rei, estaría rico de ouro e livre de apuros. Imediatamente entáo pós-se a repudiar o egoísmo e a incompreensáo; purificou-se dos mesmos, prometendo a si nunca mais ceder aos maus sentimentos... Esta imagem elucida, ao menos á distancia, o que se pode entender por purificacáo postuma: é o repudio decidido e radi cal de toda incoeréncia alimentada, mais ou menos consciente mente, no decorrer da vida terrestre. Deve-se á misericordia divina, que oferece á criatura urna ocasiáo postuma de fazer o que devia ter feito no momento oportuno, ou seja, enquanto peregrina neste mundo. É durante a vida presente que toca á criatura preparar a veste nupcial, de modo a passar diretamente deste mundo á «ceia da vida eterna*.
Vé-se assim também que o conceito de purgatorio é algo de lógico e harmonioso no contexto do sabio plano de Deus. 1.5.
Sufragios pelos morios
(crt. 4)
Eis o teor do artigo: '1A Igreja excluí todas as formas de pensamento e de expressfio qje, adotadas, tornarlam absurdos ou Inlntellglvels a sua ora^áo, os seus ritos
fúnebres e o seu culto dos modos, realidades que,
constiluem lugares teológicos".
na sua substancia,
Com outras palavras: a Liturgia é um «lugar teológico», isto é, um documentário que atesta a fé da Igreja e serve de
referencial ao teólogo para elaborar suas teses. Ora a Liturgia, desde remotas épocas, supóe a purificagáo postuma, o céu e o inferno; além disto, ela professa, com a S. Escritura, a ressurreigáo universal no fim dos tempos. Os sufragios realizados pelos defuntos nao pretendem pedir ao Senhor que abrevie a estada dos fiéis no purgatorio (este nao é um lugar, mas um estado no qual nao se contam días nem anos), mas rogam a
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cPKKGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
Deus que o amor tibio e covarde possa penetrar até o ámago
da personalidade de quem já passou para a outra vida. Esses sufragios podem ter efeito retroativo, aplicando-se aos fiéis que deles necessitem e na medida em que necessitem. De resto, a respeito do purgatorio, como também no tocante a vida postuma em geral, a S. Igreja recomenda sobric-
dade de concepcóes e afirmacóes. A fó revela o essencial e suficiente para a orientacáo do cristáo; abstenham-se os fiéis e os teólogos de devaneios imaginosos.
2.
ConclusSo
Eis, em poucas palavras, o conteúdo do recente documento da S. Congregacáo para a Doutrina da Fé sobre a escatologia. Tenciona dirimir dúvidas e firmar a fé dos cristños em pontos de importancia capital. O cristáo vive mais em fungáo do futuro do que do passado. É a expectativa dos valores defini tivos (já presentes em germen na vida terrestre) que norteia o comportamento diario do discípulo de Cristo.
A S. Igreja insiste em que os teólogos, pregadores e cate quistas transmitan! com fidelidado os ensinamentos da reta fé. Os teólogos háo de pesquisar, sem dúvida, em espirito de comunháo com a S. Igroja. Quanto aos catequistas o pregadores, abstenham-se de novidadcs quo nao condigam com ns verdades
atrás expostas. De modo especial, incumbe aos Srs. Bispos velar pela autenticidade da mensagem de fé ensínada aos homens. Daí a atencáo que devem dar as publicaeñes referentes á escatologia. Saibam, por si ou mediante adequada comissáo diocesana, dis tinguir o certo do errado, apontando com nitidez as obras e os escritos que edifiquen! a fé do povo de Deus e assinalando devidamente os livros e árticos que de algum modo se Ihe
oponham. A propósito :
BETTENCOURT, Rio de Janeiro 1955. BOROS.
E., A vida que cometa com
L., Myslerium Mortis. Olten
CULLMANN, O.,
— Neuchatel - Paris
Immortalité
195S.
de
a
morle.
—
Ed. Agir,
1262.
l'érne ou Résurreclion
des
morts ?
POZO, C. Teologia del más allá. Cc!e?ao BAC n° 282. — La Editorial
Católica, Madrid
1968.
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Géneros literarios na Biblia :
que é um apocalipse ?
Em sintese: A Biblia ó um llvro cuja interpretado é considerada difícil; muí tos estudiosos a utilizam para fundamentar ou ilustrar as teses mais contraditórias. Esta confusáo se deve, em grande parte, ao fato de nSo se levarem
em conta os géneros literarios existentes na
sim,
redigida
através
de
dezenove
sáculos,
Sagrada por
Escritura.
autores
Esta foi,
humanos
que,
embora inspirados por Deus, utilizavam os melos de expressio da sua época e das suas regióes. é necessário, pois, que o intérprete contempo ráneo retroceda no tempo e procure ambientar-se ñas circunstancias em que es autores bíblicos compuseram seus escritos. Esta tarefa so se
ternou possível a partir do século passado, quando os estudiosos deseobriram a existencia de linguas e bibliotecas contemporáneas aos autores bíblicos no Oriente e no Egito. Tomaram entáo consciéncia de que na Biblia há géneros literarios, dos quais cada um tem suas peculiaridades de expressáo próprlas. Entre esses géneros destaca-se o do apocalipse. Este voga no povo de Israel entre o séc. II a.C. e o séc. II d.C. profecía, que nessa faixa da historia era rara.
esteve em Sucedeu á
Um apocalipse ó um escrito cujo autor tenciona consolar seus irmáos submelidos á perseguido ou tribulacao. Em vez de o fazer em seu próprio nomc, atribuí seus oráculos a um personagem bíblico de tempos passados, cujo nome dé autoridade a tais oráculos. Asslm o apocalipse parece ser profecía, mas nao o é. Além disto, todo apocalipse se refere sempre aos aconiecímentos fináis da historia, apresentando o Senhor Deus como Juiz que há de exaltar definitivamente os bons e punir os maus; esse julgamento universal se realiza em cenarlo cósmico, com a partícipacáo dos anjos. 'As "revolacóes" apocalípticas sSo descritas cerno se fossem ob'idas em
sonhos ou visóos; os
anjes as elucidam ao
vidente, etc.
No Evangclho lomos tragos de Apocalipse em Mt 24 ; Me 13 ; Le 22. Enlendam-se esses latos no sentido exigido pelas regras do estilo apoca líptico.
Comentario: Os temas bíblicos sao sempre atuais, visto que muilos estudiosos, ao proporem suas teses ou hipóteses, procuram fundamcntá-las na Sagrada Escritura; esta parece prestar-se a dar autoridade ás mais diversas teorías; as vezes
mesmo senten^as contraditórias sao pretensamente patrocina das pela Biblia. — 465 —
2K
«rERGUNTK E ItESPONDrORKMOS* 239/1979
Por que se dá táo estranho fenómeno?
Em grande parte, isto se deve ao fato de que as pessoas nao levam suficientemente em conta a face humana da Escri tura; esta, na verdade, nao é um livro caído do céu, independentemente da tramitagáo dos homens; mas ao contrario, é essencialmente marcado pela mente e o genio de homens mediante os quais Deus se quis dirigir a toda a humanidade. Se, pois, a Biblia foi redigida de acordó com as regras de linguagem de homens — e homens orientáis antigos —, entende-se que só
poderá ser adequadamente entendida se for recolocada no ambiente cultural e lingüístico em que foi escrita. Há, portanto, regras objetivas de interpretagáo do texto sagrado, regras que obrigam o estudioso moderno a despojar-se de suas
categorías de linguagem pessoais para poder compreender o modo de pensar e falar dos antigos.
Ora esta tarefa, em grande parte, coincide com o estudo dos géneros literarios da Biblia. Nao levando em conta as ver dades ácima expostas, muitos estudiosos incutem á Biblia as suas idéias e hipóteses e as apresentam como se fossem deduzidas da Biblia, em vez de fazer paciente e auténtico trabalho de exegese ou de leitura do pensamento bíblico. Eis porque, a fim de possibilitar melhor compreensáo das páginas sagradas, vamos, a seguir, expor sumariamente o que sejam os géneros literarios e, em especial, o género literario apocalíptico.
1.
Genero literario : que é ?
Leve-se em consideracáo que a linguagem, embora em si mesma seja algo de convencional, é imposta nos casos con cretos (com seu vocabulario e suas regras de gramática e sintaxe) a quem se queira comunicar. Todavía essa imposigáo nao é táo precisa quanto a da matemática; admite todo o ma
tizado que a psicología humana podé1'conceber em materia de
expressáo e comunicagáo. Temos vocábulos com duas ou mais acepg5es (boca, ladráo, porca.... por exemplo), como temos dois ou mais vocábulos dotados da mesma acepgáo (asno e burro; bilha e moringa; bambú e taquara..., por exemplo). Pode alguém exprimir a mesma verdade de muitas maneiras, nao somente usando vocábulos sinónimos ou alterando a construgáo da frase, mas também recorrendo a diversos modos de
— 466 —
QULO K UM APOCALIPSIS
27
falar, isto é, usando palavras em sentido exato e próprio ou lanzando máo de metáforas. Assim posso designar o mesmo inseto pelos nomes de «borboleta» e de «panapaná», o mesmo objeto pelos nomes de «bordáo, cajado, bastáo, báculo», como também posso dizer que Tarzá era uní lutador heroico ou que era um «leáo».
Assim entramos no terreno dos chamados «géneros litera rios».
Nao raro chama-se «género literario» qualquer exprés-
sionismo (breve ou longo) que, segundo as intengóes de quem o profere, deve significar algo diverso do que comumente se entendería. Esta praxe de nomenclatura pode redundar em generalizares indevidas. Por isto, para precisar propriamente o que seja um género literario, recorremos a urna cümparacáo inspirada pela arquitetura.
O arquiteto pode conceber diversos tipos de construcáo: assim, urna casa residencial, um hospital, urna escola, urna igreja, urna ponte... Urna vez estipulado o tipo da obra a
ser construida, o arquiteto terá aínda que escolher o materia i respectivo (pedras, tijolos, ladrilhos, mármores, madeira...), os motivos ornamentáis (formas de portas, janelas, capiteis) e a técnica de construcáo
(pegas prefabricadas, concreto ar
mado . ..) ... Cada construcáo, em seu estilo, exige material, ornamentos e técnica próprios; nao se pode adotar qualquer tipo de ornamento ou qualquer material de eonstrueáo para qualquer rcalizscáo arquitetónica.
Ora digamos que a linguageni humana é semelhante a urna
construgáo arquitetónica. Quem se exprime, tem a intengáo de comunicar algo de determinado (um episodio histórico, urna licáo de ética, unía serie de leis. . .); deve também escolher o ostilo que usará (prosa, poosia, expressáo jurídica...). Urna vez estipulados osles elementos, terá que usar o vocabulario e as regras de sintaxe correspondentes á sua int.enc.ao. Cada
assunto e cada estilo costumam condicionar o respectivo linguajar e expressionismo. Assim chegamos ao conceito de gé nero literario: este vem a ser a forma literaria própria utili zada por um escritor em funeáo do assunto que ele aborda e
da finalidade que ele tPm em vista. Todo género literario resulta, pois, de 1)
inten^áo ou finalidade do escritor ao abordar tal ou
tal assunto;
—
ltí" —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS:- 239/1979 _
2)
formas, motivos e pi'ocodimentos literarios adaptados
a tal intengáo.
Em conformidade com este conceito do «género literario», distinguimos na Biblia alguns grandes géneros literarios: 1) o género histórico, com seus subgéneros (o midraxe, o relato etiológico, a historia edificante, a tradigáo de fami lia...);
2)
o género jurídico, que há de ser sempre conciso e
claro:
3) o género poético, que recorre a freqüentes metáforas e reticencias (á diferenga do género jurídico); 4) o género sapiencial, que procede muitas vezes por pro verbios, máximas e sentencas ritmadas; 5) o género evangélico, com varias subunidades tegmas, frases em «Eu», parábolas...); 6)
(apof-
o género epistolar, com cabecalho, corpo e saudagóes
fináis; 7) o género profético, com a sua subunidade «apocalipse». A respeito do apocalipse, proporemos consideragócs especiáis no terceiro subtitulo desle artigo.
Afirma-se, com razáo, que «cada género litex*ário tem a sua verdade». Isto nao quer dizer que a verdade seja relativa, mas táo somente que cada género literario aborda a verdade «do seu modo»; ora coloca-a em plena luz, ora propóe trechos em que só 70% ou 60 %... dos dizeres contém a mensagem da verdade e 30% ou 40%... servem de moldura a tanto... ou vice-versa...
Compete-nos agora esludar
2.
O histórico da questao
Pode-se dizer que a tradigáo exegética sempre esteve atenta á existencia de expressóes figuradas, parábolas e alego rías na Biblia. Todavía aos exegetas até o séc. XIX faltava o conhecimento das literaturas orientáis antigás e dos seus diver sos expressionismos. Este só se tornou possível em conseqüéncia de exploragóes arqueológicas levadas a efeito nos séculos XDC e XX.
— 468 —
QUE £ UM APOCALIPSE
29
Os estudiosos que primeiramente confrontaram os textos bíblicos com os escritos da Assíria, da Babilonia e do Egito antigos, eram críticos, racionalistas e liberáis; movidos por seus principios filosóficos mais do que pela evidencia literaria e arqueológica, iam impugnando o valor original e sagrado das Escrituras, reduzindo-as a plagios ou sucedáneos de escritos oriundos entre os povos vizinhos de Israel. Isto provocou ñas escolas católicas de exegese urna desconfianca em relagáo aos métodos modernos de análise literaria do texto sagrado; julgavam muitos pensadores católicos que tinham de rejeitar globalmente tudo o que proviesse de autores racionalistas ou libe ráis. ..
Aos poucos, porém, essa atitude drástica foi sendo substi tuida por urna consideragáo mais serena e objetiva da realidade. Verificaram os católicos
necessário)
que era possível
(e mesmo
distinguir entre os instrumentos e o método de
pesquisa dos. colegas liberáis, de um lado, e a filosofía dos mesmos, por outro lado.
Enquanto esta era nao crista, aque
les poderiam ser validamente utilizados em perspectiva crista. 0 primeiro autor a perceber a distingáo e pó-la em prática foi o Pe. Lagrange O. P., que escreveu o artigo «L'inspiration et les exigences de la critique» (Revue Bibliquc 5 |1896| 496-518). Em novembro de 1902 o mesmo estudioso lornava a expor suas idéias em conferencias proferidas no
Instituto Católico de Toulouse. Propunha entáo a adogáo da
tese dos géneros literarios na Biblia: poderia haver passagens
b-blicas aparentemente históricas, as quais se deveria assinalar veracidade histórica diminuida (visto que a intenc.áo do autor sagrado nao teria sido a de narrar historia propriamente dita). Esta tese suscitou ardentes debates. Dois anos mais tarde, isto é, em 1904, o Pe. F. von Hummelauer S. J. levou adiante as idéias do Pe. Lagrange publicando urna obra' que continha a lista de nove géneros literarios aparentemente históricos, mas, na verdade, nao plenamente, ou mesmo de modo nenhum, históricos: a fábula, a parábola, a historia épica, a historia religiosa, a historia antiga, as tradicóes populares, as narragóes livres, o midraxe hagádico, o género profético-apo-
calíptico. Desses nove géneros, os dois primeiros sempre foram reconhecidos como nao históricos; os demais eram apresen-
tados pelo Pe. Hummelauer como expressóes de um conceito 1 Exegelisches
i. Br. 1904.
zur
tnsptratfonsfrage.
— 469 —
Biblische
D
Studlen
9.
Frelburg
30
^PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 239/1979
de historia diverso (porque muito menos crítico e exigente) do que hoje temos. A tese do autor jesuíta — ao qual se associaram outros exegetas católicos — contribuiu para dissipar a
impressáo de que existem erros de historiografía na Biblia; com efeito, se os autores sagrados nao tiveram a intencáo de nos transmitir a historia com toda a exatidáo a que está acostumada a ciencia moderna, nao podem ser argüidos de falsos ou mentirosos; a nos é que compete recuar no espago e no tempo, a fim de descobrir qual a genuina intencáo dos autores bíblicos e, conseqüentemente, entender seus escritos como eles quiseram que fosseni entendidos.
O magisterio da Igreja, a principio reservado quanto aos géneros literarios, foi-se abrindo aos poucos a esse novo ins trumental de análise do texto. Finalmente em 1943 o Papa Pío XII, na encíclica «Divino Afilante Spiritu», houve por bem nao só reconhecer a existencia de géneros literarios na Biblia, mas também recomendar a pesquisa dos mesmos: "Mullas vezes nao é claro o sentido literal das palavras e dos escritos dos antigos orientáis como também dos escritores de nossa época. Por que nao é só mediante as leis da gramática ou da filología, nem só me diante o contexto do discurso que se determina o que os antigos quiseram
significar com as suas palavras. é absolutamente necessário que o Intér
prete se transponha mentalmente aos remotos séculos do Oriente, para que, devidamentc apoiado pelos recursos da historia, da arqueología, da etnología e de outras disciplinas, distinga e veja com clareza quals géne ros literarios (como dizem) quiseram aplicar, e de fato aplicaram, os
escritores daquela época antiga. Pois os orientáis de outrora nao utiliza-
vam sempre as mesmas formas e as mesmas maneiras de dizer que nos, mas serviam-se das que estavam em uso corrente entre os homens da
sua época e dos seus países. Quais tenham sido essas formas, o exegeta nao o pode estabelecer de antemáo, mas ele o fará se proceder a escru puloso estudo da antiga literatura do Oriente" (ene. "Divino Afflante Spiritu" n 643-645).
A encíclica de Pío XII pos termo a receios infundados de exegetas católicos no tocante as pesquisas bíblicas; estas pode-
riam (e deveriam) tranquilamente valer-se para o futuro de todos os recursos científicos (lingüística, arqueología, paleo grafía...) que os estudiosos (nao católicos e católicos) desde muito utilizavam. Seria licito admitir que relatos aparente mente históricos na Biblia nao tém valor integralmente histó rico ... Naturalmente, para poder afirmar tal tese, o exegeta católico há de se basear em criterios objetivos de análise lin güística e literaria; jamáis o faz de antemáo ou preconcebida mente. Estude, antes do mais, o texto sem preconceito, e, como conseqüéncia desse estudo sereno, defina ou proponha o género literario em questáo. — 470 —
QUE É UM APOCAL1PSE
_3l
O reconhecimento de géneros literarios na Biblia leva-nos ainda a importante conclusio: a mensagem que Deus quer comunicar aos homens através das páginas sagradas está «encarnada» ou está revestida pela roupagem do género lite
rario e dos expressionismos que cada autor sagrado utilizou. Por isto, a fim de se perceber a mensagem divina das Escritu ras, é absolutamente indispensável perceber-se primeiramente o que o autor sagrado quis dizer através das suas páginas.
Quem negligencia o discernimento dos géneros literarios, sim-
plesmente nao entenderá os livros bíblicos ou atribuir-lhes-á
falsas concepcóes ou ainda as concepcóes que o próprio sujeito lhes queira imputar.
Passemos agora á consideracáo do género literario apoca
líptico.
3.
Que é um apocalipse ?
A palavra grega apokálypsis quer dizer revelagáo.
O gé
nero literario das revelacóes (ou apocalíptico) teve grande voga entre os judeus nos dois séculos ¡mediatamente anteriores e posteriores a Cristo. A sua origem se deve principalmente ao fato de que os auténticos profetas foram escasseando em Israel após o exilio babilónico (587-538 a.C); os últimos profetas bíblicos — Ageu, Malaquias e Zacarías — exerceram o seu ministerio nos séculos VI e V a.C. Ora após o séc. V o povo de Israel conlinuou sujeito ao jugo estrangeiro: retornando do exilio babilónico em 538 a.C,
ficou sob o dominio persa até Alexandre Magno (336-323 a.C.) da Macedónia, que conquistou a térra de Israel, anexando-a ao Imperio Macedónico. Após a morte do Imperador, a Pales tina ficou sob os egipcios (dinastía dos Ptolomeus) até o ano de 200 a.C. Nesta data, os sirios ocuparam e dominaram a térra de Israel, constituindo ai o período dos Antíocos ou Seléucidas. Finalmente, os Romanos em 63 a.C. invadiram o territorio palestinense e impuseram seu jugo aos judeus, jugo que perdurou até que o povo de Israel foi expulso da sua térra em 70 d.C. (queda e ruina de Jerusalém revoltada). Ora nessas duras circunstancias de vida o povo de Israel, nao tendo profeta, sentia necessidade de ser consolado e alentado para
nao resfalecer. Foi entáo que os autores judeus se puseram a cultivar mais assiduamente o género literario apocalíptico ou da revelacáo, que tem afinidade com a profecía, mas, na verdado, nao se identifica com esta. — 471 —
32
«PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
O apocalipse (revelac.áo) tende a incutir aos leitores urna confianza inabalável na Providencia Divina. Todavía, em vez de o fazer de maneira escolar ou meramente teórica, exortando á fé, o autor recorre a um artificio: atribuí a um famoso personagem bíblico do passado (Enoque, Moisés, Elias, Daniel) ou a um anjo do Senhor revelagoes proféticas a respeito da época que ele e seus correligionarios estáo vivendo. Esse personagem famoso aníigo descreve os tempos atribulados que os leitores experimentam e assegura que a tormenta passará, devendo a causa de Deus triunfar da faccáo dos impíos; estes
seráo prostrados, pois ocorreráo em breve o juízo final cía his
toria e a consiimaeáo dos tempos. É isto que dá ao apocalipse a aparéncia de profecía; todavia note-se que o autor, ao descrever os fatos de sua época (como se tivessem sido preditos por Enoque ou Moisés...), os descreve na base de suas obser vares e experiencias pessoais. O recurso a personagem famoso da antigüidade como revelador da mensagem é artificio próprio do género apocalíptico: tende a incutir mais ánimo e esperanga nos leitores; com efeito, se o próprio autor sagrado, con temporáneo dos leitores imediatos, predissesse dias melhores, nao teria a mesma autoridade que era inegavelmente reconhe-
cida a Enoque, Moisés, Elias, Daniel...
Por sua vez, o escri
tor sagrado tinha fundamentos para consolar seus compa triotas perseguidos c predizer a vitória final do bem sobre o mal, porque esta ó anunciada por todas as profecías e promessas feitas a Israel. O autor de um apocalipse nada acrescenta de novo a essas promsssas: apenas as torna aluais, repe-
tindo-as de maneira solcne e enfática em momento penoso da historia do scu povo e anunciando para breve o cumprimento das mesmas. De resto, a Salvacáo, já oferecida por Dous em fases anteriores de tribuíales de Israel, era penhor do que, tambóm dessa vez, o Sonhor nao abandonaría seu povo. As páginas m;iis tipícamonip apocalípticas do Anligo Tes tamento sao os capítulos 7 a 12 do livro de Daniel. Estas s.?c-
cóes foram escritas no séc. II sob o dominio dos sirios ou Antíocos na Palestina; atribuem a Daniel, famoso varáo do séc. VI,
a descríelo simbolista dos acontecimentos que se desenrolaram desde o dominio pei'sa (séc. VI a.C.) até o dominio sirio (séc. II a.C); em estilo de sonhos e visóes, sao apresentados os
reís
persas,
macedónios,
egipcios,
sirios
que
imperaram
sobre Israel até Antíoco IV Epifánio (175-164); para os tem pos deste, o autor apocalíptico anuncia a intervenoáo final de Deus e a salvacáo a ser trazida pelo Messias. Nao é fácil entender um
apocalipse,
visto que utiliza exuberante simbo-
— 472 —
QUE K UM APOCALIPSE
33
lismo e coloca o leitor diante de um cenário cósmico, que con juga o céu e a térra.
Mais precisamente, podem-se assim caracterizar os ele mentos formáis do género apocalíptico:
1) a pseudonímia do autor. Este é um contemporáneo dos seus primeiros leitores, mas fala-lhes como se fosse um personagem antigo e veneravel. É o que se vé claramente, por exemplo, no livro de Daniel. No Apocalipse de Sao Joáo é im unjo quem revela.
2) O caráter esotérico (ou reservado) das revelagóes. Estas teráo sido comunicadas outrora ao veneravel personagem da antigüidade; ueviam, porém, ficar em segredo até os dias
do autor do apocalipse. Veja-se, por exemplo, Dn 8,26; 12,9.
3) Freqüentes intervengoes de anjos. Estes aparecem, nos apocalipses, ora como ministros de Deus que colaboram com a Providencia Divina na dispensacáo da salva^áo aos homens, ora sao intérpretes das visóes ou revelagóes que o autor do livro doscreve. Cf. Ez 40,3; Zc 2,ls; 2,5-9; 5,1-4; 6,1-8; Ap 7,1-3; 8,1-13. 4) Simbolismo rico e, por vezes, singular. Animáis po(iom significar homens e povos; feras e aves representam geralmente as nacóes pagas; os anjos bons sao descritos como se fossem homens, e os maus como estrelas caídas. O recurso üíjs números é freqüente, explorando-se entáo o simbolismo
dos mesmos (3, 7, 10, 12, 1000 como símbolos de bonama; 3, 1/2 como símbolo de penuria e tribulacáo). É a exuberancia do simbolismo dos apocalipses que torna difícil a compreensáo dos
mesmos; o leitor ou interprete deve procurar entender esse
simbolismo a partir de passagens bíblicas o exlra-biblicas para
lelas (na verdatk', há símbolos que se repetem com a mosma
significaeüo: gafanhotos, aguas, cedro, tris anos e meio, mi! anos...).
Os autores de apocalipses sao assaz livres ao conceber seus símbolos, suas visóes e personificacóes; propóem cenas
estranhas sem se preocupar com a sua verossimilhanca: cf., por exemplo, a Jerusalém nova em Ap 21,1-27; Ez 47,1-12.
5) Forte nota escatológica. Os apocalipses se voltam todos para os lempos fináis da historia e os descrevem com
— 473 —
grandiosidade, aprésente ndo a intervenqáo solene de Deus em mcio a um cenário cósmico, o julgamento dos povos, o abalo da natureza, a punicáo dos maus e a exaltagáo dos bons (estando reservado para Israel nesse contexto um papel de relevo e de recompensa). Este trago diferencia beni da profecía o apocalipse. A profecía é sempre urna palavra dita em nome de Deus (pro-pheemi = dizer em lugar de): todavía nem sempre visa ao futuro: refere-se muitas vezes a situagóes do presente, pro curando sacudir os homens de sua indiferenga religiosa ou da hipocrisia de vida, levando-os a conduta moral mais digna e córrela; a profecía tem, sim, um caráter fortemente morali zante, válido para os contemporáneos, mas nem sempre voltado para o futuro ou a escatologia. — Ao contrario, nos apocalipses a índole moralizante desaparece quase por completo; o que preocupa o autor sagrado, sao os acontecimentos fináis da historia, que redundaráo em derrota definitiva dos maus e premio para os bons; as visóos, os sonhos c os símbolos fanta-
sistas (que já os profetas cultivavam, mas com sobriedade) tornam-se o elemento dominante na forma literaria dos apocalipses. 6) O género literario apocalíptico foi-se formando, com suas diversas características, silravís dos séculos ou paulatina mente. Já se cncontríim alguns de seus elementos nos escri tos dos profetas, antes do sóc. II a.C. Há mesmo passagens de profetas que lém estilo apocalíptico, como pode havor nos escritos apocalípticos trechos de índole profetica. Assim no llvro de Daniel sao tidas como proféticas as passagens de Dn 2,34.44s; 7,9-14; 12,1-3.
4.
O apocalipse sinótico
Nos Evnngelhos sinóticos (MI, Me, Le) há passagens de estilo apocalíptico: Mt 25,1-51; Me 13,1-37; Le 21,5-36. Constituem o chamado sprmáo escatofógieo (relativo aos últimos tempos) de Jesús.
A apocalíptica dos Evangelhos nao abrange
todos os elementos atrás atribuidos ao género literario apoca líptico; assim, por exemplo, nao pretende ser revelagáo de ver dades outrora comunicadas por Deus a um santo personagem bíblico e posteriormente manifestadas por um autor sagrado aos homens atribulados. O que há de apocalíptico ñas passa gens evangélicas citadas, resume-so nos seguintes elementos: — 474 —
QUE É UM APOCALIPSK
Xj
a) A perspectiva do finí... Os exegelas indagam se o fiin intencionado por Jesús é o fim dos tempos (como seria normalmente num apocalipse) ou táo somente o fim de Jerusalóm (que ocorreu em 70 d.C). Esta última sentenca é pro posta por autores de renome. Embora Mt 24,1-51 aprésente cortos elementos de juizo universal, pode-se admitir que esse juizo tenha em mira táo somente Jerusalém. Jesús terá des crito a luta e a queda de Jerusalém num cenário de natureza abalada ou com elementos do género literario apocalíptico, por que o juizo sobre Jerusalém é figura do juizo sobre a humanidade que deverá ocorrer no fim dos tempos. Outra sentenca julga que Mt 24 alude á queda de Jerusa lém nos vv. 4-28 e ao fim dos tempos nos w. 29-51. A pri meara seria imagem deste, de modo que Jesús, como profeta, teria visto urna e outra realidade numa perspectiva de continuidade o os teria apresentado num único sermáo.
b)
O cenário cósmico: «O sol se escurecerá, a lúa nao
dará a sua claridade, as estrelas cairáo do céu e os poderes do céu seráo abalados» (Mt 24,29). Estas afirmac/óes háo de ser entendidas h luz do estilo apocalíptico; nao definem, pois, acontecimentos vindouros, mas significam que a natureza cós mica, mesmo inanimada, participará do grande evento final da historia, qunndo o Senhor Deus disser a Palavra definitiva de vitória do bem o esmagamento do mal.
É de recomendar sobriedade a quem medite sobre o desen
rolar dos eventos escatológicos. A Sagrada Escritura emprega imagens múltiplas, que háo de ser respeitadas como imagens
o que, por conseguinte, nao permitan ao estudioso aventurar conjeturas minuciosas sobre táo delicado tema. Entre as pou-
cas verdades que a este dizem respeito, pode-se afirmar com
certeza que Cristo vira como Juiz Universal para rematar a historia e desvendar os segredos dos coragóes; entáo o bem e os bons seráo pública e definitivamente exaltados, ao passo que o mal e os maus seráo reconhecidos como tais. A propósito veja-se aínda E. BETTENCOURT, A vida que ce-meca com a morte. Rio de Janeiro. Agir, 1958. L BOFF, A vida para atóm da morte. Petrópolis, Vozes, 1973.
S. MUÑOZ IGLESIAS
Los géneros literarios y la Interpretación de
la Biblia. Madrid, 1968. M. De TUYA-J. SALGUERO, Introducción a la Biblia. BAC, 1967 (vv. 262 y 268).
I y
II. Madrid.
V. DEN BORN, Diclonário Enciclopédico da Biblia, verbales
líptica",
■Escatologia",
Peírópolls,
Vozes, 1971.
— 475 —
"Apoca
Devogáo popular:
e as correntes de oracoes ?
Em sintese: O presente artigo tende a mostrar que a prática das cadeias de oracóes é aberrante do ponto de vista da razao tanto quanto á luz da fé. Com efeito; nada prova existir algum nexo causal entre tal prece e os efeitos mará vil hosos que se Ihe atribuem. Quanto á Revelacáo Divina, ela nao aponta fórmulas mágicas que obriguem o Senhor a atender
ao homem no momento e ñas circunstancias ditadas pelo orante; admitir tal tipo
de oracao significa nao ter o
conceito de
oracáo crista, que
é
sempre o diálogo confiante de filhos com o Pa! do céu. Donde se vé que as correntes de oracóes devem ser interrompidas tranquilamente; se algum efeito maléfico em qualquer tempo resultou de tal interrupeáo, este (caso tenha realmente ocorrido) se deve exclusivamente ao sugeslionamento e ao medo que afetaram a pessoa crédula e insegura por haver quebrado a corrente
O artigo se
de oracóes.
detém
ainda sobre a mentalidade
da
pessoa
supersti
ciosa : esta abdica da sua capacidade de pensar e criticar sadiamente, relacionando efeitos estranhos com causas inadequadas. Verifica-se, porém, que pessoas de alta intelectualida.de e cultura aderiram a superstigdes (Emilo
Zola,
o
presidenta
Mazaryk,
o
músico
Chopin...).
Isto
explica pelo fato de que o ser humano é naturalmente religioso; ou
adora o verdadelro
Deus
ou
cultua substitutivos,
ou
só
se
por isto
seja, objetos
e
fórmulas que Ihe fazem as vezes do verdadeiro Deus. É, sem dúvida, a nostalgia
do
Divino
que,
apesar
de
tudo,
se
faz
ouvir
ñas
afirmaedes
erróneas da superstigáo.
Comentario:
Nao é raro receber alguém urna carta por
tadora de oragáo «maravilhosa» a ser policopiada e transmi tida a n pessoas dentro de x dias. Caso o destinatario dessa carta siga as instruyes do mitente, será feliz c conseguirá
portentos. tremendas de pessoas das, como
Caso, porém, negligencie fazé-lo, será vítima de desgragas. É mesmo costume citarem-se episodios afortunadas pela sua docilidade as normas recebitambém os de individuos que se prejudicaram pelo
desprezo das mesmas.
— 476 —
CORKENTES DE ORACOES?
1.
37
Que dizer?
Proporemos a respeito tres observacóes:
1.1.
Qual o fundamento ?
É preciso, antes do mais, que se indague: com que fun damento se pode crer na eficacia da oragáo em cadeia? Quem envía a prece em corrente, nao explica os porqu&s das suas afirmagóes nem mesmo conhece tais porqués; procede as cegas, movido pelo medo de ser vítima de desgraga ou pela esperanga (subjetiva ou vaga) de obter algum beneficio.
Ora tais atitudes sao irracionais e deturpam a auténtica face da vida de fé. O ato de fé é sempre um ato da pessoa humana, a qual move a sua inteligencia para aderir a urna
proposigáo que se lhe afigura como verdade. O homem, dotado de razáo, nao foi feito para aceitar as cegas o que se lhe diz; nem mesmo a mais férvida prática religiosa pode abstrair de
base racional ou inteligente; as auténticas atitudes religiosas sao sempre o desenvolvimento da personalidade humana como tal: implicam, portanto, participado da inteligencia do homem piedoso.
Mais precisamente: no caso em pauta, deve-se reconhecer
que nao se vé por que determinada oracáo seria táo pode rosa,
por que tal causa leva a tais efeitos,... qual o nexo
lógico entre tal fórmula e os resultados a ela atribuidos. Nao
raro se diz que a eficacia de determinada prece foi revelada a determinado ía) vidente por algum (a) santo (a) no decorrer de aiguma aparicáo. Ora geralmente nesses casos nao há senao ilusáo humana e vá superstigáo; a fantasía popular devota ima
gina fácilmente os santos a se comunicarem com os homens para transmitir-lhes mensagens maravilhosas.
Podemos dizer, portanto, que quem acredita na «onipo-
téncia» de alguma oracáo, já nao está concebendo cristámente a prece e a piedade, mas está cedendo a atitudes supersticiosas e mágicas. O Senhor Deus nao está obrigado a dar resposta no momento predeterminado pelo homem, passando por vias extraordinarias ou nao habituáis; a insistencia em esperar isto do Senhor Deus poderia equivaler ao que se chama «tentar a — 477 —
k iíi:.spondkkí.;mos . ■¿
Deus», ou seja, exigir que o Senhor Deus se adapte a esque mas imaginosos e proceda por vias extraordinarias. Explanemos agora um pouco melhor o conceito de
1.2.
Ora?6es
«todo-poderosas»
Nao é raro ouvir falar de orayóe.s ¿todo-poderosas», pois há quem julgue que determinadas preces produzem efeitos infaliveis. — Na verdado, nao existem fórmulas todo-podero sas; esta concepgáo ó derivada dos ritos mágicos, e nao das fontes do Cristianismo. Com efeito, o cristáo sabe que Deus é Pai e que, por conseguinte, deve tomar a atitude de filho frente ao Pai; isto implica confianca, entrega de si, esperanca...: tal atitude excluí qualquer tentativa de coagir ou forear a Deus em favor dos homens. Só forcamos um estranho ou um tirano. — Ao contrario, a magia tem por objetivo canalizar os poderes da Divindade em prol dos planos dos" ho mens; considera Deus ou os deuses como forgas neutras, que podem ser aproveitadas por pessoas iniciadas, conhecedoras dos segredos da Divindade. Ora tal mentalidade evidentemente
nao é "crista. No Evangelho, o Senhor ensina aos discípulos o
seguinte:
"Ñas vossas
oragóes nao uséis de
vas
repelieses
como fazem
os
gentíos, porque entendem que é pelo palavreado excesslvo que seráo ouvidos. NSo sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que tendes
necessldade antes de
Iho pedirdes"
(Mt 6, 7s).
Estes dteeres do Senhor incutem sobriedade de palavras
na oragáo. O Pai sabe que precisamos daquilo que nossos labios Lhe exprimem. Nao obstante, o Senhor quer que rezemos (cf. Mt 7,7-11), nao para dobrar ou inclinar a vontade de Deus segundo nossos designios, mas porque a oragáo nos leva a colaborar com o plano de Deus. Recebemos pao, roupa, trabalho e outros bens nao como o pássaro, a flor ou as criaturas irracionais recebem os dons de Deus, mas como criaturas inte ligentes, que sugerem ao Senhor aquilo que julgam melhor corresponder aos interesses do Reino. Na oragáo, portante, apresentamos ao Pai do céu os pedidos que julgamos oportu nos; fazemo-lo, porém, condicionalmente, acrescentando com
Jesús: «Faga-se, porém, a tua vontade, ó Pai, e nao a minha» (cf. Mt 26,42; Me 14,36). O que, em última instancia, deso jamos através da prece, é que se cumpra a vontade de Deus, a qual é sempre santa e salutar. —
J7S
CORHENTES DE ORACOES?
39
O costume de repetir oracóes — na recitacáo do Rosario, por exemplo, ou na prática das novenas — nao visa a «con vencer» ou «forcar» o Senhor Deus, mas se deve á nossa condicáo humana; sim, tem em mira suscitar em nos uma atitude de confianga e perseveranca; aviva os nossos afetos e dispóe-nos a receber de ánimo aberto e consciente o dom de Deus. O cristáo que reza, tem uma grande certeza: nao a oue
as correntes de oragóes incutem, mas, sim, a garantía de que nenhuma oragáo feita em uniáo com Cristo (cf. Me 14,36) é inútil ou perdida. Se o Pai do céu nao concede eslritamente aquilo que o orante lhe sugere, Ele lhe dá uma gra<;a equiva lente ou mclhor, porque mais condizente com o plano de Deus. É certo, pois, que Deus sempre atende a quem ora com humildade e confianza filiáis; tal certeza se deriva das palavras do próprio Cristo, que diz: "Pedi, e vos será dado; buscal, e acharéis; batei, e vos será aborto. Pois todo o que pede, recebe: o que busca, acha; e ao que bate, se abrirá" (Le 11.9s).
"Em verdade, em verdade, vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vó-la dará. Até agora nada pedisles em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegría seja plena" (Jo 16,23s).
A cxpressáo «em meu nome»
tem importancia decisiva
nos dizeres ácima. Significa «em uniiio com Jesusa, *rm eomu-
nháo com a atitude de Jesús»; Este pedia a isenyño ció cálice de sua Paixáo, mas, ácima de tudo, desejava que se fizesse a vontade do Pai, e nao a sua (cf. Me 14,36). É com tais sentimentos que também o cristao eleva suas preces ao Pai, certo de quo, de uma maneira ou de oulia, será atendido.
A luz destas verdades, verifica-se que tem significado muito relativo a rubrica «Com aprovagáo eclesiástica» aposta a algumas preces «lodo-poderosas». Tal fórmula carece de autoiidade porque ó anónima, genérica ou vaga.
Eis, porém, que se levanta uma objecáo:
1.3.
E os casos de eficacia dos correntes ?
Há quem diga que tal ou tal oragao em cadeia logrou real mente efeitos benéficos ou maléficos... A propósilo obser vemos:
— 479 —
40
• FEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
a) Seria preciso averiguar com exatidáo a veracidade de tais dizcres. Ocorreram realmente tais beneficios ou maleficios atribuidos á prece em pauta? Nao raro verificar-se-á que nada consta de positivo e claro.
b) Dado que algum efeito portentoso tenha decorrido da prece, pode-se crer que em alguns casos o poder da sugcstáo predispóe a pessoa a resolver problemas de sua vida ou a incorrer em desastres e desgracas; a sugestáo, prometendo benefi cios ou maleficios, pode desbloquear o psiquismo do paciente, tornando-o propenso a viver as situacócs que o sugestionamento lhe propóe. Os estudos de Pavlov sobre os «reflexos condicionados» evidenciam tal proposicáo. A Psicología mo derna ensina que um órgáo humano pode entrar em atividade tanto sob a influencia de scus excitantes naturais (remedios adequados, por exemplo) como sob a excitagáo de estimulan tes meramente convencionais. Por conseguinte, caso se diga a alguém que determinado objeto ou determinada fórmula ou determinado tratamento é benéfico para o corpo, pode acon
tecer que, emboru tais objetos ou fórmulas sejam de todo indi ferentes e inoperantes, a pessoa experimente um beneficio corpóreo ao aplicá-los a si. So, pois, ha alguma veracidade nos portentos ¿¡tribuidos a ora ños «poci:r(:s;is:>, nño se julgue que so di-ve ;'i eficacia ni.':¡.;ie;i fia fórniul».
Km conseqüencia de quanto acaba de ser dito, vs-se c:ui!
a iititudc coerente do cristáo que recebe urna orae.no em cadeia
para passá-la adiante, ó a de romper tal corrente. Nao somonte nada lhe acontecerá por ter feiío isto, mas, ao contrario, adqui
rirá mérito diante de Deus, pois praticará obra boa; estará,
sim, contribuindo para dissipar supersticóes o crendiecs, que desfiguram a verdadeira piedade.
Digamos, pois, por último unía palavra a rcsptñto d;1
2. 1.
Supersíicóo
A palavra «supersligáo» vem do termo latino supers-
titio, que significa «o excesso» ou também «o que í'esta o sobre vive de épocas passadas». Em qualquer accepeáo, porém, designa o que é alheio a atualidade, o que é velho ou degenc-
rescente. Transposto para a linguagem religiosa dos romanos pagaos, o vocábulo supsrstitio veio a designar as observancias — 480 —
CORRENTES DE ORACHES?
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de culto arcaicas, populares, nao mais condizenles com as nor
mas da Religiáo oficial vigente. Servio, por exemplo, comentador da Eneida de Virgilio, diz que se dava o neme de "supersticiosas" a certas mulheres que atingiam idade avancada; já que sobreviviam a mullas contemporáneas suas, superstltes erant, isto é, "constituiam o resto ou a sobra..." E, como essas mulheres fossem dadas a vas e aberrantes práticas de piedade, a "supersticao" veio a coincidir com a religiosidade pouco esclarecida de pessoas simplonas ou tendentes á decrepitude; cf. Aeneid. VIII 183. O escritor romano Varráo (t 27 a.C.) exprimía muilo bem, na sua linguagem politeísta, o que significa essa religiosidade inferior, quando athmava que "o supersticioso é o homem que teme os deuses como inimigos, ao passo que o homem religioso os reverencia como país' (citado por S. Agcstlnho, De civ. Del 6, 9, 2). Quintiliano (t 120 d.C), por sua vez, notava que "a supersticSo difere da religiáo como o homem que procura por curiosidade difere do homem que procura por amor" (De inst. orat. VIII 3).
Em suma, vé-se que já entre os romanos pagaos a supers ticao era tida como urna deterioracáo ou contrafapáo da Reli giáo. — Ora é com este mesmo aspecto que ela so apresenta também entre os cristaos.
Focalizemo-la tal como ola aparece nos países do civilizacño crislñ. 2. A expressáo mais comum da superstigáo entre nos consiste em querer elucidar certos fenómenos (explicareis pe las leis da natureza) por causas de índole sobrenatural ou
misteriosa; introduz-se assim o «pseudo-sobrenatural» ou o «pseudo-divino» em objetos e acontecimentos naturais. E note-se bem que a superstigáo nao prova suas teses, mas supóe, por parle dos adeptos, piedosa credulidade. O homem supers ticioso nao indaga por que deva haver relac.áo de causa e efeito entre tal agente e tal fenómeno; ao contrario, ele aceita essa relacáo como fato indiscutivel. Ora urna tal atitude é assaz irracional. Com efeito; nao se poderia dizer que, aos olhos da inteligencia, aparega evi dente nexo entre «ferradura de cávalo» e «felicidade do ho mem», entre «sentarem-se treze pessoas á mesa» e «morte de
um dos convivas». Quem considera a essencia de cada um desses fenómenos, nao vé embebido na mesma o vinculo de causa e efeito que se Ihes atribuí vulgarmente.
— 481 —
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«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
Na melhor das hipóleses, verifica-se afinidade extrínseca entre os fenómenos que a voz popular relaciona entre si.
e
vaga
Assim, objetivamente falando, "entrega de urna faca a alguém" é urna coisa; "ruptura de amizade com essa pessoa" é outra coisa, por si totalmente independente da anterior. A voz popular, porém, afirma que "dar urna faca a alguém acarreta ruptura de amizade". Na base de que
o afirma? Nao na base de
afinidade
Intrínseca, como se um
dos dols
conceitos naturalmente evocasse o outro na mente de quem raciocina, mas apenas na base de urna semelhanca extrínseca, simbolista, entro faca (instrumento cortante) e corte de amizade. Dessa semelhanca.
porém, é afeito e gratuito concluir que quem entrega urna faca terá também que cortar urna amizade!... Numa tal afirmacáo a fantasía toma a dianteira sobre a razáo.
Dizem outrossim que "quem finca um prego, se preserva do mal e fixa o seu destino para o bem" ! De novo urna semelhanca meramente extrínseca, simbolista, funda tal associacSo de idéias ("fincar"... "fixar"),
desta vez, porém, já om confuto com a sá razáo, pois esta ensina que nao há destino ou torca cega que prevaleca sobre o livre arbitrio do homem.
Seja mencionado também o trevo de quatro folhas, "portador de felicidade"... No Piemonte, na Suica e na Franca acredita-se que quem
encontra tal portento, pode estar seguro de quo será
feliz por toda
a
vida. E por qué ? — Porque o trevo de quatro folhas é coisa rara, como
a felicidade é rara... Á guisa de comentario, seja licito repetir: analogía
meramente extrínseca nao implica nexo intrínseco; a associacao de con ceitos no caso obedece a urna intuicüo infra-racional; o homem, poróm, tem que vtver como ser racional. Observemos mesmo que ás vezes é t§o pouco lógica a assoclacSo de causa e eíeito professada pelos supersticiosos que o mesmo objeto aparece associado a realidades contraditórias. Assim, por exemplo, o número 13 é tido ora como sinal de infortunio, ora como símbolo de bom agouro.
É, sim, considerado como símbolo de desgrasa, já que treze eram os convivas da úllima ceia de Cristo, dos quais Jesús morreu crucilicado e Judas Iscariotes se enforcou: a sexla-íeira (dia em que Jesús morreu) foí conseqüentemente associada ao horror que a cifra 13 provocava ñas geracces cristas. Por islo muitas pessoas evltam viajar em sexta-feira 13;
em álguns hoteis, nao há quarto n? 13, mas, sim, n? 12-a; a numeracáo dos camarotes de
tealro
omüe
por vezes a
cifra 13. ..
Como se vó, a crenca na má sorto do n? 13 parece estar baseada ao menos no testemunno da S. Escritura... — Este testemunho, porém, é tSo arbitrariamente entendido e as observancias que a ele se prendem sao táo pouco ditadas pela natureza intrínseca das coisas que o mesmo número 13 em vastas regióes da térra (ató em países cristáos) é estimado como símbolo justamente
da boa sorto.
O argumento dos otimislas se básela no fato de que 13 ó número afim a 4 (1 e 3 dáo 4) ; ora 4 ó símbolo de próspera fortuna... Con-
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CORRENTES DE ORACHES?
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seqüentemente, na india 13 é cifra religiosa multo apreciada: os pagodes hindus apresentam normalmente treze estatuas de Buda. Na China, os
dísticos místicos dos templos sio encabegados nSo raro pelo número 13. Também os mexicanos primitivos conslderavam o número 13 como algo de santo; adoravam, por exemplo, treze cabras sagradas. — Passando agora a ambientes de clvilizacSo crista, lembraremos que nos EE.UU. da América do Norte o número goza de estima, porque treze eram os Estados que Iniclalmente constituiam a uniao norte-americana; além disto, o lema da Uniao (E pluribus unum) consta de treze letras; a águla norte ameri cana está revestida de treze penas em cada asa; Jorge Washington hasteou o estandarte republicano com urna salva de treze tiros. Mesmo em outros países da América e na Europa o n? 13 pode figurar em medalhas e bibelós como símbolo portador de felicidade; por vezes as loterías afixam
o cartaz: "Hoje sexta-feira 13, dia de boa sorte..."
Os exemplos ácima dáo claramente a ver quanto a assoclagSo dos conceitos de sorte e azar com a idéia de 13 é arbitraria. Ninguém, por-
tanto,
se deixará
abalar
pelos prognósticos espalhados
"em
nome
do
número 13"...
Para concluir, diga-se aínda algo sobre
3.
A mentalidade do homem supersticioso
O que até aqui dissemos, permite-nos concluir que a supers-
ti<;áo é expressáo do senso religioso decadente. Este, nao sabendo mais a qucm se dirigir, atribuí poderes e efeitos sobrcnaturais ou divinos a causas por si inadequadas. 1. Explica-se a supersticao (mas nao se justifica) pelo desejo, Inato em todo homem, de encontrar a razao de ser dos fenómenos misteriosos
que o cercam. Em vez de raciocinar para chegar á devida solucáo, a pessoa pode delxar-se mover pela preguica de pensar ou pela covardia (em suma, pela leí do menor esforco); relaciona entao efeitos estranhos com cau sas ineptas, que ¡mpressionam o observador por motivos acidentais ou por
semelhanca meramente externa com os ditos efeitos. Em última análise, como dlzfamos, tal atitude significa decrepitude do pensamiento, luga do homem a si mesmo e á sua dignidade de criatura racional.
Verifica-se que principalmente em períodos de guerras a superstlclo campeía. Mullos, nao sabendo mals como se defender razoavelmente das Ingentes calamidades que os ameacam, recorrem a solucoes irraclonais
ou a objetos apotropélcos (espantalhos do mal). Nao tendo mals energías em si para conceber e justificar suas atltudes, mullos entfio tendem a se definir, guiados nSo proprlamente pelo raciocinio (o que acarretaria responsabilidade), mas pelo encontró de sinais que eles indevidamente julgam
reveladores de um plano superior ou divino (julgando asslm, desembaracam-se da
responsabilldade de
suas
atitudes). Precario
paliativo,
que
tende a levar ao fatalismo! O supersticioso se assemelha ao doente deses perado, que costuma acreditar em todos os remedios e receitas que Ihe recomendam sem refletir multo, ¡mpressionado, de um lado, pelo seu esgotamento e, de outro lado, pela aparente autoridade de quem tala. — 483 —
•14
:PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 239/1979
2. seu
Contudo, apesar de
reprovável, a superstlcSo nfio delxa
de ler
significado positivo.
Chama, sim, nossa atengáo o (ato de que n3o somente os Ignorantes aderem freqüentemente á superstlcao, mas também pessoas de alta cultura.
Zola
Grandes adeptos do positivismo e do ateísmo, como o escritor Émlla e
o Presidente Mazaryk,
da Tcheco-Eslováquia, professaram aberta-
mente suas crendices supersticiosas, apesar de alirmarem n§o ter fó re ligiosa.
Zola, por exemplo, julgava que os múltiplos de 3 eram números lavo-
ráveis; mais tarde preferiu os de 5 e 7. Do seu lado, o músico Chopin
tinha horror do número 7; Mérimée, o artista, tinha o número 13 na conta de benfazejo, enquanto Vítor Hugo e Gabriel d'AnnunzIo Ihe eram con»
trários. Schub'ert chava a cor verde "cor malvada" e abominava-a a ponto
de dizer que estava pronto a Ir ás extremidades do globo para poder evitá-la (outros julgam que precisamente o verde é a cor da esperance).
Perguntamo-nos: táo estranhas afirmacóes seráo simplesmente vazias de sentido? Nao. Elas atostam urna realidadií profunda, isio é, o senso
religioso inato em iodo homem. A Religiáo é expressáo carac terística e indelével do ser humano como tal; em conseqüéncia, ou ela se aplica ao seu Objeto devido — o Deus transcen
dente e pessoal, uno, Criador e Salvador do homem —, e assim a inteligencia se dignifica;
ou, caso o honiem queira negar Deus e crenga religiosa, a
Religiáo, longe de se extinguir, toma a forma de um subpro-
duto ou substitutivo, aplicando-se a objetos indignos, levando o homem a cair em contradigáo consigo mesmo e a desfigurar-se no absurdo e ridículo.
É, sem dúvida, a nostalgia do Divino que, apesar de ludo, se faz ouvir ñas afirmacóes erróneas da superstigáo.^ Em outros termos: quando o homem perde fé numa Providencia Divina que goveme sabiamente o universo e cada individuo, esse homem tende a curvar a cabega sob o imperio de urna forca dominadora e brutal, criada pela própria fantasia humana. Estéváo Bettencourt O.S.B.
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AOS NOSSOS LEITORES E ASSINANTES CARO(A) AMIGO(A),
VOCÉ SABE QUE O CUSTO
DE VIDA TEM SUBIDO
ALÉM DE TODAS AS PREVISOES, ACARRETANDO SERIOS PROBLEMAS PARA MUITOS EMPREENDIMENTOS DESTITUI DOS DE FINS LUCRATIVOS, COMO A NOSSA REVISTA PR.
ALÉM DISTO, REGISTRAMOS O FATO DE QUE NUME ROSOS ASSINANTES, EMBORA QUEIRAM CONTINUAR A RECEBER PR, NAO RENOVAM A ASSINATURA NO MOMENTO OPORTUNO.
ESTA SITUAQÁO TEM CAUSADO SERIOS EMBARACOS A NOSSA ADMINISTRAQÁO. DESEJAMOS CONTINUAR A PRESTAR OS SERVIQOS QUE PR TEM OFERECIDO AO PÚBLICO. MAS ISTO SÓ SERA POSSÍVEL SE TODOS OS INTERESSADOS SE DISPUSEREM A COLABORAR GENERO SAMENTE. EIS POR QUE LHE PEDIMOS ATENCÁO PARA QUANTO SEGUÉ :
1) TENDO CALCULADO TODAS AS DESPESAS E RENUNCIANDO A QUALQUER ESPECIE DE LUCRO MATE RIAL. A ADMINISTRAQÁO COMUNICA QUE A ASSINATURA ANUAL DE PR FM 1980 FICARÁ POR CR$ 320,00.
SOS
2)
ESPECIALMENTE GRATOS FICAREMOS AOS NOS-
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SE
PAGAREM ESSA
QUANTIA ATÉ 31
DE
DEZEMBRO DE 1979.
3) A QUEM ESTEJA F.M DÉBITO PEDIMOS PRONTO PAGAMENTO.
4)
PARA
COM
PR,
SOLICITAMOS A TODOS QUEIRAM OBTER NOVO3
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5) A QUEM CONSEGUIR CINCO NOVAS ASSINATURAS DE PR, SERÁ OFERTADA GRATUITAMENTE UMA ASS!NATURA
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CERTOS DA COMPREENSAO DO(A) AMIGO(A), CON TAMOS COM A SUA PRECIOSA COOPERAgAO, PELA QUAL DE ANTEMAO LHE SOMOS GRATOS.
A DIRECAO DE PR
A ORACÁO COMPLETA DÁ-ME, SENHOR, A CORAGEM DE UMA MÁE E A DEDICACÁO DE UM PAI.
DÁ-ME, SENHOR, A SIMPLICIDADE DE UMA
CR1ANCA
E A CONSCIÉNCIA DE UM ADULTO.
DÁ-ME, SENHOR, A PRUDENCIA DE UM ASTRONAUTA E A CORAGEM DE UM SALVA-VIDAS.
DÁ-ME, SENHOR, A HUMILDADE DA LAVADEIRA E
A
PACIENCIA
DO ENFERMO.
DÁ-ME, SENHOR, O IDEALISMO DE UM JOVEM E A SABEDORIA DE UM VELHO.
DÁ-ME, SENHOR, A DISPONIBILIDADE DO BOM SAMARITANO E A GRATIDÁO DO ACOLHIDO.
DÁ-ME, SENHOR, TUDO DE BOM QUE EU VEJA EM MEUS IRMÁOS, A QUEM TANTAS DÁDIVAS OESTE.
QUE ASSIM, SENHOR, EU ME APROXIME DE UM SANTO, OU MELHOR, SEJA COMO TU QUERES : PERSEVERANTE COMO O PESCADOR
E ESPERANCOSO COMO O CRISTÁO I QUE PERMANECA NO CAMINHO DO TEU E NO SERVICO DOS IRMÁOS !
FILHO,