Projeto
PERGUNTE E RESPONDEREMOS ON-LINE
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questoes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
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ANO XX — N9 240
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Sumario Pcg
"COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM ELE ?"
485
"Nova et Velera" (coisas novas e antigás):
"A IGREJA E SEUS MODELOS11 por Avery Dulles, S. J Um
487
livro "revolucionario" :
"ENFOQUES MATEREALISTAS DA BIBLIA" por Michel Clévenot
502
Enfoque novo :
"O EVANGELHO Á LUZ DA PSICANÁLISE" por Francoise Dolto ...
514
Uma reformulacáo histórica :
"IDADE MEDIA : O QUE NAO NOS ENSINARAM" por Regirte Pernoud
520
ÍNDICE
535
1979 COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA •
NO
PRÓXIMO
*
*
NÚMERO:
Interrogacóes e aspiragoes do
homem russo.
ecuménico sobre o Batismo. — "Oracáo I Congresso Mundial de Filosofía Crista.
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Numero avulso de qualquor mes
32,00
Assinatura anual
320,00
e Iícda^ao
de Estévao
ADJIINISTRACAO Uvrarta Missionária
Rila México, 111-B
— Acordó
aos Macons". —
Bcttcncourt
O.S.B.
REDACAO DE PR
Editora
(Castelo)
20.031 Rio de Janeiro Tel.: 224-0059
(RJ)
20.000 Rio de Janeiro
"COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM ELE ?" (Rm 8, 32)
Mais do que o próprio Filho, o Pai nao podia ter dado aos homens. E o Pai O deu como servidor pobre e humilde, para derramar a riqueza de Deus dentro da miseria do homem ou a eternidade dentro da temporalidade da criatura. Esse dom de Deus poe termo a longo período de expecta tiva da parte dos homens. Desde o sáculo V, o povo de Deus nao tinha profetas; o céu parecía ter-se fechado; a historia de
Israel era austera, marcada pela presenca do estrangeiro domi nador (persas: 538-331; macedónios: 331-323; egipcios:
323-200; sirios: 200-63; romanos: 63 a.C. - 135 d.C). Sobre
este
paño
de
fundo
o
Natal toma todo o seu significado:
ocorre como um sorriso de Deus; o Filho é a graca ou o sem
blante benévolo do Amor
de
Deus
(cf. 2Cor. 13,13), que
rompe o silencio e a penumbra da historia para dizeraospovos grandes verdades: os homens sao filhos de Deus, e nao apenas
criaturas biológicas; sao chamados a comungar na vida do Pai e a herdar a vida eterna; as realidades pequeñas e pobres da existencia humana sao "vasos de argila nos quais se coloca
inestimável
tesouro"
(cf. 2Cor. 4,7). Tudo é grande, tudo é
divinizado pelo fato de que Deus toca o que é do homem, vivendo com os homens e como os homens.
A doacao de que fala o Apostólo em Rm 8,32, é ilustrada no Antigo Testamento pela imagem das nupcias. Estas implicam sempre a mutua doacao de esposo c esposa. Ora, segundo os profetas, Deus quis fazer-se esposo da filha de Sion; quis dar-se a ela como um esposo se dá á esposa. Mais íntima uniao nao poderia ser concebida: o Pai deu o Filho á humanidade num en
lace matrimonial, como, alias, insinuam as parábolas do Evangelho (cf. Mt 22, 2-4; Le 14, 16-24)1 Esta abordagem de Natal sugere duas conclusoes:
1) O Apostólo, de ¡mediato, propoe a primeira: "Se Ele entregou o próprio Filho, como nao nos terá dado tudo com Ele?" (Rm 8,32). Em outros termos: como aínda julgar que Deus possa alguma vez esquecer os seus filhos ou possa ser omisso para com eles? A tentapao de assim pensarmos ñas ho ras dif icéis e amargas dissipa-se diante do raciocinio de Sao Pau lo, raciocinio, alias, que já encontrava seus ecos antecipados numa passagem do profeta Isaías: "Sion dizia: 'O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de
mim!
Acaso pode urna mulher esquecer-se do menino que amamenta, e nao ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela o esqueces-
se, eu nunca te esqueceria. Eis que te gravei ñas palmas das minhas maos" (Is 49, 14-16).
Que a consciéncia desta verdade, tao coerente com a mensagem de Natal, nunca se apague na mente do crístao máxime nos momentos obscuros, em que o desánimo tende a sobrepujar a fé e a esperanca! Quando o Pai entregava o seu Filho aos homens no seio da Virgem, Ele já previa cada urna das nossas situacoes amargas e de antemao se comprometía
a fazer de nossos males bens ainda maiores. Alias, com muito acertó dizia S. Agostinho: "Deus nunca permitiría o mal se, em sua sabedoría, Ele nao tivesse recursos para tirar do mal bens ainda maiores". Sería absurdo ou ilógico, da parte do cris tao, pensar diversamente; seria, sim, conceber Deus á guisa de um Senhor grande e poderoso, mas limitado e deficiente, como sao os homens. 2) O dom de Deus aos homens, testemunhado mais urna vez pelo Natal, suscita com vigor novo o dom dos homens a
Deus. Se Ele quis correr o risco de se dar á criatura, esta pode-se dar ao Criador sem correr algum risco. Para entender devidamente o que significa o dom de Natal, basta lembrar o que pensavam os filósofos gregos pré-cristaos: Platao, por exemplo, admitía que o homem tivesse amor á Divindade, pois esta é perfeita, mas nao podía conceber que a Divindade amasse o homem, visto que este nada tem a Ihe dar, por ser imperfeito. Aristóteles, discípulo de Platao, chegava mesmo a dizer que a Divindade nao conhece o homem, pois, se o conhecesse,
teria a imperfeicao em sua mente! É precisamente sobre este paño de fundo que ressoa, de maneira contrastante, a mensa gem de Natal: "Ele nao poupou o próprio Filho, mas O entregou por todos nos. E, com Ele, deu-nos tudo o mais".
Eis o que o Natal está mais urna vez a recordar. Seja a celebracao de 1979 penhor de revigoramento da fé e da esperanca nos cristaos e provoque em todos a única resposta condigna: a de um amor mais vivo e coerente nao somente a Deus, mas-
também a todos os homens. Possam estes, através do nosso testemunho,
chegar
a
conhecer
o
grande
dom
de
Deus
(cf. Jo 4,10)! E. B.
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS» Ano XX - N9 24O - Dezembro de 1979
"Nova et Vetera" (Coisas novas e antigás):
"a igreja e seus modelos" por Avery Dulles S. J. Em sintese: O livro de Avery Dulles expoe cinco concepcoes de Igre¡a propostas por teólogos dos últimos decenios (fazendo eco, alguns, a anti gás tradicoes):
- o modelo institucional, decorrente da organizacao jurídica da
Igreja;
- o modelo místico, que realca a comunháo de amor dos fiéis com
Oeus e entre si;
- o modelo sacramental, que poe em foco a face sensível e humana da Igreja como sinal que exprime e comunica a vida do próprio Deus; - o modelo querigmático, que focaliza a Igreja como arauto da Pa
la vra de Deus;
- o modelo diaconal, que considera a Igreja como servidora e pro
motora da justica, da paz e da fraternidade entre os homens.
A. Dulles julga sabiamente que nenhum desses modelos esgota o conteúdo da realidade da Igreja, que, em última análise, é um misterio ou algo de transcendental. Para aproximar-se dessa realidade transcendental, o es tudioso deve combinar entre si os aspectos válidos de cada qual das eclesiologias apontadas, dando especial énfase ao modelo sacramental. A Igreja de Cristo realiza simultáneamente os cinco enfoques indicados, sendo, porém,
que nenhum destes pode ser aceito de maneira exclusiva t irrestrita. A Igreja de Cristo assim caracterizada subsiste, de maneira plena, na
Igreja Católica Romana; há, porém, elementos da mesma verdadeira Igreja
ñas comunidades cristas (protestantes e ortodoxas orientáis) separadas de
Roma. Estas vém a ser realizagoes incompletas ou parciais da única Igreja de Cristo, tendentes a realizar em si de maneira plena ou consumada o mo delo da verdadeira Igreja.
O livro de A. Dulles se recomenda por sua capacidade de sintetizar elementos diversos e múltiplos. Ajuda a clarear conceitos. Todavía nao se devem separar do respectivo contexto as suas afirmacoes sob pena de falsi ficar o pensamento do autor, que é lúcido e equilibrado.
— 487 —
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PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
Comentario: Há livros que merecem especial atencao por que abordam assuntos importantes de maneira original, é o que
acontece com a obra do teólogo jesuíta norte-americano: "A
Igreja eseus modelos".1- A Igreja é um dos temas mais focali zados na Teología do pós-Concílio, de modo que a bibliografía
respectiva é muito vasta. Ora o autor em pauta leu boa parte desses estudos e procurou sistematizar as suas linhas em esque mas ou modelos, oferecendo assím ao leítor si'nteses interessantes e perspectivas panorámicas, que Ihe facilítam conbecer diver
sas teses sobre a Igreja correntes em nossos dias.
Eis por que vamos, a seguir, procurar apresentar o conteúdo do livro de Oulles, acrescentando algumas observares á su a exposicao. 1. O conteúdo do livro
O autor comeca registrando as divergencias existentes entre conservadores e progressistas na Igreja: enquanto os primeiros se preocupam com mudancas ocorrentes após o Concilio, outros as aplaudem e mais outros julgam que aínda nao sao suficientes. Por que este fenómeno?
— Em parte, porque cada grupo de cristaos tem em mente
determinada concepcao ou determinado modelo2 de Igreja. Ca da um desses modelos tenta, de alguma forma, ¡lustrar o que se-
ja a Igreja. Esta, porém, nao "cabe" dentro de modelo algum'/ mas ultrapassa, em sua realidade, qualquer tentativa de esquematizacao, visto que é um misterio... misterio inserido no gran de misterio das cartas paulinas. Para S. Paulo, sim, "misterio é o plano divino de salvacao que se realizou concretamente na pessoa de Jesús Cristo" (pp. 13s). O próprio Concilio do Vaticano II utilizou a expressao "O misterio da Igreja" para intitular o cap. 1 da Constituicao sobre a Igreja ("Lumen Gentium").
1 AVERY DULLES. S.J., A Igreja e leus modelos. Tradujo de Alexandre
Macintyre. — Ed. Paulinas. Sao Pauto, 130 x 200 mm, 239 pp.
2 O autor atsim emende "modelo":
"Quando uma imagem 6 empregada refletida e criticamente para aprofundar a compreen$a*o teórica de uma realidade, torna-se o que hoie se denomina 'um mode lo1 "(p. 21).
A. Oulles reconhece que o vocábulo foi usual principalmente no setor das cien
cias físicas e sociais (ib.).
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«A IGREJA E SEUS MODELOS»
Como quer que seja, a teologia se vé obrigada a conceber modelos para falar da profunda realidade da Igreja. Em conseqüéncia, A. Dulles julga poder distinguir cinco modelos princi páis na Eclesiologia contemporánea. Expoe-nos, apresentando seus pontos positivos e negativos: 1.1. Os cinco modelos da Igreja
Cinco sao os modelos apresentados por Dulles: Igreja instituicao, Igreja comunhao mística, Igreja sacramento, Igreja arauto, Igreja serva.
1.1.1. A Igreja como ¡nstituicáb 1. A visao institucional concebe a Igreja prevalentemente como sociedade visfver; dotada de estruturas jurídicas, com definicao de direitos e deveres dos respectivos membros. O aspecto institucional sempre existiu na Igreja; é mesmo imprescindível, para que a Igreja, reunindo em si multidoes de homens, hetero géneas por suas origens, possa cumprir adequadamente a sua missao.
O interesse pelo caráter institucional da Igreja desenvolveu-se a partir do séc. XVI quando teólogos e canonistas, respondendo aos reformadores protestantes, se viram levados a acentuar certas características da Igreja que os adversarios negavam. S. Roberto Bellarmino (+ 1621), seguindo esta tendencia, dizia que a Igreja é, por exemplo, urna sociedade "tao visfvel e palpável como a comunidade do povo romano ou o Reino de Franca ou a República de Veneza" (De controversia, tomo 2, lib. 3, cap. 2, Giuliano, Ñapóles, 1957, vol. 2, p. 75).
O Concilio do Vaticano I (1869/70) devia estudar a seguí ri te proposicao, que afinal nao chegou a ser promulgada pelo Concilio (interrompido abruptamente pela guerra franco-alema
de 1870): "Ensillamos e declaramos: a Igreja tem todos os sinais de urna verdadeira sociedade. Cristo nao deixou esta sociedade indefinida e sem urna forma estabelecida. Ao contrario, ele próprio Ihe deu existencia, e sua vontade determinou a forma de sua existencia e Ihe deu a sua constituicfo. Nao é a Igreja parte ou membro de qualquer outra sociedade e de modo al-
gum se confunde com nenhuma outra sociedade. É tao perfeita em si mes— 489 —
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-PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
ma que se distingue de todas as sociedades humanas e paira sobre elas".
Como dito, esta declaracao nao chegou a ser aprovada. 2. Que dizer a propósito?
a) É ¡negável que a Igreja precisa de organizacao jurídica e caráter institucional. Nenhuma sociedade humana dispensa os fato res de boa ordem e administracao. Nao se deve confundir
"institucionalismo" (exagero de instituicao), que é abusivo, com "caráter institucional, jurídico, administrativo", queé um fator positivo de harmonía e eficiencia.
b) Acontece, porém, que, por forca de circunstancias histó ricas, a índole institucional da Igreja foi sendo enfatizada com
demasiado interesse no séc. XIX.
c) Leve-se em conta que o Concilio do Vaticano II, logo em suas primeiras sessoes solicitado a pronunciarle sobre um modelo institucionalista da Igreja, rejeitou o que Ihe foi apresen-
tado, classificando-o de "clericalista, juridicista e triunfalista". Na verdade, a acentuacao da nota institucional da Igreja pode le var ao exagero de se conceber a Igreja como constituida preponderantemente de clérigos, aos quais incumbem as tarefas de ensi-
nar e dirigir. A Igreja é entao fácilmente assemelhada a urna pi rámide, na qual todo o poder desee do Papa aos bispos e sacer dotes, enquanto na base o povo fiel desempenha papel passivo e parece ocupar posicao inferior. Na verdade, porém, todos os membros da Igreja tém os mesmos deveres e direitos fundamen
táis, de modo que o Papa e os bispos, juntamente com os leigos, devem ser contados como fiéis de Deus.
Alias, o modelo institucional da Igreja nunca foi proposto, de maneira exclusiva, pelos documentos oficiáis eclesiásticos; os textos do Concilio do Vaticano I e as encíclicas de Leao XIII e Pió XII, por muito que tenham insistido sobre a Igreja como "sociedade perfeita", nunca identificaram essa sociedade exclu sivamente com os seus elementos institucionais, mas sempre se referiram á imagem do Corpo de Cristo e á comunhao com a gracao de Cristo.
Eis por que passamos a considerar. — 490 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
1.1.2. A Igreja como comunhao mística 1. Certos teólogos tém explanado a distincao entre sociedade (Gessellschaft) e comunidade (Gemeinschaft). Enquanto sociedade lembra organizacao, autoridade, estruturas {como a es cola, o hospital, o hotel), a comunidade implica relativa intimi dad e entre os participantes, simpatía mutua, solidariedade. . .
como ocorrem na familia, no lar, na vizínhanca (á moda antiga). Ora, segundo bons autores, a Igreja é prevalentemente urna comunidade. Tal é a tese dos protestantes Rudolph Sohm, Emil Brunner, Dietrich Bonhoeffer, como também dos católicos Arnold Rademacher, Yves Congar, Jérome Hamer. Rademacher, por exemplo, sustenta que a Igreja é no seu cerne íntimo urna comunidade (Gemeinschaft) e, no seu cerne exterior, urna sociedade (Geselleschaft). A sociedade é a manifestacao exterior da comunidade, e a sociedade existe para promover a realizacao da comunidade. Congar vé na Igreja dois aspectos inseparáveis um do outro: por um lado, é formada de pessoas
que se consociam com Deus e entre si em Cristo (comunidade de salvacáo ou, em terminología alema, Heilsgemeinschaft). Por outro lado, a Igreja também é a totalidade dos meios através dos quais esse consorcio se produz e mantém (instituicao de salvacáo, Heilsanstalt, diriam os autores alemaes). A diferenca dos protestantes, os autores católicos nao rejei-
tam o aspecto institucional da Igreja,1 nem tencionam definirá
Igreja simplesmente como comunidade no sentido sociológico de grupo informal. Ao contrario, admitem na Igreja a dimensao vertical e a horizontal: a vertical é constituida pela vida divina desabrochada em Cristo e comunicada aos homens pelo Espiri to. A horizontal sao os elementos exteriores, visíveis e jurídicos
que concorrem para exprimir e assegurar a comunhao de vida interior.
é certo que a S. Escritura fundamenta tal perspectiva, pro pondo a Igreja como um corpo dotado de varios órgaos e anima
do de um principio de vida divina; cf. Rm 12 e 1 Cor 12, Efe Cl. Os escritores cristaos antigos desenvolverán! essa imagem, destacando-se ente todos S. Agostinho. Na primeira metade do séc. XX, quando muito ainda se estudava a estrutura jurídica da Sohm e Brunner julgam que o institucional na Igreja ó ¡legítimo.
— 491 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979
Igreja, o jesuíta belga Emile Merscn contribu¡u para restaurara nopáo de Corpo Místico mediante estudos que se tornaram fa mosos. Pió XII em 1943, por sua vez, publicou a sua encíclica
sobre o Corpo Místico. O Concilio do Vaticano II (1962-1965) quis apresentar a Igreja como povo de Deus, enfatizando assirn os aspectos de comunhao de vida, caridade e verdade.
2 Que dizer desse modelo de Igreja?
a) Nao há dúvida, a nocao de comunhao atinge muito mais o ámago da Igreia do que a da instituicao jurídica. Tem sólida
fundamentacao bíblica e patrística; além do que, corresponde melhor as aspiracoes do homem contemporáneo, que estima as relacoes interpessoais e comunitarias.
b) é preciso, porém, que nao se exagere o valor do aspecto
intimó e os bens meramente espirituais da vida crista a ponto de
menosprezar o aspecto visível e institucional da Igreja, como tem acontecido princiDalmente nos chamados grupos de "Igreja
subterránea" (Underground Church) ■ e, quicá, em algumas co
munidades eclesiais de base: em tais grupos, a aversao a qualquer norma ou instituicao tem favorecido o subjetivismo ea arbitrariedade ñas formulacoes da fé e ñas celebracoes da liturgia, cau
sando perplexidade em seus membros e levando ao cisma ou á
ruptura da Igreja - o que é de todo lamentável. As normas obje tivas sao indispensáveis para evitar o subjetivismo desenfreado e
destruidor de "profetas carismáticos".
Passemos ao modelo subseqüente: 1.1.3. A Igreja como sacramento
1. No intuito de compor entre si os aspectos externos e in ternos da Igreja, muitos teólogos católicos do séc. XX tém enfatizado o conceito de Igreja-sacramento, conceito que também é caro aos escritores antigos S. Cipriano, S. Agostinho.. ., bem co mo a S. Tomás de Aquino (+ 1274) e, mais recentemente, a Mathias Josef Scheeben (+ 1888).
O jesuíta Henri de Lubac foi o ara uto de tal concepcao nos últimos decenios. O divino e o humano na Igreja nunca se podem dissociar, argumenta de Lubac. A Igreja é, pois, a continuagao da Encarnacao do Filho de Deus: através de estruturas hu— 492 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
9
manas Ela comunica a vida do próprio Deus. A Igreja nao é sociedade meramente humana, mas em moldes humanos. Ela traz e comunica tesouros da vida divina. O aspecto institucional e ex
terno da Igreja é essencial, porque, sem ele, a Igreja nao seria sinal; nao talaría aos homens, que sao naturalmente feitos para a linguagem sensível. Todavia o aspecto estrutural nao é suficien te para constituir a Igreja; para ser sacramento, esta deve ser portadora e transmissora da grapa ou dos dons transcendentais que enriquecem os crista os.
2. Que dizer de tal esquema?
a) É realmente apto para unir em símese o modelo institu cional e o modelo místico da Igreja. Serve também para relacio nar a Igreja corn o misterio da Encarnapao e os sete sacramentos
comunicadores da grapa; Cristo, Igreja e os sete sinais rituais aparecem assim como etapas do SACRAMENTO ou da comunicacao de Deus aos homens mediante realidades sensíveis. Esta concepcao dá margem também aos anseios de purificacao e conversao que devem caracterizar os membros da Igreja, pois é certo que a Igreja se há de tornar sempre mais eloqüente sinal de Cristo.
Estes títulos positivos explicam tenha o Concilio do Vati
cano II apresentado a Igreja como "sacramento da íntima uniSo com Deus e da unidade de todos os homens entre si" {cf. Const.
"Lumen Gentium" n? 1. 9. 48; "Gaudium et Spes" n? 42; "Sacrosanctum Concilium" nP 26; "Ad gentes" nP 5).
b) Contra tal modelo, porém, há quem objete que nao poe suficiente énfase sobre a missao ou o servipo que toca á Igreja prestar neste mundo. Pode levar a urna atitude de esteticismo narcisista, que difícilmente se concilia com o pleno compromisso do cristao em favor dos valores éticos e sociais. Examinaremos agora outro modelo: 1.1.4. A Igreja como arauto
1. Esta perspectiva concebe a Palavra de Deus como ele mento principal e o sacramento como elemento secundario da Igreja. Vé a esta como assembléia convocada e formada pela Pa lavra de Deus, tendo como precipua missao a de proclamar o •
— 493 —
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PKKGUNTE K RESPONDEREMOS* 240/1979
que ouviu e acredita. A fé e a pregacao sao assim mais valoriza das do que a comunhao mística, que o segundo modelo poe em relevo.
O principal proponente deste tipo de eclesiologia no séc. XX é o teólogo calvinista Karl Barth, que se inspira em S. Paulo e Lutero: o que constituí a Igrej'a, afirma, é ser a Palavra procla
mada e fielmente ouvida. A Biblia, segundo ele, julga a Igreja, concitando-a ao arrependimento e á reforma. Hans Küng, teólo go católico, segué de perto a eclesiologia de Barth: a Igreja, diz
ele, nao é algo que esteja fundado urna vez por todas, mas Ela se faz em cada assembléia que se congrega para ouvir a Palavra de Deus e adorar o Senhor. Rudolf Bultmann, por sua vez, adota estas concepcoes: para ele, é a Palavra que constituí a Igreia
(=
ekklesia, convocacao), reunindo os homens e formando a
congregacáo. A Igreja está completa em cada congregacao local; a Igreja nao depende, para existir, de estruturas universais. 2. Que dizer a respeito?
a) Nao há dúvida, este modelo realca bem o sentido da missao da Igreja, chamada a proclamar a Boa-Nova de Jesús Cristo contra toda idolatría. Leva á humildade, á obediencia e ao arre pendimento, pois a palavra proclamada incessantemente exorta a estas atitudes.
b)Todavia levantam-se dificuldades contra o modelo em foco. Na verdade, o Cristianismo é essencialmente encarnacáo — Deus que se faz homem —, e nao apenas, nem primeramente, proelamacao de Palavra. Cristo nao veio apenas trazer urna mensagem, mas urna vida, que se torna presente e patente na Igreja, Corpo de Cristo prolongado. Ser cristao é ser inserido em Cristo (cf. Rm 6) e comungar na vida do Pai, que se manifestou e co munica através da humanidade de Jesús. A Palavra deve levar o cristao a essa insercao sacramental em Cristo, como também há de alimentar essa insercao realiza da. A palavra, sem sacramentos, faría do Cristianismo urna esco la de sabedoria e de morigeracao, nunca, porém, cumpriria o ámago da missao intencionada por Jesús Cristo, que veio comu nicar a vida eterna aos homens mediante urna regeneracao ou nova natividade.
O Concilio do Vaticano II, por muito que tenha valorizado — 494 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
a Palavra da Escritura, aínda enfatizou maís a presenca de Cristo nos sacramentos e, em especial, na S. Eucaristía.
Mais: na concepcao católica, o magisterio da Igreja nao está
ácima da Palavra de Deus, mas, diga-se bem, é dotado por Cristo de autorídade própria para interpretar a Palavra. Segundo algumas correntes protestantes, o magisterio da Igreja está sujeito a
ser corrigido pela Palavra de Deus tal como é entendida por este
ou aquele crente em particular; ao contrario, na concepcao cató lica, os exegetas e estudiosos estao sujeitos ao magisterio da
Igreja, que goza de especial assisténcia, da parte do Senhor, para
expor e definir o sentido das Escrituras. Por último, ainda se deve notar que o modelo em foco, enfatizando excessívamente a missao de pregar, nao realca devidamente a acao que a Igreja deve desempenhar em prol de um mundo mais humano e mais cristao. Faz-se assim a transicao para o quinto modelo: 1.1.5. A Igreja como serva
1. Em todos os modelos até aqui considerados, a Igreja assume urna posicáo primacial ou privilegiada em relacao ao mun
do: Deus vem a este através da Igreja e o mundo vai a Deus me diante a mesma.
Ora no quinto modelo a Igreja aparece qual servidora do mundo. Como Cristo se fez o servidor dos homens, "o homem para os outros", a Igreja também o deve ser; Ela se assemelha ao bom samaritano, que se inclina para o homem em suas neces-
sidades e Ihe oferece, com amor, os seus prestimos. Assim pensam os protestantes Dietrich Bonhoeffer, Gibson Winter, Harvey Cox, John A. T. Robinson.. . Entre os católicos, Robert Adoifs escreveu a obra "O túmulo de Deus", em que desenvolve a no-
cao paulina de kénosis (esvaziamento): Jesus "esvazíou-se', to
mando a condicao de servo (cf. Fl 2,7). Isto quer dizer, segundo
Adoifs, que a Igreja deve esvaziar-se como Cristo, renunciando a
todas as reivindicapSes de poder e honra, para empenhar-se em
prol da reconciliacao dos homens entre si; Ela deve servir á jus-
tica, á paz, á líberdade, á compaixao... O Concilio do Vaticano II, em sua Constituicao "Gaudium et Spes" sobre a Igreja no mundo moderno, declara repetidamente que a Igreja se deve interessar pelos problemas da humanidade, compartilhando os ¡n— 495 —
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*PERGUNTK E RESPONDEREMOS» 240/1979
teresses de todos os povos: assim como Cristo veio ao mundo nao para ser servido, mas para servir, a Igreja há de procurar ser
vir ao mundo, fomentando a fraternidade entre os homens (GS n? 3).
2. Que pensar desta eclesiologia de servico?
a) Por certo, procura dar á Igreja um relevo e urna missao
que a poem em diálogo com todos os homens. Se muitos se afastaram do Catolicismo por julgarem-no alienado e ultrapassado, voltam a considerá-lo com respeito e simpatía por verem-no interessado em colaborar na solucao dos grandes problemas da humanidade. Mais: o esforco dos fiéis católicos por sair de si e ser vir altruista mente os pobres e oprimidos há de beneficiar os próprios católicos servidores dos seus semelhantes.
b) Todavía pode-se observar que tal modelo carece de sóli
da fundamentacao bíblica. Embora o Novo Testamento se refira freqüentemente ásdiakonfai ou servicos que se prestam ñas co munidades cristas, verifica-se que os escritos neotestamentários dao pouca atencao á ordem temporal; nao se preocupam com as estruturas da sociedade, talvez por causa da expectativa de pró ximo fim do mundo que prevalecía ñas primeiras geracoes cris
tas. No Novo Testamento o servico a ser prestado pelos cristaos é principalmente de caráter pessoal. Dado, porém, que a Igreja como tal deva contribuir para a instauracao de urna ordem sócio-económico-política mais huma na, é preciso nao identificar toda a missao da Igreja com esse ob jetivo temporal. Mesmo que a Igreja nao consiga debelar os ma les físicos que acometem a humanidade, a sua missao nao está fracassada, pois esta compreende, antes do mais, o anuncio de Jesús Cristo, que, através da cruz e da morte, abriu aos homens o caminho para a casa do Pai. A salvacáo que a Igreja tem para oferecer ao mundo, nao consiste em valores impessoais, mas é, em primeiro lugar, o próprio Cristo, que, conforme 1 Cor 1, 30, se fez "sabedoria, justica, santificacao e redencao" para os ho mens.
Urna vez expostos ao cinco modelos da Igreja, A. Dulles
aborda as concepcoes de escatologia, ministerios e revelacao di vina mais freqüentes na teología contemporánea, pois cada urna destas contribuí, do seu modo, para completar os diversos mo— 496 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
délos de Igreja propostos anteriormente.
A expíanagao das cinco eclesiologias suscita as perguntas capitais: afinal, qual o genuino modelo de Igreja? E onde se encontra a verdadeira Igreja de Cristo?
Vejamos como A. Dulles responde sucessivamente a estas interrogacoes.
1.2. Qual o genuino modelo de Igreja? Para esta questao o autor se volta no capítulo final de seu livro, usando de sabedoria notável.
Primeiramente, pondera que cada um dos modelos propos tos encerra afirmacoes válidas e importantes: "O modelo institucional torna claro que a Igreja deve ser urna comunidade estruturada e que deve permanecer o género de comunidade que Cristo instituiu. Tal comunidade precisa incluir um oficio pastoral dotado de autoridade para presidir o culto da comunidade como tal, para prescrever os limites do dissentimento toierável e representar oficialmente a co munidade. O modelo comunitario mostra á evidencia que a Igreja precisa ser unida a Deus pela graca, e que pela forca dessa grapa os seus membros devem estar amorosamente unidos uns aos outros. O modelo sacramental
nos faz perceber que a Igreja precisa, nos seus aspectos visíveis — especial mente na sua oracáo e culto comunitarios —, ser um sinal da permanente
vitaiidade da graca de Cristo e da esperanga da redencSo que ele promete. O modelo querigmático acentúa a necessidade de que a Igreja continué a proclamar o Evangelho e a incitar os homens a porem a sua fé em Jesús,
Senhor e Salvador. O modelo diaconal indica a urgencia de fazer a Igreja contribuir para a transformado da vida secular do homem e de impregnar a sociedade humana como um todo dos valores do reino de Deus" (p. 221}.
Todavia nao se pode aceitar, de maneira exclusiva e sem restricao alguma, nenhum dos cinco modelos. Tomado ¡soladamente, cada qual dos tipos eclesiológicos poderia levar a serias distorcoes. Na verdade, cada um dos mesmos afirma facetas au ténticas da Igreja, mas nenhum abrange adequadamente toda a realidade eclesial, pois esta é um misterio. Para que o estudioso se aproxime tanto quanto possível desse misterio, faz-se mister combinar entre si os cinco modelos, integrando numa sfntese harmoniosa tudo que haja de válido em cada um. Mais: essa sfn tese poderá ser feita da melhor maneira, caso se dé ao modelo sacramental urna certa primazia:
— 497 —
H
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
"Para incorporar os valores existentes nos varios modelos, o tipo sa cramental de eclesiologia tem, a meu ver, mérito especial. Preserva o valor dos elementos institucionais porque a estrutura oficial da Igreja Ihe confere contornos claros e visíveis, de sorte que pode ser um sinal vi'vido. Preser va o valor comunitario porque, se a Igreja nao fosse urna comunhfo de amor, nao poderia ser um sinal auténtico de Cristo. Preserva a dimensáo da proelamacao porque, so confiando em Cristo e rendendo-lhe testemunho, quer seja a mensagem bem acolhida, quer n5o, pode a Igreja apontar eficaz mente em Cristo o portador da grapa redentora de Deus. Preserva este mo delo, finalmente, a dimensáo do servico secular, porque sem ele nSo pode ria a Igreja ser um sinal de Cristo, o servidor" (p. 225).
De resto, observa muito sabiamente o autor, "somente a ¡luminacao interior do Espirito Santo prové o homem do necessário tato e discricao para poder ver tanto os valores como os li mites dos diversos modelos" (p. 226). Também se deve admitir que em cada fase da historia a Igreja dé énfase a um de seus de terminados modelos a fim de poder dialogar melhor com os ho-
mens de tal época: "O fato de que a Igreja de certo sáculo possa
ter sido prevalentemente urna instituicao, nao impede que a Igreja em outra geracao seja sobretudo urna comunidade de gra-
ca, um arauto, um sacramento, urna serva" (p. 226). Quanto ao modelo que a Igreja assumirá no futuro, diz A. Dulles que depende nao só da iniciativa dos homens, mas, aínda mais, das livres inspirapoes do Espirito Santo. Por conseguinte, para desempenhar a sua missao na Igreja, os cristaos devem
abrir-se "ao que o Espirito diz as Igrejas" (Ap 2,17). Sob a guia do Espirito, as imagens e formas da vida crista continuarlo a mudar acidentalmente, como mudaram nos séculos passados; te
to será sinal de vitalidade e vigor espirituais. Todavía é preciso lembrar que "o que é novo na Igreja sempre nasce do passado e
lanca as suas raízes na Escritura e na Tradicao" (p. 231). Com outras palavras: toda mudanca será o desabrochamento homogé neo do potencial de riquezas espirituais já contidas na sementé
da Palavra e da vida I aneada por Cristo á térra durante a sua existencia mortal. Nenhuma mudanca genuína poderá implicar ruptura com as raízes da Tradicao crista ou com a esséncia da realidade eclesial.
Para
terminar,
colocamos com — 498 —
A.
Dulles
a
pergunta:
»A IGREJA E SEUS MODELOS»
1.3. E qual a verdadeira Igreja?
No decorrer da historia, o surto de comunidades eclesiais encabecadas por profetas diversos levou os cristaos a procurar os criterios que distinguiam das igrejas espurias a verdadeira e úni ca Igreja de Cristo.
Principalmente a partir do séc. XVI os teólogos se esmeraram por enunciar tais notas distintivas da auténtica Igreja: Lúte ro (+ 1546) enumerava sete, ao passo que o cardeal Roberto Belarmino {+ 1621) compós urna lista de quinze notas. Contudo permaneceram clássicas através de todos os tempos as quatro notas já enumeradas pelo Credo: a Igreja de Cristo é una, santa, católica e apostólica. Dulles nao explana o significado preciso destas notas (nem é o caso de o fazermos aqui). Chama a aten-
gao, porém, e muito oportunamente, para a maneira como o Concilio do Vaticano II utilizou as quatro mencionadas caracte rísticas a fim de definir a Igreja de Cristo. Na verdade, os padres
conciliares, na Const. "Lumen Gentium" n? 8, reafirmaram o aspecto visível ou humano e o aspecto espiritual ou divino'da Igreja de Cristo, dizendo: "Assim como a natureza assumida pelo Verbo Divino Ihe serve de órgao vivo de salvacáb, a Ele indissoluvelmente unido, semejantemente o or ganismo social da Igreja serve ao Espirito de Cristo, que o vivifica para fazer progredir o corpo místico (cf. Ef 4,16)" (Const. "Lumen Gentium"
n?8).
Logo a seguir, continua o texto conciliar: "Esta é a única Igreja de Cristo que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica e que nosso Salvador depois de sua ressurreicfo entregou a Pedro para apascentar (Jo 21,17), confiando-a a ele e aos demais apostólos para a propagarem e regerem (cf. Mt 28,18ss), levantando-a para sempre como coluna e fundamento da verdade (1 Tim 3,15). Esta
Igreja, constituida e organizada neste mundo como urna sociedade, subsis te na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhao com ele, embora fora de sua visível estrutura se encontrem va rios elementos de santificacao e verdade. Estes elementos como dons próprios á Igreja de Cristo, impelem á unidade católica" (ib.).
Os comentadores deste texto - e Dulles com eles - observam o emprego propositado do termo "subsiste na Igreja Católi
ca", em lugar de "é a Igreja Católica". Note-se que o verbo é se encontrava ñas redacoes iniciáis desta passagem, tendo sido in
tencional mente substituido por "subsiste na Igreja Católica". — 499 —
J6
l'KKGUNTt: K KKSI'ONDKUKMOS* 240/1979
O verbo subsiste, no caso, indica que a Igreja de Cristo se realiza na Igreja Católica Romana (governada pelo sucessor de Pedro) e, ao mesmo tempo, permite dizer que, fora da Igreja Católica
Romana, se encontram elementos da verdadeira Igreja de Cristo. Com outras palavras: a verdadeira Igreja se realiza plenamente na Igreja Católica Romana e parcial ou incompletamente em ca da denominacao crista (protestante ou ortodoxa) que contenha algum ou alguns dos elementos constitutivos da Igreja de Cristo. Vé-se, pois, que o modelo da Igreja de Cristo se realiza dentro dos moldes das comunidades cristas em graus diversos: dentro da própria Igreja Católica Romana, se existem todos os elemen tos divinos constitutivos da Igreja, pode haver maior ou menor fidelidade dos católicos a esses elementos divinos; pode haver, sim, urna face humana ora mais ora menos fiel á santidade in trínseca ou divina da Igreja de Cristo. Assim a própria Igreja Ca tólica Romana é chamada a renovar constantemente o seu sem blante humano, a fim de nao trair a presenca de Cristo que ela deve transmitir ao mundo.
Eis, em grandes linhas, as teses do livro de Avery Dulles que nos propusemos apresentar. Resta dizer urna palavra de ref lexao sobre os méritos dessa obra. 2. Avahando a obra...
O estudo de Dulles nos sugere tres consideracoes principáis:
1) O autor goza de notável capacidade de esquematizar ou de compreender elementos múltiplos e diversos em síntese har-
moniosa. Isto torna a leitura do livro proficua e esclarecedora. Precisamos de sínteses, que relacionem entre si elementos dos quais vamos tomando conhecimento isoladamente, sem perceber de ¡mediato o fio condutor que os perpassa. Verdade é que toda esquematizacáo corre o risco de ser ar tificial ou de enquadrar violentamente em modelos realidades que ultrapassam os termos desses modelos. O próprio Dulles reconhece que a Igreja é um misterio ou que ela transcende, pela riqueza de sua vida e de seu potencial, os limites de qualquer es
quema dentro do qual a queiramos emoldurar. — E por isso que se deve ler o livro de Dulles de modo a nao ¡solaras respectivas
frases ou seccoes; antes, tenha-se sempre em vista a conclusao final do autor (cap. 12: Avaliacao dos modelos, pp. 216-231), que, alias, vai enfatizada ñas linhas abaixo. — 500 —
«A IGREJA E SEUS MODELOS»
12_
2) 0 autor propoe a combinacao dos diversos modelos da Igreja entre si, dando-se prevaléncia ao modelo "Igreja sacra mento" (p. 225). Ora julgamos que Dulles foi um tanto tímido ao propor es
ta afirmativa. Ela podia ser mais acentuada no decorrer da obra, pois ¡negavelmente a Igreja é o sacramento que prolonga a en-
carnacao do Verbo; por seu aspecto humano, Ela continua a fa ce humana de Jesús de Nazaré, face através da qual se exprimía e comunicava a realidade divina do mesmo Senhor Jesús: assim também pelas estruturas sensíveis da Igreja (no que estas tém de essencial), transmite-se a graca, que santifica os homens. — Por sua vez, o sacramento da Igreja atinge todo e qualquer homem mediante os sete ritos sacramentáis; na sua insignificancia ou po breza aparente (agua, pao, v.inho, óleo, palavras), estes exprime.m e infundem valores transcendentais ou divinos.
Em torno do conceito de sacramento que, como se vé, é central na mensagem crista, alinham-se os demais aspectos da Igreja:
— o institucional ou jurídico, sem o qual nenhuma socieda-
de composta de homens pode subsistir; — o místico ou a comunhao íntima com Deus, que é, sem dúvida. o aspecto interior do sacramento da Igreja (ou aressacramenti);
— o querigmático ou proclamador, que é o meio de chamar todos os homens a comungar no sacramento do Corpo de Cristo;
— o diaconal ou aspecto "servico", que redunda do fato de que Cristo veio trazer aos homens urna mensagem de amor e justica, que nao pode ser meramente teórica, mas há de ser encar nada na historia dos homens.
3) Parece-nos que A. Dulles foi assaz feliz ao considerar o
quinto aspecto da Igreja. Procurou mostrar que o servico ás rea lidades temporais nao deve absorver toda a atencao da Igreja, mas, ao contrario, há de ser decorréncia da assimilacao de valo res transcendentais. Em especial, enfatiza a necessidade de que o
clero se abstenha de militáncia ativa em favor de determinado partido político (pp. 197s). é, pois, para desejar que a obra de Dulles se torne objeto de leitura e estudo de grupos cristaos interessados em crescer na
fé. Ela se presta a tanto, desde que lida com o senso de equili brio que animou o seu autor.
— 501 —
Um livro revolucionario:
"enfoques materialistas da biblia"
por Michel Clévenot
Em sfntese: O livro de M. Clévenot intitulado "Enfoques materialis tas da Biblia" faz eco ao de Fernando Beto: Lectura matérialistede l'Evangile de Marc. Parte da premissa (nao provada, mas gratuitamente afirmada) de que toda a historia é movida por fatores económicos, políticos e ideoló gicos; portanto, tambéma historia sagrada e a de Jesús. O autor considera "mitológicas" todas as passagens da Biblia que se refiram ao transcenden
tal; ele as elimina como acréscimos tardíos para poder detectar o cerne da historia do Antigo Testamento e de Jesús, que seria o jogo de fatores mate
rialistas. Assim a figura de Jesús é reduzida a de um líder revolucionario, que foi morto como zelota; Jesús terá deixado nao urna doutrina, mas urna
praxis, que continua através da agio revolucionaria de seus discípulos. O livro de Clévenot nao pode ser tido como obra objetiva e científi ca, pois parte de preconceitos, alimentados durante todo o decorrer do es-
tudo apresentado. O autor nao conhece a bibliografía referente a S. Marcos nem mesmo estudou suficientemente a que se refere aos livros do Antigo
Testamento. Na verdade, o primeiro cuidado de qualquer intérprete de determinado texto há de ser o de reconstituir o ambiente e a mentalidade do(s) respectivo(s) autores. Se nao procede assim, o estudioso faz do texto
em pauta um mero pre-texto para expor as suas idéias pessoais. é o que se
dá no caso de M. Clévenot.
Além do mais, observamos que o livro em foco está mal traduzido, revelando desconhecimento da temática por parte do tradutor e certo des caso por parte da Editora.
Comentario: As correntes de pensamento moderno tém-se projetado sobre as Escrituras Sagradas, procurando enfocá-tas á partir de novas e novas premissas... Daí a crescente bibliografía
contemporánea que propoe enfoques estruturalistas, psicanalis-
tas, materialistas da Biblia. . . Ora o livro de Michel Clévenot1
pretende fazer eco ao de Fernando Belo: Lecture materialiste de pretende fazer eco ao de Fernando Belo: Lecture matérialiste de l'Evangile de Marc ( Ed. du Cerf, Paris 1975). No prefacio, F. nando Belo é austera e difícil, desconcertante pelo seu ecleticismo metodológico (cf. p. 14); por isto diz que Michel Clévenot
tenciona propor urna apresentacao breve, simples e acessível do enfoque materialista da Biblia.
1 MICHEL CLéVENOT, Enfoques materialistas da Biblia. Ed. Paz e Térra. Rio de Janeiro 1979, 140 x 208 mm, 164 pp.
— 502 —
«ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA»
19.
0 livro de M. Clévenot tem-se difundido nos meios estudantis teológicos do Brasil. Por ser pioneiro em nossa bibliogra fía, tem despertado a atencao. Eis por que Ihe dedicaremos as páginas subseqüentes, resumindo o conteúdo da obra e adicio nando alguns comentarios.
1. As teses de Michel Clévenot O livro em pauta compreende duas partes principáis: a primeira (A Biblia ou Escrituras) aborda a questao da origem dos livros do Antigo Testamento; a segunda (O Evangelho segundo Sao Marcos ou um relato da prática de Jesús) se detém no se gundo Evangelho e propoe a ¡nterpretacao materialista do texto sagrado. Vejamos de per si cada qual das duas partes.
1.1. "A Biblia ou Escrituras"
Segundo Clévenot, as Escrituras comecam com o rei Salomao (séc. X a.C), embora facam eco a tradicoes oráis e escritas anteriores.
O cerne inicial das Escrituras do Antigo Testamento seria a seccao de 2 Sm 9-20; 1 Rs 1-2. Trata de Davi como sucessor de Saúl e antecessor de Sal orna o. A intencao dos redatores destes capítulos terá sido a de justificar a ascensao de Salomao ao tro
no. Por conseguinte, na corte deste rei (970-931), os oficiáis re gios terao elaborado tal relatório, movidos por tendencias polí
ticas, económicas e ideológicas.1 Segundo Clévenot foram interesses de tal tipo que inspiraram também os redatores dos subse
qüentes escritos bíblicos que trazem as siglas E (Eloísta) e O (Deuteronómio). Somente no exilio (587 — 538 a.C.) e apóso exilio, os sacerdotes e os escribas procuraram apresentar a his toria de Israel como algo de sagrado ou como urna seqüéncia de acontecímentos dirigidos pelo próprío Senhor Deus; assim fazendo, ¡ntroduziram na tradicao de Israel perspectivas "idealis tas" e místicas, que nao corresponden! á genuína e primitiva ¡nspiracao dos livros do Antigo Testamento.
1
A palavra "ideología" assume varios significados no vocabulario contem
poráneo. Para Clévenot, ela é "a representacSo que as pessoas fazem do mundo em que vivem" (p. 34); seria algo como filosofía.
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20
PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979
Mais precisamente diz Clévenot: os redatores dos escritos iniciáis da Biblia compuseram sob Salomáo o código dito Javista (jeovista, segundo o tradutor brasileiro do livro) ou J. Este código procurou harmonizar as faccoes dos israelistas do Norte
(oriundas de José e Efraim) com as faccoes do Sul de Israel (ori undas de Judá); em vista disto, esmeraram-se por mostrar artifi ciosa ou forjadamente que todas tinham os mesmos ancestrais
(Abraao terá sido um persongem leridano1), com direito á posse
da mesma térra e ao cumprimento das mesmas promessas; te rao experimentado a mesma líbertacao do Egito, cultuando o mesmo Deus e seguindo urna mesma política. . .(cf. pp. 40-44).
O código E, escrito no reino do Norte após a morte de Sa lomáo e o cisma das dez tribos (930 a.C), exprime a mentalidade antidavídica da populacao da Samaría e exalta os persona-
gens típicos das tribos setentrionais (José, Efraim, Manassés, Elias...).
0 código deuteronómico D (Dt 12-26) deve ter sido produzido na regiao do Norte de Israel, mais ou menos na mesma
época que o documento E. Visto que teve origem em ambiente de camponeses, exprime a consciéncia de que a chuva e o sol sao
urna dádiva. A própria vida é, antes de mais nada, urna dádiva; em conseqüéncia, a vida social ou a possibilidade de vida pacata entre os cías se baseia na dádiva recíproca. Introduziu-se assim a filosofía da dádiva em Israel, que Clévenot opoe á filosofía capi talista da troca ou da venda. Finalmente o documento P (sacerdotal) se deve aos sacer dotes que reelaboraram as tradicoes de Israel durante o exilio (587-538 a.C.) e depois. Esses autores acentuaram fortemente a idéia de pureza ritual e exprímiram urna concepcao mágica do universo; a vida e a morte estariam ligadas as potencias misterio sas que governam o mundo.
Quase todos os demais escritos bíblicos e apócrifos de Isra el ter-se-ao formado em época posterior ao exilio, dando expansao aos sentimentos do povo de Israel submetido ao jugo de do
minadores estrangeiros. Os sacerdotes, que estavam no poder em Israel após o exilio, transformaram os escritos históricos e legis lativos de Israel em "Leí de Deus" ou palavra sagrada, caída do 1
Af irmagao gratuita, nao comprovada.
504 -
«ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA»
21
céu. — Ora a le ¡tura "idealista" da Biblia aceita esta suposicao. propalada pelos sacerdotes. A leitura materialista, porém, remove tal hipótese: ela afirma que os escritos de Israel nao sao mais do que o testemunho de grupos sociais que pugnavam entre si numa luta de classes. Portanto, através da leitura da Biblia desembarazada das explicacoes dadas pela classe dominante dos sacerdotes e idealistas, o estudioso descobre a real e auténtica historia de Israel nos seus níveis económico, político e ideológi co (cf. pp. 29s.}. Afirma Clévenot: "Urna das metas do nosso trabalho é desarmar a leitura idealista da Biblia. Nos o fazemos a partir de lugares (materialistas) de luta atuais, e sobretudo contra o aparelho político eclesiástico" (p. 30).
Clévenot encerra a primeira parte do seu livro descreyendo a organizacao sócio-polftico-económica da Palestina anterior a Cristo, ou seja, o fundo de cena ao qual sobreveio a pregacao de Jesús de Nazaré. Assim o leitor do livro tem os elementos opor tunos para passar á segunda parte da obra, que aborda o EvangeI no de Sao Marcos. . . . lido, naturalmente, á luz do materialis mo.
Proporemos, pois, sumaria análise dessa segunda parte do
livro. 1.2.
"O Evangelho segundo Sao Marcos ou um Relato da Prática de Jesús"
Logo de inicio (p. 79) o autor diz que, provavelmente, Marcos nao é o autor do Evangelho a ele atribuido; Marcos sería "pseudepígrafe"!
Para entender Me, Clévenot se vale da distincao entre rela to e discurso, "proposta pela lingüistica contemporánea para analisar as diferentes formas de producao textual" (p. 81). O relato usa a terceira pessoa e os verbos no aoristo (ou perfeito). Refere acontecimentos ou práticas. Ao contrario, o discurso caracteriza-se pelos pronomes eu e tu, pelos demonstrativos e pelos verbos em todos os tempos menos o aoristo.
Ora, diz Clévenot, o Evangelho segundo Marcos é um reía— 505 -
22
iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
to, e nao um discurso. Com outras palavras: Marcos nao refere um ensinamento ou urna doutrina de Jesús, mas, sim, a prática ou os feitos de Jesús. Tal conclusao corresponde bem aos prin cipios marxistas, segundo os quais a praxis tem primazia sobre
o logos ou a doutrina.1 Para Marx, o que importa é fazer algo,
é revolucionar a ordem ou redistribuir a producto material; o pensar é funcao da producao material ou urna superestrutura. Jesús, portanto, veio agir e revolucionar, e nao doutrinar. E "o texto de Marcos. . . é o relato subversivo de urna prática subver siva" (p. 86). Tal é o sentido originario da redacao de Marcos; esta, porém, foi retomada pela ideología dominante, que acrescentou ao texto primitivo de Marcos episodios de índole mito
lógica, como o prólogo (Me 1, 2-15: pregacao de Joao Batista, Batismo de Jesús, tentacao no deserto, inicio da pregacao de Je
sús)2, as profecías da Paixlo (Me 8,31-39; 9,30-32; 10,32-34), o
episodio da transfiguracao (Me 9, 2-13). .. Assim a prática messiánica de Jesús foi ideologizada ou foi transformada em teolo gía.
A leitura idealista aceita tranquilamente essa teología; ela acredita na inocencia ou na transparencia do texto, utiliza os olhos da fé ou do bom senso. Assim procedendo, os leitores idealistas se iludem, como se iludem aqueles que só levam em contá o preco de determinada mercadoria posta no comercio; na verdade, para avahar essa mercadoria, é preciso levar em conta a
pré-história da mesma, ou seja, o trabalho de todos os operarios
que contribuiram para produzi-la.3 A fím de nao incorrer no
erro dos idealistas, que sao simplórios, os materialistas, diante
do texto de Marcos, procuram "encontrar o jogo dos códigos"
ou dos fatores económicos e pol íticos que o produziram; "pro1 Sao palavras de Engels citadas por Clévenot: "A estrutura económica da sociedsde é a cada momento a base real que per mite, em última análise, explicar toda a superestrutura das ¡nstituicSes jurídicas e po
líticas, como também das idéias religiosas, filosóficas « outras de cada período histó rico" (Anti-Dühring p. 55, citado por Clévenot, p. 139).
2 Clévenot julga que esses episodios sato mitológicos por causa da figura de
JoSo Batista (no deserto, vestido de pele de camelo...) e por causa do esquema "céuterra-rio (" inferno)", no qual aparecem o Espirito, os anjos e SatS.
3 Quem leva em conta apenas o preco convencional de urna mercadoria, segué a teoria do "valor de troca", isto é. "define a capacidade que tem um objeto de ser trocado por outros objetos e assim transforma todos os produtos do trabalho huma no, e até os trabalhadores, em mercadorias vendáveis" Icf. p. 99).
— 506 —
» ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA»
23
curam encontrar o trabalho que o produziu e as condicoes de producao que o tornaram possível e necessário" (p. 86). Obser va Clévenot: "Isto significa finalmente fazer urna leitura subversiva, que escapa da fascinacao idealista. . . . Nosso trabalho será o de retomar urna leitura que tem sido governada há sáculos por todas as ortodoxias e fazer reaparecer o
dinamismo subversivo de Marcos. Em outros termos, mostrar como o rela
to da prática de Jesús produziu (e continua a produzir) a subversao dos có digos dominantes" (p. 86).
Postos estes principios, Clévenot se volta para a análise do texto de Marcos:
Poe em relevo todos os conflitos de Jesús com os fariseus ou com a classe dominante e a ordem vigente em Israel: assim as
cinco controversias de Me 2,1-3,6, que acabam com a decisao de condenarem Jesús á morte (cf. Me 3,6); a réplica do divorcio (cf. 10,1-12), a advertencia aos ricos (cf. Me 10,17-22), a definicao de autoridade-servico (cf. Me 10,41-45), a purif¡cacao do Templo {cf. Me 11, 15-19), a parábola dos vinhateiros homici
das (cf.Mc 12, 1-12), o pagamento do imposto a César (cf. Me 12, 13-17), o verdadeiro sentido da Lei (cf. Me 12, 28-34), a
crítica aos escribas (cf. Me 12, 38-40), o óbolo da viúva (cf. Me 12, 41-44)... Em todos esses casos, Jesús tocava o ámago da or-
gaiíizacao económico-político-ideológica da Palestina no século
primeiro. Ele preconizava o sistema da dádiva em lugar do siste ma da compra. Com efeito, antes da multiplicacao dos pies, os
apostólos sugeriam a Jesús que mandasse a multidao comprar alguma coisa para comer (Me 6, 36), e falaram de duzentos denários (Me 6, 37); ao que Jesús respondeu: "Dai-lhes vos mesmos de comer. . . Quantos pies tendes? I de ver" (Me 6, 37s). Jesús assim recorría a urna estrategia comunista! Finalmente Jesús morreu como se fosse um zelota: "Real mente a crucíficacao é a morte que os romanos davam aos escra-
vos foragidos e aos zelotas. . . A inscrícao do motivo da conde-
nacao
'O
Rei dos Judeus'
(15,26)
é típicamente zelota"
(pp. 128s). é claro que, segundo o enfoque materialista, Jesús nao ressuscitou corporalmente dentre os mortos. As noticias de ressur— 507 —
24
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
reicao em Me signif icam apenas que, após a morte, "o corpo au
sente de Jesús continuará a transmitir sua forca através do relato de sua prática, continuando pelos discípulos entre os pagaos" {p. 130). Foi por isto que as mulheres se amedrontaram: elas nao vi-
ram mais Jesús após a morte do Senhor. .. Seria necessário par tir pelos caminhos do mundo contando apenas com a inacreditável promessa, feita por um jovem vestido de branco, de que a
forca de Jesús precedería os discípulos em todos os cami nhos! .. .
Pelo mesmo motivo o Evangelho de Marcos nao tem fecho. Termina em Me 16,8; a seccao 16, 9-20,que se Ihe segué, nao é da mao do evangelista, mas foi acrescentada por um discípulo que nao compreendeu o pensamiento do mestre. A prática de Je sús se prolonga na prática de todos os "cristaos"; por isso o Evangelho de Marcos permanece inacabado: "Se o relato da prática de Jesús permanece aberto, nao é um mero acaso ou esquecimento: é porque depois da morte de Jesús e de sua 'ausen cia' corporal no seio dos seus, sua presenca continua sob urna outra forma, e o relato de sua prática prossegue-se entao através do relato da prática de todos os 'cristaos'"
E qual seria a auténtica prática dos cristaos?
Clévenot responde que ela consiste em fé, esperanca e caridade..., entendidas, porém, em sentido materialista.
Fé... Esta supoe o escutar e o ouvir a palavra (cf. Me 4,15s: a parábola do semeador). Todavía só se tornam discípulos os que saem do círculo da classe dominante. A prática da fé, portanto, é a prática ideológica dos olhos e dos ouvidos. Esperanca... é a prática política ou dos deslocamentos hábeis e estratégicos.
Caridade... E a prática económica das maos. É o trabaIho que transforma os corpos.
O problema do cristao, portanto, é o de "descobrir qual se rá a sua prática em cada um dos tres níveis e qual a relacao que
essa prática mantém com o relato da prática de Jesús" (p. 142). Concluí Clévenot: — 508 —
ENFOQUES MATERIALISTAS DA BtBLlA-
25
"Por conseguirle, urna leitura materialista nunca pode ser separada de urna certa prática económica e política suprimir a sociedade de classes e a vontade de reler ainda hoje em dia suficientemente forte para afrontar a
liberadora, é na medida em que lutamos para exploracSo do homem peto homem que temos uns textos onde veío á luz um desejo que foi morte"
Quanto á Divindade de Jesús, entende-se que, para Clévenot, seja tao somente um título que foi atribuido a Jesús pelas comunidades cristas primitivas. Corresponde ás tendencias teo logizantes e mitologizantes que surgiram na primeira geracao crista. Já Paulo em 1 Ts 1, 1, ou seja, no ano de 51, fala do "Senhor Jesús Cristo". As razoes deste fenómeno, segundo Clévenot, sao as seguintes:
No nivel económico, a maioria dos cristaos era recrutada entre as carnadas mais pobres das populapoes mediterráneas; por conseguinte, os cristaos nao poderiam provocar nenhuma mudanca ñas forcas de producao. Isto acarretava, no nivel polí tico, a total capitulacao frente ao Estado Romano, apoiado pelo exército. Por conseguinte, os cristaos, bloqueados nos setores económico e político, haviam de se recuperar no plano ideológi co; eles fariam da mensagem de Jesús urna "religiao de salvapao", semelhante ás que existiam no Oriente (cultos de misterios). A prática messiánica "roí, por isto, ideologizada; isto é, "foi reto mada dentro do discurso teocéntrico, o que se chama de 'teolo gía'" (p. 134).
Assim se constituiu "o Cristianismo como urna prática de caráter predominantemente ideológico. Um dos indicios mais claros é a progressiva transformacao, pela teología, do assassinato de Jesús em morte predestinada, sacrificial no sentido do sis tema de pureza, sangue derramado 'pela remtssao dos pecados'
(Mt 26,28)".
Desta forma parece estar suficientemente exposto o pensamento de Michel Clévenot. Interessa agora propor-lhe alguns comentarios. 2. Que dizer?
Teceremos cinco consideracoes em torno do livro de M.
Clévenot:
2.1. Preconceitos anticientíficos
O trabalho científico é, tanto quanto possível, objetivo; deixa-se guiar pela realidade do seu objeto, que vai sendo aos — 509 —
26
PKKGUNTK K KKSl'ONlJEKEMOS
240/197'.)
poucos descoberta. 0 dentista tem que considerar o seu tema deestudocoma mentedestituídade qualquer tese preconcebida.
Ora nao é o que se dá no caso de M. Clévenot. Este se volta para o Evangelho e para as Escrituras em geral no intuito de enquadrar os escritos sagrados dentro de categorías "pré-fabricadas". Com efeito; segundo a escola materialista, toda a historia é o resultado da luta de classes, movida por fatores económicos, políticos e ideológicos: "Toda sociedade (ou formacao social) é um sistema complexo de trocas a tres níveis: económico-políti
co-ideológico" (p. 34). Ora tais premissas nao sao demonstradas pelo autor (poderiam mesmo ser contestadas por outros), mas sao assumidas por
Clévenot de maneira dogmática e rígida para interpretar as Es crituras.
Urna tendencia hermenéutica bíblica procura, antes do mais, entender o texto sagrado a partir da mentalidade dos auto res que o compuseram. Ora os escritores bíblicos tinham nao so-
mente interesses económicos e políticos, mas possuiam também concepcoes de fé e de religiao muito vivas. Sabe-se que todos os povos na antigüidade eram dotados de profundo espirito religio so {embora, por vezes, aberrante ou mal orientado). Especial mente o povo de Israel, através de todos os tempos, se mostra como povo religioso. Com efeito; Israel era urna nagao pequeña,
destituida de poderío militar ou científico na era pré-crista; nao obstante, desempenhou papel importantíssimo na historia ante rior a Cristo, porque foí o baluarte do monoteísmo em meio a povos politeístas ou pagaos; o que fez a identidade e a grandeza de Israel no mundo pagao, foram as suas elevadas concepcoes de
Deus, de Providencia, de salvacao, de historia, etc.1 Foi também
por causa das suas crencas religiosas que Israel cultivou a histo
riografía como nenhum outro povo do Oriente antigo; a histo riografía de Israel, relativamente concatenada e fiel, exprimía a consciéncia israelita de que a historia é o cenário de longa intervencao de Deus neste mundo.
Quem nao compreende isto, arrisca-se a passar ao lado dos escritos sagrados de Israel sem penetrar no seu ámago. 1 Alias, pode-se dizer que até hoje é a religiao que mantém Israel na sua ¡dentidade ¡nconfundível; dispersos pelo mundo inteiro. talando a língua do povo com o qual vivem, os judeus conservam a consciéncia de sua singularidade por causa do pa trimonio religioso que, explícita ou implícitamente, eles estimam ecultuam.
— 51U —
■ KNFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA^
27_
2.2. Jesús subversivo
Últimamente muito se tem escrito sobre as atitudes de Je sús frente as instituicoes de seu tempo: terá sido um revolucio nario político ou social?
Embora alguns autores afirmem isto, outros, de boa escola, o negam, apoiados em dados objetivos e sólidos. Assim Osear Cullmann, Martín Hengel, P. Bígo, P. Grelot, B. Ferrara...
Tenham-se em vista os dizeres de Jesús no sermao da montanha (Mt 5-7), em que o mestre apregoa nao a violencia, mas o
amor. . . até aos inimigos; Jesús reconhecia a autoridade civil, mandando pagar a César o que Ihe era devido (cf. Me 12,13-17; Mt 22, 15-22); Jesús nao pregou a mudanca violenta das estrutu-
ras socíais, económicas e pol íticas do seu tempo. Verdade é que a doutrina religiosa de Jesús tinha, e tem, conseqüéncias políti cas, po!s ela incita os cristaos a construir um mundo melhor, mais justo e mais fraterno. - A propósito citamos, em vista de
ulteriores informacoes, PR 229 1978, pp. 3-17 e a bibliografía deste artigo.
Dizer, pois, que Jesús se interessava apenas pelas realidades terrestres (na procura de urna praxis marxista) e que os trapos
teológicos da sua mensagem sao posteriores á sua morte, é o mesmo que violentar o texto do Evangelho em funcao de premissas dogmáticas materialistas; jamáis poderá ser tido como re
sultado de trabalho serio e científico, como nao é trabalho cien tífico enquadrar o vocábulo library (biblioteca, em inglés) den tro das categorías de livraria só pelo fato de que o leitor usa habitualmente a língua portuguesa.
2.3. Bibliografía
Os dizeres ácima sao corroborados pelo exame da biblio grafía aduzida pelo autor. Este pretende tornar mais acessível o pensamento de Fernando Belo, píoneíro dos estudos materialis tas sobre S. Marcos. Cita, nao raro, Marx e Engels; parece, porém, desconhecer, por completo, os estudiosos que se consagraram na exegese de Marcos, entre os quais sobressai V. Taylor na
obra The Gospel According to St. Mark.. London 1955. Alias,
Clévenot pretende ter descoberto S. Marcos; por ¡sto se desliga
de todos os estudos anteriormente feitos sobre o assunto. Tal — 511 —
28
l'KKCUNTK K RESPONDEREMOS. 240/197'J
posipao resulta de um "a priori", que, como dito, nao é científi co.
2.4. Pontos particulares
Convém aínda mencionar a forma como o livro é apresentado em portugués. Dir-se-ia que o tradutor nao conhecia o assunto em pauta, de modo que entregou ao público um livro mal apresentado. Tenham-se em vista os seguintes tópicos:
P.49: "Criancas de Israel" traduz "enfants d'lsrael" = fiIhos de Israel.
P.98: o corpo de Jesús foi untado, quando, na verdade, se diría ungido.
P.78: o autor nao traduziu diacres {= diáconos), mas deixou este vocábulo estranho no texto portugués. P.77: os filipenses (= habitantes de Filipos) sao apresenta-
dos como filipinos (adeptos do rei Filipe). P.78: lé-se "presbíteros, de onde vema palavra padre". Na realidade, de presbíteros faz-se a palavra préte francesa, nao porém, padre. O vocábulo padre vem do latim pater.
P.78:
Flavia Domicilia aparece em lugar de ... Domitila.
P.71: lé-se "reino de Ñero" em lugar de "reinado de Ñero", visto que o francés só tem o vocábulo régnepara significar reino e reinado.
P.54: Cirus, em lugar de Ciro. P.67: Títus, em lugar de Tito.
Verdade é que estas minucias nao afetam o conteúdo da obra, mas sao indicio de que o tradutor e os editores nao se ¡mportaram com o caráter científico dessa publicacao; nao tiveram a preocupacao de tomá-la urna obra de peso, mas a entregaram
ao público como um livro barato de vulgarizacao mal editado.
Um estudioso serio tem o direito de exigir que as obras que pre-
tendam
merecer atencao, sejam devidamente apresentadas.
2.5. Visao de fé
Por último, observamos ser inconcebível para um fiel cató lico urna leitura materialista do Evangelho ou da Biblia. O mate rialismo nega Deus e os valores da fé, relegando-os á categoría de mitos e ideología (= explicacoes subjetivas produzidas por populacoes ignorantes). Ora, para o cristao, a existencia e a revelacao de Deus sao as primeiras de todas as premissas; por conseguinte, — 512 —
KNKOQUKS MATEKIAUSTAS DA BIBLIA-
29^
se quiser optar por urna leitura materialista da Biblia, ou deixará de ser cristao ou nao estará sendo um "leitor materialista". Mais: para o cristao, a Biblia só tem sentido na medida em que é a Palavra de Deus, que manifesta aos homens o seu desig nio de salvacao. 0 cristao que nao se disponha a descobrir isto na Biblia, nao precisa de ler as Escrituras. Diríamos mesmo: . . . nao deveria ler as Escrituras, caso tencionasse fazé-las um manual de praxis marxista.
Esta pode ser arquitetada sobre premissas próprias, de mo do a nao necessitar do subsidio das Escrituras; estas sao violen tadas e deterioradas, se o estudioso as analisa em contexto mate rialista.
Sao estas algumas ponderacoes que nos ocorrem a propósi to do livro de M. Clévenot, que carece das mínimas condicoes para poder fazer frente aos grandes comentarios bíblicos até hoje publicados.
Bibliografía:
BOFF, Cl.,
Foi Jesús revolucionario? ¡n REB 31, 1971,
97-118..
CÚLLMANN, O., Jesús e os revolucionarios do seu tempo.
- Ed. Vozes, Petrópolis, 1972. DE LA CALLE, FR., A Teologia de Marcos. - Ed. Pauli
nas, Sao Paulo 1978.
DE VAUX, R.r Les institutions de l'Ancien Testament, 2
vols. - Ed. du Cerf, Paris 1958. GONCALVES, O. L., Cristo e a contestacao política. Ed. Vozes, Petrópolis 1974.
GRELOT, P.,
Introducao á Biblia.
-
- Ed. Paulinas, Sao
Paulo 1971.
HENGEL, M., Foi Jesús Revolucionario?- Ed. Vozes, Pe
trópolis 1971.
KIPPER, J.B., Atuacao política e revolucionaria de Jesús?
in Perspectiva Teológica,, ano X, n? 21, maio-agosto 1978, pp. 275-306.
LAPPLE, A.,
Mensagem bíblica para o nosso tempo.
Ed.
Paulistas, Lisboa 1968. TAYLOR, V., The Gospel According to St. Mark. London 1952.
TROCMÉ, A., Jesús Cristo e a revolucao nao-violenta. Ed. Vozes, Petrópolis 1973. — 513 —
-
Enfoque novo:
"o evanselho a luz da psicanalise" por Francoise Dolto
Em símese: O livro em pauta tenciona apresentar episodios dos. Evangelhos como símbolos de situacoes psicológicas estudadas á luz da doutrina de Freud. A autora nao se preocupa com as intencoes dos evange-
Ihistas nem com os interesses dos ¡mediatos leitores dos Evangelhos, mas incute ao texto sagrado as categorías de pensamento freudianos, especial mente a do pansexualismo. Ora é evidente que tal obra nao pode ser considerada como obra de exegese bíblica, pois ela nada tem que ver com o auténtico conteúdo dos Evangelhos. Francoise Dolto serve-se do texto bíblico como pretexto para pro por considerapoes psicanalíticas.
Comentario: Últimamente alguns psicanalistas tém procu
rado fazer sua "releitura" do Evangelho.1 Consideram o texto sa
grado á luz das premissas de Freud, descobrindo assim um "sen tido novo" das páginas bíblicas. Entre as tentativas menciona das, sobressai a de Francoise Dolto, psicanalista especializada no tratamento de enancas, membro da Escola Freudiana de Paris, e também a primeira psicanalista a fazer urna conferencia no salao de Saint-Louis des Francais em Roma (abordando entao o tema "Vida espiritual e psicanálise"). O pensamento de Francoise
Dolto exprime-se no livro "O Evangelho á luz da psicanálise" {tradugao do francés por Isis María Borges Vincent e Anamaria
Skinger. — Imago Editora Ltda., Rio de Janeiro 1979, 140 x 210mm, 159pp.). Esta obra resulta de urna entrevista á psicanalista dirigida por Gérard Sévérin, também psicanalista e membro da Escola Freudiana de Paris.
Visto que o livro tem despertado ¡nteresse no Brasil, va mos, a seguir, propor-lhe breve comentario.
1
Alias, algo de semelhante tem acontecido ñas escolas materialistas e estrutu-
ralistas, como se poderá depreender do artigo de PR sobre "Enfoques materialistas da Biblia" neste fascículo.
— 514 —
O KVANGKLHO Á LUZ DA PSICANALISK»
31_
1. Ponderapoes gerais
Gérard Séverin apresentou a Franpoise Dolto alguns episo dios do Evangelho a ser focalizados á luz da psicanálise, a saber: A Sagrada Familia (Le 1,26-38; Mt 1,18-25), o encontró de Je sús no Templo aos doze anos {Le 2,42-52), o modelo dos peque-
ninos(Mc 10,14s; Mt 19,4s), as bodas de Cana (Jo 2,1-11),
Jesús pregado á cruz (Jo 19,33-37; Mt 27,45-50), a ressurreicao do filho da viúva de Naím (Le 7,11-16), a ressurreicao da fiiha de Jairo (Me 5,21-34), a ressurreicao de Lázaro (Jo 11,1-44), a uncao de Jesús em Betánia (Jo 11,45-53; 12,1-8) eo Bom Samaritano (Le 10,25-37).
Quem lé as explanapoes de Franpoise Dolto, tem a impressao de que o texto do Evangelho se torna, para essa autora,
pretexto..., pretexto para desenvolver consideracoes psicanaIfticas. Na verdade, Franpoise Dolto e Gérard Sévérin, em nota preliminar (p.5), declaram que nao tencionam pronunciar-se sobre a historicidade das narracoes do Evangelho. Apenas se interessam pelas cenas do Evangelho na medida em que estas parecem
propor simbólicamente
situacoes
psicológicas, que
Francoise Dolto enquadra dentro das teses da psicanálise. A autora nao se preocupa com as ¡ntencoes dos evangelistas, nem
com
a
problemática
dos
leitores
¡mediatos
ou
as
circunstancias de origem dos relatos evangélicos..., elementos estes indispensáveis para que se possa entender o Evangelho; a sadia interpretacao de textos ou hermenéutica tem, como
primeira norma, a de se reconstruir o ambiente que deu origem ao texto em foco. Visto que Franpoise Dolto nao o faz, deve-se dizer que as suas consideracSes nada tém que ver com o conteúdo dos Evangelhos. Um estudioso digno deste nome jamáis dirá que as reflexoes da autora constituem a exegese ou o
comentario do texto sagrado. Tais reflexoes derivam-se de teses freudianas e tém como base o pansexualismo ou o pressuposto de que todas as expressSes do ser humano sao
motivadas por impulsos sexuais. Ora esta tese é arbitraria e fal
sa, pois no ser humano há, sem dúvida, tendencias que nao sao
erotizantes ou libidinosas nem mesmo indiretamente (embora tudo o que a pessoa humana faz, tenha o caráter da respectiva masculinidade ou feminilidade). — 515 —
22
-PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
Compreende-se, pois, que o texto do Evangelho, lido a partir de premissas a ele estranhas venha desfigurado. Para ilustrar o trabalho de Fr. Dolto, tomamos a liberdade de lembrar o seguinte:
Sabe-se que muitas pessoas simplonas interpretam deter minados textos como se tivessem com
sido
redigidos de acordó
as suas categorías de pensamento pessoais. Assim pro-
cedem, por exemplo,
— aquele que, lendo bois (= bosques) num texto francés, julgue tratarse de bois em portugués; — aquele que (=olhar) por guardar;
traduza
o
vocábulo
italiano guardare
— ... ou subiré (=sofrer) por subir, — ... ousalire (=subír) por sair, — ... ou apposta (=exatamente) por aposta,
— ... ou fermasi (=parar) por firmar-se, — ... ou pregare (= rezar) por pregar,
— ... ou pigliare(=tomar) por pilhar, — ... ou suono (=som) por sonó, — ... ou rata (=parcela) por rata,
— ... ou o inglés library (=biblioteca) por livraria... Ora dir-se-ia que algo análogo acontece com Francoise
Dolto quando tenta interpretar o Evangelho. é o que mais ainda se evidenciará mediante a citacao de alguns exemplos típicos.
2. Espécimens "exegéticos"
2.1. A ressurreicáo do filho da viíiva de Naím Este é um dos episodios que mais parecem prestar-se á hermenéutica de Fr. Dolto.
O filho da viúva de Naím é, para a autora, o símbolo do
fiiho da máe possessiva. A viúva de Naím, tendo perdido o marido, quería satisfazer a seus desejos medíante o filho que ela gerara; ela barrava os caminhos do jovem e o impedia de con— 516 —
«O EVANGELHO A LUZ DA PSICANALISE*
33
quistar seu destino fecundador. Ora, diz Fr. Dolto, "Jesús reve
la e dá a esse jovem, através de seu apelo imperativo e público, a estatura de homem livre, estimulando.-o a construir urna nova vida num sociedade perplexa...
Desperta esse coracao abortado para a sua virilidade cor poral. Todo jovem tem esse conhecimento, que é o próprio
testemunho de seu sexo, pois o sexo é visível e se ergue na sua carne. Mas que fazer quando nenhum homem o inicia na lei da
carne?" (p.87). Se o jovem de Naím fosse sadio, ele devia ter fúgido e
abandonado a mae, em vez de se tornar o seu arrimo ou o bácu lo da sua velhice (cf. p. 93 e 85). Nao discutiremos o conteúdo das afirmagoes de Fr. Dolto. Interessa apenas salientar que a interpretacao da autora está longe de traduzir o genuino significado do Evangelho, como a
traducao guardar está longe de exprimir o significado do italiano guardare. 2.2. A ressurreicao da filha de Jairo Segundo Dolto, Jairo é um pai "possessivo", que prejudica
a saúde psicossomática de sua filha. Ele nao fala da mae da menina; diz "minha filhinha está ñas últimas", porque ele faz as vezes da genitora. "Sozinha
e
sem ajuda extra-familiar, a filha de Jairo só pode
se desvitalizar. Seu pai a ama com um amor que podemos definir como incestuoso
inconsciente,
com um amor de estilo libidinal oral e anal,
que faz déla sua prisioneira em gaiola de o uro"
dose nubil, depois mulher, depois mae"
(p. 105).
Ora, segundo Fr. Dolto, Jesús libertou o pai da sua ntitu-
de possessiva e, conseqüentemente, também a menina. E assim que a autora paraf raseia as palavras de Jesús a Jairo: "Tem fé em ti, na tua forpa de homem e de esposo, e tua filha vivera. Ou melhor: se tens fé em tua forca de esposo, poderes dizer a tua
filha: 'Minha filhinha, és feminina, mas nao para miml' E ela poderá viver para umoutro" (p. 109).
— 517 —
_34
-PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
Observamos: Fr. Dolto tem o direito de conceber a histo
ria de um pai possessivo em reí apa o á sua filha para tecerconsideracoes psicanalíticas. Mas com que fundamento julga ela que tal era Jairo? Por que apelar para Jairo e o Evangelho no intuito
de fazer ponderacoes psicanalíticas? Que necessidade há de en volver
artificialmente o
texto sagrado
nessas elucubracoes?
2.3. A ressurreicao de Lázaro
Segundo Francoise Dolto, os irmaos Lázaro, Marta e Maria
constituiam um trio neurótico (cf. p. 124). Lázaro se apegara a Jesús com amizade passional narcísica, de modo que, separado
de Jesús como um bebé do seio materno, Lázaro se deixou morrer
(cf.
p.
120). Jesús também experimentava algo de
narcísico.
Para ressuscitar Lázaro, Jesús teve que se livrar da sua própria placenta, foi obrigado a reviver seu desapego de enan
ca arraigada ao útero humano. Ele tremeu e chorou (cf. p. 125). Ressuscitando
Lázaro, Jesús o
libertou
do apego para com
Jesús e suscitou nele o desejo de se realizar na vida em relacao com os outros (cf. p. 124). Nao nos podemos furtar a transcrever mais urna passagem do
livro em pauta, típica da mentalidade e do linguajar da
autora:
"Observe-se que, na ressureicao de Lázaro, Cristo também se castra. Ele se separa do que resta de carnal no amor que ele nutre por esse homem, e se separa dessas mulheres que o adoram e cuja casa era para ele um lar caloroso.
Em outra passagem, nos o vimos castrar o filho da viúva de Nafm e ele Ihe aplica a castracáo uretro-anal e genital. Ele impoe o desmente de seu pai á filha de Jairo: é a castracáo oral. Para a jovem, quando essa ruptura em relacao aos pais é bem feita, ela ocasiona também a castracáo genital, se o pai for castrado do desejo que nutre por sua filha.
A Lázaro ele impoe a castracao fetal, cujo vestigio é o umbigo: ele é também a prova do luto realizado em relagao com a expulsao com a
expulsao dos involucros amnióticos" (pp. 124s). — 518 —
-O EVANGELHO A LUZ DA PSICANALISE»
35_
3. Conclusao
Nao há necessidade de comentarios para evidenciar quao despropositada é tal hermenéutica. A psicanálise lida com sím bolos. Por isto Francoise Dolto faz do Evangelho um repertorio de símbolos psicanalíticos... Melhor fora que se servisse de outro livro para tal fim! Todos os capi'tulos do livro desenvolvem-se no mesmo es
tilo... Principalmente o cap. 1P, que trata da Sagrada Familia, se presta a estranhas e obscuras divagacoes da parte da autora. Em síntese, o livro poderá parecer interessante aos culto res da psicanálise por causa da criatividade e originalidade que ele exprime. Objetivamente falando, porém, é obra que, embora trate dos Evangelhos, nada significa para a compreen-
sao e a exegese do texto sagrado. Achamos, pois, estranhas as afirmacoes encontradas ñas orelhas da obra em foco: "Neste livro, Francoise Dolto propóe urna chave para se descobrir Jesús de um modo diferente... Desde a publicacao deste livro, os fiéis, padres ou leigos, assim como os descrentes, que se interessam pelo acon tecí monto cultural em si, nao mais poderao abordar o Evangelho como
se Francoise Dolto nao o tivesse lido".
Observamos: depois que alguém traduz o italiano subiré ou o francés subir pelo portugués subir, alguma coisa muda no significado daqueles dois verbos estrangeiros? Sofrer tornar-
se-á subir por causa disso? Na verdade, só posso entender o que seja subir em francés se interrogo os que conhecem a
língua francesa e um pouco da sua historia. Assim também só posso entender os Evangelhos se estudo a ambientacao na qual foram escritos e, conseqüentemente, o método da historia das
formas (Formgeschichtliche Methode) ; um exegeta tem o direito de propor novas interpretacoes do Evangelho desde que parta de premissas genuinamente exegético-bíblicas, ou seja, desde que recorra ao instrumental específico dos estudos bíblicos. Caso isto nao se dé, as suas teorías serao vas, como va será qualquer tentativa de entender o guardare italiano a partir do guardar portugués! — 519 —
Urna reformulacao histórica:
"idade media: o que nao nos ensina■
rain"
por Régine Pernoud
Em síntese: O livro de Régine Pernoud em foco sugere ao leitor urna revisio do conceito pejorativo de Idade Media que comumente é propalado. Tal nocáo se deve, em parte, a preconceitos de pensadores
dos séculos XVI e seguintes, os quais, movidos por premissas anticató licas e anticristas, tinham interesse em denegrir a Idade Media. Esta nao
foi perfeita (pois nada do que é humano é isento de fainas); todavia nao foi bárbara nem obscurantista, como freqüentemente se diz, mas teve gestos e valores que suscitariam rubor no homem moderno. Assim, por exemplo, a escravatura romana extinguiu-se no comeco da Idade Media para ceder ao regime do servo da gleba (que respeitava os direitos do
pequeño camponés); todavia foi restaurada no século XVI ñas térras da
América, onde vigorou o colonialismo. Régine Pernoud julga que o cultivo do Direito Romano (que teve inicio no século XI em Bolonha) contribuiu poderosamente para, aos poucos, desfazer as instituicoes e os costumes da
Idade Media Ascendente; o Direito Romano finalmente fundamentou o menosprezo da mulher e outros males que tomaram pleno vulto a partir do século XVI.
O presente artigo tenta reproduzir a tese da autora e ilustra-a me diante exemplos e dados colhidos no livro em pauta.
Comentario: Régine Pernoud é especialista em estudos medievais. Sua primeira obra, "Lumiéredu Moyen-Age", publicada em 1945, mereceu-lhe o premio Fémina-Vacaresco de Crítica e Historia. Em 1978, a autora editou "Pour en finir avec le Moyen-Age", obra que Ihe valeu o premio Sola-Cabiati da ciade
de París e a consagracao da crítica como sendo urna das mais notáveis conhecedoras da Idade Media. Tal obra foi traduzida para o portugués com o título "A Idade Media: o que nao nos ensinaram". Visto que convida o estudioso a rever as concepcoes comuns relativas á Idade Media, vamos, a seguir, proporas — 520 —
IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM»
-37
linhas mais características desse estudo, accmpanhadas de conclusao final. 1. Idade Media: preconceitos e lendas
A autora, no capítulo I, lembra o conceito que geralmente
se tem até nossos dias com relacao á Idade Media. Esta equivaleria a mil anos de obscurantismo:... obscuran
tismo intelectual, moral, cultural...
A grande maioria das pessoas que falam sobre a Idade
Media, nunca a estudaram devidamente. Mas apenas a conhecem pov "fama", fama esta que nao corresponde aos resultados
das pesquisas historiográficas dos últimos cento e cinqüenta anos.
Para ilustrar este fato, a autora cita alguns episodios: Certa vez Régine Pernoud recebeu telefonema de urna documentarista da TV, das mais especializadas em programas his tóricos.
"Parece-me, disse-me ela, que a senhora tem dispositivos. Terá, por acaso, alguns que representem a Idade Media? -??? - Sim, que dérrt urna ¡déla da Idade Media em geral: execupoes, massacres, cenas de violencia, fome, epidemias...
Nao pudedeixar derir" (p. 105s).
Conta ainda R. Pernoud: "Era encarregada do Museu da Franga nos Arquivos Nacionais, há
pouco tempo, quando chegou uma carta perguntando: 'Poderia informar me a data do tratado que marca oficialmente o f¡m da Idade Media? 'Havia ainda uma pergunta complementar: 'Em que cidade se reuniramos diplomatas que prepararam esse tratado?' ...O autor pedia uma resposta rápida, pois, dizia ele, precisaría des
desses dois dados para uma conferencia que pretendía fazer em data muito próxima" (p. 9).
Em
suma,
é
freqüente
ouvirem-se
observacoes
como
"Nao estamos mais na Idade Media" ou "é um retorno á Idade Media" ou "é uma mentalidade medieval". — 521 —
38
I»hlt(;UNTE K RESPONDEREMOS* 240/1979 Alias, a
própria designacao "Idade Media" implica um
juízo pejorativo sobre os mil anos em pauta. Significa, sim, que entre a antigüidade greco-romana e o Renascimento da mesma no sáculo XVI tenha havido um período neutro, sem
cultura
nem valores, mas torpe ou bárbaro. Note-se, alias,
que a divisao da historia em tres grandes períodos (Idade Antiga, Idade Media e Idade Moderna) foi proposta, pela primeira vez, pelos humanistas dos séculos XV/XVI; só no século XVII foi introduzida em livros didáticos de Historia Universal1. Nao há dúvida, os humanistas renacentistas tencionavam caracterizar a Idade Media como fase de escuridao e estagnacao cultural.
Em nossos dias, porém, há estudos que dissipam tal imagem da Idade Media. O fato, pois, de continuarem em voga as
concepcoes pejorativas sobre tal período deve-se a certa roti-
na, que nao se justifica. É o que Régine Pernoud observa: "Há
pouco
tempo,
um programa de televisao apresentava como
histórica a frase famosa: 'Matai-os todos, Deus reconhecerá os seusl' durante o massacre de Béxiers em 1209. Ora, há mais de cem anos (exatamente em 1866), em erudito demonstrou, ácima de qualquer dúvida, que a frase nao poderia ter sido pronunciada, já que nao a encontramos em
nenhuma das fontes históricas da época, mas apenas no Livro dos Milagres, D¡alogu$Miraculorum,um, cujo título f a la por si mesmo sobre o que pretende dizer, composto aproximadamente sessenta anos depois dos fatos pelo monge alemao Cesário de Heisterbach, autor próvido de imaginacao arden-
te e bastante suspeito quanto á autenticidade histórica. Desde 1866, nenhum histori.ulot.. oscntoii".
Irvou em coma o famoso 'Matai-os todos'; mas os
i.- !•■'.!■>■• i i> uiili/iiram ainda. Isto basta para provar quanto as
descobettas científicas, neste caso, custam a penetrar no dominio públi co"
Dos subseqüentes capítulos do livro, escolheremos quatro, em que a autora aborda temas de especial interesse para o leitor.
1Cf.
CRISTOPHORUS
CELLARIUS,
Historias antiquae, mediae, novae
nucleus. Senna 1675/6.
— 522 —
IDADK MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM^
39
2. A Idade Media e a mulher
Tal tema é considerado no capítulo VI sob o título "A mulher sem alma".
Régine Pernoud costuma distinguir no período medieval
duas fases divididas entre si pelo ressurgimento do Direito Romano. Este comecou a ser cultivado em Bolonha, onde o célebre legista Irinério fundou célebre escola de Direito Ro
mano (1084). A influencia do Direito Romano assim reavivado só aos poucos se fez sentir sobre a vida medieval. A aplicacao
de seus principios á realidade civil e religiosa dos séculos XII e XIV modificou um tanto os costumes das épocas anteriores. Todavía sonriente na segunda metade do século XV o Direito Romano foi amplamente adotado pelos juristas - o que teve
ulteriores conseqüéncias no modo de pensar e agir da sociedade em relacao á mulher e a outros valores da sociedade. "O Direito Romano... foi a grande tentacao do período medieval; ele foi estudado com entusiasmo nao só pela burguesía das cidades, mas também por todos os que viam nele um instrumento de centralizacao e de autoridade. Ele se ressente, com efeito, das suas origens imperialis tas e - por que nao dizer? - colonialistas. Ele é o Direito, por excelen cia, dos que querem firmar urna autoridade central estatizada... Em mea dos do século XII, o Imperador Frederico II, cujas tendencias eram as de
um monarca, fez deste tipo de Direito a leí comum dos países germá nicos" (p. 79s).
Feita esta observacao, registramos com R. Pernoud o papel eminente que certas mulheres desempenharam na Idade Media: 2.1. Familias reais
Na fase anterior á do Direito Romano (fase que a autora
chama "temóos feudais") a rainha era coroada, como o rei, geralmente em Reims, pelas maos do arcebispo de Reims; atribuia-se á coroacao da rainha tanto valor quanto á do rei {cf. p. 78). Á medida que o Direito Romano foi ascendendo, a coroa cao das rainhas foi sendo considerada menos importante que a — 523 —
40
PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
dos reis. A última rainha a ser coroada fo¡ Maria de Mediéis na
véspera do assassinato do seu marido Henrique IV. No século XVII a rainha desaparece literalmente da cena em proveito da "favorita"!
Em sua época, Eleonora de Aquitánia (t1204) e Branca de Castela (+ 1252) exerceram autoridade sem contestacao nos ca
sos de ausencia do rei, doente ou morto; tiveram suas chancelarias, suas alfándegas e seus setores de atividade pessoal. A primeira disposicao que afastava a mulher da sucessao
ao trono foi tomada por Filipe IV, o Belo (1285 - 1314), sob a influencia de juristas romanos. Na verdade, o Direito Romano nao era favorável á mulher nem á enanca; era um Direito mo
nárquico, que exaltava o paterfamilias, pai, proprietário, chefe da familia com poderes sagrados, sem limites no tocante aos
filhos (tinha sobre estes direito de vida e de morte) e á esposa. Note-se aínda a propósito que somente a partir de fins
do século XVII a mulher toma obrigatoriamente o nome do ma rido.
2.2. A Igreja e a mulher
E habitual dizer se que a Igreja foi misógina ou hostil á mulher até época recente. A mulher terá sido considerada urna criatura sem alma! ...
Ora R. Pernoud observa que, entre os mais antigos santos,
se encontram as mártires Inés, Cecilia, Águeda, Luzia, Blan-
dina... Mais: Algumas mulheres (nao necessariamente oriundas de familias nobres) desempenharam notáveis funcoes na Igreja
medieval. Assim certas abadessas eram senhoras feudais, cujos poderes eram respeitados como os de outros senhores; usavam báculo, como os bispos; nao raro, administravam vastos terri torios com cidades e paróquias. Tenha-se em vista, por exemplo, a abadessa Heloisa, do Mosteiro do Paráclito, no século XII: além de exercer ampias funcoes administrativas, conhecia o grego e o hebraico, que ela ensinava as monjas. Outro caso merece especial registro: o pregador de peni Roberto de Arbrissel {+ 1117) conseguiu levar tanta
tencia
— 524 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM»
Al
gente á conversao que houve por bem fundar a Ordem de Fontevrault em 1100/1101, com base na Regra de S. Bento. Esta Ordem d¡st¡ngu¡u-se pela penitencia severa e pelos "mósteiros duplos": entre um cenobio de homens e outro de mu-
Iheres achava-se a igreja, único lugar em que monges e monjas se podiam encontrar. Ora a direcao suprema desses mosteiros duplos competía, em honra da Santa Mae de Deus, á abadessa de Fontevrault: esta devia ser viúva, tendo feito a experiencia do casamento! Sabe-se
também
que
havia
na
Idade Media
Religiosas
muito instruidas. Assim, por exemplo, a mais conhecida enci clopedia do século XII é da autoría da abadessa Herrade de Landsberg; tem por título Hortusdeliciarum (jardim de deli cias) e nela os eruditos hauriam os ensinamentos mais corretos
sobre o avanco das técnicas em sua época. Poder-se-ia dizer o mesmo com respeito as obras de Santa Hildegardis de Bingen. Outra monja, Gertrudes de Helfta, no século XIII, conta-nos
como se' sentiu feliz ao passar do estado de "gramaticísta" ao de "teóloga"! Pode-se mesmo dizer que entrar para o mosteiro era o caminho normal das jovens que desejassem desenvol ver seus conhecimentos além do nivel comum. De resto, observe-se que a Idade Media se encerra com a
figura de Joana d'Arc (+ 1431), jovem que, nos sáculos seguíntes, jamáis tena conseguido obter a audiencia e suscitar a confianca que Ihe foram outorgadas no século XV.
No fim da Idade Media e depois, os legisladores foram retirando á mulher tudo o que Ihe conferia alguma autonomía ou ¡nstrucao. A mulher foí excluida da vida eclesiástica e da vi da intelectual. O movimento se precipitou quando no comeco
do século XVI foi reconhecído ao rei Francisco I da Franca (1515 - 1547) o direito de nomear abades e abadessas; inspi radas
por
criterios políticos, tais
nomeacoes acarretaram a
decadencia de muitas casas religiosas.
2.3. Maes de familia e camponesas Através do documentário existente (cartularios, estatutos das cidades, documentos judiciários...), podem-se colher porme— 525 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
ñores relativos á vida cotidiana da muiher medieval, é surpreen-
dente o quadro que se delineia a partir da concatenacao desses
dados.
Assim, por exemplo, as muiheres votavam. Por ocasiao dos Estados Gerais de 1308 as muiheres sao explicitamente cita das entre as votantes em diversas partes do territorio francés, sem que isto venha apresentado como uso particular do lugar.
é conhecido o caso de Gaillardine de Fréchou, que, diante de
um arrendamento proposto aos habitantes de Cauterets nos
Pireneus pela abadia de Saint-Savin, foi a única a votar NAO,
quando todo o resto da populacao votou SIM.
Ñas atas de tabeliaes é muito freqüente ver urna muiher casada agir por si mesma: abre, por exemplo, urna loja ou urna venda, sem ser obrigada a apresentar autorizacao do marido.
Os registros de impostos, desde que foram conservados (como em Paris, a partir de fins do sáculo XIII}, mostram multidaode
muiheres a exercer as funcoes de professora, médica, botica ria, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.
Somente no fim do século XVI, por decreto do Parlamento francés datado de 1593, a muiher foi explicitamente afastada de toda funcao do Estado. A influencia crescente do Direito Roma no finalmente confinou a muiher as suas tarefas peculiares de cuidar da casa e educar os filhos. No século XIX, mediante o Código de Napoleao, o processo de despojamento da muiher deu novo passo: deixou de ser reconhecida como senhora dos seus próprios bens, e, em casa mesmo, passou a exercer papel subalterno.
A reacao a tal estado de coisas tem ocorrido nos últimos tempos, ... mas de maneira decepcionante, pois a muiher parece preocupada exclusivamente na conquista de equipa rapa o ao homem: quer imitar o homem, exercer as mesmas funcoes que es te, adotar os hábitos do seu parceiro, sem se questionar a respeito do que ela reproduz, ou sem pensar em salvar a sua própria
identidade e originalidade! Ora isto prejudica nao só a muiher, mas também a própfia sociedade, pois esta precisa de valores peculiares da muiher e da feminilidade!
Passemos a outro capítulo do livro em foco. — 526 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM»
43
3. O servo da gleba
Tal tema é abordado no capítulo V, que traz o título "RáseHomens". Fala-se da escravidao vigente na Idade Media, sem levar em conta que a escravidao existente no Imperio Romano foi desa-
parecendo a partir do século IV; cedeu a um regime diverso do
da escravidao antiga. Infelizmente, foi restaurada no século XVI, ñas colonias da América.
A instituicao medieval do servo da gleba nao pode ser com
parada á escravatura dos tempos romanos e coloniais, pois ela respeitava o servo (servus)1 como pessoa, reconhecendo-lhe
direitos. A origem de tal regime é a seguinte:
Na época das invasoes bárbaras, muitos pequeños camponeses viam-se constantemente ameacados em suas térras. Daí o
contrato que faziam com grandes senhores aptos a defendé-los mediante tropas e armas. Os camponeses se obrigavam a morar na propriedade do senhor e a cultivá-la. Era-Ihes proibido deixar a térra, como também era vetado ao senhor expulsá-los. Assim
os pequeños lavradores usufruiam de certa seguranpa, num pe ríodo de instabilidade; eram-lhes reconhecidos os direitos de se casar e fundar familia, de transmitir a térra a seus filhos
depois da morte, assim como os bens que pudessem adquirir...
O senhor feudal tinha conseqüentemente suas obrigacoes para com o servo; nao era proprietário no sentido do Direito Roma no, que reconhecia aos senhores o direito de usar e abusar
(ius utendi et abutendi). Donde se vé que o regime medieval diferia essencialmente da escravatura, que feria a dignidade da pessoa humana, pois o escravo era tratado como coisa, sujeita a ser comprada e vendida a criterio do patrao.
O estudo dos cartularios e arquivos medievais empreendido por Jacques Broussard 2 permitiu reconstruir a historia de alguns servos da gleba, entre os quais Constant Le Roux, que passamosa apresentar:
' Nao poucos historiadores traduzem mivuí por escravo nos textos do século XII — o que revela e gera grave mal-entendido.
2 La vis en Anjou du IXe au Xllle siécle, em Le Moyen age, t. LVI, 1950, pp. 29-68. — 527 —
44
-PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 240/1979
Constant era servo do sennor de Chantoceaux (Anjou) nos últimos anos do sáculo XI. Trabalhava com afinco. As Reli giosas do mosteiro de Ronceray Ihe confiaram a guarda de um
celeiro perto da igreja de Saint-Evroult e de vinhedos no lugar chamado Doutre. Depois a condessa de Anjou o presenteou com outro celeiro, perto das muralhas de Angers. As monjas de
Rocenray, tendo recebido como legado urna casa, forno e vinhedos situados perto do celeiro de Constant, reso Ivera m en-
carregá-lo do conjunto, a título de renda vitalicia; pouco depois, aumentaram-lhe
o
lote,
juntando-lhe
as
térras
do
Espan.
— Constant casou-se; cansado de ser trabalhador meeiro, acabou
por fazer um acordó com as Religiosas, segundo o qual as térras Ihe seriam arrendadas. Aumentou ainda seu campo de trabalho,
estendendo-o a um vinhedo em Beaumont e duas jeiras de prado na Roche-de-Chanzé. Mais tarde, nao tendo filhos, conseguiu das monjas que suas térras
fossem herdadas por seu sobrinho
Gauthier, ao passo que sua sobrinha Isolda se casaría com o guardador do celeiro da Abadía, Rohot. Por fim, como aconte
cía nao raro na época, Constant se fez monge na Abadía de Saint-Aubin
e
sua
mulher
entrou
como
religiosa
na
de
Roncerav. A pesquisa dos cartularios revela que o caso de Constant
nao foi ¡solado nem singular. Existe, por exemplo, urna certidao do fim do século XI (1089 - 1095) que refere como dois servos,
chamados Auberede e Romelde, compraram sua liberdade em troca de urna casa que possuiam em Beauvrais, no lugar do mer cado. Este fato dá a ver que os servos tinham a possibílidade de
possuir bens próprios. Compreende-se, porém, que a condicao de servo da gleba,
vantajosa na época de sua origem, se tenha defasado com o
decorrer dos séculos. O camponés podía considerar válido o fato de viver em propriedade da qual nao o poderiam expulsar; mas,
desde que encontrasse meios de garantir sua própria subsistencia com autonomía, preteriría a plena liberdade; esta Ihe permitiría percorrer estradas e fazer comercio. Foi o que aconteceu princi
palmente na época da expansao urbana (século XI). Os cartu larios apresentam numerosas certidoes de libertacao, que chega-
vam a beneficiar centenas de servos de urna só vez. A propósito observa K. Pernoud: — 528 —
E MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM?
45
"Tive ocasiao de recolher as confidcencias de um velho operario agrícola a quem a idade nao permitía mais trabalhar e que ia acabar seus dias num asilo: Trabalhei esta térra toda a minha vida sem ter um metro
quadrado de meu'. Comparando-o ao servo medieval, sua sorte parecería infinitamente pior. Servo do senhor, em urna propriedade ele teria assegurado o direito de ai' terminar a sua vida; nada Ihe pertencia propiamente, mas o usufruto nao Ihe podia ser retirado... Ele tinha com a térra a mesma relacao que o próprio senhor: este nunca possuia a propriedade plena,
como nos a entendemos atualmente,... ; ele nao pode vender ou alienar se na o os bens secundarios que recebeu por heranga pessoal, mas sobre o
bem de raíz só tem usufruto" (p. 71?).
Fo¡ no século XVI que infelizmente se restaurou o regime da escravatura romana, que a Idade Media nao conheceu, e que persistiu até o século passado apesar dos protestos de frades do minicanos como Bartolomeu de Las Casas e Vitoria...
Vé-se, pois, que, sob o aspecto focalizado, a Idade Media está longe de ter sido obscurantista...
Vem agora a questao de
4. Heresias e Inquisipao Medieval ("O índex Acusador", c. Vil) O tribunal da Inquisipao vem a ser outro motivo de acusa-
pao aos medievais. Régine Pernoud, sem deixar de reconhecer fraquezas hu manas entao verificadas, póe em foco alguns pontos importantes para se avaliar o fato da Inquisipao. Os medievais estimavam ácima de tuda (ao menos em teo
ría) os valores da fé, colocando-os mesmo ácima dos valores fí sicos. Além disto, conjugavam entre si os valores profanos e os sagrados, de tal modo que os desvíos doutrinários ganhavam extrema importancia mesmo no andamento da vida civil. Por conseguinte, as heresias, na Idade Media, eram considera
das como ofensas nao só á reta fé, mas também aos ¡nteresses da sociedade em geral. Ora no século XI comepou a aparecer no sul da Franpa e
no norte da Italia urna heresia dita dos cataros (= puros), que professava o dualismo: o universo material seria obra de um Deus mau; somente os espfritos teriam sido criados per um — 529 —
46
PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 240/1979
Deus bom. Em conseqüéncia, condenavam tudo que se relaciona
com a procriacao, a comecar pela casamento; os mais auténticos dos cataros viam no suicidio a perfeicao suprema.
Os primeiros a combater a heresia catara foram os prín cipes, os nobres e o próprio povo fiel. Assim em 1022 o Rei
Roberto,
o
Piedoso,
mandou
queimar em
Orléans hereges.
Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de Cambraia; a multidao de populares entao lancou-se sobre ele, sem esperar o julgamento; encerraram-no numa cabana, á qual
atearam fogo! Em 1144 na cidade de Liao o povo quis punir violentamente um grupo de ¡novadores que ai se reunirá; o cle ro, porém, os salvou, desejando a sua conversao, e nao a sua morte. Entrementes as autoridades eclesiásticas limitavam-se a
impor penas espirituais (excomunhao, interdito...) aos cataros, pois até entao nenhuma das muitas heresias conhecidas havia
sido combatida por violencia física. S. Bernardo (+ 1153) dizia: "Sejam os hereges conquistados nao pelas armas, mas pelos argumentos" (In Cant. serm. 64). Era, porém, inevitável que os bispos tomassem parte na
represalia aos cataros. Por ¡sto em 1184 o Papa Lucio III, em Verona, instituiu a Inquisicao episcopal, que atribuía aos bispos
a faculdade de inquirir os hereges ñas paróquias suspeitas;
ajuda-los-iam nessa tarefa os condes, baroes e as demais autori dades civis. Em 1231 tal instituicao se tornou mais ampia, pois o Papa Gregorio IX confiou aos frades dominicanos a missao de
Inquisidores;
haveria
doravante, para cada nacao ou
distrito inquisitorial, um Inquisidor-mor, que trabalharia com a
assistencia de numerosos oficiáis subalternos, em geral indepen-
dentemente
do
bispo
em
cuja
diocese
estivesse
instalado.
Os efeitos da Inquisicao tém sido descritos em termos imaginativos e exagerados...
Na verdade, as penas aplicadas
eram a de prisao ou, com mais freqüéncia ainda, a condenacao
a peregrinacoes ou ao uso de urna cruz de fazenda pregada á roupa. Nos lugares onde se encontraram registros da Inquisicao,
verificou-se que nao foram tao numerosas as execucoes capitais
como se poderia crer. Em Tolosa, por exemplo, de 1308 a 1323 o Inquisidor Bernardo de Gui proferiu 930 sentencas, das quais __
530 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM»
47
42 eram capitais — o que equivale á proporcao de 1/22.
Régine Pernoud observa muito sabiamente que a Inquisi cao foi alimentada pela ingerencia do poder civil em questoes religiosas. Sem querer desculpar os clérigos que se hajam exce
dido na repressao da heresia, deve-se registrar a forte influencia do poder regio na conduta severa dos tribunais da Inquisicao. "Era, talvez, inevitável que em qualquer momento fossem insti tuidos tribunais regulares, mas esses tribunais foram marcados por urna
dureza particular, em razao do renascimento do Oireito Romano: as constituicoes de Justiniano,
realmente, mandavam condenar os hereges
á morte. E é para fazé-lo reviver que Frederico II, tornado imperador da Alemanha, promulga, em 1224, novas constituipoes imperiais, que, pela primeira vez, estipulam, expressamente, a pena da fogueira contra hereges empedernidos. Assim se vé que a Inquisicao, no que ela tem de mais
é fruto de disposicoes tomadas, de inicio, por um imperador em quemse
pode encontrar o prototipo do "monarca esclarecido", apesar de ter sido, ele próprio, um cético e logo excomungado. Resta notar que, adotando a pena de fogo e instituindo como pro-
cedimento legal o recurso ao "braco secular" para os relapsos, o Papa acentuava ainda o efeito da legislacao imperial e reconhecia, oficialmente, os direitos do poder temporal na perseguicao as heresias. Sempre sob a influencia da Legislacao imperial, a tortura seria autorizada, oficialmente,
no comeco do século XIII
— desde que houvesse o aparecimento de
pravas" (p. 102).
Ora as concessoes feitas pelos Papas aos reis voltaram-se
contra a própria Igreja. Com efeito, nota R. Pernoud: "Ora, todo este aparelhamento de legislacao contra a heresia nao demoraría em ser dirigido pelo próprio poder temporal contra o poder
espiritual do
Papa. Sob Filipe, o Belo, as acusagoes contra Bonifacio
VIII,
Bernard Saisset, contra os Templarios, contra Guichard
contra
de Tro yes apoaim-se neste poder reconhecido no rei para perseguir os
hereges. Mais do que nunca, a confusSo entre espiritual e temporal joga a favor deste último. Só precisamos recordar aqui as conseqüéncias mais graves: a Inquisicao do século XVI, a partir deste momento só ñas maos dos reis e imperadores, iria fazer um número de vítimas sem comparacao
com as do século XIII. Na Espanha, chegar-se-á á utilizacáo da Inquisicáo contra os judeus ou mouros, o que equivalía a deturpar por completo
seus objetivos" (p. 102).
Régine Pernoud tem razao ao mostrar que a Inquisicáo nao — 531 —
48
-PERPUNTE K RESPONDEREMOS» 240/1979
fo¡ um tribunal meramente eclesiástico. Na verdade, ela teve origem por convergencia do poder eclesiástico com o poder civil na représalo das heresias; mas nesta alianpa o poder regio foi, aos poucos, sobrepujando o eclesiástico, cnegando a mani pular a Inquisicao para atingir objetivos políticos. A autora encerra o capítulo lembrando um fato de sua experiencia: "Em 1970, urna
transmissao de televisao foi consagrada á Cruz
Vermelha Internacional e a suas comissoes de investigado nos campos de concentracib. Seu representante foi interrogado por diversos interlocuto
res, entre eles um jornalista, que Ihe propós a scguinte pergunta: 'Nao po demos obrigar os países a aceitarem a comissao de investigacao da Cruz Vermelha?'
E, como o representante da instituicao destacasse que as comis soes de investigacao nao dispunham de nenhum meio para que suas observacoes fossem
registradas, observadas ou sancionadas, que antes essas
próprias comissoes nao dispunham de nenhum direito de visita formalmen
te admitido ou reconhecido por todos, a mesma jornalista replicou: 'Nao se poderiam banir das nacoes civilizadas as que recusam as comissoes de investigacao?'
Escutando
este
diálogo,
com
referencia
á
Historia,
poder-se-ia
dizer que, em sua indignacáo, por certo compreensível, esta jornalista acabava de inventar sucessivamente a Inquisicao, a excomunhao e a interdicao — porque ela as aplicava no dominio em que a concordancia se
faz
unánime, o da protecao aos prisioneiros e internados políticos"
(p. 107s).
Acrescenta, porém, R. Pernoud que nao é necessário pro curar comparácoes de tal tipo. Em nossos dias, observa a autora,
aplica-se a Inquisicao nao aos delitos contra a fé, mas as dissi déncias em relacao á opiniao política predominante. "Todas as interdicoes, todos os castigos, todas as hecatombes parecem jus tificadas em nossos tempos para punir ou prevenir os desvíos e erros quanto á linha política adotada pelos poderes em
exercício. E, na maior parte dos casos, nao basta banir quem sucumbe á heresia política; importa convencer. Por isto ocorrem as lavagens cerebrais e os internamentos intermináveis que esgo-
tam, no homem, a capacidade de resistencia interior" (p. 108). E concluí a autora: "Quando
se
pensa
no desperdicio insensato de vidas humanas...
— 532 —
«IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM»
49
pelo qual se consolidaran! as revolucoes sucessivas e o castigo dos deli tos de opiniSo em nosso século XX, pode-se perguntar se... a nocao de progresso nao se encontra posta em xeque. Para o historiador do ano
3.000, onde estará o fanatismo? Onde a opressio do homem pelo homem? No século XIII ou no século XX?" (p. 108).
As ponderacoes de R. Pernoud merecem atencao... Se os medievais exorbitaram ñas expressoes do seu amor as verda des da fé, os contemporáneos que os criticam, nao tém menos motivos para se horrorizar do que em nossos días vem sendo cometido em nome dos interesses políticos. 5. A arte medieval
(c. II:"Deformados e Desajustados") 0 termo "Renascimento" (Rinascita, em italiano) foi uti lizado,
pela
primeira vez, por Vasari em meados do século
XVI. Significava que "as artes e as letras, que pareciam haver morrido no mesmo naufragio que a sociedade romana, pareciam ireflorescer e, depois de dez séculos de trevas, brilharcom novo
fulgor" (Dictionnaire general des lettres, por Bachelet e Dezobry. París 1872).
Assim se manifestava um conceito pejorativo referente as artes e letras medievais.
Estas nada mais teriam sido do que
"deformacoes" e "falta de jeito".
Ora tal juízo nao leva em conta objetiva a realidade dos fatos. Com efeito,
— "o simples bom senso basta para fazer compreender que o Renascimento nao teria sido possível se os textos antigos nao
houvessem sido conservados em manuscritos recopiados
durante os séculos medievais" (p. 19) ... "Para citar um exemplo, a biblioteca do Monte Saint-Michel, no século XII, continha
textos de Catao, o Timeu de Plata o (em traducao latina), diver sas obras de Aristóteles, de Cicero, trechos de Virgilio e de
Horacio" (ib). — As artes renascentistas reproduziam e imitavam os mo
delos antigos numa atitude muito pouco criativa. Os antigos pareciam
ter
realizado
obras
perfeitas,
integral. — 533 —
atingindo
a
Beleza
50
^PKRGUNTE K KESPONUKUEMOS* 240/1979
— Eis, porém, que no setor da arte a admiracao nunca deve levar a repetir formalmente o que se admira; a imitacao nun ca pode ser transformada em lei. "A visao clássica que se ¡mpós ao Ocidente, ... nSo admitía outro esquema, outro criterio que nao fosse a antigüidade clássica. Mais urna vez, presumir-se-ia que a Beleza perfeita tinha sido atingida durante o sécu-
lo de Péricles e que, por isso, quanto mais nos aproximássemos das obras daquela época, melhor atingiríamos a Perfeicao" (p. 22).
Em contra-posicao, observe-se que "o nome do poeta nos tempos feudais era trovador, o que encontra, encontrador, ou
seja, inventor. 0 termo inventar adquire aqui sentido forte, ...
Inventar é por em jogo, ao mesmo tempo, a imaginacao e a bus ca, é o inicio de toda criacao artística ou poética. Para asgeracoes de hoje, isto parece evidente. Resta saber que, durante qua-
tro séculos, o postulado oposto é que se impunha com evidencia semelhante" (p. 26). A arte medieval, de modo geral, foi criativa. Basta lembrar
as magníficas catedrais románicas e góticas que a caracterizavam... Mas é suficiente também apontar os manuscritos medievais: um simples mapa da época revela a capacidade de criacao do artista (perfeicao da escrita, distribuicao de página, selo de autenticacao...). Urna letra ornamentada (iluminura) mani-
festa outrossim a criatividade do desenhista... 5. Conclusao
O livro de Régine Pernoud, embora tenha antecessores, vem em hora oportuna provocar urna revisao do conceito comumente propagado de Idade Media.
Esta é mal entendida, em parte porque a historiografía é
o setor do estudo em que mais dificilmente os pesquisadores
mantém neutralidade científica. A partir do século XVI certas correntes de pensamento anticatólicas e anticristas tiveram interesse em denegrir a Idade Media. Esta difamacao nem sempre
foi objetiva (embora nao fosse de todo injustificada, pois tudo o que é humano, é faino), mas baseou-se freqüentemente em preconceitos. Seria para desejar que os estudiosos contempo
ráneos se livrassem destes e procurassem apontar outrossim tu do que de grande, belo e nubre caracteriza a Idade Media. Estévao Bettencourt O. S. B. — 534 —
ÍNDICE
1979
ERGUNTE Responderemos CONFRONTO
ÍNDICE
1979
(Os números á direita indicam respectivamente fascículo, ano de edicáo e página)
ALMA HUMANA:
AMOR
espiritual
E SEXO
ANIMÁIS FALAM? ANO INTERNACIONAL DA CRIANCA: direitos da cnanga
232/1979, 231/1979, 229/1979, 230/1979, 232/1979, 232/1979,
p. 147; p. 91. p. 23; p. 71; p. 168. p. 135.
237/1979, p. 355; 230/1979, p.
82;
2000 ANTICONCEPCIONAIS E RELACOES PRÉ-MATRIMONIAIS APARICOES DA SSMA. VIRGEM E PROFECÍAS APOCALIPSE: que é? ARTE MEDIEVAL
230/1979, 237/1979, 239/1979, 210/1979,
BANTOS E RELIGIÓES AFRO-BRASILEIRAS BÉNCÁO PARA UNIOES ILEGÍTIMAS BILLINGS, MÉTODO
230/1979, p. 59. 232/1979, p. 168. 235/1979, p. 295.
«CÁLICE» — cancáo de,Chico Buarque CASAMENTO E RELACOES PRÉ-MATRIMONIAIS
233/1979, p. 217.
CATOLICIDADE DA IGREJA: como entendé-la? CATÓLICOS CASADOS APENAS NO FORO CIVIL
CEU: que é? CIENCIA, dom do Espirito Santo CIRURGIA PLÁSTICA E TRANSEXUALISMO
CLÉVENOT, TAS
DA
M.:
«ENFOQUES
BIBLIA»
MATERIALIS
«COISAS DA VIDA. O NOVO TESTAMENTO VIVO EM LINGUAGEM ATUALIZADA» ..
— 536 —
237/1979, p. 379. p. p. p. p.
230/1979, p.
135. 3SG. 4(35. 533.
71.
231/1979, p. 128. 236/1979, p. 325.
239/1979, p. 461. 237/1979, p. 309. 232/1979, p. 155. 240/1979, p. 502.
235/1979, p. 256.
ÍNDICE DE 1979
53
CONSELHO, dom do Espirito Santo CONVENTOS E PERSONALIDADE CONVERSAO NA TEOLOGÍA DA LIBERTACAO CORRENTES DE ORACOES CREDO ISLÁMICO «CRIACAO E MITO», livro de Oswald Loretz .. CRIANCA: ANO INTERNACIONAL DA DIREITOS DA CRISE IRANIANA CULTOS AFRO-BRASILEIROS
237/1979, 238/1979, 229/1979, 239/1979, 233/1979, 238/1979, 237/1979, 237/1979, 233/1979, 230/1979,
DECLARAQAO DOS BISPOS CHILENOS SOBRE O SACRAMENTO DO MATRIMONIO DESQUITE E FILHOS DIALOGO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E AS COMUNIDADES ECLESIAIS NAO CATÓ LICAS DIREITOS DA CRIANCA: quais sao? DISCOS VOADORES: existem? DIVORCIADOS QUE CONTRAEM NOVAS
NUPCIAS
DOCUMENTO DE PUEBLA: contoúdo DOLTO, FR.: «O EVANGELHO A LUZ PSICANALISE> DONS DO ESPIRITO SANTO: que sao? PRETERNATURÁIS: que sao?
DA
DULLES, A: «A IGREJA E SEUS MODELOS»
EMPIRISMO E ESSENCIALISMO no tocante á fala dos animáis «ENFOQUES MATERIALISTAS DA BIBLIA*
— livro de Michel Clévenot ENTENDIMENTO OU INTELIGENCIA, dom do
Espirito Santo ESCATOLOGIA: declaragáo de Roma
ESPIRITO SANTO: DONS DO .. ESPIRITUALIDADE DA LIBERTACAO ESTADO ISLÁMICO NO IRA ORIGINAL: que é?
— 537 —
373. 420. 13. 476. 184. 405. 355; 355. 189. 58.
232/1979, p. 169. 230/1979, p. 82.
231/1979, p. 125. 237/1979, p. 355. 229/1979, p. 32.
236/1979, p. 321. 232/1979, p. 232. 240/1979, p. 514. 237/1979, p. 3Ü5. 238/1979, p. 414.
240/1979, p. 487.
ECUMENISMO HOJE: a quantas anda?
ESCOLAS DE SEXO e espionagem russa ESOTÉRICO E EXOTÉRICO: diíerenca ESPIONAGEM RUSSA
p. p. p. p. p. p. p. p. p. p.
•
231/1979, p. 117. 232/1979, p. 149.
240/1979, p. 502.
237/1979, p. 370. 238/1979, p. 399;
239/1979, 235/1979, 235/1979, 230/1979, 235/1979, 237/1979, 229/1979, 233/1979, 238/1979,
p. 456. p. 284. p. 302. p. 47; p. 279. p. 365. p.' 7. p. 179. p. 413.
ÍNDICE DE 1979
54
ÉTICA: distintivo do homem «EVANGELHO (O) A LUZ DA PSICANALISE» — livro de Francoise Dolto EVANGELHO SEGUNDO MARCOS EM INTERPRETACAO MATERIALISTA EVANGELIZAR NO DOCUMENTO DE PUEBLA
FABRICA DE SAO PEDRO FALA DOS ANIMÁIS FANATISMO KL'LlülOSO NA GUIANA FEMININO E MARIOLOGIA FILHOS E SEPARACAO CONSENSUAL FIM DO MUNDO E MENINOS DE DEUS E PROFECÍAS
(Prefeitura)
DA CIDADE DO VATICANO
DO
95.
240/1979, p. 514. 240/1979, p. 505. 234/1979, p. 236.
233/1979, 232/1979 231/1979 236/1979, 230/1979, 229/1979, 237/1979,
FINANCAS DO VATICANO: exposicao FORTALEZA, dom do Espirito Santo FUNDO «ECCLESIAE SANCTAE»
GOVERNATORATO
231/1979, p.
p. p. p. p. p. p.
201 135 10Ü 311. 82. 21;
p. 390.
233/1979, p. 194. 237/1979, p. 376. 233/1979, p. 204.
ESTADO
GRACA SANTIFICANTE NO ESTADO GINAL GUIANA E SUICIDIO COLETIVO
ORI
233/1979, p. 200
238/1979, p. 413.
231/1979, p. 100.
H HABITANTES DE OUTROS PLANETAS HERESIAS E INQUISICAO MEDIEVAL HIPNOSE E PSICOTERAPIA HOMEM: puro macaco? HOMOSSEXUALISMO: discussáo
229/1979, 240/1979, 232/1979, 231/1979, 236/1979,
IDADE MEDIA E MULHER
240/1979, p 523
RAM» — livro de Régine Pernoud IGREJA COMO INSTITUICAO
240/1979 p 520 240/1979, p. 489:
«IDADE MEDIA:
O QUE NAO NOS ENSINA-
— 538 —
p. 43. p. 529. p. 151. p. 91. p. 332.
ÍNDICE DE 1979 ARAUTO COMUNHAO MÍSTICA SACRAMENTO SERVA VERDADEIRA (A) E SEUS MODELOS — livro Avery Dulles
55
de
240/1979, 240/1979, 240/1979, 240/1979, 240/1979,
p. p. p. p. p.
493; 491; 492; 495; 499;
240/1979, p. 487;
E A MULHER E ECUMENISMO NA AMÉRICA LATINA IMORTALIDADE E JUSTICA ORIGINAL IMPASSIBILIDADE E CIENCIA NO ESTADO ORIGINAL INDISSOLUBIDADE E UNIDADE DO MATRI
240/1979, 231/1979, 234/1979, 238/1979,
p. p. p. p.
524; 117; 232. 415.
INFERNO: que é?
239/1979, p. 461.
238/1979, p. 418.
MONIO: justificativa INDIVIDUALISMO E USO DO SEXO
232/1979, p. 170. 230/1Ü79, p. 79.
INQUISICAO MEDIEVAL: avaliacao INSTITUTO PARA AS OBRAS DE RELIGIAO
240/1979, p. 529.
(IOR)
INTEGRIDADE (imunidade de concupiscencia) NO ESTADO ORIGINAL IRA: movimento político-religioso ISLAMISMO
JESÚS CRISTO E A POLÍTICA «REVOLUTION» SUBVERSIVO? JIM JONES E SUICIDIO COLETIVO JOAO XXIII E PROFECÍAS (livro) JUSTICA ORIGINAL: que era? JUVENTUDE E RELIGIAO (MENINOS DEUS)
DE
233/1979, p. 202.
238/1979, p. 417. 233/1979, p. 189. 233/1979, p. 180.
229/1979, 229/1979, 240/1979, 231/1975, 235/1979, 238/1979,
p. p. p. p. p. p.
15; 19; 511 100. 301. 410.
229/1979, p.
31.
K
KGB
(KOMITET GOSUDARDSTVEMOY BEZO-
PASNOTI)
235/1979, p. 283.
LAVAGEM DE CRANIO
230/1979
LIBERDADE E HOMOSSEXUALISMO
236/1979, p. 340.
LEIGOS NA AMÉRICA LATINA
_ 539 —
p.
51
234/1979 p. 251
56
fNDICE DE 1979
UBERTACAO, TEOLOGÍA DA UNGUAGEM DOS ANIMÁIS LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO: Üam-se?
conci-
229/1979, p. 3. 232/1979, p. 135.
239/1979, p. 443.
M MACACO E HOMEM: DIFERENCAS
231/1979, p.
«MANICOMIOS, PRISÓES E CONVENTOS» — livro de Erving Gofíman MAOMÉ E SUA OBRA MARÍA E APARICOES MARÍA E O EVANGELHO DA INFANCIA .... MARIOLOGIA, segundo Leonardo Boíí MARXISMO E LUTA DE CLASSES MATERNIDADE VIRGINAL DE MARÍA MATRIMONIO SEM FORMA CANÓNICA? .... MENINOS DE DEUS: quem sño?
238/1979, 233/1979, 237/1979, 236/1979, 236/1979, 239/1979, 236/1979, 232/1979, 229/1979,
«MILAGRE {O) DA FÉ» — filme MISSOES E FINANCAS DO VATICANO MODELOS DA IGREJA MORAL MAOMETANA MORTE E IMEDIATA RESSURREICAO
238/1979, 233/1979, 240/1979, 233/1979, 239/1979,
MÉTODO BILLINGS
MOSTEIROS E PERSONALIDADE MULHER NA IDADE MEDIA
235/1979,
238/1979, 240/1979,
91.
p. 420. p. 180. p. 386.
p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p.
314; 311. 445. 314. 172. 18. 295. 434. 204. 488. 185. 456. 420. 523.
N NOVO TESTAMENTO VIDA»
VIVO:
«COISAS
DA
235/1979, p. 267.
OBULO DE SAO PEDRO ORACAO E PENITENCIA: mensagem de todas as aparees ORACOES «TODO-PODEROSAS» OVNI — OBJETO VOADOR NAO IDENTIFI CADO
233/1979, p. 203.
PASTORAL DOS DIVORCIADOS DOS FILHOS DOS DIVORCIADOS VOCACIONAL
236/1979, p. 320; 236/1979, p. 327; 234/1979, p. 251.
— 540 —
237/1979, p. 386. 239/1979, p. 478.
229/1979, p.
33.
57
ÍNDICE DE 1979
PERNOUD, R.: «IDADE MEDIA: O QUE NAO NOS ENSINARAM» PERSONALISMO: que é? PIEDADE, dom do Espirito Santo PLÁSTICA CIRURGIA E TRANSEXUALISMO
240/1979, p. 520. 230/1979, p. 79. 237/1979, p. 375.
POSTUMA. VIDA PRAGAS E GUERRAS NO FIM DO MUNDO .. PRAXIS E TEOLOGÍA DA LIBERTACAO PROFECÍAS DO FIM DO MUNDO
239/1979, 237/1979, 229/1979, 237/1979,
p. 457. p. 382.
235/1979, 230/1979, 232/1979, 234/1979, 239/1979,
p. p. p. p. p.
POUTICA ECONÓMICA DA SANTA SÉ
(AS) DO PAPA JOAO XXIII — li-
vro de Pier Carpi PSICOPOL1TICA: que 6? PSICOTERAPIA E TRANSEXUAUSMO PUEBLA, DOCUMENTO DE PURGATORIO: que é?
232/197S, p. 155. 233/1979, p. 206.
p. 12. p. 378. 301. 47. 151. 232. 462.
Q «QUESTAO
(A)
HOMOSSEXUAL»
— Hvro
de
Marc Oraison
REENCARNACAO LEIROS
RELACOES
E
SEXUAIS
CULTOS
AFRO-BRASI-
PRÉ-MATRIMONIAIS:
236/1979, p. 333.
230/1979, f..
66.
debato RELIGIAO: fenómeno típicamente humano RENOVACAO DA PASTORAL MATRIMONIAL RESSURREICAO DO FILHO DA VIÜVA DE NAIM DA FILHA DE JAIRO DE LÁZARO
230/1979, p. 71. 231/1979, p. 91. 236/1979, p. 328.
de Roma E CONSUMAgAO UNIVER SAL LOGO A POS A MORTE? ... REVELACOES PARTICULARES: Sim ou nao? ROSA-CRUZ: que é? «ROSTO (O) MATERNO DE DEUS» — livro de
238/1979, p. 399;
DOS
MORTOS
—
documento
240/1979, p. 516; 240/1979, p. 517; 240/1979, p. 518;
239/1979, p. 459; 239/1979, p. 456.
237/1979, p. 387. 235/1979, p. 307.
Leonardo Boíf RÚSSIA E ESPIONAGEM
236/1979, p. 311. 230/1979, p. 47;
SABEDORIA, dom do Espirito Santo SACRAMENTOS DA RECONCILIACAO E DA EUCARISTÍA E OS DIVORCIADOS QUE SE CASAM NOVAMENTE
237/1979, p. 372.
235/1979, p. 279.
— 541 —
236/1979, p. 322.
58
ÍNDICE DE 1979
SANTA SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE ... SAÚDE MENTAL SEGREDO DE FATIMA SENHORA DE TODOS OS POVOS, MENSAGEM DA
234/1979, p. 223. 230/1979, p. 52. 237/1979, p. 383.
SEXO ANTES DO MATRIMONIO /ESPIONA GEM — livro de David Lewis SUDANESES E RELIGIOES AFRO-BRASILEIRAS SUFRAGIO PELOS MORTOS: significado SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA SUPERSTICÁO E CORRENTES DE ORACOES
230/1979, p. 71. 235/1979, p. 279.
SEPARACAO CONSENSUAL E FILHOS SERVO DA GLEBA '.
TEMOR DE DEUS, dom do Espirito Santo TEOLOGÍA DA LIBERTAQAO LATINO-AMERICANA TRANSEXUALISMO: experiencia de cura TREVAS, TROVOADAS E LUZ NO FIM MUNDO
DO
237/1979, p. 385.
230/1979, p. 82. 240/1979, p. 527.
230/1979, 239/1979, 231/1979, 239/1979,
p. 59. p. 463. p. 100. p. 480.
237/1979, 229/1979, 229/1979, 232/1979,
p. 376. p. 3; p. 13. p. 151.
237/1979, p. 380.
u
UFOLOGIA: debate UMBANDA: origem e ritos UNIDADE E INDISSOLUBILIDADE DO MA TRIMONIO UNIOES ILEGITIMAS E BÉNCAO «UNIVERSO EM DESENCANTO; — livro de Manoel Jacintho Coelho
VATICANO, FINANCAS DO VERDADE SOBRE JESÚS CRISTO O HOMEM A IGREJA «VIDA APÓS A VIDA» CONSAGRADA DA IGREJA RELIGIOSA VIRGINDADE DE MARÍA: declaracáo dos bispos espanhois
— 542 —
229/1979, p. 230/1979, p.
33. 61.
232/1979, p. 170. 232/1979, p. 108.
230/1979, p. 345.
233/1979, 234/1979, 234/1979, 234/1979, 237/1979, 234/1979, 236/1979, 238/1979,
p. p. p. p. p. p. p. p.
194. 237; 240; 238. 392; 250; 322; 425.
231/1979, p. 113.
ÍNDICE DE 1979
59
EDITORIAIS A IGREJA E O MOMENTO NACIONAL AS PREVISOES PARA A DÉCADA DE 80 .... «COMO NAO NOS TERÁ DADO TUDO COM
238/1979, p. 397. 236/1979, p. 309.
«CREIO NA RESSURREICÁO DOS «DEUS EM ASCENSAO» FELICIDADE, ONDE ¿MORAS? FINALMENTE, PUEBLA! «MINHA SENHORA DONA...»
237/1979, 234/1979, 230/1979, 231/1979, 229/1979,
ELE?»
OLHAR
:
PARA
O
DE CRISTO
HOMEM
COM
MORTOS»
O
OLHAR
240/1979, p. 485.
233/1979, p. 177.
UM DISCURSO A TODOS OS POVOS UM LÍDER, UMA ESPERANgA
239/1079, p. 441. 235/1979, p. 265.
VIDA E MORTE EM DUELO
LIVROS
p. 353. p. 221. p. 45. p. 89. p. 1.
232/1979, p. 133.
APRECIADOS
ARCHANJO, José Luís — Teilhard de Chardin: Mundo, Homem c Deus BATTISTINI, Fr. — Como falar com Deus
A Igreja do Deus Vivo. Curso bíblico popular sobre a verdadelra Igreja
BOFF. L. c outros — Puebla: Anúllse, Perspec-
232/1979, 31 capa. 232/1979, 3' capa. 229/1979, 4' capa.
ncutivas, IntfrrogacOes BOROS Ladislaus — O Deus próximo O ser do cristáo CALLE, Francisco de la — A Teología de Marcos
238/1979, 3' 236/1979,3* 236/1979, 4' 229/1979, 41
Iivangelho CNBB — Puebla. A evangelizacáo no presente
229/1979, V capa.
A Teología do quarto
e no futuro da América Latina DALLEGRAVE, Geraldo E. — Reencarnacio .. DATTLER, Frederico — Redencao. Biblia e Teo
logía da Ubertacüo
DODD
C
II
—
A
meiisagem
pira o homem de lioje
de
Sao
Paulo
DULLES, Avery — A Igreja e seus modelos. AnreciaeSo critica da Igreja sob todos os
seus aspectos
HAERING, Bernhard — Livres e fiéis em Cristo.
Teologia moral para sacerdotes e leigos —
Vol. I
VT
LANCELLOTTI, A, e BOCCALI, G. — Comen
tario ao Evangelho de Lucas
LEPARGNEUR, Hubert. — O descompasso da teoría com a pratlca: Urna, indagacüo ñas
raízes da moral LOHFINK, Norbert — Profetas ontem q hoje
— 543 —
capa. capa. capa. capa.
237/1979, p. 396. 232/1979, p. 176.
230/1979, p.
88.
230/1979, 41 capa.
236/1979, p. 352.
238/1979, p. 439. 238/1979, p. 438. 237/1979, p. 394. 237/1979, p. 395.
ÍNDICE DE 1979
60
LORETZ, Oswald — Criacao e mito. JIomcm e mundo segundo os capítulos iniciáis do
Génesis
MARINS, José e equipe — De Medellin a Pue bla. A praxis dos padres da América Latina íMEGALE, Joáo Batista — Conversas com o meu Senhor O profeta que veio do deserto A experiencia de Deus MIRANDA, Mario de Franga — Sacramento da penitencia. O pcrdáo de Deus na
ooiminidadc cclesial
MONDIN,
tempo
Battista
—
As
teologías
235/1979, 4* capa. 234/1979, 3' capa. 231/1979, 3* capa. 231/1979, 3' capa.
231/1979, 3' capa.
233/1979, p. 220;
236/1979, p. 353.
do
nosso
PDXAZA Javier — A Teología de Mateus A Teología de Lucas RAMOS, Lincoln — A palavra do Senlior. Novo Testamento. TraducSo bascada no original
231/1979, p. 132.
229/1979, 4* capa. 229/1979, 4* capa.
grego
238/1979, p. 438.
do Honiem
233/1979, 3' capa.
A Igreja, um misterio da fe
231/1979, p. 131»
SCHELKLE, Karl H. — Teología do Novo Tes tamento. Vol IV: Ethos — Comportamento SCHMAUS, Michacl — A tí- du Igroja. Vol. IV: SCHUBERT, Guüherme — Arte para a fé. Igre-
jas c cápelas dcpoLs do Concilio Vaticano II SEGUNDO, Juan L. — Liberlacfio «la Teología Silva, Jorge Medeiros — Tóxicos. O que os pais devem saber
235/1979, 4' capa. 231/1979, p. 87.
Para vocé entender a Paixao de Jesús TÉRRA, Joáo E. M. — Direitos de Deus e Direitos Humanos Escatologia e Ressurreicáo e outros. — Jesús polí
232/1979, p. 176.
tológica VIDAL, Marciano — Moral «le Atitudes. Vol. I: Moral Fundamental
231/1979, p. 131.
estudo W00DROW, Alain — As novas seitas
230/1979, 3* capa. 237/1979, p. 395.
SPEIDEL, Kurt A. — O Julgamento de Pilatos.
tico e Libertacüo Esca-
WOLFF, H. W. — Biblia. Antlgo Testamento. Introducto aos escritos e aos métodos de
— 544 —
234/1979, 4* capa.
234/1979, 3' capa. 237/1979, 3" capa.
238/1979, p. 440.
AOS NOSSOS LEITORES E ÁSSINÁNTES CARO(A) AMIGO(A),
VOCÉ SABE QUE O CUSTO DE VIDA TEM SUBIDO ALÉM DE TODAS AS PREVISÓES, ACARRETANDO SERIOS PROBLEMAS PARA MUITOS EMPREENDIMENTOS DESTITUI DOS DE FINS LUCRATIVOS, COMO A NOSSA REVISTA PR. ALÉM DISTO, REGISTRAMOS O FATO DE QUE NUME ROSOS ASSINANTES, EMBORA QUEIRAM CONTINUAR A RECEBER PR, NAO RENOVAM A ASSINATURA NO MOMENTO OPORTUNO.
ESTA SITUACÁO TEM CAUSADO SERIOS EMBARAQOS A NOSSA ADMINÍSTRACÁO. DESEJAMOS CONTINUAR A PRESTAR OS SERVIQOS QUE PR TEM OFERECIDO AO PÚBLICO. MAS ISTO SÓ SERÁ POSSIVEL SE TODOS OS INTERESSADOS SE DISPUSEREM A COLABORAR GENERO
SAMENTE. EIS POR QUE
LHE PEDIMOS ATENQÁO PARA
QUANTO SEGUÉ :
1) TENDO CALCULADO TODAS AS DESPESAS E RENUNCIANDO A QUALQUER ESPECIE DE LUCRO MATE RIAL A ADMINISTRAQÁO COMUNICA QUE A ASSINATURA ANUAL DE PR EM 1980 FICARÁ POR CRS 320,00 2) ESPECIALMENTE GRATOS FICAREMOS AOS NOSSOS AMIGOS SE PAGAREM ESSA QUANTIA ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 1979.
3) A QUEM ESTEJA EM PEDIMOS PRONTO PAGAMENTO.
DÉBITO
PARA COM
PR,
4) SOLICITAMOS A TODOS QUEIRAM OBTER NOVOS ASSINANTES PARA PR. A REVISTA, NAO TRAZENDO ANUN
CIOS
COMERCIÁIS,
VIVE
EXCLUSIVAMENTE
DAS
SUAS
VENDAS.
5) A QUEM CONSEGUIR CINCO NOVAS ASSINATURAS DE PR, SERÁ OFERTADA GRATUITAMENTE UMA ASSI NATURA DA REVISTA. CERTOS DA COMPREENSÁO DO(A) AMIGO(A), CON TAMOS COM A SUA PRECIOSA COOPERAQÁO, PELA QUAL DE
ANTEMÁO
LHE
SOMOS GRATOS.
A DIRECÁO DE PR