Ano Xviii - No. 214 - Outubro De 1977

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la

pedir {1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade de darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que oulrora,

visto

que

numerosas

somos

bombardeados

correntes

filosóficas

por e

religiosas contrarias á fé católica. Somos

assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

5L vista cristáo a fim de que as dúvidas se '_. • dissipem e a vivencia católica se fortalega

"i- no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

mmmW Q PEN5RMENTD CRISTRI ND HUNDO DE MOJE

ANO XVIII — N? 214

OUTUBRO DE 1977

índice IR ATÉ

O FIM

413

O doloroso caso de cantestacdo:

DOM MARCEL LEFÉBVRE : ECOS E ECOS

415

Cütacao inédita:

CONSEQÜÉNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO NO BRASIL

429

Após a promulgado do divorcio: ATITUDES PASTURÁIS EM BRASIL DIVORCISTa

443

Q'.estáo Delicada:

VASECTOMIA

E CASAMENTO

450

LIVROS EM ESTANTE

453

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO

PRÓXIMO

NÚMERO -.

«Os astronautas que voltaram

místicos». — Igreja e cremacao mu-

de cadáveres. — Aínda vale a Escola Católica ? — Valores e danqa rodal.

'(PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

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Cr$ 75,00

Número avulso de qualquer mes

Cr$

BEDAgAO Caixa

ADMINISTBAgAO

DE PR

Postal

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Ai

Janeiro

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£.ivraria Missionária. Editora Búa México, 168-B (Casta'.o) 20 000 Rii A-i .Jnnolro (R.I) Te!.: 224-0059

IR ATÉ O FIM A vida de hoje leva os homens á criatividade:

faz-se

mister atender aos novos desafios que os tempos suscitam. É

verdade. Todavia, ao lado desta constatagáo, outra se impóe:

é preciso nao esquecer a perseveranga nos bons alvitres... Ora esta justamente parece estar em crise nos nossos dias. O número de desistencias daqueles que com entusiasmo abragam o bom caminho, nos impressiona e sugere algumas reflexóes.

Dizia famoso escritor ateu francés: «O que mais me entristece, é ver que a maioria dos homens nao chega até o fim do seu ideal». Sim, a maioria parece morrer ainda nao plenamente desabrochada, tendo parado na procura da auto-realizagáo, a 40%, 60% ou talvez 80% da caminhada. O que quer dizer ainda : as pessoas crescem em anos, mas nao cres-

cem na sua correspondente dimensáo

interior, arriscando-se

a ser personalidades «anas».

Embora seja muito difícil penetrar no íntimo de outrem,

pode-se crer que as palavras do ateu correspondem á realidade dos fatos. Talvez eu mesmo seja para mim a demonstragáo viva de tal proposigáo !

E por que se dá a defasagem entre o aumento de anos e o desabrochamento interior ?

Uns talvez nao cheguem ao termo do seu ideal por falta de amigos ou de subsidios... Dum lado, ninguém se faz sozinho; doutro lado, a vida é inclemente. — É de crer, porém, que muitos outros nao cheguem á plenitude, simplesmente por

covardia,... covardia talvez inconscientemente nutrida e vivida. Sim; a natureza tende sempre ao que é mais cómodo, de modo que, após os primeiros esforcos em demanda do ideal, tende a se adptar e a fazer seu «leito gostoso»; toda a dinámica en tusiasta do inicio arrefece entáo em meio á caminhada. Ora precisamente essa acomodagáo constituí o perigo que mais ameaga o cristáo «honesto», que nao dá escándalo. Nao é raro dizer-se : «Nao tenho vocagáo para a santidade!» — o que significa que a pessoa se julga dispensada de sair da me diocre rotina de cada dia : nao rouba, nao mata, tem muitos amigos ... e isto parece-lhe bastar.

Ora a vocagáo crista repudia tal filosofía de vida. É um

apelo a que o cristáo supere constantemente a si mesmo, pro— 413 —

curando caminhar sempre mais aceleradamente em demanda do Infinito. As pequeñas falhas (distracóes, omissóes, leviandades...) que eu outrora, como crianga, cometía e que eram condizentes com minha idade, já nao sao hoje táo «inocentes», embora nao causem escándalo; nao posso, como adulto, ter a mentalidade e o comportamento de urna crianga despreo cupada e rotineira. É necessário, pois, que todos os días de manhá o cristáo renové em seu íntimo a consciéncia de que

é caminheiro que se apresta a nova jornada de sua peregrinagáo... É oportuno também que, domingo por domingo, mes

por mes, avive em si a consciéncia de que está 'á procura de... Pode-se, alias, dizer que no relacionamento entre Deus e a criatura a lei de Newton tem a sua aplicacáo análoga: «A materia atrai a materia na razáo direta das massas e na razáo inversa do quadrado das distancias» — o que se pode transpor para a vida espiritual nos seguintes termos: Deus atrai a cria

tura sempre mais velozmente, Ele que é a Beleza Infinita,... e atrai-a tanto mais fortemente quanto mais ela se vai apro ximando do Criador. Quanto mais perto do termo, tanto mais rápidamente devo ser atraído pela face da Beleza Infinita. Esta exercerá sobre mim um tropismo crescente, desde que eu nao me deixe entravar pela covardia. Mais ainda: é conveniente que o cristáo nao aguarde o fim da vida (que paradoxalmente pode ocorrer cada día) para pensar na dinámica da sua caminhada. Geralmente, quando as forgas físicas declinam, a pessoa precisa de viver das reser vas acumuladas no passado. Tarde e difícilmente comeca quem pretende dar a virada no fim da caminhada. Chama-nos ainda a atengáo o fato de que Jesús no Evan-

gelho nos diz que aqueles nos quais a Palavra de Deus dá fruto céntuplo, sao os perseverantes, os «teimosos», os que tém longa paciencia (cf. Le 8, 15)... Assim o ideal da vida crista se torna muito mais acessível aos homens : se a gran

deza dos santos consistisse em fundar urna escola ou escrever um livro, dir-se-ia que muitos nao tém aptidáo para a santidade (o que seria falso). Todavia a grandeza do cristáo está, antes, em levar até o fim aquilo que Deus lhe pede: talvez urna vida de luta cujo éxito ele nao entrevé,.. . urna vida de achaques físicos que o abatem.. . Seremos julgados um dia nao pelo número de Vitorias obtidas, mas, sim, pela nossa capacidade de lutar generosamente até o fim, sem nos afastarmos

do nosso posto, para assim chegarmos á Casa do Pai!... E. B. — 414 —

PERQUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XVIII — N» 214 — Outubro de 1977

O doloroso caso de contestacáo:

dom marcel leíébvre: ecos e ecos... Em síntese: O presente artigo apresenta algo do conteúdo dos llvros de D. Marcel Lefébvre e de alguns dos seus apologistas, pondo em relevo a maneira como defendem a sua posicSo de contestacSo ao Concilio do

Vaticano II e ao Papa Paulo VI. Geralmente a oposicio se fundamenta em afirmares gratuitas, se nSo dlstorcldas, referentes ao Concillo e ao proce-

dimento de S. Santidade. Nao é difícil a um historiador apartidarlo convencer-se de que 0. Lefébvre e seus seguidores entendem erróneamente o Concilio e o desfiguram quando a ele se referem. Em favor de D. Lefébvre existem também "revelagoes" a almas piedosas, que atribuem a Cristo a distineSo entre "a minha Igreja" (a de Lefébvre) e a "a Igreja oficial"; tais escritos carecem de autorldade.

Em suma, o Movlmento lefebvriano é tido por alguns observadores como eco tardío da "Actlon Francalse", que desde o comeco do secuto XX até 1939 fol urna afirmaclo monarquista de extrema dlreita, em oposlpao ao reglme

republicano. — NSo há dúvida, porém, de que é

urna reacio

Infeliz aos abusos ocorrldos após o Concillo em nome de falsa Interpretac&o dos documentos conciliares. Paulo VI e a hlerarqula tém condenado tais desatinos, de sorte que nao há necessidade de salr da Igreja para os repudiar. Ademáis cindlr a Igreja equivale a romper a comunháo com Aquele que é a Cabeca e que prolonga a sua vida em sua única Igreja.

Comentario: Está sempre em voga a figura do prelado francés D. Marcel Lefébvre, que já é conhecido como «o arcebispo rebelde». Sabe-se que Lefébvre nao aceita as nor mas tragadas pelo Concilio do Vaticano II e paulatinamente postas em prática pelo S. Padre Paulo VI. A respeito já foi publicado um artigo em PR 203/1976, pp. 463-477. Neste número tencionamos nao repetir, mas expor algo do con teúdo da bibliografía, já assaz volumosa, que defende D. Le

fébvre e sua posigáo.

Interessa-nos saber como o próprio

arcebispo contestador e seus seguidores pretendem funda mentar a sua atitude. Estes dados permitirlo ao leitor jul— 415 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»-

gar melhor o assunto, que

214/1977

a imprensa nem sempre elucida

á luz da teología e dos próprios valores em pauta. Nao é agradável entrar em argumentos de urna contenda ou litigio, principalmente em se tratando da figura de um arcebispo a contestar o Sumo Pontífice. Se, de um lado, pode parecer melhor silenciar o caso, de outro lado é de crer que urna informagáo objetiva e serena sobre o tema pode prestar servigo ao leitor desejoso de se orientar sobre bases sólidas. É a consciéncia desta vantagem que nos leva a escrever as páginas seguintes.

1.

Os escritos de D. Lefebvre

Embora nao seja urna personalidade especulativa, mas

homem de agáo, D. Lefebvre escreveu alguns livros a fim de justificar a sua conduta recente. 1. O primeiro que vem ao caso, se intitula «Un évéque parle» (Um bispo fala) 1. Condena o Concilio do Vaticano II, servindo-se de ótica e interpretagáo pessoais. Sem que se penetre na consciéncia alheia, pode-se dizer, em linguagem muito moderada, que D. Lefebvre nao é bom historiador. Vejamo-lo de perto:

D. Lefebvre refere-se ao fato de que as comissóes de bispos e teólogos constituidas durante os preparativos do Concilio para elaborar os ante-projetos3 de Constitucóes, De cretos ou Declaragóes conciliares, foram reformadas durante a primeira sessáo do Concilio... Julga o prelado que assim foram deliberadamente excluidos os autores que haviam pre parado étimos textos para dar lugar a bispos progressistas e subversivos! — Na verdade, isto nao corresponde aos fatos

históricos: dos 160 bispos escolhidos pelos padres conciliares para compor as Comissóes teológicas do Concilio, 92 haviam pertencido as Comissóes preparatorias. Portanto, mais da metade...! Nao obstante, D. Lefebvre afirma que «as Co

missóes foram constituidas por dois tergos de membros proi Em traducao italiana: "Un vescovo parla". Milano, Rusconl 1975, 232 pp. Sao as páginas dessa ed¡;So que citaremos a seguir. ¡Em

linguagem técnica

"schemata", esquemas, é

o

latina,

que

esses ante-projetos eram

explica

o

— 416 —

nosso vocabulario

chamados

doravante.

D. LEFÉBVRE: ECOS E ECOS...

gressistas» verídico.

(p.

103,

da

edicáo

italiana)



o

que

nao

é

Afirma outrossim o prelado que, quinze dias após o inicio do Concilio, nenhum vestigio ficava dos esquemas pre parados anteriormente; tal haveria sido a furia de ¡novar que

os textos teriam sido enviados todos as Comissóes teológicas para serem refundidos e novamente elaborados: «Tudo foi rejeitado, tudo langado ao cesto; nao ficou urna só frase»

(p. 190). — Reconhegamos que a 21/XI/1962, sim, o esquema

«sobre a Revelagáo Divina» foi rejeitado pela assembléia con ciliar com a solicitagáo de que urna Comissáo especialmente

constituida para esse fim o reelaborasse. Isto se deu um mes e dez dias (quarenta días, e nao quinze dias!) após a aber tura do Concilio. Quanto aos demais esquemas, basta con sultar os textos apresentados aos padres conciliares e confrontá-los com os que foram aprovados definitivamente, para

verificar que muitos dos dados iniciáis passaram para a redagáo final — D. Lefébvre prefere esquecer ou simplificar a historia!

Á p. 171, D. Lefébvre escreve que a S. Congregagáo para o Culto Divino estava para baixar um Decreto segundo o qual, durante a celebragáo da Missa, «o sacerdote estaría livre para dizer e fazer tudo o que quisesse, ficando obrigado

apenas as palavras da Consagragáo, as quais, alias, já foram modificadas... Cada qual poderia compor a Oragáo Euca-

rística que bem quisesse, a Oragáo que se adaptasse, por assim dizer, ao auditorio»! — Diante desta alegagáo, deve-se registrar que

a)

as palavras da Consagragáo nao foram substancial-

mente modificadas. Nenhum apostólo gravou ou taquigrafou os dizeres de Cristo na última ceia. Apenas nos transmitiram,

cada autor sagrado do seu modo (cf. Mt 26,26-28; Me 14,22-25;

Le 22,19-21; ICor 11,23-26), o fato de que o pao se converte no corpo e o vinho no sangue de Cristo. Exprimir isto hoje na Liturgia é exprimir exatamente o que Cristo quis dizer. b)

A noticia de um tal decreto da S. Congregagáo para

o Culto Divino, que nunca foi editado nem alguém jamáis viu, é algo que destoa da conduta dessa Congregagáo e dos documentos emanados da mesma; na verdade, a S. Congre gagáo sempre exigiu fidelidade aos textos devidamente apro— 417 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

vados, rejeitando criagóes arbitrarias, principalmente no to cante as Oragóes Eucarísticas!

2.

O segundo volume de D. Lefébvre que vem ao caso,

tem por título «J'accuse le Concile» (Acuso o Concilio), Martigny, Ed. Saint-Gabriel, 1976, 116 pp.1. — Na realidade, D. Lefébvre, nesse livro, examina principalmente os textos de base que foram discutidos durante o Concilio, assim como as

intervengóes dos padres conciliares que antecederam a aprovagáo final dos documentos conciliares. — Ao citar tais intervencóes, o autor se engaña freqüentemente quanto as datas respectivas. Ainda a propósito note-se bem: só se pode julgar o Concilio a partir dos textos que este, como tal, promulgou; ora tais documentos sao irrepreensíveis. Se, para

chegar a redagáo final, houve debates, hesitagóes e confron-

tos, isto nao surpreende, visto que a mente humana progride

por raciocinio, e o Espirito Santo nao a isenta de desenvolver os seus esforgos, embora lhe garanta a sua assisténcia para que a elaboragáo final seja fiel a verdadeira fé. No

tocante á Declaragáo

sobre a Liberdade Religiosa,

Lefébvre julga que esta concede os mesmos direitos á verdade e ao erro — o que nao corresponde ao texto em pauta, desde que lido objetivamente.

Em 1964, D. Lefébvre mesmo intervinha nos debates con ciliares a respeito da Constituigáo «Sobre a Igreja no mundo moderno», para dizer que haveria «verdadeiro escándalo» se nao se levassem em conta «todos os luminosos ensinamentos dos Sumos Pontífices publicados nos últimos cem anos...» (pp. 84s). — Ora já na redagáo inicial dessa Constituigáo eram citados o Concilio de Trento e o do Vaticano I (duas

vezes cada qual), Leáo XIII (urna vez), Pió XI (sete Pió XII (quinze vezes), Joáo XXIII (vinte e tres Na redagáo final, a Constituigáo cita Leáo XIII vezes), Pió XI (dezesseis vezes), Pió XII (dezessete

vezes), vezes).

(quatro vezes), Joáo XXII (trinta e duas vezes). Ainda: no conjunto dos documentos conciliares Leáo XÜI é citado trinta e sete ve zes, Pió X dez vezes, Bento XV cinco vezes, Pío XI sessenta e sete vezes, Pío XII cento e setenta vezes, Joáo XXIII oitenta e sete vezes. Tais cifras nao sao mencionadas no livro de D. Lefébvre, detal modo que quem o le tem a má impressáo 1 Em traducSo Italiana: "Accuso II Concilio". Roma, II Borghese 1977, 152 pp. Edlcfio donde sao tiradas as cltacSes a seguir.

— 418 —

D. LEFÉBVRE: ECOS E ECOS...

de que o Concilio nao levou em consideracjio o magisterio dos Sumos Pontífices — o que é falso. 3.

Mais recente é a publicagáo de Lefébvre que tem o

titulo significativo «Non. Mais oui á l'Eglise catholique et romaine. Entretiens de José Hanu avec Monseigneur Marcel Lefébvre» 1 (Nao. Mas sim a Igreja Católica e romana. Colo quios de José Hanu com Mons. Marcel Lefébvre). No conteúdo do livro, o título é explicado no sentido de que Nao é a resposta dada por Lefébvre a quantos lhe propóem, da parte de Roma, alguma solugáo: «Ainda que eu entristeca

esses interlocutores, só lhes posso responder; Nao» (p. 229).

No coloquio entre o arcebispo e o jornalista José Hanu, este nao faz objegóes áquele, mas táo somente confirma e antecipa as idéias de Lefébvre. Embora este nada de novo diga, parece ainda mais radicalizado do que nos livros ante riores. Julga que o Concilio do Vaticano II foi, por inteiro, devido á obra e á inspiragáo de Satanás (pp. 108-122); pos em

execugáo um plano preconcebido e bem elaborado, para des

truir progressivamente a Igreja, entregando-a ao protestan

tismo, ao modernismo, ao compromisso ilícito com o mundo, etc. Afirma que devem ser imputados ao Concilio todos os

males da Igreja e da sociedade contemporánea,... mesmo a

difusáo do aborto, a esterilizagáo, a propagagáo das seitas, etc. A quem diga que os documentos conciliares falam em

contrario a tais males, Lefébvre responde que a redagáo dos

mesmos foi concebida de modo tal que dissimulasse os erros.

A quem cite as numerosas advertencias do Papa e dos bispos contra os abusos pós-conciliares, Lefébvre os acusa de se arrependerem tarde demais dos erros que eles conscien

temente disseminaram a máos cheias segundo um plano bem arquitetado.

Por fim, o arcebispo censura a si mesmo por

ter votado a favor de doze dos dezesseis documentos do Con cilio (p. 95).

A figura de D. Lefébvre é apresentada pelo jornalista em estilo de panegírico. A sua missáo é descrita como obra da Providencia Divina (pp. 78.187ss); o arcebispo contesta

tario seria «a consciéncia que sacode a Igreja inteira» (p. 52); seria «o grao de areia... ñas engrenagens acionadas pelo Vaticano II» (p. 229). Nao obstante as suas benemerencias, iA edicao francesa apareceu em Paris com a data de 1977. Será

citada ñas ponderales subseqüentes.

— 419 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

o bispo é hoje condenado por um Papa que está sendo mal informado (pp. 12.17.217); é atingido por sangóes ilegais, arbitrarias e nulas em virtude de ter sicio tiei a Missa de sempre e por ter formado com solidez novos recrutas para o sacerdocio (pp. 199.221). — Esta apología nao leva em conta outros motivos,

mais profundos

e

graves,

que

explicam

as

medidas adotadas por Paulo VI!O livro «Non» desee a pormenores ainda mais pungen tes, que revelam paixáo e acirramento: com alirmacóes cate góricas, interpretando as intengóes alheias, simplificando os fatos ou mesmo alterando-os, o autor desmerece todos aque les que nao pensam como ele e concluí ser vítima de urna

conspiragáo satánica; conseqüentemente reafirma estar inabalavelmente decidido a.levar adiante a missáo de que se juiga incumbido na Igreja.

4. Urna das últimas, se nao a última, das publicagóes de D. Lefébvre contém o texto da Conferencia proferida em Roma no comego de 1977: «La Chiesa dopo il Concilio». Albano Laziale, Fraternita San Pió X, 8», 24 pp. O livrinho repete as habituáis acusagdes destituidas de seria reflexáo teológica; além do que, manifesta hábil desen voltura na manipulacáo da historia do Concilio e capacidade de tudo interpretar segundo preconceitos cegamente adota dos. Eis alguns espécimens desta atitude:

Segundo Lefébvre, desde os tempos (11963), os Cardeais fiéis á doutrina intimados a nao mais fazer intervengóes assembléias do Concilio: «Nao faléis mais!

do Papa Joáo XXIII de Roma teráo sido oráis ou escritas ñas mais, nao repliquéis

Deixai falar as pessoas que vém de fora, do estran-

geiro, ou que vém de longe» (pp. 8s), terá sido a palavra de ordem. — Ora lanca-sc um repto a D. Lefcbvre para que prove a veracidade das suas alegagóes neste particular. Os observadores da Igreja Ortodoxa russa, continua o prelado francés, teráo comparecido ao Concilio do Vaticano II

tres anos depois da inauguragáo deste, em resposta á garan tía que lhes fora dada, de que a proposta condenatoria do

comunismo fora retirada dos debates (p. 20).—Também isto é falso.

Os observadores russos estavam presentes ao Conci

lio (sempre na quaiidade de meros observadores ou ouvintes) desde o primeiro día de estudo do Concilio (12/X/1962), sem — 420 —

D. LEFÉBVRE: ECOS E ECOS...

que a Santa Sé lhes houvesse concedido qualquer tipo tutela ou garantía doutrinária.

de

D. Lefébvre informa que ñas novas preces litúrgicas da Eucaristía e dos demais ritos da Igreja se nega a existencia do pecado original, a do purgatorio, a necessidade de lutar contra o pecado, a distingáo entre corpo e alma (p. 15). — Pergunta-se: em que texto litúrgico terá o arcebispo lido tais aberragóes?

Diz mais o prelado que hoje em dia se pretende subs tituir o Decálogo pela Declaragáo dos Direitos do Homem (p. 18). — Quem o pretende?... A Igreja Católica? Prove-o!

5.

D. Lefébvre tem confirmado a sua irredutivel ati-

tude...

Da parte da Santa Sé, foi convidado a um encontró

com os teólogos Pe. E. Dhanis S. J. e B. Duroux O. P. no comeco de maio pp. o que em nada redundou. Aos 13/V/77, numa entrevista á imprensa em Albano (Roma), o arcebispo asseverava de

novo

que

nao

tencionava

deter-se

em

sua

agáo: havia recusado assinar urna declaragáo de que aceitava o Concilio e as normas deste; tinha em mente ordenar ainda outros sacerdotes (nao ordenaría bispos) e celebraría ainda urna Missa na igreja de Saint-Nicolas-du-Chardonnet em Paris, ocupada pelos seguidores do arcebispo.

Em julho de 1977, o prelado estava em viagem pela Amé rica do Sul (Colombia, Chile, Argentina...), tentando obter a adesáo de alguns bispos tradicionalistas. Mons. Lefébvre nao quer sagrar novos bispos, pois sabe que, assim procedendo, incorreria em excomunháo no próprio ato ou sem

necessidade de alguma sentenga judiciária; donde se vé que ele preza ainda a pertenga á Igreja Universal. . . Todavia nulo foi o resultado de tal viagem, pois o episcopado da

América Latina se manteve coeso diantc do prelado francés.

A tática de argumentar, partidaria e passional, adotada por D. Lefébvre é também a que seus amigos adotam, como se poderá depreender de alguns tópicos que abaixo apresentaremos.

2.

Os apologistas de D. Lefébvre

Citaremos, entre varios, J. Madiran e H. Monteilhet. — 421 —

JIO

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

2.1.

214/1977

Jeon Madiran : «Itinéraires»

É conhecida a revista integrista francesa «Itinéraires», porta-voz do famoso escritor Jean Madiran. Urna edigáo de «Itinéraires» é especialmente dedicada ao caso Lefébvre: «La condamnation sauvage» (n* 206 bis de «Itinéraires»), sep-

tembre 1976, 112 pp. Madiran ai publica documentos concernentes a D. Lefébvre, fazendo-os acompanhar de introdugóes e anotagóes. A linguagem usada é dura: «Condenagáo selvagem, abuso de poder, guerra de religiáo» (pp. 1. 74. 6)... As acusagóes ai se sucedem sem rigor de argumentos ou provas, como se verá abaixo.

1) Serio motivo de contestagáo é a nova Liturgia Eucarística. Madiran afirma que, «sem ler ou lendo sem enten der, Paulo VI subscreveu á mais formidável transformagáo da Missa jamáis ocorrida em toda a historia da Igreja» (p. 35). Mais: Paulo VI «depois disto nada fez, além de urna corregáo

dissimulada, para deter a difusáo» do erro;

nao ensinou, ficou absolutamente silencioso»

«nao explicou,

(p. 37).

E sobre que bases sao proferidas tais denuncias? — O art. 7 da Promulgagáo (Institutio) do Novo Missal, datada de 3 de abril de 1969, professava o seguinte: "A ceia do Senhor, isto é, a Missa, é a sagrada assembléia ou a reuniáo do povo de Oeus que se congrega para celebrar, sob a presidencia do sacerdote, o memorial do Senhor".

Ora Madiran impugnava esta descricáo do que seja a S. Missa, pelo fato de nao falar do «sacrificio da Cruz ou do Calvario». A palavra «memorial» lhe parecía ter o signi ficado meramente psicológico de «comemoracáo».

Ora a propósito deve-se dizer que as

duas

expressóes

«Ceia do Senhor» e «Memorial da Paixáo do Senhor» tém sentido bem determinado na teología católica, significando o

sacrificio do Calvario. — Ademáis nao se deve interpretar

urna frase ou urna expressáo isolada do seu contexto; ora na Apresentacáo do novo Missal falava-se, oito vezes, da Missa como «sacrificio» (cf. n« 2. 48. 54. 56. 60. 62). — Por último, a fim de eliminar qualquer dúvida, a edigáo de 1970 apresentou sete retoques significativos, que afirmam com toda a clareza ser a Missa a perpetuacáo do sacrificio da Cruz, cele-

— 422 —

D. LEFfiBVRE: ECOS E ECOS...

11

brada pelo povo de Deus hierarquicamente ordenado. — Madiran julga que tais retoques foram introduzidos veladamente, isto é, de forma que nao chamasse a atengáo do público — o

que nao é verdade, pois, além de sete retoques, foi elaborada para a «Institutio» urna longa Introducto de quatorze pará grafos.

Madiran nao se deu por satisfeito com tais medidas ado tadas pela Santa Sé para evitar equívocos de doutrina. Diz ele que desde 1970 Paulo VI nunca mais se referiu á S. Missa como sacrificio de Cristo... Pois bem; num exame mais pre ciso da questáo verifica-se que, de 3 de abril de 1969 (data da primeira edigáo da «Institutio») até o fim de 1976, a

Santa Sé publicou vinte e seis documentos que falam trinta e

oito vezes da S. Missa como sacrificio de Cristo; no mesmo período Paulo VI proferiu trinta e nove alocugóes que abordam cinqüenta e duas vezes esse tema!

2)

Outro título de acusagóes que Madiran e seus ami

gos levantam, em séquito a D. Lefébvre, é o seguinte:

Os dois visitadores (Mons. Descamps e Mons. Onclin) enviados a Écóne teriam afirmado que nao existe verdade imutável,... que pairam dúvidas sobre a maneira tradicional de explicar a ressurreicáo de Cristo,... que julgavam normal e fatal a ordenagáo sacerdotal de homens casados...

Ora Mons. Onclin, Secretario da Pontificia Comissáo para a Revisáo do Código de Direito Canónico, interpelado a respeito de tal noticia, escreveu ao Pe. Giovanni Caprile, cola borador da revista «La Civilta Cattolica»: "Bem conhecemos as acusacdes formuladas contra nos ou, as vezes.

contra um de nos dois. A tríplice acusacáo constituí urna calúnia pura e simples, urna mentira. Nunca, durante os nossos encontros, fol abordada a questáo do casamento dos sacerdotes (que reprovamos) ou a da Imutabilidade da verdade ou ainda a da ressurreicáo do Senhor. Esses problemas nao foram considerados, nem mesmo levantados I Mons. Descamps está de acordó com estas aflrmacoes" (Carta de 6/1/77; ver "La Civiltá Catto lica" n? 3050, 16/VII/77, p. 155).

Tem-se realmente a impressáo de que a paixáo obceca

certos

partidarios do conservadurismo...

Madiran o manifesta claramente.

A linguagem

de

Entre outras coisas, asse-

gura este apologista: o comunismo é o «braco temporal» do qual se serve a Curia Romana para

— 423 —

empreender essa nova

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

«guerra de religiáo»; sao os membros da Curia que «em nome do Papa... favorecem ou impóem a autodemolicjio da Igreja, a apostasia imánente» (pp. 6. 13. 35. 84)... Embora o assunto nao seja de edificacáo, proporemos, a seguir, algo dos dizeres de outro apologista de D. Lefébvre,

visando com isto táo somente a possibilitar ao leitor mais

fundamentada avaliac.áo do caso.

2.2.

H. Monteilhet: «Roma nao em Roma»

Na verdade, H. Monteilhet já nem merecería ser levado

a serio, de tal modo exorbita da sadia critica em seu livro «Rome n'est plus dans Rome; elle est toute oü je suis» * (Roma já nao está em Roma; ela está toda onde eu estou). Como quer que seja, parece útil mostrar a,que ponto pode levar a obsessáo, salientando alguns tópicos do livro. O Papa e os bispos «fizeram o máximo para corromper a moral e os costumes da Igreja tradicional» (p. 53). O Papa

é «hereje» (p. 93), «cismático e escandaloso» (p. 124), «adu lador viláo» (p. 162), «heresiarca dos heresiarcas» (p. 163), «sujo, imbécil, incorrigivel» (p. 220); nao resta outra atitude senáo a de esperar a sua morte (p. 235). O autor cai, por vezes, em certa contradigáo:

Ataca os pretensos abusos conciliares, mas se declara favorável ao casamento dos presbíteros (p. 186). Diz que

Pió V se limitou a «propor o seu Missal sem pretender impó-lo»

(p.

123)

e,

depois,

ataca Paulo VI recusando-lhe o

direito de reformar o Missal. Louva Paulo VI por suas atitudes frente aos judeus, mas logo insinúa que sejam urna tática para dissimular sinistras intengóes em relagáo a Israel

(p. 197).

Acusa muitos eclesiásticos de serem membros da

Maconaria, mas logo, na falta de provas, afirma que a pre tensa adesáo a Maconaria pode ser mera tática estratégica (p. 96)...

Desta maneira, o próprio autor se desprestigia aos olhos de um leitor atento e apartidado. Paris, Ed. J.-J. Pauvert, 1977, 258 pp.

— 424 _

D. LEFÉBVRE: ECOS E ECOS...

Nao nos deteremos na catalogagáo

das numerosas

13

im-

precisóes ou mesmo inverdades que impregnam muitos dos escritos apologistas de D. Lefébvre. Apenas importa informar em termos gerais o leitor interessado pela questáo.

Ainda há outro tipo de escritos pró-Lefébvre que convém mencionar sob o título :

2.3.

Mensagens celestes

Urna coletanea de «revelagóes» particulares foi publicada com o titulo «Nouveaux messages pour le monde transmis á une ame par Notre Seigneur Jesús Christ áepuis le 23 juillet 1973 jusqu'au ler octobre 1975 á Fribourg (Suisse)».* Novas mensagens para o mundo transmitidas a urna alma por Nosso Senhor Jesús Cristo desde 23 de juiho de 1973 até

1« de outubro de 1975 em Friburgo (Suíga).

Este livro repete quanto outros escritos conservadores já tém afirmado:

O Senhor Jesús teria declarado que o Concilio «foi o inicio de espantosa degradagáo» (p. 14). O Sínodo dos Bis-

pos de 1974, que tratou da estruüira visivel da Igreja, haverá

sido «urna catástrofe» (p. 20). Pedindo penitencia, oragáo, amor, confianga, o Senhor Jesús e sua Máe SS. teráo dito: «Exijo que se conserve a Missa tridentina» (p. 12; cf. pp. 8. 20. 22. 32. 36). Por isto «deveis defendé-la com todas as vossas forgas e estar prontos a tudo para salvar o santo sacrificio da Missa» (p. 22). Constantemente, nessas mensagens Jesús distingue entre «a minha Igreja» e «a Igreja oficial». A primeira é aquela que conserva toda a Tradigáo e a Missa tridentina (cf. pp. 10. 24) o que segué «o meu suave arcebispo Marcelo» (p. 35).

Ao contrario, a Igreja oficial é aquela que, afastando-se da Tradigáo (pp. 16. 48), é constituida «por toda a hierarquia sujcita ao meu Vigário» (p. 35). Permanecer na verdadeira Igreja de Cristo implica «total recusa da Igreja oficial... Estai bem conscientes de que, se aceitáis ficar comigo, com

1A guisa de manuscrito particular,

1? edigáo

Martigny. Ed. Saint Joseph, 56 pp.

— 425 —

em outubro de 1975.

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS>

214/1977

a minha SS. Máe, absolutamente nada mais tereis que ver

com a Igreja oficial»

(p. 35).

Feita essa distincáo, Jesús prorrompe em ampios elogios a Paulo VI: é um mártir, digno de ser venerado desde já como santo. É preciso orar e agir no sentido de libertá-lo daqueles que o impedem de agir como quisera. Deverá, sem dúvida, reparar os erros em que caiu por excesso de libera lismo; todavía o seu coracáo já voltou a Tradicáo (pp. 9. 17.

18. 19. 20. 53). Jesús chega a dizer: «Se vos vos separáis do meu doce Vigário na térra, Paulo VI, já nao sois da mi nha Igreja» (p. 41). — Pergunta-se, pois: como conciliar esta advertencia com os dizeres anteriores e com a recusa sistemáticamente sustentada por Lefébvre de obedecer ao que o Papa ordena? Referindo-se a D. Lefébvre, a mensagem tem outrossim palavras elogiosas: «Mon doux Archevéque Marcel» (pp. 35. 41. 44. 47). «É preciso também considerá-lo como santo... Ninguém no mundo inteiro tem a coragem de lutar como ele, com docura quase angélica! E isto, porque no fundo do seu coracáo ele conhece muito bem o que vim ensinar há dois mil anos» (pp. 47s). Os que o rejeitam «nao tém consciéncia de que de novo me condenaram á cruz! Foi a mim que lancaram fora» (p. 35). O Senhor venceu o mundo e debelou Satanás em luta na qual se empenharam a Virgem SS. e todos os anjos «chefiados por S. Miguel»; «este exército é invisível, mas combate! Vos sois a parte visivel deste exército, que trava a mesma luta, no mesmo sentido» (p. 30).

Como se vé, a ingenuidade e a imaginagáo férvida de pessoas piedosas, mas mal orientadas, forjaram essas «revelagóes». A propósito já foram apresentadas certas observa-

góes em PR 206/1977, pp. 77-90, onde «Jesús responde a um padre».

analisamos o

livro

Resta agora acrescentar

3.

Reflexoes fináis

O caso de D. Lefébvre e seus seguidores apresenta varias facetas, das quais talvez urna de inspiracáo política; há, sim, quem o analise á luz do Movimento «Action Francaise», como

— 426 —

D. LEFÉBVRE: ECOS E ECOS...

15

se fosse um eco tardío do mesmo. Com efeito, no inicio do século XX surgiu na Franca urna faccáo de extrema direita que tinha em mira combater o regime republicano e restau rar a monarquía, seguindo orientagáo ultranacionalista. Os mentores da Liga eram o positivista Charles Maurras e o literato Léon Daudet. Numerosos intelectuais e eclesiásticos simpatizaram com o Movimento. Todavía este foi condenado por Pió XI em setembro de 1926, dado o seu nacionalismo acristáo. Alguns bispos e teólogos submeteram-se com dificuldade. Somente em 1939, pouco após a eleigáo do Papa Pío XII os responsáveis pela «Action Frangaise» prestaram a declaracáo de obediencia á Igreja, que lhes obteve a suspensáo das censuras infligidas anteriormente (julho 1939). Sem aprofundar o possivel aspecto político do caso «Le-

fébvre», interessa-nos aqui realgar a atitude de D. Marcel e seus seguidores como posigáo de desapontamento diante de abusos ocorridos na Igreja Católica em virtude de falsas interpretagóes da mente e dos textos do Concilio do Vaticano II. Reconhecemos que a rejeigáo dos abusos é necessária. Mas observamos que, para exercé-la, nao é preciso separar-se da Igreja oficial; ao contrario, basta estar unido a Paulo VI

e a todos os que adotam, de maneira objetiva e fiel, as diretrizes do Concilio. Paulo VI tem sido o intrépido pastor e mostré que vem condenando toda leviandade e aberragáo,

ocorrente na aplicagáo das normas conciliares,... normas que

sao todas acentuadamente condizentes com a mais pura tradigáo da Igreja.

Alguns diráo: mas por que houve Concilio? Nao foi um mal, dado que tanta desordem se desencadeou em nome do mesmo?

— Em resposta, notamos que o Concilio veio correspon

der a urna exigencia da esta como tal (em sua ciéncia da realidade dos que langam questóes ou

vida da Igreja. Era necessário que amplitude universal) tomasse constempos em que vivemos,... tempos desafios que as antigás normas da

disciplina eclesiástica nao podiam levar em conta. Era pre ciso que a Igreja encontrasse os meios de dizer e comunicar

valores eternos em linguagem e formas novas, sem trair o patrimonio da fé, mas também sem deixar de se fazer ouvir. por qualquer homem ou grupo humano que seja. Ora foi justamente esta tarefa que o Concilio, em seus tres anos pre— 427 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

paratórios e em seus quatro anos de sessóes, procurou con siderar e esquematizar; o trabalho conciliar foi desempenhado com todo o zelo e com atencáo constante ao que sempre se ensinou na Igreja. Os dezesseis textos conciliares, se devidamente examinados, o testemunham claramente. Se após o Concilio houve fatos lamentáveis, estes se devem nao a urna pretensa inspiragáo haurida dos documen tos conciliares, mas á fragilidade humana. É compreensível que esta se tenha externado de tal maneara; a psicologia hu

mana o explica...

Em nossos dias, porém, doze anos após

o encerramento do Concilio já se registra um retorno ao bom senso e ao equilibrio; as pessoas mais avancadas verificam que os abusos nenhum resultado positivo ocasionaram.

Por conseguinte, nao vale a pena condenar o Concilio, a Igreja Universal ou o Papa Paulo VI por causa

dos fatos

contingentes de que as autoridades oficiáis nao sao culpa das. A ruptura da unidade é grave pecado contra Deus e os irmáos; se é empreendida conscientemente, significa orgulho, autopromogáo, falso zelo... Ademáis observe-se o seguinte: quando na sociedade dos homens um grupo se separa de outro em nome de certos valores, poderá talvez viver melhor tais valores, pois no caso nao entram em jogo senáo elemen tos humanos. O mesmo nao se dá na Igreja: quem se separa do tronco ou da Cabega ou do Chefe visivel instituido por Cristo, nao julgue que vivera bem ou melhor o seu Cristia nismo. Nao; a Igreja nao é mera soma de valores humanos, mas é presenga viva de Cristo a prolongar o misterio da Encarnacáo. Ora, como Cristo só pode ter um corpo, Ele só pode ter urna Igreja; e quem se afasta dessa única Igreja, se afasta da vida, da seiva, da verdade e do caminho! Ninguém, pois, se iluda, julgando que, separando-se da Igreja oficial, será mais fiel a Cristo ou mais cristáo. O que o

Senhor pede de todos os cristáos, é que aceitem o misterio da Encarnacáo até as últimas conseqüéncias e procurem, na medida em que depende de cada um, abrilhantar a face hu mana de Cristo e da Igreja! Os dados apresentados neste artigo se devem ao estudo de Glovanni

Caprlle S. J., publicado na revista "La Clvlltá Cattolica" :

"Mons. Lefébvre tra storla e apología", n? 3048,18/VI/1977, pp. 569-578; "Gil apologeti di Mons. Lefébvre", rr? 3050, 16/VII/1977, pp. 150-163.

428 —

Situa?áo Inédita:

conseqüéncias canónicas do divorcio no

Em sinlese: A introducao da Iei do divorcio no Brasil gera situac5es inéditas em nossa historia. Muitas pessoas perguntam: qual será a situacao dos católicos divorciados perante o Direito Canónico e a Igreja ?

A

resposta, neste

jurídicos:

artigo, é desenvolvida em termos precipuamente

Distingamos logo os que praticarem o divorcio táo somente, e os que, após o divorcio, contrairem novas nupcias civis. Somente estes últimos vém ao caso.

Ficarao excluidos dos sacramentos da Eucaristía, da Penitencia, da Crisma e da Ungáo dos Enfermos a menos que déem sinais de arrependimento e de desejo de por termo a sua vida de uniSo Ilegitima (na medida em que isto Ihes seja possfvel).

NSo poderáo ser padrinhos (madrlnhas) de Batismo ou de Crisma; todavía nada impede que sejam testemunhas de casamento religioso. Nao teráo dlrello

á sepultura eclesiástica.

Os cursos de preparacSo para o casamento

esclarecerá^, com mais

lucidez do que nunca, a dlferenca de efeitos existente entre o casamento

religioso e o civil. Isto, porém, nao quer dizer que já nao se deva aplicar a Iei 1.110 de 1950, a qual permite a celebracSo do casamento religioso com efeitos civis; esta Iei valoriza o matrimonio sacramental, o qual nao sofre detrimento se é celebrado com efeitos civis. Haverá casos em

que

o divorcio civil poderá servir para o bem

de

fiéis católicos. Tais sao aqueles em que um casamento civil nao é reconhecido pelo Direito Canónico...; é entáo oportuno, se nao necessárlo, que os interessados dissolvam seu matrimonio civil, para poder contrair casamento religioso válido dotado de efeitos civis. Outro artigo de PR proporá reflexSes de Índole mals estritamente pas toral sobre o assunto.

Comentario: Tém-se colocado com freqüéncia as perguntas: Quais as conseqüéncias religiosas que um católico acarretará sobre si desde que se valha da lei do divorcio?...

Conseqüéncias moráis e conseqüéncias canónicas... — 429 —

Quais as

_18

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS?

medidas pastarais divorcio?

que

a

Igreja

tomará

A situacáo é nova no Brasil...

214/1977

frente

á

lei

do

Por isto os• estudiosos

tém procurado analisá-la tanto do ponto de vista ético como sob o ángulo jurídico e o pastoral. Os nossos bispos promulgaráo decisóes a respeito. Entrementes, consultado o Direito Canónico e vista a praxe pastoral da Igreja, podem-se afir mar com seguranga alguns pontos, que abaixo proporemos,

distinguindo entre 1) conseqüéncias moráis e canónicas decorrentes, para um católico, do recurso ao divorcio e 2) medidas que a Igreja oportunamente poderá tomar ou já está tomando para ir ao encontró dos fiéis em país divorcista. Antes do mais, porém, deveremos apresentar algumas distingóes impor tantes.

1. 1.1.

Tres distingóes preliminares

Católicos e nao católicos frente ao divorcio

Para toda e qualquer criatura humana, o divorcio ou a dissolucáo de casamento válido e consumado * é algo de ilí cito, porque contraria á lei da natureza, independentemente do sistema filosófico ou do Credo religioso que tal pessoa professe. Por conseguinte, o recurso ao divorcio (dissolugáo do vinculo validamente contraído e consumado) é ilegítimo. Dito isto, deter-nos-emos neste artigo principalmente so

bre o caso dos católicos que recorrem ao divorcio, procurando examinar a sua situacáo perante a vida da Igreja. Ocasio nalmente tocaremos também na situagáo de nao católicos. 1.2.

Divordar-se apenas e atentar novo

casamento após o

divorcio

Divorciar-se c obter do magistrado civil a sentenga de dissolugáo do vínculo conjugal, mediante a qual os cónjuges

civilmente deixam de ser marido e mulher; muda-se assim o seu estado civil e tornam-se aptos a contrair novo matrimo nio civil.

O desquite permite a separado física e topográfica dos

cónjuges

(os quais nao sao obrigados a viver juntos desde

1 Chama-se contrato

jurídico,

"consumado" o

casamento que se realiza

mas também pela cópula carnal.

— 430 —

nSo só pelo

CONSEQÜENCIAS CANÓNICAS

DO DIVORCIO

19

que haja incompatibilidade mutua), mas ainda respeita o vinculo conjugal, visto que nao dá direito a novas nupcias enquanto vive um dos cónjuges desquitados. — Ora a pretensáo de dissolver por completo o vínculo conjugal é con traria á lei de Deus,... lei que o Direito Canónico reafirma nos cañones 1.013 § 2, 1.069, 1.110 e 1.118.

Note-se, porém, que urna pessoa divorciada pode levar vida una, sem nova uniáo marital. Neste caso, nao há de ser considerada bígama nem concubina. Nao está excluida dos sacramentos ou da vida da Igreja, desde que se arrependa sinceramente da culpa que possa ter no tocante ao matrimonio fracassado e ao divorcio.

Distingamos ainda entre 1.3.

Diversos comportamentos dos cónjuges que se dworciam

As atitudes moráis das pessoas que estáo envolvidas em processo de divorcio, sao variegadas: Há quem tome a iniciativa do seu divorcio e o promova decididamente. Há também quem nao tome a iniciativa, mas colabore para o divorcio. Há quem permita o seu divorcio sem tomar iniciativa própria para obté-lo. E há quem se oponha ao seu divorcio. Quem nao toma iniciativa nem colabora,

mas se com-

cónjuges ou ambos), comete pecado grave. Quem nao toma iniciativa nem. colabora, mas se com porta passivamente, ou mesmo se opóe ao seu divorcio, nao comete pecado, pois nao está atentando deliberadamente con

tra a lei de Deus. — Mais: quem se opóe ao seu divorcio

enquanto pode, nao se divorcia, embora resulte divorciado segundo a lei civil.

Na maioria dos casos, reconhecemo-lo, o divorcio resulta

de acordó entre os consortes, geralmente mediante os respec

tivos advogados; caso urna das duas partes relute ou discorde do fato, é induzida por advogado a concordar na realizagáo do divorcio. Pois bem; é precisamente em tais situagóes que o cónjuge católico tcm a ocasiáo de manifestar a coeréncia da sua fé.

— 431 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

Há também casos de adulterio ou prevaricacáo por parte de um dos cónjuges. O outro, entáo, julgando-se lesado ino centemente, passa a pleitear o divorcio (o que é raro), mesmo á revelia do cónjuge prevaricador. — Pois bem; a prevari cacáo pode ser justo título para desquite (também previsto pelo Direito Canónico; cf. can. 1128s); todavía nunca é razáo canónica para o divorcio. Urna vez propostas estas distingóes, passamos a exami nar a questáo:

2.

Os divorciados e o Direito Canónico

1. Em primeiro lugar, notemos que a legislagáo comum da Igreja nao atribuí alguma pena ou censura aos católicos que se divorciem. Aquí faz-se mister lembrar o seguinte:

É preciso distinguir bem entre o foro jurídico ou legis lativo e o foro moral ou de consciéncia. O foro jurídico é externo; considera a conduta visível da pessoa humana e,

quando ré, lhe inflige penas visiveis ou extrínsecas, como a

excomunháo, a suspensáo, o interdito. O foro jurídico, muitas vezes, coincide com a consciéncia moral. Mas nem sempre isto acontece... Pode haver culpas moráis que o Direito nao pune (o que bem se compreende), como pode haver punigóes do Direito que nem sempre corresponden! a culpa moral do sujeito.

Ora dizemos que o Direito Canónico nao enquadra o divorcio na categoría dos delitos que estáo sujeitos a pena

de foro extemo ou jurídico. Isto, porém, nao quer dizer que o divorcio nao seja pecaminoso.

Pode-se mesmo registrar o seguinte: o 3' Concilio Na cional do Episcopado norte-americano reunido em Baltimore

(U.S.A.) em 1884 promulgou a pena de excomunháo para todo católico que contraisse novas nupcias. Esta legislagáo ficou em vigor nos Estados Unidos até os últimos meses ;

acontece, porém, que, de 3 a 5 de maio de 1977, os bispos

norte-americanos, reunidos em assembléia geral em Chicago, houveram por bem pedir á Santa Sé a extingio dessa sangáo, que nao tem paralelo na legislagáo eclesiástica própria de

— 432 —

CONSEQÜÉNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO

21

outros países. É de crer que a Santa Sé concorde com o teor de tal peticáo. Com efeito, a excomunháo dificulta a agáo pastoral junto aos divorciados, ocasionando nao raro total apostasia da fé por parte dos mesmos e graves danos para os filhos da nova uniáo; estes se criam entáo em clima de agnosticismo ou de indiferentismo religioso.

2.

Consideremos agora o caso estrito do divorciado que

contrai novo casamento civil ou também do cónjuge que, embora contrariado, resultou divorciado e contrai novas nupcias civis.

Tal pessoa incorre, perante a consciéncia moral e o Direito Canónico, em bigamia e em concubinato adulterino.1 E quais as conseqüéncias jurídicas desta situagáo? — Nao exporemos todas as que o Direito Canónico prevé, dado que algumas sao de exigua ou rara aplicacáo concreta em nossos tempos. Contudo apontaremos as seguintes, decorrentes dos principios da Teología Moral e de diversos cánones do Direito Eclesiástico.

1) O divorciado que viva nova uniáo marital, fica pri vado da Comunháo Eucarística (cf. canon 855 § 1), enquanto

perdura essa uniáo. — É evidente que, por motivos moráis ou por viver em situagáo pecaminosa, a mesma pessoa é

excluida também do sacramento da Penitencia, a menos que se disponha a cessar a vida marital ilegítima. Isto é viável se o casal nao tem filhos; torna-se difícil, porém, se ao

casal toca a obrigagáo de educar filhos aínda carentes da assisténcia dos genitores. Em tal caso, tem-se proposto aos cónjuges ilegítimos continuem, sim, a viver sob o mesmo teto,

mas abstenham-se de uniáo de corpos ou vivam como irmáo

e irmá — o que na realidade nao é fácil. — Em nosso pró ximo artigo, voltaremos a falar da atitude pastoral da Igreja para com os cónjuges excluidos dos sacramentos.

1 Verdade é que tais aflrmacñes sao chocantes na sociedade contem poránea, onde a prática do divorcio ou das unióes ilegitimas é cada vez mais freqüente. Atenua-se em multos a consciéncia da aberracáo que estas representan!. Isto, porém, nao impede que a realidade divorcista seja classificada como deve, sempre que se trate de estudo dos fatos e valores em causa. Está claro, porém, que é oportuno evitar ofender as pessoas que, por um motivo qualquer, estejam vlvendo uniáo ¡legitima.

— 433 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 214/1977

2) Está claro que aos cónjuges ilegítimos também é vedado o sacramento da Crisma, pois este supóe o estado de graca.

Quanto á Ungáo dos Enfermos, também lhes é denegada,

a menos que o enfermo se mostré sinceramente arrependido

de suas faltas e disposto á emenda na medida do seu possível. Isto..., porque também a Ungáo dos Enfermos é sacramento

que supóe estado de graga, o qual se obtém, sempre que neces-

sário, ou pela penitencia sacramental ou, se nao é possível confessar-se, pela manifestagáo tácita e suficientemente signi ficativa de sincero arrependimento.

3) O divorciado que vive novas nupcias, também nao pode exercer o encargo de padrinho (ou madrinha) nos sacra mentos do Batismo e da Crisma

(cf. can. 765, w> 2; 795,

n» 2). — Nao lhe é vedada, porém, a fungáo de testemunha de casamento,... testemunha que é impropriamente chamada

«padrinho» ou «madrinha». Excetuados os católicos que estáo sob excomunháo ou interdito, nenhuma pessoa é excluida da fungáo de testemunha de casamento, nem mesmo um pagáo.

4) Ao divorciado civilmente casado também nao é lícito exercer algum ministerio eclesial, como o de diácono (casado), leitor, acólito, ministro extraordinario da Eucaristía ou da

Palavra, sacristáo, organista.

Também nao se lhe permite o

exercicio esporádico de qualquer fungáo na Liturgia sagrada. 5)

Note-se ainda:

O divorciado civilmente unido nao pode exercer cargo

algum em Irmandade ou associagáo canónicamente erigida. Nao pode votar nem ser votado em eleigóes eclesiásticas, como as de Irmandades, por exemplo.

Nao lhe é permitido exercer a fungáo de administrador de bens eclesiásticos, como seriam os de urna paróquia ou de urna escola diocesana.

Caso nao pertenga a alguma associagáo canónica, nao pode ser admitido em qualquer das mesmas.

6) Tal pessoa nao tem direito a sepultura eclesiástica (can. 1.240, n* 6), que implica (conforme o can. 1.204): veló— 434 —

CONSEQÜfiNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO

23

rio em igreja, ritos exequiais como encomendacáo do corpo e acompanhamento do mesmo pelo ministro eclesiástico, tumu-

lagáo em cemitério de igreja, Missa exequial pública, de corpo presente ou de 3», 7* e 30* dia, de aniversario de óbito...

7) O divorciado que vive em novo casamento civil, ao ficar viúvo do cónjuge legitimo, está impedido, sob pena de nulidade, de contrair novas nupcias com a pessoa com quem passou a viver maritalmente em casamento civil. É o que se

chama impedimento dirimente de crime, estipulado pelo Có

digo de Direito Canónico, can. 1.075, n* 1. Esse impedimento pode ser dispensado; é necessário, porém, que os cónjuges desejosos de contrair matrimonio em tais condigóes, pegam autorizagáo a Curia diocesana.

Mais: o divorciado que, após a morte do cónjuge legí timo, queira contrair casamento religioso com pessoa com quem nunca yiveu maritalmente, deve primeiramente pro curar a Penitencia sacramental e receber a absolvigáo.

Caso

o recurso ao sacramento da Reconciliagáo nao seja possível

por grave mptivo, o pároco deve consultar o bispo antes de proceder á béngáo matrimonial (cf. can. 1.066).

Sao estas as determinagóes que atingem os fiéis católicos

que, urna vez validamente casados na Igreja, dissolvem civil mente o seu casamento e contraem novas nupcias no foro

civil.

Perguntamo-nos agora:

3.

Quais as providencias a tomar?

Enumeraremos as quatro seguintes: 1)

Os cursos paroquiais de preparacáo para o casa

mento deveráo merecer esclaregam devidamente que assumiráo entre si tamente com os termos

ainda maior atengáo, a fim de que os noivos a respeito do compromisso e com Deus e que nao coincide exado compromisso civil. Saibam que a sua alianga matrimonial será irrevogável, quaisquer que sejam as disposigóes legáis do país que favoregam a sua rup tura. Diante de Deus e da Igreja, enquanto viverem, serio, um para o outro, marido e mulher.

— 435 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

2) No processo de habilitacáo para o casamento, será necessário que o pároco (ou o sacerdote designado) inter rogue solícitamente os noivos a respeito das suas disposigóes; faca-lhes ver a necessidade de se comprometerem a urna uniáo indissolúvel, vivida na plena fídelidade conjugal. Ver-

dade é que o sacerdote interroga os nubentes a tal propósito

no ato mesmo do casamento; acontece, porém, que naquele momento o Sim pode tornar-se mera formalidade, que nada representaría se nao houvesse previa e lúcida instrugáo sobre o seu sentido e valor.

3)

Nao se vé por que renunciar a celebrar casamento

religioso com efeito civil, instituido pela Lei n* 1.110 de 1950. A razáo alegada por alguns pastores para nao se realizar tal tipo de celebragáo é a.seguinte: enquanto o casamento reli gioso é indissolúvel, o civil permite o divorcio. — Ora nao se deve dar voga a tal sentenga pelos motivos abaixo:

A validade civil do casamento religioso nao afeta a esséncia do casamento na Igreja. Paralelamente a anulagáo do casamento no foro civil nao extingue a realidade do matri monio religioso. Este será sempre profanado pelo divorcio seguido de nova uniáo, quer se tenham os cónjuges casado

por ato civil próprio, quer tenham celebrado táo somente o casamento religioso com efeitos civis.

Ora a celebragáo do casamento religioso com efeitos civis é, para os fiéis católicos, preferível a celebragáo separada do ato religioso e do ato civil, pois realga o fato de que na reali

dade só há um matrimonio válido e propriamente dito para os fiéis batizados: o matrimonio sacramental. A lei brasileira n« 1.110, de 1950, resulta do teor de duas

Constituigóes do Brasil (a de 1934, art. 143 e a de 1946, art. 163). Continua em vigor na Constituigáo de 1967 (art.

167 § 2). Nao resulta de Concordata do Brasil com a Santa Sé, mas brotou da consciéncia religiosa dos legisladores brasileiros; difundiu-se a sua aplicagáo por todo o territorio patrio, acarretando vantagens para todos os interessados (Igreja, Es tado, cónjuges, sociedade), pois é precisa e de fácil aplicagáo. Seria lamentável retrocesso desativá-la ou reduzi-la a letra morta. — Vale a pena observar, á propósito, que varios paí ses que tém ou nao tém Concordata com a Santa Sé, reconhecem a celebragáo do casamento religioso com efeitos civis, embora em quase todos exista o instituto do divorcio. Te— 436 —

CONSEQÜfiNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO

25

nham-se em vista, por exemplo, os casos da Austria (que tem Concordata com a Santa Sé desde 1934) e da República Do minicana (Concordata de 1955). Note-se também que é indispensável fazer que

todo

e

qualquer casamento válido perante a Igreja seja reconhecido também como válido pelo foro civil.

A Igreja reconhece, sim,

a legítima competencia do Estado sobre os efeitos civis do matrimonio; cf. cánones 1.016 e 1.961, assim como a Constituigáo «Gaudium et Spes» ns. 44. 52. 75. Ademáis: o casa mento religioso nao reconhecido pelas autoridades civis passa a ser tido como concubinato no foro secular e, por isto, pode ceder a casamento civil dos cónjuges com terceiros ou de um dos cónjuges com terceiro. Dai a exigencia, sempre mantida pela Igreja, de que os cónjuges oficializem no foro civil o enlace religioso.

É por estas razóes que se torna de todo recomendável

aos Srs. Bispos e sacerdotes continuarem a fazer uso da faculdade concedida pela Lei n* 1.110 de 1950. Esta nao só assegura o reconhecimento do casamento religioso no foro civil, mas fá-lo de maneira que salienta o casamento religioso como sendo suficiente para os fiéis católicos. — O fato de que o foro civil permite o divorcio nao diminuí nem altera, em abso luto, o valor de tal lei. 4)

Doravante deixará de existir um caso que era sem

pre embaragoso antes da introdugáo do divorcio no Brasil. Com efeito, havia entáo católicos que se casavam táo somente no foro civil e, depois, iam pleitear novo casamento no foro religioso, dizendo-se sinceramente dispostos a ser fiéis á sua nova uniáo conjugal. — Ora, nao estando casados perante

Deus e a Igreja, nao havia obstáculo canónico a que rece-

bessem o sacramento do matrimonio como desejavam; toda vía os Bispos e sacerdotes hesitavam em atendé-los, visto que isto poderia parecer infringir a lei da indissolubilidade e cau sar dificuldades frente as autoridades governamentais. Hoje em dia tal embarago já nao se póe, visto que a dissolugáo do matrimonio civil, legalmente concedida, habilitará os interessados para novo casamento, desta vez religioso, ao qual se poderlo atribuir legítimos efeitos civis.

Todavia será opor

tuno que nenhum sacerdote aceite abengoar o casamento reli

gioso em tais condigóes sem consultar previamente o Ordina

rio (pastor diocesano)

do lugar.

Sim; na República Domi

nicana, por exemplo, está em vigor a seguinte norma esta— 437 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 214/1977

belecida pela Instrucáo de 2/03/1955 da S. Congregagáo para

os Sacramentos:

"Caso alguém tenha contraído unláo meramente civil, embora obrigado á forma canónica do casamento, e, depois disso, peca a celebracáo de casamento canónico com outro(a) consorte, estando ainda vivo(a) o(a) consorte anterior, o sacerdote nao deverá agir sem recorrer ao Ordinario.

Este, em principio, insistirá em que o casamento seja celebrado entre as duas partes unidas civilmente. Se isto nao for posslvel ou conveniente, o Ordinario poderá permitir o casamento com outro(a) consorte, desde que previamente seja proferida a sentenca de divorcio sobre a uniáo civil exis tente" ("Acta Apostolicae Sedls" 1955, p. 137).

Faz-se mister considerar ainda outros casos em que o

divorcio poderá ser Oá primeira vista, paradoxalmente) me dida necessária ao saneamento de certas situagóes sociais. 4.

Ovando o mal serve ao bem. . .

Há, sim, casos em que o divorcio civil poderá ser etapa válida... Sao os quatro seguintes :

4.1.

Privilegio paulino

Na sua 1» carta aos Corintios 7,12-16, Sao Paulo consi dera o caso de dois pagaos unidos matrimonialmente, dos quais um se converte a fé crista e recebe o Batismo; diz entáo o Apostólo que, se a comparte paga dai por diante já nao aceitar viver pacificamente no lar, o fiel batizado tem o direito de considerar dissolvido o seu matrimonio, valendo-se assim do que posteriormente se chamou «o privilegio paulino». Eis os dizeres do Apostólo: "Se algum irmfio (= cristáo) tem urna esposa que nSo possui a fé (esposa paga1) e esta consinta em habitar com ele, nao a repudie. E, se urna esposa tem marido que nio possui a fé, e este consinta em habitar com ela, nao abandone o seu marido... Se, porém, o que nfio tem fé se afasta, afaste-se: o IrmSo ou a Irmfi (cristfios) nfio estarSo sujeitos á servidSo em tal caso; Deus nos chamou para a paz" (1Cor 7,12s.15).

Segundo a interpretacáo que se tornou clássica, estes dizeres permitem a ruptura do vínculo com a conseqüente possibilidade de se contrair novo matrimonio, como se deduz

do contexto: nos versículos precedentes (10-11), o Apostólo, falando da separagáo de esposos cristáos, manda que a mu— 438 —

CONSEQÜSNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO

27

lher separada nao se case de novo K Nos versículos 12-15, porém, Sao Paulo, admitindo a separacáo, nao acrescenta

restricáo alguma; nao entende, pois, proibir novo casamento, como o proibiu no caso anterior. Esta interpretagáo parece confirmada pelas palavras seguintes: «Em tal caso, o irmáo ou irmá nao estaráo sujeitos á servidáo»; o que, segundo certos comentadores, quer dizer: Nao estaráo sujeitos ao vín culo matrimonial que os prendía a um consorte pagáo disseminador de discordia e perigo para a fé no lar.

Como se vé, a aplicagáo do privilegio paulino implicará em dissolucáo da uniáo contraída pelos dois nubentes quando aínda nao batizados. Se tal uniáo foi civilmente contraída, haverá de ser civilmente desfeita pelo divorcio civil.

4.2.

Privilegio petrino

O privilegio petrino ou de Pedro é o direito que assiste ao Sumo Pontífice, sucessor de Pedro, de dispensar os cón-

juges de um matrimonio sacramental validamente contraído, mas aínda nao consumado.

Segundo o canon 1.118 do Código de Direito Canónico, que exprime o ensinamento das fontes da Tradigáo crista, o matrimonio, para gozar de absoluta indissolubilidade, deve preencher as condigóes de sacramento valido e consumado. Na falta de urna ou outra destas características, nao há indis solubilidade absoluta. Donde se segué a possibilidade de que o Vigário de Cristo dissolva o vínculo de um casamento nao consumado, desde que urna das compartes, ou ambas, estejam sujeitas á jurisdicáo da Igreja. E em que consiste propriamente a náo-consumagáo?

O matrimonio é dito «náo-consumado» quando nao se

efetuou entre os cónjuges o ato marital.

cita esta proposigáo nos seguintes termos:

A casuística explí

Atos conjugáis incompletos nao consumam o matrimonio. Nem o consumam os atos realizados contrariamente as leis 1 "Aqueles que estáo unidos pelo matrimonio ordeno nao eu, mas o Senhor, que a mulher nao se separe do seu marido. Se estiver separada, que permaneca sem casar, ou entio se reconcilie com o marido. Igual mente, o marido nSo repudie a sua esposa" (1Cor 7,10s).

_ 439 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

da natureza, como sejam o de onanismo ou o de fecundagáo artificial. Donde se segué que, ño foro externo e judicial, a concepgáo de prole nao é sempre argumento peremptório e decisivo em favor da consumacáo. A cópula praticada sob o efeito de meios anticoncepcionais basta para a consumagáo do matrimonio.

Para que o casamento seja tido como consumado, requer-se que a cópula ocorra depois, e nao antes da celebragáo do casamento.

No Direito eclesiástico, presume-se consumado o matri monio de cónjuges que, após a celebracáo do casamento, hajam coabitado, a menos que se prove o contrario (cf. canon n* 1.015 § 2»).

Quanto ao ámbito a que se estende a faculdade ponti ficia de dissolver o casamento náo-consumado, o canon 1.119 reza o seguinte: "O matrimonio nao consumado entre cdnjuges batizados ou entre um

cónjuge batizado e outro nao batizado dissolve-se..."

Donde se concluí que é solúvel o matrimonio nao consu mado:

— entre dois consortes batizados na Igreja Católica; — entre um consorte batizado no Catolicismo e outro no protestantismo ou em rito oriental separado de Roma; — entre dois cónjuges nao batizados que tenham consu

mado seu matrimonio e depois hajam

(ambos)

recebido o

Batismo. Entáo o matrimonio legítimo (nao sacramental) se torna sacramental. Caso nao seja consumado após o sacra mento, torna-se solúvel;

— entre um cónjuge católico e outro nao cristáo; — entre um cónjuge protestante ou oriental cismático e um cónjuge nao cristáo, em determinadas circunstancias, a saber: caso esse protestante ou oriental cismático queira casar-se com um fiel católico (com a dispensa de «mista religiáo»), poderá e deverá obter a dispensa de seu matrimonio

anterior nao consumado (pois o novo matrimonio se reali

zará com um fiel católico).

— 440 —

CONSEQUSNCIAS CANÓNICAS DO DIVORCIO

29

Como se vé tambétn agui, o divorcio civil será a via necessária para dissolver civilmente o matrimonio nao con sumado e, por conseguinte, ainda nao marcado pela nota da indissolubilidade canónica.

4.3.

Matrimonio nao consumado e proftssóo solerte

Na historia da Igreja conta-se que pessoas piedosas e santas, depois de terem celebrado as suas nupcias e antes de as consumar, deixaram a respectiva comparte para entrar num mosteiro ou num convento e lá consagrar-se a Deus. Tal terá sido o caso de Santa Odita e de Edildrida, rainhas da Inglaterra. Nao se pode garantir a veracidade das nar rativas respectivas, nem se sabe se nesses casos se tratava

de nupcias ou de mero noivado contraídos antes da entrada no convento.

Como quer que seja, o Código de Direito Canónico reconhece, noje em dia, o seguinte: quem, após matrimonio nao consumado, entre na vida claustral e ai emita profissáo solene

(isto é, determinada forma de profissáo perpetua de vida consagrada a Deus na virgindade), está pelo Direito mesmo dispensado do seu casamento, nao tendo que recorrer á Santa Sé para dispensa do matrimonio. Tal caso é mais teórico do que prático. Com efeito, para que alguém emita profissáo solene, deve fazer ao menos um

ano de noviciado previo. Ora ninguém pode entrar num novi ciado de Ordem ou Congregagáo Religiosa se está ligado por vínculo matrimonial; ao contrario, para que o faga, deve obter dispensa da Santa Sé. Esta dispensa deverá levar em

conta o matrimonio nao consumado e, muito provavelmente, dispensá-Io na maioria dos casos. A próxima reforma do Direito Canónico reconsiderará este dispositivo da legislacáo presente, que outrora talvez tivesse aplicagáo, mas hoje em dia nao mais parece ter signi ficado. Como se depreende, também no caso teórico ácima foca lizado é viável o recurso ao divorcio civil. — 441 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 214/1977 4.4.

Matrimonio religioso inválido

Existem

impedimentos

dirimentes para

o

matrimonio

sacramental, impedimentos em virtude dos quais nao há casa mento religioso mesmo que a cerimónia se realize com todo o rigor da Liturgia prescrita.

Há também casamentos livres de qualquer impedimento,

mas contraídos por fiéis católicos sem a devida forma canó nica (isto é, sem observarem algum ponto essencial do res pectivo procedimento). Tais casamentos sao inválidos por si mesmos.

Ora, desde que se descubra, na vida de utn casal, a exis tencia de algum impedimento dirimente já anterior ao sacra mento ou também a falta de forma canónica no ato de contrair o casamento, duas opcóes sao possíveis: a)

ou os consortes procuraráo ¡mediatamente pedir k

autoridade eclesiástica a remogáo do respectivo óbice (caso seja possivel), a fim de que possam renovar seu consenti-

mento matrimonial e viver legítimamente a sua uniáo já ini ciada e feliz;

b) ou, caso nao desejem renovar seu consentimento con jugal, déem-se por nao casados, como de fato nao estáo. Para validar este fato no foro externo eclesiástico, pecam a declaragáo de nulidade por parte da Igreja. Será oportuno entáo que pegam ao magistrado civil a dissolugáo do seu contrato civil. Bem pode acontecer que o mesmo casamento, invá lido no foro religioso, tenha sido inválido também no foro

civil.

Neste caso, nao haverá divorcio, mas apenas declara-

gáo de nulidade do casamento.

As páginas deste artigo tém caráter predominantemente jurídico. Nao poderíamos deixar de completá-las mediante reflexóes de índole mais pastoral e formativa. É o que faremos ñas páginas seguintes. Na confecgSo deste trabalho valemo-nos do estudo do Pe. Edgar Franca, presidente do Tribunal Eclesiástico do Rio de Janeiro e eminente

canonista, que escreveu, á guisa de manuscrito, urna anállse do problema Intitulada "As repercussoes da emenda sobre o divorcio".

— 442 —

Após a promulgado do divorcio:

atitudes pastarais em brasil divorcista

Em símese: Este artigo continua o anterior, apresentando algumas orlentacoes pastorals a serem assumidas pelos fiéis católicos após a ¡ntroducfio do divorcio no Brasil.

Sao de suma importancia:

1) o estímulo aos divorciados para que nao se afastem totalmente de Deus, da oracáo e das cerimónias religiosas, embora nao possam receber

os sacramentos. Quem ora sinceramente, pode estar certo de que apresta assim a resolver os mals graves problemas ;

2)

se

o apoio e o amparo aos casáis, principalmente aos que estilo

em crlse. Muitos desastres se consumaram por falta de quem Intervlesse com amlzade sincera no processo de crlse;

3)

a educacáo dos adolescentes e jovens para o amor. Distíngam-se,

um do outro, amor e egoísmo; o que por vezes se entende por "amor", nio passa de egoísmo. A educacáo sexual, que também é importante, pode

vlr a ser deletérfa,

4)

caso seja ministrada sem formacáo ética adequada;

a preparacio para o casamento em cursos apropriados para noi-

vos, sob a inspíracSo da genuína doutrina católica;

5) o combate á polulcáo moral da socledade, que nao raro é pro vocada e alimentada pelos melos de comunlcacSo social A presenca de técnicos católicos nestes melos e o protesto do público contra a porno grafía crescente tém sido e serao sempre altamente salutares.

Comentario:

O divorcio nao é apenas a separagáo de

um casal ou a dissolucáo de um lar, mas é também motivo

de dor para toda a sociedade, seja civil, seja crista. O fato de que número crescente de casáis é levado á ruptura, torna-se o sinal de que algo nao vai bem na sociedade; há ai algo de deficiente ou insuficiente, que seria preciso procurar

sanar, a fim de fortalecer as unióes conjugáis e evitar táo freqüentes dissolugóes.

Se os fiéis católicos condenam o divorcio, háo também de procurar lutar contra as causas ou ocasióes do mesmo, de modo a tornar possível a fidelidade dos cónjuges. Esse — 443 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 214/1977

esforgo dos cristáos exige urna agáo coletiva, dado que a agáo individual nao pode ser eficaz nem duradoura.

Proporemos, pois, abaixo algumas das medidas que podenam ser adotadas com éxito pelo clero e pelos fiéis católicos leigos como resposta aos desafios da nova situagáo. 1.

Após o divorcio : minorar. . .

Embora o divorcio e as novas nupcias após este sejam

sempre um mal, que deve ser apontado quando seja opor

tuno apontá-lo, os fiéis católicos háo de alimentar interesse pastoral também para com aqueles que se deixaram envolver por essa situacáo. Nem todos os que se divorciam e con-

traem novas nupcias, sao pessoas insensíveis aos valores reli giosos, 'á fe e aos sacramentos. Antes, muitos sofrem por

estarem privados da Eucaristía e dos demais cañáis da graga sacramental. Procuram os sacerdotes e seus outros irmáos na fé para pedir-lhes um alivio ou urna orientagáo. Frente a tais pessoas e, de modo geral, em relacáo aos católicos que, divorciados, vivem em uniáo ilegítima, sao de bom alvitre as seguintes normas pastorais:

1)

Procurem os fiéis católicos evitar que os divorciados

se afastem por completo da fé da Igreja. Tudo fagam para

evitar que se julguem irremediaveimente condenados ou aban donados .por Deus e, por isto, desistam de orar, de freqüentar a Missa e os atos do culto (embora lhes fique sempre vedado o acesso dos sacramentos, se vivem maritalmente).

Ao con

trario, exortem os divorciados a que rezem,... rezem indivi dualmente ou em comum no seu lar e na igreja. Nao deixem de ir á Missa todos os domingos (sem comungar), certos de

que o Senhor Deus pode resolver as situagóes mais dificéis;

precisamente em vista disto Ele quer servir-se da oragáo dos

homens. Quem ora (por si ou em favor do próximo), já se coloca na vida da solugáo do seu problema. Daí a importéncia da oragáo na vida dos divorciados. 2)

Outro passo a dar: as vezes os divorciados que de

novo se uniram, conseguem abster-se da vida conjugal ou por motivo de idade ou por frustragáo e decepgáo. Nestes casos convém mostrar-lhes que há toda vantagem em deixarem de ter relagóes matrimoniáis para que possam satisfazer

á sua sede de Deus; sejam, pois, exortados a que se separem, — 444 —

ATITUDES PASTORAIS FRENTE AO DIVORCIO

33

dissolvendo a sua convivencia sob o mesmo teto, caso isto seja possivel. Desde que isto nao seja viável por ainda terem obrigagóes para com filhos menores, firmem entre si o pacto de viverem como irmáo e irmá, com separagáo de corpos. Confiaráo na graga de Deus, que os ajudará a cumprirem tal

programa, que, se nao é sempre fácil, nao deixa de ser pos sivel e recomendável.

Caso consigam por termo as suas relagóes matrimoniáis (por separacáo de teto ou de corpos), é-lhes facultado de novo o acesso aos sacramentos da Penitencia e da Eucaristía. Estes dons de Deus contribuiráo para fortalecé-los em seus propósitos, de modo que se poderáo sentir cada vez mais isentos da tentagáo e dos males da vida passada. Em nossos tempos, ouvem-se sentengas segundo as quais é permitido aos católicos que, legitimamente casados na Igreja, se divorciaram e contraíram nova uniáo, a freqüentagáo da Comunháo Eucarística. Ora tal opiniáo e a praxe que déla decorre, sao totalmente ilegitimas; supóem, em última análise, a dissolubilidade do vínculo legitimamente contraído e consumado — o que é totalmente contrario ao conceito cató lico de casamento contido ñas Escrituras do Novo Testamento e professado pela constante fé da Igreja.

A propósito, a S. Congregacáo para a Doutrina da Fé enviou aos Srs. Bispos do mundo inteiro a carta que vai abaixo transcrita: 00193

Roma, 11

de

abril de

1973

Piazza del S. Uffizio 11 Prot. rfí 1284-66 e 139-66 Excelentíssimo Senhor,

Esta Sagrada Congregacáo, a cuja responsabilid?de está confiada a defesa da doutrina da fé e dos costumes em todo o mundo católico, com vigilante cuidado observa, a difusáo de novas opinióes que negam ou se empenham para por em dúvida a doutrina concernente á indissolubilidade do matri monio constantemente proposta pelo Magisterio da Igreja. Teís opinióes sao difundidas nao só por escrito em livros e revistas católicos como também nos Seminarios e Escolas Católicas, como ainda comecam a se insinuar na mesma praxe de alguns Tribunais Eclesiásticos em urna ou outra Diocese. — 445 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

Além disso, tais opinióes sao apresentadas com argumen tos, juntamente com outras razóes doutrinais ou pastorais, para justificar os abusos ocorrentes contra a disciplina vigente na admissáo aos Sacramentos, dos que vivem em uniao irregular.

Diante disso, este Sagrado Dicastério, na Congregagáo Plenária de 1972, submeteu tal questáo a exame e determinou,

com a aprovagáo do Sumo Pontífice, exortar insistentemente V. Excelencia a uma vigilancia diligente para que todos aque les aos quais está confiada a tarefa do ensino da religiáo ñas Escolas de qualquer grau como

em

outras instituicoes,

ou o encargo de Oficial no Tribunal Eclesiástico, permanegam fiéis á doutrina da Igreja relativa á indissolubilidade do

matrimonio e a respe i tem na praxe dos Tribunais Eclesiásticos. No que diz respeito á admissáo aos Sacramentos, queiram igualmente os Ordinarios do lugar1, de uma parte, urgir a observancia da disciplina vigente da Igreja, e, de outra, empenhar-se para que os pastores de almas se interessem de modo

especial por aquelas pessoas que vivem em uniao irregular, usando, na solugáo de tais casos, além dos meios de direito, a praxe da Igreja relativa ao foro interno. Comunicando-lhe tais coisas, sou-lhe com toda a reveren cia o afelgoadíssimo Francisco, Card. Seper, Prefeito

Jerónimo Hamer, Secretario.

A respeito observe-se que a praxe da Igreja relativa ao foro interno, ácima mencionada, no caso é a seguinte: podem-se admitir aos sacramentos os fiéis divorciados que, embora vivam sob o mesmo teto (por causa da educagáo dos filhos), praticam a separagáo de corpos. Visto que este par ticular de foro interno ou intimo escapa ao conhecimento do

grande público, a Igreja pede a tais pessoas váo receber os sacramentos em lugar onde nao sejam conhecidas, a fim de evitar o escándalo ou aparente mau exemplo. Passemos agora a outro tipo de medidas pastorais:

Blspos ou prelados com |ur¡sdicáo de Bispo.

— 446 —

ATITUDES PASTORAIS FRENTE AO DIVORCIO

2.

35

Prevenir.. .

Enumeraremos quatro atitudes: 1)

Apoio e amparo aos casáis

Quando se examinam as causas que levaram determi nado casal á ruptura, pode-se geralmente reconhecer que houve de inicio o desejo sincero de acertar e de construir um lar feliz. Todavía sobrevieram dificuldades e os compreensíveis problemas da vida conjugal, diante dos quais os esposos se sentiram desamparados e surpresos; nao contavam com isso, de modo que nao souberam ou nao puderam reagir de maneira adequada. Se tivesse podido contar com o apoio de amigos, o casal haveria superado a provagáo, saindo-se da mesma mais forte e enriquecido interiormente. Pode-se dizer que a contínuidade e a felicidade de um casal depende, muitas vezes, do círculo de parentes e amigos; em nao poucos

casos de naufragio, pouco teria faltado para evitar o desas tre. Nao basta recolher os que jazem feridos na estrada; é preciso também procurar estabelecer as condigóes que tornam os acidentes contornáveis ou evitáveis.

É, pois, benemérito o esforco das pessoas que se dedieam aos casáis em crise, procurando ajudá-los ñas dificuldades; este auxilio consiste em diálogo com os cónjuges aflitos, visando a fazé-los olhar com distancia para o problema e a despertar-lhes a consciéncia de que o desastre nao é inevitável, mas, ao contrario, é possível um novo recomego, talvez

ainda mais maduro e promissor do que o primeiro. 2)

Edúcamelo para o amor

Desde a infancia vai-se formando o adulto com seus pre dicados e aptidóes; é desde entáo que se prepara a felicidade de um homem, de urna mulher, de um casal... Isto se faz se o educador sabe suscitar em seus pupilos o amor aos bons costumes, de modo que estes sejam cultivados nao como dever,

nem como simples conveniencia social ou pragmática, mas como valores que merecem estima incondicional. Incuta-se nos adolescentes e nos jovens o genuino concertó de amor, que se distingue de egoísmo ou de procura do prazer e que na realidade é «querer construir o outro», e nao «querer o — 447 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

outro construido».

214/1977

Assim o (a) jovem se disporá a considerar

o casamento nao como um romance ou urna aventura, mas

como o cumprimento de urna missáo, que é gratificante pre cisamente pelo fato de ser exigente e desinstaladora. Tem-se falado muito de educagáo sexual nos últimos anos... Esta é necessária, pois a relagáo sexual também é urna linguagem que permite ao casal exprimir o seu amor e comunicar-se. Todavía é preciso evitar as ilus5es e deturpacóes. Urna informagáo sobre a realidade sexual dissociada

de formacáo ou de transmissáo de principios corre o risco

de preparar apenas «consumidores do sexo». Tal informagáo nao bastaría para facilitar aos esposos a abertura do coracáo e um relacionamento auténticamente humano. A arte de amar é mais ampia do que o uso do sexo: supóe educagáo do coragáo, maturidade afetiva, abertura ao outro tal como ele é, capacidade de ouvir e de dialogar. Ora tais valores

sao aprendidos ou conqistados paulatinamente. É preciso, pois, que desde a adolescencia (se nao desde a infancia) as pessoas sejam despertadas para os mesmos. Dizia muito sabia mente Saint-Exupéry: «Amar nao consiste em olhar um para o outro, mas em olharem juntos na mesma direcao. Nao existem verdadeiros colegas senáo a partir do momento em que

se unem pela mesma corda em direcáo ao mesmo cume, onde se encontram».

Esse «olhar na mesma diregáo» ou «em demanda do mesmo cume» insinúa que todo auténtico amor, em última análise, se dirige para Deus; nenhuma criatura é suficiente para outra criatura; só Deus é a resposta cabal para o cora gáo humano, de modo que através do amor conjugal os espo sos se auxiliam mutuamente a chegar ao Bem Infinito ou a Deus; esta trajetória nao pode deixar de ser inerente á própria vida conjugal. 3)

Preparacóo próxima para o casamento

É estranho que todos se preocupem com a aprendizagem necessária ao exercicio das tarefas técnicas ou profissionais e que poucos cuidem de se preparar para a mais humana das tarefas, que é a de ser cónjuge e pai (ou máe).

gáo

Para atender a tal carencia, existem cursos de prepara-

para o casamento,

principalmente — 448 —

ñas paróquias.

Sao

ATITUDES PASTORAIS FRENTE AO DIVORCIO

37

oportunos e altamente recomendáveis, desde que bem orien tados. Esclarecem os noivos no tocante á biología, á psico logía, ao direito, á Religiáo... a fim de que entrem na vida conjugal táo conscientes das suas tarefas quanto possivel. Todavía nao consütuem seguro absoluto contra os desafios que a vida de cada día acarreta aos esposos; o seu objetivo é suscitar nos jovens o desejo e as condigóes necessárias ao exercício de auténtico diálogo entre eles. Como quer que seja, é para desejar que se multipliquen! tais cursos e sejam minis trados por mestres idóneos, imbuidos dos principios da autén tica moral conjugal.

4)

Os meios de comunicajáo social

Se há grande número de casáis desajustados, isto se deve, em grande parte, também ao ambiente em que vivem e ás sugestóes que este propóe. Ora na formacáo do ambiente social tem enorme influencia os meios de comunicagáo social: a imprensa escrita (jomáis, revistas...), a televisáo, o radio, o cinema... apresentam diariamente ao público nao somente informagóes, mas também julgamentos de valor referentes ao

casamento, ao amor, á familia, á sexualidade, á limitacáo da prole, ao aborto, ao divorcio... Os anuncios publicitarios de sabonetes, roupas, cigarros... exploram figuras obscenas de maneira sempre mais insinuante... Ora diante dessa «escola» popular e subliminar, que sao os meios de comunicagáo social, os fiéis católicos tém obrigagáo de tomar posigáo na medida do seu possivel. Déem a saber aos responsáveis por tais meios que ao menos urna parte respeitável do público nao aceita a exploragáo do sen sualismo e da obscenidade; o envió de cartas de protesto aos respectivos programadores e produtores tem surtido efeito, e continuará a surti-lo, se for numéricamente expressivo. É, pois, também desta forma que aos cidadáos cristáos compete

atuar frente á onda de permissividade que a introdujo do divorcio está para acarretar ao Brasil. Apresentando estas ponderacóes, nao tencionamos esgotar o assunto, mas dar margem 'á reflexáo dos leitores sobre os problemas pastorais suscitados pela prática do divorcio no Brasil e despertar o zelo dos fiéis católicos pelo atendimento á nova situagáo. Os Srs. Bispos já se pronunciaram e continuaráo a se manifestar sobre táo grave questáo.

— 449 —

Questáo delicada:

vasectomia e casamento

O público foi surpreendido em agosto pp., quando os jornais divulgaram a noticia segundo a qual «a Igreja aceita os homens que escolheram a esterilidade», permitindo-lhe o casamento

até

mesmo

após operaclo

de

vasectomia.

«Jornal do Brasil» de 9/08/1977, Cad. B, p. 10.

Cf.

Eis o teor da noticia publicada em «O Globo» aos 3/08/77:

"Cidade do Vaticano (O Globo) — O Vaticano anunciou ontem que os homens que se submeteram a operacóes de vasectomia para se tornarem esteréis, poderáo casar-se na Igreja, introduzindo assim urna importante mudanca na legislagáo relativa ao matrimonio. A decisáo foi tomada pela Congregacáo para a Doutrina da Fé no último dia 13 de maio, mas só foi divulgada ontem.

Fontes da Santa Sé ¡nformaram que a nova posigáo da Igreja Católica contraria decisóes tomadas anteriormente pelo Tribunal Pontificio, que anulou casamentes quando o homem era estéril. O novo decreto, no entanto, está de acordó com a filosofia da Igreja sobre a impotencia masculina, razáo con siderada suficiente para a anulacao -de um casamento. As mesmas fontes destacaram, por outro lado, que, apesar

de permitir o casamento, a Igreja continua contraria a esteri-

lizagáo deliberada, de acordó com um decreto emitido há oito meses pela Congregacáo para a Doutrina da Fé". Apesar da observacáo final da noticia, nao poucos Ieitores julgaram que doravante a própria vasectomia e as intervenCóes cirúrgicas esterilizadoras seráo reconhecidas como legí timas, ao contrario do que proclamavam' a clássica praxe da Igreja e os ditames da Moral católica.

É o que torna oportuno esclarecer o assunto mediante as seguintes ponderacóes :

— 450 —

VASECTOMIA E CASAMENTO

1)

39

Antes do mais, é certo que a Igreja nao reconhece a

legitímidade da vasectomia ou de qualquer intervengáo cirúr-

gica que tencione diretamente esterilizar urna pessoa. Isto ficou bem claro quando o Governo de Indira Gandhi adotou essa tática; entáo os bispos da India levantaram a voz em protesto contra tal prática. Aínda recentemente a Santa Sé publicou urna Declaragáo contra as intervengóes esterilizantes

que vém sendo praticadas com freqüéncia crescente em hospitais dos Estados Unidos. Cf. PR 211/1977, pp. 292-302.

2) Acontece, porém, que aos homens tornados esteréis por vasectomia ou por alguma molestia1 era, até pouco tempo

atrás, denegada a possibilidade de casamento religioso. Caso viessem a se casar, o matrimonio era declarado nulo. Todavía

á mulher da qual fora extraído o útero (por motivo de doenga ou outro), o Direito Canónico nao proibia o matrimonio reli gioso. Havia, pois, disparidade de condigóes entre o homem e a mulher nesse particular, sendo o homem privado de um direito que nao era recusado á mulher.

3) Em vista disto, a Santa Sé resolveu extinguir a proibigáo de casamento religioso dos homens tornados esteréis, baseando-se no principio (já defendido por canonistas antigos) de que a potencia necessária para contrair matrimonio é a

potencia da cópula (potentia cocundi). Ora esta fica tanto no homem como na mulher que sejam esteréis. Eis por que a

Igreja houve por bem declarar legítimo o casamento de homens tornados esteréis.

É oportuno frisar bem que esterilidade nao é a mesma

coisa que impotencia. Esta consiste na incapacidade de praticar o ato sexual e constituí impedimento dirimente do matrimonio

religioso, ao passo que a esterilidade diz respeito apenas aos

resultados ou aos

efeitos da cópula praticada. Pode haver

potencia de cópula normal (potentia ooeundi) sem que haja fecundidade generativa (potentia generandi) ou sem que haja capacidade de emitir verum semen, verdadeira sementé vital humana.

iA cachumba, por exemplo, pode produzir InflamacSoo dos

vasos

deferentes do semen vital masculino; as paredes dos cañáis inflamados aderem entáo urnas as outras de manelra Irreverstvel, tornando o sujelto estéril. Algo de semelhante acontece em pessoas acometidas de gonorréia ou ble norragia. Todos os homens asslm atetados flcavam até época recente Inabilitados para o casamento religioso por todo o resto da sua vida. — 451 —

40

■tPERGUNTE E RESPONDEREMOS»

214/1977

4) Quanto as causas que tornam o homem estéril, caso sejam condenadas pela ética crista, ficam sendo ilícitas (a vasectomia praticada no intuito de esterilizar é sempre imo ral). A nova legislacáo da Igreja abstrai das causas da esterilidade, sobre as quais nao há alteragáo de juízo, e consi dera apenas a pessoa estéril, procurando assim dar o mesmo tratamento ao homem e á mulher neste particular.

5) A guisa de complemento e a fim de possibilitar ao leitor ainda melhor compreensáo da questáo, publicamos abaixo a traducáo brasileira do Decreto da S. Congregacáo

para a Doutrina da Fé, sobre o qual se baseia a noticia dos nossos jomáis:

SAGRADA CONGREGADO PARA A DOUTRINA DA FÉ DECRETO

A RESPEITO DA IMPOTENCIA QUE TORNA NULO O MATRIMONIO "A Sagrada Congregacáo para a Doutrina da Fé sempre sustentou que nSo se devem Impedir de casar-se os homens que tenham sofrldo a vasecto mia assim como outros homens postos em semelhantes condlcSes, visto que em tais casos n§o consta, com certeza, sejam Impotentes.

Ora, tendo em vista tal praxe e após prolongados estudos realizados por esta S. CongregacSo assim como pela Comlssao de Reforma do Dlrelto

Canónico, os Emlnentísslmos e Reverendísimos Padres desta Congregacao, na sessao ptenárla de quarta-felra 11 de malo de 1977, houveram por bem responder ás segulntes

dúvfdas que Ihes foram

propostas:

1) A impotencia que torna nula o matrimonio, consiste na Incapacidade (absoluta ou relativa) de realizar a cópula con]ugal, incapacldade anterior ao casamento e perpetua ?

2)

Em caso afirmativo, pergunta-se: para que naja cópula conjugal

requer-se necessarlamente a ejaculacüo de sfimen elaborado nos testículos? A prlmelra dúvida, a resposta é afirmativa. A segunda, é negativa.

E na audiencia de sexta-feira 13 dos mesmos mes e ano o Sumo Pontífice por Divina Providencia, Paulo VI, tendo recebldo o Prefelto desta S. Congregagio abalxo-assinado, aprovou o presente decreto e mandou publlcá-lo.

Dado em Roma, na sede da S. Congregaclo para a Doutrina da Fé, aos 13 de malo de 1977.

Francisco

Cardeal

Seper,

Prefeito

Jerónimo Hamer O.P., Secretario"

Como se vé, o texto do Decreto de Roma é muito mais simples e sobrio do que as noticias da nossa imprensa. Estéváo Bettencourt O.S.B. — 452 —

livros em estante A criado n§o é iim mito, por Domenico Ravallco. Traducao de Hono rio Dalbosco; revisao de Darci Helena Pires. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1977, 125 x 185 mm, 230 pp.

Na capa de frente do livro ácima, o titulo respectivo é inserido na

seguinte frase-: "Importantes descobertas da ciencia no mundo dos seres vivos nos demonstram hoje, como jamáis no passado, que A criacao nao

é um mito".

O autor percorre a estrutura somática dos seres vivos, anallsando-a do ponto de vista físico, químico e biológico, a fim de evidenciar ao leitor a grandeza vertiginosa dos seres vivos microscópicos. Sem dúvida, o exame dos tecidos vitáis atesta a realidade de urna Inteligencia Suprema que concebeu t§o estupendos artefatos e, por seu poder, Ihes deu a exis tencia. Daí dizer-se, com razao, que a nocao de criacao nao é um mito, mas é a expressáo da verdade documentada pela própria natureza. Assim mais urna vez se verifica que, se a ciencia moderna é para certos estudiosos o pretexto para abandonarem a Deus, para outros é, ao contrario, a confirmagSo das verdades da fé. Só se afastam da rellgiáo os que nao pro-

curam a sintese entre fé e ciencia ou que levianamente tém por ultrapassada a possibllldade do Transcendental; é, sim, a pouca ciencia que afasta de Deus, ao passo que a multa ciencia (ou simplesmente a ciencia genulnamente cultivada) leva a Deus. Eis um espécimen do teor do livro em foco:

"Dfz-nos a ciencia que o corpo humano adulto se compóe de um conjunto ordenado de 60 trilhSes de células vivas... Que é urna dessas células, urna só ? ... é Inteiramente semelhante a urna prodigiosa fábrica ultramoderna, Imaginável, nao, porém, projetável, Intetramente automatizada, portante em

condicSes de funcionar sem nenhuma Intervencao exterior e, além disso, capaz de controlar toda a própria atlvldade, ou se]a, dirigir-se. Seu diá metro ó de apenas um centesimo de milímetro em media, e nao obstante possui numerosas máquinas, mullos dispositivos, seccdes de producáo, cadeias de montagem e centráis energéticas. N5o é tudo. Essa fábrica tao fabulosamente complicada nao poderla funcionar nem existir, nao seria sequer tmaglnávet sem um centro dlretor, capaz de coordenar toda a alivtdade e de fornecer todas as Indlcacoes necessárias. A célula possuf, portante, o próprio centro diretor no seu núcleo. Esse centro está chelo de computadores adequadamente programa

dos. A programacáo ó gravada em fitas apropriadas. É o que também se

verifica em nossas fábricas, nossos bancos, nossos laboratorios científicos. Os computadores alcan$aram hoje a fase adulta, podem guiar urna sonda espacial ou dirigir urna siderúrgica.

é um "mllagre", urna vlsáo na qual o olho se perde atónito e a alma experimenta o tremor da comocáo. É a Criacáo que surge em toda a sua majestade no horizonte da consciSncia humana" (pp. 7-9).

— 453 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» A leitura da obra aprésenla novas e novas

contríbuindo repetidamente

obra do Criador e

para mostrar ao

214/1977

reflexóes

leitor a sabia

do

teor desta,

grandeza da

corroborar-lhe a fé no Senhor Deus. Eis por que se

recomenda vivamente o livro em foco, máxime a estudiosos de exigencias

¡nfe/ectuals e científicas.

O terceiro mundo e a terceira Igreja, por Walbert Bühlmann. Traducáo de Luiz JoSo Gaio. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976, 145 x 220 mm, 421 pp. O livro comeca por urna análise da situagáo sócio-económlco-política,

assim como do quadro reliigoso, dos paises que constituem o chamado "Terceiro Mundo" : parte da Asia, a África, a América Latina; é o mundo

em desenvolvimento. Grande parte dos povos que o Integram, emanciparam-se do colonialismo, mas nao conseguiram equilibrio interno, sendo mesmo vitlmas das conseqüéncias da próprla emancipagáo. Bühlmann firma suas observacóes com dados numéricos e estatisticas de grande importancia; conhece multo bem a historia civil e religiosa dos povos que menciona, referlndo panoramas que muito ajudam a compreender a situacáo descrita. A seguir, o autor mostra que a Igreja Católica ou, ao menos, o Cristia nismo (cristáos em ecumenlsmo) seria a resposta para as asplragóes dos jovens povos. Há muito, vém sendo evangelizados e oferecem cada vez mais á Igreja um ampio e receptivo campo de ag§o.

Postas estas afirmagSes, Bühlmann prop5e urna nova visSo de velhos

problemas. Julga que, para conseguir realizar a sua missSo entre os povos do Terceiro Mundo, a Igreja ainda tem que se adaptar amplamente fts condigoes do mesmo; as formas de cultura de cada regiáo deveriam ser levadas em fiel considerado; Roma deverla abrir mSo de grande parte da sua funcáo centralizadora, delxando mals autonomía á Conferencia Episcopal

de cada continente, de mais a mais que Roma já nao é o centro do mundo

como o fol até época recente; em nossos días, o centro da civilizagio e a hegemonía do mundo tendem a se deslocar para as térras do Océano Pacifico, ficando ao Japáo, á China, á Indonesia, ás Filipinas, á Australia e ao Ocidente da América do Norte a responsabilidade pelas sortes futuras da humanidade (cf. pp. 99s). Bühlmann considera aínda as escolas, os meios de comunlcagáo social, os problemas predlais e financelros... que

a Igreja deve enfrentar nos países do Terceiro Mundo, preconizando revisSo de atitudes e disciplina por parte das Instltuicóes eclesiásticas, a fim de que a Igreja possa realmente corresponder as expectativas humanas e religiosas de tais povos.

Que dizer a propósito ?

Por todo o teor do livro, transparece amor do autor á Igreja; ó, a quanto parece, um católico de convicgSo e erudlsSo. Aprésente perspecti

vas de conjunto e dados históricos que nao se encontram fácilmente na bibliografía congénere brasllelra. Atém-se ao campo teológico e pastoral, sem se delxar mover por Ideologías políticas. Apregoa medidas concretas que devem fomentar a evangelizacSo e a catequese dos povos do Tereelro Mundo... Estes tragos tornam a leitura multo interessante e Instrutiva. Todavía o estilo do escritor é, por vezes, demasiado pungente; as criticas, um tanto exageradas (pouco adequadas, por exemplo, sño as observagóes

referentes á absolvIgSo geral, p. 195). O problema da aculturagSo e da unldade da Igreja, como se sabe, já foi abordado, pelo Sínodo Mundial dos — 454 —

LIVROS EM ESTANTE

43

Bispos em 1974, evidenclando-se entSo a necessldade de cautela para evitar distanciamento entre os povos católicos.

Em suma, Bühlmann propóe rellexdes que, sem dúvida, merecem toda a atencáo dos estudiosos; contudo nao sejam tomadas como a última palavra no género, mas, sim, como estimulo a serla reflexSo sobre os desafíos que a Igreja enfrenta no Terceiro Mundo, dentro do qual Ihe pode tocar grandiosa missáo. Llbertacáo-Páscoa. Roteiro Catequéllco, pela Equipe Diocesana de Catequese de Santo Angelo (RS). — Ed. Vozes, Petrópolis 1977, nove fas cículos de 200 x 280 mm, 110/135' pp. cada qual.

Trata-se de um

Roteiro Catequético para as escolas do 19 grau, da

1? á 8? serie, sendo que a 3? serie tem, além do livro do aluno, o fivro do professor.

Por certo, nao é fácil elaborar urna obra de tal género, pois requer nao somonte conhecimentos de teologia, mas também os da psicopedagogia e da didática moderna. A leitura atenta de "Llbertacáo-Páscoa" sugere as seguintes ponderacSes:

1. Nao há dúvida, o Roteiro foi objeto de cuidado e carinho por parte dos autores. A apresentacao gráfica, o método didático, a variedade de textos citados e de cancdes apostas tornam a obra agradável aos usua rios e apta a facilitar a transmissáo do conteúdo. 2.

Sobre o conteúdo, porém, ocorre dizer:

2.1. É relativamente tenue do ponto de vista teológico. Os temas mais freqüentemente abordados sao amor e sacramentos. Sobre Deus em

si e sua vida trinitaria, pouca coisa se encontra. A pessoa e a doutrina de Jesús Cristo, como se acham nos Evangelhos, poderiam ser considerados mais detida e minuciosamente. Quase nada af se lé sobre os capítulos ini ciáis do Génesis e, em especial, sobre o pecado dos primeiros pais e a sua transmissáo (cf. fascículo n? 4, p. 42). Nada sobre os novíssimos (céu, inferno, purgatorio, jufzo final...) ...Nada sobre os anjos bons e maus...

No comentario sobre o terceiro mandamento da Leí de Deus, nao há mencáo direta do preceito da Missa dominical {cf. fascículo n
pontos concretos indispensávels á formacSo dos jovens (cf. ib. pp. 73-75).

Na falta dos fascículos 1 e 2 (esgotados), nlo se pode dizer se o plano

geral da obra ó proposto no fascículo n? 1; contudo tal plano nao aparece

a quem examina o conteúdo dos fascículos subseqüentes : qual seria a ordem de concatenacao dos temas sucessivos? Há repeticdes e hipertrofia de certos temas, com detrimento de outros, que serlam importantes.

2.2. A preocupacSo com a Insercao das verdades religiosas na realidade de hoje é válida. Todavía leva por vezes os autores a dar relevo excesslvo a tópicos laterais, como Radio, TV, cinema, música, divertimentos, esportes (cf. fascículo n? 5). 2.3. A questao social (injusticas, fome, guerras...) volta constante mente á baila. Entende-se que, com isto, os autores intencionaran) despertar

— 455 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 214/1977

a consciencia dos alunos, preparando-os a ser construtores de urna sociedade conforme ás normas do Evangelho. Todavía esta IntengSo é dema siado enfatlzada, e nem

sempre expressa

em terminología adequada ou

isenta de ambigüldades. Por exemplo, no fascículo n"? 8 tenham-se em vista os formularlos do Credo ás pp. 36 e 1113. o diálogo com Cristo á p. 82...

Ora é certo que a acSo do crisISo na política só poderá ser genulnamente evangélica se este receber sólida formacfio religiosa.

Em suma, os fascículos "Libertacáo-Páscoa" sSo menos unilaterais do que outros publicados na década de 1960. Contudo, parecem-nos insuficien tes como manual de formacao crista, visto que nao realcam adequadamente algumas das grandes verdades da fé crista. Sem dúvida, cada mestre, ao aplicar o Roteiro Catequétlco em sala de aula, pode dar á sua llcáo o conteúdo complementar que ¡ulgue oportuno. NSo se vé, porém, por que essa complementacáo nSo figura no maos para sua leitura e seu estudo.

próprio texto que o aluno tem em

A alegría pelo Evangelho, por Marcelle Auclalr. — Ed. Agir, Rio de Janeiro 1977, 138 x 210 mm, 154 pp.

Marcelle Auctair é escritora francesa que sabe exprimir com encanto as verdades da fé. Foi o que o público pdde apreciar em tres de suas obras

já traduzldas para o portugués: urna biografía de S. Teresa de Ávila e

dois escritos para a Juventude. O presente livro pretende despertar no leitor um conhecimento mais profundo e vivido do Evangelho: "Se os cristaos tomassem o Evangelho ao pé da letra como oitocentos mlinóes de chineses tomam o livrinho vermelho de Mao-Tse-tung, acontecerlam coisas multo interessantes neste planeta..." (p. 11). M. Auclair nao se preocupa com minucias da InterpretagSo científica do texto bíblico, mas procura em capítulos seletos do Evangelho o alimento para a vida espiritual de crlstSos e... nao cristaos (como a própria aurora o diz). Os seus comentarios servirao vantajosamente á meditagio tanto Individual como comunitaria.

A Rellgláo do Povo, por diversos autores. Cadernos do "Studium Theologicum" de Curítiba agregado á Universldade Católica do Paraná. Caderno rfí 5, 1976, 138 x 210 mm, 150 pp.

Este livro contém os trabalhos elaborados para a reflexSo da I Semana

de Teología do Estudantado Teológico dos Padres Claretianos de Curltlba.

Versa sobre tema que tem sido ricamente estudado nos últimos tempos,

pols os agentes de Pastoral procuram mais e mals conhecer a alma reli giosa do povo brasilelro, ao qual Cristo! Ihes Incumbiu a tarefa de comunicar a Boa-Nova: candura, exuberancia, credulidade fácil, preconceitos, folclore... sao elementos marcantes dessa religiosldade... A presente coletánea conta com a colaboracio de renomados mestres, como o sociólogo Pedro A Rlbeiro de Oilvelra, da PUC-RJ, o tólogo Pe. Alberto Antonlazzl, de Belo Horizonte, o blblista Pe. Joaqulm Salvador, de Sao Paulo... O

livro nBo tenclona propor conclusSes, mas, slm, as teses dos diversos con ferencistas, que se mostram ricas em dados de valor para o estudo ulterior e a prática pastoral. — Pedidos ao "Studium Theologicum" de Curltlba,

Av. Pres. Getúlio Vargas, 1193, Calxa postal 153 — 80000 Curitiba (PR). E. B.

— 456 —

CONDUZE-ME, Ó SUAVE LUZ !

CONDUZE-ME, O SUAVE IUZ ATRAVÉS DAS TREVAS QUE ME CERCAM, CONDUZE-ME TU SEMPRE MAIS ADIANTE !

A NOITE É RETINTA E ESTOU LONGE DA CASA. CONDUZE-ME TU SEMPRE

MAIS ADIANTE :

GUARDA MEUS PASSOS; NAO ROGO VER DESDE JA O QUE DIZEM QUE LA SE VÉ ; UM PASSO DE CADA VEZ JA É SUFICIENTE PARA MIM.

NAO FUI SEMPRE ASSIM. NEM SEMPRE PEDÍ

QUE ME GUIASSES SEMPRE MAIS ADIANTE. EU GOSTAVA DE ESCOIHER E DE OBSERVAR A MINHA TRILHA. AGORA, POREM : CONDUZE-ME TU SEMPRE MAIS ADIANTE.

EU GOSTAVA DOS DÍAS DE GLORIA, E, APESAR DOS RECEIOS, O ORGULHO REGIA A MINHA

VONTADE.

O ! NAO MAIS TE RÉCORDES DOS ANOS QUE SE FORAM !

POR MUITO TEMPO O TEU PODER ME ABENCOOU. POR CERTO ELE SABERA AÍNDA LEVAR-ME SEMPRE MAIS ADIANTE

ATRAVES DA LAMA E DO PANTANO, POR SOBRE A ROCHA

ESCARPADA E O FLUXO DA TORRENTE,

ATÉ QUE A NOITE PASSE E DE MANHÁ SORRIAM AS FACES DOS ANJOS DE QUE EU GOSTAVA OUTRORA E QUE PERDÍ DE VISTA POR ALGUM TEMPO.

CONDUZE-ME, O SUAVE LUZ, CONDUZE-ME TU SEMPRE MAIS ADIANTE

John

Cardeal

Newnan

POR FAVOR, AMIGO LEITOR, NAO ESQUECA : O ENDERECO DA ADMINISTRACAO DE PR JÁ NAO É O DA ED. LAUDES, MAS O DA UVRARIA MISSIONÁRIA ED., RÚA MÉXICO, 168-B, CASTELO, 20000

RIO DE JANEIRO

(RJ).

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