P rojeto PERGUNTE
E RESPONDEREMOS ON-LIN-E
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESEISTTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).
Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanca e da nossa fé '."
hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos
convenio com
d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
índice Pág.
HOMEM DE PALAVRA, HOMEM DA PALAVRA, HOMEM-PALAVRA ...
233
"Insaciavelmente saciado" (S. Agostinho)
FiEL CRISTAO, QUE ESPERAS EM DEFINITIVO?
235
Faio inédito?
CRISE NA IGREJA...
QUE SIGNIFICA?
246
Respeilo á consciéncia alheia e missáo:
A IGREJA AÍNDA É MISSIONÁRIA? PROMOVER OU EVANGELIZAR?
"CRISTÁOS ANÓNIMOS"?
252
Na a'ual renovacáo da Igreja:
ROMARIAS E PEREGRINACÓES JUSTIFICAM-SE?
263
Na escola da historia:
OS ANTIGOS CRISTÁOS BATIZAVAM CRIANCAS?
271
CARTAS AOS AMIGOS
262
279
COM APROVA5AO ECLESIÁSTICA
NO
PRÓXIMO
NÚMERO :
A Cristo com Igreja ou sem Igreja? O «terceiro homem». Evangelho e dignidad* da mulher. Israel, q-uem és após a vinda de Cristo? Jerusalém, a Cidade da Paz, e os nossos dias. X
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
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HOMEM DE PALAVRA
HOMEM DA PALAVRA HOMEM-PALAVRA Quando se diz a alguém «Seja homem!», o interpelado imediatamente compreende que se trata de assumir as suas res ponsabilidades e enfrentar problemas e desafios com denodo, até as últimas conseqüéncias. O brío, a honra, a lealdade da
pessoa humana sao assim interpelados, levando-a a reagir de pronto.
Quem nao responde ao apelo «Seja homem!», refugiando-
-se na covardia, ñas semiatitudes, nos «arranjos» ambiguos ou traigoeiros, é vulgarmente tido como «banana, Maria-vai-com-
-as-outras»... (o leitor desculpará os ecos da giria). Estas observagóes nos ajudam a ver profunda verdade: há urna atitude que caracteriza o homem pela base. Tal é o «ir até o fim», a coeréncia que nao tem medo do sacrificio, o amor á verdade ainda que esta exija renuncia, o horror á indefinigáo covarde... Quem cultiva tal atitude, de certo modo reconhece que existe algo maior do que o próprio cu; esse algo é a Ver dade e o Bem. Tal pessoa é capaz de se dobrar para servir a um ideal; ela nao se faz centro do universo.
Mais: se tal pessoa tem fé em Deus, ela encontrará mais e mais a Deus, pois Deus é a VERDADE e o BEM. — Se tal
pessoa nao tem fé, sua atitude humana ainda lhe será de gran
de valia: admitindo bens maiores do que o próprio eu, ela se vai encaminhando para Deus. Essa pessoa aceita ao menos, como ditame superior, a voz de sua consciéncia reta, sincera, aberta para a verdade...; ora a voz da consciéncia destituida de preconceitos vem a ser, em última análise, a voz de Deus para
o
respectivo
individuo.
Diz muito
sabiamente Henry
Bordeaux: «Um coragáo sincero está mais próximo da verdade do que o mais rico cerebro».
A mais lamentável de todas as situagóes em que se possa
achar alguém, é a de se fazer centro do mundo, ou seja, a de identificar a Verdade e o Bem com o que serve aos seus interes-
ses particulares, evitando assim dobrar-se e servir. Tal r-essoa é realmente «amorfa» ou sem definigáo. Esta ausencia de compromisso pode talvez parecer cómoda; todavía vem a ser motivo de tormento e angustia. Pode-se afirmar que o relati vismo nao é atitude humana propriamente dita, pois o homem (queira-o ou nao) foi feito para o Absoluto, para algo maior
do que ele mesmo ou, ainda, para sair de si ir.esmo. É em — 233 —
Outro, em Deus, que o homem encontra sua verdadcira razáo de ser e sua realizagáo. É na base destas reflexóes que desejamos comunicar aos nossos leitores um íeliz jogo de palavras, através do qual se exprime gradativamente o ideal do homem e — mais aínda — o do cristáo: HOMEM DE PALAVRA, HOMEM DA PALAVRA, HOMEM-PALAVRA.1
HOMEM DE PALAVRA... Estamos no plano básico. Homem de palavra é o homem de que falávamos atrás: sincero, dotado da coragem devida para tirar as últimas conseqüéncias de suas atitudes e opgóes... Homem para quem Sim é Sim, Nao é Nao (cf. Mt 6,37).
HOMEM DA PALAVIÍA... Geralmente o artigo definido anteposto a «Palavra» significa a PALAVRA de Deus, que é a paiavra por excelencia,... aquela que, tendo ressoado atra vés dos Profetas e de Jesús Cristo, se acha hoje viva ñas Es crituras Sagradas e na S. Igreja. O homem da Palavra é aquele que, atingido pelo Evangeiho e pela regenerado batismal, se torna arauto dessa Palavra. De modo especial, o apostólo
leigo, Religioso ou Sacerdote — vem a ser homem da Pala
vra.
HOMEM-PALAVRA... Caiu a partícula intermediaria,... parecem coincidir homem e Palavra! Esta nova expressáo de signa o máximo gran possivel de identificagáo com a Palavra de Deus,... com aquela Palavra que se fez carne e habitou entre nos: Jesús Cristo. Homem-Palavra é o cristáo (ou a crista) que viva até as últimas consecuencias a sua fiiiagáo divina, de modo a í'aiar realmente (s^m afetagáo e com humil-
dade) por todo o seu teor de vida. Penetrado profundamente
pela graga divina, tal cristáo em tudo irradia o Cristo. — O
sacerdote, que em sua alma recebeu o caráter (ou a marca sa cramental) de Cristo Sacerdote, é, de modo especial, chamado a ser HOMEM-PALAVRA.
Ao leitor amigo fica entregue nestas poucas linhas todo o
programa de construgáo do homem (Homem de palavra) e do
cristáo (Homem da Palavra e Homem-Palavra).
O mes de junho é tradicional mente devotado ao Cristo Jesús, cujas riquezas intimas sao simbolizadas pelo Coragáo,...
Coragáo manso e forte como nenhum outro. Que o Coragáo de Cristo, especialmente celebrado nestes dias, se torne modelo e penhor de plena realizagáo humana e crista para todos quantos nele contemplaren! o seu ideal! E.B.
Esta trilogía já lem sido explanada em Retiros Espiriluais.
— 234 —
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Ano XIV — N' Ió2 — Junho de 1973
"insaciavelmente saciado" (S. Agostinho)
fiel cristáo, que esperas em definitivo? Em sintese: A Escritura Sagrada aprésenla a sorte postuma dos justos (purificados de todo resquicio do pecado) como sendo a vida eterna. Um dos elementos principáis desta é a visáo de Deus face-a-face, visáo que nao se reduz a urna atitude meramente intelectual ou platónica, mas implica um Inlerrelacionamento pessoal entre a criatura e o Criador. Note-se, alias, que nao o acume da inteligencia, mas a intensldade do amor a Deus abrirá o olho da mente para a visao da Beleza Infinita; o amor dará a medida da visSo — o que mostra quao distante está a concepcSo crista do pla tonismo e do intelectualismo. Pode-se, pois, dizer que a vida eterna signi fica a entrega mutua da criatura ao Criador e do Criador á criatura, en trega que dará resposta ás aspiracSes mais espontáneas do ser humano.
A posse de Deus por parte da criatura já comeca aqui na térra, pois a graca santificante, existente nos justos, é dita "a sementé da vida eterna" (cf. 1 Jo 3,9). Esta sementé tende a se desenvolver, levando o cristSo á experiencia mística — o que nao quer dizer visoes e éxtases, mas, sim, o conhecimento deleitoso de Deus que se deriva da afinidade da alma com
Deus. A vida celeste nSo será senao a consumacSo da vida de uniSo com
Deus iniciada nesta peregrinagSo terrestre. •
*
•
Comentario: A fé promete ao cristáo (purificado de qual-
quer resquicio de pecado) o que se chama «céu» ou a vida
eterna sumamente feliz. Todavía a maneira de se conceber a bem-aventuranca postuma é, por vezes, vaga e insuficiente. Daí a impressáo de que o céu possa ser fastidioso, quando na realidade é a posse deleitosa do Sumo Bem. Faz-se mister, portanto, tragar com clareza as grandes linhas com que a Sagra da Escritura e a teología apresentam a recompensa eterna dos justos.
T.
«Vida» nes páginas bíblicas
A Escritura Sagrada designa enfáticamente o estado final dos justos como «vida» ou posse da vida. 1)
No Antigo Testamento, «vida» é um dos termos que
mais freqüentemente caracíerizam Deus. Este é o Deus vivo — 235 —
4
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS*
1G2/J973
(cf. Dt 5,23; Jos 3,10; Jer 23,36), o eternamente vivo (cf. Dt
32, 40; Dt 12,7; Eclo 18,1), em oposicáo aos ídolos, que sao mortos (cf. SI 134, 15-17. Hab 2,19). O israelita jura pela vida de Deus
(43 vezes ocorre a fórmula
no
Antigo
Testa
mento) e Deus mesmo antropomorficamcnto jura por sua vida (cf. Is 49,18).
Em conseqüéncia, o homem que procura a Deus, vive e
vivera. Tenha-se em vista a palavra do profeta Amos:
"Asslm diz o Senhor á Casa de Israel: "Buscai-Me e vi veréis';... Buscal o Senhor e vivereis...
Buscal o be.m e nao o mal, para que viváis" (S, 4.6.14).
Vida, neste contexto, tem sentido pregnante: nao designa
apenas existencia, mas um conjunto
c'o bens
que
tornam a
vida feliz. Nos últimos escritos do Antigo Testamento ocorre mesmo
a idéia de que os justos ressuscitaráo para a vida eterna: "Multo» dos que dormem no pó da Ierra, acordaráo, uns para a vida eterna, outros para a ignominia, para a reprovacáo ete:na" (Dan 12,2).
«Vida eterna», nesta passagem, nao é somente vida sem fim, mas é vida em plenitude de bens e em intimidade com Deus. Note-se também a afirmacáo do salmista: "Ensinar-me-eÍ9 o caminho da vida; dlanle de Vos, há plenilude de alegría; á vossa destra, delicias eternas" (SI 15,11).
2) Nos Evaníjelhos, a expressáo «vida eterna» c freqücnte Observa-se, porém, que os sinóticos (Mt, Me e Le) a apresentam como algo de futuro ou postumo (cf. Mt 19,16; 25,46; Me
10,17), ao passo que Sao Joáo acentúa que já na térra se inicia
a vida eterna: "Quem eré no Filho, possui a vida eterna" (Jo 3,36); "Quem eré, tem a vida eterna" (Jo 6,47).
Merece atencáo o comentario de A. Charue: "Urna vfda nova nos invadlu, principio permanente de aüvidade sobre natural, que tende ao desabrochamento celeste. Nosso Senhor fala déla sob o símbolo de urna fonte de agua que jorra para a vida eterna (el. Jo 4,14). Joio adota a imagem da sementé, do germen, que sugets a idéia de urna atlvldade oculta, aínda comprimida, embora já orientada para o seu desabrochar e radicalmente incapaz de efeilos contrarios á sua na'ureza" ("Les Epilres Catholiques", em "La Sainte Bible" de Pirot-CIamer, t. XII, París 1951, 3? ed., p.
538).
_ 236 —
A
VIDA
ETERNA
Ta] é o paradoxo da vida crista: a vida eterna já nao é futura, mas presente; é um comego, porém, que ainda deve chegar á plenitude. A vida eterna, possuída neste mundo, implica a ressurreicáo dos corpos no di a do juizo final: "Esta é a vonlade de meu Pai: que lodo aquele que vé o Filho e nele
eré, tenha a vida eterna, e eu o ressuscltarel no último día" (Jo 6,40).
"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eteina, e eu o ressuscilarei no último dia" (Jo 6, 55).
Esta doutrina é ilustrada, em Sao Joáo, pela imagem da sementé. A vida eterna, aqui na térra, é como um germen que
se vai desabrochando em árvore: "Todo aquele que nasceu de Deus, nao comete pecado, porque a se menté de Deus permanece nele" (1 Jo 3, 9).
Vejamos agora como os autores do Novo Testamento concebem a posse da vida eterna.
2.
A vida consumada segundo o Novo Testamento
Podem-se depreender, no Novo Testamento, alguns ele mentos que caracterizan! a vida eterna consumada. 1)
Inlimidade com Deus
A vida eterna, no Antigo Testamento, consiste em ser arrebatado por Deus (cf. SI 72,23-26). No Novo Testamento é «estar com Cristo» (Flp 1,23) ou «estar sempre com o Senhor» (1 Tes 4,17). 2)
Visóo de Deus face-a-fcice
A intimidade com o Senhor implica a intuicáo direta da Beleza Infinita. Notem se os dois textos clássicos: a) 1
Jo 3,2:
"Caríssimos, desde
agora somos filhos de
Deus, mas ainda nao se manifestou o que seremos. Sabemos, porém, que, quando se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é". — 237 —
6
tPERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
162/1973
Os exegetas indagam qual seja o sujeito da frase «quando
se manifestar»: será o mesmo dos dizeres anteriores («o que seremos») ou Cristo? — Em qualquer hipótese, o texto prediz
explícitamente um «ver a Deus como Ele é», ou seja, sem in termediario, sem véu.
b) 1 Cor 13,12: "Agora contemplamos através de um espeIho, confusamente, mas depois veremos face a face. Agora
conheco em parte; depois conhecerei perfeitamente, da mesma maneira como eu sou conhecido".
Este texto tem sentido nítidamente escatológico
(isto é,
tem em vista uma realidade que só se dará no fim dos tempos), pois opóe duas vezes «agora» e «depois». «Contemplar por meio de um espelho» designa o conhecimento de Deus a que os homens chegam mediante as criaturas (o mundo visível é
como que um espelho do Criador). A esta contemplacáo me diata opóe-se a visáo face-a-face, ou seja, a visáo de Deus em
si mesmo, visáo nao confusa, mas clara, que pode ser ilustrada pela intuigáo que Deus tem de cada uma das suas criaturas
(«como eu sou conhecido por Deus»). — De resto, a expressáo «face-a-face» ocorre já no Antigo Testamento para designar proximidade e intimidade; leve se em conta Éx 33,11: «Javé falava com Moisés face-a-face, como um homem conversa com seu amigo». 3)
Amor a Deus
A intimidade com Deus será possibilitada e nutrida pelo
amor a Deus (que supóe na Biblia o amor de Deus ao homem).
«A caridade jamáis acabará», diz Sao Paulo (1 Cor 13,8), ao
passo que a fé e a esperanga desaparecerlo.
A fé cederá á
visáo; a esperanga, á posse, enquanto a caridade nao mudará de natureza, quando atingirmos a gloria definitiva.
4)
Complacencia e deleite
As idéias de felicidade e alegría decorrem dos elementos
anteriores. Estar unido a Deus é fonte de ¡menso deleite, se gundo a Biblia. Tenham-se em vista os textos seguintes:
Mt 25,21: «Entra no gozo do teu Senhor». Esta expressáo
alude provavelmente á imagem
das nupcias ou do
— 238 —
banquete
A
nupcial para o qual
VIDA
sao
ETERNA
convidados
os
fiéis
servidores
do
Senhor.
Em Le 22,29s, a imagem do banquete (símbolo de prazer
e felicidade) ocorre explícitamente: «Eu vos preparo o reino,
como o Pai o preparou para mim, para que comáis e bebáis á mincha mesa, no mcu reino». O banquete, em outros textos, é banquete de nupcias, como na parábola das dez virgens (cf. Mt 25,1-10).
A felicidade do cristáo resultante da uniáo com Cristo deve comunicar-lhe equanimidade face as tribulagóes que o cercam: «Nao se perturbe o vosso coragáo. Crede em Deus; crede também em Mim» (Jo 14,1). 5)
Perenidade
A duracáo, sem fim, dessa felicidade é repetidamente ates tada pela Escritura. Além da expressáo «vida eterna», merecem atengáo os dizeres de Sao Paulo:
"Sabemos que, se esta tenda, nossa morada terrestre, (or destruida,
temos urna casa que é obra de Deus, morada que n3o ó felta pela mao dos homens, mas é eterna e está no céu" (2 Cor 5,1).
"Todos aqueles que tomam parte no certame, abstem-se de tudo. Eles,
para obter urna coroa corruptivel; nos, pelo contrario, urna coroa Incorruptível" (1
Cor 9,25).
Vejam-se também 1 Pe 5,4; 1 Tes 4,17; Apc 21,4 e Le 16,9 («moradas eternas»). A Tradigáo crista e a teología procuraram penetrar os dados fornecidos pela S. Escritura a respeito da bem-aventuranga final. O Magisterio da Igreja fez eco á voz constante dos cristáos em algumas definigóes de fé, que passamos a con siderar.
3.
O testemunho do Magisterio
O Papa Bento XII promulgou em «Benedictus Deus», em que afirmava:
1336 a Constituigáo
"Os bem-aventurados vlram e véem a esséncla divina em visáo Intui
tiva ou face-a-face, sem que a vIsSo de alguma criatura se interponha; a
esséncla divina se Ihes mostrará [mediatamente sem véu, clara e aberta-
— 239 —
8_
«PERGUNTE
mente.
E
RESPONDEREMOS»
162/1973
Vendo-a, nela se deleltam; por tal visao e fruicáo, as suas almas
sao realmente fellzes; possuem
a vida e
•SchSnmetzer, Enquirfdio n? 1.000s).
o repouso
eterno"
(Denzinger*
O Concilio de Florería em 1439 promulgou semelhante de-
claragáo, acrescentando-lhe alguns pormenores: "Os
bem-avenlurados
véem
claramente
o
próprlo
Deus em
sua
Uni-
dade e Trindade, como Ele é; uns, porém, véem mals perfeilamente do que outros, conforme a diversidade de méritos de cada qual" (ib. n? 1.305).
Os documentos posteriores do Magisterio, ao tratar do assunto, referem-se a essas duas declarares fundamentáis.
Assim, por exemplo, o Concilio do Vaticano II faz eco ao de Florenca: "Até que o Senhor venha em sua majestade,... alguns dentre os seus discípulos peregrinam na térra, outros, terminada esta vida, sao purificados, enquanto outros sao glorificados, vendo claramente o próprio Deus Trino e Uno, assim como Ele é" (Const. "Lumen Gentlum" n? 49).
A idéia de «visáo de Deus», táo insistentemente incutida pelo textos bíblicos e pelo magisterio da Igreja, suscita agora ulteriores reflexóes.
4.
Ver. . . : alegría ou tedio ?
O desejo de ver a Deus moveu o homem religioso em todos os tempos; tanto as tribos primitivas como os povos civilizados pré-icristáos manifestaram tal aspiragáo. Em Israel mesmo, Moisés pediu certa vez ao Senhor: «Mostra-mc a tua gloria!» Ao que o Senhor respondeu: «Fago graga a quem a fago, e fago misericordia a quem a fago... Nao poderes ver meu semblan te, pois o homem nao me pode ver e permanecer em vida» (Éx 33,18-20).
Eis, poróm, que Jesús Cristo anunciou: «Bem-avcnturados aqueles que tém o coragáo puro, porque veráo a Deus!» (Mt 5,8).
O homem
contemporáneo, porém,
nem sempre se deixa
empolgar por tal perspectiva. «Ver a Deus» parece-lhe ter um
sabor estático e platónico, que bem correspondía a índole e as aspiragóes dos antigos, mas já nao satisfaz ás tendencias do homem moderno, que é dinámico e difícilmente se contenta com mera contemplagáo.
— 240 —
A
VIDA
ETERNA
O filósofo espanhol Miguel de Unamuno fez-se intérprete desse modo de pensar: "Urna vlsao beatílica, urna contemplado amorosa, na qual a alma este ja absorvlda em Deus e como que perdida nele, aparece ao nosso modo natural de sentir como o aniquilamento do ser humano ou como um tedio prolongado. Dai a atitude que observamos com freqüéncla a que já se formulou mals de urna vez em oxpressSes satíricas, nao Isenlas de irreve
rencia e mesmo do Impledade,... exprassfies segundo as qual» o céu da gloria eterna ó urna morada do eterno aborrocimento. N3o adianta querer menO3prezar estes sentlmentos táo espontáneos e nalurals, nem p<e!ender recriminá-los" ("Del sentimiento trágico de la vida" c. 10).
Diante destas observagóes deve-se salientar o seguinte: Entre os elementos constitutivos da vida eterna, está a intimidade com Deus ou a intima posse de Deus por parte da criatura. Este elemento é de importancia capital. — Ora
Deus nao é urna coisa ou um ente neutro, mas um Ser pessoal. Urna coisa, um objeto neutro podem ser possuídos desde que encerrados á chave em um aposento ou cubículo. Quem tentasse possuir desse modo urna pessoa, nao a possuiria como pessoa, mas como coisa. As pessoas só se possuem mediante um interrelacionamento, em conhecimento e amor mutuos.
Por conseguirte, Deus há de ser possuído de tal modo na vida eterna: o conhecimento e o amor que desde toda a eternidade Deus tem a respeito de cada criatura, suscitam, da parte desta, urna resposta viva, direta, que envolve toda a personalidade do ser humano. Esse interrelacionamento — que é doacáo mu tua — é o que possa haver de mais correspondente a estrutura o as aspiragóes espontáneas da alma humana.
Ponha-se, pois, de lado o conceito de que a vida eterna, no sentido cristáo, seja algo de enfadonho. Ela nao se equipara
ao ideal platónico meramente intelectual, mas significa plena realizacáo do ser humano.
Deve-se mesmo observar o seguinte: a capacidade de ver a Deus face-a-face estará condicionada nao pelo acume intelec tual da criatura (pois, neste caso, as criaturas dotadas de inteligencia mais aguda seriam no céu mais premiadas do que outras, de inteligencia menos penetrante). O que habilita a criatura a entrar em contato face-a-face com Deus, é o grau de amor a Deus e ao próximo com que essa criatura termina a presente peregrinaráo. Onde há mais amor a Deus, há mais desejo de ver e possuir a Deus, e é a este desejo que o Senhor se digna corresponder, manifestando-se a criatura no céu. — 241 —
10
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS*
162/1973
Estas verdades nos habilitam a dizer que no céu há graus diversos de bem-avenluranga, ou seja, de posse e visáo de
Deus: aqueles que morrcm mais ricos de amor, veráo a Deus com mais perspicacia § nitidez e se deleitaráo nessa intuigáo, ao passo que as criaturas menos ricas de amor menos penetraráo em Deus. É, de resto, o que ensina o Evangelho quando diz: «Na casa de meu Pai, há muitas mansóes» (Jo 14,2). De maneira geral, pode-se afirmar: frente a Deus é o amor que mais e mais abre o olho da alma e apura o conhecimento. Homens de capacidades naturais muito limitadas podem chegar a eminente grau de intuigáo de Deus, neste mundo
e na vida celeste, ao passo que criaturas muito talentosas, do ponto de vista humano, pouco entendem das coisas de Deus:
o grande amor sobrenatural existente naqueles, e nao nestas, abre o olho da mente para os misterios de Deus. Estas proposigóes seráo ulteriormente esclarecidas no pa
rágrafo que se segué:
5.
Questoes complementares
Restam algumas observagoes a fazer sobre o assunto. 5.1.
Todo, sim ; totalmente, nao !
Deus é infinitamente perfeito, por definigáo. Sendo assim, a inteligencia criada deveria possuir urna capacidade infi nita para poder conhecer a Deus tanto quanto Ele pode ser conhecido. Ora capacidade infinita numa criatura é algo de contraditório, já que toda criatura é limitada. Em conseqüéncia, diz a teología:
Na visáo celestial, os justos véem Deus todo, mas nao o véem totalmente. Expliquemo-nos:
Véem Deus todo... Deus nao tem partes (toda parte signi fica limitacáo); é simplicíssimo. Por isto nao se pode ver Deus flm parte no face-a-face celeste. Ve-se Deus todo.
Nao totalmente... Deus também é infinitamente perfeito; por isto é inteligivel em grau infinito. Em conseqüéncia, ne— 242 —
A
VIDA
ETERNA
11
nhuma inteligencia criada está á altura de conhecer a perfeigáo
divina de maneira exaustiva; somente a inteligencia divina é apta a conhecer exaustivamente a infinita perfeicáo de Deus.
Com outras palavras: nada há em Deus que nao seja con templado pelos justos no céu, mas nada há em Deus que seja contemplado táo perfeitamente quanto é contemplável, em toda a sua riqueza de ser. Os bem-aventurados véem o Infinito,
sabem que Ele é o Infinito, mas nao O conhecem de maneira infinita. Isto quer dizer que Deus so nao é novo para Si; para qualquer criatura Ele é e será eternamente novo e surpreendente, como insinúa S. Agostinho: «Serás insaciavelmente sa ciado pela verdade! — Iiisatiabiliter satiaberis veritate». 5.2.
Vida
eterna iniciada no tempo
Como foi dito atrás, a vida eterna, em seu estado consu mado, nao é senáo a posse de Deus, que se dá á criatura como objeto imediato de visáo, amor e deleite. Ora a mesma realidade já ocorre, em face inicial ou embrionario no homem justo posto em peregrinacáo na térra; Deus, o dom incriado, se dá a todo ser humano que esteja em graca santificante (isento de pecado grave). As virtudes ditas «teológicas», que acompanham a graca santificante, póem a criatura em contato com Deus de modo sobrenatural (ou de modo que ultraassa as exigencias da natureza):
— a fé eleva a inteligencia do homem
a
ver as coisas
como Deus as vé; — pela esperanza, a vontade do homem se dirige para Deus como objeto de seu desejo;
— pelo amor, a vontade se volta para Deus como objeto de benevolencia.
Durante a peregrinacáo do homem sobre a térra, o ger men da graga santificante (com suas virtudes concomitantes) deve desenvolver-se paulatinamente, de modo que o «possuir a Deus» se torne cada vez mais saboroso. Todo cristáo é nor malmente chamado a fazer a experiencia mística de Deus; esta nao significa éxtases, nem visees, mas urna profunda tomada de consciéncia de que Deus habita na alma do justo. Esta — 243 —
12
R
RESPONDEREMOS-
162/1973
tomada de consciencia é possibilitada pelo amor crescente; é o ¡.■mor que dá afinidade com Deus e assim proporciona novo modo de conhecer o Sonhor (conhccimenlo por afinidadc ou por naturalidade). Todo este processo terrestre desemboca na visáo celestial face-a-face. Notc-se que entre a bem-avcnluranga dos justos no cóu e a vida em graga na térra nao há diferenca essencial, pois tanto numa como noutra Deus é a Grande Presenga, capaz de deleitar e saciar o cristáo na medida em que este se converte para Deus e se torna, por sua vez, presente a Ele mediante a sua fé viva e o seu amor ardente1.
Deve-se, pois, dizer que, para os justos, a vida eterna comega no tempo presente. Quando ola estiver consumada, a fé se converterá em visao de Deus, a esperanga (désejo) se mu dará em deleite derivado da plena posse de Deus. Quanto ao amor, permanecerá (intensificado, porém, pois corresponderá ao conhecimento mais claro que o justo terá de Deus). 5.3.
Vida eterna e consciéneia pessoal
Hoje em dia, por influencia do budismo e do panteísmo, póe-se a pergunta: conserva-se a consciencia pessoal do indivi duo na gloria eterna?
A resposta crista é positiva. Se a vida eterna é comunháo entre pessoas, ela supóe a realidade das pessoas relacionadas entre si, realidade que incluí consciencia pessoal.
Mais: nao ficará apenas um núcleo de consciencia pessoal (ou a alma só) na eternidade, mas posso dizer que, após a consumagáo dos séculos, todo o meu eu (também com sua par te corpórea ou material) entrará em comunháo pessoal com
Deus. O Cristianismo afirma que também o corpo humano — urna vez ressuscitado, — participará da bem aventuranga eter na.
O panteísmo, afirmando que a consciencia individual se
dissolve na substancia neutra do universo, dei.xa de correspon
der a aspiragáo mais espontánea do instinto de conservado: 1 Deus está presente, de modo próprio, a toda alma em graca santifi cante. Infelizmente, porém, multas vezes a criatura nao Lhe dá a atencáo devida; vive longe de si mesma, distraída, sem jamáis entrar em si pelo recolhimento. Reconhendo-se, a criatura encontra-se consigo mesma e com Deus.
— 244 —
A
VIDA
ETERNA
13
permanega eu! Se me dissolvo em urna realidade neutra «superconsciente», nao permaneeo eu, mas deixo de existir eu. Conservando sua consciéncia pessoal, o justo no céu con servará os vínculos de amor e afinidade espiritual que o prendem a seus familiares, amigos, mestres, discípulos, etc.
Eis, em grandes linhas, o que corresponde á afirmagio de
Sao Paulo: «O olho nao viu, o ouvido nao ouviu, jamáis passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam» (1 Cor 2,9).
Estas páginas muito devem ao estudo de C. Pozo: "Teología del más allá", em "Biblioteca de Autores Cristianos" n° 282. Madrid, 1968, pp. 136-172.
Cf. também
E. Bettencourt, "A vida que comeca com
a morte". Rio
de Janeiro 1958, pp. 61-79.
X
Palavras-desaffo de Valéry, incrédulo, em seus "Carnets": "SE DEUS EXISTISSE, SE EU PUDESSE CRER QUE ELE EXISTE, EU SERIA PERPETUAMENTE FELIZ. EU NAO ME PODERIA INTERESSAR POR OUTRA COISA QUE NAO ELE. EU ME SENTIRÍA CERCADO DE TERNURA E PROTECÁO. OS PRAZERES DO MUNDO NADA SERIAM, A MORTE NADA SERIA. SE EU SOUBESSE QUE DEUS EXISTE, SE MINHA VIDA FOSSE APENAS O DIFERtMENTO DO MEU ENCONTRÓ COM ELE, MESMO QUE ESSA VIDA FOSSE DOLOROSA, ELA SE RIA SUAVE, COMO A LONGA ESPERA DE UMA MULHER BEM-AMADA, DE QUEM EU ESTARÍA CERTO DE QUE ELA CHEGARIA. SE DEUS EXISTISSE, PARECE-ME QUE EU SERIA NATURALMENTE BOM PARA TODOS... SE DEUS EXISTISSE,
PARECE-ME QUE AS MINHAS FALTAS SERIAM ABSORVIDAS NELE E PERDOADAS DESDE QUE EU AS RECONHECESSE COMO FALTAS... MAS TUDO OCORRE NO MUNDO, E MESMO ENTRE AQUELES QUE CRÍEM EM DEUS, COMO SE DEUS NAO EXISTISSE".
— 245
Fato inédito?
crise na igreja.., que significa? Em síntese: Nao é esta a primeira fase difícil que a S. Igreja conhece na sua longa historia: os séc. IV/V, X, XVI e XIX também foram arduos; Deus, porém, quis, precisamente nessas fases, suscitar numerosos santos, que, pela sua prece e sua acáo, marcaram a respectiva época. Em conseqüéncia, pode-se dizer que atualmente a resposta que a Igreja pode e deve dar á sua crise incluí necessariamente urna exortacáo dirigida a seus filhos para que procurem tornar-se mais santos. Esta exortacáo, alias, foi enfáticamente formulada pelo Concilio do Vaticano II. A Igreja precisa de santos: santos sabios e técnicos, ou santos sem titulo humano algum. A santidade tem suas notas constitutivas constantes: espirito de oracáo, amor a Deus e ao próximo, abnegacáo e renuncia a si mesmo.
Comentario:
Sao
muito
freqüentes
as
observagóes
de
pessoas surpresas em vista da situacáo religiosa de nossos dias. Nao poucas mostram-se perplexas e acabam por abandonar a S. Igreja. Outras procuram luz e torga para prosseguir no caminho encetado e viver com alegre convicgáo a sua vocagáo crista.
Ñas páginas que se seguem, proporemos algumas consideragóes ao problema, que poderáo contribuir para se configurar urna resposta á problemática religiosa de nossos tempos. Nao pretendemos abordar o assunto sob todos os aspectos, mas apenas propor algumas reflexóes aptas a orientar o comporta-
mentó dos fiéis católicos.
1.
Urna observa gao curiosa
Inegavelmente, a S. Igreja passa por urna fase difícil de sua historia. A crise resulta de fatores diversos e inéditos, que concorrem para tornar mais impressionante o quadro geral. Todavía note-se que nao é esta a primeira crise que a Igreja atravessa. Fale a historia:
Nos sáculos IV e V a Igreja sofreu o abalo da heresia ariana1, a respeito da qual dizia S. Jerónimo em termos hiper'O chamado "arianismo" (doutrina de Ario de Alexandria) negava que
o Verbo ou o Filho de Deus fosse Deus como o Pai; subordinava o Filho ao Pai.
— 246 —
CRISE
E
SANTIDADE
NA
IGREJA
15
bólicos: «Ingemuit totus orbis et arianum se esse miratus est. — O mundo inteiro gemeu, admirando <se por se ter tornado ariano» («Contra Luciferianum» n« 19).
O séc. X foi chamado «o século obscuro» ou «o sáculo de ferro» da historia da Igreja, porque o Papado foi vítima das familias nobres de Roma e dos arredores e o nivel de vida
moral dos cristáos baixou consideravelmente. O Sínodo de Trosly, perto de Laon, celebrado em 909 lamentava: «O mundo está cheio de imoralidade e de adulterio, de devastagáo de igrejas, de assassinios e de opressáo dos pobres». No séc. XVI deu-se a crise do humanismo naturalista e da
Reforma protestante.
Ainda no séc. XIX a Igreja conheceu a borrasca do ra cionalismo e do materialismo; a ciencia parecía estar em con-
flito com a fé.
Ora observa-se que a Providencia Divina quis suscitar precisamente nos mesmos periodos um número relevante de santos. Com efeito, os séculos referidos foram dos mais ricos em santos na historia da Igreja.
Os séculos IV e V, por exemplo, foram marcados por gran
des doutores da Igreja e bispos, como S. Ambrosio, S. Agos-
tinho, S. Jerónimo, S. Hilario, S. Leáo Magno, S. Atanásio, S. Basilio, S. Gregorio de Nazianzo, S. Efrém, S. Cirilo de Alexandria, S. Joáo Crisóstomo, que deixaram obras teológicas fundamentáis.
No século X Deus quis suscitar grandes vultos que manti-
veram viva a consciéncia moral dos cristáos. Tais foram os
bispos S. Ulrico de Augsburgo, S. Conrado e S. Gebardo de
Constanca, S. Adalberto de Praga, S. Burcardo de Vórmia, os
abades de Cluny S. Odáo, S. Majólo, S. Odiláo, S. Hugo... No século XVI foi particularmente notável o surto de san
tos, entre os quais figuram S. Carlos Borromeu, S. Filipe Néri,
S. Inácio de Loiola, S. Francisco Xavier, S. Tomás Moro, S. Pió V, S. Joáo da Cruz, S. Teresa de Ávila, S. Ángela Mérici, S. Antonio María Zacarías... Contam-se mais de trinta santos
canonizados nessa época.
Também o séc. XIX conheceu grandes figuras como S. Joáo Bosco, o Santo Cura D'Ars, S. Teresa de Lisieux, Frederico Ozanam...
— 247 —
16
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS^
162/1973
Nao se poderia dizer que os santos foram a resposta dada por Deus ás angustiosas crises da Igreja? Os santos dáo o tes-
temunho de que a fó autentica e o amor generoso colocado por Deus em sua Igreja nao pereceram, mas, apesar de todos os
obstáculos, continuam a existir e frutificar. Mais ainda: os santos sao os grandes amigos de Deus, aqueles que pela oracáo intima e a renuncia a si mesmos puderam e podem obter de Deus a grac.a e os auxilios sobrenaturais inatingíveis a sagacidade humana.
Em última análise, as crises da Igreja nao sao senáo as pectos da luta entre a linhagem da mulher e a da serpente (cf. Gen 3,15), entre o Cristo e o Anticristo; por isto elas se resolvem, antes do mais, pelo emprego de meios sobrenaturais, entre os quais a oragáo e o sacrificio ocupam lugar primacial. Pode-se entáo dizer que os tempos atuais, justamente por serem cheios de interrogacóes, significam para todos os cristáos
2.
Um apelo de Deus
1. Precisamente quando tanto se fala de «sinais dos tem pos» e de «saber ler os sinais dos tempos», é lícito perguntar se a crise atual da Igreja (além de ter outros significados) nao
pode ser entendida também como um convite do Senhor nao
ao desanimo e á perplexidade, mas á santidade mais consciente mente procurada e vivida.
É interessante notar a énfase com que, justamente nesta época agitada, o Concilio do Vaticano II quis lembrar a todos os cristáos o dever de tender a santidade: "0 Senhor Jesús, Mestre e Modelo Divino de toda pe:feicSo, a todos e a cada um dos seus discípulos de qualquer condicao progou a santidade
de vida, da qual Ele mesmo é o Autor e Consumador, dizendo: 'Sede per-
feitos como vosso Pai Celeste ó perteito' (Mí 5,45)...
Todos os fiéis cristáos de qualquer estado ou ordem sao chamados á plenitude da vida crista e á períeicáo da caridade" (Const. "Lumen Gentium" n? 40).
Com vistas aos sacerdotes em particular, diz o Concilio: "Sede perleitos como vosso Pai Celeste é perfello (Mt 5,45). Os pres bíteros estáo obrigados, a titulo especial, a tender á peíteicáo, pois, con sagrados a Deus de novo modo pelo sacramento da Ordem, sao chamados r. ser instrumentos vivos de Cristo Eterno Sacerdote, a fim de prosseguirem no longo dos tempos a obra admirável de Cristo" (Decreto "P.-esbyterorum Ordinls" n?
12).
— 248 —
CRISE
E
SANTIDADE
NA
IGREJA
17
Referindo-se aos Religiosos, diz o Concilio: "O Religioso entrega-se todo a Deus sumamente amado, de tal modo que por novo e peculiar titulo ó ordenado ao servico e á honra de Deus... Pela prollssao dos conselhos evangélicos na Igieja, procura llberlar-se dos impedimentos que O possam afastar do fervor da caridade e da perfelcáo do culto divino" (Const. "Lumen Genlium" n? 44).
Donde concluí o Concilio: "Todo aquele que é chamado á prolissáo dos conselho3 evangélicos, cuide diligentemente de permanecer e destacar-se na vocacfio ¿ qual fol
chamado por Deus para mals rica santidade da Igreja, para malor gloria da santa e Indivisa Trindade, que em Cristo e por Cristo é (onte e origem de toda santidade" (ib. n? 47).
2. Pode-se, porém, perguntar: em que consiste hoje em dia a santidade?
Quais as exigencias que se impóem a quem queira tender hoje á perfeigáo crista? Parece que principios, formas e crite rios de santidade tidos como válidos em sáculos passados hoje já nao o sao. A mentalidade do homem moderno já nao os aprecia nem aceita, pois estáo em aparente contraste com a
cvolucáo por que tem passado o género humano. Hoje em dia
a descoberta da psicología e de valores íntimos da personalidade, a nova dimensáo dos problemas sociais, a repulsa de todo formalismo fazem que o ideal da santidade nao seja concebido com as características que outrora tinha. Os homens de hoje aspiram a ser santos «novos» na Igreja, ricos de graca, sim, mas também ricos de valores humanos, cheios de amor a Deus, mas também abertos ao mundo e profundamente engajados na historia.
Como resolver o problema?
Poderia alguém responder: libertemo-nos do ideal de santidade que os sáculos passados acariciaram na Igreja e pro curemos inspirar-nos únicamente no Evangelho, ou seja, no exemplo
e
nos
ensinamentos
de Cristo. Encontraremos no
Evangelho as normas necessárias para sermos santos hoje. Tal resposta nao estaría exata senáo em parte.
Nao se
pode pretender ficar somente com o Evangelho escrito, pondo de lado a tradigáo da santidade ou a linha ascético-mística da Igreja. Esta tradigáo é a maneira segundo a qual, sob a inspiraráo e a guia do Espirito Santo, o ensinamento de Cristo foi vivido pelos santos ñas sucessivas fases da historia. Pode-se
dizer que Cristo sem a Igreja é, de certo modo, mutilado, como — 249 —
18
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
162/1973
urna Cabega sem corpo; Cristo sem os santos é empobrecido em suas manifestagóes, como urna árvore privada de seus ra mos, de suas flores e de seus frutos é empobrecida na expressáo da sua vitalidade. Por conseguinte, em vez de rejeitar a tradigáo ascético-mística da Igreja, importa nela distinguir os elementos que sao expressáo viva do espirito do Evangelho e, por conseguinte, tém valia até hoje, dos elementos que sao manifestaqüo da mentalidade c do gosto de um determinado período da historia e que, por isto, podem ou devem hoje ser deixados de lado.
Para se saber o que é hoje a santidade, ó necessário, sem dúvida, indagá-lo no Evangolho, mas no Evangelho como ele foi compreendido e vivido pelos santos. Descobre-se entáo que a santidade crista tem algumas constantes, sem as quais nao existe — nem pode existir — a santidade auténtica. Essas constantes sao, inegavelmente, o amor a Deus, o espirito e a
prática da oracáo, o dom de si no servigo ao próximo, a luta contra o egoísmo e as paixóes do velho homem mediante a pe
nitencia, a pureza de coragáo, o desapego dos bens deste mun do, o exercício da humildade, da paciencia, o amor á Cruz de Cristo...
Hoje, como no passado, a santidade constitui-se dessas constantes. Por isto seria ilusorio pretender atingi-la pondo de parte tais elementos a fim de procurar fórmulas inteiramente novas.
Inspirando-se em Cristo e nos seus discípulos — e somente assim —, os cristáos poderáo dar á Igreja os novos santos de
que Ela tem urgente necessidade.
3.
Aínda urna observacáo:
A crítica e a contestacáo estáo atualmente em voga. En-
traram na Igreja, nem sempre de maneira construtiva e bené
fica . Na verdade, o diálogo critico pode ser útil á renovacáo da face humana da Igreja. A fim de que o seja realmente, ou a fim de que a crítica soja construtiva, nao degenerando em po lémica e irreverencia, é para desejar que quem deseje contestar os outros comece por contestar a si mesmo. Cada membro da Igreja, por seus méritos ou deméritos, é responsável pelo bem comum do povo de Deus. Somente quem contesta a si mesmo, tem o direito de contestar os outros. Ora a santidade é a for ma mais auténtica e radical de contestacáo de nos mesmos. O
cicsejo de reformas na Igreja deve ser acompanhado pela re— 250 —
CRISE
E
SANTIDADE
NA
IGREJA
19
forma da vida de cada membro da Igreja; se esta reforma se der, é de crer que as outras se daráo, de modo a beneficiar realmente o povo de Deus. A Igreja de Cristo tem promessa de duragáo perene; Ela nao acabará enquanto se desenrolar a historia da humanidade. Verdade é que, para subsistir em nossos tempos, Ela precisa de elementos novos, suscitados pela vida moderna: mestres espe cializados, técnicos, psicólogos, planejadores, equipes trei nadas em dinámica de grupo... Ela precisa, porém, ácima de tudo, de santos.
Os santos tém gcralmenle a reta intuigáo das coisas de Deus; estáo particularmente habilitados a ver como Deus vé e amar como Deus ama. Por conseguinte, que os filhos da Igreja especializados em disciplinas técnicas, procurem ser sa bios e também santos, homens e mulheres de doutrina e erudiCáo, como também homens de oragáo e caridade. 4.
Por último, note-se: a santidade nao chama a atencáo
em nossos dias, talvez menos ainda do que outrora. Mais freqüentemente também se contam casos perplexos e escandalosos do que casos de edificagáo; aqueles, por sua índole e suas conseqüéncias, dáo mais na vista do que estes.
Nao é necessário, porém,
que' os homens reconhec.am a
santidade. O que importa, é que ela exista na Igreja. Também os alicerces de urna casa sao invisiveis, mas isto nao importa; o que se requer, é que baja alicerces, e alicerces sólidos, pois da sua solidez depende a solidez da casa. Algo de semelhante se pode dizer no tocante á Igreja; alicergada sobre Cristo e seu
Vigário, Pedro, Deus quis que tenha também consistencia e eficacia na medida em que Ela incluí santos em seu gremio. A Igreja de hoje olha para o seu futuro com serenidade. Ela tem confianga no Senhor Jesús, que lhe prometeu indefectível assisténcia até a consumacáo dos sáculos (cf. Mt 28,20);
Ela confia também no dom da santidade que Cristo nao permi
tirá venha a lhe faltar. Todavía, dada a inclemencia dos tem pos em que vive, a Igreja pede a Deus novos Santos e exorta seus filhos a que se coloquem generosamente no caminho da
santidade; dir-se-ia que a Igreja senté que deve responder á sua crise com um novo surto de santidade.
As consIderacSes destas páginas foram, em grande parte, inspiradas pelo artigo "La Chlesa oggi ha bisogno di santi" (editorial) de "La Civilitá Cattolica", qu. 2866, de 15/XI/1969, pp. 314-318.
— 251 —
Respeito á consciencia alheia e missao:
a igreja ainda é missionária? promover ou evangelizar?
"cristáos anónimos"?
Em sin tese: A necessidade de levar a fé crista a todos os homens tem padecido dúvidas nos últimos lempos, em parte talvez por causa de mal entendidas declaracoes do Concilio do Vaticano II sobre a liberdade reli giosa e o ecumenismo. Todavia quem leve em conta exata os documentos do Concilio, verifica que este, ao lado da proclamado de respeito ás consciencias individuáis, incutiu repetidamente a Índole missionária da Igreja. De resto, o amor a Deus c ao próximo impele, como que naturalmente, iodo crlstáo a evangelizar; quem ama a Deus, sofre porque Deus nao é conhecido e amado devidamente; quem ama o próximo, sofre por vé-Jo aberto para o Infinito, sem saber onde encontrar o Bem Infinito.
O desenvolvimento humano e a evangelizagao sao tarefas distintas urna da outra, embora geralmente devam ser exercidas simultáneamente. Para a Irjreja, nao há auténtico alendimento ao próximo que se preocupe apenas ou preponderantemente com interesses terrestres; é para levar homens que se exerce toda a atividade missionária da Igreja.
Deus aos
"CrlstSos anónimos" é expressáo ambigua, que nao encontra base em :ex!os bíblicos. Na verdade, ser cristSo ó mais do que ser homem perfeito com o neme de cristác; supóe urna elevacáo ontológica ou a comunicacao de urna nova natureza e um novo ser á criatura humana. Esta elevagáo é normalmente concedida por Deus mediante a pregacáo da palavra do Evangelho, que suscita no ouvinle a fé e, conseqüentemente, o pedido de baíismo.
Comentario: Tem-se verificado um arrefecimento da tem pera missionária em certos ambientes ou, ao menos, em certos porta-vozes do Catolicismo. A nova atitude é talvez sugerida por declarares (mal interpretadas) do Concilio do Vaticano II referentes á liberdade religiosa e ao ecumenismo; o táo reco mendado respeito á consciencia alheia possivelmente vem sus
citando o esmorecimento do zelo missionário católico.
É ao problema assim esbozado que dedicaremos as páginas
seguintes.
— 252 —
A
IGREJA
1.
É
MISSIONÁRIA?
21
A problemática
Nos últimos anos, a diminuigáo do interesse dos fiéis catóJicos pela evangelizagáo do mundo nao cristáo pode ser atribui da a tres causas:
1) Invoca-se o principio segundo o qual Deus tem nume
rosas vias para salvar os homens; mesmo que nao pertengam visivelmente á Igreja de Cristo, podem chegar á patria eterna,
caso vivam de boa fé em seus erros filosóficos e religiosos.
Eis, por exemplo, urna passagem do decreto do Vaticano II sobre a atividade missionária da Igreja: "Se bem que Deus possa, por vias que só Ele condece, levar á fé os homens que, sem culpa de sua parte, ignoram o Evangelho..." ("Ad Gen* les" n? 7).
A Constituigáo «Lumen Gentium» observa: "Aqueles que sem culpa ignoram o Evangelho de Ciisto e sua Igreja, mas buscam a Deus de coracao sincero e tentam, sob o iniluxo da graca, cumprir por obras a sua vontade conhecida através do ditame da cons
ciénda, podem conseguir a salvacáo eterna A Divina Providencia nao nega os auxilios necessários á salvacáo aqueles que sem culpa aínda nao che* ga/am ao conheclmenlo expresso de Deus e se esforcam, nao sem a di* vina graca, por levar urna vida reta" (? 16).
2) Em continuidade com as idéias ácima, tem-se difun
dido o conceito de «cristáos anónimos»... Todo homem, dizem, é um cristáo em potencial ou um cristáo que ignora o seu no-
me; o papel da evangelizagáo seria apenas o de fazer com que o homem se encontré consigo mesmo ou o de revelar o nome a esses cristáos anónimos. Em outros termos: a evangelizagáo apenas faria chegar á plena consciénda crista esse Cristianis
mo adormecido e latente; daria a expressáo auténtica á fé que todo homem já traz dentro de si. Quem adota esta tese, nao pode deixar de concluir que a evangelizacáo perdeu boa parte da sua importancia e necessidade.
3) Os problemas do subdesenvolvimento (miseria, fome, doenga...) ás vezes impressionam mais do que a ignorancia religiosa; em conseqüéncia, a promo~áo dos homens tem sus citado, nao raro, mais interesse do que a evangelizagáo propriamente dita ou a pregagáo das verdades da fé. _ 253 —
22
"PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS*
0 Card. Pignedoli, da Congregacáo cáo dos Povos, escrcvcu a propósito:
1Ü2/1973
para a Evangeliza-
"Há pessoas táo entusiastas do desenvolvimento que elas sao tentadas a reduzis toda a Boa-Nova (do Evangelho) unica-nente á t-olucáo dos pro blemas sociais" ("L'annonce de l'Évangile et le monde en volé de développemeni", er.i "Omnis Yerra", ab.il 1970, p. 302).
Um missionário do Alto Volta (África), o Pe. Pierre Dcletoille, escrevia oportunamente: "Hoje o ministerio pastoral... é comprometido porque os paises que nos devem ajudar, parecem dar mais ¡mportánci.i as ¡eatizacóes sociais e materiais do que á picgacao do Evangelho. Vi.cines com :ecii.-jos tao exiguos que nao chegamos a cumprir nossas ob.iga:6e> prima ¡as. . .
Quem ajudará o missionário nesse trabalho primordial da evangelizacao? Quem o ojudará a formar e entreter catequistas?... a dotar as no vas comunidades cristas nao de igrejas dispendiosas, nta3 de luga:es de
culto
convenientes e dignos?" (cf.
n? 6, p.
"Le Christ su
mcn'Je"
1339, vol.
4,
571).
Para justificar o desinteresse pela pretracáo da fé, há quem diga: «Devemos ajudar os homens a tornar-se homens por in-
teiro; é preciso auxiliá-los sem u'terior interráo, isto ó, sem procurar converté-los». — A evangelizacáo propriamente dita c, por vezes, tida como agáo constrangedora ou como violagáo das consciéncias.
Do seu lado, — alias, já há mais de vintc anos — Mon-
tuclard, no livro «Les événements et la foi», defendía a seguinte tese: as massas populares nao podem atualmente sor levadas a Cristo: é preciso nao lhcs falemos do rcligiño no decorror de duas ou tres geraqóes. Para ora, contentar-nos-emos com urna
colaboracáo que proporcione a essas massas um mais elevado nivel material de vida. '
Ora o arrcfecimenio do espirito apostólico aparece parti cularmente grave desde que se leve em conta eme cada ano o número de nao católicos no mundo cresce de 23 milhóes, ao passo que o número de católicos aumenta de 5 milhóes.
Tal situacáo, improssionante como é, tem incitado os teóIotos católicos á reflexáo. Seriam realmente justificadas as tres razóes ácima apontadas para provocar o arrefecimento do fervor católico?
Examinemos cada urna de per si. 1 De passagem diga-se que as idéias de Montuclard foram condenadas pela Santa Sé em
1953.
— 254 —
A
IGREJA
2. 1.
É
MISSIONARIA?
23
Igrejo e evangelizagáo
O Concilio do Vaticano n reconheceu que Deus pode
salvar os homens por vias a nos desconhecidas, de sorte que quem vive de boa fé no erro religioso pode estar-se encaminhando para o único Deus, do qual nos fala o Evangelho. Note-se, porém, que esse encaminhar-se nao se faz sem o auxilio da graga de Deus, como diz o Concilio nos textos citados á p. 353 p. 21 deste fascículo. Isto quer dizer:... nao se faz sem aplicagáo dos méritos redentores de Cristo; nao se faz portanto senáo
por Cristo, e nao porque o homem tenha em si mesmo os meios de se salvar.
Tais verdades sao de importancia capital. Reconfortam-nos quando consideramos os milhóes e milhóes de homens que
hoje em dia nao professam a fé católica por ignorarem o Cristo, enquanto outros sao educados sob regime ateu.
2. Nao obstante, o Concilio do Vaticano II incute instan temente a necessidade de se pregar a fé a todos os homens. Nao é lícito á Igreja e aos seus membros cruzar os bragos diante do mundo que nao conhece o Evangelho, pois o Evange
lho e a Eucaristía sao os meios normáis que o Senhor instituiu para a salvagáo da humanidade. Eis o contexto (quadro com
pleto) da passagem do decreto «Ad Gentes» atrás citada:
"O motivo da atividade misslonárfa da Igreja é a vonlade de Deus, que quer que todos os homens sejam salvos e venham ao conhecimento da verdade... É necessário que pela pregacao da Igreja todos reconhecam Cristo e a Ele se convertam e pelo batismo sejam incorporados nele e na Igreja, seu Corpo... Embora Deus possa, por vías que so Ele conhece, levar á fé os homens que, sem culpa da sua parte, ignoram o Evangelho,... cabe á Igreja o de ver e lambém o direlto sagrado de evangelizar. Por isso a atividade mlssionária, hoje como sempre, conserva integra sua torca e necessidade" (n? 7).
A própria Declaragáo sobre a Liberdade Religiosa, embora reconhega a cada homem o direito de livre opgáo em materia religiosa, nao deixa de afirmar: "Cremos que a única e verdadeira Religiio se encontra na !g eja Ca tólica e Apostólica, a quem o Senhor Jesús conliou a tarefa de transmiti-la a todos os homens, quando disse aos Apostólos: 'Ide, pois, e enslnai os povos todos, batizando-os em nome do Pal, do Fllho e do Espirito Santo e enslnando-os a guardar tudo quanto vos mande!' (Mt 28,19s)".
É por isto que «a Igreja peregrina é, por sua natureza,
— 255 —
24
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
162/J973
missionária» («Ad Gentes» m. 2); «a atividade missionária decorre do íntimo da natureza mesma da Igreja» (ib., m 6).
Caso arrefecesse o zelo missionário da Igreja, poder-se-ia dizer que ela entraría em declínio por ter sido infiel á sua natureza. Os métodos de conservaqáo da fé ñas regiócs já cristianizadas, aplicados exclusivamente, seriam incapazcs de mnntcr a Igreja no seu nivel, pois esta sem missáo seria uma Igreja mutilada ou privada de algo de cssencial. A Igreja nao ó somonte uma organizagao, mas é também um organismo vivo e, como todo
corpo em boa saúde, ela deve tender a crescer. 3. Mesmo em relacáo aos cristáos separados da Igreja Católica (protestantes, ortodoxos) existe o dever de Inés pro-
por a fé católica ein sua integridade. Verdade é que tais irmáos já possuem muitos e auténticos valores do Evangelho, mas deve-se reconhecer que lhes faltam outros elementos necessários e que carecem da plena comunháo com a única Igreja de Cristo. *
Eis por que aos fiéis católicos incumbe o dever de nao ocultar aos irmáos separados os bens que os possam levar á
plena comunháo com a Igreja. — Entende-se, porém, que o fa?am em ocasióes oportunas e sem polémica.
4. O que o Concilio do Vaticano II rejoita explicitamente, é o emprego de meios coercitivos para provocar a profissáo de fé de alguém. Seja sempre salvaguardado o primado da consciéncia, a quem compete definir livremente as suas posigóe? religiosas (cf. Declaraeáo sobre a Liberdade Religiosa, n" 4). De resto, deve-se dizer que nao sao os homens que con-
vertem seus irmáos á fé. é Deus quem os converte, servindo-se
do ministerio dos arautos do Evangelho. Apañas sabemos que Deus quer precisar dos homens e, por isto, pede aos mensa-
geiros que anunciem celosamente a Boa-Nova.
i Sao palavras do Concilio do Vaticeno II: "Os IrmSos separados de nos... n5o gozam daquela unidade que Jesús Cristo quls prodigalizar a todos aqueles que regenerou e convivlllcou num só Corpo. Somente através da Igreja Católica de Cristo, auxilio geral de salvacfio, pode ser atingida toda a plenltude dos meios de salvacSo. Cremos
que
o Senhor confiou
todos os
bens do
Novo Testamento
ao
único Colegio apostólico, a cuja testa está Pedro, a fim de constituir na térra um
só corpo de Cristo, ao qual é
necessárlo
que
se
Incorporem
plenamente todos os que de alguma forma pertencem ao povo de Deus" (Decreto sobre o Ecumenlsmo, n? 3).
— 256 —
A
IGREJA
3.
É
MISSIONARIA?
25
A raiz da missáo
1. O Concilio nos diz que a Igreja tem o dever de evan gelizar. .. Esse dever há de ser entendido como urna necessi-
dade espontánea ou vital, que brota do intimo de todo cristáo que tenha o senso de Deus.
Com cfeito. O cristáo para quem Deus nao seja urna pa-
lavras, mas, sim, urna realidade viva, nao pode deixar de amar a Deus e de sofrer por verificar que Deus nao ó devidamente conhecido e amado. O coragáo que ama, sofre por ver que o Amor nao é amado. É essa dor que suscita e alimenta o apos
tolado; era ela que movia Sao Paulo quando exclamava: «Ai
de mim, se eu nao evangelizar!» (1 Cor 9,16). Foi ela que moveu Francisco de Assis, Francisco Xavier, Vicente de Paulo, D. Bosco, D. Orione, Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux... 2. Nao somente o amor a Deus, mas também o amor ao
próximo leva o cristáo a querer ser apostólo. O cristáo sabe que em todo homem existe um apelo para o Bem Infinito; sabe também que nenhuma criatura humana se realiza definitiva mente caso nao se volte para o Infinito (como a agulha magné tica nao repousa enquanto nao se volta para o seu norte). Por isto o cristáo nao pode deixar de sentir o tormento de Deus que tantos de seus irmáos sentem sem saber como o háo
de apaziguar... Isto nao pode deixar de impressionar e mover
o discípulo de Cristo. O cristáo deve amar seus semelhantes a ponto de compreender que eles tém fome e sede do Infinito; compreendendo-o, o discípulo de Cristo é levado a satisfazer a esta suprema necessidade de seus irmáos.
Seria erróneo crer que a mensagem do Evangelho, devidamente apresentada, nao tenha acesso na mente dos homens de hoje. A neurose, doenga do século presente», é nao raro o indi
cio do desequilibrio que nossos contemporáneos padecem por
terem esquecido a Deus. A experiencia ensina que mesmo as
pessoas aparentemente mais indiferentes aos assuntos de fé se deixam interessar por estes em ocasióes oportunas que a Provi dencia Divina nao deixa de suscitar (ocasióes em que o homem
se torna sincero consigo mesmo, pois toca o fundo do seu ser).
É preciso, pois, tenha o apostólo cristáo confianca no valor e na eficacia da Palavra de Deus, que o Senhor quis confiar a
seu zelo. É necessário que nao se deixe levar do triunfalismo para o derrotismo ou para o que se chamou «o complexo do antitriunfalismo»... — 257 —
2G
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E
RESPONDEREMOS»
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3. Está claro, porém, que o zelo apostólico do cristáo deve ser adaptado á realidade de nossos tempos. Evite rixas, preconceitos, anatematizagóes precipitadas... O cristáo deve saber compreender ludo que haja de válido e bom ñas novas
formas de vida do século XX. Deve saber despojar-se de coisas que lhe sao familiares e caras, mas em si secundarias, para poder entrar no mundo de hoje como este é. Diz muito bem o Cardeal Daniélou em seu estilo um tanto poético:
"Temos de nos opor, com urna recusa total, a ludo que neste mundo seja antagónico a Jesús Cristo; mas, de outro lado, devenios testemunhar um amor auténtico a ludo que seja o desdobramento da criacáo de Jesús Cristo neste mundo, em cujo coracáo nos compete plantar a cruz" ("Amout de Dieu et apostóla!", em "Le Christ au monde" 1970, vol. XV, n? 4, p. 303).
4.
Evangelizo$ao e desenvolví mentó
Além das razóes teológicas, devem-se levar em conta, na problemática missionária, as preocupacóes suscitadas pela promocáo dos homens subdesenvolvidos. A promogáo humana, pergunta-se, nao se poderla equiparar á evangelizagáo? As prementes necessidades físicas de tantas criaturas aínda deixam clima para se lhes falar de Deus?
O Santo Padre Paulo VI tem-se ocupado intensamente com tais questóes, principalmente em suas alocucóes anuais preparatorias do Día das Missóes.
Abaixo tentaremos repro-
duzir o pensamento de S. Santidade expresso aos 5/VI/70 (cf.
SEDOC, vol 3, n" 27, cois. 158-162). 1.
Procuremos, antes do mais, delimitar os conceitos.
Que vem a ser propriamente «evangelizagáo»? "Por evangelizacáo entende-se a agio propriamente religiosa, dedicada ao anuncio do Reino de Deus, do Evangelho, como revelacáo do designio salvilico em Cristo Senhor, mediante a acao do Espirito Santo, que encontra o seu veiculo no ministerio da Igreja, a sua finalidade na edificacao da mesma, e o seu termo na gloria de Deus" (ib. 159).
E «desenvolvimento»? "Por desenvolvimento entende-se a promoclo daqueles povos que, em contato com a clvlllzacáo que esta lhes pode dar, lomam nova consciSncia de níveis superiores de cultura e prosperidade" (ib.
— 258 —
humana, civil e temporal moderna e com a ajuda si e se encaminham para 159s).
A
IGREJA
É
MISS10NÁRIA?
27
Como se vé, evangelizagáo e promogáo distinguem-se níti damente urna da outra. A primeira é urna atividade propriamente religiosa, ao passo que a segunda se sitúa no plano humano, civil e temporal. O cristáo nao está evangelizando, aínda que se encontré em territorio de missáo, caso se contente cc;n trabalno em plano meramente humano.
Embora distintas entre si, evangelizacáo e promogáo estáo
longe de se excluir mutuamente. Ao contrario, elas se com-
plementam, constituindo um todo sintético. O apostólo cristáo, de um lado, nao pode deixar de «procurar levar a todos os homens a luz da fé, regenerá-los por meio do batismo, associá-los ao Corpo Místico de Cristo, á Igreja, educá-los para a vida
crista e infundir-lhes a esperanca da vida ultíaterrena». De
outro lado, o mesmo cristáo «nao pode esquecer a solene ¡igáo do Evangeiho sobre o amor ao próximo sofredor e necessitado» (ib., col. 160).
2. P5e-se, porém, a questáo: das duas grandes atividades, qual a que ocupa o prime ¡ro lugar na escala dos valores inten cionados por Deus?
A resposta é assim encaminhada por Paulo VI: "É ¡ndiscutível que a atividade missionária tem por flm, antes de ludo, a evangelizado, devendo manter esta prloridade, quer na concepteo que a inspira, quer nos modos como é organizada e exercida".
E continua de maneira enfática: "A atividade missionária perderla a sua lazáo de ser se se alastasse do eixo religioso que a sustenta ácima de tudo, o Reino de Deus... entendido em sentido vertical, teológico e religioso, que liberta o homem do pecado, Ihe aprésenla o amor como mandamento supremo e a vida eterna como destino último" (ib., col. 159).
3.
Acontece, porém, que a prioridade da evangelizagáo na
escala dos valores nao excluí que os primeiros contatos com
urna populagáo nao crista, em alguns casos, se fagam mediante o emprego de meios de ordem temporal ou promocional. Este servico humano possibilita um relacionamento cordial ou fra terno entre o apostólo e os nao cristáos, abrindo o caminho
para contatos na linha da fé.
Deve-se lembrar também — continua o S. Padre — que
a comunicacáo do Evangeiho de Cristo pode ter lugar nao so-
mente mediante pregagóes, aulas de catequese e atos de culto, — 259 —
28
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RESPONDEREMOS»
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mas igualmente através do contato humano que se estabelece em escolas, hospitais, na assisténcia social e na educagáo dos jovens ou adultos para o exercicio de determinada profissáo. De maneira especial, os fiéis leigos sao chamados a evangelizar
através do desempenho de suas fungóes seculares; o Concilio do Vaticano II recordou que os leigos sao chamados a «pro
curar o Reino de Deus precisamente através da gerencia das coisas temporais»; «podem e mesmo devem, ainda quando se entregam as suas tarefas de ordem temporal, exercer urna agáo preciosa para a evangelizagáo do mundo» (Const. «Lumen Gentium» n' 31 e 35).
Requer-se, pois, que o apostólo de Cristo — sacerdote ou leigo — avalie devidamente cada urna das situagóes em que se veja colocado e procure atender eficazmente as necessidades de seus irmáos — necessidades espirituais e materiais. Em conseqüéncia, evangelizagáo e promogáo, em muitos casos, se exerceráo simultáneamente.
4.
Observe-se ainda: pode-se crer
(fora eventuais exce-
góes) que os homens nao tém menos necessidade de Deus e do pao da Palavra do que do pao do corpo; o ser humano nao é mero animal vegetativo e sensitivo, mas é também um vívente racional, para quem as questóes «por qué?», «para qué?» «don de?», «para onde?»... tém valor capital. Mesmo o indigente encontra seu eixo ou a razáo de ser de sua vida na oragáo ao Pai Celeste. O contato com Deus é característico do homem desde que este é homem na historia; elevar-se a Deus corresponde a urna das aspiragóes e necessidades mais genuínas da natureza humana.
Estas observagóes se comprovam pelos seguintes fatos: se os homens subdesenvolvidos nao sao levados ao Evangelho, deixam-se fácilmente atrair pelas pseudomísticas do espiritis mo ou das mais recentes seitas protestantes. Os arautos do protestantismo nao hesitam em pregar o Evangelho aos mais indigentes dos seus irmáos, que lhes dáo acolhida grata e en tusiasta (tenha-se em vista a extraordinaria propagagáo do pentecostalismo ñas classes mais humildes de nossa populacüo). Os mensageiros católicos podem apreciar o destemor na
pregagáo e a confianca na eficacia da Palavra de Deus que animam os irmáos separados.
Evangelizar é, pois, elevado ato de caridade. Omitir a evan gelizagáo, sob qualquer pretexto que seja, vem a detrimento ao amor fraterno. — 260 —
ser grave
A
IGREJA
5.
É
MISSIONÁRIA?
29
Cristáos anónimos
Sobre a tese dos «cristáos anónimos», podem-se fazer as seguintes ponderales:
Tal tese é fruto de equivoco ou de otimismo excessivo: Em todo homem existe, sim, urna natureza racional apta a receber a graga de Deus através do Evangelho (trata-se de mera aptidáo: a natureza racional é capaz de receber a graga ou a filiagáo divina). A graga, porém, nao é simplesmente a natureza
aperfeigoada ou levada ao seu auge natural; a graga é de ordem
sobrenatural. O que quer dizer: ela implica urna elevagáo da natureza ácima de si mesma; ela torna o homem participante da vida divina (cf. 2 Pe 1,4) e desfinado a ver a Deus face-a-face (cf. 1 Cor 13,12; 1 Jo 3,2).
De resto, notam os comentadores da tese dos cristáos anónimos» que os seu arautos carecam de base escriturística; nao tentam mesmo fornecer argumentagáo bíblica para as suas ir'éias; partem apenas do que lhes parece ser «principios teo lógicos» .
Em suma, pois, pode-se dizer que evangelizagáo é mais do que descobsrta de um nome, é mais do que «tornar os homens
conscientes de urna realidade que eles já possuem inconsciente mente». Evangelizagáo é um principio de elevagáo ontológica; é a comunicagáo de urna nova natureza ou de um novo ser á criatura humana: «Vede com que amor nos amou o Pai, ao querer que fóssemos chamados filhos de Deus. E de fato o somos!» (1 Jo 3,1). Bibliografía:
A revista "Le Christ au monde", que aparece em quatro edicdes (fran cesa, inglesa, espanhola e italiana), vem tratando do assunto (missáo hoje) com notável riqueza de documentos e dados históricos. Aparece blmesIralmente, tendo por endereco: Via G. Nicotera, 31, 00195 Roma, Italia. É altamente instrulivo o material apresentado nos artigos desse periódico com referencia tanto aos pafses de missSo como ás nacóes tradicionalmenie cristas.
Sobre os "cristáos anónimos", leia-se:
K. Rahner, vet á tese).
"Schriften zur Theologie" t. VI.
Hendrik Nys, "Le salut sans
l'Évangile".
Einsiedeln
Paris
1965 (favorá-
1966 (favorável...).
F. X. Durrwell, "Le salut par l'Évangile" (réplica ao livro anterior) na
revista "Spirltus" vol.
32, dezembro 1967,
pp.
380-395.
P. Stassen, "Les Chrétlens anonymes", em "Le Christ au monde" vol. XIII, 1968, p. 254s (o autor faz reservas á tese dos c. an.).
— 261 —
30
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Jean Rennes, em "The International Revlew of Missions", vol. 57, jan. 1968, p. 126 (recensáo e critica do livro de Nys).
Aquí no Leonardo
Boff
Brasil, no
seja
livro
mencionada
"Jesús
a
Cristo
posigáo (avorável
Libertador".
assumida
Petrópolis
1972,
por pp.
268-285.
carta
aos
amigos
Jerusalém, 12 de maio de 1973 Caros leitores,
Os amigos permitirao que, em lugar da habitual resenha de livros que enccrra cada fascículo de PR, seja aquí colocada urna resenha de acontecimentos e hnpressoes dcsta Térra Santa, onde, por graca de Dcus, me encontró desde margo pp., num
cstágio de reciclagem neccssária e altamente proficua. Realmente viver com calma e profundidadc na Térra em que se desenrolaram os grandes feitos da Redencao do género humano, é presente do céu, precioso, inestimável... Sondando as riquezas desse presente, vamos hoje continuar as reflexóes iniciadas em PR de maio pp. Quatro pontos muito me tém impressionado últimamente: 1)
Como é obvio, na Térra Santa a Biblia fala com énfase
particular. Os cenários geográficos, os reinos,
as cidades, os
personagens que ela menciona, tornam-se como que redivivos ao peregrino e estudioso; os nomes complicados c de sabor orien tal que ela encerra, perdem todo possivcl colorido mitológico ou lendário, para tornar-se realidade pujante e pugente; os quadros bíblicos, com sua mensagem, entram pelos olhos e os sen tidos do observador. Ao norte a Galiléia, assmalada. por seu lago grandioso, suas
montanhas de tracados suaves, seus monumentos e santuarios, tala muito da infancia traqüila tío Senhor Jesús em Nazaré, onde María e José lhe assistiam, como também comunica de novo modo a alegría que a Boa-Nova veio despertar nos homens (¡liando Jesús a anunciou em Cafarnaum, em Cana, em Naím, em Cesaréia de Fib'pc... — Ao sul, a Judéia, com a sua. grande cidade de Jerusalém, faz contraste, pois se reveste de austeridade. . . O deserto está perto e, com ele, o Mar Morto, a quase
400 m abaixo do nivel do mar, regiáo de calor pesado e ¡nospito. Jerusalém é marcada pelos sinais da disputa e dos vai-e-vem
da historia. Sente-se bem que os povos afluíram incessantemen(Continun na pág. 279)
— 262 —
Na atual renovacáo da Igreja:
romarias e peregrinajes justificam-se?
Em sfntese: As romarias ou peregrinajes sao urna forma de piedade sujeita a desvirtuamentos (exploracSo comercial, turismo...), em conseqüéncia dos quais muitos modernos mestres de espiritualidade tém perdido a estima por tais formas devocionais.
Todavia as peregrinajes tém forte fundamento na Escritura Sagrada (tenham-se em mente os santuarios de Jerusalém, Betel, Da...) e na Tradl-
c§o crista. Correspondem a um movimento espontáneo do homem religioso e, em particular, do cristao. Nao se deveria, pois, pleitear a extincáo dessa
forma de piedade, de que o povo de Deus tem necessidade, mas, sim, dar fundamentacáo teológica e mistica ás romarias, de modo a conservá-las em nivel estritamente cristáo e evitar o seu desvirtuamento. Para se obter esse objetivo, recomendam-se algumas atitudes características do auténtico peregrino: amor a Deus e ao próximo, penitencia e oragao. Quanto aos santuarios de origem hoje em dia discutida, a Igreja nao faz questáo de afirmar sua autenticidade (outrora nao era discutida a questáo). Poderáo deixar de ser procurados pelos fiéis. O que importa, porém, é que a piedade do cristao possa ter sempre suas formas sensíveis e orto doxas de expansSo.
Comentario: Após o Concilio do Vaticano II (1962-65), os mestres tém procurado dar fundamentacáo mais sólida á pie
dade crista. Em conseqüéncia, a leitura e meditacáo da Biblia tém tomado grande incremento
entre os
fiéis
católicos.
Ao
contrario, as formas de piedade de índole mais popular tém sido
postas á margem em alguns ambientes (ás vezes, de maneira um tanto .drástica, de modo a deixar os fiéis mais simples desti tuidos de alimento espiritual). Entre as expressóes clássicas da fé crista, estáo as roma
rias ou peregrinagóes. Estas costumam ser realizadas até hoje
com freqüéncia e notoria participacáo dos fiéis; em grande nú
mero e com fervor as caravanas se dirigem aos principáis san tuarios do Brasil, destacando-se em primeiro lugar o de Apare cida do Norte (SP).
É evidente que tais romarias tém beneficiado profunda mente os fiéis católicos e poderáo continuar a fazé-lo. Todavia, já que tais atos de piedade háo de ser considerados em pers— 263 —
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pectiva teológica, a fim de nao se desvirtuaren!, proporemos abaixo algumas reflexóes que visam a tornar ainda mais frutuosas as romanas do povo de Deus.
A respeito já publicamos algo em PR 24/1959, pp. 521-528.
1.
Fundamento doutrinário
A Escritura Sagrada dá a ver que Deus quis, desde motas épocas, tornar-se presente de maneira sensível aos mens, assinalando certos lugares com testemunhos de presenca e sua misericordia. Tais foram os santuarios
re hosua do
Antigo Testamento: Jerusalém, Betel, Dá...
No Novo Testamento ou após a vinda de Cristo, continua a haver lugares em que a acáo de Deus parece patentear se de maneira mais flagrante: tais sao — as térras e cidades em que Jesús Cristo realizou sua obra de Encarnagáo, pregacáo e Redengáo: a Térra Santa e seus santuarios;
— as cidades em que viveram ou labutaram os grandes santos: Assis, Ars, Lisieux, Ávila...;
— as cidades em que se achem famosos despojos ou reli
quias dos santos: Roma, Compostela;
os locáis em que, com certo fundamento (embora nao
certeza de fé), se eré que apareceu o Senhor Jesús ou a Virgem SS.: Paray-Le-Monial, Aparecida do Norte, Fátima, Lour des, La Salette. . .
Em tais lugares (cidades ou santuarios) Deus se deu urna
vez a reconhecer em termos mais evidentes, visto que o ho-
mem, sendo criatura psicossomática, necessita de manifestacóes, a fim de que pela percepeáo dos elementos visíveis se eleve
á contemplacáo dos bens invisiveis. Pode-se crer que Deus con
tinué a se patentear ai, derramando gracas sobre as pessoas
que lá váo orar: gracas principalmente
de ordem espiritual
f conversóos do pecado a auténtica vida crista, afervoramento de almas tibias...) e também gracas de teor material (cura de doencas, paralisias, éxito em determinado empreendimenlo...).
— 264 —
AS
PEREGRINAC6ES
NA
PIEDADE CRISTA
33
Ora, desde que alguém julgue dever reconhecer que real mente em tais lugares Deus quer comunicar mais amplamente os seus dons aos homens, comprende-se que tal pessoa procure
esses santuarios para ai adorar a Deus e impetrar os beneficios espirituais e temporais de que precise. O Senhor, em sua sabedoria, quer assim proporcionar as criaturas ocasióes de se converterem, emendaren! a sua vida e se afervorarem.
Partindo de outro principio, pode-se dizer: «Procurar a Deus» sempre foi o programa do homem religioso de qualquer credo. Essa procura de Deus faz-se, antes do mais, no plano espiritual, pois o Senhor é Espirito e é com o espirito que o homem o atinge. Entende-se, porém, que os homens procurem a Deus também no plano físico ou visível, pois a criatura hu mana está vinculada aos sinais materiais.
Tais consideragóes explicam que, desde os primeiros séculos, os cristáos tenham praticado peregrinagóes: Jerusalém e os lugares da vida terrestre de Jesús, Roma, Éfeso, Tours (Gália)... foram lugares em que Deus e os homens se encontraram mais sensivelmente nos antigos tempos... Hoje estes e
outros locáis sao ainda marcados pelo testemunho da benevo
lencia divina; por isto merecem igualmente o aprego dos cris táos do séc. XX.
Assim posta a base teológica das chamadas «romanas» ou peregrinagóes, indagamos:
2.
Como serei romeiro ?
O que hoje talvez lance o descrédito sobre as peregrina
góes, é o fato de que muitas pessoas nao as executam mais em
espirito religioso: as peregrinagóes tornaram-se nao raro viagens de turismo; junto aos
santuarios,
encontram-se
comer
ciantes que procuram explorar ao máximo a oportunidade de vender suas mercadorias; espalhafatos e exterioridades sufocam
o espirito religioso dos peregrinos. Acontece, de outro lado, que muitos empreendem peregrinagóes levados por ideias um
tanto supersticiosas, julgando que no santuario seráo quase mágicamente beneficiados pelo Santo ou a Santa de sua devogáo.
Por isto requer-se, da parte das autoridades religiosas e dos próprios peregrinos, zelo e vigilancia, a fim de que nao se — 265 —
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desvirtué a prática das peregrinagoes, mas, ao contrario, so corrobore o espirito religioso dos que as empreendem. Eis, em conseqüéncia, algumas das exigencias que o autén tico peregrino .deve impor a si mesmo:
1) Partir em toda a accepgáo da palavra. Toda viagem (qualquer que seja o seu motivo) predispóe psicológicamente o homem a ser mais verdaderamente ele mesmo; fazendo-o mu
dar de ambiente, liberta-o da rotina ou de hábitos e convencóes que podem ser verdadeiras amarras em seu quadro de vida cotidiano.
Ora a peregrinagáo, sendo urna viagem, deve ser também
urna libertagáo, libertagáo do cristáo em relagáo ao seu espi
rito rotineiro. O peregrino deve colocar-se em atitude de fervor e de disponibilidade para Deus e os homens.
Muitas vezes, em peregrinagáo tem-se observado o seguinte fato: pessoas que, días antes, se mostravam fechadas, prontas a se defender contra o próximo e a convivencia fraterna, mudaram por completo; bastou-lhes para tanto sair de seu habitual quadro de vida; tornaram-se surpreendemente generosas em suas palavras e em seus atos.
2) Urna genuina peregrinagáo comporta sempre urna certa caminhada.
Verdade é que
transportes confortáveis podem levar os
interessados aos principáis santuarios da Europa e da América; nao é auténtico peregrino, porém, aquele que se esquece de
fazer parte da estrada a pé. Um peregrino é sempre um pouco viandante, como Cristo foi viandante ñas estradas da Palestina e os medievais eram caminheiros ñas diversas vias da Europa. É para desejar, portanto, que os veículos transportadores de peregrinos em nossos dias se detenham definitivamente a certa distancia da cidade santa ou do santuario, termo da peregrinagáo.
E por que se deve desejar que os romeiros percorram a pé parte do seu caminho?
— Nao porque o caminhar seja finalidade em si, mas por
causa de um terceiro elemento inerente a toda genuina peregri nagáo:
— 266 —
AS
PEREGRINAJES
NA
PIEDADE CRISTA
35
3) Penitencia- Quem caminha expóe-se ao cansago, ao sol,
á chuva, á fome e á sede; desta forma, penitencia-se e purifica-
-se (isto é, liberta-se dos resquicios de comodismo e covardia que caracterizam o «velho homem»).
De modo geral, nao há verdadeira peregrinacáo sem um
mínimo de ascese. Isto quer dizer que carece de espirito pere grino o viajante que, de bolsos cheios, procura bons albergues,
pratos finos e bebidas famosas; o genuino viandante de Cristo deve dispor-se a comer e beber sobriamente e dormir pobre
mente, se necessário. Alias, as peregrinagóes
suscitam
geralmente
numerosas
ocasióes de praticar virtudes mortificantes, como abnegacáo, pobreza, simplicidade... Por isto outrora os novicos da Companhia de Jesús eram obrigados a fazer a «experiencia da pe-
regrinagáo»: durante algumas semanas deviam, em pequeños
grupos, percorrcr estradas que levassem a algum santuario. O Pe. Mestre lhes entregava urna lista de casas religiosas onde poderiam pedir hospitalidade... Assim se exercitavam os jovens no dominio de si e na renuncia. No decorrer dos tempos, porém, as circunstancias da vida tornaram esse exercício assaz difícil ou mesmo inexeqüível.
4) Amor fraterno. As peregrinagóes nao sao atos de devocáo individual, mas, sim, comunitaria. Os peregrinos devem
constituir urna comunidade coesa entre si. Isto exige que cada
romeiro pense em seus companheiros e procure prestar a cada um os oficios do caridade que lhe estiverem ao alcance.
Em viagem e, mais ainda, nos lugares santos os peregrinos
fazem a experiencia viva do que é a Igreja Católica: postes em presenga de irmáos provenientes das mais diversas regióes, portadores de seus trajes característicos, os fiéis tém a ocasiáo
de perceber o que é o Corpo Místico de Cristo e tomam cons-
ciéncia do que é ser filho da S. Igreja Católica. O estímulo e o exemplo dados polo próximo nao pode deixar de beneficiar valiosamente cada um dos peregrinos.
5) Enfim, a exigencia máxima que se impóe ao peregrino, é a oracao.
Os numerosos preparativos de viagem, o inevitável vozerio e a alegría ruidosa das aglomeragóes, as grandes solenidades podem constituir urna ameaga para o espirito de uniáo com Deus e de contemplaqáo. É preciso, porém, que cada peregrino — 267 _
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-PERGUNTK
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se compenetre de que ele se pos a caminho exclusivamente para procurar a Deus; o que lhe interessa, em sua «aventura» reli giosa, é converter-se um pouco mais ao Senhor; por isto saberá observar método e disciplina que lhe permitam realmente orar, confessar-se e comungar por ocasiáo de sua peregrinagáo. Pode um peregrino pór-se a caminho de algum santuario no intuito de obter determinada graga temporal como a cura de urna doenga. É lícito, sim, aos filhos de Deus pedir ao Pai o pao nosso de cada dia (pao que supóe ou incluí saúde e bens temporais). Todavía ó preciso que o cristáo saiba apreciar as gragas da alma mais aínda do que as do corpo. Ao pedir bens
temporais, pega sempre e ardentemente a maior de todas as gragas, que é a conversáo do espirito, a mudanga de vida, o amor generoso a Deus e ao próximo. A experiencia ensina que
o Senhor Deus nao frustra as expectativas daqueles que O procuram devotamente através das estradas desta vida. Assim explanadas as exigencias que se impóem ao genuino peregrino, vem a propósito urna bela passagem de Henri Engelmann:
"Há, portante, na Ierra lugaies privilegiados em que a presenca de Deu3 se fez, e continua a fazer-se, mais tangivel. Em alguns pontos do espado e do lempo,... foi levantada urna ponta do véu que nos encobre o Deus tres vezes santo, o Deus leriivelmente 'oculto'. É preciso creíamos que esses lugares sao 'santos' e que a iniciativa, muito pessoal e total mente gratuita, de Deus em demanda do homem nos incita a pór-nos a caminho para O encontrarmos. A peregrinado é tim desses lugares ou um desses momentos em que o céu toca a térra.
O que nos impede de colocar-nos a caminho, • talvez a nossa falta de humildade. Os 'espertes' (malins) de que falava Péguy (iioje dinamos
'os intelectuais') cacoam fácilmente das peregrinajes e da simploriedade ciossa 'corrida aos lugares santos'. Talvez fosse oportuno lembrac-lhes que
Descartes, querendo agradecer a Deus a descoberta do 'Pensó, portanto existo', fez a pereg.-inacáo de Nossa Senhora de Lo re ¡o, e se ajoelhou multo devotamente no mesmo lugar em que, anos antes, se ajoelhara Montaigne.
Os intelectuais se beneficiatiam — nos todos nos beneficia!¡amos — relendo o que Madame Périer nos refere a respeito dos unimos anos de Pascal:
'Já
que
nao
podía
trabalhar,
o
sen
principal
divertimento
era
o
de
ir visitar as igrejas em que havia reliquias expostas ou alguma solenidade;
para tanto, efe possuia um almanaque religioso que o informava a propó
sito dos lugares em que havia especiáis práticas de devocáo; ele realizava isso tudo táo devota e simplesmente que aqueles que o viam ficavam surpresos ...'
— 268 —
AS
PEKEGRINACOES
NA
PÍEDADE CRISTA
37
P. nole-se quo (ol esse Paacal peregrino que.ni proclamou que 'toda a desgrana dos horneru provém de uma só colsa: nao sabem permanecer em repouso num quaito1" ("Pélerinages", col. "Je sais-Je crois". Paris 1959, p.
15).
Engelmann, no texto ácima, sugere a falta de humildade como uma das causas que detém os homens de empreender pe
regrinagóes aos lugares santos... Na verdade, o espirito dos
intelectuais (Engelmann cita Pascal, Montaigne, Descartes), como o espirito da gente simples, precisa de expansóes religio sas vivas e espontáneas pois o ser humano quer naturalmente
vibrar diante de Deus com uma afetividade sadia. É impossível querer reduzir a piedade dos fiéis em geral apenas a atos da
Liturgia oficial da Igreja (sacramentos e alguns sacramentáis); essa reducáo sufocaría simplesmente a vida de oragáo de muitos católicos. O que importa, é suprimir os desvíos que se tenham introduzido ñas peregrinagóes (entre os quais, uma comercializagáo exagerada), e tornar os fiéis cada vez mais conscientes do profundo significado religioso que tem uma auténtica romaria. Quem assim instruí o povo de Deus, pode ajudá-lo a ser auténtico peregrino ou a ir visitar os lugares sagrados para ai orar mais devotamente.
3.
E os santuarios históricamente duvidosos ?
Certos santuarios tiveram origem em relatos de fenóme nos maravilhosos (aparigóes ou milagres...). Alguns desses
relatos sao hoje controvertidos, a ponto que certos historiado res os consideram como espurios ou nao históricos. Tal é o caso do santuario da Virgem SS. em Loreto, que teria sido trasladado do Oriente pelos anjos;... é também o caso da «Scala Santa», escada do pretorio de Pilatos que haveria sido maravilhosamente transportada para Roma.
Tais relatos foram concebidos pela piedade popular dos medievais com toda a boa fé. Ninguém duvidaya de sua autenticidade. Por isto é que surgiram os santuarios referentes a essas Crónicas.
A S. Igreja incentivou a devogáo a tais santuarios sem iamais se definir sobre os pretensos feitos milagrosos que lhes deram origem. As peregrinagóes a tais santuarios ocasionaran! numerosos beneficios espirituais e corporais para os fiéis; eratn um fator de afervoramento do povo de Deus. O Senhor cor-
respondeu as preces dos fiéis realizadas em tais lugares. Era — 269 —
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"PERGUNTK
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RESPONDEREMOS,,
KJ2/1973
isto o que as autoridades eclesiásticas tinham em vista ao pa trocinar as peregrinagóes a Loreto ou a subida da «Scala Santa».
Em nossos días, quando se langam serias dúvidas sobre a autencidade dos mencionados santuarios, a S. Igreja nao oculta tal situac;ño aos seus fiéis, pois a piedade há de ser baseada na verdade e nao na vá fantasía. Por conseguinte, se os fiéis católicos mais esclarecidos abandonam a devogáo a Loreto e á «Scala Santa», ninguém os pode censurar; a S. Igreja, po-
rcm, até hoje nao extinguiu as peregrinacóes a esses lugares santos nao porque ainda deseje insinuar a autenticidade dos re latos controvertidos, mas porque tais peregrinagóes ainda sao ocasiáo para que se afervore o povo de Deus. É possível que no decorrer do tempo sejam supressas tais devogóes populares (a Liturgia oficial da Igreja, alias, já suprimiu nos últimos anos festas de origem controvertida). O que interessa á S. Igreja, nao é a aparigáo (como tal) de Nossa Senhora neste ou naquele
santuario, mas a oragáo e o fervor que tém lugar em tal san tuario .
A respeito do santuario de Loreto, veja-se PR 12/1958, pp. 508-514.
Bibliografía:
A. Beckhauser, "Os santuarios, manifestacóes do em "REB", vol. 30 (1970), pp. 392-395.
Misterio de
Cristo",
H. Engelmann, "Pélerinages", col. "Je sa¡s-Je crois" n? 43, París 1959. P. Deffontaines, "Géographie et Religions". Paris 1948.
R. Poussel, "Les pélerinages á travers les siécles". Paris 1954. J. Folliet, "La spiritualité de la route". Paris 1939.
J. Madaule, "Pélerins comme nos peres".
— 270 —
Paris 1959.
Na escola da historia:
os antigos cristáos batizavam enancas?
Em sfntese: O presente artigo apresenta os principáis testemunhos de bispos,
escritores e epitafios dos séc.
11/ IV em
favor do
Batismo
das
enancas. Insinuam que este constituía uma praxe táo antiga quanto a própria geracáo dos Apostólos; é, pois, a execucio germina da mente do Senhor Jesús, que quis associar, via de norma, o renascer da agua e do
Espirito com a salvacSo eterna (cf. Jo 3,5). As crlancas sao balizadas em vista da fé da Santa Máe Igreja, suficiente para que nfio flquem privadas da grasa santificante até o uso da razao. A titulo de complemento necessário, deve-se dizer ainda que os teó logos reconhecem hoje em dia o valor salviflco do Batismo de desejo ou do desejo (explícito ou apenas Implícito) de Batismo por parte de pessoas que nao possam receber o Batismo de agua.
Comentario: Já em PR 129/1970, pp. 382-397 e 140/1971, pp. 347-356, abordamos a questáo da oportunidade de batizar criangas. Depois de ter exposto os textos do Novo Testamento concernentes ao assunto, propomos agora os testemunhos dos
antigos escritores da Igreja; tém valor especial, porque fazem eco imediato a quanto disseram e fizeram os Apostólos e o próprio Jesús. É obvio que os escritos do Novo Testamento, referindo o primeiro anuncio do Evangelho a judeus e pagaos, nao podiam supor familias cristas e o batismo dos respectivos
filhos. Somente ñas geracóes posteriores ao ámbito do Novo Testamento é que se pode esperar encontrar testemunhos de batismo de criangas.
Pergunta-se, pois, com grande interesse: Será que real mente as familias cristas batizavam outrora os seus filhos? Ou será o batismo de criangas uma instituigáo tardia e desproposi tada da Igreja?
.
Os documentos respectivos seráo propostos e brevemente
comentados segundo a devida ordem cronológica. — 271 —
40
«PERGUNTE
1)
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RESPONDEREMOS»
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Sóo Policarpo, bispo de Esmirna na Asia Menor (t 167)
As «Atas do Martirio de Policarpo» referem o interrogato rio que precedeu o martirio, destacando-se ai o seguinte: "Já que o procónsul Insistía dizendo: 'Jura, e eu te libertare!; amaldicoa o Cristo!', Policarpo respondeu: 'Há oitenta e seis anos que sirvo ao Cristo, e Ele nunca me fez algo de mal; como entáo poderla eu blasfemar o meu reí, aquele que me salvou?'" (Atas n? 9).
Oitenta e sois anos... Tal devia sor a idade aproximativa do anciáo em 167. Com efeito, entre 157 e 161, Policarpo empreendera uma viagem a Roma para tratar com o Papa Ani ceto do calendario da celebragáo da Páscoa. Ora tal viagem nao lhe teria sido possivel, se entáo tivesse 80 anos ou mais. «Servir a Cristo» ou «ser o servidor de Cristo» sao expressóes sinónimas de «ser batizado» na linguagem dos antigos cristáos. Donde se depreende que Policarpo recebeu o batismo em sua primeira infancia, ou seja, por volta do ano de 81; foi discípulo dos Apostólos, como refere S. Ireneu (Adv. Haer. III 3s). Vé-se assim que a própria geragáo dos Apostólos administrava o sacramento as criancas.
2)
Sao Justino, apologista cristao (t 165)
Em sua «Apología I» dirigida em 150 ao Imperador Antoniño Pió em favor dos cristáos, diz S. Justino: "Muitos homent e mulheres, atualmente sexagenarios e septuagenarios, foram discípulos da Cristo desde a sua Infancia e se conservam castos. Tenho o garbo de vos citar exemplos disto em todas as classes".
«Ser discípulo de Cristo» é fórmula equivalente a «ser ba
tizado», conforme S. Justino mesmo (cf. «Diálogo com Trifáo» 39, 2), o qual se baseia no texto de Mt 28,19: «De todos os povos fazei discípulos, batizando-os. .. >
Por conseguinte, o depoimento de S. Justino nos atesta o batismo de criancas por volta de 80/90 d. C.
3)
Polícrato, bispo de Éfeso (t cerca de 190):
Em 190 ou 191 este bispo escrevia ao Papa Vítor: — 272 —
ANTIGOS
CRISTAOS
BATIZAVAM
CRIANCAS?
41
"Vivo segundo a tradlcSo de meus familiares, dos quals seguí alguns. Sete membros de mlnha parentela foram btspos e eu sou o ollavo... Quanto a mlm, portante, Irmáos, tenho soásenla a cinco anos no Senhor" (na "Historia da Igreja" de Eusébio V, 24, 6-7).
Destas palavras pode-se depreender que Polícrato devia descender de familia profundamente crista e que a sua adiantada idade indicava simultáneamente a data de seu nascimento e a de seu batismo. Trata-se de suposicáo,... suposicáo, porém, assaz provável.
4)
S. Ireneu, bispo de Liño, na Gália (t cerca a*e 202)
Em seu volumoso escrito «Adversus Haereses», datado de 180 aproximadamente, diz S. Ireneu: "Cristo sanltficou todas as idades unlndo a si a natureza dos homens.
Com efelto, velo salvar todos os homens: todos aqueles, digo, que renascem (renascuntur} em Deus por Cristo, pequenlnos e crlancas, adolescentes, adultos e mals velhos. Fol por Isto que Ele percorreu todas as Idades e se fez pequenlno para os pequenlnos, sanlllicando os pequeninos; crlanca
entre as crlancas, santificando aqueles que tlnham a mesma Idade" (II 22,4).
No verbo «renascuntur» do período ácima há urna alusáo ao batismo ». S. Ireneu, portento, atesta que o batismo se apli ca a todas as idades, tentó á primeira como a todas as outras; é justamente nessa universalidade do batismo que insiste a frase: «todos aqueles, digo, que renascem em Deus por Cristo».
5)
«Tradicao Apostólica» de Hipólito (redígida antes de 215)
Trata-se de urna coletánea de preceitos para a celebragáo do culto sagrado, redigida em grego na cidade de Roma no inicio do séc. III. Reproduz usos litúrgicos anteriores, fazendo o leitor retroceder até a segunda metade do sáculo II. No tocante ao batismo, eis o que ai se lé: "No momento em o.ue o galo canta, far-se-á em prlmeiro lugar ora$áo sobre a agua, seja agua córrante da fonte, seja agua que desea do alto.
i é o que S. Ireneu mesmo incute quando escreve alhures: "Dando a seus discípulos o poder de fazer renascer para Deus, dlzia-lhes Jesús: 'Ide, ensinai a todas as nacfies, batizando-as...'" (II 17,1).
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Tal será o caso normal. Todavía, desde que haja necessidade urgente, utilizar-se-á a ¿gua que se encentra. Os candidatos se despojarao de suas
vestes, e seráo balizados primeiramenle os pequeninos. Todos aqueles que puderem falar por si mesmos, falaráo. Quanlo aqueles que nao o puderem, seus pais (alargo por eles, ou algum de seus familiares. A seguir, seráo
balizados os homens, e por fim as mulheres..."
A «Tradigáo Apostólica» prevé o batismo de criangas que ainda nao possam falar por nao ter o uso da razáo. Note-se também que na «Tradigáo Apostólica» se trata do batismo so-
lene conferido na noite de Páscoa e nao do batismo adminis trado em perigo de morte. Assim se depreende que o costume de batizar crianzas já era normal e codificado no séc. II.
ó)
Sao Cipriano, bispo de Carrago (t 258)
Em fins de 211, S. Cipriano escrevia urna carta ao bispo Fidus, da África Setentrional, que o consultara a respeito do batismo das crianzas.
Fidus nao rejeitava o pedobatismo (batismo de criangas), mas julgava nao poder batizar as criangas desde o primeiro dia
de su a existencia. Os motivos alegados nao eram de índole propriamente doutrinária, mas, sim, assaz secundarios. Com efeito, Fidus lembrava que a circuncisáo entre os judeus só era conferida no oitavo dia; por conseguinte, nao se deveria antecipar o batismo... Mais ainda, dizia Fidus: a crianga nos seus primeiros dias tem aspecto repelente, de modo que é difícil osculá-la (como mandava o rito batismal da época). Donde concluía ser melhor protelar o batismo até que o pequenino tomasse configuragáo mais atraente! S. Cipriano, tendo ouvido a opiniáo de seus colegas no episcopado reunidos em Sínodo regional, resolveu incutir a Fi dus a praxe tradicional. Fazia-lhe ver que nao se tem o direito de recusar a quem quer que seja, a graca de Deus, criando obstáculo á salvagáo do próximo; existe entre as criaturas hu
manas perfeita igualdade diante de Deus, sem preconceito de idade. E, a fim de ajudar a vencer a repugnancia de Fidus, Cipriano o incitava a urna visáo mais sobrenatural das coisas: beijar urna criancinha vem a ser o mesmo que beijar as máos de Deus que acabam de formar essa criancinha. Nem sequer é necessário esperar os oito dias prescritos pelo Antigo Testa
mento para a circuncisáo. pois esta foi ab-rogada (como as demais figuras do Antigo Testamento) pela realidade crista. Eis as palavras do santo bispo de Cartago: _ 274 —
ANTIGOS
CRISTAOS
BATIZAVAM
CRIANCAS?
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"No tocante as crianzas, dizes que nao devem ser balizadas no segun do ou no tercetro día, mas que seria necessário tomar como modelo a lei antiga da circuncisáo e, por conseguinte, nao balizar nem santificar o reeém-
-nascldo antes do oitavo día. Nossa assembléia pensou de modo totalmente
diverso. O procedimenlo que preconizas, nao obteve um sufragio; todos tomos da oplniáo de que nao se devem recusar a misericordia e a graca de Oeus a alguém que venha á existencia. O Senhor diz no Evangelho:
O Filho do homem nao velo para peider as almas, mas para salvá-las' (Le 9, 56). Por conseguinte, na medida em que de nos depende, nao de-
vemos perder alma alguma...
Numa palavra, a Escritura Divina nos mostra que todos, pequenlnos ou
pessoas idosas, recebem Igualmente o dom de Deus... As dlferencas de idade e de estatura corporal valem dlante dos homens apenas, nao dlante de Deus... o Espirito Santo é dado igualmente a todos, nao segundo me dida proporcional a cada um, ma3 segundo bondade e benevolencia pater nas. Pols Deus nao faz accepcSo nem de idade nem de pessoa (At 10,34; 1 Pe 1,17), mas, ao distribuir a gtaca celeste, ó para todos um Pai aue
reparte de modo
igual.
Acrescentas, porém, que o pó de urna crlanca, nos prlmeiros dias após o seu nascimento, nao é puro e causa repugnancia a quem o oscule. — Nem Isto deve ser obstáculo a que se Ihe confira a grapa divina. Na verdade, está escrito: 'Tudo é puro para os que sao puros' (Ti 1,15). Nln-
guém deve ter horror ao que Deus se dignou de fazer... A crlanca nao é tal que se deva... ter horror pequenino, deve pensar... ñas e que nos beijamos de certo vlndo á luz, pois abracamos a
de a oscular; cada um de nos, ao befjar o máos de Deus, das quais ele acaba de satr modo nesse ser humano recém-lormado e obra de Deus.
Quanlo ao fato de que a circuncisáo judaica se admlnistrava no oitavo dia, era Isso um símbolo e como que um esboco, urna figura, que se devla cumprir quando viesse o Cristo... Essa figura cessou quando velo a realldade plena, a qual nos fot entregue com a circuncisáo espiritual.
Por isto eremos que nSo se deve Impedir alguém de receber a graca segundo a leí que fol e?tabeteclda; Julgamos que a circuncls&o espiritual nao deve ser Impedida pela circundado carnal, mas aue é preciso admitir todo homem á graca de Cristo, porquanto Pedro observa nos Atos dos Apostólos: 'O Senhor me disse que homem algum devla ser chamado sujo
e impuro' (10,28)...
Els
por que,
lrmáo
carissimo,
nosso
Concillo
foi do atvitre de que
ninguém deve ser por nos afastado do batlsmo e da grapa de Deus, que
para com todos é misericordioso, benévolo e manso" (eplst 64).
7)
Orígenes, mestre e pregador em Alejandría (t 253/254)
Orígenes de Alexandria, tendo estado em Roma e na Pa lestina, é testemunha abalizada do pensamento e da praxe da Igreja antiga. O depoimento desse escritor vem a ser parti cularmente importante por afirmar que o batismo das criangas — 275 —
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«PERGUNTE
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RESPONDEREMOS» 162/1973
é algo de indiscutível na Igreja, devendo ser atribuido aos próprios Apostólos. Ademáis o mestre alexandrino justifica tal costume apelando para a existencia de urna mancha original nos pequeninos.
Eis as palavras do mestre: "A crianza recém-nasclda pode ter pecado? Todavía hé um pecado... do qual ninguém é isenlo, mesmo que viva um dia aó (cf. Jó 14,4). É de crer que Davi falava desse pecado quando dizia: 'Mlnha mié me concebeu em pecado' (SI 50,7). Ora a historia nao refere pecado atgum da máe de Davi. Foi por causa desse pecado que a Igreja recebeu dos Apostólos a tradl$áo de dar o Batismo aos pequeninos. Com efeilo, aqueles a quem foram confiados os misterios divinos, sabiam que todo homem traz em si, ao nascer, a mancha do pecado que deve ser lavado pela agua e pelo Espirito (Cf. Jo 3,5)" (In Rom I. 5, 9 PG 14, 1047).
"As crianzas sao batizadas para o perdáo dos pecados. De que pe cados se trata? Quando puderam elas pecar? Como se pode Justificar o batismo das criancas, se nao se admite a Interpretacáo que acabamos de dar; 'Ninguém é Isento de mancha, mesmo que a sua vida na Ierra dure apenas um dia'? (cf. Jó 14,4). É porque a mancha com que nascemos é apagada pelo misterio do batismo, que se batlzam mesmo as criancas,
visto que 'ninguém poderá entrar no Reino de Deus se nao renascer da agua e do Espirito' (Jo 3,5)" (In Le h.
14).
Orígenes assim atesta a consciéncia que a Igreja tinha no séc. III (e teria cada vez mais claramente no decorrer dos tempos), de que todos os homens nascem herdeiros da nódoa ou
da perda que os primeiros pais contrairam para si e todos os
seus descendentes (cf. Gen 3). Os judeus anteriores a Cristo sabiam que o mundo foi desordenado pelo pecado; todavia nao lhes era claro até que ponto essa desordem havia penetrado dentro do homem.
Os textos de Jó 14,4 e SI 50,7 citados por Orígenes nao tinham, para os seus leitores judeus, todo o significado que se patenteou aos leitores cristáos. A mancha mencionada por Jó e pelo salmista é entendida, no contexto judaico, em sentido ritual (cf. Lev 15,19s; 12,2s). Contudo essa mancha ritual estava, na realidade, associada a urna fraqueza moral e a urna propensáo para o pecado, que se vai manifestando na manga á medida que cresce. Sao Paulo, em Rom 5,12, desenvolveu genuinamente tais
conceptees dando base explícita a doutrina crista do pecado original. Convicto desta proposigáo de fé, Orígenes ensina a necessidade do batismo para todas as criancinhas.
— 276 —
ANTIGOS
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CRISTAOS
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As inscribes funerarias dos séc. III e IV
Os epitafios dos túmulos de enancas, freqüentes em Roma e na Italia, redigidos tanto em grego como em latim, atestam, por sua vez, o batismo de criangas. É difícil assinalar a data
precisa de cada urna dessas inscricóes; todavia sabe-se que recobrem os séc. III e IV. Nao poucos desses epitafios dizem claramente, seja em termos explícitos, seja em termos equiva lentes, que a crianza foi batizada, que é um «fiel», um «neófito»; cm mais de um caso, percebe-se que o sacramento lhe foi administrado em artigo de morte. Tenham-se em vista os seguintes dizeres: "Tiquó, a suave, vlveu um ano, dez meses, quinze días; recebeu [o batismoJ aos oilo das calendas...; enlregou [a alma] no mesmo día"
(Roma, séc.
III).
"A Flávia, dulcisslma menina, que recebeu a graca da (onte gloriosa de modo normal no día salular de Páscoa, e sobrevlveu cinco meses após o sanio batismo. Viveu tiés anos, dez meses, sele dias. Flavlano e Arque táis, seus genitores, á sua mui cara filhinha.
Sepultura aos quinze das calendas de setembro" (Salona, séc. IV). "A Julia Florentina, multo suave e Inocente crlanca, que se tornou fiel, seu genitor mandou fazer [este epitafio]. Nascida paga na vigilia das nonas de marco ao despontar do dia, sendo Zoila cotetor da provincia. Tornou-se liel dezoito meses e vinte e dob días mais larde, na ollava hora da noite, estando a ponto de morrer; sobreviveu aínda quatro horas, de sorte que recebeu de novo o que é costumelro1. 5 morreu em Hibla no
sétimo dia das calendas de outubro, na primelra ¡hora do dia... Seu corpo foi sepultado com o caixáo respectivo no quarto dia das nona? de outub-o, pelo sacerdote, junto aos mártires" (Calamá, na Sicilia, inicio do séc.
IV).
"Aquí repousa Fortúnla, que vlveu cerca de quatro anos. Seus geni tores mandaram colocar fe3te epitafio] em memó-la de sua dulcfsalma filha. Recebeu fo batismo] no sexto día... e foi sepultada no oltavo día das calendas de anosto, sob o consulado de Graciano (segunda vez) e do Probo" (Cápua, ano de 371).
"Aquí jaz Mauro, menino de cinco anos e tres meses; recebeu [o ba-
tlsmo] na idade de dols ou tres ano9, no dia das nonas de agosto" (Roma). "Chelo de Inocencia, de bondade gene-osa e adml^vel talento. Flá»lo Aurelio Leo, neófito, viveu seis anos, oilo meses, onze día?. Repousou em paz no sexto día das nonas de Julho, sob o consulado de Filtpe e Salla.
Leo, seu pa] e... sua genitora manda-am fazer [este túmulo] para seu dulcfssimo filho e para si meamos" (Roma, ano de 348). 'O viático ou a S. Comunhgo.
— 277 —
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RESPONDEREMOS:*
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"Aquí jaz Zósímo, fiel Lnascido] de genitores liéis, com a idade de dois anos, um mes, quinze días" (Roma, sec. III). "Aqui jaz Aurelio Melicio, menino
cristio,
fiel,
pereg.ino,
que viveu
quatro anos e dois dias. Morreu na noite de Páscoa, no decorrer da vigi lia, durante a quinta oracáo. Entregou a alma e foi sepultado no dia oo
sol, sexto das calendas de abril" (Cniusi, 27 de marco de 354 ou 363 ou 376).
9)
Sao Sirício, Papa, em 385
Muito digno de nota é o seguinte trecho da carta que S. Siricio dirigiu ao bispo Himério, aos 10 de fevereiro de 385: "Prescrevemos que se administre sem demora o batismo as criancas que, por eleito de sua idade,
ainda nio podem talar, ou as pessoas que
se encontrem numa necessidade qualquer de receber o santo batismo. Desejamos assim que nao decorra detrimento para nossas almas se, em conseqüéncia de denegamos o batismo a quem o pede, certos moribundos venham a perder o Reino e a Vida" (PL 13,1134-1135).
Este texto supóe, para a salvacáo eterna, a necessidade do batismo de agua. Tal suposicáo é válida até nossos dias; a Igreja a reafirma na base de Jo 3,5. Todavía, com o decorrer dos tempos, tal doutrina foi sendo aprofundada; com efeito, os teólogos, sob a guia do magisterio da Igreja, foram reconhecendo que o batismo de desejo ou o desejo de receber o batis mo pode bastar para salvar a quem nao possa ter acesso a agua sacramental.
A doutrina do batismo de desejo foi ulteriormente desdobrada, de modo que hoje se admite a validade nao somente do
desejo explícito do batismo (o candidato quer conscientemente receber o batismo de agua), mas também do desejo implícito do batismo (tal é o caso de urna pessoa que ignore a existencia
e a necessidade do sacramento do batismo, mas viva táo fiel mente a sua consciéncia ou á voz de Deus que Ihe fala pela consciéncia rota, que, se soubesse da necessidade do batismo de agua, ¡mediatamente o pediría).
Eis quanto se pode coligir de mais eloqüente na documentacáo crista dos séc. II/IV a respeito do batismo das criancas. Tais textos revelam suficientemente que se trata de costume antiqüíssimo, atribuivel mesmo á época dos Apostólos. Nao
pode senáo corresponder á mente do Senhor Jesús, que, á guisa — 278 —
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CRISTÁOS
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CRIANCAS?
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de norma (suscetivel de excegóes, sem dúvida), quis associar batismo e salvagáo eterna, sem distinguir idades: «Se alguém nao nascer da agua e do Espirito, nao poderá entrar no reino de Deus» (Jo 3,5).
Os antigos escritores, assim como os teólogos posteriores, compreenderam e compreendem que a enanca é batizada em vista da fé da Santa Máe Igreja; esta é suficiente para que os pequeninos nao fiquem privados da graga santificante antes do uso da razáo. Veja-ise o desenvolvimento teológico da doutrina do batis
mo das criangas nos artigos de PR citados no inicio deste artigo
(P. 271). Para confeccionar este
trabalho, muito
nos valemos da coletánea de
textos apresentada por J.-Ch. Didier com o título enfants? La réponse de ta Tradition". Paris 1967.
"Faut-il
baptiser les
Estevao Bettencourt O.S.B.
carta aos amigos (Continuado da pág. 262)
te para. Jerusalém através dos sáculos, movidos por aspiracoes aparentemente diversas, mas no fundo convergentes, pois procuravam a Deus. Na Cidade Santa, toma-se consciéncia de que nao ha amor nem ideal sem cruz: Jesús selou a sua Boa-Nova com o sanguc e, consecuentemente, todo cristáo há de comprovar a sua autenticidade acompanhando o Senhor em sua Faixáo e Morte para participar da sua Ressurreicao. Mas nao só o texto bíblico fala de modo próprio na Térra. Santa. Dir-se-ia, mais, que é todo o plano salvífico de Deus que
o cenário local traz a mente do observador. Com efeito, diz a Biblia que Abraao teve dois filhos: Isaque e Ismael. Do primeiro procede Israel ou o povo judaico, cujas expectativas se consumain no Cristianismo; do outro, Ismael, fiího de Agar, proce-
dem os árabes (ismaelitas, agarenos) muculmanos. Pois bem; os tilhos de Abraao — uns segundo a carne, outros segundo o espirito se cruzam e encaram, nerplexos, interrogativos ou interessados, ñas rúas de Jerusalém. Ao vé-los, o visitante é lembrado de auc aínda há muito que fazer na historia da humanidade: é oreciso que os homens convirjaan entre si nao somente
por motivos geográficos ou físicos (que por vezes sao cegos e
brotáis), mas também pelo afeto fraterno. O plano de Deus ainda se vai desenrolando e apela para a colaboracáo de todos os homens... Mas oue poderia fazer um cristáo, individuo na
grande massa, dianté dos ingentes problemas que o cenário de — 279 —
Jerusalém propoe ao observador? — £m última análise, a resposta que me volta cozn insistencia, ó aqueta que a Biblia mes-
raa faz ressoar tanto na Antiga como na Nova Lei: «Sede san tos, porque Eu sou santo» (Lev 11.44) e «Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Como se vé, é esta a medula da mensagem bíblica tomada de ponta a ponta, medula que se poderia assim parafrasear: «Fazei o que o Pai pede de vos hoje e aquí, sem covardia, com amor, até as últimas conseqiiéncias, e assim vos estaréis configurando ao exemplar que Ele tem a respeito de cada um de vos». É de tais instrumentos que o Divino Artífice da historia quer precisar para realizar Seus designios. Ele sabe o que ha de fazer; todo cristáo sabe, ou procure saber, o que suas possibilidades lhe permitem fazer. 2) No cenário de Jerusalém, a Semana Santa de 1973 foi altamente significativa. Note-se que este ano o número de pe regrinos esteve particularmente elevado. Sim. a Páscoa dos judus caiu no dia 17 de abril (e teve sua oitava); a Grande Se
mana de católicos e protestantes foi a de 15 a 22 de abril, ao passo que os cristáos ortodoxos tiveram sua Semana Santa de 22 a 29 de abril. As ruelas da Velha Cidade foram entao palmilhadas pelos mais diversos grupos de fiéis, que por vezes oravam alto em inglés, francés, alemao, espanhol, italiano, polonés,
árabe, armenio; na sexta-feira santa 20 de abril varios grupos carregaram a cruz pela Via Dolorosa, percorrendo as quatorze
estacóes d«o Pretorio de Pilatos ao Monte Calvario.
Entre murtas outras coisas, o quadro geral lembrava quan-
to a psicología humana precisa de sinais sensíveis. Estes lhe sao espontáneos, de tal modo que dessacralizacao e secularizado no sentido de apagamento dos símbolos religiosos sao algo de antinatural e desumano. Aqui no Oriente aprende-se a reva-
lorizar os sinais do transcendental, que no Ocidente muitos pre-
tendem abolir como se fossem algo de arcaico ou um obstáculo
á auténtica mensagem do Evangelho. O homem oriental jamáis se reconheceria num ambiente despojado das marcas da fé e da
eternidade; basta ver, pelas mas de Jerusalém, os homens e as
mulheres árabes com seus turbantes, véus, túnicas, os judeus ortodoxos com seus chapéus e suas trancas, os monges cristáos gregos, etíopes, coptas com suas cogulas, para sentir o senso
místico dos orientáis, dos quais os ocidentais
muito
podem
aprender.
A esta altura, nao poderia deixar de mencionar o sábado
em Jerusalém. Desde a sexta-feira, as primeiras horas da tarde, até o por do sol de sábado, cessa o tráfego de ónibus; poucos carros continua m a circular na cidade, de modo que até os estrangeiros sao obrigados (por vezes, a contra-gosto) a parar.
Os judeus se dirigem, na sexta-feira á tarde, para o Muro das _ 280 —
Lamentacoes, onde vao orar com fervor, agitando todo o seu corpo; no sábado de manhá, pelas rúas tranquilas da cidade, véem-se numerosos homens, com a Biblia envolvida em bolsa de veludo bordado, a dirigir-se para a sinagoga (existem 600 sinagogas em Jerusalém; naturalmente militas sao pequeñas, sao
saldes de urna residencia); nao raro, pai e filho assim caminham apressados para a assembléia de oracao... — O que importa ao observador neste contexto, é apreciar a presenca viva, mar cante, dos valores religiosos mima cidade que atingiu o nivel de civilizacáo e conforto de qualquer outra grande cidade cosmo polita.
S) Depois de Pascoa, de 24/IV a 2/V, tive a ocasiáo de participar de urna viagem bíblica, á península do Sinai. Éramos 42 pessoas, quase tocios estudiosos de S. Escritura, que desejavam reviver um pouco as etapas da cam ¡uñada do povo de Deus narradas pela. Biblia em Éxodo, Números e Deuteronómio. A experiencia d;o deserto é luna escola... Entre outras coisas, ensina a apreciar a agua (aparentemente táo banal) como ele mento vital, do qual cada gota entáo se poupa e cobica; o de serto faz sentir também a necessidade da solidariedade absoluta dos homens entre si, pois mostra de nerto como todos devem poder contar com todos; faz outrossim experimentar o perigo (mencionado pela Biblia) da murmura cao, do descontentamento, da impaciencia (principalmente quando o ónibus atóla na areia, o que é quase inevitável; quando o próprio guia hesita entre diversas passagens lacónicas através de areias e monta-
nhas; quando se atrasa o horario em conseqüéncia de impre
vistos, quando a poeira se acumula sobre as faces, as roupas, a comida...). Mas, muís particularmente, o deserto faz sentir a presenca de Deus: o silencio, a solidao, a pujanca das linhas de montanhas e córregos secos, a luta da mísera vegetacáo que tenta brotar ou sobrevivir onde e quando possível, um ou outro raro tronco de palmeira atirado ao solo por violenta temnestade
de veráo... tudo isto conjuntamente faz que o espirito do vian
dante se volte para o Eterno, o Definitivo, em suma, para o
que o fica deoois aue se deixam para tras fantasías e varieda
des .. . Deus parece defrontar-se entao maís pujante e eloqüentemente. Mas por que nao dizer também que a face do deserto
lembra bastante a face da Lúa misteriosa, vista em fotogra fías? ... No día 30/IV, as 6 h da manha, concelebramos a S. Missa no cume do D.iebcl Mousa (Monte de Moisés) a 2.200 m de altura, onde se julga que Moisés recebeu as tábuas da Leí;
a ascensáo, em parte por degraus dispostos na rocha, fora ar dua, mas teve magnífica, compensacáo pela vista ampia, marcada por montanhas ondulantes e jogo de luzes que a cumiada oferecia ao espectador. Durante as preces comunitarias da Liturgia, um dos companheiros elevou a voz para nos convidar a dar gracas ao Senhor pelas montanhas, pelo sol, pela luz, pelo de
serto, em suma, pelas obras die Deus que se expandiam aos nos-
sos olhos... Mais do que nunca tal prece me parecía, vir a pro pósito! — Alias, desde os séc. III/IV o Sinai é um lugar ininterruptamente habitado por monges, cujas ermidas e mansSes ,(das quaies a principal é o Mosteiro de S. Catarina) ainda se podem ver esparsas na regiáo em pequeños oasis. A historia do Cris tianismo mostra que no Sinai os homens sempre procuraram
ouvir a voz de Deus (que desencadeou o povo bíblico) e res ponder com generosidade a essa. voz.
4) Aos 7/V/1973, o Estado de Israel celebrou com solenidade e grande exultacao o 25' aniversario de sua existencia: houve imponente desfile militar e sucessivas demonstragSes de autoafirmacáo, em meio a fortes tensóos no Próximo Oriente. Mesmo abstraindo do ponto de vista, político, as celebrares da Independencia eram aptas a lembrar ao observador alguns fa-
tos significativos da historia passada. Com efeito, Jerusalém,
constituida por Davi capital de Israel no séc. X a. C, foi arre batada aos judeus em 587 a. C. por Nabucodonosor da Babilo nia, que destruiu a cidade. Reconstruida a partir de 538 a. C, Jerusalém foi de novo arrancada, aos judeus, desta vez pelos romanos, em 70 e 135 d. C. — Ora o povo de Israel sempre viu nesses reveses ou ñas quedas de Jerusalém em máos alheias um sinai religioso: de tal maneira Deus visitava o seu povo, exortando-o á conversáo, diziam os mestres de Israel... Em 1973
Israel se senté senhor, de novo, em Jerusalém e o afirma solenemente. Deus parece sorrir ao seu antigo povo, atendendo a urna de suas mais profundas aspiracoes. Por que nao dar ao acontecimiento tambem um significado religioso? Os judeus tcráó sua maneira de interpretar a data. Nos, cristaos, os acompanhamos, fazendo votos para que Israel possa compreender o sentido de sua misteriosa historia; possa. reconhecer que o por tento de Israel é, em última análise, obra de Deus, que quer assim Droporcionar a Israel mesmo e ao mundo um dos mais
eloqüeñtes sinais em favor do Cristo Jesús, pois, na verdade, parece que nao se pode entender a reaJidade de Israel senao .em funeao do Cristo Jesús. É para preparar a vinda do Messias c para dar-Ihe testemunho atraves dos sécalos que Israel existe.
Por hoje é preciso terminar aquí urna narracao que iría
longe. Possam ao menos estas linhas ou breves memorias servir
de líame fraterno entre todos os que labutam em torno de PR!
Aos amigos que me proporcionaran» o presente deste contato com a Térra Santa atualmente, mais urna vez a minha profun
da gratidáo. A todos os leitores de PR agradecemos a colaboracao em orol da revista; possa ela, por intermedio de seus amigos, ajudar a muita gente! Aquí ficam as saudades efusivas e a promessa de oracóes deste irmáo, que em julho espera estar de
novo no Brasil, levando para ai urna grande porgáo do céu de Jerusalém, que é um céu sempre azul, céu de paz e de sorriso inspirado peía fé ou pela consciéncia de que Deus está presente
em meio aos homens!
Estéváo Bettencourt O.S.B.