Ano Xiv - No. 158 - Fevereiro De 1973

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  • Pages: 50
Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora,

visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questSes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de

vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus

abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo

da

revista

teológico

-

filosófica

"Pergunte

e

Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

índice Pág.

EM

MELBOURNE O MUNDO ORA

49

A perene interrogacáo:

HOMEM, QUEM ÉS TU ?

51

Quesláo sutil, de fácil solucáo:

AFINAL, QUAL O DÍA DO SENHOR : SÁBADO OU DOMINGO?....

63

Mullo se fala:

CURSILHOS

DE

CRISTANDADE : SUBVERSAO ?

74

Urna das últimas conquistas da medicina:

TRANSPLANTE DE OVARIO

87

LIVROS

92

NO

EM

RESENHA

PRÓXIMO

NÚMERO :

Antigo Testamento : verdade ou lendas ? «Falta um dia na historia da humanidades. Que é magia ? Que é Relígiao ? «Sobre as '¡grejas brasileiras'». X

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual

Cr$ 30,00

Número avulso de qualquer mes

Cr$

Volumcs encadernados de 1958 e 1959 (proco unitario)

CrS 35,00

índice Gcral de 1957 a 19G4

Cr$ 10,00

Índice de qualquer ano

CrS

EDITORA REDACAO DE PR Caixa Postal 2.666

ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)

LAUDES

S.

4,00

3-.00

A.

ADMINISTRACAO Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09

20000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268-2796

H.

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CK>T U

EM MELBOURNE

Estamos vivcndo a era dos enconlros ou corlamos internacionals. Homens das mais diversas partes do globo convergem para um só ponto, a fim de estudarem juntos ou con Averem entre si, conscientes de que devenios ser cada vez mais urna grande familia sobre a térra.

Ora no piano católico dá-se algo .de paralelo nesle mes de fevareiro : a cidade de Melbourne (Australia) torna-se cenário do 40" Congresso Eucaristico Internacional nos dias 18-25/11/73.

Esperam-se naquele distante ponto do globo bispos, sacerdotes e leigos de lodos os continentes, atraídos por urna visáo de fé altamente significativa.

E ojuais soriam as características dessa visáo de fe ? 1) A finalidade de um Congresso Eucaristico ó, antes do maiij. tornar particularmente concreta e viva a roalidf.de da I;;reja: esta consta de povos diversificados pelas suas culturas, nías reunidos minia só grande familia pelo amor de Deus. O

sinal — i\ ¡io mosmo lempo, o vcículo comunicador — dess.i unidad? no amor é a Eucaristía. Sim; na Eucaristía Cristo

se oferece ao Pai nao a sos, mas com toda a sua Isrcja, com todos os homens. Pode-se entáo dizsr que a Igreja vive da Eucaristía, porque vive de Cristo, que a Ela se comunica por

excelencia mediante a Eucaristía. Tal comunháo de vida entre o Senhor e os seus fiéis ocorre todos os dias e em toda parte, mas ola ó tornada mais sensível e evidente por ocasiáo desses certantos qu? sao os Congressos Eucarísticos. — Ora a rrande asscmbléia de Melbourne foi certamente concebida como doíronslracüo o reavivamento da unidade da Igreja cimentada pslo {'.mor. A Australia foi escolhida como teatro desse encon tró justamento para significar que a Igreja é universal, é tanto do Vellin Mtndo como do Mundo mais jovem (o penúltimo Con-

grcsso Eucaristico Internacional deu-se em Bombaím, 1964, e

o último em Bogotá, 1968).

2) Durante um Congresso Eucarístico realizam-sc. além de celebracóes litúrgicas e atos de culto diversos, passóes de estudo com palestras e comunicacóes aue ¿leFionvolvom o terrn dominante da Semana. — O tema oficial do Congi e?so Euca ristico Internacional de Melbourne será a p?.!r.vrn de Cristo : — 49 —

uns aos outros como eu vos ameb

(cf. Jo 13,34).

Este tema-programa foi indicado pelo próprio S. Padre Paulo VI, que assim deseja possa o grande certame contribuir, de modo especial, para renovar e fortalecer o amor fraterno entre todos os homens. Viver a Eucaristía é viver o amor,... nao a sim ples filantropía ou o humanitarismo, mas o amor paradoxal de Cristo, que se entregou indistintamente por todos os homens. quando estes se tinham afastado do Amor pelo pecado.

3) O Congresso Eucaristico de Melbourne será também uma reafirmacáo da fé católica na real presenca de Cristo na Eucaristía. Nesta fase da historia em que novas teorías surgem, por vezes imaturamente, no seio do povo de Deus, a adoraqáo

de Cristo Eucaristico tem sido questionada, com prejuizo para a fé católica. Ora, a fim de evitar graves males espirifcuais, a

Igreja reafirtma o culto da S. Eucaristía sob todas as formas, das quais a principal é, sem dúvida, a celebragáo da Missa; a adoragáo ao SSmo. é uma decorréncia legítima e tradicional do sacrificio da Missa.

4)

Todo Congresso Eucarístico tem anexa a si a idéia

de peregrinacáo. Peregrinar em demanda de um santuario é

movimento espontáneo do homem religioso ; os hindus o praticavam já antes de Cristo — e ainda o pratícam —. dirigindo-se aos múltiplos templos sagrados esparsos pela India. Os judeus anteriormente a Cristo iam a Jerusalém por ocasiáo da

Páscoa ou de outras solenidades do ano, ainda que habitassem no estrangeiro. Os mugulmanos peregrinam a Meca. Os cristáos desde os primeiros sáculos procuram fervorosamente os lugares santos apontados pela fé : a Palestina, Roma, algum santuario ou mosteiro... Nao se creía, por isto, que Deus nao esteja presente em toda parte, mas a S. Escritura parece ensinar que Deus quis marcar seus encontros com os homens em lugares

especialmente santificados pela sua presenca viva. Somos sensiveis. de modo que é de maneira visível, social e comunitaria

que Deus quer atrair os homens a si. — Daí a confluencia dos fiéis para a Australia, que se torna assim o grande centro de oracáo do universo nestes dias de fevereiro. A um fiel católico no Brasil resta agora unir sua prece á dos congressistas e pedir ao Senhor queira fazer frutificar ampíamente a assembléia de Melbourne: torne mais conhecido e amado o indizível Amor de Deus. e resulte em sentimentos de fraternidade mais sincera para todos os povos ! Esta segunda meta, ao menos, nao poderá deixar de interessar vivamente também o irmáo nao católico. E. B.

— 50 —

«PERGUNTE E

RESPONDEREMOS»

Ano XIV — NM58 — Fevereiro de 1973

A perene Interrogacáo:

homem, quem és tu? Em síntese:

A estima da pessoa humana é fruto tipleo da RevelacSo

bíblica (em particular,... da mensagem do Novo Testamento).

Antes de Cristo, o homem era freqQentemente tldo como parte do cía ou da tribo; além do que, a escravatura era Justificada por grandes

filósofos.

O Cristianismo despertoü a conscléncla de que o homem é Imagem

e semelhanca de Deus, mediador entre as criaturas Inferiores e o Criador. Esta funcSo natural do homem fol elevada a nova dlgnldade mediante a

encarnacSo do Filho de Deus; Cristo padecente e ressuscltado é o Pal de nova humanldade. Consciente disto, a Igreja defende hoje a dlgnldade humana frente a Invectivas que a vlllpendlam direta ou Indlretamente: o aborto, o genocidio, a eutanasia, a tortura, a exploracSo de trabajadores emigrantes... A Igreja se Interessa também pela promocáo Integral do homem

(corpo e espirito), defende a llberdade religiosa, ou saja, o dlreito que cada

pessoa tem de optar llvremente diante do problema religioso, problema que se ImpSe por si á consclencla de todo homem (a liberdade religiosa nio Impede o apostolado e a missSo, que tém por fim Informar todo homem a respeito do Evangelho, a fim de que opte mais conscientemente...). Por

último, assinale-se o apelo á corresponsabilldade dentro da Igreja como expressáo típica da conscléncia crista de que ninguém é meramente passivo e receptivo no povo de Deus.

Comentario: Em nossos dias, a pessoa humana — sua formacáo, seus direitos e deveres, seu relacionamento com a sociedade, sua abertura para os valores transcendentais, etc. — é objeto de interesse crescente por parte de estudiosos e pen sadores : as ciencias ditas «humanas» se multiplican! e desenvolvem para atender aos anseios dos nossos contemporáneos. — Quem observa o fato, talvez nao tenha consciéncia de que ó um fato cristáo em sua raíz; foi, sim, a Revelacáo bíblica — 51 —

■i

PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

158/1973

que despertou a atengáo dos homens para o significado e o

valor da pessoa humana. Aqueles, que hoje dedicam a esta o seu interesse, estáo sendo, em última análiss, beneficiadas pelo Cristianismo.

«Parece que o conccito de pessoa nao se onconira om parf' alguma fora do setor da Revelacáo (judeo-cristá)» (A. Guggenberger, art. «Bersonne» em «Encyclopédie de la Foi», sob a direeáo de H. Fríes, t. III, Paris 1966, p. 425). Foram, sim, os pensadores cristáos dos seis primeiros sáculos que elabora-

ram o conceito de pessoa nao tanto para propiciar ao homem urna melhor compreensáo de si mesmo, mas para esclarecer a noe.áo de Deus Uno e Trino e a realidade da Encarnagáo.

— Hoje em dia mesmo em escolas filosóficas que renegam a origem crista da noc.áo de pessoa, a filosofía da psssoa se nutre do respectivo fundo cristáo ; tenha-se em vista, alias, a bela passagem da Constituigáo «Gaudium et Spes» do Concilio do Vaticano n (n* 22).

Um

breve percurso do histórico do

conceito

do pessoa

humana ilustrará quanto acaba do ser dito. Distinguiremos cinco etapas em nosso roteiro.

1.

No antigüiderde pré-crista

Os antigos nao tinham nocáo clara do que significa propriamente a pessoa humana, de sorte que fácilmente a ,depreciavam. Eis tres expressóes do descaso para com a pessoa humana na antigüidade :

1.1.

Mentalidade do ció

A palavra se deriva do irlandés clann, descendente. O dá

é um conjunto de individuos consanguíneos que se expressam

por um nome genérico, urna marca ou um brasáo ou tambóm urna tatuagem. — Segundo a mentalidade do dá, a tribo ou a horda vem a ser o sujeito de qualquer sancáo (premio ou castigo). O individuo só tem o valor que lhe dá o dá ou o grupo a que ele pertence. Ainda em nossos dias sa fala de «grega rismo» e «carneirada», para significar falta de personalidade — 52 —

HOMEM. QUEM ÉS TU?

ou de auto-afirmacáo, em conssqüéncia da qual o individuo faz mais ou menos cegamente o que o respectivo conjunto faz. Tem-se nítida expressáo deste modo ,de pensar até mesmo no povo de Israel. Lé-se, .por exemplo, no Decálogo o primeiro mandamento da Lei de Deus formulado segundo tal menta lidad»? :

"Eu sou teu Deus, um Deus zeloso, que vinga a ¡niqüidade dos pais

nos filhos, nos netos e nos blsnetos, daqueles que me odeiam ; mas uso

de misericordia até a milésima geracSo com guardam os meus mandamentos" (éx 20,5s).

aqueles que

me amam

e

Como se compreende, estes dizeres se adaptavam as cate gorías rudes do povo de Israel : a Lei recorría á linguagem que Israel era capaz de entender. Sáculos depois, o Senhor Deus. por meio do profeta Ezequfel, corrigia em seu povo a mentalidade do clá : os israelitas, punidos no exilio, se eximiam

da devida penitencia, sob o pretexto de que os pais é que haviam comido uvas verdes e eles, inocentes, tinham os dentes embo tados. O profeta replicava :

"A pessoa que peca, é que deve perecer. Nem o filho responderá pelas faltas do pal, nem o pal pelas do fllho. É ao justo que se atribuirá

juslica, e a malicia ao implo" (Ez 18,20).

A mesma mentalidade do clá transparece ainda no Evangelho. quando os Apostólos, ao avistarem um cegó de nascenca, pernuntam ao Senhor : «Ouem pecou, este ou seus pais, oara que nascesse cago?» (Jo 9.2). Jesús, com sua resposta. dissipou a concepcáo dos discípulos. Era primitiva demais, por nao levar em conta as responsabilidades pessoais. 1.2.

Totemismo

A oalavra tótem vem de totam, ndodem, ototeman. Era o

nome da tribo dos indios algonquins Odjibvva, dos Estados Unidos da América : significava «ele é ido meu clá». Passou a designar o animal ou o vegetal sagrado tido como ancestral ou protetor de urna coletividade ou de um individuo. A mentalidade totémica afirma que determinada familia ou tribo participa dos predicados de um tótem (animal ou planta) que está na origem da linhagem respectiva. Disto se segué naturalmente que o individuo só vale em funcáo do todo ; nao se psnsa em valorizar a pessoa humana como tal. — 53 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 158/1973 1.3.

Escravahira

Os regimes de escravidáo nao reconheciam aos escravos

os mesrnos direitos que aos demais cidadáos, chegando mesmo

a tratá-los como coisas (res, em latim). Grandes pensadores da antigüidade pré-cristá exprimiram tranquilamente o menosprezo total pelo escravo. Xenofonte (t 354 a.C), por exemplo,

exortava a tratar os escravos com bondade, temperando pan cadas e nutricáo a fim de se obter maior rendimento no trabalho (Econ. IV); Aristóteles (t 322 a.C.) julgava que, por natureza, o escravo é incapaz de felicidade, como é incapaz

de livre arbitrio (cf. Polit. m3;IV13;V2;Vn8). O tra-

balho manual ou brazal era reservado aos escravos e, por isto, era dito servil, em oposigáo as profissóes liberáis (estudo, artes, administragáo pública...), que competiam aos cidadáos livres. A este fundo de cena histórico sobreveio

2.

A novidode crista (séc. I—III)

Nao há dúvida, a mensagem crista provocou extraordi naria reviravolta na historia dos conceitos. Com a pregacáo do Evangclho, o significado da pessoa humana comecou a cmcrgir com tragos pujantes na mente ,dos povos cristianizados.

Quais seriam as expressóes típicas do Cristianismo a res-

peito do homem ?

1)

Gen 1, 26-28

Já na primeira página da Biblia se cncontra esbogado o conceito judeo-cristáo concernente ao homem.

Ao relacionar as criaturas com

o Criador, o autor sa

grado a,presenta o homem na posicáo singular de imagcni v. .semelhanga de Deus. A narra^áo bíblica de Gen l,l-2,4a faz as criaturas deste mundo convergir para o homem : a este compete encabecá-las e levá-las para o Criador; multiplique-se, domine a térra e, com o seu trabalho, faca que cada criatura sirva ao homem e, mediante o homem, sirva ao Criador. Desta forma, o homem aparece como mediador ou sacerdote entre o mundo visivel e Deus. 54

HOMEM, QUEM ÉS TU?

2}

SI 8 e Hebr 2

O Salmo 8 faz eco ao Génesis, exaltando a homem neste mundo:

posigáo do

"Quando contemplo o firmamento, obra de vossas máos, A lúa e as estrelas que lá flxastes. Que ó o homem, digo-me entSo, para pensardes nele?... Entretanto de gloria e honra o coroastes ; Destes-lhe poder sobre as obras de vossas máos, Vos Ihe submetestes todo o universo: Rebanhos e gado e até os animáis bravios, Pássaros do céu e peixes do mar, Tudo o que se move ñas aguas do océano". (SI 8, 4-9)

Esta pega literaria, escrita sáculos antes de Cristo, rea parece no Novo Testamento: o autor da carta aos Hebreus

afirma que as palavras do salmo 8 e, por conseguinte, o papel

do homem, se realizaram plenamente no Cristo Jesús. Este é realmente filho do homem,1 mas, ao mesmo tempo, Filho .de Deus ; na qualidade de Messias ou Salvador, Ele recapitula todas as criaturas, inclusive o género humano, e as leva ao Criador. Em Cristo, portante, a dignidade do homem é elevada

ácima de si mesma ; os homens se tornam filhos no Filho de Dcus e Irmño Primogénito que é Jesús Cristo. 3)

Gal 3,27s

Aos cristáos da Galácia, divididos entre si, diz o Apostólo: «Todos vos que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de

Cristo; já nao há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, pois todos vos sois um em Cristo».

O Cristianismo, portante, extingue as barreiras raciais, sociais e profissionais entre os homens, para dar a todos a mesma dignidade : membros de Cristo, portadores da vida divina.

Pergunta-se agora : quais os fundamentos naturais para

que o homem possa ser reconhecido senhor das demais criatu ras visíveis ? 1 "Filho do homem" ó enfáticamente.

expressSo semita,

que

quer

dizer "Homem"

S


— Abertura para o infinito. Por seu conhecimento e sua vontade, o homem ultrapassa a si mesmo; nao foi feito para repousar em si neffn em alguma criatura, mas no Criador.

É o que explica seja o homem sempre inquieto e sequioso na térra; ele pode ser comparado á agulha magnética que se agita estranhamente, porque é polarizada pelo Norte invisível e so repousa quando finalmente se volta para este. A abertura para o Infinito deixa ao homem a — Libcrdade de escolha entre as criaturas. Nenhuma é

tal que esgote as capacidades do homem. Quando opta por de terminado bem criado, o homem apenas opta por aquele que mais lhe parece aproximar-se do Infinito; sabe, porém, que os bens visíveis sao todos limitados. — Decisáo livre, rcspDnsabilidade e criatividade sao outras

prerrogativas do homem entre as criaturas visíveis. Roger Garaudy, apesar de marxista, afirmava que o homem aprendeu de Jesús Cristo que ele, homem, «foi criado Criador».

— Consciéncia moral. Em seu íntimo o homem ouve urna voz misteriosa que ele nao suscita e que difícilmente ele consegue sufocar. É a voz do Criador que lhe diz constantemente: «Pratica o bem, evita o mal», incitando-o assim a procurar sempre em que consistem o bem e o mal concretamente. O Concilio do Vaticano II realgou especialmente o valor da cons ciéncia, designando-a como «núcleo secretíssimo e santuario do homem, onde está a sos com Deus, e onde ressoa a voz de

Deus» (Const. «Gaudium 3t Spes» n» 16). Em outra passagem, observa o texto do Concilio :

"Por sua vida interior, o homem excede a totalidade das coisas. Ele penetra nessa intimidade profunda quando volta ao seu coracSo, onde Deus o espera, Deus que perscruta os coracdes, e onde o homem ante os olhos de Deus decide a sua próprla sorte" (Const. "Gaudium et Spes" n? 14).

As conseqüéncias práticas da mensagem antropológica do Cristianismo haveriam de se fazer sentir aos poucos. O Evangelho suscitou nova estima da mulher, dos fílhos, da familia,

do trabalho, dos valores moráis (honradez, veracidade, generosidade, fraternidade, etc.). Expressáo típica da «revolucáo» assim instaurada é, entre outros, o fato de que o Papa Calisto I (217-222) era um escravo liberto ! — 56 —

HOMEM, QUEM ÉS TU ?

3.

A kfade Media

A civilizagáo medieval herda os valores greco-romanos, mas é bercada pelo Evangelho ; foram os missionários cristáos que transmitiram aos povos bárbaros invasores da Europa a

té e a cultura. Os medievais procuraram construir a «Cidade de Deus», preconizada por S. Agostinho (f 430); apesar disto, há historiadores que os censuran por haver desrespeitado a

pessoa humana. Tais fainas dos homens da Idade Media háo

de ser entendidas dentro do seu contexto histórico próprio, e nao á luz dos criterios do século XX;; o género humano (in clusive o povo de Deus) é comparável a urna crianga que se

abre paulatinamente para o seu ideal, de tal modo que ela só o vive devidamente em idade adulta. As fainas que essa enanca comete, nao podem ser julgadas com a severidade que se aplica a um adulto. A Idade Media foi um periodo de amadurecimento da humanidade e do povo de Deus. Entre as deficiencias dos medievais no tocante á pessoa humana, apontam-se : — a instituicáo dos servos da gleba. Ora, por mais iníqua que nos possa parecer, esta era urna forma de defesa do pe

queño camponés:; ameagado pelas hordas bárbaras, o campo-

nés se sentía protegido sob a tutela dos condes e duques, que Ihe davam térra e defesa — o que o obrigava naturalmente a ficar fixo em sua gleba ;

— a InquM^ao. Os medievais tinham profunda consciéncia do valor dos bens espirituais, entre os quais estava a reta fé. Falsificar a fé pela heresia parecia-lhes ainda mais grave do que falsificar a moeda, pois com a mosda se sustenta a vida física do homem, ao passo que com a reta fé se sustenta a

vida espiritual. Ora os falsificadores de moedas na Idade Media eram punidos pela morte; como nao o s9riam também os fal

sificadores da fé ou os herejes ? Tal era o modo de pensar dos medievais, em conseqüéncia do qual se origiíiou a Inquisigáo. Vcrdade é que cometeram abusos em nome dssta; sejam sin ceramente reconhecidas as fainas dos homens. Lembremo-nos, porém, de que a Inquisicáo em si devia parecer algo de justi ficado e correto aos medievais, pois naquela mesma época viveram grandes santos e doutores como S. Francisco de Assis, S. Domingos, S. Boaventura, S. Alberto Magno, S. Tomás de

Aquino..., que em consciéncia tranquila acompanharam os fatos sem ver motivos de protestar contra a Inquisicáo como tal. — De resto, cada época da historia apresenta seus paradoxos e contrastes: como a Idade Media os tsve aos nossos — 57 —

W

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

olhos, o século XX deverá parecer paradoxal e digno de criticas aos homens do século XXI, pois, em nossa época, os avangos da medicina e as viagens á Lúa sao praticadas simultáneamente com a lavagem de cránio, as torturas, a sufocagáo da liberdade, a deturpacáo das informagóes, etc.

4.

A época moderna

A I-dade Moderna comega com o século XVI e as grandes revolucóes no sstor da ciencia: novos continentes foram descobertos; Newton, Galileu, Kepler, Laplaos fomentaram o desenvolvimento da física, ,da matemática, da cosmología... Os horizontes do homem ss dilataram, apresentando-lhe tarefas novas e cada vez mais agigantadas. Em 1789, a Revolugáo Francesa deu um golpe de grandes conseqüéncias, pondo fim aos regimes de Cristandade, ou seja, aos regimes em que o Estado se dizia cristáo e se comprometía a aplicar os principios do Evangelho as realidades civis e nacionais.

Sobreveio o século XIX com a revolucáo industrial. A descoberta do vapor possibil itou o emprego da máquina para ex

plorar o solo e o subsolo

(minas)

assim como para fabricar

novos e novos utensilios para o bem-estar da sociedade. Foi entáo que o homem comegou a explorar o homem, reduzindo o trabalhador a categoría de proletario "•, enviando mulheres e crianzas para as fábricas, onde trabalhavam doze horas por dia...

Foi assim que surgiu a chamada qucstao social,

a qual

tomou dimensóes crescentes. As correntes socialistas e Karl

Marx procuraram acudir-lhe dentro da montalidade laicista e

atéia que se implantara na Europa desde 1789. A Igreja viu-sc interpelada pela nova situagáo social; foi obrigada a repensar o Evangelho frente ás exigencias da época : a dignidade do homem que a Igreja sempre apontara e apregoara ao mundo, devia ser recomendada e defendida de novas maneiras. Em con-

seqüéncia, apareceram os documentos papáis que foram explicitando a doutrina social da Igreja desde Leáo XIII (encíclica «Rerum Novarum», 1891) até Paulo VI (ene. «Populorum Progressio», 1967, e Carta «Octogésima Adveniens», 1971); estes * Proletario é, conforme a antiga nomenclatura romana, o cidadSo ao qual só se reconhece o direito de ter prole.

— 58 —

HOMEM. QUEM ÉS TU?

11

documentos vém acompanhando com notável realismo e carinho a evolucáo da sociedade e as interrogagóes que o progresso da técnica lhe propóe, como se verá mais claramente sob o título abaixo.

5.

No sáculo XX

1. A pessoa humana está hoje no centro de interesses da filosofía e das ciencias humanas em geral (psicología experi

mental, psicología das profundidades, psicanálise, parapsicolo

gía, psicopedagogia, sociología, etnología...). Emanuel Mounier (1932/33) deu inicio a córrante personalista; esta exalta a pessoa humana nao somente em si, mas também ñas suas

relagóes comunitarias; afirma que a pessoa só encontra sua perfeicáo na comunidade e pela comunidade. Assim o persona lismo de Mounier também é comnnitarismo (nao, porém, coletivismo, pois este significa massificagáo, redugáo do individuo a número dentro de um conjunto).

Como expressáo do apreco que a pessoa humana vai merecendo por parte dos pensadores contemporáneos, a ONU promulgou em 1949 a «Declaragáo Universal dos Dircitos do Homem».

2. Dentro da Igreja, a aprofundada consideracáo do que seja a pessoa humana, tem provocado urna serie de afirmacóes e atitudes da Igreja que sao típicas expressóes do pensamento católico frente as interrogagóes que o Cristianismo e a humanidade atualmente enfrentam : a)

Corrcsponsabilidadc.

O

cristáo ó

responsável.. .

De

modo especial, ele é responsável pela sorte do povo de Deus, a que ele pertence : os anseios e os problemas da Igreja interessam a cada fiel católico. Onde urna lacuna se abre na Igreja, o cristáo nao cruza os bracos perplexo, mas assume decidida mente a sua parte de colaboragáo para que o bem conrum e a face humana da Igreja nao sofram maior daño.

Verdade é que as responsabilidades sao diversas e inconfundíveis entre si: as do Papa nao sao as dos presbíteros, e estas nao sao as dos leigos; todavia ninguém deixa de ter sua missáo a oumprir e suas contas a prestar. — 59 —

12

■sPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 158/1973

b) Promocao do homem. A estima da pessoa humana se traduz praticamente, entre outras maneiras, pela procura do desenvolvimento respectivo. A Igreja, porém, concebe a pro mocáo do homem em sentido um tanto .diverso do marxista. Ela sabe que, além ús aspiracóes a pao, casa e trabalho, todo homem traz em si a marca do Infinito; é preciso, pois, dar ao

homem, além dos elementos materiais, de qu© viva, as razóes

por que e para que viva, ou seja, os pontos cardeais em funcáo

dos quais ele norteie a sua existencia e o seu trabalho. É o

que se chama «a promogáo do homem todo» ou «o humanismo integral» (humanismo que considera o homem nao sonriente como materia, mas também como espirito).

Segundo a concepgáo crista, ainda que o homem pouco

ou nada tenha, ele se valoriza pelo fato de ser : .. .ser porta dor da dignidade humana (nobraza de caráter, sinceridade,

Icaldade, magnanimidada, senso de fraternidade...) e — mais ainda — ser portador da filiacáo divina ou da vocagáo crista. É S. Paulo quem diz na sua qualidade de auténtico cristáo: «Somos tidos como indigentes, mas enriquecemos a muitos;... como sem posses, nos que tudo possuímos» (2 Cor 6,10). Em urna palavra : é mais importante sor do qus ter, embora, para ser plenamente, se suponha o ter.

c) Rtóspeito á vida humana. Á Igreja toca hoje, de modo especial, defender a vida humana ameacada ou vilipendiada pelas práticas do aborto, da anticoncepcáo, do genocidio, da eutanasia... O cristáo sabe que o homem nao vale apenas pelo qui3 ele produz ou pala colaboracáo que possa prestar á sociedade; o valor da vida humana é, antes do mais, aferido por seu relacionamento com o Criador, que tem um designio mconfundível sobre cada urna de suas criaturas. Em particular, a crianca no seio materno nao é, a rigor, menos pessoa humana

do que os adultas, pois nela já existem latentes os constitutivos da pessoa, exigindo respeito ao seu direito de viver. .d) Os injusti?ados sem voz. A justica social, há decenios, tinha em mira principalmente as relacóes entre patráo e ope rario ou entre capital e trabalho. Hoje ela se estende a urna serie de situacóes iníquas, que nao tem quem as denuncie : tenham-se em vista os prisioneiros políticos, os torturados, os operarios que emigram para trabalhar em fábricas ou minas no estrangeiro, as criangas desprotegidas; os meios de comu-

nicacáo que transmitem informacóes deturpadas para atender a interesses comerciáis; a sociedade de consumo, que «achata»

— 60 —

HOMEM, QUEM ÉS TU ?

13

o homem ou torna o homeni unidimensional, fazendo-o comer, vestir-se e divertir-se como sugerem os anuncios da publicidade; a pornografía, que é materia extremamente explorada porque vendável, embora destrua a dignidade dos seus clientes... t

O terceiro Sínodo dos Bispos em Roma (outubro 1971)

apontou essas novas formas de injustiga social, que o cristáo

nao pode deixar passar despercebidas. Cf. «A justica no mundo», ed. Paulinas 1971, pp. 13-15.

e)

A liberdaide religiosa.

Eis mais urna expressáo nova

do aprego que a Igreja tem pela pessoa humana : seja reconhecido a esta o direito día tomar livre posicáo diante do pro blema de Deus. problema este que todo homem em consciéncia tem a obrigagáo de encarar (a Igraja nao ensina o indiferen

tismo religioso). A nenhuma pessoa — física ou moral — é lícito impor determinada atitude religiosa. Esta afirmagáo. porém. nao impede o cristáo de evangelizar e catequizar; todo cristáo é apostólo e missionário, visando com o seu apostolado a fornecer a seus irmáos todos os elementos necessários para que eles facam urna opeáo mais consciente diante de Cristo e do Evangelho. Tais sao os principáis setores em que a Igreja hoje se apresenta como mensageira da dignidade humana, dignidade que a sociedade contemporánea reconhece teóricamente, mas nem sempre respeita na vida prática.

6.

Conclusóo

Víamos que foi a Revelacáo de Dcus que descobriu o homem ao homem: a Biblia, já em sua primeira página, coloca o ser humano no ápice de todo o mundo visível. Para o homem convergem as criaturas inferiores, que por ele sao levadas ao Criador. No Novo Ttestamento, o próprio homem é recapitulado por Cristo — verdadeiro homem e verdadeiro Deus —, e assim elevado a nova dignidade : coerdeiro de Cristo e herdeiro do Pai (cf. Rom 8,17).

Todavia esse otimismo cristáo nao ignora a cruz ,de Cristo. A nova humanidade nao pode deixar de passar pela via dolorosa do Cristo para chegar á ressurreicáo. Muitas vezes expe rimentamos esta verdade: é somente contemplando o Cristo pe-

— 61 —

14

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

decente c crucificado para ser ressuscitado, que temos forga e alentó para levar adiante a nossa condicáo 'humana sobre a ierra.

Em sintese, diz Sao Paulo :

"Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem já nao vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou... Todo aquele que está em Cristo, é urna nova criatura. Passou o que era velho ; eis que tudo se fez novo" (2 Cor 5,15-17).

Nao há auténtico humanismo sem plena configuragáo a Cristo, que se tornou o Principio de nova humanidade através do sofrimento e da morte. A bibliografía sobre o assunto é vastíssima. Por isto renunciamos a

enumerá-la. o teitor:

Todavía desejamos

citar, á guisa

de subsidio ¡mediato para

Rollo May, "O homem á procura de si mesmo". Petrópolis 1972. J. L. Segundo, "A concepeáo crista do homem". Petrópolis 1970.

X

CARO LEITOR,

JA RENOVOU 1973?

A

SUA ASSINATÜRA DE PR PARA

SE AÍNDA NAO, PEDBVIOS-LJIE QUE O FACA SEM

DEMORA. ENQUANTO AS TARDTAS POSTÁIS SOFRERAM O AUMENTO DE 100%, MANTIVEMOS O PREGO DA NOSSA ASSINATÜRA ANUAL A CR$ 30,00. COLABORE CONOSCO MEDIANTE A PRESTEZA DE SUA CONTRIBUICAO E A DD7USAO DE PR ENTRE OS SEUS AMIGOS. GRATOS,

A DIRECAO DE PR — 62 —

QuestSo sutil, de fácil sohicáo:

afinal, qual o dia do senhor:

sábado ou domingo?

Em sinlesa: A Leí de Moisés, entre os seus mais antigos preceltos, lem o da observancia do sétimo dia ou sábado. Este seria dedicado ao repouso e ao culto do Senhor.

Frente á rigorosa casuística dos fariseus, que haviam sobrecarregado a observancia do sábado, Jesús mostrou mais de urna vez ser o Senhor do sábado; este foi felto para o homem, e nño o homem para o sábado.

Os discípulos de Cristo a principio observavam o sábado; cf. Mt 28,1 ; Me 15,42; 16,1. Depols da ressurrelcfio de Cristo, poróm, foram tomando consciencla de que o dia do Senhor é o día em que Jesús, ressuscltando dos mortos, venceu a morte e reformou o género humano, apresentando-nos a nova criatura. Em conseqüéncla, os Apostólos celebravam o culto eucaristlco no día segulnte ao sábado, día da ressurrelcfio de Cristo, día que passou a ser chamado kyriaké tontera, dia Imperial; cf. At 20, 7; 1 Cor 16,2; Apc 1,10. Esta flcou sendo o dia do Senhor para os crlstaos, equivalente ao sábado dos judeus; verdade é que até o século IV houva cnstSos judaizantes, que insistlam em observar o sábado dos judeus.

Guardando o

domingo em vez do

sábado, os cristaos continuam

a observar o sétimo dia da semana ; apenas deslocaram de um dia a contagem dos días da semana. O domingo poderla também ser dito sábado na medida em que a palavra sábado recobre os conceitos de sétimo e repouso. NSo há, pois, na observancia dos cristaos violáceo alguma da Lei de Deus, mas, ao contrario, plena fidelidade ao tercelro precelto do Decálogo que, formulado por Moisés dentro das circunstancias do Antigo Testamento, foi ilustrado de novo modo por Jesús Cristo.

Ouanto á pretensa influencia de Constantino e da mentalidade paga na observancia do domingo, é fácilmente desmentida. Os textos citados no corpo desta artigo ajudaráo respeito.

o leltor a dissipar

os mal-entendidos

a

Comentario : É conhecida a divergencia existente ontre certas denominagóes evangélicas e o catolicismo no tocante a observancia do dia do Senhor : enquanto os católicos celebram o domingo (dia em que se comemora a ressurreicáo de Cristo). conscientes de que cstáo observando a Lei
1G

PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

munidades protestantes oriundas no sáculo passado (adventis tas, batistas do 7? dia e outros) preferem observar o dia que em portugués chamamos sábado (mas que em alemáo seria dito «Samstag», em inglés «Saturday», em francés «samedi»); julgam tais denominagóes protestantes estar assim cumprindo mais fielmente a Lci do Scnhor.

Vejamos, pois, o que numa apreciacáo serena e objetiva se pode dizer sobre o assunto.

1.

Origem do sábado

1. A palavra hebraica shabbath provém do verbo shabat, que significa cessar de, repousar. Shabbath seria, pois, descanso ou pausa. Deve-se também relacionar o vocábulo shabbath com sheba, sete (em hebraico). Na verdade, o shabb&th ou sábado na Biblia era um repouso periódico rigorosamente observado de sete em sete días. Donde se vé que o conceito de sábado envolve tanto a idéia de repouso como a de sétimo día. Etimológicamente, a palavra shabbath tem sido relacionada também com o termo acádico shabattu ou (melhor) shapattu, mencionado em certos rituais da Babilonia. Shapattu era o 159 dia do mes, dedicado á expiacáo ; tal dia era considerado como de mau agouro ; por conseguinte, seria improprio para a realizagáo de qualquer atividade humana. Note-se que tal associacáo etimológica é incerta; além do que, nao há semeIhanga nem afinidade entre a profilaxia contra os maus espiritos que levava a nao trabalhar no shapattu', e o repouso

bíblico do sábado. Ainda que se faga a aproximagáo lingüística do sábado bíblico e do shapattu babilónico, é necessário reconhecer que o ¿hapattu entre os hebreus foi de tal modo trans formado que se tornou urna instituigáo própria c tipica da

religiáo de Israel. Na Biblia, o sábado se prende ao ritmo sa grado da semana ; esta 9S encerra com um dia de repouso, de regozijo e de culto ao Senhor (cf. Os 2,13; 2 Rs 4,23; Is 1,13).

A prescricáo do repouso do sábado c das mais antigás na

legislagáo de Moisés

(cf. Éx 20,8; 23,12; 34,21).

2. Pergunta-se: quais os motivos da observancia do sá bado em Israel ? — As primeiras formulacóes da Lei de Moisés apelavam para motivos humanitarios: o trabalho seria proibido para se — 64 —

SÁBADO OU DOMINGO ?

17

proporcionar aos homens (principalmente aos escravos) e aos animáis um salutar repouso; cf. Éx 23,12. Esta mesma motivagáo ocorre em Dt 5,12-14.

Durante o exilio na Babilonia (587-538 a. C.), quando os judeus se viram scm templo o sem culto ritual, a observancia do sábado, juntamente com a circuncisáo, ficou sendo o sínal

pelo qual Israel se distinguía dos outros povos (cf. Ez 20,12.20;

Éx 31,13-17); o sábado veio a ser considerado um dia santo, que seria profanado pelo trabalho (cf. Ez 22,8).

Finalmente, o sábado tomou seu pleno sentido quando no séc. V a. C. a chamada «legislagáo sacerdotal» mostrou que a santidad© do sábado era devida á béngáo de Deus. Com efeito, para valorizar mais o sábado e incutir a sua observancia, os sacerdotes de Israel conceberam o próprio Deus a «repousai*» no sábado depois de haver criado o mundo em seis dias ; cf. Gen l,l-2,4a ; Éx 30,8-11 ; 31,17. >

3.

Em que consistía a observancia do sábado ?

Antes do exilio babilónico (587-538 a. C), o sábado apa rece na Biblia como um dia alegre e festivo (cf. Os 2,13 ; Is 1,13); cessavam entáo compras, vendas e trabalho no campo (cf. Am 8,5; Éx 34,11). O número de homens que montavam guarda no palacio do reí, era diminuido de metade (cf. 2 Rs 11, 5-9). Era entáo proibido acender fogo (cf. Éx 35,3), recolher lenha (cf. Núm 15, 32) e preparar alimentos (cf. Éx 16,23). Os fiéis iam ao santuario (cf. Is l,12s) ou esperavam a visita do «homem de Deus» (profeta); cf. 2 Rs 4, 23. Para santificar o sábado, fazia-se urna convocacáo santa (cf. Lev 23,3), ofere-

ciam-se sacrificios (cf. Núm 28,9s), renovavam-se os páes da proposicáo (cf. Lev 24,8; 1 Crón 9,32).

Depois do exilio, Neemias procedeu com energía para assegurar a plena observancia do sábado (cf. Ne 13,15-22). As viagens violariam o repouso do sábado (cf. Is 58,13), como também o transporte de cargas o infringiría (cf. Jer 17,19-27).

'Sabe-se que a narracáo da criacáo do mundo em seis dias de 24 horas, como se acha em Gen 1,1-2,4a, nSo pretende desc rever científica

mente a maneira como se originaran) as criaturas e o homem, mas apenas mostrar que o trabalho do homem é urna continuadlo da obra criadora de

Deus e que o repouso do sábado, sendo uma ImitacSo do "repouso" de Deus, tem algo de sagrado e inviolável.

— 65 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOSv 158/1973

Na época dos Macabeus (167-164 a. C), a fidelidade dos judeus piedosos (assideus) ao sábado era tal que muitos se deixaram trucidar sem resistencia para nao ter que lutar em sábado (cf. 1 Mac 2,37s; 2 Mac 6,lls; 15,ls); o sacerdote Ma tatías resolvcu entáo que seria lícito defender-se no .sábado contra ataque inimigo (cf. 1 Mac 2,40s); nao se perseguiriu, porém, o adversario que fugisse (cf. 2 Mac 8, 25s).

Na época de Cristo, os fariseus haviam elaborado rigorosa casuística a respeito do sábado, tornando-o por vezes um peso

insuportável. Contavam 39 especies de trabalho proibidas no

sábado ; assim colher espigas (cf. Mt 12,2), carregar algum fardo (cf. Jo 5,10)... Um médico só poderia atender a um doente em perigo de morte — o que explica a oposicáo a Jesús quando este curava no sábado (cf. Mt 12,9-13; Me 3,1-5- Le 6,6-10; 13,10-17; 14,1-6; Jo 5,1-16; 9,14-16). As refeicóes eram preparadas na véspera do sábado (cf. Ex 16,5.22-30). Os essénios chegavam a proibir a defecacáo no sábado.

Vejamos agora como se comportaram Jesús e os Apos

tólos frente á observancia do sábado.

2.

1.

No Novo Testamento, o día do Senhor

Durante a sua vida mortal, Jesús, que viera subme-

ter-se á Leí, quis circuncidar-se e acompanhar a sua gente na observancia do sábado. Nesse dia ele freqüentava a sinagoga, aproveitando a ocasiáo para anunciar a Boa-Nova (cf. Le 4,16). Repreendia, porém, os fariseus por seu rigorismo, que podia chegar a hipocrisia; colocava a caridade ácima da observancia material do sábado (cf. Mt 12,10-14 ; Le 13,10-17 ; 14,1-6 ; Jo 5,8-18). Lembrava o principio : «O sábado foi feito para o homem, e nao o homem para o .sábado» (Me 2, 27); o sábado

seria, pois, um meio para o homem atingir mais seguramente o grande fim de sua vida, a uniáo com Deus; nao seria um fim em si. Conseqüentemente, Jesús, como Filho do Homem, atribuiu a si mesmo o poder de modificar ou suspender a guarda do .sábado (cf. Me 2,28). Por causa disto, os doutores da Lei o incriminaran! (cf. Jo 5,9), mas Jesús podia responder-lhes que nao fazia senáo imitar o Pai, que, tendo entrado

no seu repouso após haver criado o mundo, continua a governar a esta e aos homens (cf. Jo 5,17). — Foi, por certo, esta atitude

de Jesús que inspirou aos antigos cristáos uma certa liberdade em relagáo ao sábado, fazendo-os compreender o espirito e a mentalidade da observancia do sábado. — 66 —

SÁBADO OU DOMINGO ?

19

2. Os discípulos de Jesús, a principio, continuaram a observar o sábado. É o que se depreende das suas atitudes por

ocasiáo do sepultamento de Jesús; cf. Mt 28,1; Me 15, 42; 16,1; Jo 19, 42. Mesmo depois da Ascensáo do Senhor, continuavam a freqüentar as reunióes de culto dos judeus aos sábados para

anunciar ai o Evangelho (cf. At 13,14; 16,13; 17,2; 18,4). De mancira geral, alias, os primeiros cristáos observavam os costumes religiosos dos judeus (cf. At 2,1.46; 3,1; 10,9); somente aos poucos tomaram plena consciéncia das conseqüéncias práticas decorrentes da superagáo da Antiga Lei pela Nova Lei ou pelo Evangelho.

Pode-se crer que Sao Paulo, arauto da aboligáo das obser vancias judaicas, nao tenha imposto a celebragáo do sábado aos cristáos convertidos do paganismo; isto poderia parecer ao Apostólo «volta á servidáo dos elementos fracos e pobres»

(cf. Gal 4,9s). Sao Paulo chegava mesmo a acautelar os fiéis contra a infiltracáo de idéias judaizantes; tenham-92 em vista

as seguintes palavras :

"Se alguém está em Cristo, é urna nova criatura. Passou o que era velho ; eis que tudo se fez novo" (2 Cor 5,17). "Que ninguém vos critique por questóes de alimentos ou bebida ou de testas, novas lúas e sábados. Tudo isto nao é mais do que a sombra do que devia vir. A realidade é o Cristo" (Col 2,16s).

Em breve, porém, o primeiro dia da semana judaica (día posterior ao sábado), dia em que Cristo ressuscitou, tornou-se o dia de culto dos cristáos ou o dia do Senhor. Em Tróade, por exemplo, os cristáos, pouco depois de Páscoa de 57/58, se reuniram no primeiro dia da semana, conforme At 20,7, a fim de

partir o pao ou celebrar a S. Eucaristía. Em 1 Cor 16,2, Sao

Paulo recomenda aos fiéis contribuam semanalmente, no pri meiro dia da semana, com alguma dádiva em favor da comunidade de Jerusalém — o que supóe urna assembléia religiosa realizada naquele dia. Assim foram transferidas para esse dia práticas que os judeus rcalizavam aos sábdos, como a esmola e o louvor de Deus. É muito provável que as comunidades fun dadas por Sao Paulo tenham praticado a observancia do pri meiro dia da semana (dia da ressurreigáo de Cristo). Esse dia, dedicado á glorificacáo do Senhor ressuscitaido, tomou adequadamente o nome de kyriaké heméra, dia do Senhor (ou,

propriamente, día imperial), como se depreende de Apc 1,10 : «Fui arrebatado em espirito no dia do Senhor» — 67 —

(cf. Didaqué

20

PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

15S/1973

14,1). Há mesmo estudiosos que afirmam que a celebrado do domingo teva origem na própria igreja-máe de Jerusalém, e nao somente ñas comunidades paulinas, pois os Apostólos estavam reunidos no 50' dia (Pentecostés), que era domingo,

dia em que receberam o Espirito Santo (cf. At 2,2). Este quis comunicar-se nao em sábado, como Cristo nao quis ressuscitar no sábado, mas no dia seguinte ao sábado. Nessa perspectiva crista, o antigo sábado dos judeus passou a sar urna figura, como, alias, muitas outras instituicóes

do Antigo Testamento. Pelo repouso do sábado as israeiitas

comemoravam o

«repouso»

(figurado)

de

Deus

após haver

criado o mundo e o homem (como sugere em linguagem antropomórfica a Lei de Moisés). Ora, com a ressurreicáo de Cristo,

a primeira criagáo tornou-se prenuncio e figura da segunda criacáo ou da nova criacáo do género humano qua se deu quando

Cristo venceu a morte e apareceu como novo Adáo. Era justo,

portante, ou mesmo necessário, que os cristáos passassem a

observar, como .dia do Senhor ou como sétimo dia e dia de repouso (sábado), o dia da ressurreigáo de Cristo.

Alias, note-se bem : os cristáos nao fizeram senáo deslocar de um dia a contagem dos dias da ssmana; em vez de comecar na chamada «primeira feira» (em portugués, aínda usamos a

nomenclatura dos judeus) 1, comecam na segunda feira e no

sétimo dia da serie assim iniciada descansam de seus trabalhos para louvar a Deus ; esse sétimo dia, dito domingo, poda também ser dito sábado (na medida em que shabbath está rela

cionado com sétimo e repouso). A lei de Deus, expressa pelo Decálogo, continua a ser cumprida com toda a fidelidade; nao se passa um sétimo dia na historia dos cristáos, sem que seja consagrado ao Senhor, como manda a Escritura. Esta nao indica

a partir de que dia se deve fazer a contagem dos dias da se mana, mas insinúa ciaraments no Novo Testamento que o termo final da semana há de ser o dia da ressurreigáo de Cristo.

3. Podem-se ainda observar ñas Escrituras do Novo Tes tamento alguns dados úteis ao estudp do assunto: A expressáo kyriaké ou senhoríal, impenal, em Apc 1,10, refere-se ao Senhor Jesús. Denota a intengáo, nos primeiros 1 Feira vem do vocábulo latino feria e significa dia útil. As outras línguas modernas designam os dias da semana a partir dos nomes dos astros que, segundo a mitología, regem cada um : dia da Lúa, dia de Marte, dia de Mercurio, dia de Júpiter, dia de Venus, dia de Saturno.

— 68 —

SÁBADO OU DOMINGO ?

21

cristáos, de celebrar o domingo como dia semana] do Senhor; no domingo o Cristo é honrado como soberano Mestre do uni verso, juiz dos vivos e dos mortos (cf. Apc 1,5-7.10); a teología e a espiritualidade do domingo estáo contidas germinalmente na expressáo «dia sanhorial» (kyríaké heméra).

A carta aos Hebreus acentúa a índole figurativa do .sábado. Afirma que o repouso do sétimo dia era apenas urna imagem do verdadeiro repouso : aquele em que fruiremos plenamente da presenca de Deus. Os fiéis da Nova Alianca sao chamados a participar da Micidade do próprio Deus e a descansar de suas

obras, «como Deus descansou das suas (cf. Hebr 4,3-11 ; Apc 14,13). Esta perspectiva levou os fiéis a conceber o do mingo como participacáo antecipada desse santo e eterno re pouso de Deus, mediante a comunháo com Cristo ressuscitado. Vejamos agora os testemunhos da Tradicáo crista referen

tes ao dia do Senhor.

3. 1.

A TrodigSo crista

Desde o século II há depoimentos nao bíblicos que

atestam a celebracáo do domingo entre os cristáos.

Um dos mais dignos de nota é o trecho da carta que Plínio,

governador da Bitínia

(Asia Menor), dirigiu ao Imperador

Trajano no inicio do séc. n. Referindo-se ás perseguicóss aos cristáos, dizia :

"Eles (os cristlos) afirmavam que toda a sua culpa e todo o seu erro conslstiam em se reunir habltualmente em dia fixo, antes da aurora, para cantar em coros alternados hinos a Cristo como Deus. Comprometlam-so por juramento nio para cometer algum crlme, mas para n§o cometer furto, latrocinio, adulterio, nem faltar á palavra de juramento, nem negar um depó

sito conslgando. Eles reconheclam também que costumavam retirar-se e, depois, encontrar-se de novo para tomarem juntos urna refelcao, urna refeicáo comum e inofensiva" (X, 96 [97] ,7).

Tais celebragóes — a das primeiras horas do dia e a da tarde — devem ter ocorrido no domingo ; a primeira era a S. Eucaristía, celebrada no momento em que Cristo ressuscitou

dos mortos; a segunda era o ágape ou urna refeicáo em que

a comunidade crista tomava consciéncia do amor fraterno que a devia unir.

S. Inácio de Antioquia, logo nos primeiros anos do séc. II, assim escrevia aos Magnesios : — 69 —

22

PERGUNTE E RESPONDEREMOS* "Aqueles que viviam

na

anliga

158/1973

ordem de coisas,

chegaram

á

nova

esperanza, nao observando mais o sábado, mas vivando segundo o dia do Senhor, dia em que nossa vida se levantou mediante Cristo e a sua morte" (Aos Magnesios 9,1).

Em meados do séc. II, encontra-se o famoso testemunho do S. Justino, escrito i»ntre 153 o 155 : "No dia dilo do sol, todos aqueles dos nossos que habitam as cidades ou os campos, se reunem num mesmo lugar. Lcem-se as memorias dos apostólos e os escritos dos profetas... Quando a oragfio está terminada, é trazido pfio com vinho e agua... Nos nos reunimos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia, aquele em que Deus transformou as trevas e a materia para criar o mundo, e também porque Jesús Cristo nosso Salvador ressuscitou dos mortos nesse dia mesmo. Pois na véspera do dia de Saturno Ele foi crucificado, e no dia seguinte ao de Saturno, que ó o dia do sol, Ele apareceu aos seus apostólos e discípulos, e Ihes ensinou essas coisas mesmas que nos vos expusemos e recomendamos" (I Apol. 67, 3, 7).

Neste texto, S. Justino atesta a celebragáo da Eucaristía no domingo. Chama este dia «dia do sol», pois, dirigindo-se a pagaos, ele adota a linguagem destes; no «Diálogo com Trifáo», dirigido a judeus, chama o domingo «o primeiro dia da semana»,

a fím de ser compreendido palos israelitas. Note-se, alias, que Justino parece fazer questáo de lernbrar que a designacáo «dia do sol» ó de origem alheia, nao crista : «no dia .dito do sob. O escritor cristáo, porém, justifica tal designacáo recorrendo

a motivos bíblicos : o dia do sol foi o dia da criacáo do mundo, o da separacáo da luz e das trevas (cf. Gen 1); é principalmente o dia da ressurrcicáo de Cristo, que recriou o género humano e apareceu cohio sol .de justica. É a afinidade entre o sol visivel

e o Cristo, sol da eternidad?, que explica que a expressáo paga «dia do sol» tenha sido tolerada pela Igreja e se tcnha conser vado na linguagem comum (Suiulay, SoQuitag, Zonda

Vé-se, pois, que a celebracáo do domingo entre os cristáos está Ionge de ser urna concessáo aos festejos pagaos do dia do sol; nada tem de pagáo, mas é nítidamente inspirada por mo tivos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento.

O fato de que o Imperador Constantino em 321 tenha preceituado certo repouso «no venerável dia do sol», nao quer dizer quo ele tenha introduzido a observancia do dia do Senhor entre os cristáos; esta, como vimos, data da época dos apos tólos ; foi apenas patrocinada por Constantino, .desde que este se tomou cristáo.

— 70 —

SÁBADO OV IXJMINCJO 7

2. Nos primeaos séculos da era crista, ao lado da corrente gcial üo povo de Deus que observara o domingo, aínda houve cnstáos que observassem o sábado judaico, imouidos de mentalidade judaizante, ou ssja, de respeito pelas instituigóus

figurativas que Cristo havia ab-rogado. Tenham-se em vista, jjw vxuniplo, ¡is «Constituigoes Apostólicas», obra do séc. III, que proibem aos fiéis fagam os escravos trabalhar aos sábados e domingos. No Ocidenle, a observancia do sábado extinguiu-se muito mais rápidamente do que no Oriente. S. Cirilo de Jerusalém (t 38ti) teve que reprimir a observancia ao sábado propugnada pelos judaizantes. Aínda em 603 S. Gregorio Magno

admoestava os habitantes de Roma que observavam o sábado, nao trabalhando nesse ,dia.

3. Alias, deve-se notar algo de curioso : nos primeiros séculos também os devotos pagaos celebravam o sábado dos judeus — o que se explica pelo fato de que os israelitas sem-

pre chamaram a atencáo dos cidadáos pagaos com que viviam e nao raro exerceram influencia sobre estes. Fláviu José, no séc. I d.C, observava : "A multidáo (dos pagaos) já há muito é movida por grande zelo para com as nossas práticas piedosas; nao há unía só cidade entre os grego3 nem um só povo entre os bárbaros, em que nao esteja propagado o nosso costume do repousar semanalmente,... em que os jejuns, o uso de lám

padas, e militas das nossas leis relativas aos alimentos nfio sejam observa das. .. Assim como Deus se tornou notorio ao mundo inteiro, assi'm também a Lei de Moisés viajou por entre todos os homens. Que cada um examine

a sua patria c a sua familia, e nao pora em dúvida as minhas palavras" ("Contra Appionem" II 39).

Tais dizeres de Flávio José tém algo de enfático e exage rado, mas nao sao propriamente falsos. Em Éfeso, refens Flávio

José, as autoridades governamentais do séc. I puniam os pa gaos que observassem o sábado. Conforme Suetónio, em Rodes,

Diógsnes o Gramático observava o sábado judaico («Tiberius» XXXII). Perto de Elaiussa, na Cilícia (Asia Menor), havia urna eomunidade de «sabatistas», que adoravam o Deus sabatista ; tais devotos eram provavelmente pagaos judaizantes que obser vavam o .sábado.

Aínda no séc. ni muitos pagaos guardavam o sábado, como atesta Tertuliano na sua apología «Ad Nationes» I, 13. Estes dados fazem-nos ver q>ue, se entre os cristáos havia quem se prendesse ao sábado dos judeus, este fato deve ser — 71 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

visto dentro do contexto geral do intercambio de idéias e costumes vigente no Imperio Romano no inicio da era crista. 4.

Todavía desde os primeiros tempos da Tradicáo crista

nao faltaram vozes que censurassem claramente a recaída de cristiios ñas observancias judaicas.

Em 381, por exemplo, o Concilio regional de Laodicéia

condenou a observancia do sábado.

Para mostrar que se haviam realmente afastado da obser vancia do sábado, muitos cristáos jejuavam neste dia; é o que atestam nos sáculos III, IV e V Vitorino de Pettau («De fa brica mundi»), S. Jerónimo (epist. 71,6) e o Papa Inocencio I (epist. 25,4). O costume se espalhara pela Siria, a Espanha, a África e em Roma. A apresentagáo do sábado como dia de austeridade tinha justamente a finalidade de desfazer a imagem que os judeus dele faziam. Assim ,dizia a «Didascalia» no séc. III: «Jejuai no sábado, porque é o dia da sepultura de Nosso Ssnhor, dia em que convém jejuar...» (trad. Ñau, p. 1755).

4.

Conclusáo

Vé-se que as dúvidas em torno ,da observancia do domingo

decorrem apenas de falso entsndimento da palavra de Deus ; podem dissipar-se desde que se tenha consciéncia dos seguintes pontos:

1) A leí de Deus, por Moisés, manda que se observe o sétimo dia da semana, dedicando-o ao repouso e ao culto sa

grado. Ora isto ocorre exatamente entre os cristáos, e especial

mente entre os católicos, que celebram o domingo. Na verdadis,

de sete em sete días, os fiéis católicos celebram o dia do Senhor.

Se quisésssmos usar o vocabulario hebraico, .poderiamos cha mar esse dia sábado, visto que a palavra shabbath lembra rcflmiso e sete. Os católicos sao, pois, estritamente fiéis ao terceiro mandamento do Decálogo. O fato de chamar esse ¡dia domingo é bíblico (cf. Apc 1,10 : kyriaké heméra, dia scnhorial, o que em latim soa: dominica dies; donde domingo ou dominga).

2)

O nome «dia do sol» (Sunday, Sonntag) é de origem

paga; prevaleceu em varias línguas modernas. A Igreja tolerou-o porque Cristo é considerado «Sol de Justica». Nao se — 72 —

SÁBADO OU DOMINGO ?

25

julgue, porém, que o nome «dia do sol» signifique origem paga da observancia do domingo. Esta tem suas raízes no Novo Tes tamento, como se dirá abaixo.

3) É claro que Cristo e os Apostólos antes de Páscoa observavam o sábado, pois s» conformavam as observancias

judaicas. Depois de Páscoa, aos poucos foi prevalecendo nos

cristáos a consciéncia de que o dia do Senhor haveria de ser, por excelencia, o dia ¡da nova criagáo ou o dia da ressurnsicáo

de Cristo; a nova Alianca ultrapassa a antiga Lei, que toma cm muitos casos a fungáo de figura das realidades definitivas trazidas por Cristo. É por isto que já ñas comunidades cristas do Novo Testamento há indicios de celebragáo do domingo. Cf. 1 Cor 16,ls ; At 20,7-16.

4) Se houve cristáos que até o séc. IV continuaram a observar o sábado, isto se deve ao espirito judaizante que sobreviveu na antiga Igreja. De resto, também muitos pagaos imitayam os judeus na observancia do sábado, dada a extraor dinaria influencia que os israelitas exerceram sobre os povos do Imperio Romano. Todavía a corrente judaizante na Igreja foi sempre denunciada como espuria e acabou por extinguir-se. Bibliografía:

Van den Born, "Dicionárlo Enciclopédico da Biblia". verbetes "sábado" e "domingo".

Petrópolis 1971,

Léon Xavier-Dufour, "Vocabulaire de théologie biblique". París verbete "sabbat". TradugSo brasiieira na editora Vozes, em 1972.

1970,

Viller-Baumgartner, "Dictionnaire de Spirituallté" Ill/ll, v. "Dimanche".

John

"Sabbath".

L.

Mckenzie,

"Dictionnary

of

trie

Bible",

London

1968,

v.

Botte, Cassien, Dubarle, "Le dimanche". Colecao "Lex orandi" n? 39. París 1965. Cabrol-Leclercq, "Dictionnaire d'Archéologie Chrétienne et de Liturgie" IV, 1. París 1920, v. "Dimanehe"; XV.1, v. "Sabbat".

— 73 --

Multo se fala:

cursilhos de cristandade: subversáo?

En» slnlese: O Movimento de Cursilhos de Cristandade leve origem na ilha de Majorca (Espanha) em 1949 por iniciativa de um grupo de jovens que visavam a recristianizar o seu ambiente. Espalhou-se pelo mundo intelro, dando extraordinarios frutos esplrituals, inclusive no Brasil. Os Cursilhos nem sempre tém sido bem entendidos. Verdade é que o entusiasmo de alguns dos seus dirigentes nao se manifesta sempre de maneira oportuna — o que tem sido corrigido pelos responsáveis do Movi mento, a fim de que possa continuar a derramar beneficios.

O Cursilho nao se pode confundir com lavagem de cránio. Esta signi fica coacSo desonesta sobre determinada pessoa para que adote Idéias athelas. Ora os dirigentes do Cursilho recebem InstrucOes para que respeitem ao máximo a llberdade dos cursllhlstas; devem abster-se de provocar Impactos artificiáis ou violentos. Isto nao quer dizer que o desenrolar de um Cursilho deva prescindir de alegría, entusiasmo e vibraefio. Com efeito; para comunicar a verdade, nSo basta falar á inteligencia, mas é necessário desfazer tembém os possiveis bloquelos afetivos que impecam o coragfio de se mover em direcSo á verdade. Oal o clima de fraternidade e vivencia amiga que caracteriza o decurso de um Cursltho.

O movimento de Cursilhos é apolítico e apartidarlo. Longe de pro vocar subversáo contra a ordem pública, visa a mover o crlstSo á recristlanizacfio do mundo segundo os mais genuínos principios do Evangelho e nao do marxismo ou socialismo materialista. É táo vá a acusecSo de que os Cursilhos sao movimento politico que os adversarlos simultáneamente os classlficam como "movimento de direita" e "movimento de esquerda". Na

verdade, nem urna nem outra coisa.

É, pois, para desejar que se dissipem as suspeitas em torno dos Cur

silhos e que estes possam atingir a multos homens e mulheres de todas as classes sociais, mediante os quals "a Cristandade será vertebrada".

Comentario: Últimamente tém sido colocados em foco, na imprensa e nos comentarios do público em geral, os chamados «Cursilhos de Cristandade». Há quem se diga extremamente be neficiado por tal instituicáo, havendo-se reencontrado com Deusr consigo e com os seus ou com a vida em geral através de um Cursilho (muito grande, alias, é o número dos que assim falam).

Mas há também os que (muitas vezes, sem ter feito Cursilho) — 74 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

27

suspeitam sejam os Cursilhos instrumento de subversáo da ordem social ou de deturpagáo da mensagem crista. Diante das objegóes feitas aos Cursilhos, muitas pessoas ficam perplexas, sem saber o que julgar. Em vista desta situacio, vamos abaixo explanar o tema, encarando diretamente algumas das principáis dificuldades que se movam contra os Cursilhos. — O assunto, alias, já foi em parte abordado em PR 131/1970, pp. 480-488.

1.

Cursifhos : que sao ?

Como é obvio, a palavra Gnrsilho vem do espanhol e signi fica «cursinho». Cnreilho vem a ser um curso breve e inten

sivo que, mediante palestras e vivencia, pretende despertar os participantes para as grandes e fundamentáis verdades da men sagem crista. Está claro que no breve espaco de tres dias (ge-

raímente de quinta-feira á noite ao domingo la noita) nao é

possivel ministrar completa formagáo doutrinária; nem o Cur silho o pretende. Ele visa apenas a comunicar a grande noticia

de que Jesús Cristo nos salvou e pede de nossa parte corversáo de vida e atitudes coerentes; os pormenores dessa mensagem háo de ser expostos no chamado pós-cursilho ou em reunióes posteriores ao Cursilho. O triduo do Cursilho ¡decorre num ambiente de dinámica de grupo, em que a alegría é nota forte:

a equipe de dirigentes de cada Cursilho compóe-se de fiéis leigos

e alguns (de tres a seis) sacerdotes. O teor das palestras, cha madas rolhos1, nao é académico ou universitario, mas é de mensagem-vivéncia: o rolhista procura transmitir a doutrina juntamente com o testemunho ¡de sua própria vida ; é o que

dá a cada Cursilho suas características peculiares. Por isto se tem dito com razáo que é impossível descrever um Cursilho, como é impossível descrever o sabor da manga ou da laranja

a quem nao tenha provado essas frutas; só mesmo a experien cia ensina o que seja o gosto da manga ou o decurso de um Cursilho.

Os Cursilhos tiveram inicio em 1948 na ilha espanhola de Majorca por iniciativa de um grupo de jovens que tencionavam recristianizar o seu ambiente. Depois de aprovado pelo bispo local e pela Santa Sé, o Movimento passou para a península ibérica, para o resto da Europa e o norte da África. No conti nente americano comecou no Canadá; desceu para os Estados 1 Nome proveniente do espanhol rollo. Eram assim designadas as pro clamares (escritas em rolos de papel) que os reís da Espanha faziam ao

seu povo a respeito da vida da nacSo.

— 75 —

28

PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Unidos, o México, a América Central, a costa ocidental da América do Sul, a Argentina e o Brasil; em nosso país teve bergo em Campiñas, donde se expandiu por todo o territorio nacional.

Após esta breve apresentagáo do que seja o Movimento de Cursilhos, percorreremos as principáis objeqóes que contra ele se faz2m — o que nos dará ocasiáo de explanar um pouco mais o conteúdo dessa instituigáo. Deve-se notar que os do cumentos que norteiam os Cursilhos, datados a partir de 1948, tém sofrido certa evolugáo e adaptagáo. Existem, dentro de urna unidade essencial, certas diferengas entre os documentos dos Cursilhas anteriores ao Concilio do Vaticano II (1962-1965) e os documentos posteriores a este, entre documentos oriundos da Espanha ou ,da América Espanhola e documentos redigidos no Brasil: mesmo em nosso país, há certa evolucáo na prática dos Cursilhos, de modo que só pode dizer algo sobre os Cursilhos

no Brasil quem leve em conta as publicaqóes mais recentes feitas em nossa patria sobre o ass-unto.

2.

As

objegóes

Recensearemos seis dificuidades que em publicacóes escritas ou comentarios oráis vém a ser movidas contra os Cursilhos. 2.1.

Fé e vivencia

1. Os Cursilhos acentuam fortemente o aspecto totalizante que caracteriza a fé católica. Esta, além de implicar adesáo da inteligencia á verdade revelada por Deus, significa também resposta da vontade e ,da vida do homem a Baus ; é toda a personalidade que a fé interpela e solicita. Com outras pala-

vras : a fé implica um compromisso nao apenas mas também de vida.

intelectual,

Ora há quem julgua que este conceito de fé nao é plena mente ortodoxo ou consentáneo com a doutrina da Igreja: esta, no Concilio do Vaticano I, em 1870, apresentou a fé como virtude sobrenatural que opera na ordem do conhecimento. fazendo-nos aderir á verdade por Deus revelada (cf. sessáo 3,

cap. 3) ; em outros termos: o Concilio do Vaticano I incutiu o aspecto intelectual da fé; esta é verdade e luz para a inteli

gencia. Em conseqüéncia, perguntam alguns estudiosos : será que os Cursilhos, em seus rolhos, salvaguardam devidamente — 76 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

29

este conceito de fé ? Nao correm o risco de fazer da fé um sentimento cegó, urna vaga adesáo a Deus, urna experiencia sen timental, desvinculada da luz da verdade ?

— Podemos tranquilamente responder que nos Cursilhos

se apregoa o elemento intelectual e iluminador que caracteriza

a fé, como se depreende das seguintes passagens do esquema do rolho de fé proposto pelo Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil :

"A fé consiste em aderir, aceitar, acreditar nele (em Deus), que nao pode enganar-se nem pode engañar" ("Para um Cursilho Renovado. Manual auxiliar do Dirigente na Guanabara". Rio 1972, p. 95).

".. .descobrir a visSo de Deus sobre a nossa real'tdade" (ib. 96).

Todavia, levando em conta a complementagáo (alias, muito bíblica) que o Concilio do Vaticano II deu a esta doutrina, os Cursilhos insistem em que a fé nao se reduz a um ato da inte ligencia, mas mobiliza todo o ser humano, pedindo-lhe urna resposta concreta, vivida : «A fé é a aositagáo da mensagem de Cristo, que compromete toda a minha vida» (ib. 95).

Este texto nao pretende senáo fazer eco aos dizeres do Concilio do Vaticano II: "Pela fé o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ao Deus revelador um obsequio pleno do intelecto e da vontade" (Const. "Dei Verbum" n9 5).

A Igreja, enquanto conserva a mensagem ,de Cristo incó lume através dos séculos, profere-a de maneira a acentuar este

ou aquele aspecto mais necessário aos homens de cada época. Por isto é que o Concilio do Vaticano I, em 1870, tendo em vista as correntes fideístas e racionalistas do século passado, muito se interessou por explicitar o aspecto intelectual da fé,

ao passo que o Concilio do Vaticano II (1962-1965), realizado

em época de rcnovagáo bíblica, preferiu recorrer mais diretamente á concepcáo bíblica de fé. 2.2.

Querígma c cotequese

A dificuldade que acabamos de abordar, se enuncia também do seguinte modo : os Cursilhos insistem no chamado querigma, e nao na catoquese. Dai o risco de nao comunicarem de maneira completa a mensagem da fé.

— Para elucidar a questáo, importa primeiramente perguntar : Que é querigma ? Que é catequese ? — 77 —

30

-nPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Qtterigma (vocábulo derivado do grego kérygma) é o anuncio da Boa-Nova ou do Evangelho que se faz em termos sumarios a quem nao o conheos; é a proclamagáo jubilosa e entusiástica do essencial ou fundamental da fé, a fim de favo recer a conversáo dos ouvintes. O livro dos Atos dos Apostólos

apresenta grande número de discursos «querigmáticos» de S. Pedro e S. Paulo; cf. At 2,14-36; 3,12-26; 4, 8-12; 5, 29-32; 10, 34-43; 13, 16-41; 17,22-32 (trata-se sempre de apresentacóes sintéticas da Boa-Nova crista). O querigma neosssita de ser continuado e aprofundado pela catequese. Esta é a explanacáo minuciosa e sistemática das verdades que o querigma sucintamente proclama; tem ín dole mais escolar o didática. Pois bem. O Cursilho, em seu triduo de rolhos, nao pre tende fornecer urna catequese (isto nao seria possivel .em táo pouco tempo, nem adequado aos respectivos ouvintes), mas apenas urna proclamaeáo querigmática. Sem distorcáo e de maneira concisa, os rolhos dáo a conhecer Jesús Cristo e o dom da vida crista; quem aceite tal mensagem, deverá receber no

pós-cursilho a catequese ou o aprofundamento doutrinário correspondente. Dai a importancia do pós-cursilho, que tem sido objeto de atengáo e planejamento intensos por parte dos responsáveis pelo Movimento.

Esta metodología dos Cursilhos é de todo legítima, para nao dizermos : .. .necessária. Com efeito, o primeiro contato com a monsagem de Cristo (estabelecido no triduo do Cursilho) há de proporcionar o ensejo do conversáo ao ouvinte; somente depois desta se poderá pensar em aprofundamento doutrinário. Apsnas se no querigma ou no triduo cursilhista se negligsn-

ciasse a proclamaeáo da verdade, para se dar énfase única mente ao entusiasmo e ao testemunho do cxemplo, se poderia impugnar a metodología dos Cursilhos. 2.3.

Emotividade e lavagem de cerebro

Quem tem urna Boa-Nova a comunicar, transmite-a natu ralmente com grande ánimo o profunda alegría ; em caso contrário, os ouvintes .difícilmente acreditariam que tal Nova seja realmente urna Boa Nova. Por isto, os rolhos do Cursilho sao

proferidos em tom vibrante ; a proclamagáo do dom de Deus 6 feita com grande calor humano. Ora a manifestacáo da ver dade e dos feitos do Cristo entre os homens nao pode deixar de — 78 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

31

tocar profundamente a quem a ouve ; o ser humano é natural mente aberto ao transcendental; para muitos que pela primeira vez na vida tomem contato direto com o Cristo vivo entre os homens, tal experiencia nao pode deixar de ser sadiamente impressionante ou emocionante. A S. Escritura mesma está cheia das exclamacóes dos homens que exprimem seu estado de surpresa e maravilha após ter entrado em contato im previsto com os sinais de Deus; cf. Gen 28,16-22 (Jaco em Be tel); Jz 13,20-23 (Manué e sua esposa); Is 6,1-5 (Isaías). Donde se vé que a emocáo ocorrente em nao poucos cur-

silhistas é explicável pela índole mesma do encontró do homem com Deus. Toda criatura humana, como dissemos, é sensível e pode exprimir sadiamente a sua sensibilidade quando colo cada em prasenga do Deus Santo e Sabio. — Últimamente nos Cursiíhos tem-se tomado especial cuidado para evitar toda provocagáo artificial de emocóes — o que nao quer dfcrer que se devam abolir o entusiasmo e a alegria característicos de um bom Cursilho; pretender evitar entusiasmo e vibragáo em presenca dos feitos de Deus seria artificial e traidor, pois equi-

valeria a um falso puritanismo ou intelectualismo. As lágrimas da alegria ou do arrependimento podem ser algo de extrema mente sadio; aos dirigentes de cada Cursilho compete ajudar

seus irmáos a fazer que tal arrepsndimento e tal alegria nao se tomem mero «fogo de palhaa, mas venham a corresponder a profunda mudanca de vida no pós-oursilho.

Desenvolvendo um pouco estas observacóes, grande importancia, notaremos o seguinte :

que sao de

A psicología demonstra que o homem nao é apenas inteli gencia. A razáo ou inteligencia de um individuo pertence á personalidade inteira desse individuo, e nao funciona independentemente desta. Ora na personalidade encontram-se sensibi

lidade, afetos, capacidade emotiva, ou seja, o setor do eora$£o, que é de enorme valor. Nao se pode conceber urna pessoa hu mana que seja meramente intelectual ou que reaja á verdade mediante a inteligencia apenas; no ser humano, a alegria e a dor, o prazer e o desprazer, o entusiasmo e o abatimento de-

sempenham papal ponderoso frente á verdade. Barreiras emo cionáis podem bloquear a mais briíhantc inteligencia. Assim

um estudante bem preparado e culto pode emudecer 12 fracassar diante de urna banca examinadora, desde que esteja emocionalmente tenso. Um rapaz que, por motivos emocionáis, julgue que seu pai ó um tirano, levará conduta de medo ou revolta — 79 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

para com o genitor, ainda que se lhe diga que, na verdade, sau pai nada tem de carrasco. Se no setor emocional de alguém há barreiras, a palavra

mais lúcida e verídica pode esbarrar e resvalar nessa persona-

lidade sem conseguir penetrar; tornam-se entáo mais ou menos

esteréis os arrazoados e as demonstracóes lógicas. Dizia muito bem Pascal ignora».

que

«o

coragáo

tem suas razóes que

a razáo

Frente á verdade religiosa em particular, toca ao coracáo papel relevante. A mensagem religiosa jamáis é puramente especulativa. Ela interpela toda a personalidade do ouvinte,

pedindo-lhe urna resposta prática ou existencial; religiáo é

sempre vida, comportamiento. Por isto é que de modo especial a verdade religiosa pode encontrar obstáculos por parte da afetividade ou do coragáo do homem.

O coracáo sufocado pslo prazer e a auto-suficiencia torna-se insensível á Palavra de Deus. Estando o coragáo endu recido, envolvido em mil atrativos transitorios, o anuncio da salvagáo desliza por ele sem o penetrar, por mais lógico que seja o conteúdo dessa mensagem. Entáo nao há entendimento, e nao se verifica a conversáo para Deus. Nessas circunstancias, a Palavra do Senhor, para ser eficiente, precisa de um instru mental que consiga abrir o coragáo para a mensagem; tal

instrumental sao sinais, exemplos de experiencia alheia, pala-

vras carregadas de afeto ou de autoridade, calor humano, por vezes eomocóes dolorosas, etc.

É o que tiveram presente os organizadores dos Cursiíhos. Tal adaptagáo as leis da psicoiogia humana é algo de necessário e recomendável; nao deve ser confundida com lavagem de cránio; esta é odiosa, pois equivale a urna tática premeditada para coagir os homens, desrespeitar-lhes a liberdade e despersonalizá-los. Diz explicitamente o «Guia do(a) Coordenador (a)» publicado polo Secretariado Nacional de Cursiíhos em 1971: "Todo choque ou Impacto premeditado e preparado deve ser evitado (no Cursilho).

é suficiente o método pedagógico e a fé de urna equipe entusiasmada

por um ideal, que acredita em Deus e nos homens, que reza porque tem fé, espe ranea e se sacrifica com amor" (p. 3).

Ou ainda, interpelando diretamente o Reitor do Cursilho : — 80 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

33

"Respeite a liberdade do homem, como Deus a respeita. N9o forcé, nao pressione. Oriente, ajude, encamlnhe. Vá na frente, se necessárlo; airaste pelo exemplo, mas nfio empurre pela torca, seja ela física ou psico

lógica. Se a coacSo estlvessé nos planos e no método de Deus, nos seriamos

totalmente dlspensávels" (Ib. p. 2).

Quanto aos palavróes e aos chistes pesados ou pornográfi cos, inegavelmente tém ocorrido em Cursilhos. Jamáis deveriam

ter tido entrada nesses ambientes. Existem atualmente explí

citas normas dos responsáveis pelo Movimento para que nenhum tipo de expressáo de baixo caláo seja aceito em Cur silhos. 2.4.

Nivelamento e comoradagem

Nao falta quem diga que os Cursilhos ensinam um abusivo nivelamento de pessoas, de modo a se destruir a hierarquia instituida por Cristo na Igreja; a camaradagem entre padres e leigos em Cursilho seria deletéria e nociva.

— Na verdade, os Cursilhos nao pretendem, em absoluto, confundir responsabilidades e missóss na Igreja. Tem aconte

cido mesmo que muitos padres tenham saido de Cursilho mais padres, mais conscientes de sua identidade e missáo. Todavia,

inspirándolas na espiritualidade do Concilio do Vaticano II, os

Cursilhos proporcionan! ao padre um vivo ensejo de se sentir memoro do povo de Deus como todos os fiéis, e incutem nos leigos a consciéncia de sua corresponsabilidade na Igreja. Pa dres e leigos em Cursilho tém-se encontrado mais de urna vez

no exercício de oficios humildes e domésticos; isto em nada derroga ao valor da missáo sacerdotal.

Dizendo isto, porém, nao pretendemos negar atitudes de

masiado livres ou espontáneas por parte de certos sacerdotes e leigos em Cursilho. Estas atitudes sao lamentáveis, mas nao se verificam somente em ambiente cursilhista. Reconhega-se a boa intencáo do padre que deseja ser o irmáo servidor de todos os homens, mas mam sempre encontra as expressóes adequadas deste seu desejo. Reconhega-se outrossim a boa intengáo do leigo que sabe que é Igreja, mas nao é sempre feliz ñas suas atitudes.

Quanto as designagóes «Chefáo, Amigáo», atribuidas a Cristo, podem ter algo de chocante. Certamente nao se entenderiam nos labios de qualquer cristáo. Pode-se admitir, porém, que muitos daqueles que, recém-convertidos, as proferem, sejam — 81 —

34

-PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 158/1973

animados pela intengáo de exprimir adesáo e fidelidade incondicionais a Cristo. O uso dessas expressoes, caso oeorra na

vida de um cristáo recém-convertido, há de ser provisorio. O

mesmo se diga de certo linguajar em gíria («bater papo com

Cristo, papo que nao exija cuca»...): na mente de quem usa tais expressoes, pode haver naturalidade candida. Todavía c para desejar que a linguagem de um cristáo referente a Cristo jamáis seja banal ou vulgar; quem intenciona desenvolver a sua vida de oracáo, faga esforco para usar expressoes que nao lembrem situagóes ou ambientes dúbios (tais seriam as expres soes da gíria). 2.5.

Política e subversáo

Outra acusagáo — sem dúvida, relevante feita aos Cursühos consiste em atribuir-lhes intengóes políticas e subversi vas em relacáo á ordem pública.

Tal acusagáo é táo arbitraria e subjetiva que os Cursilhos tém sido simultáneamente encarados como movimento de direita e movimento de esquerda. A este propósito observa muito tem o Dr. Luiz Leite Netto, presidente do Secretariado Nacional de Cursilhos :

"Muitas vezes simultáneamente nos acusam de sentios de direita e de esquerda. Isto mostra apenas que o erro é de visSo de quem nos acusa,

pois estio colocados muito á esquerda ou multo á direlta e nos enxergam de um lado ou de outro, quando estamos realmente centrados na doutrlna

e no magisterio oficial e atual da Igreja" (Carta á Comissao EDiscoDal de Pastoral. 18/X/72).

Na verdade, a mensagem dos Cursilhos é apolítica e náo-partidária. Sem dúvida, ela pretende despertar o cursilhista para a acáo (estudo, piedade e agáo constituem o tripe da vida

crista, segundo se ensina no triduo do Cursilho); essa agáo

terá urna repercussáo social, visando a renovar o mundo. Ora tal programa se enquadra estritamente dentro dos principios do Evangelho e independentemente de qualquer ideotogia po lítica. Se alguns membros ou grupos do Movimento de Cursilhos dáo ao scu programa da acáo urna tonalidade ideológica, nao o fazem em virtude de normas recebidas em Cursilhos, mas, sim, por efeito de sua formagáo doutrinária própria. Os rolhos de Cursilhos tém insistido no valor das comuni dades cristas ; nao viva o cristáo de maneíra isolada c indivi dualista, mas procure incorporar-se a um grupo que o ajudarú

a perseverar na fé e no amor fraterno. Esta diretriz corres-

— 82 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

35

ponde fielmente ao pensamento da Igreja, que nos últimos tempos tem apelado para a formacáo do que se chama «comuni dades eclesiais de base»; nestas procura-se viver a espiritualidade do Corpo Místico de Cristo, e nao o totalitarismo mar-

xista.

2.6.

Movimento de élite

Tem-se dito que os Cursilhos atingem apenas as pessoas

abastadas ou ditas «de classe A» na sociedade, tornando-se conseqüentemente um movimento de burguesia que se quer projetar e ostentar.

— Reconheceremos a fraqueza humana que pode conta minar as mais nobres iniciativas e, por isto, também o Movi mento de Cursilhos de Cristandade. Em tudo que é criagáo dos homens, há sempre trigo e joio.

Note-se, contudo, que o Secretariado Nacional de Cursilhos se tem empenhado por evitar e dissipar os possíveis desvíos e

abusos que facam dos cursilhistas uma casta «superior». Os Cursilhos nao pretendem constituir uma associacüo religiosa; quem fez Cursilho, nao se dedique ao cursilhismo, mas, sim, ao Cristianismo, empenhando-se na acáo pastoral da Igreja; nao

.se agrupe em «panelinhas» fechadas, mas una-se a todos os irmáos no mesmo povo de Deus.

Acontece, porém, que os Cursilhos foram concebidos para «vertebrar a Cristandade», ou seja, para colocar pessoas-vértebras. líderes, nos lugares devidos, a fim de se construir uma auténtica sociedade crista. Ora é certo que nem todos possuem

■os predicados da lideranca e da estruturacáo da sociedade; por isto há solegáo do pessoas para fazer Cursilho. Tal selecto,

porém, nao significa discriminacáo ide classes sociais, pois em qualquer classe da sociedade (A, B ou C) há líderes ; é a estes (ricos ou pobres, doutores ou nao) que os Cursilhos se destinam em primeiro lugar, pois tais elementos poderáo com

especial fecundidade irradiar os beneficios colhidos durante o triduo do Cursilho.

Vé-se, pois, como sao infundadas as objecóos geralmenta levantadas contra o Movimento de Cursilhos. Os preconoaitos partem, muitas vezes, de quem nao fez Cursilho ou de quem se predispós de antemáo a nao viver objetivamente os seus tres dias de Cursilho. — 83 —

36

*PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1973

O Movimento tem produzido frutos de altíssimo valor, tanto no plano cristáo e eclesial como no plano meramente humano e social: pessoas a beira do abismo moral tém-se re cuperado maravilhosamente por efeito do Cursilho. Daí o interesse de todo cristáo em que se apoie o Movimento e se conservem intatas as lirrhas características e estruturais do triduo cursilhista: a seqüéncia de rolhos e atos de um Cursilho é táo bem planejada que quem retocar um só ponto do conjunto se arriscará a comprometer o bom éxito do todo. Por último, apraz-nos citar alguns pronunciamentos de Paulo VI e das autoridades da Igreja a respeito de Cursilhos.

3.

Paulo VI e Bispos do Brasil frente aos Cursilhos

1. O Santo Padre Paulo VI, em mais de urna ocasiáo, tem ¡demonstrado a sua grande estima pelos Cursilhos de Cristandade. Assim aos 28 de maio de 1966, dirigindo-se a 5.000 cursi-

lhistas reunidos em Roma para celebrar o seu 1' Encontró Mundial, dizia S. Santidade :

"Cursilhos de Cristandade: eis urna expressáo robustecida pela expe riencia, justificada pelos frutos, que hoja transita pelos caminhos do mundo com o dlreito de cidadanla. Permití que vos exprima o júbilo transbordante que neste momento inunda o nosso espirito ante o coro Imenso de vossa fé intrépida em Cristo, de vossa fidelidade á Igreja, de vossa fervorosa adesáo a esta Cáte dra de Pedro e ao ministerio da hlerarquia episcopal.

Cursilhistas de Cristandade! Cristo, a Igreja, o Papa contam convosco!"

Já aos 14 de dezembro de 1963, em Carta Apostólica, havia escrito S. Santidade: "Frutos coplosfssimos foram colhldos por esta escota de Cristianismo que chamáis Cursilhos de Cristandade: tem sido santamente renovada a vida doméstica em conformldade com os preceltos da lei divina ; tem-se promovido a vida paroqulal pelo impulso de nova torca; vém sendo fiel

mente resolvióos os problemas públicos e privados ; por dever de ciéncia, os bispos e outros pastores se enchem de alegría".

cons-

No dia 23 ¡de novembro de 1969, falando a 700 cursilhistas do mundo inteiro reunidos na Praca de Sao Pedro para celebrar

— 84 —

CURSILHOS DE CRISTANDADE

37

o encerramento do 1» Cursilho de Roma, renovou-lhes Paulo VI o seu apreso de Supremo Pastor. Em maio de 1970 enviou urna rádio-mensagem aos 45 mil

cursilhistas reunidos na cidade do México em Ultréya (assembléia) Mundial. Essa mesma benévola palavra foi reiterada através do Cardeal J. Villot, Secretario de Estado, por ocasiáo

do Encontró Latino-Americano realizado em Sao Paulo (Maio

de 1972), e aínda por ocasiáo do 3' Encontró Mundial celebrado

em Palma de Majorca (Espanha) em outubro de 1972. 2. No Brasil, a Comissáo Episcopal de Pastoral em novembro de 1972 escreveu urna carta ao Dr. Luiz Leite Netto, presidente do Secretariado Nacional de Cursilhos, carta da qual vai extraído aqui o seguinte trecho : "A ComissSo Episcopal de Pastoral desoja reafirmar

o alto conceito

em que a CNBB tem o Movimento de Cursilhos, conceito este expresso pelo reconhecimento oficial na Assembléia de Brasflia em 1970. Desde aquela data, o Movimento tem crescido multo através do Brasil e tem procurado atualizar-se intimamente no aspecto doutrlnal, espiritual e pastoral. Assim concorrerá o Movimento dos Cursllhos com multos outros Movi-

mentos para que o laicato da Igreja no Brasil assuma sempre mais vigoro samente a sua mlssao na Igreja e sobretudo o seu papel especifico no

mundo. Justamente quanto a este último aspecto, queríamos expressar nossa confianca a respeito da orlentacáo segura do Movimento, que se dis tancia tanto da Inercia e da acomodacüo como de atitudes radicalizadas..."

3.

O Sr. Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales, arcebispo

do Rio de Janeiro, deu, por sua vez, pleno apoio ao Movimento

de Cursilhos na alocucáo «A Voz do Pastor» proferida aos 8/XII/1972 : "Os Cursllhos tém provocado benéfica e profunda modlflcacáo moral nos individuos e nos grupos humanos. Hoje, nesta arquidiocese, com outros movimentos leigos, o Cursilho se constituí um dos sustentáculos do trabalho pastoral. O Cardeal assume Inteira responsabilidade por suas atividades" ("Jornal do Brasil", 9/XII/72, p. 6).

Mercccm destaque outrossim alguns tópicos extraídos da imprensa.

O «Jornal do Brasil», aos 13/XÜ/72, 1« cad., p. 3, publicou a seguinte noticia : "Bispos do Oeste apoiam Movimento dos Cursilhos. — Os blspos do Regional Cenlro-Oeste da CNBB, reunidos em Anápolis (Golas) para sua assembléia ordinaria, escreveram ao presidente do Secretariado Nacional

— 85 —

38

^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

dos Cursilhos, Sr. Luis Lelte, apolando o movtmento que, recentemente, sofreu restricSes por parte de urna carta pastoral do bispo de Campos, Dom Antonio de Castra Mayer.

O documento adverte contra qualquer tipo de casta, grupo privile giado ou pequeña sella que sala dos Cursilhos de Cristandade, mas nlo esconde que fot através deles que mullos leigos encontraran! o 'sentido da sua vida crista e tomaran) consciéncla das suas responsabilidades batlsmals'. Difundidos em quase todas

Goiás, os

Cursllhos,

diz o

as dioceses e

documento,

merecen)

prelazias do

Estado de

'urna palavra de apoto,

estímulo e orientagáo' pelos (rulos que estáo produzindo. Depois de citar a definicáo dada por Paulo VI, como 'escola de santidade', e de lembrar a poslcáo de destaque em que a Igreja recolocou os leigos depois do Concilio, os bispos signatarios sublinham que 'é urna alegría para nos e urna esperanca' poder contar, entre outros, com os Cursilhos, que ajudam na formacáo e orientacáo dos crlstaos através de métodos atraentes e ellcazes...

'O ideal é que cada um que participe de um Cursilho de Cristandade sala alegre, nao por se ter tornado um cursilhlsta, mas por ter tomado consciéncia de sua vocacao crista' — (rlsam os misslvlstas. Também as atividades apostólicas de um cursilhista devem orlentar-se 'para urna presenca cristámente exemplar e constrictiva no meio da familia, do Irabalho, dos diverlimenlos e das relacSes sociais...' 'Por (im, Icinbramos que só havera urna acio apostólica auténtica, quando se ama Jesús Cristo e se procura viver na sua intimidade. Sem vida interior, seria e permanente, nao se pode ser um Instrumento adequado ñas máos de Deus para a dilatacáo e o incremento do seu Reino', arre

matan) os bispos. Treze prelados assinam a carta..."

O «O Sao Paulo» de 9/XII/72 notición : "Arcebispo presente prestigia encerramento do 195? Cursilho de Cris tandade — Domingo último, quando D. Paulo Evaristo Arns entrava no Saláo

onde se encerrarla o 195? Cursilho de Cristandade para Homens... no Tatuapé, centenas de católicos do conhecido e attvo Movtmento de Leigos tevantaram-se mostrando sincera e ruidosamente sua satisfacao pela pre senca do Pastor da Arautdlocese. Depois dos comovenles testemunhos dos

50 novos cursillistas —■ agora, somente na cidade de Sao Paulo eles sio mais de 15 mil entre homens e mulheres — o Arcebispo tomou a palavra para reiterar a aprovacao do Episcopado Brasileiro e da Igreja aos Cursilhos, no qual repousam grandes esperarlas de um futuro rnelhor."

Estes dados evidenciam bem quanto os Cursilhos estáo

correspondendo á mente ,da Igreja contemporánea — o que os torna merecedores do aplauso de todos os que sinceramente

amam o Reino de Cristo e o bem de seus irmáos. Dsve-se notar que muitos daqueles que fazem reservas aos Cursilhos, só as fazean porque nunca viveram um Cursilho, mas apenas leram ou ouviram falar a respeito.

— 86 —

Urna das últimas conquistas da medicina

transplante de ovario

Em síntese: O transplante de ovario parece estar sendo realizado com éxito, segundo noticias dos jomáis. A operagáo, porém, delxa interrogagSes abertas aos estudiosos. Vamos abordá-las:

1) Os folículos nascem com a crlanga e trazem as características da respectiva personalidade. Por isto, quando se transplanta o ovario, transplantam-se notas próprias da doadora (ovario de mulher da raga negra em mulher de raga branca conserva as características de sua raga). 2)

Em conseqüéncia, vé-se que o transplante de ovario, em parte,

pode ser assemelhado a um transplante de órg&o (o que nSo é condenável, contanto que nao se tire a vida do doador para se Ihe extrair o órgSo a

ser transplantado). Em parte, porém, pode-se dlzer que tem algo de comum

com a insemlnacáo artificial (á qual se associa a figura da máe de aluguel

ou incubadora); de fato, o ovarlo ovula no organismo da mulher receptora por influencia da vltalidade desta, mas com as características recebldas no

organismo da doadora; os óvulos traráo as notas tipleas da mulher doadora, nSo as da receptora; esta entSo se tornará fácilmente mera Incubadora. Ora

reduzir as fungoes maternals á incubagao é derrogar á dignidade indevassável das mesmas. A sementé vital da mulher é sempre a expressSo do

amor e da generosidade dessa mulher; a sementé alheia portanto exprime

a generosidade e o amor de outra mulher. 3)

O casamento entre o filho da mulher que deu o ovario transplan

tado e o da mulher que recebeu tal ovario, tem algo do casamento entre semi-irmáos. Embora moralmente nao seja condenado, é rejeitado pelo Direito, pois se opóe ao bem comum da sociedade.

Comentario: O jornal médico «Pulso», em sua edigáo de 20 de novembro de 1972, transmite a seguinte noticia : "OVARIOS TRANSPLANTADOS NA ARGENTINA ESTÁO BEM Buenos Aires (do bureau argentino do PULSO) — O transplante de ovarios realizado aqui há nove meses em mulher estéril pelo dr. Raúl Blanco

e sua equipe de qúinze médicos, no Hospital Torcuato de Alvear, já pode

ser dado como de total sucesso, pois

a receptora, segundo comunicacáo

científica recém-anunciada pelos cirurglóes, está ovulando pode ser máe quando quíser.

normalmente e

Ao PULSO argenlino o dr. Raúl Blanco, que de 12 a 16 do corrente

(novembro) está no Brasil (SSo Paulo) para o I Congresso Brasil-Israel de

— 87 —

40

'PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 158/1973

ferlilidade e esterilldade, diz que em 1968 comecou a etapa experimental do transplante de ovarlos em cadelas. Encontrou a técnica adequada após tentativas em dez animáis, nove dos quais com ótimo resultado. Em mulher, a oportunidade surgiu quando operava urna cam fibroma e que devia se submeter a hlsterectomla."

Esta noticia, um tanto sensacional como ó, suscita de imodiato tres interrogacñes interessantes : 1)

O ovario transplantado fará parte integrante .da re

ceptora ou nao ?

2) É licito, do ponto de vista moral, fazer-se um trans plante -de ovario, sobretudo com vistas á reprodugáo ? 3)

Em caso positivo, será moralmente lícito o casamento

do(a) filho(a) da mulher que recsbeu o transplante de ovario com o (a) filho(a) da mulher que deu esse ovario ? A estas perguntas vamos dedicar as páginas que seguem, distinguindo o aspecto filosófico e o aspecto moral da temática. — Sabemos que o assunto é sutil e ainda um tanto sujeito a conjeturas e divagacóes da fantasía ; como quer que seja, o estudo de tal problemática nos dará ocasiáo de refletir sobre certos principios básicos da filosofía e da moral cristas.

1.

Transplante de ovárro : filosofía

1. A filosofía escolástica, também dita «filosofía perene», ensina que o homem consta de corpo material e alma espiritual.

Corpo e alma se comportam entre si como materia e forma (no sentido aristotélico); o que quer dizer: é a alma espiritual que dá as características específicas á materia a que ela está unida.

Verdade é que materia e forma se condicionam mutuamente, exercendo causalidad* reciproca entre si ; tal alma é por Deus criada em vista de tal materia preparada pelos genitores da futura crianga. Como quer que seja, é á alma (forma, no sen tido aristotélico) que compete dar as notas essenciais á materia que ela anima. 2. Acrscente-se agora um dado da biologia. Esta ensina que no organismo feminino existem dois ovarios com folículos ' em tres estadas de evolucáo : 10 folículo (de Graaf) é urna pequeña bolsa que envolve o óvulo antes que este esteja maduro e seja libertado para receber o esperma tozoide.

TRANSPLANTE DE OVARIO

— os folículos primordiais, em número de 200.000 300.000 (na especie humana); nascem com a crianca ;

41

ou

— os folículos em via de crescimento ; desde os quatro ou cinco anos de idade da crianga, os folículos tendem a se desenvolver e alcancar o seu amadureeimento. Segundo alguns

autores, apenas 30.000 ou 40.000 folículos chcgam a amadurecer. Outros afirmam que somente algumas escassas centenas, se tanto, amadurecerao c seráo libertados : — o óvulo maduro. A partir dos 12/13 anos, a menina

entra na sua puberdade, ficando sujeita aos ciclos menstruais. Desde o principio do ciclo menstrual, comega o processo de maturagáo de um óvulo, processo que dura cerca de 14 dias.

Quando o óvulo está maduro, o folículo que o contém rebenta, deixando-o livre, mas ainda rodeado de algumas células ; esta libertagáo é chamada ovulacáo, ponto central .do ciclo feminino de reproducáo.

3.

De quanto dissemos, segue-9? que em todo organismo

feminino desde a infancia os ovarios sao marcados pelas carac terísticas da alma e da personalidade da respectiva portadora; nao sao ovarios neutros ou indiferentes a urna personalidade,

mas sao os ovarios ,da menina A ou de B ou de C, destinados a transmitir por heranca as notas características da personali dade da doadora.

4.

Digamas agora que um ovario é extraído de um orga

nismo e implantado noutro. Caso este outro assimile o ovario proveníante de fora (o que, segundo as noticias mais recentes,

tem acontecido), o ovario assimilado guarda as características

da passoa doadora ; funcionará, ou seja, ovulará por influencia

da alma do organismo receptor, mas manifestará as notas típi cas do sujeíto de origem e, por conseguinte, da personalidad; a que tal ovario pertancia. Assim o ovario extraído de urna mulher preta e implantado numa mulhsr de raga branca ovu lará de modo a transmitir as características da raga preta. Pode-se dizer que o óvulo do ovario implantado leva consigo a potencialidade genética da mulher doadora. Esta afirmagáo é baseada no fato de que os ovarios e os folículos ovulinos comegam a existir e se formar ou desenvolver desde a infancia da mulher doadora no organismo desta, sob a agáo da alma ou do principio vital dessa pessoa doadora. Quando, pois, o ovario c transplantado, nao pode deixar de ser transplantado com as notas típicas do organismo e da personalidade de sua origem. — 89 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 158/1973

Colocados estes principios, passamos a encarar a moralidade da nova operagáo.

2.

Transplante de ovario : e a consciéncia moral ?

Do ponto de vista da consciéncia moral, duas perguntas se

propóem no caso : 2.1.

Transplante de ovario para

reprodujo©

Em tese, os transplantes de órgáos (rim, coragáo, córnea do olho...) sao licites, desde que nao se tire a vida do doador para se lhe extrair o órgáo a ser transplantado. Sabe-se, alias, que esta cláusula (nao matar nem precipitar a morte do doa dor) ccmstitui um dos pontos mais nevrálgicos da operagáo de transplantes considerada do ponto de vista ético: o médico há de saber avaliar com exatidáo o momento da morte real do paciente, distinguindo-a da morte aparente e dos diversos graus de coma — o que é extremamente difícil; cf. PR 137/1971, pp. 193-203. Numerosos estudos, em conseqüéncia, tém sido feitos sobre os síntomas de morte real de um paciente. Quanto ao transplante de ovario em vista da reproducáo, assume modalidade ética própria. O ovario, com efeito, nao é

simplesmente, como o coragáo ou um rim, um órgáo de funcóes quase mecánicas, substituivel até por urna bomba ou um «ciborg» (o transplante de coragáo, ñas devidas circunstancias, é lícito). O ovario, que produz óvulos, está intimamente associa-

do as características pessoais ida mulher a que pertence; os fo lículos, que nascem com a crianga, trazem as notas típicas desta e tendem a transmití-las. Além disto, o ovario existe em

fungáo da maternidad©; esta é própria e representativa da pessoa humana feminina; supóe ideal e generosidade conscientes. A maternidade nao pode ser despsrsonalizada, nem há de ser reiduzida a mera incubagáo de ovos.

Estes dados levam-nos a perguntar: será que o transplante de ovario nao afetará oartos valores humanos que nao é lícito devassar? A reprodugáo que se obteria mediante ovario trans plantado, nao deveria ser tida como urna modalidade da cha

mada inseminagáo artificial? A fecundagáo que assim se obte

ria, nao utilizaría o semen da mulher em que se teria feito o transplante, mas o semen de outra mulher (a doadora); a mu

lher reo3ptora nao se tornaría entáo máe incubadora ou máe — 90 —

TRANSPLANTE DE OVARIO

43

de aluguel? — Nao há dúvida, a mulher que recebe o ovario, fá-Io funcionar com a sua vitalidade própria; caso este ovule no organismo da receptora, ovula porque participa do metabo lismo deste organismo; mas fica sendo sempre a expressáo de outra personalidade ou de um outro En.

Ora a fecundagáo artificial nao se concilia com a moral crista. Obssrve-se também o seguinte: reduzir a fungáo mater na ao comportamento da máe incubadora é indigno da consciéncia moral bem formada e, por conseguinte, contraria os principios da moral crista; cf. PR 153/1972, pp. 428-432. Em síntese, vemos que o transplante de ovario se apre senta como uma opsragáo de duplo sentido: em parte, equipara-se a um transplante de órgáo (o que por si nao pode ser con denado) ; em parte, porém, assemelha-se a fecundagáo artificial

com tudo o que esta tenha de estranho (inclusive o papel da máe incubadora). Verdade é que o aspecto de fecundacáo arti ficial, no caso, é um tanto atenuado; nao se transplanta a se menté apenas, mas o ovario (o órgáo produtor de sementes vitáis) de uma mulher para outra; o ovario ovula dentro do

organismo da mulher que fará a gestagáo do feto. Como quer que seja, esta mulher estará carregando e desenvolvendo a se

menté vital de outra mulher — o que talvez nos obrigue a di-

zer:... estará servindo de incubadora.

Estas reflexóes nao pretendem ser mais do que encaminhamento de solucáo para uma problemática que ainda é prematu ra e um tanto irreal. Os progressos das pesquisas médicas poderáo ajudar-nos a equacionar melhor a questáo e a procurar-Ihe uma solucáo mais concreta e precisa. 2.2.

Casamento de filhos do mesmo ovario

Pergunta-se agora: será moralmente lícito o casamento do (a) filho(a) da mulher que recebeu o ovario de outra com o (a) filho(a) daquela que deu o ovario?

— Dadas as premissas até aquí ponderadas, deve-se dizer que essas duas pessoas até certo ponto sao filhos da mesma máe; sao semi-irmáos entre si. Ora o casamento dentro da mes ma linhagem é desaconselhado por dois motivos: — acumula males ou taras hereditarias da mesma familia; — 91 —

44


158/1973

— contraria a uniáo dos membros de diversas familias en tre si, entravando assim a constituigáo de urna sociedade devidamente estruturada. O casamento dentro da miasma familia favorece a mentalidade do clá particularista e prejudica o bem i!a humanidade. Eis por que o Direito eclesiástico e o Direito civil rejeitam i1, matrimonio entre irmáos e semi-irmáos. Note-se, porém. qu*

do ponto de vista estritámente moral nao haveria obstáculo ao casamento entre irmáos. Caso, numa hipótese fantasista, so-

brevivesse um dia na térra apenas um casal de irmáos, estas

duas pessoas poderiam copular entre si, a fim de garantir a continuidade da historia. A consciéncia moral nao rejeitaria isto. Eis.o que se podia sumariamente ponderar á guisa de co mentario da sensacional noticia de «PULSO» sobre transplante de ovario. Estéváo Bettencourt O. S. 15.

livros em resenha Quem ó Deus?, por JeanClaude Barreau. Traducüo de Almir IVibeiro Guimaráes. — Editora Vozes, Pctrópolis 1972, 135 x 210 mm, 91

pp.

Urna das causas do atcismo contemporáneo sao os falsos ou imperíeitos conceitos de Deus apregoados ao mundo por pessoas que

se dizem crentes. Consciente disto, Jean-Claude Barreau se propós

explanar a auténtica nocáo de Deus tal como a Revelacáo bíblica (que é a Revelacáo íeita pelo próprio Deus) o esboga. O autor declara

muito sabiamente no inicio do seu livro: «Nos, os crentes, desconhe-

cemos o desejo do absoluto c a euriosidade de Deus quo atormenta os homens aos qunis nao cusamos mais falar... ContrnrUimonto ao

que so poKsa pensar nos ambientes crisluos, nao sao os escándalos

ou as deficiencias moráis dos cristüos que desencorajam as pessoas. Os pagaos nao condenam tanto os cristaos pelo fato de nao serem perfeitos; eles dizer» (p. 12).

os

criticam

inconsciontemeníifi

por

nada

terem

a

Após esta introduc&o, o autor examina os falsos conceitos de Deus hoje em dia disseminados: o Deus da magia, o Deus «rival do homem», o «Deus mau ou vingativo», o «Deus-Utilidade», o «Deus puritano»... Eliminadas estas concepc5es, Barreau mostra que Deus se quis revelar por Jesús Cristo. Ele se revclou, sim, como o Amor; esse Amor, porém, nao suprime a liberdado do homem. mas a solicita. O autor ctesenvolve brilhantemente estas idéias, délas tirando conclusóes válidas a respeito do pecado, do inferno, do soírimento no mundo atual, da vida espiritual, da moral crista... Considera

— 92 —

também o misterio da SS. Trindade. pondo em foco o seu aspecto de «comunháo' no amor». Uma súmula de pontos capitais da doutrina crista é assim exposta.

Numa palavra, o livro é realmente interessante e profundo; ilustra muito a propósito as suas afirmacóes com tópicos da literatura antiga e da contemporánea. Os problemas da fé, do ateísmo, da

fiiosofia moderna sao ai focalizados num nivel que nao é nem popular nem de erudicao

demasiado

técnica.



Todavía

uma

observacáo

rcstritiva se impóe: no seu aíá de propor a genuína concepcáo de Deus, Barreau cede por vezes a criticas excessivas á piedade católica antiga e á própria Igreja; é um tanto agressivo a grandes persona

lidades católicas; a designado «cristianismo repaganizado» á p. 15 é infeliz, bem como os exemplos anexos. Alias, o autor mesmo foi vitima

desses exageros

de crítica,

pois, após

muito

entusiasmo e

fervor no seu apostolado, acabou por se separar da Igreja (cf. PR 147/1972 pp. 132-142). Quem ler o livro de Barreau sabendo entender o seu delicado capitulo 2, lucrará imensamente com tal leitura, pois realmente abre horizontes novos e ricos em perspectivas auténtica

mente cristas.

Evolucao do Catolicismo no Brasil, por Joáo Alfredo Montenegro. — Ed. Vozes, Petrópolis 1972, 140 x 210 mm, 188 pp.

Este livro é produto de grande e minuciosa pesquisa em torno da historia da Igreja de fins da Idade Media e dos séculos posteriores no Brasil. O autor comega expando a situacáo do Catolicismo no término do periodo medieval para constituir o fundo de cena pres-

suposto pela historia da Igreja em nosso país, nos tempos da colonia portuguesa, no Imperio (quando se deu a chamada «Questao Reli

giosa») e na República. O autor concluí com observacOes sucintas a respeito do Catolicismo no Brasil após o Concilio do Vaticano II.

Era necessária uma tal obra na literatura brasileira. Todavía note-se que nao é fácil escrever historia; os fatos analisados geralmente inspiram ao estudioso uma apreciacáo filosófica. Ora o erudito Prof. Montenegro, de principio a fim do seu livro, tende a realcar quase exclusivamente os traeos sombríos da historia da Igreja: em numerosas descricoes de situacáo que apresenta, só vé moralismo, legalismo

ambicáo,

sobrenaturalismo...

(palavras

freqüentes

no

decorrer do livro). Na resistencia de D. Vital ao governo imperial julga haver «concepcáo maniqueísta, projecáo racionalista» (p. 100). A luta entre a Igreja e o Imperio é tida como fenómeno social de contrasto (pi>. 105s). O Santo Oficio de Roma teria por funcáo precipua «fortalecer a unidadu política através da unidade religiosa* tp. 41). Estranha é a distingáo entre «Igreja instituigáo» e «igreja povo de Deus» (p. 182); na verdade, o povo de Deus nao existe sem a sua estrutura visivel, instituida por Cristo.

O autor é simpático á renovacáo da vida católica induzida pelo

Concilio do Vaticano II; mas isto, objetivamente falando, é muito pouco. Desejar-se-ia através do livro inteiro a mengao dos grandes vultos humanos e dos feitos heroicos que marcaram positivamente a historia da Igreja no Brasil: a catequese dos indios/, a obra dos

jesuítas, a educagáo e a civilizagáo trazidas pelas Ordens Religiosas ao Brasil; isto tudo representou abnegacáo e heroísmo; deveria ster< julgado nao com criterios do séc. XX, mas segundo os parámetros dos séc. XVI-XVIII. A «Questáo Religiosa» significou um brado de independencia da Igreja frente á leí do padroado, que só permitía

íossem executadas no Brasil as Bulas papáis que recebessem o bene plácito de S. Majestade Imperial; dignas de louvor, pois, e beneméritas sao as figuras de D. Freí Vital,

Antonio Macedo da Costa, bispo do Para.

bispo de Olinda, e D.

Em suma, tem-se a impressáo de que o autor é um sociólogo, jurista e historiador de erudigáo, que, no campo religioso, carece de premissas necessárias para enfocar devidamente os temas atinentes á historia da Igreja. A leitura do livro é instrutiva, mas comunica impressñes unilatcrais ou negativas concernentes ao Catolicismo no Brasil — o que é injusto e nao scmpre fiel á verdadc. E.B.

-<"< §;E NHOR,

QUANDO EU TIVER

_

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QUE HAJA ALGUÉM A QUÉM TENHA QUE ALIMENTAR! QUANDO TIVER SEDE,

-

; _

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUÉ DAR DE BEBER I QUANDO TIVER FRIÓ,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE VESTIR ! QUANDO ESTIVER TRISTE, QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE CONSOLAR I QUANDO ESTIVER PESADA A MINHA CRUZ, QUE TENHA QUE AUXILIAR OUTRO A LEVAR A DELE I QUANDO ESTIVER POBRE,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE DAR ESMOLA!

QUANDO NAO TIVER TEMPO, QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE ENTREGAR PARTE DO MEU! QUANDO FOR HUMILHADO,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE LOUVAR I QUANDO FOR FERIDO,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE CURAR I QUANDO ESTIVER DESANIMADO,

QUE HAJA ALGUÉM A QUEM TENHA QUE LEVANTAR I QUANDO TIVER NECESSIDADE DE ALGUÉM QUE SE PREOCUPE COMIGO, QUE TENHA EU QUE ME PREOCUPAR COM OS DEMAIS I

QUANDO EU MORRER, QUE O MUNDO FIQUE MELHOR POR TER EU EXISTIDO !

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