Ano Xiii - No. 146 - Fevereiro De 1972

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Projeto

PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENfTAQÁO

DA EDipÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Verítatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico • filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e

zelo pastoral assim demonstrados.

filosofía

■■■••*<

&OUTCINA

) XIII — N.« 146

FEVEREIRO DE 1972

Indiice

A PALAVRA DO PAPAGAIO

45

AFEÉ ALGO DE RAZOAVEL?

SE É RAZOAVEL, POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ? EM SUMA, COMO SE PODE CHEGAR A TER FÉ?

47

Que dlzer?

"O MAL E O SOFRIMENTO EXISTEM NO MUNDO.

LOGO DEUS NAO EXISTE"

61

Moral conjugal:

PRECONCEITOS E AUTÉNTICOS CONCEITOS.

QUEM CONSEGUE DISTINGUIR?

73

Decisivo para o cristáo:

COMO ORAR?

85

RESENHA DE LIVROS

94

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

y. i . < -. -

u.

A PALAVRA DO PAPAGAltf"--Há certas verdades que a arte exprime com fór§a própria: em termos suaves, mas extremamente penetrantes, ela deleita e simultáneamente ajuda a pensar.

É éste o caso — pode-se dizer — da "Prece do Papagaio", devida a alguém que se tem esmerado por encontrar ñas rea lidades concretas (o poste, o papagaio, a flor...) ligóes de alta sabedoria. Fale o poeta:

"Senhor, agradeco por ter sido criado papagaio. Gosto da minha sorte entre os animáis. Sou privilegiado, eu falo, canto e assobio. Tenho meus limites, mas quem nao os tem? Agradeco sensibilizado, Senhor.

As vézes, sinto até um certo orgulho. Os homens contam as minhas piadas. Piada de papagaio sempre é bem ouvida; pena que éles misturem tudo! Nem eu sei, as vézes, quem é o homem e quem é o papagaio, na piada. Fazem-me dizer coisas déles. Tenho a impressáo, até, de que

colocam na minha boca certas coisas íntimas, déles, que nao tém coragem de dizer como sendo déles. Mas eu os perdoo, porque cíes me

apreciam. Só que nao sou tío malicioso como éles me fazem ñas piadas; nem táo distribuidor de sorte como éles pensam.

Rezo pelos homens, para que sejam homens de fato. Acho que éles

sao multo parecidos comigo, mesmo que éles pensem ser mais parecidos com o macaco. Afinal sou eu que falo, canto como éles. O macaco nao faz nada de tudo isto. Nao faco questáo de que éles sejam papagaios; que éles sejam homens, Senhor!

As vézes, alguns homens sao chamados de papagaios. Eu nao me ofendo, c claro. Mas faco questáo de que o homem seja homem. Use a

sua inteligencia, nao sómente a voz. Nao faca como eu, que nao consigo

formar frases por mim. Só repito palavras que ouco. Nao leves a mal, Senhor; os palavróes que eu repito nao sao meus, nem sao daqueles de quem eu os aprendí. Quanta gente repete, apenas, o que ouviu dizer! Senhor, só urna coisa eu peco: que eu seja o papagaio e que o homem seja homem. Estou com clúmes do meu privilegio. Eu fui criado papagaio e quero morrer papagaio ajustado. O homem viva sua vida de homem livre, use sua voz com inteligencia e coracáo. Papagaio sou eu. Senhor, peco-Te que minha raca nao seja destruida. Aceito a gaiola sob urna condicáo: de ser eu o papagaio. Assim seja!" Angelo

— 45 —

Costa

Ao percorrer estas linhas finas e satíricas, qual leitor nao

terá percebido suas ressonáncias íntimas?

A "Oragáo do Papagaio" lembra, antes do mais, o valor da palavra. Esta é expressáo da dignidade humana em meio aos demais seres que nos cercam. Falar é a manifestado da inteligencia humana e de tudo que a acompanha: afetos, an-

seios, expectativas, angustias... Pela palavra o homem pode exprimir a sua personalidade, comunicar a sua riqueza inte rior, reerguer os seus semelhantes,

construir o

mundo...

Uma palavra bem colocada é, as vézes, mais valiosa do que urna quantia de dinheiro, pois nao raro atinge mais o ouvinte como ser humano. Até mesmo a palavra de gracejo deve ter sua grasa (beleza), seu encanto, sua mensagem, evitando a bestialidade! Mas — lembra também a "Oragáo do Papagaio" — quanto vilipendio nao se faz da palavra t Muitas vézes, em lugar de exprimir a racionalidade do homem, ela paténtela irraciona-

lidade e degradagáo. É palavra de papagaio, e nao de homem.

Palavra de papagaio..., palavra nao pensada ou talvez repetida quase inconscientemente, pelo fato de estar na moda ou ser onda. O receio de nao estar na ponta da crista pode

levar muita gente a dizer (e praticar) coisas tolas só porque "todo o mundo" as diz (e pratica): sao papagaiadas ou, mais

vulgarmente, "besteiras". — Nessas circunstancias, como é

belo ver alguém que nao vai simplesmente na onda, porque usou um pouco mais atentamente da sua inteligencia! Ousando nao entrar no "coro", essa pessoa talvez passe a ser vista com olhos estranhos, mas, em última análise, está benefi ciando a seus semelhantes, pois os está despertando para que nao venham a ser papagaios.

Senhor, compreenda eu a mensagem do papagaio! Ao vé-lo a ornamentar nossas casas, possa eu pensar no que ele

insinúa: "O homem viva sua vida de homem..., use a voz com inteligencia e coragao. Papagaio sou eu... Aceito a gaiola sob uma condigáo: de ser eu o papagaio". Quanto a mim, procurarei ser HOMEM, portador da Pa

lavra da Verdade e do Amor até as últimas conseqüéncias! E. B. — 46 —

"PERGUNTE E

RESPONDEREMOS" ANO Xin _ N.° 146

FEVEREIRO DE 1972

A fé é algo de razoável? Se é razoável, por que tanta gente nao eré? Em suma, como se pode chegar a ter fé? Em síntese: A fé nao é algo de irracional ou absurdo; nao pode ser tida como um desafio a razáo humana.

Fé tamben? nao é experiencia religiosa cega que cada homem possa fazer em seu íntimo, experiencia subjetiva que dispense sinais

objetivos capazos

de

caractcrizñ-la

c mnnifcslá-ln.

A fé, ao contrario, tem algo de racional. Ela interpela, antes do mais, a razáo humana. Com efeito, a fé está assentada sobre fatos históricos que a razáo pode investigar mediante métodos científicos. A inteligencia assim verifica os "porqués" da fé é chega á conclusáo de que é razoável crer. Diz S. Tomás: "Eu nao acreditaría se nao visse

que

devo

acreditar".

Todavía o objeto da fé é transcendental; trata-se de verdades evidentes para Deus, mas inevidentes para nos. Por isto o ato mesmo

de fé ("creio") é proferido pela inteligencia movida pela vontade.

Além da agáo da inteligencia e da vontade do homem, requer-se

o influxo da grac,a de Deus para que a criatura faga urna profissáo de fé.

Ora há obstáculos que entrayam a agáo da inteligencia, da vontade e da graga de Deus. É o que explica que muitos homens nao cheguem a crer. Eis os obstáculos: No que concerne á razáo: há homens que nao créem ou porque nao raciocinam sobre o problema religioso, ou porque raciocinam superficialmente, ou porque raciocinam mal (na base de preconceitos ou de nogóes falhas, se nao erróneas e caricaturadas).

4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

No que concerne á vontade: muitos nao créem ou porque nao querem assumir as conseqüéncias práticas (mudanga de vida) de urna profissáo de fé, ou porque nao os atrai a incoeréncia de vida daqueles que dizem ter fé.

No que concerne á graga de Deus: é certo que Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (cf. 1 Tim 2,4). Por isto Deus fala a todos mediante a voz da consciéncia. Mas Deus quer falar aos homens também pela pregagáo do Evangelho na hora e ñas circunstancias que Ele, em sua sabedoria,

determina. Ora a pregagáo do Evangelho foi confiada aos cristáos. Por isto, os discípulos de Cristo deveráo empenhar-se zelosamente para que todos os homens cheguem ao conhecimento da Boa-Nova: cada cristáo proceda como se a fé dos seus semelhantes dependesse do testemunho pessoal de cada discípulo de Cristo.

Comentario: O problema do ateísmo de nossos dias tem sido repetidamente abordado em PR; cf. 92/1967, pp. 321-333; 97/1968, pp. 28-35; 107/1968, pp. 449-458; 109/1969, pp. 1-15.

O presente artigo tem em vista a maneira como alguém

possa chegar á fé. Sao muitas as pessoas inteligentes e ho nestas que desejariam aceitar Deus e a sua Palavra, mas nao véem como chegar a isto. Sao muitos também aqueles que

podem ou desejam ajudar tais pessoas a chegar á fé.

1 .

Os caminhos que levam á fé

1. Observando a historia dos homens, verifica-se que sempre foram muito variadas e numerosas as vias que con-

duziram e conduzem á fé. A análise das grandes conversóes o prova com clareza: alguns chegaram á fé através da dor; outros, mediante a arte; mais outros, pelo testemunho de vida de um cristáo convicto; outros mais, pela verificagáo da insuficiencia humana ou ainda mediante a leitura do Evangelho e o fascinio exercido pela personalidade de Cristo. Estas e outras muitas vias sao caminhos pessoais ou subjetivos de acesso á fé. Todavia a quem pega que se lhe

indique a via objetiva paTa chegar á fé, nao se pode propor um caminho que dependa de situagóes particulares e da sensibilidade subjetiva desta ou daquela pessoa: "Tente a prova da dor... Dedique-se á arte... Espere urna emogáo

mística ou pega urna visáo sobrenatural..." Ao invés, é preciso que a tal pessoa se proponha um itinerario capaz de valer para todos os homens, itinerario válido em si, inde-

— 48 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

pendentemente destas ou daquelas circunstancias

(emotivi-

dade, interésses culturáis, aptidoes intelectuais...) em que se ache a pessoa interessada. Ora ésse itinerario válido para todos comega necessáriamente pelo raciocinio ou pelo emprégo da razáo. 2. O papel da razáo diante do problema religioso é (fora casos excepcionais) de capital importancia... ...De capital importancia para aqueles que nao tém fé, como acaba de ser insinuado. Muitas pessoas nao tém fé simplesmente porque nunca tiveram urna apresentagáo auténtica da mensagem da fé; só conhecem Deus e os valores religiosos através de referencias pálidas ou falhas ou mesmo através de exposigóes caricaturadas ou historias de impor

tancia secundaria... Se conhecessem melhor a mensagem da fé, prestar-lhe-iam a sua adesáo.

... De capital importancia também para aqueles que já tém fé. O raciocinio fornece a justificagáo ou os "porqués" da fé; a inteligencia, que nao cessa de propor problemas a si mesma, exige que todo individuo raciocine sobre a fé. Mais ainda: a vida moderna, sugerindo objegoes e dúvidas sobre a religiáo, impóe ao homem de fé que refuta sobre essas dificuldades para poder responder a si mesmo e também as numerosas pessoas que lhe ocorrem com suas questóes reli giosas. A estas pessoas nao se pode satisfazer aprcsentando emogoes e experiencias subjetivas; é necessário aduzir provas racionáis e documentos históricos.

Eis a oportuna observagáo do teólogo alemáo Lang: "Todo homcm tem o direito e o dever de examinar se a propalada pretensáo de Cristianismo de que há ama religiáo revelada, é plena

mente justificada diante da ciencia e da ccnsciéncfa. Urna fé que fóssc apenas risco cegó, seria fé destituida de seriedade, aventara indigna e irresponsável".

2. Fé será conclusao de raciocinio? As afirmagóes ácima nao significam que a fé se reduza a conclusóes da lógica e do estudo. Nao; a razáo prepara a fé, mas nao a produz; o exame crítico da religiáo dispoe para

a fé, mas nao a impóe. A razáo dá a ver a conveniencia lógica e moral de crer, mas nao obriga a crer. Após todos os estudos teológicos que empreenda, a inteligencia humana — 49 —

6

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

permanece sempre livre para aceitar ou nao as proposites da fé.

E por qué? — Podemos afirmar urna verdade ou por causa da evidencia mesma dessa verdade, ou porque é um fato de que somos testemunhas imediatas,

ou porque é um fato que outros nos atestam de ma-

neira digna de crédito.

Nos dois primeiros casos, a inteligencia (excetuadas situagoes de anormalidade psíquica) nao é livre para aceitar ou nao; ela vé claramente a verdade e nao a pode negar; assim a proposigao 2 + 2 = 4 se impóe necessáriamente (o mesmo se diga da sentenga: "O todo é maior do que qualquer das suas partes" ou ainda do teorema: "A soma dos ángulos de um triángulo é igual a dois ángulos retos"). O mesmo nao se dá quando chegamos ao conhecimento

de urna verdade únicamente mediante o testemunho de outrem. Essa verdade fica sendo velada em si mesma. Tal é o caso dos acontecimentos históricos do passado; nao os presenciamos;

aceitamo-los

porque

outros

homens

no-Ios

comunicaram mediante suas palavras ou seus escritos. Antes que aceitemos tais acontecimentos, precisamos de aceitar um conjunto de outras coisas: a honestidade de quem atesta, a fidelidade do seu testemunho, a exclusáo de interferencias estranhas, etc.

Ora algo de semelhante se dá com as verdades da fé. Elas estáo associadas a acontecimentos remotos (a vida e a pregagáo de Cristo, por exemplo) que recebemos por teste munho de outros homens (profetas, apostólos, evangelis

tas...). Além disto, o conteúdo mesmo das proposic.óes da fé ultrapassa (embora nao contrarié) a capacidade da nossa inteligencia; nao é evidente por si. Assim, por exemplo, podem-se apresentar varios argumentos que provem a Divindade de Cristo; mas a conclusáo de que urna pessoa seja verdadelró homem e verdadeiro Deus, permanece para sempre

incompreensível á razao humana. A inteligencia nao é obrigada a aceitar tal proposigáo como se fósse evidente por si (a evidencia da proposigao 2 + 2 = 4 é tal que a inteligencia — 50 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

é obrigada a professá-la, aínda que isto lhe traga conseqüéncias penosas).

"

Como entao a inteligencia dirá o seu Sim as verdades da fé?

Para que diga o seu "Sim; creio", requer-se que a vontade intervenha e a mova. Por conseguinte, nos só eremos se, além da nossa inteligencia, a nossa vontade se empenhe (ao passo que dizemos "dois mais dois sao quatro", aínda que nossa vontade se rebele contra tal realidade).

Ademáis é preciso notar que um terceiro elemento — a graga de Deus — deve entrar em agao para que alguém possa ter fé. Na verdade, a fé é um dom de Deus, é algo de sobre natural; nao é mero resultante do trabalho humano. Esta

proposigao, á primeira vista, talvez desconcerté, porque parece

implicar que de nada servem os esforgos humanos. Nao seja

esta a conclusáo; Deus a ninguém se subtrai. As dúvidas a respeito seráo dissipadas a p. 59, quando voltarmos a falar déste terceiro elemento. Por ora interessa fixar com a máxima clareza possível o papel da razao na preparagáo e na profissao da fé.

3.

O papel da razao diante da fé

1. Nem todos os homens religiosos concordam em atri buir & razáo urna fungao própria na profissao da fé. a) Houve, na historia, correntes de pensamento que apresentaram a fé como um risco, um belo risco, ou um desafio para a razao. Já Tertuliano (t após 220), em sua dialética,

dizia: "Creio porque é absurdo (Credo quia ábsurdum)". Nao se poderia julgar que, quanto mais dada ao absurdo e desconcertante, tanto mais a fé é fé?

A esta questáo é preciso responder negativamente. A fé

nao é um jógo aleatorio, é o que de mais firme possa haver na vida de um homem. A fé é urna certeza que se deriva do fato de que Deus, a Verdade mesma, se dirige ao homem para responder as interrogagoes de sua inteligencia e de seu

coragáo.

b) Há também quem diga que a fé se identifica simplesmente com a experiencia religiosa que cada um faz em — 51 —

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

sua vida particular; é um encontró estritamente pessoal e íntimo entre Deus e a alma ou um fenómeno meramente subjetivo. Por isto a fé nao precisa nem de provas nem de justificativas; a fé também dispensa fórmulas fixas que a manifestem; ela se exterioriza quando e como o julga oportuno o respectivo sujeito.

Verifica-se, porém, que tal teoría reduz a fé a mero fenó meno psicológico, destituido de características objetivas; seria um fato meramente humano natural, e nao um encontró real com Deus. Se tudo na fé é subjetivo, fácilmente se pode concluir que também Deus, sua palavra e sua vontade, sao fenómenos subjetivos e meros estados de alma ou efeitos psicológicos. A religiáo se reduz entáo a sentimento e emogáo apenas.

c) Na verdade, a Revelagáo crista nao é algo de mera mente subjetivo, mas, sim um dado objetivo, histórico e histó ricamente documentado: Deus falou aos homens no decorrer

dos séculos e Ihes propós os seus designios de amor. Por conseguinte, compete aos estudiosos da historia investigar ésses acontecimentos, e assim por em clara luz os fundamentos da fé crista. Nao se pode negar que a fé e a Religiáo satisfazem ás mais espontáneas exigencias da natureza humana; falam viva mente aos sentimentos e á emogáo. Isto, porém, nao quer dizer que se deva excluir da religiáo o papel da inteligencia; entre as mais genuínas exigencias da natureza humana, está, sem dúvida, a de nos darmos conta do nosso próprio Credo, a de investigarmos criticamente se a nossa fé corresponde a urna realidade objetiva ou se nao passa de piedosa ilusáo. Por isto se diz que "procurar justificar racionalmente a sua fé" é direito e dever de todo homem.

2. Em outros termos: o homem precisa de dados cien tíficamente certos que motivem a sua profissáo de fé. Embora

as verdades reveladas por Deus ultrapassem o entendimento do homem, existem razoes que as tornam dignas de crédito. Os dados da Revelagáo exigem fé, mas a razao humana exige saibamos por que Ihes prestamos fé. S. Tomás de Aquino repete em seus escritos:

"Eu nao acreditaría se nao visse

que devo acreditar". E é com a inteligencia que vemos e pon deramos as garantías que a fé apresenta em seu favor.

Por exemplo, para crer na Divindade de Cristo, devo ter provas. A prova decisiva nao é o fascínio pessoal de Jesús: — 52 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

outros homens também foram fascinantes, e é por vézes di fícil estabelecer urna graduagao entre mestres e heróis fas cinantes. A prova decisiva também nao é a satisfagüo que experimento por ser seguidor de Cristo: pode haver muitos homens que sintam profunda satisfagáo por seguir Buda, Lao-tsé, Confúcio, Maomé... A prova decisiva da Divindade de Cristo é a Tessurreigüo corporal de Jesús Cristo; esta é algo de objetivo; pode ser (e tem sido sobejamente) estudada por historiadores e críticos; os testemunhos que a abonam, sao tais que constituem sólido fundamento para que a inte ligencia diga um "Sim" consciente e lúcido. Cf. PR 112/1969, pp. 148-159.

3.

O sentimento religioso merece aprego, mas nao deve

ser superestimado. Nao é o constitutivo do ato de fé, mas apenas estímulo para que o homem procure ter fé e a pratique. 4.

Em suma, crer nao é raciocinar nem sentir nem emocionar-se nem exaltar-se.

Crer é estar convicto; mas é mediante o raciocinio e a

pesquisa que nos tornamos convictos.

5. Eis as principáis questóes que alguém pode precisar de abordar antes de aderir ás proposites da fé: Deus existe realmente1! Como se poderia ter certeza ra

cional da sua existencia? Jesús Cristo é figura histórica homem ou Deus e homem?

ou

mítica?

Foi

mero

Os Evangelhos merecem crédito? Transmitem fielmente a vida e a mensagem de Cristo?

A Igreja Católica continua auténticamente a obra de Cristo, ministrando de maneira íntegra a salvagao apregoada por Jesús Cristo? Estes temas sao estudados a fundo em bibliografía espe cializada (parcialmente indicada no fim déste artigo), assim como em palestras e cursos ministrados em escolas ou instituigóes de fonnagáo religiosa.

É preciso agora considerar — 53 —

10

"PBRGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

4. Os obstáculos á fé Como foi dito atrás, tres sao os elementos que concorrem para que o homem chegue á fé: a razáo, a vontade üvre e a graga de Deus. Na verdade, a razao diz "Sim" as proposigóes reveladas impelida pela livre vontade, sob a agáo da graga de Deus. Nenhum déstes tres elementos pode estar au sente á origem da fé, mas nenhum é suficiente por si só.

Ora motivos diversos podem entravar a agáo da inteli gencia, da vontade ou da graga de Deus — o que explica que muitos homens nao cheguem a crer.

Vejamos, pois, quais os obstáculos que se opoem ao acesso do homem a fé.

4.1.

Da parte da razao

a) Há pessoas que nao créem porque nao raciocinam sobre o problema religioso. E nao raciocinam, porque

ou nao dáo importancia ao assunto

ou nunca tiveram instrucao religiosa própriamente

dita... ninguém lhes deu a ver os valores religiosos, colo cando-as em presenga da auténtica mensagem crista.

b) Outros há que nao créem, porque raciocinam super ficialmente. Nao refletem, nao encontram tempo para me

ditar, absorvidos que estao pelo tumulto das preocupagóes da vida. As vézes sao seduzidos por valores transitorios (posses, prestigio, poderio, partido político, cultural...) que, para éles, se podem tornar auténticos ídolos "religiosamente" cultuados. c)

Por fim, há também os que nao créem, porque racio

cinam mal ou erradamente. E raciocinam mal ou por causa da educacao que receberam, ou por motivo de preconceitos disseminados na fa milia, na escola, no ambiente de trabalho, na imprensa...

Uns tém a religiáo ha conta de entrave da liberdade, da cien

cia e do progresso... Outros pedem demonstragóes matemá ticas, quando a índole do assunto só permite que se lhes apresentem razoes de ordem moral... — 54 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

11

Em suma, pode-se dizer que, quando a inteligencia nao

funciona devidamente, a religiSo, longe de progredir, só tem

a recear menosprézo ou mesmo impugnagáo.

Abaixo vao citados alguns testemunhos de grandes vultos da humanidade que atestam quanto a deficiencia de conhecimentos religiosos é nociva ao homem: Guerra Junqueiro (1850-1923), famoso literato em seu tempo, escreveu acerba crítica ao catolicismo intitulada "A Velhice do Padre Eterno". Eis, porém, que a respeito dessa obra o próprio autor assim se pronunciou em suas "Prosas dispersas" publicadas em 1921: "Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. 'A Velhice do Padre Eterno' é nm livro da mocidade. Nao o escreveria já aos quarenta anos. Animou-o e ditou-o o meu espirito cristao, mas cheio ainda de um racionalismo desvairador, um racionalismo de ignorancia estreita e superficial. Contendo belas coisas, é um livro mau e muitas vézes abominável" (p. 12).

Depois de notar como quase todos os grandes vultos da literatura portuguesa no sáculo passado (Eca de Queiroz, Ramalho Ortigáo, Antero de Figueiredo, Oliveira Martins) com o passar dos anos foram

voltando ao Cristianismo, que hostilizaram nos anos de sua juventude, o mesmo Guerra Junqueiro (que seguiu semelhante itinerario) concluiu: "É preciso dar volta á vida para compreendermos bem" ("Prometeu libertado", pp. 28-32). — "Compreender bem" aqui tem em mira a Religiáo.

O caso de Rui Barbosa (1849-1923) também é significativo. Exi lado na Inglaterra, o sabio, incrédulo como era, teve a ocasilo de ler o livro de A. Balfour sobre as bases da fé ("The Foundations of Belief"). A leitura sugeriu-lhe a seguinte observacáo: "Ele responde como urna forte voz interior á situacáo atual do meu espirito" (Cartas da Inglaterra. Sao Paulo 1929, p. 212). Muitas das objecóes anti-religiosas de

Rui

assim

foram-se dissi-

pando para dar lugar a novo modo de considerar a fé, como confessa o próprio escritor:

"As superficialidades da crítica vulgar acharáo naquelc trecho muito ante que baixar os olhos. Sente-se ali a que ponto a onda invisível das tradicóes sagradas permeia os interésses humanos, e admira-se a atualidade eterna das solucóes religiosas por entre o variar infinito dos tempos, das coisas, dos sistemas" (ob. cit., p. 206). A religiáo ficou sendo, para Rui Barbosa, o valor primordial do povo inglés:

"Pelo senso religioso, ele (o povo inglés) fez o scu caráter. É a condicáo fundamental, onde se habilitou a possuir o mundo. É a primeira fase e a contribuicáo mais importante para o seu sistema orgá nico, como a célula nervosa no animal" (ob. cit., p. 169).

— 55 —

12

da

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

De entáo por diante, Rui Barbosa mais e mais se íoi aproximando verdade religiosa.

Paúl Claudel (1868-1955) aos 18 anos terminava seus estudos no Liceu "Louis-le-Grand". Entáo admirava Renán, e professava o culto exclusivo da ciencia. Ele mesmo descreveu o seu estado de alma naquela fase de vida: "Evoquem-se estes anos tristes de 80, a época do pleno desabro

char da literatura naturalista. Nunca pareceu mais firme o dominio da materia. Os grandes nomes na arte, na ciencia, na literatura eram todos irreligiosos... Renán imperara. Foi ele quem presidiu a última distribuicáo de premios do Liceu 'Louis-le-Grand', á qual eu assisti e creio que fui coroado por suas máos ... Vivía entáo na imoralidade, e pouco a pouco cai num estado de desespero ... Esquecera completa mente a religiáo; a respeito desta, a minlia ignorancia era a de um

selvagem" (cf. J. Calvet, "Le renouveau catholique dans la littérature contemporaine". Paris 1927, p. 189).

Claudel teve mais tarde a felicidade de melhor conhecer a religiáo e tornar-se um de seus grandes arautos. Pode-se citar também o testemunho de S. Agostinho (t 430). Em sua procura de verdade, aderiu ao maniqueísmo e repetiu as acusacóes que éste inspirava contra a Igreja Católica. Mais tarde, tendo-se aproxi mado do Catolicismo, confessou: "Confundia-me, convertia-me e alegrava-me, meu Deus, porque a

vossa única Igreja, corpo do vosso único FHho, onde, sendo eu menino, puseram sobre mim o nome de Cristo, nao tinha ressaibo daquelas fábulas pueris... Comecava a parecer-me que se podia defender o que F.la dizia... A fc católica assim me parecía nao vencida, ainda que nao de todo me parecesse vencedora"

("Confissóes" 1. V, c. 4 c 14).

Estes -poiicos depoimentos bastam para ilustrar o papel

altamente valioso do estudo e do reto raciocinio frente á Religiáo. Passemos agora aos obstáculos á fé provenientes 4.2.

Da parte da vontode

Há pessoas que nao créem nao porque ignorem as ver

dades da fé ou tenham contra elas alguma objecáo razoável, mas porque simplesmente nao querem crer. E nao querem crer

a)

ou por motivos de ordem moral: abracar a fé impli

caría para essas pessoas mudanca de vida, combate á paixáo, á soberba ou ao vicio... Ora a vontade apegada ao desmando nao pode mover a inteligencia a dizer o seu "Sim" as verdades da fé. — 56 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRE?

13

b) ... ou por desilusüo causada pelo comportamento incoerente dos que dizem ter fé. Multas talvez nao se queiram aproximar da religiao por consideraren! o contra-testemunho dos que créem. Na verdade, o Concilio do Vaticano II apontava, entre as causas do ateísmo moderno, o comportamento contraditório de cristáos inconscientes de suas responsabili dades (Cf. Const. "Gaudium et Spes" n.° 19).

A respeito de obstáculos de índole moral, váo abaixo con

signados alguns depoimentos significativos:

O orgulho obceca o homem e impede-o de ver os sinais de Deus... Marcelin Berthelot (1827-1907), um dos grandes químicos de sua época, era ateu. Escreveu o seguinte: "Para que a ciencia nao se fragmente em especialidades, é mister

que naja pelo menos um cerebro capaz de abrac.á-la no seu conjunto. Ésse cerebro, creio ter sido eu; receio ser o derradeiro" (referido por

Paúl Pinlevé, "Le Temps" 20/3/1907).

Estas palavras, que dispensam qualquer comentario, provinham da mesma mente que professava o ateísmo.

E. Renán (1823-1892), um dos grandes adversarios do Cristianismo no século passado, nao hesitava dizer: "Éste (o homem que pensa) é o próprio Júpiter Olímpico, que julga tudo e por ninguém é julgado" ("Souvenirs d'cnfance et de jcunesse". Paris 1925, p. 409).

"Fui o único, em

meu sáculo, que pode compreender Jesús e

Francisco de Assis" (ob. cit., p. 130).

''Tudo ponderado, se eu tivesse de recomecar a minha vida, com o direito de a corrigir, eu nada mudarla nela" (ob. cit., p. 320).

Os vicios da carne sao outra grande fonte de obscurecimento da inteligencia frente a Deus. É o que atesta o histo riador e apologista francés Louis Baunard: "Posso testemnnhar que, muitas vézes, tive ocasiáo de descer bem fundo, em mais de urna dessas doutas inteligencias corroídas e devas tadas pela teofobia. Procure! nelas onde se alojara o microbio do ateísmo. Nao foi na cabeca, no cerebro, que o encontrei; foi na consciéncia, no coracáo, nos sentidos; lá estava ele" ("Le vieillard". Paris 1916, p. 83).

Paúl Bourget (f 1935) observava muito sabiamente: "Quem nao vive como pensa, acaba por pensar como vive." -

— 57 —

14

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Sao palavras do filósofo alemáo hegeliano Fichte (1726-

-1814):

"Se minha vontade é reta, se ela tende constantemente para o

bem, a verdade se revelará sem dúvida á minha inteligencia. Eu sei que nao pertence só ao pensamento produzir a verdade" ("Destination

de l'homme", p. 132).

É o mesmo pensador quem escreve: "Nosso sistema filosófico muitas vézes nao é senáo a historia do nosso corac.áo" (citado por Baunard, "Le doute et ses victimes". París 1891, p. 339).

Sao de S. Teresa de Avila (f 1582) estas palavras táo

simples quanto profundas:

"A coisa mais razoável do mundo parece-nos loucura, quando nao temos vontade de fazé-la" ("As Fundac.5cs" c. 5).

Malebranche (t 1715), em suas "Meditagóes cristas", apresenta as seguintes consideracóes sabias e piedosas: "Aprende hoje, diz o Verbo Divino, que cu nao sou sómente a verdade eterna, mas também a ordem imutável e necessária; como verdade, ilumino os que me consultam para se tornar mais sabios; como ordem, regulo os que me seguem para se tornar mais pcrfcitos... Nao me consulten! só como verdade, mas também como ordem, e eu.disciplinara o teu amor, comunicar-te-ci a vida, dar-tc-ei a fórc.a de vencer tuas paixóes e te farei partícipe de minha gloria e de minha bem-aventuranca por toda a eternidade. Mas, se só me con sultares como verdade, passarás por sabio na estima dos que vivem ñas trevas. Mas, por fim, cansar-me-ei de tuas importunidades, aban-

donar-te-ei a ti mesmo; serás escravo de tuas paixóes durante a tua vida, e vítima de minha justica durante a eternidade" ("Méditatious chrétiennes", III Med.).

O grande apologista católico Ollé-Laprune (t 1898) escreveu belas páginas sobre a certeza da fé, das quais vai aqui extraído o seguinte trecho: "As coisas moráis, as coisas divinas escapam aos que nao as vivem nem as querem viver. O desprézo ou a negligencia torna incompe tente. A boa vontade nao constituí a fé, mas a prepara; nao faz nascer a luz, mas dispoe o espirito para vé-la. Nao chegamos a crer as coisas porque desejamos que sejam; chegamos a ver que sao na realidade, porque desejamos, custe o que custar, ver, nao o que agrada, mas o que é" ("La certitude morale". Paris 1928, p. 413s).

Na verdade, as disposicóes

do

individuo

tém

enorme

importancia na atitude que tomará frente as verdades da fé. Nunca se poderá incutir demais que o amor sincero á ver dade, colocado antes e ácima de tudo, é a melhor preparacáo para o ato de fé. — 58 —

POR QUE TANTA GENTE NAO CRfi?

15

Resta considerar o terceiro elemento necessário para que alguém chegue a crer:

4.3-

A gra;o de Deus

É certo que Deus quer que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade e se salvem (cf. 1 Tim 2,4). Por isto Deus nao deixa de falar a todo homem ao menos pela voz da consciéncia; esta, inata como é, vem a ser o reflexo da voz

do Criador; os que nunca ouviram a pregagáo do Evangelho, mas seguem fielmente os ditames da consciéncia em plena boa fé, salvam-se, como já foi dito em PR 97/1968, pp. 28-35:

embora a salvagáo seja sempre dada por mediagao de Cristo e da Igreja, ela se estende a todos os que, sustentados pela grasa de Deus, vivam de boa fé fora da Igreja visível.

Deus, porém, quer revelar-se aos homens também me diante a pregagáo do Evangelho. Tendo o Pai enviado seu Filho á térra para anunciar a Boa-Nova, é para desejar que todos os homens cheguem ao conhecimento do Evangelho. Todavia a adesáo de todos os homens ao Evangelho nao se dá a) em parte, porque nem todos foram evangelizados. Tal é o caso de numerosos adeptos de crengas erróneas e de muitos ateus que nunca ouviram clara apresentagáo do Evangelho. O Senhor, em sua sabedoria, quis que a Palavra de Deus seja transmitida aos homens mediante o ministerio dos homens

mesmos. Ele dispós, por isto, que uns chegariam á fé mediante o zélo apostólico de outros.

Consciente disto, cada fiel católico está obrigado a se empenhar pela difusao da Palavra de Deus ou das verdades da fé; cada um proceda como se a salvagáo de muitos dependesse estritamente de seu testemunho pessoal. Conseqüentemente procure ser portador da fé para os homens com quem convive, ou (caso tenha de Deus a vocagáo especial) para os que vivem em térras pagas.

Nao é lícito a um fiel católico permitir que ésse zélo apostólico esmorega sob pretexto de que também pode haver salvagáo para aqueles que de boa fé professam o erro reli gioso. O caso de tais homens foge aos trámites comuns da salvagáo. Jesús mandou pregar a todos os povos até os confins da térra (cf. Mt 28, 19s). Ademáis nao é normal que os — 59 —

16

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

homens, feitos naturalmente para a verdade, permanegam no erro religioso (que, objetivamente falando, é o mais grave de todos) por inercia ou incuria daqueles a quem Deus confiou gratuitamente o depósito da íé; tal incuria poderia ser severamente julgada pelo Juiz Eterno. Persiste, portanto, para todo católico o grave dever de contribuir para que os homens que nao créem por falta de evangelizagáo, cheguem quanto antes á fé.

b)

Há também os que nao créem porque ainda nao

chegou a hora em que Deus lhes quer dar a sua graga. Sao Paulo, Santa Maria Madalena, S. Agostinho, S. Norberto, S. Inácio de Loiola e outros muitos só receberam o dom da conversáo em idade adulta, após varias peripecias. Deus o per-

mitiu por motivos que nao podemos estritamente assinalar, mas muito provávelmente para que valorizassem mais ainda

o dom da fé e a misericordia do Salvador (tornaram-se conseqüentemente grandes santos).

Sabe-se também que muitos só recebem a graga eficaz da conversao na hora da morte, como o ladráo arrependido de que fala o Evangelho (cf. Le 23,43). Ao fiel católico compete respeitar e adorar os sabios designios de Deus assim manifestejados; é certo que o Senhor a ninguém faz injustiga, mas a cada um destina os dons de sua misericordia em circuns tancias que só file sabe avaliar. É através de tais consideragoes, delicadas e profundas, que se pode elucidar como a fé crista tem algo de racional e, nao obstante, nem todos os homens a ela chegam. Bibliografía:

J. Girardi-J.F. Six. "L'athéisme dans la vie et la culture contemporaines". Desclée 1968.

Leonel Franca, "A psicología da Fé". Rio de Janeiro2 1935.

De Finance, Korinek, Lotz..., "Psicología deJl'ateismo".

Roma

1968.

Jemolo, Haering,. Girardi, "Perché non credo?" Assisi 1968. Giovanni Albanese, "A procura da íé". Sao Paulo 1971. Camelot, Daniélou, Flick, "Dialogues sur la foi". Paris 1968. Rene Laurentin, "Dieu est-il mort?" Paris 1968.

Wolfgang Trilling, "Jésus devant l'histoire". Paris 1968. Domenico Grasso, "II problema di Cristo". Assisi 1965.

Jacques Leclercq, "Croire en Jésus Christ". Casterman 1967. Juan Arias, "O Deus em quem nao creio". Porto 1971. Jesús Rivera, "Peregrino da luz". Braga 1971.

— 60 —

Que dizer?

"O Mal e o Sofrimento

Existem no Mundo. Logo Deus Nao Existe" Em síntese: Para nao poucas pessoas, a existencia do mal parece demonstrar que Deus nao existe. Em

vista déste

afligem o

problema,

consideremos

os

diversos

males

que

homem:

Alguns sao produzidos pelo desencadeamento das fórgas e das leis da natureza (inundacóes, terremotos, doengas, morte); outros se devem á livre agáo do homem (guerras, homicidios, racismo, terro rismo. ..).

Deus poderia suspender ou modificar a agáo das criaturas, todas as vézes que estas estivessem para produzir urna desgraga física ou moral. Em tal caso, o homem nao seria própriamente livre, mas tele guiado, e viveria num mundo artificial, sem leis estáveis. Ora tal nao é o designio de Deus. Deus respeita a natureza das criaturas que Ele fez e, em par ticular, respeita a liberdade do homem; Deus é o pai de que fala a parábola do filho pródigo (Le 15); permite ao homem usar de sua liberdade, pois, em caso contrario, poderia ser comparado a um ditador ou a um patráo paternalista. A perfeigáo de Deus se manifiesta nño em deter a liberdade do homem, mas em sua infinita capacidade de remediar aos males do homem, mesmo que éste se haja afastado voluntariamente de

Deus.

A existencia do mal, portanto, nao é incompatível com a exis tencia de Deus. A fé ensina mesmo que Deus se dignou levar a serio o sofrimento do homem, assumindo-o: Deus se fez homem em Jesús Cristo e deu novo sentido á dor do homem, tornando-a canal

e prenuncio de vida nova e feliz. A luz de Deus e da eternidade, o mal que na filosofia atéia é um enigma insolúvel — deixa de ser um absurdo e um motivo de revolta para ser a escola de purificagáo e preludio da verdadeira vida. *



*

Resposta: O problema do mal já foi repetidamente abor dado em PR; cf. 5/1957, pp. 3-10; 32/1960, pp. 326-333. Ñas páginas que se seguem, voltaremos a considerar o mal, pois constituí um constante escándalo para nao poucas — 61 —

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

pessoas; julgam ser a existencia do sofrimento entre os homens um argumento que evidencia decisivamente a náo-existéncia de Deus: "Caso se admita um Deus todo-poderoso, a realidade da dor leva a duvidar do seu amor.

E, se se admite um Deus que ama, o mal significa que

Deus nao é poderoso.

Ora um Deus que seja fraco ou que seja sem amor, nao

éDeus.»

Procederemos, no estudo do problema, por via indutiva, partindo de fatos concretos que excitam a reflexáo do pen sador. Donde o roteiro: 1) Panorama do mal; 2) E Deus? 3) As leis da natureza; 4) Liberdade do homem; 5) Refor-

mula§So do problema.

1. O panorama do mal Comecemos por tomar consciéncia dos males que mais

pesam sobre o homem:

— doengas, endientes, secas, ciclones, frió, morte... — fome, subdesenvolvimento, rorismo, guerras...

ignorancia, racismo, ter

Quais seriam as causas imediatas de tais flagelos?

— Para responder, devemos distribuir os diversos males em duas categorías.

a)

A primeira categoría (assinalada na primeira serie

ácima) deve-se á natureza mesma dos elementos que cercam

o homem ou constituem o organismo humano. Tais sao as doengas e a morte; devem-se ao desgaste dos componentes

do corpo humano (o corac.áo, os pulmóes e outros órgáos, com o uso, se enfraquecem e deterioram, acarretando moles tias e desenlace). Os incendios devem-se á natureza do fogo, que é altamente benéfico quando aplicado á cozinha, mas

tremendamente nocivo, quando queima os movéis, as vestes ou a habitacáo do homem. Ñas inunda§6es, a agua torna-se daninha... a mesma agua sem a qual o homem nao poderia viver. A barra de ferro numa oficina e a rocha numa estrada que caiam sobre a cabera de um homem, estáo simplesmente seguindo a lei natural da gravidade. Em suma, parte nao — 62 —

SOFRIMENTO E DEUS

__19

exigua dos fenómenos que causam sofrimento ao homem, pode ser explicada pela natureza mesma dos elementos.

b) Outra serie de males deve-se ao próprio homem: deriva-se do uso desregrado da liberdade de arbitrio. Assim a guerra, o racismo, o terrorismo, a fome, o subdesenvolvimento, a miseria sao, em parte, entretidos ou agravados pelo

egoísmo, a ganancia ou a injustiga de certos homens em relagáo a outros. Há molestias provocadas pelo excesso de bebi das alcoólicas, pelo recurso a entorpecentes, pela prática do

ato sexual em ocasióes prematuras... Em tais casos, pode-se dizer que o sofrimento tem por causa o próprio homem que se precipita em urna situagáo infeliz: o ser humano, desres-

peitando o código de tránsito da humanidade, sofre as conseqüéncias naturais da desordem provocada.

Estas reflexSes, porém, sugerem ¡mediatamente 2.

Urna interrógamelo

Dirá alguém com certo bom senso: Mas, se Deus existisse, nao poderia impedir o desencadeamento dos males pro vocados pelos elementos naturais ou pelo próprio homem? — Sim!

responderíamos.

— E como julgas que Deus haveria de impedir os males da humanidade?

— Ele o faria de duas maneiras: a)

... ou mudando a natureza das criaturas: assim

suspendendo o poder de queimar do fogo, quando éste se voltasse contra o homem, detendo as leis da gravidade, quando esta provocasse a queda de um corpo bruto sobre o trabalhador,

compensando o desgaste dos elementos (órgaos e ou tros seres) que se usam...

Em suma, Deus interviria na natureza, a fim de que as criaturas irracionais só agissem em sentido benéfico para o homem.

b) ... ou detendo ou teleguiando a liberdade do homem, a fim de que esta só optasse pelo bem, e nunca pelo mal.

Que dizer de tais sugestóes? — 63 —

20

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 148/1972

3. As leis da natureza Nem urna nem outra proposta ácima condiz com a sabedoria de Deus. Aquéle que criou os seres irracionais e o homem, respeita as leis da natureza; nao as retoca cons tantemente, pois isto seria pouco lógico ou sabio. Aprofundemos esta afirmagáo. Se Deus interviesse continuamente no mundo, modifi cando as leis da natureza, destruiría a atividade natural das criaturas. No mundo, tudo se processaria de maneira maravilhosa; nada mais seria certo ou seguro; a excegáo seria a regra; as certezas mais obvias tornar-se-iam duvidosas. O homem nao poderia contar com coisa alguma e a ciencia se

tornaría impossível, se as coisas mudassem de comportamento para evitar o sofrimento do homem.

Mais aínda. Pensemos no seguinte: Quando urna crianca que aprende a andar, cai, machuca-se porque o solo é duro. Todavía lembremo-nos de que é precisamente gragas a essa dureza que a faz sofrer, que a crianca pode caminhar sobre o solo. Quando um trilho de ferrovia cai sobre a perna de um homem, nos o quiséramos leve e macio como pluma; todavia, quando tal trilho sus tenta o peso de um trem, queremo-lo tal como é, ou seja, duro como

ago.

Vé-se, pois, que urna das condigoes do progresso cientí fico a que o homem aspira, é precisamente a fixidez ou imutabilidade das leis da natureza. Essa fixidez faz, nao raro, o homem sofrer. Para que o homem nao sofresse, deveria ser insensível como a pedra.

Verifica-se, porém, que quanto mais subimos na escala das criaturas, tanto mais sofrimento encontramos; passando do reino mineral para o vegetal, para o animal e para o humano, mais nos defrontamos com criaturas vulneráveis. No mundo visível que nos cerca, quanto mais um ser é perfeito, mais é sensível e vulneravel; extinguir a sensibilidade e a vulnerabilidade seria extinguir a própria perfeigáo dos seres. — Tal é a natureza, nem pode deixar de ser tal, se no mundo desejamos lógica e coeréncia. A pedra nao sofre quando é despedazada pela dinamite. O animal, porém, urla quando é atropelado por um carro; — 64 —

SOFRIMENTO E DEUS

21

.. .uila, porque é mais perfeito, é vivo. O homem que é aco metido por urna doenga ou perde um filho, sofre mais ainda, porque é mais perfeito; ele sofre, e tem consciéncia de estai

sofrendo. Onde nao há consciéncia nem sensibilidade, nao há sofrimento, mas também nao há dignidade humana. Por conseguinte, a possibilidade de sofrer, e sofrer profundamente, é.

inerente á superioridade do homem sobre as demais criaturas. Em conseqüéncia, pode-se dizer que o prazer e a dor, a vitória e a derrota sao duas faces inseparáveis de urna só realidade, como o sao cara e coroa de urna mesma moeda. Consideremos agora o que diz respeito á

4.

Liberdade do homem

Nao poderia Deus guiar a liberdade do ser humano (como foi dito a p. 63), quando esta estivesse para optar pelo mal, prejudicando a si e ao próximo? A rigor, Deus o poderia, mas é preciso reconhecer que destruiría a liberdade. Esta significa sempre "Sim" e "Nao";

é natural, pois, que exerga tanto urna como outra destas opcóes.

Justamente a liberdade é o potencial que diferencia o homem do animal irracional. O valor de um ato se deriva precisamente da liberdade com que é praticado. O animal irracional executa atos certeiros em virtude dos seus instin tos; todavía tais atos nao sao livres (porque instintivos e cegos); por isto o animal nao falha, mas também nao aperfeigoa o que faz, nem tem mérito, porque nao pode deíxar de fazer o que faz, nem o pode fazer de outro modo.

Ao contrario, o homem nao recebe seu planejamento

pronto; pode planejar, inventar, porque é livre e, por isto, capaz de merecer.

A liberdade do homem, portante, Deus nao a teleguia nem

destrói, mas respeita-a até as últimas conseqüéncias. É o Senhor Jesús quem o sugere mediante urna de suas parábolas:

Certo homem possuia grande fazenda, que ele adminis trava com dois filhos e numerosos trabalhadores;

sentiam bem na casa désse pai e patráo. — 65 —

todos se

22

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

O mais velho dos filhos era modelar no cumprimento dos

seus deveres; passava os días no campo a auxiliar o pai. O segundo era mais sujeito as sedugóes da fantasía; julgava monótona a vida na casa paterna; parecia-lhe que, partindo para a cidade, podería gozar de amigos e divertimentos e assim preparar para si um futuro mais feliz. Em conseqüéncia, resolveu um belo dia pedir ao pai a sua heran?a a fim de tentar

a sorte longe do insípido ambiente da familia.

O pai nao pode ter deixado de experimentar profunda dor ao ouvir as palavras do filho; bem previa decepgóes e amarguras para ésse jovem inexperiente. Todavía tinha consciéncia de que quem lhe pedia o uso da liberdade era o seu filho. Caso se tratasse de um empregado, o patrao o poderia enviar de volta ao trabalho alegando o contrato respectivo; se fósse um escravo, poderia também negar ouvidos ao pedido. Mas filho é filho! O pai quis tratá-lo como tal, respeitando a livre opcao désse ser humano, custasse o que custasse ao genitor. Em vez de deter o filho em casa pela violencia, o pai quis proporcionar-lhe a ocasiáo de experimentar a vida; ele talvez voltasse mais maduro, vencido pela evidencia.

O jovem, de posse de sua heranga, se foi. Enquanto na cidade possuia dinheiro, também tinha amigos e prazeres. O peculio, porém, veio a esgotar-se; além disto, sobreveio a fome na regiáo, de modo que o jovem se viu duplamente fla gelado. Nao querendo, porém, render-se, conseguiu, a custo,

o emprégo de guarda de porcos; isto era tremendamente humilhante para um judeu cuja legislacáo considerava o porco como animal impuro e proibido. O jovem vía que os animáis eram preferidos a ele, homem, pois o patrao mais se importava

com a subsistencia dos porcos do que com a do respectivo guarda; éste quería saciar-se com a ragáo da manada, mas nao o podia.

Foi entao que o rapaz, cansado de lutar, concebeu o propósito de voltar para a casa paterna. Se ele já nao merecía ser reconhecido como filho, julgava que o pai, nao obstante, nao deixara de ser pai; pediría eiitao ao pai que o acolhesse como o último dos seus mercenarios. Aconteceu, porém, que, quando o viu regressar ao longe, maltrapilho e esquálido, o pai lhe correu ao encontró; nao lhe perguntou onde estivera

nem o que fizera, mas levou-o para casa, mandou-o revestir das mais belas vestes e preparou-lhe um banquete, pois, dizia, "éste meu filho estava morto e voltou á vida; estava perdido e foi encontrado de novo" (cf. Le 15, 11-32). _ 66 —

SOFRIMENTO E DEÜS

23

Tal historia, segundo a intencáo de Jesús, ilustra a conduta de Deus em relagao aos homens. Com efeito, Deus nao é um ditador. Os ditadores pretendem tornar

seus povos felizes, mas mediante a jorga. Na verdade, porém, tais povos nao sao felizes, porque nao sao livres. Deus também nao é "paternalista". Os patróes paterna listas querem tornar seus operarios felizes como éles, patroes, o entendem e sob a tutela dos patroes. Ora os operarios estimam, mais do que tudo, a sua liberdade.

Deus é Pai e, como tal, procede á semelhanca do pai

da parábola; quer que os homens usem de sua liberdade e

responsabilidade; respeita as opgdes dos filhos. Deus quis que os homens sejam grandes nao sempre pelos seus atos (que sao freqüentemente modestos e corriqueiros), mas, sim, pela liberdade com que éles os praticam. Após as considerares até aqui propostas, parece compreensfvel que Deus nao retoque nem a natureza das criaturas irracionais nem a liberdade do homem. Todavía aínda nao está resolvido por completo o proble ma: Deus sabio, Deus todo-poderoso, Deus-Amor nada tem a

dizer diante do sofrimento do hómem? É o que vamos ponderar abaixo.

5. Urna reformula;áo do problema 1.

Até aqui a existencia do mal parecía evidente tes-

temunho de que Deus nao existe. O mal se apresenta a muitos

como enigma ou problema que nao se concilia em absoluto com a realidade de Deus.

Tentemos, porém, urna hipótese: "Deus existe" e vejamos se, admitida esta hipótese, o mal nao deixa de ser táo enig mático e atroz. Assim reformula-se o problema: Em vez de dizer: "O mal existe; por conseguinte, Deus

nao existe", tentamos considerar a fórmula:

"Deus existe (hipótese). Que sentido tomaría o mal nessa hipótese? Que resposta daría Deus ao problema do nosso sofri mento?" — 67 —

24

"PESPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

2.

A título de ilustragao e justificativa déste modo de

proceder, note-se o seguinte:

Nao raro no estudo da matemática e das ciencias naturais, os cientistas levantam urna hipótese ou um postulado e, a partir déste, tentam elucidar determinado problema. Caso obtenham a solugao atmejada, tém por comprovada a hipótese previamente formulada. Foi o que se deu em casos famosos, dos quais um seja aqui citado:

Em 1946, o antropólogo noruegués Thor Heyerdahl, estudando os indios do Perú e da Polinesia, julgou poder concluir que tinham á mesma origem étnica, tal era a afinidade de

costumes entre éles vigente; adoravam a mesma divindade

chamada Kon Tiki. Ha milhares de anos, parte daqueles homens primitivos haveria emigrado do Perú para a Poli nesia a oito mil quilómetros de distancia ou mais, servindo-se de barcagas. confeccionadas com troncos de árvores e corda-

mes. A hipótese de Heyerdahl, submetida á apreciagao dos cientistas, provocou ceticlsmo; como poderiam aqueles aborí genes navegar, éles que nao eram marinheiros e só dispunham de machados de pedra? O sabio noruegués, porém, nao se deu por vencido. Mandou construir urna embarcagáo semelhante aos modelos antigos e, com cinco companheiros tenazes, partiu do Perú aos 28 de abril de 1947; 101 dias mais tarde, desembarcavam em urna das ilhas de Tahiti na Polinesia (Pacífico). Assim a hipótese de trabalho estava comprovada: as primitivas populagoes do Perú puderam muito bem chegar á Polinesia, utili zando suas barcagas num trajeto de 8 ou mesmo 10 mil qui lómetros.

ta:

3. Passemos agora á consideracáo da pergunta propos Se Deus existe, que resposta dá Ele ao sofrimento do

homem?

ELs o que responde a fé crista: Deus se fez homem. Ele nao se deixou ficar alheio a dor dos homens; houve por bem compartilhá-la por puro amor. Jesús Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o teste-

munho vivo dessa benevolencia divina. O homem pode, sem dúvida, apresentar a Deus muitas perguntas e muitos enig

mas; é certo, porém, que ele nao pode dizer: o que é sofrer!" — 68 —

"Nao sabes

SOFRIMENTO E DEUS

25

Dirá alguém: "Táo bela historia nao será mera estória? Quem ma demonstrará?"

O misterio de Deus feito homem em Jesús Cristo é estu-

dado e ilustrado pela teología; nao é temerario quem o aceita, pois Jesús deu provas de ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem1. De resto, é sómente na religiáo ou, mais precisa mente, na fé crista que se encontra luz para o problema do mal. A filosofía sempre lutou para explicar o problema da dor; em váo, porém. Os antigos persas e maniqueus admitiam um Principio do mal subsistente ao lado do Principio do bem... A última palavra da filosofía sem Deus perante o problema do mal é o existencialismo de Jean-Paul Sartre, que leva á náusea, á afirmagáo do absurdo e ao desespero. Sem Deus, realmente nao se explica o mal; ao contrario,

tem-se um enigma angustiante. A luz de Deus, porém, ou aos olhos da fé crista, o mal pode ser aceito com paz e confianga. Com efeito, a fé ensina:

O mal nao é causado por Deus. Ele se deve ás criaturas,

que, no seu agir, sao deficientes. Deus nao impede nem entrava a agao natural das criaturas, mas encarrega-se de encher o mal com a sua presenga divina e dar-lhe um sentido novo ou transfigurá-lo.

Diz muito sabiamente Paúl Claudel: "Deus nao veio suprimir o sofrimento, nem veio explicá-lo, mas veio enché-lo com a sua presenga".

4.

E como o veio encher com a sua presenga?

Jesús Cristo, Deus e homem, tomou sobre si o sofrimento da humanidade até a morte de cruz, fazendo déle a passa-

gem para a ressurreigáo e a vida imortal — O P. Jacques Loew assim comenta tal proposigáo:

"Se meu grande Deus se fez homem, amando-me até morrer, se ele fez isto por mim, nao foi para que, apesar de

tudo, eu morra e fique sendo presa da morte.

Se Jesús Cristo é o Filho de Deus, creio na sua palavra: 'Na casa de meu Pai... vou preparar-vos um lugar' (Jo 14,2). Se Jesús Cristo ressuscitou, foi para dar a mim, a ti, urna

vida nova.

1 Nao vem ao caso provar aquí a divindade de Jesús Cristo. A propósito pode-se consultar PR 8/1957, pp. 3-7.

— 69 —

26

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Deus mesmo enxugará todas as lágrimas de teus olhos e já nao haverá morte, nem luto nem clamor nem dor, pois essas primeiras coisas desaparecerán^ Tal benevolencia de Deus, eis o que nos espera. Estar com Deus, nao como alguém está com o patrao, mas como está com o amigo bem-amado... Sem dúvida, isto tudo sao palavras, se Deus nao existe. Palavras, sim, se Jesús Cristo nao é Deus, que se fez homem para nos salvar.

Mas se Deus existe,

Se Jesús Cristo é nosso Deus, Entáo tens a grande realidade, a misteriosa certeza: urna outra vida te espera, a dor é passageira... Tudo passa, mesmo o sofrimento; sómente o Amor nao passa.

Vem, Senhor Jesús! Vem!" ("Fétes et Saisons" n.° 78, 1953, p. 26). É nos termos ácima que a fé ilumina o problema do mal.

Vé-se entáo que a hipótese "Deus existe", longe de ser

contraditada pela existencia do mal, é o principio de solugao

para ésse problema; Deus quis ser nao sómente o Criador, mas também o Recriador, o Redentor do homem que sofre. Reconh.ec.amos que o homem poderá sempre propor a Deus infinitamente mais sabio numerosas perguntas e dúvidas (quem entende todos os designios do Altíssimo? quem sabe quando ou como criou?). Nunca, porém, a criatura Lhe poderá dizer: "Ignoras o que é sofrer! És indiferente ao sofrimento dos homens! Brincas conosco, permitindo impassível que soframos".

Quem ousaria censurar o Senhor Deus, desde que éste, por puro amor e sem obrigacáo alguma, se quis envolver no sofrimento da humanidade? A quem dá a vida pelos outros, nada se pode objetar. Eis a linguagem da fé. Ela, á primeira vista, pode parecer infantil e irrisoria. Todavía quem reflete, verifica que talvez nao seja táo tola, pois fornece luzes que a filosofía mera

mente humana jamáis concebeu. Para quem nao eré, talvez seja interessante urna experiencia sem compromisso: crer e... ver se, á luz de Deus, o sofrimento nao toma outro sentido.

— 70 —

_____

SOFRIMENTO E DEU3

5.

27

As consideragóes atrás propostas a respeito do sofri-

mento podem ser ilustradas mediante duas imagens:

Compare-se a vida presente a um tapete, a um belo tapete oriental, do qual aqui na térra só vemos o lado avésso ou inferior. Entáo é claro que nao compreendemos o sentido dos varios fios que se entrelagam e dos ñapos que pendem désse avésso do tapete. Todavia essa pega de arte foi feita para ser contemplada nao do lado de baixo, mas do lado de cima; a sua verdadeira face é a que nao vemos por ora; Deus, porém, a vé, e nos um dia a veremos; contemplaremos entáo o magnifico desenho que os diversos fios do tapete compoem.

Imagine-se também urna criancinha encerrada no seio

de sua máe. Admita-se que tenha consciéncia de si e uso da razáo: ela entáo experimenta os choques misteriosos que a sacodem; sabe que tem pulmoes, mas verifica que nao tem ar, nem respira; tem olhos, mas nao percebe luz; possui membros (bragos e pernas), mas nao os utiliza. Tal criancinha ignora que um dia deverá nascer ou ser dada á luz. Em tais circunstancias, ela deve achar a sua vida absurda, e com razio; a existencia no seio materno nao tem sentido senáo em vista do termo a que deve chegar. — Ora algo de análogo

se dá com o homem na térra: a sua vida neste mundo nao tem sentido em si mesma; pode até parecer absurda. Toma, porém, o seu significado pleno quando considerada á luz da vida eterna, para a qual o ser humano foi feito e deve tender com todas as fibras; sómente se se admite urna vida postuma, se elucidam misterios da vida presente. Bibliografía:

A propósito podem-se consultar: Jean-Claude Barreau, "Oü est le mal?" Paris 1969.

Ch. Journet, "Le mal. Essai théologique". Desclée de Brouwer 1960. P. Siwek, "Le probléme du mal". Desclée de Brouwer 1942.

J. Javaux, "Prouver Dieu?" Desclée de Brouwer 1967. A.-D. Sertülanges, "Le Mal".

Pedro Cerrutti, "A caminho da verdade suprema". Rio de Janeiro 1954.

"Fétes et Saisons" n.° 78, julho 1953, de que muito nos valemos no presente artigo. Jean-Jacques Lariviére, "Creio só neste Deus". Edisóes Paulinas, Carias do Sul 1971.

— 71 —

Como

iim mundo melhor? ..."Debrupado

sobre

urna

materia

que

Ihe resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu enalto, enquanto para si adquire tenacidade, engenho e espirito de invencao. Mais aínda,

viviílo

etn comum,

na esperanca,

mento, na aspiracao

e

na

alegría

no

sofri-

partilha-

da, o trabalho une as vontades, aproxima os espírilos e sóida os corafóes: realizaudo-o, os

homens desv.obrem que sao irmaos."

PAULO

VI

(Carta Encíclica Populorum Progressio) marco - ¡967

ENGEFUSA

Ética- Seguranca- Pioneirismo

Moral conjugal:

Preconceitos e Auténticos

Conceitos.

Quem Consegue Distinguir? Em sintese: O Dr. Johannes Gründel, Professor de Munique, em conferencias proferidas no Brasil, julga que a Moral conjugal do Cris tianismo sofreu a influencia espuria de elementos estoicos (conceitos de leí natural), romanos (juridismo), judaicos ("impurezas rituais"), assim como de biología arcaica. Tentando libertar a Moral crista de tais influencias, o Prof. Gründel preconiza mais flexibilidade ou liberdade no uso do sexo antes e depois de se contrair matrimonio: unióes conjugáis válidas sem contrato público, experiencias matrimoniáis fa vorecidas pelo uso de anticoncepcionais, administracao de sacramentos a quem vive segunda uniáo nao sacramental...

A margem das consideragóes do Prof. Gründel, pode-se observar: — o conceito de leí natural tem fundamento nao em determinado tipo de filosofía (estoicismo, juridismo romano), mas, sim, na sá razáo corroborada pela doutrina básica. O homem nao é senhor de seu corpo como é senhor dos rios que ele desvia, e das montanhas que ele derruba.

humana;

O

corpo,

com

suas

leis

naturais,

integra

a

personalidade

o prazer nao é norma última do comportamento. Isto nao quer

dizer que o Cristianismo apregoe a apatía estoica; ele apregoa antes a metriopatia, isto é, a moderagáo dos afetos sob a regencia da sá razao e da fé; — os progressos da biología trouxeram grande impulso as ciencias

naturais, mas nao implicam concessóes ao derramamento arbitrario do semen masculino. O onanismo é sempre contrario á lei de Deus, mesmo á luz de nova compreensáo do texto de Gen 38;

quanto aos conceitos pessimistas ou exageradamente púdicos dos antigos judeus, podem ter influenciado a Moral dos primeiros séculos do Cristianismo, é necessário dissipá-los; isto, porém, nao justifica as teses do Dr. Gründel. Estas proposigóes do mestre, em última análise, pretendem guardar

nome e fórmulas tradicionais da Moral crista, atribuindo-lhes, porém, sentidos táo matizados e subjetivos que pouco ou nada mais dizem de sólido e seguro.

— 73 —

30

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Comentario: A Moral está sendo repensada nos últimos

anos, procurando-se levar em conta as circunstancias iné

ditas em que vivem os homens de nossos tempos. De modo

particular, os deveres e direitos dos cónjuges váo passando por processo de revisáo. Numerosos artigos e documentos tém

sido publicados a respeito, merecendo especial aten§áo no Brasil o da autoría do Prof. Johannes Gründel: "A Moral sexual e matrimonial no decorrer dos tempos" (REB, vol. 31

fase. 123, set. 1971, pp. 581-589). O Dr. Johannes Gründel,'

Professor em Munique, viajou pelo Brasil em agosto e setembro de 1971, propondo em conferencias as idéias contidas em tal artigo. Daí o interésse de se comentar ésse trabalho — o que será feito ñas páginas seguintes.

1. Revisáo da Moral Matrimonial

O artigo se divide em duas partes, das quais a primeira se refere as concepcóes clássicas da Moral conjugal e a se gunda propóe "nova imagem do matrimonio e da sexualidade".

1. A primeira secgáo aponta influencia de elementos nao cristaos que teráo prejudicado seriamente a Moral con jugal do Cristianismo. Tais seriam: a)

O conceito jurídico de natureza, vigente entre os romanos.

b)

O desprézo do prazer na filosofía estoica e o conceito estático

de natureza, perfilbado pela Estoa.

c) O conceito biológico grego sobre o semen masculino (espenna) e a conseqñente interpretado falsa do procedimento de Oná em Gé nesis 38

(onanismo).

d). A influencia de conceitos vétero-testamentários sobre "pureza". e) Urna apreciacáo restrita do ato sexual em si, com vistas ao seu exercício fisiológicamente correto" (pp. 581s).

Após explicar tongamente o alcance dessas influencias, o Prof. Gründel formula novas posicóes para a Moral con

jugal.

2. Procurando libertar as concepgóes cristas de influen cias nao cristas, o autor propóe, entre outras, as seguintes teses:

a) O matrimonio exige total e mutua entrega dos cón juges. Por isto "nao tém plena justificagao as relagóes sexuais 74 —

REVISAO DA MORAL CONJUGAL

31

pré ou extramatrlmoniais. "Onde, porém, existe a disposicáo

interior á responsabilidade mutua, mas por motivos graves nao é (ou ainda nao é) possível manifestar perante a Igreja a vontade de casar, poder-se-ia fixar o comégo do matrimonio já antes do casamento oficial (p. 587). b) Quem tenha relacoes sexuais antes ou fora do ma trimonio (coisa que o moralista nao lhe concede sem mais

nem menos), deve ao menos evitar a geragáo irresponsável de nova vida. Donde se vé que o adulterio seria lícito em certos casos, com o eventual uso de anticoncepcionais.

c) Na regulagáo da natalidade sao lícitas as medidas anticoncepcionais, nao, porém, o aborto ou qualquer forma de infanticidio. d) Por principio, reconhega-se que o matrimonio válido e sacramental é indissolúvel. Mas pode-se conceder a freqüentagáo dos sacramentos aqueles cristáos que, tendo fracassado no casamento, vivem com retidáo e fidelidade outra uniáo conjugal. Conclui o autor: "Estou plenamente cónscio da proble mática das teses aquí apresentadas. Forém a Igreja se vé hoje diante da contingencia de anunciar aos homens a boa-nova da salvagao em Jesús Cristo de modo n6vo e fidedigno — nao como um catálogo de pecados, mas como urna men-

sagem libertadora — pois estamos todos vocacionados á liberdade dos filhos de Deus" (p. 589).

Passemos agora a atento exame dos principáis tópicos do artigo do Dr. Johannes Gründel.

2. Lei natural: sim ou nao? 1.

Como dito, nao sómente os filósofos gregos estoicos

e os juristas romanos reconheceram a existencia de urna lei

moral congénita no hbmem, mas também os cristáos afirmaram (e afirmam) tal lei natural.

Pergunta-se: será esta posigao dos cristáos espuria ou he terogénea em relagáo á mensagem de Cristo?

Para responder á questáo, vejamos o que a Moral católica

entende por "lei natural":

— 75 —

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Deus, que criou o mundo e o homem, rege as suas criatu ras segundo um designio extremamente sabio. Tudo que exis te, existe nao por acaso, mas está estruturado dentro de um plano harmonioso. Ora os designios do Criador estao impressos e promulgados na esséncia ou na natureza das criaturas de maneira a constituirem a lei natural. Esta assume duas modalidades:

— lei natural física. Coincide com o que os físicos chamam 05 leis da natureza, tais como a da gravidade, a da afinidade entre os corpos, a da necessidade de respiragáo e alimentagáo para entreter a vida. Sao leis cegas. — lei natural moral. É o ditame fundamental que rege o comportamento do homem: "Pratica o bem e evita o mal". Éste ditame se explícita na consciéncia do homem, tomando modalidades mais concretas: "Nao matar, nao roubar, respeitar pai e máe, nao desejar a mulher do próximo, nao fazer aos outros o que nao queiras para ti mesmo, socorrer aos enfermos, dar ou devolver a cada um o que lhe pertence..." A lei moral natural está em relagáo com a inteligencia do homem. A inteligencia deve descobri-la, auscultá-la, explicitá-Ia, a fim de realizar cada vez mais a personalidade ou o ideal do homem. Essa lei natural, portanto, é a voz do próprio Deus dentro do homem, anterior á formagáo escolar ou cultural que a

pessoa possa adquirir. É o apelo que Deus, desde os primeiros anos do individuo, dirige a éste a fim de que atinja a plenitude

da sua estatura moral. Nenhum homem é senhor dessa lei natural, pois nenhum a formulou ou forjou, mas todos a encontram em seu íntimo como marca do Criador impressa na criatura.

2. Em todos os povos, mesmo nos menos evoluídos, ocorre a idéia de urna lei moral natural ou congénita. Entre os gregos, nao sómente os estoicos, mas também Platáo e Aristóteles, a admitiam.

Na S. Escritura, Sao Paulo a menciona escrevendo aos Romanos: "Todos os que sem lei1 pecaram, sem lei perecerao também... Os gentíos (nao judeus) nao tém lei (de Moisés); > Trata-se da lei de Moisés, que foi dada ao povo de Israel, e nao aos gentios.

— 76 —

REVISAO DA MORAL CONJUGAL

33

nao obstante, éles cumprem naturalmente os preceitos da leí1... Déste modo demonstram que o que a lei ordena está escrito nos nossos coracóes... A sua consciéncia e os seus pensamentos dáo-lhes testemunho disto, quer acusando-os, quer defendendo-os" (Rom 2, 12-16).

Referindo-se aos gentíos, "chelos de cupidez, perversidade, injustica...", diz o Apostólo: "Ésses homens, conquanto conhecessem bem o decreto de Deus — de que sao dignos de morte os que tais coisas praticam — nao só as cometem, como também aprovam os que as praticam" (Rom 1, 32). Assim Sao Paulo admite que Deus se revela naturalmente aos homens, chamando-os á prática do bem e argüindo os que cometem o mal.

Tal doutrina se transmitiu á teología católica, recebendo a sua plena elaboragáo da parte de S. Agostinho (t 430) e S. Tomás de Aquino (f 1274).

Os teólogos fazem observar que a lei moral natural é sempre a mesma ou imutável e constante, como sempre a mesma é a natureza do homem. Todavía deve-se dizer que a

lei natural nao se aplica sempre do mesmo modo: numa sociedade pouco evoluída ou já degenerescente pode acontecer que os preceitos da lei natural nao sejam reconhecidos em toda a lucidez e amplidao que lhes compete. Estes cases, porém, nao sao casos-padráo. Assim, por exemplo, o preceito natural: "Dé-se a cada um o que lhe é devido", é imutável e perene. Acontece, po rém, que a definigáo do que é devido dependerá das circuns tancias particulares em que se encontram os homens; é aos poucos, por exemplo, que a sociedade tem reconhecido a dig-

nidade do homem com toda a gama de direitos e deveres que

déla decorrem (salario justo, ferias remuneradas, previdencia social, fundo de garantía...). 3.

Hoje em dia, a existencia de urna lei natural perene

e imutável é posta em xeque. Julga-se que, em vez de dar preponderancia ao que o ser humano tem de constante atra-

vés dos séculos, se deve dar mais valor á liberdade do homem e á sua capacidade de criar e inovar; desta forma as leis

1 Aqui o Apostólo tem em vista a lei natural, que está gravada no íntimo de todo e qualquer homem.

— 77 —

34

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

clássicas do comportamento moral estariam sujeitas á revisáo. De modo especial se póe a questáo no setor da sexualidade:

A clássica concepgao ensina que, segundo as leis naturais,

o sexo e as fungóes genitais sao dirigidas a fecundidade e á

procriagáo. O organismo tem suas leis segundo as quais o uso do sexo é naturalmente ou de per si orientado para a pro le. Em conseqüéncia, a moral clássica rejeita — o uso de anticoncepcionais, que intervém na natureza, excluindo a finalidade natural do ato sexual que é a prole; — experiencias sexuais pré ou extra-matrimoniais, pois em tais casos nao há compromisso nem engajamento firmado entre os parceiros. Estes nao assumem perante a sociedade as fune.oes de marido e mulher, cuja doagao total e mutua possa exprimir-se na prole.

Autores recentes contestam tal docilidade á Moral baseada na lei natural, apresentando o seguinte raciocinio: Nao se compreende que á estrutura biológica da natu reza humana se atribua valor ético e normativo. Nao se deve incidir no fisicismo, elevando a biologia do homem á qualidade de norma ética. Com efeito, o homem tem por vocagáo

perfazer a natureza e submeté-la a si gragas á técnica. Por conseguinte, se o ser humano, usando da sua inteligencia,

é apto a desviar o curso natural dos rios, derrubar monta-

nhas e fazer aterros dentro dos mares, por que nao estaría ele também legítimamente apto a desviar as leis biológicas da sua natureza para atender a finalidades que lhe paregam condizentes com a vida moderna? A rejeigáo de anticoncep cionais e de uso mais flexível ou livre do sexo (para atender a leis biológicas) nao seria resquicio de mentalidade arcaica ou ultrapassada? Essa condenagáo podia ter sentido em épo cas ñas quais o homem ignorava o seu poder sobre a natu reza; hoje, porém, quando ele sabe que pode modificar o

curso natural das coisas, por que nao lhe permitir ésse tipo de dominio sobre as suas leis biológicas? — Em resposta, dir-se-á o seguinte: a objegao ácima con sidera o corpo humano como qualquer outro elemento da natureza que cerca o homem, sem levar em conta urna distingao essencial. Com efeito, os rios, as montanhas, os mares sao objetos extrínsecos ao homem; nao integram o ser e a personalidade do homem. Ao contrario, o corpo físico e orgá nico é parte constitutiva da personalidade humana; esta nao

— 78 —

REVISAO DA MORAL CONJUGAL

35

se reduz apenas a espirito ou inteligencia. O ser humano cons ta de corpo e alma, sendo que a alma espiritual foi criada para se definir e realizar em íntima uniao com o seu corpo. Negar isto significaría professar um esplritualismo dualista,

que a sá filosofía e o Cristianismo nao reconhecem. Justa

mente por causa da unidade da pessoa, o corpo humano nao pode ser tratado como os demais corpos da natureza que cer-

cam o homem; ele há de ser respeitado segundo as suas dimensóes naturais e biológicas, pois ele pertence ao homem;

a inteligencia, a liberdade e a criatividade da pessoa se encontram e se exercem nao fora, mas dentro do corpo e em estrita dependencia déste. O homem, tendo urna estrutura

psicossomática (e nao sómente psíquica), as leis somáticas

ou corpóreas concorrem positivamente para construir a personalidade humana. O corpo nao é um objeto exterior que so acidentalmente afetaría o Eu do homem.

Em conseqüéncia, compreende-se que seja plenamente lícito dar anticoncepcionais a ratos ou macacos, com fitos ex

perimentáis. Há, porém, objegao contra semelhante prática aplicada ao homem, pois o corpo do homem é corpo de urna pessoa. As leis do corpo vém a ser leis de formagao de urna personalidade.

4. Reconhegamos que o homem é dotado de dinamismo e criatividade. Sabemos também que estes predicados sao estimulados pelas diversas fases da historia da humanidade. Todavía nao se pode ignorar que o ser humano nao é apenas dinamismo e criatividade; ele nao se improvisa, ele nSo se faz de qualquer modo. O homem é dinamismo e criatividade, sim, mas dinamismo e criatividade de urna esséncia ou estru

tura, sem a qual o homem nao é homem, mas vem a ser

joguéte de torgas cegas. — O existencialismo, sem dúvida, exerce grande influencia ñas novas concepgóes moráis. Afir

mando que o homem é, antes do mais, liberdade — e liberdade existencial —, julga que o homem nao tem padrees éticos a observar, mas, projetando-se pelo seu agir livre e^ dinámico, o homem cria e cancela suas normáis éticas. Caso fósse assim, nao se poderiam realmente estabelecer principios para a mo

ral humana; haveriam de tornar-se legítimos nao sómente os anticoncepcionais, mas também o amor livre, o homossexua-

lismo, o lesbismo... — o que nao poderia deixar de acarretar estados gravemente patológicos para o psíquico e o físico da criatura (estados que seriam o sinal de que existem leis na turais e estas nao podem ser arbitrariamente violadas). — 79 —

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Eis natural magáo, tence a

como aínda hoje se afirma a existencia de urna leí normativa para o comportamento da pessoa. Tal afirlonge de ser tese espuria (estoica ou romana), persá filosofía e a genuína mensagem crista.

3.

Prazer e sexualidade

Afirma o Prof. Gründel: "A apreciado negativa do prazer sexual se deve, em primeiro plano, a urna avaliacáo dualista do homem, bem como ao ideal estoico do homem sabio, do homem virtuoso. Era tomado por sabio e virtuoso o homem que, livre de prazer e de paixáo, vive sem afeicóes... Pre valece o axioma: 'Nada se faca por causa do prazer!"' (Gründel, art. Cit., n. 5S3).

Inegávelmente a filosofía estoica, como escola de auto dominio ou de elevagao do espirito sobre a carne, tem pontos comuns com o Cristianismo. Também éste ensina a primazia dos valores moráis sobre os valores materiais. Pode-se reconhecer que nos escritos de certos autores cristáos através dos séculos, algo da dureza e da insensibilidade do estoicismo encontrou acolhida. Todavía nunca se apagou na Tradigáo crista a auténtica consciéncia do que representa a afetividade

para a formagáo de urna personalidade. O Cristianismo apregoa nao a apatía estoica, mas a metriopatia. Em outros ter mos: ... nao a extingáo dos afetos, mas a moderagáo dos

mesmos ou a subordinado dos sentimentos aos criterios da razáo e da fé. Jesús Cristo nao deu exemplo de apatía, mas de metriopatia, quando, por exemplo, no horto das Oliveiras, afetado por suor de sangue, pediu ao Pai: "Se possível, que éste cálice passe sem que eu o beba. Faga-se, porém, a tua vontade, e nao a minha" (cf. Le 22, 39-46).

Por isto o cristao nao condena o prazer que o próprio Deus anexou ao consorcio sexual, a fim de facilitar os devéres

conjugáis e a procriagáo da especie humana. Ele reconhece que tal prazer é dom do Criador. Mas o cristao nao pode acei tar que o prazer (o prazer sexual ou o prazer em geral) seja a norma absoluta do comportamento humano. O prazer tem de ser envolvido dentro de um ideal de vida ou de realiza-

Qáo da personalidade. Ora tal ideal exigirá sempre ascese ou autodominio, com renuncia ao gozo em circunstancias deter minadas. Mais precisamente: o prazer tem de estar subor— 80 —

REVISAO DA MORAL CONJUGAL

37

diñado ao amor, principalmente na vida conjugal. Ora o \erdadeiro amor, para se conservar auténtico, deve saber sacrificar-se, a fim de evitar o egoísmo e conservar a sua disponi-

bilidade para o servigo, seja ao cónjuge, seja á familia, seja ao próximo em geral.

Mais aínda: o autodominio só pode ser adquirido me diante a luta, luta que normalmente se deve iniciar nos anos de adolescencia e juventude. O autodominio há de ser levado para o casamento como dote essencial; a vida conjugal, em

todas as suas fases, há de contribuir nao para a atenuacáo, mas para o refórgo e o desdobramento désse belo trago da personalidade, que é a metriopatia ou a harmonía dos va lores da sensibilidade, da razáo e da fé.

4. Biología antiga e onanismo Argumenta o Prof. Gründel: "Considerando o semen masculino como único elemento genera tivo, encontra-se a biología ocidental e, á sua deriva, também a teo logía, até a segunda metade do sáculo XIX, ñas malhas das idéias dos antigos gregos. Nada se sabe

ainda

duma

ovulagáo

na

mulher

(nao ainda até 1867!), mas prevalece a idcia de que no semen masculino esteja contido o homem todo. Por isso toda perda, todo desperdicio dessa sementé constituí um pecado" (p. 584).

Nao há dúvida, a biologia evoluiu, fornecendo-nos atualmente urna imagem mais fiel do processo generativo: entre

outros dados, está a consciéncia do papel positivo da mulher na cópula sexual. Esta conclusáo, porém, nao altera o juízo moral

que

se

deve

proferir

sobre

o

anticoncepcionismo.

Éste consiste sempre em frustrar do seu fim natural a cópula

matrimonial; tal frustragáo nao se deve comparar ao aborto

nem ao homicidio, o que nao quer dizer que nao mereja

rejeigáo. Hoje também se sabe que grande número de esperma tozoides e óvulos nao chegam á fecundagáo, porque a natureza os produz como que "em excesso". Mais precisamente: milhares de espermatozoides, em cada relagáo, sao inúteis e rejeitados. Contam-se cérea de 250 milhóes de espermato zoides em cada milímetro de esperma. Em 200 óvulos, apenas

15 tém probabilidade de ser elevados á dignidade da vida

humana, enquanto os outros sao eliminados ñas menstrua— 81 —

38

"PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

gees. Isto, porém, nao significa que as pessoas interessadas

toque o direito de inutilizar as sementes vitáis ou a cópula genital. O ato sexual continua orientado, segundo a sua estrutura essencial, para a fecundidade.

Quanto ao procedimento de Ona, que em cópula sexual langava ao solo a sementé masculina, a Biblia diz que foi gravemente punido por Deus (Cf. Gen 38,10). Por qué? — Os comentadores clássicos respondem que Oná pecava con tra a natureza, impedindo a finalidade do ato procriador. Mais recentemente os exegetas preferem dizer que o pecado de Oná foi um pecado antimessiánico: Oná nao queria suscitar filhos ao seu irmáo Er, concorrendo para que éste entrasse na linhagem do Messias. Esta nova sentenga é, sem dúvida, válida; todavía ela nao exclui a primeira; o egoísmo e o antimessianismo de Oná se externavam por um proceder

antinatural, contrario as leis do Criador. Note-se também que constituirán! urna falta de amor a Tamar, a quem Oná

nao quis suscitar prole e a ventura da maternidade. Neurologistas e psicólogos atestam que a cópula onanista produz

efeitos desastrosos sobre os ñervos e a saúde moral dos cónjuges, principalmente da esposa.

O Prof. Gründel julga em seu ítem 4 que a Moral crista foi, durante séculos, afetada de conceitos espurios derivados da mentalidade do Antigo Testamento: a menstruagáo da mulher, a poluigáo do homem foram considerados motivos de impureza ritual. — Nao pretendemos negar que as antigás geragóes cristas eram assaz rigorosas no seu modo de con

siderar certos fenómenos fisiológicos. Julgamos, porém, que a nova maneira — mais simples e tranquila — de os encarar nao justifica as teses que o Dr. Gründel sugere em seu ar tigo.

O item 5 de elementos "espurios" que, segundo o Prof. Gründel, foram introduzidos na Moral crista, já foi analisado juntamente com os dois primeiros as pp. 76-80 déste ar tigo.

Resta agora dizer urna palavra sobre

5.As novas proposijdes da Moral sexual Nao será necessário nos detenhamos longamente sobre as teses do artigo analisado. — 82 —

REVISAO DA MORAL CONJUGAL

39

1) Casamento clandestino. Admitir que o matrimonio cristao e a vida conjugal comecem antes do casamento ofi cial significa retrocesso ao estado de coisas medieval ou prétridentino, ou seja, pretender ignorar a ligáo de dezesseis

sáculos. O uso de contrair matrimonio clandestino, isto é, sem forma pública, foi constantemente reprovado pelos bispos e juristas da Igreja, embora estes até o fim da Idade

Media nao declarassem tais casamentes inválidos. No século XVI, os abusos exigiram intervencao do Concilio de Trento, pois nao eram raros os casos de pessoas que, após haver vivido com outra em casamento clandestino, abandonavam a familia para contrair matrimonio público. O Concilio de Trento pelo decreto "Tametsi" impós a forma oficial e pú blica do sacramento do matrimonio; éste, entre outros títu

los, é um contraído dia exige e de duas

contrato de ordem pública e social, que deve ser perante a sociedade; o Direito Canónico hoje em a presenca de um sacerdote delegado pela Igreja testemunhas para a validade do sacramento.

Esta medida nao pretende reduzir o casamento á qualidade de ato meramente jurídico. É, sem dúvida, o amor

que dá sentido e alma á vida matrimonial; contudo o amor,

para permanecer puro e íntegro, exige a tutela da lei e do Direito, sem a qual ele fácilmente degenera, tornando-se egoísta em lugar de altruista. A lei e as determinacoes jurídicas sao sinais colocados na estrada do amor, sinais indispensáveis para preservar de arbitrariedade e traicao os verdadeiros valores do matrimonio. 2) Administragño dos sacramentos a quem viva em se gunda unido nao sacramental. Esta praxe vai-se difundindo na Igreja, tomando-se cautelas para evitar comentarios e

perplexidade. Todavía ésse proceder carece de fundamento ñas fontes auténticas, isto é, na legislagao oficial da Igreja. Os

pastores de almas que o praticam, sao movidos pela nobre intencáo de atender a pessoas que sofrem drama íntimo. Con

tudo deve-se lembrar que tal atendimento vem a ser ilusorio

e arbitrario; como dar os bens de Cristo e da Igreja por vias que a Igreja nao sómente nao reconhece, mas rejeita como espurias? Até hoje toda nova uniao marital vivida após casa mento sacramental válido e consumado é tida como ilícita. Verdade é que o amor das primeiras nupcias pode ter morrido, cedendo a novo amor numa segunda tentativa de vida conju

gal. Todavia nao é sómente o amor — valor subjetivo — que dá validade as nupcias; estas dependem também de criterios — 83 —

40

"PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

objetivos, que sinalizam e defendem o amor. O que um pastor de almas pode fazer em favor de pessoas que reconstituirán!

sua vida conjugal sem o sacramento do matrimonio, nao podem abandonar os filhos e sentem falta da S. Eucaristía, é

incitá-las á oragao e á confianga em Deus; a Divina Provi dencia tem seus trámites ocultos para prover á salvagáo daqueles que, vítimas de um erro, procuram resgatar-se, sem poder ter acesso aos sacramentos. Freqüentem tais pessoas a S. Missa e disponham-se a receber de Deus Pai a resposta as suas preces contritas e sinceras.

3) RelagÓes sexuais fora do lar constituem adulterio. Embora psicólogos e psicoterapeutas as legitimen! em certos casos, elas continuam e continuaráo alheias ao ideal cristáo do amor conjugal. Cristo, revigorando a lei do Antigo Testa mento, as condena; cf. Me 10,2-9.

4) O uso de anticoneepdonais, contrariando as leis da natureza, foi suficientemente caracterizado ñas pp. 79s déste artigo. Em suma, o que se nota no artigo do Prof. Gründel —

como em outros, semelhantes — é a intengáo de guardar palavras capitais como "amor, indissolubilidade do matrimonio, continencia, fidelidade ao Evangelho..."; na verdade, porém, os articulistas insinuam ou sugerem atitudes tais que esvaziam o conteúdo dessas expressóes. Assim vém a ser legiti madas práticas arbitrarias e subjetivas debaixo de rótulos envernizados, capazes de impressionar o leitor incauto. Aquilo de que o Cristianismo precisa hoje, sao fórmulas nítidas e coerentes, aínda que contrarias a certas tendencias modernas, e nao proposigóes ambiguas, sujeitas a interpretagóes subje tivas.

A quem deseje conhecer o pensamento oficial da Igreja

sobre o assunto, recomenda-se a leitura dos documentos de Paulo VI e do episcopado das diversas nagoes publicados em "L'Osservatore Romano" (também em edigáo portuguesa), "SEDOC", "REB", "La Documentation Catholique", "II Regno"...

— 84 —

Decisivo para o cristáo:

Como orar? Em síntese: A Biblia é, por si, o mais rico estimulante da vida de oracáo. O cristáo, porém, só a aproveitará devidamente se procurar introduzir-se nela mediante algum curso ou manual de iniciagáo bíblica. O uso da Escritura Sagrada na espiritualidade do cristáo pode, com grande vantagem, seguir o roteiro abaixo:

leitura: a qual deve ser lenta e regular ou sistemática, podendo limitar-se aos Evangelhos o u ao Novo Testamento, no caso de quem comeca a manusear a Biblia;

meditacáo, que é a tentativa de aprofundar, mediante a imaginagáo e a reflexáo, o conteúdo do texto lido; oracáo, ou seja, o diálogo com Deus. A Palavra de Deus, susci tando confianza, amor, humildade, contricjio,... requer a resposta do homem; contemplacáo, isto é, a atitude decorrente do fato de que a Palavra de Deus impressiona o leitor a ponto de o obrigar a se deter em silencio e tranqüilidade na presenga de Deus. Faz-se assim no orante um silencio eloqüente e prenhe. — É para desejar que a vida de oragáo do cristáo mais e mais freqüentemente assuma tal atitude.

Resposta: A oragáo é vital na existencia do cristáo. Pode ser comparada á respiragáo de nossa vida humana: assim como nada fazemos (nem mesmo dormimos) sem respirar, assim também nao vivemos auténtica vida crista sem oracáo assídua ou mesmo continua.

Sobre a oragáo continua e a maneira de entendé-la, já

foi publicado um artigo em PR 133/1971, pp. 21-29. O problema que agora se póe, é o de nos entretermos na presenga de Deus numa oragáo direta e explícita. Como o conseguir?

Há quem ore fácilmente desde que se veja premido por

problemas e dificuldades. Recorre entáo a Deus como Amparo

e Refugio ou até como Grande Banqueiro. Éste tipo de oragáo nao deve ser condenado, pois o Senhor nos ensinou a pedir — 85 —

42

"PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

"o pao nosso de cada dia" (cf. Mt 6,11); propós-nos parábolas

tais como a do amigo aflito que vai solicitar tres páes ao amigo

porque se vé em embarago, e a do filho que pede ao pai a sua merenda (pao, peixe e ovo); cf. Mt 6, Le 11,5-8. Pode-se mesmo dizer que a Providencia Divina permite sejamos atribulados, a fim de que, assim compelidos, nos lembremos de Deus e de Lhe pedir a sua graga; a dor muitas vézes desperta os homens para a oragáo. Mas compreende-se que a oragáo inspirada pelo désejo de obter algo, máxime beneficios temporais, fácilmente degenera em oragáo interesseira; vem a ser algo de anémico, infantil, inconstante; nao pode ser a oragáo crista auténtica ou no sen tido pleno da palavra. É preciso que o cristáo ore habitualmente, com regularidade, com paz e alegría, tanto ñas fases difíceis como nos períodos calmos de sua existencia. Há também quem ore em oragáo comunitaria, ou seja, na

celebragáo da S. Missa ou de algum Oficio litúrgico. Urna vez, porém, terminado o rito comunitario, tais pessoas sentem-se emudecidas e incapazes de continuar a se entreter com Deus no recolhimento pessoal.

As páginas que se seguem, abordaráo a maneira como pode e deve o cristáo suscitar e fomentar a sua vida de oragáo

sistemática e frutuosa. — Existem, sem dúvida, métodos comprovados pela existencia de alguns séculos, a fim de ajudar a orar; tais sao, por exemplo, o método inaciano, o carmelita, o afonsiano, o beruliano...; cf. PR 63/1963, pp. 105-113; 68/ 1963, pp. 329-343. Sao todos métodos válidos e eficazes; quem

se dá bem com algum déles, continué a aplicá-lo (a oragáo tem sempre um aspecto pessoal e subjetivo, pois é coloquio do

individuo com Deus; por isto nao se pode impingir a alguém

determinado método de oragáo). O que abaixo será exposto, tem a grande vantagem de ser relativamente simples e bem tradicional na Igreja; além do que, tem dado frutos comprovados. 1.

Observado preliminar

Há pessoas que sabem entreter-se com Deus sem o auxilio

de algum texto ou livro. Encontram em seu íntimo motivos sobejos para entrar em diálogo com o Senhor: — 86 —

COMO ORAR?

43

— recordam-se, por exemplo, dos beneficios que receberam de Deus no decorrer de sua existencia, e louvam, agradecem ao Senhor;

— pensam em suas infidelidades ou faltas, e se arrependem, pedindo perdáo ao Pai e a grasa de nunca mais as cometer;

— ou contemplan! as disposigoes da Providencia Divina, seja na historia contemporánea, seja ñas sucessivas fases do passado; e enaltecem a sabedoria do Criador;

— por fim, um fato recente — um luto, um revés, urna conquista, urna boa noticia — podem ser nutrimento da vida de oragáo de nao poucas pessoas. Mas acontece nao raro que, ao se chegar á oragáo, o cristáo se senté solicitado por preocupagoes e distragoes que lhe tornam muito difícil a concentragáo em Deus. Daí a gran de conveniencia de recorrer a um texto que desperté o espirito para os valores sobrenaturais e o sustente no coloquio com Deus. Em vista disto, existem livros de meditagóes, dissertagóes sobre temas religiosos, obras de santos doutóres, sa bios teólogos, etc. — É lícito a um cristáo valer-se de qualquer

désses escritos, desde que lhe seja proficuo. Todavía é para

desejar que a vida de oragáo se alimente mais e mais da Es critura Sagrada; esta é um sacramental, ou seja, um livro

que santifica o seu leitor na medida da fé e do amor com que ele o aborda. Aínda que o cristáo nao entenda tudo que lhe diga o texto bíblico, a sua leitura será frutuosa na proporgáo das disposigoes religiosas do leitor; Deus nao deixa de res ponder a quem O procura ávidamente.

Alias, o Concilio do Vaticano II recomendou insistente mente o uso da Escritura Sagrada como alimento da vida espiritual: "Com veeméncia e de modo peculiar o Santo Sínodo exorta todos os fiéis cristaos, principalmente os Religiosos, a que, pela freqüente leitura das Divinas Escrituras, aprendam a eminente ciencia de Jesús

Cristo. Porquanto ignorar as Escrituras é ignorar Cristo. Acheguem-se, pois, de boa mente ao próprio texto sagrado, quer pela Sagrada Li

turgia repleta da palavra de Deus, quer pela piedosa leitura, quer

por cursos apropriados e outros meios... Lembrcm-se de que a lei tura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oragáo a fim de que ae estabeleca o coloquio entre Deus e o homem, pois a Ele falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos" (Constituicáo "Dei Verbum" n.° 25).

— 87 —

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Em conseqüéncia, os fiéis católicos háo de se esforgar por penetrar mais e mais na leitura do Livro Sagrado. Para tanto,

procuraráo munir-se de urna tradugáo católica e moderna do

texto bíblico, assim como de nogoes introdutórias no mesmo (nogoes que poderáo ser adquiridas em um curso ou pelo uso de alguma monografía adequada; ver bibliografía indicada no fim déste artigo). — Nao se recomenda que a primeira leitura da Biblia se faga a partir do Génesis, pois o leitor sem

demora se defrontaria com textos de compreensáo difícil ou tabelas genealógicas, mapas geográficos, rituais de sacrifi cios..., que á primeira vista pouco interésse tém para um cristáo. Por conseguinte, é para desejar que o leitor comece pelos Evangelhos e os restantes livros do Novo Testamento (exceto o Apocalipse, que ficará para o fim de toda a leitura);

o Novo Testamento é mais eloqüente para o cristáo. Após duas, tres ou quatro leituras dos Evangelhos e das cartas, o cristáo sentirá espontáneamente a necessidade de retroceder até o Antigo Testamento, e o lera com mais compreensáo e proveito, dando valor principal aos pontos altos ou as etapas de preparagáo do Messias.

Feitas estas observagoes, passemos diretamente ao roteiro de oragáo nutrida pela Biblia.

2.

Um roteiro

No uso religioso da Escritura Sagrada podem-se distin guir quatro etapas principáis: leitura, meditacáo, oragáo, contemplagáo. Percorramo-las sucessivamente:

2.1.

Letrura

É de todo desejável que se faga a leitura da Biblia de maneira regular e sistemática. Reserve cada cristáo o tempo

oportuno para tanto. Para muitos, a primeira hora do dia é

mais propicia, pois o espirito entáo costuma encontrar-se mais disposto, aüida nao solicitado pelas preocupares do trabalho cotidiano; quem se encaminha para a lide diaria com o espirito reabastecido pela oragáo, fácilmente fará de todo o seu trabalho urna prece.

— 88 —

COMO ORAR?

45

É desejável também que se estipule a duracáo désse en contró com Deus, a fim de que a natural volubilidade (que tantas vézes assalta o homem) nao prejudique o orante: dez, quinze, vinte ou mais minutos serao assim reservados á leitura

sagrada.

Antes de entrar em contato com o Livro Santo, eleve o cristáo a mente a Deus, pedindo-Lhe luzes para aproveitar

devidamente do exercício. A seguir, o leitor comecará a ler

atentamente, sem pressa nem preocupagáo de acabar deter minado capítulo; lera quanto íór necessario para que comece a se sentir interpelado pelo texto sagrado (urna página, meia-página ou menos podem bastar para tanto); que o cristáo nao se aflija por nada encontrar de eloqüente para si em quatro ou seis versículos; prossiga... É de crer que finalmente encontrará.

2.2.

Meditado

Tendo achado algo que o impressione, detenha-se o cris

táo e ponha-se a tentar esquadrinhar o conteúdo do texto. A imaginagáo pode entrar em fungáo, a fim de ajudar a pessoa a reconstituir com vivacidade os pormenores do episodio lido. É muito útil confrontar os textos paralelos ao que foi

lido (textos geralmente indicados ao pé ou k margena da página bíblica), a fim de se penetrar aínda mais a fundo na mensagem sagrada (por exemplo, o emprégo do símbolo da agua em Jo 4,10-14 e 7,37-39; as bem-aventurangas em Mt 5,1-12 e Le 6,20-26). As páginas da S. Escritura podem ser comparadas a urna alameda aberta em um bosque; depois

de certo percurso retilíneo, a trilha se dobra para algum lado; quem se acha na reta, nao vé a continuagáo e o fim da ala meda; sabe porém, que ela nao acaba onde parece acabar, mas, ao contrario, se prolonga e vai longe; para onde?... e como? — Assim, os episodios bíblicos muitas vézes dizem algo explícitamente e insinuam um conjunto de verdades que toca

ao leitor "adivinhar" e reconstituir mediante a reflexáo.

O conceito de meditagáo apresenta diversas facetas. Os cristáos medievais o identificavam com o afá de ler e reler um texto, a fim de mais o penetrar e admirar; a releitura carinhosa do texto fazia que aos poucos as palavras e o conteúdo

— 89 —

46

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

do mesmo se gravassem na memoria do leitor, o qual, em

conseqüéncia, o tinha de cor (decorar é guardar no cor ou no

coragáo). Assim a meditagáo se tornava o prolongamento normal e necessário da leitura; ela estabelecia urna comunháo entre a mente do leitor e a palavra de Deus, comunhao que se prolongaría mesmo após o exercício da leitura, pelo resto do dia. O "decorar" ou o "guardar no coragáo" permite um "ruminar" da Palavra de Deus, desejável desde que o espirito se veja sujeito a distragdes vas ou pouco construtivas. 2.3.

Oracao

A reflexáo ou meditagáo deve finalmente levar a um diá

logo com Deus. O Senhor, tendo falado, espera urna resposta

da criatura. A Palavra de Deus suscita admiragáo, reverencia, louvor, gratidáo, paz, humildade, confianga... É necessário, pois, que o cristáo exprima a Deus ésses afetos, como um filho fala ao pai ou um amigo ao amigo. As vézes a reagáo da alma á Palavra de Deus pode renunciar ao uso de vocábulos; ela se traduz em silencio... silencio, porém, que é prenhe de vida e afetos, silencio que é a maneira de dizer Aquéle ou aquilo que nao pode ser dito — o Inefável. O que importa, porém, é que a leitura da Biblia nao seja mera serie de consideragóes ou mera tarefa intelectual, cien tífica. É preciso que ela mova também o afeto, o amor e a vontade enérgica do leitor. A oragáo do cristáo desenvolve-se de maneiras diversas de acordó com as disposigóes do orante e a agáo do Espirito Santo. Contudo podem-se-lhe indicar quatro atitudes suces-

sivas, que constituem oportuno programa de di&logo com Deus:

— adoragdo: motivado pelo texto bíblico que acabo de ler e meditar, reconhego a infinita santidade e sabedoria de Deus; prostro-me interiormente diante déla, num coloquio ou num silencio chelos de reverencia: "Grande é o Senhor e suma mente louvável; insondável é a sua grandeza!" (SI 144, 3). "Quao numerosas sao as tuas obras, Senhor! Tu as fizeste

todas com sabedoria; a térra está cheia da Tua riqueza!" (SI 103,24).

Sempre procurando motivar-me pelo texto bíblico, passo ao

— 90 —

COMO ORAR?

47

— agradecimento: visto que Deus derramou sua sabedoria e riqueza sdbre as criaturas e sobre mim em particular, dou-Lhe gragas profundas. "Nos te damos grabas por tua imensa gloria". Essa gloria é a resposta as aspiragoes mais profundas do ser humano.

A esta altura, a meditagáo bíblica leva-me á — expiagáo: a seguir, verifico o contraste existente entre

a santidade de Deus e minha miseria. E peco-Lhe perdáo:

"Tranquilizaremos o nosso coragáo diante déle, sabendo que, se o nosso coragáo nos acusa, Deus é maior do que o nosso coragáo" (1 Jo 3,19s).

— impetragáo: o contraste verificado me leva a pedir ao Pai os subsidios de que preciso para voltar á casa paterna: o pao de cada dia para a alma e para o corpo, as gragas

espirituais e materiais, para que caminhe com passo certeiro

nesta peregrinagáo terrestre. Essas quatro atitudes poderáo ser excitadas pelo orante após ler qualquer passagem bíblica de certo conteúdo. Resta aínda mencionar a

2.4.

Contémplaselo

O diálogo com Deus pode desembocar num estado de alma tranquilo e silencioso, em que o orante se senté domi

nado por urna idéia ou urna verdade particularmente impressionante. Cessa entáo o diálogo, e a alma se deixa ficar simplesmente na presenga de Deus. Tal é a oragáo da simplicidade ou da quietude; as faculdades da memoria, da imaginagáo, da inteligencia e da vontade se calam, pois estáo cons cientes de estar em contato vivo com o Inefável; a alma entáo se "dilata" e deleita na presenga de Deus. É o que se chama "contemplar". É para desejar que esta oragáo se torne cada

vez mais freqüente na vida do cristáo. A contemplagáo está intimamente associada ao dom de sabedoria.

A contemplagáo crista pode ser ilustrada pela contem plagáo entendida em sentido filosófico ou meramente hu mano.

Que se entende por "contemplar" no plano filosófico? Contemplar vem a ser um olhar — 91 —

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

— atento, detido, absorvido,

— admirativo, surpréso,

— desinteressado de lucros ou finalidades ulteriores; ésse olhar encontra em si mesmo a sua justificativa e compensacáo aqui na térra. Tal contemplacáo ocorre, por exemplo, quando alguém se vé diante de grandiosa paisagem em que montanhas, flo restas e océano se combinam ou sucedem (naja vista a baía de Guanabara contemplada do Pao de Acucar ou do Corco

vado) . O Concilio do Vaticano II empregou 29 vézes a palavra "contemplagao", reconhecendo que todo homem (pagáo que seja) traz em si a capacidade ou até mesmo o chamado de contemplar:... contemplar algo de misterioso e transcen dental que o mundo revela e, ao mesmo tempo, encobre. Assim reconhece o Concilio "as tradicóes ascéticas e contemplativas, cujas sementes já antes da pregacáo evangélica Deus implantou ñas culturas antigás" (Decreto "Ad Gentes" n.° 18). Per-

gunta também: "Como se pode conciliar urna táo rápida e progressiva dispersáo das ciencias particulares com a necessidade de elaborar a sua síntese e de conservar nos homens

as faculdades de contemplagao e admiracáo que encaminham para a sabedoria?" (Const. "Gaudíum et Spes" n.° 56). Diz mais o mesmo documento conciliar: "Pelo dom do Espirito Santo, o homem na fé chega a contemplar e saborear o mis terio do plano divino" (Const. "Gaudium et Spes" n.° 15).

Ora a contemplagao crista, praticada por dom especial de Deus, tem suas raizes e primordios na contemplagao que todo homem, de certo modo, é capaz de exercer quando colocado em presenga de determinados valores ou determinadas reali dades naturais.

O S. Padre Paulo VI, no discurso de encerramento do

Concilio do Vaticano II (7/12/1965), apresentava a contem plagao como o principal ato da vida humana, ato compatível

com qualquer vocagáo ou tarefa do cristao, mesmo que éste pratique a chamada "vida ativa": "Deus é urna realidade, um ser vivo e pcssoal; exerce urna Pro videncia; é infinitamente bom, nao sómente em si mesmo, mas é de bondade sem limites para conosco. Ble é nosso Criador, nossa Verdade, nossa Felicidade, a ponto que o esfórco para fixar néle nosso

olhar e nosso cora?áo, nessa atitude que chamamos contempladlo, se torna o ato mais elevado e mais pleno do espirito, o ato que hoje aínda pode e deve ordenar a intensa pirámide das atividades humanas".

— 92 —

COMO ORAR?

4?

Robustecido pela oragáo praticada segundo o roteiro atrás, o cristao se dedicará ao trabalho em tal uniao com Deus que poderá evitar as grandes dissipagóes e distragóes. Embora a fragilidade humana tenda sempre a levar o cristao para as

coisas transitorias e sensíveis, o orante será menos vulnerável; poderá, antes, dar aos seus semelhantes um testemunho mais lúcido de que Deus é o Grande Valor.

A leitura da Biblia realizada com zélo e método torna-se eficaz escola de oragáo. E quem ora bem, vive bem ou san tamente. Bibliografía:

G. Auzou, A palavra de Deus. Sao Paulo 1967.

Perrella-Vagaggini, "Introdusáo á Biblia", t. I. Petrópolis 1968. P. de Surgy, "As grandes etapas do misterio da salvacáo". Petró polis

1968.

A. Lapple, "Mensagem bíblica para o nosso tempo". Lisboa 1968. J. S. Croatto, "Historia da salvagáo". Caxias do Sul 1968. J. Dheilly, "Le peuple de l'Ancienne Alliance". Paris 1955. R. Knox, "Richesses de l'Ancien Testament". Paris 1953.

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50

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

RESENHA DE LIVROS A mensagem de Cristo, por Domenico Grasso; tradugáo do italiano por Gerardo Dantas Barrete Colegáo "Revelacjio e Teología" n.° 13. Edigóes Paulinas, Sao Paulo 1970, 140 x 210 mm, 448 pp.

Muitas vézes se procura urna súmula da doutrina católica para adultos, mormente quando se trata de ministrar ou acompanhar cursos de formacáo religiosa (ou mesmo teología) em colegios e em escolas

superiores. Ora o livro de D. Grasso corresponde a éste interésse: em 25 capítulos percorre os diversos temas ou tratados da mensagem católica: Deus Uno e Trino, criagáo, pecado, Jesús Cristo... O autor é clássico, evitando sutilezas e controversias; certas passagens (como o estudo das processóes e das relaedes trinitarias) tém índole um tanto

técnica — o que é inevitável —, embora o autor procure ser acessível ao leitor de nivel medio; a Biblia, copiosamente utilizada, enriquece valiosamente o compendio.

Pode ser recomendado com vantagem, como, alias, se depreende da grande aceitagáo que a obra já encontrou em varias de nossas escolas.

Catecismo existencial. Mensagem de Cristo as criancas de hoje, por Carmen Mendoza Editora Vozes, Petrópolis 1971, 140 x 210 mm, 358

pp.

Obra digna de atencáo, pois compendia a doutrina católica sob

forma de breves licóes ou conversas (cada urna redigida em duas páginas aproximadamente e acompanhada de urna cancáo). Destina-se a criangas

pequeñas,

talvcz

como preparagáo

á Primeira

Comunháo.

A autora transmite assim por escrito as conversas que teve com os netinhos: "O presente trabalho nao pretende ser um compendio de religiáo. Nada mais é do que urna conversa de avó" (p. 13). Apesar dcstas palavras modestas, o livro merece ser tido como manual de ensino religioso. O adjetivo "existencial", no título, significa apenas a preocupagáo

de C. Mendonga com o estilo concreto e vivencial das suas conversas;

evita abstragóes nao necessárias, recorre a numerosas e válidas comparagóes, explica sabiamente as palavras difíceis ou técnicas (Biblia, género literario, testamento, Messias, responsabilidade...). Como roteiro de ensino, segué a historia da salvagáo apresentada pelas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento — o que póe a crianga em contato constante com a mensagem bíblica. Em seu afá de tornar clara e concreta a doutrina da fé, C. Mendonga afirma que "nao se ensina religiáo (p. 11), mas temos de procurar meios que levem a um despertar da fé preexistente na crianga batizada. Éste pensamento nao é falso, mas podería ser mal entendido. Com efeito, a religiáo é ensinada na medida em que é doutrina; contudo, já que nao é doutrina apenas, e, sim, vida também, a religiáo

é comunicada também pelo exemplo e por tudo que fomente na crianga a fidelidade á acáo da graga e do Espirito Santo.

— 94 —

RESENHA DE LIVROB

51

Mario Mendonga, o grande pintor, íilho da autora, ilustrou o livro com belas gravuras. Merecería especial aten?áo a imagem da p. 30, em que a SS. Trindade é representada por tres restos humanos, tipo éste de representagáo que nao se recomenda, pois sómente Deus Filho se maniíestou com face humana. Em suma, o livro merece franca aceitacáo. Foderia, porém, apresentar um índice geral com os títulos e a seqüéncia das suas conversas.

Ajnde-me a crescer, por Mariángela Didier. Editora Mensageiro da Fé, Salvador 1970, 130 x 205 mm, 221 pp. A autora, formada em París, tem-se dedicado generosamente á catequese na Bahia. Entre outras obras, publicou o volume ácima, destinado a pais e educadores. Fornece orientadlo sobre o desabrochar da psicología da crianza e a gradac.áo do ensino religioso a lhe ser ministrado. Considera também as atividades (desenhos, celebrares, dramatizagóes...) a ser aplicadas nesse setor. Tem em vista igualmente a preparacjio á primeira Confissáo e á primeira Comunháo. Nao deixa de encarar também as etapas da educagáo sexual. O livro é altamente recomendável. Chama a atencjio o fato muito louyável de que prevé a primeira Confissáo da crianza antes da pri meira Eucaristía justamente numa época em que muitos perguntam se vale a pena levar as crianzas á confissáo individual. — De passagem, diga-se: se nao se lhes ensina desde os primeiros passos na vida crista a prática do sacramento da Confissáo, é difícil crer que, depois, tais cristáos saberáo estimar e freqüentar ésse Sacramento. Ora a Peni tencia é um canal de grabas de grande valor, mesmo para quem nao tenha pecado grave. Dai desejar-se, apesar de todos os possiveis contra•argumentos, nao se adié nem menospreze a preparagáo das crianzas para a primeira Confissáo antes da primeira Eucaristía.

AUcerce para um mundo novo. A fé explicada aos jovens, pelo P. José F. de Oliveira SCJ. — Ediles Paulinas, Sao Paulo 1971, 135 x 210 mm, 364 pp. O autor também conhecido como "Padre Zézinho" — tem-se tornado benemérito na pastoral da juventude, á qual se dedica inteiramente; já é autor de alguns livros, opúsculos e cangóes gravadas em compacto e LP. O livro ácima, que vem a ser um compendio da doutrina católica para os jovens, compreende sete grandes temas: Encontró com o Pai, Encontró com os Irmáos, Religiáo esclarecida, Sacramentos, Livros Sagrados, As normas do povo de Deus, Vivencia da fé. Em estilo fácil e claro, expóe as grandes linhas da mensagem católica. Os diversos capítulos sao acompanhados de questionário e de textos bíblicos ou de referencias a passagens da Biblia (cuja leitura o autor muito reco menda). O P. Zézinho mostra grande e sadio zélo pela formagáo crista da juventude; ao propor normas moráis, principalmente no tocante ao sexo, é em tudo fiel aos ditames da consciéncia crista. É digno de nota o entusiasmo com que convida os jovens a cultivar os valores espirituais (oragáo, Eucaristía, virtudes, engajamento apostólico, etc.).

O livro tem como anexo um "Diario do jovem cristáo", em que se encontram preces, breves normas de vida e belo repertorio de 80 pensamentos curtos e pregnantes: "Vocé que nao perde chance de des-

— 95 —

52

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

fazer a geragáo adulta, nao queirá imaginar o que acontecerá daqui a vinte anos, quando seu filho comegar a cobrar juros atrasados". — "Amar nao é querer alguém construido, mas, sim, construir alguém querido". Em suma, o novo livro do P. Zézinho veio muito a propósito num momento em que a pastoral da juventude precisa de seguras linhas de orientacáo, a fim de que nao se desvirtué. Crelo



neste

Deas,

por

Jean-Jacques

francés por Attilio Candan. —

Lariviere;

Ed. Paulinas,

tradugáo

Caxias do

Sul

do

1971,

120 x 195 mm, 167 pp.

O subtitulo déste livro soa: "Pesquisa sobre a fé dos jovens". O autor, tendo realizado um inquérito junto a 2016 rapazes e 1092 megas (dos 16 aos 22 anos), de cultura colegial, catalogou as principáis dúvidas da juventude sobre questóes de fé. A seguir, resolveu elaborar as respectivas respostas no volume ácima apresentado, abordando temas como a existencia de Deus, a Providencia Divina e o sofrimento do homem, a Igreja, a morte e a vida postuma, a liberdade de arbi trio do homem, as dúvidas religiosas reais e as meramente aparentes. Os lemas sao elaborados de maneira clara, com o auxilio de dados da filosofía e da historia contemporáneas, que fazem sobressair o pensamento cristáo. Assim o livro se tornará instrumento útil para

palestras, 'cursos e a Ieitura pessoal nao sómente de jovens, mas também de adultos; as questóes considerada póem-se, quase do mesmo modo, em todas as faixas de idade.

LEITOR AMIGO,

NAO INTERROMPA SUA COLEgÁO DE PR. SE VOCÉ AÍNDA NAO RENOVOU

SUA

ASSINATURA

PARA

1972, POR FAVOR FAgA-O HOJE.

— 93 —

!ráT

No próximo número:

Dúos polovros d¡ficéis: Futurología, Escatologia

Teología política: que é? Aínda as finanzas do Vaticano Fé, moral, casamento. . .

em famosa entrevista

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