Ano Xiii - No. 145 - Janeiro De 1972

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Projeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTTAQÁO

DA EDipÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanza a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto

que

somos

bombardeados

por

numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaieca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Verítatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

— N? 145

fl LOtOHA

OEUttáó &OUTGINA

JANEIRO DE 197i

Indiice

Pág.

PARA ALÉM DO ORIENTE E DO OCIDENTE

1

A

3

BONDADE

E O AMOR

Um boato sensacional:

ENCONTRADO O CADÁVER DE JESÚS NA PALESTINA?

4

Sempre a pergunla:

AFINAL QUE HA NA IRLANDA DO NORTE? LUTAS RELIGIOSAS EM PLENO SÉCULO XX?

INTOLERANCIA FANÁTICA?

12

Em torno de urna entrevista:

IGREJA CATÓLICA ADOTOU DOUTRINA DA REENCARNACAO?

25

Auténticamente crista?

ORACAO PELOS MORTOS QUANDO COMEQA?

37

RESENHA DE LIVROS

43

COM APROVACAO

ECLESIÁSTICA

PARA ALÉM DO ORIENTE E DO OCIDENTE «Para além do Oriente e ido Ocidente». É éste o sugestivo titulo de urna obra que no Brasil apareceu em 1956 como traducáo do original inglés «BeyontJ East and West». Tal foi o título que John Wu, jurista, poeta e diplomata chinés, quis dar á historia da sua conversáo. Ardoroso adepto das crencas reli giosas da China, em 1937 abragou o Cristianismo, tornando-se católico convicto. A conversáo para John Wu, teve algo de dramático. Com efeito, a tempera natural do homem oriental leva á contemplacáo... contemplacáo que pode chegar a ser quietismo e fata lismo: «Deus tudo faz, e nada resta ao homem por fazer». Ao contrarío, o homem do Ocidente é inclinado á atividade, que pode degenerar em ativismo e auto-suficiéncia: «o homem tudo faz, de sorte que a Deus nada mate cabe fazer...» Ora, ao

deixar as crencas taoístas e confucionistas da China para professar o Cristianismo, parecía a John Wu que deveria deixar sua índole pessoal, artística e contemplativa, para ocidentalizar-

-se, pois o Cristianismo o poria em contato intimo com o mundo ocidental. O mestre chinés, porém, superou a crise, verificando que «o nosso desenvolvimento espiritual nao deve tomar rumo oriental ou ocidental», mas ultrapassar essas categorías para desembocar além..., além do Oriente e do Ocidente, isto é, no Infinito de Deus (p. 291). Quem adere realmente ao Infinito, supera atitudes particulares, caso se tornem obstáculo para a auténtica uniáo dos homens com Deus e entre si. Ultrapassar os egoísmos, para que todos convirjam no Infinito ou em Deus, eis o programa do Cristianismo.

Para além do Oriente e do Ocidente... A imagem de John Wu interpela todos os homens, principalmente em nossos dias. Fala-se hoje de conflitos... Conflitos entre as geraeóes: país e filhos, professóres e alunos, andaos e jovens se defrontam como se nao se entendessem, pois diferem entre si no seu modo de pensar e agir. Na Igreja apontam-se também diferen-

Cas entre alas e correntes: conservadores e progressistas, cató licos «de direita» e católicos «de esquerda» se distinguem níti damente dentro do povo de Deus. — 1 —

É tempo de superarmos essas diferengas na medida em

que se tornam entrave para atingirmos o Infinito. Para além,

sempre para além, sem ponto de chegada aqui na térra, eis a dinámica do cristáo: nao se perca o Infinito por causa de coisas finitas! Isto quer dizer em outros térnios: pais e filhos, anciáos

e jovens procuraráo colocar o que tém de próprio e caracterís tico a servigo da convergencia de todos para o Infinito. É

compreensível que uns e outros tenham modos de pensar dife rentes: quem nasceu na era da astronáutica, familiarizou-se

desde os seus primeiros anos com a planetarizagáo da vida e com a prospectiva (imagens do ano 2000); tem fantasía criativa para desenvolver os dados que a ciencia lhe fornece... Estes predicados sugerem aos jovens atitudes impacientes e audazes.

Ao contrario, quem nasceu há quarenta ou mais anos, já co-

nhece percalgos e desilusóes, que sugerem atitudes mais morosas

e lentas... Pois bem; diluam-se as posicóes enrijecidas; por amor ao Infinito, uns e outros ultrapassem seus horizontes

(«orientáis» ou «ocidentais»); no Infinito todos se encontram. Ele — e sómente Ele — é capaz de nos levar a nos ultrapassar-

mos para que convirjamos. — Algo de semelhante se dará

também na S. Igreja de Deus: as formagóes diferentes de uns e outros seráo superados pelo amor ao Infinito, sem traigáo a Verdadc.

John Wu ainda chama a atengáo para o seguinte: o Infinito para o qual todos nos tendemos, nao nos está simplesmente á frente. Ele está no íntimo de nos; Deus habita no cristáo. Por conseguinte, o segrédo para superarmos nossas divergencias humanas será sempre, e em última análise, a adesáo profunda a Deus no íntimo do homem. Quem possui éste valor, possuirá o senso ou as «antenas» de Deus e saberá ir além... além do

Oriente e do Ocidente, além desta ou daquela escola particular,

para se tornar o Irmáo Universal, o Irmáo de todos os homens.

O que interessa ao cristáo, nao é diretamente o próprio cu, nem éste ou aquéle modo de ver particular, mas, sim, o grande NOS, ou seja, a figura do Cristo em seu Corpo Místico, que dá dimensóes de Infinito ao pequeño en. Que o cristáo se integre no Cristo Místico! E que o Cristo viva em cada cristáo, para que Ele possa ser reconhecido pelos náo-cristáos no mundo através do testemunho lúcido e ardente de cada pequeño eu! E. B.

— 2

A BONDADE E O AMOR Quem é bom, dá para quem vive; Quem ama, vive para dar.

Quem é bom, suporta a ofensa; Quem ama, a esquece.

Quem é bom, compadece-se; Quem ama, ojuda.

Quem é bom, comega e acaba;

Quem ama, comega para nunca mais acabar. Quem é bom, faz o que pode; Quem ama, pode o impossível. Quem é bom, releva os erros; Quem ama, nao deixa errar.

Quem é bom, a\wia quando está perto; Quem ama, sempre está perto para a¡udar. Quem é bom, também ama ; Quem ama, sempre é bom.

Quem é bom, atende as necessidades; Quem ama, tem necessidade de atender. Quem é bom, nao faz mal a ninguém ; Quem ama, faz o bem a quem faz mal. Quem é bom, ve as condigóes para dar; Quem ama, dá sem condigoes.

Quem é bom, é como Deus o fez... Quem ama, faz como Deus quer. Quem é bom, as vézes se cansa; Quem ama, nunca descansa.

Quem é bom, ve o bomem que pede; Quem ama, vé, no homem, Deus que pede. P. Orlando Gambi

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XIII — N«

145 — Janeiro de 1972

Um boato sensacional:

encontrado o cadáver de jesús na palestina? Em sfntese: No Inicio de 1971 foram encontrados perto de Jerusalóm (em Glv'at ha-MIvtar) os despojos de um homem crucificado, que apresentavam, entre outras coisas, dois pos atravessados por um prego de 17/18 cm de comprlmento. Clrcularam rumores de que sorlam os restos mortais de Jesús Cristo. — Meses depois da descoberta, foram publicadas descrlcSes dos echados de Glv'at ha-MIvtar por parte dos estudiosos.

Estes nSo pensaram em identificar os referidos despojos mortais com os

de Jesús de Nazaré; a localidade de Glv'at ha-MIvtar nSo se confunde com a regiSo do Calvarlo, onde Jesús foi morto e sepultado. Ademáis, desde os Inicios do Cristianismo se diz que o sepulcro de Jesús fol encontrado vazlo. Os próprlos adversarlos do Mestre reconheceram este fato; apenas tentaran) expllcá-!o "do seu modo"

(cf. Mt 28,11-15).

A assoclacfio dos despojos mortais de Giv'at ha-MIvtar com os de Jesús de Nazaré se explica pelo fato de que entre os ocldentals ficou viva a memoria de um Grande Crucificado: Jesús Cristo. Éste, portento, vem espontáneamente á baila sempre que se fala de crudfixSo.

Pode-se dlzer que as descobertas de Giv'at ha-MIvtar sfio importantes nfio por alterarem as concepcSes clás3lcas a respelto de Jesús Cristo, mas por Ilustraren) a maneira como se proce3sava o supllciamento dos conde nados á morte de cruz na antigüidade.

Kesposta: No inicio de 1971 a imprensa noticiou que nos arredores de Jerusalém, na localidade Giv'at ha-Mivtar, foram encontrados os restos mortais de um homem crucificado, restos que tinham cérea de 2.000 anos de idade. — 4 —

ENCONTRADO O CADÁVER DE JESÚS?

5

O assunto despertou grande interésse na opiniáo pública

internacional. Já que no mundo cristáo ficara viva a recordacáo de um grande Crucificado da antigüidade — Jesús de Nazaré —, muitos puseram-se a indagar se nao haviam sido assim encon trados os despojos do Senhor Jesús. Tal hipótese pona por térra a tese de que o sepulcro de Cristo foi encontrado vazio, por haver Jesús Cristo ressuscitado.

As noticias e conjeturas iam-se propagando sem fundamen to seguro até que finalmente os estudiosos divulgaram a descrigáo minuciosa .dos acontecimentos e dos achadbs em foco. Trata-se principalmente de tres artigos publicados na revista científica «Israel Exploration Journal», proveniente da pena dos Professóres V. Tzaferis, J. Naveh e N. Haasx.

Ñas páginas que se seguem, transmitiremos urna síntese de quanto ésses cientistas encontraram em Giv'at ha-Mivtar; urna breve apreciagáo do significado dessas descobertas rematará a exposicáo.

1.

Os ochados

Em 1968, na parte setentrional de Jerusalém, junto á

estrada que leva a Nablus,. faziam-se escavacóes em vista de futuras construcóes, quando imprevistamente se encontraram nove túmulos. Estes equivaliam a cámaras sepilierais cavadas na rocha; cada cámara continha «loculi> ou nichos em que

se colocavam ossários. Faziam parte de grande cemitério ju daico que tinha servido a familias da localidade no periodo dito «do Segundo Templo» (ou seja, do séc. IV a.C. ao séc. I

d.C). No ossário n« 4 da primeira cámara é que o Prof. V. Tza feris encontrou os restos do homem crucificado, ou seja, os ossos de um adulto cujos pés estavam traspassados por um cravo de ferro. No mesmo ossário, que media 57 x 34 cm, encon-

traram-se também os ossos de um menino de 3/4 anos. Na parede externa do ossário liam-se inscricoes em hebraico:

YHWHNN (Yehochanan, ou seja, Joáo) e YHWHNN BN HG^WOL (Yehochanan ben Chigqol, Joáo filho de Chigqol). C segundo nome devia referir-se á crianca, ao passo que o pri-

meiro designava o homem cujos pés estavam traspassados por

um cravo.

1 Cf. "Israel Exploration Journal", vol. 20, nn. 1-2, Jerusalém 18-32. 33-37. 38-59. ■ ■■ '

O

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

Os ossos encontrados em 15 ossários do mesmo cemitério

permitiram identificar 35 individuos: 11 homens, 12 mulheres

e 12 enancas. Cinco traziam os sinais de morte violenta- urna

por crucificacáo, duas pelo fogo, urna por flechada e urna por golpe de martelo. Tres esqueletos de criangas (das quais duas tinham entre 3 e 8 anos) denunciavam a morte por falta de alimentagáo. Estes dados constituem um trágico vestigio das ,dificeis condigóes por que passou a Palestina nos últimos dois seculos antes de Cristo e no séc. I d. C.

Os mais importantes désses despojos mortais, para a ar

queología e a historia, sao os do homem crucificado Póde-se averiguar que devia ter entre 24 e 28 anos, com 1,67 cm de altura, face triangular e assimétrica, nariz grande e aquilino

queixo e palato deformados. Os ossos dos dois calcanhares estavam psrfurados por grande prego, e as duas tibias se achavam quebradas. O Prof. N. Haas, em presenga déstes dados, pode afirmar que o individuo em foco fóra vítima de morte violenta ou, mais precisamente, morte por crucifixio. Efetuaram-se todas as possíveis medidas de ossos de modo

a se tentar reconstituir um retrato da vitima, o qual foi publi

cado em numerosos jomáis e revistas.

As irregularidades do cránio parecem provir ou de urna crise do metabolismo materno ocorrida ñas primeiras sema nas de gravidez ou de um parto difícil. A conformagáo dos ossos restantes parece indicar que o homem em foco jamáis foi sub-

metido a trabalhos corporais pesados nem sofreu ferimentos

até o momento de sua crucifixáo. Parece, pois, que, após as dificeis condigóes que essa pessoa experimentou no seio ma terno (condigóes explicáveis pela guerra e a fome por que a Palestina nao raro passava), ésse individuo viveu geralmente em circunstancias ide bem-estar. O seu aspecto geral, apesar das irregularidades da face (talvez ocultas pelos cábelos e pela

barba), nao devia ser feioj ao contrario, segundo o Prof. Haas, o crucificado tsrá apresentado finura de tragos físicos.

Estas conclusoes agugam naturalmente o desejo de se sa ber algo sobre a identidade misteriosa de tal homem. Nao pa

rece ter sido um escravo rebelde nem um delinqüente comum.

Terá sido um mentor ou chefe do povo, levado ao suplicio por motivos ideológicos ou políticos? A resposta fica fora do al cance dos estudiosos — o que em nada diminuí o interésse que possamos ter pela maneira como morreu a vítima. — 6 —

ENCONTRADO O CADÁVER DE JESÚS?

2.

7

A crucifixóo

Para se reconstituir o modo como foi supliciado o indivi duo em foco, levem-se em conta os seguintes dados: O prego de ferro que atravessa os dois calcanhares, tem o comprimento de 17/18 cm. Urna placa de madeira de acacia de quase 2 cm de espessura se acha junto á cabeca do prego,

devendo contribuir para fixar o prego ao corpo do crucificado e

á cruz. Na ponta inferior do prego encontram-se restos de lenho de oliveira. Donde se conclui que a vítima foi pregada a urna haste de oliveira; o pé direito parece ter estado sobre o esquerdo. As pernas do crucificado — a quanto se depreende — foram dobradas. Embora se julgue que geralmente os supliciados pendiam da cruz em posicáo vertical, pode-se dlzer que Yehochanan de Giv'at ha-Mivtar teve as pernas dobradas, provávelmente porque o lenho de oliveira era de exigua altura; em conseqüéncia, era necessário impedir que tocasse o chao. Os bracos do condenado devem ter sido presos por pregos a urna trave ho rizontal; esta foi fixa a um tronco de oliveira. Já que o lenho desta árvore nao se prestava a sustentar través pesadas, julga-se que a barra horizontal da cruz de Yehochanan foi sustentada por suportes suplementares. O recurso á oliveira há de ser explicado pela pressa e pelas circunstancias extraordinarias do momento da crucifixión devia haver urgencia de executar outros condenados.

Os ossos das pernas de Yehochanan foram quebrados em varios pontos. Éste efeito se deve ao «golpe de graca» ou ao crurifragium, que se concedia ao réu para por fim aos seus tormentos. O exame de um dos bracos do esqueleto parece mostrar

fináis da penetracáo de um prego á altura do osso radial; também manifesta movimentos de convulsáo do antebrago fixo ao lenho durante a agonía do crucificado. Os pregos dos bragos, como se eré, teráo sido colocados ácima dos pulsos, e nao ñas palmas das máos (estas se rasgariam fácilmente, quando délas pendesse todo o peso do corpo do crucificado!).

Dada a posicáo pouco natural em que o condenado era fixo á cruz, parece que se usava um pequeño assento na haste ver tical; essa prancheta serviría para assegurar a estabiüdade do corpo sobre a cruz, assim como para prolongar a agonia e tornar mais cruel o suplicio.

— 7 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 145/1972

O exame dos ossos de Yehochanan leva os estudiosos a

crer que os pés estavam firmemente fixos ao lenho mediante

o grande prego. Em conseqüéncia, quando quiseram extrair o cadáver da cruz, amputaram-lhe os pés; estes só posteriormente foram extraídos da cruz juntamente com o cravo.

Tais condusóes, apresentadas por Haas sobre a maneira

como foi crucificada a vitima de Giv'at ha-Mivtar, nao gozam todas da mesma probabilidade. Álgumas se apoiam em argu mentas discutivéis — discutíveis dada a exigüidade do material, as suas condicóes de deterioragáo e as circunstancias pouco favoráveis em que foi examinado.

3.

A data da cruáfixao

Vista a importancia arqueológica dos achados de Giv'at

ha-Mivtar, é interessante tentar apurar com a possível exatidáo a data da morte e do sepultamento de Yehochanan. Se éste morreu crucificado, levem-se em conta as épocas em que houve crucifixóes em massa na Palestina. Tais foram a do rei Alexandre Janeu (103-76 a.C), do qual se sabe que mandou crucificar 800 fariseus;... a da revolta verificada por ocasiáo do recenseamento do ano 7 d.C, a das insurreigces que terminaram com a ¡destruigáo de Jerusalém em 70 d.C. (Flávio José refere que a cota de prisioneiros crucificados durante o céreo de Jerusalém era ás 50 por dia).

Ora a cerámica e os ossários parecem excluir a época de Alexandre Janeu. Quanto á situacáo de desordem e terror em Jerusalém por volta de 70 d.C, parece nao se conciliar com algum tipo de sepultamento das vítimas crucificadas. Em con seqüéncia, o Prof. Tzaferis propSe, para o suplicio de Yehocha nan de Giv'at ha-Mivtar, a época da revolta do ano 7 d.C. ou

sugere tratar-se de alguma crucifixáo ocasional ocorrida entre

o inicio do séc. I d.C. e o ano de 70. Nao é possível chegar a conclusóes mais precisas nesse terreno, de sorte que o arco de tempo em que se pode recolocar a morte de Yehochanan fica sendo assaz ampio (séc. I a.C. — séc. I d.C).

— 8 —

ENCONTRADO O CADÁVER DE JESÚS?

Resta-nos agora estudar.

4.

O significado histórico e religioso dos ochados

A considerável importancia de tais dados consiste em que, pela primeira vez na historia, os estudiosos foram colocados diante de despojos que Uustram o suplido da crucifixáo, muito difuso na antiguidade e aplicado a Jesús de Nazaré.

1. E a hipótese de que o cadáver de Giv'at ha-Mivtar seja o do próprio Cristo? — Ela se explica pelo fato de que, para um homem ocidental contemporáneo, a descoberta de um cru cificado leva mediatamente a pensar no único homem cruci ficado cuja memoria tenha ficado viva na historia. É, porém, claro, para quem lé os Evangelhos, que o sepulcro de Jesús foi encontrado vazio desde os inicios da historia do Cristianismo. Esta noticia nao era contraditada, mas aceita até mesmo pelos adversarios de Jesús; apenas estes se esforeavam por explicá-la a «?eu modo, ou seja, dizendo que os discípulos haviam roubado o cadáver de Jesús enquanto os guardas dormiam; cf. Mt 28,11-15. — Ademáis a regiáo de Giv'at ha-Mivtar nada tem

que ver com o lugar (Calvario) próximo a Jerusalém em que

Jesús foi crucificado e junto ao qual foi sepultado. Nem da par te dos estudiosos que examinaram os despojos de Yehochanan,

houve mencáo ou intengáo de os identifícar com os restos mor-

tais de Cristo. Apenas alguns meios de comunicacáo, no seu afá de realizar «furos» sensacionais, é que langaram a hipótese ¡novadora, mas de todo inconsistente.

2. As descobertas de Giv'at ha-Mivtar sao importantes a outro título: elas vém confirmar alguns tragos das narracóes evangélicas concernentes ao «crurifragium» (quebra das pernas) e ao sepultamento de Jesús.

a) Com efeito. A quebra idas peanas é atestada pelos his toriadores antigos como meio de acelerar a morte dos suplida-

dos. Estes, já nao podendo sustentar-se sobre as pernas, perdiam a possibilidade de continuar a respirar, e morriam pouco depois. O Evangelista S. Joáo (19,31s) refere a aplicacáo déste costume aos dois ladróes que estavam ao lado de Jesús; tratando-se de um golpe de graca destinado a por termo ao suplítío dos réus, só podia ser executado com a permissáo da autoridade que decretara a pena; por isto S. Joáo narra que os judeus pediram a Pilatos a licenca para quebrar as pernas dos crucificados. A exatidáo do Evangelista ao consignar estes par— 9 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

ticulares confirma o valor da outra observagáo de S. Joáo: a Jesús nao quebraram as pernas porque já o encontraran! morto

(cf. Jo 19,32s). Os achados de Giv'at ha-Mivtar, permitindo

reconhecer a aplicagáo do «crurifragium», projetam luz valiosa i? positiva sobre a narracáo do Evangelho.

b) Esses mesmos achados ilustram também o episodio do sepultamento de Jesús. Alguns críticos, nos últimos tempos, levantaram objecóes contra os relatos do Evangelho, alegando

que nao seria possível conceber um sepultamento honroso e dig

no para um condenado (como foi Jesús): Cristo, tido como malfeitor, só poderia ter sido sepultado em urna fossa comum; os autores racionalistas Loisy e Guignebert, por exemplo, sustentaram que as condigóes de sepultamento de Jesús foram tais que seria impossível reconhecer o túmulo e os despojos do Sal vador, aínda que os estudiosos se aplicassem a essa tarefa. Por consegirinte, seriam lendárias as narragóes do sepultamento de

Jesús (cf. Me 15, 42-47), da visita das mulheres ao sepulcro, a fim de ungir o corpo do Senhor, o encontró do túmulo vazio,

etc. — Ora a descoberta de Giv'at ha-Mivtar fornece a prova arqueológica de que um sepultamento honroso para um conde nado era nao sámente possível, mas também praticado na Pa lestina: podia-se sepultar o réu em lugar próprio e digno, e guardar a identidade dessa sepultura. Portanto, nao sao alheios

á realidade histórica os relatos do Evangelho que narram o pe dido do cadáver de Jesús feito a Pilatos (Mt 27,57s), o sepul

tamento do Senhor em túmulo novo e individual (Me 15, 42-47),

a visita das mulheres ao sepulcro (Mt 28,1; Me 16,ls; Le 24,1; Jo 20,1), a ida de Pedro e Joáo ao túmulo, que éles encontraram vazio (Jo 20,3).

3. De resto, rico material (dados arqueológicos, textos e ¡nscricóes dos antigos) sobre a condenacáo á morte e o processo aplicado a Jesús Cristo se encontra & disposigáo dos es tudiosos no importante livro de Josef Blinzler: «Der Prozess Jesu» (3» ed., Verlag F. Pustet, Regensburg 1960). O autor, cuja obra foi traduzida para outras línguas, conclui o seguinte a respeito da sepultura dos delinqüentes:

O Direito Romano nao permitía que se desse sepultamento ao cadáver de um criminoso. O escritor romano Petrónio fala de «um soldado que vigiava as cruzes a fim de que ninguém le-

vasss os corpos para a sepultura» (Sátiras IE). Quem enterrasse os despojos moríais de um supliciado, era passivel de punicáo.

Podiam, porém, as autoridades entregar os cadáveres aos interessados. Esta concessáo era um ato de benevolencia, que de— 10 —

ENCONTRADO O CADÁVER DE JESÚS?

11

pendía apenas do magistrado competente; era geralmente feita aos familiares da vítima. Podía contudo ser recusada, princi palmente guando se tratava de um crime de lesa-majestade im perial.

Compreende-se, pois, gue Pilatos tenha concedido aos ami gos de Jesús (gue faziam as vézes de familiares) a licenca de sepultar o cadáver do Mestre. Éste ato era particularmente im portante para os judeus, visto gue a Lei de Moisés mandava fóssem os mortos pendentes do lenho sepultados antes da cala da da noite: «Quando um homem tiver cometido um crime gue mereca a morte e, condenado, fór atado 'á fórca, nao deixarás o seu cadáver permanecer na fórca. Procurarás enterrá-lo no mesmo dia, pois um enforcado é objeto gue ofende a Deus e nao deves manchar a térra gue o Senhor teu Deus te der por heranca» (Dt 21,22s). De modo geral, a recusa de sepultura no momento oportuno era algo de táo abominável para os judeus gue éles nao a gueriam praticar nem mesmo em relacáo aos deUngüentes. Pilatos acolheu o pedido feito por José de Arimatéia em favor do sepultamento de Jesús, pois o Procurador Roriano nao considerava Jesús como criminoso político ou réu de lesa-majestade; sómente por efeito de pressáo moral e assaz con trariado é gue ele pronunciara a condenacao de Jesús. Pilatos apenas se admirou de gue Cristo já estivesse morto; e, a fím de dissipar gualguer dúvida a respeito, mandou proceder ao «crurifragium» dos condenados. Os soldados entáo quebraram as pernas dos dois ladróes crucificados com Jesús; mas a Jesús,

tido como já morto, traspassaram o lado com um golps de langa. Cf. Jo 19, 31-34. Em suma, os achados de Giv'at ha-Mivtar, longe de des truir a mensagem do Evangelho, só contribuem para ilustrá-la e para sugerir ao leitor reflita mais urna vez sobre o indizível amor do Pai Celeste: «Deus demonstra o seu amor para conosco

pelo fato de Cristo haver morrido por nos guando ainda éramos pecadores» (Rom 5,8).

AMAR NAO É QUERER ALGUÉM CONSTRUIDO, MAS SIM CONSTRUIR ALGUÉM QUERIDO. — 11 —

Sempre se pergunta:

afinal que ha na irlanda do norte? lutas religiosas em pleno século xx? intolerancia fanática? Em sintese: Os conllltos sángrenlos verificados últimamente na Irlanda do Norte (regiáo de Utster, com capital em Belfast) tem fundo religioso, mas ultrapassam a esfera dos Interésses religiosos. Devem-se a medidas de implantac&o violenta do protestantismo na Irlanda, medidas'que, aplicadas desde os lempos de Ellsabete I da Ingla terra (1558-1603), lograran) éxito na regISo setentrlonal da Irlanda. Desde o séc. XVIII, as leis favorecem os protestantes (geralmente ingleses e es coceses, que se estabeleceram em Ulster), e reduzem os católicos a condlgSes de Inferlorldade social, económica, cultural, etc.

Após arduas lutas, os católicos consegulram em 1821 constituir o Estado Llvre da Irlanda, com capital em Oubllm, ao passo que simultáneamente a reglSo de Ulster se anexou ao Reino Unido da Grá-Bretanha e se tornou forte estelo do protestantismo. Para manter o seu predominio em Ulster, os protestantes sSo obrlgados a recorrer a discriminares diversas, que recalcam os dlreltos da populacSo católica; o dlreito a voto está bascado na posse de bens Imóveis (inclusive a casa própria) — o que Impede a numerosos católicos

(geralmente

pobres) o

acesso

ás

urnas e

torna as

eleifSes antes unía burla do que a expressSo da vontade da populacSo de

Ulster.

Em conseqüéncla, os católicos de Ulster, nao sómente em rtome de sua fé, mas também em nome dos dlreltos humanos que Ibes competen), tém-se insurgido contra a sltuagáo social vigente no país, encontrando apolo e defesa em certos grupos de jovens protestantes da regiáo. é o que torna aínda mals radical a poslcfio dos protestantes conservadores no país. Preconlza-se, antes do mals, em Ulster a reforma da leí eleltoral, de modo a se darem iguais direitos de voto a todos os cldadSos do país.

Resposta: Diante dos disturbios sociais e dos choques vio lentos entre cidadios da Irlanda do Norte (regiáo de Ulster, com capital em Belfast) nos últimos anos, a opiniáo pública vem — 12 —

QUE HA NA IRLANDA?

13

perguntando insistentemente quais as razSes precisas dessa la-

mentável luta fratricida, que parece estar longe de haver chegado ao fim. Eis por que, ñas páginas seguintes, teceremos algo do histórico da própria Irlanda; éste fundo histórico per mitirá avaliar os motivos e o significado da atual situacáo da Irlanda Setentrional.

1.

Irlanda: um pouco de historia até 1920

1. No séc. Vm a. C. a Irlanda foi ocupada pelos celtas (chamados «escotos» ou «gaélicos» na Irlanda mesma). Esta populacáo era de estirpe aria, de tipo alto e louro, e constituí até hoje o fundo étnico da ilha. Note-se bem: os celtas ou ha

bitantes da Irlanda nao sao anglo-saxóes (como sao os ingle ses, habitantes da vizinha Grá-Bretanha).

A populacáo celta da Irlanda foi convertida ao Cristianismo

por obra de Sao Patricio no séc. V, tomando-se logo fervorosa e missionária. Da Irlanda partiram para a Inglaterra e o con

tinente europeu numerosos monges, que fundaram grandes mosteiros na Grá-Bretanha, na Franca, na Alemanha, na Italia.

2. A Irlanda viveu em relativa tranqüilidade até o século XII. Nessa época, ou, mais precisamente, em 1171, o rei Henrique n da Inglaterra (da casa de Tudor), famoso por ter tomado parte no assassinato de S. Tomás de Cantuária, desembarcou na Irlanda por dois principáis motivos: pretendía ajudar ao príncipe Rodrigo O'Connor, que estava em luta com seus pares na Irlanda e — o que é mais — intencionava favorecer a reorganizacáo e renovagáo da vida da Igreja preconizada

pelo Papa Adriano IV, inglés, entáo reinante. Éste segundo motivo se derivava do desejo que o rei tinha, de reparar o

assassinato de S. Tomás de Cantuária e por fim ao confuto entre Papado e Coroa Inglesa no séc. XII.

Chegando á Irlanda, Henrique n julgou que sem dificul-

dade a poderia anexar ao seu reino. Comecou, pois, a tentar conquistar o territorio, fazendo afluir para lá colonos ingleses. Tal obra foi continuada pelos suasssores de Henrique II até o séc. XVI; nao obteve, porém, o sucesso almejado. Com efeito,

muitos dos colonos ingleses nos séc. XHI/XVI sentiram-se aos poucos mais afins aos irlandeses do que aos ingleses: multiplicaram-se os casamentos mistos, os intercambios culturáis, as — 13 —

amizades, as relagóes comerciáis, a ponto que os mencionados co lonos ingleses se manifestaran! mais irlandeses do que os próprios irlandeses. As leis emanadas de Londres contra a amizade anglo-irlandesa foram francamente violadas, de modo que os reís da Inglaterra se viram em dificuMades crescentes parago-

vernar os seus súditos da térra irlandesa.

3.

As relagóes entre a Irlanda e a Coroa Inglesa se

tornaram mais tesas ainda, quando em 1533 Henrique VIII rompeu com Roma e se declarou Chefe da Igreja na Inglaterra.

Esta atitude deu nova base á oposicáo irlandesa contra o reí da Inglaterra: tanto os irlandeses nativos quanto os chamados «anglo-irlandeses» tomaram nova consciéncia de sua sólida

adesáo á Sé de Roma.

A segunda metade do séc. XVI, marcada pelo reinado da famosa rainha Elisabete I (1558-1603), filha de Henrique VIH, veio a ser um período de guerras continuas na Irlanda, pois a

populagáo local nao quería aceitar o controle espiritual e tem poral da Coroa Inglesa. Digno de nota é que precisamente a parte da Irlanda Setentrional hoje chamada UIster se revelou

como a mais irlandesa do país e, por conseguirte, a mais resis

tente ao influxo inglés. Todavía, no fim do reinado de Elisabete (103), os chefes locáis de UIster (sobre os quais a rainha exercera pressáo especialmente forte), estavam moralmente vencidos e subjugados. O sucessor de Elisabete, ou seja, o rei Jaime I (da casa dos Stuart), introduziu em UIster colonos de sua confianga, de sorte que em 1608 cérea de quatro quintas par tes da área inteira estavam em máos de ingleses e escoceses

fiéis ao rei e intransigentes em sua crenca presbiteriana. Os irlandeses nativos foram recolhidos ñas colinas e ñas regióes

mais pobres do territorio de UIster. ESses colonos, á diferenga do que acontecerá na Idade Media, evitavam intercambio com os irlandeses (católicos): poucos casamentes mistos e raras amizades se registraram — o que confirmou os católicos na sua posigáo de habitantes de guetos rurais.

4.

Durante o século XVHI os irlandeses, destituidos de

seus bens, tentaram reconquistar as térras perdidas; em váo, porém. A tentativa final se deu em 1690, quando Tiago n, o

último rei católico da Inglaterra, oferecia alguma esperanza aos irlandeses. Todavía Guilherme m de Orange, genro do rei, desembarcou na Irlanda e venceu Tiago II (que lá se refugiara) na batalha de Boyne, a poucas milhas ao norte de Dublim (30/6/1690). Éste acontecimento marcou o futuro da Irlanda — 14 —

QUE HA NA IRLANDA?

15

até noje; um grande contingente de orangistas ocupou novas tér ras da ilha: foram promulgadas «Leis Penáis», que visavam a consolidar e defender o «Establishment» protestante.

As «Leis Penáis» estiveram em pleno vigor de 1690 a 1829

(quando certo abrandamento se obteve mediante o «Catholic Emancipation Act»). Tais leis negavam aos cidadáos católicos da Irlanda (cérea de 85% da populagáo) os direitos mais ele

mentares: as escolas católicas eram proibidas, a hierarquia

eclesiástica e o clero estavam fora da lei; caso um membro de familia católica abragasse a «fé reformada», tornava-se o her-

deiro de todas as posses da familia. Aos católicos nao era licito possuir nem mesmo um cávalo que valesse mais de cinco libras esterlinas. Nao tinham direito a voto: o Parlamento, os servicos civis e militares Ihes eram interditados. Quase por ironía, o ca tólico devia pagar taxas em favor do clero da Reforma. Conseqüénda desta situacáo é o fato de que ainda hoje em Dublim, cuja populagáo católica é de mais de 90%, existem duas catedrais protestantes, igrejas que pertenciam aos católicos antes da Reforma.

As medidas repressivas contribuirain para a regressáo da situacáo económica da populacáo. Ademáis fbi aplicada á Irlanda a legislagáo vigente na Inglaterra, legislagáo adaptada ao desenvolvimento industrial inglés, nao, porém, á economía irlan desa, que era prevalentemente rural, com excegáo da regiáo de Ulster. As conseqüéncias foram desastrosas: em 1848, registrou-se o flagelo da fome, que matou um milháo de habi

tantes e motivou a emigracáo de outros tantos para os Estados

Unidos da América e a Grá-Bretanha. A populagáo da Irlanda nunca mais atingiu a metade da cifra que tinha no inicio de 1848: 8.000.000 ds almas (atualmente ela mal checa a 3.000.000).

Todavía a Irlanda do Norte, bastante industrializada para sustentar a dinámica da produgáo inglesa, escapou ao depauperamento económico. Mais: em Ulster os proprietários viviam na própria regiáo, ao passo que a maioria dos proprietários do resto da ilha morava feliz na Inglaterra e apenas dlesfrutava

as rendas de seus terrenos.

As condigóes dos camponeses irlandeses ficaram sendo pre carias até o séc. XX, quando se deu a primeira rebeliáo irlan desa dotada de éxito, da qual se falará a seguir. — 15 —

16


2.

Os últimos dnqüenta anos

1. Durante o sáculo passado, distinguiu-se o herói nacio nal irlandés Daniel O'Connor, que, recorrendo a métodos nao violentos tentou defender a sua gente. Nada obteve de ¡mediato. Mas, quando morreu em 1847 (estava em Genova, de viagem

para Roma, a fim de levar ao novo Papa Pió DC a homenagem do povo irlandés), a oposigáo irlandesa se organizou militar mente no movimento dos «Sinn Feiners» (os que agem por pró-

pria iniciativa). As lutas se foram sucedendo até culminar na insurreigáo de Páscoa 1916, sufocada em sangue. Em 1918, porém, os católicos obtiveram urna Vitoria legislativa; formaram entáo um Exército Republicano Irlandés («Irish Republican Army»). Em 1919 os «Sinn Feiners» se constituiram era Assembléia da Irlanda («Dail Eireann») e proclamaram a inde pendencia do país, com um govérno próprio no exilio sob a chefia de Eamon De Valera.

Em 1921, a Grfi-Bretanha resolveu reconhecer o Estado Lávre da Irlanda. Mas as cláusulas impostas pelos ingleses, im plicando ainda sujeicáo & Coroa Británica, nao foram aceitas por todos os parlamentares irlandeses. Seguiram-se guerras civis

até que Eamon De Valera, feito Primeiro Ministro em 1932, conseguiu romper os últimos vínculos de sujeigáo á Inglaterra; em 1937 obteve a aprovagáo de nova Constituigáo, que abolía o juramento de fidelidade ao rei da Inglaterra, assim como qualquer pagamento de taxas ou indenizagóes aos «landlords» (senhores das térras) ingleses. Mas somente em 1949 a Irlanda conseguiu proclamar-se República, com total independencia, re nunciando mesmo a fazer parte do «Commonwealth» britá nico.

A todo ésse movimento de emancipagáo nacionalista opós-se sempre a regiáo de Ulster na Irlanda do Norte, de tal sorte que, quando em 1921 foi réconhecida a independencia irlandesa, se formou simultáneamente um novo Estado na Irlanda do Norte; Ulster conta com seis condados, marcadamente pro testantes, ao lado dos 26 condados católicos, que constituem a Irlanda livre. Os habitantes de Ulster sao chamados Unionistas (por quererem a uniáo com a Inglaterra); o seu «slogan» soa «Home Rule is Rme Rule» (Govérno nacional é Govérno de

Roma). Os Unionistas tém forte estelo no chamado «Partido de Orange» (nome-homenagem a Guilherme de Orange). — 16 —

QUE HA NA IRLANDA?

_17

2. Em 1921, portante, o «Government of Ireland Act» dividiu a Irlanda em duas partes: 80% do territorio tornou-se independente, tendo o seu Parlamento em Dublim, ao passo que 20% ficaram ligados á Grá-Bretanha, embora tenham também seu Parlamento em Belfast e autonomía ide administragáo: o

principal interésse do Parlamento de Belfast, que há cinqüenta anos é controlado sempre pelo mesmo Partido, consiste em manter a divisáo da ilha; os dirigentes politicos de Ulster esr táo decididos a manter o «status quo», o que só será possível se

conservaren! maioria protestante na Irlanda do Norte. James Craig, o Primeiro Presidente do Conselho da Irlanda do Norte,

dizia em 1934 ser, antes do mais, um orangista; a seguir, considerava-se um político e um membro do Parlamento; e acres-

centava: «Tudo de que me glorio, é que nos somos um Parla

mento protestante e um Estado protestante».

Vejamos agora as condigóes de vida a que estáo sujeitos os católicos no país de Ulster (Manda do Norte).

3.

Católicos na Irlanda do Norte

A minoría católica em Ulster constituí o grupo religioso relativamente mais considerável. Numa populagáo de 1.500.000 habitantes, os católicos sao 500.000. Seguem-se os presbiteria nos (em número de 400.000), os anglicanos (400.000 também) e os metodistas (menos de 100.000 fiéis). Por conseguinte, os católicos reprasentam 35% dos habitantes e tal proporgáo tende a aumentar porque a sua taxa de natalidade é superior á das outras confíssóes. O grupo mais infenso aos católicos é o dos presbiterianos, entre os quais figura o ardoroso pastor Jan Paisley, que se vem distinguindo por suas demonstragóes antica tólicas.

Para manter o predominio, os protestantes de Ulster tém de recorrer a uma serie de discriminagóes contra os católicos. Estas medidas provocam naturalmente a animosidade e repre salia da parte oprimida, a qual encontrou aliados e defensores entre os jovens protestantes assim como em ambientes evangé licos liberáis. É o que vem tornando aínda mais radical o espi rito conservador e nsacionário dos grupos protestantes. Quais

Ulster?

seriam

as

principáis

discriminagóes vigentes

em

18

*PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972 3.1.

No olano

eleitoral

É o sistema eleitoral que constituí o principal instrumento

da política orangista.

Ñas elcicóes para o Parlamento de Belfast, todo homcm de negocios ou comerciante tem direito a dois votos; o mesmo acontece k sua esposa, de modo que cada casal de comerciantes

goza de quatro votos.

Ñas eleicóes nao parlamentares, que sao as dos municipios e das condados, o sufragio nao é universal; o direito a voto decorre da posse de bens imóveis. Tém direito a voto também as sociedades anónimas que possuam um capital superior a dez li bras esterlinas, podendo mesmo urna só sociedade gozar do di reito a seis votos. Mediante tais artificios, tem acontecido que ricos inrt"striais disponham, cada um, de dezoito votos! Note-se também que, para poder inscrever-se entra os eleitores de municipio ou condado, o cidadáo deve ser proprietário da mansáo em que habita; em conseqüéncia, quem vive em casa de seus pais, nao tem direito a votar. Quanto á concessáo de casa própria, ela só é feita a pessoas «seguras», ou seja, de fé protestante, as quais daráo ssu voto ao Partido Unionista

(ou «Lealista», como é chamado). Embora se váo construindo

novas habitacóes, os católicos se véem obligados a permanecer em mansóes extremamente pobres, «onde os negros do Mississipi se recusariam a habitar» (palavras do correspondente do jor nal «Tempo», de 14/1/1969). Por efeito dessas Ieis. o Partido Unionista controla 57 dos

68 Conselhos Municipais, mesmo ñas regióes em que a maioria da populacáo é católica. Exemplo notorio é o da cidadezinha de Londonderry; os registros assinalam ai urna populacáo de

13.515 católicos e 9.235 protestantes; nao obstante, Londonder ry sempre foi administrada por um Conselho de 12 Unionistas e 8 católicos (do Partido Nacionalista). Isto se explica pelo fato de que 7.000 católicos nao figuram ñas listas eleitorais, em vista de seu estado de pobreza (nao possuem casa própria e agrupam-se em guetos); além do mais, existem em Londonderry

1.200 votos eleitorais atribuidos as Companhias, que pertencem quase exclusivamente a protestantes.

— 18 —

' 3.2.

QUE HA NA IRLANDA?

19

No plano sódo-econdmco

Com as discriminacóes eleitorais estáo associados outros males na Irlanda do Norte: — abandono da populacáo católica á miseria degradante;

— recusa de emprégo aos católicos (há tempos, varios in

dustriáis reunidos se gabavam de que nenhum jamáis concederá trabalho a um católico!). — Etn 1934 Basil Brooke, depois Primeiro Ministro de Ulster, afirmava que sempre recomendara aos unionistas nao dar trabalho aos católicos, pois estes sao trai dores na proporgáo de 99%; caso nao procedessem assim, um dia os unionistas seriam minoría em vez de maioria; — falta de escolarizagáo para os católicos.

Assim a populagáo católica se vé encerrada em círculo de ferro: nao pode comprar casa nem receber habitacáo do Esta do, porque, em tal caso, teria direito a voto. Nao consegue obter trabalho, porque assim chegaria a ter poder aquisitivo de casa

própria. É excluida do servico público do Estado, porque teria direito a casa. É boicotada, quando se entrega ao comercio, a finí de que nao possa sair da pobreza. O jornal «Times» de Londres noticiou que, de 586 servidores do Estado de Ulster, os católicos sao apenas 36. De 3.000 agentes de policía, os ca tólicos nao chegam a cinco.

Terence O'Neill, Primeiro-Ministro de Ulster de 1963 a 1969, lamentou-se de que os católicos nao o tivessem sustentado ñas eleigóes de Janeiro de 1969, pois julgava ser liberal em relacáo a éles. A sua mente liberal se exprimiu no «Belfast Telegraph» de 10/5/1969 nos seguintes termos: «Se dennos trabalho e casa aos católicos, éles viveráo como os protestantes, tendo automó-

veis e televisores; recusar-se-áo entáo a ter dezoito filhos!» Se gundo éste raciocinio, os católicos, em melhores condigóes eco nómicas, viveriam como os Unionistas; por isto julgava o Pri meiro-Ministro dever negar-lhes o voto. Ambiguo arrazoado!

Conseqüéncia das discriminacóes é a emigracáo de irlande ses para os Estados Unidos. Com efeito, desde 1921 quase a metade das criancas de Ulster é de familias católicas, embora

os católicos nao constituam mais do que urna terca parte da populacho local. Em 1968, por exemplo, a proporgáo de 50,3% das criangas era católica; todavía até hoje a populagáo católica de Ulster nunca passou de 35%. Durante cinqüenta anos, pois,

— 19 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS! 145/1972

nota-se que é constante o decréscimo do número de católicos en tre a idade escolar (50%) e a idade adulta (35%). Isto quer dizer que cerca de 15% dos jovens parte todos os anos para o estrangeiro!

4.

O momento presente: guerra de Religión ?

1. Como se vé, a situacáo vigente na Irlanda é de fundo religioso, mas nao se limita a interésses religiosos. Nao se trava lá urna guerra (ou guerrilha) de religiáo, mas, sim, urna verdadeira luta em prol dos direitos do homem. O jornal francés «Le Monde», aos 18/12/1968, notava in

sistentemente que, com os jovens católicos de Ulster, militavam jovens de outras creircas e cidadáos progressistas, empenhados numa legítima liberalizagáo das condigóes socio-políticas locáis.

O próprio bloco protestante vai perdendb a sua coesáo, princi palmente entre os anglicanos, movido pelo progresso do ecume-

nismo, pelo declinio do fanatismo religioso, pela aversáo as discriminagSes sociais e pela consciéncia do imobilismo do Partido Unionista.

Estas observagóes mostram que o problema irlandés nao é apenas de ámbito crístáo, mas de ámbito humano, universal, pois diz respeito á dignidade da pessoa humana no séc. XX.

2.

As manifestacóes sangrentas de agosto 1971 repre-

sentam um passo muito grave no confuto. Elas se devem a urna decisáo do Prímeiro-Ministro de Ulster, Brian Faulkner, que aos 9/8/71 resolveu mandar «internar» (= prender) sem processo previo todos os cidadáos (católicos e protestantes) que fossem suspeitos de oposigáo ao atual Govérno norte-irlandés. Tal medida já fóra aplicada periódicamente até 1961; havia dez anos, porém, que nao era revigorada na Irlanda. — Urna hora após a publicagáo do decreto de Faulkner, trezentos homens já haviam sido internados; no dia seguinte, eram seiscentos, em grande maioria católicos. O Govémo de Londres, embora hesitante, dava seu consentimento ao Primeiro-Ministro de Ulster. — Para os internados, foram criados «campos de recepgáo» (= de concentracáo), onde os prisioneiros ficariam in definidamente, caso nao fóssem soltos no decorrer dos quinze

primeiros dias de cárcere. Tais medidas provocaram reagáo vio lenta por parte dos nacionalistas irlandeses, registrando-se em — 20 —

QUE HA NA IRLANDA?

21

agosto 1971 tun total de quatorze mortes, dezenas de feridos, e cérea de cem casas incendiadas.

3. Tanto na Irlanda como no estrangeiro, ñzeram-se ouvir abalizadas vozes, que manifestaram perplexidade ou mesmo protesto diante dos acontecimentos. O Cardeal William Conway, arcebispo de Armagh (na Manda do Norte) e Primaz da Ir landa, sempre se abstivera de qualquer pronunciamiento a raspeito das iniciativas dos Governos de Londres ou de Belfast na atual polémica; todavía em vista do ocorrido em agosto, levan-

tou a voz (pronunciamento a p. 22).

O S. Padre o Papa Paulo VI, aos 29/8/71, dirigiu um apelo

ás autoridades no sentido de procurarem «urna solugáo pacifi

ca e justa dos varios problemas que afligem o povo irlandés». O Secretario Geral da ONU, U Thant, deplorou, em um comunicado, a «absurda violencia dos acontecimentos de Ulster».

O Secretario Geral do Conselho Mundial das Igrejas, Eugene Carson Blake, ofereceu a sua mediagáo para resolver a

questáo.

Enfim, o Conselho da Europa, aplicando as cláusulas da

convengáo européia dos direitos do homem, pediu a Londres

informagóes precisas sobre as medidas adotadas em Ulster.

Quanto ao Govérno da República Irlandesa, afirma que a atual divisáo da Irlanda é algo de artificial, de sorte que deveria desaparecer. O Ministro do Exterior da República Irlandesa, Patrick Hillery, confirmou tal proposicáo diante do Conselho de Seguranga das Nagóes Unidas aos 20/8/1969: «Os seis condados (= a Irlanda do Norte) nao constituem urna área geográfica mente isolada, mas sao parte importante de um país que no decorrer da sua historia foi por todos reconhecido como uno. Esta unidade histórica da Irlanda é táo evidente que nao requer prova. O direito da nagáo irlandesa a controlar a totalidade da Irlanda foi durante sáculos sustentado por sucessivas geraCóes de homens e mulheres irlandesas e é tal que nlnguém (falando em nome da nagáo irlandesa) a ele pode renunciar».

No atual estado de coisas, é utópico pensar na unificagáo -da Irlanda mediante o desaparecimento do Govérno «lealista» ou orangista de Belfast. Todavía o que se pode realmente es perar, é que as discriminagóes sócio-políticas e religiosas vi— 21 —

22

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 145/1972

gentes em Ulster sejam quanto antes abolidas. O primeiro passo

a ser dado seria a promulgagáo de novo principio eleitoral, qie se tornou o «slogan» da campanha dos oposicionistas de Ulster: «One man one vote — A cada cidadáo um voto». A esta re forma se seguiriam as demais: as sociais, as económicas, as es colares. .. E ter-se-ia um povo pacificado dentro do espirito

cristáo.

Apéndice A guisa de complementacáo, seguem-se algumas dedara-

cóes públicas a respeito dos conflitos da Irlanda do Norte:

1) Aos 14 de agosto de 1971, o Cardeal Conway, arcebispo de Armagh (Irlanda do Norte), publicou o comunicado seguinte: "A internacao sem julgamenlo previo e arma eeja a autoridade po)ilica a quem seja concedida.

lerrfvel,

qualquer que-

Os blspos católicos nio cessaram de condenar repetidamente os mortlcidlos e oulras formas de violencia utilizadas como meios de atingir objetivos políticos. É notorio, alias, que Asse ponto de vista está sendo compartilhado pela grande maiorla da populacho católica.

É necessário dizer que esta mesma populado rajeita também, de maneira profunda e ampia, a Intemacáo sem julgamento previo e a aplicacao unilateral desta medida.

Atualmente ó importante que os meios de comunlcacáo social nao di vulguen! únicamente as razdes aduzldas pelas autoridades para Justificar a intemacao de cidadaos, mas publiquen) também a maneira como as fnternacSes sao pratlcadas. Já é de todo evidente que homeno Íntegros e inocentes, aprisionados ñas primeiras horas da manhi da segunda-felra 9 de agosto, sofreram tratamentos humilhantes e brutals da parte dos agentes de seguranca.

Éste fato deverla tomar-so objeto de um fnquérito rigoroso e llvre. Um porta-voz oficial declarou que as quelxas sarao levadas ao conhe-

chnento da policía, a qual as examinará. Todavía para quem vive no clima atual da Irlanda do Norte, urna tal declaracao chega ás ralas do cinismo.

É de esperar que a opiniao pública británica e mundial siga de perto

e imparclalmente o exercíclo do terrfvel poder de Internar algum cldadSo.

Nossas palavras nio signlflcam, de modo algum, que procuremos des culpar os procedimentos de quem quer que lenha deliberadamente incitado a violencia. Quem asslm procedeu, deve compartllhar com outros a respon» sabilidade dos morticinios e dos terrivels sofrimentos de tantos milhares de pessoas no decorrer destas últimas semanas" (texto inglés em "Tho Tablet", 21/8/1971, p. 826).

— 22 —

QUE HA NA IRLANDA?

23

2) No próprio ídia 9 de agosto de 1971, tinha lugar em Dublim a reuniáo da seccáo irlandesa de «Pax Christi» (movimento católico internacional defensor da paz no mundo). Tal assembléia promulgou a seguinte declaragáo: "Pax Christi deplora o atual aumento de violencia na Irlanda do Norte e duvida de que a medida extremada de internar cidadaos possa obter o efeito de alenuá-la, aínda que por pouco tempo... Sugerimos, com todo o respeito para com o Govémo da Irlanda do Norte, que éste proclame a anlstla em favor de todos os cidadaos Internados e dos outros prlsioneiros políticos, qualquer que seja a sua tendencia. Pax Christi, além disto, propSe que se constltua urna comlssao de paz, com representantes de todos os Interessados — dos grupos soclais, polí ticos e religiosos — do país, a flm de examinar as estruturas políticas da Irlanda do Norte e para formular urna Conslltulcfto que seja favorávsl a todos os setores da comunidade. Ésse projeto de ConslltuIcSo serla opor tunamente submetldo a populacao da Irlanda do Norte em um 'referendum'. Caso fosse aprovado, serla apresentado, para ser confirmado, aos Parla mentos de Stormont, Dublim e Westmmster. O empenho das autoridades em favor desta proposta darla fundamento concreto a esperanca nao sómente de urna tregua para a atual violencia, mas também de estabilidade de urna paz duradoura".

3) Aos 20 de novembro de 1971, o Cardeal Conway lancou corajoso prtesto contra torturas aplicadas por soldados britá

nicos aos prisipneiros submetidos a interrogatorios.

As fontes de informacáo sobre o atual confuto na Irlanda do Norte sao os jomáis e revistas que periódicamente noticiam os acontecimentos lá registrados. É útil também o recurso a Enciclopedias que apresentem sumariamente o histórico da Ir landa e a composigáo de sua populacao.

Assinante amigo! Colabore com PR pagando quanto antes a sua assi-

natura 1972 (Cr$ 30,00). A contribuiccío de cada um é im portante. Contamos com vocé.

A

Admimstracáo de PR

— 23 —

..." Debrufado

sobre

unía

materia

que

Ihe resiste, o trnbitlhador imprime'lhe o seu cttnho, cnqumilo para si adquire tenncidnde, engenho e espirito de invenido. Mais aínda, vivido

em

rnento, na

rotnum, aspirando

na e

esperanza, na

alegría

no

sofri-

partilha-

da, o trabalho une as vonlades, aproxima os espiritas e salda os coroides: realizando-o, os

horneas desv.obrem que sao irmaos. "

PAULO

VI

(Carta Encíclica Populorum Progressio) marco

-

□Q □□engefusa

Ética- Seguranca- Pioneirismo

Em torno de urna entrevista:

¡greja católica adotou doutrina da reencarnado?

Em sintese: A Igreja como tal nunca professou a tese da reencarnacSo, pols nao sómente esta nfio se encontra na S. Escritura, mas é até contra* dltada por textos bíblicos como Hebr 9,27; Le 23,43.

Houve, slm, a partir de Orígenes (t 254), escritor crlstfio de Alexandrla (Egito), urna corrente de monges pouco versados em teología, mas assaz intransigentes, que se puseram a professar a preexistencia das almas, a reencarnacáo e a bem-aventuranca final para tfldas as criaturas; constituiram a corrente de Idéias dita "orlgenlsmo". Já que éste se tornava fanático e tumultuava a Palestina, o Patriarca de Jerusalém no século VI

pediu ao Imperador Justiniano que Intervlesse. Justlniano, que se comprázla

em assuntos religiosos, escreveu um tratado contra Orígenes e obteve que o Patriarca de Constantlnopla reunisse um sínodo local em 543, o qual condenou teses relativas á preexistencia das almas e a outros erros

do orlgenlsmo. Essa condenacSo fol aprovada pelo Papa Vlglllo e pelos demals Patriarcas da Igreja. Asslm é que o orlgenlsmo e suas teses roencarnaclonistas perderam voga.

Resposta: A revista «O Cruzeiro de 22/9/1971 publicou entrevista dada pelo parapsicólogo indiano Banerjee, na qual o mestre afirmou o seguinte:

"Até o Concilio de Constantinopla no século quarto, a Igreja aceitava a reencarnacSo. Resolveu nao aceitá-la mais, depois de urna votacao em que a maloria dos representantes nao compareceu, devido ao mau tempo. Se todos estivessem presentes, taivez a decisao nao tivesse sido essa" (p. 90). Esta noticia sugere um conjunto de temas importantes, que seráo abordados ñas páginas seguintes: 1) a Igreja e a reencar nacáo; 2) o citado Concilio de Constantinopla do séc. IV, prejudicado pelo mau tempo.

— 25 —

26 _^

-.PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

A posigáo do Cristianismo frente á tese da reencarnacáo sendo inspirada pslos documentos bíblicos e pela Tradigáo dos primeiros séculos, procuraremos antes do mais averiguar a doutrina da Biblia referente 6 tese da transmigragáo das almas; depois investigaremos algo da Tradicáo crista. De resto, a respeito de reencarnacflo e Cristianismo já foi publicado

um artigo em PR 5/1962, pp. 121-127. Vejam-se também PR 3/1957, pp. 15-21 (pontos de vista bíblico e filosófico); 26/1960, pp. 57-61 (diferenca entre reencarnacSo e ressurreicáo da carne).

1.

Escritura e Reencarnando

O pensamento cristáo está intimamente associado ao pensamento judaico pré-cristáo. Ora éste nao admitía a reencar

nacáo das almas. Sendo esta doutrina professada por filósofos gregos, os judeus se fechavam a ela, pois eram infensos a qualquer tipo de sincretismo religioso.

Foi nesse ambiente que Jesús pregou o seu Evangelho.

Feita esta observagáo geral, passemos a sucinto exame dos

textos bíblicos geralmente citados em favor da reencarnagáo: 1.1.

Joáo Batista e Elias

Mt 17,10-13: "Os discípulos perguntaram a Jesús: 'Por que dlzem os escribas que Elias deve vlr antes do Messiaa?' Respondeu-lhes Jesús: 'Elias, de fato, há de vir e restabeleceré tddas as coisas. Eu, porém, vos digo que Ellas Já velo e éles nao o reconheceram, mas fizeram déle o que quiseram. Do mesmo modo o Fllho do homem há de ser torturado por éles'. Compreenderam entáo os discípulos que Jesús Ihes havia talado a respeito de Joáo Batista".

Os judeus julgavam que Elias nao morrera, mas fóra ar rebatado aos céus (cf. 2 Rs 2,11) e, por isto, voltaria á térra

para revelar e ungir o Messias. O Talmud (coletánea de dizeres dos rabinos) considerava Elias como mediador entre Israel e Deus, mediador invisível que sempre inspirava os rabinos, os reconfortava e instruía; por ocasiáo da ceia de Páscoa, em cada

familia preparava-se um lugar á mesa para Elias. Quando viesse o Messias, Elias se manifestaría a todos. Nos tempos de Cristo, politicamente agitados, o profeta Elias era esperado por Israel com particular ansiedade. Ora — 26 —

IGREJA ADOTOU REENCARNACAO?

27

Jesús respondeu que Joáo Batista fizera as vezas de Elias, por reproduzir as atitudes fortes e destemidas do profeta (cf. Le 1,17). O próprio Joáo Batista negou peremptóriamente ser Elias, quando os enviados dos judeus o interrogaram (cf. Jo 1, 21). Mais: Jesús chamou a atencáo para o modo próprio como Joáo Batista fóra Elias: «Se quisetrdes compreender, éte mesmo (Joáo Batista) é Elias que deve vir. Quem tiver ouvidos, ouca» (Mt 11, 14s). Donde se vé que nao se pode deduzir de Mt 11 ou Mt 17 a reencarnacáo de Elias em Joáo Batista. 1.2.

Jesús o Nicodetnos

Jo 3,3: "Dlsse Jesús a Nicodemos: 'Em verdade, em verdade te digo: se alguém nfio nascer ánothen, Isto ó, do alto, (traducao menos abalizada: de novo), nao podará ver o reino de Oeua".

O adverbio grego ánothen, que por vézes é traduzido por de novo, reaparece em Mt 26,51, para significar que, por ocasláo da morte de Jesús, o véu do Templo se cindiu ánothen, isto é, de cima a baixo (nao de novo). Nicodemos nao entenderá as palavras de Cristo; fiel aos

ensinamentos judaicos, julgava impossivel a reencarnacáo: «Co mo pode um homem nascer, sendo velho? Paderá entrar segun

da vez no seio de sua máe e voltar a nascer?» (Jo 3,4). O Senhor entáo explicou-lhe que se tratava de um renascer espiri tual, sobrenatural, conferido pela agua e pelo Espirito, ou seja, pelo Batismo: «Em verdade te digo: quem nao nascer da agua c do Espirito, nao poderá entrar no Reino de Deus. O que nas-

ceu da carne, é carne, e o que nasceu do Espirito é espirito» (Jo 3,5). Positivamente, Jesús tem em vista o Batismo, que

torna o homem filho de Deus e pr isto, desde cedo na Tradicáo

crista, foi chamado «sacramento da regeneracáo».

1.3.

Jesús e o cegó de nascenga

Jo 9,1-2: "Passando, vtu Jesús um homem que era cegó de nascimento. Seus discípulos perguntaram-lhe: 'Mealre, quem pecou: éste ou seus

país,

para que

naacesse cegó?'"

Leve-se em conta a mentalidade que inspira a cena descrita.

Os judeus julgavam que todo mal é conseqüéncia de um pecado. Por conseguinte, no caso de um cegó de nascenca, os Apostólos se viam embarazados para explicar a cegueira. — 27 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

Para os judeus antigos (e aínda para os contemporáneos de

Cristo, apesar das advertencias feitas pelos profetas em contra rio; cf. Ez 18,2-4; Jer 31,29s; Dt 24,16), os filhos compartilha-

vam os méritos e deméritos dos pais por muito tempo após o nascimento; até a idade de treze anos, o filho era tido como par te de seu pai e condividia as responsabilidades déste (Schabbath

32 B, 105B). Sómente quando aos treze anos ia ao Templo de Jerusalém para tornar-se «filho da Lei», o israelita entrava no uso das suas responsabilidades pessoais. O Talmud (Nedarim

20A), alias, ensinava que certos pecados graves dos pais que

esperavam filho, tinham por conseqüéneia a doenca, a cegueira ou outros males désse filho.

Caso o cegó de nascenga nao estivesse expiando os pecados dos pais, seria ele mesmo pecador? É o que poderiam os Apos

tólos perguntar a si mesmo. Mas como teria ele pecado pessoalmente? Quando haveria pecado? Antes de nascer? — Esta outra hipótese devia parecer absunda aos Apostólos, pois éles bem sabiam, conforme a mais recente tradigáo judaica, que as enancas nascem sem ter cometido previamente nem bem nem mal (cf. Rom 9,11).

Assim perplexos, os Apostólos espontáneamente lancaram

suas interrogacóes a Jesús, sem se dar ao trabalho de procurar

terceira solucáo para o caso; o dilema (ou ele ou os pais pecaram) era certamente insuficiente ou simplório; explicava-se, porém, dentro da lógica rudimentar daqueles pescadores pouco

habituados ao raciocinio erudito e destituidos, naquela hora, da

intencáo de filosofar. Jesús respondeu sem abordar o aspecto especulativo da questáo, elucidando diretamente o caso concre to que lhe apresentavam: nem urna hipótese nem outra, mas um designio superior de Deus («... para se manifestaren! néle, cegó, as obras de Deus»).

De resto, a Escritura é diretamente contraria á reencarnagáo, quando, por exemplo, afirma: «Foi estabelecido, para os homens, morrer tuna só viez; depois do que, há o julgamento» (Hebr 9, 27). Notem-se também as palavras de Jesús ao bom ladráo: «Hoje mesmo estarás comigo no paraíso» (Le 23,43). Os textos muito enfáticos em que Jesús e os Apostólos anunciam a ressurreigáo dos mortos, o céu e o inferno, sao outros tantos testemunhos que se opóem á reencarnagáo; vejam-se

Mt 5,22;13,50;22,23-33; Me 3,29;9,43-48; Jo 5,28s;6,54; 1 Cor 15, 13-19.

28

IGREJA ADOTOU REENCARNACAO?

29

A mensagem da Biblia continuou a ecoar em

2.

A Tradisco crista

Os antígos mestres e escritores da Igreja, sempre que se defrontavam com a tese da reencarnagáo, no mundo greco-ro mano, mostraram-se contrarios á mesma. A fim de nao alongarmos éste aspecto do tema, que já foi abordado em PR 51/

1962, pp. 121-123, vai citado aqui apenas um testemunho.

Tertuliano (t 220) era um jurista romano que, feito cristáo, se mostrou ardoroso defensor da fé. Usando de estilo mor daz, opunha-se ao reencarnacionismo em famosa passagem do opúsculo «De anima», que assim se pode resumir:

Pitágoras, que afirma lembrar-se das suas anteriores exis tencias, é vergonhosamente mentiroso: asseverava, por exemplo, ter tomado parte na guerra de Tróia; como explicar entáo

que, depois, se tenha mostrado táo pouco valente? Pois, fugindo da guerra, nao veio ele á Italia? E, se em vida anterior foi, se gundo afirmava, o pescador Pirro, como se justificará a sua aversáo pelo psixe? — Sabe-se que Pitágoras nunca comia peixe.

E Empédocles? Nao pretendeu ser peixe mima existencia anterior? Deve ser por isso que se atirou na crátera de um vulcáo: com certeza quis ser frito. É táo absurda a migragáo das almas para corpos de animáis que nem os próprios herejes ousaram defendé-la.

Tertuliano afirmava também que a reencarnagáo contraria a nocáo de justíga de Deus, a qual exige que a punigáo afete o próprio corpo que cometeu o pecado, e nao algum outro.

Sem discutir esta argumentagáo, notamos apenas que ela manifesta a consciéncia dos cristáos dos primeiros sáculos, con traria á reencarnagáo. Eis, porém, que no conjunto das testemunhas da fé crista urna voz nova se fez ouvir a partir de Orígenes de Alexandria.

É, pois, para éste escritor e sua obra que voltamos agora a

nossa atengáo.

— 29 —

30

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

3.

Orígenes e origenismo

1. Antes do mais, perguntamo-nos: quem era Orígenes? Orígenes (185-254) foi mestre de famosa Escola de Teolo

gía em Alexandria (Egito) no séc. IH. Nessa época, os pensa

dores cristáos tentavam penetrar nos dados do Evangelho me diante o instrumento da filosofía ou da sabedoria humana (grega) anterior a Cristo. A teología ainda estava em seus primor dios; as formulas oficiáis da fé da Igreja eram entáo muito

concisas; em conseqüencia, fícava margem assaz ampia para

que o estudioso propusesse ssntengas destinadas a elucidar na

medida do possíyel, os artigas da fé. Orígenes entregounse a essa tarefa, servindo-se da filosofía do seu tempo e, em parti

cular, da filosofía platónica. Ao realizar isso, Orígenes fazia

questáo de distinguir explícitamente entre proposi$5es de fé, pertencentes ao patrimonio da Revelagáo crista, e proposites hi

potéticas, que ele formulava em seu nome pessoal, á guisa de

sugestóes; além disto, professava submissáo ao magisterio da Igreja, caso esta rejeitasse alguma das teses de Orígenes.

Ora, entre as suas proposicóes pessoais, Orígenes formulou algumas que ,de fato vieram a ser recusadas pelo magisterio da

Igreja.

2.

Assim, inspirando-se no platonismo, derivava a pala-

vra grega «psyché» (alma) de «psychos» (frío), e admitía que

as almas humanas unidas á materia tais como elas atualmente se acham, sao o produto de um resfriamento do fervor de espi rites que Deus criou todos iguais e destinados a viver fora do corpo; a encarnagáo das almas, portante, e a criagáo do mundo

material dever-se-iam a um abuso da liberdade ou a um pecado dos espirites primordiais, que Deus terá punido, ligando tais espíritos á materia. Banidos do céu e encarcerados no corpo, estes sofrem aqui a justa sancáo e se váo purificando a fim de voltar a Deus; após a vida presente, alguns aínda predsaráo de ser purificados pelo fogo em sua existencia postuma, mas na etapa final da historia todos seráo salvos e recupsraráo o seu lugar junto de Deus; o mundo visível terá entáo preenchido o

seu papel e será aniquilado.

Note-se bem: Orígenes propunha essas idéias como hipóteses, e hipóteses sobre as quais a Igreja nao se tinha pronun ciado (justamente porque pronunciamientos sobre tais assuntos

ainda nao haviam sido necessários). Nao havia, pois, da parte de Orígenes a intengáo de se afastar do ensinamento comum da — 30 —

IGREJA ADOTOU REENCARNACAO?

31

Igreja a fim de constituir urna escola teológica própria ou urna heresia («heresia» implica obstinagáo consciente contra o ma gisterio da Igreja).

3. A desgraca de Orígenes, porém, foi ter tido muitos discípulos e admiradores... Estes atribuiram valor dogmático as proposigóes do mestre, mesmo depois que o magisterio da Igreja as declarou contrarias aos ensinamentos da fé.

É preciso observar também o ssguinte: Orígenes admitiu como possível a preexistencia das almas humanas. Ora esta doutrina nao significa necesariamente reencarnacáo; apenas quer dizer que, antes de se unir ao corpo, a alma humana viveu algum tempo fora da materia; encarnou-se depois...; daí nao se

segué que se deva encarnar mais de urna vez (o que seria a re encarnacáo própriamente dita).

Alias, Orígenes se pronunciou diretamente contrario á dou trina da reencarnacáo... Com efeito, em certa passagem de suas obras considera a teoría do filósofo Basilides, o qual quería basear a reencarnagáo ñas palavras de Sao Paulo: «Vivi outrora sem lei...» (Rom 7,9). Observa entáo Orígenes: Basili des nao percebeu que a palavra «outrora» nao se refere a urna vida anterior de S. Paulo, mas apenas a um período anterior da existencia terrestre que o Apostólo estava vivendo; assim, concluia Orígenes, «Basilides rebaixou a doutrina do Apostólo

ao plano das fábulas ineptas e impías» (cf. In Rom VIII).

Contado os discípulos de Orígenes professaram como ver-

dade de fé nao sómente a preexistencia das almas (delicada mente insinuada por Orígenes), mas também a reencarnacáo (que o mestre nao chegou de modo algum a propor, nem como

hipótese).

Os principáis defensores destas idéias, os chamados «origenistas», foram monges que viveram no Egito, na Palestina -s na Siria nos séc. IV/VI. Ésses monges, como se compreende, levan

do vida muito retirada, entregue ao trabalho manual e á oracáo, eram pouco versados no estudo e na teología; admiravam Orí genes principalmente por causa dos seus escritos de ascética e mística, disciplinas em que o mestre mostrou realmente ter autoridade. Nao tendo, porém, cabedal para distinguir entre pro-

posicóes categóricas e meras hipóteses do mestre, os origenistas professavam cegamente como dogma tudo que liam nos escritos de Orígenes; pode-se mesmo dizer que eram tanto mais fanáticos e bulicosos quanto mais simples e ignorantes. — 31 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

4. A tese da reencarnagáo, desde que comegou a ser sus tentada pelos origenistas, encontrou decididos oponentes entre

os escritores cristáos mesmos, que a tinham como contraria á fé. Um dos testemunhos mais claros é o de Enéias de Gaza

(t 518), autor do «Diálogo sobre a imortalidade da alma e a

ressurreigáo», em que se lé o seguinte raciocinio:

"Quando castigo o meu fllho ou o meu servo, antes de Ihe Infligir a punicao, repito-lhe varias vézes o motivo pelo qual o castigo, e recomendo-lhe que nao o esqueca para que nao recata na mesma falla. Sendo assim, Deus, que estipula... os supremos castigos, nao haverla de escla recer os culpados a respetto do motivo pelo qual Ele os castiga? Haverla

de Ihes subtralr a recordacao de suas faltas, dando-Ihes ao mesmo lempo

a experimentar multo vivamente as suas penas? Para que servirla o castigo se nao fdsse acompanhado da recordacao da culpa? So contribuirla para Irritar o réu e levá-lo á demencia. Urna tal vitlma nao terla o direito de acusar o seu Julz por ser punida sem ter conscldncta de haver cometido alguma falta?" (ed. Mlgne gr., t. LXXXV, 871).

Ssm nos demorar sobre éste e outros testemunhos contra rios «a reencarnagáo no séc. VI, passamos imediatamente á fase culminante da controversia origenista.

4.

Constantinopla no séc. VI

No inicio do séc. VI estava o origenismo muito em voga nos mosteiros da Palestina, tendo como principal centro de propagacáo o mosteiro da «Nova Laura» ao sul de Belém: ai se

falava, com estima, de preexistencia das almas, reencamagáo,

restauragáo de todas as criaturas na ordem inicial ou na bem-

-aventuranga celeste...

Em 531, o abade Sao Sabas, que, com seus 92 anos de idade,

se opunha enérgicamente ao origenismo, foi a Constantinopla

pedir a protegáo do Imperador para a Palestina devastada pelos samaritanos, assim como a expulsáo dos monges origenistas. Contudo alguns dos monges que o acompanhavam, sustentaram em Constantinopla opinióes origenistas; regressou á Palestina, para ai morrer aos 5 de dezembro de 532.

Após a morte de S. Sabas, a propaganda origenista recrudesceu, invadindo até mesmo o mosteiro do falecido abade (a «Grande Laura»); em conseqüéncia, o n6vo abade, Gelásio, expulsou do mosteiro quarenta monges. Estes, unidos aos da «Nova Laura», nao hesitaram em tentar tomar de assalto a «Grande Laura». Por essa época, os origenistas (pelo fato de combater — 32 —

IGREJA ADOTOU REENCARNACAO?

33

urna famosa heresia cristológica, dita (monofisitismo») gozavam de grande prestigio, mesmo em Constantinopla.

Com o passar do tempo, a controversia entre os monges da Palestina foi-se tornando cada vez mais acesa, exigindo em breve a intervenga© das autoridades. Foi o que se deu em 539:

o Patriarca de Jerusalém mandou pedir ao Imperador Justi-

niano de Constantinopla o seu pronunciamento contra o origenis-

mo (naquela época os temas teológicos interessavam ao Impe rador tanto quanto as questóes de administragio pública). Justiniano, em resposta, escreveu um tratado contra Orígenes,

de tom extremamente violento, que se encerrava com urna serie de dez anatemas contra Orígenes, dos quais merecem atencáo

os seguintes:

"1. Se alguém dtsser ou Julgar que as almas humanas exlstlam ante riormente, como espiritas ou poderes sagrados, os quais, desviando-se da vleSo de Deus, se delxaram arrestar ao mal, e, por éste motivo, porderam o amor a Daua, iforam chamados almas e relegados para dentro de um eorpo a guisa de punlcSo, seja anatema. 5. Se alguém dlsser ou Julgar que, por ocasISo da reasurralcao, os corpos humanos ressuscltarfio em forma de esfera, sem semelhanca com o corpo que atualmente temos, seja anatema.

9. Se alguém dlsser ou Julgar que a pena dos demonios ou dos Impíos nSo será eterna, mas terá Nm, e que se dará urna restauracSo (apokatástasls, reabllltacSo) dos demAnlos, se]a anatema".

Os outros anatemas aqui inferessam menos, pois se referem a erros concernentes a Cristo. Justiniano em 543 enviou o seu tratado com os anatemas ao Patriarca Menas de Constantinopla. a fim de orue pste também condenasse Orígenes e obtivesse dos bispa? vizinhos e dos abades de mosteiros próximos igual pronunciamento.

Assim intimado, Menas reuniu logo o chamado «sínodo

permanente» (conselho episcopal) de Constantinopla, o qual, por sua vez, redigiu e promulgou quinze anatemas contra Orígenes, dos quais os quatro primeiros nos interessam de perto: "1. Se alguém crer na fabulosa preexistencia das almas e na repudlável reabilitacSo das mesmas (que é geratmente assoclada aquela), aoja anatema. 2.

Se .alguém dlsser que os espirites racionáis foram todos criados

independentemente da materia e alhelos ao corpo, e que varios deles rejeltaram a vIsSo de Deus, entregando-se a atos Ilícitos, cada qual seguindo suas más Inclinados, de modo que foram unidos a corpos, uns mais, outros menoa perfeltos, aeja anatema.

— 33 —

34

«FERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

t »» a

aS

d,tese,r que ° 8o1' aluaeas estrélas pertencem ao con

junto dos sSres racionáis e que se tornaram o que éles hofe sao por se

voltarem para o mal, seja anatema.

p

4 Se alguóm dteser que os seres racionáis nos quais o amor a Deus se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosselros como sao os nossos e foram em conseqüéncia chamados homens, ao passo que aqueles que atlnglram o último grau do mal tiveram como partllha corpos Irios e leneDrosos, tomando-se o que chamamos demonios e esplrltos maus, saja

O Papa Vigilio e os demais Patriarcas deram a sua aprovacáo a ésses artigos. Como se vé, tal condenagáo foi promul gada por um sínodo local de Constantinopla reunido em 543, e nao pelo Concilio ecuménico de Constantinopla II o qual só se realizou em 553. Neste Concilio ecuménico, a questáo da pre existencia e da sorte postuma das almas humanas nao voltou

á baila; verdade é que Orígenes ai foi condenado juntamente

com outros escritores cristáos por causa de erros concernentes a Cristo.

Em conclusáo, observamos o seguinte:

a) A doutrina da reencarnacáo nunca foi comum, nem ó primitiva na Igreja Católica' (atestam-no os depoimentos dos antigos escritores cristáos atrás mencionados);

b) Após Orígenes (.séc. III), ola foi professada por ri-upos particulares de monges orientáis, pouco versadas em teologia, os quais se prevateciam de afirmagóes daquele mestrs, ?xagerando-as (daí a designacio de «origenistas», que lhes coube);

c)

Mesmo dentro da corrente origenista, a teoría da re-

encarnagáo nao teve a voga que tiveram, por exemplo, as teses

da preexistencia das almas e da restauragáo de todas as cria turas na suposta bem-aventuranga inicial.

d) Por isto as condenagóes proferidas por bispos e sínodos no séc. VT sobre o origenismo versaram explícitamente sobre

as doutrinas da preexistencia e da restauragáo das almas (o que naturalmente implica a condenagáo da própria tese da reencarnagáo, na medida em que esta tese depende daquelas doutrinas e ora professada pelos origenistas);

e) A doutrina da reencarnagáo foi rejeitada nao sómente pelo magisterio ordinario da Igreja (baseado na palavra da S. Escritura) desde as tempos mais remotos, mas também palo — 34 —

IGREJA ADOTOU REENCARNACAO?

35

magisterio extraordinario nos concilios ecuménicos de Uáo em 1274 («As almas... sao ¡mediatamente recetadas no céu») e de Florenga em 1439 («As almas... passam ¡mediatamente para o infierno a fim de ai receber a punicáo»). Cf. Denzinger-Schonmetzer, Enqitíridio n« 857 [464] e 1306 [693].

Resta agora estabelecer rápido confronto com a noticia transcrita no cabecalho déste artigo (p. 25).

5. 1.

Um confronto final

A Igreja como tal nunca aceitou a reencarnacáo das

almas. Certos grupos cristáos, porém, professaram tal doutrina, como se diz atrás.

Estes grupos perderam ssu significado por ocasiáo do «Con cilio de Constantmopla no séc IV», como refere o texto da entrevista transcrito á p. 25. Em resposta, devemos dizer que no séc. IV houve, sim, um Concilio ecuménico em Constantínopla, o qual, porém, nao tratou de reencarnacáo, mas da doutrina concernente ao Espírito Santo. Foi entño que se acabou (Je elaborar o símbolo de fé dito «niceno-constantinopolitano».

As teses origenistas, como vimos, foram, sim, condenadas

num sínodo de Constantinopla, nao porém, no séc. IV, mas no

séc. VL

2. A ésse sínodo, diz o texto da entrevista, nao terá com parecido «a maioria dos representantes por causa do man tempo. Se todos estivessem presentes, talvez a dedsao nao tívesse id essa». Aqui também há serio equívoco. O caso nao se deu em Constantinopla no séc. VI... Pode-se crer, porém, que haja alusáo a um fato ocorrido por ocasiáo do concilio ecuménico de

Éfeso em 431: éste, convocado para a festa de Pentecostés de 431, nao pode ser inaugurado nessa data, porque nao estavam

presentes os bispos da Siria e da Cicília (Asia menor) nem os legados papáis. Estes últimos estavam sendo detidos em viagem par «afeito de tempestade marítima. Após ter esperado alguns

días, Sao Cirilo de Alexandria, que havia sido comissionado — 35 —

36

«PERGUI^TE E RESPONDEREMOS> 145/1972

pelo Papa Celestino I para agir contra as idéias de Nestório (idéias que o Concilio de Éfeso estava para examinar), resolveu abrir o Concilio aos 22 de junho de 431, sem a presenca dos legados papáis e dos bispos orientáis citados; havia 153 bispos presentes. Os legados pontificios chegaram cinco dias depois; quanto aos demais, compareceram quinze dias após aberto o Concilio. As deliberagóes déste versaram em torno de Cristo, sua pessoa e suas naturezas, nao entrando em absoluto na questáo da reencarnagáo.

3. Como se v§, a noticia da entrevista que comentamos, está realmente mal formulada, podendo induzir ao erro muitos leitores. Com poucas palavras, inspiradas por conhecimento su perficial ou tendencioso de determinado assunto, podem-se per turbar as mentes de numerosas pessoas, nem sempre habilita das para julgar da veracidade daquilo que Ihes é transmitido. Note-se, alias, que nao poucos problemas de fé surgem na mente dos cristáos por efeito de descuidada ou tendenciosa apresentagáo da historia da Igreja. Sao problemas que fazem sofrer desnecessariamente (pois tudo que se refere á fé, em última análise toca a orientagáo geral da vida do cristáo) e que podem ser evitados desde que o leitor saiba ler com discemimento e sadio senso critico as suas fontes de informagáo.

Um homem pode esoorregar perto de outro, mas nunca chegará a cair se éste outro for cristao.

— 36 —

Auténticamente crista?

oracáo pelos mortos guando comeca?

Em sfntese: O artigo segulnte, supondo a exlanacfio doutrinária apresentada em PR 143-144/1971, pp. 495-505, oferece urna serle de testemunhos dos antigos escritores e da Liturgia da Igreja que comprovam o costume de orar e de oferecer a S. Mlssa pelos defuntos desde os primordios da Igreja. Os testemunhos se tornam mais numerosos e explícitos á medida que vamos progredindo no decorrer da historia. O objetivo ddste catálogo sumarlo é dar a ver que os sufragios pelos mortos nao sfio praxe tardía ou contingente ou "paganizante" na vida da Igreja.

Besposta: Em complemento ao artigo de PR 143-144/1971,

pp. 495-505, procuraremos abaixo catalogar os principáis tes temunhos da Igreja antiga concernentes á oracáo em favor dos

mortos. Assim poderá o leitor julgar a autoridade e o valor que tal praxe tem entre os cristáos.

Como em todos os estudos de historia da Igreja, também neste se nota que os primeiros tempos sao escassos em documentacáo; é á medida que váo passando os decenios e os séculos que se encontram noticias cada vez mais expressivas sobre a vida e os costumes dos antigos cristáos. Éste estado de coisas se explica pelo fato de que o Cristianismo comecou como semente pequenina, perseguida, e só aos poucos foi tomando vulto ampio, com expressóes cada vez mais variadas. Apresentamos, pois, urna serie de — 37 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

TESTEMUNHOS

DA

HISTORIA

Após os explícitos dizeres do texto bíblico de 2 Mac 13,

que atestam a praxe da oracáo pelos defuntos no povo de Israel, nao encontramos nos escritos do Novo Testamento senáo urna passagem em que se possa entrever urna alusáo a tal costume: em 2 Tim 1,18, Sao Paulo, referindo-se a Onesíforo, seu antigo colaborador, diz o seguinte: "O Senhor Ihe concada a graca de encontrar misericordia dlanle do Senhor naquele día! Quantos servieos Ale me prestou em Éfeso, tu o

sabes melhor do que nlnguém".

O contexto dá a entender que Onesíforo já estava morto quando tal carta foi escrita. — As palavras do Apostólo sao la cónicas. Seria licito deduzir do voto formulado por Sao Paulo em favor de Onesíforo o fato de que os cristáos costumavam formular diante de Deus os seus votos ou as suas preces em prol dos irmáos falecidos?

Século II

É ñas Atas do Martirio de S. Policarpo, redigidas em 155, que se encontra o primeiro testemunho explícito de comemoracáo dos mortos na Liturgia: "Colocamos os seus (de Policarpo) ossos em tugar conveniente. É lá

que nos reuniremos, desde que o possamos, na alegría, e Deus nos dará a grasa de celebrar o aniversario do seu martirio, tanto para honrar a me moria daquele que combateu, como para estimular as geracdes futuras a Imltá-lo" ("Martirio de Policarpo" n? XVIII).

Éste texto dá a ver que os antigás cristáos comemoravam

anualmente os seus mártires desde o séc. II, celebrando entáo a S. Eucaristía. Ainda no séc. n temos os dois seguintes testemunhos:' Ato» de Paulo e Tecla. Lé-se ai que a rainha Trifena viu em sonho sua filha morta; esta Ihe pedia que recorresse as oracóes de Tecla para obter «fósse a defunta constituida entre os justos». Trifena, atendendo a éste pedido, dirigiu-se a Tecla ' SerSo citados dois apócrifos. Estes sSo escritos que a Igreja n3o reconhece como inspirados ou bíblicos, mas que nao raro nos informam fielmente sobre costumes vigentes entre os antigos cristáos.

— 38 —

ORACAO PELOS MORTOS

39

com as seguintes palavras: «Ora por minha filha a fim de que viva na eternidades («Acta Apostolorum apocrypha», ed. Lipsius — Bonnet, t. II, 2, p. 86). Nos Atos de Joáo, aparece o Apostólo a orar e celebrar a Eucaristía junto a um túmulo no terceiro dia após a morte do defunto.

Sáculo III

Logo no inicio do séc. III foram redigidas as Atas dio Martí-

rio das santas Perpetua e Felicidad©. Nesse famoso documento vé-se Perpetua a orar por seu irmáo mais jovem Dinócrates, já falecido, a fim de que obtivesse «refrigerio, saciedade e alegría».

O cenário désse martirio é Cartago, no norta da África. Justamente ai é que pela primeira vez os documentos atestam

a praxe de orar e oferecer pelos fiéis defuntos na Liturgia ofi

cial da Igreja.

Tertuliano, por exemplo, exprimindo os costumes ida comunidade crista de Cartago, refere no seu tratado «De anima» que, no intervalo entre a morte e o sepultamento de um de funto, um sacerdote assistiu com preces ao irmáo falecido: «cum in pace dormisset et morante adhuc sepultura, interim oratione presbyteri componeretur» (c. 51). * O mesmo Tertuliano menciona semelhante praxe no tra

tado «De monogamia»: «A viúva nao ora pela alma de seu es poso? Ela pede por ele o refrigerio, o reencontró na ressurreicáo, e faz oferendas no dia aniversario da morte déle» (c. 10 PL2, 942).

Tertuliano dá-nos a saber, de modo geral, que os cristáos ofereciam a Eucaristía pelos mortos no dia do respectivo se pultamento e no aniversario de sua morte: «Oblationes pro defunctis, pro nataliciis, annua die facimus» («De corona» 3 PL 2, 78).

Sao Cipriano, pouco depois, ou seja, em meados do séc. m, falava da celebracáo da Eucaristía pelos defuntos como sendo uso já tradicional na Igreja; como bispo de Cartago, ele o herdara de seus antecessores. — 39 —

40

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

__

SSo freqüentes ñas obras de S. Cipriano expresados como "oliente pro aliquo, sacriflclum pro aliquo... offerre pro dormlllona elus, nominare in prece... — oferecer a Eucaristía por alguém, sacrificio eucarlstico em favor de alguém... oferecer por ocasia°o da morte de alguém, nomear ñas preces dos fute".

Outro africano do Norte, Arnóbto, por volta do ano 300, contemporáneo ide terrível perseguigáo aos cristáos, protestava contra a destruicáo das igrejas, visto que nelas os fiéis oravam tanto palos vivos como pelas mortos: «Por que táo brutalmente sao destruidos» os templos? Nestes oferecem-se preces ao único Deus, a paz e o perdáo sao impetrados em favor de todos: ma gistrados, exércitos, reis, familiares, inimigos, vivos e mortos» («Adversus nationes» 1. IV, c. 26). Os Cánones de Hipólito, que legislam sobre a Liturgia no séc. III, atestam a celebragáo da Eucaristía pelos mortos: «Caso

se fa;a a anamnese (ceia do Senhor) pelos defuntos...» (ca non 33,1).

Outra coletánea de leis litúrgicas, a Didascalia, em seu ma nuscrito latino guardado cmVerona (Italia), assim reza: «Ñas comemoragóes reuni-vos, lede as Sagradas Escrituras e oferecei preces a Deus. Oferecei também a regia Eucaristía... tanto ñas vossas igrejas como nos cemitérios. E o pao puro... oferecei-o orando oelos mortos».

Século IV

A partir do edito de Miláo (313), que reconheceu a exis tencia legítima dos cristáos até entáo perseguidos, os testemunhos se multiplicam. Eusébio, bispo de Cesaréia, ao narrar as exequias do Impe rador Constantino (1337). diz o seguinte: "O seu corpo fol depositado dlante do altar; os sacerdotes e os fiéis em ligrimas ofereeeram a Deus preces por alma do Imperador" ("De vita Constantlnl"

I. IV, c. 71).

Em 348, Sao Cirilo, bispo de Jerusalém, atesta: "Depols

da comemoracSo

dos

santos

oferecemos

o sacrificio

pelos

anclios, pelos btepoe e por todos aqueles que repousam entre nos... persuadidos como estamos de que Isso deve ser de grande utllldade as almas daqueles por quem é realizada essa prece" (CaL mlstagógtca V 9).

-- 40 —

ORACAO PELOS MORTOS

41

O Sacramentarlo de Serapiáo de Tnrals, coletánea litúrgica do Egito, refere as seguintes fórmulas: "Por todos os defuntos que comemoramos, assim rezamos: 'Santifica essas almas, pols Tu as conheces t6das; santifica todas aquetas que dorniem no Senhor... e dá-lhes acolhlda em Teu reino'". Por ocaslfio do sepultamento, dlzla-se: "Nos te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de tua serva): dé descanso ao seu espirito... e ressuclta-lhe o corpo no dia que tenhas estabelecldo".

Sao Joáo Orisóstomo (f 404), bispo em Antioquia e Constantínopla, assim exortava os fiéis a oferecer preces e oblacóes em favor dos defuntos: "Propiciemos-Inés socorro e tacamos a comemoracáo dos mesmos (de funtos). Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrificio de seu pai, por que duvldar de que nossas oblacfies pelos morios Ihes proporclonaráo algum consoló? Nfio hesitemos, pols, em levar contólo aqueles que se foram e em oferecer nossas preces por éles" (In 1 Cor h. 41, 5).

O mesmo mestre afhmava que "os Apostólos instltulram a oracio pelos morios e que esta Ihes ó de grande valla, de grande utUidade" (In Phll h. 3,4).

No Ocidente, em 387 aproximadamente, vamos encontrar urna carta de S. Ambrosio a um amigo que lamentava a morte de urna irmá sua: "É

preciso que

a pranteles

menos e

que

mais

a

asslstas com

tuas

preces. NSo a entristeces com tuas lágrimas, mas, antes, recomendé sua alma a Deus mediante oblacfiea" (eplsL I, 59, 4).

Santa Ménica, a máe de S. Agostinho, em seu leito de morte, só pedia que «se lembrassem déla junto ao altar». Na verdade, Agostinho e s«us amigos «oraram por ela com fervor, enquanto por ela se ofereria o sacrificio de nossa Redencáo» («Confissóes» IX ce. 32 e 36). O santo acrescentava: «Que todos

aqueles que lerem estas linhas, se recordem junto ao vosso al tar, ó meu Deus, de Mónica vossa serva!» (ib. c. 37).

Nao faltavam, porém, cristáos que perguntavam qual a utilidade que podiam ter as preces pelos mortos. Já antes de 350, Sao Cirilo de «Jerusalém dizia aos catecúmenos:

«Conheco varios que perguntam qual proveito a alma que tenha deixado éste mundo, com ou sem pecados, possa tirar das

preces feitas na comemoracáo dos mortos». E respondía: «Oferecendo estas preces da Liturgia, oferecemos o Cristo que foi sacrificado por nossos pecados; assim tomamos Eteus propicio aos mortos e a nos mesmos» (Cat. mistagógica V 10). — 41 —

42

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 145/1972

A objecáo voltava pouco depois nos labios de Aério do Ponto, que assim interrogava: «Por que, depois da morte, men cionáis (na Eucaristía) os nomes dos defuntos? O cristáo vivo ora; como pode isto servir ao morto? Se a oragáo dos vivos é útil aos mortos, nao vale a pena viver piadosamente e pratícar o bem. Basta angariarmos amigos, que oraráo a Deus por nos... que nos obteráo a graga de nao sofrermos após a morte, e nao termos que expiar as nossas faltas*. A estas dificuldades respondía S. Epifánio, bispo de Salamina (Chipre), diasndo que a praxe dos cristáos repousava sobre a convicgáo de que os membros defuntos da Igreja existem e vivem com Cristo; por conseguinte, orar por éles é táo natural quanto orar por amigos em viagem. Ainda que nossas preces nao bastassem para expiar

inteiramente os seus pecados, podemos sempre ser-lhes úteis mediante a oracáo («Haereses» LXXV, 2,7).

A estes testemunhos da antiga literatura crista, pader-se-iam acrescentar os da epigrafía, ou seja, os das inscrigóes fune rarias encontradas nos cemitérios cristáos dos primeiros sáculos. O comentario biblico-teológico da praxe de orar pelos mor

tos e. por conseguinte, dos testemunhos aquí catalogadas já foi apresentado em PR 143-144, pp. 495-505. Interessava neste ar tigo apenas oferecer documentagáo.

Oa testemunhos colocadas nestas páginas devem-se a H. Leciercq, verbetes "Défunts" e "Mort", no "Dictlonnalre d'Archóologlo chrétlenne et de Uturgle" IV, 1, cois. 427-456 e XII, 1, cois. 15-52.

Estéváo Bettencourt O. S. B.

ERRATA

Em PR 143/4 de 1971, á linha 22, le¡a-se «grasa san

tificante», em vez de «;. .significante».

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resenha de livros Os grandes temas do Antigo Testamento, por John L. Mckenzie S J.; tradugáo do original inglés (8» edicáo, 1966) por Cácio Gomes e Therezinha Gomes. — Ed. Vozes, Petrópolis 1970,160x230 mm, 327 pp. Nao é fácil escrever sobre Biblia Sagrada em nossos dias, pois quem o empreende deve levar em conta e utilizar sempre duas íontes de conhecimento: 1) os dados da lingüistica, da arqueología e da Hstória antiga, que ajudam a penetrar no sentido literal e na face humana da Biblia; 2) os documentos do magisterio da Igreja e os dados da fé, que lembram constantemente o aspecto transcendental do Livro Sagrado. Ora o P. Mckenzie satisfaz a estas duas exigencias através dos dezessete capítulos de seu livro. O valor deste se comprova, em parte, pelo íato de ter sido editado oito vézes em dez anos, beneficiando-se sempre da necessária atualizagao. No seu prefacio, o autor observa que escreve para um público de cultura media, tentando mostrar o perene valor do Antigo Testamen to, que a nao poucos leitores parece ultrapassado. Os grandes temas que aborda, sao entre outros: origem e significado dos livros biblicos (inspiracáo e revelacáo), conceitos de historia e historiografía na antíguidade e hoje, as origens do mundo e do homem, a monarquía de Israel, o profetismo, a sabedoria, etc. Cada tema é recolocado no seu quadro oriental, de modo que se percebem as respectivas afinidades com a mentalidade dos povos semitas. O autor, porém, nao se limita a isto, mas explana sempre o sentido teológico e profundo de cada assunto abordado. No tocante á origem do homem, nao recusa a evo-

lucáo do corpo, mas evidencia como, segundo a Biblia, o homem ul-

trapassa por seu psiqulsmo os animáis que o cercam. Com relacao ao pecado dos primeiros país, admite a queda original, mas nao desee a pormenores. Em suma, o autor conserva constantemente as linhas da reta fé católica ñas suas explanacdes, segundo o que ele mesmo intenciona e professa no prefacio (p. 8) do livro. Apenas se poderla desejar mais concisao em certos capítulos: o leitor mais fácilmente apreenderia o pensamento do mestre. Éste também poderla ter indicado os textos biblicos a que se refere implícita ou explícitamente, de sorte que o leitor pudesse ser encaminhado á léitura direta da S. Escritura (na falta de citaeñes bíblicas, a leitura perde algo do seu proveíto). Como quer que seja, saudamos com prazer a obra do P. Mckenzie e auguramos seja útil a todos quantos desejam aprofundar-se ñas Escrituras Sagradas.

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44

«PERGUNTE K RESPONDEREMOS» 145/1972

Viva, jovem!, por Marcelle Auclair; traducáo do francés por Rachel de Queiroz, desenho da capa Picasso. Ed. Agir, Rio de Janeiro 1971, 140x210 mm, 290 pp.

Há certos livros que poderiamos chamar «geniais»... Geniais, porque atendem de maneira construtiva a questOes que sao decisivas e lnteressam a todos os homens. Tal é o livro ácima proposto de Marcelle Auclair, que com muito encanto já escreveu famosa biografía de Santa Teresa de Avila.

O tema do livro é a velhice, fase de vida que parece Insípida ou

mesmo desesperadora a nao poucas pessoas, principalmente as de sexo feminino. Marcelle Auclair, imbuida de bom senso e profundo espirito cristáo, impugna o pessimismo sugerido pela velhice. É pre ciso que até o fim da vida tenhamos a coragem de amar — amar as pessoas, as coisas belas — e procuremos ser úteis, trabalhando na medida do possivel e dedicando-nos a quem precise. A covardia, o médo e o egoísmo é que fazem realmente envelhecer, e nao o número de anos... Por isto, a autora cita multo a propósito as palavras de Pascal: «Nada é mais desagradável ao homem do que se ver em pleno repouso, sem palxoes, sem negocios, sem divertimentos, sena apllca-

Cáo. Ele entao senté o seu nada, seu abandono, sua insuficiencia, sua dependencia, sua impotencia, seu vazio. Imediatamente irá colhér no

fundo da alma o tedio, o negrume, a tristeza, a dor, o desespero («Pensées»). Por conseguinte é preciso que os anclaos tenham «urna meta que nao seja eu-eueu. Urna meta e um ideal. Urna meta, um ideal, urna fé» (p. 183).

Merecem destaque alguns tópicos do livro: as relagOes entre jovens e velhos háo de ser joviais. Nao haja, da parte dos mais velhos, complexo de inferioridade, mas, sim, a consciéncia de que tém urna experiencia de vida a comunicar a juventude; e comuniquem-na com carinho e amor. Da parte dos Jovens, haja abertura e diálogo frente aos mais velhos. — A vida interior e a oracSo tém importancia capital para entreter no anciáo o bom animo, a confianca e o otimismo.

As suas reflexSes profundas, Marcelle Auclair acrescenta nume

rosos exemplos de pessoas que envelheceram cheias de paz e alegría. Termina o livro com um «Suplemento prático», em que sugere nor mas de medicina e psicoterapia oportunas para entreter o corpo em boas condicoes de saúde (automassagem da coluna vertebral, posturas de ioga, regimes, vitaminas, curas a beira-mar...). Em suma, os doze capítulos de Marcelle Auclair se léem com grande facilidade e gosto: comunicam a nogao de que a morte nao vem a ser íim, ruptura, mas consumado de um processo que dia-a-dia vamos realizando no de-

correr desta peregrinagáo" terrestre; é a passagem para a plenitude

da vida.

E. B.

— 44 —

NO

PRÓXIMO

NÚMERO :

Por que tanta gente nao eré ? Como chegar a ter fé ?

«Se o mal existe, Deus nao existel» Moral conjugal em foco Como orar ?

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

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Esi%pereg.rinagáo será realizada sob a Assistén-, cia Espiritual, de D. Estéyáo Bittencourt, O.S.B.

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v peregrinagóes aos Congressos Eucarísticós

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B. HORIZONTE - AV. JOAO PINHEIRO. 146 - 7.° AND.-Tels.: 22-6957 e 22-6120 EMBRATUR RE6. QB • 14/SP-S1B/RS-67/M6-B7 CAT. "A"

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