Revista Pergunte E Responderemos - Ano Iv - No. 045 - Setembro De 1961

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la

pedir {1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade de darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de

BL vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se

encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Estevao Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao. A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ANO

IV

45 SETEMBRC

19

6

1

ÍNDICE p&g.

I.

1)

CIENCIA E KELIGIAO

"Que apréco merece a Grafologia (estudo da escrita)?

Estará ligada á superstic&o e as ciencias ocultas, chocán dose assim com a fé católica ?

Até a escrita dos santos tem sido submetida a exorne, ocasio nando surprésas e decepcñes. Que pensar disso ?"

II.

2)

SAGRADA ESCRITURA

"O eMacionamento do sol-por ordem de Josué, narrado

pela Sagrada Escritura (Jos 10, 7-15), 6 fenómeno demasiado^ estranko para que possa merecer crédito. Que pensar, no caso ?"

III.

S)

363

373

MORAL

"Há comprimidos modernos que, sem mutilar a natureza,

tortiam a mtdher provisoriamente estéril.

Aos olhos da Moral, será licito usá-los ? Em caso negativo, nao se tratará de urna proibicáo momen

tánea a ser remodelada a fim de que a Ética se adapte melhor

aos tempos modernos ?"

IV.

4)

LITURGIA

"Qual a origem do sinal da cruz dos cristaos ?



Que significa própriamente ?"

V.

5;

S7

385

PEDAGOGÍA

"Como julgar a celeuma suscitada pelo 'Plano de Diretri-

zes e Bases da Educagño Nacional'?

Diz-se, entre otitras coisas, que ésse projeto equivale a um golpe contra o Escola Pública, democrática, em favor de interésses particulares,

aristocráticos !"

CORRESPONDENCIA MIÚDA - COM APROVAC&O ECLESIÁSTICA

i0S

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS» Ano IV — N! 45 — Setembro de 1961

I.

CIENCIA E RELIGIAO

DESAPONTADO

1)

(Rio de Janeiro):

«Que aprisco merece a Grafologia (estado da escrita) ?

Estará ligada a supersticáo e as ciencias ocultas, chocando-se assim com a fé católica? Até a escrita dos santos tem sido submetida a exame, oca sionando surpresas e decepgóes. Que pensar disso?»

A Grafologia é o estudo das relacóes existentes entre a

Grafologia, qual a sua posicáo perante a ciencia e a Religiáo, e o que dizer das suas recentes aplicagóes na hagiografía ou na reconstituigáo do perfil dos santos. 1.

Grafologia e veracidade

A Grafologia é o estudo das relacóes existentes entre a

escrita de urna pessoa e as suas características psíquicas e moráis; segundo os grafólogos modernos J. Chr. Grohmann e G. Moretti, poderia mesmo denunciar as notas físicas ou so máticas do sujeito, revelando assim a personalidade inteira.

Já os antigos pré-cristSos costumavam sondar a escrita, a fim de melhor conhecer o caráter e o curriculo de vida das pessoas; fazlam-no, porém, segundo regras mais ou menos inconsistentes, insplpiradas muitas vézes por falsa mística. Praticavam destarte a Graíomancla ou a adlvinhacSo pela escrita, Essa praxe, que ainda em nossos dias está em uso, é condenada tanto pela Religiáo como pela ciencia, pois se acha baseada na crendice supersticiosa, carecendo de fundamento racional.

Cultiva-se, porém, o estudo da escrita guiado estritamente por

criterios científicos, isto é, pelo conheeimento das relacOes que ine-

gávelmente ligam entre si o caráter físico de urna pessoa e seu ex-

pressionismo gráfico. O primeiro tratado de Grafologia assim enten dida, cóm base em experiencias e observac8es serias, deve-se ao mé dico e professor bolonhés Camilo Baldi; foi editado em Bolonha no

ano de 1662, com o titulo «Trattato come de una lettera mlssiva si cognoscano la

natura e qualitá

dello scrittore».

Contudo, só a partir de coméeos do séc. XTX é que a Grafologia vem sendo estudada de maneira metódica e sistemática; o pioneiro — 363 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 1

desta nova fase foi o Padre Flandrin, cujas pesquisas foram conti nuadas pelo seu discípulo, o Pe. Michon. Éste deu k nova ciencia o nome que aínda hoje a caracteriza, e escreveu diversos livros a respeito, entre os quais se destaca a chamada «Histoire de Napo león

I d'aprés

son écriture».

Pesquisas e

observares nesse setor

se tém multiplicado, por iniciativa tanto de eclesiásticos como de leigos (Goethe, Moreau, Edgar Poe, Walter Scott, o bispo Boudinet, o Cardeal Regnier, o jesuíta Martín, o jurista Lombroso, etc.).

Tais estudos sao perfeitamente legítimos nao sómente do ponto de vista científico, mas também do religioso. Está, sim, comprovada a existencia de íntimas relagóes entre o psíquico e o físico ou — no nosso caso — entre o temperamento la-. tente de urna pessoa e a sua linguagem corpórea, linguagem corpórea que pode consistir ou em gestos (mímica) ou em palavras (idioma) ou em movimentos da máo que chamamos «a escrita»; o corpo, por suas atitudes conscientes ou incons cientes, é o espelho por excelencia da alma (cf. «P. R.» 28/1960, qu. 8).

Na base, pois, de experiencias e estatísticas, os estudio sos tém conseguido descobrir e formular principios que regem

o comportamento da máo ao exprimir pela escrita o que vai no íntimo de cada personalidade.

Basta observar a letra de urna pessoa tida como nervosa e a de outra pessoa que é calma; a agitacao interior desregrada da primei-

ra se traduz pela escrita irregular; da mesma forma, a índole pon

derada da outra... Leve-se em conta também a letra de um indi

viduo bem disposto ñas primeiras horas do dia, e a désse mesmo

individuo ao terminar exausto um dia de trabalho; a diferenca de modalidades gráficas é por vézes surpreendente!

A estipulagáo dos principios da Grafologia vai-se proces-

sando lentamente através dos anos; está nao raro sujeita a

reformas, dada a liberdade de arbitrio da alma humana; nao depende, porém, de adivinhagáo nem de preconceitos religio

sos ou místicos. A Grafologia é considerada hoje em dia um ramo da Psicología do movimento e, como tal, tornou-se ma

teria de currículos em Universidades. As pesquisas dos Professóres Le Senne e G. C. Jung foram decisivas para os ru mos atuais dessa disciplina.

A análise da escrita tem-se revelado de inegável utilidade, principalmente ao se tratar de auxiliar alguém a conhecer a si mesmo (seu temperamento e suas tendencias; seu estado de saúde física). Pode ter também suas aplicacóes vantajosas no. conhecimento de terceiras pessoas, exigindo-se, porém, nestes casos, muita cautela e discricáo para nao se tirarem conclu-

sóes indevidas ou exageradas (pode haver outrossim obriga— 364 —

OS SANTOS ESTOPADOS PELA GRAFOLOGIA

gao de sigilo profissional); assim tem-se utilizado a análise da letra na orientagáo educacional, profissional, em exames pré-nupciais, no selecionamento do pessoal de urna empresa, etc. Note-se, alias, que o objetivo da Grafologia é apenas o de descrever o caráter da pessoa; de modo nenhum intenciona ler o passado, profetizar o futuro ou denunciar acontecimentos ocultos pre sentes (como tenta fazer a Grafomancia). O comportamento futuro do individuo, em seus pormenores concretos, depende da livre von-

tade humana; portanto, nao pode ser rigorosamente predito pelas leis da ciencia. Por conseguinte. querer usar da Grafologia para obter profecías implica desvirtuamento e supersticáo. Será necessário pois que as pessoas interessadas se acautelem contra charlatáés

e meros amadores, a fim de só se dirigirem a técnicos competentes em psicología e em análise da escrita.

2.

Sistemas de Grafologia

Se os estudiosos estáo concordes entre si ao reconhecerem os principios psicológicos que tornam científica e moralmente legítima a pesquisa da escrita, divergem bastante ao tentarem

estipular os criterios de interpretagáo dos sinais gráficos. Ana-

Iisam minuciosamente todas as características que estes possam apresentar: forma (arredondada, alongada, angulosa...), inclinagáo, dimensSes, intensidade do tragado, maior ou me nor proximidade entre as letras e entre as palávras, maneira de cortar o t; regularidade, curvatura, ritmo ascensional ou declínio das linhas; respeito as margens, margens largas ou

estreitas, á direita, a esquerda... superfluidade, simplicidade ou harmonia de tragos; pardmónia ou esbanjamento de papel; legibilidade maior ou menor, ilegibilidade; configuracáo das maiúsculas (tipográficas, floreadas, muito altas, baixas), etc. Contudo, ao procurarem o significado respectivo de cada um désses particulares, os grafólogos nao concordam sempre en

tre si;

Neste setor, quanto mais recentes sao os sistemas de in

terpretagáo, tanto mais autoridade possuem.

A euisa de ilustragáo, segue-se urna lista de interpretac6es que,

por sua Índole mais evidente, merecem consideracáo por parte do estudioso.

Escrita' muito Inclinada para a direita: sensibilidades muito inclinada para a esquerda: disstaralacao; muito redonda: bondade, afetuosidade; muito angulosa: maldade, frieza afetiva; pesada, com traeos grossos: senslbiHdade;

leve, com traeos finos: espiritualidade e sentimentalismo.

— 365 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 1 Linhas muito direitas: caráter Inflexível e pesstmista; direitas, mas sem rigidez: franqueza e retidSo; serpejantes: astucia, velhacaria, diplomacia; ascendentes: ambiguo, ardor;

descendentes: desanimo, tristeza; convexas ou cdncavas: coragem desigual, passagem brus ca do entusiasmo a decepcSo. Margens ausentes: falta de gósto, avareza; estreitas: economía; largas: prodlgalidade; duplas (á direita e a esquerda): poesía. Letras muito grandes: orgulho; medias: dignidade; pequeñas: prudencia, senso critico; muito pequeñas: astucia, oovardla. Silabas separadas: Intulcao;

desligadas: deduSSo; ora ligadas, ora separadas: termo medio entre a IntulcSo e a deducáo.

Palavras espacadas: coragem de oplnlSo, clareza; amontoadas: avareza;

ligadas entre si: senso de argumentado,

..'.

chegando ao

sofisma; pontiagudas: mentira, tendencia a ofender;

culos traeos váo pouco a pouco engrossando: franqueza 8 probidade;

muito legíveis: lealdade corajosa;

ileglveis: finura, Impenetrabllidade, desequilibrio nervoso.

Dadas a seriedade e a lealdade de seus estudos, impóe-se á atencáo do público em geral o chamado «Instituí Internatio-

nal de Recherches Graphologiques (París, Bruxelles, Washing ton) », cuja sede principal se acha em Boulogne-sur-Seine: 13, Avenue Victor-Hugo., Esta entidade ministra, por correspon

dencia, um «Curso Racional de Grafologia Psicológica», o qual consta de 17 aulas por semana, acompanhadas de exercícios

e de figuras ilustrativas; visa nao sonriente dar a interpreta-

gáo dos diversos sinais gráficos, mas também o «porque» dessa interpretacáo, habilitando assim o discipulo a julgar com pleno conhecimento de causa.

Um dos grafólogos que de mais autoridade gozam atual-

mente, é o Pe. Frei Jerónimo Maria Moretti, da Ordem dos Franciscanos Conventuais, o qual desde agosto de 1905 já realizou mais de trezentas mil análises grafológicas. Na base de táo vasta experiencia, formulou 81 regras, cada urna das quais exprime a relagáo existente entre determinado sinal gráfico e certa qualidade psico-somática do individuo. O Pe. Moretti julga que com o progresso dos estudos ainda podera — 366 —

OS SANTOS ESTOPADOS PELA GRAFOLOGIA

ser aumentado o número dessas regras; cada urna délas foi

submetida a controle mediante observagáo do comportamento

das pessoas analisadas ou mediante consultas feitas a educa* dores e médicos que conheciam tais pessoas: num total de

300.000 análises, diz-se que Moretti recebeu 299.999 respostas

de confirmagáo e aplauso 1... Os sinais gráficos sao por ele

distribuidos em substanciáis, modificadores e acidentais, e en-

quadrados dentro

de um sistema próprio de classificagáo

decimal. A teoría se apresenta consecuentemente multo aprimorada e ori

ginal. Contudo os críticos se mostram cautelosos ao julgá-la. Cons

cientes de que a ciencia graíológlca aínda está em seus anos de in

fancia, admitem que os estudos futuros possam levar a reformar certas conclusSes do Pe. Moretti, no momento tldas como válidas, mas talvez insuficientemente assentadas. Além disto, propOem urna questao nao desprezivel: nos casos em que os grafólogos proíerem

diagnósticos certos, estarao sendo induzidos a isto únicamente pelas regras da Graíologia ou quem sabe se nao íalam por efeito de um

dom pessoal de clarividencia (dom que nao teria que ver com os principios da Grafologia)?

Como quer que seja, o Pe. Moretti aplicou suas regras á escrita .dos santos, deixando-nos, em conseqüéncia, um livro que muito tem impressionado o público: «I Santi dalla Scrittura», livro traduzido para o francés com o título «Copie non conforme. Le vrai visage des Saints revelé par leur écriture».

París, Casterman 1960. É para tal obra que vamos agora voltar a nossa atengáo. 3.

A Grafologia e os Santos

1. Há mais de quarenta e cinco anos, em 1914, Monsenhor Clementi, historiador em servico no Vaticano, entregava

ao Pe. Girolamo Moretti, já entáo conceituado grafólogo, urna

carta de S. José de Cupertino (1603-1663), franciscano con ventual, que acabava de ser declarado padroeiro dos aviadores. Submetendo o documento á. análise grafológica, Moretti se surpreendeu por descobrir na fisionomía do santo assim expressa sinais de fraqueza de caráter e de espirito vingativo. Contudo Mons. Clementi assegurou-lhe que a conclusáo bem correspondía aos dados históricos: estes atestam que Sao José de Cupertino teve de sustentar durante toda a vida arduas lutas contra as más tendencias de sua natureza. A seguir, foram confiados ao Pe. Moretti espédmesda escrita de cérea de cinqüenta santos canonizados, cu] os nomes nao lhe eram revelados, a flm de que a análise nao soíresse influencias estranhas.

— 367 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 1

Os resultados do exame désses documentos de tal modo surpreenderam Moretti que éste por tres anos renunciou a praticar a Grafologia: as pesquisas haviam-lhe dado a ver de perto a humanidade dos Santos, humanidade que, na maioria dos casos, lhe aparecía tecida de inclinac6es pouco condizentes com santidade. Dai o espanto, á primeira vista desnorteador...

Sao Felipe Nerl teria tido inclinagdes ao sadismo psíquico ou a «sem-vergonhice»; S. Inácio haveria sido propenso a vinganca; SSo Joáo da Cruz teria possuido um lastro de ceticismo; Sta. Teresa de Avila aparecía dotada de vontade íorte, mas tendente á sensualidade; Sta. Teresa de Lisieux, concluía Moretti, «se tivesse vivido na mise ria, como donzela pouco instruida, haveria levado urna existencia

mediocre, talvez de manequim da alta costura ou de modelo..., simplesmente para ganhar a vida».

Moretti, porém, se reíez do susto e decidlu-se a publicar, no volume citado, os resultados de seus estudos concernentes a trinta san tos. A disposicáo da materia é a mesma em cada caso : vé-sel) urna página de texto da lavra do respectivo santo; 2) o exame da escrita, segundo a dassificacáo decimal e a terminología técnica de Moretti; 3) a interpretacáo clara e minuciosa dos dados colhidos; 4) traeos biográficos do santo que mostram a correspondencia entre o Julgaménto do grafólogo e a realidade vivida pelo santo.

2. Qual a mensagem de táo meticulosos exames? Será realmen te desconcertante, levando a crer que, na verdade, nao há santos ou que é impossível chegar a santidade? É o que vamos ponderar abaixo.

a)

Antes do mais, leve-se em conta o fato de que a

Grafologia indica apenas o «lastro bruto» ou o «fundo bravio» do qual se fez a figura do santo; ela só evidencia as tenden cias inatas, sem dizer coisa alguma do trabalho que cada san to empreendeu industriosamente com essa sua massa de argila; já nao é da aleada da Grafologia enunciar as Vitorias sobre as paixóes que cada santo logrou no decorrer de sua vida.

b) Assim a ciencia da escrita apenas leva a concluir que ninguém nasee santo, mas que também os santos compartilharam o patrimonio de miseria nativa do comum dos ho-

mens. Experimentaran! ímpetos da natureza desregrada, como

os experimentaran! os demais homens. Contudo o que os di ferencia dos restantes moríais, é que, embora possuíssem ésse fundo de fraqueza, nao se renderam á «sina» de ser mediocres por toda a vida, nao se conformaran! com a miseria moral, mas empreenderam corajosamente a luta que poucos empreendem: oraram, pedindo a graca de Deus; cooperaran! com esta, lutando contra seus defeitos sem desfalecer, sem desanimar

(desánimo seria expressáo de amor próprio decepcionado ou _ 368 —

OS SANTOS ESTOPADOS PELA GRAFOLOGIA

magoado)... Em conseqüéncia, conquistaram as virtudes contrarias as suas más tendencias, tornando-se verdadeiros heróis; merecem assim o título de «auténticos homens livres»;

livres, sim, porque escaparam aos pretensos «determinismos»

da natureza e do ambiente, configurando-se totalmente ao

exemplar de perfeiéáo que Deus lhes assinalou.

Assim o exame grafológico, longe de lancar o discrédito sobre os santos, contribuí para que melhor se perceba o seu verdadeiro

valor e mais estima se lhes tribute: os santos nSo foram santos por possuirem urna natureza humana privilegiada ou, de algum modo, diferente da nossa; ao contrario, a partir do. ponto mesmo em que todos comecamos a vida na térra, foram subindo para Deus; o se-

grédo de seu éxito consistiu simplesmente ern deixar-se guiar pela graca, da qual infelizmente tantos homens fogem.

c)

A luz dos resultados grafológicos, entende-se melhor

como todos possam ser (e, de fato, sao) chamados á santídade, apesar das más tendencias congénitas em cada filho de Adáo.

Nao é necessário que estas digam a última palavra no curn-

culo terrestre de alguém.

Para suplantá-las, qualquer que

seja a sua intensidade, existem os recursos da oragáo e da

graga de Deus indistintamente oferecidos a todos os homens. As vézes almas particularmente favorecidas por suas qualidades naturais ficam na mediocridade, justamente por nao terem ocasiáo freqüente de se humilhar diante de Deus e de pedir a graca doi Altissimo. Bem-aventurados, antes, aqueles que se colocam na atitude de humildes mendigos diante de Deus (cf. Mt 5,3).

d) Ainda em outros termos: a análise da escrita per mite ver como a graca de Deus explorou a massa de argila

humana dos santos, transformando em arroubo para Deus cada

urna das baixas tendencias que éles traziam em si mesmoa. Assim o amor sensual veemente, apaixonado,

fol,

pela graca,

convertido em amor místico de Deus; a obcecada cobica de bens temDorais foi transformada em inflexível procura de bens espirituais ou ardente sede de Deus e da vida eterna; a prodlgalidade perdularia, esbanjadora, mudou-se em generosidade continua para com Deus e nara com o próximo; a tétanosla soberba transfigurou-se em tenacidade inquebrantável no servico humilde de Deus; a sandlce lasciva passou a ser ausencia de todo respelto humano na procura do bem... Ein conseqüéncia vé-se também que a humildade de Sto. Antonio de Pádua, por exemplo, nao fol a humildade de S. Francisco de Sa

les, nem o amor de S. Francisco de Assis foi o amor de Sto. Inácio de Loiola, pois cada santo oferecia á acáo da graca um lastro próprio. A propósito, pode-se citar o famoso adagio de S. Tomaz de Aqulno: «A graca nao destról a natureza humana, mas a supoe e a

aperfeicoa» (S. Teol. I qu. 1, a. 8 ad 2). — 369 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 1

Destarte a obra do Pe. Moretti contribuí para evidenciar e exaltar as riquezas da graga de Deus entre os homens (cf. Ef 1,12). Apéndice A íim de ilustrar o fenómeno que acabamos de considerar, váo

reproduzidos abaixo alguns dos tópicos mais significativos que Mo retti apresenta no seu livro.

SAO TOMAZ DE AQUINO (1227-1274), Religioso1 dominicano, eminente teólogo e doutor da Igreja. A escrita désse santo manifesta inata ambigao de imaginar e inventar novas doutrinas (escrita metódicamente desigual); se nao tivesse recebido íormac&o religiosa muito sólida, fácilmente (em.virtude das suas qualidades naturais) se teria tornado um disseminador de erros, dominando mesmo as classes intelectuais; saberia desviar os homens mais cultos, explo rando os seus pontos fracos; abriría brechas, provocarla criticas e censuras (escrita pontiaguda), sempre, porém, usando de tancas atraentes e sedutoras.

Nessas circunstancias, a notável humildade de S. Tomaz de Aqui-

no dá evidente testemunho da acáo da graca.

Ésse homem de Deus chegou a por a servico da humildade" a sua

tendencia inata á taclturnidade. Quando ainda novico, assistia as aulas de Sto. Alberto Magno, superando os seus condiscípulos pela facilidade em compreender...; guardava, porém, o silencio, fósse ñor respeito ao mestre, fósse por estimar que os colegas lhe eram superiores Impressionados, estes atribuiam a taciturnidade de Tomaz a sua «exigua inteligencia», chegando a cognominá-lo «o bol mudo».

Alguns colegas compadecidos foram mesmo oíerecer-lhe ulteriores

explicaseis da materia já explanada em aula; Tomaz aceitou-as com

alegría e efusivos agradecimentos; aconteceu, porém, que um día um désses zelosos irmáos se énganou notoriamente ñas explicacoes que dava; Tomaz entao, pedindo licenca, retificou a doutrina, e acres-

centou-lhe comentarios pessoais muito profundos.

Sabedor disto,

Sto Alberto advertiu o grupo de discípulos: «Um dia os enstaamentos daquele que chamáis 'o boi mudo', serao rugidos tais que repercutiráo no mundo lnteiro». — Apesar do ocorrido, nao se mudou o comportamento de Toma*:

sempre igualmente modesto, simples e

recolhido.

Certa vez quando fazia a leitura de comunidade no refeítório, Tomaz foi corrigido em público como se houvesse pronunciado mal

determinada palavra. O Santo, entáo, certo de nao se ter engañado, repetiu pronunciando como lhe mandavam; a seguir, tendo averigua

do que a correcto estava fora de propósito, os irmaos perguntaram-

-lhe por que a havia aceito; ao que Tomaz respondeu: «Pronunciar

urna sílaba com acento breve ou acento longo é coisa de I»u£f taportancia; de grande monta, porém, e ser humilde e obediente».

S4NTA BERNADETE SOUBIEOUS (1844-1879), vidente de Lourdes e Religiosa em Nevers. A escrita tenue" (filiforme) e des ligada dessa santa denuncia delicadeza e finura de sentimentos. Ora a biografía comprova tal conclusao. Tenha-se em vista, por exemplo, o segulnte episodio:

— 370 —

OS SANTOS ESTOPADOS PELA GRAFOLOGIA

Um día propunham a Bernadete, qual modelo de Religiosa, Santa

Teresa de Avila... Ora a esta o Menino Jesús certa vez apareceu,

quando o sino do convento tocava chamando-a para um ato de piedade comunitaria; Santa Teresa obedeceu á Regra e ao sino, deixan-

do de dialogar com o Menino-Deus. — Pois bem; ao ouvir isto, Ber nadete nSo se mostrou em absoluto impressionada; perguntaram-lhe entáo:

«Que teria feito, Irma Bernadete? NSo terla procedido como Santa Teresa, respondeu ela com vivacldade e energía».

Isto causou surprésa e certa desaprovacáo no grupo de Religio

sas que a ouvlam. Entao expllcou Bernadete:

«Terla seguido o chamado do sino, sim; mas... sem me separar

do Menino Jesús... Té-lo-ia tomado comigo... É tao pequeño que

nao deve pesar multo!»

Tinha outrosslm um temperamento inllexível, que, sob a ac,áo da

graca, velo a tornar-se intransigencia na recusa de prazeres mera mente humanos. Contavam-lhe, por exemplo, que seu nome perma

necía glorioso e multo evocado em Lourdes, onde, alias, vendiam seu retrato por dois sóidos : «Dois sóidos? Ah, é precisamente tudo que eu valho». A urna Religiosa que lhe manifestava admirac&o, replicou Ber nadete :

— — — — — —

«Para que serve urna vassoura? Oh, que pergunta! Para varrer. E depols que varreu? Depols, recolocam-na no seu lugar. E qual é o seu lugar? Costuma ser um canto, atrás da porta.

Pols bem; tal é a mlnha historia, concluiu Bernadete. A Virgem servlu-se de mim; a seguir, fui posta num canto. Éste é o meu lugar; estou ieliz e aquí fleo».

SAO PIÓ X

(1835-1914). Papa. A escrita (por seus numerosos

ángulos em A) denuncia, neste santo, temperamento muito suscetlvel e Irascível. A graca, porém, o tornou equánime dlante das con trariedades de cada dia, mesmo quando estas tinham o caráter de

provocacOes desrespeltosas. Mals de urna vez, por exemplo, referiram-lhe que sua política era criticada tanto no Vaticano como fora e que o.tinham sfinplesmente na conta de bom pároco de aldeia; en táo, com o rosto Iluminado por •um sorriso, respondía:

«Sel que nSo sou um político, mas apenas um pobre bispo. Sel que dlzem que nao entendo da tareía e que nao passo de vulgar campo-

nés. Pouco imparta. S6 tenho urna vía e um termo final: o Crucili

o>.

Após sofrer ofensas e injurias, estava sempre pronto a perdoar

com o coracáo magnánimo.

— 371 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961. qu. 1

SAO JOAO-MARIA VIANNEY (1786-1859), cura de Ars (Franca). Éste santo era naturalmente propenso á zombaria e a sátira. Sob o influxo do Espirito Santo, porém, utilizou esta tendencia nao para destruir, mas para construir, como dSo a ver alguns episodios anedóticos narrados por seus biógrafos:

Certa vez, enquanto o Santo dava o catecismo na Igreja. algumas

senhoras, ostentando inconvenientemente os vestidos mals em moda

na época, tentaram entrar no santuario. Ao vé-las, disse o cura: «O Imperador fez muita coisa boa; esqueceu urna, porém: devia .ter

mandado alargar as portas, para que pudessem passar as crinolinas (ampias saias estufadas com barbatanas de baleia ou láminas de ago)>.

De outra feita, num dia chuvoso ia o Santo, sem chapéu nem guarda-chuva, visitar um doente. Sobreveio entao seu fiel auxiliar, o Irmáo Atanásio a quem S. Joáo-Maria logo perguntou: «Aonde vais, amigo? — Trago-lhe um guarda-chuya, Sr. Cura. — Oh! nao sou de

acucar!». E, rindo, continuou a caminhada.

SAO ROBERTO BELAEMINO (1542-1621), Cardeal e Bispo de

CápuaDoutor da Igreja. Sua escrita, miüda como era, revela indlnacáo á ironía capaz de ferir ou pulverizar hábilmente o adversarlo.

Ora os biógrafos referem que éste Santo praticou com esmero a ca-

ridade: um dia, por exemplo, teve que censurar duramente um dos seus sacerdotes... Pouco depois, levaram-lhe, de presente, algumas tratas frescas; embora nao tivesse o costume de receber dádivas de tal género, dessa vez aceitou; fé-lo, porém, com a intencSo de curar a chaga que ele podia ter aberto no coráceo de seu interlocutor an terior; por Isto mandou logo chamar um fámulo, a quem entrégou o peixe, dizendo: «Rápido, leva isso ao sacerdote que há pouco estéve aqui, e dize-lhe que íoi o arcebispo quem lho mandou». SAO PIÓ V (1504-1572), Papa. A Grafologia aponta, nessa per-

sonalidade, um caráter espontáneamente muito austero. Ora os his toriadores confirmam eloqüentemente éste trago.

Referem que Sao Pío V praticou a continencia e o desapego de tudo a ponto de nao se querer submeter á extracto de cálculos, que seus médicos Ihe recomendavam para curar urna sua molestia inve terada; preferiu suportar as dores mais atrozes a permitir que maos estranhas Ihe tocassem o corpo. Após a morte, quando se fez a au topsia do cadáver, os médicos néle descobriram tres cálculos, cada um dos quais pesava mais do que urna onca; surpreenderam-se

profundamente por verificar que pudera tolerar espasmos tao vio lentos. Sua alma, dominando constantemente o corpo, impunha si lencio ás queixas da natureza. Durante as «rises de dor mais aguda, limitava-se a dizer:

«Senhor, aumentai-me o sofrimento. se o que

réis, mas áumentai-me também a paciencia!». Apesar de sua fra-

queza física, ainda quis no fim da vida observar integralmente a quaresma. Foi entao que um de seus fámulos, vendo-o táo debilitado,

temperou com um pouco dé caldo dé carne a chicoria selvagem de que ele costumava alimentar-se; apenas a provou, o Papa manifestou-se vivamente contrariado, e exclamou; «Amigo, queres que por

causa dos poucos dias que me restam, eu viole a lei de abstinencia que durante cinqüenta anos observei sem jamáis a transgredir?!».

— 372 —

O «MILAGRE DO SOL» DE JOSUÉ SANTA TERESA DE AVILA (1515-1572), mística Reformadora do Carmelo. Era dotada de tfio forte inclinacao & sensualidade que, con

forme o grafólogo Pe. Moretti, as pessoas assim configuradas fácil mente se entregam á poligamia ou á poliandria.

Ora sua alma se entregou de tal modo ao amor de Deus que, em relacáo aos bens carnais, ela só procurava praticar a mortifica-

gao; fez assim convergir todo o veemente ardor de sua natureza para

Deus só; amou, mas amou virginalmente (daí os traeos característi

cos de sua santidade). Nao obstante, ela podía ser muito atraente e provocar sentimen-

tos de viva paixáo em quem a abordasse. Teresa mesma, muito de licadamente, narra o seguinte episodio: pouco depois de entrar no convento, conheceu um jovem sacerdote que se desviara, fascinado por infeliz mulher. Teresa tomou a seus cuidados especiáis a salvacao da alma désse padre, e. recorrendo tanto ás palavras como aos exemplos, conseguiu libertá-lo da vida pecaminosa em que caira. Em breve, porém, verificou que o sacerdote se apaixonara por ela e que alimentava planos pouco honestos a seu respeito. Teresa nao se perturbou; antes, mostrando coragem verdadeiramente viril, tanto se empenhou que conseguiu n5o sdmente escapar ela mesma ao gran

de perlgo da situacSo, mas também reexguer o amor mórbido do sa cerdote, transformando-o em férvido amor a Deus!

Eis pálidos espécimes de como, nos santos, os valores negativos se transformam em valores positivos, sem perder, porém, a sua fi sionomía própria.

II.

SAGRADA ESCRITURA

MESTRE (Recife):

2) «O estacionamento do sol por ordem de Josué, nar rado pela Sagrada Escritura (Jos 10, 7-15), é fenómeno de masiado estranho para que possa merecer crédito. Que pen sar, no caso?» A controversia que se desenrola em torno do «milagre do sol» de Josué, está geralmente fundada em falha interpretagáo do texto bíblico; essa falha dá origem ao problema, que na verdade carece de fundamento real.

Sendo assim, examinaremos abaixo o texto bíblico como tal e as principáis interpretacóes até hoje propostas; a seguir, deter-nos-emos sobre o seu auténtico significado. 1.

O texto bíblico e suas diversas interpretacóes

1. A passagem de que se trata, narra urna campanha vitoriosa dos israelitas sob o comando de Josué na térra de Canaá, referindo, entre outras coisas, urna batalha contra os amorreus assim concebida:

— 373 —

«PERGÜNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961. qu. 2

JOS 10: 7 «Josué subiu de Gálgala, ele e todos os homens de guerra cora ele, todos corajosos combatentes. 8 Entáo o Senhor fa

lou a Josué: 'NSo os temas, pois os entregarel em tuas mSos, e nenhum déles resistirá diante de ti'. 9 Josué, pois, irrompeu sdbre éles repentinamente; durante a noite lnteira tinha subido de Gálgala. 10 E o Senhor langou coníusáo sdbre éles em presenca dos israelitas,

de modo que Israel lhes iníligiu grande derrota perto de Gabaon;

perseguiu-os pelo caminho que sobe para Betoron e abateu-os com

seus golpes até Azecá e Macedá. 11 Ora, quando fugiam dos is raelitas, na descida de Betoron, o Senhor1 fez caJr do céu sobre éles grandes seixos até Azecá. e morreram. Mais numerosos foram os que pereceram pelos seixos de granizo do que os que morreram pela espada dos filhos de Israel.

12a Entilo Josué falou ao Senhor, no día em que o Senhor entregou os amorreus aos filhos de Israel, e falou a vista de Israel: 12b

13a

13b

'Sol, detém-te sdbre Gabaon, E tu, lúa, sdbre o vale de Ascalon!' E o sol parou, a lúa se manteve imóvel,

Até que o povo se tlvesse vlngado dos seos lnimlgos!

Nao se acha isto escrito no Xivro do Justo1?

13c Assbn o

sol parou em meló ao céu. e nao se apressou por chegar ao ocaso,

durante quase nm día intelro. 14 NSo houve, nem antes nem depols, dia como aquéle, em que o Senhor obedeceu a voz de um homem, pois o Senhor combatía por Israel. 15 E Josué, e todo Israel com ele, voltou ao acampamento em Gálgala».

2. Sao múltiplas as tentativas de explicar o relato áci ma; limitar-nos-emos aqui a mencionar as principáis : a) Os comentadores antigos e medievais, carecendo de conhedmentos profundos de lingüística oriental, tomavam o

texto ao pé da letra, no sentido que lhes parecia obvio: já que, conforme a astronomía da época, o sol girava em torno da térra, julgavam que Josué f§z parar o sol, a fim de alongar o dia e poder consumar a Vitoria sobre os amorreus.

Esta interpretagáo devia naturalmente ser posta em xeque no séc. XVII: Galileu entáo chegava á conclusáo de que nao é o sol que se move, mas é a térra que gira em torno

do sol. Os teólogos, a principio, se inquietaram com esta afirmagáo, julgando que contradizia á Biblia Sagrada (sobre o caso de Galileu, veja-se «P.R.» 4/1958, qu. 12).

Aos poucos, porém, íoram mudando de parecer: reconhecendo que a Sagrada Escritura nao quer ensinar ciencias profanas, perceberam que as concepcSes de astronomía (sistema geocéntrico de Ptolomeu), no relato ácima, evidentemente nao sSo de fé; o escritor

sagrado nao as quería inculcar como tais, mas apenas servla-se das

— 374 —

O «MILAGRE DO SOL» DE JOSUS opinlóes científicas vigentes no seu terhpo para afirmar a intervencao do Senhor em favor do seu povo na batalha contra os araorreus. De resto, ainda hoje os nossos sentidos, antes de ser eorrigidos pelo racio cinio, nao nos levam a afirmar que é o sol que «se levanta» e «se poe»? Usamos dessa linguagem popular, sem que alguém nos acuse de mentira, pois todos sabem que, assim talando, nao entendemos ensinar astronomía, mas apenas chamar a atencáo para o fato que desejamos narrar. Assim no livro de Josué os exegetas perceberam que o autor sagrado se referiu ao «estacionamento ác sol* de acordó com a linguagem pré-cientifica e familiar de sua gente, porque nao tinha

a intengao de dissertar sobre astronomía, mas apenas a de aludir a urna circunstancia acidental do episodio que ele desejava relatar: a

vitória sdbre os amorreus.

b) Urna vez reconhecida como errónea a interpretagáo outrora dado ao texto de Jos 10, ainda ficava aberta a questáo: como, pois, entender o episodio? Como explicar o «milagre» á luz da nova astronomía? Varias foram entáo as tentativas de explicacáo apresentadas: — nao poucos, transpondo a linguagem popular para o campo científico, passaram a crer que nao o sol, mas a térra interrompeu o seu movimento: terá ficado estacionaria á luz

do sol, de modo a ocasionar um dia mais longo para que Jo sué e seu exército obtivessem a vitória sobre os amorreus!...

— outros recorreram a interpretaeóes mais sutis, admi-

tindo ou urna chuva de meteoros, que ordinariamente o céu após o por do haveriam fulgurado durante a noite, de refragáo dos raios do sol, que, á

teriam iluminado extra sol, ou relámpagos, que ou ainda um fenómeno

noite, teria feito o céu

aparecer luminoso aos combatentes, como se o sol nao fivesse declinado. 3.

Que dlzer de tais interpretares?

Nenhuma délas implica algo de absurdo ou contraditório em si; por isto sao aceitáveis. Pergunta-se, porém. se alguma délas corres ponde ao que de fato se deu no caso de Josué. Na verdade, levanta-se contra qualquer das explicacSes que acabamos de propor, urna seria dificuldade: todas supfiem um fenómeno extraordinario no curso dos astros, fenómeno que derrogue as leis da natureza. Ora Deus nap costuma, sem motivo grave, permitir derrogacfies as lels que Ele mesmo tracou: o Senhor nao faz milagres sem íinalidade adequada. No caso de Josué, porém, ter-se-ia dado um portento de proporgOes astronómicas únicamente para permitir a vitória de um pequeño exército de israelitas sobre outro pequeño exército de amor reus. Isto parece pouco digno da sabedoria de Deus. Em conseqüénda, os melhores exegetas propSem outra via de

solucao, que passamos a expor.

_ 375 —

.

•.

.

-

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 2

2.

O auténtico sentido do episodio

Em vez de admitir precipitadamente um milagre qualquer no texto de Jos 10, os comentadores modernos empreendem,

antes do mais, um estudo exato do texto sagrado, do ponto

de vista lingüístico e literario, a fim de poder perceber com precisáo o que o autor bíblico terá intencionado. Seguindo, pois, tal método, eis as conclusóes a que chegaram os estudiosos.

1.

Quem lé atentamente o texto de Jos 10,7-15, é levado

a concluir que há ai duas narrativas paralelas provenientes de duas diversas fontes: urna em prosa, devida ao autor mesmo do livro, que abrange os w. 7-11; e outra, poética, citagáo transcrita de outro livro (12-13b) e ornada de breve comen tario (13c-14). O versículo 15 é a conclusáo comum as duas narrativas.

De fato, o v. 11 refere ao leitor já o fim da batalha com

a vitória de Josué, o qual perseguiu os inimigos e os exterminou em grande multidáo; Israel foi nesta campanha coadjuvado por violenta tempestade de granizo que «o Senhor desencadeou»

(essa expressáo parece insinuar um fenómeno

imprevisto, urna intervengáo extraordinaria de Deus). Ápós o v. 11 nao se esperaría mais nenhuma faganha bélica de Jo sué, pois os inimigos estavam vencidos e prostrados; lógica mente seguir-se-ia o v. 15, ou seja, a mengáo da volta de Jo

sué ao acampamento. — Eis, porém, que entre os w. 11 e 15 se insere um episodio (12-14) que reconduz o leitor as peri pecias da batalha em curso e se concluí, como o anterior, com a volta dos israelitas ao acampamento (v. 15).

2.

Como entender éste outro trecho (w 12-14)?

A sua posigáo no contexto e a análise do seu conteúdo indicam que os w. 12-14 referem um particular da mesma

batalha transcrito de outra fonte; sao urna citagáo inserida no nosso capítulo 10. Analisemos, pois, os w. 12-14: Após a fórmula introdutória (v. 12a), seguem-se quatro breves frases, que constituem nítidamente urna estroíe poética (w. 12b-13a); o v

13b é a indlcacao da íonte donde foi transcrito o texto

poético- como se depreende de 2 Sam l,17s, o «Livro do Justo» era

urna colecSo de cantos seletos em honra dos Justos ou Heróis de os vv. 13c e 14 constituem um comentario em prosa da segunda parte do texto citado (v. 13a); devem-se ao autor da transcrlsSo. O — 376 —

O «MILAGRE DO SOL» DE JOSUÉ comentario em 13c diz positivamente que o sol parou; repete o mes-

mo negativamente: «nao se apressou para chegar ao ocaso»; e, por

último, acrescenta que essa fixidez do sol durou quase um dia inteiro. O v. 14 remata com o louvor de dia tSo estupendo e glorioso:

«nao houve, nem antes nem depols, dia como aquéle» (nao é a ex traordinaria duracao, mas o caráter glorioso do dia, que o escritor quer p6r em relevo). Pode-se observar que o comentador só fala

da .interrupcáo tío curso do sol, háo da lúa. pois, provavelmente, no canto citado se fazla mencáo da lúa únicamente por motivo poética (sabemos que urna das leis da poesia hebraica era o paralelismo, ou seja, a justaposicáo de membros de frase idénticos ou semelhantes ou antitéticos entre si); na realidade, Josué nao se terá dirigido & lúa, cuja rotacáo nao o interessava durante o dia em que travava a batalha;

o v. 15, supondo encerrada a luta, menciona a volta de Josué ao

acampamento.

Após estas consideragóes, já nao é difícil admitir que os w. 12-14 se referem á batalha descrita em 7-11, com a particularidade de realgar em estilo lírico o que ela teve de glo rioso. 3. Ora justamente éste trecho poético (e o seu respecti vo comentario) é que menciona a extraordinaria «interrupgáo

do curso dos astros». Tal fenómeno nao é referido no trecho

prosaico, o qual nem por isto dá a impressáo de estar laguno so, nem poderia silenciar circunstancia táo importante, caso fósse realmente histórica. Sendo assim, tem-se já certo fun damento para perguntar se o estacionamento do sol, de que fala a citacáo, nao é mera figura de poesia, que, transposta em linguagem prosaica, diría o mesmo que a descrigáo pro saica antecedente. A esta questáo responde-se afirmativamente. Em verdade, na linguagem lírica dos judeus, dizer que o sol parara ou silenciara significava que éste astro deixara de dar a luz, fós se por motivo de eclipse, fósse por razáo de nuvens ou tempestade; haja vista o texto de Habacuque 3,11, além de do cumentos babilónicos análogos.

4. Se agora nos servimos desta observagáo para a exegese do milagre de Josué, verificamos que o «parar» do sol

no trecho poético de Jos 10,12-14 nao significa outra coisa do que a terrível.e tenebrosa tempestade (de granizo) de que fala, sem figura literaria, o v. 11.

Essa tempestade teria durado quase um dia inteiro, conforme o v. 13c («o sol nao se apressou, para chegar ao ocaso», isto é, nao se moveu, íicou parado, «durante quase um dia Inteiro»). Táo longa tempestade, que íoi o principal instrumento de dispersáo e morte dos amorreus, teria sido especialmente permitida por Deus para aten-

— 377 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 3 der a Josué, que implorara auxilio na batalha. O que houve de maravilhoso e extraordinario neste episodio, nao íoi a tempestade como tal, mas o modo inesperado e extremamente violento como esta se produziu. Em linguagem técnica dos teólogos, dir-se-ia: houve um milagre «quanto ao modo», nao «quanto a substancia» do acontecimento. Note-se que tm Eclesiástico 46,-ls o dia sem igual de Jos 10,14 é apresentado como equivalente a dois, o que nao é senao outra for

ma de dizer «dia cheio de gloria, de íeitos maravilhosos».

É esta a interpretagáo que, sobre as outras, tem a van-

tagem de levar mais em conta as particularidades literarias do texto sagrado, que, até o nosso século, eram negligenciádas, por nao se conhecerem táo bem os documentos e o modo de falar dos aritigos povos orientáis. Concluir-se-á, portante, que a propalada interrupgáo do curso dos astros, no livro de Josué, nao é senáo o desencadea-

mento de violenta e demorada tempestade de granizo, permitida por Deus, a pedido de Josué. Duas narrativas justapostas re-

ferem essa tempestade: enquanto a primeira usa de estilo liso, a segunda emprega linguagem poética familiar aos antigos orientáis, mais desconhedda aos leitores posteriores, que, por

isto, falaram do «milagre do sol detido em seu curso»! III.

MORAL

3) «Há comprimidos modernos que, sem mutilar a natureza, tornam a mulher provisoriamente estéril. Aos olhos da Moral, será licito usá-los? Em caso negativo, nao se tratará de urna proibicao mo

mentánea a ser remodelada a fim de que a Ética se adate melhor aos tempos modernos?» Em resposta, analisaremos primeiramente a moralidade do uso dos mencionados comprimidos; a seguir, proporemos

algumas observagóes sobre a posigáo da consciéncia crista di ante das tendencias anticoncepcionistas cada vez mais acen tuadas em nossos dias. 1.

O novo medicamento e a Moral

1. A vida moderna, com seus múltiplos problemas, tem sugerido aos governos de alguns países a campanha de limitagáo da natalidade ou o anticoncepcionismo oficializado. Essa tática tem conseguido criar urna mentalidade ou um clima em que a mencionada praxe parece de todo natural; é o que se verifica principalmente na India e no Japáo. — 378 —

LIMITACÁO DA NATALIDADE

Até mesmo os homens de ciencia tém posto seus serios esforgos a servigo do anticoncepcionismo, procurando descobrir os remedios mais eficazes e menos dispendiosos para di fundir em larga escala a técnica de limitacáo artificial da natalidade. Embora até hoje ainda nao possam apontar um mé todo isento de quaisquer funestas conseqüéncias, seja para a saúde física, seja para o estado psíquico da mulher, muito se preconiza o uso de certos comprimidos que tornam a mulher provisoriamente estéril, deixando-lhe o uso normal de suas funcóes sexuais para o caso de as querer retomar. Entre tais

comprimidos, mencionam-se os de progesterona, já apresentados em «P.R.» 37/1961, qu. 5, pág. 27. Éste novo remedio tem algo de capcioso, pois (seja licito repe tir) nao implica interferencia no ato sexual, mas apenas preparacáo remota do mesmo, de modo que a própria natureza por si seja es

téril. A moral crista nao enslna aos cdnjuges desejosos de nao ter fllhos, usem da natureza precisamente ñas fases em que ela por si mesma nao é fecunda? Que mal estáo haveria em ajudar a natureza a ser mais vézes ou mais prolongadamente infecunda?

2. Posta diante da nova tática, a consciéncia nao pode deixar de a rejeitar formalmente. O uso das pilulas esterili zantes, em última análise, vem a significar desvio de um processo vital ao qual o Criador deu urna finalidade impreterível. Sim; tódá a vida sexual (com suas fases de menstruacáo e ovulagáo, esterilidade e fecundagáo, na mulher) constituí urna única fungáo destinada á reprodugáo da especie humana; mes mo os períodos de esterilidade num organismo sadio sao eta

pas que se encaminham para a fecundidade ou que' desta se derivam.

.

O Criador, sem dúvida, houve por bem associar as funcSes se xuais um certo deleite que facilita ao ser humano a tarefa de crescer e multiplicar-se sobre a térra; contudo ésse deleite nao constituí senáo algo de secundario no conjunto da vida sexual; so se justifica na medida em que é subordinado á reprovacáo da especie humana. O Criador nao deu ao homem as suas funcSes sexuais para lhe pro porcionar' um «prazer Infecundo» (do ponto de vista biológico), mas, sim, urna «fecundidade prazenteira».

Donde se vé que é ilícita (ou contraria á natureza) qual-

quer intervengáo, por mais remota que seja, destinada a tor nar estéril a fungáo sexual, a fim de que os interessados pos sam usufruir do prazer (elemento secundario) sem aceitar a

finalidade que justifica ésse prazer, ou seja, sem aceitar a ta refa de se multiplicarem pela geragáo de prole. -

Faz-se mister, pois, concluir: do ponto de vista moral, sao

condenáveis mesmo as pilulas que apenas visam esterilizar o — 379 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 3

organismo; contradizem a urna das tendencias mais obvias da natureza, tendencia incutida pelo próprio Criador. — O més-

mo, alias, se diga de qualquer medicagáo congénere (existem, sim, espermatoxinas ou tóxicos para espermas, injetáveis).

2. Contudo diante déstes dizeres, talvez se levante urna objegáo: nao será tal reprovacáo inspirada por um modo de pensar antiquado? Por conseguinte, a Moral crista ou a Igre ja nao háo de reformar em breve essa sua sentenca? —Ade máis leve-se em conta o fato de que nao há na S. Escritura declaragáo alguma que reprove o anticoncepcionismo como tal (contudo o procedimento de Oná foi condenado; cf. Gen 38,8-10). Em resposta, dir-se-á que a posigáo anticoncepcionista se

deriva diretamente da lei natural, que é a lei de Deus comu nicada ao homem anteriormente a qualquer revelacáo positi va, anteriormente portante á mensagem das Escrituras Sa gradas: ao criar o homem, Deus inscreveu, por assim dizer, na inteligencia e no coragáo de sua criatura um código de Direito natural. As Escrituras Sagradas supóem ésse código e constróem sobre ele. — O Direito natural, porém, é perene ou sempre o mesmo, como a natureza humana é sempre a mesma, qualquer que seja a época ou o grau de cultura da humanidade. Por conseguinte, nao se pode esperar que algum preceitb da lei natural possa vir a ser adaptado á moda ou ao género de vida dos homens de determinada época; estes é que

se deveráo amoldar aos mandamentos da lei natural. Quanto á Igreja, nao poderia ser mestra fiel da Revelagáo bíblica, se Ela nao fósse, ao mesmo tempo, porta-voz da lei natural; as sim como a Igreja nao é autora dos preceitos naturais, assim nao lhe compete ó direito de os retocar; cabe-lhe apenas a missáo de os lembrar ao mundo — e lembrar intrépidamente — em meio ao turbilháo de idéias em que a sociedade se debate.

Em vista do bem comum da humanidade, nao será lícito

á Igreja silenciar a tal propósito, permitindo que se embote a consciéncia dos homens, que as veleidades do mundo moderno tendem a sufocar.

Contudo, a fim de melhor se avaliar a posigáo da Moral

crista, parecem impor-se ainda algumas

2.

Observa$5es gerais sobre o assunto

1. Para justificar o anticoncepcionismo, costuma-se ale gar o iminente perigo de superpopulagáo do globo e de con-

seqüente fome universal. Ora já em «P. R.» 37/1961, qu. 5 foram publicados dados positivos e declaragóes de abalizados — 380 —

LIMITACAO DA NATAIJDADE

Sociólogos, que evidenciavam ser vá tal alegagáo; com efeito, a natureza nao se recusa, nem recusará, a fornecer ao género humano o espac.b e os meios de subsistencia necessários ao

seu rápido aumento demográfico; há, sim, abundantes recur sos naturais, dos quais alguns já estáo em exploragáo e outros aínda se acham por explorar. A deficiencia se acha, antes, em outro setor: falta altruismo por parte dos homens ou tomada , de consciéncia dos deveres de cada um para com seus irmáos indigentes. Na Franca, por exemplo, o próprio bem comum, longe de reco mendar limitac&o da natalidade, exigiría mesmo um aumento de po pulado; calculam os economistas que, para se desenvolver harmoniosamente, éste país precisarla de 90 milhfies de habitantes apro ximadamente,

quando atualmente conta apenas com 44.289.000 de

cidadáos.

Ademáis certos inquéritos tém demonstrado que, se nao fóssem o preconceito e a propaganda que impregnam a sociedade moderna, muitas familias nao se impressionarlam pelo motivo de pretensa superpopulacao do mundo para praticar o anticoncepcionismo.

Em última análise, verifica-se ser o egoísmo ou o comodismo que inspira as táticas anticoncepcionistas modernas; é

o «grande médo de amar devidamente...», como dizia Francois Perroux. — Ora a tal motivo a Igreja só pode opor um

apelo á reagáo: restabelega-se a reta ordem das coisas; haja doravante generosidade onde tém reinado o egoísmo e a mesquinhez, que depauperam a dignidade humana. Esta generosi dade no tocante ao uso do matrimonio e á geragáo da prole está longe de significar temeraria ousadia; ela coincide, antes, com o desabrochar, normal da personalidade. Principalmente os cristaos, que sabem ter recebido pelo sacra mento do matrimonio urna graca de estado própria a fim de amar com retidao e integridade, nao podem ceder á covardia e ao egoismo

no desempenho de sua vida conjugal. Em geral, nota-se que a lé e a confianza na graca de estado estáo depauperadas em nao poucos casáis; as previsGes humanas e o modo de proceder ditado pela pobre prudencia natural vém a ser normas decisivas para multos; é contra tal deíinhar do espirito sobrenatural e da coragem sempre juvenil característica do cristáo que a Igreja tem a missáo de erguer a voz na hora presente; a Esposa de Cristo eré no progresso espiritual do homem mediante a luta; por isto Ela rao se conforma com urna

«paz de cemitério», paz que consistiría em dizer que as «tendencias desordenadas» do mundo moderno sao «ordem» ou que a «morbidez» da consciéncia contemporánea é «saúde» ou que a «morte espiritual» tem que ser tlda como «vida»; Ela prefere, antes, despertar o senso de otünismo e conflanca no bom éxito da luta; e, sim, possivel re mar com sucesso contra a corrente do mundo moderno, que tende covardemente a fazer crer que o mal é o próprio bem ou que o mal prdpriamenté nao existe.

— 381 —

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 3

A fím de corroborar quanto acaba de ser dito, vai aqui citado um trecho de S. Santidade o Papa Pió XII, que, dirigindo-se á Federacáo Italiana de Familias Numerosas em 20 de Janeiro de 1958, assim se referia ao problema da superpopulagáo do globo : ,

<Sem dúvida, nao foi por defeito ou por inercia da Providencia,

mas por desordem do homem — em particular por motivos de egoís mo e avareza — que se originou e ainda persiste sem solucáo o proble ma da superpopulacáo do globo... Acontece, porém, que, gracas ao progresso da técnica, & íacilidade dos transportes, ás novas fontes

de energias de que apenas comegamos a colhér os frutos, a térra promete prosperidade a todos aqueles que ela ainda há de hospedar por muito tempo.

Quanto ao futuro, quem pode prever quais óutros novos recursos

estáo ocultos em nosso planeta, e quais surpresas..,

nos estáo tai-

vez reservando as maravilhosas realizagSes da ciencia, que hoje em día ainda se encontram em seus inicios?... A Providencia reservou a Si os futuros destinos do mundo... A superpopulacao nao consti tuí, portanto, motivo válido para se propagaren! as práticas ilícitas do controle da natalidade; vem a ser, antes, o pretexto para que nacdes... e individuos... tentem legitimar a avareza e o egoísmo. Destarte os homens chegam a violar as leis certas do Criador sob pretexto de corrigir imaginarios erros de sua Providencia. Seria, ao contrario, mais razoável e útil que a sociedade moderna se aplicasse, de maneira mais decidida e cabal, a reformar sua própria condufa, removendo as causas da forne ñas zonas subdesenvolvidas ou superpovoadas, aplicando mais eficazmente em empreendimentos pacífi

cos as descobertas modernas, adotando urna política mais franca de colaboracáo e de intercambios, urna economía de visáo mais larga e menos nacionalista, principalmente reagindo contra as sugestdes do egoísmo mediante a caridade e da avareza mediante aplicacáo .mais concreta da justiga. Deus nao pedirá aos homens contas dos destinos

gérais dalhumanidade — assunto éste que é de competencia do pró-

prio Deus —, mas pedirá contas de: cada um dos atos que os homens tiverem empreendido em conformidade ou em oposicáo com os ditames de sua. consciéncia» (texto transcrito de «Documentation Ca-

tholiqué» n« 1271, a. 1958, 202s).

.



:

' Por sua vez, o episcopado da India dedicou a sua carta pasto

ral da Quaresma de 1961 ao problema do controle da natalidade, de clarando imoral a campanha anticoncepcionista que nestes últimos

cinco anos o govérno hindú tem efetuado (mais de cem mil pessoas já foram esterilizadas na india; nao obstante, as táticas ainda se acham em sua fase experimental, e só afetam dois milhoes de pes soas dentre urna populacho de 400 milhñes de habitantes). — Alguns prelados hindus chegaram a lembrar a propósito as admoestacCes de Gandhi. Assim, por exemplo, D. Dyer, arcebispo de Calcutta, citava as seguintes palavras do Mahatma proferidas em 1925:

«As pessoas que com leviandade preconizam métodos artificiáis, fariam ótima obra se reexaminassem a questáo, interrompessem suas atividades injustas e apregoassem a Brahtna charya, o dominio de si, junto a individuos casados e celibatários. Éste é o único mé todo nobre e eficaz de controlar a natalidade».

_ 382 —

LIMITACAO DA NATALIPADE

O Cardeal Gracias, arceblspo de Bombalm, Gandhi, que dez anos mals tarde declarava :

citou

igualmente

«A a?áo mais funesta que os propagandistas do anticoncepcionls-

mo realizam em meló á juventude hindú, é a de lhe encher o espi rito com o que me parece ser urna ideología falsa».

S. Eminencia acrescentava: «Aqueles que censuram os católicos

por nutrirem preconceitos religiosos, sao éles mesmos vitimas de preconceitos materialistas. Querem resolver o problema da fome nao mediante o aumento da producáo de alimentos, mas mediante a diminuicao do número de bocas a alimentar; paralelamente, querem solucionar o problema da doenca pela reducáo do número de pessoas

que possam cair doentes» (noticias colhidas em «Informations Cathollques Intemationales» n" 141, pág. 12).

Tais declarares sao especialmente significativas por mostrarem como um náo-católico, Gandhi, já pelo fato de ser um homem de ideal, eré na possibilidade de resistir á devassidáo de costumes do mundo moderno. Nao é necessário que os bons se rendam á onda dissolutória, procurando legalizá-la, como se ela já tivesse seu triun fo assegurado.

2. Ulterior advertencia ainda se impóe: a posigáo anticoncepcionista da Igreja nao significa que Esta seja irrestritamente em favor da natalidade, encorajando de maneira cega e indiscriminada a procriagáo de filhos. Nao; a fungáo de gerar implica necessariamente a de educar; ora a educaeSo,

para ser devidamente levada a efeito, impóe exigencias que os genitores nao podem preencher quando a prole é demasia do numerosa. Levem-se em conta outrossim os casos em que

a saúde da genitora seria comprometida por sucessivos esta dos de gravidez... Em vista de tais situac.5es, a Moral crista reconhece sem dificuldade aos esposos cristábs o direito de li mitar a prole, contanto que o fagam mediante abstinencia pe riódica, respeitando em tudo as leis da natureza.

A propósito vem urna declaragáo do episcopado francés datada de 3 de margo de 1961, declaragáo que, após hayer condenado peremptóriamente os métodos artificiáis de limitagáo da prole, observava o seguinte : «A Igreja nao é indiscriminadamente natalista. Tendo em mira auxiliar os cónjuges a realizar sua tarefa e atingir o objetivo pri mario do matrimdnio, que é nao só a procriagáo, mas também a

educacáo dos filhos. a Igreja apela para a razao, o dever e a consciéncia,... assim como para a responsabilidade dos país, a fim de

que decidam diante de Deus a respeito do número de filhos que

éles estáo em condicSes de educar».

— 383 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 3

S. Eminencia o Cardeal Geriier, arcebispo de Liáo, aos 10 de fevereiro de 1961, assim se pronunciava numa entrevista concedida a imprensa: «Embora a Biblia considere a fecundidade dos lares como béncáo de Deus, ela nao nos incita a avallar a perfeicáo de urna familia pelo número de seus filhos. A generosidade da procriacSo só é hu

mana, caso respeite as personalidades: súas leis e seus limites sáo-lhe dltados pelo amor que a inspira. Por conseguinte, aos esposos toca o dever de se entenderem para evitar estados de gravidez de

masiado freqüentes, prejudidais a saúde da genitora; renunciaráo ao aumento da prole quando se julgarem incapazes de nutrir e edu car maior número de íilhos. Ao passo que a Moral católica rejeita

perepmtoriamente o enticoncepcionismo inspirado por egoísmo ou por um cconceito materialista da vida, ela aceita a limitagáo de natalidade orientada por prudencia que tenha em vista o bem dos íilhos, dos pais, da nacáo e da Igreja... Embora aprove urna sabia limitacáo da prole,... a Igreja Cató lica julga que o uso de métodos anticoncepcionistas se op3e a lei

natural, a, dignidade da pessoa humana e do amor humano. Assim se explica urna intransigencia que por vézes escandaliza, quando nao é devidamente compreendida: tal intransigencia nao é senSo fidelidade ao Criador e defesa do homem. Assim como a compaixao se desvirtúa quando ela leva alguém a matar um doente para pdr ter

mo aos seus soírimentos, assim a benevolencia para com um casal infeliz... n3o pode resolver um problema humano por vias indignas do homem* (textos colhidos em «Documentation Catholique» n' 1348, 1960, col. 372-374).

3. Até aqui, principios doutrinários... Agora urna palavrinha de Índole prática. A fim de se averiguarem as fases de esterilidade e fecun didade da natureza, sabe-se que existem métodos diversos. O mais conhecido é certamente o da tabela de Ogino-Knaus, que implica um cálculo... Ora, a fim de evitar os possíveis erros de raciocinio humano, que dáo lugar a decepcóes, existe um aparelhq calculador de precisáo, capaz de levar em conta as oscilacoes que nao raro ocorrem na fisiología da mulher; ulte riores informaeóes poderáo ser fornecidas pela firma distribui

dora do dito.aparelho «Indicador»: Avenida Copacabana 542, s/ 310, Rio de Janeiro (GB).

Existe também o método da medicáo de temperatura do organismo feminino: subidas e quedas de temperatura estáo correlacionadas com as fases interessantes da mulher, de sorte que, mediante a aplicacao de certas normas, especificadas em bula especial, se torna possível avaliar o estado em que se encontra o organismo feminino. A distribuicáo do termómetro

«Cyclotest» e de sua respectiva bula está a cargo da «Impor tadora Central S.A.», Caixa Postal 3531, Sao Paulo (SP), Possam estas linhas ser úteis á orientaQáo das consciéncias! — 384 —

SIGNIFICADO DO SINAL DA CRUZ

IV.

4)

LITURGIA

«Qual a origem do sinal da cruz dos cristaos?

Que significa propriamente?»

A fim de elucidar o assunto, examinaremos em primeiro

lugar o significado da cruz antes do Cristianismo; a seguir, analisaremos a prática do sinal da cruz entre os cristaos. ' 1.

A cruz antes de Cristo

A cruz é um dos símbolos mais antigos e difundidos en tre os povos — o que se deve provávelmente á sua configurá-

gáo extremamente simples e espontanea; consta de# duas li-

nhas retas que se cortam em direcóes opostas: a vertical, lem-

brando o fogo, representaría as aspiragóes mais profundas e ardentes do homem, sua sede de algo de melhor e sua- atividade; a linha horizontal, lembrando a superficie plácida da agua, representaría a tranqüilidade e a paz decorrentes da consecucáo do objetivo almejado.

E que conceitos teráo os homens associado ao símbolo

da cruz?

1. As primeiras nogóes que a humanidade parece ter concatenado com a cruz, eram alvissareiras ou de bom pre sagio, nao de mau agouro.

Como se poderia evidenciar issb? Em geral, o desenho da cruz era associado, entre os po<-

vos orientáis primitivos, a alguma das tres seguintes idétós, muito caras a todo homem : a idéia do sol, fonte dé calor, luz e vida (ou sej'a, de bem-estar); a idéia da térra hiteiía; do universo;, ou a idéia do homem mesmo.

Procuremos exemplificar cada urna dessas tres associa^

cóes:

a)

O binomio «cruz = sol, fonto de vida» é dos mais fre-

qüentes na antigüidade. a') Assim os caldeus na Mesopotamia representavam o sol por um disco donde procediam oito ralos; juntando teses ralos dois a dois, obtinham quatro bracos -ou feixes de luz a emanar (a Igual distancia) do disco central — o que equivalía a urna cruz. Entre os destrocos da idade do bronze, nao faltam; em objetos

de cerámica, em Jolas, os traeos característicos da cruz, a recordar um foco de luz ou o sol.

b') No Egito, um dos hlerogliíos tinha a forma de cruz; era o ank, o qual significava «vida, ser». Na v«rdade, o ank nada — 385 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 4

.

mais era um tau (T) munido de urna alga sdbre a trave horizon tal, para ser fácilmente transportado; tomava asslm a forma de urna chave, sendo por isto chamado «chave da vida». Do Egito, o símbolo ank ou a chave da vida difundiu-se para a

Fenicia e para outras reglfies do mediterráneo, aparecendo em túmulos,

cerámicas, jolas...

c') Outra modalidade de cruz antlga é a cruz gamada (assim dita porque se comp5e de quatro gamas (r)> unidos entre si pelas bases); encontra-se freqüentemente na Greda antiga e na Asia. Na India, a cruz gamada tinha o nome de swastiska (apelativo derivado de su, bem, e astí, está). Na China, a cruz gamada perten- '

cia aos sinais da escrita, exprimindo «pluralidades e, por consegulnié,

«abundancia, prosperidade, longa vida». No Japáo, representava o número 10.000 e, derivadamente, «abundancia, prosperidade». Os estudiosos tém perguntado: donde se poderla derivar o sen tido de bom agouro da cruz gamada? — Diversas sao as respostas apresentadas: a cruz gamada significarla ou agua corrente ou ó ar, ou o fogo, ou o relámpago ou o sexo feminlno ou o sol e seu 'aparente curso rotatorio. Cada urna destas explicacSes parece encerrar parte da verdade: em última análise, é bem posslvel que originariamente a cruz • gamada tenha representado o sol sol em seu aparente movimento (o sol é, sim, um dos elementos básicos que a cruz constantemente simboliza); posteriormente, a cruz gamada se terá tornado símbolo do movimento dos astros em geral

e, por extensao, símbolo de tudo aquilo que parece mover-se por si mesmo (a agua, o vento, o raio, o íogo, etc.). Conseqüentemente, a

cruz gamada flcou sendo aos poucos um símbolo de prosperidade,

fecundidade ou béncáo; em algumas regiOes, veio a ser mesmo o

emblema dos deuses que asseguram o desenvolvimento do homem

e da natureza.

Segundo Albert Reville, os aborígenes do México chamavam a cruz «árvore da fecundidade» ou «árvore da vida».

' ' b) A cruz era cara aos antigos também por simbolizar a térra ou o universo. Com efeito, por seus quatro bragos a

cruz alude ás quatro partes do mundo e aos quatro ventos

que trazem a chuva benéfica. Entre os chíneses, dizia-se que a Diyindade plasmou a térra em forma de cruz. O filósofo

grego Platáo (séc. V a.C), por sua vez, ensinava que a es-

trutura do universo é constituida por dois grandes eixos que se cortam ao meio em forma de X (cf. Timeu 36). Já na era crista, S. Jerónimo (t421), fazendo eco a ésse antigo modo de ver, interrogava:

«A Imagem da cruz, que representa ela senao a moldura quadrada do mundo?» (Com in Me).

c) O terceiro título que outrora valorizava a cruz, era a afinidade com o tipo humano. Com efeito, desde que estenda os bragos para os lados, o homem toma a forma de cruz; em conseqüéncia, nao era raro dizer-se que o homem foi feito se-

SIGNIFICADO DO SINAL DA CRUZ

gundo a figura da cruz. Nos destrozos da pré-história encontram-se amuletos e ídolos a representar o homem em forma

de' cruz.

2. No Imperio Romano, isto é, no fim da era pré-cristá, a cruz foi sendo mais e mais aplicada como instrumento de suplicio; destarte tomou-se lembrete de ignominia e morte; aos cidadáos do Imperio ela nao podia deixar de inspirar horror espontáneo (como a imagem da fórca horroriza o ho mem do séc. XX). Por isto mesmo a cruz, entre os romanos, nao tinha uso decorativo nem simbólico; estava mesmo banida do setor da estética. Recapitulando: nos primordios de sua historia, a cruz apa-,

rece como sinal de bom agouro, principalmente por estar nao' raras vézes associáda a idéia do sol, fonte de vida e felicidade.

Sómente no limiar da era crista a cruz se tornou motivo de escándalo e repudio, dado o largo uso que déla foram fazendo os magistrados na punigáo de criminosos. Ora foi em meio a tal estado de coisas que o Cristianismo, mensagem do Crucificado, comecou a se propagar. Conside remos, pois, o comportamento dos discípulos de Cristo em relagáo ao símbolo da cruz.

2.

1.

Os cristáos e o sinal da cruz

Muito embaracosa era a situacáo dos cristáos "frente

aos demais cidadáos do Imperio Romano: deviam-lhes apregoar a mensagem da cruz redentora, de modo a suscitar nao

sómente compaixáo, mas também entusiasmo e adoracáo díante de Jesús Cristo crucificado!

«Enquanto os judeus exigem milagros e os gregos anclam em busca da sabedoria, nos, da nossa parte, pregamos Cristo crucifi cado — escándalo para os judeus, loucura para os gentíos. Para aqueles, porém, que foram chamados — tanto judeus como gre-

gos —, é... poder de Deus e sabedoria de Deus» {S3o Paulo, 1 Cor 1,22-24).

Em tais circunstancias, os discípulos de Cristo nao hesi-

taram em acentuar o caráter aparentemente paradoxal da «Boa Nova» ou da salvagáo pela cruz. A fim de persuadir mais eficazmente, teráo, em casos oportunos, recorrido á es

tima que os antigos pagaos tributavam ao sinal da cruz; nao era esta, apesar de tudo que ela pudesse evocar de horrendo para um cjdadáo romano, um símbolo espontaneo de; bom agouro desde os primordios da humanidade? '■'■'•

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961. qu, 4 '

O seguinte episodio ilustra bem como os cristáos pro-

curaram aproveitar as antigás concepgóes de seus condda-

daos pagaos a fim de os levar á fé de Cristo:

O historiador cristáo Sócrates (t 439) refere que no ano de 389,

em Alexandria (Egito), «quando se demolla e despojava o templo de Serápis, foram encontrados caracteres ditos 'sacros' gravados sdbre pedras. Ésses caracteres tinham a configurac.&o da cruz; vendo-os, tanto os cristáos como os pagaos nao hesitaram em relacioná-los

com a sua respectiva religi&o. Os cristáos. considerando a cruz como

sinal da paixáo salutar de Cristo, julgaram tratar-se do sinal carac terístico da fé; os pagaos, porém, diziam que se tratava de algo de comum a Cristo e a Serápis... Levantou-se urna controversia so

bre o assunto, por ocasiáo da qual alguns dos gentíos convertidos ao Cristianismo e bem iniciados na significacao dos hierogliíos de-

ram a interpretacáo do sinal que tinha a forma de cruz; assevera-

ram, sim, que significa (em linguagem hieroglííica) a vida futura. Os cristáos aproveitaram-se entáo dessa circunstancia em favor da sua próprla religiáo, concebendo ainda mais ardor e seguranca na

defesa da sua causa. Entrementes aconteceu que alguém demonstrou, por meio de outros hieroglifos, que o templa de Serápis aelxarla de existir quando néle se tornasse notorio ao público o sinal

em forma de cruz a simbolizar 'a vida futura'. Diante disto, maior número de pagaos abracou o Cristianismo e. confessando os seus pecados, recebeu o Batismo» (Historia Eclesiástica V 17).

2. O fato é que desde cedo na historia do Cristianismo o sinal da cruz aparece como um dos gestos mais caros aos cristáos e mais freqüentemente praticados por éles. No séc. m, por exemplo, Tertuliano na África atestava

o ampio uso que do sinal da cruz faziam os fiéis ñas mais variadas contingencias da vida cotidiana: «Quando nos pomos a caminhar, quando salmos e entramos, quando nos vestimos, quando nos lavamos, quando Iniciamos as re-

feicOes, quando nos vamos deltar, quando nos sentamos, nessas oca-

si6es e em todas as nossas demais atlvldades, persignamo-nos a tes ta com o sinal da cruz» (De corona militis 3).

Pouco depois, a mesma praxe era testemunhada no Ori ente por Sao Cirilo de Jerusalém (t386): «Nao nos delxemos deter pela vergonha de confessar o Crucifi

cado. Corajosamente facarnos o sinal da cruz com a máo s&bre a nossa testa ao iniciar qualquer ato, ou seja. antes de comer e be ber, ao entrarmos em casa e ao sairmos, antes de nos deitarraos, ao adormecermos e ao nos levantarmos, ao caminharmos e ao descansarmos» (Catequese XIII 36).

O hábito de fazer o sinal da cruz estava táo arraigado entre os cristáos que até mesmo o Imperador Juliano (t 363), apóstata, costumava persignar-se nos momentos de perigo (cf. Teodoreto, Hist ecl. m 3). — 388 —

SIGNIFICADO DO SINAL DA CRUZ

O uso popular era, de resto, confirmado pela Liturgia da Igreja. É o que da a ver S. Agostinho no seguinte trecho : «Com o sinal da cruz consagra-se o corpo do Senhor (= a Euca ristía), santifica-se a fonte batismal, ordenam-se os sacerdotes e os outros ministros; numa palavra, consagra-se tudo que, por invocacáo do nome de Cristo, deve ser tornado santo» (serm. 181; cf. In lo tr. 118,5). Táo peremptório testemunho leva alguns estudiosos a supor urna tradicáo litúrgica muito antiga, datada talvez da época dos Apostó los, os quais teráo dado inicio e autoridade ao costume de fazer o sinal da cruz. Embora nao se possa insistir no valor desta hipótese, reconhecer-se-á que documentos do séc. II (como as «Constituigoes da Igreja do Egito», os «Atos de Sao Joáo,... de Sao Tomé,... de S5o Pedro) aludem explícitamente á praxe de persignar-se vigente entre os crlstáos da época. Sabe-se ademáis que os catecúmenos da primitiva Igreja eram repetidamente assinalados com a marca da cruz, marca esta que íazia parte também do ritual do Batismo.

3. Quanto á maneira como se fazia o sinal da cruz, deve-se notar o seguinte : Tratando-se de pessoas, nos primeiros sáculos ou o próprio cristáo ou o ministro sagrado marcava apenas a testa mediante o polegar ou o dedo indicador da máo direita, de acordó com o que insinúa Sao Joáo no Apocalipse (cf. Apc 7,3; 9,4; 14,1). O sinal podia ter a forma de cruz (-f) própriamente dita ou de tau (T) ou de chi (X).

Aos poucos, passou-se a assinalar também a boca do cris táo, os seus olhos, por fim, o seu coracáo ou o seu peito, a fim de imprimir um sinal de santificagáo respectivamente as

palavras, aos olhares e aos afetos da pessoa (o tríplice sinal da cruz feito sucessivamente sobre a testa, os labios e o peito ainda está em uso na Liturgia, desempenhando um papel sim bólico bem evidente).

Desde cedo, como referem os testemunhos de Tertuliano e S. Cirilo de Jerusalém, o mesmo gesto simbólico foi sendo

tragado outrossim sobre os objetos de uso cotidiano dos cristáos, principalmente sobre os alimentos, a fim de comunicar

um valor religioso a todos os atos do discípulo de Cristo, mes

mo aos que ele realiza em comum com os demais seres vivos (como o comer e o beber); ficava (e fica) assim realgado que nada é profano ou meramente leigo na vida de um cristáo, mas tudo deve ser exercício da obra da Redengáo, iniciada por Cristo na cruz do Calvario e desdobrada por cada cristáo no setor de atividades em que a Providencia o colocou.

Consta, alias, que na antigUidade e na Idade Media a cruz íazia as vézes de assinatura, no caso dos analfabetos, representando assim a própria pessoa do cristáo.

— 389 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 4"

4. A posigáo dos dedos, ao tragarem o sinal sagrado, variou no decorrer dos tempos. Do séc. VI em diante, lsto é, após o surto da hcresia monoílsita

(que afirmava haver em Cristo urna só natureza e urna só pessoa),

os monofisitas fizeram questáo de professar a sua doutrina persignando-se e dando a béngáo com um único dedo estendido (para sim bolizar urna só natureza em Cristo), ao passo que os cristáos fiéis á reta fé, no Oriente, paSsaram a tracar o sinal da cruz com dois de

dos estendidos (o polegar e o indicador ou o indicador e o medio),

a íim de afirmar as duas naturezas em Cristo. Na mesma época introduziu-se também o uso de estender tres dedos para professar a fé na SSma. Trindade ou o trinomio «Jesús Cristo Salvador». Tornou-se também habitual, a partir do séc. VIII no Oriente, o

gesto de unir entre si as extremidades do polegar e do anular, de

modo a formarem um circulo, ficando os tres outros dedos (o indi

cador, o medio e o mindinho) estendidos; tal configuracáo da mió

devia exprimir, pelo seu número ternario, a íé na SSma. Trindade e, pelo seu binario, a crenca ñas duas naturezas de Cristo; havla de

lembrar outrossim

as

letras

«Jesús Cristo Salvador»).

gregas

I X C

(iniciáis

da fórmula

No Ocidente, tornou-se costume estender os tres primeiros de

dos, ficando o anular e o mindinho dohrados; os beneditinos, a par tir do séc. VIII, davam a béncáo estendendo os cinco dedos da mao (a simbolizar as cinco chagas do Senhor, como geralmente se diz); esta praxe tornou-se obrigatória no Ocidente por ordem do Papa Sao Pió V (tl572).

5.

Pergunta-se agora: e de guando data o grande sinal

da cruz, que vai da testa ao peito e de espádua a espádua? Há possíveís vestigios de tal rito no séc. V, pois o biógrafo de Sao Severino de Colonia (f 482) narra que éste santo, an tes de morrer, fez com a máo estendida o sinal da cruz sobre todo o seu corpo (Mon. Germ., Auct. Ant. I 28). O rito pare ce ter-se difundido principalmente por obra dos monges. Muito provávelmente, a principio, para fazer o grande sinal da cruz, estendiam-se apenas os tres primeiros dedos e passava-se da es pádua direita para a esquerda (gesto que os cristáos orientáis ainda hoje conservam). Após o séc. Xm foi prevalecendo en tre -os ocidentais a praxe, atualmente usual, de fazer o grande sinal com a máo direita aberta, passando-se do ombro esquerdo para o direito. — A que motivos se devem tais múdangas? — Difícil seria afirmar alguma coisa a ésse propósito. O Papa Inocencio III (t 1216), sem pretender indicar a origem

histórica das modalidades do sinal da cruz, propunha interpretagoes

alegoristas do mesmo, de acordó com a mentalidade de sua. época.

Asslm, por exemplo, referindo-se á maneira mals antlga de fazer o

grande sinal, explicava que os tres dedos estendidos significavam a SSma. Trindade, a qual, conforme o profeta Isaías «com tres dedos mede a massa do globo terrestre> (cf. Is 40,12); a mao seria levada

— 390 —

SIGNIFICADO DO SINAL DA CRUZ de cima (da testa) a babeo (ao peito), porque Cristo desceu do céu ■ á térra;... da direita para a esquerda, porque o mesmo Senhor passou dos judeus para os gentíos!... Quanto a modalidade posterior, ocidental, dizia o mesmo autor que a máo passava da espádua es querda para a direita porque nos nos devemos transferir da miseria para a gloria, como Cristo se transferiu da morte para a vida (cf. De sacro mysterio n 45, ed. Migne lat. 217, 825). Tais explicares nao se impCem; serviráo para nutrir a pledade de quem se sinta allciado por elas!

No séc. XVI aínda estavam em vigor no Ocidente as duas modalidades (a mais antiga e a nova) de se fazer o grande sinal da cruz. Éste era, naturalmente, acompanhado de urna fórmula. A principio proferia-se a simples indicacáo: «Signum crucis (eis o sinal da cruz)» ou a clássica profíssáo de fé trinitaria:

«Em nome do Pal, do Filho e do Espirito Santo», ainda usual.

Os gregos costumam hoje em dia dizer: «Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nos». Ocorre outrossim. nos rituais latinos a invocagáo do Senhor: «Nosso auxilio está no nome do Senhor» ou «Deus, vinde em meu auxilio».

6. Recapitulando, pode-se assim propor o significado do tradicional sinal da cruz, táo caro aos cristáos : 1) É primeiramente o sélo do Senhor, imposto ao res pectivo discípulo, a fim de indicar que o cristáo pertence to

talmente (alma e corpo, pensamentos, palavras e obras) a Cristo; dai a razáo de se persignarem as principáis partes do

corpo (testa, labios, coracáo, ouvidos, olhos...).

2) É profíssáo de fé em Cristo e, em particular, no po der redentor da cruz; daí utilizar-se freqüentemente o sinal da cruz para dissipar as tentagóes e insidias do demonio; dizia mesmo urna antiga fórmula que acompanhava o «persignar-

-se»: «Eis a cruz do Senhor; fugi, ó hostes adversarias!» Ain da atualmente no Ritual do batismo o ministro faz o sinal da cruz sobre o candidato, dizendo: «Éste sinal da santa cruz que nos impomos á testa (de tal catecúmeno), tu, ó maldito demonio, nunca ouses violá-lo». Pelo mesmo motivo, ao se praticar o exorcismo, multiplicam-se os sinais da cruz sobre a pessoa possessa.

3)

É invocagáo da gra$a e da bengáo de Deus sobre pes-

soas ou objetos, invocagáo feita mediante os méritos da cruz (ou da crucifixáo) de Cristo. Por esse motivo, todos,os sa

cramentos sao acompanhados do sinal da cruz; qualquer bén— 391 —

«PERQÜNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961. qu. 5

gao é dada mediante o sinal da cruz, pois, como dizia Sao Leáo Magno (t 461), «a cruz de Cristo é a fonte de todas as béncáos, é a causa de todas as gragas» (serm. 59,7). 4) Pode acontecer que o sinal da cruz tenha valor me ramente indicativo, servindo apenas para designar pessoas ou coisas a que se refira alguma fórmula de oracáo. Assim Ru fino de Aquiléia (t 410) narra que os fiéis costumavam per

signar a testa quando proferiam no símbolo de fé as palavras: «Creio... a ressurreigáo desta carne» (Com. in Symb. Apost.

43). As cruzes que o sacerdote faz sobre a hostia e o cálice após a Consagracáo da S. Missa já nao podem ter valor de béngáo, mas sao meros sinais indicativos. Apéndice

A guisa de complemento, seguem-se algumas notas sobre a posicáo doutrinárla dos protestantes a respeito do sinal da cruz. Lutero, em seu contraste contra Roma, eliminou dos oficios pú

blicos tal sinal; nao obstante, recomendou calorosamente aos discí

pulos, nao deixassem de o fazer todos os días de manha ao se levantarem. As «ConstituicOes Eclesiásticas» de Hannover (1536-89), por

sua vez, aboliram o sinal da cruz no culto; o teólogo luterano Brenz, no séc. XVI, receava que ésse gesto levasse os fiéis á magia! Contudo o sinal da cruz nao desapareceu logo por completo; ao contrario, muito mereceu a estima das comunidades protestantes,

principalmente por ocasiSo da celebracSo da cela do Senhor. O racionalismo do séc. XVIII fol funesto para tal gesto simbóli co; o escritor protestante J. C. Velthusen preconlzava a total exüncSo do mesmo, desde que nSo ídsse necessário para satisfazer & mentalldade dos fiéis mais fracos na fé; G. B. Elsenschmidt julgava que o «perslgnar-se» favorecia a supersticáo; em conseqüénda, por todo o sáculo passado ésse gesto estéve, por assim dlzer, banido dos usos protestantes.

Nos últimos decenios, porém, já se tém feito ouvir testemunhos a favor de sua restauracüo. Basta citar H. Asmussen: além de afir

mar dlferenga radical entre «sinal da cruz» e «magia» ou «encanta mento», éste autor observa que a cruz tragada por ocasiao de urna béncao constituí um sabio lembrete de que a promessa de béncao

messianica se cumpriu pela cruz de Lehre vom Gottesdlenst. München chamada «Alta Igreja Anglicana» tdéias do Catolicismo a respeito do

Jesús Cristo (cf. Asmussen, Die 1939, 257-9). Principalmente a (ffigh Church) compartilha • as sinal da cruz. — É assim. que a

cruz mais urna vez atrai os homens!

V.

MAE DE FAMILIA

PEDAGOGÍA

(Sao Paulo):

5) «Como julgar a celeuma suscitada pelo Tlano de Diretrizes e Bases da Educaeáo Nacional'? — 392 -^

«DIRETRIZES E BASES» DA EDUCACAO

Diz-se, entre outras coisas, que ésse projeto equivale a tqn golpe contra a Escola Pública, democrática, em favor dé interésses particulares, aristocráticos!»

O Plano de Diretrizes e Bases da Educagáo Nacional tem

provocado um alarde muitas vézes injusto, pois a experiencia

.vem mostrando que bom número dos que o discutem nao o co-

nhecem exatamente. De outro lado, acontece que os oposito res do projeto freqüentemente o apresentam desfigurado, como se fósse obstáculo á escola pública ou instrumento de interésses financeiros de cidadáos e entidades particulares.

Na verdade, o debate em tomo do famoso projeto está longe de ser questáo de distribuicjio de verbas ou de administragáo do ensino. Em última análise, o alcance do projeto ultrapassa a esfera dos especialistas; afeta diretamente a fami lia brasileira ou mesmo cada cidadáo em particular. Com efei-

to, «Diretrizes e Bases» representa toda urna filosofía ou urna concepcáo geral do homem e da vida, de tal modo que os adversarios do projeto, consciente ou inconscientemente, re-

presentam outra filosofía, radicalmente diversa da anterior. Em conseqüéncia, o «Sim» ou o «Nao» dito ao projeto signi fica, em última análise (talvez nem todos tenham consciéncia disto), urna tomada de posicáo geral perante o homem, a fa milia e o Estado.

É o que a exposigáo abaixo tentará evidenciar, analisan-

do sucessivamente as linhas características e a oportunidade do Plano de Diretrizes e Bases. 1.

A.

As características do Projeto

Familia e Estado diante do direito de educar

Distinguimos duas maneiras de apreciar o homem, frontalmente opostas urna á outra.

1)

Pode-se considerar o homem como personalidade, isto é,

como ser dotado de inteligencia e liberdade,

responsável portante por seus atos e, conseqüentemente, portador de dlreitos e deveres indevassáveis.

A personalidade está imediatamente relacionada com a familia, onde ela nasce e se desenvolve normalmente.

As familias unidas entre si dáo a nacao. Esta é dirigida

por um govérno civil (o Estado), cuja tarefa vem a ser «pro_ 393 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 5

mover o bem comum das familias e dos individuos», respeitando a responsabilidade, a liberdade e os direitos de cada qual, sem os absorver. Ao Estado compete estabelecer os principios necessários para que as iniciativas livres dos mem-

bros da sociedade nao redundem em dispersáo, esfacelamento

ou injustiga, mas, ao contrario, haja colaboragáo harmoniosa em prol do bem comum. A atuagáo do Estado assim conce bida nunca chegará a ser tal ou táo íntima que equiválha a padronizagáo ou a sufocagáo do direito que a cada cidadáo compete, de desenvolver livremente a sua personalidade. Dentro desta ideología, EDÜCAQAO vem a ser direito e dever dos genitores, pois a prole (como quase continuagáo de

seus pais) pertence a estes e com éles integra a familia, Ao Estado toca o papel de secundar e favorecer a funcáo dos pais, sem tomar dianteira sobre éles, antes garantindo-lhes a liber dade de escolher o tipo de educagáo e a escola que quiserem destinar a seus filhos. As familias, portante, o Estado há de

fornecer ou suas escolas (escolas ditas «públicas») ou os ne cessários subsidios financeiros para que, após livre opgáo, as familias pobres possam, nao obstante a sua pobreza, exercer o direito de educar seus filhos no educandário particular que

lhes satisfaga, sem estarem obrigadas a seguir a escola do

Estado.

É a ésse modo de ver que se chama «pensamento demo

crático» ou simplesmente «democracia». Numa palavra: esti ma o homem como algo mais do que um ser material, desti nado a produzir e consumir bens materiais; respeita no homem valores moráis, que o relacionam diretamente com Deus, fazendo que a personalidade humana nao seja toda e exclusiva mente voltada para a sociedade visível e para éste mundo ter restre.

2)

Doutro lado, deye-se registrar a ideología do totali

tarismo, seja direitista (fascista), seja esquerdista (marxista). Pode-se dizer que o totalitarismo transiere para o Estado to

dos os direitos, de modo que o individuo na sociedade só goza

dos direitos que o govérno se digne de conferir-lhe. O ser hu mano é assim reduzido á categoría de mera unidade dentro de urna massa padronizada, que tem que pensar e querer como o Estado ou o govérno pensa e quer.

Em conseqüéncia, entende-se que a EDUCA^AO venha a ser considerada tarefa da algada exclusiva do Estado. Sim; nessa ideología a crianga nao pertence aos pais ou á familia, mas ao Estado; éste, subtraindo-a desde cedo á orientagáo dos

genitores, se encarrega, mediante rijo plano de educagáo, de — 394 —


lhe incutir o modo de pensar e querer que o govérno deseje. Aos pais e ás entidades particulares só pode caber alguma tarefa educacional na medida em que o Estado, por mero bene plácito, a queira conceder e dentro das condigóes que ele es tipule. — Há entáo escola única, padronizada, em que todos os cidadáos desde cedo sao exercitados a julgar e agir do mesmo modo, sem liberdade para expandir sua própria personalidade. Um dos testemunhos mais eloqüentes que a tal propósito se possam ler, é o de Benito Mussolini, o mentor do fascismo italiano, que assim falava a um jornal estrangeiro: «Nao admitiré! que ninguém, absolutamente ninguém, ouse tocar no que pertence ao Estado. Minha fórmula é bem clara: tudo com o Estado, nada contra o Estado. A crianca, asslm que atinge a idade de aprender, pertence ao Estado e só a ele... e nao há partilha pos-

sivel»

(citado por André Saint-Denis, em «Pío XI contra os Ído

los», 220).

O mesmo Mussolini voltava a afirmar:

«O Estado fascista assume todas as formas da vida moral e in telectual do homem. Ele é forma e norma interior que disciplina

toda a pessoa, e penetra a vontade assim como a inteligencia («Dottrina», citado por Jules-Bernard Gingras, Initation á la science politique, pág. 47).

Como se vé, no Estado totalitario fascista é o govérno quem dita o modo único de pensar, querer e agir de todos os

cidadáos, e o dita a comecar da idade mais tenra dos indivi

duos, desde a escola primaria. O mesmo se dá nos regimes to talitarios da extrema esquerda, os quais costumam ser veementes implantadores de suas idéias : Haja vista, por exemplo, o que se deu em Cuba, onde urna das primeiras medidas de Fidel Castro fol o fechamento das escolas par ticulares (cf. «Diario de Noticias» do Rio de Janeiro, de ll/VI/61,

2' cliché, dorso).

Levem-se em conta as Constituicoes dos governos marxlstas mo dernos, como a da Alemanha Oriental, datada de 7 de outubro de 1949 : nos artigos 34-40 declara nao admitir a escola particular. A Constltuicao da Tcheco-Slováquia, de 9 de junho de 1948, no seu § 13,2, prescreve: «A instrucáo básica é única, obrigatória e gra

tuita.». No § 14,2: «O Estado controlará todo o ensino e tdda a educacao, que se hao de ministrar de tal maneira que sejam conformes com os resultados das pesquisas científicas e nao estejam em desacdrdo com o regime popular democrático». A Constituicáo da Bulgaria, de 4 de na que «a instrucáo é leiga e marcada progressivo» (art. 70, alinea 1"); «a lei ticulares sob o controle do Estado» (art. — 395 —

dezembro de 1947. determi pelo espirito democrático e pode autorizar escolas par 70, alinea 3').

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 5 A Constltuigáo da Iugoslávla, de 31 de Janeiro de 1946, reconhece

possa a lei autorizar escolas particulares, desde que controladas pelo

Estado (art. 38, alinea 3).

2. Estabelecidas estas duas maneiras de conceituar o homem e a sociedade, pergunta-se qual a posigáo de «Dfretrizes e Bases» em relagáo a elas?

O Plano de Diretrizes e Bases se sitúa precisamente soba inspiracáo da ideología democrática: proclama ser a educacáo

um direito dos genitores e da familia, cabendo ao Estado a

obrigacáo de respeitar e fomentar tal direito, sem possibilidade de jamáis o sufocar.

Eis como se abre o referido Plano : «Titulo I

Art. 1*. A educacáo nacional, inspirada nos principios de llberberdade e nos ideáis de solidariedade humana, tem por finí: a) a compreensáo dos direitos e deveres da pessoa humana do ddadao, do Estado, da íamilia e demais grupos que compñem a comunldade;

,

.

b)

o respeito k dignidade e ás liberdades fundamentáis do

d)

o desenvolvimento integral da personalidade humana e

homem;

a sua participacáo na obra do bem comum.

Titulo H

Art. 2*.

A educacáo é direito de todos e será dada no lar e na

escola.

Parágrafo único. A familia cabe escolher, com prloridade, o gé nero de educacáo que deve dar a seus filhos. Art. 3*.

O direito á educacSo é assegurado:

I) pela obrigacáo do Poder Público e pela liberdade de ini ciativa particular de minlstrarem o ensino em todos os graus,. na

forma da lei em vigor;

II)

pela obrigacáo do Estado de fornecer recursos indispen-

sáveis para que a familia e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos encargos da educacáo, quando provada a insuficiencia de meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.

Titulo m

Art. 4». É assegurado a todos na forma da lei o direito de trans mitir seus conhecimentos, nao podendo o Estado favorece^ o mono polio do ensino.

— 396 —

«DIRETRIZES E BASES> DA EDUCACAO

Analisemos sumariamente o significado destas "declaragóes básicas:

- Como se vé, o projeto coloca no centro de toda a atividade educacional a pessoa humana (art. 1»), o que quer dizer: reconhece a todo cidadáo liberdade de pensamento, direitos e deveres, em fungáo dos quais sao concebidos os direitos e deveres do Estado (e nao vice-versa). Conseqüentemente, afirma o projeto que a educagáo co-

meca no lar, seguindo (é obvio) a orientagáo que os genito res e familiares lhe queiram dar; continuando na escola, a educagáo deverá naturalmente estar em harmonía com os prin cipios ministrados no lar; o que implica (como, alias, o proje to explícitamente declara no § único do art. 2') em liberdade dos pais na escolha do sistema educacional pelo qual háo de encaminhar seus filhos. Nao se tolera, portanto, que o Estado monopolize a escola de modo a só deixar subsistir um tipo de educandário ao qual as familias (concordem ou nao) se devam conformar. Ao contrario, aos pais será fornecida ampia

escala de educandários, que compreenderá tanto os de inicia tiva particular (inspirados pela orientagáo filosófica e religiosa que os respectivos diretores lhes quiserem dar) como os de iniciativa do Estado (orientados pelas normas que o govérno

houver por bem ditar, dentro dos termos do respeito á personalidade).

Está claro que dentro dessa variegada escala de educan dários há de se observar um mínimo de legislagáo comum. Por conseguinte, o Estado terá o inegável direito, e mesmo a obrigagáo, de formular os estatutos necessários para que as

iniciativas dos educadores particulares nao redundem em dispersáo de fórgas e confusáo, mas, antes, convirjam harmonio-

sámente para a consecugáo do bem comum. Tais estatutos poderáo ser táo minuciosos quanto isto fór necessário para o bem da nagáo, nunca, porém, a ponto de padronizar a educagao.

3.

De duas maneiras preenche o Estado o seu papel de

1)

Criando escolas públicas para todos os graus de en-

uixiliar as familias no esfórgo educacional: sino.

■•• Contudo, se o Estado apenas cuidasse de abrir escolas públicas obrigaria os particulares pobres (impossibiUtados de pagar a escola particular) a renunciar ao seu direito de es colha: a posigáo do pobre seria de avassalamento á escola pu blica ou ao ensino ministrado pelo Estado, o que é antldemo— 397 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, qu. 5

crático. Por conseguinte, a fim de evitar éste mal, o Estado, além de criar suas escolas, deverá auxiliar a familia também. 2) forneccndo os meios financeiros indispensáveis para que os genitores necessitados possam, caso o desejem, recorrer a escola particular.

Destarte o govérno fará que a pobreza nao seja motivo para que a familia renuncie a direitos legítimos, caindo, em certo grau, no servilismo ao govérno. » Donde se vé que nao é justo preconizar, sejam os recursos

públicos aplicados únicamente na fundagáo e manutengád de escolas públicas. Éste adagio que, á primeira vista, parece su

mamente equitativo, em última instancia equivale a suma iniqüidade; redunda, sim, em exploragáo do pobre por parte do

Estado, pois éste, deixando de subvencionar os particulares na tarefa educacional, os estará privando simplesmente do exercído de um de seus mais legítimos direitos. A liberdade

seria entáo privilegio dos ricos, enquanto os pobres ficariam reduzidos a servir.

Vém muito a propósito aqui algumas írases do Papa Pío XI,

que resumem quanto acaba de ser dito :

«É certo que o Estado nao pode nem deve desinteressar-se da educacáo dos cidadSos, mas há de contribuir sdmente com aquilo que o individuo e a íamilia nao podem fazer por si mesmos. O' pa pel do Estado nao é, pois, absorver, devorar ou aniquilar o indivi

duo e a familia, o que seria um absurdo, contrario á natureza, pois

a familia existe antes da sociedade, antes do Estado. O Es.tado nao pode, portante desinteressar-se da educacao, mas sua parte de contribuieao é urna colaboracáo destinada a prover o que é necessário e suficiente para ajudar e aperíeicoar a ag§o da familia; deve cor responder plenamente aos desejos do pai. e da. mSe e, ácima de tudo,

respeitar o direito divino da Igreja»JPIo XI, alocucao aos aluno, de

Mondragone, de 14 de malo de 1929.

Atos de S.S. Pió XI, t. 5,

pág. 116-120).

B.

Escola pública ou escola única?

Afirmando a liberdade de educagáo, o Projeto de Diretrizes e Bases de modo nenhum se opóe á escola pública, como tantas vézes se diz; apenas preconiza a coexistencia pacifica de escola pública e escola particular, a fim de que os cidadaos

nao sejam avassalados pelo Estado. A experiencia bem ensina que se o Estado ñáo subvenciona os educandanos ^parti-

culares e as familias, a escola particular difícilmente subsiste: ela baixa de nivel e tende a desaparecer. — 398 —

cDIRETRIZES E BASES» DA EDUCACAO

O projeto, portante, nao é contrario á escola pública, mas á escola única, de tal modo que aqueles que o combatem em

nome da escola pública, como se esta fósse lesada por tal lei, parecem, em última análise, ter em mira defender a escola

única, a escola totalitaria e, conseqüentemente, um regime de govémo totalitario em lugar de govérno democrático. Para confirmar esta conclusao, pode-se citar o fato de que as ordens de comando do Partido Comunista Internacional para seus

delegados na América Latina visam explorar as campanhas em prol

da escola pública como instrumentos em prol da escola totalitaria ou ún'ca Estas ordens nao estariam sendo executadas pelos adversa rios do Projeto de Diretrizes e Bases, que, na verdade. nSo tenam motivo para protestar em favor da escola pública, se em última analise nao estivessem servindo á escola única?

Com efeito, sabe-se que, de acordó com Instrucoes emanadas de Pequim (centro de propaganda encarregado de prover á campanha comunista na América Latina), os marxistas elaboraram um progra ma de acao, que o escritor C. Godoy, em seu livro «Plano para a América Latina», comenta minuciosamente, referindo nos seguintes

termos algumas das normas oriundas de Pequim:

«A titulo de centros ativos da luta, será necessário implantar em todas as partes Comités de Ajuda á Escola Pública, que serviráo para o recrutamento de simpatizantes nao comunistas. Nessa luta, os comunistas devem preocupar-se em conquistar a direcáo. para isso dever&o ser recrutados especialmente professóres filiados & Federag&o Internacional dos Sindicatos de Enslno. Além disso, o plano (comunista) trata da preparacáo de um Congresso de Apoio á Escola Pública, que servirla para mobilizar todas as forgas laicas e anticlericais disponiveis e articular a ofensi va cultural e anti-religiosa comunista no plano internacional latino-americano>.

Sumariamente : o reconhecimento da personalidade hu mana, de sua liberdade, de seus direitos e deveres em geral e, de modo especial, no tocante á educagáo, eis a nota mais mar

cante do Projeto de Diretrizes e Bases. Devem-se agora salientar alguns outros tragos, que se

deduzem naturalmente do que acabamos de enunciar. C.

Distribuicao de recursos para a educacáo

O art. 94 do Plano leva explícitamente em consideracáo a distri

buicao de auxilios financeiros ás familias para que estas possam es-

colher livremente a escola que desejarem :

«Art 94.

A Uniao proporcionará recursos a educandos que de-

monstrem necessidade e aptidáo para estudos, sob duas modalidades: a)

bolsas gratuitas para custeio total ou parcial dos estudos;

b)

financiamento para reembolso dentro de prazo variável, nun

ca superior a quinze anos,

— 399 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961, gu. 5

§ 1'.

Os recursos a serem concedidos sob a forma de bolsa de"

estudos... poderáo ser aplicados pelo candidato em estabelecimento de ensino de sua livre escolha».

Éste artigo, que alguns julgam nocivo á escola pública,

está longe de ser tal. O Projeto nao cria nem amplia subvenQóes a escola particular; apenas mantém o que está sendo con

cedido, visando assegurar ainda melhores resultados, sem de trimento para o ensino público. De resto, todo vestigio de dúvida se dissipa desde que se leia o art. 93 do Projeto, em que

é professada urna certa preferencia em favor da escola pública:

«Art. 93. Os recursos a que se refere o artigo 169 da Constituicao Federal, serao aplicados preferencialmente na manutencáo e

desenvolvimento do sistema público de ensino de acordó com os pla

nos estabelecidos pelo Conselho Federal e pelos conselhos estaduais de educacáo, de sorte que se assegurem:

1.

o acesso a escola do maior número possível de educandos;

2.

a melhoria progressiva do ensino e o aperfeigoamento dos

.

servicos de educacáo...>

E aue estipula o art. 169 da Constituicáo Federal? — Ei-lo: «Anualmente a Uniao aplicará nunca menos de dez por cento, e

os Estados, o Distrito Federal e os Municipios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos, na manutencáo e desen volvimento do ensino».

Falando-se de custeio da educagáo, nao se poderia deixar de lembrar aqui que o ensino particular resulta consideravelmente mais barato do que o ensino oficial.

«Estabelecido o custo medio por aluno, no curso de um ano, ve-

rifica-se que o custo do ensino secundario ministrado por estabelecimentos particulares é quatro vézes menor do que o fornecido por estabelecimentos oficiáis; com relagSo ao custo do ensino superior, a

diferenea é de seis vézes menor em favor dos estabelecimentos par ticulares; face ao ensino normal, dez vézes mais barato é o ensino ministrado nos estabelecimentos privados.

Interessante será conhecer as conclusSes a que chegou a ComissSo Parlamentar de Inquérito. constituida em 1957 para 'investigar

o alto custo do ensino particular no Brasil1. Após ouvirem os mais destacados educadores do país e examinar anuidades e salarios vi

gentes nestes últimos anos em cérea de 2.200 estabelecimentos de ensino medio, a Comissao Parlamentar apurou 'nao haver exagero nos precos atualmente cobrados pelos estabelecimentos de ensino particular desde que satisfeitas as exigencias de ordem material e pedagógica do Ministerio da EducacSo'. O encarecimento do ensino nesta última década, em media de 150 %. nem foi proporcional á alta «eral do custo de vida, que chegou a 300 %. Mais ainda, verificou a

ilustre Comissao que os estabelecimentos oficiáis gastam per capita, — 400 —

e ¿ases» da educacao com seus alunos, multo mais do que cobram os educandários parti

culares mais caros. Fósse a verba que se aplica na manutengáo désses educandários oficiáis empregada em abonos escolares, poderia

estudar, gratuitamente, em escolas particulares um número bem mais elevado de alunos necessitados (Sérvulo Master, O Estado e a escola particular, pág. 11).»

O texto ácima íoi-transcrito do estudo «Diretrizes e Bases da Educacao Nacional» da autoría do Prof. José Sanseverino. Pdrto Alegre 1960, pág. 67s.

Note-se que, sendo cara e dispendiosa para o Estado, a escola pública vem a ser naturalmente cara e dispendiosa para o povo.

Replica-se, porém: tém-se verificado abusos dos parti culares na aplicagáo das verbas que o Estado lhes envial — O abuso nao extingue o uso. Dado que se registrem tais abusos, o remedio nao há de ser a extingáo das sub-

vengóes, mas, sim, o controle por parte do Estado, a fím de assegurar o emprégo legítimo dos dinheiros públicos; sem dúvida, o govérno tem o direito de fiscalizar o destino dado as contribuicóes que ele outorga.

Seja licito, alias, chamar a atencSo para o seguinte particular

(ao lado do qual muitos outros semelhantes se poderiam citar): em 1958, dentre 472.819 alunos matriculados em educandários católicos,

137.273 receberam instrucáo gratuita, enquanto 30.238 gozavam de mais de 50 % de reducfio da respectiva anuidade. Isto bem mostra que as escolas particulares podem desempenhar um servico público nao desprezivel.

D.

Flexibilidade dos programas de ensino

O Plano de Diretrizes e Bases reconhece aos estabeleci-

mentos de ensino a possibilidade de adaptar seus curriculos as exigencias da populacho que os freqüenta. Desta forma a

instrugáo se torna muito mais viva e penetrante, perdendo a nota de artificialidade estéril que muitas vézes tem, desde que se queiram seguir os mesmos programas de ensino em diver sas regióes do país. No Brasil entende-se que as populacOes do Norte, do Nordeste,

do Centro é do Sul tenham seu nivel cultural próprio e, por conse-

guinte, suas indigencias especificas no setor dos programas escola

res. Essas exigencias tornam necessária a flexibilidade dos progra mas de ensino. cabendo ao Estado estipular o mínimo de materias e principios a ser observados na organizacáo dos currlculos, a fim de que nao naja prejuizo do bem comum nos esforcos educacionais dos particulares.

— 401 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 45/1961, qu. 5

E.

Certa descentraliza§So da administragáo do ensino

Etn vez de concentrar a administragáo do ensino numa única entidade como é o Ministerio da Educagáo e Cultura, o

Projeto desmembra-a, confiando-a a tres órgáos: o Ministerio da Educacáo, o Conselho Federal e os Conselhos Estaduais de Educacáo.

Os Conselhos Estaduais constituem inovacSo na materia, inovac&o porém, oportuna, pois seu papel principal consiste precisamente em'adaptar as leis gerais do ensino as circunstancias particulares

de cada Estado, tornando assim o sistema geral de educacáo mais significativo e eficaz. Ésses Conselhos seráo integrados tanto por

técnicos do govérno como por representantes do ensino particular,

de acordó com o art. 10 do Projeto.

F.

Reconhecimento de estados e diplomas

O Plano estipula que os estudos efetuados nos educandá-

rios públicos e particulares seráo igualmente reconhecidos para todos os fins: «Nao haverá distincáo de direitos, para qualquer fim, entre os

estudos realizados em estabelecimentos oficiáis e os realizados em estabeiecimentos particulares reconhecidos» (art. 19).

Éste artigo (ao qual fazem eco os art. 5 e 58) decorre lógicamen te da existencia da escola particular. Teve grande repercussao prin cipalmente entre as normalistas do Estado da Guanabara, onde sómente as alunas diplomadas pelo Instituto de Educacáo, mantido

pelo govérno. podem ingressar no magisterio oficial. Ora evidentemente éste dispositivo da Guanabara, além de ser

pouco justo em si, íere frontalmente a Constituicáo Federal Brasileira, que no seu art. 184 reza:

«Os cargos públicos sao acessíveis a todos os brasileros, obser vados os requisitos que a lei estabelecer». Donde se vé que nao se pode vedar a um grupo de brasileiros

o acesso a cargo público pelo simples motivo de nao possuir diplo

ma fornecido por estabelecimento oficial, quando a existencia dos estabelecimentos particulares é reconhecida pela própria ConsUtuicáo Federal no seu art. 167. Fora da Guanabara, qualquer jovem diplo mada por escola normal pode pleitear colocagSo no magisterio oficial. 2.

tJm confronto...

Finalmente, para a orientagáo de quem deseje proferir

um juizo objetivo sobre a Lei de Diretmes e Bases, parece

oportuno oferecer um confronto entre ésse Plano e dois outros documentos que norteiam a democracia no Brasil: a Cons tituicáo Nacional de 1946 e a Dedaragáo Internacional dos Direitos do Homem, promulgada pela Organizacáo das Nagóes Unidas (ONU) aos 10 de dezembro de 1948. — 402 —

'

«DIRETRIZES E BASES» DA EDUCACAO A fólha anexa apresenta ésse confronto, transcrito (após adaptaq&o necessária) da revista «Presenca» n* 6, marco de 1961 (Rúa Mi guel Lemos 97, Rio de Janeiro, GB).

A guisa de complemento da tabela anexa, pcde-'se observar ainda o seguinte:

O Protocolo Adicional da Convencáo Européia dos Direitos do Homem, firmado em 1952 pelo Conselho da Europa, estipula : «Art. 2. O Estado, no exercicio das fung5es que assumir nos dominios da educacao e do ensino, respetará o direito dos pais de assegurar essa educacüo e ésse ensino de acordó com suas convicgóes religiosas e filosóficas».

A XVIII Conferencia Internacional de Instrucao Pública promo vida pela UNESCO e pelo Bureau Internacional de Educacáo em Genebra (julho de 1955) dispos : «Convém coordenar esforcos para outorgar todo o auxilio ao en sino particular, quer se trate de subvengoes ou subsidios de doagáo de equipamento ou de material escolar, de cessáo de pessoal de en

sino público, de auxilio social a cargo dos poderes públicos, etc.».

Estes poucos dados contribuiráo para evidenciar a orientagáo sadia que inspirou o projeto de «Diretrizes e Bases da

Educagáo». Na hora atual pode-se dizer que representa o pensamento democrático e cristáo da nagáo brasileira.

CORRESPONDENCIA APAVORADO (Sao vor á morte e ao juízo O temor perante quer que tenham sido as

MIÜDA

Paulo): 1,) "Havendo pecado muito, tenho pa particular. Que fazer ?" o justo juízo de Deus é sempre salutar, quaiscircunstancias de nossa vida passada. Verifica-

-se mesmo que, quanto mais urna alma, é justa, tanto mais é consciente do contraste que existe entre Deus e o homem, e tanto mais indigna se senté de comparecer diante do Altíssimo.

Contado o temor (e, muito menos, o pavor) nao deve definir de maneira peremptória a nossa atitude perante Deus, tornando-a abatida e melancólica. Se tememos, é por grasa de Deus que tememos, ou seja, poique o

Espirito Santo está agindo em nossa alma, atraindo-a a Si. Em conseqüéncia,

sejamos

felizes por conceber ésse

santo temor, e procuremos

aproveitar zelosamente da graga do tempo presente e do restante de nossa vida terrestre para remir as culpas passadas mediante obras boas. Se doravante nao opusermos deliberada resistencia á graga de Deus, poderemos enfrentar a morte com tranqüilidade, pois Deus nao se deixa vencer em generosidadej Ele perdoa a todos, todas as vézes que Lho pe camos com um coragáo sinceramente contrito.

Por eonseguinte, recupere a paz, caro amigo. Procure viver na gra ga de Deus, e utilize ciosamente as oportunidades de praticar a virtude que o Senhor nao deixará de lhe proporcionar para o futuro. 2) "Tenho assistido a batizados e funerais, parte celebrados em latim, parte em portugués. Por que nao há uniforcnidade nesse setor ?" —- Eecentemente, a Santa Sé autorizou a celebragáo de parte dos ritos da S. Liturgia em língua vernácula, a fim de facilitar a participagáo dos fiéis, mormente quando estes sao interpelados pelo ritual e

— 403 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 45/1961

incitados a responder. É o que se dá justamente na administracáo do

batismo (onde se procede a um questionário acompanhado de exorcis mos e oracóes correspondentes). É o que se dá também em certas pas-

sagens dos ritos do matrimonio, da uncao dos doentes, e dos funerala. O ritual bilingüe, portante, é normal; só se usa o ritual meramente

latino onde os novos formularios ainda nao tenham chegado. É possíyel

que em breve se amplié mais ainda o emprégodo vernáculo na Liturgia; estamos provávelmente numa fase de transicáo. UM CONTESTADO (Rio): O artigo ao qual V. S. alude, é ten dencioso; nao pode portanto ser tomado como fonte de informacoes. Sobre o sentido da devosáo aos santos, V. S. encontrara urna ex-

^^"res^i^dafcaSSó^ ¿ -P. B." 13/1959, qu. 5 Os processos de canonizacáo datam do séc. X apenas; antes desta época, era

a voz do povo cristáo quem espontáneamente devotava aos justos fale-

cidos o título e as honras de «santos". Há, portanto, muitos santos a

respeito dos quais a autoridade infalível da Igreja nunca se pronunciou.

explícitamente; pronunciar-se-á caso haja motivo para isto (abusos ou

verificacáo de que falta serio fundamento histórico): • A propósito de Sta. Filomena- em particular, veja "P. R." 44/1961, qu 4. Sobre Sao Dimas, esperamos escrever resposta mais longa em "P. R.".

UM CATÓLICO (Sao Paulo):

A fim de colhér informacoes pre

cisas sobre os estudos exigidos de quem se senté tardíamente chamado

ao sacerdocio, queira dirigir-se ao R. P. Reitor do ''Seminario Santo Cura d'Ars": Freguesia do 6 (Vila Albertina), Carxa postal 8582, Sao Paulo

(SP); tel.:

51-8494.

.

..

Os Superiores do Seminario saberáo levar em coaita as circunstan

cias exatas do caso apresentado. A distancia, nao podemos devidamente prever as normas.

LUCIO (Rio): As dúvidas de V. S. melhor se resolveriam num coloquio oral; queira dispor (tel.: 23-4226).

Aos nossos caros consulentes lembramos que, embora muito desejemos responder a todos, nao nos é possível fazé-lo sempre através das páginas de "P. R.". Por isto, se nao nos mandam algum enderéco, cor-

rem o risco de ficar sem resposta. D. ESTÉVAO BETTENCOURT O.S.B.

«PERGUNTE .

E

RESPONDEREMOS»

Aos nossos amigos pedimos a bondade de aceitar a «ova lista de

presos de "P. R.", que entrou em vigor a 1' de agosto de 1961, ditada pela elevagao geral do custo de vida:

^Sra%nuaidei96l() C* S!£o mais o porte respectivo Número avulso de 1961

Cr|

Colecáo encadernada de 1957 .... Col. encadernada de 1958, 1959, 1960

Cr$ 400,00 Cr$ 550,00

Número de ano atrasado

RpnACSO Ttl268«

tSS?

Cr|

30,00

d&,uu

. ADMINISTKACAO R. Eeal Grandeza, 108 —Botafogo

Tel. 26-1828 - Rio de Janeiro

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