Projeto PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor
com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memorístm)
APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questoes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. EstevSo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conleúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
ANO
IV
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A 1
G
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S 6
T
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ÍNDICE
Pág.
i.
filosofía e religiao
1) "Os animáis tidos como irracionais tém alma ? Em que medida experimentam o prazer e a dor ? \Podem ser ditos, como ocorreu mim recente manifestó público, 'almas que
sofrem em silencio' ?"
n.
S1
DOGMÁTICA
2) "Como se coneüia a Justica de Detis com o sofrimento dos animáis irracionais, que nao tém culpa alguma ? Por que padecem ?"
III.
3)
MORAL
"Que dizer da Reforma Agraria a luz (la Moral crista?"
TV.
336
LITURGIA
í) "Como se explica o recente 'caso de Santa Filomena' ? Como pode a Igreja cancelar a festa da santa, quando se Ihe atribuem tantos milagres e favores?
E que dizer do tratamento dado a Sao Jorge ?"
V.
S)
SU
HISTORIA DAS RELIGIOES
"Que dizer da Fé Bahá'i, que recentemente realizou urna
de suas convencóes no Rio de Janeiro ? O Evangelho mesmo, em Jo U¿5s e 16,12s, nao prediz -novas
revelacóes públicas de Deus no decorrer dos tempos ?"
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA
552
«PERGUNTEE
RESPONDEREMOS» Ano IV — N« 44— Agosto de 1961
I.
FILOSOFÍA E RELIGIAO
I.B. (Americana, SP):
1)
«Os animáis tidos como 'irracionais' tém alma?
Em que medida experimentam o prazer e a dor? Podem ser ditos, cómo ocorreu num recente manifestó público, 'almas que sofrem em silencio'?»
Para muitos pensadores, o chamado «escándalo do mal»
é provocado nao sómente pelo sofrimento do homem, mas também pelo dos animáis inferiores ou irracionais; parece nao se poder justificar o padecimento déstes viventes, que nao
contraem culpa alguma nem tém a possibilidade de adquirir virtudes e méritos; tal desordem nao recaí sobre o próprio Criador?
O sofrimento dos animáis tem inspirado Sociedades de Protegáo aos mesmos; tém-se visto brochuras é declaracóes sobre o assunto, sugeridas muitas vézes pelo sentimentalismo mais do que pela sá razáo (Augusto Comte, 11857, chegava
a incorporar ao Grande Ser, que é a Humanidade, os animáis
«afetuosos», fiéis ao servico do homem). Principalmente os
adeptos da metempsicose ou migracáo das almas se empenham
por promover o bem-estar dos irracionais, já que nao raro os
consideran! como portadores de almas em tudo semelhantes as dos racionáis.
A fim de delinear a reta posigáo diante do problema, ana-
lisaremos abaixo a questáo da existencia de alma nos irracio nais; a seguir, procuraremos averiguar como sofrem. Por fim, na resposta n« 2 déste fascículo diremos tima palayra sobre a Sabedoria e a Bondade de Deus em relagáo aos animáis irra cionais.
1.
1.
Animáis irracionais e alma
Duas sao as principáis correntes filosóficas que ten-
tam explicar os fenómenos da vida nos organismos : o mecani
cismo e o vitalismo. Examinemo-las sucintamente : — 319 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 4471961. qu. 1
a)
O mecanicismo, professado pelos atomistas antigos,
por Descartes (t 1650) e, em nossos días, por Le Dantec, Ros-
tand, ensina que todas as manifestagóes da vida nada mais
sao do que reagóes físico-químicas assaz complexas; um or
ganismo vivo, por conseguinte, nao se diferencia de urna má
quina senáo pela complexidade de suas partes componentes e das atividades que estas desempenham; contudo as mesmas
leis regem os seres vivos e os náo-vivos. Para afirmar tal tese, baseiam-se no fato de que os fenómenos vitáis, tomados em suas fases particulares, sao fenómenos físico-químicos, podendo ser favorecidos ou impedidos por agentes físicos e químicos;
ademáis, dizem, nunca se encontrou em ura ser vivo alguma entidade que nao fósse física ou química.
Eis um episodio que ilustra bem tal tese e a mentalidade que a pode sugerir:
O íilósofo írancés Malebranche (t 1715) dava ponta-pés á su.a cadela e sorria, dizendo: «É um relógio mais sutil e tolerante do
que os outros; late, como o pássaro de madeira canta nos reiAetíck suícos- mas nada senté. Felizmente ! Pois, se os animáis so-
8&StaS¿eS£S como sao, a justica de Deus nao «feria com
prometida?» (citado por SertiUanges. Le Probléme du Mal II. París
1951, pág. 112).
Malebranche abrangia no seu mecanicismo os animáis irracio-
nais e as plantas, nao o homem.
Adiante (cí. pág. 334) evidenciar-se-á que n3o é necessário rei vindicar a justica de Deus mediante a teoría mecanidsta, teoría muito precaria do ponto de vista filosófico.
A. teoría do «organismo-máquina» opóe-se:
b) O vitalismo. Segundo éste sistema, os fenómenos da vida nao se podem reduzir a fórcas mecánicas apenas ou a reagóes físico-químicas; em conseqüéncia, deve-se admitir em todo ser vivo um principio específico responsável pelas reagóes vitáis do organismo. Tal principio é chamado, de maneira geral, alma: alma vegetativa, na planta; alma sensitiva, no irra
cional; alma intelectiva, no homem (cf. «P. R.» 3/1957, qu. 1). Os fundamentos desta posigáo sao os seguintes :
a') em termos negativos: o mecanicismo pode talvez ex plicar as fases dos fenómenos vitáis consideradas em si mes-
mas ou isoladamente, mas nao consegue dar conta do fenó meno vital como tal ou como conjunto de múltiplas atividades reduzidas á unidade: verifica-se, com efeito, que as diversas
reagóes físico-químicas de um organismo vivo convergen! para — 320 —
PRAZER E POR NOS ANIMÁIS IRRACIONAIS
urna só finalidade, exprimindo um comportamento constante
e homogéneo, visando o que é útil ao organismo inteiro e á
sua coriservacáo. A coordenagáo e a subordinacáo das reagoes
físico-químicas do organismo vivo parecem assim exigir um principio de acáo superior que oriente as reagóes parciais e
inferiores, obedecendo a leis específicas, leis da vida, diferen tes das leis da física e da química. b')
Em termos positivos: tres sao as manifestagóes ca
racterísticas dos organismos vivos, que parecem nao se poder reduzir ao tipo das reagóes físico-químicas. Assim
— a assimilagáo, que consiste em transformar substancias
extrínsecas ao organismo na substancia do próprio vívente. Isto nao se dá nos inanimados; o crescimento dos cristais, por exemplo, se faz por justaposigáo de moléculas iguais ou semelhantes, sem que haja transformagáo;
— a irritabüidade, isto é, a capacidade de reagir aos es tímulos do mundo externo de modo a defender, e favorecer o
organismo afetado; também ésta fenómeno parece obedecer a leis diversas das que regem as reagóes físicas e químicas; — a geracao, ou seja, o poder que o vívente possui, de produzir individuos da mesma natureza, em virtude de um impulso interno. Também esta propriedade nao tem igual no mundo dos inanimados; o que, da parte déstes, mais se apro
xima da geragáo, é a produgáo de cristais a partir de um cris tal por meio de ruptura — fenómeno que sempre supóe a intervengáo de um agente extrínseco heterogéneo.
Principalmente o processo de crescimento e desenvolvi-
mento do individuo gerado constituí algo de singular e novo em relagáo aos fenómenos náo-vitais: um óvulo fecundado,
mediante divisóes celulares, se vai diferenciando e complexificando, de modo a formar um organismo completo dotado de múltiplas fungóes. No mundo inanimado, registra-se a formagáo de moléculas relativamente complexas a partir dos átomos que as constituem; contudo ésse procedimento nao significa evolugáo nem diferenciagáo, mas apenas agregagáode átomos segundo determinado tragado; no desenvolvimento do ovo, ao contrario, váo-se formando tecidos diversos, os órgáos e os
aparelhos do metabolismo, ora coordenados, ora subordinados
entre si; dir-se-ia que cada atividade se desencadeia emseu tempo, observando harmonía com as demais, como se todas obedecessem a um principio dirigente unitario. — 321 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 1 Como conseqüéncia dos fenómenos anteriores, observa-se outrosslm nos seres vivos a capacidade de regenerar ou restaurar um órgáo lesado ou mutilado; as energías do organismo vivo convergem de longe para determinado ponto que haja sido atingido, e tendem a defendé-lo ou a reproduzir os tecidos violados. — Ora a máquina
nao se restaura por sir ao contrario, ela se vai desgastando Irreverslvelmente.
Mais aínda- veriñca-se que as funches vitáis dos animáis estío
longe de apresentar a regularidade ou uniformldade características das máquinas. Acontece, com eíeito, que, postos sucessivamente ñas mesmas circunstancias, os mesmos animáis nao se comportara sempre do mesmo modo. Pode também dar-se que, mudadas as circuns
tancias, éles em nada mudem o seu comportamento. — Tenham-se em vista os segulntes tópicos :
Caso mostremos a um animal o «bom bocado» que ele aprecia, ele se levanta imediatamente para o arrebatar. Dado, porém, que algumas vézes lhe recusemos entregar o alimento mostrado, o ani mal já tardará a se levantar para o apreender; se continuarmos a decepcioná-lo dessa forma, ele desistirá mesmo de reagir ao nosso ■ convite. O cao que vé o seu senhor pela janela, de modo nénhum se precipita por ela a fim de ir acariciar o dono, embora tal fósse o caminho mais direto e mais curto, como ensina a mecánica; o cao tomará direcáo absurda encaminhando-se para a porta diametralmente oposta a janela. — O gato escaldado ou espancado evita cautelosamente o seu malfeitor.
Vé-se. pois
que os animáis aprendem alguma coisa pela expe
riencia — resultado que é de todo impossível a urna máquina; esta
é incapaz de mudar para melhor o seu funcionamento, utilizando experiencias anteriores. Donde se depreende que existe nos animáis
um principio de atividades que nao se deixa reduzir ás leis da me cánica.
Recomendado por tais observaeóes, o vitalismo tem sido, desde a antigüidade até nossos dias, professado por diversas escolas de pensamento, mormente pelo filósofo grego Aristó
teles e o aristotelismo. Nos tempos atuais, apesar da voga de
que goza a mentalidade mecanicista, encontrou novos adeptos ditos «neovitalistas»: Buffon, De Lamarck, L. Pasteur, E. von Hartmann, J. Reinke, H. Driesch, G. Grassi, A. Garrel.:. Como se compreende, adotaremos no nosso estudo o vitalismo;
alias, éste parece ser o pressuposto necessário para se poder falar
de sofrlmento ou de dor nos animáis.
2. Aprofundando agora a tese vitalista, devemos acrescentar: o principio vital dos seres infra-humanos é meramen
te material (eduzido da materia e por ela reabsorbido), ao passo que o do homem é espiritual, diretamente criado por Deus (nao nos demoramos na demonstragáo desta verdade, pois já foi explanada em «P.R.» 3/1957, qu. le 2). Pode-se — 322 —
PRAZER E POR NOS ANIMÁIS IRRACIONAIS
dar a qualquer principio vital o nome de «alma». Contudo, para melhor frisar a distingáo que separa o principio vital infra-humano do humano, costuma-se reservar o nome de alma ao principio da vida humana; o principio da vida do vegetal e do irracional é simplesmente dito «principio vital» ou res pectivamente «alma vegetativa» e «alma sensitiva».
Postas estas premissas, já podemos voltar nossa atengáo para o importante tema : prazer e dor nos animáis irracionais. 2.
1.
O prazer no animal irracional
Dentre os viventes, focalizemos os animáis irracionais.
Estes como dissemos, possuem um principio vital de ordem sen sitiva isto é, cuja funcáo mais nobre e característica é a que se
realtea pelos sentidos: os animáis, mediante os órgSos sensitivos, tomam conhecimento dos objetos concretos, individuáis que os cer
cara; sao, porém, incapazes de se emancipar das notas concretas (tal cor pálida, tal som agudo, tal odor suave ..), désses objetos, a íim de lhes penetrar a esséncia; em urna palavra nao distinguem
o due 6 essencial e o que é acidental em tais objetos. Mais aínda: os animáis meramente sensitivos nao conseguem perceber as rela ces de instrumento á respectiva íinalidade nerrt as propones vi
gentes entre diversos valores (— = —, fórmula em que a. b, c podem significar sucessivamente varias quantidades concretas). 2.
Note-se agora que todo conhecimento tende a provo
car urna atitude prática da parte de quem conhece. Em outras palavras: todo conhecimento desperta um afeto no individuo
conhecedor. Ora os bens que podem ocorrer provocando afe
to, enquadram-se necessáriamente dentro de urna das tres ca tegorías seguintes :
a) bens agradáveis ou deleitosos: objetos que afetam agradávelmente os sentidos e sao cobigados precisamente por causa desse agrado ou deleite;
b)
bens úteis: objetos que nao sao desejados própria-
mente por causa de seu valor intrínseco, mas por se prestarem
á consecuQáo de finalidade ulterior (no setor da técnica, da
arte, da medicina, da ciencia, etc.). Tais objetos podem ser ardentemente desejados e cobigados, embora ésse desejo sig nifique algo de arduo e penoso;
c)
bens honestos. Bem honesto é todo e qualquer objeto
considerado a luz do Fim último das criaturas, ou seja, á luz — 323 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 1
de Deus e da Lei (moral); caso se mostré compatível com ésse Fim Supremo, é dito «honesto» ou «objeto moralmente bom»;
em caso contrario, é dito «desonesto» ou «objeto moralmente
mau». Os bens honestos podem também ser desejados veementemente sem que o sujeito experimente nisso algum prazer sensitivo.
3.
Como diziamos, o animal sensitivo nao pode apreen-
der relagóes ou proporgóes, mas percebe o objeto concreto e
material. Disto se segué que motivos de utilidade ou de ho-
nestidade (moralidade) de modo nenhum lhe podem despertar a cobiga; ele só se deixa mover pelo deleite ou pelo gozo dos
sentidos. Donde se vé que é sempre e exclusivamente em vis
ta do prazer sensitivo que o animal irracional exerce as suas
atividades. O Autor da natureza, porém, ordenou as criaturas de tal modo que o animal irracional, mesmo procurando o prazer em todos os seus atos, faz muita coisa que lhe é útil e se encaminha para a sua própria perfeicáo ou consumagáo. Assim o irracional come, porque isto lhe dá prazer; tal pra zer ver a ser-lhe útil, porque concorre para a conservacáo da sua vida; nao é, porém, a perspectiva de conservar a vida que o move; o irracional nao percebe explícitamente a relacao que
existe entre tal alimento e a manutengáo de sua vida; só apreende o prazer que o alimento lhe pode proporcionar.
Com outros termos: o animal irracional é sempre um «hedonista»; nem sequer suspeita da existencia de outra mo-
dalidade de atitude; fecha-se no «egoísmo», do qual ele nao se pode emancipar (como se compreende, nisto nao ha culpa mo ral, pois o irracional fica abaixo da ordem moral; é com esse «egoísmo» mesmo que o animal sensitivo concorre para o bem comum da- criacáo). Por conseguirte, os termos «altruismo, dedicagáo, espirito de sacrificio», com que as vézes se caracte riza o proceder dos irracionais, nao passam de meros modos de falar.
Levem-se em consideracáo alguns exemplos:
A ave que choca seus ovos nao os abandona... Nao os abando
na, porém, pelo motivo de que o contato cornos ovos absorve o ex-
cesso de calor acumulado em sua regiáo abdominal por irrigacao
sangüinea mais intensa em certas épocas. O animal que amamenta seus íilhotes, amamenta-os porque isto alivia suas mamas demasiado cheias; desde que, por motivos fisio lógicos quaisquer ésse animal nao experimente mais a necessidade «hedonista» de amamentar a prole, ele nem sequer reconhece mais o íilhote passando a tratá-lo como qualquer outro animal. Enslnam também os psicólogos que o apego que o cao dedica ao seu senhor, se deve aos deleites sensitivos (principalmente do paladar) que éste lhe proporciona. Verdade é que o cao defende o — 324 —
PRAZER E POR NOS ANIMÁIS IRRACIONAIS seu dono; defende-o,' porém, como defendería urna posta de carne que lhe tentassem arrebatar; chega a se sacrificar e expor á morfe em prol do seu patráo; ele arriscarla, porém, os mesmos perigos
para defender qualquer presa. De resto, o cao nao tem consciencia
désse sacrificio; nao é capaz de perceber as relacSes que possa haver entre determinada atitude sua e a morte.
4.
Contudo talvez se possa objetar : os animáis possuem
instinto. Ora o instinto visa seus objetos enquanto sao úteis ao sujeito; parecem, portante, perceber as relagóes entre meios e fins.
Já tratamos do instinto em «P.R.» 33/1960, qu. 2, onde ficou averiguado que é potencia cega; acería mecánicamente, sem distinguir situacóes. O animal, guiado pelo instinto, nao tem nogáo do objeto a ser atingido : quando a abelha sai para recolher o néctar das flores, nao tem nocáo dos favos de mel que a sua industria há de produzir; quando a ave recolhe urna palha ou urna penugem, nao tem idéia do ninho que no fim do seu trabalho estará construido. Em linguagem precisa, dizem os autores: os animáis tem cons ciencia da attvidade que executani, nao, porém, da obra a ser executa-
da. Para comprovar isto, lembram o seguinte: os animáis sabem perfeitamente lutar contra os obstáculos que possamos opor á sua atividade; nao sabem, porém, corrigir os defeltos que se introduzem no produto dessa atividade.
Tenha-se em vista o caso da vespa dita «sphex»: éste inseto costuma abrir um buraco na areia, onde coloca um verme ferido mortalmente ao lado do qual póe o seu ovo; a seguir, fecha ésse ninho, recobrindo-o de areia. Suponha-se, porém, que um observador íntervenha durante o trabalho de fechamento do ninho... Afasta a yespa,
e retira do ninho tudo quanto néle se acha; feito isto, recoloca a
inseto diante do seu buraco; vendo a entrada déste aberta, o animalzinho entra e permanece alguns instantes em casa. Depois, sai, e com o zélo habitual recomeca o trabalho de fechamento no pomo mesmo em que o interrompeu... Desta vez, porém, com que finalidade obstruí ele o ingresso do seu ninho, que nada mais contem de interessante a guardar e defender? Em tais condicSes. a obstru-
cáo torna-se inútil, mesmo absurda.. Donde se vé que os atos ins tintivos do animal se processam sem que éste perceba a respectiva finalidade ou a obra a ser executada; o animal só tem conhecimento da sua atividade momentánea e para esta é devidamente equipado pela natureza; a execucáo, porém, procede automáticamente, de modo que o mesmo ato cheio de sabedoria em certas circunstancias é continuado sem propósito depois de mudadas tais circunstancias. Donde concluí o famoso naturalista J. H. Fabre : «O inseto que em determinado momento nos deixa suxpresos e
maravilhados pela sua alta lucidez, pouco depois... nos decepciona por sua estupidez» (Souvenirs entomologiques, t. II. París 1920, cap. XII).
Assim se confirma a verificacáo de que o animal irracional nao percebe as relac5es de utílidade (ou as proporcSes entre meios e — 325 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 1
lins); o que o move a agir, é a estima do gozo, nao a da utilidade nem a da honestidade (ou moralidade).
Voltemos agora nossa atengáo para 3.
A dor nos animáis irracionais
De quanto foi dito até agora depreende-se que o sofrimento nos irracionais nao pode ser causado pela perda de objetos úteis ou de valores moráis, mas é provocada únicamente pela
presenca de objetos que afetam desagradávelmente os senti
dos do animal. Por conseguinte, a dor, como o prazer no ir
racional, tem sempre um fundo «egoísta»; nunca e algo üe desinteressado, como seria a dor que o homem concebe ao uerceber um vicio moral ou uma obra de arte mutilada (isto
é ao perceber a carencia de afinidade entre determinado ato e'o Fim Supremo da vida humana ou as regras da estética).
1. Detendo-nos agora na análise do sofrimento sensiti vo (que é comum aos animáis irracionais e ao homem), veri
ficamos que tal sofrimento no irracional é muito menos pro
fundo do que no homem. Com efeito, no homem o sofrimento sensitivo é particularmente intenso, porque a razáo da pessoa se pode aplicar á considerado do mesmo, expenmentando-o do
seu modo (o que nao pode deixar de o intensificar); assim a
razáo prevé a dor, vivendo-a antecipadamente; reflete sobre tal dor enquanto está presente, tece teorías e conjeturas em torno déla e, por fim, antevé possíveis consequencias funestas de tal padecimento; uma vez passada a tormenta, pode conti
nuar a vivé-la por suas recordacoes e reflexóes. O animal ir racional, ao contrario, está isento dessa sobrecarga de dor: so experimenta o desagrado nos momentos era que os sentidos sao afetados pela acáo do estímulo desagradavel; nao pode antecipar nem prolongar por raciocinios ésses momentos doloro
sos- ao invés do que se dá no homem, ele nao sofre dos males
que possam afetar «sua familia, seus amigos, sua raga, sua
patria» (tais valores estáo fora do alcance do irracional). O homem, enquanto padece, pode muito bem refletir sobre si
mesmo e dizer: «Estou sofrendo... estou desfalecendo... es-
toir morrendo...»; tal verificacáo nao é efetuada pelo irracio nal • sofre simplesmente, mas nao analisa a sua dor, nao a apreende como algo que destoa do ideal; por isto diz-sei com
razáo que o seu sofrimento é menos penetrante e profundo do que o do homem; é impessoal e se esvaece mais fácilmente.
— Para o homem, «nao pensar» é difícil ou impossivel; para o irracional, ao contrario, é constitutivo da sua natureza. _ 326 —
PRAZER E POR NOS ANIMÁIS IRRA'CIONAIS
A importancia da reflexao na percepcáo da dor pode ser ilus trada por alguns íatos ocorrentes no setor humano.
Sabe-se que o homem doente cuja molestia é agravada por insónia, sofre com intensidade particular durante a noite; isto se dá porque entáo, durante horas a fio, nada lhe distrai a atencao de si O paciente que pela segunda vez se submete á mesma intervencáo cirúrgica, em geral padece mais da segunda vez, pelo íato de que ele antecipa em sua mente os pormenores do duro golpe que o aguarda.
Situacoes táo dolorosas nao se verificam na vida do irracional.
2. Acrescente-se agora ulterior observagáo : quanto mais um ser está elevado na escala dos viventes, tanto mais é sujeito a padecer. Sim; o sofrimento se intensifica na razáo di reta da dignidade das criaturas.
Já entre os horneas se nota que os mais nobres de caráter
e os mais inteligentes sofrem mais do que os seus semelhantes menos prendados; os egoístas sofrem menos do que os altruis tas e caridosos; os debéis mentáis padecem menos do que os de mente sadia; as criancas, menos do que os adultos; os igno
rantes, menos do que os sabios. A razáo déste estranho fenó meno é o fato de que os homens mais perfeitos mais fácilmente associam idéias do que os menos perfeitos.
Em urna palavra: quanto mais um homem realiza a «medida» do homem, tanto mais é ele acessível ao sofrimento. Ésse íato se compreende bem: & medida que alguém se aproxima do ideal, nao pode deixar de perceber novas perspectivas, descortinando assim o que deveria ser e o que de íato é. Tenham-se em vista principalmen te os santos com sua delicadeza de consciéncia: estando mais perto
de Deus, mais identificados com o ideal, apreenderam (e apreendem) melhor o sentido negativo ou a deformidade de certos atos que o comum dos homens, com indiferenca ou superñdalidade, costuma chamar «pecadinhos de todos os dias». — Algo de análogo se dá no campo da ciencia: o homem pouco ilustrado pouca ciencia possui e dá-se por seguro com o que sabe; ao contrario, o homem mais doüto está continuamente a descobrir novos motivos de dúvida e novos problemas, que lhe parecem encobrir ulteriores misterios 0 que n5o pode deixar de lhe causar dolorosa inquietude.
Descendo agora para o reino dos infra-humanos, registra mos que os animáis superiores (como o cao, por exemplo) so
frem, sim, mas sofrem menos do que o homem; quanto aos
animáis Inferiores ou menos perfeitos, sao menos suíeitos á dor, na proporgáo mesma em que sao menos dotados de per-
feicáo ontológica.
Os veterinarios, por exemplo, atestam ser relativamente fácil praticar no cávalo intervencSes cirúrgicas serias e graves; tal anl— 327 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 2
mal nao manifesta estorvantes síntomas de reacáo; pode acontecer que continué a comer a sua aveia sem se mostrar incomodado pelo
operador. A ferradura pregada & pata do cávalo nao lhe causa dor. Ao contrario, outros animáis, como o cao e principalmente o ma caco, sao multo mais senslveis, de modo que se torna necessário re correr a anestesia a íim de se, poder efetuar a intervengáo cirúrgica.
Um animal inferior pode viver varios dias com lesOes graves,
ao passo que o homem, portador de análogos ferimentos, nao resistiria por muito tempo., Há contus5es que. para o homem, sao dolorosas, mas que o animal irracional simplesmente nao senté.
Em conclusáo, vemos de que modo e em que proporcóes
o animal irracional sofre: 1) sua dor é, em tudo, menos in tensa do que a do homem pelo fato de nao poder refletir, percebendo o alcance do sofrimento-. Verifica-se mesmo o seguinte : 2) há um paralelismo estreito entre a hierarquia dos seres
vivos e a do sofrimento; grande sofrimento vem a ser sinal de grande perfeigáo e nobreza.
Estas observagóes nos ajudaráo a compreender a resposta á questáo que ora se segué.
II.
DOGMÁTICA
PERPLEXO (Niterói):
2) «Gomo se concilla a «fustiga de Deus com o sofrimen to dos animáis irracionais, que nao tém culpa alguma? Por que padecem?»
Acabamos de verificar, na resposta anterior, que os ani
máis irracionais sofrem, sim; sofrem, porém, menos do que o
homem : só nodem padecer a dor sensitiva ou física, nao a dor
moral (mesmo a dor física néles, pelo fato de nao ser acom-
panhada da dor moral, é mais suave do que no homem). Contudo aínda resta saber como se há de entender o fato da dor como tal em seres que nao tém culpa. Em nossa resposta, proporemos primeiramente um prin cipio de ordem geral; a seguir, deter-nos-emos em tres observagóes particulares. 1.
Um principio geral
Fechar-se-ia a solugáo do problema quem quisesse consi derar o animal irracional em si mesmo, ou abstragáo feita da sua posigáo no conjunto da criagáo. É, antes, necessário que — 328 —
JUSTICA DE DEUSE SOFRIMENTO DOS ANIMÁIS
o conceituemos como Deus o conceitua: ora o Criador dispos as suas criaturas neste mundo segundo urna escala de perfeigóes gradatívas; nessa escala os seres inferiores existem por causa dos superiores, de modo tal que éles só «se realizam»
ou só atingem sua finalidade, servindo aos superiores. Assim
a) as plantas existem por causa dos animáis; sao o subs trato necessário para que possa haver um grau de seres mais
perfeitos que sao os de vida sensitiva; elas fornecem a estes
o oxigénio de que precisam para respirar, e o alimento de que se nutrem; destarte participam, a seu modo, d» perfeicao aos animáis; b)
os animáis irracionais, por sua vez, convergem para
o homem. Carecendo de inteligencia, nao tém clara consciéncia de si e ignoram o seu Fim Supremo; por conseguinte, en-
caminham-se para um ser superior, o homem, que, por sua
inteligencia, deye saber utilizá-los em vista de urna finalidade ainda mais elevada. Assim os animáis transmitem ao homem o que éles tém de perfeito: alimentagáo, auxilio no trabalho e múltiplas ocasióes de desenvolver suas qualidades físicas e mo
ráis; mesmo os que nao parecem ter relagáo alguma como homem, servem indiretamente a éste, pois geralmente condi-
cionam a existencia de outros animáis (mais chegados ao ho mem), de maneira que, sem ésses seres aparentemente muteis,
outros nao viveriam, e o homem se ressentiria de alguma lacuna.
Sem pretender assinalar a razáo de ser particular de cada tipo
de animáis aqui registramos, com os biólogos, o lato de que o reino
dos irracionais é bem coeso entre si, de modo que animáis superio res e inferiores vivem em dependencia mutua uns dos outros. Esse reino, compacto em si, é francamente aberto para o alto, ou seja,
para o homem, que o deve consumar, encaminhando-o para o seu
objetivo supremo, que é exprimir a gloria de Deus.
c)
Quanto ao homem, também ele foi feito para outrem,
isto é, para Deus diretainente; utilizando as suas facuidades
próprias e as das criaturas inferiores para o servicp do Altís-
simo, o homem entra no lugar que o Criador lhe assinalou no
conjunto da criacáo; tal lugar só pode ser um lugar nobre, de tal modo que «servir a Deus verdaderamente é reinar» (postcomunháo da Missa pela paz).
É dentro désse quadro geral que se deve procurar o sen
tido do sofrimento dos animáis irracionais. — 329 —
gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 2
2.
Dor dos animáis e Justina de Deus
Tres obsérvagóes tentaráo projetar luz sobre o assunto. 1) A dor nos irracionais é algo de natural, decorrente do desgaste mesmo do seu organismo. Contudo ela desempenha funcóes vantajosas, entre as quais se deve mencionar, em primeiro lugar, nm certo papel profilátíco. A dor concorre, sim, para a autodefesa do individuo.
Ninguém ignora a tendencia espontánea de todo ser com posto a se decompor; essa tendencia afeta também os orga
nismos vivos, suscetiveis de molestias e contusóes. Tais esta dos, nos seres sensitivos, sao dolorosos, como se cómpreende.
Acontece, porém, que o Criador quis torná-los benéficos para o vivente, pois o sofrimento acarretado por molestias ou con-
tusáo vem a ser brado de alarme: ao experimentar a dor, o individuo é espontáneamente movido a procurar afastar a causa da dor, que nao raro seria causa de morte. Se náosentisse dor, o animal provávelmente ficaria ignorando o grave
perigo de sua situagáo e mais rápidamente sucumbiria aos acidentes e á morte. Alias, a natureza quis que, mediante de leites e sofrimentos, os viventes fóssem estimulados a preen-
cher o papel de conservar a sua existencia: sim, a fungáo de
se alimentar e a de se multiplicar sao facilitadas, até mesmo
provocadas, nos animáis pelo atrativo de prazeres próprios (o do paladar e o da vida conjugal).
«Vé-se assim que a dor é urna das cond$c6es essenciais para a existencia mesma do reino animal. Se nao houvesse dor, o animal nao existiría. A dor é para ele a maneira subjetiva pela qual ele avalia o mal que o ameaca; é o 'julgamento de valor' que o animal profere a respeito do mal.
Eis
portanto, a íinalidade principal da dor. Embora nao seja
boa em si mesma, ela proporciona ao animal beneíicios preciosos.
Se ela alguma vez pudesse tornar-se agradável para o animal, essa
transformacáo o levaría á ruina total» (P. Siwek, Le probléme du mal. Rio de Janeiro 1942, pág. 74).
De passagem, seja lícito notar que certas manifestagóes de dor nos irracionais nao sao sempre sinais de que realmente
estáo padecendo.
A seguinte experiencia parece atestá-lo:
amputem-se de um animal os hemisferios do cerebro com os
seus núcleos cinzentos, o mesencéfalo e o cerebelo, reduzindo os seus centros nervosos á medula espinhal, ao bulbo e á pro tuberancia; tal ser já nao possui os elementos necessários para
elaborar sensagóes. A seguir, seja ésse vivente submetido á afiáo de pontadas, queimaduras e talhes; verifica-se entáo que — 330 —
JUSTICA PE DEUS E SOFRIMENTO DOS ANIMÁIS
reage com gritos e movimentos de retragáo; tais reagóes, já destituidas de cabimento, nao significam dor, mas se explicam como reflexos condicionados ou como processos desencadeados mecánicamente pela aplicacáo de determinado estímulo. 2)
O sofrimento também é, para os animáis, escola
de vida.
Com efeito, toda a arte de aprendizagem e domesticagáo
de animáis se funda sobre a existencia da dor. O amo que lhes queira incutir algum hábito, primeramente mostra-lnes o
que devem fazer; a seguir, cada vez que o animal corresponde a ésse ensinamento, o patráo o recompensa com um bom bo
cado ou urna caricia; caso, porém, nao corresponda, inflige-ine um castigo que seja urna dor física. Essa dor servirá, para o animal, de 'julgamento de valor'; fá-lo-á perceber que a ati-
tude anteriormente tomada era inepta, nao devendo por conseguinte ser reassumida para o futuro. Assim o animal, mes-
mo sem refletir, tudo fará para se corrigir e para proceder de acordó com o paradigma incutido pelo amo. Note-se bem que a isso será movido únicamente pelo desejo de evitar a dor, dor que em sua memoria sensitiva, está associada a certos movi mentos «inoportunos». Destarte o sofrimento físico se torna para o animal estímulo fecundo, via de progresso e aperfeigoamento.
Pode-se dizer que a própria natureza, independentemente
da intervengáo do homem, se encarrega, durante t6da a vida
do animal, de prover a semelhante trabalho de aprendizagem. Com efeito, o curso natural da existencia coloca o animal em condigóes muitas vézes penosas, exigindo que lute ardorosa mente. Agindo e combatendo em tais circunstancias, o irra
cional se desenvolve; torna-se mais ligeiro e hábil, por conse' guinte mais apto a subsistir. — Esta afirmagáo é corroborada pelo confronto com a sorte dos animáis engaiolados: lutam e sofrem menos para sobreviver, pois recebem da máo do homem o necessário á sua subsistencia; verifica-se, porém, que geralmente manifestam tendencias á atrofia e á degenerescen
cia; os animáis selvagens da mesma especie costumam ser mais robustos.
«Por estas consideracSes vemos de novo que a dor eleva o ani
mal a sua perfieicao própria, perfeicao que ele nSo conhece e á qual
Semodo nePnhumC aspira. Ápesar disso a natureza o encaminha
para tal objetivo. A natureza desempenha, em iavor do animal^ o
banel de máe e educadora, máe por vézes muito rude, mas sempre
pedente e previdente; mae que jamáis lhe permite entorpecer-se na — 331 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 2
inercia; antes, trata de seu constante aperíeicoamento» (Siwek, ob. cit. 81s).
Está comprovado que em certos casos a dor natural é mesmo necessária ao desempenho de certas funcSes dos animáis irracionais. Um naturalista sul-africano, por exemplo, Eugenio Marais, submeteu & anestesia total algumas coreas por ocasiáo do parto; averigüou, a seguir, que estas abandonaran! ¡mediatamente a prole depois de a ter dado á luz — fenómeno nSo ocorrente nos casos de parto or dinario. O mesmo estudioso, usando de anestesia parcial, observou
que as coreas hesitavam em reconhecer os filhotes, cnegando por
vézes a recusá-los.
3) A morte que o homem inflige aos animáis irracionais, para os utilizar devidamente, nao implica injustica nem no ho mem, nem em Deus, mas sabia integracao de seres inferiores mima ordem de coisas superior.
1.
A proposigáo ácima, á primeira vista, talvez surpre-
enda... Desvencilhando-nos, porém, de todo sentimentalismo para usar estritamente da razáo, devemos dizer que, em se
tratando de seres irracionais, já nao tém cabimento as cate gorías de «justiga» e «injustiga».
É o que se deduz do seguinte raciocinio :
a) Na verdade, só se pode falar de «justiga» onde há direitos («iura»), pois a justiga consiste em «dar a cada um o que lhe é devido» («suum cuique ius») ou em satisfazer ao direito («ius») de cada um.
b) Para possuir direitos, porém, o sujeito deye ter liberdade de arbitrio (liberdade de agir ou nao agir,., agir
déste ou daquele modo); deve ter, conseqüentemente, respon-
sabilidade moral e possibilidade de receber a sangáo adequada; em urna palavra: deve ser urna pessoa.
c) Ora o animal, pelo fato mesmo de nao ter razáo, nao possui liberdade de arbitrio nem responsabilidade moral, nem é suscetível de sancáo moral; nao possui, portanto, personalidade.
d) Por conseguinte, nao se lhe podem aplicar os conceitos de «justiga» e «injustiga». Nessas circunstancias, a única
linguagem que junto a ele tem eficacia, é a da fórga física; impossível seria argumentar com ele, apelando para o racio
cinio a fim de que visse as relagóes e proporgóes de seus atos
com a sua perfeigáo suprema ou seu fim último; a única lei — 332 —
JUSTICA DE DEUS E SOFRIMENTO DOS ANIMÁIS
e o único direito que os animáis irracionais conhecem, sao os da fórga física. A fim de tornar mals claras as nocdes filosóficas ácima, pode-se
acrescentar: a justica tem por fungáo determinar as relacdes entre
um «Eu> e um «Tu» ou entre duas ou mais personalidades; é urna virtude social. Por conseguinte, nao so pode dirigir a quem é inca
paz de vida social consciente ou a quem ignora a si mesmo. Ora tal
é o caso do animal irracional: nao tem inteligencia que refuta sobre si mesma e possa dizer «Eu»; nao possui personalidade. Por isto nao se pode cometer justiga ou injustiga para com os irracionais.
2.
Desdobremos agora ulteriormente o nosso raciocinio:
a) Sómente o ser intelectivo (ou a pessoa) está, por sua inteligencia, diretamente relacionado com Deus; por conse
guinte, sómente as criaturas intelectivas (o homem e o anjo)
ñáo foramfeitas para servir de meio ou de instrumento a ou-
tras criaturas (criaturas superiores que as encaminham para o seu Fim Supremo: Deus). Os seres nao intelectivos, ao con trario, existem para servir como meios ou instrumentos a outras criaturas (mais nobres); precisamente servindo a essas criaturas mais nobres, sao éles dignificados e indiretamente
levados para Deus. «Servir.ao homem», para o animal irra cional, «é reinar».
b) Ora acontece que «servir ao homem» implica nesse caso comunicar suas perfeigóes ao homem (seu trabalho e sua vida). Donde se vé — e esta é a resposta ao problema que
vimos abordando — que, longe de cometer alguma iñjustiga para com o irracional quando o domestica, domina ou mata para seus usos, o homem só o dignifica e nobilita, pois o in tegra numa ordem superior, para finalmente o integrar na glorificagáo de Deus.
c)
Está claro, porém, que, ao lado de tal afirmagáo, é
válida a recíproca: nao será lícito ao homem dominar e matar os animáis inferiores sem necessidade, sem atender ao uso
devido, mas por mera brincadeira ou por crueldade. Os direitos do homem em relacáo aos irracionais se estendem a tudo (e sómente a isso) que é necessário para que a criatura humana
desenvolva suas atividades construtivas neste mundo (comendo, vestindo-se, trabalhando, etc.).
Seja permitido frisar bem: o homem nao tem deveres para com
os animáis irracionais, mas, sim,... deveres para com Deus a pro pósito dos animáis irracionais; o homem nao é responsável cüante dos irracionais, mas é responsável diante de Deus a respeito dos animáis irracionais.
— 333 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 2 Também nao é exato íalar de animáis inocentes. Os irracionals nao sao nem inocentes nem culpados, porque íicam abaixo da linha da moralidade, seguindo instintos naturais. instintos dos quais a na-
tureza mesma (por assim dizer) é responsável. Pode acontecer que o homem se comporte mal para com os irracionais, nao, porém, que os ofenda.
3. Quanto a Deus, percebe-se, com mais razáo aihda, que Ele nao comete injustica para com os irracionais quando permite que o homem os mate (ainda que isto acarrete dor para os animáis). Na verdade, sabemos que, em se tratando de irracionais, nao se pode falar de justiga e injustiga. Doutro lado, Deus permite o sofrimento dos irracionais,. porque Ele vé a hierarquia dos valores; vé que ésse sofrimento vai redun dar em dignificagáo dos próprios animáis irracionais; sim, ésse sofrimento serve ao homem, o qual, assim corroborado, dá a devida gloria a Deus.
4. O homem (diziamos), sem infligir dor aos animáis inferiores, nao se desenvolvería nem aperfeigoaria... Verda de é que Deus podia ter escolhido outra ordem de coisas, outra ordem em que nao houvesse os sofrimentos que há na presente; nessa ordem é claro que também nao haveria as perfeigóes que, presentemente, mediante o sofrimento, conhe-
cemos. — A fim de nao nos iludir, notemos que «ausencia abso
luta de sofrimentos» nao é possível em se tratando de criatu ras sensitivas; estas tendem naturalmente a se desgastar e a perecer; ora tal sorte nao pode deixar de acarretar dor, dor sensitiva. Para que nao houvesse dor alguma no mundo, se
ria preciso que Deus se tivesse limitado a criar minerais e
plantas, abstendo-se de produzir qualquer vívente sensitivo... O Senhor, porém, nao quis um universo táo depauperado...
Optou pela presente ordem de coisas, em que a dor é necessá-
ria nos animáis irracionais, necessária, porém, para servir a
maiores bens. Váo seria pedir a Deus contas da sua escolha. O que nos importa saber, é que nao houve (nem há) injustiga
ou imperfeigáo nos designios do Criador em relagáo ao mundo atual (o Evangelho afirma que nem sequer um pássaro é esquecido ou negligenciado pelo Pai do Céu; cf. Le 12,6). Deus é livre para dar na medida em que Ele queira dar...; a nos apenas toca a certeza de que tudo que Ele dá, é bom e sabio, embora nem sempre entendamos o «porque» de cada um dos dons ou designios de Deus. Um dia veremos,... quando comparecermos perante o Altíssimo! Por enquanto, reconhegamos reverentemente a insondável grandeza dos planos de Deus; «Ele, primeiro, nos amou» (1 Jo 4,10). — 334 —
JUSTICA- DE DEUS E SOFRIMENTO DOS ANIMÁIS Apéndice
Na base das idéias expostas, vé-se que o comportamento dos homens em relagáo aos irracionais tem que evitar dois extremos :
a) o sentimentalismo vario, que chega a criar hospitais de luxo e cemitérios para animáis, dispensando a estes talvez mais atencáo do que a criaturas humanas; muito dinheiro por vézes se gasta para tratar (até por meio de operagóes plásti cas) de animáis que nenhuma utilidade tém para o homem; antes... só servem para entreter urna mentahdade fútil e sentimental;
b)
doutro lado, a crueldade para com os animáis é re-
provável, pois significa abuso dos direitos que o homem possui
sobre os seres inferiores; a missáo do homem é edificar a si e ao mundo mediante os animáis, nao deturpar-se e embrutecer-se Ora é isto que acontece em certos jogos como toura-
das, cacadas com galgos, tiro ao alvo de pombos, bngas de
galos ou de perdizes, também na dissecagáo de certos animáis
vivos O senso cristáo, respeitando as obras de Deus e os limites que Éste impós á atividade do homem sobre a térra, reprova tais faganhas.
As Sociedades Protetoras de Animáis merecem aplausos na medida em que visam reprimir os excessos ácima aponta-
dos Podem licitamente defender e promover a cultura e a aprendizagem de irracionais; o criterio de seu procedimento na de ser a utilidade do homem, que é chamado a aperfeigoar-se e a dar gloria a Deus mediante o reino animal. — Nao se podem, porém, aprovar sentimentalismo e mórbida compaixáo inspirados por falsa compreensáo do que sejam os animáis no conjunto da criagáo.
Em sua carta pastoral de Quaresma de 1961, S. Eminen cia o Cardeal Godfrey, de Westminster (Inglaterra), referindo-se a sacrificios que poderiam ser feitos para combater a
fome no mundo, escrevia:
«Poder-se-ia também por de parte algum dinheiro destinado a
tratar dé caes de luxo. Estes mesmos teriam interésse em ser nu
tridos com alimentos menos dispendiosos. Um cáozinho rechonchudo
e mimado caminharia melhor se tivesse um regime alimentar mais simples. Também poderia deixar de ir ao cabeleireiro para caes. Se estas sugestBes vos parecem estranhas, lembrai-vos do capítulo 3» do livro de Joñas, onde se lé que, diante do desastre iminente,
— 335 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 3
os habitantes de Ninive exclamaram, a pedido do réi e de seus assessores : 'Homens e animáis deveráo jejuar...' (Jon 3,7)».
ID.
ACADÉMICO
3)
MORAL
(Lorena):
«Que dizer da Kefonna Agraria a luz da Moral crista?»
A Reforma agraria, últimamente muito preconizada no
Brasil, tem sido objeto de estudos ardorosos: a alguns obser
vadores parece tratar-se de reivindicagáo socialista ou comu
nista, contra a qual deve ser acautelada a populagáo brasilei-
ra. Concorre para acentuar as suspeitas o fato de que urna
das primeiras medidas do Marxismo, ao se implantar na Rússia, na China e em Cuba, foi a Reforma agraria. Para ilustrar esta verificacáo. vai aqui registrado o episodio
seguinte:
Por ocasiao da festa de Natal de 1960, em Havana (Cuba) no frontispicio do edificio dos Estudios de Televisao C.M.Q., foi colo cado enorme cartaz a apresentar o presepio, de Jesús. As «guras
de Maria SSma. e Sao José ai apareciam sob os traeos de jovens cam-
poneses; também se viam os tres reis magos representados por Fi del Castro Che Guevara e o Comandante Almeida, os quais levavam a Cristo as suas dádivas: respectivamente, a Reforma agraria, a índustrializacáo e a alfabetizacáo!...
De resto pela mesma época o Ministro do Trabalho em Cuba baixou urna' circular em que exortava seus concidadáos a considerar Fidel Castro como um dos doze Apostólos; comparava outrossim o
surto de Castro em Cuba com a vinda de Cristo ao mundo. Verbalmente dizia o documento: «Assim...
sobre a nossa tela e santa
tetra, eis que se deu a vinda de Nosso Senhor o Cristo, que é o verdadeiro Santo... Como Cristo na última cela disse aos doze Apostó los: 'Um pouco de pao para todos', assim Nosso Senhor exclemou: •Urna vacazinha para cada cooperativa!^ (Noticias colhidas no perió
dico «Informations Catholiques Internationales» n* 136, pág. 10).
Tendo em vista o aprego que o Marxismo dedica á Refor ma agraria, nao poucos adversarios contemporáneos do esquer-
dismo se opóem severamente a esta. Cria-se assim urna situacáo complexa, dentro da qual nao se véem muito bem os limites da verdade e do erro. Justamente levando em conta essa perplexidade, consideraremos abaixo o que se entende por Reforma agraria e qual tem sido a átitude da Igreja em relagáo á mesma.
— 336 —
REFORMA AGRARIA
1.
1.
A genuína Reforma agraria
«Reforma agraria», de modo geral, vem a ser a revi-
sáo do sistema de propriedade rural e a remodelacáo das condigóes de existencia das populacóes agrícolas, de modo tal que
se eleve o padráo de vida dos camponeses e se intensifique
tanto o rendimento das térras cultivadas como o da pecuaria. Em resumo, dois sao os objetivos a que deve tender qualquer sadia Reforma agraria :
o bem-estar crescente do camponesato ou das populagóes rurais;
as exigencias do bem comum nacional, que pedem o
desfrutamento máximo da térra cultivável.
Urna vez estabelecidas estas normas, verifica-se que múl tiplas sao as vias pelas quais os cidadáos podem pretender
atingir os objetivos propostos:
a) o sistema comunista propugna, no caso, a extincáo da propriedade territorial particular, de sorte que o Estado se torne o único senhor das térras e o camponés trabalhe a servico do mesmo;
b) posto de. lada éste ceber um regime em que o seja plenamente respeitado, menor vigilancia do Estado
sistema, pode-se muito bem condireito de propriedade particular
verificando-se, porém, maior ou a fim de desenvolver a atividade
dos camponeses e assegurar o desfrutamento das térras que
mais convenha ao bem comum da nagáo. Ora — seja lícito
sublinhar — esta outra modalidade de Reforma agraria e nao apenas compatível com a ideología do Evangelho, mas, em cer tas circunstancias, pode vir a ser um auténtico postulado da mensagem crista ao mundo.
Tenha-se em vista, por exemplo, o que já dizia o Sto P*dre
Pió VII era 1802 (portanto, muito antes do manifestó de Karl Marx ao mundo):
«A autoridade suprema tem, como um de seus deveres essen-
ciais, o de vigiar para que as térras sejam cultivadas, e o sejam do mellíor modo possível, pois da produtlvidade decorre o beneficio ge-
ral da abundancia, que torna fácil a subsistencia de todos, favorece
o aumento da popuíacáo, estimula os progressos daJndustrla e do comercio assegurando a riqueza do Estado» (Motu proprío «L Agri-
Sa>%e 15¡de setembro de 1802, n' 17, citado na coletanea «Les
Enselgnements Pontificaux — Problémes agricoles et ruraux>. París 1960, pág. 19').
— 337 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 3
2. Para que a Reforma agraria possa realmente contri buir para a consecugáo de urna sociedade mais feliz, apontam-se-lhe duas exigencias capitais a ser preenchidas : 1)
Bespeite a propriedade particular. Esta constituí um
direito natural de toda criatura humana (cf. «P. R.» 31/1960,
qu. 1), de modo que cabe aos legisladores, de um lado, nao extinguir a propriedade daqueles que já possuem e, de outro lado estender o uso désse direito aqueles que ainda nao pos suem. Em vista désse objetivo, pode-se preconizar nova distribuigáo das térras, de maneira a evitar o acumuló de bens imóveis e latifundios em poucas máos e constituir pequeños
lotes que, sendo muitos, poderáo satisfazer a muitas familias! Sao Dalavras da Secretaria de Estado de Pió -XII escritas a 10 de setembro de 1957 para o IV Congresso Internacional da vida rural realizado em Santiago do Chile:
«Reduzir todos os problemas rurais á expropriacao de térras, nao se levando em conta a reparcussao que ésse método possa ter na produtividade, é coisa que nao pode ser admitida, caso signifique reprovacao absoluta do regime de propriedade particular a ponto de se fazer a socializado da térra, como pretende a doutrina marxista» (coletánea citada, pág. 165).
Logo a seguir, continua o documento :
«Doutro lado
visar únicamente o mais elevado nivel possível
de producto, deixando-se de parte, como se fdssem problemas se cundarios, as questSes referentes á justa organizagSo jurídica da propriedade e de sua funcao social, equivale a dar margem a um
individualismo despreocupado do elemento humano que está em cau sa; ora o respeito a ésse elemento humano exige que, ao se tratar
das atividades agrarias, assim como de qualquer outra atividade humana, mais se levem em conta os valores moráis do que os va lores materiais» (col. cit. 166). Dos valores moráis aqüi mencionados, íalaxemos explícitamente um pouco adiante.
Além de remodelar a distribuigáo das térras na medida em que isto seja necessário, o Estado tem a obrigacáo de prover
aos instrumentos de trabalho e aos demais subsidios exigidos
para que os operarios e agricultores possam devidamente ex
plorar as térras a éles confiadas. A escala désses subsidios é
muito ampia: máquinas para a lavoura, meios de transporte, sistema de escoamento das mercadorias, crédito agrícola, ensino agrícola, assisténcia médica, hospitalar... Diz-se, com ra-
záo, que a maioria das populagóes ruricolas nos países subdesenvolvidos (que sao os necessitados de Reforma agraria) — 338 —
REFORMA AGRARIA
vive em miseria lamentável, miseria que o cristáo nao pode tolerar como regime de existencia habitual de seus irmáos.
Contudo váo seria promover o simples proletario á categoría de
nroprietário, próvido de elementos máteriais e técnicos de trabalno,
se o Estado nao atépdesse simultáneamente a outra grande exigen cia da Reforma Agraria:
2)
O Govérno há de proporcionar a populacáo agrícola
formacáo ética e cultural adequada para que os novos proprietários ge possam comportar como idóneos administradores de seus haveres. Em outras palavras: junto com a distribuigáo de térra e enxada aos lavradores, requer-se um trabalho serio
e profundo de educagáo, educagáo nos mais diversos sentidos déste vocábulo — educagáo de base (que equivale a alfabetizagáo), educagáo primaria, secundaria, saneamento de vicios e
abusos, combate á criminalidade, á indolencia, ao egoísmo, etc. Sem esta acáo cultural e moral, a entrega de um patrimo
nio material a individuos nao qualificados seria arma de dois
gumes, que em muitos casos acarretaria conseqüéncias antes funestas que lisonjeiras. A Reforma agraria «chega até á revisáo ó.o regime de propriedade, onde 0 na medida em que Í6r reclamada pelos objetivos visa dos Importa, entretanto, nao ceder a seducOes demagógicas que se iuleariam quites para com as populacSes rurals, urna vez reparti
dos os latifundios: NSo é difícil, e é eleltoralmente rendoso, üudir as populacSes campesinas com as promessas de assalto a grande propriedade. Mas é" trair estas mesmas populag5es pretender apenas
dar-lhes térras, sem prepará-las para a sua posse e sem um pro grama que lhes permita aproveitar estas térras de maneira a ga-
eantir sua promocáo social e econfimica e beneficiar a coletividade» (D. Eugenio Sales, bispo auxiliar de Natal, no artigo «A Igreja e a Reforma agraria brasileira» da revista «Spes» 7 [1960] 43). Importa agora analisar com mais precisáo
2.
A atitude da Igreja perante a Reforma agraria
A Igreja, embora tenha mlssáo primariamente espiritual a desempenhar neste mundo, nao se desinteressa pelos problemas que afetam a vida temporal ou física dos homens. Na verdade, nao se poderla pretender beneficiar a alma humana apenas, abstragao feita do corno, pois a alma foi criada para viver e se santificar no corpo sofrendo continuamente a influencia déste. Além do mais, o
corpo humano está destinado a dar, do seu modo, gloria a Deus.
Eis porque a Igreja combate o pauperismo, isto é, as condigoes
de vida que por sua precariédade, já nao fornecam ao corpo huma no os elementos necessários para que desenvolva genulnamente as suas perfeigSes. Ora tais condigdes de vida se podem verificar taivez em conseqüéncia de inadequada. distribuigáo das térras ou dos instrumentos e subsidios destinados á agricultura. É o que em ver— 339 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 3 dade se dá no mundo contemporáneo, onde o operartado e apopulacáo rurais sentem as conseqüéncias da rápida industrializagao e urbanizacáo da vida moderna; no Brasil, por exemplo, verifica-se
que os proprietários de mais de 500 néctares possuem 60 % das tér
ras cultiváveis.
1.
Os Papas e os bispos (tanto no Brasil como no es-
trangeiro) tém tomado posicao francamente favorável as sadias tentativas de Reforma agraria que vém sendo apregoadas e executadas em diversas partes do mundo: «tachar de comu nista qualquer atitude favorável á Reforma agraria e entre gar ao comunismo urna bandeira de reivindicagáo humana e
crista» (D. Eugenio Sales, art. cit. 40). Escrevia o Santo Pa
dre Pió Xn em urna carta dirigida ao Cardeal Sin aos 18 de setembro de 1957:
-
''.
«As Semanas Sociais... tém demonstrado brilhantemente que a . íidelidade aos principios tradicionais nada tem de contrario a refor mas, mesmo ousadas, quando estas sao exigidas pelo bem comum. Veriíicou-se outrossim que, para satisfazer as exigencias de nossos
tempos, os católicos nao precisara em absoluto de recorrer a mestres de outra fé e de ciencia duvidosa ou falsa, pois encontram nos prin
cipios mesmos da justica evangélica tudo que é necessario a urna eradativa elevagáo social dos povos, assim como descobrem na men-
tagem de Cristo segredos da mais pujante elevagác- moral ejreligiosa do homem> (Carta «Al vivo compiacimento» de 18 de setembro de 1957; col. cit, pág. 176).
Em outro documento a Santa Sé voltava a esclarecer a atitude
católica írente aos problemas rurais:
«Os católicos... tomam posic>o intermediaria entre os dois ex
tremismos igualmente erróneos e nefastos: o individualismo agnós tico liberal e o coletivismo marxista.
Segundo esta linha de conduta, comprovada pela sabedoria e a
experiencia dos sáculos, os católicos evitaráo, de um lado, a propa
ganda e a atividade demagógica que tendem a agucar nos operarios
rurais déselos violentos e imoderados assim como ilusorias aspira-
C5es; de outro lado, alastar-se-ao do «onservatismo cegó e do egoísmo imóvel de certos proprietários, para os quais o tradicional seronfunde
com o equitativo, proprietários ésses que rejeitam as reformas real mente exigidas pelo bem común» (Carta da Secretaria de Estado de S S. Pió XII á 20a. Semana Social Italiana, de 15 de setembro de 1947; col. cit, pág. 51).
2.
As autoridades da Igreja costumam lembrar que na
execugáo da Reforma agraria nao se pode aplicar um método
ou um sistema único, padráo para todas as térras e popula-, cóes; será, antes, preciso levar em conta as condicóes de vida
e os problemas existentes em cada regiáo, a fim de se fazer
um trabalho humano (de homens para homens) e nao um trabalho mecánico (de técnicos que lidam com rodas de engre— 340 —
REFORMA AGRARIA
nagem). Nesse sentido, por exemplo, se exprime a Carta da Secretaria de Estado de Pió XII já citada:
«Nao há criterio único para a solucao dos problemas rurais, mas é nredso... regrar a distribuicSo da propriedade, os sistemas de
cultura e as reltcóes do trabalho, de modo que tudo seja orientado
em demanda da tríplice elevacáo do homem: elevac&o material (con-
^5es de trabalho, habitacao sadia). elevacáo social (instrucáo téc
nica e profissional, associagóes profissionais), elevado moral (educagáo do sentido social e da responsabilidade no trabalho)» (coL cit.,
pág. 168).
Está claro que nao pertence a missáo da Igreja elaborar
os planos concretos e a técnica de alguma Reforma agraria;
tal tarefa compete aos órgáos do Govérno especializados para tal fim. Contudo compete á Igreja lembrar os principios bá
sicos de qualquer programa concreto, assim como criar um
clima propicio á execugáo désses principios.
3. Os documentos eclesiásticos insistem muito outrossim sobre a necessidade de se proporcionar ao trabalhador rural,
. juntamente com melhores condicóes materiais de vida, tambem mais ampios recursos de cultura, educagao e fonnasao huma na em geral. É
Pió XII
quem
assevera:
«Qualquer tarefa que mobilize os esforcos de varios individuos
Dará produzirem bens materiais, será sempre urna etapa intermedia ria, mera escala na estrada que deve levar o homem aínda mais
ácima Nada está íeito, caso se tenha assegurado apenan a melhora
das condicóes económicas, negligenciandó-se os valores culturáis, mo
ráis e religiosos» (Discurso aos membros de pequeñas e medias em-. presas, de 8 de outubro de 1956; co). cit., pág. 159).
Mais tarde o Santo Padre explicitava as suas observacóes nos seguintes termos :
«Os problemas que assaltam hoje as populacóes rurais nao s§o apenas de ordem técnica e económica; em conseqüéncia, urna dis-
ttibuicSo mais justa da propriedade territorial ou um aumento da producao nao podem ser por si considerados como os únicos remedios.
Se existe o problema do trabalho rural, existe igualmente o pro blema, muito mais urgente e importante, do homem rural, que passa hoié por experiencias novas.
,
De resto, quem nao vé que, se os homens do campo deixam as
zonas agrícolas, éles nao raro o fazem precisamente por nao en-
contrarem mais no campo as devidas condicóes para levar urna v da digna e agradável,... condicóes que seriam especialmente: domicilio,
escola, assisténcia médica, divertimento sadio e todos os subsidios oue Ihes assegurem a p¿ssibilidade de elevar o seu nivel social?
Para superar a crise que hoje atormenta o mundo agrícola, será
preciso levar em conta essas profundas, aspiracóes ao progresso hu_ 341 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 3
mano e dar ao trabalhador rural a garantía de que poderá.viver em
bem-estar e em dignidade comparáveis aos homens que exercem sua
atividade em outros setores da vida social; será preciso dar-lhe re cursos e posibilidades iguais de se afirmar na vida da sociedade...»
(Carta «Al vivo compiacimento» ao Cardeal SIri, de 18 de setembro de 1957; col. cit., pág. 179).
4.
Nos documentos pontificios, encontra-se outrossim urna
ou outra norma concreta para a sadia Reforma agraria. Assim
a) o recurso á desapropriacao de térras por parte do Estado pode ser, em muitos casos, perfeitamente conciliável com os ditames da consciéncia crista. Eis palavras de Pió XII: «Quando a distribuicao da propriedade constituí um obstáculo a ésse fim (a prosperidade da economía nacional),... ao Estado se torna licito, em vista do bem coraum, intervir para regrar o uso da propriedade particular; será mesmo licito, na falta de qualquer ou tra solucSo justa, decretar a desapropriagao mediante justa indenizagao» (Mensagem radiofónica ao mundo inteiro, de 1' de setembro de 1944; col. cit., pág. 33s).
Pío XII em 1957 aínda citou estes seus dizeres na Carta ao Car
deal Siri já mais de urna vez aquí mencionada.
b) Também pode ser legítima a imposicao de taxas suplementares aos grandes latifundiários, taxas que váo sendo diminuidas de acordó com a maior e melhor exploracáo das
térras dos respectivos latifundios. Era essa medida que já Pió VII em 1802 preconizava, tendo em vista o estado das coisas nos territorios pontificios da sua época: o Papa verificava, sim, notável concentracáo de propriedades rurais em
máos de poucos senhóres; julgava outrossim que no momento nao seria possível impor nova e melhor distribuicao de térras; contudo acrescentava essas ponderacóes: «Nao deixamos de averiguar que ésse resultado táo desejável (a
melhora das condicóes rurais) poderia ser obtido sem abalo violento nem detrimento para o direito de propriedade, gragas a urna leglslagáo indlreta: impor-se-ia a todos os que possuem térras além de determinada extensao, urna sobrecarga anual, da qual nao se poderiam eximir senao mediante a repartigáo de seus territorios ou o melhoramento da cultura, melhoramento que é o objetivo mesmo visado pela repartigáo territorial e que exige se domiciliem no la tifundio cultivadores sedentarios» (Motu proprio «L'Agricoltura» de 15 de setembro de 1802; col. cit, pág. 13).
Parece importante aqui observar que a Reforma agraria do Es tado de Sao Paulo (Brasil), devida ap Governador Carvalho Pinto no ano de 1960, do seu modo confirma a sabedoria do alvitre pre conizado pelo Papa Pió VII, pois ela pos em prática tal medida, estabelecendo:
— 342 —
REFORMA AGRARIA
cobranga de impostos gradativamente maiores, a partir da
total isencáo concedida ao pequeño proprietário que ¡resida na gleba e a explore devidamente (segundo esse dispositivo, as áreas até 500 néctares íicaráo em situacáo mais vantajosa do que a atual);
— acréscimo de-lmpostos (até 3,6%) sobre as áreas de mais de 5.000 néctares;
— taxa aínda mais pesada (até 12%) para as térras inaproveitadas;
— com os recursos, arrecadados através dos impostos rurais, o Govérno pretende adquirir térras inaproveltadas e vendé-las aos trabalhadores que as possam explorar.
Apraz também aqui consignar a experiencia concreta de Refor
ma agraria que vai sendo empreendida pelo episcopado em Goiás: a Fazenda de Nossa Senhora da Conceicáo, de 217 alqueires, perten-
cente á Arquidiocese de Goiania. foi dividida em 56 lotes, os quais foram vendidos a camponeses pobres com financiamento a longo
prazo Nessa mesma regiáo instaurou-se um comité de técnicos admi nistradores encarregados de orientar o trabalho dos novos proprietarios. O arcebispo de Goiania, D. Fernando Gomes, declarou-se satlsfeito com os ¡resultados até agora obtidos, chegando a convidar o Presidente da República para visitar, o local.
Conclusao
A guisa de conclusao, transcrevemos aqui os quatro principios básicos de qualquer sadia Reforma agraria, tais como os formula
D. Eugenio Sales, bispo auxiliar de Natal, que multo se tem empenhado em favor da vida rural do Nordeste:
«a) A Reforma Agraria deve ser económicamente sá. Distri buir a térra é apenas um passo, que nao é nem o primeiro nem o
mais importante. Antes, é preciso determinar o emprégo adequado
das térras, certificar-se do capital disponível e do mercado para a distribuido e o consumo dos seus produtos. b)
Deve ser moralmente justa.
Caso contrario, peca por con-
sertar um erro com outro erro. Nao está certo permitir continué existindo um sistema antiquado e injusto de propriedade e exploracáo de térras; mas tampouco está, certo tentar urna reyiravolta to tal sem respeito algum para com os direitos de proprietários nacionais ou estrangeiros. Impedir urna reforma agraria justa e necessária é pecado tanto quanto précipitá-la sem atentar na sua moralidade, segundo os principios da funcao social da propriedade. c) Deve ser socialmente democrática. Muito pouco se obtém com decretos e ordens dadas das alturas. Ao hornera é necessário reformá-lo desde o coracáo, ajudá-lo a desenvolver as faculdades e talentos de que Deus o dotou, até fazé-lo consciente de suas respon
sabilidades sociais de bem comum. É certamente um processo lento, semeado de desengaños, mas é o único seguro e duradouro. d)
Deve ser práticamente moderna. A Reforma Agraria deve
valer-se de todos os progressos das ciencias, tanto sociais e economl— 343 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 4
' ■
eos como técnicos, da sadia contribuiejío da industrializa cao, da visáo e inteireza de líderes sensatos»
(art. cit. 44s).
Nao se poderia, em nome da Religiáo e da Igreja. descer a por menores de ordem técnica referentes á Reforma agraria; sao de com petencia das respectivas autoridades profissionais; a Igreja só tem missáo de intervir nesse setor, caso estejam em jógo interésses da
consciéncia e do Reino de Deus. "Ela até hoje tem dito o que em
cada época devia dizer.
IV.
LITURGIA
VARIOS CORRESPONDENTES
4)
(Rio e Estados):
«Como se explica o recente 'caso de Santa Filomena'?
Como pode a Igreja cancelar a festa da santa, quando se
Ihe atribuem tantos müagres e favores? E que dizer do tratamento dado a Sao Jorge?»
Analisaremos separadamente o que se deu com Santa Filomena e com Sao Jorge. O famoso caso de Santa Filomena, apesar da surprésa
que suscitou, é, em verdade, muito simples e compreensível. As noticias, porém, e reportagens da imprensa (muitas vézes",
mal formuladas), os comentarios do público, deram-lhe vulto indevido, chegando a envolver proposigóes de fé. É o que exi ge da nossa parte urna elucidagáo serena. Atendendo a esta
necessidade, consideraremos primeiramente a origem da devocáo a Santa Filomena; a seguir, focalizaremos os temas de fé que parecem prender-se á célebre «historia». 1.
Os inicios da devocao...
O histórico da devogáo (geralmente ignorado) será sufi ciente para dissipar a maioria das dúvidas recém-suscitadas pelo noticiario da imprensa. Até 1802 nao se conhecia a famosa devocáo a Santa Fi lomena na cristandade. Aconteceu, porém, que aos 25 de maio de 1802 (época em que os arqueólogos comegaram a estudar os cemitérios da
antigüidade) descobriram ñas catacumbas de Sta. Priscila em Roma, junto a via Salaria, um túmulo recoberto por tres frag
mentos de lapide; sobre ésses destrogos lia-se urna inscrigáo em tinta vermelha assim concebida : L U M E N A
P A X T E
C U M
F I
Tais letras estavam acompanhadas de desenhos simbóli cos, como duas áncoras, urna palma, tres setas, fólhas de ñera — 344 —
STA. FILOMENA, S. JORGE E OUTROS...
(ou, conforme alguns, um lirio). No interior do túmulo os ex ploradores encontraran! ossos que éles julgaram ser os des
pojos de urna jovem donzela dos seus tréze ou quinze anos de idade, a qual morrera com o cránio fraturado. Encontraran!
outrossim urna ampola que parecía conter sangue e que, em
conseqüéncia, foi considerada sinal de que a donzela morrera
como mártir da fé. A palma do epitafio parecía corroborar a suposicáo do martirio, no caso; as setas que a acompanhavam, indicariam o instrumento da morte. Além do mais, a idade muito tenra atribuida á defunta fazia crer que fóra virgem. Quanto ao nome da jovem sepultada, os descobridores nao hesitaram em recompó-lo invertendo a ordem dos dizeres das placas de modo a ler:
PAX
TECUM
FXLUMENA
«A paz esteja contigo, ó Filomena í» Filumena é participio passado grego, que signiíica «amada, di-
leta» (alma?... Virgem?... Mártir?...). O vocábulo, porém. foi to mado como nome próprio da presumida virgem e mártir do sepulcro.
Concluiram os arqueólogos que haviam descoberto as
reliquias de urna grande santa da antigüidade, cuja exis tencia fóra ignorada até entáo. Ésses despojos mortais foram entáo extraídos das catacumbas e levados para a Custodia central das Reliquias em Roma. Em breve, o cónego Francisco
di Lucia solicitou-as instantemente e obteve-as para a aldeia
de Mugnano, no sul da Italia, para onde os despojos mortais
foram transportados aos 10 de agosto de 1805. Jaque todos julgavam tratar-se de urna verdadeira santa, os fiéis comegaram a invócá-la. Note-se bem que nao era necessário nem processo de canonizacao nem pronunciamento explícito da autoridade suprema da Igreja no caso pois os santos anteriores ao séc. X nao eram objeto de procésso jurídico de canonizacao, mas eram simplesmente aclamados
pela voz do povo (cf.
lomena portanto a devocáo se baseava únicamente na suposta autenticidade da documentacáo e das interpretacñes que acabamos de mencionar.
Pouco depois da trasladagáo para Mugnano, urna religio
sa napolitana, Irma María Luisa de Jesús, julgóu ter recebido urna serie de revelagóes a respeito da vida e do martirio de Santa Filomena. Na base de tais revelacóes foi entáo redigida
a biografía de Santa Filomena, Virgem e Mártir: narrava-se
ai que fóra filha de um reí da Grecia e padecerá sob o Impe rador Diocleciano (f305), que a quería violentar. — 345 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 4
A devogáo se foi consecuentemente éxpandindo pela Ita lia e a Franga; a sua popularidade tomou incremento extra ordinario em vista da cura aparentemente milagrosa da Venerável Pauline Marie Jaricot, fundadora da Obra da Propagacao da Fé a qual, já moribunda, terla recuperado a saúde por m-
tercessáo de Santa Filomena! Em Ars, ó santo cura Joao
María Vianney (1786-1859) nutria grande estima para com Santa Filomena, chamando-a «sua cara santinha», e atnbu-
indo-lhe numerosos favores; Filomena tornou-se assim a «taumaturga do séc. XIX». Tendo em vista os avultados beneficios, tanto espirituais como temporais, que comumente se denvavam da devogáo a essa santa, a Sagrada Congregagao dos Ri tos órgáo oficial da Santa Sé que trata do culto divino, em 1837 autorizou a sua veneragáo pública, estabelecendo a res
pectiva festa anual no dia 11 de agosto; em 1855 a mesma S Congregagao aprovou um formulario de Missa e um oficio para ésse dia (note-se: o oficio era simplesmente do «Comum
das Virgens Mártires»; tinha apenas urna leitura propna em
Matinas, leitura, porém, que nada afirmava dos tragos biogra fieos ou da cena de martirio de Filomena). Nos últimos tempos, cérea de 300.000 dwotos vWtowun jas), associagoes e pessoas foram colocadas sob o seu
Isso tudo, porém, nao impediu que em tempos recentes os doutos, mesmo católicos, tenham comegado a manifestar re servas frente ao culto de Sta. Filomena; os conhecimentos de
historia antiga, de arqueología, tendo progredido, havendo-se esmerado também o senso de crítica e exatidao científicas, os
estudiosos perceberam a precariedade da documentagao his tórica sobre a qual se apoiava a devogáo a santa.
Com efeito Os arqueólogos averiguaran* que as ditas «ampolas
de sanTueV das antigás sepulturas na verdade nao contém sangue,
Sem sTo!nd?ciosT despojos de algum mártii• Verificaran! outros-
sim que os símbolos do epitafio encontrado sdbre os ossos de Filompna tém significado assaz genérico: a áncora lembra a cruz de
Cristo e™ IsfeSnca drcristlo, a palma indica o galardáo de que
no céu goza todo discípulo fiel, as flechas e as fdlhas de hera servem apenas para separar as palavras entre si.
Quanto á reeonstituicao do nome «Filumena» e á atrlbuicao do
mesmo 4 defunta encontrada, observou-se que se baseavam em hi-
pSe igualmente inconsistente. Sim; no séc. IV após a concessao de paz í Igreja (313), as catacumbas de Roma foram sendo^rebus
cadas por distaos devotos, que desejavam extrair os corpos dos már-
toese justos mais famosos da antigüidade; abriam, portanto, as se_ 346 —
STA. FILOMENA, S. JORGE E OUTROS...
pulturas, removerido as lapides sepulcrais ou os epitafios. Ora, quando sepultavam novos mortos ñas catacumbas do séc. IV, os respecti vos túmulos eram muitas vézes fechados com lapides dos antigos sepulcros; ao aproveitar, porém, essas lapides, os «fosso¡res» ou coveiros faziam questáo de as misturar* entre si, tomando fragmentos
de mais de urna sepultura primitiva destituidos de nexo reciproco, justamente para evitar que se oresse que os ossos- recém-sepultados
em tal lugar pertenciam a tal ou tal defunto mais antigo.
NSo estarla íora de propósito conjeturar que lsto se tenha dado
no caso de «Santa Filomena»; os tres fragmentos que recobriam os ossos encontrados nao proviriam de sepulturas mais antigás? Nao teriam sido reunidos mais ou menos ao acaso? Suposto isto, a reconstituicáo do nome «Filumena» (a partir do LUMENA na primeira lapide e FI na terceira). carecería de fundamento; poder-se-ia mesmo pergun-
tar se existiu urna santa mártir com o nome de «Filumena»; LUMENA e FI poderiam entrar na composigáo de muitas palavras das quais as outras partes estariam perdidas.
Na base das consideragóes ácima, já havia varios anos
que no seio mesmo da Igreja se levantavam dúvidas a respei-
to da existencia de Santa Filomena, quando nos últimos meses
o Santo Padre Joáo XXm houve por bem mandar cancelar do calendario oficial da Igreja a festa dessa santa; para isso, S. Santídade baseava-se na falta de certeza concernente á historicidade mesmade Sta. Filomena.
Como se vé, essa atitude da Santa Sé nao foi adequadamente compreendida por um dos jomáis do Rio de Janeiro, que publicou a seguinte noticia: «Nao há mais Santa Filomena — acaba de decre tar o Vaticano». A frase dá a entender que é o Vaticano quem faz e desfaz os santos, como se estes nao passassem de produtos da imaginacáo ou do senso piedoso das autoridades eclesiásticas e dos devotos.
Alias, a determinagáo da Santa Sé relativa a Santa Fi lomena faz parte de ampio projeto de remodelagáo da Litur
gia s6bre bases muito simples e claras, remodelagáo que natu ralmente tende a remover da piedade crista os motivos de devogáo que caregam de seguro fundamento histórico.
Tomando a rigor a disposigao da S. Congregagáo dos Ritos, verifica-se que nao é proibida a devocao particular a Santa Filomena; apenas o culto litúrgico foi atingido pelo decreto. Se alguém, portanto julga que a precaria documentacáo existente sobre Sta. Fi-
limena • merece crédito, pode dirigir-se a essa santa; era o que se fazla de boa íé no século passado. Em nossos días, porém, é de
desejar que nenhum cristáo. por mais piedoso que seja. feche os olhos voluntariamente as conclusSes dos estudiosos, contentando-se com urna piedade de fantasía alheia á realidade dos fatos.
Sao estes os precedentes que elucidam o atual «caso de Santa Filomena», permitindo-nos verificar que muito acertada — 347 —
«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» .44/1961. qu. 4
foi a determinagáo de Roma ao cancelar do seu calendario ofi cial a festa da santa: a piedade só pode lucrar ao se deixar guiar pelas luzes da verdade.
Contudo algumas questóes de índole doutrinária sao espontanea-
mente suscitadas pela explanacáo ácima.
Abórdemelas sucessiva-
mente.
2.
Gomo é possível...?
A primeira dúvida suscitada talvez seja a que concerne
1) a autoridade do magisterio da Igreja. Muitos perguntam: como entender a aparente retratagáo de si mesma que a Igreja acaba de fazer? A resposta nao é difícil. Na verdade, a Igreja nunca se pronunciou por seu ma
gisterio solene e infalivel em favor .da existencia de Santa Fi
lomena. Sua atitude foi, como dissemos, simplesmente a seguinte: em 1802 encontraram-se ossos que, com alguma verossemelhanga foram atribuidos pelos arqueólogos a urna santa dita «Filomena», virgem e mártir do séc. IV; a verossemelhanga
da atribuigáo parecía suficiente e aceitável naquele inicio do sáculo passado, época de exiguo senso crítico. Ora, visto que se apresentava Filomena como santa do século IV, as autori
dades da Igreja nao se viam, no caso, obrigadas a instaurar processo de canonizagáo; a declaragáo de santidade (ou a ca nonizagáo) de Filomena devia ser suposta; teria sido feita pela
voz do povo cristáo antigo, como era costume antes do século X (cf. «F. R.» 13/1959, qu. 5). Em conseqüencia, os Ro manos Pontífices, os bispos e o povo católico foram aceitando «Santa Filomena»; as gracas atribuidas á sua intercessáo só faziam corroborar a crenga na santa. A colocagáo no calen dario litúrgico aos 11 de agosto de modo nenhum implica em
definigáo infalivel; era apenas medida de disciplina,... medi da sujeita a reforma desde que tal disciplina se evidenciasse inoportuna; as autoridades da Igreja introduziram a festa de Filomena únicamente por causa da devogáo do povo cristáo, devogáo contra a qual nada se podia objetar, pois nada tinha de absurdo ou supersticioso (a questáo da autenticidades da documentagáo pressuposta nem sequer se punha no seculo passado).
.*.
.
Nos tempos atuais, porém, os estudiosos tendo verificado a precariedade de tal documentagáo, a Sta. Igreja nao hesita
em afirmar a evidencia dos fatos: nao permite, continué a ser celebrada na sua Liturgia oficial urna festa táo insegura
mente assentada; quanto as manifestagóes de devogáo pessoal — 348 —
STA. FILOMENA, S. JORGE E OUTROS...
a Santa Filomena, sao toleradas... desde que os devotos julguem haver fundamento para crer na existencia da santa. Tal
atitude da Igreja está longe de ser urna «descanonizagáo» ou «dessantificacáo», como se tem dito, pois nunca houve canonizagáo oficial de Sta. Filomena; aconteceu mesmo mais de uma vez em épocas passadas que as autoridades eclesiásticas resolveram vedar o culto que o povo cristáo comegara a tri
butar a determinado santo. Cf. «P.R.» 13/1959, qu. 5.
Outra das dificuldades doutrinárias suscitadas pelo «caso de Santa Filomena» seria : 2)
Como explicar os niilagres atribuidos a santa, caso
se admita que esta nao tenha existido? Tanto faz invocar san tos existentes como santos nao existentes? Primeiramente, no tocante aos milagres convém lembrar que a Igreja nao se empenha por afirmar a sua realidade; o magisterio eclesiástico é, em geral, lento e cauteloso quando se trata de admitir portentos. Dado, porém, que os fiéis (e em particular o Cura d'Ars) tenham realmente obtido gragas ex
traordinarias mediante a devogáo a Santa Filomena, será pre ciso recordar que nao sao própriamente os santos que fazem
milagres e concedem gragas, mas é o Senhor Deus quem dis tribuí tais dons,... e os distribui principalmente em vista da
fé e da devogáo dos que os pedem na térra; no caso, portanto, da devogáo a Santa Filomena, se houve milagres, estes foram realizados diretamente por Deus em resposta as piedosas disposigóes dos devotos; dado que Sta. Filomena nao tenha existido, ela nao intercedía (nem intercede) por seus devotos (como realmente intercede no céu um santo existente), mas a
figura da santa servia ao menos de estimulo á piedade dos
orantes; assim é que mesmo uma presumida «Santa Filomena»
podía concorrer para a obtengáo de gragas extraordinarias do
Céu (vinha a ser o incentivo subjetivo do zélo e da devogáo
dos que oravam).
Disto nao se segué, é claro, que tanto faz invocar santos exis tentes como invocar santos inexistentes. A piedade e os aletos da alma para que sejam dignos da natureza humana, devem ser ilumi nados pela verdade ou pela realidade das coisas. Caso, porém, süguém de boa fé se ache no erro, tomando como existente um santo que nao existlu o Senhor nao deixa de atender á boa fé de quem O suplica; Ele em tais casos corresponde ás preces, nSo por causa do santo inexistente, mas por causa das disposicees sinceras de quem ora.
Pergunta-se ulteriormente:
3)
Nao seria para recear que semelhantes golpes venham
a ser futuramente infligidos ao culto dos santos? — 349 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 4
Em resposta, distinguiremos entre santos cañoneados após processo formal (tais processos so comecaram a ser feitos no séc. X) e santos proclamados apenas pela voz popular nao contraditada pela autoridade suprema da Igreja. Ao passo que so
bre a existencia e a intercessáo dos primeiros nao resta dúvida, a respeito dos outros nao é impossível que se descubram, no de-
correr dos tempos, documentos que invalidan as respectivas crencas populares; a Igreja entáo terá que declarar a inconsis tencia da devogáo a ésses santos; no caso, portante, dos justos sobre os quais a Igreja nao se definiu por seu magisterio su
premo, a devogáo fica dependendo da autentiddade dos do cumentos que se possam aduzir em favor de tais santos (a
grande maioria está suficientemente comprovada).
Foi justamente por averiguar que careciam de verdadeiro fun damento histórico que a S. Congregacao dos Ritos mandou última mente eliminar do calendario da S. Liturgia as iestas de
Sao LeSo II (3 de julho), pois se evidenciou que nos antigos có digos litúrgicos a cifra II nao significava um santo posterior a Sao Leáo I, dito «Magno», Papa, mas designava o próprio Sao Lcao I a ser celebrado peí» segunda vez no ano (a primeira vez ocorria aos 11 de abril);
Santo Anacleto (13 de julho); veriíicou-se que éste nome nao era senáo urna variante do nome Sao Cleto, que já tem sua festa a 26 de abril (a preposicáo ana em grego significa «de novo»);
Sao Vita! (28 de abril); também está comprovado que o santo celebrado com éste nome em abril nao difere do seu homónimo fes tejado aos 4 de novembro;
Sao JoSo diante da Porta Latina (6 de malo); sob éste titulo se comemorava um episodio cuja autenticidade foi reconhecida como assaz duvidosa: acreditava-se, com efeito, que o Apostólo Sao Joao, diante da Porta Latina de Roma, fóra atirado em um tanque de óleo a íerver, escapando, porém, incólume do perigo.- Ora, já que a documentagao referente a éste particular é pouco fidedigna, a Santa Igreja (que nunca definirá o episodio como sendo real) bem nao mais o celebrar em sua Liturgia;
houve por
a Trasladagao da Casa de Loreto (10 de dezembro); também por se ter observado que carece de suficiente documentacáo históri ca éste episodio já nSo é objeto de -celebragáo no culto oficial (cf. «P R.» 12/1958, qu. 9, onde se expoem as origens da narrativa se-
segundo a qual teria sido transferida pelos anjos para Loreto, Italia, a casa na qual se deu a Anunciagáo do Arcanjo Gabriel a Maria).
Seja licito repetir: a Santa Igreja aceitou a celebragáo de tais
testas porque, de um lado, nada tinham de incómpatlvel com as ver
dades da fé e, de outro lado, pareciam suficientemente assentadas sobre documentos históricos. Note-se que. ao celebrar essas festas, os fiéis nao praticavam coisa va, porque, mesmo que nao tivessem tido existencia os santos ou os episodios cultuados, éles eram, no — 350 —
STA. FILOMENA, S. JORGE E OUTROS...
mínimo, motivos de afervoramento religioso, afervoramento ao qual Deus respondía liberalmente com suas grabas. — Tais festas mereciam a reverencia (e esta apenas) que a respectiva documentagáo histórica lhes podia conciliar.
Desde porém, que se évidenciou a precariedade de tal documen-
tacao, a Igreja nao hesitou em tomar atitude coerente. modificando o seu calendario litúrgico.
As modificagóes assinaladas, longe de deixar os fiéis perplexos e como que abalados na sua piedade, devem, antes, con
tribuir para lhes incutir urna fé mais pura e lúcida; elas mais urna vez lembram que se deve distinguir na Igreja entre o es-
sencial e acidental. O símbolo de fé e a estrutura da Igreja sao, sim, essenciais e intangíveis, porque se derivam do próprio Deus; quanto as manifestasóes da vida crista, elas podem variar; o criterio para as aprovar ou desaprovar é um criterio de bom senso ou de documentagáo científica, criterio sujeito a mudangas ño decorrer dos tempos; a Igreja aceita tais mudangas, já que nao Lhe afetam a estrutura; Ela as deseja mesmo, quando sao oportunas, a fim de ser sempre atual e pre
sente á vida dos povos. A confusáo presente oriunda do cancelamento das reíeridas íestas se deve a um pressuposto assaz comum: muitos dos nossos con
temporáneos julgam que tudo que se faz na Igreja, é feito por ordem
de "ua Santidade o Papa, envolvendo a sua autoridade suprema e infalivel. — Na realidade, tal nao se dá. Multas práticas nao essen
ciais á vida crista se desenvolvem, na Igreja, de baixo para cima (nao de cima para baixo), isto é, originam-se por iniciativa do povo devoto nao por decreto superior. As autoridades eclesiásticas deixam os fiéis agir enquanto nao véem supersticáo em tal ou tal prática popular e enquanto nao se percebe motivo que desaconseje a continuacáo. Desde, porém que tal motivo se imponha, a Santa Igre ja intervém para vantagem do povo de Deus... Foi o que se deu nos casos que acabamos de percorrer.
3.
E Sao Jorge...?
Quanto a Sao Jorge, a sua festa nao foi eliminada do ca lendario oficial da Igreja, porque nao há motivos para por em
dúvida a sua existencia. Contudo a celebragáo do santo foi destituida do seu relevo antigo, passando a constituir mera comemoragáo. O motivo disto é que, segundo os mais recentes estados, já nao se pode asseverar a historicidade de quanto se
narrava a propósito de Sao Jorge; consciente disto, a Sta.
Igreja julgou oportuno nao chamar tanto a atengáo dos fiéis para um santo cujos dados biográficos nos ficam quase total mente encobertos.
— 351 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 5
A respeito de Sao Jorge, portante, apenas se pode dizer com se guranza que nasceu em Lida (Lydda) na Siria por volta de 270 e foi martirizado em Nicomédia no ano de 303. Sao considerados
como incertos ou mesmo lendários os pormenores habitualmente nar
rados : Jorge, como soldado do Imperio Romano, teria participado de urna campanha na Pérsia, após a qual haveria residido em Bei-
,rute (Siria); nesta cidade, teria lutado contra um dragáo; depois disto, dizem que Diocledano o enviou em expedicáo á Gra-Bretanha; Jorge atravessou entáo o mar da Irlanda, hoje também dito «Canal de Sao Jorge», e desembarcou em Porta Sistuntiorum; daí dirigiu-se para Glastonbury em peregrinacáo ao túmulo de seu compatriota José de Arimatéia... Parecem dispensáveis ulteriores comentarios ao caso.
V. TITO
5)
HISTORIA DAS RELIGIOES
(Salvador):
«Que dizer da Fé Bahá'i, que recentemente realizou
urna de suas convencoes no Rio de Janeiro? O Evangelho mesmo, em Jo 14,25s e 16,12s, nao prediz no
vas revelacoes públicas de Deus no decorrer dos tempos?»
A Fé Bahá'i constituí urna modalidade nova de Religiáo, que procuraremos explanar, propondo os respectivos prece dentes históricos, as suas principáis linhas doutrináriás e, por fim, um juízo sobre o assunto.
1.
Preliminares históricos
A religiáo de Baha se prende a algumas tendencias do Islamismo
tal como ele era vivido na Pérsia do século passado. Havia com efeito, urna corrente de piedade musulmana, dita «dos Chutas», que aguardava a vinda de um Messias (Qa'im) á tér ra, desde o séc. IX d.C. (isto é, desde o ano 260 da era musulmana tal como esta era calculada pelos Chutas).
Ora, 1000 anos após o inicio desta expectativa, isto é, em 1844 d C (1260 da era musulmana), surgiu na Pérsia um arauto de Deus que dizia ser o «Aguardado» ou o Bab (= Porta da Verdade, em ara-
be), incumbido de transmitir aos homens a nova e definitiva revelacao de Deus. O Bab nascera em Chiraz (Pérsia) no ano de 1812, tendo o nome
civil de Mirza 'Ali Mohamed. Dotado de Índole profundamente místi ca, abandonou o comercio, ao qual seus pais o destinavam, e foi para o Iraque ouvir os ensinamentos do famoso mestre muculmano Sayid Kassem. Depois de visitar os santuarios mais venerados do Islamis mo, voltou a Chiraz e entregou-se k pregacáo. Para os maometanos
em geral Maomó fdra o sélo dos profetas, a consumacáo das revelacSes divinas, de modo que ao aguardado Arauto dos Chutas so po día caber á missáo de purificar a religiSo mesma do Coráo e difun-
di-la pelo mundo inteiro. Nao foi. porém, éste o encargo que Bab atribuiu a si: aos 23 de maio de 1844, apresentou-se como portador — 352 —
A RELIGIÁO BAHA'I
de rova revelacáo, baseada em novo Código sagrado; quebrando assim as tradicóes musulmanas da Pérsia (onde o Islamismo era a re
ligiáo olicial desde o séc. XVI), Bab agucou contra si o ánimo iníenso tanto das castas religiosas como das governamentais. Anexou-se-lhe, porém, um grupo de 17 varOes e urna mulher, grupo cogno-
minado «Epístola do Vívente», o qual o tinha na conta de Ser Divi
no; com o Mestíe sofreram violentas perséguic.6es. No iim de sua vida Mirza 'Ail Mohamed transfer!u o titulo de Bab («Porta daVerdadé»)( para um de seus seguidores, e veio a morrer executado em praca pública de Chiraz, aos 9 de julho de 1850, por um pelotao de soldados. Urna vez desaparecido o fundador da comunidade, os dis cípulos de Bab íoram entretendo as idéias do Mestre, até que um
déles, Mirza Husain 'Ali Nuri Bahá'u'llah (1817-1892) no ano de 1863
proclamou ser a Manifestacáo por excelencia da Divindade ou também o Grande Manifestante da Divindade prometido para «os últi
mos dias» ou ainda «Aquéle que Deus haveria de manifestar». Bab teria sido apenas seu Precursor.
Aceito como Chefe Supremo por seus correligionarios,
Bahá'u'llah remodelou por completo as doutrinas e práticas legadas por Bab; um dos sinais mais evidentes dessa mudanca é a troca do nome «Babis», com que se designavam os discípu los de Bab, pelo de «Bahá'is». Os ensinamentos de Bahá'u'llah tendiam a dar á religiáo um caráter menos árabe e mugulmano, mais universalista ou patente a todos os homens; menos se importavam com metafísica e mística, mais se voltavam para
a ética; conseguiram destarte que a sua nova sociedade nao ficasse sendo insignificante seita musulmana. Na esperanga de congregar a humanidade inteira sob urna única religiáo, Bahá'u'llah dirigiu mensagens escritas ao xá da Pérsia, Nasiru'd-Din Shah, á Rainha Vitoria, da Inglaterra, ao Czar da Rússia, ao Imperador Napoleáo m, da Franga, assim como a Sua Santidade o Papa !
Bahá'u'llah e seus adeptos, considerados como revolucio
narios religiosos, nao deixaram de sofrer perseguigáo por par
te das autoridades civis e do povo da Pérsia, vindo o novo
Mestre a falecer exilado em Acca na Palestina aos 29 de maio de 1892. Ao morrer, Bahá'u'llah confiou a seu filho Abbas Efendi (também chamado 'Abdu'1-Bahá, o servo de Bahá) a
missáo de difundir as suas crencas e manter contato com os Baha'is do mundo inteiro. Por conseguinte, hoje encontram-
-se comunidades da Fé Bahá'i espalhadas por quarenta nagóes e territorios, tanto orientáis como ocidentais, congregando cérea de dois milhóes de membrqs; mais de 500 comunidades
se acham situadas na Pérsia mesma; nos Estados Unidos daAmérica do Norte, contam-se aproximadamente 90 núcleos.
No Brasil, a Fé Bahá'i reúne perto de 200 adeptos. Um dos grandes centros mundiais da nova religiáo é o Monte — 353 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961. qu. 5
Carmelo para onde foram transferidos os despojos moríais de Bab- nos EE.UU. existe outro notável templo bahá'i em forma octogonal (para significar a universalidade da crenga; oito simboliza plenitude, segundo a mistica dos números!). Analisemos agora as principáis linhas doutrinárias do bahaismo.
2.
Os característicos da mensagem Bahá'i
1 A Fé Bahá'i, como se depreende dos precedentes his tóricos, se deriva do Islamismo. Ora, já que éste aproveitou muitos temas do Judaismo e do Cristianismo, nao nos surpre-
endemos por encontrar na religiáo. bahá'i alguns tragos das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento.
Os bahais professam a existencia de um só Deus, distinto
do mundo, portante nao identificado com a natureza ou com
o homem; abracam assim um credo monoteísta, nát> panteista ou monista (nisto divergem das religióes da india e do Extre mo-Oriente, que sao panteístas). O Deus Ünico, conforme os bahais se dá a conhecer por seus profetas: Moisés, Daniel, Cristo, Maomé;..
(nesta linha, Cristo vem a ser apenas «um
sabio educador da humanidade, assistido e confirmado por um
poder divino»). Com Bahá'u'llah as manifestacóes da Divin-
dade chegaram finalmente a consumagáo, de sorte que para
a Fé Bahá'i convergem todas as demais crengas religiosas da humanidade: Judaismo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduismo, etc. A religiáo de Bahá está conseqüentemente fadada a ser a religiáo universal, na qual todos os homens se aproximaráo e uniráo entre si; em vista déste objetivo, a nova re ligiáo muito se ocupa com a paz do mundo a ser obtida me diante instituigóes internacionais assim discriminadas : «O bahá'i almeja estabelecer urna nova civilizac&o. Trabalha em prol da paz entre as nacóes; ainda mais, esforca-se por promover har-
monia entre todas as racas, religi6es e classes. O Guardiáo da Fé
dá-nos urna descricáo adequada do «padráo para a sociedade lutura>, o qual incluí um sistema íederal mundial, com urna legislatura mun
dial para formular as leis necessárias; um executivo mundial que tenha o apoio de urna ídrca internacional, a íim de levar a efeito as decisóes tomadas por essa legislatura; um tribunal mundial que pro nuncie seu veredicto compulsorio e final em qualquer disputa sur
gida entre os varios elementos constituimos désse sistema universal; um idioma mundial a ser ensinado ñas escolas de tddas as nac5es •federadas como auxiliar as línguas nativas Segundo seu conceito os recursos económicos do mundo seriara de tal modo organizados
que nenhum povo se achasse desprovido» (A. Honnold, Introducáo á
eScRo brasilelra do livro de Abdu'1-Bahá, Respostas a algumas perguntas. Rio de Janeiro 1959, pág. 14).
— 354 —
A RÉLIGIAO BAHÁ'I
Na sua antropología, a Fé Bahá'i admite a existencia, no
homem, de um principio espiritual ou de urna alma imortal,
Esta vive urna só vez na térra; nao se reencarna; contudo
após a morte, separada do corpo, ainda pode evoluir e aperfeicoar-se. De resto, assaz vagas e, por vézes, pouco coerentes
entre si sao as afirmacóes do bahaísmo a respeito da vida pos tuma. Tal religiáo nao possui nem ritual nem cerimonial nem
sacerdocio hierárquico. Muito mais se ocupa com preceitos de ética do que com proposigóes de filosofía e metafísica.
2. . A despeito da sua sobriedade em questóes de doutri-
na, os ensinamentos baháis sao explícitos e extravagantes no
tocante á mística dos números, dos nomes e das letras!
O número sagrado, por excelencia, é 19, pois a expressáo «Em nome de Deus benigno e misericordioso» em árabe se
escreve com 19 letras; estas, portante, sao consideradas como
a «Manifestacáo» da Divindade. Acontece óutrossim que o conceito de Unidade é muito caro aos muculmanos, pois ex
prime a esséncia da Divindade; ora a palavra Wahid (= Um)
compóe-se de quatro letras que representam respectivamente
ós algarismos 6, 1, 8 e 4 e que, somadas, dáo o total 19. Éste número, portante, também a tal título, é símbolo da Divindade. Em terceiro lugar, observam os bahá'is que o atributo o «Vi-v vente»
(Hayy), característico da Divindade, se escreve com
letras cuja soma é 8 + 10 = 18; adicionando-se a isto a uni-
-dade (base de toda a multiplicidade), chega-se mais urna vez ao total 19. Conseqüentemente, Bab escolheu 18 discípulos, que
com ele integravam um grupo de 19 pessoas, constituirido «a Epístola Vívente» ou a Primeira Unidade».
Mais ainda: o produto 19 X 19 (= 192), ou sepa, o núme
ro 361, também é santo, pois representa o mundo mteiro; com
efeito, as palavras KuIIu shay (= todas as coisas) constanr de letras árabes cüjo valor numérico é respectivamente 20, 30,.
300 e 10; a estes números acrescentando-se a unidade (que é o fundamento pressuposto pela pluralidade), atinge-se o to
tal 361 (=19 X 19 ou 192). Em resumo: o número 19 é o símbolo de Deus, ao passo que 192 é o do Universo, segundo a mística que os baháis construiram recorrendo ao vocabula rio árabe.
Dada a importancia do número 19, a religiáo de Bahá tende a tomá-lo como base dos seus sistemas cronológico e mo
netario. Assim o ano bahá'i compreende 19 meses de 19 dias cada qual; a ésses 361 dias acrescentam-se mais 4, a fim de haver correspondencia com o ano solar, adotado pelo calenda
rio internacional dos povos; os mesmos nomes (Baha, Jalal, — 355 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 5
.
Jamal...) que designan os meses, designam também um dos dias de cada mes, de modo que urna vez por mes o dia e o mes sao indicados pelo mesmo nome; tal dia é sempre festivo
para os baháis. — A cunhagem de moedas que tomava por base o número 19, teve de ser abandonada por se evidenciar pouco prática. A mística bahá'i dos números tem aplicagáo na maneira
cifrada de aludir as cidades que desempenharam papel impor
tante na historia da propagagáo da nova fé: assim Adrianopla,
chamada Edirne em turco, é pelos baháis cognommada Arzu s-Sirr (a térra do misterio), visto que os nomes Edirne e Sirr
sao equivalentes á cifra 200, portante equivalentes entre si. A cidade de Zanjan (=111) também é dita Arzul'-A'la (=111).
Neste setor, prepondera como criterio a intuigáo subjetiva dos
devotos, criterio que nem todos os homens aceitam. As nogóes ácima já bastam para procurarmos formular 3.
Um juízo sobre a Fé Bahá'i
Do sistema ideológico dos baháis focalizaremos apenas a
respectiva posigáo fundamental. Se esta fór comprovada vá, está claro que todo o edificio da nova fé se mostrará incon sistente.
1.
A posigáo fundamental da nova religiáo é a de Máni-
festacáo suprema do Deus Uno, manifestacáo que deve consu
mar quanto foi dito pelos profetas anteriores (Abraáo, Moisés, Cristo, Maomé).
Ora tal esquema, relativista e eclético, é muito ilusorio; nao resiste a sereno exame da lógica.
Na verdade, Abraáo, Moisés e Cristo se situam em linha homogénea, ascensional; sao arautos progressivos da revelagáo divina
de sorte que as suas respectivas mensagens se conca-
tenam entre si. Já em «P.R.» 25/1960, qu. 3 ficou explanado como Cristo corresponde exatamente as expectativas e profe cías do Antigo Testamento (bu seja, de Abraáo, Moisés e dos demais porta-vozes de Deus em Israel); entre as profecías de
Israel e a obra de Cristo há nexo lógico resultante de sabia
pedagogía divina, a qual, adaptando-se á capacidade de compreensáo do homem, passou de ensinamentos mais rudimentares para doutrinas mais perfeitas. Destarte os profetas de Is rael se relacionam com Cristo como o caule com seu fruto
ou como etapas preparatorias com seu termo definitivo. Entre o Cristianismo, porém, e o Islamismo (que lne so breven no cenário da historia seis séculos mais tarde), ja nao — 356 —
A RELIGI&O BAHA'I
há contínuidade, mas, antes, um hiato. Maomé herdou o mo
noteísmo e algumas sublimes proposigóes das Escrituras judaico-cristás, mas fundiu-as com crengas pagas grosseiras. Embora julgasse ser o consumador da Revelacáo Divina an terior, propós um sincretismo, que significava desvio ou mesmo retrocesso doutrinário e moral correspondente ao ardor do temperamento árabe (como se acha exposto em «P.R.» 33/1960,, qu. 6). Numa palavra: a mentalidade da religiáo islámica embora tenha seus rasgos de ardente mística, fica aquém da mentalidade do Evangelho (tenham-se em vista, para nao citar outros particulares, a permissáo de poligamia
e o conceito de «guerra santa»). Sendo assim, ve-se que nao
tem cabimento apresentar a Fé Bahá'i como consumacáo ho
mogénea dos credos religiosos anteriores (Judaismo, Cristia nismo e Islamismo). Nao sómente o Cristianismo, mas tambem o Isláo, como vimos, nao reconhece nessa nova religiao o de sabrochar homogéneo do seu patrimonio; é demais subjetiva e fantasista para poder ser tida como o fruto da matundade da religiáo de Maomé. De resto, Bahá'u'llah, para tentar con gregar todos os homens sob a sua religiáo, teve que deixar de lado muitos dos elementos característicos que o Islamismo Ihe apresentava e que seu precursor Bab ainda adotava.
2 Eis porém, que os discípulos de Bahá'u'llah apelam para ó texto mesmo do Evangelho de Jesús Cristo, para tentar
mostrar que éste nao constituí senáo urna etapa provisoria na historia das revelagóes divinas.
Os trechos focalizados sao as seguintes palavras de Jesús na última ceia:
Jo 14.25S1 «Eu vos disse estas coisas, estando ainda convosco. O
Paráclito, porém, o Espirito Santo, que o Pai mandará em meu nome,
file vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo que Eu vos disse».
Jo 1612s: «Tenho ainda muitas outras coisas a dizer-vos, mas
nao as podéis compreender agora. Quando vier o Espirito da verdade Ele vos levará á verdade completa. Nao falará por si mesmo, más vos dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará o que há de acontece».
Estes textos nao forneceriam base para a concepcáo bahá'i de Revelacáo progressiva ? .
A fim de se perceber o seu alcance, faz-se jnister considerá-los separadamente.
a) Em Jo 14,25s, Jesús dá por. encerrada a sua missáo doutrinária; está táo próximo da moiie que as suas comunica— 357 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 5
cóes com os Apostólos já Ihe parecem pertencer ao passado. Nao obstante, Ele sabe que seus ouvintes estáo longe de haVer
compreendido tudo. Quem entáo prosseguirá a missáo de Jesús? — Será o Espirito Santo, que o Pai celeste há de enviar em
nome de Cristo, ou seja, para substituir Cristo e falar em nome
de Cristo (cf. Jo 14,25s). A fungáo do .Espirito Santo, diz Jesús, consistirá nao apenas em preservar do esquecimento os ensinamentos do Divino Mestre, mas também em ajudar a penetrar o sentido de tais ensinamentos. — Pergunta-se: esta promessa de Jesús visava os Apostólos apenas ou tambem os seus sucessores no corpo docente da Igreja até o fim dos seculos? Esta última sentenga merece franca preferencia, pois e claramente sugerida pelo contexto do capítulo 14; éste consig
na promessas varias referentes aos tempos de ausencia do
Senhor, extensivas portanto as geragóes que se deviam seguir
aos Apostólos. Note-se, porém: a missáo do Espirito Santo é de
terminada com predsáo; limita-se áquilo que Jesús ensinou,
nao consiste em comunicar verdades novas ou era fazer ulte riores revelagóes, mas em ilustrar o sentido profundo das pro-
posigóes ensinadas por Cristo. Justamente baseando-se na assisténcia do Espirito Santo, a Igreja tem sabido, no decorrer
dos séculos, tirar do depósito revelado por Cnsto modalidades
doutrinárias antigás e novas; Ela está habilitada a dar, em to dos os tempos, juventude e vigor á única mensagem do Evan gelho, sem ter que aguardar nova revelacáo divina no curso da historia.
b)
Passemos agora aos dizeres de Jo 16,12s. Nao sao
própriamente paralelos aos de 14,25s; supóem que os Apostó
los nao estejam, no momento, devidamente capacitados para
entender tudo que Jesús lhes quer ensinar; em conseqüéncia, promete o Senhor que, mais tarde, o Espirito Santo comple
tará os ensinamentos de Cristo, nao sómente ilustrando e apro-
fundando, mas também estendendo a mesma, a fim de levar os ouvintes á plenitude da revelagáo crista. Neste contexto, o Espirito Santo aparece, sim, como Portador de verdades no vas, nao comunicadas por Cristo, verdades que os Apostólos, ainda comparáveis a criancinhas na ordem sobrenatural, nao poderiam assimilar diretamente dos labios de Jesús. Depois de Pentecostés, tal incapacidade já nao se verificaría; os Apostólos entáo estariam aptos a entender a plenitude da men-
saeem do Evangelho que o Espirito Santo lhes haveria de co
municar. Quanto aos sucessores dos Apóstelos, já nao se res-
sentiriam da insuficiencia momentánea em que se achavam os Apostólos por ocasiáo da última ceia, pois comecariam a co_ 358 —
A RELIGIAO BAHÁ'I
nhecer o Cristo depois de Pentecostés, isto é, depois que o Es pirito Santo tivesse derramado a sua presenga e os seus dons sobre a Igreja. Por conseguinte, a comunicacáo de novas ver dades anunciada por Jesús em Jo 16,12s se restringe aos
Apostólos apenas, nao se estende aos seus sucessores; com a
morte do último dos Apostólos encerrou-se a revelacáo divina proposta por Cristo e pelo Espirito Santo. Nao há dúvida, nos decenios que transcorreram entre a Ascensáo do Senhor (a 33 ?) e a morte de Sao Joáo (cérea do ano 100, fim da era apostólica), o Espirito Santo comunicou aos Apostólos ver dades que estes anteriormente nao teriam compreendido (dai falar-se na Igreja, de «tradicóes divino-apostólicas», válidas
como regra de fé ao lado das tradigóes escritas ou do Evangelho). Jesús, de resto, frisava bem que ésse ensinamento do Espirito Santo nao seria estranho nem heterogéneo em rela-
Cáo ao de Cristo; antes, procedería da mesma fonte suprema, ou seja, do Pai Celeste...: «Nao falará por si mesmo, mas
vos dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará o que ha de acontecer...
Receberá do que é meu, e vó-lo anunciara»
(Jo 16,13s). Os Apostólos, por sua vez, tinham consciéncia de que a mensa-
sem do Evangelho é a definitiva comunicacáo de Deus aos homens na historia déste mundo. Era tal consciéncia que éles exprimiam quando afirmavam que «os últimos tempos ou a última hora hayiam chegado» (cf. 1 Jo 2,18; 1 Pdr 4,17). «último», no caso, nao significa posicáo na ordem cronológica (nao insinúa, portante, proximidade
do fim do mundo) mas designa a fase definitiva da historia religio
sa do eénero humano; após a vinda de Cristo nao se espera mais
nenhuma revelacáo oficial de Deus aos homens nem algum novo es tatuto de salvacao. A historia do mundo poderá aínda protrair-se
por milenios...; o Senhor Deus, porém, nao mudará essencialmente os meios de salvacao outorgados mediante a pregagáo e a cruz de Cristo.
Sobre revelagoes particulares feitas a almas justas e santas no
decorrer dos séculos cristáos, cf. «P.R.» 19/1959, qu. 4 e 5.
3.
Por fim,
ainda
urna
observagáo
parece
oportuna.
Pode-se verificar que os movimentos religiosos ou as «religióes
novas», em nossos tempos, nao raro se apresentam cada qual
como «religiáo de cúpula» ou «consumagáo dos credos ante riores»; pretendem dar em plenitude aquilo que dizem estar esfacelado de maneira infantil nos demais sistemas religiosos. Para congregar todos os homens sob a sua hégide, ésses novos credos reduzem ao mínimo as suas proposigóes doutrinárias e insistem principalmente na ética natural, ou seja, na reta conduta de vida que a consciéncia por si mesma incute a todo ín— 359 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 44/1961, qu. 5
dividuo. Tal posigáo parece magnánima e generosa; na yer-
dade, é capciosa : sob o rótulo de plenitude e maturidade. re
ligiosas, bajula, de um lado, o orgulho e, de outro lado, a ten dencia dos homens ao menor esfórco. Sim; tais modalidades de religiáo, em que o subjetivo prepondera sobre o objetivo, sao relativamente cómodas; na realidade, equivalem a apostasia religiosa camuflada; sao, por parte do homem, o desvirtuamento ou o abandono do auténtico senso religioso... Em tais movimentos modernos, Religiáo deixa de constituir algo de absoluto; vem a ser considerada como sistema de morigeracao e beneficencia, que o homem é livre de fundar, fundir, refun dir e desfazer, segundo o seu bom senso pessoal. Deus passa a ser praticamente tratado como projegáo da mente humana, nao como Criador e Absoluto Senhor, do qual o homem tenna que aprender, por meio de sinais objetivos e concretos, a pratica da Religiáo ou o caminho de volta ao seu Autor! Com estes dizeres damos por caracterizada a posigáo fun damental da Fé Bahá'i. Se tal atitude se manifesta precaria, precaria ou errónea há de ser a nova Fé ou a pretensa «religiáo de cúpula».
A Divindade de Cristo já íoi sumariamente demonstrada em
' Sdbre a v'erac'idade dos Evangelhos, cf. «P.R.* 7/1958, qu. 4. A respeito da Igreja
Católica como
«P.R.» 39/1961, qu. 2.
instituido
divina, veja
^ ^^ ^^^ Q> g. B.
«PERGÜNTE
E
RESPONDEREMOS»
Assinatura anual de 1961
Cr? 200,00
Número de ano atrasado Colegáo encadernada de 1957 Colecao encadernada de 1958, 1959, 1960 ..
Cr? 25,00 Cr$ 320,00 " Cr$ 450,00 (cada urna)
Assinatura anual de 1961 (via aérea) Número avulso de 1961
Cr$ 250,00 Cr$ 20,00
Saiu a 3« edigao do «Plano para ler a Sagrada Escritura»: consta de fichas que distribuem os diversos livros da Biblia (a razáo de tres capítulos por día aproximadamente) para a leitura cotidana da Sagrada Escritura, de modo que em um ano esteja assegurada a
leitura de toda a Biblia. Preco: Cr? 50,00. Os peflidos podem ser enviados a qualquer dos dois enderecos abaixo. BEDAC&O
Cabta Po^l 266« Elo de Janeiro
'
ADMINISTBACAO
K« B«l Grandeaa, 108 —Botafogo TeL 26-1822 — Bio de Janeiro
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