Revista Pergunte E Responderemos - Ano Iv - No. 042 - Junho De 1961

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Projeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora,

visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Verítatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

A IN U

IV

42 J

U

19

N

H

6

C

ÍNDICE Pág.

I.

1)

CIENCIA E RELIGIAO

"Os fenómenos de psicografia ou de escrita automática

nao seriam flagrantes testemunhos de que os espirites baixam

sobre determinadas pessoas ?" II.

2)

S27 DOGMÁTICA

"Na Suécia, o Sínodo Luterano e o Parlamento resolve-

ram promover as mulheres ao sacerdocio (luterano). Éste exem-

plo nao merecerá ser imitado em outros países, mesmo entre católicos ?"

III.

MORAL

3) "Que se pode dizer de certo sobre a castracáo de meninos outrora efetuada a fim de se Ihes conservar a voz infantil de soprano ?"

IV.

U)

LITURGIA

"Que sentido tém as procissóes t&o estimadas pela pie-

dade popular ?

Nao seráo concessóes indevidamente feitas a religiosidade primitiva ou á mentalidade paga ?"

V.

5)

HISTORIA DO CRISTIANISMO

"Diz-se que os católicos tém perseguido os protestantes

na Colombia. Que ká de certo nos diversas noticias espalhadas 257

sobre o caso ?

CORRESPONDENCIA MIÚDA

COM

APROVACAO

27^

ECLESIÁSTICA

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS» IV — N? 42 — Junho de 1961

I.

CIENCIA E RELIGIAO

VIDENTE (Curitiba) :

1) «Os fenómenos de psicografia ou de escrita automá tica nao seriam flagrantes testemunhos de que os espiritos bai-

xam sobre determinadas pessoas ?»

Acontece que certos «médiuns» em sessáo espirita (ou mesmo fora desta) se póem a escrever mensagens como se fóssem provenientes de um espirito desencarnado. O conteudo surpreendente dessas comunicagóes (que por vézes revelam acontecimentos ocultos ou futuros), o estilo em que sao redigidas

e outras circunstancias levam muitas pessoas a crer

que realmente se trata de intervencóes de espíritos que bai-

xam sobre o respectivo «médium» e lhe movem a mao para escrever Tal fenómeno se chama «escrita automática» ou

«psicografia». Alian Kardec e sua escola, dependentes dos conceitos de psicología do sáculo passado, tém essa mamfestacáo na conta de urna das provas mais importantes de que,

em verdade, existem espiritos desencarnados que se comum-

cam aos homens em sessóes espiritas. A ciencia moderna, porém explica a escrita automática potf via meramente natural, como desencadeamento de um processo psicológico que dis

pensa por completo a interferencia de «guias» do Além. É o que verificaremos abaixo mediante breve considera

rán das tres expressóes de alma que geralmente concorrem para a produgáo da escrita automática : o automatismo psi

cológico, a percepcáo extra-sensorial e o desdobramento da personalidade.

1.

O automatismo psicológico

1 É fato averiguado que os nossos processos de conhecimento (quer realizados pelos sentidos, quer pela inteligen cia) próvocam movimentos musculares correspondentes, dos quais geralmente nao temos consciéncia. É a este fenómeno que se dá o nome de «automatismo psicológico».

Urna experiencia bem clara comprova a afirmacao:

Toma-se urna 161ha de papel branco sdbre a qual se traca,um

circulo O e duas linhas perpendiculares AOB e COD. Esta fólha é _ 227 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu.

colocada sobre u'a mesa, ficando a linha AOB na direcáo esquerdadireita

A seguir chega-se ao papel um observador portador de um

pindufo, ou slfa^'de um fio a cuja extremidade inferior está preso

Sm pequeño corpo pesado (e, se possível, brilhante ; o observador devele conservar de pér sem apoiar muito o cotovelo ao corpo. Sueere-se entáo a essa pessoa que concentre a sua atengao na linha AOB- deixe o péndulo cair na direcáo do centro O, sem, porém, to

car o papel; procure outrossim com cuidado conservar o péndulo imóvel, evitando oscilagSes do braco.

Verifica-se que, ao termo de alguns segundos ou, no máximo, de alguns minutos, o péndulo comeca a balancar na direcáo AB, per-

cofrendo um arco que recobre toda a linha; a velocidade e a ampli-

tude dessas oscilagoes tendem a se aumentar, principalmente se o

observador fizer esfórgo especial para se conservar mais e mais rijo ou imóvel.

Urna vez obtidos ésses resultados, sugerir-se-á á mesma pessoa

pense na linha COD; se o paciente de fato obedece logo as oscila-

coes AB diminuem de amplitude e velocidade; o péndulo chega mesmo a um momento de repouso, para, sem demora, lecomecar a ba lancar dessa vez no sentido COD !

Em urna terceira experiencia, pede-se ao individuo, concentre a

sua atencSo no círculo O; observará que, em breve, o péndulo estará

percorrendo a periferia désse globo. Se, por fim, o observador se decidir a fazer todos os esforgos para imobilizar o fio pendente, vera aue toda a sua luta so servirá para ativar a movimentac&o do instTumento. Se, ao contrario, deixar de se empenhar1 por deter o pén dulo nao se importando com as oscilag5es respectivas, o objeto em breve recuperará sua estabilidade inicial.

Estas experiencias bem mostram que as nossas atividades mais

profundas e secretas de concentraeao e raciocinio podem, sem que o

saibamos. desencadear na superficie do corpo e no n°sso própr o ambiente movimentos que parecem inexplicáveis... (inexplicáveis

simplesmente pelo fato de nao termos consciéncia da relagao que

existe entre a referida atividade interna e as oscilacoes externas).

De resto repetidas experiencias no mesmo setor de pesquisas evi-

denciaram que, mediante concentracao do pensamento, se podem obter movimentos musculares e nervosos assaz complexos.

Digamos agora que o operador, em vez de tomar um pén

dulo, se sirva de um lápis, urna pena ou um estilete qualquer,

para exprimir os movimentos musculares desencadeados pela

sua atividade mental. A conseqüencia será bem compreensí-

vel: com tal instrumento, o individuo comeeará a escrever, e

escreverá algo referente ao objeto para o qual sua atengáo está voltada; essa escrita exprimirá naturalmente os racioci nios e também as divagacóes da fantasía do escritor; conheci-

mentos, imagens e afetos contidos na subconsciencia ou ñas profundidades da alma viráo assim á tona, provocando surprésa e admiragáo tanto no sujeito como nos seus observa dores.

Eis um primeiro passo dado para explicar o fenómeno da psicografia : pode alguém pór-se a escrever por efeito automa— 228 —

A ESCRITA AUTOMÁTICA OU PSICOGRAFIA

tico e inconsciente de concentracáo de pensamento ou de atencao dispensada a algum objeto. Demos agora novo passo.

2. Sabe-se que os processos de automatismo psicológico ácima referidos podem ser provocados nao sómente por concentracáo do pensamento empreendida voluntariamente pelo operador, mas também por sugestSes inconscientemente recebidas de íora, sugestfies

fortes, capazes de motivar um comportamento totalmente novo da parte do paciente; outrossim por irrupcao imprevista de conhecimentos latentes na subcons ciencia do individuo.

Vejamos de perto o alcance de cada urna dessas tres causas:

1)

Concentracáo voluntaría da atencao sobre determi

nado objeto. Era esta a causa que no referido exemplo do

péndulo provocava as oscilagóes do objeto. No setor da psicografia, verifica-se o seguinte : há certas

pessoas particularmente vibráteis e sugestionáveis, as quais basta sentar-se a u'a mesa, pegar um lápis, colocar a máo sobre urna fólha de papel e deter seu pensamento sobre deter minado assunto, para que se ponham a discorrer por escrito

sobre ésse assunto. Nao é necessário que pensem em escrever

determinada frase; é-lhes suficiente conceber a idéia de escre ver alguma coisa...; tomem, a seguir, urna atitude meramen

te passiva, e sua máo comegará realmente a escrever. Muito menos será necessário que tais pessoas sejam colocadas em es tado de transe ou de sonó hipnótico. Na maioria dos casos, as referidas pessoas, ainda que se achem acordadas, váo escrevendo sem saber, o que estáo escrevendo. Os individuos que tém temperamento táo vibrátil, podem culti

var ésse dom, tornando-se cada vez mais capazes de exprimir auto máticamente o que lhes vai no fundo da consciéncia e da subcons ciencia. É ésse cultivo que em linguagem espirita se chama «desenvolvimento da mediunidade».

A segunda causa de automatismos vem a ser

2)

Sugest5es inconscientemente recebidas de fora e as-

similadas pelo paciente. Essas sugestóes podem ter influencia extraordinaria, seja positiva (impelindo a agir), seja negati va (inibindo o sujeito). Para obter automatismos de tal espe cie, nao é necessário provocar, no paciente, estado de hipno— 229 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 1

se: a certas pessoas, particularmente vibráteis, basta que se

lhes dé a conhecer com algumas minucias e alguma motivagáo, o nome e o estilo de algum escritor bem caracterizado; a seguir, caso se lhes sugira, em circunstancias apropriadas, que elas sao realmente tal escritor, passam a escrever de acordó com o estilo e as demais características do mencionado autor.

De resto, o próximo número de «P.R.» apresentará urna resposta sobre a fórca da sugestSo.

Deve-se mencionar

outrossim,

como

causa

de automa

tismos,

3) A imipcáo espontanea de conhecimentos latentes na subconsciencia do individuo. Tal irrupgáo se dá principalmen

te quando a pessoa sofre grave choque ou traumatismo psí

quico, seja por efeito de urna noticia abaladora, seja por mo

tivo de hipnose ou transe. Entáo, com muito mais facilidade do que no estado de vigilia e de dominio de si, vém á tona da consciéncia nogóes contidas habitualmente em estado la tente na subconsciencia; essas nogóes, que o paciente adquiriu talvez por meio de leituras, conversas ou observagóes dos anos de infancia e que nunca mais utilizou desde táo remota época, afloram á consciéncia, associando-se livremente entre si e induzindo a pessoa a narrar historias estranhas, visóes, «revelagóes»...; a associagáo de idéias e imagens faz-se en

táo desimpedidamente porque está cancelada a censura que a

pessoa habitualmente exerce sobre si mesma quando se acha consciente.

Estas observagóes concorrem, sem dúvida, para explicar

a índole maravilhosa de certos casos de psicografia. Mas ain-

da nao bastam para dar conta do fenómeno em toda a sua extensáo. Será preciso considerar outra fonte de automatis

mos (mais nova no conhecimento dos estudiosos e ainda mais surpreendente), que é a chamada 2.

Percepgao extra-sensorial

1 As tres causas de automatismos até aqui enunciadas supSem que a pessoa só manifesté nocñes que ela pode ter adquirido pelas vias normáis de conhecimento, seja em idade adulta, seja nos primeiros anos de vida. É grande o número de idéias que guardamos em nossa subconsciencia sem fazer uso délas; chega mesmoa cons tituir 7/8 dos nossos conhecimentos. Em outros termos: habitual

mente só lidamos com urna oitava parte das nocoes que) adquirimos desde os anos da infancia; 7/8 ficam armazenados, latentes, em nosso subconsciente.

— 230 —

A ESCRITA AUTOMÁTICA OU PSICOGRAFIA

Há, porém, inegávelmente casos nos quais a pessoa, em

psicograíia, escreve noticias plenamente verídicas que, de cer-

to, nao pode adquirir por alguma das vias comuns e que, por

isto, parecem ser testemunho irrefragável de que um espirito do Além, baixando sobre o médium, as quis revelar.

É o que se dá, por exemplo, quando alguém, em mensagem psi-

cografada, comunica aos seus companheiros de sess&o que Fulano

acaba de soírer grave acídente de automóvel ou está morto em localidade muito distante, sem que se tenha podido de modo algum prognosticar a desgrasa.

Como explicar tal íenómeno pelas íaculdades naturais de conhecimento de que dispSe a alma humana ?

Os estudiosos modernos, dispensando o recurso a espíritos do Além, apelam para a «percepgáo extra-sensorial» (também dita «fenómeno psi-gama»). Trata-se de um tipo de conhecimento que que nao é o dos cinco ou seis sentidos habi-

tualmente utilizados por nos e que chega a ultrapassar as li-

mitagóes que o espago (as distancias) e o tempo (o passado e o futuro) impóem aos sentidos.

E como se poderia provar que de fato existe tal percepgáo e que ela está contida dentro das potencialidades naturais da alma humana ? A investigagáo dos íenómenos de percepcáo extra-sensorial se deve principalmente a J.B. Rhine, professor da Universidade de Duke nos Estados Unidos da América. Eis, em rápidos traeos, a experi

encia clássica empreendida e milhñes de vézes repetida pelos estu diosos neste setor (desenvolvemos aquí aspectos do mesmo assunto já tratado em «P.R.» 13/1959, qu. 8):

Toma-se um baralho (dito «de Zener») constituido por cinco series de cinco cartas cada urna, sendo cada serie dotada de um símbolo próprio: respectivamente cruz, estréla, quadrado,

círculo e linhas onduladas. Estas 25 cartas sao bem baralhadas por meio de aparelho especial, de modo a ficarem numa

ordem totalmente fortuita. Feito isto, o operador pede a um percipiente colocado atrás de urna cortina ou mesmo em ou-

tra sala ou casa, queira indicar sucessivamente os símbolos das cartas, observando a ordem em que estáo amontoadas sobre determinada mesa; todas as vézes que o percipiente

enuncia urna carta, tomam-se as medidas necessárias para que nao chegue a saber se respondeu certo ou nao. Em tais condicóes, é obvio que a pessoa tem em cinco lances urna probabilidade de acertar e, em 25 lances, cinco probabilidades. — 231 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 1

Aumentando-se o número de provas, a media de acertos pelo

cálculo

das

probabilidades guardará sempre

a

proporgáo

de 1/5. Pois bem; na prática verifica-se que o número de casos

de acertó ultrapassa esta cota,... e ultrapassa táo notoria mente que o excesso já nao pode ser explicado pelas oscilagóes que as leis da probabilidade admitem; em conseqüéncia, os estudiosos foram levados a admitir, dentro da naturezá hu mana, urna auténtica faculdade de conhecer que nao é a dos sentidos e que recebe o nome de «via ou faculdade extra-sen

sorial». Eis alguns dos resultados obtidos. Em seu primeiro livro, «Extra-Sensory Perception», de 1934, Rhine afirmava que, numa serie de 700 experiencias complexas, o mesmo percipiente acertara na proporcáo de 8/25, em vez de 5/25 (portante com um excesso de 3, cor respondente a mais de 50% do que se esperaría).

De 1934 a 1940, a escola de Rhine realizou 2.966.348 ensaios de tal tipo; os resultados obtidos sempre se avantajaram considerávelmente sobre aquilo que se podia aguardar. As cifras mais impres-

sionantes foram alcancadas pelo Prof. B.F. Riess, do «Hunter College» de Nova Iorque.

Experimentador e percipiente colocaram-se

em predios diferentes, sendo no caso utilizados relógios sincroniza dos. O dr. Riess dava ao «adivinhador» um minuto para enunciar cada carta. As series de lances foram repetidas num total de 74 en saios; ora em um déstes ensaios o percipiente acertou todas as car

tas; em outros, acertou mais de 20, obtendo a media geral de 18 acertos (em lugar dos cinco previstos pelo cálculo das probabilidades). Para nao nos alargarmos, citamos aqui a conclusa© que dos fatos deduziram os dentistas reunidos no 1» Coloquio Internacional de Parapsicología em Utrecht (Holanda) no ano de 1953, sob a presi dencia do Prof. H. Price, da Universidade de Oxford. Diante de 62 congressistas (físicos, químicos, médicos, engenheiros, psicólogos,

psicanalistas, etc.) provenientes de 14 países, declarou o Dr. Thouless, psicólogo de Cambridge:

«Juntando-se ao conjunto dos testemunhos já recolhidos, as re centes experiencias de Rhine, de seus colaboradores, de Soal, de Tyrrell e de W. Carington fazem desaparecer toda dúvida tanto sobre a realidade do fenómeno (psl-gama) como sobre a possibilidade de o demonstrar por métodos experimentáis... As provas em favor da realidade do fenómeno sao agora tao decisivas que) sómente a igno rancia dos resultados experimentáis pode explicar o ceticismo».

Urna vez admitida a realidade de urna faculdade de conhe cer natural á alma humana e independente dos cinco ou seis sen tidos, pergunta-se, em vista de elucidar o fenómeno mesmo

da psicografia: como, em que circunstancias, se exerce essa

potencialidade da alma ? Eis o que as experiencias permitem dizer em resposta:

— 232 —

A ESCRITA AUTOMÁTICA OU PSICOGRAFIA

a)

A percepcáo extra-sensorial parece independente das

limitacóes do espaco. Com efeito, as experiencias de Rhine foram instituidas até mesmo entre individuos colocados em cidades e em continentes diversos (a mais significativa regis-. trou-se entre um grupo de estudiosos situados na Universidade de Duke dos Estados Unidos e o Dr. Marchesi, que se achava em Zagreb na Iugoslávia, a urna distancia de mais de 6.000 km). Tais ensaios deram a ver que os obstáculos materiais, como paredes, montanhas, etc., nao afetam os resulta dos das experiencias nem dificultam o conhecimento extra-

-sensorial. Doutro lado, nao se pode dizer que vínculos físicos, como fios de ligagáo entre o operador e o percipiente, fadlitem a percepgáo.

b) A percepcao extra-sensorial é independente também das categorías de tiempo (passado, presente e futuro). Com relacáo aos acontecimentos do passado e do presente, as

experiencia

de

Rhine

nao

deixam

dúvida

de

que

éles

estáo dentro da aleada do conhecimento extra-sensorial: as pessoas testadas pelos estudiosos mostraram ter conhecimento preciso de fatos acerca dos quais elas nao podiam normalmen

te colhér informacóes nem no momento passado em que ocorreram, nem no instante presente em que elas davam a res pectiva noticia.

Mais surpreendente ainda é a predicáo de acontecimen

tos futuros. Usando-se o baralho de Zener, por exemplo, al-

guns percipientes foram convidados a anunciar o tipo de car ta que seria tirada 24 h mais tarde ; ora a proporgáo de acertos, também em tais casos, ultrapassou de longe a expecta

tiva, chegando-se a calcular que resultado igual por via do acaso só poderia ser obtido em 1035 experiencias.

Outro exemplo muito significativo é o que narra o Prof. W.H.C.

Tenhaeff, da Universidade de Utrecht (Holanda) :

«No dia 17 de Janeiro de 1952 mostret a0 Sr. Croiset urna sala de Rotterdam, na qual devia realizar-se urna reuniáo no dia 20 de Janeiro. Nessa sala havia trinta lugares. Perguntei ao Sr. Croiset quem haveria de assentar-se, no dia 20, no assento n' 18. Este nume

ro Idra escomido ao acaso, por sorte. Depois de alguna instantes, o Sr Croiset me disse que nao recebia nenhuma impressao e pediu

que indicasse outro assento. Foi o que liz. Revelou entáo Croiset que nesse outro lugar se sentaría urna senhora com cicatrizes na

face, em conseqüénda de um acídente automobilistico soirido durante urna temporada na Italia. Em relacao a esta senhora, yeio-lheá men

te a «Suonata al chiaro di luna». No dia 20 de jane.-ro, ás 20,45 h,

verificou-se que dos 28 convidados á reuniáo haviam comparecido — 233 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 1.

apenas 27 e precisamente o lugar n' 18 estava desocupado. No lugar previsto por Croiset assentou-se a senhora de um médico. Tinha cicatrizes no rosto, resultados de um acídente de automóvel na Italia, durante as ferias. Seu marido informou que, de fato, a «Suonata al

chiaro di luna» incomodava muito a senhora, porque se associáva a urna questao intima de sua vida».

O Prof. Hans Bender, da Universidade de Friburgo (Alemanha), fez experiencias igualmente surpreendentes com o mesmo percipiente holandés, Gerard Croiset; cf. H. Bender, Parapsychologie, Ihre

Ergebnisse und Probleme. Bremen 1954, pág. 31.

c)

mens.

A percepcao extra-sensorial é comum a todos os ho-

Em uns, porém, apresenta-se mais agugada ; em ou-

tros, menos. Nada tem de patológico ou anómalo. Rhine ape

nas verificou que os melhores resultados foram obtidos em pes-

soas de temperamento mais emotivo e intuitivo; acentuado ri

gor intelectual e exacerbado espirito crítico dificultam tal modalidade de conhecimento. Por isto, de modo geral, as mulheres sao melhores percipientes do que os homens; e as criancas, melhores que os adultos.

d) O conhecimento extra-sensorial pode ser favorecido por fatóres extrínsecos. Observa-se que tem grande importan cia positiva urna atitude de confianza do percipiente em suas faculdades ; espontaneidade e alegría muito valem no caso, ao passo que constrangimento e pessimismo inibem ; por isto, pequeñas doses de ingredientes que despertam o animo, favorecem a percepgáo extra-sensorial, enquanto drogas deprimen tes a sufocam. Certa conoentragáo do percipiente sobre o objeto a ser percebido é necessária ; demasiada concentracáo, porém, toma-se prejudicial. Verifica-se também que no mes

mo individuo o vigor da percepgáo extra-sensorial vacila bas

tante de um dia para outro ou até de momento para momen

to; a repetigáo freqüente das experiencias parece cansar a fa-

cuídade de perceber extra-sensorialmente, acabando mesmo

por sufocá-la. Esta foi urna das conclusóes mais decepcionan tes a que chegaram os experimentadores. — Doutro lado, cons ta que a índole pessoal do operador também tem sua influen cia na produgáo do fenómeno; dois experimentadores podem obter resultados bem diversos com um mesmo percipiente. Os estudiosos aínda nao se podem pronunciar com muita preci-

sáo sobre a percepcáo extra-sensorial. Contudo o que hoje em día se sabe sobre tal assunto já é suficiente para explicar em ter

mos científicos os casos de psicograíia que, por suas mensagens pro-

féticas ou surpreendentes, parecen» depender da mspiracao de esplritos provenientes do Além.

— 234 —

A ESCRITA AUTOMÁTICA OU PSICOGRAFIA

Recapitulando tudo quanto acaba de ser exposto, conclui-

-se que as noticias psicografadas, quando tém aspecto maravilhoso,

ou sao conhecimentos adquiridos normalmente pelo pa

ciente em época muito remota e guardados em estado latente na subconsciencia, de modo que, quando sao projetados me

diante a devida provocagáo, parecem totalmente novos ao sujeito mesmo e aos seus observadores,

ou sao conhecimentos adquiridos por via extra-sensorial na ocasiáo mesma em que o paciente os profere por escrito, impelido

pelo

correspondente

automatismo

ou

movimento

muscular.

Ainda para explicar os fenómenos de psicografia, íaz-se misíer levar em conta um tercelro elemento, que, com o automatismo e o conhecimento extra-sensorial, dá conta adequada dos casos de escri ta automática. É o chamado

3.

Desdobramento da personalidade

É fato comumente aceito que todo estado de consciéncia tende a tomar uma forma pessoal, ou seja, a se afirmar como estado de determinado sujeito ou «eu». Ora, quando um su jeito normal é afetado por conhecimentos que lhe parecem novos ou estranhos (provenientes do subconsciente ou da per-

cepgáo extra-sencorial), ele nao se reconhece mais; por isto, tende a atribuir tais conhecimentos a um outro «eu», ou seja, tende a afirmar que dentro déle há uma outra personalidade, responsável pelos efeitos que surpreendem o «eu» normal ou

consciente; essa nova personalidade chega mesmo a ser de

signada por um nome próprio, que, conforme o espiritismo, e o apelativo do «espirito guia» ou do espirito desencarnado que baixa sobre o médium a fim de o inspirar. Tal fenómeno é chamado «personificagáo» ou «desdobramento da persona lidade». — Todavía, como bem se vé, essa mudanca ou du-

plicacáo da personalidade nao yem a ser senáo mudanca de estado da mesma alma ou variacáo do modo de agir de tal alma ; ña verdade, o «eu» substancial, substrato das varias atividades psíquicas, fica sendo sempre o mesmo.

Estas observacóes já bastam para dar a ver que a escri ta automática de modo nenhum constituí comprovante da doutrína espirita. A luz da ciencia de nossos días, é fenómeno que se reduz perfeitamente ás potencialidades naturais da alma — 235 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961. qu. 1

humana (é fenómeno «anímico», dir-se-ia em linguagem es

pirita), tornando-se entáo vá ou fantasista a hipótese de intervencóes do Além. Apéndice

Á guisa de complemento e espécimen, segue-se u'a men-

sagem psicografada, ... e psicografada pelo famoso médium

Francisco Cándido Xavier, de Pedro Leopoldo (MG); consti tuí o conteúdo do livro «Nosso Lar», pretensa revelacáo do espirito «André Luis» a Francisco (Chico) Xavier. — Tais noticias, lidas com imparcialidade, longe de sugerir o trans cendente e o espiritual, apresentam-se profundamente marca das pelas notas de banalidade e vá imaginacáo.

«André Luís» seria o pseudónimo «que encobre a personalidade de distinto médico patricio desencarnado no Rio de Janeiro». Relata na obra «Nosso Lar» urna serie de acontecimentos ocorridos desde a marte carnal de André Luis até o ingresso déste, a titulo de ge nuino cidadáo, na colonia espiritual chamada «Nosso Lar».

Imediatamente depois da separacao do corpo (morte), o espi

rito já desencarnado, do dito médico passou por um periodo assaz difícil, confuso e desorientado, sempre vagueando, sem saber por onde nem para onde. «Persistiam — conta ele — as necessidades fisio lógicas sem modificagáo. Castigava-me a fome todas as fibras, e, nada obstante o abatimento progressivo, nao chegava a cair defini tivamente em absoluta exaustáo. De quando em quando, deparavam-se-me verduras que me pareciam agrestes, em torno de humildes filetes d'água a que me atirava sequioso. Devorava as ídlhas desconhecidas, colocava os labios á nascente turva, enquanto mo permitiam as fórcas irresistíveis, a impelirem-me para frente. Muita vez

suguei a lama da estrada, recordei o antigo pao de cada dia, vertendo copioso pranto. Nao raro era imprescindivel ocultar-me das enormes manadas de seres animalescos, que passavam em bando, quais feras insaciáveis...» (pág. 17).

Essa peregrinacao durou oito anos... Finalmente André Luís

encontrou outro espirito, Claréncio, «um velhinho simpático que sor-

riu paternalmente» e se apoiava num cajado de substancia lumino sa Foi entáo transportado. Pararam «á frente de grande porta en-

cravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e gracio sas» (pág. 20). Acomodaram-no num leito de emergencia, «no pa-

vilháo da direita». Viu-se entáo num confortável aposento, «ricamen te mobiliado». Serviram-lhe «caldo reconfortante, seguido de agua

muito fresca», portadora «de fluidos divinos». A noite ouviu «divina

melodía». Levantou-se e chegou a enorme saláo, «onde numerosa as-

sembléia meditava em silencio». Soube que era a hora da oracáo,

dirigida pelo govemador, a través do radio e da televisáo, «com processos adiantados».

No dia seguinte encontrou-se com o «irmáo Henrique de Luna», do Servico de Assisténcia Médica daquela Colonia Espiritual. Soube entáo que, só naquela seccao, «existiam mais de mil doentes espirituais». Examinado, recebeu o seguinte diagnóstico : «A zona dos seus

— 236 —

A ESCRITA AUTOMÁTICA OU PSICOGRAFIA

intestinos apresenta lesdes serias com vestigios muito exatos de cán cer; a regiao do ligado revela dilacerares; a dos rins demonstra cacacteristicas de esgotamento prematuro» (pág. 30). Recebeu como remedios passes magnéticos. Um dia loi passear. «Quase tudo, memorada copia da Térra. Cores

mais

harmónicas,

substancias

mais

delicadas.

Forrava-se

o

solo de vegetacáo... Aves de plumagens policromas cruzavam os ares.... Identiíicava animáis domésticos» (pág. 38). Viu «vastas ave nidas, enfeitadas de árvores frondosas». Entidades numerosas iam e vinham...

Afinal soube que estava numa das mu itas Colonias espirituais. Aquela chamava-se «Nosso Lar», consagrada ao Cristo (pág. 22) e iundada por portugueses distintos, desencarnados no Brasil no séc. XVI segundo constava dos «arquivos do Ministerio do Esclarecimento» (pág. 47). A Colonia era dirigida por um Governador (que naqueles dias comemorava o 114» aniversario de governanca), assistido por 72 colaboradores. Dividia-se em seis ministerios, orientados

cada qual por doze ministros: o Ministerio da Regeneracáo, o do Auxi lio o da ComunicacSo, o do Esclarecimento, o da Elevacáo e da Uniáo Divina...

É no Ministerio do Auxilio que preparam as «reencarna-

coes terrenas». Havia na Colonia «mais de um milhao de criaturas» (pág. 207). No passado,

a Colonia

teve

que enfrentar muitas tribulacSes.

Houve maus governos, com muita oposicáo, inclusive assaltos por

parte de outros espíritos, «que ter.taram invadir a cidade, aproveitando brechas nos servicos de Regeneracáo, onde grande número de colaboradores entretinha certo intercambio clandestino» (pág. 48). Mas o govemadar «mandou ligar as baterías elétricas das muralhas da cidade, para emissao dos dardos magnéticos» (pág. 49). Um dia foi de aerobús ao bosque das aguas,. Era um «grande carro, suspenso! do solo a urna altura de cinco metros mais ou me nos e repleto de passageiros» (pág. 50). Outro dia visitou urna casa particular: «Movéis quase idénticos aos terrestres». Quadros, pia nos, livros. Com relacáo aos livros, recebeu a seguinte informacáo: «Os escritores de má fé, os que estimam o veneno psicológico, sao conduzidos ¡mediatamente para as zonas obscuras do Umbral». Ha via também urna sala de banho. Ao almógo serviram «caldo recon fortante e frutas perfumadas, que mais pareciam concentrados de fluidos deliciosos» (pág. 86). Também o problema da propriedade recebera sua solucáo. «Nossas aquisicóes sao feitas a base de horas de trabalho. O bónus-hora,

no fundo, é o nosso dinheiro. Quaisquer utilidades sao adquiridas com ésses cupons». Cada familia espiritual pode conquistar um lar (nunca mais que um), «apresentando trinta mil bonus-hora» (pág. 100). Em «Nosso Lar» existe também o Servigo de RecordacSes. Aplicam-se passes no cerebro, que restituem «trezentos anos de memo ria integral»

(pág. 103).

Certa vez, André Luis encontrou um anciáo, gesticulando, agar rado ao leito, como se fdsse louco, gritando por socorro, pedindo ar, muito ar! O homem estava sendo vitima de urna «carga de pensamentos sombríos, emitidos pelos parentes encarnados» (pág. 127). Recebeu entáo passes de prostracáo. Há também «agua magnetiza da» e «operacSes magnéticas» (pág. 136). Num daqueles dias apareceu na Colonia urna católica desencar

nada na Térra. Chegou, benzendo-se e dizendo: «Cruzes ! Credo ! — 237 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 2

Gracas á Providencia Divina, afastei-me do purgatorio...» Revelpu que, na Térra, lora mulher de muito bons costumes, rezara incessantemente e deixara uns dinheirinhos para celebracáo de missas mensais; em suma, íizera o possível para ser boa católica. Confessara-se todos os domingos e comungara.

Mas maltratava os escra-

vos. «Padre Amáncio, nosso virtuoso sacerdote, disse-me na confissáo que os africanos sao os piares entes do mundo, nascidos exclu sivamente para servirem a Deus no cativeiro». Morrera em 1888 e só em 1939 alcancara o «Nosso Lar». Fóra longo seu «esfórco purgatorial»

(pág.

164).

Num domingo, o governador resolveu realizar o «culto evangé lico» no Ministerio da Regeneracáo. Havia meninos cantores das es colas de Esclarecimento, que cantavam o hiño «Sempre contigo, Senhor Jesús», exccntado por duas mil vozos. Depois de outra cerimónia do culto evangélico, entoaram o hiño «A Ti, Senhor, nossas vidas». No fim, a Ministra Veneranda introduziu a melodía «A Grande Jerusalém» (pág. 208).

Tal é o «Nosso Lar».

Em outros volumes psicografados, André Luis continua a descrever a vida e a atividade do mundo «depois da morte», mantendo-se sempre nesse estilo.

Ora bem parece que nao é o Além, mas um «Aquém» con fuso e imaginario que a mensagem descreve. Assim se des yenda o misterio da psicografia... (O trecho ácima foi transcrito da obra de B. Kloppenburg, O Espiritismo no Brasil. Petrópolis 1960, pág. 251-253).

H.

DOGMÁTICA

GEKALDO (Rio de Janeiro) :

2) «Na Suécia, o Sínodo Luterano e o Parlamento resolveram promover as mulheres ao sacerdocio (luterano). Éste exemplo nao merecerá ser imitado em outros países, mesmo

entre católicos ?»

Aos 10 de abril de 1960, domingo de Ramos, tres mulhe res, Margit Sahlin, Elizabeth Djurle e Ingrid Presson, foram

instituidas «sacerdotizas» das comunidades luteranas da Sué cia. Éste fato punha termo final a um movimento anterior assaz agitado, no qual as autoridades luteranas e o Parlamen to (Riksdag) tiveram íntimas partes (sabe-se que a Igreja Lu terana na Suécia é Igreja Oficial ou do Estado).

Já em 1920 se tratou publicamente de dar o sacerdocio luterano as mulheres naquele país setentrional; contudo, a — 238 —

PROMOCAO DE MULHERES AO SACERDOCIO

opiniáo geral nao estando preparada para acolher tal inovagáo, b projeto nao foi adiante.

Em 1946, a questáo tornou-se de novo atual, merecendo mais e mais a atengáo de teólogos luteranos, parlamentares e civis, que manifestaran! opinióes divergentes sobre o assunto.

Ern 1955 o Parlamento comegou a estudar um projeto de lei que autorizava o acesso das mulheres ao sacerdocio. Todavía

o Sínodo Luterano da Suécia, usando de plenos direitos seus, opós o veto a essa tentativa, por 62 vozes contra 36 (12 de outubro de 1957). Diante de tal atitude, a opiniáo pública se levantou em solene protesto : os movimentos feministas da nacáo, em nome de seus 800.000 membros, desencadearam am pia atividade para reivindicar o debatido favor, nao se conten

tando com substitutivo algum que, embora desse á mulher mais iniciativa na igreja do que antes, nao chegasse a equi parar a mulher ao varáo no exercício do sacerdocio. A pres-

sáo foi tal que o Parlamento resolveu recomegar o estudo do projeto de lei: convocou mais urna vez o Sínodo Luterano, o qual finalmente houve por bem aprovar a inovagáo por 69

vozes contra 29, aos 27 de setembro de 1958. Corrió se compreende, mesmo após éste alvitre as opiniñes nao se acalma-

ram ; formou-se em novembro de 1958 a «Frente Confessional», a qual considerava a nova lei como indevida acomodagáo aos caprichos do Govérno e á mentalidade naturalista moderna. Tal medida chama realmente a atencáo¡ pois, nos países escan

dinavos em geral, o Cristianismo, sob a forma luterana; (rejeitando decididamente o calvinismo), conservou multas das suas leis e obser

vancias tradicionais : os luteranos, por exemplo, ainda tém sua hierarquia de arcebispos, bispos e presbíteros; a arquitetura de urna igreja luterana assemelha-se muito á de um templo católico, até mesmo no tocante ao altar e á sua posicáq; os trechos de epístolas e Evangelhos lidos no culto dominical luterano sao muitas vézes os mesmos que ocorrem contemporáneamente na Liturgia católica...

Diz-se alias

que o rei Gustavo I Wasa (1523-1560), sob o qual se

introduziu a «Reforma» na Suécia, teve que lutar táo enérgicamente contra os ¡novadores calvinistas como contra Roma !

Pergunta-se entáo : que fatóres teráo motivado a táo re

volucionaria medida de setembro de 1958 na Suécia ? Será

um auténtico desabrochar das riquezas do Cristianismo ou an tes um desvio reprovável ?

Para chegar a conclusáo adequada, analisaremos abaixo

sumariamente os argumentos debatidos pelos teólogos na con

troversia : 1) a doutrina do Novo Testamento; 2) Feminis mo naturalista e Feminismo cristáo.

— 239 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 2

O sacerdocio feminino já foi focalizado num plano mais espe culativo em «P.R.» V1957, qu. 4. As consideracóes abaixo comple

tarlo o que ai foi dito.

1.

A doutrina do Novo Testamento

Mais de urna vez os teólogos luteranos suecos, em nome da S. Escritura, rejeitaram o sacerdocio das mulheres. Um dos pronunciamentos mais notáveis deu-se em 1951:

sete

dentre oito professóres de Exegese do Novo Testamento dasj Faculdades de Lund e Upsala entregaram á imprensa um comunicado de clarando que «a promocjio de mulheres ao sacerdocio nai Igreja se

ria inconciliável com as conceptees do Novo Testamento e consti

tuiría urna infidelidade á Escritura Sagrada».

E quais teráo sido as razóes precisas evocadas no caso ? Reduzem-se a duas: a) a escolha dos Apostólos ; b) o mandamento do Senhor citado por Sao Paulo em 1 Cor 14,37. Vejamo-las de per si. a)

A escolha dos Apostólos

A atitude de Jesús para com as mulheres é algo de iné dito no ambiente judaico e grego em que o Senhor viveu ; de fato, Cristo atribuiu a ambos os sexos os mesmos direitos e as mesmas obrigacóes perante Deus (haja vista Mt 18,3 : «fazer-se espiritualmente como crianga»; Mt 19,5: «dois numa só carne»; Gal 3,28: «nem judeu, nem grego; nem servo, nem.

livre; nem varáo, nem mulher»). Quando, porém, quis esco-

lher os Apostólos, que haveriam de continuar a sua obra, Jesús só escolheu varóes. De modo particular, a intencáo do Senhor aparece na última ceia : só os Apostólos foram admi

tidos a esta, embora estivessem presentes na Cidade Santa

mulheres do círculo de colaboradores assiduas de Cristo (cf. Le 8,1-3). A praxe judaica reconhecia a mulheres e enancas

o direito de participaren! da ceia de Páscoa ; Jesús, nao obs tante, derrogou a ésse costume. Entregou apenas aos Apostólos

a Eucaristía e o poder de a celebrar futuramente ñas, assem-

bléias de culto (cf. Le 22,14-20); reservou também aos varóes as incumbencias de pregar, conferir o batismo (cf. Mt 28,19s) e

administrar o poder das chaves (cf. Jo 20,19-23); de resto, confiou aos Apostólos nao sómente a funcáo de pregadores, mas também a de chefes do povo de Deus, encarregados de

representar o Senhor após a sua partida 19,27-29; Le 22,27-30). — 240 —

(cf. Mt 18,18;

PROMOCAO DE MULHERES AO SACERDOCIO

Ora, já que nao se véem razóes nem de. necessidade prática, nem de conveniencias, que justifiquen! a limitagáo da escolha feita por Jesús, conclui-se que, no caso, o Senhor estabelecia um principio ou urna norma independente de circuns tancias históricas. A escolha do Senhor bem pode ser ilustrada pelo íato- de que

Cristo queria fazer dos seus escolhidos os scus representantes atra-

vés dos séculos (el. Mt 28,19s). Ora é multo rica a nocáo judaica de «representante»,

shaUach:

designa

um

mandatario

dotado

dos

mesmos direitos e poderes que tocam ao mandante. Supondo-se tal

concertó na mente de Jesús, deve-se dizer que há continuidad© en tre o ministerio de Jesús e os diversos encargos confiados aos Apostó los e aos seus sucessores. Além disto, note-se que no Novo Testa mento o ministro de Cristo nao é apenas Iugar4enente do Senhor (em virtude de urna instituicáo jurídica), mas ele também simboli za (por traeos de semelhanca ou afinidade) o Senhor Jesús (na epís tola aos Hebreus e no Apocalipse a liturgia terrestre é apresentada como imagem da Liturgia celeste): ao desempenhar as suas íunefies sacerdotais, o ministro do altar é, portanto, urna imagem do Senhor; é Cristo que néle e por ele consagra o pao e o vinho, perdoa os pe cados, derrama a graca santificante no batismo e nos demais sacra mentos ...

E Sao Paulo nota bem que, para representar o Cristo, só o varáo é diretamente apto; á mulher toca representar ou refletir a dignidade do varáo, indiretamente a de Cristo: «O chefe de todo varáo é Cristo; o chefe da mulher é o varáo... O varáo é a Imagem e o reflexo de Deus (Cristo); quanto k mulher, é o reflexo do varáo. Em verdade, nao o varáo foi tirado da mulher, mas a mulher é que foi tirada do varáo. O varáo nao foi criado para a mulher, mas a mulher é que foi criada para o varáo. Sendo assim, deve a mulher... ter sobre a cabeca o sinal de submissáo» (1 Cor 11,3.7-10).

Mais ainda: na epístola aos Efésios, c. 5, referindo-se ao matrimonio, Sao Paulo distribuí com exatidáo as fungóes de «representar»: no lar, quem representa Cristo, desempenhando conseqüentemente o papel de chefia, é o marido; quanto á es posa, ela é revestida também de grande dignidade, dignidade porém, de representante da Igreja (cf. Ef 5,22-32). Destas consideragóes alguns luteranos mesmos da Suécia (inclusive mulheres que entraram nos debates) depreenderam claramente que o ministerio sacerdotal nao poderia ser esten dido ás mulheres. Muito significativas sao, por exemplo, as palavras de Magda Wollter: «Os Apostólos, como se compreende, nao se tornam o Cristo; éles apenas O representan!. Contudo a mera idéia de que u'a mulher

— 241 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 2

possa representar um homem já par si parece estranha, desde que naja var6es que o possam íazer. Ó caráter masculino de Cristo apa rece de modo particular em certos aspectos da representagáo, como seiam a celebracáo da ceia e a reíeicáo pascoal» (Annorlunda, texto citado por F.-R. Reíoulé, Le probléme des femmes-prétres en Suéde, em «Lumiére et Vie» VII 43, pág. 66).

b)

O mandamiento do Senhor

Em 1 Cor 14, Sao Paulo exorta : «Como se faz em tSdas as igrejas dos santos, estejam caladas as mulheres ñas reunioes, pois nao lhe é permitido íalar (lalein). Devem estar submissas, conforme diz a Leí. Se quiserem esclareci-

mentos sóhre algum ponto, perguntem a seus maridos em casa, pois é indecoroso para a mulher íalar em assembléia...» (33-35).

Ao que o Apostólo acrescentaí «Se alguém julga ser profeta ou

possuir dons espirituais, reoonheCa, ñas coisas que vos escrevo, um precelto do Senhor» (v. 37).

A proibigáo de falar nao pode visar apenas a tagarelice, pois esta nem ao varáo é lícita. O verbo grego" lalein, utiliza do por Sao Paulo, tem sentido quase técnico no epistolario do Apostólo, designando a pregagáo ou o ensino da Palavra de Deus. Em 1 Cor 14,34, portante, o santo quer lembrar as mulheres nao lhes ser lícito exercer urna fungáo que Cristo cortamente confiou aos seus ministros. Esta interpretacáo é confirmada por um confronto com os dizeres do Apostólo em 1 Tim 2,lls :

«Durante a instrucáo, a mulher deve ficar em silencio, com inteira submissáo. Nao permito que a mulher ensine ou tenha domi nio sobre o varáo; deve permanecer em silencio».

Para corroborar a sua exortagáo, o Apostólo em 1 Cor

14 faz questáo de dizer que ela representa urna ordem do Senhor Jesús mesmo. Alias, em toda esta epístola Sao Paulo costuma distinguir entre as prescricóes ou as recomendagóes que ele dá com a sua autoridade de Apóstelo, e as que ele

transmite qual mero arauto de Cristo; veja-se 1 Cor 7,10.12.25;

9,14; 11,23; cf. também 2 Cor 8,10. Donde se depreende que, ao evocar em 1 Cor 14,37 a ordem do Senhor, Sao Paulo tenciona dar autoridade absoluta á proibigáo formulada nos versiculos anteriores.

É o que perceberam também varios dos teólogos lutera nos suecos.

— 242 —

PRQMOCAO DE MULHERES AO SACERDOCIO

2.

«Feminismo» e Feminismo

Os exegetas que nao quiserarrí reconhecer o alcance dos textos

bíblicos ácima citados, apelaram para o íato de que nem todas as admoestacñes da Biblia gozam de igual autoridade e valor; existem préscrigSes escrituristicas referentes nao a dogmas, mas a discipli na, formuladas em vista de determinadas pessoas ou circunstancias, destinadas a vigorar por tempo limitado, etc. Em particular, no to cante á posigáo da mulher na sociedade, seja civil, seja religiosa, dizem que o Novo Testamento supSe urna ordem de coisas hoje era dia superada ou anacrónica, ordem de coisas, portento, que a socie

dade crista já nao pode observar ao pé da letra; de modo especial, Sao Paulo teria sido influenciado por sua formacáo rabínica e pelas concepcóes patriarcais do judaismo pré-cristáo.

Positivamente, apelaram para o fenómeno moderno cha mado «feminismo», que tende a emancipar totalmente a mulher, dando-lhe solene equiparagáo com o homem. Prin cipalmente na Suécia tal movimento se tem acentuado : lá se encontram mulheres em quase todas as profissóes e tarefas, inclusive na de guarda civil... Seria entáo a Igreja a última instancia a reconhecer a dignidade da mulher assim expressa ? Houve também quem apontasse para vantagens de apos tolado : a mulher «sacerdotiza» poderia executar melhor cer tas funcóes junto a outras mulheres, junto a criangas, ou em hospitais, em cárceres, etc. Em conclusáo, nada justificaría que, em pleno séc. XX, as mulheres nao pudessem ter aces-

so, como os varóes, ao ministerio sacerdotal. Foi a razáo principal, se nao única, que moveu apaixonadamente a opiniáo pública sueca em favor da inovagáo...

2. Que se poderia dizer diante de argumentacáo, a primeira vista, táo justa e sensata ? a)

A atitude do Senhor, que inspirou a do Apostólo Sao

Paulo e a das subseqüentes geragóes cristas até hoje, nao pa

rece, como já notamos oportunamente, depender de precon-

ceitos patriarcais ou antifeministas, mas, sim, de um princi pio geral ou de urna valorizagáo do varáo e da mulher náo> sujeita.a circunstancias de época e local. De resto (e isto algunsl luteranos mesmos o reconhecem) quem,

por conta proprla, tenta discernir a letra (elemento passageiro, acidental) e o Espirito (elemento perene, essenoial) da S. Escritura, arrisca-se a desviar-se ou a deixar-se influenciar por nog6es heterogé

neas quicá pelos conceitos sociais e moráis da nossa época; atribuí entáo a S. Escritura o que ela nSo quer dizer, em vez de deduzir déla a genulna mensagem. Nao é fácil, em se tratando da conduta — 243 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961. nu. 2

da mulher, distinguir entre o que é ensinamento divino universal e o que é costume social de certa época, sujeito a evoluir.

b) Estas advertencias sao corroboradas pela consideragáo do que vem a ser o feminismo auténtico, inspirado tanto pela ordem natural das coisas como pela S. Escritura mesma.

Em verdade, Deus fala aos homens nao apenas pela Bi blia, mas também pela ordem natural das coisas ou pela criagáo. Ora o Criador fez o ser humano em dois sexos : o mas

culino e o feminino. Quaisquer que sejam a época, a regiáo

e as modas sociais em meio as quais um individuo venha a

nascer, cada qual possui desde a sua origem, antes mesmo

de abrir os olhos ao mundo, um corpo de varáo ou de mulher, dotado de fungóes próprias. Tal corpo, com as suas capacida

des individuáis de agir e reagir, vem a ser o grande sinal das intengóes de Deus a respeito de cada um de nos. Justamente um dos grandes méritos da psicología moder

na foi o de mostrar o nexo íntimo e a mutua dependencia do físico e do psíquico no ser humano. Isto quer dizer, em úl tima análise, que o varáo nao se realiza plenamente se nao

procurando desenvolver cada vez mais o que ele tem de típi

camente viril ou tornando-se cada vez mais varáo ; vice-versa, a mulher só se consuma desdobrando progressivamente a sua entidade característica de mulher, nao... tornando-se masculina.

Ora poder-se-ia assinalar alguma característica que defi na em linhas gerais cada um dos dois seres ?

Sim. O corpo masculino, em urna palavra, significa a ini ciativa (é ao varáo que compete iniciar, desencadear, comuni car); correspondentemente, o corpo feminino, «vis-á-vis» do corpo masculino, significa a receptividade, a acolhida e, conseqüentemente, a interioridade que fecunda com respeito e ter

nura o dom recebido do varáo. Isto nao quer dizer que a mulher nao tenha iniciativas a tomar, mas, sim, que mesmo as

suas iniciativas seráo, de parto ou de longe, norteadas pala sua vocagáo fundamental a receber e acolher: «A interioridade parece ser realmente a dimensáo... que caracteriza demaneira especial a mulher», observa a escritora francesa Michele Aumont (La chance d'étre femme. 1960, pág. 242). Disto se depreende que nao pode concorrer para o bem da mulher a tendencia a equipará-la em tudo ao varáo ou a fazer déla como que urna duplicata do homem na sociedade;

a mulher que queira entrar em concorréncia cega e indistin ta com o homem nos setores da profissáo, da política, da camaradagem e da amizade, tal mulher acaba perdendo o que — 244 —

PROMOCAO DE MULHERES AO SACERDOCIO

a caracteriza como mulher na sociedade — o que nao se dá sem detrimento para ela mesma e para o bem comum. Emmanuel Mounier, ao reproduzir recentemente impressóes de urna viagem á Escandinávia, observava que o comportamento

quase indiferenciado de homens e mulheres na Suécia tornava «a mulher sueca... mais infeliz do que ela mesma freqüentemente reconhece» (Notes scandinaves, em «Esprit», février 1960, pág. 283).

Estas consideragóes dáo suficientemente a ver que, qualquer que seja a evolugáo da sociedade, a conduta do varáo e da mulher jamáis será dependente simplesmente das leis ou das concepgóes humanas; o cqrpo humano e suas fungóes

biológicas (que sao verdadeiros sinais pelos quais se manifes-

ta a personalidade) nao poderáo ficar sem significado; em particular, o corpo da mulher deverá caracterizar as modali dades de «emancipagáo» da mulher na sociedade. 3. Estas verdades, que pertencem ao setor meramente natural, sao corroboradas e altamente valorizadas pela ideologia crista. Com efeito; o Cristianismo vé no comportamen

to típico da mulher um símbolo muito rico — o símbolo da atitude receptiva que compete a toda criatura frente ao Cria dor; a qualquer individuo humano toca, sim, o papel de receber aberta e generosamente os dons de Deus, a fim de os guardar e deixar desabrochar numa atitude de reverencia e ternura. É ésse papel espiritual que a mulher, por sua natureza física mesma, simboliza. Ésse papel, Maria SSma., Máe de Cristo, o realizou por excelencia; ele se prolonga na Igre-

ja, metafóricamente apresentada por S. Paulo como mulher ou como Esposa de Cristo isenta de mancha ou ruga (cf. Ef 5,27). — Nao é, pois, sem motivo que os feministas moder nos geralmente «ignoram» (ou nao reconhecem) as posigóes de Maria SSma. e da Igreja dentro da ideología crista.

Assim a mulher é, para o cristáo, como que um «vis-á-vis» de Deus; ela significa urna personalidade (ou, mais amplamente, ela significa a alma humana) chamada a dialogar com eDus numa atmosfera de amor. Essa fungáo da mulher ou ésse seu valor simbólico está longe de implicar humilhacao ou 'degradagáo para a mulher; implica, antes, urna fungáo ex tremamente rica ou digna : a mulher, por sua constituigáo

psico-somática, representa na sociedade crista nao o Cristo, mas a Igreja,... a Igreja que gera o Cristo ñas almas.

Quanto á fungáo de representar o Cristo, Esposo, ela tem

que ficar naturalmente reservada ao varáo; a éste por insti— 245 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 2

tuigáo da natureza e por disposigáo explícita de Jesús, é que

se deve abrir o acesso ao ministerio sacerdotal, ministerio pelo qual Cristo continua sua atividade de Chefe ou de Comunicador da vida sobrenatural que as almas deveráo fe

cundar dentro de si.

Eis ai a razáo mais profunda pela qual tanto a Escritura Sagrada como o ensinamento antigo e atual da Igréja se opóem á promogáo das mulheres ás fungóes sacerdotais. Longe de significar mentalidade arcaica, esta posigáo negativa vem a ser precisamente a garantía necessária para que a

mulher possa mais e mais afirmar as riquezas de sua índole

feminina, sem, porém, se desvirtuar. 3.

Reflexáo final

Notam os observadores que a inovacáo instaurada na Suécia tende a se generalizar por toda a Escandinávia : na Dinamarca, alias, já loi introduzida há alguns anos, embora com menos alarde; na No ruega, a lei de acesso das mulheres ao sacerdocio luterano já foi votada e aprovada pelos poderes públicos, aguardando-se apenas a sua execugáo; quanto á Finlandia, nao se vé como poderia licar alheia ao movimento. Os progressos da inovacao váo causando mal-estar e divisóes entre os próprios cristaos luteranos dessas e de outras

nacóes, pois mu i tos consideram a nova praxe como clamorosa der-

rogagáo aos principios formulados peía S. Escritura. A éste protes

to os ¡novadores respondem, como vimos, asseverando que o Senhor, os Apostólos e os antigos cristaos só excluiram do sacerdocio as mulheres por motivos acidentais de mentalidade, de estrutura so cial.. ., motivos que tém de ceder as circunstancias da vida moderna.

Diante

de

tal

situagáo,

aflora-nos

espontáneamente

a

questáo : afinal quem será capaz de dizer de que lado está a auténtica interpretagáo da S. Escritura ? Quem estará ha bilitado para distinguir, sem desvirtuamento, o que na S. Bi blia é proposigáo essencial, intangivel aos homens, e o que é acidental, condicionado por circunstancias históricas transi torias ?

Nao se vé como responder a tais questóes a menos que se admita um magisterio infalivel dentro da Igreja, a quem

Cristo assista (como Ele mesmo prometeu em Mt 28,19), ma gisterio mediante o qual os fiéis possam sempre interpretar genuinamente a S. Escritura, evitando todo desvio, seja para a direita, seja para a esquerda.

Assim o problema do acesso das mulheres ao sacerdocio

leva a focalizar um tema ainda mais central e importante, ou

seja, o principio de que «só a Escritura constituí fonte de fé». O impasse criado no caso que acabamos de analisar, bem mos— 246 —

CASTRACAO PE CANTORES

tra que tal principio é falho, é .10 portador dos gérmens de dissolugáo de que mais e mais se vem ressentindo a Re forma iniciada no séc. XVI. Pelos frutos se reconhece a árvore... Assim pelas tristes

conseqüéncias se reconhece a precariedade do principio. Seja esta a conclusáo a que cheguem os cristáos envol vidos nos debates do sacerdocio feminino! III.

MORAL

JOSÉ (Ilha do Governador) :

3) «Que se pode dizer de certo sobre a castracao de me ninos outrora efetuada a fim de se lhes conservar a voz in fantil de soprano ?»

1;

Já na era pré-cristá conheciam-se os efeitos da cas-

tragáo (ou seja, da amputagáo dos órgáos genitais). A puberdade acarreta naturalmente alteragóes da voz do menino, tor

nando-a típicamente varonil; verificou-se, porém, que a cas-

tragáo possibilita a colaboragáo de um tipo de laringe de crianga com tórax e pulmóes de varáo, o que produz a beleza e o vigor da voz de soprano infantil no adulto.

Era conseqüéncia, a mutilagáo sexual de meninos em vista

de fins musicais e artísticos era praticada desde os tempos an teriores a Cristo.

2. A Moral crista e, por conseguinte, a legislagáo da Igreja sempre reprovaram a castragáo, fósse qual fósse o seu

motivo, pois tal operacáo implica grave retoque infligido as

leis da natureza, ou seja, intervengáo do homem em setor que nao é do seu alcance.

No decorrer da historia, houve, por exemplo, ascetas cristáos que se castraram voluntariamente a íim de se isentarem das tentacóes da carne e, portanto, do pecado de incesto. Aplicavam literal

mente a si as palavras do Senhor em Mt 19,12: «Há eunucos que se

castraram por causa do reino dos céus», palavras que, como se depreende do contexto, visam apenas inculcar a vida celibatária e a conseqüente pureza de pensamentos e aíetos. A Igreja reprovou ésse

tipo de «violentacáo piedosa», vedando aos que o praticavam o aces-

so as ordens sacerdotais: «Se alguémi se castrar, desejando reprimir as concupiscencias da carne, nao pela disciplina da religiáo e da absti nencia, mas pela mutilacao do corpo que Deus criou, nao poderá, por determinacao nossa, ser admitido a exercer alguma funcáo clerical» (can. 21 dito «de S. Martinho de Braga» [t 580], que reproduzia o can. 1» do concilio ecuménico de Nicéia [325]). — 247 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 3

Houve quem praticasse a castragao por motivos menos elevados, como sejam os de eugenia e racismo. Também a ésses se fez ouvir a palavra da Igreja, que vai aqui interpretada por S. S. o Papa Pió XII: «Nosso predecessor Pío XI e Nos mesmos fomos levados a de clarar contraria a lei natural... a esterilizagáo direta de um inocente, seja definitiva, seja temporaria, seja do sexo masculino, seja do sexo feminino. A nossa oposicao á esterilizacSo era e permanece firme, pois, embora o racismo tenha perdido a sua atualidade, os homens nao deixam de procurar suprimir pela esterilidade qualquer possibilidade de descendencia carregada de doencas hereditarias» (Pió XII, Directives...

1230).

«Nem mesmo a'*autoridade pública, sob qualquer pretexto que seja, tem o direito de permitir ou, muito menos ainda, de prescrever ou de mandar executar a esterilizacao em detrimento de inocentes» (Pió XII, Directives... 1130).

A castragáo também foi praticada entre cristáos por mo tivos artísticos, como no caso dos cantores com voz de so prano (que os documentos da época moderna designam como «eunucos», eunuchi). Foi principalmente • o Renascimento do séc. XVI, com seu espirito naturalista e mais ou menos paga

nizante, que deu voga a ésse costume ; a praxe se alastrou largamente pelo século XVII até meados do século XVm, nao sómente pela Italia, mas também ñas grandes cortes e nos

teatros da Europa em geral, atingindo tanto a música profana como a música religiosa (tenha-se em vista, como exemplo frisante, a cápela da corte da Baviera); podia acontecer que

os mesmos artistas executassem nos teatros as óperas clássicas e ñas igrejas certas pegas religiosas. O público muito estimava os cantores eunucos, pois, como se entende, só era castrado quem possuisse boas credenciais para se tornar cantor de escol; além disto, o tirocinio praticado desde a in fancia com assiduidade muito concorria para que tais artistas desempenhassem de maneira esmerada as suas funches. O periodo de maior popularidade dos eunucos vai dos tempos de Hándel (1685-1759) aos de Gluck (t 1787) e Mozart (t 1791). Foi notável a sua influencia na historia da ópera, para cuja decadencia concorre-

ram, pois a colaboracSo de cantores castrados nao podia deixar de imprimir, cedo ou tarde, um caráter de «virtuosismo» ou «precio

sismo» as representac5es artísticas (a técnica e os meios passaram a ter maior importancia do que os fins da arte).

3.

Como se compreende, as autoridades da Igreja nunca

aprovaram a castragáo de cantores. Em fins do século XVII,

o tráfego de meninos castrados, muitos dos quais nunca se tornaram sopranos de valor, tomou proporgóes vergonhosas nos ambientes comerciáis e profanos. Conseqüentemente, em — 248 —

O SIGNIFICADO DAS PROCISSOES

1755 o Papa Bento XIV condenou explícitamente a castra?áo de cantores. O fato, porém, é que o costume chegou a ser aplicado até mesmo a participantes do coro da Cápela Sixtina, onde as mais belas vozes eram muitas vézes devidas a va

rees castrados ; o Papa Leáo XIII (1878-1903) interyeio, proibindo de maneira definitiva tal praxe no coro da Sixtina. Os últimos cantores castrados que se exibiram em teatros pro

fanos, foram Crescentini (t 1846) e Velluti (t 1861). Precederam-nos, gozando de grande fama: Baldassare Ferri

(1610-1680), cujas representagóes foram disputadas por va

rios soberanos de corte a porfía ; Francesco Bernardi, dito Senesino (1680-1750), um dos artistas mais admirados no sé quito de Hándel; Gaetano Maiorano, chamado Caffarelli

(1703-1780), o qual tanto dinheiro ganhou que pleiteou a posse de um Ducado; Cario Broschi, cognominado Farinelli, (1705-1782), cuja pureza de voz nao pode ser reproduzida nem por outra voz humana nem por algum instrumento musical...

Do ponto de vista moral, a castragáo de meninos canto res constitui nao sómentel grave falta contra a natureza, mas

também clamorosa injustiga, pois prejudica a evolugáo psico-somática de criangas, tornando-as ineptas para a vida con

jugal. Mesmo que a crianga consinta em sua castragáo, a operagáo fica sendo ilícita, pois o menino só a pode aceitar por efeito de um processo persuasivo que equivale a verdadeira sedugáo do inocente para o mal. Na medida em que individuos cristáos cederam á praxe da castragáo infantil, merecem reprovagáo. Saiba, porém, o

historiador distinguir entre aquilo que os cristáos praticaram e praticam, de um lado, e aquilo que, de outro lado, a Igre-

ja oficialmente ensina e manda; os erros dos cristáos nao recaem sobre a Igreja, que é a primeira a apontá-los aos seus filhos. IV.

LITURGIA

JOÁO SANTOS (Monte Alegre, Para) :

4)

«Que sentido tém as procissoes táo estimadas pela

piedade popular ? Nao seráo concessoes indevidamente feitas á religiosida-

de primitiva ou á mentalidade paga ?»

«Frocissáo» vem a ser o caminhar cerimonioso e público de um grupo de pessoas que assim visam exprimir um estado — 249 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 4

de alma todo particular. Tal tipo de cerimónia, quando apa rece no decorrer da historia, costuma ter caráter religioso ; é mesmo de uso muito comum nos diversos cultos que o género humano conhece. Assim se entende que faca parte também do culto cristáo tradicional. O cerimonial, porém, de procissóes é, por vézes, táo exuberante que certos observadores, em nome de elevado ideal religioso, se surpreendem por ver que a piedade católica dedica estima as procissóes ; daí julgarem que se trata de ritos heterogéneos, indevidamente importados

do paganismo para dentro do Cristianismo.

Tal modo de interpretar, porém, é erróneo. Para o re mover, ponderaremos abaixo o significado que possam ter em geral gestos e atitudes do corpo no culto divino ; a seguir, voltar-nos-emos para as procissóes tais como elas sao realizadas pela liturgia católica. Para terminar, mencionaremos urna ou outra das procissóes usuais no paganismo antigo, a fim de permitir confronto com as do Cristianismo. 1.

Piedade e sinais sensíveis

1. As procissóes constituem um rito externo, visível. Na turalmente ésse aspecto nao define todo o seu valor; ao con trario, o aparato sensível de urna procissáo tem que ser en

tendido como sinal de realidade mais profunda, mais espiri

tual e, por isto, mais proporcionada á dignidade do homem e ao louvor de Deus, o Sumo Espirito. Somos assim levados a dizer, antes do mais nesta explanagáo, urna palavra sobre o papel dos sinais corpóreos ou sen síveis no culto religioso. Passamos assim a desenvolver idéias já esbozadas em «P.R.» 15/1959, qu. 3 e 28/1960, qu. 8, a propósito do culto em espirito e

verdade e a respeito das posigóes dos liéis durante a S. Missa.

2. Sendo o homem essencialmente um composto de cor po e alma, Deus quis muito sabiamente que a alma humana nao se una ao Supremo Senhor sem utilizar o corpo ou a ma teria ; o corpo é o órgáo natural de aperfeigoamento e, por conseguinte, de santificagáo da alma. Disto se segué que a alma humana por sua natureza tende a se elevar a Deus nao só mediante afetos meramente interiores ou invisíveis, mas também mediante sinais emanados do corpo ; entre estes se deve mencionar a palavra oral: expressáo geralmente aprimorada dos sentimentos internos;

— 250 —

O SIGNIFICADO DAS PROCISSOES

os gestos e as atltudes do carpo: manifestac5es de alma mais primitivas, mais espontáneas e de mais ampio significado.

Consideremos agora o papel que possam desempenhar os gestos do corpo na expressáo dos afetos da alma. 3.

Quintiliano

(i 95), no mundo pagáo, dizia que os

gestos sao «a linguagem comum a todos os homens (omnium hominum communis sermo)».

No inicio da civilizagáo crista, era S. Ambrosio (f 397) quem escrevia: «Os movimentos do corpo vém a ser como a voz da alma (Vox quaedam animi est corporis motus)»; cf. S. Tomaz, S. Teol. II/II 168, 1 ad 1.

Nos tempos modernos, os psicólogos nao hesitaram em subscrever a tais afirmagóes, pois é fato comprovado que, enquanto a linguagem oral se diferencia de povo para povo, a

linguagem dos gestos1 ou a mímica é comum a todos os povos

e é mais ou menos idéntica em todos os tempos. Ela consti tuí a via primitiva e mais característica pela qual o homem se exprime ; tenha-se em vista o desenvolvimento da crianga, a qual comeca a se manifestar por gestos antes que por pa-

lavras. Deve-se mesmo reconhecer que os gestos sao «um produto es pecíficamente humano», como observa o psicólogo W. Wundt (Voelkerpsychologie 13. Sprache 231), o quaí faz notar que os animáis irracionais efetuam movimentos para se exprimir, nao própriamente gestos (o que quer dizer :... sao sujeitos a reílexos condicionados, mas nao sao capazes de concatenar os movimentos. de seu corpo de modo a manifestar idéias e raciocinios elaborados pelo próprio animal).

Se a tendencia a se exprimir por gestos é táo espontanea

á natureza humana, compreende-se que ela esteja intimamen te relacionada com a oragáo (que é outra expressáo caracte

rística da alma humana). Pode-se mesmo asseverar que nao

há oracáo sem gesto correspondente ou sem correlativa ati-

tude do corpo ; nao constituí excecáo a essa regra nem mesmo

a prece mais íntima e mais mística, que parece exigir» toda a

tranqüilidade, excluindo qualquer participagáo do corpo; com

efeito, também nesse tipo de oracáo o corpo exerce urna fungáo visível, sómente diversa da que exerceria em outros casos

(o corpo entra numa posigáo própria ; fica artificialmente imóvel; é por vézes arrebatado ácima do solo, respira segundo um ritmo próprio, etc.). — 251 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 4

A fim de ilustrar esta proposicao, pode-se citar o que se da na China. Os sons da linguagem chinesa, sendo em número relativa mente pequeño, nao bastam para exprimir tudo que vai dentro da' alma de um chinés. Éste íato tem repercussáo importante no setor religioso; os gestos desempenham papel de especial relevo na piedade chinesa, de tal modo que os chineses nSo. possuem vocábulo próprio para designar «Religiáo»; recorrem conseqüentemente ao ter

mo «Li», que significa «ritos, costumes, reta forma, ritual», isto é, algo que se relaciona com formas sensiveis de culto sagrado.

Os autores chegam a observar qué os gestos concomitantes da oracáo sao mais ou menos os mesmos em toda a parte e em todos os povos, apesar das diferen<jas de credo que cada orante professa : «Quem viaja de país para país e de povo para povo, fica surpréso por verificar a variedade e diversidade de crencas religiosas e, ao mesmo tempo, a grande unidade de gestos religiosos. Muitíssimos gestos (de oracao), e certamente os mais importan tes, sao comuns a todas ou a quase todas as nagóes e religioes. Mes mo religiSes como o Budismo e o Cristianismo, que por abismos se distanciam um do outro, tém numerosos gestos em comum; assim... o de abengoar com a mao direita.. .* (Th. Ohm, Die Gebetsgebaerden der Voetker und das Christentum. Leiden 1948, 31). Dentre os gestos comuns a todas as religifies, podem-se aínda

enunciar: o de bater no peito. o de velar ou ocultar a face, o de es tender as máos para o alto, para a frente ou para os lados, o de prostrar-se por térra, o de inclinar-se profundamente, o de se sentar em atitude meditativa, etc.

Esta verificagáo nao sugere de modo algum relativismo em ma teria religiosa; apenas implica que fazer gestos, e determinados ges tos na oracao, nao é própriamente nem cristáo, nem judaico, nem. budista, mas é simplesmente humano; ... vem a ser, como diziamos, espontánea expressao da natureza do homem.

4. No séc. XVI, a Reforma protestante, baseando-se prin cipalmente em piedade subjetiva, disseminou nos seus adeptos aversáo aos gestos e as manifestacóes religiosas sensiveis. Eis como um escritor protestante contemporáneo, Wilhelm Stahlin, comenta tal atitude : «'Eu sou a vida', diz Cristo. A Igreja (protestante) responde, em-

baragada e hesitante: 'Sim; mas... apenas a vida espiritual1. O Pro testantismo de tal modo cedeu á desastrosa separagáo de alma e

corpo... que ele quase por completo perdeu a visáo do conjunto humano» (Vom Sinn des Leibes 118).

O racionalismo do séc. XVm contribuiu para acentuar o

menosprézo das expressóes corpóreas. Os seus protagonistas, — 252 —

O SIGNIFICADO DAS PROCISSCES

valorizando ao máximo a inteligencia ou a razáo, negligenciaram o cultivo das atitudes do corpo e do seu simbolismo, como se isto fósse algo de grosseiro ou infantil. Em nossos dias, enquanto boa parte dos homens, sejam doutos, sejam simples, se ressente de tal mentalidade unilate ral, nota-se o surto de nova estima dos gestos do corpo para exprimir os afetos religiosos da alma. O Protestantismo, prin cipalmente nos últimos vinte e cinco anos, vem redescobrindo os valores da Liturgia ou do culto ritual. Haja vista o depoimento do autor protestante Robert Will em sua obra de tres volumes intitulada «Le cuite» : «Todo culto exige formas expressivas, imagens, sons, palavras,

gestos, ritos, pessoas. Essas formas,... de um lado, objetivam e levantam as aspiracóes da alma; de outro lado, concretizam e cana-

lizam as gragas que descem do céu... Sem essas formas sensiveis, a religiáo se tornaría meramente subjetiva e correría o risco de

perder-se... em frió sistema filosófico ou em código de preceitos éticos... A religiáo que nao dá aprego ao culto, definha na atmos fera rarefeita de um esplritualismo exagerado» (II pág. 13. 26s).

Ainda um depoimento parece particularmente significativo. Fale o já citado Prof. Wilhem Stahlin, luterano:

«Muitos louvam a nossa Igreja, por se preocupar com a interiortdadc, em oposigáo á exagerada estima que os católicos dedicam as farmas externas; dizem mesmo que o Protestantismo é a face mais interiorizada do Cristianismo. Nao haveria, porém, na base de todo ésse ideal de interioridade um erro profundo, urna dolorosa auto-ilusáo ? Nao se podem separar táo rígidamente 'o interior' e o ex

terior'. A vida é um todo indivisivel, no qual se entrelacam em indissolúvel unidade os elementos mais extrínsecos e os mais intrínsecos. De um lado, os movimentos Íntimos do coragáo e os mais secretos

acontecimentos da historia costumam manifestar-se em formas ex ternas; de outro lado, episodios que parecem só afetar a superficie dos seres, chegam a exercer sua influencia rías mais recónditas pro fundidades. Quanto mais um homem vive realmente, tanto mais estreitos e firmes sao os vínculos que ligam a sua vida exterior e a vida interior... Somos naturalmente impelidos a dar expressao ao

que nos vai na alma, através das atitudes de nosso corpo, através

do nosso oihar ou dos tragos da nossa fisionomía, através do nosso tom de voz, através dos gestos de nossas máos, até mesmo através

da manélra de nos vestirmos e de ornamentarmos o aposento em que vivemos» (Form und Gebárde in Gottesdienst und Gebet ls).

As consideragóes até aqui propostas já evidenciam o valor

dos gestos corpóreos e dos sinais visiveis ñas afirmagóes da piedade. É á luz dessas idéias que nos deteremos abaixo sobre tal forma sensível de piedade que sao as procissóes. — 253 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 4

2.

Piedade e procissóes cristas

1. Se as procissóes constituem u'a modalidade sensivel de culto, torna-se oportuno perguntar sem delongas : qual o seu significado ? quais as atitudes de alma que elas exprimem ? Responderemos lembrando em primeiro lugar que sómente o homem, entre os demais viventes neste mundo, tem o corpo erguido, capaz de se adiantar em passo firme e disciplinado. O caminhar de estatura erecta constituí verdadeira arte, e arte

cheia de nobreza; sendo particularidade exclusiva da criatu

ra humana, significa própriamente o «ser homem».

Na verdade, quantos sentimentos do íntimo da alma nao se ex

primem mediante o caminhar! Existe, sim, o andar leviano, desi gual, indisciplinado, que revela superíicialidade, despreocupacáo desregrada desordem de afetos interiores. Existe também o andar fir me, bem compassado, que manifesta tranqüilidade e equilibrio inte riores, harmonía e coragem de ánimo...

Pois bem; caminhando disciplinadamente em procissáo re

ligiosa, um grupo de homens pode exprimir duas atitudes : a)

Vitoria, triunfo.

Já o «ficar em pé» simboliza Vitoria ; é normalmente a po-

sicáo de quem venceu a luta. Ora diga-se que urna assembléia religiosa afirme solenemente essa posigáo dando passos disci plinados, numa caminhada processional; tal assembléia signi fica entáo que ela venceu ou que ela reconhece ter recebido

grandes gracas de Deus. A procissáo assim empreendida equi vale a louvor e agradecimento ao Pai Celeste ; é um culto de adoragáo e glorificagáo a Deus.

Tal é o significado das procissóes festivas que a Sagrada Liturgia celebra: a assembléia crista caminha entáo osten tando o sinal ou o símbolo das gragas recebidas que sao o motivo especial do louvor. Tal sinal é geralmente a cruz ou

o crucifixo, instrumento-fonte de Redengáo e de qualquer vitória dos cristáos. Dada a importancia capital da cruz, o Ri

tual (tit. IX) prescreve seja levada a cruz a frente de qualquer procissáo. — Além da cruz, costuma-se levar o objeto que ex prime o tema preciso do louvor do dia :

a') ou o SSmo. Sacramento, a mais preciosa dádiva do Amor Divino,

b') ou urna reliquia, estatua ou imagem do Senhor. Está claro que reliquias e imagens, no culto, desempenham papel — 254 —

O SIGNIFICADO DAS PROCISSÓES

meramente relativo; tém a fungáo de lembrar o Senhor Jesús rnesino, Deus feito homem, a Quem o povo* católico em procissáo dirige sua adoragáo e seus louvores ;

A luz destas proposicoes, a procissáo de palmas rio domingo ini cial da Semana Santa vem a ser a expressáo da complacencia do pova cristáo no triunfo ou na Redencáo que Cristo obteve mediante a própria morte. Semelhantemente, a procissáo das velas na lesta da Candelaria (2 de fevereiro) manifesta o júbilo pela vinda de Cristo, luz da verdade, ao mundo que jazla ñas trevas do erro.

c')

ou urna reliquia, imagem, estatua de Santo. Também

éste objetos sao relativos; visam chamar a atencáo dos fiéis para a Virgem SSma. ou algum dos amigos de Deus que estáo na gloria do céu. Considerando os santos, os fiéis nao os adoram; mas prestam

sua adoracao e gratidáo a Deus pelas gracas que Ele concedeu a tais justos, pedindo ao mesmo tempo queira o Senhor também a nos, peregrinos na térra, conceder semelhantes gracas para chegarmos á plenitude da Redencáo. Os santos vém a ser assim motivo de gloriíicacao e súplica fervorosas dirigidas ad Senhor Deus; nunca se devem tornar o termo final que detenha a nossa atencáo e a nossa

piedade a ponto de nao nos voltarmos ulteriormente para Cristo e para o Pai do Céu; sejam meros veiculos ou estímulos para mais conscientemente conhecermos e amarmos o Senhor Deus. Nada im pede, porém, que 1-oguemos aos Santos, intercedam por nos junto ao Senhor; sao os amigos qualificados de Deus, que por si nada podem dar, mas pelas suas preces muito podem obter.

A respeito dos santos e das imagens na piedade crista, veja «P.R.» 3/1958, qu. 5.

Contudo as procissóes nao tém apenas o papel de expri mir Vitoria, triunfo e, conseqüentemente, louvor ou agradecimento a Deus. Elas podem constituir também b) urna afirmacáo mais intensa e sensível da comunidade crista afetada por urna situagáo extraordinaria de indigen cia ou de arrependimento. Realizam-se, pois, procissóes que significam

— súplica mais ardente. Tais sao as procissóes ditas «das Rogagóes» ou «das Ladaínhas maiores e menores», celebradas a 25 de abril e nos tres dias anteriores á festa da Ascensáo; tiveram origem em períodos calamitosos, nos quais o povo de

Deus visava obter especial protngáo da parte do Senhor, prin

cipalmente para os campos e as colheitas ; até boje conservam tal significado. Outras procissóes há que exprimem — 255 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961. qu. 4

penitencia. Na Idade Media, mormente em épocas de peste, viam-se imponentes cortejos de «Flagelantes», ou seja, de fiéis que, vestidos de capa e capuz especiáis, desfilavam in

vocando a Misericordia Divina e flagelando-se, cheios de com pungió.

2. A idéia de procurar a Deus e suas gracas mediante um deslocamento processional é antiqüSssima na historia do género humano.

Corresponde ao que os historiadores chamam «a nostalgia do paraí so», isto é, ao ardente anelo de chegar a um estado de harmonia perfeita dos elementos dentro do hornern e em torno do homem, ane

lo a que os povos sempre procuraram satisfazer demandando «o lugar

ideal» aqui na térra, o paraíso outrora possuido, hoje em dia, porém,

perdido. Alias, nao há quem nao tenha consciéncia de ser um pe regrino espiritual, isto é, alguém que ainda nao possui a saciedade

das aspiragóes de seu espirito; tal consciéncia tendeu multas vézes,

e ainda tende a se externar mediante peregrinacfles e procissóes coletivas a um templo ou a um lugar sagrado. Sobre

o

significado

das

peregrinacóes

religiosas,

cf.

«P.R.»

24/1959, qu. 7.

O fato de tais tendencias existirem e se afirmarem atra-

vés de formas semelhantes no Cristianismo e fora déste está longe de significar que peregrinacóes e procissóes no Cristia nismo sao expressóes desvirtuadas ou «paganizantes»; ao con

trario, significa que em toda alma humana, anteriormente á profissáo de determinado credo religioso (cristáo ou náo-cristáo), existe a mesma sede de Deus. Acontece, porém, que o pagáo deu, e dá, expressáo a essa sede a luz de urna ideología

grosseira e errónea; o cristáo, ao invés, exprime-a norteado

pelo claráo da verdadeira teología ou de auténticas nogóes rerefentes a Deus e seu plano salvífico.

A guisa de complemento das consideracües até aqui propostas,

serao apresentadoa abaixo alguns tipos de procissSes pagas, que re-

velam a ideología característica de povos náo-cristáos. O confronto concorrerá para remover a tese de que o ritual cristáo se inspira do paganismo (no caso, ritual cristáo e ritual pagáo se inspiram am bos, em última análise, da religiosidade espontánea da alma humana). 3.

Procissóes pagas

A tribo Arunta, da Australia, pratica o rito chamado intieluma, o qual com nomes diferentes, é usual também em outros clás. Con siste em realizar urna procissáo ao lugar onde se eré tenha sede o antepassado totémico (animal ou vegetal genitor) da tribo; chegados a ésse lugar, que a populacao julga rico de poderes fertilizantes,

os devotos se póem a espalhar fragmentos da pedra ai encontrada, a fim de favorecer a fecundidade da vida !

— 256 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

No Egito, o ritual permitía retirar do santuario onde geralmente licava encerrada, a estatua da Divindade; os devotos colocavam-na sobre um prestito em forma de barco (o deus Rea do Egito era um deus navegante!) e transportavam-na pelas cldados ou íazíam-na descer petes aguas do Nilo, íicando o povo ñas margens do rio a cantar e dancar.

.

Na Grecia, famosas eram as procissóes das Panatenéias, por ocasiao das quais todas as classes sociais de Atenas subiam ao tem plo do Partenon a íim de oferecer suas homenagens á deusa Atenas.

Também eram solenes as prociss5es que precediam os jogos olímpi cos: magistrados, sacerdotes e representantes de varias cidades se reuniam sobre o monte Atlas para apresentar um sacrificio ao deus Júpiter.

Dentre os costumes da Roma pré-cristá, chamam a atencáo as chamadas «pompas» (cortejos), das quais urna das mais exuberan tes era a pompa «circense». A frente do cortejo achava-se um ma gistrado, vestido de toga, portador de coroa na cabeca e do cetro

com a águia simbólica na máo. Seguiam-se-lhe jovens, cujos geni tores deviam estar todos aínda em vida; vinham, depois, os que iam tomar parte nos jogos públicos, os ministros inferiores do culto, portadores de turíbulos fumegantes, os sacerdotes, as imagens dos

deuses e símbolos religiosos arrumados em préstitos. Chegando ao Circo Máximo de Roma, a pompa dava um giro a fim de ser con

templada pelo povo estupefato.

Finalmente celebrava-se um sacri

ficio e dava-se inicio aos jogos de circo.

Nao será necessário acentuar o fato de que em todos ésses ritos

se afirmavam, ora com mais, ora com menos evidencia, concepcSes po

liteístas e idólatras, das quais se distancia radicalmente o monoteísmo cristáo.

V.

HISTORIA DO CRISTIANISMO

ESTUDIOSO (Rio de Janeiro): 5) «Diz-se que os católicos tem perseguido os Protestantantes na Colombia. Que ha de certo ñas diversas noticias espalhadas sobre o caso ?» Antes do mais, em se tratando de assunto melindroso, parece

oportuno indicar as íontes das quais se podem colhér informacñes

sobre o tema. Ei-las : 1)

Da parte protestante :

os impressos periódicos intitulados «Reports on Religious Per-

secution in Columbia», publicados pela Confederacáo Evangélica da

Colombia (C.E.D.E.C.) desde o inicio de 1952, em inglés. Espalha-

ram-se amplamente pelo mundo, sendo suas noticias sinistras lar gamente divulgadas pela imprensa internacional, com as naturais conseqüéncias de ínquietacáo e perplexidade tanto em países cató— 257 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 5

lieos como em protestantes; no interior, porém, da Colombia mesma, tais periódicos nao foram difundidos; os

«Boletins

Informativos

da

Confederacáo Evangélica da

Colombia» («News Service oí the Evangelical Confederation oí Columbia»), em inglés, também destinados ao estrangeiro, nao ao uso da populacáo nacional. 2)

Da parte católica :

na Colombia mesma apareceu em 1954 o livro «Las sectas protestantes en Colombia» do Prof. Eduardo Ospina S.J., da Universidade Xaveriana de Bogotá ; nos Estados Unidos da América do Norte, um artigo expressivo na revista «América» de 26/VI/1954 ;

na Inglaterra, dois relatónos em «The Tablet» de¡ 16/1/1954

e 24/111/1954 ;

na Franca, ótima doeumentacáo no periódico «L'actualité religieuse dans le monde», de l/V/1955 ; na

30/XI/1956 ;

Suiga,

dois

artigos

em

«Orientierung»

de

15/1/1954

e

na Italia, estudo minucioso e ricamente documentado de G. Capriie S.J. em «La Civilitá Cattolica» (1954, n°s. 2503/2505);

na Espanha, um resumo chos», de abril e maio de 1955. Na base de tais documentos,

désse estudo em

«Hechos y Di

podem-se reconstituir com certa

clareza as idéias e os acontecimentos que ocuparam o cenário reli

gioso da Colombia nos últimos tempos. É o que vamos tentar fazer

rápidamente, observando as seguintes etapas : 1) 2)

3) 4)

Análise da situacáo dita «de perseguieáo». As idéias e os agentes envolvidos : a) a realidade tanto do Catolicismo como do Protestantismo

na Colombia ; b) a guerra civil. Alguns episodios do quadro Conclusáo.

geral.

Nao poderíamos deixar de registrar, desde já, que a celeuma religiosa em foco está atualmente apaziguada, tendo-se dado na Co lombia encontros muito amistosos de católicos e protestantes.

1.

A situagáo «de perseguigáo»

Desde 1948 aos últimos tempos registrou-se delicado pano rama religioso na Colombia, panorama que os Boletins da Confederagáo Evangélica Colombiana compararam ao de urna per

seguieáo antiprotestante semelhante á que se verifica nos paí— 258 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

ses ditos «da Cortina de Ferro»: de 1948 a inicio de 1953, haveriam sido destruidos por fogo ou por dinamite 42 templos protestantes; 31 teriam sido dañineados e 10 confiscados; 110 escolas primarias protestantes teriam sido fechadas, 54 por ordem do Govérno, as restantes por atos de violencia; outras casas e predios evangélicos, num valor total de 148.000 dó lares, haveriam sofrido destruicáo, deterioragáo ou confisca-

cáo ; por fim, teriam mesmo padecido a morte violenta 51 cidadáos, entre os quais homens, mulheres e enancas (cf. «News Service» n' 10, de 17/VIII/1953; cifras reproduzidas pelo heb domadario norte-americano «Time» de 5/X/1953).

Os dados déste relatório tém sido, por vézes, aumentados de ma-

neira surpreendente, a ponto mesmo de se poder ler na revista «La

tín América Today» (Nova Iorque, junho de 1953) a¡ noticia de que a Colombia, térra de bárbaros e intolerantes, «massacrou 100.000 protestantes, unionistas e democráticos*. Comunicagoes e protestos foram levados até á ONU, sob a alegacáo de que nem os direitos da pessoa humana sao respeitados na Colombia.

Estes poucos densos tragos já sao suficientes para se perceber em que consiste, segundo os rumores comuns, a «perse

guirlo antiprotestante» da Colombia. Faz-se mister agora exa minar mais de perto o desenrolar dos acontecimentos, os agen tes e as idéias que os tém movido, a fim de se poder formular um juízo objetivo sobre táo debatida situagáo. 2.

O Catolicismo na Colombia

A Colombia é país de populagáo 99,5 % católica. Já nos inicios do séc. XVII, como narra um cronista dessa época mesma, a maioria dos aborígenes era balizada e religiosamente assistida por missionários católicos. Ao contrario do que se deu na maioria dos povos hispano-americanos, a campanha de independencia nacional lá nao teve caráter antieclesiástico, mas, foi, antes, em boa parte, orientada por clérigos. Já a primeira Constituigáo do país, dita «de Cundinamarca», em 1812 declarava ser o Catolicismo a religiáo da nagáo. O muito estimado «Libertador», Simón Bolívar, em 1819 procurou entrar em concordata com a Santa Sé. As Constituicdes de 1843 e 1886 confirmaram ser o Catoli

cismo a religiáo do povo colombiano. No ano de 1887 foi assinada a Concordata ainda hoje vigente entre a Colombia e o

Vaticano, estipulando : art. 1.

O Catolicismo é a religiáo oficie.1 da nacáo.

a deve respeitar e proteger ;

— 259 —

O Estado

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

art. 12.

A educacáo se fará de acordó com a íé e a moral cristas.

Em 1953 acrescentou-se a essa Concordata um estatuto re ferente as missóes entre indios no país: aos missionários cató licos era assinalada, além da tarefa religiosa, urna obra de civilizacáo dos aborígenes, em vista da qual o govérno se com prometía a prestar recursos financeiros e direitos administra

tivos aos eclesiásticos. Ás denominagóes religiosas náo-católicas ficava proibido exercer o proselitismo nos territorios de missóes (o que nao quer dizer que pastores protestantes tenham sido expulsos de suas sedes; é-lhes plenamente lícito ai ficar, dedicando-se aos seus fiéis, contanto que nao empreendam con quistas religiosas). Esta convengáo se entende, em parte, pelo desejo que o Estado possui, de assegurar homogeneidade e éxi to na civilizagáo dos aborígenes.

De resto, governos nao-católicos até épocas recentes tém proce dido de maneira análoga, reservando certos territorios coloniais á. acáo de denominacdes evangélicas: assim íéz, por exemplo, a Ho landa na Indonesia; a Alemanha, até 1900, na África Ocidental do Sul e na Nova Pomeránia (Arquipélago de Bismarck).

Estes precedentes explicam que a vida católica seja hoje em dia próspera na Colombia. O número de dioceses, entre 1938 e 1954, passou de 29 a 42. Em 1938 contavam-se 1397 sa

cerdotes (1 para 6230 habitantes); em 1953 já havia 3326 pa

dres (1 para 3440 almas). Duas Universidades Católicas, com um total de 4000 estudantes, imprimem certo cunho ao setor académico do país: a «Javeriana» em Bogotá, e a «Bolivariana»

em Medellín. Ao magisterio primario e secundario dedicavam-

-se, em 1954, 1369 escolas católicas, com 124.219 alunos ; 459

colegios, com 11.557 alunos, e 22 instituigóes paroquiais com

890 discípulos. Notável é a obra de educagáo rural pelo ra

dio estabelecida em Sutatenza por Monsenhor J.J. Salcedo, a qual já em 1954 havia distribuido mais de 6.000 receptores

de pilha a um conjunto de 200.000 camponeses : fornece cur sos diarios de leitura, grafía, aritmética, higiene, agricultura,

religiáo e conhecimentos gerais. — Entre outras obras católi cas, podiam-se assinalar, em 1954, 145 impressos periódicos, 510 instituigóes de beneficencia e 2 leprosarios.

Nos territorios de missóes calcula-se que apenas 4 % dos

aborígenes ainda nao hajam sido catequizados, ficando urna

única tribo refratária aos missionários. Donde se vé a impro cedencia da afirmagáo evangélica (cf. Boletim da CEDEC de 30/XI/53) segundo a qual o govérno, entravando os pregado-

res protestantes, deixava entregues ao paganismo «ainda mui— 260 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

tas tribos de indios, como, alias, vem acontecendo no decorrer de quatro sáculos de dominio católico !». 3.

O Protestantismo na Colombia

Em 1856 estabeleceu-se em Bogotá a primeira missáo presbite riana, proveniente dos Estados Unidos da América do Norte ; 24 anos

se passaram sem que algüm colombiano lhe aderisse. Até 1942 mais onze denominacoes'evangélicas entraram na Colombia, algumas das quais (anglicana, metodista...) restringindo suas atividades á assisténcia de correligionarios.

De 1942 em diante, porém, as atividades protestantes se

incentivaram : em 1954 havia 26 denominagóes bíblicas, algu mas de caráter proselitista muito aceso. Estáo assaz dividi das entre si (1); após varias tentativas frustradas, 17 se congregaram na Confederagáo Evangélica da Colombia, sendo es tas em geral as mais ferrenhas dentre todas : Menonistas, As-

sembléia de Deus, Tabernáculos Unidos, Santidade do Calva

rio, Cruzada Evangélica Universal, Igreja Independente de Vila Rica, etc Ora seja licito lembrar que a Confederagáo

Evangélica assim constituida foi a única fonte que langou ao mundo as noticias de «perseguigáo aos protestantes em nome

de Cristo Reb, «indizivel barbarie na Colombia», etc— Os Batistas rejeitaram explícitamente a proposta de coníederar-se alegando que o plano de apresentar ao mundo urna írente tinica lhes parecía ser hipocrisia contraria á Hberdade fundamental do Evangelismo (cf. Heraldo Bautista», Cali, agosto de 1949).

Quanto ao número de protestantes na Colombia, as fontes católicas indicavam 20.000 em 1954, ou seja, 0,17% da populacáo total. As informagóes protestantes vacilavam mui to : o pastor inglés W. T. T. Millham contava em 1948 23.655

evangélicos; dois anos mais tarde, porém, a Confederagáo Evangélica declarava representar um total de 50.000 adeptos; tres anos depois, o Boletim Oficial da Confederagáo anunciava

que o número de protestantes de 1948 a 1952 crescera de 7908 (1)

No «World Christian Handbook», anuario protestante, se ¡é:

«Em nenhum pais da América Latina, é táo agudo como na Co lombia o problema de um conjunto de pequeñas seitas missionárias

autónomas que se combatem mutuamente, guiadas por cheíes irres-

ponsáveis, cujo principal objetivo parece ser o de desacreditar os

outros obreiros ou grupos missionários» (citado por J. B. Sniven, em «The Priest», julho de 1952).

— 261 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qü. 5

a 11.958. Como quer que seja, calcula-se que, na melhor hipótese, os evangélicos na Colombia possam atingir a proporgáo de 0,2 % da populacho total.

As comunidades protestantes tém sua existencia jurídica mente garantida pelo art. 53 da Constituicáo Colombiana, que assim reza : «O Estado garante liberdade de consciéncia. Ninguém será in comodado por motivq de suas opinióes religiosas nem será obrigado a professar urna íé ou a observar práticas contrarias á sua consci éncia. Fica assegurada a liberdade de todos os cultos que nao sejam contrarios á moral crista ou ás leis vigentes».

Usando de sua liberdade, os protestantes desencadearam nos últimos tempos campanhas de propaganda veemente, que nao receam atacar os valores religiosos mais caros ao povo co lombiano. Eis alguns dos tópicos mais salientes désse movimento : O jornal «El Heraldo Bautista» em setembro de 1949 assevera-

va • «Nao há nada táo anticristáo e táo oposto ás virtudes praticadas por Cristo quanto a Igreja Católica. Ela é o contrario do verdadeiro Cristianismo».

Pode-se dizer que nao há urna só das proposigóes da fé católica que nao seja ridicularizada em termos babeos pela propaganda pro

testante : a Missa é tida como «abominável idolatría» (Catecismo Evangélico, Cali); «o sistema papal nao vem a ser outra coisa do que urna invencáo de Satanaz, pela qual se vai preparando o caminho para a vinda do Anticristo» (Roma y los papas, reseña histórica,

Cali, Ed. Progresso, pág. 191). «O demonio suscitou o Papa para governar a parte ocidental do Imperio Romano reconstituido, as

sim como suscitou Maomé para governar a parte oriental» (De Sima a Cima, julho de 1949, pág. 4). Pió XII, chamado «Senhor. Pacelli», foi acusado de ser inimigo da paz em urna carta falsamente atribui da ao Presidente Truman («Definiendo responsabilidades», carta do Presidente Truman ao Papa). A fábula da Papisa Joana é frequentemente explorada, como se fóra historia verídica (cí. «P.R.» 3/1958, qu. 12). O confessionário vem apresentado como «trono donde o confessor... governa o povo e rege os destinos do país; rede para apanhar borboletas se o confessor é jovem e de bom... apetite; cloaca

das imundices moráis de todo o povo» (El Heraldo Bautista n' 75,

pág. 8). A Virgem Maria é comparada a u'a mulher de ma vida (Las balanzas de oro, pág. 86 e 108).

Compreende-se que tal linguagem seja apta a provocar,

independentemente de qualquer palavra de ordem superior, a reagáo espontánea da gente simples católica, de mais a mais que se trata de assunto religioso (tema sempre muito ardente). Pre— 262 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

gando o Protestantismo sem conhecer a Colombia e suas con-

digóes de vida, sem respeitar as antigás tradicóes locáis, falando mal o castelhano, dotados, porém, de ampio lastro financeiro, os «missionários» evangélicos norte-americanos sao as vézes considerados como agentes de urna pouco simpática «diplomacia do dólar». Alias entre os protestantes mesmos tém-se feito ouvir vozes que rejeitam a tática agressiva, e muito pouco evangélica, de seus corre ligionarios. Assim, por exemplo, se exprimía em 1954 após urna via-

gem de inspeccáo, o Dr. Stewart W. Hermán, dirigente do Comité latino-americano da Federacáo Luterana Mundial:

«Há protestantes sinceros que nao estáo cientes dos métodos agressivos de varios dos seus missionários... As violentas reacóes contra protestantes sao ireqüentemente o resultado de provocacSes desnecessárias da parte de missionários apaixonados, cuja mensagem

se reduz a acerbos ataques contra a Igreja Romana» («The Mobile Press Register», Alabama/USA, 24/1/54).

Quase contemporáneamente (9/II/54) escrevia o periódico pro testante «Christian Science Monitor» : «Os dirigentes norte-america nos do movimento missionário nao de reconhecer- que nem todas as perturbacoes foram causadas pela intolerancia dos católicos colom bianos. Por vézes pequeña minoría de missionário9 protestantes, in flamados de zélo, proferiu duras invectivas contra a Igreja Romana, provocando a reacáo».

Note-se, de resto, que os evangélicos mais tradicionais, como os luteranos eos anglicanos ou episcopais, desenvolvendo tranquilamen te a sua vida no seio de suas comunidades religiosas, nunca tiveram motivo de queixa. Eis o testemunho áo Dr. H. U. Bretscher, datado de 1955 :

«Há mais de um ano, moro aqui em Medellin. Nessa temporada

nunca percebi a minima maniíestacáo de hostilidade ao Protestantis

mo

Sou membro da Igreja protestante daqui, e tive muitas vézes

a ocasiáo de me externar como protestante convicto. Nunca luí, em conseqüéncia, molestado ou prejudicado. É o que podem atestar outros suicos e demais estrangeiros» («Junge Kirche», dezembro de 1955).

A tal situagáo religiosa na Colombia sobreveio um ele

mento novo, ou seja, a guerra civil, a qual concorreu para le

var ao auge as tensóes vigentes entre o povo. 4.

A guerra civil

Desde 1948, a Colombia se acha agitada por paixóes po

líticas divididas entre dois partidos : os conservadores, de prin cipios católicos ; e os liberáis, de tendencias variadas, chegando ao extremismo da esquerda.

— 263 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 5

Aos 9 de abril de 1948 rebentou urna revolugáo liberal, durante a qual foi ateado fogo á Nunciatura, á residencia arquiepiscopal de Bogotá, a edificios da üniversidade Católica e

ao Colegio dos Irmáos das Escolas Cristas; outros atos de vio lencia foram cometidos contra casas paroquiais, escolas cató licas e instituigóes religiosas. Após urna semana, estava sufo

cado o levante ; contudo muitos revoltosos civis e militares (em grande parte, encarcerados antigos, aos quais as prisóes foram abertas) conseguiram refugiar-se em territorios de flo

restas ou montanhas chamados «llanos», donde passaram a

exercer um sistema de guerrilhas dito «bandolerismo»; os «bandoleros» sao abundantemente reabastecidos de armas mo dernas (cuja origem parece ser comunista) e mantém a nacáo

num estado de inquietagáo continua, sempre sujeita a escaramucas e invectivas mais ou menos arbitrarias.

Ora, em tal situagáo política, os protestantes tém tomado o seu partido (como, alias, bem se compreende). O Dr. Al berto Rambo, assessor do Comité latino-americano do Conselho das Igrejas nos Estados Unidos, declarou á «United Press» em 14/111/1952 : «Problemas políticos entram em jógo (na perseguigáo da Colombia). O Protestante na Colombia é auto máticamente um liberaí». Isto quer dizer que o protestante é espontáneamente movido a pertencer ao partido da oposigáo e a fazer, em certo grau, causa comum com os «bandoleros», o que nao pode deixar de o envolver em conflitos ; em tais atritos as violencias infligidas aos protestantes por seus concidadáos civis ou pela polícia foram geralmente motivadas por razóes políticas ; podiam, porém, tomar a aparéncia de perseguigóes religiosas, e como tais foram muitas vézes apresentadas ao público internacional. O Presidente da República Colombiana Rojas Pinilla, de resto,

numa entrevista dada a jornalistas norte-americanos, declarava: «Os últimos conflitos com os protestantes íoram provocados por estes mesmos, os quais se envolveram na política interna e auxiliaram os combatentes que lutavam contra o govérno constitucional» («El Es pectador», Bogotál 19 de agosto de 1953).

Por sua vez, o Sr. Daniel Pattison, tesoureirodas MissSes Pres biterianas na América Latina, após urna visita á Colombia, se dirigia em carta ao Senado e ao Departamento de Estado dos Estados Uni

dos nos seguintes termos :

«A mudanca de situacáo (na Colombia)

só se dará ou por re

volucáo interna ou por pressáo exercida pela opiniáo pública internacional. Em conseqüéncia, julgamos necessário, seja o público

norte-americano informado das perseguicñes sofridas por protestan-

— 264 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

tes e liberáis na Colombia» (D.M. Pattison, To the Members oí the State Department and all the U. S. Senators, Washington 10 de abril de 1950).

Estes dizeres significam, em última análise, que o noticiario re ligioso protestante difundido internacionalmente visava, entre outras, também urna finalidade política. Nao contestaremos que esta íinalidade seja legítima aos olhos dos protestantes, mas reconheceremos

que era ofensiva ao govérnó colombiano, que pela autoridade de seu

Chanceler assim se pronunciou :

«O Sr. Pattison... declarou em Nova Iorque que era necessário divulgar no estrangeiro os fatos de perseguigao religiosa a fim de provocar a pressáo exterior destinada a derrubar o govérno da Colombia» (Iníormagáo do Chanceler Sourdis ao Embaixador da Co lombia em Washington, em 20/IV/1950, pág. 5). O mesrr.o Chanceler, de resto, nesse relatório acrescenta o se-

guinte caso: nd cantáo de El Secreto (Casanare), aos 4 de abril de 1950, um pastor evangélico agitou bandeira branca, a fim de fazer descer um aviáo; este, ao aterrissar, ío\ atacado pelos «bandoleros», que feriram o comandante militar e dois capitaes que o acompa-

nhavam.

A afinidade de causa religiosa e causa política, tío caso dos protestantes da Colombia, explica que as queixas dos pro

testantes só datem de 1948 para diante, isto é, da irrupcáo da

guerra civil...; explica outrossim, tenharn os protestantes po dido apontar, de 1948 a 1953, 52 vítimas entre os seus cor religionarios (o número total de falecidos na guerra civil subia em 1953 a 20.000, quase todos católicos; contudo nem os mortos protestantes nem os católicos poderáo, em tais.circuns tancias, ser tidos como mártires da fé ou vítimas de perseguicáo religiosa). A referida afinidade explica ainda outro fato, que os documentos protestantes mesmos reconhecem : a Polícia Nacional é que tem desferido bom número dos golpes de que os evangélicos se ressentem ; os soldados teráo assim pro

cedido aplicando medidas policiais extensivas a todo e qualquer cidadáo depreendido em desordem política ; váo seria asseverar que hajam atacado por mandato ou inspiracáo das au toridades eclesiásticas.

A situafiáo geral do Catolicismo, a do Protestantismo e o desenrolar político, eis os tres grandes fatóres que iluminam o fenómeno da apregoada «perseguicáo religiosa» na Colom bia. Antes, porém, de passar á conclusáo final do que temos até aqui ponderado, importa-nos ainda considerar — 265 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 5

5.

Alguns episodios particulares do quadro geral

1. Os evangélicos denunciam o fechamento de 110 esco las primarias protestantes, 54 por ordem do govérno, as res tantes por atos de violencia...

A violencia se explica (embora nao se justifique aínda) á luz de quanto acabamos de dizer sobre o fenómeno político do país. O observador católico reconhecerá e reprovará os abu sos que, por parte de cidadáos católicos, hajam sido cometidos nos choques e ñas arruagas populares, desde que tais abusos fiquem realmente comprovados. Nao se poderia, porém, atri buir á autoridade da Igreja os males praticados por tais ou tais dos católicos ; a Igreja será sempre a primeira a denun ciar o mal, por quem quer que ele seja praticado.

Quanto ao fechamento de escolas por parte do govérno, observe-se que o Ministerio da Educagáo, usando de poderes constitucionais, exige sejam as escolas particulares devidamente registradas antes de abrir as suas portas. Ora, conforme se apurou, os educandários fechados careciam de tal registro e continuavam a funcionar, apesar das advertencias das auto ridades. Além disto, para se avaliar se há de fat» pressáo contra as es

colas protestantes, leve-se em conta o seguinte: o Boletim n» 10 da Confederacáo Evangélica da Colombia comunicava : «O Ministro da Educacáo Dr. M. Mesquera Garcés mandou ao

Colegio Americano feminino de Barranquilla (Escola da MissSo pres

biteriana, que conta 662 alunas), desse ao estabelecimento um cá-

peláo católico1 e professóres católicos para os cursos de Religiáo. Os

Diretores declararam estar prontos a fechar o educandário antes que a obedecer a semelhante ordem» (pág. 3). Esta recusa teve conseqüéncias notáveis, visto que nos dois Co legios Americanos de Barranquilla assim como no de Bogotá, cérea de 60/75 % dos 1900 alunos eram católicos. O Ministerio só exigía capelao e aulas de religiáo para os alunos católicos, nao para os protestantes. Pergunta-se entáo; a recusa de obedecer a tal ordem nao signiíicava que os colegios protestantes nao visavam própriamente educar as criancas colombianas segundo as instituyeses de suas familias, mas tendiam muito mais a fazer proselitismo ? De resto, dois fatos interessantes ainda vém á baila : os progra

mas oficiáis de curso secundario e colegial na

Colombia incluem

urna cadeira de Religiáo Católica. Ora éste dispositivo sofreu exce-

cáo por parte dos Colegios protestantes, que, durante varios anos, distribuiram diplomas oficialmente reconhecidos pelo Estado sem ensinar Religiáo Católica aos alunos católicos. Referem mesmo algumas fontes que o «American College», assim como o «Central Baptist College» exigiram de seus alunos católicos a freqüéncia de cursos

— 266 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA

bíblicos protestantes. Tais íatos concorrem para dissipar a impressáo de intolerancia escolar católica na Colombia.

2. Para se poder melhor aínda julgar a situagáo religio sa désse país, seja aqui feita mengáo de certos tópicos a respei-

to dos quais as informacóes protestantes nao resistiram a con trole, mas, após inquérito, foram comprovadas como equívocas ou falsas (1). a) Em junho de 1953, o periódico «Latin América Today», de Nova Iorque, publicava a seguinte noticia : «Fotografías exclusivas!

Colombia: 100.000 vitimas, protestantes, unionistas, demócratas». A ésse titulo (cuja cifra é evidentemente exagerada) estava ane xo um documento fotográfico: apareciam urna cabeca de mulher

separada do busto e um grupo de homens com as- extremidades dos bragos enfaixadas; a estes as foreas governam-íntais católicas have-

riam amputado a máo direita, ao passo que teriam assassinado a mulher; o local do crime indicado pela revista seria Sogamoso. —

Ora, foram interrogados a respeito os pastores das duas únicas denominacóes existentes nessa localidade: ambos responderam peremptóriamente, aos 23 de fevereiro de 1954, que tal episodio jamáis se dera. Como resultou, alias, do confronto com outra fotografía possuida pela policía, a cabeca decolada pertencia a pobre mulher ca tólica morta pelos «bandoleros» em 1952; é o que explica, tenham os

editores da revista deixado de mencionar o nome da vitima e a data do crime (noticia transmitida por Ospina, Las sectas protestantes... pág. 104).

b) Tornou-se famoso o «caso Morales* tido como episodio de rapto de criancas praticado por católicos contra protestantes... Acontece, porém, que a imprensa católica colombiana pu'ilicou lado a lado duas versees désse episodio: a primeira, protestante, muitas vézes vaga e destituida de nomes de testemunhas; a outra católica, assinada muitas vézes com juramento por bispos que em inquéritos procederam á averlguagáo dos respectivos fatos. O relato protestante se segué abaixo á esquerda; os resultados do inquérito, á direita:

1.

Em

Manizales

morava

a

familia Morales: pai, máe e onze

filhos Gente piedosa e fiel á igreja protestante. Há alguns anos, católicos fanáticos penetraram em seu domicilio, ata-

(1)

A familia era católica, e nao

protestante.

A

máe

abjurou

o

Catolicismo depois da morte do marido, que sempre fóra católico, e morreu como católico, recebendo os santos sacramentos

Nao é sem constrangimento que referimos os episodios que

se seguem pois isto poderla significar mesquinhez e espirito tacanho da nossa parte. Nao obstante, a fim de orientar o público, per-

mitindo-lhe avaliar melhor o alcance de quanto ouvd dizer, transmi

timos sobriamente algo do que encontramos na bibliografía do assunto tratado.

Visamos únicamente desfazer equívocos e proporcio

nar a todos a verdade, na medida em que ela se acha impressa e do cumentada.

— 267 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 5 caram o pai, íerindo-o com cin co golpes e gritando: «Éste é o teu tratamento por seres protes

(2). O seu assassinato nao foi de modo algum devido a moti vos religiosos.

tante». O homem morreu ime-

diatamente.

2. Dois dos filhos da casa, Abraáo e Obdulio, freqüentavam

Os dois meninos eram católi

cos,

batizados

e

educados

por

durante a semana a escola pú blica, de inspiragáo católica. Por muito tempo, houve pressáo so

seus pais no Catolicismo, até a abjuraeáo de sua genitora. É

assistirem á Missa; éles, porém, permaneceram firmes na íé pro testante, e por isto na escola foram escarnecidos como filhos de protestantes, e ameacados de ir

que manifestaram o desejo de preparar-se para a Primeira Co-

bre

os

dois

meninos

para

que

falso dizer que houve pressao sobre éles; foram éles mesmos

munhao,

á semelhanca dos ou-

tros meninos de sua idade.

para o inferno, caso ficassem na heresia.

3.

Aos 7 de julho de 1953, os

meninos

nao

voltaram

para

casa; em váo a máe pediu no

ticias déles ao Diretor da esco la. No dia seguinte, porém, éste

lhe disse : «Volte para a Virgem, e seus filhos lhe seráo restituídos»; revelou também que havia coníiado os dois jovens a jesuíta, sob o pretexto de desejavam fazer a Primeira munháo na Igreja Católica genitora o impedia.

um que Coe a

Os dois meninos se apresentaram na escola a 1 h da tarde, afirmando estar em jejum, por que

sua

máe,

sabendo

que

se

preparavam para a Primeira Co

munháo, os havia expulso de casa, dizendo-lhes que nao mais

os receberia. O professor entáo expós o fato ao Pe. Guzman, o qual, com o consentimento dos dois meninos, conseguiu que fóssem recebidos no orfanato, onde se lhes daría alimento e teto.

Informado da situacáo, o bispo de Manizales aconselhou ao pa

dre,

pedisse a

intervencáo

do

Juiz de Menores para solucionar

o caso de acordó com a lei. O

Juiz tomou sob a sua responsa-

bilidade os dois meninos, man dando que continuassem, a títu lo provisorio, no orfanato.

4. Só a muito custo e após varios dias, a genitora conseguiu rever os meninos; estavam, porém, t§o apavorados que nao

quiseram fazer declaracSes, iimitando-se apenas a chorar.

Mais tarde um déles disse tcr sido levado á fdrca, espancado

e constrangido a fazer a Primei ra Comunháo.

Aos meninos foi dada a liberdade de ver a máe todas as vé-

zes que o quiseram. Foram vi sitados

também

por

ministros

protestantes, que tiveram opor-

tunidade de conversar com éles e de os fotografar. É falso di' zer que os jovens foram, de al gum modo, maltratados.

constrangidos

ou

(2) Pode-se ver o atestado déste fato no 9' Registro dos defuntos da paróquia da Imaculada em Manizales, pág. 46, n' 263. — 268 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

5. Um dos meninos lugiu, quando estava internado, mas a policía o prendeu e levou de volta ao orfanato.

Estando os dois meninos sob a tutela do Juiz de Menores, a direcáo do orfanato era obrigada a comunicar ás autoridades

a fuga e a seguir as ordens que recebesse. Desde, porém, que os irmaos Morales declararam ao bispo que haviam mentido,

afirmando ter sido expulsos de

casa, e mostraram a vontade de nao ficar no orfanato, o bispo determinou fóssem sem demora devolvidos á sua genitora.

Nao é o caso de se acrescentarem comentarios. Apenas importa citar a documentacáo.

Da parte protestante: Boletim da CEDEC n* 11; «Le Messager Social» (Genebra) de 10/X/1953;
Da parte católica: «Servicio Nacional de Noticias Católicas» (S.N.N.C.) n» 103, de 31 de outubro de 1953; Ospina, Las sectas protestantes 145-152; «Giornale del Popólo» (Lugano), de 3/XII/1953; «Le Courrier» (Genebra), de 19/XI/1953.

c)

Das fontes históricas também consta o seguinte episodio :

O Boletim da Confederacáo Evangélica Colombiana de 28 de fevereiro de 1953 pág. 4 relatou desavenga ocorrida entre católicos e protestantes aos 25 de Janeiro de 1953 em Barrancabermeja, acrescentando os seguintes tópicos: «Poucos momentos antes do choque, loi visto o sacerdote jesuíta Aureliano Busto, vestido á paisana, na esquina da rúa mais próxima da igreja (evangélica). Dois outros jesuítas Hugo Villegas e Vitório Grillo, entraram na igreja (evan gélica) em trajes civis, juntamente com a policía, e ajudaram a depredar o templo. O Pe. Villegas espancou e deu um ponta-pé no estómago de um dos fiéis».

Pois bem Ficou averiguado que os dois sacerdotes, Pe. Busto e Pe Grillo na hora do referido conflito, se achavam de hábito re ligioso na residencia episcopal, ocupados com um grupo de pessoas. Quanto a «Padre Hugo Villegas», nao existe nenhum com éste nome

entre os jesuítas colombianos; há, sim, um Pe. Villegas que no dia do choque, se encontrou o tempo todo em Bogotá, a 280 Km de Bar rancabermeja !

Nao prosseguiremos esta lista de episodios particulares, embora, de ac&rdo com a documentacáo até hoje publicada, ela aínda pudesse ser prolongada. — Passamos, pois, a fixar alguns pontos a guisa de

6.

Breve conclusáo

1. A tesa situagáo religiosa na Colombia de 1953 parece dever-se, em última análise, a tres fatóres principáis : 1)

Duas premissas:

— 269 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961, qu. 5

.

a) a estima antiga, constante e homogénea, dedicada pelo povo colombiano á fé católica; essa estima se cristalizou sempre em cláusulas das Constituigóes sucessivamente vigen tes no país ;

b) o ardor tumultuario e pouco reverente da recente propaganda protestante, ardor apto a ferir a sensibilidade es pontánea do povo.

2)

Um elemento decisivo :

c)

a guerra civil, que desencadeou violencias ñas quais

motivos políticos e motivos religiosos foram fácilmente con fundidos.

A exacerbada propaganda da «perseguigáo» feita pelos evangé

licos se deve a urna única entidade protestante (a CEDEC) e se vol-

ta sómente para o estrangeiro em língua inglesa, nao para o inte rior do país; colima entre outros, também um objetivo político re volucionario (liberal, «bandolero», assaz favorável aos comunistas).

2. Na análise dos acontecimentos, será preciso reconhecer a injustica onde quer que ela ocorra, tanto da parte de protestantes como da parte de católicos. Contudo náa será lí

cito identificar a agáo de individuos ou grupos católicos com

a própria Igreja Católica. Esta se manifesta por suas instru-

góes e normas oficiáis, as quais, principalmente no caso da Co

lombia, só tém visado apaziguar os ánimos e favorecer a paz no país. Tenham-se em vista, por exemplo : as Cartas Coletivas do Episcopado colombiano de 3 de outubro

de 1949 e 30 de novembro de 1951, publicadas respectivamente nos

periódicos «Cathedra» de 1949, pág. 401, e «Revista Javeriana» de Janeiro

de 1952;

a «Mensagem de Pió XII ao povo colombiano em favor da Cruza da Nacional da Paz», em «Discorsi e Radiomessaggi» XIV, Roma, pág. 217.

Em tudo que tem ocorrido, a Igreja Católica guarda a consciéncia de nao haver cedido a instintos mesquinhos, mas,

ao contrario, de haver defendido um patrimonio que nao é própriamente católico nem protestante, mas é de todo o géne

ro humano. É o que dava a entender com sabedoria o Cardeal Crisanto Luque de Bogotá em 1954 : «A Iereja nunca tendeu, e nunca tenderá, a abolir legítimos di-

reitos. A doutrina de Jesús Cristo, da qual ela é fiel depositarla, é — 270 —

PERSEGUICAO RELIGIOSA NA COLOMBIA ?

a íonte da qual a dvilizacáo crista se tem inspirado para respeitar conscienciosamente os direitos de todos os homens. Por isto, nao na autoridade mais habilitada do que a Igreja, para assegurar o respeito aos direitos e a maneira de o sustentar...

Doutro lado, a Igreja sabe, e sempre ensinou, que a liberdade,

para ser construtiva, frutuosa e abencoada, tem que se manter den tro dos limites da verdade e da justica. Liberdade concebida fora désses limites faria do pais urna anarquía e reduziria os individuos á escravidáo. Tal liberdade, nunca a houve, nem íoi jamáis posslvel, em setor algum das atividades humanas».

Liberdade, salvaguardadas a Verdade e a Justiga, eis um principio a respeito do qual irmáos católicos e protestantes certamente estáo de acordó !... A guisa de complemento, vai aquí consignado ainda o seguinte trecho de carta dirigida pelo mesmo Cardeal Luque, em 17 de novembro de 1958 (poucos meses antes de morrer), á comunidade pro testante de Taizé (Franga), que interpelava S. Eminencia a respeitb dos acontecimentos na Colombia:

«1.

Nunca a hierarquia da Igreja na Colombia baixou determi-

nacao alguma para se perseguirem protestantes ou quem quer que ídsse.

2 Nao há dúvida, porém, veriíicaram-se, isolada e esporádica mente lamentáveiá acontecimentos. Tiveram suas raízes, muitas vézes em motivos políticos; outras vézes exprimiam reacio contra os termos injuriosos com que alguns protestantes se refenam a Igreja Católica Romana, aos seus dogmas, sacramentos e sacerdotes. Estas referencias em alguns casos ocasionaram a perturbacSo da ordem

pública, o que levou o govérno do meu país a fechar provisoriamente casas de culto protestante.

3. Seria vivo desejo meu que urna Comissáo de um católico e um protestante percorresse o pais e, com toda a liberdade, redigisse um estudo objetivo sobre a situacáo religiosa da Colombia. Repeti damente tenho manifestado tal desejo; até agora, porém, nao obtive resposta... Regozijar-me-ia pela realizacao de tal viagem de inspeccao.

4.

Caso por motivos religiosos tenha sido derramado o sangue

de cidadáos protestantes, como muitas vézes se diz (nao tenho, gorém nem provas disto nem noticias fidedignas), seria eu o pnmeiro

a lamentar o ocorrido e a pedir perdao a Nosso Senhor pelos auto

res dos feitos...

6 Em todos os lempos, imutável até hoje, nutri espirito de to lerancia. Posso assegurar, sem restricáo, que os protestantes na Co lombia possuem plenas garantías para celebrar seu culto ñas igrejas e nás localidades destinadas a isso, assim como para educar seus filhos de acordó com a sua crenca.

— 271 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 42/1961

7.

Nao posso compreender (e ninguém o pode) por que há pes-

soas que querem, de preferencia, vir para a Colombia, a fim de di-

v°dir listaos católicos que professam, sem mais, a doutnna do Evangelho e íazem caso de sua unidade na fé, enquanto há aínda tantos

homens nao cristáos no mundo» (texto transcrito de «Herder-Korrespondenz» XIV, fevereiro de 1960, pág. 209).

CORRESPONDENCIA A F (Laguna, SC) :

MlODA

Sobre a origem do homem e a Biblia, veja

"P.R." 4/1957, qu. 1 ; 29/1960, qu. 1.

ESCANDALIZADA (Rio de Janeiro):

O adulterio em caso nenhum

é permitido. Deve ter havido equívoco, na referencia.

VM INTERESSADO (Redfe): Será fácil obter resposta consul tando a última edicáo do índice. Poderá dirigir-se ao R. Pe. Zefenno

de Oliveira, Reitor do Seminario de Ohnda.

A. T. H. e Feo. T. de Salvador, assim como a Ivo (SC), pedimos enderecos.

D. ESTÉVAO BETTENCOURT OS.B.

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual de 1961

Cr$ 200,00

Número avulso de 1961

Cr$ 20,00

Assinatura anual de 1961 (via aérea) ......

Número de ano atrasado Colecáo encademada de 1957

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Colero encadernada de 1958, 1959, 1960 .. Cr? 450,00 (cada urna) REDACAO

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