Umuarama, domingo, 3 e 4 de janeiro de 2009
CRÔNICA 365 DIAS E SEIS HORAS
Acordara revigorado aquela manhã, dia 02 de Janeiro. A ânsia de voltar ao trabalho depois daqueles dias de folga de virada de ano era enorme. Era um Workaholic de carteirinha. Seguindo o ritual que havia criado e evoluído nos últimos 2 anos acordando cedinho para ir ao trabalho, tomou seu café sem açúcar e comeu suas torradas com requeijão. Vestiu seu paletó agradecendo à Willis Carrier que em 1902 inventou o ar condicionado, possibilitando que os executivos tropicais fossem ‘européiamente’ elegantes e, depois de tudo em ordem, pegou sua pasta, entrou em seu carro do ano e foi para o escritório. Entre conflitos de ego com os superiores e subalternos, montanhas de procedimentos para averiguar, conseguia ainda jogar seu charme para as companheiras de trabalho. Por não ter uma vida social muito ativa, era durante o trabalho que ele tentava se afirmar como homem. Os colegas de não acreditavam como ele conseguia, sem atrasar o cronograma do setor, cantar a estagiária e levar um café com pouco açúcar, mas com muitas outras intenções, para a supervisora do financeiro. Utilizava a uma hora e meia de almoço que tinha (e achava muito) para se inteirar da situação do Flamengo, seu time do coração, e das ultimas fofocas da política nacional. Também não perdia de ler as tirinhas sacanas da sessão de quadrinhos. Devidamente relaxado, voltava para sua montanha de afazeres e bate papo com o pessoal do setor de informática onde trabalhava. Isso duraria o restante do turno que se estendia até as 19h, pois adorava fazer um serão. De volta ao lar, ligava a televisão e, enquanto preparava sua lasanha congelada, prestava atenção nas ultimas falcatruas da novela. E era assim, como em todos os dias, terminava a novela, se veste com o pijama e se prepara para deitar. Foi aí que o telefone tocou. Era o Roberto, seu irmão, ligando para desejar um feliz Ano Novo. Assustado foi olhar o calendário e outro ano havia passado. Era 31 de dezembro.
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Às festas e ao veríssimo! Apesar de todo mundo saber que a divisão do tempo é algo arbitrário, o dia em que a terra termina uma volta completa em torno do sol é tomado em consideração para varias coisas sérias e outras nem tanto. O dia 31 de Dezembro é o dia da ressaca moral, igual àquela manhã com dores de cabeça e estomago embrulhado, quando você decide nunca mais beber como na noite anterior e resolver lavar a roupa suja com ex-afetos e alguns desafetos. É nesse dia “ressacal” de fim de ano que decidimos não cometer mais os mesmos erros do ano que passou. E assim como as segundasfeiras são o dia preferido para se começar dietas depois de um domingão farto em gulodices, o primeiro dia do novo ano é o preferido para se começar grandes planos, depois de um ano farto de eventos mirabolantes, de índole duvidosa, bons e maus. Mas da mesma forma que a decisão de segurar a onda na festança nunca vigora, quando nos damos conta estamos nós, no decorrer do ano, fazendo novamente tudo o que planejamos não fazer. Mas já que não seguir as regras é algo muito natural do ser humano, nada melhor do que rir disso tudo, e Luis Fernando Veríssimo ajuda muito nessa hora. Em seu livro Orgias (1989, ed. L± relançado em 2005 pela Objetiva), ele celebra essas horas mágicas das festas, quando as pessoas se divertem pelo simples prazer da diversão e acabam entrando em algumas saias justas e situações cotidianas especialíssimas. Enfim, se é dito que a vida é uma festa, então nada mais normal do que estabelecer regras e não seguilas todas, exceto aquelas que nos mantém vivos (e muitos ainda raramente fazem isso). Várias pessoas se identificarão com os personagens do diálogo abaixo, uma reflexão animada de fim de ano, um pedacinho de uma das crônicas que estão no livro, que vale a pena ser lido por inteiro, como qualquer obra dos Veríssimos. Enfim, que o final de ano tenha sido inspirador e que 2009 seja acima da média. Divirtam-se! - Olhe. - O que é isso? - Aquele livro que você me emprestou. - Eu não me lembro de… - Faz muito tempo. E, na verdade, você não emprestou. Eu peguei. Eu costumava fazer isso. Nunca mais vou fazer. - Você pode ficar com o livro. Eu… - Não! Ajude a me regenerar. Quem fazia essas coisas não era eu. Era outra pessoa. Um crápula. Decidi mudar. Este sou o eu 2006.
Comecei devolvendo todos os livros que peguei dos amigos. Acabou com a minha biblioteca, mas que diabo. Me sinto bem fazendo isto. Outra coisa. Precisamos nos ver mais. Eu abandonei os amigos. Abandonei os amigos! Olhe, vou à sua casa este sábado. - Não. Ahn… - Prometo não roubar nada. - Não é isso. É que… - Já sei. Vamos combinar um jantarzinho lá em casa. A Santa e eu estamos ótimos. Fiz um juramento, na noite de ano bom. Que me regeneraria. E ela me aceitou de volta. Há dois dias que não olho para outra mulher. Dois dias inteiros! Isso era coisa do outro. - Sim. - Do crápula. - Sei… - Eu era horrível, não era? Diz a verdade. Pode dizer. Uma das coisas que eu resolvi é não bater mais em ninguém. Era ou não era? - O que é isso? - Como é que eu podia ser tão horrível, meu Deus? - Calma. Você está transtornado. Vamos tomar um chopinho. - Não! Não posso. Jurei que não botaria mais uma gota de álcool na boca. - Mas um chopinho… - Está bem. Um. Em honra da nossa amizade recuperada. E escuta… - O quê? - Deixa eu ficar com o livro mais uns dias. Ainda não tive tempo de… - Claro. Toma. - E vamos ao chope. Lá no alemão, onde tem mais mulher.