Projeto PERGUNTE
E RESPONDEREMOS ON-LIN.E
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE Diz Sao
Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora,
':"
'£''T
visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
¥_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
.. dissipem e a vivencia católica se fortaleca ^ no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com
d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A
d.
Esteváo
Bettencourt
agradecemos
a
confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXIV OUTUBRO
1993
to
SUMARIO
5
"Tu me seduziste, Senhor...!" (Jr 20,7)
09 Ul
O
UJ
O
Os novos movimentos religiosos "Jesús dentro do judaismo", por James H. Charlesworth
Ainda os Judeus Messiánicos A privatizacao da fé Abstinencia de carne: por qué?
Ul
00
A esterilizacao das pessoas deficientes
o
AIDS e Castidade
a.
O bem e o mal: meniqueísmo?
a.
PERGUNTE E RESPONDEREMOS Publicado mensal
Diretor-Responsável
OUTUBRO 1993 N9 377
o
Estévao Bettencourt QSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico
Sumario
"Tu me seduziste, Senhor...!" (Jr20,7).. 433 Sempre na ordem do dia:
Os novos movimentos religiosos
Dlretor-Adm ¡nittrador:
D. Hildebrando P. MartinsOSB
434
Aínda a crítica dos Evangelhos: "Jesús dentro do Judaismo",
Administrecao e distribuicáo: Edicoes "Lumen Christi"
por James H. Charlesworth
Rúa Dom Gerardo. 40 - 5?'andar - sala 501 Tel.: (021) 291-7122
446
"Quem dlzem os homens que eu sou?"
Ainda os judeus messiánicos
455
Tendencia forte:
Fax (021) 263-5679
Endereco para correspondencia: Ed. "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Impressao e Encadernapao
A privatizacao da fé
462
Surpresa? Abstinencia de carne: Porqué?
467
Discute-se: A esterilizacao das pessoas deficientes . . 471
De grande atualidade: AIDS e Castidade
476
Será? "MARQUES SARAIVA ~
O bem e o mal: Maniqueísmo?
480
GRÁFICOS E EDITORES S.A. re/t: (021) 273-9493 / 273-9447
NO PRÓXIMO NÚMERO: Sudario de Turim: rejeitado o teste do Carbono 14. — "Jesús, Precursor e Anun ciador da Nova Era" (L. Trevisan). - "Nem Bateados nem Casamentos...". - Os Anticoncepcionais e a Ameaca de Estupro. — Manipulacao da Vida Humana. — "Santo Antonio de Categeró": quem era? — O Neocatecumenato. — Um testemunho significativo.
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 números) CR$ 1.000,00 - n? avulso ou atrasado CR$ 100,00 . O pagamento podará ser á sua escolha:. 1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento, cruzado, anotando no
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to do Rio de Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle.
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"TU ME SEDUZISTE, SENHOR. . . !"
UNISANTOS . FAFIS BIBLIOTECA
<Jr20,7)
Esta exclamapao ousada do Profeta Jeremías brotava do coracSo de alguém que fora chamado por Deus a f¡m de anunciar a sua Santa Palavra a um povo incrédulo. No desempenho desta missSo, Jeremías fo¡ aprisionado e
¡aneado numa cisterna para morrer (cf. Jr 37,11-38,13); após muito pade
cer, desabafava-se junto ao Senhor, como quem se queixa de haver sido ludibriado ou chamado para urna tarefa que ele nao imaginava tao ingrata. Apesar de tudo, Jeremías permaneceu fiel a Deus até o fim de sua vida.
O caso de Jeremías é, porassim dizer, um paradigma da sorté que toca
a todos aqueles que desejam firmemente seguir a Deuse tomar-se arautos de sua mensagem de salvacao. Haverá sempre que enfrentar resistencia e incredulidade, pois o plano de Deus é mais sabio do que a sabedoria dos homens e, por isto, nSo cabe dentro da mente de quem o quer julgar se gundo categorías meramente naturais. No Novo Testamento a loucura e o escándalo do designio de Deus se concretizaram na Cruz de Cristo, feita árvore da Vida. Entre os grandes mensageiros da Palavra de Cristo, destaca-se o Apostólo Sao Paulo. Chama do por Deus para anunciar a Boa-Nova, sofreu longa serie de provacoes, que o próprio Paulo enumera em 2Cor 11, 23-27: "Muítas vezes vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes me nos um. Tres vezes fui flagelado. Urna vez apedrejado. Tres vezes naufraguei. Passei um dia e urna noite em alto-mar. Sofri perigos nos ríos, perigos por parte dos ladroes, perigos por parte dos meus ¡rmaos de estirpe, peri gos por parte dos gentios... Mais ainda: fadigas e duros trabalhos, numero sas vigilias, fome e sede, múltiplos jejuns, frío e nudez!". — Apesar de tu do, o Apostólo, fazendo um retrospecto, escrevia no fim de sua vida: "Sei em quem acredítei" (2Tm 1,12). Sim; Paulo sabia que nSo colocara a sua fé num mero homem nem numa faccao humana, mas a entregara a Cristo, que nao havia de o decepcionar. Por ¡sto, em meio as suas múltiplas dores, podia afirmar: "Estou cheío de consolo, transbordo de alegría em todas as nossas tribulacdes" (2Cor7,4). "Sei em quem acreditei..."; eis a fórmula crista que dissipa a reacao
espontánea do Profeta: "Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzír". Ora ser cristao implica entrar na linhagem dos grandes amigos de
Deus, que se deixam seduzir pela Boa-Nova. Esta seduz, porque é bela e profunda, mas será sempre exigente,... exigente porque tudo o que é gran de e nobre vem a ser um desafio. E é este desafio que o S. Padre Joao Paulo II langa a todos os fiéis, ao proclamar de modo insistente em nossos
diasa NOVA EVANGELIZAgAO...
"Sentí no meu coracao um fogo abrasador... Esforcéí-me por contélo, mas nao o conseguí" (Jr 20,9). E.B. 433
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXIV -- N? 377 - Outubro de 1993
Sempre na ordem do dia:
OS NOVOS MOVÍMENTOS RELIGIOSOS
Em síntese: Os Novos Movimentos Religiosos vém-se expandindo de modo a provocar seria reflexSo da hierarqüia e dos leigos católicos. Entre as causas de sua difusao, registrase a enorme carencia de solucoes para os problemas de nosso tempo, carencia que, em desespero de causa, leva a
aceitar propostas irracionais, mágicas, falsamente niveladas. Registrase outrossim o vazio deixado nos fiéis cató/icos por urna pastoral excessivamente voltada para questdes sócio-pol(ticas e económicas.
Se, de um lado, o crescimento dos Novos Movimentos Religiosos impressiona, de outro lado nao se pode esquecer que traz em seu bojo pontos
muito vulneráveis, que podem ser fatores de seu próximo dec/inio: assim a manipulacSo da pessoa humana, o desrespeito á inteligencia e á verdade, o
fanatismo, que tem suscitado crimes e processos ¡udiciários contra esses Movimentos... Da parte da Igreja Católica, requerse urna revisSo de sua pastoral: mais intensa e precisa catequese para todas as ¡dades, com énfase nos pon tos controvertidos pelos nSo-católicos, a revitalizacao do comportamento
de certos setores do Catolicismo atetados pelo secularismo, a renovacao das paróquias, que se devem tornar mais aconchegantes e fraternas, cele brando urna Liturgia viva e participada (que nSo perca o seu caráter hie-
rático ou sagrado).
*
*
*
É sempre — ou cada vez mais — atual o tema das seitas ou, melhor,
dos Novos Movimentos Religiososo (NMR) que invadem as populacdes da América Latina e, em particular, do Brasil. Embora as estatfsticas sejam di-
f icéis, visto que há pessoas de posicao religiosa ambi'gua, diz-se que anual434
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
mente 600.000 católicos se passam para os novos movimentos religiosos no Brasil. Com relacáo á América Latina, o Cardeal Obando y Bravo, da Nicaragua, observava no Consistorio Extraordinario convocado pelo Papa para examinar o fenómeno das seitas: "Em 1900, contavam-se 50.000 pertencentes a denominacoes nSo católicas; em 1967, eram 4.000.000; em 1974, 8.000.000, e em 1985 30.000.000". Podemos dizer que em nossos dias a cifra aínda é bem maior.
0 ritmo de progresso numérico das seitas mostra que nao se trata de um fenómeno passageiro, mas, sim, de algo que tende a se expandir e a se
arraigar, pois 1) se formam familias nSo-católicas, onde a fé católica já nao é transmitida aos filhos; 2) os adultos que aderem a determinada seita, sSo doutrinados tao preconceituosamente contra a Igreja Católica que difí cilmente voltam para ela; nao raro ficam desorientados e vagos em materia de religiao e nao recuperam a fé e o fervor que possam ter tido em seus anos de juventude católica. Consideremos de perto algumas facetas da grave problemática que as-
sim se poe. O assunto já foi abordado em PR 309/1988, pp. 67-77; 325/
1989, pp. 278-283; 364/1992, pp. 386-397. Procuraremos abordá-lo acrescentando novos dados ao que já foi dito. Antes do mais, impoe-se a procura das causas do fenómeno.
1. AS CAUSAS DA DIFUSAO DOS NMR Distingamos causas externas, ou seja, de fora da Igreja Católica, e causas internas, isto é, deficiencias da aca"o pastoral da Igreja Católica. 1.1. Causas externas 1) Verificase que o homem de nossos dias é profundamente carente:
a) carente de bens materiais — o que o torna sujeito á fome, á doenca, á migracao, á baixa escolarizacao, ao subemprego ou ao desemprego...; b) carente de bens espirituais: sentido da vida (por que ou para que vh/er), instrucSo religiosa, experiencia de Deus... Isto tudo torna as pessoas angustiadas e inseguras. A situapá'o se agra
va pelo fato de que há muitos lares destruidos: casáis separados ou mal ca sados, filhos que abandonan) o lar, migrantes deslocados do seu ambiente familiar... Estes dados geram terrfvel sentimento de solidao e a expectativa de urna mao amiga que socorra a quem precisa. 435
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
Ora a esse quadro respondem os NMR. Pregam, numa palavra, a "salvagao", "salvacao" que, antes do mais, toma aspectos emotivos, talando ao coracao, acompanhados de mensagem "maravilhosa". Com efeito; os NMR oferecem respostas que pretendem desvendar o futuro e profetizar em nome de Deus ou resolver problemas de todo e qualquer tipo. Isto sa tisfaz profundamente a todo ser humano pouco crítico, na medida em que é desejoso de conhecer coisas ocultas, desvendar mistéríos, aprender o que há de acontecer... ou resolver o que há de insolúvel: 2) Os NMR oferecem outrossim aos nossos contemporáneos
— calor humano em comunidades pequeñas, coesas, ñas quais cada in dividuo é atendido, valorizado — o que dá a impressao de protecao, segu ranza e recuperacá*o ás pessoas marginalizadas (como sao os divorciados, os migrantes, os filhos fora do lar, a gente desempregada...); — respostas simples e "sob medida" para problemas e situacSes com plicadas; — solucSes "milagrosas", como curas, empregos, éxito na vida... a pessoas que tentaram os meios convencionais para atender ás suas dificuldades, mas nada conseguiram; estáo cansadas de lutar, desanimadas, pres tes, por isto, a aceitar qualquer perspectiva nova de so lucio, ainda que má gica (ou talvez porque mágica). Tais pessoas estao pouco inclinadas a ra ciocinar ou a examinar criticamente o que Ihes é proposto, porque a emotividade e o nervosismo superam o uso da razao;
— mensagem doutrinária proveniente de novas "revelacSes" do Alto,
mesclada a fenómenos extraordinarios (glossolalia, "profecias", transes...). 0 respectivo gurú, pastor ou mestre é tido como "pessoa carísmática", ca
paz de realizar prodigios. Nao cultiva alta intelectualidade, mas exerce cer-
to fasci'nio natural. Este fascínio confere-lhe grande autorid ade; há preci samente pessoas que necessitam de ser comandadas imperiosamente, por que sao indecisas, e ná*o querem assumir a responsabilidade de seus atos;
— apavoramento diante de pretensas intervenpoes do demonio e pos-
sessao diabólica, das quais os dirigentes da seita dizem ter o poder de livrar as vítimas. A expl¡cacao de males e desgracas a partir de ¡nfestacao do de monio é frequeme e impressiona os pacientes (estes, muitas vezes sao ateta dos por doencas nervosas crónicas e feias; já que a medicina nao os pode curar, torna-se-lhes fácil crer que o exorcismo afastará o pretenso demonio provocador da praga);1 1 Ao dizer isto, nao tencionamos negar nem a existencia nem a acao do demonio no mundo. Apenas nos referimos á falsa tendencia de explicar todas as desgracas como efeitosda acao ou infestacáo direta do Maligno. 436
OS NO VOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
— promessa de urna nova fase da historia, que deverá seguir-se a urna
próxima catástrofe mundial. A humanidade será renovada, o mundo será
melhor. Essa "visao nova" (embora proposta sem fundamentacáo) atrai
fortemente o público abatido pela perplexidade e a desorientacao incutidas pela presente fase da historia;
— culto impregnado de apelos as emocóes e aos sentimentos, culto
em que a espontaneidade de cada participante se pode exercercom liberdade. Culto no decorrer do qual milagres ou transformacSes sao aguarda dos. Nao se requer muito catecismo para entendé-lo ou tomar parte nele,
pois nesses NMR ocorre certo antiintelectualismo. A sugestao, consciente ou inconscientemente incutida nessa sessoes de culto, despena certa eufo ria, que leva as pessoas a superar vicios arraigados, como o alcoolismo e o uso de drogas;
— intenso proselitismo, alimentado pela conviccao de que o mundo está sob a acSo do Maligno e o fim dostempos se aproxima ameacador. 1.2. Causas internas
1) Antes do mais, registrase a insuficiente instrucao religiosa do povo
católico - o que o toma indefeso diante do proselitismo dos NMR. Existe vivo senso religioso na populacSo do Brasil, mas desvinculado do estudo ou do aprofundamento das verdades da fé. Isto é terreno fértil para o sin cretismo, o ecleticismo e a própria apostasia religiosa.
2) O número de clérigos e de agentes de pastoral bem preparados é
insuficiente para formar o povo católico. A popula?ao do país vai crescen do, mas nao cresce proporcionalmente o número de sacerdotes e catequis tas.
3) A excessiva preocupacao com os problemas sócio-econdmico-polí-
ticos na pregacao tem afastado muita gente da I groja Católica, levando os fiéis a procurar pequeños grupos que falem calorosamente (embora com pouca profundidade) de Deus Pai, de Jesús Cristo, do Espirito Santo e de seusdons...
4) o culto católico é, ás vezes, celebrado sem que se levem em conta as possibilidades de participacSb dos leigos. Estes se sentem passivos, "anó nimos", perdidos na massa de urna grande assembléia. Este ponto é nevrálgico, pois é certo que o culto n§o pode perder o seu caráter hierático, reverente a Deus e, por isto, disciplinado e regrado; mas também é certo que é o culto prestado por toda a assembléia ou todo o povo de Deus pre sente, de modo que cada um se sinta envolvido por aquilo que é dito e feito na Liturgia sagrada. 437
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
5) O ecumenismo ou diálogo entre irmSos separados nem sempre tem sido adequadamente cultivado. Nao raro se tem caído no relativismo reli gioso ou em concessoes indevidas, que traem a fé católica. Na verdade, é sempre mais fácil ceder ao protestantismo ou a uma nova corrente religio sa do que ser fiel ao Catolicismo, pois este é mais exigente, ao passo que as novas propostas religiosas sao dadas ao subjetivismo, ao sentimento, ao
livre exame da Biblia e dos valores religiosos.
2. PROSPECTIVAS Perguntamos agora: quais as conseqüéncias e os possíveis prognósti cos que o quadro descrito nos aponta?
2.1. Diálogo?
O diálogo ou a troca de idéias com os membros dos novos grupos reli
giosos é, muitas vezes, impraticável, pois eles o recusam. E isto pordois
motivos: 1) em geral, nutrem preconceitos ou mesmo odio em relacSo á Igreja Católica, que eles caluniam e agridem nao raro sem saber justificar o que estao dizendo; 2) receiam nao estar á altura de um debate religioso ou teológico, visto que pouco se dao ao aprofundamento doutrinário. Os respectivos pastores ou ministros recebem formacao sumaria; muito enfatizam as emocoes com detrimento da lógica. Por conseguinte, há pouca ou nula esperanga de que, por vias racionáis, se consiga conter o avango dos NMR. Resta, pois, praticar a norma deixada por S. Agostinho: "Odi erro res, ama errantes (Detesta o erro, ama aqueles que estao no erro)". Esse amor aos irmSos concretizar-se-á na oracá*o por eles e no testemunho de
vida auténticamente crista da parte dos católicos. Onde a emoc§o prima sobre o raciocinio, o brilho de um comportamento coerente e corajosa mente fiel a Cristo e su a Igreja há de impressionar. 2.2. Aspectos frágeis
As estatfsticas, de modo geral, apontam crescimento constante dos
NMR, com prognósticos sombríos para o futuro do Catolicismo na Améri ca Latina ("o continente da esperanca", como dizem). Realmente há moti vos de serias preocupares a propósito. Todavia nao se podem esquecer os aspectos frágeis do fenómeno, aspectos que provavelmente servirlo de di que ao avanco das seitas. Eis o que se pode registrar: 2.2.1. Fanatismo mais ou menos cegó
É certo que varios dos NMR sa*o impulsionados por atitudes patológi
cas: assim, uma excitacao fanática, cega... doentia,... excitacao provocada 438
OS NOVOS MOVIMIENTOS RELIGIOSOS
e alimentada por meios ambiguos, práticas rituais e sermfies que chegam as raías da morbidez. Nao sa*o raros os casos de crimes cometidos no ámbito dos NMR em nome das respectivas crencas. Em parte, tais fatos se compreendem a partir da premissa de que mu ¡tas das pessoas que vao procurar os NMR sao pessoas cansadas, desanimadas, decepcionadas pelos meios de solucao convencionais ou racionáis; a crise mental 6 exacerbada pelas propo sites, nao raro, aterradoras dos dirigentes das seitas. Há também quem julgue que o processo de iniciacao em alguns dos NMR equivale a urna "lavagem de cránio": a pessoa é programada para se comportar e falar de tal ou tal maneira, de modo que deverá ser deprogramada caso venha a deixar o respectivo grupo. — Se nSo chega a tanto, a iniciacao tende a submeter cada vez mais a pessoa á autoridade do mestre ou pastor "esclarecido", sem deixar margem a senso crítico e a objecSes.
— Óigase, alias, mais urna vez: muitosdosque aderem a um NMR querem precisamente ser dirigidos por urna autoridade absoluta, tida como "caris-
mática", porque sa"o inseguros e frustrados pela inclemencia da vida. Tal estado de coisas é perigoso tanto para os individuos como para a sociedade. Por isto também correm processos perante tribunais civis con tra a conduta de determinados grupos religiosos. Alguns Governos da Eu ropa e o próprio Parlamento Eüropeu resolve ram tomar medidas coibitivas; segue-se urna noticia colhida no periódico La Documentation Catno li
gue n? 1878, de 15/06/1984, p. 764: "O Parlamento Europeu, aos 22 de maio de 1984, adotou um 'Códi go de Conduta Comunitaria' frente as seitas na Comunidade Económica Européia (CEE); após longos debates, 98 votos foram favoráveis ao texto, 28 contrarios, ao passo que 26 votantes se abstiveram.
A assembléia modificou levemente o Parecer apresentado sobre o assunto pelo parlamentar conservador británico Richard Cottrell. Entre outras coisas, foi trocado o respectivo título a fim de denegar todo caráter auténticamente religioso ás seitas. Já nao se fala de 'Novos Movimentos Religiosos', mas de "Novas Organizacóes que atuam sob a Cobertura da Liberdade Religiosa'. Esta troca de título tinha por objetivo tranquilizar as comunidades protestantes receosas de que se viesse a combater a liberdade de consciéncia.
O Parlamento convida o Conselho dos Ministros do Interior e da Justica da Comunidade a efetuar um 'intercambio de informacoes' sobre as seitas e as suas 'ramificacoes internacionais', a resolver 'eventuais proble mas' por elas causados, na base dos principios seguintes: 439
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
- jovens de menor idade nao poderlo ser obrigados a pronunciar 'vo
tos definitivos';
- qualquer compromisso 'financeiro ou pessoal' só poderá ser assumido após 'um período de reflexao suficiente';
- após a adesao, a familia e os amigos deverao poder entrar em con tato com o novo membro; a estes se transmitiráo os chamados telefónicos; - todo cidadao gozará do direito de 'deixar livremente qualquer organizacáV e de consultar livremente um médico ou urna pessoa independente;
- nao será lícito impor a quem quer que seja, 'a mendicáncia ou a prostituicao', a título de angariar fundos.
Mais: a Comissao deverá fazer um elenco de dados relativos ás perquisicoes judiciárias eventualmente em curso contra as seitas. Do seu lado, a Federacao Protestante de Franca escreveu em feve-
reiro de 1984 aos Deputados Europeus, solicitando-lhes que votassem con
tra o projeto Cottrell. Em abril do mesmo ano, o Conselho Británico
das Igrejas escreveu-lhes no mesmo sentido. A aversao dos protestantes assim se explica: a liberdade religiosa é indivisível: torna-se difícil tracar clara linha divisoria entre serta e Igreja; o aparato legislativo na Europa
é suficiente para reprimir os delitos". Neste texto destacamos:
- a troca do título "Novos Movimentos Religiosos" por "Novas Organizacoes que atuam sob a Cobertura da Liberdade Religiosa". Esta mudanca visa a denegar todo significado auténticamente religioso ás seitas; estas deturpam ou manipulam, muitasvezes, os valores religiosos; - a recusa dos protestantes, que talvez se deva ao fato de que varias das novas organizares sao oriundas do protestantismo e se dizem filiadas a este.
Pode-se crer que, na medida em que o público tomar consciéncia dos abusos ocorrentes ñas novas organizares, o número de candidatos ás mesmas irádiminuindo.
2.2.2. Desrespeito á Verdade
Outro aspecto vulnerável das Novas Organizares (NO) é o seu carater mais emotivo do que racional. A emocáo nao pode sustentar longas ca440
OS NOVOS MOVIMIENTOS RELIGIOSOS
minhadas, pois cedo ou tarde o homem sadio senté necessidade de dar contas a si mesmo das suas opcSes e da sua escala de valores. Ademáis veri-
fica-se que as NO interpretam as Escrituras a seu,talante, nao raro desfigu rando-as — o que Ihes tira toda legitimidade intelectual. Isto explica por que, entre os membros das NO, nao se encentra algum intelectual de valor. — Tal fato deve, aos poucos, ir limitando a propagacao das NO, pois todo movimentó histórico se difunde na base e na proporcá'o da verdade que ele contém e apregoa. Cedo ou tarde toda mistificacao vem á tona e provoca o repudio da sociedade. 2.2.3. Vida Curta
Chama-nos a atencao o grande número e a crescente proliferacao das seitas. A historia, porém, ensina que as seitas nao tém vida longa. Apare ce m e desaparecem, ao longo dos tempos, como insetos muito prolíferos que duram apenas alguns dias ou algumas horas. Também efémera é a passagem de mu ¡tas pessoas pelas NO; entram nesses grupos e deles saem com relativa fácilidade; acontece, porém, que, ao entrarem, suscitam comentarios e impressionam parentes e amigos, ao passo que, ao sairern, ninguém diz coisa alguma, porque nao raro sedesligam aos poucos. Isto faz crer que há um aumento numérico continuo em favor das seitas; estas parecem estar dominando o cenário.
Eis alguns fatores que atenuam a "pujanea" dos Novos Movimentos e levam a prever um enfraquecimento de sua vitalidade. Como quer que seja, a confianca e o zelo apostólico dos católicos nao se baseiam nos aspectos vulneráveis das seitas, mas, sim, na palavrado Senhor Jesús, que prometeu
estar com os discípulos todos os dias até o fim dos tempos (cf. Mt 28,1820). Impoe-se agora a questao: 3. QUE FAZER?
Sem dúvida, a situacáo descrita é um desafio para a Igreja, que se sente obrigada a rever sua acao pastoral. Tais sao os pontos que parecem mais urgentes:
3.1. Catequese
Diz o Papa Paulo VI:
"Mis ouvimos, no final da grande Assembléia de outubro de 1974, estas luminosas palavras: 'Queremos confirmar, urna vez mais aínda, que 441
10
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
a tarefa de evangelizar todos os homens constituí a missao essencial da
Igreja'; tarefa e missao, que as ampias e profundas mudanzas da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constituí, de fato, a graga
e a vocagao própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou se/a, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da gra pa, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrificio de Cristo na
Santa Missa, que é o memorial da sua Morte e gloriosa Ressurreígao" (Exortagao Apostólica Evangelii Nuntiandin? 14).
Essa tarefa palmar da Igreja se toma mais urgente e exigente em nossos dias, quando se verifica tao débil conhecimentó das verdades da fé en tre os próprios fiéis católicos. A ¡nstrucao religiosa deve atingir todas as idades desde a infancia até a maturidade; há de propor nao somente urna clara explanacao dos artigos da fé, mas também a resposta ás objecoes que nao-católicos fazem aos católicos. A Apologética, um tanto preterida nos últimos anos, impSe-se como tarefa importante, pois muitos católicos nao
sabem o que dizer quando sao acusados de adorar imagens, de idolatrar María SS., de alterar o texto bíblico, etc. — Esta nova catequese deve ser-
vir-se copiosamente do texto bíblico, como alias deseja o Concilio do Va ticano 11:
"A catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na fonte viva da
Palavra de Deus, transmitida na TradígSo e na Escritura, porque a Sagra da Tradigao e a Sagrada Escritura constituem um só depósito invioiávei da Palavra de Deus, confiado á Igreja, como o recordou o Concilio do Va ticano II, desejando que o ministerio da palavra, que compreende a pregagao pastoral, a catequese, e toda especie de instrucSo crista... com proveíto se alimente e sanamente se revigore com a mesma palavra da Escritura"
(Joao Paulo II, A Catequese Hoje, n? 27, citando a ConstituicSo Dei Verbum n°s 10 e 24, do Concilio do Vaticano II).
É também para desejar que a Igreja penetre mais e mais nos meiosde
comunicacao social; cf. PR 364/1992, pp. 398-409. 3.2. Coeréncia de comportamento
"As palavras voam, os exemplos arrastam", diz-se popularmente. Nesta época de antíintelectualismo religioso, toma-se particularmente per suasivo (ou dissuasivo) o tipo de vida que os católicos levam. Requer-se
fidelidade a Cristo, como Ele se apresenta na Igreja por Ele fundada (cf.
Mt 16, 16-19) e governada pelo sucessor de Pedro; a adesio ao magisterio e ás orientacñes do Papa é de valor capital para ilustrar a coesao e a unidade da Igreja. Em nossos dias, fala-se da "privatizacao da religiao", inclusive entre católicos; há aqueles que créem em Cristo, mas nao freqüentam a 442
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
U_
Igreja, nem participam da sua vida, por motivos individualistas e subjeti vos, que sao mortíferos para a vida espiritual do cristao.
3.3. "NáV'aoSecularismo O Catolicismo se debilita pela infiltradlo de concepcSes secularistas, que tendem a reduzi-lo a um sistema de atendimento ao homem com o apagamento do nome de Deus. O transcendental estaría incluido no imá
nente (paradoxo!) e nao precisaría de ser explicitado. É claro que tal mentalidade é apta a desfigurar o Catolicismo e tirar-lhe a identidade. Os valo res religiosos, a cosmovisao de fé, as expressSes do Cristianismo hao de ser constantemente sustentadas pelos fiéis, sob perigo de trair o Cristo e o
Evangelho. Numa sociedade pluralista como a nossa, o transcendental po de e deve ser nítidamente proclamado. 3.4. As Paróquias As paróquias sao as células-chaves necessárias da Igreja. Verifica-se,
porém, que, com o aumento demográfico, a escassez do clero e o insufi ciente comprometimento dos leigos, o estilo da paróquía tradicional já
nao é bastante para atender aos fiéis, em mu ¡tos lugares. A revitalizacáo
da paróquia se torna indispensável. é para desejar que se torne urna comu-
nidade de comunidades, contendo dentro de si núcleos menores, nos
quais as pessoas se sintam acolhídas fraternalmente, rezem juntas, partidpem da Eucaristía sempre que possível, e vivam a fraternidade crista. Os NMR dao grande importancia a vida comunitaria e fraterna; é isto que
atrai muitos fiéis, que nao encontram a ocasiao de participar de urna vida mais fraterna ñas paróquias tradicionais. 3.5. A Liturgia
O anseio de participar tende a se exercer muito especialmente ñas celebracóes litúrgicas. Daí a conveniencia de urna revisao do nosso modo de celebrar; seja tao aberto aos fiéis leigos quanto o permitem as rubricas
(nao mais, porém, do que isto). é oportuno que os fiéis católicos sejam
instruidos a respeito do significado dos gestos e símbolos da Eucaristía, do Batismo, dos Sacramentos e sacramentáis em geral. Orem em comum, cele brando, na medida do possível, a Liturgia das Horas, muito rica em textos bíblicos, cantos e silencio contemplativo. Sao estas algumas sugestSes que podem contribuir para responder ao premente desafio das seitas. Em cada regiao toma rao suas características próprias. 443
_12
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
Concluiremos acrescentando
4. A PALAVRA DO PAPA A Santa Sé e os Bispos de países atetados pelas seitas (também os de outros continentes o sao) tém-se dedicado á consideracao do assunto, valendo-se do subsidio de peritos diversos. O Papa Joao Paulo II tem-se mostrado particularmente interessado pelos tatos, tendo em vista especialmente o continente latino-americano.
Assim a um grupo de Bispos do Perú em visita ad limina, no ano de 1988, dizia: "Verifico que, nos diversos países da América Latina, o problema
n9 1 é, sempre mais, o problema das seitas...
Este assunto deve constituir um motivo suplementar de zelo pastoral, que nos leve a organizar e por em prática urna acáo evangelizados, para a qual precisamos de agentes de Pastoral devidamente formados e impregna dos de grande espirito apostólico".
0 Santo Padre insiste na necessidade de urna catequese renovada e mais penetrante, a fim de consolidar a té dos tiéis católicos, tao exposta as invectivas de pregadores de tora:
A Catequese deverá ser "um objeto prioritario nos planos orgánicos da Pastoral voltada para o futuro" (Aos Bispos de El Salvador em 1984). Aos Bispos do México em 1982 dizia o Pontífice: "A formacao crista mediante a catequese levará a urna participacSo mais ativa na vida litúrgica e sacramental da Igre/'a. Assim o povo simples encontrará na Liturgia e na piedade popular motivacdes para dar contas de sua fé. Desta maneira a atividade proselitista das seitas poderá encontrar um freio que contenha as ambigúidades e as confusdes que elas disseminam" (Discurso em Veracnjz). 0 Papa lancou outrossim um apelo ao povo mexicano, valendo-se do amor desse povo á Virgem de Guadalupe, e levando em consideracao espe cial aqueles que se deixaram atrair pelas seitas: "Quisera encontrar-vos um por um para dizer-vos: 'Voltai ao seio da Igreja, nossa Mae\ A Virgem de Guadalupe... nao vos pode engañar. Ela 444
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
sempre esteve ao vosso lado, em todas as circunstancias da vossa vida; e
ela vos escutou em todas as vossas necessidades. Talvez, como aconteceu a Juan Diego, preocupacoes espirítuais e materiais vos tenham levado a furtar-vos a um encontró com a Santíssima Virgem e a vos afastar déla. Talvez tenhais ju/gadó também que, para atingir o bem-estar económico,
era preciso deixar de lado a fé católica. A estes motivos poder-se-iam
acrescentar outros muitos, como o de vos sentirdes mais acolhidos num pequeño grupo de pessoas que se conhecem mutuamente e que se ajudam
urnas ás outras. Por isto eu vos convido calorosamente a considerar isso tudo diante da Virgem de Guadalupe. E a sentir que, como e/a fez em favor de Juan Diego, ela vos a/udará em todas as vossas solicitudes e an gustias, dizendo-vos hoje mais urna vez: 'Nao estou aqui eu, tua Mae?'. Por conseguinte, voltai sem medo\ A Igreja vos espera de bracos abertos,
para que encontréis de novo o Cristo. Nada alegraría tanto o coracio do
Papa, durante esta viagem pastoral ao México, do que o retorno, á Igreja, de todos os que se afastaram".
Nao faltam, pois, incentivos a urna tomada de posicá"o coerente dian te do fenómeno dos NMR. Possam os "sinais do tempo" calar fundo no ánimo da hierarquia e do laicato católicos, provocando a esperada resposta!
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Unidade na Pluralidade, por Alfonso Garci'a Rubio. - Ed. Paulinas, Sao Paulo
1989,135x210 mm, 578 pp.
O subtítulo do livro soa "O ser humano á luz da fé e da reflexao cristas". A obra vem a ser um tratado de Antropología Teológica, que abrange diversos aspectos da te
mática, de maneira erudita e profunda, numa perspectiva quase enciclopédica. O autor cita as teorías existentes sobre os varios pontos do tratado, ás vezes de maneira tal que o leitor difícilmente consegue depreender a posicao finalmente adotada pelo Pe. Gar cía. Pode-se dízer, porém, que, embora exponha muitas sentencas nem sempre ortodo xas, o autor guarda a reta doutrina de pontaaponta em seu livro. Os dois segmentos
nevrálgicos do tratado de Antropología Teológica sfo: o da constituicao psicossomática do homem (corpo e alma distinguenvse entre si?) e o do pecado original. No tocante ao primeiro, o autor combate veementemente o dualismo (a materia seria má, e o espi rito bom), mas defende a dualidade (a materia e o espirito se diferenciam um do outro, mas sem antagonismo ontológico); "nao é lícito passar do dualismo ético para o dualis mo metafísíco" (p. 90); por conseguinte, a ressurreicao dos seres humanos em geral se dará no fim dos tempos como ensina a Escritura (cf. Jo 60,40; 1Cor 15,22s; 1Ts 4, 15-17), e nao logo após a morte do individuo. Quanto ao pecado original, o autor disserta longamente sobre o assunto; mas conserva os elementos ensinados pelo magisterio da Igreja: elevacao dos primeiros pais
(Continua na pág. 454) 445
Ainda a crítica dos Evangelhos:
"JESÚS DENTRO DO JUDAISMO'
por James H. Charlesworth
Em sintese: James H. Charlesworth, pesquisador protestante, prescin de da fé e procura entender os Evangelhos e a figura de Jesús a partir de documentos e monumentos do judaismo. 0 livro levanta hipóteses e cita sentencas de autores diversos, sem chegar, por vezes, a unta conclusSo. Contudo o resultado do confronto de Jesús com os testemunhos do judaismo é, de modo geral, favorável a clássica imagem que se tem de Je sús; o autor afirma mais de urna vez essa concordancia, e poderia fazé-lo com mais freqüéncia no decorrer da sua obra, se nSo fosse tao dependente de preconceitos racionalistas.
James H. Charlesworth é professor do Princeton Theological Seminary da Universidade de Princeton. Escreve mais um livro sobre Jesús, abstraindo da fé e dedicando-se únicamente á considerado de documentos que possam esclarecer a pessoa e a obra de Jesús Cristo no plano mera
mente humano1. É assim urna obra que se justapoe á de Johm P. Meier, já analisada em PR 376/1993, pp. 406420. Ambas préscindem da fé e procuram o chamado "Jesús real" atravós dos elementos fo meci
dos pela literatura antiga extra-bíblica e pela arqueología. Sao livros que R. Pompeu de Toledo citou no seu famoso artigo sobre Jesús em VEJA de 23/12/1992, pp. 48-59, como se fossem revolucionarios ou aptos a desfazer a clássica imagem de Jesús; na verdade, trata-se de colecSes de sentencas hipotéticas, que em parte destroem urnas as outras, tentando fugir do Jesús do Cristianismo. Como se verá, o livro de James H. Charles worth (como o de John P. Meier) é interessante pela documentacáfo que
1 James H. Charlesworth, Jesús dentro do Judaismo. TraducSo do origi nal inglés Jesús within Judaism, por Henríque deAraujo Mesquita. /mago
Editora, Rio de Janeiro 1992 (2a. edicao), 155 x 210 mm, 267 pp. 446
"JESÚS DENTRO DO JUDAISMO"
1S
cita, mas pouco diz de novo que exija a aceítacSo de um pesquisador sincero.
Examinemos, pois, o conteúdo de tal obra.
1. CONSIDERACOES GERAIS Charlesworth anuncia no subtítulo de seu livro: "Novas Revelacoes a partir de Estimulantes Descobertas Arqueológicas". O sumario do livro apresenta os documentos que contém as "novas revelacoes": 1) os Pseudoepígrafos (apócrifos) do Velho Testamento (cap. 2); os Manuscritos do Mar Morto (cap. 3); 3) os Códices de Nag Hammadi e Flávio José (cap. 4); 4) a Arqueología da Palestina (cap. 5). O último capítulo (cap. 6) do livro tem por título: "O cortee¡to que Jesús tinha de Deus e sua Autocompreens3o".
Além destes estudos, Charlesworth esbopa o rumo das pesquisas so bre o Jesús histórico nos anos de oitenta (pp. 27-44 e pp. 201-218).
Pode-se dizer que as "revelacSes" aduzidas nada tém de propriamente novo. O autor se detém sobre trechos'de manuscritos amigos (judeus e ná"o judeus) e cita os mais diversos comentarios de estudiosos que véem ou nao véem pontos de contato entre esses textos e os dizeres dos Evangelhos canónicos; o leitor é colocado diante de longos e cansativos "vai-e-vem" do arrazoado de Charlesworth, que passa de algumas sentencas ás suas antíteses e geralmente concluí em termos favoráveis á autenticidade ou eredibilidade do texto do Evangelho. Assim o livro de Charlesworth pouco tem do sensacionalismo ou da índole revolucionaria que Pompeu de Toledo e outros escritores mal infor mados Ihe querem atribuir. O próprio Charlesworth confessa que foi cético em relacao á historicidade dos Evangelhos, mas reviu sua posicao e se tornou adepto daquilo que ele negava:
"Durante anos citei com aprovagSo o queja nSo posso endossar. Refiro-me á seguinte citagSo do livro de Rudolf Buftmann Jesús and the Word:
'Eu pensó que agora quase nada podemos saber sobre a vida e a personalidade de Jesús, já que as primeiras fontes cristas nao mostram interés-
se em qualquer das duas e que nao existem outras fontes sobre Jesús' (p. H).
447
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
... A compreensao que Bultmann tem das fontes cristas, a saber, a tradicao subjacente á redacao dos Evange/hos, é muito diferente da minha própria. Difiro de Bultmann nao só em conclusao, mas também em me todología" (pp. 146s). Em varias passagens de seu livro, Charlesworth aponta a semelhanca de expressoes existentes na literatura extra-bíblica (judaica, gnóstica) e nos Evangelhos: tais seriam "agua viva" (p. 93), "perdoai-nos as nossas ofen sas..." (p. 67}, a idéia de que Deus julgará os homens (p. 56)... Ora ponde remos, de um lado, que existem conceitos dependentes da religiosidade natural de todo homem e anteriores as concepcdes judias e cristas; por isto nao nos surpreendemos ao encontrá-las em documentos judeus e cristaos; nao significam dependencia de uns em relacao a outros. De outro lado, sa bemos que o Cristianismo se sitúa na continuidade do judaismo como tér mino e consumacao das expectativas de Israel; por isto é natural encon-
trarmos no Cristianismo alusSes a proposicdes do judaismo ou abonadas ou ampliadas ou ratificadas. Dito isto, percorramos as principáis conclusSes a que chega Charles worth em sua obra.
2. TRACOS MARCANTES 2.1. Jesús e os Pseudo-epfgrafos (apócrifos) do Velho Testamento (cap. 2) Neste capítulo de seu livro Charlesworth considera a literatura apo calíptica judaica, os escritos escatologistas (que proclamavam o fim dos
tempos para breve), a consciéncia do pecado e a necessidade do perdao expressa pelos apócrifos... Refere-se a comentadores diversos... E conclui muito sobriamente: "A plena signif¡cacao dos pseudo-epígrafos para a pesquisa sobre Je sús aínda nao foi contemplada ou escrita. Mas está-se tornando clara a im portancia que os pseudo-epígrafos tém para a compreensSo do judaismo
anterior a 70 e do próprio Jesús" (p.67).
Como se vé, o autor ná*o ousa adiantar-se num terreno que ele consi dera ainda insuficientemente explorado. 2.2. Jesús e os Manuscritos do Mar Morto (cap. 3) Sabe-se que se trata de documentos de judeus (monges essénios pro-
vavelmente) encontrados em 1947 e nos anos seguintes ñas grutas de 448
"JESÚS DENTRO DO JUDAISMO" Qumran a N.O. do Mar Morto. Os judeus que para lá se retiraram a partir de meados do século II a.C. viviam na oracáb e no trabalho, aguardando a próxima vinda do Messias.
Após citar textos judaicos e compará-los com o Evangelho, concluí Charlesworth:
"Sem sombra de dúvida, a importancia mais significativa, e nao sujeita a controversias, dos Manuscritos do Mar Morto para a pesquisa sobre Jesús é a luz que lancam sobre um período anteriormente obscuro. Pene trar no mundo dos Manuscritos do Mar Morto equivale a merguihar no
tempo e no ambiente ideológico de Jesús. Os Manuscritos fazem mais do que revelar o panorama ideológico da vida de Jesús ou o espirito do tempo
(Zeitgeist) que ele conheceu. E/es e os objetos encontrados no mosteiro de Qumran também refletem tímidamente os contextos social e económico dos judeus palestinos anteriores a 70 E.C. Além destes curtos comentarios, os Manuscritos do Mar Morto — jun tamente com os Pseudo-epigrafos e a Mishná — habilitam-nos a comecar a avallar os tragos distintivos da teología do próprio Jesús. Esses antigos tex tos judeus proporcionam a estrutura a partir da qual podemos estimar a 'singularídade' de Jesús de Nazaré. Comecam a aparecer os contornos do
Jesús histórico, e é surpreendente discernir como é verdade que a génese e o genio do mais antigo Cristianismo e a única razSo pela qual ele se distinguiu do judaismo encontrase essencialmente numa vida e numa pessoa. Em resumo, podemos afirmar que a máxima de Renán, tantas vezes
citada, de que o Cristianismo é um essenismo que teve éxito, é simplista e distorcida. O Cristianismo nao se desenvolveu a partir de urna 'seita' na periferia de um judaismo normativo. 0 Cristianismo se desenvolveu a par tir de muitas correntes judaicas; nao houve urna fonte ou trajetória única. Jesús é o fundador do Cristianismo. Ele naturalmente nSo era um essénio; mas pode ter partí/hado com os essénios mais do que a mesma nacSo, tem po e lugar" (pp. 87s). Como se vé, o autor, quando nao confirma as proposicoesdo Cristia nismo clássico, se limita a afirmacSes vagas e pouco significativas. 2.3. Jesús e os Códices de Nag Hammadi e Josefo (cap. 4) Os Códices de Nag Hammadi safo documentos descobertos no Alto Egito, perto de Nag Hammadi. Dois irmaos camponeses lá encontraram
um jarro de cerámica vermelha, em cujo interior havia doze códices de 449
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
papiro escritos em copta ou cinqüenta e tres escritos antigos. Muitos destes eram de origem gnóstica1, outros de origem judaica. Charlesworth se detém sobre o Evangelho de Tomé, apócrifo, ai'en contrado: o lógion ou a sentenca 101 desse texto tem afinidade com Le
14.262 ... O pesquisador procura definir o parentesco existente entre um e
outro texto; formula interrogacóes, para as quais nao oferece resposta. E concluí:
"é obvia a importancia do Evangelho de Tomé em nossa busca dos
ditos do Jesús histórico" (p. 101).
"O Evangelho de Tomé e, portanto, o copta sao fontes e instrumen tos para toda a futura pesquisa sobre o Novo Testamento, especialmente seu aspecto que é rotulado de 'Pesquisa sobre Jesús'" (p. 102).
Realmente é muito magro o resultado das ponderales de tantas
xr. r-
o
rq *• c
2
2
3 " 2 3
páginas do capítulo.
A seguir, no mesmo capítulo 4, Charlesworth se volta para um texto
do historiador judeu Flávio José, que ñas suas Antiguidades Judaicas (18.63-64) escreveu: "Por volta desse tempo, havia Jesús, um homem sabio, se com
efeito o devemos chamar um homem. Pois ele era alguém que praticava
feitos surpreendentes (e) um mestre de pessoas que recebiam o extraordinário com prazer. Ele motivou muitos judeus e também muitos gregos.
Ele era o Cristo. E, quando Pilatos o condenou á cruz, jé que ele era acusado por aqueles da mais alta categoría entre nos, os que o haviam amado (desde) o inicio nao pararam (de causar perturbacoes), pois ele Ihes apareceu ao terceiro dia, tendo novamente vida, como os profetas de Deus
haviam previsto esta e outras coisas maravilhosas a seu respeito. E até
agora a tribo dos cristaos assim chamados por causa dele (aínda?) nSo se extinguiu".
' O gnosticismo é urna corrente filosófico-religiosa dos sáculos H/lll, que
fundiu entre si elementos Judaicos, elementos da mística oriental e da fi
losofía grega.
7 Le 14,26: "Se alguém vier a mim e nSo odiar seu próprio pai, sua mié e
sua mulher, seus filhos, seus irmaos e irmas, e mesmo a si próprio, nSo po de ser meu discípulo".
Notemos que o verbo grego misein (odiar), no caso, tem significado original semita: quer dizer "amar menos" (e nao odiar propriamente)....
amar menos pai e mae... do que Jesús.
450
"JESÚS DENTRO DO JUDAl"SMO"
19
Charlesworth reconhece que as alusdes elogiosas a Jesús (postas em negrito) nao podem ser da pena do judeu Flávio José, mas sao interpola res cristas. Este fato sugere a Charlesworth oito páginas de ponderales sutis, após o que escreve:
"A existencia de Jesús nao pode ser provada aos céticos pelas narra tivas do Novo Testamento, porque estas estio obviamente predispostas a
favor de Jesús. Certamente, Flávio José nSo é pró-Jesus na versao árabe
das Antigüidades 18, as quais, como o erudito judeu Fines corretamente julga, apesar de seu retrato mais favorável, tém essencialmente 'urna atitude de nao comprometimento' com relacSo a Jesús" (p. 108). "A recensao grega do texto de Flávio José, sem as interpolacoes cris tas, revela como um judeu do primeiro sáculo provavelmente qua/ificava Jesús: efe era urna pessoa rebelde e um perturbador da frágil paz, mas era
também urna pessoa sabia que praticava obras 'surpreendentes', talvez mesmo maravilhosas, e foi seguido por muitos judeus e gentíos" (p. 109). Mais urna vez Charlesworth nao chega a conclusQes claras e satisfatórias. Diz e nao diz. "Chove e nao mol ha".
2.4. O Jesús da historia e da arqueología da Palestina (cap. 5) Charlesworth estuda os vestigios da Jerusalém e da Palestina do tempo de Jesús; principalmente Cafarnaum e os monumentos relativos ao fim de vida de Jesús sao considerados. Em conclusao lemos:
"Por mais que isso tenha parecido incrível antes, os arqueólogos nSo estao jogando pedras no caminho da fé crista. Em termos da historia do Novo Testamento, estao mostrando a areia e o leito de rocha em que se fundamenta a fé. A pesquisa sobre Jesús é influenciada pela pesquisa ar queológica. O Jesús da historia é agora menos incompreensível, gracas a
arqueología da Palestina" (p. 142). Em particular, Charlesworth admite com probabilidade que foi des-
coberta a casa de Jesús em Cafarnaum (p. 129). É contrario aos que negam a historicidade do Evangelho segundo Sao Joao: "Nao se pode por de lado Joao como um documento desprovido de informacao histórica" (p. 136).
No tocante ao túmulo de Jesús, Charlesworth reconhece a autenticidade do Santo Sepulcro incluido na basílica do mesmo nome em Jerusa lém; esta igreja recobre também o Calvario, onde Jesús esteve crucificado.
O autor rejeita explícitamente o chamado "Túmulo do Jardim", que está 451
20
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
distante da basílica e é tido como o sepulcro de Jesús pelos protestantes. Eis as suas palavras:
"O chamado Túmulo do Jardim , que a maioría dos peregrinos a Je-
rusalém hoje presumem (como Ihes é ruidosamente informado) ser o
túmulo de Jesús, nao pode ser o seu túmulo. Foi descoberto apenas no século passado (em 1867) e anunciado como sendo o túmulo de Jesús por
um herói militar, o general Charles George Gordon, em 1883. As escavacoes demonstram que o túmulo nao pode sequer ser herodiano. G. Barkay concluí um estudo do Túmulo do Jardim com as seguintespalavras: 'Com
base em todas as provas, parece claro que a cova do Túmulo do Jardim foi abena na fdade do Ferro II, o período do Primeiro Templo, entre os séculos oito e sete A.E.C. Nao voltou a ser usada para fins funerarios até o pe ríodo bizantino. Portanto, nao poderla ser o túmulo onde Jesús foi enter rado' (páginas 56-57). Ver Barkay, The Garden Tomb: Was Jesús Buried Here?, BAR 12 (1986) 40-57" (p. 173, nota 24). 2.5. O Concertó que Jesús tinha de Deus e sua Autocompreensao
(cap. 6)
Charlesworth analisa o apelativo abbá (Pai querido), que Jesús atribuiu a Deus, e observa: "Jesús escolheu usar abba e nao abinu quando se dirigía a Deus, e punha urna énfase singular nessa palavra Abba. Era sua maneira habitual
de se referir a Deus e de chamá-lo. Nao será concebível que ténha chama
do Deus de Abba porque tinha urna concepcao de Deus que era, de algumas maneiras, diferente daquela da maioría dos seus contemporáneos? Muítos antigos ¡udeus tendiam a conceber Deus como distante, só visitando a humanídade através de intermediarios, como os an/os, como sabe mos por estudar os Pseudo-epígrafos e os Manuscritos do Mar Morto. Je sús percebeu que o próprio Deus estava muíto próximo e que se importava diretamente com cada pessoa, mesmo (e talvez especialmente) com os pecadores"(pp. 148s). O autor nao vai mais longe porque prescinde da fé. Julga, porém, aos olhos mesmos da razao, que Jesús se diferenciou dos outros homens em seu trato com Deus Pai.
Quanto á consciéncia que tinha de si mesmo, o autor reconhece que
é difícil definí-la, pois isto significaría penetrar no íntimo de alguém que viveu, como homem na térra, há quase vinte sáculos. Como quer que seja, Charlesworth se fixa em tres momentos da vida de Jesús, nos quais descobre a nocao que Jesús tinha de estar exercendo urna missao de alcance trans452
"JESÚS DENTRO DO JUDAl'SMO"
cendental: 1) a vocacao dos doze Apostólos (cf. Mt 10,1-4; Me 3,13-18; Le 6,12-16), correspondentes ás doze tribos de Israel, e pilastras do novo povo messiánico; 2) a entrada triunfal em Jerusalém, na qual Jesús afirmou sua messianidade {ou permitiu que a afirmassem); 3) a parábola dos vinhateiros homicidas, que termina descreyendo de antemáo o morticinio
do Filho, herdeiro, por parte dos locatarios da vinha (os maiorais de Is rael), conforme Me 12, 1-9; Mt 21, 33-46; Le 20, 9-19; ao narrar esta pa rábola, Jesús se apresentava como o Filho de Deus enviado pelo Pai para converter os homens, mas massacrado por estes (como de fato aconteceu). Eis os dizeres de Charlesworth:
"Como compreendemos ao estudar o ato simbólico, de Jesús, de
escolher doze discípulos, ele tinha a intencao clara de se envolver de algu ma maneira com a contribuicao de estabelecer urna nova era messiánica. Alguma autocompreensSo messiánica pode muito bem ter sido parte de sua autocompreensSo. Essa autopercepcSo também parece exigida pela maneira como entrou em Jerusalém, cava/gando um animal e aceitando as saudacoes. Ele também provavelmente pensou em si próprio, de alguma maneira, como alguém que foi enviado a Jerusalém presumivelmente para mqrrer e como o filho retratado no cerne auténtico da Parábola dos Vi nhateiros Maus" (p. 170).
3. CONCLUSÁO
Como se depreende, o livro de Charlesworth, em seu conjunto, nao é destruidor dos clássicos dados da fé crista. Verdade é que considera hipóteses pouco fundamentadas de certos críticos, hipóteses que podem deixar perplexo o leitor, mas que nao passam de concepcoes subjetivas, alheias á grande corrente da Tradica o e á pesquisa objetiva.
'
Como estudioso que prescinde das proposicoes da fé, Charlesworth em sua conclusao julga poder transmitir o seguinte retrato de Jesús:
"Jesús existiu; sabemos mais sobre ele do que a respeito de qualquer outro fudeu palestino antes de 70 E.C. Ele era urna pessoa real, que viveu na Palestina, crescido na Ga/iléia.
Os seguintes aspectos de sua vida sao relativamente fidedignos: ele manteve algum relacionamento com JoSo Batista (que certamente o batí-
zou), comecou seu ministerio público em Cafamaum, chamou homens e
muiheres que o seguissem (inclusive um grupo especial de doze), praticou curas (provavelmente também exorcismos), era um pregador itinerante que proclamou a proximidade (e mesmo, por momentos, a presenca) do 453
22
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
Reino de Deus, ensinou que Deus devia ser concebido como um pai amo
roso (Abba), pode ter tido alguma autocompreensao messiánica, provavel-
mente de algumas formas se tinha na conta de fi/ho de Deus, possivelmente enfrentou sem medo a premonicao de que sería assassinado (talvez apedrejado), mas, nao obstante, depois de um período desconhecido de pregacao pública na Galiléia, foi para o Sul, para Jerusaiém, onde com ousadia e éxito demonstrou seu desprezo pela corrupcio no Templo durante urna confrontacao pública com a casta sacerdotal, sofreu por causa da traició de Judas e da negacao de Pedro, e terminou morrendo ignominiosa mente numa cruz, do lado de fora da mura/ha ocidental de Jerusaiém, na primavera de 30 E.C." (p. 182).
É certo que, mesmo prescindindo das proposites da fé, seria possível afirmar ainda varias outras verdades históricas a respe¡to de Jesús.
Charlesworth nao foi tao longe quanto podia ir dentro do seu projeto, mas nao perturba essencialmente a imagem de Jesús que a fé concebe (nao a fé cega, mas a fé ilustrada por serio estudo).
Como quer que seja, o livro nao é de fácil leitura; supoe um usuario já iniciado em estudos bfolíeos e cristológicos. A propósito ver Francois Dreyfus, Jesús sabia que era Deus? Ed. Loyola 1987. Rene Latourelle, Existiu Jesús? Ed. Santuario 1989. •
*
*
(Continuacao da pág. 445.) ao estado de justica original (ainda que concedida em germen ou em principio apenas) e perda desse dom interior por causa da soberba e desobediencia dos primeiros pais; nos descendentes de AdSo e Eva o pecado original nao é culpa pessoal, mas a carencia da fustiga original, que os primeiros homens deviam ter guardado e transmitido (cf. pp. 559-562). Cremos que o livro apresenta páginas muito úteis e proficuas ao estudioso, mas é de leitura pesada por causa de fatores varios: excessiva preocupacao com a necessidade de evitar o dualismo (antagonismo) entre corpo e alma, preocupacao que leva o autor a explicacoes sutis (cf. pp. 258-292); o leitor pouco conhecedor do assunto pode fácil mente concluir que o Pe. Garci'a professa o monismo "corpo-alma" — o que na verdade nao é o pensamento do autor. Registram-se também elucubracoes longas demais sobre civilizapáo industrial (cf. pp. 30-65), América Latina e política (cf. pp. 406-430)... 0 autor tenciona abordar todos os aspectos do tratado; parece que o faria com mais proveito para o leitor, se escrevesse obra mais enxuta e clara. E.B.
454
"Quem dizem os homens que eu sou?"
AÍNDA OS JUDEUS MESSIÁNICOS
Em síntese: Há atualmente algumas correntes de judeus que professam a fé em Jesús Messias. Sao hostilizados por seus compatriotas israeli tas, mas dizem-se plenamente judeus, coerentes com as premissas do ju daismo, pois reconhecem o Messias prometido aos Patriarcas e i anunciado
pelos Profetas.
Verificase, porém, que esses judeus até hoje nao se filiaran) ao Cris tianismo enquanto é instituicao ou Igreja, ou, caso se tenham filiado, tendem a formar um grupo á parte. A razio deste fato é, em parte, o ressentimentó neles existente em conseqüéncia dos litigios havidos entre judeus e cristaos no passado; é também o amor ás tradicoes culturáis do judaismo, que eles desejam guardar, em vez de adotar as expressoes culturáis do Ocidente.
Embora se compreendam as razoes subjetivas assim aduzidas, nao se pode esquecer que o Cristianismo é essencialmente Sacramento, em que
Deus vem aos homens por sinais sensfveis, inseparáveis uns dos outros:
Jesús Cristo e sua humanidade, a Igreja, os sete sacramentos. 0 misterio da Encarnacao de Deus é central no Cristianismo.
É de se esperar que a graca de Deus inspire esses irmaos e os leve a
dar os próximos passos decorrentes de sua adesao a Cristo, reconhecendo o Corpo de Cristo M/'stico, instituido pelo próprio Senhor Jesús (cf.
Mt16, 16-19).
*
*
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Em PR 375/1993, pp. 345-348 demos notfcia de que, em Israel e na Diáspora, há judeus que aceitam Jesús como Messias e, por ¡sto, sofrem re presalias por parte do povo ¡sraelense. — Voltamos agora ao assunto aduzindo novos e interessantes dados. Na verdade, distínguem-se quatro modalidades de judeus que aceitam Jesús — o que certamente torna a questao assaz matizada e complexa. Consideremos cada qual de per si. 455
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1. JUDEUS PERTENCENTES A COMUNIDADES CRISTAS Em varias comunidades cristas — católicas, protestantes, ortodoxas — existem judeus espontáneamente batizados, que professam a fé em Jesús como Messias. Todavía tém consciéncia de ser inteiramente judeus e querem ser considerados como tais. Nao véem descontinuidade entre o Deus de Abraao, Isaque, Jaco, Moisés, Elias, Davi, Salomao... e o Deus Pai de Nosso Senhor Jesús Cristo. Julgam ter uma vocacao específica dentro do Cristianismo: seria a de combater o anti-semitismo em qualquerde suas expressoes e fomentar a compreensao mutua e as boas relacoes entre cris taos e judeus. Para tanto, foi fundada no seio da Igreja Católica na térra de Israel a chamada "Obra de Sao Tiago", cujo Estatuto foi aprovado pelo Pa
triarca Latino de Jerusalém, Mons. Alberto Gori, aos 11/02/1956: as nor mas ¡nsistem sobre formacao bíblica, procura de compreensao do misterio
de Israel e a vivencia de uma espiritualidade crista correspondente á cultu ra judeo-crista.
Além de tais judeus que na térra de Israel professam abertamente a sua fé cristl, existem cripto-cristaos, ou seja, judeus que foram batizados espontáneamente em térras da Diáspora e se transferiram para Israel. Neste país abandonaram toda prática religiosa, nao, porém, a fé crista. Esta ou permanece acesa, mas oculta e serenamente guardada, ou pode estar sofrendo a ameaca de enfraquecimento, á semelhanca do que se deu du rante dois séculos com os cristaos escondidos (Kirishitan) do Japao. Nao se tem estatística desses cripto-cristaos de Israel; as noticias anunciam 3.000 ou até mesmo 35.000 pessoas. 2. OS JUDEUS MESSIANICOS Em Israel existem, além dos judeus pertencentes a comunidades cris tas, judeus que constituem comunidades Messiánicas (Yehudim Meschichiyim), nao filiadas a algum grupo cristao. Tém existencia tío patente que vém mencionados num verbete próprio de um Dicionário Hebreu: HaMillon heChadash, de A. Even Shoshan. O judeu messiánico professa a fé em Jesús Cristo, fé que os israelitas consideram uma degenerescencia de suas tradigoes religiosas e assemelham
a uma crenca nao judaica; os israelitas os tém como escandalosos por aderirem a um Cristianismo hebreu (o Cristianismo deyeria ficar reservado
aos nao-judeus, conforme os israelitas ortodoxos!). É inconcebíbel a um
israelita ortodoxo que um judeu creia em Jesús Messias e, apesar disto, queira viver como membro do povo de Israel na sua térra nacional. Os clássicos israelenses, e também muitos cristaos, julgam que o judeu convertido a Cristo já nao pode ser considerado como auténtico judeu. Mesmo que 456
aínda os judeus messiánicos
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o judeu messiánico more e trabalhe em Israel, fale a Ifngua nacional, pague seus impostos, preste sen/ico militar,... permanece o sentimento geral de que ele n3o é propriamente judeu. Tem havido até mesmo violencia e perseguicao a esses cidadaos por parte de grupos religiosamente fanáticos.
Da sua parte, o judeu messiánico esforca-se por mostrar aos seus com patriotas que nao é preciso ser ou tornar-se um nSo-judeu (um pagao) para crer em Jesús e cultivar urna teologia auténticamente crista compatível com o judaismo. Em vez de se deter nos episodios de confuto ocorridos entre judeus e cristaos através dos sáculos, o judeu messiánico conside ra tudo o que há de positivo e divino na mensagem de Jesús.
Contudo o judeu messiánico nao eré que a fé em Jesús Cristo o obrigue a filiar-se a alguma das denominaedes cristas existentes, visto que estas Ihe parecem portadoras de resquicios da cultura paga. Por isto o judeu messiánico, habitando na térra de Israel, julga que ele pode constituir um grupo cristao plenamente legítimo no contexto dos cristaos existentes em Israel, grupo que conserva sua identidade hebraica e professa a fé em Je sús.
Da parte dos cristaos que moram em Israel, registrase urna certa re sistencia aos judeus messiánicos, dada a sua posicao religiosa singular, que nao se identifica com alguma comunidade nem do judaismo nem do Cris tianismo. Respondem-lhes os judeus messiánicos que a comunhao que fez de dois povos — judeus e gentios — um so povo e um so homem novo em Cristo (cf. Ef 2,14-18), nao implica o desaparecimento de um dos dois ou a absorcao de um pelo outro. Paralelamente, dizem, o fato de que homens e mu I he res constituem urna so realidade em Cristo (cf. Gl 3,26-29) nao exi ge que as mulheres sejam menos mu I he res e os homens menos homens; até mesmo na ressurreicao final homens e mulheres guardarlo suas caracterís ticas pessoais. Os judeus messiánicos afirmam que, nestes anos de restaura-
cao do povo judeu em sua térra de origem, Deus está plasmando urna faixa auténticamente hebraica e crista dentro da Igreja Universal, sem detrimen to do fato de que todos constituem um só povo seguidor de Jesús Messias. Preconizam assim a diversidade na unidade ou a unidade na diversidade.
3. JUDEUS PARA JESÚS (JEWS FOR JESÚS) Na Diáspora judaica, existente no mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos, existe outro tipo de movimento judeu messiánico, aínda mais importante do que os da térra de Israel: sao os chamados Jews for Jesús ou Jews for Christ; existem perto de 80 grupos desses messiánicos nos Estados Unidos, reunindo 40.000 membros (segundo uns) ou 250.000 (segundo outros), com urna porcentagem de 79% entre 20 e 29 anos. 457
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As estatísticas judaicas atribuem aos Judeus para Cristo o quarto lu gar entre os judeus norte-americanos; vém após os judeus ortodoxos, os conservadores e os reformados e antes dos reconstrucionistas. Cerca de 48% dentre eles freqüentam urna igreja crista; 10%, porém, dizem pertencer á su a Igreja própria, que eles chamam "Igreja Messiánica".
O Credo desses grupos de Judeus para Jesús nao é muito definido: afirmam que a fé em Jesús é a única áncora de salvacao de cada fiel e da
Casa de Israel; a ressurreicao de Jesús é, para eles, como para Sao Paulo
OCor 15,14.17), o cumprimento das esperances judaicas; professam isto
com entusiasmo, á semelhanca do que ocorre na tradicao pietistado pro testantismo. Pouco conhecem as tradicSes religiosas de Israel, e chegam mesmo a criticar ásperamente o judaismo oficial em aigumas de suas assembléias. Para mu ¡tos deles, que nunca foram judeus religiosos, o crer em Jesús tornou-se urna forma de conversab ao judaismo. Léem o Antigo
Testamento a partir do Novo Testamento como preparacáo para este.
Feitos discípulos de Jesús, esses judeus proclamam que sao plena mente judeus, até mais judeus que os rabinos ortodoxos, visto que, reconhecendo o Messias, estao conscientes de se identificar com o plano de Oeus relativo a Israel. Sao, porém, menos zelosos do que os judeus messiánicos de Israel no tocante a cultura judaica; contentam-se com um judais mo genérico.
O judaismo oficial considera todos os grupos judeo-cristaos com certa aversao: seriam pessoas mal adaptadas, em crise, vítimas de proble
mas afetivos e familiares, sofrendo de traumas psicológicos, írustracfies sociáis e económicas... em suma: presa fácil de missionários cristaos e de mensageiros dos cultos esotéricos.
4 AÍNDA OUTRA MODALIDADE
Além das correntes até aqui mencionadas, existem, tanto em Israel como na Diáspora, varios judeus que, por vias diversas, chegaram a conce-
ber fé em Jesús. Provém tanto dos ambientes judaicos mais ortodoxos quanto dos mais atenuados, guiados t2o somente por seus próprios estudos ou esclarecidos por intermediarios. Sao pessoas cultas, desejosas de saber, que se deixaram impressionar pela figura de Jesús, conhecida através da
le ¡tura do Novo Testamento (livro este severamente ban ido pelas comuni dades judaicas ortodoxas) O Novo Testamento, em vez de os afastar do judaismo, fé-los tomar consciéncia de que a sua identidade judaica se tor na piena em Jesús, pois reconhecem o tempo da visita do Senhor e deseobrem finalmente o que é Shalom (Paz); cf. Le 19,41-44. Julgam revivera experiencia de Sao Paulo, que foi prostrado na estrada por Jesús a fim de 458
AÍNDA OS JUDEUS MESSI AÑICOS
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mudar de vida (cf. At 9,1-19; 22,1-21; 26,2-23), ou também a experiencia dos discípulos de Emaús, que, em meio á penumbra da tarde e do coracao, reconheceram o Senhor Jesús com o coracao ardente e a mente sequiosa (cf. Le 24,27-45).
Essa intuicao da messianidade de Jesús nao é tida como conversao por tais judeus. Afirmam que nao mudaram de religiao, mastomaramconsciéncia de haver encontrado o Messias de Israel (cf. Jo 1,41. 45-49), Mes-
sias que eles chamam Adon, Senhor (cf. At 2,36). Essa descoberta de Jesús muda todo o teor de vida de tais judeus, para quem Jesús já nao é um mes-
tre entre outros, mas o Mestre (cf. Jo 13,13), o Guia (cf. Mt 23,10), Aque-
le que traz a chave decisiva para se compreender qualquer outro ensina-
mento ou orientacao. O judaismo de tais judeus nao é aniquilado, mas de finitivamente confirmado (cf. 2Pd 1,16-19), dado que se abrem ao Messias em funcao do qual o povo de Israel teve sua origem e sempre viveu (cf. Jo 1,50).
É de notar, porém, o seguinte: os judeus cristaos de que falamos, nao
querem (ou encontram grande dificuldade para) chamar Elohim (Deus) o
Jesús que eles reconhecem como Mashiach e Adon. Também costumam reje itar o título de Mae de Deus (Em haElohim} que os cristaos atribuem a María, pois tal apelativo Ihes sugere que Myriam seja a Mae de Deus na eternidade (e nao pelo fato da Encarnacao de Deus Filho). Os judeo-cristaos nao negam a SS. Trindade e o misterio da Encarnacao, mas nao que rem encarar as questoes teológicas que tanto interessaram os prime iros sé-
culos do Cristianismo, suscitando as definicoes teológicas dos Concilios de Nicéia I (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedonia (451). Para eles, é mais oportuno dizer que Deus é inefável do que tentar pene trar no misterio de Deus; sao portanto discretos ao falar de Deus.
Muitos de tais judeus pediram o Batismo no Cristianismo. Mas nao se julgam membros da Igreja. Alias, a sua adesao a Cristo nao se deve ao con tato com cristaos ou com alguma denominacio crista; foi a leitura atenta
do Novo Testamento que os impeliu a fazer seus um livro e um nome (Jesús) que na realidade Ihes pertenciam (visto que Jesús nasceu do povo de Israel). Acreditam que é possível crer plenamente em Jesús e tornarse discípulos dele sem se fazer "cristaos". A historia das relacoes entre judeus e cristaos Ihes torna pouco atraente o nome "cristao". Ademáis alegam que o nome "cristao" nao é o da primeira comunidade de discípulos de Jesús, pois estes só foram chamados cristaos pela primeira vez em Antioquia (cf. At 11,26); tal nome, alegam, foi dado por nao-cristaos — judeus ou pagaos — aos discípulos.
Em suma, tais judeo-cristaos querem viver um Cristianismo destituído de qualquer influencia da cultura greco-romana dos primeiros sáculos, 459
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ou seja, um Cristianismo que recorra únicamente a traeos culturáis do ju daismo. Sonham com a fundacao de urna Igreja hebraica que esteja em comunhao com a Igreja Universal, portadora das marcas do mundo ocidental, e que constitua com as demais denominacoes cristas o Corpo Vivo do
Messias glorioso ou o Corpo de Cristo de que fala Sao Paulo em ICor 12, 12-27; CI1,24; Rm12,4s. Tais noticias sugerem alguns comentarios. 2. REFLETINDO...
Proporemos quatro principáis ponderacoes: 2.1. Judaismo e Cristianismo
Os grupos de judeus que aceitam Jesús como Messias, mencionados atrás, sao lógicos e clarividentes na sua adesao a Cristo. O judaismo é essencialmente a expectativa do Messias, desde as suas origens. Reconhecendo Jesús como Messias, nao estao traindo o judaismo e suas tradiefies nem estao mudando de religiao; estao, sim, levando a plenitude as suas cuencas judaicas. Com muita razao podem defender-se frente aos seus compatrio tas que os acusam de degenerescentes, problemáticos, traumatizados, frus trados... Ao contrario, sao judeus corajosos que acreditam firmemente ñas promessas fe ¡tas a Abraao e seus descendentes. 3.2. Cristianismo e Instituicao
Verífica-se, porém, que tais judeus parecem ter receio de se filiar ao Cristianismo-instituicao ou á Igreja. Em parte, isto se deve á historia dos litigios havidos entre judeus e cristaos no decorrer dos sáculos; motivos subjetivos Ihes dificultam a pertenca á Igreja e Ihes propiciam urna viven cia crista mais ou menos subjetiva e livre ou mesmo sujeita a improvisacoes arbitrarias.
Na verdade, Jesús Cristo é inseparável da sua Igreja, que Ele fundou e entregou a Pedro e seus sucessores (Mt 16,16-19). O Cristianismo ensina que Deus vem aos homens através de sinais sensiveis, que constituem a ordem sacramental:
— o primeiro destes sinais é a humanidade de Cristo, o sacramento primordial, que assinalava e transmitía a vida divina mediante palavras e gestos sensiveis. — O Corpo de Cristo fisico se prolonga no Corpo de Cristo Místico, que é a Igreja ou o segundo Grande Sacramento; por esta Cristo continua a viver e agir, promovendo a santificacao dos homens; com efeito, Jesús 460
AÍNDA OS JUDEUS MESSIÁNICOS
nao é apenas um mestre que ensinou e desapareceu, ou um mártir que deixou tao somente um exemplo; Ele é um tronco de videira, da qual nos so
mos os ramos (cf. Jo 15,1 s); é também a Cabeca de um Corpo do qual nos somos os memoras (cf. 1Cor 12,12-27; Cl 1,24; Rm 12,4s). Ele enxerta os homens nesse Corpo Místico para os fazer viver a filiacao divina; — O sacramento da Igreja, por sua vez, se prolonga e esmiuca nos sete sacramentos, que acompanham a vida do homem desde o nascer até o morrer, transmitindo-lhe a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte: Ba-
tismo. Crisma, Eucaristía, Reconciliacao, Ordem, Matrimonio, Unpao dos Enfermos.
Nao há Cristianismo pleno sem a participacao nos sacramentos. Dai' formularmos os votos de que os judeus fiéis a Cristo superem reminiscen cias pouco agradáveis e compreendam a própria mensagem do Novo Testa mento que os atrai: aderir a Cristo Cabeca implica aderir a Cristo em seu Corpo Místico, aceitando o Misterio da Encarnacao ou do Deus que é revelado e velado por sinais sensi'veis. Alias, é essa adesSo á Igreja assistida por Cristo e seu Espirito (cf. Le 22,31 s; Jo 14,26...) que pode preservar o cristao (judeo-cristSo ou étnico-cristao) de desvíos inspirados pelo sub jetivismo e o sentimentalismo fantasioso. 2.3. Aculturacao
Só pode haver urna Igreja de Cristo, como só há um Cristo. Nessa úni ca Igreja, porém, confiada a Pedro, pode haver diversos ritos decorrentes de tradicoes diversas. Assim os cristaos orientáis tém seu Código de Direi-
to Canónico próprio, tém presbíteros casados, ritos litúrgicos típicos, sem deixar de pertencer á única Igreja de Cristo e reconhecer a autoridade do sucessor de Pedro. A Igreja deseja em nossos dias a aculturacao ou a adocao de expressoes próprias das culturas dos povos nao ocidentais para pro-
fessarem e viverem a mesma fé católica. É lícito assumir tais traeos cultu
ráis, desde que nSo suscitem confusa"o de crencas, ecleticismo ou sincretis mo. Por conseguinte, pode-se conceber um judeo-cristianismo marcado por tradicoes judaicas que nao impliquem desvirtuamento da fé apregoada por Jesús na sua Igreja.
É para desejar que, com o tempo, os judeus discípulos de Cristo com
preendam todo o alcance de sua profissao de fé em Jesús e se decidam a dar todos os passos daí decorrentes.
A propósito se/a citado o artigo de Francesco Rossi de Gasperis S.J., professordo Instituto Bíblico Pon tificio de Jerusa/ém-Roma: Un nouveau judéo-ehristianisme, em Etudes, juin 1993, pp. 795-794. 461
Tendencia forte:
A PRIVATIZAQÁO DA FÉ
Em sintese: A privatizacao da fé é a atitude de quem professa Jesús Cristo, mas nao freqüenta a Igrej'a. Pode ter diversos motivos, entre os quais se salienta a dificuldade de aceitar urna instituicao com suas normas jurídicas; a mentalidade subjetivista de nossos días alimenta tal dificuldade. Em resposta deve-se lembrar que ser cristao nao é simplesmente crer em Deus, mas é crer em Deus como Jesús 0 revelou. O Senhor Jesús se apresentou como o Mediador da definitiva Alianca entre Deus e os homens; Ele veio fazer urna convocacao (ek-Mesís) dos homens dispersos, reunindo-os num só povo, o povo de Deus. Esse povo é mais do que a so ma de seus membros; é Sacramento, visto que Jesús prometeu estar em sua Igreja e continuar por Ela a sua obra redentora até o fim dos tempos: "Ide e fazei que todas as nacoes se tornem discípulos. Eis que estarei convosco todos os dias até a consumacao dos séculos" (Mt 28,19s). Pela Igreja passa a vida de Cristo em favor de quem a Ela adere, sem que a fragilidade dos homens da Igreja possa impedir a acao redentora de Cris to no sacramento da Igreja. Por conseguinte. Cristo e Igreja sao inseparáveis um do outro. A privatizacao da fé só pode resultar da ignorancia da auténtica índole do Cristianismo. •
*
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O jornal "0 Estado de Sao Paulo", em seu Caderno Especial de
13/06/93, pp. 3 e 4 publicou interessante noticiario sobre a Religiao no
mundo atual. Registrava a profissao de fé em Deus e em Jesús Cristo por
parte de numerosos segmentos da populacao da Alemanha, Inglaterra, Italia, Holanda, Estados Unidos, Nova Zelandia, Polonia, Eslovénia, Ir landa, Hungría, Noruega, Israel. Assim, por exemplo, nos Estados Unidos 90% das pessoas entrevistadas disseram crer em Deus. Ocorre, porém, o fenómeno da privatizacao da fé, ou seja, da nao
freqüéncia a Igreja. A fé se torna um assunto meramente pessoal, sem expressoes comunitarias. Visto que o fato tende a se alastrar mesmo entre 462
PRIVATIZAQÁO DA FÉ
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os católicos, as páginas seguintes o abordarao, tocando o ámago da questao.
1. PRIVATIZACÁO DA FÉ: POR QUÉ? A existencia de muitas pessoas que créem em Deus e em Jesús Cris
to, mas nao váo á Igreja, tem suas causas, que vamos procurar catalogar:
1) Migracoes. 0 fenómeno de pessoas que deixam seu torreo natal
para estudar ou trabalhar longe daí, cada vez mais freqüente. Ora aconte ce fácilmente que tais pessoas, ao deixarem seu ambiente de origem, deixam també m mu itos de seus costumes; sentem-se desarraigadas e dispostas a ser absorvidas pelo novo mundo em que passam a viver,... mundo de megalópole, materializado ou absorvido pelas conquistas materiais. Abandonam entao sua prática religiosa e "privatizam" sua fé, reduzindo-a a um sentimento íntimo.
2) Moral Católica. Para quem vive na grande cidade, o motivo da privatizacao deve ser outro: consiste, muitas vezes, na recusa de certas nor mas da Moral Católica, que a Igreja professa: o Nao ao divorcio, ao aborto, ao homossexualismo, ás relacSes extra-conjugais... é a anti'tese do que a sociedade de hoje aceita e pratica... Isto torna a Moral Católica difícil, mas, sem dúvida, garantía e tutora dos verdadeiros valores humanos. Por nao compreenderem este papel benéfico, há quem se afaste da Igreja, embora continué a crer em Jesús Cristo.
3) Existencialismo e Subjetivismo. Este isolamento religioso pode
nao causar estranheza, visto que a sociedade contemporáncea está impreg
nada de mentalidade existencialista, alheia á Metafísica e voltada para o eu individual de cada cidadao. O criterio dos valórese o eu circunstancia do de cada um (eu e minhas circunstancias, tu e tuas circunstancias...). Em
questdes de Ética, Direito, Religiao... é freqüente dizer-se: "Eu acho que... Para mim é assim,..., Cada um na sua verdade, na sua Ética...". Tal subje tivismo é mais cómodo do que a aceitacao da vida em comunidade.
4) A face humana da Igreja. Além do mais, sabe-se que a Igreja tem
urna face humana, que é bela ou desfigurada de acordó com as pessoas que a constituem. A fragilidade humana nem sempre corresponde ao ideal, de modo que muitos se afastam da Igreja escandalizados (com ou sem razao) pelo que observaram.
Parecem ser estas as principáis causas da privatizacao da fé. Procure mos agora urna resposta para o problema. 463
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2. QUEDIZER?
As nossas consideracoes terao em vista a privatizacao da fé dentro do Cristianismo ou, mais precisamente, dentro do Catolicismo. 2.1. Alianca Um cristao nao é simplesmente alguém que eré em Deus. Um cristao eré em Deus tal como Jesús O revelou. Jesús se apresentou e comprovou, por seus ditos e feitos, como o Enviado do Pai, Mestre de todos os ho-
mens; principalmente a sua ressurreicá*o ¿entre os mortos é o sinete coloca
do pelo Pai sobre a pessoa e a obra de Jesús Cristo; cf. ICor 15,14.17. Ora Jesús sempre se situou na linha de urna Alianca entre o Pai e o género humano. Essa Alianca interpela pessoa I mente cada ser humano... mas cada ser humano situado dentro de um povo. Deus faz Alianca com o povo santo e, porque é membro desse povo santo, cada cristao entra em Alianca com Deus: antes de Jesús Cristo, havia o povo da Antiga Alianca, os judeus; após Jesús Cristo, há o povo da Nova Alianca, a Igreja, cujo nome Ek-klesfa, emgrego, significa convocacao; a Igreja continua o papel
do antigo Israel. É por isto que em toda a pregacao de Jesús se enfatiza a común nao dos discípulos entre si dentro de urna sociedade organizada: "Nao temáis,pequeño rebanho..." (Le 12,32);
"Como o Pai me enviou, assim eu vos envío..." (Jo 20£1); "Tudo o que ligardes sobre a térra, será ligado no céu..." (Mt 18, 18; cf. 16, 19); "O Espirito Santo... vos ensinará tudo, e vos recordará tudo o que eu vos disse" (Jo 14,26); "Simio, Simio,... roguei por ti, a fim de que a tua fé nio desfafeca.
Quando te converteres, confirma teus irmios" (Le 22,31s); "Simio, apascenta as minhas ove/has" (Jo 21,15-17). É muito compreensível o propósito do Pai, visto que o ser humano é, naturalmente, um ser social; só se realiza plenamente em comunidade, tan to no plano meramente racional quanto no plano da fé. Daí dizer o Conci lio do Vaticano II: "Aprouve a Deus santificar e salvar os homens nao singularmente,
sem conexio de uns com os outros, mas sim constituir um povo que o 464
PRIVATIZACÁO DAFÉ
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conhecesse na verdade e santamente Ihe servisse" (Constituigao Lumen Gentium n. 9). 2.2. Sacramento A Igreja assim constituida, tem uma face humana, mas nao é apenas a soma dos homens que a compoem. Dentro déla vive o Cristo. Este com-
parou-se a um tronco de videira, da qual somos os ramos; isto querdizer que há uma comunhao de vida entre Cristo e seus discípulos ou sua Igre ja. Por meio do sinal humano da Igreja, o Cristo exerce a sua apio santi-
ficadora em favor dos homens. É o que torna a Igreja um sacramento...
ou o Sacramento que prolonga a humanidade de Jesús. Por esta, na térra, o Filho de Deus exerce sua funcao de arauto da Boa-Nova e restaurador do homem ferido pelo pecado; por sua Igreja — Corpo de Cristo estendi do através dos séculos — Cristo continua a sua missao redentora.
Por conseguinte, a Igreja nao é algo de acidental no Cristianismo ou algo que possa ser recomecado (como se recomeca um partido político); ela tem sua origem no misterio da Encarnacao, central no Cristianismo, e, a seu modo, prolonga esse misterio. Cristo e a Igreja sao, pois, inseparáveis um do outro. Nao há cristao em sentido pleno que nao seja membro de Cristo Cabeca do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Cristo nao é apenas um mestre que tenha deixado uma mensagem a ser estudada e vivenciada em escolas fundadas por homens.
Pode-se, portanto, dizer: o nao reconhecimentó da Igreja decorre da ignorancia — muito freqüente — do que seja a auténtica natureza do Cristianismo. 2.3. E as falhas? Sem dúvida, existem falhas na Igreja, resultantes das limitacoes dos
homens que a integram. Essas falhas, porém, nao extinguem a acao santi ficado ra de Cristo em favor dos membros fiéis da Igreja. Nao há pecado humano que impeca Cristo de se dar aos seus no sacramento da Igreja. Ele prometeu aos Apostólos antes de partir: "Estarei convosco até a consuma-
cao dos séculos" (Mt 28,20). Isto significa que Jesús garante sua acao vivi
ficante á sociedáde estruturada pelos Apostólos e seus sucessores, independentemente da virtude desses homens; nao é a santidade dos pastores que
santifica os fiéis, mas é a santidade de Cristo, que quer passar pelas mSos
dos pastores, sem ser diminuida por estes. É de notar que Jesús nao disse:
"Estarei com os mais santos e zelosos até o fim dos tempos"; se o tivesse dito, estaría condicionando a sua obra redentora á fidelidade dos ministros — o que deixaria inseguro o povo de Deus. Cristo quis, ao contrario, dar 465
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um si na I objetivo da sua indefectível acSo santificadora; esse sinal é a sucessao apostólica, um fato histórico, que pode ser averiguado e comprovado por qualquer observador e que paira ácima da oscilante virtude dos homens. Quem, pois, adere á sociedade fundada por Cristo e estruturada pela sucessao apostólica (a Igreja), pode ter a certeza de que entra em cornilnhao com Cristo, fonte de vida, independentemente da fidelidade ou infidelidade de seus ¡rmaos. Sao estas as principáis razoes pelas quais o Cristianismo é um Sacra mento a ser vivido em comunidade, de modo a se excluir a "prívatizacao da fé". Esta, a rigor, é urna aberraclo derivada da nao compreensa*o do Evangelho e alimentada pelo subjetivismo reinante na sociedade contem poránea. *
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SAO FALHOS OS PRESERVATIVOS A ineficacia dos preservativos (camisinhas) é atestada por urna noticia publi
cada no JORNAL DO BRASIL de 25/8/93.1? Caderno, pág. 9:
"CAMISINHA TEM NOVAS NORMAS BRASILIA - Os fabricantes de preservativos masculinos devem-se adaptar ¡mediatamente á nova regulamentacSo para o produto. O Ministerio da Saúde edi-
tou ontem portaría no Diario Oficial, em substhuicao á que estava em vigor desde 1987 ...
A nova regulamentacSo foi elaborada com base em testes feitos pela Holan da, no ano passado, com preservativos racionáis a estrangeiros vendidos no país, que detectaram que, em sua grande maioria, nao eram eficientes nam para o con trole de natalidade nam para a prevancao á AIDS. Os testes foram pedidos pelo De partamento de Dafesa do Consumidor e pelo Procon de Sao Paulo. Entre as inovacóes da nova regulamentacao estao o ensaio de porosídade das
camisinhas, já que a pesquisa descobriu que os preservativos racionáis deixavam pas sar esperma pelos microporos. Outra novidade 4 o texte da estufa, para averiguar a resistencia das camisinhas ao aumento da temperatura. Antes, cinco delas-tinham que passar dois dias numa estufa de 70 graus centígrados, pela nova portaría, 50 preserva tivos f¡carao na estufa, durante urna semana....
O texto ressalva que lubrificantes e antisépticos usados ñas camisinhas nao devem prejudicar as suas normas de uso".
Estes dados evidenciam quao falsas sao as afirmacóes de plena eficacia da camisinha provenientes de adeptos do livre relacionamento sexual. — A propósito ve-
ja-se o oportuno artigo de Mons. Jean Bonfils publicado ás pp. 476-479 deste fas cículo.
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Surpresa?
ABSTINENCIA DE CARNE: POR QUÉ?
Em síntese: A abstinencia de carne é praxe freqüente em correntes religiosas nao-cristas e no Cristianismo. Deve-se é conviccao que em geral as pessoas tém, de que a carne é um alimento forte, provocador de paixoes, de modo que abster-se déla vem a ser um meio de mitigaras tenden cias desregradas da natureza humana, tendencias que nao raro humilham a pessoa. 0 próprio Apostólo Sao Paulo observava: "Nao consigo entender
o que fago, pois nao pratico o que quero, mas fago o que detesto... Nao fago o bem que eu quero, mas pratico o mal que nao quero" (Rm 8,15. 19).
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Mu ¡tas pessoas indagam a respeito do porqué do preceito eclesiástico
de abster-se de carne na Quarta-feira.de Cinzas e na Sexta-feira Santa (no
Brasil) Há também quem julgue que á abstinencia de carne corresponde a obrigaclo de comer peixe — o que é falso (quem nao come carne, escolha o tipo de alimento que preferir).
Em vista das hesitacoes, abordaremos o assunto ñas páginas sub-
seqüentes.
1. A EXPERIENCIA DE INlAOCRISTAOS E CRISTÁOS A abstinencia de carne é observancia freqüente ñas religiSes antigás. Inspiraram-na razoes diversas, das quais algumas muito dignas, outras, po-
rém, supersticiosas. Nao raro, junto com a privacSo de carne, prescreviase a abstencao de outros alimentos tidos como excitantes ou como sagrados: cebóla, favas, peixe, vinho... Para ilustrar a rnotivacao dessas práticas, seja aqui citado o ponto de vista do neo-platónico Juliano, Imperador bizantino de 361 a 363: recusava-se a comer a parte dos vegetáis que se acha ¡mersa no solo (rai'zes, bulbo...), porque, dizia, o solo é o cárcere no qual a alma caiu; aceitava, porém, a parte da planta que emerge ácima da térra, porque esta emersao Ihe parecía simbolizar a subida da alma para as altas esferas (or.V17a-17c)!
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Os judeus anteriores a Cristo observavam abstinencia e jejum, em par te ditados pela Lei de Moisés, em parte inspirados por devocao pessoal
(cf. Lv 11; Dt 14, distincao entre animáis puros e impuros; Ex 34,28 e
1Rs 19,8, os quarenta dias de jejum de Moisés e Elias; Lv 16, 29-31, o solene dia de jejum expiatorio; Est 9,31, o jejum de Purim, etc.). Os cristaos herdaram o costume geral de se abster de alimentos em ocasioes solenes. Jesús mesmo deu o exemplo disto durante os quarenta
dias que passou no deserto {cf. Mt 4, 1-11);também formulou normas so bre a atitude de espirito de quem jejua (cf. Mt 6, 16-18; provavelmente Me 9,29; Mt 17,21). Logo a primeira géracao dos discípulos aparece, nos Atos dos Apostólos, associando jejum e oracao; cf. At 13,3s; 14,23. — A prática se foi tornando mais e mais habitual até ser introduzida na legis larlo eclesiástica.
2. O PORQUÉ DA PRAXE CRISTA Os motivos que sugerem aos cristaos a abstinencia de carne, em parti cular, nao sao: a) concepcao pessimista da materia. Tal foi, sim, o ponto de vista de seitas dualistas (Gnósticos, Maniqueus,...), que, nos primeiros sáculos do Cristianismo, tinham a materia e, por conseguinte, a carne como elemen tos intrínsecamente maus. Tal foi também a concepcao de correntes exa geradamente espiritualistas, como a dos Montañistas (séc. ll/lll d.C). Era a ascese baseada nessas teses erróneas que Sao Paulo reprovava em Cl 2,
18-23; 1Tm 4,3. O cristao sabe que Deus fez todas as criaturas boas (cf. Gn 1,31) e as destinou a servir ao homem para que este se santifique e dé gloria ao seu Senhor; nao há, por conseguinte, alimento que por sua natu reza mesma seja pecaminoso (cf. 1Tm 4,4s); b) respeito supersticioso aos animáis. Os adeptos da metempsicose ou da reencarnacao (hindúístas, órficos, pitagóricos...), julgando que a alma de um párente seu poderia estar incorporada em tal ou tal animal, abstinham-se de qualquer consumo de carne. Para o cristao, a tese da reencarnacao é falsa; por conseguinte, inca paz de fundamentar algum preceito de abstinencia; c) conformidade á Lei de Moisés. Esta cumpriu o seu papel, preser vando a fé e a esperanca messiánicas do povo de Israel. Urna vez que veio o 468
ABSTINENCIA DE CARNE: POR QUÉ? Redentor, já nao tém vigor as normas positivas da Tora judaica (todas elas dadas como prenuncios e preparativos do Salvador); permanecem de pé apenas os preceitos de direito natural que Moisés incluiu na sua legislacao e que, por serem de direito natural, se estendem a todos os tempos e todas as religiSes.
Sao Pedro mesmo, em casa do centuriao Cornélio, teve a revé I apao de que nao deveria mais distinguir entre os alimentos puros e impuros discri minados pela Leí; cf. At 10,10-16. A seguir, os Apostólos reunidos em Jerusalém puderam declarar, invocando a autoridade do próprio Deus, que estava ab-rogada a Leí de Moisés: "O Espirito Santo e nos dispomos que..." (At 15,28); d) razoes de medicina, higiene, pedagogía... A Revelapao crista nao interfere positiva e autoritativamente em questoes de ciencias naturais. Excluidas as justificativas atrás para a abstinencia de carne entre os cristaos, afirmar-se-á que esta é ditada estritamente pelo dever de peni tencia e mortificacao que incumbe a todo discípulo de Cristo. A absti nencia vem a ser urna das respostas que o cristao dá áquela exortaclo do Divino Mestre: "Se alguém quer vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me" (Mt 16,24; Le 9, 23). Explicitando esta doutrina, diremos: o cristao é chamado a viver para Deus e para os bens definitivos, fazendo que estes prevalecam num corpo
que é espontáneamente rebelde á orientacao do Espirito; duas tendencias — urna, superior, voltada para o bem; e outra, inferior, carnal, propensa ao
mal — se defrontam no íntimo de cada individuo (cf. Rm 8,15.19). Em conseqüéncia, torna-se indispensável a mortificacao da carne a todo homem desejoso de viver segundo a sua parte mais nobre. A carne tem que
ser destituida de suas cobicas desregradas, que levam a natureza a agir an tes da deliberacSo da razao ou mesmo á revelia desta. Ora tal objetivo nao pode ser alcancado se nao se subtraem á carne humana certos alimento* particularmente fortes e excitantes, entre os quais a carne de animáis (jun tamente com o vinho) costuma ser mencionada em lugar de destaque.
Assim se compreende que urna alimentacao sobria e simples tenha si do desde cedo considerada pelos cristaos como estimulo das virtudes e, es pecialmente, da castidade: "Abster-me-ei de carne, a fim de que, alimen tando fortemente a carne, nao venha a alimentar também os vicios da car ne", afirmava Sao Bernardo (r 1153), repetindo a doutrina de escritores mais antigos (ed. Migne lat. 183, 1096s). A Liturgia, por sua vez, incute a mesma idéia, quando na Quaresma canta: "Pelo jejum corporal, ó Senhor, comprimís os nossos vicios, eleváis as nossas mentes, concedéis as virtudes e o premio respectivo" (Prefacio da Missa). 469
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
A experiencia, alias, levou certos pensadores de bom senso (estoicos,
neoplatónicos) a conclusao semelhante. O filósofo Séneca (+ 66 d.C.),' por exemplo, dizia que, após um ano de regime vegetariano, as suas áptidoes de mente se haviam desenvolvido com mais rendimento ainda (epist 108); o neoplatónico Porfirio (t 303 d.C.) escreveu um tratado inteiro sobre o assunto ("De Abstinentia"), em que propugnava ser a alimentacao vegetariana a mais adequada á vida espiritual do filósofo.
3. UMA OBJECÁO
Há,porém,quem receie detrimento de saúde ocasionado pela absti
nencia de carne.
A essas pessoas pode-se dizer que nao somente os ascetas e os filóso
fos, mas também muito(a)s nutricionistas, longe de condenar em tese tal prática, reconhecem o seu valor. Numerosas experiencias tém demonstra do que urna dieta vegetariana sabiamente praticada pode favorecer a capacidade de trabalho, tanto bracal como intelectual, do individuo. Para quem segué um ritmo de vida preponderantemente intelectual, muito se
dentaria, com pouco exercicio muscular, com raras ocasioes de respirar ao
ar livre, sofrendo por vezes a acSo de excitantes (como o fumo e o álcool), a abstinencia de carne pode ser de grande auxilio, pois diminui as ocasioes de intoxicacSo. Epicuro (t 270 a.C), que pessoalmente nao foi um gozador debochado, Plutarco (t 127 d.C.), Ovidio (t 17/18 d.C.) seguiram o vegetarianismo. Pitágoras (t 497/496 a.C), vegetariano, morreu com cerca
de cem anos de idade. Ñas Ordens Religiosas em que o regime alimentar é mais austero, registra-se supreendente quota de longevidade.
Mas, repitamos, nao sao propriamente consideracoes de saúde que motivam a abstinencia de carne dos cristaos; elas foram aqui trazidas prin cipalmente a fim de dissipar qualquer escrúpulo de Índole sanitaria. Fora dos dias determinados pela legislacao eclesiástica (quarta-feira de cinzas,
sexta-feira santa), o cristSo é livre para seguir o regime alimentar que errí
consciéncia I he pareca conveniente; de modo geral, a abstinencia easobriedade Ihe ficarao sendo um paradigma que ele procurará reproduzir com maior ou menor intensidade, levando em conta as exigencias próprias de sua natureza, seu temperamento pessoal, suas condicSes económi cas, etc. O que, em todo e qualquer caso, importa ao cristao, é regrar sua
alimentacao de modo a ná"o fomentar indevidamente as paixóes, mas,
antes, obter o dominio do espirito sobre a carne, emancipar o espirito dos grilhoes das concupiscencias desregradas, a fim de Ihe possibilitar a adesao incondicional a Deus na oracao e na contemplacáo.
470
Discútese:
AESTERILIZAQÁO DAS PESSOAS DEFICIENTES
Em si'ntese: Apesar de varías declarares de Conselhos e Comunida des da Europa, como também das Nacoes Unidas, o Par/amento Europeu, em setembro de 1992, aprovou a Resolucao que autoriza a esterilizacao de deficientes mentáis em casos definidos. A fundamentacao deste gesto é a alegacio de que assim se evitará o nascimento de filhos deficientes ou, taivez, de filhos sadios que nSo teríam o necessário acompanhamento do pai
ou da mSe. — Tal alegacio é falha, pois ¡á existem organizacdes dedicadas a deficientes mentáis, que, preenchendo com afeto e carinho as carencias
dessas pessoas, verificam que estas sofrem de "sede de amor", e nao tanto de "sede de sexo". - Por conseguíate, a Resolucio do Parlamento Euro peu é a expressao de urna mentalidade materialista e consumista, que é ca paz de sacrificar a pessoa humana ao bem-estar da sociedade; o "amorao próximo" alegado por quem mata ou mutila seu semelhante, nao é verda-
deiro amor, pois este quersempre o be'm da pessoa amada.
Os fatos assim registrados vém a ser um apelo para que os cristaos com mais afinco apregoem a mensagem de respeito e estima á dignidade de todo ser humano. *
*
*
A "cultura da rnorte", que é a cultura do nosso tempo (como jé se tem dito), tem progredido a passos largos; nao sonriente os crimes clássicos (assaltos, assassCnios, seqüestros...) vém-se multiplicando, mas novas formas de agressao á vida humana estao tomando vulto no cenário nacio
nal e internacional. Sejam lembradas as campanhas (freqüentemente vitoriosas) em prol do aborto, da eutanasia direta, da Engenharia Genética
sem Ética... Urna das últimas expressSes dessa cultura da morte é a apro-
vacao, pelo Parlamento Europeu, da esterilizacao de pessoas deficientes no plano psi'quico — fato ocorrido em setembro de 1992, como se dirá a seguir.
Visto que a inovacSo tem seus aspectos de aparente legitimidade e até... de humanitarismo, passamos a examinar detidamente a problemática. 471
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
1. A LEGISLACÁO DOS ÚLTIMOS DECENIOS Logo após a segunda guerra mundial (1939-1945), os Estados Europeus assinaram o Tratado de Bruxelas (1948), que tencionava regulamentar pontos de ¡nteresse comum. Seguíram-se-lhe o Tratado da UniSo Européia Ocidental (1954) e o da Comunidade Económica Européia (1957). Todos esses Tratados, tendo em vista a manipulado da pessoa humana nos campos de concentracao e nos cárceres de guerra, acentuaram a dignidade e os direitos de todo ser humano, mesmo quando deficiente físico ou mental. Em conseqüéncia, registraram-se, entre 1950 e 1960, dezoito "Recomendacoes" aos Governos Europeus em favor das pessoas deficientes. Mais: após a instituido do Conselho da Europa, entre 1960e 1981,
vinte e seis "Resolucoes" foram aprovadas no mesmo sentido.
Em 1984 foi promulgada a Resolucao AP (84)3, que tinha por título: "Programas de Política de ReabilitacSo das Pessoas Deficientes por parte das Autoridades Nacionais" (17/09/84). Esta Resolucao foi substituida por urna "Recomendacao de urna Política Coerente em favor das Pessoas Deficientes", publicada pelo Conselho da Europa em 8/11/91, com a par ticipado de todos os países da Europa Ocidental e Setentrional, mais a Hungría e a República Tcheca e Eslovaca.
No ámbito mundial, a Organizacao das Nacoes Unidas, em sua 26? Assembléia Geral, promulgou a "Declaracao dos Direitos do Deficiente Mental" aos 20/12/1971. O primeiro desses direitos estipula: "O deficiente mental deve gozar, em todos os setores possfveis, dos
mesmos direitos que os outros seres humanos".
Em 9/12/1975 a 30a. Assembléia Geral da mesma ONU proclamou a
"Declara?ao de Direitos das Pessoas Deficientes", em que se lia:
"Os direitos devem ser reconhecidos a todos os deficientes sem excegao, e sem distincoes ou discriminacdes".
"O deficiente tem essencialmente direito ao respeito da sua dignidade humana. O deficiente, qualquer que se/a a origem, a natureza e a gravidade de suas perturbacoes e incapacidades, tem os mesmos direitos fundamen táis que os seus concidadios da mesma idade".
Verdade é que tais Declaracoes nem sempre foram observadas; como
se verá a seguir, algumas poucas napoes européias chegaram a contradizer472
ESTERILIZAQÁO DE DEFICIENTES
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Ihes implícita ou explícitamente. Todavía muito grave é o fato que passa-
mos a registrar.
2. A RECENTE POSIQÁO DO PARLAMENTO EUROPEU Em setembro de 1992 o reconhecimento dos direitos dos deficientes foi seriamente ameacado por urna decisao de tendencia regressiva: o Parla mento Europeu aprovou urna proposta de ResolucSo sobre os direitos dos
deficientes psíquicos, que confere legitimidade jurídica á esterilizado de tais pessoas, desde que se trate de "pacientes incapazesde compreendere de querer"; a Resolucfo exige previo exame de cada caso, com a participacao de autoridades judiciárias, ás quais é atribuido um papel decisorio. Vé-se que, mediante tais cláusulas, os legisladores quiseram evitar gestos passionais e arbitrarios; como quer que seja, assumiram urna posicao grave mente atentatoria á pessoa humana, especialmente se considerada sobre o paño de fundo das anteriores recomendapoes da ONU e de Conselhos de Países Europeus.
A Resolucao em foco nao contradiz apenas ás normas do Direito, mas também aos valores éticos; poe em questao a inviolabilidade da pessoa humana. Só se pode admitir ¡nterveocao cirúrgica num ser humano, se se tem em vista a saúde ou o bem desse individuo; mesmo em tal caso, é a pessoa quem deve definir, consciente e livremente, se aceita ou ná"o a c¡rurgia. Vé-se, pois, que há injustica quando sao terceiros que decidem a respeito da integridade física de um ser humano; a injustica aínda é maior, quando a vítima é um sujeito fraco, impossibilitado de se defender ou de fazer valer os seus invioláveis direitos. Merece consideracao ainda o fato de que a decisao do Parlamento Eu ropeu teve em seu favor urna enorme maioria, a saber: 154 votos favorá-
veis, 52 contrarios e 14 abstencSes. Isto mostra quanto está difundida nos países europeus a concepcao de que a sociedade pode manipular e domi nar pessoas deficientes, impondo-lhes, sem as consultar, tratamentos de
graves conseqüéncias.
Alias, já há alguns anos, varios países da Europa Ocidental acolheram
em sua legislacao normas que abrem brecha para a esterilizacao de defici entes mentáis gravemente afetados. A Alemanha, por exemplo, e, depois, a Espanha despenalizaram tal intervencSo, isto é, declararam-na isenta de
qualquer sancáo ou punicao. Compreende-se que a decisao do Parlamento Europeu há de estimular outros países da Comunidade Européia a proce
der de modo semelhante. 473
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 377/1993
3. O EMBASAMENTO DA DECISÁO A Resolucao do Parlamento Europeu foi fundamentada sobre a alegapao de que assim se impediría o nascimento de enancas gravemente defi cientes ou, caso nascessem sadias, seria evitado que crescessem sem o acompanhamento de pai ou mae, acompanhamento necessário á sadia evolucao da crianca.
Tal embasamento, porém, é falho, pois a experiencia ensina que existem outros meios para evitar os males apontados. Com efeito, a fim de evitar o relacionamento sexual e a gravidez de pessoas deficientes, alguns psicólogos e pedagogos (masculinos e femininos) tém-se dedicado com afeto e respeito a tais pacientes, verificando que os deficientes s3o movidos nao tanto por sede de sexo quanto por sede de amor; é precisamente a fal ta de amor que os leva a procurar o relacionamento sexual como compen sadlo ou desabafo. Foi a esta conclusao que chegaram dois grandes apostó los das pessoas deficientes: Jean Vanier, fundador das Communautés de l'Arche (Comunidades da Arca), instituidas principalmente para atender aos mais gravemente atetados por deficiencia psíquica; e Don Luigi Monza, cuja obra dita "La Nostra Famiglia" conta numerosos casos.
A procura de esterilizacao dos deficientes pode ser entendida como sinal de excessiva valorizacSo dos bens de consumo ou do dinheiro e do sucesso. A sociedade contemporánea se mostra disposta a sacrificar á busca de prazer os valores mais preciosos, como sao as pessoas humanas, desde que estas sejam empecilho para gozar do bem-estar material. Há mesmo, entre os defensores da eliminacao de seres humanos indesejáveis, os que julgam ser o aborto "urna conquista da civilizacSo"; a eutanasia direta se ria "um gesto de amor"; nessa perspectiva encaram a esterilizacao de deficientes mentáis. Assim o homem contemporáneo, tendo-se desembara zado de Deus, arroga a si o direito de disporda vida, da morte ou da integridade física de seus semelhantes, especialmente dos desprovidos e indefesos. Verifica-se, alias, que a agressa*o á pessoa humana tem sido progressiva: do aborto oficializado, alguns Estados passaram á eutanasia-direta le gitimada; a seguir, vém adotando novas medidas repressivas do ser huma no, entre as quais a esterilizacSo. Já o notava o Papa JoSo Paulo 11 em um de seus discursos sobre a eutanasia:
"Como já se deu no tocante ao abortamento, a condenacao moral da eutanasia permanece alheia e incompreensi'vel aqueles que estao impreg nados (por vezes, inconscientemente) de urna concepcao da vida incompati'vel com a mensagem crista ou mesmo com a dignidade da pessoa humana devidamente entendida". 474
ESTERILIZA CAO DE DEFICIENTES
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4. A RESPOSTA CRISTA Como se vé, a resposta crista ao problema dos deficientes mentáis e do seu relacionamento sexual recusa a mutilacá*o física de tais pessoas; propoe, antes, um tratamento que preencha as carencias afetivas desses pa
cientes de tal modo que superem por si mesmos a cobica sexual. Para promover tal tratamento, que é muito mais humano e digno do que a violenta intervencao cirúrgica, é necessárío que os cristaos apregoem ao mundo a antropología do Evangelho, oposta á visao meramente mate rialista e hedonista da sociedade de nossos dias. É necessárío que os cris taos procurem realizar, no seu ambiente cotidiano, urna reviravolta da cul tura, correspondente á nova evangelizado proclamada por Joá*o Paulo II.
Este, aos 12/10/92, falando aos Bispos reunidos em Santo Domingo, afir-
mava:
"A Igreja considera com preocupacSo a brecha existente entre os va lores evangélicos e as culturas modernas; estas correm o perigo de se fechar sobre si mesmas numa especie de invoiucSo agnóstica, privada de referen cia á dimensao moral. A Igre/'a deve saber dar urna resposta adequada á atual crise da cultura. Frente ao fenómeno complexo da modernidade, é necessárío dar vida a urna alternativa cultural plenamente crista". O Papa julga que as manifestacoes da cultura da morte registradas em nossos dias constituem "um apelo dramático a todos os fiéis e a todos os homens de boa vontade, para que promovam, por todos os meios e em to dos os nfveis, urna auténtica virada cultural na marcha da nossa sociedade"
(Discurso aos Participantes do 54? Curso de Atualizacao Cultural organi zado pela Universidade do Sagrado Coracao em Millo aos 6/9/1984).
É para desejar que os pungentes atentados contra a vida humana em nossos tempos nao suscitem apenas a condenacao da parte dos cristaos, mas também sirvam de ensejo a um revigoramento da proposta sempre lú cida e firme da mensagem do Evangelho. *
+
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CURSOS POR CORRESPONDENCIA S. Escritura, Iniciacao Teológica, Teología Moral, Historia da Igreja, Liturgia, Sobre Ocultismo, Parábolas e Páginas Diffceis do Evangelho,
Doutrina Social da Igreja, Diálogo Ecuménico, Novfssimos (Escatologia). Pedidos de informacóes e encomendas sejam dirigidos á Escola "Mater Ecclesiae", Caixa Postal 1362,20001-970, Rio (RJ). 475
De grande atualidade:
AIDSECASTIDADE
Em sintese: O Sr. Bispo de Viviers (Franga) chama a atencSo para o
fato de que muitos recomendara aos jovens o uso de preservativos, a fim de nao contrairem aAIDS. Tal receita nSo somente é ineficaz do ponto de vista técnico, mas, além disto, menospreza a juventude, confirmando-a num tipo de comportamento passional, instintivo, distante de um nobre
ideal; "a juventude merecería melhor tratamento". - O autocontrole sexual só pode ser obtido, se a pessoa substituí o impulso instintivo e cegó
por urna adesao mais consciente ao Primeiro Amor (Deus), adesao que se
obtém mediante a prática da oracSo e a disciplina geral dos sentidos, dos lazeres, dos ambientes de vida...
*
*
*
A AIDS está sempre em foco. Quase todos os dias os jomáis noticiam o número crescente de pessoas afetadas e a incessante luta da Medicina pa ra debelá-la de algum modo. - A propósito escrevem-se as mais diversas explanacñes. Com prazer registramos um precioso artigo do Sr. Bispo de
Viviers (Franca), Mons. Jean Bonfils,dirigido a jovens e também ao ampio círculo de pessoas interessadas no assunto. Traduzimo-lo a partir do origi
nal francés, que se acha no "Bulletin Oiocésain de Viviers" n. 7, de
2/04/1993. É de crer que as ponderac8es do autor contribuarri para ilus trar a única pista de saída do problema.
1.0 TEXTO
Há alguns dias passei urna tarde numa instituicSo de ensino católico
da diocese, em companhia de 25 jovens da última serie, debatendo o tema: "Que esperam da Igreja os jovens? Que espera dos jovens a Igreja?" Entre
as perguntas que me foram colocadas, havia esta: "Que pensa o Sr. a res-
peito dos preservativos e, em particular, da distribuicSo dos preservativos
ñas escolas?"
476
AIDSECASTIDADE
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Respondí:
"Tenno vergonha em nome dos jovens. Quem se julga que eles sao?
Em prime i ro lugar, mentem-lhes, dando-lhes a crer que os preservativos sao o melhor remedio contra a AIDS. A seguir, rebaixam-nos quase ao ní-
vel de um animal que nao tem inteligencia para conceber um ideal, nem
afetividade para gozar dele, apreciá-lo, expandir-se nele e amá-lo, nem vontade para realizá-lo. Os homens contentam-se com muni-los de urna protecao, e subentendem que, com isto, podem permitir a si mesmos o que eles querem. Chamo isto 'urna pedagogía da subcintura, urna pedagogía que es carnece do coraclío e do cerebro'. A pedagogía dos fracos, dos que sao desprezados, porque tidos como incapazes de coisa alguma, e digo a mim mesmo que os jovens merecem, sem dúvida, um pouco mais de consideracSo". Um jovem reagiu entao: "Mas o Sr..., o Sr. talvez nao tenha relacoes; por isto é-lhe difícil saber o que elas significam!" Ao que respondí: "Se eu nao tivesse a oracá*o e um pouco de disciplina dé vida, eu seria e faria co mo todos fazem".
As pessoas consagradas a Deus, os sacerdotes que se comprometerán) a viver no celibato e na castidade perfeita, sabem que, se eles querem ser fiéis, tém que rezar quase duas horas por día, contando-se o tempo que eles passam a celebrar a Eucaristía, a rezar em nome da Igreja, lendo o que se chama a 'Liturgia das Horas', a ruminar a Palavra de Deus na Biblia, a orar á Virgem María recitando o rosario a examinar a sua consciéncia á noite antes de adormecer e, enfím, a adorar o Senhor Jesús presente na Eucaristia. Sem a oracSo, é impossível viver em castidade, pois o hornem nao pode viver sem amor, nem sozinho. Ele precisa de amizade. A oracáo é isso; é o encontró de um amigo com seu amigo. Pensó aqui especialmen te na oracao pessoal, naquela que fazemos no segredo do nosso quarto ou do nosso escritorio. "Quanto a ti, quando qu¡seres rezar, diz Jesús, entra no segredo do teu quarto, tranca a porta e eleva tua oracao ao teu Pai, que lá está no segredo" (Mt 6,6).
Quando o Papa Joá"o Paulo II ousou utilizara linguagem exigente da castidade em Uganda, há algumas semnas, os meios de comunicacao dos ri
cos que nos somos na Europa, sempre prontos a dar licóes a África, ¡me
diatamente levantararn urna tempestado de protestos. Um semanario, habitualmente serio, chegou a consagrar toda urna página a ridicularizar o Papa numa caricatura. Todavía tal linguagem é a única auténtica lingua gem. Nem é necessário que alguém seja cristSo para que a profira. Basta crer numa certa dignidade da pessoa humana. Mas, se os cristaos nao a pro-
poem, quem a proporá? É a linguagem que chama o bem e o mal pelo seu
genuino nome. O preservativo é um mal. Que os homens o digam a si mes477
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mos, se tém um pouco de lucidez e de coragem. Em relacao a AIDS, é evi dentemente um mal menor. Mais vale utilizar um preservativo do que transmitir a AIDS. Mas mais vale praticar a castidade do que utilizar um preservativo. O Evangelho nao nos foi anunciado por Jesús para que nos contentemos com o mal menor. Nao era necessário que viesse do céu para apregoar urna pedagogía do mi'nimo vital.
Além da oracao, há também a exigencia de urna certa disciplina de vi da. Se tu permites a ti mesmo olhar para qualquer imagem na televisao ou alhures, escutar qualquer conversa, fumar ou beber mais do que a razao reconhece, freqüentar pessoas que fazém do vfcio urna virtude, ser-te-á impossfvel viver na castidade. Dito isto, acrescentarei — mas isto vai além da pergunta formulada — que todos aqueles que sofrem de AIDS devem ser acolhidos com a cruz que carregam, sem exclusao de ninguém, sem censura, sem julgamentos: "Eu estava doente, e vos me visitastes", diz Jesús (Mt 25,36). Tal é, segundo me parece, a única linguagem que seja lícito a um cristao sustentar. A seguir, passamos a outra pergunta, sem que eu pudesse deixar de julgar que esse tipo de discurso era um pouco difícil de serendossado pe los jovens que eu tinha diante de mim. Mas temos nos o direito de apresentar outro discurso?".
II. COMENTANDO...
O texto é altamente valioso, porque usa da linguagem mais franca possível, a única válida no caso. Em sintese, eis o que lembra ao leitor: 1) Sonriente a castidade ou o uso racional e regrado da sexualidade, dentro das normas que a natureza propoe, pode por termo ao flagelo da AIDS.
2) Incentivar os jovens (ou também os adultos) ao uso de preservati vos é enganá-los; é dar-lhes a crer que poderao livrar-se de um mal sem eli
minar a respectiva causa. É estimuiá-los á covardia ou á falta de disciplina
— procedimento este que é nocivo para toda a vida de alguém. Vem a ser, pois, urna falsa pedagogía, que desconsidera e deprecia os jovens, reduzin-
do-os á categoría de animáis dotados de instintos cegos e incontroláveis. Assim murcha todo ideal que um jovem possa conceber. 478
AIDSECASTIDADE
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3) Mas como viver a castidade? O homem precisa de parceiragem
e amor. - Nao há dúvida. Notemos, porém, que há varios graus de amor
e amizade. Quem se dispoe a abandonar a parceiragem instintiva do sexo livre, encontrará certamente no Primeiro Amor e na Fonte de todo bem muito mais respostas do que em qualquer criatura; a prática da oracao (que a muitos pode parecer árida e insignificante) preenche o orante com muito mais deleite e firmeza do que as desregradas concessSes feitas aos sentidos. Quem reza, descobre Oeus e se fixa mais fácilmente na fidelidade á dignidade humana e á vontade do Criador. Eis o segredo de quem deseja elevar-se ácima dos impulsos desordenados do seu coracao.
4) Juntamente com a oracSo, a disciplina de vida - a guarda dos
olhos, a escolha do tipo de lazer, a temporánea na fruicáo do prazer - é condicao indispensável para sadio desdobramento da personalidade. Se o homem nSo sabe dizer Nao a si mesmo quando se senté impelido á desordem, se se deixa levar pela fácil concesslfo ao hedonismo, será sempre escravo, e nao livre.
Oxalá esta linguagern franca, que afinal pode ser entendida mesmo sem a luz da fé, consiga levar a seria reflexao sobre o problema da AIDS!
A propósito da ineficiéncia dos preservativos, ver pág. 445 deste
fascículo.
*
*
*
(Continuagao da pág. 480)
muitos casos, tornando-se um bom cidadSo. Portanto nao é mau essencialmente, mas apenas em seu agir. Pergunta-se agora: como reconhecer concretamente o que é moralmente bom ou mau? — A resposta nao é diffcil: existem ditames éticos im pregnados em todo ser humano, ditames que constituem a lei natural; a
existencia desses ditames, anteriores a qualquer crenca religiosa, mais urna vez se manifestou em 1948 na promulgacao da Carta dos Direitos Huma nos; após os crimes de 1939-45, os povos da térra resolvera m afirmar sole rtemente a necessidade de se respeitar a pessoa do próximo, seus bens, sua fama, sua liberdade... Vemos, pois, que a reafirmado do bem (honestidade, lealdade, fidelidade...) e do mal (homicidio, furto, calúnia...) como comportamentos antagónicos é algo de sadio e mesmo indispensável á vida social. Sem isso, caímos no caos e na desgraca. Estévao Bettencourt O.S.B. 479
Será?
O BEM E O MAL: MANIQUE
"Aceitar a distincao entre o bem e o mal ou entre bom comportamento e mau comportamento é maniquei'smo dualista. O bem estaría de um
lado e o mal, do outro. Acabemos com a distincao". É o que estao dizen-
do. — Será verdade?
*
*
*
0 maniquefsmo é urna corrente de pensamento derivada de Maní
(sáculo III) na Pérsia. Professava a existencia de dois Principios ou Seres
Primordiais, dos quais um seria esencialmente bom (o Principio da Luz) e o outro essencialmente mau (o das T revas); o primeiro seria responsável pelo espirito, o outro, responsável pela materia. Esta doutrina tem o nome de dualismo ontológico. Nao é aceitave I, nem aos olhos da razao nem aos olhos da fé. Existe, porém, o dualismo ático. Este professa que nenhum ser é es
sencialmente mau, mas, sendo dotado de vontade livre, pode ter um com portamento desarmonioso em relacao á dignidade humana. Tal fato é da experiencia de todos os homens; o próprio Sá*o Paulo podia dizer: "Nao faco o bem que quero, mas pratico o mal que nao quero" (Rm 7,19). Os ins tintos ou impulsos naturais (conscientes ou inconscientes) nem sempre esperam a autorizacao da razao para se manifestar. Compete á pessoa de
bem coibi-los e dar-Ihes remedio, para nao se tornar incoerente. Quem senté, mas nao consente em tais impulsos, nao está pecando. Existem, portanto, o bem e o mal no plano ético ou no plano da conduta humana.
Quem reconhece isto, está longe de ser maniqueu, pois maniqueísmo, co mo dito, se refere ao plano ontológico, e nao ao plano moral. Observemos que um criminoso, por mais malvado que seja, tem prendas da natuerza humana (inteligencia, vontade, afetividade...); é corajoso, perspicaz; infe lizmente, porém, aplica esses dons á destruicSo e ao terror, em vez de os dedicar á construcao da sociedade; tal individuo pode ser recuperado em
(Continua na pág. 479) 480
Em Comemoragao do IV Centenario de sua. Fundagao 408
páginas (30 x 23) de uma obra ricamente policromada Texto histórico documentado por O. Mateus Rocha OSB
É a crónica corrida e compacta da construcao do Mosteiro, da sua igreja e das obras de arte nele contidas. Resume as mais diversas contri-
buicóes que. durante séculos. formaram o patrimonio da Ordem Beneditina na provincia do Rio de Janeiro.
Palavras do renomado arquiteto Ludo Costa: "Esse mosteiro - este monumento - é, sem dúvida, a áncora da cidade do Rio de Janeiro. — Em boa hora o intelectual e fotógrafo Humber to Moraes Franceschi que já nos deu a obra-prima ."O Oficio da Prata", resolveu fazer, com o pleno apeno do engenheiro-Abade D. Inácio Barbosa
Accioly (falecido a 26 de maio de 1992) -impecável dono da casa - este definitivo inventario visual, velho sonho de O. Clemente da Silva Nigra." Oe O. Abade Inácio Barbosa Accioly:
"Hoje o Mosteiro é realmente a áncora da cidade do Rio de Janeiro.
É igualmente foccxle luz ardente que, semqualquer ostentacSo ilumina to dos aqueles que aqui vivem, que aqui vém louvar o Senhor, ou que aqui
encontram alimento para a chama misteriosa de sua fé — pois o Mosteiro nao é um simples monumento ou um museu, mas uma casa viva a irradiar
a presenca de Oeus." Da mesma obra, álbum com 110 págt. (30 x 23) tomantt mbn t IQREJA DE SAO BENTO. am S volvmat ttptradot ñas lingual portuguota.xatpanhola. fnnetsa. inglesa a alemi.
O ANO LITÚRGICO Presenga de Cristo no tempo Quadro mural (formato 65 x 42). I lustrado em cores, para estudo do Ano
Litúrgico
em
cursos
para
equipes de Liturgia. É um "calen
dario" com as solenidades e testas do ano eclesiástico, com breves explicacoes. Pode ser afixado ás portas de igrejas, em salas de aulas, novicia dos, etc.
Elaborado
por
D.
Hildebrando
Martins. Útil á Catequese.
LITURGIA PARA O POVO DE DEUS, 4?
ed. por O. Cario Fiore SDB e D.
Hildebrando Martins OSB.
E a Cunstituicáo sobre a Liturgia (Sacrosanctum Concilium) explicada aos fiéis, em todo o seu conteúdo (Principios gerais, Acao Pastoral, o Miste rio da Eucaristía, os Sacramentos (com os seus ritos), o Oficio divino, o Ano litúrgico, a Música e a Arte sacras), com breves questionános para estudo em grupos. — 215 págs.
LITURGIA DAS HORAS, Instrucao geral (importancia da Oracáo na vida da Igreja, a Santif¡cacao do dia, os diversos elementos da Liturgia das Horas. Celebra?oes ao longo do ciclo anual, Celebracáo comunitaria). - 100 págs. LITURGIA DA MISSA — Ordinario para celebracao da Eucaristía com o povo.
25a edtcao atualizada, em preto e vermelho. Traducao oficial da CNBB,
contendo as 11 OracSes Eucarísticas, com acréscimo das aclamacoes e novos textos. — 108 págs.
ESTRUTURA GERAL DA MISSA - Quadro mural que completa o do ANO
LITÚRGICO-(65x42).
Apresentacao em cores de todos os momentos da celebracáo da Missa. Elaborado por D. Hildebrando OSB.
RENOVÉ. QUANTO ANTES, SUA ASSINATURA PARA 1993 CR$ 1.000,00