P rojeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LINE
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (ín memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XXXIV
JANEIRO
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1993 fia.' co
SUMARIO
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A Roda do Tempo
UJ
O co III
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A Via Sacra: Que é? Como Teve Origem? O Celibato Sacerdotal
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O Fundamentalismo Contemporáneo
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As Táticas Anti-Religiosas dos Governos Marxistas
a.
As Financas da Santa Sé
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rtHüUNTE E RESPONDEREMOS
JANEIRO 1993
Publicado mensal
N9 368
Diretor-Responsável Estéváo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada nes'te periódico
Diretor-Administrador: D. Hildebrando P. Martins OSB Administracao e distribuí(áo: Edicoes Lumen Christi Dom Gerardo, 40 ■ 59 andar, s/501
SUMARIO A Roda do Tempo
1
Ñas proximidades da Quaresma: A Via Sacra: Que á?
Como teve origem?
2
Discute-se
O Celibato Sacerdotal
13
Aínda os Novos Moví memos Religiosos:
Tel.: (021) 291-7122 Caixa Postal 2666
20001-970 - Rio de Janeiro - RJ FAX (021) 263-5679 Impressao e Encadernagáo
O Fundamentalismo Contemporáneo
31
Revelando segredos: As táticas antireligiosas
dos governos marxistas •MAR QUES3A RAÍ VA "
GRÁFICOS E EDITORES S.A.
Tels.: (021) 273-9498 - 273-9447
Relatório anual sobre: As Financas da Santa Sé
42
46
NO PRÓXIMO NÚMERO: O Rosario: origem e significado. - A Igreja Católica e a Maconaria. - Mais um
livro sobre' Ñostradamus e sua verdadeira face. — A conversao de urna jovem que se fez Claríssa na Hungría.
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 números) da P.R.: Cr$ 90.000.00 - n? avulso ou atrasado Cr$ 9.000.00 O pagamento poderá ser á sua escolha:
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BIBLIOTECA
A Roda do Tempo Mais urna vez, Janeiro!. . . A historia é urna sucessao de ciclos, que se repetem regularmente. Para os pagSos, este fato suscitava náusea e o desejo
de escapar dos grilhoes do eterno retorno, fugindo do corpo, do mundo e da historia, para conseguir melhor vida. . . Para os cristaos, os ciclos da historia tomam a forma de espiral ou de linha que sobe, passando pelas 'mesmas eta
pas, mas sempre em plano mais elevado, até chegar ao seu cume ou ómega. A historia nao é monótona, porque dinámica, porque todos os anos o cristao. passa pelas mesmas fases, mas cada vez mais maduro, mais próximo e mais prenhe de eternidade; vé os mesmos quadros, experimenta as mesmas viven cias, mas contempla tudo com um olhar sempre mais iluminado pela eterni dade. Associando idéias, verificamos que ciclo e roda eram imagens caras aos
amigos. Estes comparavam a vida a urna roda,. .. roda cheia de significado (cf. Tg 3, 6). Com efeito,
- a roda lembra a instabilidade e a fragilidade dos bens deste mundo. Quem hoje está em cima, desfrutando prestigio e gloria, amanhS poderá es tar em baixo, esquecido e abandonado. O cristao reconhece isto; mas nao se assusta, porque sabe que, através de altos e baixos, a roda da vida se move
na direcáo dos valores definitivos e se aproxima cada vez mais deles;
— a roda tem ainda outro simbolismo. Consta de um aro, que se liga a um ponto central mediante raios. Ora é ¡nteressante notar que esses raios, ao se aproximar do seu centro, se aproximam também, e cada vez mais, uns dos outros; e vice-versa, ao se distanciarem do seu centro, distanciam-se uns dos outros. Esta imagem significa, para os cristSos, algo de muito importante: os
raios que convergem para o eixo central, simbolizam os homens que, aproxi mándose de Deus, se aproximam sempre'mais uns dos outros; a fraternidade entre os homens está necessar¡amenté associada á paternidade de Deus; se
nao há Pai no céu, também nSo há ¡rmios na térra. A recíproca é válida: se os homens se afastam de Deus, afastam-se uns dos outros, como acontece
com os raios da roda e como atesta sobejamente a historia contemporánea. Que Janeiro, recordando-nos o caráter cíclico da nossa existencia, contribua para nos fazer viver sempre mais a espiral da vida, tendente ao seu
ponto ómega! Possa a volúpia de descobrir sempre mais a Deus e seu plano numa smtese mais profunda, mais inspirada pela eternidade, gere novo entu
siasmo naqueles que a aparente monotonía da caminhada ameaca cansar. E que essa volúpia dinamize os passos dos caminheiros na procura do seu cen tro, para onde convergem todos os irmá*os! E.B.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXIV - N9 368 -Janeiro de 1993 Ñas proximidades da Quaresma:
A Via Sacra: Que É? Como Teve Origem? Em síntese:
O exercicio da Via Sacra consiste em que os fiéis percor-
ram mentalmente a caminhada de Jesús a carregar a Cruz desde o pretorio de Pilatos até o monte Calvario, meditando simultáneamente a Paixao do Senhor. Tal exercicio, multo usual no tempo da Quaresma, teve origem na época das Cruzadas (sáculos XI/XIII): os fiéis que entio percorriam na Térra Santa os lugares sagrados da Paixao de Cristo, quiseram reproduzir no Ocidente a peregrinacao feita ao longo da Via Dolorosa em Jerusalém. O núme ro de estacóes ou etapas dessa caminhada foi sendo definido paulatinamen te, chegando á forma atual, de quatorze estacóes, no sáculo XVI. OPapaJoSo Paulo II introduziu, em Roma, a mudanca de certas cenas desse percurso nSo relatadas nos Evangelhos por outros quadros narrados pelos Evangelis tas. A nova configurado aínda nao se tornou geral. O exercicio da Via Sacra tem sido muito recomendado pelos Sumos Pontífices, pois ocasiona frutuosa meditacSo da Paixao do Senhor Jesús.
Por "Via Sacra" entende-se um exercfcio de piedade segundo o qual os fiéis percorrem mentalmente com Cristo o caminho que levou o Senhor do Pretorio de Pilatos até o monte Calvario; compreende quatorze estacóos ou etapas, cada urna das quais apresenta uma cena da Paixao a ser meditada pelo discípulo de Cristo. Embora semelhante exercicio seja assaz amigo na historia do Cristia
nismo, as modalidades que ele hoje em dia apresenta sao relativamente re centes. Percorramos, portanto, rápidamente o histórico da "Via Sacra" para entendemos o significado dessa prática.
VIASACRA:QUE É70RIGEM?
1. Peregrinacao em miniatura Há certas devocoes do povo cristao que nada mais sao do que a forma simplificada de exerci'cios de piedade solenemente praticados pelos cristaos amigos ou medievais.
Tal é o caso, por exemplo, do Santo Rosario. Na antiga Igreja os asce tas tendiam a rezar diariamente ou, ao menos, a intervalos regulares os 150 salmos da Escritura Sagrada. Com o tempo, porém, esta tarefa tornou-se ¡m-
praticável, seja porque a vida cotidiana se tornou mais complexa, seja por que os fiéis foram perdendo o entendí mentó dos salmos; dai'a substituicao destes por 150 "Ave Marías" distribuidas em dezenas; cada urna das quais representa um dos misterios de nossa Redencao (por sua vez os salmos nos
falam dos misterios do Redentor e do seu Reino na térra). Pois bem; nesta serie deve-se enumerar também a Via Sacra. Já que a peregrinacao aos lugares santos da Palestina é um ideal para todo cristao,
ideal, porém, que nem todos conseguem realizar, a Igreja consentiu em que os fiéis pratiquem urna peregrinacao em espirito, enriquecida de gracas semelhantes ás que estáo anexas a urna verdadeira peregrinacao. É o que se dá justamente no exerci'cío da Via Sacra.
A este vamos agora voltar nossa atencao.
2. O histórico da devócá~o á Via Sacra 1. Desde os primordios do Cristianismo, os fiéis dedicaram profunda veneracáo aos lugares santificados pela vida, a morte e a glorificacao do Se-
.nhor Jesús. De longínquas regioes afluiam á Palestina, a fim de láorar, dei-
xando-nos, em conseqüéncia, suas narrativas de viagem, das quais as mais im portantes na antigüidade sao a de Etéria e a do peregrino de Bordéus (sec. IV). Voltando ás suas patrias, esses peregrinos nao raro procuravam reproduzir, por meio de quadros ou pequeños monumentos, os veneráveis locáis que haviam visitado.
2. A tendencia a "reproduzir" se acentuou por efeito das Cruzadas (séc. XI/XIII), que proporcionaran! a muitos fiéis o ensejo de conhccer os lugares santos e de se nutrir da espiritualidade dos mesmos Entao, principal
mente nos mosteiros, se foram erguendo cápelas ou monumentos que recordavam os diversos santuarios da Térra Santa e eram objeto de ' peregrinapao" espiritual dos monges e das monjas que nao podiam viajar em demanda do Oriente. Conta-se, por exemplo, que a bem-aventurada Eustochium (t 1491), pobre Clarissa de Messina, construiu no interior da clausura urna capetinha
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 que lembrava a Natividade do Senhor, outra que evocava a casa de sua Máe
Santíssima, e outras mais, que significavam respectivamente o monte das Oliveiras, o Cenáculo, as casas de Anas e Caifas, o pretorio de Pilatos. o monte Calvario e, por fim, o Santo Sepulcro. Visitava diariamente esses mo numentos e, "como se houvera assistido as cenas que eles representavam, contemplava com lágrimas a bondade do Celeste Esposo e todos os feitos
deste na sua respectiva sucessao" (Wadding, Annales Minorum, ad an. 1491). Um dos casos mais expressivos da piedade fervorosa da Idade Media é o seguinte: no mosteiro cisterciense de Louváo (Portugal), havia, provavelmente no séc. XV, urna Religiosa conversa que, antes de se consagrar a Deus
no claustro, levava vida muito mortificada; entre outros atos de piedade, emitirá o voto de peregrinar á Térra Santa. Tendo, porém, entrado para o mosteiro, já nao podia dispor de si para empreender tal viagem; achava-se por conseguintc, continuamente preocupada com a lembranca da promessa feita ao Senhor; os escrúpulos a torturavam. Orava, porém, e mortif icava se ardentemente, na esperanpa de conseguir realizar seu designio. Foi entao
que o Santo Padre o Papa promulgou um jubileu solene, concedendo aos confessores faculdades extraordinarias, inclusive a de comutar votos. A irma, feliz, resolveu recorrer ao confessor, ped indo-I he cornutacáo (embora nao
precisasse disto, pois sua profissao religiosa solene anulara qualquer voto de devocáo). 0 confessor, para dar-lhea paz de alma, respondeulhe que ela poderia fazer no mosteiro mesmo urna peregrinacáo espiritual protraída por
tanto tempo quanto duraría a viagem á Térra Santa. Diante disto, a Religio sa, tendo obtido o consentimento da sua Superiora, resolveu empreender o
itinerario espiritual: um belo dia des ped ¡u-se das Irmas e cessou o intercam bio com elas; doravante pelo prazo de um ano pósse a peregrinar dentro da clausura de um altar ou de um oratorio para outro, identificándoos com os
lugares santos que os peregrinos da Palestina costumavam percorrer; tomava
suas frugais refeicoes depois que a comunidade saia do refeitório, deixando para os pobres a mor parte dos alimentos que Ihe eram destinados; á noite dormía no chao, no lugar mesmo em que se encontrava quando tocava o si no para o repouso.
Após doze meses de tal regime, na tarde em que devia encerrar a pere-
grinacao espiritual, a Irma foi para a igreja, onde entrou em oracao diante do Santíssimo Sacramento, com as mSos erguidas; ficou nessa atitude até a manha seguinte, quando a Irmff Sacrista, tendo aberto a igreja, resolveu avisá-la de que os fiéis iam entrar na igreja para assistir á S. Missa. Eis, porém, que a "peregrina" estava morta, de joelhos, irradiando do seu semblante urna tuminosidade extraordinaria. . .
O fato causou profunda impressao nos fiéis da localidade, que mais tarde disseram ter obtido gratas milagrosas por intercessáo da santa Religio-
VIA SACRA. QUE É? ORIGEM? sa.. . (cf. Frei Bernardo de Brito, Primara Parte da Chronica de Cister, I. VI c. XXXIV fol. 463, Lisboa 1602).
Fique o episodio aqui consignado, a título de ¡lustracáo! . . . 3. De acordó com a documentagáo que nos resta, parece que até o sáculo XII só havia, para os peregrinos da Palestina, guias e roteiros que oríentavam a visita dos lugares santos em geral, sem focalizar de maneira espe cial os que diziam respeito á Paixáo do Senhor; em 1187, porém, apareceu o primeiro itinerario que visava á via percorrida pelo Senhor Jesús ao carregar a cruz: é o opúsculo francés "L'éstat de la Citéz de Jhérusalem". Somente no fim do séc. XIII comecaram os fiéis a distinguir nesse itinerario etapas ou estacóos, cada urna das quais dedicada a um episodio do carregamento da cruz e consagrada por uma oracao especial. Por causa das restricoes ditadas pelos maometanos que ocupavam a Palestina, foi-se registrando, entre os cristáos, a tendencia a fixar cada vez mais um programa determinado e quase invariável para a visita dos lugares concernen tes á Paixáo de Cristo; no fim do séc. XIV tal roteiro comum já existia: per cor r ¡a em sentido inverso a Via Oolorosa de Cristo, partindo da igreja do Santo Sepulcro (monte Calvario) para ir terminar no monte das Oliveiras (donde se vé que nao havia propia mente a intencao de acompanhar em espirito Nosso Senhor na sua caminhada dolorosa).
Eis aqui o itinerario que o peregrino inglés William Wey, tendo estado duas vezes na Térra Santa (1458 e 1462), propunha sob a forma de versos mnemotécnicos (Wey, alias, é o primeiro autor a designar como "stationes", estacoes, as etapas da Via Dolorosa):
"Lap strat di trivium flent sudar sincopizavit Por pis lapque schola domus her Symonis Pharisey". A explicacao latina das abrevia-
Em traducao portuguesa:
coes seria a seguinte:
1. quem
2.
Lapis
cum
crucibus
super
Christus cecidit cum cruce.
Strata
per
quam
Christus
transivit ad suam passionem.
3.
Domus
divitis negantis mi
Trivium
Locus
A casa do ricaco que negava as miga I has a Lázaro.
ubi
Christus
ceci
dit cum cruce.
5.
A estrada pela qual Cristo passou para padecer.
cas daré Lázaro.
4.
Pedra com cruzes sobre a qual Cristo caiu com a cruz.
A
encruzilhada
na
qual
Cristo
caiu com a cruz.
ubi mulieres flebant
propter Christum.
O lugar onde as mulheres choravam por causa de Cristo.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 6. Locus ubi vidu sive Verónica posuit sudarium super faciem Christi.
O lugar cm que a viúva ou Veró nica colocou o véu sobro a face de Cristo.
7.
Locus
ubi
beatissima
María
sincopizavit. 8.
Porta
per
quam
Christus
transibat ad passionem.
9.
Piscina
A porta pela qua I Cristo passou para padecer.
¡n qua aegroti sana
ba ntur tempore Christi.
10.
O lugar em que a muí bem-aven turada María desmaiou.
Lapides
super
A piscina onde os doentes eram curados no tempo de Cristo.
quos stetit
As pedras sobre as quais Cristo
Christus quando iudicatus erat ad
esteve
mortem.
morte.
11. Locus ubi beata María transivit ad scholas.
quando
o
condenaram
á
O lugar em que a bem-aventura-
da
María
freqüentou
a
escola.
12. Domus Pílatí.
A casa de Pilatos.
13. Domus Herodis.
A casa de Herodes.
14. Domus Simonis Pharisey.
A casa de Simao o Fariseu.
Como se vé, as estacóes desse itinerario estao longe de coincidir com as do exerci'cio da Via Sacra moderno; apenas quatro estacóes da lista de Wey sao aínda em nossos dias observadas, a saber: 4. Trivium ou o encontró com o Cireneu; 5. Flent ou o encontró com as santas mulheres que choravam;
6. Sudarium ou o encontró com a Verónica; 7. Sincopizavit ou o encontró com María Santfssima.
As outras estaedes do itinerario de Wey assim se explicam: 1. "Pedra com cruzes...": havia urna pedra assinalada por cruzes no patio diante da igreja do Santo Sepulcro, pedra que designava o lugar em que Jesús, ao carregar a cruz, cai'ra pela última vez (esta estacao do itinerario
de Wey poderia ser identificada com a estacao referente á terceira queda de
Cristo no percurso hoje em día usual). 2. "Suata": supunha-se estar pavimentada a estrada que levava ao Cal vario.
3. Alusao á parábola narrada em Le 16.19-31. 8. Tiata-se da Porta do Julgamento da antiga cidade de Jerusalém.
9. Referencia á piscina probática mencionada em Jo 5, 2. 10. Alusao as duas pedras talhadas que constituiam o arco do "Ecce Homo".
VIASACRA-.QUE É7 0RIGEM? 11. Referencia á escola freqüentada por María Santísima. 12. 13 e 14. Alusao a casas que remotamente se prendem á historia da Paixao do Senhor.
Alguns autores de fins do séc. XV, entre os quais Félix Fabri (1480),
compraziam-se em afirmar que o itinerario entao adotado, do Calvario ao monte das Oliveiras, era aquele mesmo que a Virgem Santi'ssima costumava percorrer, recordando outrora os episodios da Paixao de seu Divino Filho; tal assercáo, porém, era sugerida apenas pela devocao, carecendo de funda mento na realidade histórica.
Note-se, de passagem, que os peregrinos da Térra Santa no fim da Idade Media davam cortamente provas de extraordinario fervor, pois, para satis-
fazer á sua piedade, deviam submeter-se nao somente aos perigos mortais da viagem marítima (piratas e peste), mas também a duras humilhacóes e dificuldades que os muculmanos ocupantes da Palestina Ihes ¡mpunham. Tal fer
vor nao podia deixar de provocar imitadores cada vez mais numerosos entre os cristaos que estavam impedidos de empreender a viagem á Térra Santa; es tes deviam experimentar o vivo desejo de substituir a peregrinacao local ao
Oriente por algum exerci'cio de piedade que pudesse ser realizado ñas igrejas
ou nos mosteiros mesmos do Ocidente. É a esse desejo crescente que se deve o ulterior desenvolvimento do exerci'cio do Caminho da Cruz.
4. O fervor levou, sim, os fiéis a querer percorrer o Caminho Doloroso do Senhor Jesús nao na ordem inversa (do Calvario ao monte das Oliveiras), mas observando a sucessao mesma dos lugares e dos episodios que tecem a historia da Paixao: urna narrativa de viagem devida ao sacerdote inglés Ri chard Torkington e datada de 1517 mostra que já nesta data os fiéis seguiam
o Caminho da Cruz em demanda do Calvario, isto é, na direcao mesma que Nosso Senhor tomara — o que Ihes possibilitava reviver mais intensa e férvi damente as etapas dolorosas da Paixao. A partir de 1517, nao se registra mais nenhum documento que ref ira as estacSes sagradas a partir do Calvario. No Ocidente as reproducoes, em pintura ou escultura, das estacSes da Via Dolorosa eram variadas. Algumas se contentavam com a enumeracao de sete etapas, também ditas "Sete quedas de Jesús", porque em cada urna de-
las Cristo aparecia ou prostrado por térra ou ao menos vacilante sob o peso da cruz e desejoso de se reerguer.
Assim, por exemplo, em fins do séc. XV se enumeravam: 1) o encontró de Jesús com sua Mae Santi'ssima;
2) o encontró de Jesús com o Cireneu; 3) o encontró de Jesús com as mulheres de Jerusalém;
8
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 4) o encontró de Jesús com Verónica;
5) a queda de Jesús sob a cruz, a 780 passos da casa de Pilatos; 6) a prostragao do Senhor sob a cruz, a 1000 passos da casa de Pilatos; 7) a deposicao de Jesús nos bracos da sua Mae Santíssima. Podiam-se enumerar na iconografía e na devocao dos Ocidentais oito estacóos assim concebidas:
1} Jesús é condenado á morte;
2) Jesús cai pela primeira vez; 3) Simáo, o Cireneu, ajuda o Senhor a carregar a cruz;
4) a Verónica enxuga a face de Jesús; 5) o Senhor cai pela segunda vez; 6) Cristo encontrase com as filhas de Jerusalém;
7) Jesús cai pela terceira vez; 8) Jesús é despojado das suas vestes. (Serie devida a Pedro Steckx ou Petrus Potens, de Lovaina, depois que
voltou de Jerusalém em 1505). Também no século XV alguns devotos tendiam a venerar, juntamente
com as sete quedas de Jesús, as sete dores de Nossa Senhora, ou as tristezas da Virgem Santíssima por contemplar, de cada vez, o seu Filho prostrado ou padecente sob a cruz.
Alguns autores ocidentais de livros de piedade ou de obras de arte sa cra enumeravam por vezes 19 ou 25 ou até 37 estacoes na Via Dolorosa de Jesús. Parece aquí merecer especial mencío o fato de que foi na Alemanha e
na Holanda que nos séc. XV/XVI mais floresceu a devocao á Via Sacra do Senhor, ocasionando naturalmente grande número de monumentos literarios e arti'sticos dedicados a tal tema.
5. Finalmente, entrou em cena na literatura ocidental um livrinho que devia por remate á evolucao do santo exercício do Caminho da Cruz: era o
opúsculo do carmelita flamengo Jan Pascha (ou Jan van Paesschen), intitula
do "A peregrinacáo espiritual" (1563). A viagem espiritual ai descrita devia durar um ano, sendo assinalada
para cada dia urna parte determinada do roteiro "Lovaina — Térra Santa"; essa parte cotidiana era acompanhada de um tema de meditacáo e de exercícios de piedade. No primeiro dia, por exemplo, o peregrino ¡maginava que ia
viajar de Lovaina a Tirlemont, e devia meditar sobre o tema "Deus, último Fim de todas as criaturas"; no segundo dia, "viajava" de Tirlemont a Ton8
VÍA SACRA: QUE É? ORIGEM?
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gres, e meditava sobre a criacao dos anjos, etc. No 188° día, porém, estando o "peregrino" no horto das Oliveiras a contemplar a agonía de Jesús, adver tía Jan Pascha:
"Aquí comeca a primeira prece da longa camínhada da cruz. As preces deste caminho sao em número de quinze..."
A segunda esta gao fazia-se na casa de Anas, ao 193° día; a terceira estacao, ao 196° día, no lugar em que Jesús fora encarcerado e submetido ao escarnio da soldadesca;
a quarta estacao, ao 206° dia, se fazia no tribunal de Pilatos, onde Je sús fora condenado;
a quinta estacao se detinha no lugar em que Jesús tomara a cruz;
a sexta estacao considera va o encontró de Jesús com sua Mae Santísi ma, assim como a segunda queda do Salvador (a primeira queda, nao explíci tamente venerada, se dera logo após a tomada de cruz por parte do Senhor); a sétima estacao se dava no lugar em que o Cireneu auxiliara Jesús a carregar a cruz, tendo o Divino Mestre ai' caído mais urna vez; a oitava estacao assinalava o encontró de Jesús com Verónica e a quar ta queda do Senhor;
a nona estacao cultuava o encontró de Jesús com as filhas de Jerusalém; a décima estacao venerava a última queda do Senhor; a undécima estacao considerava o despojamento de Jesús; a duodécima estacao, a crucifixáo;
a décima terceira estacao, a morte de Jesús sobre a cruz; a décima quarta estacao, a deposigao da cruz; a décima quinta estacao, por fim, venerava o sepultamento do Senhor.
Observe-se que as diversas etapas ácima sao acompanhadas de tantas
minucias topográficas e arqueológicas que certamente a obra de Jan Pascha
9
JO
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
deve ter causado a ¡mpressáo de estar baseada em documentapáo sólida e abundante.
Em 1584 outro autor, Adríchomius, retomava o itinerario espiritual de Jan Pascha, e dava-lhe a forma que ele hoje tem: fez, sim, comecar o Ca minho da Cruz no pretorio de Pilatos, onde Jesús foi condenado á morte, e, para atingir o número de quatorze estapoes. dedicou especial veneracao a mais duas pressupostas quedas do Senhor. Por obra de Pascha e Adricho-
mius, portanto, o exercfcio do Caminho da Cruz recebeu no sáculo XVI a sua confíguracáo atual. 6. Urna verificarlo interessante se impoe agora ao estudioso:a escolha
das etapas do Caminho da Cruz, hoje usual entre os cristaos, se deve á piedade dos autores de livros de devopao escritos no Ocidente, e nao á prática ob servada na própria Cidade Santa, ou seja, em Jerusalém (Adríchomius mesmo nunca esteve na Palestina).
O curioso fenómeno explica-se muito bem: na cidade de Jerusalém dos séc. XV/XVI nao se podia pensar em assinalar aos peregrinos estapoes ou pa
radas para cultuarem as diversas fases da Vía Dolorosa de Jesús. Com efeito, os cronistas da época referem que o ánimo pouco amigo dos turcos ocupan tes da Térra Santa nao permitía que os fiéis cristaos se detivessem diante das
localidades sagradas do interior da Cidade de Jerusalém; deviam transitar com a máxima sobriedade pela estrada que o Senhor percorrera com a cruz, contentando-se com urna prece ou meditacao puramente interna. Sendo assi m, entende-se que em Lovaina e Nürnberg, ou na Flándria e na Alemanha em geral, o exercfcio da Via Sacra fosse celebrado com muito mais aparato e minucias do que na própria Cidade Santa; foi, pois, nestas regioes, e nao no Oriente, que a referida devopáo tomou sua forma hodierna.
Estas circunstancias sxplicam outrossim que as cenas atualmente comemoradas ñas estapoes do Caminho da Cruz em parte sejam conjeturáis: principalmente o que se refere ás quedas de Jesús fica sujeito a dúvidas
(lembramo-nos de que a principio se assinalavam sete quedas, quatro das
quais estavam associadas aos encontros de Jesús respectivamente com María Santíssima, com o Cireneu, com as piedosas mulheres de Jerusalém, com Verónica). 0 próprío encontró de Jesús com Verónica nao é atestado pelos documentos escritos senáo a partir do séc. XV; também nao se tem certeza
de um encontró de Jesús com sua Mae Santíssima. É preciso observar aínda que a serie na qual se sucedem os diversos episodios do Caminho da Cruz é, por sua vez, hipotética.
7. Tais afirmapoes talvez suscitem perplexidade em um ou outro dos
fiéis cristaos. A perplexidade, porém, se díssipará sem demora após urna reflexáo serena sobre o assunto.
10
VÍA SACRA: QUE É7 0RIGEM? O cenário do Caminho da Cruz é proposto aos fiéis ná"o á guisa de ensinamento histórico, para que os cristáos, mediante esse documento, enriquecam o seu cabedal de cultura e saber. Nao; as estacóes da Via Sacra sao propostas únicamente para mover a piedade, fomentar o amor a Oeus e a chama
da oracSo. Por conseguinte, nao queira o discípulo de Cristo deduzir conclusoes de historiografía ao folhear o seu manual de Via Sacra; procure, antes, prorromper em atos de fé, esperanca e caridade, mediante o percurso do Ca minho da Cruz.
É de notar que na Sexta-feira Santa de 1991 e 1992 o S.Padre Joáo Paulo II, ao realizar o exercício da Via Sacra no Coliseu de Roma, quis alte rar o conteúdo das respectivas estagdes, substituindo as cenas nao incluidas no Evangelho por outras, tiradas do texto sagrado. Eis a seqüéncia entao adotada:
1. Jesús no Horto das Oliveiras
2. Jesús, traído por Judas, é aprisionado 3. A condenacao de Jesús
4. A negacao de Pedro 5. Jesús diante de Pi latos 6. A flagelacao e a coroacao de espinhos 7. Jesús carrega a Cruz
8. Jesús e o Cirineu 9. O encontró com as mulheres de Jerusalém 10. A crucif ¡cacao 11. Jesús e o Bom Ladrao
12. Maria e JoSo ao pé da Cruz 13. A morte de Jesús 14. Jesús deposto no sepulcro Esta nova ordem é certamente bela e apta a inspirar a meditacao dos fiéis. Nao consta que tenha sido promulgada pela autoridade da Igreja para
o roteiro da Via Sacra realizada fora de Roma. Como quer que seja, fica a
criterio de cada fiel ou cada grupo de fiéis assumir a nova seqüéncia no exer cício da sua devocao, pois, como dito, o que importa na Via Sacra é meditar a Paixao do Senhor Jesús. Tem sido costume acrescentar ás quatorze estac6es urna décima quinta, destinada a contemplar a ressurreicao de Cristo, visto que Paixao, Morte e Ressurreicao constituem um so Misterio de Páscoa. 8. Por fim, deve ser realcado o papel importante dos Franciscanos na difusSo do exercício da Via Sacra. Desde o secuto XIV os filhos de SSo
Francisco sao os guardiSes oficiáis dos lugares santos da Palestina; entende-se,
pois, que de modo especial se tenham dedicado á propagacSo da veneracao á Via Oolorosa do Senhor; em suas igrejas e junto aos seus conventos, desde 11
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 fins da Idade Media tomaram o hábito de erguer as estagoes da Via Sacra; adotando a serie sugerida por Jan Pascha e Adrichornius, fizeram que esta
prevalecesse sobre todas as congéneres; foram também os filhos de Sao Fran cisco que obtiveram dos Papas a concessao das numerosas indulgencias ane
xas a tal exercício de piedade. - Grandemente benemérito da devogáo á Via Sacra é Sao Leonardo de Porto Mauricio OFM, que, por ocasiao de sua atividade missionária em toda a Italia, de 1731 a 1751, conseguiu erguer 572 "Vías Sacras".
Atualmente a Igrpja concede indulgencia plenária a quem pratique o exercício da Via Sacra. Para que este possa ser efetuado, requer-se urna serie de quatorze cruzes (com alguma imagem ou ¡nscricáo, se possi'vel) devidamente bentas. O cristio deve perrorrer essas cruzes meditando a Paixao e a
Morte do Senhor (nao é necessário que siga as cenas das quatorze clássicas
estacSes; pode servir-se de algum livro de meditacao). Caso o exercício da Via Sacra se faca na igreja, com grande afluencia de fiéis, de modo a impossibilitar a locomocao de todos, basta que o dirigente do sagrado exercício se locomova de estagao em estagáo.
Quem nao possa realizar a Via Sacra ñas condicoes ácima, lucra indul gencia plenária lendo e meditando a Paixao do Senhor pelo espago de meia-
hora ao menos.1
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TANTES EM OUTROS PLANETAS. A TEMÁTICA É DE GRANDE
ATUALIDADE, POIS OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS A ABOR-
DAM COM FREQÜÉNCIA, DESPERTANDO FANTASÍA E EMOCÓES.
ENCOMENDAS E PEDIDOS DE INFORMACOES SEJAM DIRIGI
DOS A ESCOLA "MATER ECCLESIAE", CAIXA POSTAL 1362, 20001-
970 - RIO DE JANEIRO (RJ). 10 que sSo as indulgencias, e o modo preciso de lucrá-las, sSo explica dos em PP 309/1988, pp. 9Ss. 12
Discute-se
O Celibato Sacerdotal
O celibato sacerdotal é objeto de acalorados debates nos meios de comunicacáo social e ñas escolas. A insistencia em discutir o assunto provém do fato de que só pode ser bem entendido a partir dos valores da fé, valores que ultrapassam a compreensao meramente natural do homem. -A fim de elucidar a questáo, vai, a seguir, publicado um belo estudo do Pe. Geraldo Luiz Borges Hackmann, da arquidiocese de Porto Alegre (RS); abrange a
questáo de modo ampio, percorrendo a historia e a motivacao teológica do celibato. O leitor certamente sentir-se-á feliz por ler as valiosas considerares do autor, ao qual a Redacto de PR exprime a sua profunda gratidao.
O Celibato Presbiteral: Historia e Motivacoes 1. Introducto O celibato dos presbíteros está em pauta hovamente. Diversas publicapoes recentes sobre o assunto expSem argumentos favoráveis ou contrarios. O clima que envolve hoje o debate em torno do celibato presbiteral, é o da reivindicacáo: o desejo é o da abolicáo da lei canónica que atualmente une presbiterato e celibato. O motivo da opiniao pela escolha livre do celi bato é a falta de vinculacáo teológica entre o carisma presbiteral e o do celi bato. Também fazem parte deste panorama a reivindicacáo da ordenacSo de homens casados e a readmissao ao exerci'cio do ministerio daqueles presbíte ros que o deixaram e se casaram.
Este artigo tem um objetivo bem preciso. Deseja refletir sobre a histo ria da lei canónica do celibato presbiteral e os motivos que levaram a tórna lo obrigatório na Igreja Latina. 13
J4
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
2. A historia do celibato na Igreja Latina A apresentacao histórica do celibato é milito variada, seguindo o pon
to de vista dos autores.1 No entanto, é possível buscar coordenadas sobre as origens históricas da lei canónica do celibato.
a) Os tres primeiros séculos
É inegável a existencia de ministros casados e nao casados desde as ori gens do cristianismo. O Novo Testamento traz diversos textos que comprovam este eos turne. Ainda nao há nenhuma lei canónica, particular ou geral,
que proíba a ordenacáo de homens casados oü que exija a separacao entre o presbítero casado e sua esposa ou a observancia da continencia no matri monio. A única legislacáo existente neste período parece ser a proibica*o de presbíteros viúvos contrairem novo casamento e viúvos receberem a imposi-
cao das maos para o ministerio presbiteral. O motivo apóia-se em ITm 3,2 e Tt 1,6: o bispo deve ser homem de urna só mulher ("vir unius uxoris"}. Nes-
se período ainda nao havia distincfo entre o presbítero e o episcopo.1 No entanto, ao lado dos ministros casados, conforme atestam no sácu
lo III Clemente de Alexandria, Orígenes e Cipriano3, paulatinamente cresce o desejo e a motivacfo para o celibato, sem imposicao de nenhuma lei canó nica. Assim, a Igreja dos dois primeiros séculos descobre o valor da virgindade crista e tem grande apreco por aquelas pessoas ás quais Deus concedeu esse dom. Diversos Santos Padres da Igreja assim testemunham. Tertuliano
(aproximadamente 155-220} na obra De exhortatione castitatis recomenda a
1A respeto, ver observacao de H. Crouzet. que toma os argumentos de fíoger Gryson CLes origines du célibat ecclésiastique: Ou premier au septiéme siécle, Gembloux 1970) para extrair outras conclusoes: H. CROUZEL, "II celibato nella Chiesa primitiva" in Sacerdozio e celibato (ed. J. COP-
PENS), Roma 1975. p. 452. O mesmo contra Schillebeeckx; cfr. H. CROU ZEL, "Le ministére: II • Témoignages de l'Eglise ancienne" in Nouvelle Revue Théologique 104(1982) p. 746.
2. Cfr. A LEMAIRE, "Les ¿pitres pastorales: B. Les ministeres dans l'Eglise" in Le ministére et les ministéres selon le Nouveau Testament (ed.
J. DELORMEJ, París 1974, pp. 109112.
3. A. VILELA, La condition collégiale des pretres au lile, siécle (Théologie Historique 14), París 1981, p. 41. 14
CELIBATO SACERDOTAL
15
castidade a um seu amigo que havia perdido a esposa.4 S. Cipriano5 V, Cle mente de Alexandria (este na obra Stromateis ouStromata) recomendam viva mente o celibato em vista de uma maior liberdade de espirito, baseado no
exemplo de Sao Paulo6.
Orígenes aponta as seguintes razóes para o celibato: paternidade espiri tual dos presbíteros para os cristaos; a disponibilidade apostólica; um sacrifi cio como hostia viva e santa oferecida a Deus na própria carne; a virgindade
é uma preparagao para o estado paradisíaco do corpo glorificado, que se deixa assumir totalmente pelo Espirito; as impurezas das relacoes conjugáis7.
O século III apresenta uma mudanca na prática em relacao aos minis
tros. As igrejas do Egito, África e Sfria ¡ntroduzem o costume de preferir or
denar os celibatários. Tertuliano e Orígenes sao defensores deste costume, por verem maior perfeicao no celibato, além de aconselhar os presbíteros ca sados a viverem como irmSos com sua esposa. Os motivos elencados sao os seguintes: com a continencia, o presbítero restabelece a carne em sua dignidade originaria; a continencia permite pertencer ao Senhor sem divisao e torna o presbítero mais disponível para sua tarefa pastoral ' Assim, come ta a surgir a idéia de uma certa incompatibilidade entre sacerdocio e matri
monio.10
b) Os sáculos IV e V Estes dois sáculos apresentam uma mudanpa radical no costume até aqui existente. Os concilios vao adotando uma legislagao clara sobre o celi bato sacerdotal. Essa legislacao proibe ao presbítero ordenado celibatário
4. Cfr. J. QUASTEN. Patrología. I primi due secoli (I-MI), Cásale 1983
pp. 543s; C. COCHINI. Origines apóstol iques du célibat sacerdotal, París 1981, pp. 167-171.
s. A. VILELA, op. cit, pp. 328s.
6. C COCHINI, op. cit.,pp. 171-176; A. VILELA. op. cit, pp. 41s. 7. A. VILELA, op. cit, pp. 118-120. 8. TERTULIANO, De exhortadora catitatis 13,4. 9. ORÍGENES, PG 13, 1595; ID.. Fragments sur la Premien aux corin-
thiens, 34.
10. M. DORTEL-CLAUDOT, "IIcelibatoneisecoli"in II pretepergli
uomini d'oggi, (ed. G. CONCETTI), Roma 1975, pp. 737s. 15
H5
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
contrair matrimonio posteriormente e ao presbítero casado continuar a ter relacoes conjugáis com a sua esposa.
0 concilio espanhol de Elvira (por volta de 305) é o primeiro conci lio da Igreja no qual se encontram cánones disciplinares sobre o celibato. Os 81 cánones tratam de questoes muito diversas. O canon 33 proibe aos bispos, presbíteros e diáconos, ocupados com o altar, terem relacoes sexuais com a esposa. Portanto, é urna lei de continencia para os ministros casados
antes da admissáo ás ordens. Há referencia a urna tradicao anterior, embora
a lei seja nova.1'
O primeiro concilio de Arles, em 314, adota igual prescricáo do con cilio anterior, quando, no canon 29, proibe as relacóes sexuais por causa do servico quotidiano do ministerio sacerdotal. A nao observancia implica na perda da "honra de clérigo". Como na prescricao do concilio de Elvira, aquí
há urna lei de pureza ritual: a continencia em vista do servico ao altar.13 O concilio de Ancira, também de 314, reunindo bispos da Asia Menor e da Si'ria, propóe, no canon 10, urna verdadeira lei de celibato sacerdotal, diferenciándose, por isso, dos dois concilios anteriores. O canon 10 pres-
creve a proibicSo do casamento para o diácono ordenado célibe'3. O concilio de Neo-Cesaréia (entre 314 e 325) estabelece a mesma proibicáo para o presbítero. O canon 1 prescreve a exclusao da ordem clerical
para um presbítero que se casa.14
Assim, esses dois últimos cánones estabelecem urna verdadeira lei de celibato, ao lado da lei de pureza ritual, como a formularam osdoisprimeiros
concilios. É possível concordar, emcertosentido.com Schillebeeckx, quando ele afirma que a lei da continencia ou da pureza ritual está presente na origem da lei do celibato, mas é necessárío discordar dele quando ele diz ser essa a
única causa.1 s
1'. C. COCHINI. op. cit., pp. 183-186. 12. C COCHINI, op. cit, pp. 186-194.
13. C. COCHINI. op. cit.pp. 194-202; J. LECUYER, Le sacrament de l'ordination (Theologie Historique 65), París, 1983, p. 56.
1". C COCHINI, op. cit, pp. 202s. 1 \ E. SCHILLEBEECKX, Por urna Igreja mais humana, Paulinas, Sao Paulo 1989. p. 333. 16
CELIBATO SACERDOTAL
V7_
O concilio de Nicéia (325), primeiro ecuménico, defende, no canon 3, a possibilidade do bispo, presbitero e diácono ter urna ' irmS" consigo, de
acordó com os primeiros séculos da Igreja.16 As razSes para tal legislacáo mostram que a idéia, nascida no sáculo
III, da ligacao do sacerdocio com o celibato foi sendo aceita cada vez mais. Os argumentos também foram-se impondo e sendo aceitos, tendo em vista a idéia de que a continencia faz crescer no presbítero a presenca do Espirito Santo (Joio Crisóstomo), a continencia torna o presbítero mais disponfvel para o seu oficio apostólico (Eusébio de Cesaréia, Epifánio de Salamina e
Joao Crisóstomo) e propicia a fecundidade espiritual da castidade sacerdotal (Eusébio de Cesaréia).
c) Do século VI ao final do século X A legislacáo, no ocidente, permanece imutável. A Igreja continua a or denar homens casados, embora com a obrigacáo da continencia, apesar de poder manter a esposa consigo. O Concilio de Clermont, de 535, ensina que o sacerdocio deverá renunciar á comunidade conjugal após a ordenacao e trans
formar a relacao conjugal em amor fraterno. A Igreja urge a observancia de
tal legislacáo por meio de diversos meios e sancoes17, sinal de que muitas vezes nao foi observada.
A proibigáo, aos ministros célibes, de contrair matrimonio apresenta di-
versidade. Antes de Carlos Magno parece ter sido habitualmente observada. O problema surge quando Carlos Magno abre escolas para clérigos jovens e é introduzido o costume de ordenar os presbíteros cada vez mais jovens e edu cados em vista do sacerdocio desde a infancia. A partir daí, há casos de casamemos após a ordenacao, que eram considerados gravemente ilícitos, mas ná"o inválidos. Apesar das transgressóes á lei do celibato, motivadas pelas condicóes sociais ñas quais o clero se vé forcado a vi ver por causa dos beneficios, da si-
tuagáo de muitas igrejas locáis e das investiduras, que fazem chegar ao minis terio presbiteral pessoas desprovidas de atitudes e de qualidades moráis e re-
. C COCHINI, op. cit.. p.211. Ver interpretafao diferente, no sen
tido de Nicéia nSo querer estabelecer urna leigeraide celibato, conforme El
vira: A. J. ALMEIDA, "O celibato dos presbíteros e dos bispos", in Revista Eclesiástica Brasileira 197(1990/1) p. 148.
17. Ver exposicaoa respeito:M. DORTEL-CLAUDOT, op. cit.,p. 744 17
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
liijiosas adequadas ao ministerio assumido18, a lei se mantém como norma para a auténtica disciplina sacerdotal. As sancoes nao depoem contra o celi bato, mas sao sinal do comprovado reconhecimento da unidade entre o sa cerdocio e o celibato. Os livros penitenciáis consideram a nao observancia do celibato dos clérigos como um "adulterium", pois o celibato foi prometido
aDous. "
A Reforma Gregoriana no século XI procura atacar o mal pela raíz e. assim, urge a observancia do celibato para concretizar a finalidade da restau
rado da disciplina do clero. Para atacar a simonía, onicolai'smo e as investi duras, por parte dos leigos, apela para a Tradicáo e para os Santos Padres, com a finalidade de restaurar a disciplina amiga e auténtica da Igreja. Apesar de tudo, a "vita canonialis", incentivada por Gregorio Magno, nao teve o su-
cesso almejado.20
Assim, a situacao do clero no final do século X pode ser dividida em tres grupos: o primeiro, padres ordenados já casados, que podiam coabitar com a esposa, mas obrigados á continencia; o segundo, ministros ordenados jovens que permanecem fiéis e poucos praticando a "vida canonialis"; o terceiro, o grupo dos ordenados jovens que contraem matrimonio apósa orde nacao, apesar de ser considerado inválido.
d) Os sáculos XI e XII
Dois concilios tornaram universal e obrigatória a lei do celibato: o pri meiro concilio de Latráo (1123) e. explícitamente, o segundo concilio de Latrao (1139), nos cánones 6 e 7. Esse último concilio, ao declarar nulo o matrimonio contraído após a ordenacao, concluí urna historia iniciada no século IV e que se estende até o século XII. No entanto, o que importa é ver as motivacoes para a decretacao dessa lei que proibe a ordenacao de padres casados ou que exige a identidade entre o carisma do ministerio presbiteral
e o carisma do celibato. A partir daí, o matrimonio passa a ser um impedi mento para a ordenacao sacerdotal.
e) Do século XIII em diante Após esses dois concilios, nao há novidade na legislacao canónica so bre o celibato.
18. A M. STICKLER. "Evoluzione delta.disciplina del celibato nella Chiesa d'occidente dalla fine dell'etá patrística al concilio di Trento" in Sacerdozio e celibato, op. cit., pp. 508-512.
19. A M. STICKLER. op. cit.. p. 517. 20. A. M. STICKLER, op. cit.. pp. 535s. 18
CELIBATO SACERDOTAL O papa Inocencio III, empenhado incansavelmente pela reforma do
clero, reconfirma as decisoes dos concilios anteriores no IV concilio de |_a. tráo (1215) e decreta a deposicSo dos clérigos que nSo observam a lei do ce libato e continuam a celebrar a Missa, apesar de previamente censurados (cf.
DS 817). Os papas Alexandre III, Clemente III, Honorio III, Gregorio IX e Bonifacio VIII continuam no mesmo caminho..Igualmente os concilios de Constanca (1414-1418) e de Basiléia (1431-1437). O concilio de Trento. ñas sessóes XXIV (11 de novembro de 1563} eXXV (3 de dezembro), confirma a disciplina vigente (cf. DS 1809), procu rando coibir a nova observancia do celibato e a oposicao proveniente da Re
forma.21
A partir da metade do sáculo XVII, nao há serios problemas na obser vancia do celibato, como era desejado pelos reformadores
desde a época
gregoriana. A formacao recebida nos seminarios e a valorizacao da espiritua-
lidade contribu iram para chegar a esse resultado.12 Recentemente, o concilio ecuménico Vaticano II confirma a legislacao
sobre o celibato sacerdotal: "O Sacrossanto Sínodo torna a reconhecer e a confirmar esta legislacSo para os que se destinam ao Presbiterato, confiando no Espirito que o dom do celibato, tao coerente com o sacerdocio do Novo Testamento, seja outorgado com liberalidade pelo Pai (. . .)" (Presbyterorum Ordinis 16).
f) Conclusao Esta breve exposicio histórica pode ser concluida com algumas observacoes, decorrentes da mesma:
1.
A lei do celibato foi nascendo espontáneamente, a partir da consci-
éncia do valor do celibato como dom de Deus e conseqüente af inidade entre esse e o sacerdocio;
2.
Apesar de toda a pressao contra a lei do celibato e a falta de obser
vancia do mesmo em varios períodos de sua historia, contudo, a Igreja nun
ca colocou em questáo o fundamento e a aplicacSo da lei, aceitando-os; 3. Quanto mais brilha a fidelidade da Igreja a Cristo, tanto mais o celi bato é aceito e vivenciado. A reforma da vida da Igreja sempre caminhou junto com a reforma do clero, chamado a ser sinal de seguimento de Jesús Cristo.
2 '. P. PALASSINI, "Celibato ecclesiastíco" ¡n Dizionario storico reli
gioso (ed. P. CHIOCCHETTA). Roma 1966, p. 110.
22. M. DORTEL-CLAUDOT.op. c¡t.,p. 752. 19
20
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
3. As motivagoes da lei canónica do celibato As opinioes acerca dos motivos que conduziram á formulacao do carisma do celibato como urna lei obrigatória para a Igreja latina sao muito diver sas. Há os que defendem a motivacao económica como a predominante, pois o celibato dos presbíteros evitaría a dispersao dos bens eclesiásticos por nao haver heranca a ser repartida entre filhos, manteado, deste modo, a concen tra-pao dos bens ñas maos da Igreja e contribuindo para aumentar seu po
der2 3. Outros opinam que na origem está a lei de continencia ou de pureza
ritual, tendo por base a visao negativa da sexualidade c do matrimonio.24
Outros defendem a opiniao de que a lei do celibato eclesiástico está liga da á sacrali'.acáo progressiva do servir.o pastoral. A razao fundamental dista posicao é o aumento do número de presbíteros nue, sem se ¡mportarem com
a lei de pureza ritual, preferem manter-se celibatários por motivos espirituais e para poderem, assim, melhor desempenhar o servico sacerdotal, que progressivamente adquire um caráter sacra I pelo afastamento do presbítero da esfera secular. Há ¡números testemunhos dos Santos Padres que confirman*!
esta opiniao.25 Isto levou a constatar a presenca de urna profunda motivacao espiritual para o celibato desde o inicio, aue va i predominando até chegar a estabelecer-se como urna lei canónica. Esta posicao parece estar mais de acordó com
o núcleo central da ligacáo entre sacerdocio e celibato e mostra mais clara mente a harmonía entre ambos, pois destaca a novidade da ¡nspiracao crista sempre presente, apesar da variacao das razoes explícitas (Sacerdotalis caeli-
batus 18). É o que será exposto a seguir. a)
O fundamento evangélico do celibato (dímensío cristológica e es-
catolbgica): Refletir como cristao sobre o celibato implica, necessariamente, buscar as razoes do mesmo ñas palavras e no exemplo de Jesús Cristo, origem inspi-
23. E. SCHILLEBEECKX, Por urna Igreja mais humana, Paulinas. Sao Paulo 1989, p. 334.
2\ IBIO..pp. 329-334. ls. J. AUDET, Matrimonio e celibato nal servizio pastorale dalla Chiesa, Brescia 1977. pp. 31-47; A. VILELA. La conditión collégiale des prétres au lile siécle, París 1971, p. 400; H. CROUZEL, "Celibato e continenza ecclesiastica nella Chiesa primitiva" in Celibato e Sacerdozio (ed. J. COPPENS), Roma 1975. pp. 451-304; ID.. "Le ministére dans L'Eglise. fíéflexions á propos d'un ouvrage récent. II. Témoignages de L'Eglise ancienne" in Nouvelle Revue Théologique 104 (1992) pp. 745-747. 20
CELIBATO SACERDOTAL
21_
radora do seguimentc cristáo, e reconhccé-lo como um dom do Espirito á Igreja.
A fascinacáo exercida por Jesús Cristo em alguns levaram-nos a abando nar tudo e assumir o estilo de sua vida, inclusive o celibato. Jesús foi celiba'ario, embora esta condicao nao estivesse de acordó com os costumes he
braicos, e o propoe a outros como urna forma de viver.2 6 O texto onde claramente aparece a proposta específicamente celibatária
é o de Mt 19,11 -12.J 7 Jesús explica que a razao para nao contrair matrimonio é "por causa do Reino dos céus". Isto significa que o "Reino dos céus tornou-se o maior de todos os valores para varios seguidores de Jesús, que, por
isso, abandonaram tudo e renunciaram á familia. Seguir Jesús nao implica apenas acnlher a s.ua mensagem, mas unir-se a Ele no anuncio escatolóqico
da proximidade do Reino de Deus.28
Nesta passagem do evangelista Mateus, encontra-se um preceito de Jesús sobre o modo prático de viver daqueles que o seguem como norma de vi da. D. Marzotto opina que é o servico ao Reino que ao mesmo tempo con-
duz á opcao celibatária e á consciéncia da própria vida como um sinal des-
te.29
Por isso, o celibato supoe urna profunda atitude interior de fé em Dei>s e de abertura aos dons do Espirito, que dá a cada pessoa um dom particular,
: 6. G. GRESHAKE, Essere pretj, Brescia 1984. p. 166. 17. NSo se abordará aquí a questSo se o seguimento de Jesús exige necessariamente o celibato, conforme poderte sugerir Le 14J26 e 18,29 (com
paralelos}. Sobre esta questfio ver D. MARZOTTO. Celibato sacerdotale e celibato di Gesü, PIEMME, Cásale Monferrato 1987, pp. 63-115. O texto de Mt 19, 11-12 nao suscita dúvidas quanto é proposta celiba tíria eé aceito e usado como tal pelo Magisterio (p. ex., declaracSo Ad Catholici Sacerdotii
(20/12/1935} de fío XI, n. 49; Menti Nostrae (23/09/1950} de. fío XII, n. 17; Prrebyterorum Ordinis 18} e pelos teólogos (p. ex., £ SCHILLEBEECKX, op. cit., pp. 327ss.}; A. PENNA, "II carima del celibato nel Nuovo Testamento" in II prete per gli uomini d'oggi (ed. G. CONCETTI), Roma 1975, pp. 707-734.
2 8. Esta é também a opiniSo de J. Sobrino: "O celibato 6, portanto,
urna traducSo histórica de que o reino de Deus é, na verdade, algo último e
possibilita um tipo de seguimento pelo reino" (J. SOBRINO, RessurreicSo da verdadeira Igreja, Sao Paulo, Loycla 1982. p. 327}.
2'. D. MARZOTTO, op. cit., pp. 72 e 74. 21
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
confnrme Paulo express.i em 1 Cor 7,7 ("Quisera que todos os homens fossem como eu; mas rada um recebe de Deus o seu dom particular; . . ."). O homem que acolhe o dom do celibato se aprosenta diante de Deus numa
pobreza radical: sem nonhum apolo em coisas e em pessoas.É o caso dos Doze ("Eis que deixamos nossos bens e te seguimos! Jesús Ihes rlisse:em verdade eu vos digo, nao há quem tenha deixado casa, mulher, irmaos, pais ou fi-
Ihos por causa do Reino de Deus . .." Le 18. 28-30). Oeste modo, o presbí tero celibatário poderá crescer pessoalmente na fé e gerá-la em outras pes-
soas.30
Assim se estabelece urna relacáo essencial entre a vida do presbítero e a missao de Jesús e seu projeto existencial: a plena submissáo á vontade do Pai para a edificacao do Reino de Deus. Paulo VI também vé nesta relacao
pessoal mais íntima e mais completa ao misterio de Cristo o motivo profun do do celibato (Sacerdotalis caelibatus 54). Eis ai a possibilidade de encon trar o verdadeiro significado da vida celibatária de Jesús, concebido num
matrimonio virginal, e a de seus seguidores: para consagrar-se ¡nteiramente ao amor de Deus e das pessoas através do anuncio do Reino de Deus. Jesús
nao só anuncia o Reino, mas é sinal dele por meio de sua própria vida.31 Ai
também se verifica a dimensáo escatolónica do celibato, enquanto sinal do Reino futuro, que vira quando Deus for tudo em todos (1 Cor 15,28).
b) O celibato e o sacerdocio sSo dois carismas diferentes, mas ligados entre si por razoes de conveniencia:
Este ponto é o alvo da maioria das críticas contra a obrigatoriedade do celibato para os presbíteros. No entanto, o ministerio presbiteral e o celiba to sao duas vocacóes, ou dois carismas diferentes Apesar de nao haver ne-
nhuma fundamentacSo teológica que justifique a ligacáo entre ambos,32
contudo estío associados. Mas nao únicamente por urna imposicao legal, fruto de urna lei canónica. Se esta aconteceu, foi por urna descoberta progressiva, como já está claro tanto pelo aspecto histórico quanto pelo cristo-
lógico e escatológico. Por que nao afirmar que esta descoberta é fruto da iluminacao divina, agindo na vida da Igreja? A razáo apresentada pelo Vaticano II para a ligacáo entre ambos é que
"o celibato se ajusta de mil modos ao sacerdocio" (Presbyterorum Ordinis
30. Cfr. J. SOBRINO, op. cit., pp. 326s.
31. A. FAVALE, II ministerio presbiterato, Roma 1989,p. 353. 32. A Presbyterorum Ordinis afirma, no n. 16, que o celibato nao é exigido pelo sacerdocio "por sua natureza". 22
CELIBATO SACERDOTAL 16). O Papa Joao Paulo II. na carta aos sacerdotes por oc?siáo da quinta-feira santa de 1979. volta a reafirmar o mesmo. pois vé o celibato como um
dom do Espirito intrínsecamente ligado ao sacerdocio.33 A ligac?o entre estes dois carismas nao se encontra no campo da racio-
nalidade, mas no da sabedoria crista.34 Por isso, as razoes aduzídas a favor
da supressao da obrigatoriedade do celibato da Igreja latina (motivos de ordem sociológica, antropológica, teológica ou pastoral} n?o atingem o cerne rio problema. Antes, abordam o sacerdocio únicamente numa perspectiva
funcional, esquecendo. portanto. a motivacio espiritual.35
Estes dois carismas estao em perfeita harmonía com as exigencias ma<s radicáis do Fvangelho e sao assumidos por aqueles que se sentem chamados,
pelo impulso do Espirito, a viver estas duas vocacoes. Evidente que o celiba to, assim como o ministerio presbiteral, deve ser objeto de urna opcao livre e responsável, após madura reflexao e abertura á mocao do Espirito. Desta forma, a lei do celibato se acrescentará como urna conseqüéncia natural da
acto divina na vida do homem disposto a seguir radicalmente a Cristo.36 Isto nao significa isencao de dificuldades humanas, mas comporta a necessida-
de de cultivar o carismaquotidianamente, tornando cnvel seu testemunho.37 K. Rahner, ao concluir sua carta aberta sobre o celibato, expressa a
correspondencia positiva entre sacerdocio e celibato, possfvel de ser aínda
hoje experimentada.38
3 3. Carta de Joá*o Paulo II a todos os sacerdotes da Igreja (08/04/1979) n. 8.
34. Cfr. A. FA VALE, op. cit., p. 343. 35. Éa opiniao de M. MARINI, "Celibato e fraternitá"¡n Sacerdocioe celibato, op. cit., p. 895.
3 6. Segunda visita de JoSo Paulo II ao Brasil, Discurso aos representan tes de todo o clero do Brasil, n. 4, in L'Osservatore Romano, edicSo sema
nal em portugués. XXII(42),20/10/1991,p. 8;A. FAVALE.op. cit..p.345
37. Favale nao nega a humanidade da pessoa do presbítero, mas ao mesmo tempo afirma a necessidaríe de cultivar o dom do celibato permanen
temente (cfr. A. FA VALE. oo. cit., p. 346). Por isso, a Presbyterorum Ordinis indica diversos meios para o presbítero cultivar o dom da própria voca(So e "implorar a graca da fidelidade" ^Presbyterorum Ordinis n. 16; 12 e 13). Paulo VI também reconhece o mesmo, acrecentando que a graca de Deus acompunha aqnele que opta pelo celibato: Sacerdotales caelibatus 48e 50-52
38. Cfr. K. RAHNER, Novo sacerdocio, Herder, Sao Paulo 1968, p. 141 23
24
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 Nao é a lei do celibato responsável pela falta de vocacóes para o sacer
docio. A experiencia das Igrejas protestantes o confirma, porque entre eles também faltam vocacSes para o ministerio de pastor, apesar de poderem-se
casar.39 A vocarao ao presbiterato é um dom dado á Igreja e, por isso, esta tem o direito e o dever de fixar as condicóes para o acesso a ele. E a Igreja Latina prefere correr o risco de perder aqueles que sentem vocacao para o sacerdocio e nao para o celibato, a fim de nao renunciar ás vantagens espiri-
tuais e p^storais que derivam do ministerio presbiteral celibatário.40 Diante disto, deve ser frisado que a Igreja, ao unir o ministerio presbi teral ao celibato, nao está obrigando o candidato ao sacerdocio a renunciar
ao matrimonio, porque sao duas vocacoes, ou seja, dois chamados diferentes assumidos dentro do misterio da Igreja, cada um com um significado proprio. Optar pelo celibato por causa do Reino de Deus.é urna graca r«cebida
de Deus, e nüo simplesmente urna lei imposta pela Igreja latina.4' c) O celibato proporciona maior disponibilidade para o servico pasto ral e éfonte de caridade pastoral e fecundidade espiritual (dimensa'oeclesial): O documento do Vaticano 11 sobre os presbíteros justifica o celibato apontando-o "ao mesmo tempo como sinal e estímulo da caridade pastoral e
fonte peculiar da fecundidade espiritual no mundo" (Presbyteromm Ordinis 16). Outro documento, do mesmo Concilio, aponta-o como meio de servico aos ¡rmáfos com um "coracao indiviso", pois o consagra somente a Deus (Lu men Gentium 42).
0 Vaticano II encontra urna fundamentacao, ao mesmo tempo, pasto ral e mística para o celibato. E. Schillebeeckx é de opin'áo de que a mística e o apostolado sa*o "dois aspectos ou duas dimensoes, recíproca e intrínseca
mente ligadas, da única vida de fé crista"".42 Isto justifica alguém nSo casar para poder ficar plenamente livre para o trabalho eclesial. Mas motivacao
39. Ver, p. ex.. G. GRESHAKE. op. cit, pp. 179s.;A. FAVALE, op. tít.. p. 348; Sacerdotal» caelibatus 49.
40. A. FAVALE, op. cit., pp. 345e348; O sacerdocio ministerial. Sinodo dos Bispos, 81.
4'. Assim pensa o Carde?) Hóffner, ñas suas conhecidas dez teses so bre o celibato; cfr. J. Card. HOFFNER. "Per ilregno deicie/i. Dieci fes/su/1 celibato dei preti" in Sacerdozio e celibato (a cura de J. COPPENS), pp. 788-790. 0 mesmo pensa J. LAPLACE, O padre á procura de si mesmo, £.0yola, SSo Paulo 1971, pp. 62s.
42. Cfr. E. SCHILLEBEECKX, op. cit., p. 335. 24
CELIBATO SACERDOTAL
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nao pode ser apenas o "nSo casar", pois o celibato é a efetivacao de urna consagrarán plena ao Reino de Deus.
O celibato assim vivido possibilita ao presbítero uma generosa disponi-
bilidade para as pessoas. Uma familia limita as possibilidades de doacáo ás
pessoas. É urna disponibilidade nao apenas física, mas afet'va e prática.
Quem nao conhece a atencSo que uma familia requer, o cuidado necessário a ser dispensado á esposa e aos f ilhos? Também nao se pode exigir que a es posa e os filhos compartíIhem os mesmos ideáis de doacao a Deus e aos ir-
mios próprios de quem faz uma opcáo para o sacerdocio celibatário. Assim, o presbítero exerce outro tipo de paternidade e maternidade: o do Bom Pas-
O celibato nSo incapacita a pessoa do presbítero para reconhecer as
necessidades humanas nem o torna insensfvel ao próximo, mas o celibato, assumido com amor e como fruto da consagracao a Deus, torna-o mais pró ximo dos outros e sensível aos seus problemas e dificuldades (Sacerdotalis
caelibatus 57; O sacerdocio ministerial, Sínodo dos Bispos, 78).
0 presbítero celibatário, chamado a uma íntima relacáo com a pessoa de Cristo, porque é continuador da missSo de Jesús, poderá contribuir para a construcao da nova humanidade, que encontra na Igreja o lugar de inspiracao e concretizacao. Ele poderá dedicar todas as suas energías e capacidades
ao anuncio do Evangelho, aos sacramentos e a tornar a comunidade centro de comunháo, respondendo ás suas necessidades espirituais e materiais. Ele congregará a comunidade pela dimensao construtiva do amor, crendo e tes-
temunhando o Deus que é amor.44
43. "O sacerdote, mediante o seu celibato, tornase um homem "para os outros", de maneira diversa de como se torna tal aquele que, ligando-se em unidade conjugal com a muiher, se torna também ele, enguanto esposo e pai, homem "para os outros". sobretudo no ámbito da própria familia; para a esposa, é, juntamente com ela, para os filhos, aos quais dáa vida. O sacer
dote, ao renunciar a esta paternidade que é própria dos esposos, procura uma outra paternidade e rea/mente como que uma outra maternidade, se re cordamos as palavras do Apostólo acerca dos filhos que ele gera com o sofrimentó. Esses assim sSo filhos do seu espirito, homens confiados pelo Bom Pastor á sua solicitude. E tais homens sá~o muitos, mais numerosos do que quantos possa abranger uma familia humana" (Cana do Papa Joa"o Paulo II a todos os sacerdotes da Igruja. 08 de abril de 1979. n. 8).
*4. A. FA VALE. op. cit., p. 354; J. SOBRINO, op. cit.,p. 327; Prosbyterorum ordinis 4-6. 25
26
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
d) O celibato nao é, em primeiro lugar, renuncia ao matrimonio, mas vocacao para o amor:
O celibato nao pode ser definido negativamente, como se fosse mera
renuncia ao matrimonio. Ele nao é, em primeiro lugar, renuncia ao amor ou medo da sexualidade e do casamento, muito menos incapacidade para cons
tituir urna familia, mas a opcao por urna forma de amar diferente da do ma trimonio. Jesús Cristo foi celiba'.ário e nao renunciou ao amor. Por isso, o presbítero descobre outro amor e assim estrutura o seu projeto existencial,
nao constituindo familia (O sacerdocio ministerial, Si'nodo dos Bispos, 73).4 5 O presbítero celibatário opta por amar com radicalidade o Reino de Deus, assumindo com empenho total o estilo de vida celibatária de Jesús, pa ra assim, como Ele, poder dedicar-se exclusivamente ao anuncio do Reino de
Deus. Este torna'-se o único amor, ou o "amor maior" da vida do presbíte ro.46 É por isso que a Presbyterorum Ordinis, no n. 16, apresenta o "por causa do Reino dos céus" como a razao para o celibato, evitando, desta for ma, qualquer motivagao negativa. Portanto, celibato e matrimonio sao dois chamados diferentes, que exigem a descoberta e o reconhecimento do dom dado a cada pessoa e a vivencia com igual empenho na busca da perfeicao.
O celibato só pode ser entendido e vivenciado como fruto de urna escol ha por Deus, ou seja, pela difusáo de seu Reino e pela comunicarlo dos
frutos da Redengao aos irmá'os, por meio de urna dédicagáo indivisa. A op-
4S. K. fíahnerassim escreve na sua carta aberta sobre n celibato: "Pessoalmente. estou descontente com esta carta, que nSo esclarece bastante o
que existe de fé, esperanca, amor a Deus (que é mais do que urna cifra a ser valorizada pelos homens) e aos homens no misterio da renuncia ao matrimo nio" (K. RAHNER, op. cit,, p. 135).
A6. Assim J. I aplace expressa a vivencia deste amor; "Seria necessário provar que o celibato nao é um valor de ordem específicamente sobrenatu
ral. É de ordem humana, na medida em que urna pessoa dirige para fim di verso das relacoes sexuais ou conjugáis as energías afetívas que possui. Ha causas que cativam a tal ponto a atencSo e o coracSo do homem que, entre
gándose a elas, ele se expande inteiramente. Nao é a renuncia ao casamento que está em primeiro lugar em seu projeto; é a riqueza e a importancia de um amor diferente rio amor da muiher que polariza toda a capacidade que o
homem tem de amar. É um amor que unifica e dá sentido á existencia, dife
rente do amor sexual e conjugal" (¡n J. LAPLACE, op cit., p. 62). G. Greshake nao concorda com o emprego da palavra "renuncia" para o celibato,
porque nSo exprnssa o verdadeiro sentido do celibato enquanto descoberta
e opcSo por outra forma de amar (cfr. G. GRESHAKE, op. cit., p. 168). 26
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Cao celibatária é feita por causa dos valores importantes que comporta es
te estilo de vida. A lei se acrescenta como resultado e como estímulo á fidelidade nos momentos difíceis, nao como ponto de partida. Portanto, como já está dito anteriormente, a opcáo nao é simplesmente pelo celibato em si, mas os valores que ele comporta conduzem á opcáo celibatária. Para tal acontecer, o presbítero deverá viver numa constante abertura a graca, da
qual ele sempre necessitará para poder ser fiel.41 Nao há oposicao entre matrimonio e celibato, mas, ao contrario, enriquecimento recíproco e complementariedade. Celibatários e casados podem ser de estímulo mutuo por meio de urna vocacao bem assumida e viven-
ciada. O celibatário nao desconhece os problemas matrimoniáis, pois ele, pelo constante contato com casáis, adquire condicoes de ajudá-los. I numeras ve'zes e chamado para tal. O celibatário exerce um servico ao matrimonio co mo sinal do amor a Deus, dimensao última do amor humano, ao qual mesmo o amor entre duas pessoas nao pode deixar de estar referido. O presbítero,
por isso, permanece sinal e testemunho do amor de Deus.48 e) O celibato tem um valor perene:
O celibato tem um valor que permanece atual. O testemunho dado pe
lo celibatário continua vál'do para os dias de hoje. O Papa Joáo Paulo II afir ma que o celibato tem também um grande significado social pelo servico que presta ao Povo de Deus, pois o presbítero se torna um "homem para os ou-
tros". Mas de maneira diversa daquela que ocorre quando alguém se liga pelo matrimonio a urna mulher. O presbítero é "homem para os outros" no ám bito do Espirito e sua paternidade é universal, pois orientada para toda a
Igreja.4'
J. Sobrino assim entende esta dimensá'o: "O celibato é, portanto, a traducao histórica de que o Reino de Deus é, na verdade, algo último e possibi-
. Cfr. A. FA VALE, op. r.it., p. 345. Joáo Paulo II assim se exp'essa: "Fruto de equívoco — se nSo precisamente de má fé — éa opiniSo, com i'reqüéncia difundida, segundo a qual o celibato sacerdotal na Igreja Católica se
ría simplesmente urna instituició imposta por lei aqueles que recebem o sa
cramento da Ordem" fin Carta de Joáo Paulo II a todos os sacerdotes, n. 9).
48. G. GRESHAKE.op. cit.,pp. 169-171. 4Í. Cfr. Carta de Jo3o Paulo II a todos os sacerdotes da Igreja, 08de abril de 1979, n. 8. J. Sobrino aponía o celibato como um exerctcio da fé que impede a manipulacao de Deus e, por isso, tem repercussSo social (cfr. X SOBRINO, op. cit., p. 326). 27
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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
lita um tipo de seguimento pelo reino. Possibiüta um tipo de liberdade estrutural ao servico do Reino, pois propicia a desinstalacao da sociedade; possibilita urna entrega quantitativa aos outros através do vazio efetivo; possibilita viver naquilo que chamamos deserto, a periferia e a fronteira".so 0 celibato tem um grande potencial de solidariedade, sinal do qual a sociedade técnico-científica de hoje tem necessidade. Esta mesma sociedade nroduz pessoas incapazes de amar, pois impregnadas de egoísmo ou sem condicoes afetivas para assumir sua condicao e dignidade humana; filhos abandonados, pois há tantos pa¡s incapacitados e impedidos de concretizar sua missao de paternidade e maternidade. Assim, o presbítero celibatário torna-se um testemunho de verdadeiro amor cristao e de esperanca para os
que nao creem mais que o amor é redentor. Por meio do celibato, ele solídariza-se com todos os que perderam a capacidade de amar ou estSo sendo impedidos de urna verdadeira realizacao afetiva, porque testemunha o amor de Deus como o amor maior e fonte de todo amor humano. A leí canónica do celibato ná"o abafa a beleza do carisma, pois este é um dom dado pelo Espirito. Aínda mais, porque a p»ssoa pode renunciar li-
vremente a um direito seu, que no caso é o de casar. Importa, outrossim, que este dom seja assumido com total liberdade e. plena consciéncia, após va rios anos de preparacao, ref lexao e oracao.5 '
4. Conclusao Estas reflexóes levam a tirar as seguintes conclusoes:
a) O celibato só será bem compreendido dentro do misterio total da Igreja. Isnlado, torna-se incompreensível. Alguém poderá achar ultrapassados ou inválidos os motivos alegados pela Igreja a favor da lei do celibato. A
Igreja latina considera-o válido ainda hoje e náb tem a intencao de mudá-lo, conforme declara o Vaticano II (cfr. Presbyterorum ordinis 16) e Paulo VI (cfr. Sacerdotalis caelibatus 14 e 43).5J
so. J. SOBRINO, op. cit, pp. 328s.
s'. JoSo Paula II afirma o seguir) te: "Todo cristao que recebe o sacra
mento da Ordem se compromete ao celibato com plena consciéncia e liber dade, depois de urna preparacao de varios anos, urna profunda reflexSo e urna assfdua oracao" (in Carta de JoSo Paulo 11 a todos os sacerdotes, 08 de abril de 1979. n. 9).
5 3. A Favale opina parecer pouco realista a opiniao de que o celibato opcional nao prejudicaria o ministerio presbiteral (A. FA VALE, op. cit., p. 348).
28
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b) É necessário promover a formacáo para o celibato. Sem esta, o ce libato permanecerá sendo sempre um empecilho para o desenvolvimento
harmónico da personal¡dade e para o exercfcio da liberdade pessoal, além de possibilitar o contra-test emunho, o que deporta contra o dom de Deus e contra aqueles que assumem este dom com fidelidade. Nao é suficiente pre
parar o candidato ao sacerdocio apenas para o ministerio presbiteral. É pre ciso prepará-lo para urna opcao livre e madura pelo celibato e educá-lo para
vivé-lo responsavelmente (cfr. O sacerdocio ministerial. Sinodo dos Bispos,
83; Sacerdotalis caelibatus 69). Uto inclui urna verdadeira formacao afetiva, pela qual o candidato ao sacerdocio alcance verdadeira capacidade de amor
oblativo, encontrando auténtica realizacSo humana e crista53, além do equilibrio fi'sico e psicológico.54 A recente Exortacao Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis faz a mesma afirmacáo: "Ora, a educacSo para o amor responsável e a maturidade afetiva da pessoa tornam-se absulutamente necessárias para quem, como o presbítero, é chamado ao celibato, ou seja, a
oferecer, pela graca do Espirito e com a resposta livre da própria vontade, a totalidade de seu amor e de sua solicitude a Jesús Cristo e á Igreja" {cf. Pastoris dabo vobis 44).
c) 0 celibato continuará sendo sempre urna questao de opcao pessoal. 0 desenvolvimento histórico mostra claramente que nem todos tém capaci dade para entender este dom nem optar por ele. Já Cristo, de acordó com o
53. "O padre ou o futuro padre corre o risco de acreditar que está resolvida, para ele, a questSo do celibato, porque aprendeu a falar, a respeito de Deus e dos outros, a Hnguagem do amor" (J. LAPLACE, op. cit.,p. 67). "Em que estado é mais fácil amar? No celibato ou no casamento? Tem pouca importancia a resposta. O que se deve saber é que o celibato, tanto quanto o casamento, exige fio/e ser vivido cristSmente numa maturidade humana maior que antigamente. Impoe-se, nos dois casos, urna educacSo" ¡IBID., p. 70). Favale opina que aquele que é dotado de suficiente maturidade afetiva e de normal equilibrio físico e psíquico, se é chamado á vida celibatária, com a ajuda da graca, conseguirá dominar as forjas das instintos do corpo, os impulsos do coracSo e se encontrará em condicSes de valorizar as suas
melhores capacidades (cfr. A. FA VALE, op. cit., p. 347). Por isso a Santa Sé recomenda a necessária formacao para a maturidade afetiva e sexual em
vista do celibato (cfr. SAGRADA CONGREGAQÁO PARA A EDUCACÁO CATÓLICA, Orientacoes para a educacSb no celibato sacerdotal, 11 de abril de 1974, 29-33).
54. Sobre isto ver: T. GOFFI, L'integrazione affetiva del sacerdote, Brescia 1968; P. CHAUCHARD, "Celibato ed equilibrio psicológico" in Sacerdozio e celibato, op. cit.. pp. 836-867; S. CRUCHON, "Celibato e maturitá. L'ora delta scelta" in Sacerdozio e celibato, op. cit., pp. 801-831. 29
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texto de Mt 19,12, previne: "Quem tiver capacidade para compreender, compreenda". Por isso, antes de perguntar sobre as razoes da Igreja ligar mi nisterio presbiteral e celibato, o candidato ao sacerdocio deve questionar-se para ver se reconhece em si próprio, na humanidade e na Igreja, o valor deste
carisma.ss A orientacao prudente e sabia do Diretor Espiritual favorecerá a
escolha livre feita por amor de Cristo, sem pressao de ¡mposicao exterior
(cfr. O sacerdocio ministerial, Si'nodo dos Bispos, 82; Sacerdotalis caelibatus 72). As críticas e objecdes atuais sao mais históricas do que existenciais e teológicas, nao apresentando alguma novidade.5 *
d) O celibato é também questao de vida espiritual, pois a motivacao
última será sempre religiosa. O celibato é um carisma dado pelo Espirito e acolhido na fé. Jesús Cristo torna-se, por isso, a fonte na qual o presbítero poderá alcancar o equilibrio de vida no celibato e o modelo de integracáo de todas as energías afetivas, enquanto conteúdo do amor presbiteral.57 K.
Demmer afirma que o presbítero, exatamente por isso, deve ter urna "perso-
nalidade religiosa".5 B
Por isso. a Igreja recomenda diversos meios favorecedores da vivencia
e da f idelidade ao celibato. Entre esses estao a oracio, a ascese, o cultivo de profunda vida espiritual, a disciplina, os sacramentos, a fraternidade sacer dotal, o desenvolvimento integrado da personalidade. Isto, sem esquecer que o celibato é urna conquista permanente, fruto de um trabalho progressivo e incessante, em busca da maturidade humana ecrista".5'
5 s. J. LAPLACE, op. cit., p. 66.
56. Sacerdozioe celibato, op. cit, pp. 733s. . "Esse amor só se desenvolve na fé. Se esta desaparece ou diminuí, o amor desmorona. Produz-se o desequilibrio ateos fundamentos do ser hu mano. Os remedios que se procuran», claudicar» enquanto vacila a fé. Na realidade é de dois lados, ao mesmo tempo, que se devem considerar as coisas: o da maturidade humana e o da fé. Sem a prímeira, a fé vivida no amor do celibato pode ser frágil. Sem a segunda, o desabrochamento do homem no celibato pelo Reino é impossi'vel" (J. LAPLACE. op. cit., p. 84).
58. "0 sacerdote... deve dar conta de si mesmo; por isso requer-se sua competencia teo/ógico-espirítual, unida á sua perspicacia no aqui e ago ra, o quanto possfvel" (cf. K. DEMMER, "Puede vivirse hoy el celibato?" Se lecciones de teología 120 (1991/30) 319).
5*. Presbyterorum Ordinis 16 e 18; Sacerdotalis caelibatus 73-82; SA GRADA CONGREGACÁO PARA A EDUCACAO CATÓLICA, "Orientacoes para a EducacSo no Celibato Sacerdotal", 11 de abril de 1974. 30
Ainda os Novos Movimentos Religiosos:
O Fundamentalismo Contemporáneo
Em símese: O Fundamentalismo é a atitude do homem religioso que, amedrontado por avancos da ciencia e da cultura contemporánea, se fecha
em verdades de sua fé tidas como fundamentáis. Tal atitude ocorre nSo somente entre crístSos, mas também entre judeus e muculmanos. O fundamenalista cristSo se apega a um livro sagrado (a Biblia ou um código de Revélagoes, como existe entre os mórmons e os adventistas do 79 día); a Biblia é. muitas vezes, interpretada ao pé da letra, sem se levar em conta os aspectos lingüísticos, históricos e geográficos que podem ajudar a compreender o tex to. Um chefe espiritual, dotado de grande autoridade, é tido como mestre seguro dos discípulos fundamentalistas; estes costumam ser pouco intelectuais e muito dados ás emocoes (pessimismo em relacSo ao mundo e á his toria). Devese reconhecer que o Fundamentalismo procede do desejo muito nobre de guardar valores sagrados ameacados pelo secularismo e o hedonis mo de nossos días. Todavía assume atitude exageradamenteagressiva e som bría em relacio ás expressoes da ciencia e da cultura contemporánea. 0 Cris tianismo nao é primeiramente combate ao erro, mas, é, antes de mais, profissio da verdade; esta ¡á tem forca defensiva e atraente em si mesma; somente em funció da verdade o cristSo combate o erro. Ademáis o apavoramentó do Fundamentalismo resulta, nao raro, de inseguranca em materia de fé. Quem sabe nítidamente o que éeo que nSo é de fé, pode enfrentar com destemor as proposicoes da ciencia moderna, pois tem argumentos para dis tinguir da verdade os erros neta existentes. Em suma, é preciso guardar os dois aspectos do ser humano: homo religiosus, sim, mas também animal rationale. A razio bem conduzida nSo se opoe a urna fé lúcida e adulta, mas, ao contrario, é apta a corroborá-la. ú-tt-d
O fenómeno dos Novos Movimentos Religiosos — impropriamente di tos "seitas" — preocupa a sociedade ocidental, por ser caráter proselitista e po-
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lemico, que, nao raro, explora a credulidade popular e tem acarretado pro blemas diversos. Ora na base de varios desses movimentos religiosos de ori
gem crista, está urna atitude chamada "Fundamentalismo"; os seus adeptos querem conservar o que há de fundamental na fé dentro, porém, de catego rías de pensamento fechado e agressivo. O Fundamentalismo nao é urna atitude exclusivamente protestante e
norte-americana, embora tenha tido origem entre os protestantes dos Esta dos Unidos. Com o passar do tempo, foi afetando também outras crencas religiosas e novas regiSes. Atualmente existem fundamentalistas católicos, protestantes e anglicanos, judeus e muculmanos; quase todas as seitas de ori
gem crista podem ser tidas como fundamentalistas.
1. Origem e historia do Fundamentalismo O fundamentalismo surgiu no Sul e no Centro dos Estados Unidos da América, no chamado Bible belt (cinturSo da Biblia) em meados do sáculo XIX. Apresentava-se como a corrente fiel ao pensamento cristSo. — frente ao pensamento científico e cientificista representado por
Darwin e a teoría evolucionista mecanicista; — frente ao pensamento liberal, que punha em xeque ou em dúvida as verdades fundamentáis do Cristianismo, como a concepcao virginal de Maria Santíssima, a realidade do inferno, a existencia da ordem de coisas sobre natural. . .;
— frente ás ciencias históricas, que, aplicadas á S. Escritura, pareciam desmentir a mensagem bíblica, reduzindo-a a lendas. O ambiente de origem dessa corrente eram pequeñas cidades da zona
rural dos Estados Unidos, onde o conservadurismo encontra mais clima pro picio do que na zona industrial e ñas grandes metrópoles.'
No final do sáculo XIX o Fundamentalismo exerceu influencia notável sobre a cultura norte-americana, influencia que se protrairia pelas décadas
do sáculo XX. O núcleo (hard core) de sua doutrina foi formulado nos fa mosos Five Points da Niágara Bible Conference em 1895; tais eram: 1) a inspiracao divina de toda a S. Escritura e a conseqüente inerrancia desta;
2) a Divindade de Jesús Cristo; 32
FUNDAMENTALÍSIMO CONTEMPORÁNEO
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3) o nascimento virginal de Jesús; 4) a expiacáo dos pecados mediante o sangue de Cristo; 5) a ressurreicao corporal e a segunda vinda de Jesús Cristo. Em virtude do primeiro ponto, os fundamentalistas contestavam a legitimidade do estudo científico (ou histórico-critico) da Biblia. Queriam ig norar que a Biblia nao foi ditada mecánicamente pelo Senhor Oeus; sabe-se que o pensamento de Deus passou por cabecas e máos humanas, que o trans-
mitiram com plena fidelidade, dando-lhe, porém, as marcas da sua cultura arcaica oriental. Ao mesmo tempo, os fundamentalista estabeleciam urna autoridade indiscutível ao alcance de todos os homens, fonte de certeza e fundamento seguro da fé.
O quinto ponto apregoava o milenarismo, ou seja, a segunda vinda de Cristo para instaurar, sobre a térra, um reino milenar de paz e bonanca. Esta concepcao, já professada por cristaos dos primeiros séculos (S. Justino, S. Ireneu, Tertuliano...), cairia em descrédito, mas fora restaurada na Inglater ra em principio do sáculo XIX. Grande arauto de tal doutrina foi Cyrus Seofield, autor da Scofield Reference Bible (1909), que quis mostrar como se podia interpretar toda a mensagem bíblica em chave milenarista. Assim iner rancia bíblica e milenarismo vieram a ser os ingredientes básicos do Fundamentalismo norte-americano. O Manifestó dos Cinco Pontos de 1895 seria apenas um documento de circulacáTo limitada a teólogos conservadores, se, entre 1909 e 1915, as suas idéias nao se tivessem difundido mediante um instrumento de comunicacáo de massa: o folheto. Em 1909 apareceu o primeiro de doze folhetos intitula
dos The Fundamentáis: a Testimony to the Truth (Os Fundamentalistas: um testemunho dado á Verdade); resultavam da colaboracao de protestan tes filiados a denominaedes diversas: presbiterianos, anglicanos, luteranos,
metodistas, congregacionalistas, batistas. .. Tais impressos, patrocinados pe los irmábs milionários de Los Angeles Lipman e Milton Steward, foram en
viados gratuitamente a pastores, misionarios, estudantes de Teología e agen tes de Pastoral dos Estados Unidos e da Gra-Bretanha, alcancando a tiragem aproximada de tres milhóes de exemplares. Assim o debate, que originaria mente era apenas de nt'vel teológico, veio a ser assunto para mobilizar as consciéncias, convite para tomar partido e lutar contra os avanpos do pensa mento liberal.
Contribuiram para a expansSo do movimento fundamentalista alguns acontecimentos de ressonáncia nacional e internacional: 33
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
1) a fundacáo de Institutos e AssociacSes Bi'blicas nacionais (norte americanas) e internacionais, tais como o Los Angeles Bible Institute, o Moody Bible Institute de Chicago, a Baptist Bible Unión of América. Em 1919 constituiu-se a World Christian Fundamentáis Association, propugnan do um projeto de reconquista do mundo ameacado pela cultura libertina moderna; tendía outrossim a assumir posicdes de influencia dentro das diver sas denominacoes protestantes.
2) A batalha para que as leis do Estado proibissem o ensino das teorias evolucionistas de Darwin ñas escolas públicas. Tal luta foi vitoriosa em quatro Estados: Tennessee (1925), Mississipi (1926), Arkansas (1928), e Texas (1929). Tornou-se famoso o caso de John T. Scopes, professor de Biología numa Escola Superior de Dayton (Tennessee): acusado de ensinar o darwinismo, foi levado a tribunal. O jornal New York Times divulgou o processo, motivando o público a participar do julgamento, fosse pro, fosse contra o darwinismo. Scopes acabou sendo condenado.
3) 0 movimento fundamentalista viveu seus anos de gloria entre 1910 e 1920, época em que a poh'tica internacional se preocupou com o aumen to da potencia armada da Alemanha e o triunfo da revolucao comunista na Rússia. A mentalidade milenarista identificou o Imperio Alemáo com a Bes ta do Apocalipse (cap. 13) e a ideologia marxista com o Anticristo, precur sor do iminente jui'zo final. De um lado, estaría o Reino do Mal e de Sata nás; do outro lado, uma grande nacao chamada por Deus para defender a liberdade e a fé do mundo; os Estados Unidos apareciam assim como o novo Israel da historia da salvacáb. Inflamava-se o patriotismo norte-americano em nome da Biblia!
2. O Fundamentalismo hoje A córreme fundamentalista sobreviveu ao longo dos decenios até nossos dias e ná*o parece estar peno de se dissipar. A atitude básica do Funda mentalismo penetrou, segundo proporedes diversas, em correntes religiosas nao protestantes e mesmo nao cristas. Donde as perguntas: como se apresenta atualmente o Fundamentalismo? Qual a sua influencia na mentalidade dos homens religiosos de hoje?
- Na verdade, a resposta é complexa, visto que o fenómeno funda mentalista admite varios matizes. Como quer que seja, eis alguns dados se guros:
1) Em nossos dias nao existe um Movimento Fundamentalista, mas estao presentes em certos grupos religiosos um estilo e uma concepcSo de vida
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FUNDAMENTALÍSIMO CONTEMPORÁNEO
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fundamentalista. O Prof. H. L. Mencken, em frase exagerada e burlesca, escrevia: "Heave an egg out of a Pullman window and you will hit a Fundamentalist almost anywhere in the United States (Lance um ovo para fora de urna janela de um ónibus e vocé golpeará um fundamentalista quase em toda
parte nos Estados Unidos)".1 0 mesmo se poderia dizer, cada vez mais acer tadamente, a respeito de outros pai'ses.
2) Embora o Fundamentalismo tenha sido bercado pelo Protestantis
mo norte-americano, ele integra hoje outros grupos com nomes variados: ¡htegrismo, neoconservadorismo, new orthodoxy. Moral Mayority, Adventis tas do 79 día, Testemunhas de Jeová, Meninos de Deus, assim como correntes do islamismo e do judaismo. Pode existir também dentro do mundo ca
tólico, como ocorreu no caso dos discípulos de D. Marcel Lefébvre.
'
3) O Fundamentalismo está-se tornando também urna forca política, que invade outros setores da vida da sociedade contemporánea. Na política norte-americana o voto dos fundamentalistas foi decisivo para a eleicáo de Jimmy Cárter e a de Roña Id Reagan, Presidentes dos Estados Unidos. Tam bém na Guatemala o Presidente protestante Rios Montt foi beneficiado pe los sufragios dos fundamentalistas. No Ira e no traque, sabe-se que existe urna maioria de populacSo muculmana fundamentalista. Na Algéria, o Parti do dos Fundamentalistas islámicos conseguiu maioria ñas últimas eleicoes embora nfo haja assumido o poder. Na Franca, o Fundamentalismo muculmano está suscitando graves problemas.sociais, educativos e políticos. AdifusSo de novos movimentos religiosos na América Latina é, em boa parte, devida á atuacao de fundamentalistas. 4) O Fundamentalismo tem-se revelado muito sagaz na difusao de suas concepcoes. Utiliza o marketing publicitario, os meios sofisticados de recolher dinheiro, inclusive o mailing por computador, os recursos da televisao que caracterizam as "igrejas eletrónicas" com seus telepregadores (fa mosos sSo nos Estados Unidos Jim Bakker, Jimmy Swaggart. Pat Robertson, Jerry Falwell, Robert Schuller...).
5) Em suma, a ficha de identidade (identikit) do fundamentalista de nossos días poderia compreender os seguintes traeos:
— Na política, conservador
— Na religiao, tradicionalista e integrista, contrario ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso
1 Citado por Daniéle Hervieu-Léger. Les fondamentalistes américaint en politique, in Lumiére et Vie, 186 (1988). p. 19. 35
36
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 - Em Moral, intransigente e n'gido
- Na sociedade, intolerante e legalista - Em seu modo de pensar, tendente ao antüntelectualismo e antiprogressismo, pois propenso á emocao e á exploracio dos sentimentos (o que
ocorre, por excelencia, nos mass media) - Sociológicamente, pertencente a diversas classes, com predominan
cia da classe media - Frente á historia, pessimista quanto ao presente e portador de ex pectativas sinistras para o futuro.
Esta análise nao significa que todo individuo conservador, amigo da
Tradicao, fiel ás leis, firme em materia de Moral. .. seja fundamentalista. O fundamentalista é aquele que associa em si as notas atrás recenseadas numa atitude pessimista, obcecada, fanática. . .
Dentre as modalidades do Fundamentalismo, urna se destaca por sua
projecao nos países latino-americanos: o Fundamentalismo bíblico. Examinemo-lo de perto.
3. O Fundamentalismo bíblico Eis as características principáis deste movimento:
1} O Livro, a letra, o chefe espiritual Todo fundamentalista baseia sua vida sobre um livro de importancia
capital, no qual procura as verdades que alimentam a sua inteligencia, os principios que norteiem o seu comportamento e as diretrizes para a sua vida espiritual. Tal livro, para os judeus, é a Torah; para os muculmanos, o Corlo;
para muitos crista os, a Biblia; para outros grupos religiosos, é o l'tvro dei xado pelo fundador tido como pessoa profundamente sabia ou altamente ins
pirada para interpretar a Biblia.1 1 Recordemos, por exemplo, que, para os Adventistas do 79 Día, a obra "O Grande Confuto", de Ellen Gould White, é quase tao inspirada por Deus quanto a Biblia. — Para os mórmons, o "Livro de Mormon"é fruto de "revelacoes" feitas ao fundador Joseph Smith "a respeito da pienitude do Evangelho eterno"; é quase tSo sagrado quanto a Biblia, pois vem a ser a tradufSo de urnas placas de ouro, ñas quais se apresen tava urna mensagem em
idioma egfpcio antigo /reformado), mensagem que Smith terá decifrado com a ajuda do anjo Moroni. 36
FUNDAMENTALÍSIMO CONTEMPORÁNEO
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Tal livro básico é interpretado ao pé da letra. Nao se requerem ciencias exegéticas (lingüistica, arqueología, historia e geografía antigás) para decifrá-
lo corretamente. O fundamentalista vé em cada palavra e em cada sentenca da Bi'blia a Palavra e a linguagem de Deus, sem levar em conta o instrumento ou o canal humano do qual Deus se ten ha servido para comunicarse aos homens; o estudo da personalidade do autor humano de um livro sagrado
(Isaías, Jeremías, Sao Joao. . .) tornase desnecessário e desprez ível.
Apenas urna autoridade é reconhecida na ¡nterpretacáb do texto sagrado: a do mestre ou chefe espiritual. A este os discípulos atríbuem um prestigio ¡ndiscutível, de modo que as interpretacóes da Biblia por ele
formuladas tém quase a mesma autoridade que a Palavra de Deus.' Tal mestre pode ser urna pessoa ou um colegiado de estudiosos (andaos), como ocorre entre as Testemunhas de Jeová. Em conseqüéncia, prevalece entre os
fundamentalistas o argumento de autoridade: "A Biblia diz... O Mestre assim entende a Biblia...".
Com outras palavras diga-se:
A Biblia tem seus géneros literarios (narrativas históricas, tradicoes de familia, parábolas, alegorias, profecías, partes apocalípticas. . .). Estes constituem um desafío para o leitor: tomar todo e qualquer texto ao pé da letra implica, nao raro, trair o pensamento do autor sagrado, pois, se este teve em mira urna parábola ou urna alegoría, nao deve ser entendido literalmente. Como entao interpretar adequadamente as páginas bíblicas, redigidas entre o sáculo XIII a.C.e o sáculo I d. C?
Os grupos fundamentalistas atribuem ao seu chefe ou mestre a autori dade segura para expor o sentido da Biblia. Muitas vezes, porém, tem-se a impressao de que tal mestre, em vez de deduzir da Biblia a respectiva mensagem, nela ¡ntroduz o que ele pensa de maneira simplista e arbitraria. Tenha-se em vista o que ocorre com os relatos da criacao em Gn 1-2: os líderes fundamentalistas valem-se destes textos para rejeitar as teses da ciencia sobre a origem do mundo e do homem; nao levam em conta nem o género literario
1É de notar que, entre os Adventistas, o fundador William Millar propos os anos de 1843 e 1844 (em duas interpretacoes sucessivas) como datas de fim do mundo. Os discípulos se prepararam fervorosamente para o even to. Visto, porém, que nada aconteceu do que esperavam. William Miller formulou urna explicacao que todos aceitaram tranquilamente: "Na verdade, em 1844 ocorreram fatos muito importantes, mas no mundo invistvel ou no céu, onde Cristo se encontra, oficiando na parte superior do Santuario em favor dos homens". 37
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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993
nem a finalidade estritamente religiosa do texto sagrado.1 Algo de semelhante se dá com o Apocalipse de Sao Joao, tido como repertorio de profecías relativas a catástrofes e fim do mundo, por parte de milenaristas, adventis tas, testemunhas de Jeová. ..
2) O mundo como inimigo Os fundamentalistas professam geralmente a tese de que o mundo mo derno é regido por Satanás, o "Príncipe deste mundo" (cf. Jo 12, 31). Aos crentes tocaría a tarefa de reconquistar o mundo, arrancando-o das garras de Satanás. Tenha-se em vista o significativo título do livro de Susan Rosa:
Keeping them out of the hands of Satán2 (New York 1988): esta autora
aponta, como sinais evidentes do dominio de Satanás no mundo, o materia lismo que degrada o homem ao nivel dos animáis irracionais, o libertinismo sexual, a prática do aborto, da eutanasia, a criminalidade em alta escala. ..
De modo geral, a cultura moderna é rejeitada pelo Fundamentalismo, que a tem freqüentemente na conta de diabólica.
3) Dogmatismo O fundamentalista difícilmente admite o diálogo religioso ou a análise objetiva de suas idéias. A verdade está com ele, e somente com ele. InteressaIhe, sim, ganhar adeptos para seu modo de pensar, inspirado pela Bfblía en
tendida segundo as diretrizes do mestre de sua denominado. Daf também a
recusa do pluralismo teológico ou exegético.3 Na obra Lettreaux Eglisesde F. Bluche e P. Chaunu (París, Ed. Fayard, 1977, p. 59), lé-se:
"Que é o pluralismo? É um slogan hipócrita que permite introduzir ao menos um ateu em cada redil de ovelhas".
1 Paradoxalmente, pode ocorrer também o inverso: diante de conclusoes muito evidentes das ciencias naturais, o fundamentalista pode procurar
adaptar o texto da Biblia ás proposicoes da ciencia, como se Moisés, por exemplo, no secuto XIII a. C. Jé tivesse descrito a origem do mundo como ela
é concebida pela ciencia contemporánea. A essa tentativa de concordia (pre concebida e artificial) entre a ciencia e a fé dá-se o nome de concordismo. Este faina, pois supoe que a Biblia quería ensinar o que as ciencias naturais ensinam; nao se leva em conta a finalidade estritamente religiosa do texto sagrado.
7 Defendé-los das míos de Satanás. 3Por pluralismo entendem-se duas ou mais maneiras de formularas verdades da fé, ressalvada sempre a ortodoxia; assim Tomismo e Molinismo em questdes de grapa e livre arbitrio humano; Tomismo e Escotismo, em questoes crístológicas. .. 38
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Por conseguinte, dentro dos quadros do Fundamentalismo há pouco
lugar para levantar dúvidas ou questionamentos. Existe, antes, a certeza ab
soluta e a conviecáo de que cada adepto do grupo pertenes á élite dos verdadeiros cristaos. Esta aparente seguranza nao raro esconde o medo... medo da liberdade e do dinamismo do pensar e do progresso, medo que produz
certo esclerosamento e imobilismo como se estes fossem exigidos pela propria Palavra de Oeus.
Os fundamentalistas se fortalecem em suas posicoes rígidas, conside rando casos infelizes e desastrosos que no plano da fé e da Moral ocorreram
e ocorrem entre aqueles cristaos que se dao ao estudo e procuram beneficiar sua fé com os subsi'dios oferecidos pela ciencia e a cultura moderna. Apontam discordancias entre os pesquisadores, das quais resulta confusao para a
fé do povo simples; consideram abusos intelectuais e moráis para condenar tudo o que seja abertura ao mundo contemporáneo. Passemos agora a urna
4. Avaliaqáo Proporemos tres pontos relativos ao Fundamentalismo entre cristaos. 4.1. Fidelidade aos valores da Fé
O Fundamentalismo parte, sem dúvida, de urna premissa muito válida: o Cristianismo implica fidelidade á Palavra de Deus, que pode parecer loucu-
ra e escándalo ao homem moderno (cf. ICor 1,23). É preciso nao ceder á tentacao de esvaziar a Palavra de Deus, adaptando-a arbitrariamente ás dirétrizes do pensamento racionalista ou hedonista. O fiel católico é conservador
na medida em que se mantém fiel á TradicSo de vinte sáculos através da qual recebeu a mensagem do Evangelho; tal fidelidade na"o vem a ser motivo de
vergonha, mas, antes, de louvor e estímulo. É certo que muitas das tentati
vas de adaptar o Evangelho ao mundo contemporáneo fracassaram, redun dando em erros doutrinários e desvíos moráis. 4.2. Apavoramento
Acontece que o Fundamentalismo, querendo guardar os valores funda mentáis da fé, se deixa tomar de pavor pelas expressoes doutrinárias do
mundo atual e pela acao do demonio. Este medo, que por vezes é agressivo, resulta, em parte, de inseguranca na profissSo de fé: sem saber exatamente
o que possa ou nSo possa ser adaptado ou atualizado, o fundamenta lista prefere guardar cegamente as clássicas expressoes religiosas do passado. O 39
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pavor Ihe sugere outrossim uma Moral de preceitos negativos ou proibicSes e a suposícáo de que poucos se salvaráo. Deus aparece entao como Julz justiceiro e temível, cujo julgamento se aproxima, em vez de se ver em Deus o Amor que criou benévolamente o homem e morreu na Cruz para salvá-lo.
Ora o Cristianismo é, antes do mais, uma mensagem positiva e alvissareira. Professa a verdade do Evangelho e, somente em funcáo da verdade, de nuncia o erro. A verdade bem explanada entusiasma e nobilita o homem; ela possui em si mesma uma forca defensiva. Para dissipar o erro, muitas ve-
zes vasta expor com clareza e firmeza o teor da verdade. - É certo que, em muitos momentos da sua historia, o cristao tem que refutar erros doutriná-
rios, cultivando a Apologética da fé; mas a sua missao é, antes do mais, voltada para a verdade de Cristo, e nao para os erros dos hereges. 0 Cristianismo reconhece a existencia do pecado no mundo; reconhece também Satanás e sua acáo sedutora. Mas nao considera o mundo inteiro como presa do demonio. O cristao sabe que Deus amou o mundo a ponto de
Ihe dar seu Filho único (cf. Jo 3,14s); sabe igualmente que Satanás é um cao acorrentado, que pode latir fortemente, mas só morde a quem se Ihe chega perto.
O apavora'mento pode levar muitos fundamentalistas ao desequilibrio mental. Tem-se verificado, especialmente nos Estados Unidos, que nao pou
cos daqueles que abandonam uma faccao fundamenta lista sofrem de proble mas psico-afetivos, e difícilmente se readaptam a um modo de vida mais otimista, confiante e aberto ao mundo de hoje (no que este tem de sadio). 4.3. Antiintelectualismo
O estudo sereno e objetivo nao perturba a fé. Ao contrario, diz-se sa biamente que a pouca ciencia afasta de Deus, ao passo que a muita ciencia leva a Deus. Em nossos dias, o fiel católico deve procurar conhecer nítida mente as verdades do seu Credo, pois é interpelado por diversas proposites
aparentemente verídicas e atraentes. 0 estudo realizado dentro da caudal da Tradicao da Igreja só o pode beneficiar.
Em particular, o entendimento da S. Escritura nao deve depender de
um líder "iluminado" subjetivamente, mas, sim, de pesquisa científica reali zada em consonancia com a S. Igreja, que bercou a Biblia e goza de especial
assísténcia do Senhor para a entregar genuinamente aos seus fílhos. O Concilio do Vaticano II enunciou os criterios de ínter pretacao da S. Escritura, que conciliam entre si análise científica eatitude de fé. Ei-los, re-
produzidos com palavras da ConstituicSo Dei Verbum (sobre a Palavra de
Deus>n9 12: 40
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1. Intencao do autor sagrado: "O intérprete da Escritura deve estudar com atencao o que os autores sagrados querem dizer e Deus queria manifes tar mediante tais Palavras".
2. Géneros literarios: "Para descobrir a intencao dos autores sagrados, é preciso levar em conta. entre outras coisas, os géneros literarios". 3. A cultura do autor sagrado: "Faz se mister considerar atentamente
os modos de pensar, exprimir-se e narrar que estavam em voga na época do escritor sagrado e também as express5es que entao eram mais habituáis no coloquio ordinario dos homens".
4. A funcáo do Espirito: "A S. Escritura há de ser lida e interpretada segundo o mesmo Espirito pelo qual foi escrita". 5. Escritura-TradicSo-Fé: "Para descobrir o verdadeiro sentido do tex to sagrado, é necessário dar muita atencao ao conteúdo e á unidade de toda
a Escritura, á Tradicao viva da Igreja e á analogia da fé".'
Em suma, o Fundamentalísmo se apresenta aos fiéis como urna alerta
contra tentativas de acomodacSo e concessóes ao secularismo2 de nossos dias, mas ressente-se de perspectivas unilaterais e exageradas que disseminam
o pánico e certo irracionalismo. É, sem dúvida, necessário preservar os valo res do homo religiosus, sem, porém, esquecer que este também é animal rationale (vívente racional).
Este artigo muito deve ao de Antonio Izquierdo: El Furtdamentalismo, in Ecclesia VI2 (1992). pp. 367-378.
1 Analogia da fé é expressSo paulina (cf. Rm 12,6). Significa a conso nancia ou a harmonía e a complementado mutua que caracterizam as ver dades da fé, de modo que a interpretado dada a algum texto bíblico deve estar em acordó com o conjunto das verdades da fé ou, ao menos, nSo deve destoar do mesmo.
7Por "secularismo" entenda-se a tendencia a apagar o sagrado dentre as expressoes do ser humano. 41
Revelando segredos:
As Táticas Anti-Religíosas dos Governos Marxistas
Em síntese: O artigo refere o teor de treze normas estabelecidas pelos regimes comunistas do Leste Europeu para sufocar os cristSos, especialmen
te os católicos, nos anos de vigencia do marxismo. Tratava-se de erradicar a fé religiosa e substitui-la pela ideología marxista, concebida como uma quase religiao, dadas as suas exigencias radicáis. — Tais normas foram estipuladas pelos representantes de nove Partidos Comunistas da Europa reunidos em 1947 na cidade de Varsóvia e, pouco depois, em Sofía na Bulgaria. ■üti-ü
Após a queda do comunismo no Leste Europeu, tém vjndo á tona va
rios documentos que informam sobre fatos secretos, planos estratégicos e táticas peculiares dos Governos marxistas desejosos de extirpar a Religiao. Esta era tida como um dos principáis fatores de resistencia á plena implanta-
cao do marxismo real. Especialmente renitente era a Igreja Católica, majori-
tária na Polonia, na Hungría, na Lituánia, na Croacia, na Eslovénia e na Eslo-
váquia, sem deixar de ser muito influente nos outros países comunistas. Em conseqüéncia, os católicos eram alvo de primeira linha da repressao marxis ta, que os quería abater ou, ao menos, amordacar. Em vista disto, pouco depois da segunda guerra mundial, ou seja, em
fins de setembro de 1947, reuniram-se em Varsóvia os delegados de nove Partidos Comunistas Europeus soba presidencia do Sr. Jdanov, mentor ideo lógico do Partido Comunista da URSS; fundaram o Comité Central de Infor-
macoes, destinado a servir á perseguido religiosa, indicando métodos e coor denando atividades. Tinha sede oficial em Belgrado, mas o pessoal de servicq constava de soviéticos. O
Kominform,
assim
fundado, reuniu-se
posteriormente em Sofía
(Bulgaria), resultando daí um plano estratégico anti-religioso a ser aplicado em todas as "Democracias Populares", feitas as adaptagoes necessáriasa ca42
TÁTICAS ANTIRELIGIOSAS DO MARXISMO
43_
da pai's. Duas grandes etapas foram previstas: 1) desbaratar as hierarquias
cristas, únicas organizacdes sólidas e firmes que haviam sobrevivido á segun da guerra mundial; 2) extirpar das consciéncias a fé crista,
substituindo-a
pela ideología comunista atéia, elevada á categoría de novo sistema "reli gioso".
Seguem-se as diversas medidas que deviam ser executadas em vista de
tais finalidades.1 I. O Plano Estratégico 1. Separar dos seus 'aliados estrangeiros' as comunidades protestan tes, e desvincular do seu centro romano as instituicoes católicas. Em vista
disto, deveriam ser dispensados todos os Nuncios Apostólicos (representan tes do Papa) acreditados nos países comunistas. A razao oficial para tanto
era que esses Nuncios haviam sido acreditados junto a Governos anteriores aos comunistas. As Nunciaturas fícaram abenas, como de costume em tais casos, durante certo tempo, mantidas por diplomatas subalternos; mas fo ram finalmente fechadas, visto que nenhum outro credenciamento de Nun cio Apostólico era possível.
2. Decapitar as comunidades locáis, caluniando, ao máximo, os seus chefes: entre os católicos, eram assim considerados os Cardeais, os Arcebispos e os Presidentes das Conferencias Episcopais; entre os protestantes, tal ou tal Bispo calvinista ou luterano, cujo prestigio tivesse repercussáo nacio
nal. A campan ha de calúnias seguiram-se processos e sentencas condenato
rias, baseadas em acusacóes mentirosas. Em certos casos, por motivos táticos, os comunistas se contentavam com a prisao domiciliar da autoridade religiosa, com proibicao de receber visitas e de intervir em atividades pasto
ra is. A coordenacao bem planejada desses ataques aparece com muita evi
dencia a quem considera as datas dos processos e das sentencas condena torias. 3. Destruir a unidade do clero, suscitando o "Movimento dos Padres
para a Paz", aos quais as autoridades civis reservavam as melhores paróquias. Tais sacerdotes eram enviados a todo tipo de reuniSes ou manifestacoes em prol da paz tanto no interior do pai's quanto no estrangeiro. Seguiam as orientacSes do Governo, e nao as da Santa Sé. 4. Dividir entre si os Bispos privados de seu chefe, sendo entao a bertamente favorecidos alguns tidos como 'compreensivos', e atacadossem treguas
os 'duróes' e os 'reacionários'.
1 Estes dados sSo extraídos da revista franciscana "Evangile Aujourd' hui",nP 152, pp. 15-17. 43
44
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 368/1993 5. Romper todos os vínculos que aínda pudessem existir entre os sa
cerdotes e os fiéis leigos, decretando a dissolucao de todas as agremiacoes re ligiosas, paroquiais ou de juventude, inclusive as Ordens Terceiras das gran
des familias religiosas: franciscana, dominicana, carmelita, agostiniana.' 6. Para evitar todas as modalidades de réplica da Igreja, foram nacio nalizados todos os seus bens: térras, propiedades, edificios, etc.
7. Para melhor ensinar a nova ordem social e a compreensao do socia
lismo em construcao, os diversos governos fecharam os Seminarios diocesa nos e organizaran! Grandes Seminarios regionais, cujos professores deviam pedir o Beneplácito das autoridades estatais. A admissao nos Grandes Semi
narios foi limitada por um numerus clausus (número fechado); a autoridade civil encarregada dos assuntos religiosos é que definia o número exato de Se minaristas que poderiam ser aceitos para cada diocese. Antes da ordenacao
sacerdotal, o candidato devia pedir o Beneplácito do Governo para tanto.
Antes de assumir urna funga o pastoral (de Vigário até Bispo), todo eclesiásti co devia prestar juramento de fidelidade ao regime. 8. Para controlar a fidelidade dos eclesiásticos, em cada República Po pular foi criado um Comité governamental de Assuntos Eclesiásticos, cujos funcionarios tinham pleno poder de controle, indo até a revogacao da autorizacao de servico pastoral quando o interessado caia na desgraca dos funcio narios.
9. Para evitar toda influencia religiosa sobre a juventude, o ensino do
Catecismo foi proibido ñas escolas e severamente regulamentado ñas paróquias. Era o Comité de Assuntos Religiosos que definia o número de aulas e
o número de alunos matriculados no Catecismo. Ao contrario, o materialis mo científico e ateu tornou-se disciplina obrigatória no ensino público desde o grau maternal até as Universidades. 10. Para quebrar o dinamismo do pensamento cristao, Congregagoes e Ordens Religiosas foram extintas, com excecao das da Polonia e da lugoslávia em virtude de razoes políticas. Na Polonia, durante a ocupacáo alema,
as Religiosas e os Religiosos, assim como os presbíteros, pagaram pesado tri buto por causa da sua fidelidade á patria. Cerca de seis mil sacerdotes polo neses foram internados em campos de concentracao nazistas. Seja menciona do, entre outros, o Pe. Maximiliano Kolbe. - Nalugoslavia.se o Marechal Tito tivesse fechado as Ordens Religiosas, teria sido acusado de hostilidade para
fAs quatro grandes Ordens medie vais ditas "mendicantes" compreendem o que se chama: a Ordem Primeira (que consta de frades), a Ordem Se gunda (que consta de freirás), a Ordem Terceira (que consta de leigos). 44
TÁTICAS ANTI RELIGIOSAS DO MARXISMO
45
com os croatas - coisa que ele quería evitar a todo preco, pois Tito tinha bom número de problemas com 'os seus' croatas. . . Por conseguinte, contentou-se com o exterminio de certo número de Religiosos, enquanto outros foram encarcerados. sempre, porém, 'por motivos pessoais'. . .
11. Paralelamente á destruicao das Ordens Religiosas, as escolas, os hospitais e os pensionatos cristáos foram estatizados. Sob a nova direcao, to
do o espirito cristao desapareceu dessas instituicSes. Todo professor que quisesse praticar a sua religiao, foi ¡mediatamente dispensado. Também na Policía e no Exército a prática da religiao era severamente proibida; o mesmo ocorria ñas repartieses públicas, quaisquer que fossem. 12. A fim de que ninguém pudesse protestar contra essas medidas vexatórias ou contra as calúnias, nao raro, muito grosseiras, disseminadas con
tra a fé, a imprensa escrita, radiofónica e televisionada foi estatizada e posta sob o constante controle do Departamento de Ideología e de Propaganda do respectivo Partido Comunista. Todas as tipografías e editoras sofreram a mesma sorte. Qualquer infrator dessas disposicoes - autor de folhas volantes clandestinas — era sujeito á pena de dez a vinte anos de trabalhos forcados.
Cada máquina datilográfica pessoal era registrada no Departamento de Polícia; antes de poder comprar um mimeógrafo, era preciso que o interessado obtivesse a permissSo escrita da Policía política até 1960; em varios paí-
ses... até o fim da década de 70. 13. Toda crítica ao regime ou ao Governo era passiva de pena. A Poli cía política controlava a observancia das suas 'dísposicoes legáis'. Até certos vocábulos e certas historias eram classificadas em categorías sujeitas a penas de um, tres, cinco ou até dez anos de prísao ou de campo de concentracao.
II. Refletindo... As tátícas atrás elencadas revelam bem a intencao hostil e destruidora do Comunismo frente á Religiao, especialmente ao Catolicismo, que se mos-
trou muito resistente nos países do Leste Europeu. Nao se pode dizer que
tenham perdido sua vigencia após a queda do Comunismo europeu, poís aín da há países sob duro regime marxista.. . . países onde a religiao até hoje é duramente reprimida, embora se diga que há liberdade religiosa. Incumbe aos católicos dos países democráticos ¡nteressar-se por seus
irmaos perseguidos, orando por eles e esforcando-se, na medida do possível, por levar-lhes alivio e preparar-lhes melhores dias.
45
Relatório anual sobre
As Finan9as da Santa Sé
Periódicamente reúne-se urna Comissáo Internacional de Cardeais
encarregados das finangas da Santa Sé, para fazer o bataneo de receitas e despesas do exerefeio findo. Ao término da sessáo é publicada urna Comunicacáo sobre a situac§o financeira do governo central da Igreja. Aos 22-23/06/92 ocorreu mais urnadessas reunióes, da qual foi dado
ao público o seguinte relatório, que é extraído da edigáo portuguesa de L'Osservatore Romano datada de 5/7/92, p. 11: "Nos días 22 a 23 do mes de junbo, realizou-se no Vaticano, sob a pre
sidencia do Cardeal Angelo Sodano, Secretario de Estado, a reuniáo do Conselho de Cardeais para o estudo dos problemas organizativos e económicos da Santa Sé. Nela tomaram parte os Cardeais Paúl Zoungrana, Eugenio de Araújo Sales, Jaime L Sin, Ernesto Corripio Ahumada, Joachim Meisner, Ángel Suquia Goicoechea, Paulo Tzadua, Albert Decourtray, John Joseph O'Connor, EdwardBede Clancy, RogerMichael Mahony e Camillo Ruin!. Também eslavam presentes o Cardeal Edmund Casimir Szoka, Presi
dente da Prefeitura dos Assuntos Económicos, e o Cardeal RosaBo José Castillo Lara, Presidente da Administracáo do Patrimonio da Sé Apostólica e da Pontificia Comissáo para o Estado da Cidade do Vaticano. O Cardeal Szoka apresentou o bataneo da Santa Sé relativo a 1991.
O
déficit
foi
de
100.747.536.372
liras
(equivalentes
a
US$
87.526.257,54, ao cambio de HU 1.151,55 por dólar), derivante da éferenca entre as despesas: 226.025.997.615 liras (US$ 196.364.202,94), e as entra das: 125276.461£43 (US$ 108.837.945,40). 46
AS FINANgASDASANTASÉ
47
O mencionado déficit, inferior ás previsóes, granas ao aumento das
entradas loi coberto com as ofertas do Óbulo de Sao Pedro e com as entra
das segurdo o can. 1.271, do Código de Direito Canónico,' que no ano de 1991 air.onlaram a um total de US$ 62.355.495,21, com urna parte do excesso de exercfcio do Governadorato da Cidade do Vaticano, igual a liras 4.170 miIhoes, e com os contributos especiáis dados por Instituicóes e Fundacóes.
O balanco aínda nao prevé reservas para o Fundo de Pensóes para o. Pessoal da Santa Sé, cujo amontar reentra ñas despesas do ano. A 31 de dezembro estavam em servico 2.330 pessoas. Os pensionados eram 900.
Reconheceu-se com satisfacáo o constante aumento do Óbulo de Sao Pedro e das ofertas que os Bispos enviaram á Santa Sé, em ccnlormidade com o can. 1.271 ("Em razio do vinculo da unidade e da caridade, os Bispos, segundo as possibitidades da sua diocese, ajudem a fomecer os recursos de
que a Sé Apostólica necessita, de acordó com as condicóes dos lempos, para que ela possa prestar o devido servico á Igreja universal").
A reuniáo encerrou-se com urna caña aos Bispos de todo o mundo, na qual se agradece, por intermedio deles, a quantos contribufram com o seu au
xilio económico para o sustento das Reparticóes centráis que colaboram com o Santo Padre na sua missáo de Pastor da Igreja universai".
Como se vé, a Santa Sé é deficitaria. Compete-lhe enfrentar despe sas de vulto para convocar e realizar encontros dos membros de suas
numerosas Corr.issóes Internacionais dedicadas ao estudo de diversos problemas e desafíos da hora presente. Além disto, as exigencias da vida contemporánea sao cada vez rna¡s minuciosas, impondo sempre a qualquer sociedade atualizada a necessldade de grandes recursos. Em conseqüéncia, a Santa Sé tem sido sustentada pelos fiéis esparsos pelo mundo inteiro e solidario com as intencóes apostólicas da Igreja. Estéváo Bettencourt O.S.B.
1Reza o canon 1271: "Em razio do vínculo da unidade e da caridade, os Bis pos, segundo as possibilidades de sua diocese, ajudem a fomecer os recur
sos de que a Sé Apostólica necessita, de acordó com as condicóes dos lem pos, para que ela possa prestar o devido servico é Igreja universal" (Nota da Redacáo). 47
CORRESPONDENCIA MIÜDA M.F.L. (Guaraí, Tocantins): O amigo nos apresen.ta um artigo intitula do "Tem a Igreja o que aprender com Lutero?", e sugere urna análise do res pectivo texto.
— 0 artigo reproduz numerosas declaracSes de Lutero, que revelam o seu íntimo modo de pensar a respeito de si como "iluminado de Deus" e da religiSo. Tais afirmacdes sSo auténticas, porque diretamente retiradas das obras de Lutero; especialmente as Tischreden (Coloquios de Mesa), proferi das no fim da vida de Lutero e ná"o raro sob o efeito do vinho, sao significa tivas, como se depreende da seguinte citacSo:
"Quem nSo eré como eu, é destinado ao inferno. Mínha doutrina e a doutrina de Deus sSo a mesma coisa. Meujufzo é o ¡ufzo de Deus". 'Tenho certeza de que meus dogmas vém do céu" (extraído da obra de Funck Brentaño. Martinho Lutero, Casa Editora Vecchi. Rio de Janeiro, 3a ed. 1968). Pode-se crer que Lutero tenha tido o zelo de Deus, mas teve-o dentro de urna personalidade vítima da educacSo severa que recebeu, e tendente á
morbidez; foi, sim, educado por um pai rígido, que mais Ihe incutia o temor de Deus do que o amor; estudou a Filosofía de Occam, que dava predominio á vontade sobre o intelecto; isto implicava que, para Deus, nao haveria lógi ca; Deus poderia fazer do irracional e ilógico algo de lógico {poderia fazer um círculo quadrado). Isto contribuiu para incutir mais pavor a Lutero, que julgava nffo poder contar com a lógica do amor misericordioso de Deus. Entrou no convento por efeito de urna promessa feita a Santa Ana, quando, certa vez, escapou de ser fulminado por um raio ao voltar da Universidade. Por conseguinte, fez-se frade sem vocacáfo, por motivos emocionáis, mais do que por amor. Procurou viver segundo a Regra de S. Agostinho no convento. Mas verificava a distancia existente entre o ideal e a sua realidade. A situacSo se Ihe tornou cada vez mais angustiante, até o dia em que julgou descobrir em SSo Paulo a solucSo dó problema, solucSo que ele assim formulou: o que
importa á nossa salvacáb, nao é aquilo que fazemos ou deixamos de fazer, mas é a nossa fé. Donde as palavras escritas ao seu amigo Melanchton a 1? de agosto de 1521: "Sé pecador e peca firmemente, mas com mais firmeza aínda eré e ale gra-te em Cristo, vencedor do pecado, da morte e do mundo. Durante a vida devemos pecar bastante. Basta que pela misericordia de Deus conhepamos o cordeiro que tira os pecados do mundo. Dele nao nos há de separar o peca
do, aínda que, em um día, cometéssemos mil fbrnicacoes e mil homicidios".
É Lutero, sim, que está na origem de todo o movimento protestante, movimento que pretende ser o genuino Cristianismo!... Infelizmente os
protestantes nffo conhecem suficientemente a historia; se a conhecessem, protestantes nem caluniariam a Santa MSe Igreja! E. B.
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sa. 12? td. 1990
MEUS QUINZE ANOS, ritos e textos para Mlssa 17? ed.
1991
EM COMUNHÁO Revista bimestral (cinco números: de marco a dezambro), editada pelo Mosteiro de Sffo Bcnto do Rio de Janairo, destina-se a Oblatos beneditlnos •
pessoas intaressadas em assuntos de «spiritualldade bíblica e monástica.
Alím de um artigo do Pe. ErtívSo Bettencourt OSB, contém traducdet e
comentarios bíblicos e monásticos, e, ainda, a crónica do mosteiro.
O núnwro 94'foi todo ele dedicado a D. Abada Inácio Aceioly, podtndo ser adquirido atreves da "Lumen Christi", pelo Servfco de Reembolso Postal. Para 1993, a assinatura ou renovacfo. se ftlta até 31 de Janeiro flearé por
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3608-20001 -970)
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2666-20001-970 - Rio da Janairo - RJ).
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Álbum com 110 págs. coloridas (30 x 23), texto histórico-explicativo documentado, de autoría de D. Mateus Rocha O.S.B. — Em 5 línguas, volume separado (portugués, espanhol, fran cés, inglés e alemao). Cr$ 300.000,00, mais porte de correio. Atende-se pelo Reembolso Postal