Ano Xxxiv - No. 375 - Agosto De 1993

  • Uploaded by: Apostolado Veritatis Splendor
  • 0
  • 0
  • April 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Ano Xxxiv - No. 375 - Agosto De 1993 as PDF for free.

More details

  • Words: 19,262
  • Pages: 54
Projeto

PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTAQÁO DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro

que

devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

''

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

Jü_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se

. dissipem e a vivencia católica se fortaleca

jia" no Brasil e no mundo. Queira Deus

abencoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se

encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao. A

d.

Esteváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaca

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ANO XXXIV AGOSTO

1993

co

<

SUMARIO

A Igreja: para qué? co UJ

g

Í3 3

O co

< Ul

ID

O rr

o.

O primado de Pedro

Celeuma em torno de "Judeus Messiánicos" "A escolha de Deus" por Card. J.M. Lustiger A televisao brasileira Teresa de los Andes

O itinerario de urna conversao na Tchecoslováquia A Ciento logia

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

AGOSTO 1993 N9 375

Publicado mensal

SUMARIO

Diretor-Responsável

EstévSo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia

A Igreja: para qué?

337

publicada neste periódico

Quando comecou? O Primado de Pedro

338

Diretor-Administrador:

D. Hildebrando P. Martins OSB

"Jesús é o Messias":

Celeuma em torno de "Judeus Messiánicos".

Administrado e distribuicao:

Edicoes "Lumen Christi" Rúa Dom Gerardo, 40 ■ 5? andar - sala 501 Tel.: (021) 291-7122 Fax (021) 263-5679 Endereco para correspondencia: Ed. "Lumen Christi"

Caixa Postal 2666

20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

345

Um livro raro:

"A escolha de Deus" por Card. J. M. Lustiger

349

Tres comentarios sobre A televisao brasileira

357

Em plena juventude: Teresa de Los Andes

364

Testemunho heroico:

O itinerario de úma convenio

Imprettft e Encadernacao

na Tchecoslováquia

369

Psicotécnicas e Religiao: A Cientologia

376

•MARQUESSARAIVA "

GRÁFICOS E EDITORES S.A. Tell: (021) 273-9498 ■ 273-9447

NO PRÓXIMO NÚMERO: A Morte e o Além: como entendé-los? — "Um Judeu Original. Repensan do o Jesús histórico" (John P. Meier). — Castigo até a terceira e quarta geracao? — A B ib I ¡a das Testemunhas de Jeová. — O convite de Graca Wagner.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL 112 mimaros I Cr$ 650.000.00 ■ n? avulso ou atrasado CrS 65.000.00 O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento. cruzado,

anotando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO na conta do favorecido" e onde consta "Cod. da Ag. e o N? da C/C." anotar: 0229 —

02011469-5.

2. Depósito no BANCO DO BRASIL, ag. 0435-9 Rio C/C 0031-304-1 do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle.

3. VALE POSTAL pagável na ag. Central 52004 - CEP 20001-970 - RIO. Sendo novo Assinante. é favor enviar carta com nome e endereco legi'veis. Sendo renovacao, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo a Revista.

V LIOTECA

A IGREJA: PARA QUE? Em nossos días há cristSos que professam Jesús Cristo, mas sao avessos é Igreja, que eles nao freqüentam por diversos motivos ou, ás vezes, sem motivo algum. Privatizam a su a fó, como se diz.

Tal atitude nao é crista. Derh/a-se do desconhecimento do que seja realmente o Cristianismo. Com efeito; ser cristio nao é simplesmente crer em Deus e valer-se dos beneficios espirituais (reconforto, estímulo...) que

o Evangelho proporciona. É crer em Deus como Jesús Cristo O revelou.'

Ora o Deus da RevelacSo crista é precisamente o Deus da Al ¡anca..., Al ¡an ca Antiga travada com os patriarcas, e Al ¡anca Nova, selada pelo sangue do próprio Cristo. Jesús se apresentou como o Mediador da nova e defini tiva Al ¡anca. Esta nao diz respeito apenas á coletividade, mas refere-se a cada um dos seres humanos. Por conseguirte,ser cristSo significa ser membro de um povo com o qual Deus fez Al ¡anca, e participar da vida desse povo.

A Al ¡anca, na Escritura, é comparada á uniao nupcial: Deus quer ser o Esposo da Filha de Sion (cf. ls-54, 5-7); fazendo-se homem em Jesús Cristo, Ele é o Esposo da Igreja (cf. Ef 5, 25-30; 2Cor 11,2); trata-se, pois, de um pacto de amor destinado a transmitir a vida divina aos homens. Ora cada cristao é urna miniatura da Igreja (mikroekklesía);elecomungacom a Igreja e realiza em si urna parcela da Alianca existente entre Cristo e a Igreja.

Jesús, em sua paciente tarefa pedagógica, quis suscitar nos discípulos a consciéncia dessa grande realidade de viverem em comunhio...: "Nao te máis, pequeño rebanho... "(Le 12,32), "Como o Pai me enviou, assimeu

vos envió" (Jo 20,21), "Simao, Simio, eis que Satanás pediu insistente

mente para vos peneirar como trigo; eu, porém, roguei por ti, a fim de que tua fé na*o desfaleca. Quando te convelieres, confirma teus irmaos" (Lc22,31s).

De resto, nao poderia ser outro o caminho de crescimentó espiritual

do cristio. Como seres humanos, fomos feitos para viver em sociedade (fa

milia, escola, profissao...), onde encontramos os meiospara nos desenvol ver e realizar plenamente, saindo de nosso egofsmo. Também assim se processa a nossa santificacüb: ó na Igreja, onde Cristo vive como em seu sacra mento primordial, que recebemos a vida divina e o penhor da heranca eter na. As fainas que possamos encontrar em nossos ¡rmá*os, ná*o nos surpreendem, visto que ninguém está isento de cometer iguais ou piores. O misterio da Encarnapfo ou do Deus velado e revelado através do humano se prolon ga na vida de cada cristSo... Sem isto o Cristianismo é rótulo, é um belo

nome esvaziado de seu rico conteúdo. E.B. 337

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXIV - N9 375 - Agosto de 1993

Quando comecou?

O PRIMADO DE PEDRO

Em sfntese: Vai, a seguir, publicada urna Catequese deJoao Paulo II proferida na quarta-feira 16/12/92 sobre o exercício do primado de Pedro na Igreja nascente. SSo passados em revista atenta os textos dos Atos doá Apostólos e das epístolas que evidenciam a fungió primacial de Pedro desde os primeiros dias da Igreja. Essa funció, que tem a promessa

da assisténcia do Espirito Santo (cf. Jo 14,15-17. 26; 16,12s), é fatorde

unidade da Igreja.

*

*

*

0 primado do Apostólo Pedro e de seus sucessores é sempre um pon to nevrálgico ñas relacSes entre os católicos e os demais cristaos. é difícil a estes aceitar urna chefia visível para a Igreja, pois as tradicoes nacionais

tendem a dilacerar a unidade da Igreja, unidade que urna chefia visível tem

o papel de garantir. — é importante mostrar que está nos próprios desig nios do Senhor e nos documentos do Novo Testamento o fundamento do primado do Apostólo Pedro, Pastor universal do rebanho, destinado a tute lar a unidade da fé e da Moral dos cristaos sob a assisténcia do Espirito

Santo.

0 S. Padre Jólo Paulo II dedicou tres de suas Catequeses semanais á explanacao dos textos do Novo Testamento relativos ás funcSes de Pedro:

aos 2 e 9/12/92, deteve-se sobre os Evangelhos, onde Jesús aparece prome-

tendo e conferindo o primado a Pedro; ver Mt 16,16-19; Le 22, 31se Jo

21, 15-17. Aos 16/12 percorreu os textos dos Atos dos Apostólos e das

epístolas que mostrarri o exercício de autoridade singular por parte de Pe

dro logo nos primeiros anos da Igreja. É esta terceira Catequese que vai abaixo transcrita em traducio portuguesa. Tornase muito interessante

perceber, numá leitura atenta, como de fato Pedro presidia ao Colegio dos 338

O PRIMADO DE PEDRO

Apostólos desde os inicios do Cristianismo, ficando assim afastada a hipotese de urna instauracao tardía e usurpativa do primado de Pedro e seus sucessores.

A palavra do Papa seguir-se-á o depoimentc do teólogo protestante

Osear Cullmann sobre o mesmo assunto.

1. A PALAVRA DO PAPA

1. Os textos que expus e expliquei ñas catequeses passadas dizem

respeito diretamente á missSo, de Pedro, de confirmar na fé os irmaos e de apascentar o rebanho dos seguidores de Cristo. Sao os textos fundamentáis

sobre o ministerio petrino. Contudo, eles devem ser considerados no quadro mais completo de todo o discurso neotestamentário sobre Pedro, a co-

mecar pelo inserimento da sua missao no conjunto do Novo Testamento. Ñas Epístolas de Paulo, ele é recordado como a primeiratestemunhada res surreicao {cf. 1Cor. 15, 3ss), e Paulo disse que foi a Jerusalém "para ver Cefas" (cf. Gal. 1,18). A tradicao joanina registra urna grande presenca de Pedro, e também sao numerosas nos Sinóticos as referencias a ele. O texto neotestamentário diz respeito também á posicao de Pedro no grupo dos Doze. Nele sobressai o trio.Pedro, Tiago e Joao: basta pensar, por exemplo, nos episodios da transfiguracao, da ressurreipao da filha de Jairo, do Getsémani. Pedro está sempre no primeiro lugar em todas as lis tas dos Apostólos (em Mt. 10,2 até com a qualif¡cacao de "primeiro"). ÉIhe dado por Jesús um novo nome, Kefa, que é traduzido em grego (era portanto considerado significativo), para designar a tarefa e o lugar que Si mio terá na Igreja de Cristo.

Sao elementos que nos servem para compreender melhor o significa do histórico e eclesiológico da promessa de Jesús, contida no texto de Mateus (16,18-19), e o conferimento da missao pastoral narrado por Joao (21,15-19): o primado de autoridade no colegio apostólico e na Igreja. 2. Tratase de um dado de fato, narrado pelos evangelistas como anotadores da vida e da doutrina de Cristo, mas também como testemunhas da crenca e da praxe da primeira comunidade crista. Nos textos deles re sulta que, nos primeiros tempos da Igreja, Pedro exercia a autoridade de modo decisivo ao nivel mais elevado. Este exerefeio, aceito e reconhecido pela comunidade, está em correspondencia histórica com as palavras pro nunciadas por Cristo acerca da missao e do poder de Pedro.

é fácil admitir que as qualidades pessoais de Pedro nao teriam sido

por si sos suficientes para obter o reconhecimentó de urna autoridade su339

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

prema na Igreja. Mesmo se tinha um comportamento de chefe, já demons trado naquela especie de associacio para a pesca no lago, feita por ele com os "companheiros" JoSo e Andró {cf. Le. 5, 10), nao teria podido imporse sozinho, dado que tinha limites e deféitos de igual modo conhecidos. E,

por outro lado, sabe-seque, durante a vida terrena de Jesús, os Apostólos

tinham discutido sobre quem, de entre eles, teria obtido o primeiro lugar no reino. Portanto, o fato de que a autoridade de Pedro fosse depois reconhecida pacificamente na Igreja, é devido exclusivamente á vontade de Cristo, e demonstra que as palavras com as quais Jesús tinhaatriburdoao Apostólo a sua particular autoridade pastoral, tinham sido escutadas e recebidas sem dificuldade na comunidade crist3.

3. Papamos urna breve exposicao dos fatos. Logo depois da Ascensáo, refere o Livro dos Atos, os Apostólos reuniram-se: na sua lista, Pe dro é o primeiro a ser nomeado (cf. At 1,13), como também ñas listas dos Doze, que nos sao fomecidas pelos Evangelhos e na enumeracao dos tres privilegiados (cf. Me 5, 37; 9,2; 13,3; 14,33 e par.).

é ele, Pedro, que por sua iniciativa toma a palavra: "Naqueles dias, >e-

vantando-se Pedro no meiodosirmaos" (At. 1,15). Nao é a autoridade que

o designa. Ele comporta-se como quem possui a autoridade. Naquela reuniao Pedro expoe o problema que surgiu da traicao e da morte de Judas,

que reduz o número dos Apostólos a onze. Por fidelidade á vontade de Je sús, cheia de simbolismo sobre a passagem do Antigo Israel ao Novo (doze

tribos constitutivas - doze Apostólos), Pedro indica a solucao que se impoe: designar um substituto que seja, com os onze, "testemunha... da res surreicao" de Cristo (cf. At. 1,21-22). A assembléia aceita e p5e em prática esta solucao, tirando á sorte, a fim de que a designacao viesse do alto:

e "a sorte caiu em Matías, o qual foi associado aos onze Apostólos" (At. 1,26).

Convém ressaltar que entre as testemunhas da ressurreicao, em virtu-

de da vontade de Cristo, Pedro tinha o primeiro lugar. O anjo que anuncia ra ás mulheres a ressurreicao de Jesús dissera: "Ide, dizei aos seus discípu

los e a Pedro..." (Me. 16, 7). Jólo deixa que seja Pedro o primeiro a entrar

no sepulcro (cf. Jo. 20,1-10). Aos discípulos que retomaram de Emaús os outros dizem: "Na verdade o Senhor ressuscitou e apareceu a Simio" (Le.

24,34). é urna tradicao primitiva, recolhida pela Igreja e referida por Sao Paulo, que Cristo ressuscitado apareceu primeiro a Pedro: "foi visto por Cefas e depois pelos onze" (1Cor 15,5).

Esta prioridade corresponde á missao, conferida a Pedro, de confir mar na fé os seus irmaos, como primeira testemunha da ressurreicao. 340

O PRIMADO DE PEDRO

4. No dia de Pentecostés Pedro age como chefe das testemunhas da ressurreicáo. E ele quem toma a palavra, com um impulso espontáneo: Pedro, apresentando-se com os onze, levantou a voz e disse..." (At 2 14)

Ao comentar o que tinha acontecido, ele declara: "A este Jesús ressuscitoii

Deus, do que todos nos somos testemunhas" (At 2,32). Os Doze sao teste munhas deste fato: Pedro proclama ¡sto em nome de todos. Podemos dizer que ele é o porta-voz institucional da primeira comunidade e do grupo dos Apostólos. E ele que indica a quem o escuta o que devemfazer:"Fazei pe nitencia e cada um de vos seja batizado em nome de Jesús Cristo " (At2,38).

É aínda Pedro que realiza o primeiro milagro, causando o entusiasmo

da multidáo. Segundo a narracao dos Atos, ele encontrase em companhia de Joao quando se dirige ao coxo que pede esmola. é ele que fala. "Pedro, pondo nele os olhos juntamente com Joao, disse: "'olha para nos!". Ele (o coxo) olhava para eles com atencao, esperando receber alguma coisa. Mas Pedro disse: "Ni"o tenho prata nem ouro, mas, o que tenho, ¡sto te dou: em nome de Jesús Cristo de Nazaré, levanta-te e anda!". E, tomandoo pela mió direita, levantou-o, e ¡mediatamente se Ihe consol ida ram os pés e os tomozelos. Dando um salto, pos-se em pé, e andava..." (At. 3,3-8). Portante Pedro, com as suas palavras e os seus gestos, faz-se instrumento do milagro, convencido de dispor do poder que Jesús Ihe tinha conferido

também neste campo.

É precisamente neste sentido que ele explica ao povo o milagro, mos

trando que a cura manifesta a potencia de Cristo ressuscitado: "Deus res-

suscitou-0 dos mortos, do que nos somos testemunhas" (At. 3,15). Por conseqüéncia, ele exorta quem o escuta: "Arrependei-vos, pois, e conver-

tei-vos!" (At. 3,19).

No interrogatorio do Sinedrio é Pedro, "cheio do Espirito Santo", que fala, para proclamar a salvacab trazida por Jesús Cristo (cf. At. 4, 8s), crucificado e ressuscitado (cf. At. 7, 10).

Sucessivamente é Pedro que, "juntamente com os Apostólos", res ponde á proibicao de ensinar em nome de Jesús: "Deve-se obedecer antes a Deus que aos homens..." (At. 5,29).

5. Também no caso penoso de Ananias e Safira, Pedro manifesta a

sua autoridade como responsável da comunidade. Ao repreender aquele casal cristáo pela mentira do lucro da venda de um campo, ele acusa os dois culpados de terem mentido ao Espirito Santo (cf. At. 5,1-11). De igual modo o próprio Pedro responde a Simao mago, que tinha oferecido dinheiro aos Apostólos para obter o Espirito Santo com a impo341

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

sicao das maos: "O teu dinheiro pereca contigo, visto que julgaste que o dom de Deus se pode adquirir com dinheiro... Faze, pois, penitencia desta tua maldade, e roga a Deus que, se é possível, te seja perdoado este pensamento" (At 8.20.22). Os Atos, além disso, dizemnos que Pedro é considerado pela multidao como aquele que, ainda mais do que os outros Apostólos, opera marávilhas. Certamente nao é o único a realizar milagros: "Entretanto eram feitos pelas maos dos Apostólos muitos milagres e prodigios entre o povo" (At 5,12). Mas é principalmente d'Ele que esperam as curas: "traziam os doentes para as rúas e punham-nos em leitos e enxergoes, a fim de que, ao

passar Pedro, cobrisse ao menos a sua sombra algum deles" (At. 5, 15). Portanto, oestes primeiros momentos do ini'cio da Igreja, sobressai

claramente um aspecto: sob a forca do Espirito e em coeréncia com o mandamento de Jesús, Pedro age em comunhao com os Apostólos, mas toma a iniciativa e decide pessoalmente como Chefe. 6. Explica-se deste modo também o fato de que, no momento da prisao de Pedro por parte de Herodes, se tenha elevado na Igreja urna orapao mais ardente por ele: "Pedro, pois, estava assim guardado no caree re.

Entretanto a Igreja fazia sem cessar oracao a Deus por ele" (At 12,5). Também esta oracao deriva da conviccao comum da importancia única de Pedro: com ela tem ini'cio a cadeia ininterrupta de súplicas que se elevarao na Igreja em todos os tempos pelos sucessores de Pedro.

A intervencao do Anjo e a libertacao milagrosa (cf. At 12, 6-17), além disso, manifestam a protecao que Ihe permite realizar toda a missao pastoral que Ihe foi confiada. Os fiéis pedí rao esta protecao e assisténcia para os Sucessores de Pedro, ñas penas e perseguicoes que encontrarlo sempre no seu ministerio de "sen/os dos servos de Deus". 7. Podemos concluir reconhecendo que, verdaderamente, nos pri

meiros tempos da Igreja, Pedro age como aquele que possui a primeira autoridade do ámbito do colegio dos Apostólos, e por este motivo fala em

nomé dos Doze como testemunha da ressurreicao.

Por isso faz milagres que se assemelham aos de Cristo e realiza-os em Seu nome. Por isso assume a responsabilidade do comportamento moral

dos membros da primeira comunidade e do seu futuro desenvolví mentó. Por isso está no centro do interesse do povo de Deus e da oracao dirigida ao Céu a fim de Ihe obter a protecao e a libertacSo. 342

O PRIMADO OE PEDRO

2. A PALAVRA DE UM PROTESTANTE O teólogo protestante Osear Cullmann distingüese por sua erudicao e sua abertura de espirito. Foi observador do Concilio do Vaticano II, a convite do Papa Paulo VI e é bom amigo do Cardeal Joseph: Ratzinger; foi agraciado com o premio Paulo VI do Instituto do mesmo nome, dada a sua contribu ¡gao para o proficuo diálogo católico-protestante. Autor de varios livros, foi entrevistado por Lucio Brunelli e Alfred Labhart em nome da revista 30 DÍAS, áqualfezsignificativasdeclaracdes sobre o primado de Pedro. Transcrevemo-las a partir do número de marco 1993, p. 12, da citada revista (edicao brasileira): R: O senhor atribuí a Roma toda a responsabilidade pela ruptura com Lutero?

CULLMANN: Nao, a responsabilidade é de ambas as partes, também de Lutero. Ele disse coisas sem propósito sobre o papado ("fundado pelo

diabo") e sobre a Eucaristía, Havia reformadores como Martín Butzer, de Estrasburgo, que nao queriam a ruptura mas urna reforma interna. Eu também nasci em Estrasburgo e considero isso um fato providencial para toda a minha vida e a reflexao que fiz. O cristianismo afsaciano sempre viveu a unidade na diversidade.

R: Lutero disse também: "Se obtivermos o reconhecimento do fato de que Deus justifica únicamente por pura graca, nos nao só levaremos o Papa na palma da mao mas também beijaremos os seus pés". Que espapo existe para o ministerio de Pedro na sua proposta?

CULLMANN: Eu considero o sen/ico de Pedro um carisma da Igre/'a católica, com a qual nos, protestantes, também temos que aprender. Eu o vejo é luz dos problemas que a secu/arizacSo traz para as denominacoes protestantes. Nao concordo com tudo o que o Papa diz, mas pelo menos

existem diretrizes. No mundo protestante elas nao existem. Nos também precisaríamos de urna forma de magisterio. O Papa é o bispo de Roma e,

enquanto tal, ele poderia ter a presidencia da "comunidade das Igre/as" de que falei. Pessoalmente, vejo o papel dele como de quem garante a unidade. Ele poderia ser aceito, se nao tivesse ¡uridicio sobre todos os

cristaos, mas um primado de honra. O servico de Pedro seria necessário, em urna forma nova, inclusive como reacio contra possfveis erros coletivos. Nem sempre a maioria traz a verdade. Por isso, sou contra a mistura de Igreja com democracia. Na Idade Media, havia elementos do baixo elero que pediam que os judeus fossem queimados, e os Papas reagiram con tra esses métodos. 343

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

Este texto sugere alguns comentarios:

1) Osear Cultmann reconhece a necessidade de urna autoridade na Igreja, que promulgue diretrizes e exerca o magisterio. Tal necessidade Irte parece tanto mais evidente quanto mais se verifica que o protestantismo

se vai esfacelando diante dos problemas que a secularizacao (ou o apagamento da fé) Ihe tem suscitado: "Considero o servico de Pedro um carisma da Igreja Católica, do qual nos, protestantes, temos que aprender...

(No catolicismo) existem diretrizes; no mundo protestante elas nao exis-

tem. Nos também precisaríamos de urna forma de magisterio... O papel do Papa garante a unidade".

2) Cullmann parece incoerente quando, logo a seguir, concebe o Pa

pa como dotado apenas de "um primado de honra". - O primado de hon

ra ocorre entre os ortodoxos orientáis, que o atribuem ao Patriarca de

Constantinopla (Istambul); tal fundo honorífica nao é suficiente para garantir a unidade de doutrina e a comunhao dos membros da Igreja- os ortodoxos orientáis se distribuem por "igrejas autocéfalas", cada qual go-

vernada por um Sínodo local.

3) Cullmann mesmo torna a dizer, no fim do seu depoimento, que ele quer urna instancia que "reaja contra eventuais erros colativos". Ora esta fungió só é possível se tal instancia possui autoridade e é respeitada como arbitro em questóes controvertidas, ... arbitro que tem a palavra

final porque goza da infalível assisténcia prometida por Jesús a Pedro (cf. Mt 16, 16-19; Le 22,31s; Jo 21, 15-17; Jo 14,16s. 26; 16,13-15). Cullmann julga que a Igreja nlo pode ser estruturada como urna democra cia, em que as grandes questóes s3o resolvidas pelo voto da maioria; deve

haver urna autoridade carismática, assistida por Deus, para preservar a multidao de incorrer nos erros que a fragilidade humana pode ocasionar.

- Em última análise, portanto, Cullmann reconhece a validade do minis terio do Papa como indispensável fator e penhor da unidade de doutrina e de comunhao da Igreja.

4) As declaracóes de Cullmann levam espontáneamente o leitor a pensar no contraste existente entre o protestantismo culto e o protestan

tismo de pouca profundidade do nosso Brasil. Enquanto aquele tende a reler o passado com olhar objetivo, destituido de paixoes e preconceitos, o protestantismo no Brasil se fecha em preconceitos e se exprime em atitu-

des agressivas, fanáticas, freqüentemente caluniosas. Quanto mais estudo há, tanto mais os cristaos podem derrubar os obstáculos da unidade, ao

passo que a pouca cultura religiosa alimenta suspeitas infundadas e divisSes.

O Espirito de Deus, que hoje em dia impele os cristaos á procura da

unidade, leve a termo a obra iniciada!

344

"Jesús é o Messias":

CELEUMA EM TORNO DE "JUDEUS MESSIÁNICOS"

Em sfntese: No país de Israel levantou-se urna candente celeuma por

causa da presenca de "judeus messiénicos" (judeus que aceitam Jesús co mo Messias). Pediram a cidadania ¡sraelense, tendo emigrado a partir dos

Estados Unidos e da África do Su/ para Israel. O título, porém, Ihes é con

testado, porque acreditan) em Jesús; se fossem ateus ou fudeus nao praticantes, nao sofreriam represalias, mas a adesao a Jesús é considerada grave crime pelas autoridades israelenses, mesmo que se trate de Judeus inflama dos de ideal sionista e beneméritos por ter lutado em prol do Estado de Israel. Há, porém, dentro do próprio pafs vozes que se levantam em favor dos "judeus messiánicos", representados, no momento, por tres casáis: Beresford, Kendall e Speakman.

A atitude dos "fudeus messiánicos" ou "para Cristo" (que parecem

ser 100.000, espalhados pelo mundo) expfica-se bem. Quem eré ñas profe

cías do Antigo Testamento, proferidas há 2.500 anos ou mais, deve estar cansado de esperar o cumprímento das mesmas e, por isto, propenso a crer que Jesús e o significativo fenómeno "Cristianismo"correspondem autén ticamente ao teorde tais predicóos.

*

*

*

A revista norte-americana TIME, de 15/03/93, p. 23, apresenta um artigo intitulado "A Test of Faith" (Um Teste para a Fé), que trata de

"judeus messiánicos" ou judeus que acreditam em Jesús Cristo como o Messias de Israel prometido pelos Profetas do Antigo Testamento. Tal corrente de judeus tem suscitado candente polémica com o Estado de Israel, pois este nao quer reconhecer como cidadaos israelenses judeus que acei-

tem o Messias Jesús.

A seguir, analisaremos os dados da controversia, ao que se seguirá

breve comentario.

345

JO

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993 1. OS FATOS

O ponto nevrálgico da questao atual préndese ao casal Gary e Sh ir-

ley Beresford, que nasceram na África do Sul, de pais judeus, e emigraram

para o país de Israel, onde pediram a cidadania israelense. Esta, porém,

Ihes é contestada porque cometem o crime de reconhecer Jesús como Messias. A Sra. Shirley, de 52 anos de idade, é benemérita, pois pertence a urna familia dedicada á causa judaica: perdeu um tio e urna tia por ocasiao do Holocausto (perseguicao dos nazistas aos israelitas); dois de seus filhos lutaram no exército de Israel e outros seus familiares sao pioneiros da restauracá*o do Estado judaico. Ela e seu marido casaram-se numa sina goga ortodoxa há pouco mais de onze anos; observam o repouso do sába

do, as prescricSes judaicas relativas aos alimentos (kasher) e jejuam no Grande Dia da ExpiacSo (Yom Kippur). Sao bons e fiéis cidadaos, isentos de qualquer atrito policial, mas o fato de reconhecerem Jesús como Messias os torna inaceitáveis para o Governo de Israel, que os quer expulsar. Alias, dois outros casáis estao na mesma situacao em Israel, proveni entes dos Estados Unidos da América; sao o casal Kendall, vindo de

Idaho, e o casal Speakman, de Oregon. Todos se confessam membros de

urna corrente dita "de judeus messiánicos". No mundo inteiro parece ha-

ver 100.000 judeus membros dessa confissao de fé; os mais conhecidos sao os de San Francisco (U.S.A.), ditos "Jews for Jesús" (judeus para Je sús). No país de Israel devem ser 2.000 membros, reunidos em trinta congregares.

Tais judeus preferem falar de Yeshua para designar Jesús, em vez de usar o nome Cristo, que, em sua origem grega, significa Ungido. Tém-no como Messias, que já veio e há de voltar para rematar a historia. Adotam

os livros do Antigo e do Novo Testamento, mas nao se consideram cristáos; nao celebram o Natal nem a Páscoa crista, mas celebram o Passover (Páscoa judaica) e a Hanukkah, festa da Dedicacao do Templo de Jerusalém após a profanacao infligida pelos sirios nos tempos dos Macabeus (séculoll a.C).

O casal Beresford insiste em que nao abandonou a religiao judaica; apenas reconhece o Messias prometido aos seus ancestrais; seria Jesús de

Nazaré! Todavía as instancias judiciárias de Israel respondem-lhes que a

crenca em Jesús Messias é incompatível com a fé judaica, que espera o

Messias como ainda vindouro. é digno de nota o fato de que, para adqui

rir a cidadania israelense, o judeu nao precisa de praticar o culto judaico

nem mesmo de crer em Deus; muitos dos fundadores do Estado de Israel eram ateus ou agnósticos e a maioria da populacao israelense nao observa as práticas religiosas legáis. Todavia crer em Jesús 6 crime,... crime pior do 346

JUDEUS MESSIÁNICOS

11

que o ateísmo. As razdes desta concepcao sao explicadas pelo Rabino David Hartman, de Jerusalém: "Nao nos ¡nteressa o caso de judeus para Buda. Jesús pode ter-se considerado um rabino judeu, mas nao podemos esquecer o que aconteceu após ele. Atravás dos sáculos, Jesús tornou-se

um símbolo dos nossos inimigos. Em nome de Jesús fomos perseguidos, maltratados, tidos como assassinos de Jesús. Estamos tocando num ponto nevrálgico, que nao foi sanado".

A chaga é tao sensível para os judeus tradicionais que varias organi zares judaicas espalhadas pelo mundo estao á procura de "judeus messiánicos" para denunciá-los ás autoridades israelenses; assim, quando quiserem desembarcar em Israel, logo se rao identificados como ineptos para receber a cidadania. Acontece, porém, que n§o poucos "messiánicos" conseguiram entrar em Israel clandestinamente. O casal Beresford foi de nunciado por um dos filhos de Shirley chamado Javin Weinstein; irritado pela crenca messiánica de sua m3e, houve por bem apresentá-la como suspeita ás autoridades israelenses.

A atitude do Govemo, embora pareca firme, é contestada dentro do próprio país de Israel; há quem a julgue extremista e contraria ao espi rito do Sionismo. Verifica-se, além do mais, que em 1988 um inquérito populacional deu a ver que 78% dos israelenses interrogados acreditavam que "judeus messiánicos" (como o casal Beresford) tinham direito á cidada nia israelense desde que participassem ativamente da vida do Estado de Israel. Por isto também alguns juristas israelenses resolveram defender a causa dos casáis Beresford, Kendall e Speakman apresentando ao Parlamento (Kenesset) urna peticao para que Ihes seja concedido permanecer em Israel. No momento presente sao turistas, cuja autorizaclo de permanencia já expirou e nao tém direito a emprego. Diante do fato exclamou David Stern, um representante da común¡dade messiánica: "Nos podíamos morrer em

Auschwitz como judeus, mas nao nos é permitido viver em Israel como

judeus".

2. COMENTARIO Tres observacSes vém ao caso.

1) É certa mente merecedor de destaque o fato, pouco conhecido, de

que cerca de 100.000 judeus aceitam Jesús como Messias. Eméndese tal

fenómeno: os judeus estao cansados de esperar o Messias prometido pelas

Escrituras. Muitos hoje perderam a fé; outros imaginam que o Messianismo será simplesmente urna era de paz e bonanca sobre a térra, sem a intervencSo do "Filho de Davi". Quem eré ñas profecías, é, por isto, propenso a admitir que estas já se cumpriram, pois foram proferidas há 2.500 anos 347

.12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

ou mais. Além do que, o fato "Jesús Cristo" e o Cristianismo tornaram-se tao pujantes e significativos na historia da humanidade que bem podem ser tidos como a realizacao das profecias.

2) 0 que, em parte, dificulta aos judeus aceitar Jesús como Messias, é um certo nacionalismo ou o receio de perder a sua identidade étnica, a tal ponto religiao e etnia estao associadas entre si no povo judeu.

3) Os judeus "messiánicos" afirmam com razao que nao trairam a sua religiao judaica. Esta é essencialmente a expectativa do Messias, de modo que aderir ao Messias Jesús está na linha mesrna ou na dinámica da religiao de

Israel. É o que professa também o Cardeal Jean-Marie Lustiger no livro

"Le Choix de Dieu" comentado ás pp. 349-356 deste fascículo. O Cristia

nismo é o remate ou a consumacSo do judaismo, a tal ponto que Pió XI afirmava que nos, cristaos, somos judeus ou o verdadeiro Israel. ♦ * *

A IMAGEM DA VIRGEM DE FÁTIMA EM MOSCOU Há quarenta e seis anos urna imagem de Nossa Senhora de Fátima vem percorrendo o mundo. Em outubro de 1992 chegou a Moscou! Com efeito. Aos 16/10/92 urna grande comitiva que viajara em dois avióes

jumbo charter, e também por térra, desembarcou em Moscou, trazando a imagem da Virgem SS. Foi recebida por cerca de 1.400 pessoas, entre as quais 300 delegados de movimentos de jovens. Os avióes sobrevoaram o Kremlin, levando, além dos passageiros, seis toneladas de Bi'blias em russo, rosarios, escapularios e outros presentes para o povo russo.

A estatua de Nossa Senhora foi ¡ntroduzida no "Auditorio do Cosmos", onde se reuniu grande assembléia proveniente nao so da Rússia, mas também da Ucrania, da

Polonia e de pai'ses distantes como Estados Unidos, Cuba, México, regióos da África e a Asia.

No dia 17/10/92 a visita da imagem foi oficialmente abena com urna concelebracao eucarística, da qual tomaram parte mais de SO presbíteros e cinco Bispos.

Estavam presentes outrossim mais de cem observadores, entre os quais o decano dos C&negos da diocese de Fátima e o ¡rmáfo do sucessor ao trono de Portugal/D. Henrique de Braganca. Um dos principáis oradores foi o Pe. Ken Roberts, conhecido por suas mensagens na TV americana; a cerimónia foi filmada pela rede de televisSo católica dos Estados Unidos (EWTN). No dia 18/10/92 mais de mil "peregrinos da Paz" invadiram a Praca Vermelha após ter rezado diante da cápela provisoria, no lugar em que se reconstrói a Basílica de Nossa Senhora de Kazan, padroeira da Rússia; tal local fica precisamente em diagonal ao túmulo de Lenin.

(Continua na pág. 368) 348

Um Hvro raro:

'A ESCOLHA DE DE US' Cardeal Jean-Marie Lustiger

Em síntese: Vaoabaixopublicados trechos de um diálogo do Cardeal Jean-Marie Lustiger, de París, com dois repórteres franceses a respeito da pessoa deste prelado e de seu modo de pensar. Lustiger é um fudeu nascido em París no ano de 1926. Em 1940 abracou a fé católica, depois de um amadurecimento paulatino, favorecido pela leitura da Biblia e pelo testemunho de vida de bons cató/icos; num clima de antisemitismo, alimenta do pelo nacionalsocialismo alemSo, esses fiéis cristaos nSo manifestavam hostilidade ao povo judeu. Lustiger, ao talar de sua conversSo, pde em re levo o papel significativo que os católicos desempenharam na sua deseoberta de Cristo, como também enfatiza nio ter traído o judaismo, pois há continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento; Jesús Cristo é o Messias aguardado pelo povo judeu. — Os trechos publicados a seguir fazem parte do livro que reproduz o dialogó completo entre Lustiger e seus entrevistadores, com o nome "Le Choixde Dieu" (A Escolha de Deus). *

*

*

0 Cardeal Jean-Marie Lustiger é o arcebispo de Paris. Judeu conver tido, tem assumido posicSo de destaque ná*o somente na Igreja, mas tam bém no mundo civil francés e internacional.

Dada a singularidade do caso, dois intelectuais franceses, um judeu e

outro católico, foram entrevistar o Cardeal-arcebispo a respeito de sua vi da e de seu pensamento em materia de fé, de historia, de política, etc. Tratava-se de Jean-Louis Missika, redator-chefe da revista .Medias Pouvoirs, e de Dominique Wolton, Diretor de Pesquisas no CBRS francés. O livro que daí resultou, traz o título Le Choix de Dieu (A Escolha de Deus) e conta 474 páginas de interessante leitura1.

A obra apresenta dados biográficos do Cardeal e aborda cinco temas:

1) Judaismo, Cristianismo e Anti-semitismo; 2) Ciencias Humanase Fé;

1 Editions de Fallois, 22, rué la Boétie, Paris 1987. 349

J4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

3) Política e Sociedade; 4) Aspectos da Teologia e da Vida Pastoral; 5) A abertura da Igreja ao mundo.

Interessa-nos extrair desse livro alguns trapos relativos á conversao de

Aron Lustiger (como cristlo, Jean-Marie) e ao seu modo de pensar sobre Judaismo e Cristianismo. Com efeito; é realmente inédito o caso de um judeu, declaradamente judeu de sangue, que tenha sido nomeado bispo a Cardeal da Igreja Católica, ocupando urna de suas sedes episcopais mais importantes.

1. A CONVERSAO Aron Lustiger nasceu em París no ano de 1926, filho de judeus polo

neses que se haviam estabelecído na Franca, julgando encontrar na Europa

Ocidental melhores condipSes de vida e mais seguranpa do que na Polonia. Os pais de Aron nSo eram profundamente religiosos, mas, como quer que seja, incutiram ao filho e á filha (irml de Aron) o garbo de serem judeus,

membros do povo messiánico. Toda a familia Lustiger era honesta e amiga do estudo por efeito de suas tradipSes.

Aron assim concebeu grande estima ao seu povo judeu. Vivendo na Franpa, nao queria dissimular, como outros judeus, a sua identidade étnica. Na escola, o menino sofreu urna ou outra represalia da parte dos cole gas, represalia que ele sabia ser a continuapáo da perseguipSo tantas vezes sofrida pelos judeus desde os tempos do Faraó.

Os contatos que o adolescente teve com professores e com familias católicas (especialmente em 1936 e 37) foram-lhe abrindo os olhos para a face bela do Catolicismo. Tais pessoas deram-lhe genuino testemunho de amor cristao, sem ponta de anti-semitismo.

Clandestinamente o menino lia a Biblia, tanto o Antigo como o Novo Testamento, em traducao francesa, e ia percebendo que o Messias procla mado pelos cristá*os era o Messias aguardado pelos judeus. Era curioso por

saber mais e mais a respeito do Cristianismo, de modo que lanpava fre-

qüentes perguntas a quem Ihe pudesse responder.

Em setembro de 1939, quando estourou a segunda guerra mundial, Aron e seus pais estavam em OrleSes; o menino estudava num colegio desta cidade, experimentando dentro de si o fervilhamento religioso; este o preocupava milito mais do que o receio de ser vi'tima do anti-semitismo. 350

"A ESCOLHA DE DEUS"

15

Na Semana Santa de 1940, estando na Catedral de Órleles, Aron concebeu o desejo de ser batizado. - Damos agora a palavra aos interlocutores

do diálogo:

J.L.M.: "Como se deu esse desejo de Batismo?

J.M. Lustiger: "Eu compartilhava a existencia cotidiana de cristSos convictos. Sabiam perfeitamente que nos éramos judeuse trataram-mecom

discricao exemplar".

J.L.M.: "A m§e do senhor ia regularmente visitá-lo?"1

J.M. Lustiger: "Sim, semanalmente. Os contatos com meus colegas de colegio proporcionaram-me outra ocasiá*o de intercambio com o Cristianis mo... Recordo-me bem de que pedi á pessoa que nos hospedava, um Novo

Testamento. Comecei por ler o Evangelho segundo Sá*o Mateus, que é o

primeiro. Nessa mesma época eu lia Pascal. Lia-o assiduamente. Comecei a recopiar o Evangelho segundo Sao Mateus á mao. Sublinhei algumas passa-

gens que me impressionavam. Eu tinha comigo urna pequeña edicao da Bi blia de Crampón, em fascículos separados, que continham cada qual um Evangelho. Nao cheguei a terminar; copiei apenas alguns capítulos. Isto

deve ter acontecido por volta do Natal".

J.L.M.: "O senhor falava disso com sua irma?"

J.M. Lustiger: "Nao creio. Alguns meses depois, entrei na catedral, que ficava no caminho para o Liceu. No meio de urna praca abena... um enorme edificio de beleza austera e despojada, sempre em reparos. Entrei lá num dia que hoje identifico com a quinta-feira santa. Detive-me no transepto meridional, onde reluzia um conjunto harmonioso de flores e luzes. Fiquei lá por um certo tempo, impressionado. Eu nSo sabia porque estava lá, nem por que as coisas aconteciam daquele modo em mim. Eu ignorava o significado daquilo que via. NSo sabia que festa era celebrada, nem o que

as pessoas lá faziam em silencio. Depois voltei para o meu quarto. Nada disse a quem quer que fosse.

No dia seguinte voltei á catedral. Eu quería rever aquele lugar. A igre ja estava vazia. Espiritualmente também vazia. Experimentei a sensacSo desse vazio: eu ná*o sabia que era a sextafeira santa... e naquele momento pensei: quero ser batizado. Em conseqüéncia, dirigi-me á pessoa que me

1 A mae de Aron deixara OrleSes para estabelecer-se em París, onde tinha

urna pequeña fofa comercia/.

351

J6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

hospedava em sua casa. Era o mais simples. Eu sabia que era católica e que ia i Missa: eu a vía, sabia quem ela era.

Disse-me: 'é preciso pedir autorizado aos seus pais'. Encaminhou-me

para o Bispo de OrleSes, Mons. Courcoux. Era um oratoriano muito culto;

instruiu-me no Cristianismo, dando-me aulas particulares. Oesde o inicio dos nossos encontros, ele me incitou a pedir a autorizacüo dos meus pais. A cronología me escapa, mas lembro-me muito bem do dia em que o co-

muniquei aos meus pais - cena extremamente dolorosa, altamente insuportável. Acabaram por aceitar. Mas isto é outra historia". D.W.: "Recusararn o seu propósito?"

J.M. Lustiger: "Sim. Meu pai devia estar de I ¡cenca em casa. Expli

que i-I he que o meu propósito nSo me levava a abandonar a condicSo de judeu, mas, muito ao contrario, a confirmá-la, a dar-lhe a plenitude de sen tido. Eu nao tinha, em absoluto, a impressao de estar traindo, nem de me camuflar, nem de abandonar o que quer que fosse, mas, ao contrario, de

atingir o pleno alcance e significado daquilo que recebera desde o nascimento. Isto Ihes parecía totalmente incompreensfvel, louco e insuportável, a pior das coisas, a pior das desgracas que Ihes pudesse acontecer.

Eu tinha a consciéncia muito aguda de que Ihes causava urna dor ¡ntolerável ao extremo. Sentia-me, por isto, dilacerado; só o fizera por urna

real necessídade interior. Outra solucáo teria consistido em guardar tudo dentro de mim mesmo, nada dizer e simplesmente aguardar. — Todavía, esta outra solucá*o, eu nao a quis considerar.

Mons. Courcoux era homem muito respeitoso do próximo. Nao sei se

ele tinha consciéncia do que isso representava para meus pais; nSo sei que conhecimento tinha ele dos judeus do nosso tipo. Era muito culto e inteli

gente. Os judeus que ele conhecia, eram os judeus liberáis da intelligentsia francesa, dos quais Bergson era um representante. Por fim, meus pais aceitaram. Para a minha irmS e para mim". J.L.M.: "Sua irm§ quería tambérn converter-se?"

J. M. Lustiger: "Ela me seguiu. Mas seguíu-me por conviccSo, embora

nunca tivéssemos falado disso".

J.L.M.: "Ambos tivestesa mesmaevolucá"o em OrleSesnesse período?" J.M. Lustiger: "Em todo caso, a mesma ¡nstruca*o. A que o Bispo nos dava... Seus cursos eram de um nivel notável. Desde aquela época, fui ini352

"A ESCOLHA DE DE US"

17

ciado no estudo das origens cristas, no conhecimento dos textos mais ami

gos, com grande rigor histórico. Em poucas palavras: recebi urna iniciacSo

críst3 de qualidade intelectual e espiritual raramente oferecida a um ado lescente. Confirmava a intuicSo muito viva que eu tinha, dacontinuidade do Cristianismo com o judaismo. Mons. Courcoux falou-me de varios assuntos; entre mu itos outros, ele mencionava o Pe. Teilhard de Chardin,

abordava também as relacSes entre a ciencia e a fé. Isto equivale a dizer

que eu nio era mal tratado".

D.W.: "O Sr. tinha sorte..."

J.M. Lustiger: "Lembro-me de so ter encontrado nessa área gente que

me inspirou respeito".

D.W.: "Por que se Ihe tornou evidente passardo judaismo ao Cristia

nismo em vez de se voltar para o judaismo?"

J.M. Lustiger: "O Cristianismo é um fruto do judaismo! Para ser mais claro, acreditei no Cristo, Messias de Israel. Cristalizou-se algo que eu trazia em mim desde anos, sem que eu o tivesse dito a alguém. Eu sabia que o judaismo trazia em si a esperanca do Messias. Ao escándalo do sofrimento respondía a esperanca da redencSo dos homens e do cumprimento das promessas que Oeus fez ao seu povo. E eu fiquei ciente de que Jesús é o Mes

sias, o Cristo de Deus."

D.W.: "Nesse momento, nao há no senhor um sent¡mentó de revolta?"

J.M. Lustiger: "Era a confirmacSo da descoberta do Messias de Israel

e do Filho de Deus e, por conseguinte, da descoberta do próprio Deus. Eu

ainda vivia a idade metafisica e a idade da dúvida: será que Deus existe?

é esta a pergunta da razao critica, pergunta lancinante ou subliminar do

pensamento. Precisei de quinze anos, vinte anos para sair dessa questao, levando-se em conta a cultura que eu recebera e a minha evolucSo pessoal".

J.L.M. "Mas no momento mesmo da conversSo ou dessa tomada de

consciéncia existia essa dúvida?"

J.M. Lustiger: "A certeza absoluta de que Deus existe e a negacSo ra dical que diz: 'Deus nao existe', esses dois pensamentos encontravam-se em mim sucessivamente e, ás vezes, simultáneamente. Mas no fundo eu sa bia, mesmo quando na*o estava certo de crer, que Deus existe, pois eu era

judeu".

353

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

D.W.: "Como assim?" J.M. Lustiger: "Porque eu bem sabia que Deus nos tinha escolhido para mostrar que Ele existe!"

J.L.M.: "O sr. insistía muito, e compreendo-o, sobre o fato de que nao havia proselitismo no ambiente que o acolheu". J.M. Lustiger: "Insisto nisso porque o proselitismo é a primeira idéia que vem á mente em semelhante situado. Foi também o que meus pais logo incriminaram".

J.L.M.: "Digo a mesma coisa: será que o proselitismo mais requintado

nao é aquele que se dissimula?"

J.M. Lustiger: "NSo sei. Tudo o que Irte posso dizer, é que eu era um

adolescente insuportável, muito orgulhoso e de forte personalidade. Ai de quem me pisasse nos calos! Imagino que me possam manipular — toda gen te é manipulável -, mas os interlocutores que eu tinha eram homens e mu-

I he res de evidente honestidade. Além do qué, prestaram-me o sen/ico de

ser críticos a meu respeito e de me recolocar no meu lugar".

D.W.: "Seus pais nao Ihe propuseram urna solucao alternativa: apro-

fundar a fé judaica?"

J.M. Lustiger: "Sim, sem dúvida. Tivemos urna entrevista com famo so personagem do judaismo, urna discussáo que durou duas horas em casa

dele. Demonstre i-I ríe que Jesús é o Messias. Ño momento em que safmos, ele disse aos meus pais: 'Nada podem fazer; deixem-no proceder' ".

D.W.: "O confuto familiar deve ter sido muito violento. O sr. encontrou reconforto junto á sua míe ou ao seu pai?"

J.M. Lustiger: "é muito complicado. Minha mae morreu cedo de-

mais. Foi deportada e faleceu em Auschwitz. Meu pai teve urna evolucSo que nSo pode ocorrer com minha má"e: por conseguinte, nao posso respon der. Meu pai era sobrio em palavras. Quando ele falava, a forca.era enor me, mas contida. Minha mSe, ao contrario, era expansiva, mais nervosa, mais expressiva."

J.L.M.: "Seus pais na*o podiam também considerar que essa conversio afinal nSo era coisa má no seu contexto histórico?" J.M. Lustiger: "Fizeramesse cálculo. Viram urna protecSo frente aos alemSes. Creio que foi por isto que a aceitaram. Eu Ihes disse: 'Para nada servirá'".

354

"A ESCOLHA DE DEUS"

19

J.L.M.: "E ao sr. essas circunstancias históricas nlo incomodavam? Quero dizer: nao é difícil deixar o judaismo quando os judeus slo perse guidos".

J.M. Lustiger: "Nao fiz raciocinios políticos. Para mim, nlo se tratava, em absoluto, de renegar a minha identidade judaica. Muito ao contra rio. Eu percebia o Cristo Messias de Israel, e via muitos cristlos que ti-

nham estima para com o judaismo".

J.L.M.: "O sr. nunca encontrou cristaos destituidos de estima aos

judeus?"

J.M. Lustiger: "Aos olhos meus os anti-semitas nao eram fiéis ao Cris

tianismo".

J.L.M.: "Isto quer dizer que nlo há muitos cristlos na Franca!" J.M. Lustiger: "Eram goyim, paglos; nao eram cristios".

J.L.M.: "0 sr. vivia num plano espiritual, mas consciente da realidade

histórica?"

J.M. Lustiger: "A realidade histórica era, para mim, extremamente forte, mas na*o tomou a forma de oportunismo político no meu caminho. Poucos anos depois, li os cadernos clandestinos de Témoignage Chrétien, em que encontrei claramente as minhas conviccSes. De Lubac, Fessaid e Journet, que na clandestinidade escreviam sobre a resistencia ao paganis mo nazista e sobre o judaismo, disseram o que era preciso dizer".

O.W.: "O sr. se lembra da data de sua prime ira Comunhá'o?" J.M. Lustiger: "Batismo e Eucaristía, aos 25 de agosto de 1940; e a Crisma aos 15 de setembro de 1940, sendo oficiante o Bispo de Órleles, na cápela do Bispado de Órleles, em que celebrei a S. Missa como Bispo

cerca de quarenta anos depois."

J.L.M.: "O sr. mudou de preñóme naquela ocasiao?"

J.M. Lustiger: "NSo. Guardei meu preñóme de estado civil: Arlo, que é o preñóme do meu avó paterno. A tradíelo queria que, quando o avó morresse, um dos netos tomase o seu nome; guardeio como nome de Batismo, porque era meu e Arlo, o Grlo-Sacerdote, aparece com Moisés no calendario cristlo. E acrescentei Jólo e María. JoSo era o preñóme do meu padrinho". Passemos a breve reflexlo. 355

20

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

2. COMENTANDO...

Este belo depoimento do Cardeal Lustiger chama-nos a atencio para

dois pontos:

1) Tornarse cristio nSo significa, para um judeu, perder a sua identidade israelita. Com efeito; o Cristo Jesús é o Messias prometido aos judeus; a religiao judaica é toda ela norteada pela expectativa do Messias, de modo que reconhecer o Cristo é reconhecer o que o judaismo mais preza. NSo há antfíese entre judaismo e Cristianismo; daC também nlo se compreende o antisemitismo, que á urna contradicio da parte dos cristSos. Existe auténtica continuidade entre Israel e a Igreja ou entre o Antigo e o Novo Testamento. Por isto muito bem acentúa, pouco adiante, o Cardeal Lustiger:

"(Estando na Igreja), eu nao estava em térra estrangeira. Fazia parte dos filhos mais velhos. Estava apenas entrando no gozo da heranga que me fora prometida" (p. 72).

A propósito de conversdes do judaismo ao Cristianismo veja-se ainda

o artigo deste fascículo, pp. 345-348.

2) Muito contribuiu para a conversado de Aran, entre outros fatores,

o comportamento correto e digno dos cristSos que acompanhavam o meni no. A linguagem da vida ou da conduta é, por vezes, tao eficiente quanto a

das palavras. Aron pode conhecer o Cristianismo através de representantes translúcidos, que nao hostilizavam o judaismo, embora o clima da Europa de 1930-40 fosse de anti-semitismo. A lica*o vale para os católicos de nos-

sos dias: a coeréncia de vida e a coragem de levar até o fim os principios abracados sao de valor capital numa sociedade que pouco se interessa por

livros de doutrina católica, mas muito observa o procedimento daqueles

que se dizem católicos e que mu ¡tas vezes sSo o único Evangelho que os irmSos podem ler. A personalidade do Cardeal Lustiger tem brilhado á frente do arcebispado de París, pois se trata nao somente de um erudito, mas tambóm de

um homem de fé e de oracffo.

* **

"O HOMEM É APENAS UM CANICO, O MAIS FRÁGIL DA NATUREZA. MAS É UM CANIQO PENSANTE. NAO É NECESSÁRIO QUE O UNIVERSO SE

ARME PARA ESMAGÁ-LO; UM VAPOR. UMA GOTA DÁGUA BASTA PARA

MATÁ-LO. MAS, AÍNDA QUE O UNIVERSO O ESMAGASSE, O HOMEM AÍNDA

SERIA MAIS NOBRE DO QUE AQUILO QUE O MATA, PORQUE ELE SABE QUE ELE MORRE, AO PASSO QUE O UNIVERSO IGNORA A VANTAGEM QUE ELE TEM SOBRE O HOMEM" {Paical, t1662, Pensamentos, fragmento 347). 356

Tres comentarios sobre

A TELEVISÁO BRASILEIRA

A pedido de leitores, transcrevemos aquí o famoso artigo do Cardeal D. Lucas Moreira Neves, Arcebispo de Salvador (BA), publicado no "JOR NAL DO BRASIL" de 13/01/93 a respeito da televisao brasileira. As pon-

deracoes de D. Lucas conservan! até o momento presente a sua atualidade. O mesmo autor publicou em 27/01/93 mais um artigo sobre o assunto, que esclarece e aprofunda o anterior; parece oportuno reproduzi-lo como se encontra em sua fonte (JB).

As consideracSes do prelado brasileiro sao corroboradas pelo testemunho insuspeito de Walter Clark, fundador e ex-diretor da TV GLOBO, um dos criadores do chamado "padrao GLOBO de qualidade". Publicou suas reflex6es na ¡mprensa brasileira; extraimo-las do jornal "ESTADO DE MINAS". edicSo de 07/01/93, p. 13.

"J'ACCUSE!" D. Lucas Moreira Naves

Do polémico manifestó de Emile Zola estou plagiando sonriente o tí

tulo - e, se puder, a veeméncia. Fora isso, nSo pretendo revisitar nesta crónica o clamoroso affaire Dreyfus. O meu j'accuse é assestado contra a televisao brasileira. E o lanco como brasileiro preocupado com meu pai's e como bispo responsável por grande número de fiáis.

NSo quero, de modo algum, generalizar. Estou pronto aexcetuarda minha acusaca*o o canal dedicado á educacáo e cultura e os programas que, nos diferentes cañáis, contribuem para o crescimento e a elevacao cultural

e humana da populacao.

Feito isso, e tomando por testemunhas a sociedade brasileira em geral, os pais de familia e os educadores em particular, os pastores de Igrejas e líderes religiosos, eu acuso a televisffo brasileira pelos seus muitos delitos. 357

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 37S/1993

Acuso-a de descumprir sistemáticamente as funoSes em vista das quais obteve do governo urna concessSo: informar, educar, cultivar, formar a consciéncia e divertir. Em vez disso, ávida somente de pontos no Ibope e de faturamento, ela n2o hesita em apelar aos instintos mais baixos do homem. Seu pecado mais grave é o que concerne á educacao por ser esta a necessidade e a exigencia fundamentáis no nosso país. Com raras e louváveis excecfies, a TV brasileira nao so n§o educa, mas, com requintes de perversidade, deseduca. Abusando dos seus recursos técnicos, do seu poder de persuasib e de penetracSo nos lares do país inteiro, ela destrói o que outras instancias pedagógicase educativas, a duras penas, procuram construir. Acuso a televisao brasileira de ministrar copiosamente á sua clientela os dois ingredientes que, por um curioso fenómeno, andam sempre juntos: a violencia e a pornografía. A primeira é servida em filmes para todas as

idades. A segunda impera, solía, em qualquer género televisivo: telenove

las, entrevistas, programas ditos humorísticos, spots publicitarios e clips de

propaganda*. Há cerca de tres anos, em artigo no JB, o editor e jornalista

Sergio Lacerda denunciava que, com sua enxurrada de pornografía, a TV brasileira está formando urna geracSo de voyeurs.

Acuso a televisao do nosso país de estar utilizando aparelhagens e equipamentos sofisticados com o objetivo de imbecilizar faixas inteirasda populacao. Urna geracáfo de debilóides. 0 processo se torna consternador e

inquietante quando, a pretexto de humor, um instrumento de educacao,

como a escola, se transforma em "escolinha", onde o mau gosto, a idioti ce, o achincalhe sao dados em pasto a enancas, adolescentes e jovens em

formacio. Em materia de humor televisivo, alias poucos o analisaramtao profundamente como Moacyr Werneck de Castro, ao apontá-lo como verdadeira regressao á infancia, por meio de um "repertorio de bocal idades"

(Humor na televisao, JB 06/07/91).

Acuso a TV brasileira de ser demolidora dos mais auténticos e inalienáveis valores moráis, sejam eles pessoaisou sociais, familiares, éticos, reli giosos e espirituais. Demolidora porque n3o somente zomba deles, mas os dissolve na consciéncia do telespectador e propde, em seu lugar, os piores contravalores. Neste sentido, é assustadora a empresa de demoliólo da fa milia e dos mais altos valores familiares — amor, fidelidade, respeito mu tuo, renuncia, dom de si — realizada quotidianamente, sobretudo pelas te

lenovelas. Em lugar disso, o deboche e a dissolucSo, o adulterio, o incesto.

Acuso a TV brasileira de ser corruptora de menores, em virtude de programas da mais baixa categoría moral, pelas cenas e pelo palavreado, em horarios em que enancas estao diante da caixa mágica. 358

TELEVISÁO BRASILEIBA

23

Acuso-a de atentar contra o que há de mais sagrado, como seja, a vi

da. Nao há mu ¡tos d¡as, em programa reprisado, milhares de espectadores viram e ouviram, no diálogo entre um talkman e urna jovem de vinte anos, .a mais explícita apología do aborto e o nSo velado incitamento á supressao de vidas humanas no seu nascedouro.

Acuso-a de disseminar, em programas varios, idéias, crencas, práticas e ritos ligados a cultos os mais estranhos. Ela se torna, deste modo, veículo para a difuslo de magia, inclusive magia negra, satanismo, rituais nocivos ao equilibrio psíquico.

Acuso a TV brasileira de destilar em sua programacao e instalar nos

telespectadores, inclusive jovens e adolescentes, urna concepcao totalmen te aética da vida: triunfo da esperteza, do furto, do ganho fácil, do estelio

nato. Neste sentido, merecem urna análise á parte as telenovelas brasileiras sob o ponto de vista psicossocial, moral, religioso. Quando foi que, pela úl tima vez, urna novela brasileira abordou temas como os meninos de rúa, os sem-teto e sem-trabalho, os marginalizados em geral? Qual foi a novela que

propds ideáis nobres de servico ao próximo e de construcfo de urna comunidade melhor? Em lugar disso, as telenovelas oferecem á populacSo em pobrecida, como modelo e ideal, as aventuras de urna burguesía em de-

composicao, mas de algum modo atraente.

Acuso, enfim, a televisSo brasileira de instigar á violencia: "A televisao brasileira terá de procurar dentro de si as causas da violencia que ela

desencadeou e deque foi vftima" (Editorial Estrelascadentes JB, 06/01/93). "Já se chamou a atencSo para o fato de que o crescimento da rede monopolística de televisSo coincida com o crescimento da violencia no país e ja

máis se chegará no ámago da questao enquanto a própria televisSo se recu sar a assumirsua responsabilidade" (Editorial Limites da dor, JB, 08/01/93). Ela nSo pode procurar alibis quando essa violencia produz frutos amargos. Quem matou, há dias, urna jovem atriz? Seria ingenuidade nSo indiciar e n¿*o mandar ao banco dos réus urna co-autora do assassinato: a TV brasilei ra. A novela das 8. E — sinto ter que dizé-lo — a própria novela De corpo

e alma.

(JB. 13/01/93)

359

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

II. RESISTIR,QUEM HADE? D. Lucas Moreira Nevet

Primeiro nao se trata de um combate contra a televisa"o brasileira, mas a favor de urna televislo resgatada dos males que a desfiguraram; re conciliada com seus mais altos objetivos; livre e responsável; norteada por

um seguro Código de Ética. Resistir pode (deve) ser um ato de amor. Por amor a urna televisSo saudável, feita para educar e nSo para corromper, e por amor aosseus usuarios, lancei denuncias veementes, mas nSo injustas.

Em segundo lugar, meu manifestó (JB, 13/01/93) nada tem de polí

tico-partidario nem deveria ser ¡nstrumentalizado por interesses particu lares. A bandeira que levantei, e que suscitou um consenso quase plebisci tario, é de todos os patriotas e tem sentido se for empunhada pelo conjun to dos partidos e agremiacSes.

Terceiro: nao convém tampouco a resistencia de urna so Igreja. Va-

lem a solidaríedade e o apoio de todas as Igrejas e grupos religiosos. Dos

católicos, naturalmente. Dos cristlos em geral. Dos n3o-cristSos e até dos sem-fé, que, ná*o adotando o ethos cristSo, recebem, da sua fá ou do seu

simples senso do homem, razSes para quererem urna televisa*o coerente com suas finalidades essenciais.

Isto posto, pergunto: resistir, quem há-de? Ou seja: quem deve fazer

frente aos males vigentes na TV em favor de urna TV passada a limpo?

Opino que a Familia deve estar na linha de frente de resistencia: os pais, os filhos, os parantes, os agregados-toda a constelado familiar. Eta é a prime ira vítima, torpemente agredida dentro da própria casa; deve ser também a primeira a resistir, é ela quem dá Ibope, deve ser também

quem o negué, á custa de fazer greve ou jejum deTV.Cabe.pois, ás fami lias, formar a conscténcia crítica de todos os seus membros frente á televistió; velar sobre as enancas e adolescentes com relacSo a certos progra mas; mandar cartas de protesto aos donos de televislo; chamar a atencffo dos anunciantes, declarando a decisSo de nSo comprar produtos que financiam programas ¡moráis ou que se servem de pepas publicitarias ofensi vas ao pudor, exigir programas sadios e sabotar os mórbidos para que nSo

se diga que o público quer urna TV licenciosa, violenta ou deseducativa.

Semelhante ao papel da Familia ó o da Igreja. Os fiéis, que sa"o ao mesmo tempo usuarios da televislo, tém direito a urna formacao do seu senso crítico peranteoque Ihes impingem na pequeña tela. O direito de di-

zer "nSo" e "basta" á degradaca*o via TV. Os usuarios católicos, revoltados 360

TELEVISÁOBRASILEIRA

25

resignados, clamam por pronunciamentos claros e decididos dos seus Bispos e da CNBB em todas as suas instancias. Esta sabe que nao pode omitir se diante da grave e continuada agressSo da mídia, sobretudo televisiva,

aos cidadaose fiéis, forma intolerável de injustica social.

Cabe aos poderes públicos uma modalidade peculiar de resistencia. Salvaguardadas as prerrogativas democráticas e alijado o recurso á censura e á estatizado, a autoridade civil dispde de válidos instrumentos de apri-

moramento qualitativo da programado da TV: o Conselho Nacional de Comunicacao Social, previsto na ConstituicSo, e um Código de Etica que

n§o deve faltar como normativa a que se obriguem, consciente e responsavelmente, os mass-media. Uma TV que eduque e cultive, em todos os nfveis da populacao; que respeite e promova os valores humanos, fami

liares, cívicos, moráis e religiosos; que informe bem e divina sadiamente é a contrapartida obrigatória: sem ela a concessáo de cañáis tornase uma benesse para a concessionária e um daño para a concédeme-um absurdo social.

Uma resistencia particularmente eficaz e decisiva é a daquelesque, de certo modo, alimentam e lubrificam a poderosa máquina mediática. Prefiro, porém, dar a palavra a um prestigioso empresario, cujo nome omito por obvias razSes. Depois de declarar que o meu manifestó de 13 de Janei ro "constituí, cortamente, um divisor.de aguas, marcando o fim da passividade da sociedade brasileira diante do descalabro do setor, com deterio rante impacto sobre a populacho em geral e a infancia e juventude em par ticular", o conhecido industrial acrescenta: "é indispensável que o empresariado nacional, cujos recursos financiam diretamente os programas exibi dos, seja conscientizado de sua responsabilidade quanto a qualidade dos mesmos e sua adequacáb aos horarios em que sao exibidos. Só a pressao da

sociedade, através das suas Iideraneas de todos os matizes, sobre produtores, financiadores e poder concédeme, permitirá a reversSo do gravíssimo quadro ora prevalecente". Tudo está dito nesta materia. Os empresarios, movidos por sua fé crista, por senso ético ou por simples patriotismo, uma

vez conscientizados, tém o poder de "reverter o gravísimo quadro": basta que financiem programas verdaderamente educativos e formadores, cor tando os subsidios á programacSb deletéria.

Mas a resisténcia: que aqui cito por último, talvez seja a prime ira por

ordem de importancia: a dos próprios comunicadores. Os "donos" da TV,

os responsáveis diretos, os produtores e rote instas, os eventuais ombudsmen, os entrevistadores, talkmen e talkwomem, os humoristas e cómicos; na consciéncia humana e crista dessas pessoas está o destino da TV brasi leira—continuara empresa de demolicáfo, a breve prazo suicida, ou dar vi da a uma televisSo que ajude a reconstruir o pafs. Chegar á consciéncia de, 361

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

pelo menos, algumas dessas pessoas seria a minha única ambicSo com esses

artigos.

E, se me permitem, um pedido final: pelo amor de Deuse do Brasil, sobretudo do Brasil em formaca*o na pessoa das enancas, dos adolescentes e jovens, ninguém se refugie no fácil - mas falso • alibi de que a TV fornece o que o público deseja e pede. Seria um círculo vicioso infernal, pois, de

formado, esse público pediria sempre o pior. A funcüo da TV, como edu

cadora, ná*o é satisfazer os baixos instintos—é propor um alto ideal huma no e torná-lo acessível a todos.

UB, 27/01/93)

III.ATVBRASILEIRA Walter Clark

1 • A TV brasileira está vivendo um momento autofágico. Lamento ter contribu ido, de alguma forma, para que ela chegasse onde chegou. 2 - A Gloria Pérez exerceu nepotismo para dar á sua filha Daniella um papel de destaque, e talvez ela até tivesse talento. Mas, ao mesmo 'tempo, fez a filha conviver, durante meses, em cenas de amor e intimida-

de, com um sujeitinho obscuro, um garoto de 'miché', um despreparado que subiu na vida atravás de sua atividade sexual e que, aproveitador, am

bicioso, tratou ¡mediatamente de estar próximo da filha da autora... O fi nal nao poderia ser diferente.

3 - Quando se faz um filme, que dura 90 minutos, deve existir a preocupacao de ter cuidado na escolha do elenco. Urna novela, entSo, nem se

diz. No entanto, vocé pega um qualquer sem preparo e o transforma em pessoa da intimidade e idolatría da cidade, do país.

4 - Como no "Día do Gafanhoto" o personagem mata urna enanca, urna bailarina, o ator Guilherme de Páduatambóm matou alguém, em seu desespero ambicioso. 5 - A Gloria Pérez escreveu..., urna novela sórdida, e a filha foi vítima de sua novela. Ela está,de alguma forma, pagando pelo que escreveu, vivendo o que escreveu. A novela é abominável. 362

TELEVISÁOBRASILEIRA

27

6 - ... A emissora está nivelando por baixo: existem traicSes, incestos, impulsos sexuais incontidos, cobica, odio, tudo isto existe, mas nao é so isto. Algumas novelas tém apelado para isto, sem que ninguém ponha um

freio.

7 • N3o é moralismo. Ná"o sou moralista, mas aquele Clube de Mulheres chega a dar arrepios. As pessoas ná"o sSo todas assim, ou nao s3o apenas assim. Nao é possível criar no país urna casta de ficcao, de pessoas que n3o tém nada-a ver com arte, com nada. 8 - Veja o dado social: a má"e que acabou induzindo a filha, Inconsci entemente, áquela obrigacSo de contracenar, conversar, conviver com um maluco, um psicópata. Ai acontece urna brutalidade destas.

9 - A sociedade, que já está violenta, acaba tendo no seu registro mais

forte de comumcaca*o, que é a televis2o, só violencia.

10 - A novela da Gloria Pérez é pior que as novelas mexicanas, que pelo menos guardam principios moráis. A déla é asquerosa e ná*o tem nada de útil - e está sendo vista por enancas, ¿s oito horas da noite. 11-0 Raúl Gazzola está na capa dos jomáis e ñas manchetes, como se a real idade fosse urna continuacáferda ficca*o. Na verdade, a televisao es tá virando urna ficcSo, engolindo a si mesma.

12 • 0 tratamento que os telejornais estSo dando ao caso da Daniella Pérez 6 pior do que o "Aquí e Agora", porque este pelo menos é um pro grama sincero.

13 - A TV Globo, apelando para a fórmula fácil, está acabando com a televíselo brasileira. Há urna absoluta falta de responsabilidade e vergonha na maneira de fazer televislo no Brasil. * **

NADA TE PERTURBE. NADA TE ESPANTE.

TUDO

,

DEUS

NAO

A PACIENCIA



PASSA.

MUDA.

TUDO

DEUS 363

ALCANCA.

BASTA.

(Santa Tere» de Ávila)

Em plena juventude:

TERESA DE LOS ANDES

Em síhtese: A Irma Teresa deJesúsde losÁndeseurna Religiosa carme lita falecida em 1920, com vinte anos de idade, após orne meses de vida claus tral intensamente vivida. Foi canonizada ou incluida no catálogo dos San

tos da Igrefa aos 21/03/93 pelo S. Padre JoSo Paulo II. Era alegre e vivaz,

dada aos esportes e caminhadas alpinistas antes de entrar no Carmelo. 0 fato de ter chegado em tao pouco tempo a elevado grau de perfeicio es piritual é digno de nota e serve de estímulo aos jovens contemporáneos; todos sao chamados á santidade, quaisquer que se/am sua idade, sua épo

ca, suas circunstancias históricas. Esta ponderacSo vale também para os adultos, aos quais é recordado que a graca de Deus pode realizar maravi lhas nos coracoes dóceis.

*

*

*

Aos 21 de margo pp. foi canonizada (inscrita no catálogo dos San tos da Igreja) urna jovem de vinte anos de idade, chilena, morta em 1920 como Religiosa carmelita de nome "IrmS Teresa de Jesús de los Andes". O fato merece relevo, pois se trata de urna figura juvenil, sujeita a to do tipo de séducOes deste mundo; foi fortalecida pela graca para, em poucos anos, adquirir a maturidade de urna longa vida, em ressonáncia do que diz o livro da Sabedoria: "Amadurecida em pouco tempo, atingiu a

plenitude de urna vida longa" (4,13).

Tal caso fala, sem dúvida, a todos os jovens, chilenos e nao chilenos, como fala também aos adultos, pois vem demonstrar que a grapa de Deus pode fazer maravilhas ou pode ajudar qualquer um(a) a galgar o cume da santidade, apesar dos percalcos da caminhada. Vejamos, pois, quem foi a jovem heroína "de los Andes". 364

TERESA DE LOS ANDES

29

1. TRAQOS BIOGRÁFICOS Aos 13 de julho de 1900, em Santiago do Chile, nascia Joana Fer nandez Solar. Era o quarto dos sete filhos do casal Miguel Fernández Jaraque mada e Lucia Solar Amstrong.

Desde pequeña, era muito aberta á vida de piedade; recebeu forte in fluencia da vida crista de seus familiares, particularmente de seu avó, a quem vé diariamente "passar as contas do rosario". Quis logo fazera Pr¡meira Comunha*o, mas, embora desse provas de "conhecer bem a doutrina", por ser ainda muito enanca, nao Irte permitiram receber Jesús na Sa grada Hostia. Comecou, assim, um arduo trabalho consigo mesma, prepa-

rando-se para o día da Eucarístia. Tratava-se de verdadeiro empenho ascéti

co, nada comum em enancas de sua idade. A menina propusera controlar suas tendencias e modificar o seu caráter. "Nao mais brigava com os me

ninos. As vezes mordía os labios e apressava-me em vestír-me. Fazia atos que anotava em uma caderneta. Ninguém me fazia perder a paciencia." Desta maneira no dia 11 de setembro de 1910, ela se apresentou para a "recordacSo mais pura de toda a vida".

"Nao posso descrever o que se passou entre minha alma e Jesús (...) A Virgem, eu a sentí perto de mim. Pela prímeira vez sentía uma paz deliciosa".

Em dezembro de 1914, Joana sofre uma grave crise de apendicite. Foi necessário submeter-se a uma intervencSo cirúrgica. O pos-operatorio foi ocasiao para aprofundar o já intenso relacionamento com Jesús. "Nosso Senhor me falou e me deu a entender quá*o abondonado e só estava no tabernáculo. Disse-me que o acompanhasse. Entao, deu-me a vocacao, pois me disse que quería meu coracffo so para Ele, e que fosse carmelita". Mas, desde este chamado até a concret¡zaca*o do ideal depositado no coracáo de Joana, muita coisa transcorreu; ela soube aproveitar plenamen

te deste tempo, vivendo cada instante em atitude de oferta a Deus. Come cou a levar uma vida pautada no programa que dá primazia á meditacSo, a leitura espiritual, ao exame diario e á prática da humildade. Em dezem bro de 1915, fez voto particular de castidade, prometendo "nao admitir outro esposo senao Jesús Cristo". Costumava passar as ferias na fazenda do avó. Levava uma vida como a de qualquer outra jovem de seu tempo. Gostava de cavalgar; fazia longas

caminhadas a pé; participava dos concursos de natacáo; divertia-se e convi vía com os primos e amigos ñas reuniSes familiares. Foi durante estes pe

ríodos na propriedade de Chacabuco que Joana, com outras mocas, se de365

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

dicou ás aulas de catequese aos filhos de lavradores e prestou auxilio ás missfles. Mesmo quando estava em Santiago, preocupava-se ern manifestar sua fé com obras. Tornou-se famoso o fato de ter vendido o seu relógio para conseguir trinta pesos e comprar um par de sapatos para um menino po bre. Como interna no Colegio das Irmis do Sagrado Coracáfo, Joana apareceu como aluna exemplar, consciente de suas obrigacSes. Foi premiada como primeira aluna em Historia.

O tempo de intemato foi para ela profundo sofrimento. Cheia de amor e ternura para com os seus, temperamento alegre e vivaz, estar inter

na era-lhe por demais pesado. Mas tudo superava para dar provas de amor a Jesús.

"Hoje voitamos ao colegio. Simo um desespero e urna vontade louca de chorar, A ti, meu Jesús, ofereco este sofrimento, pois quero sofrerpara

parecer-me contigo, Jesús meu amor".

No entanto, tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus. é

ali, junto das irmSs, que Joana intensifica sua vida espiritual; cresce sobre-

maneira na piedade eucarfstica, que nutre desde sua Primeira Comúnha"o e se prepara definitivamente para entrar no Carmelo.

Em 1918, passa por ¡numeras provas interiores: abandono espiritual, secura, aridez... Em dezembro deixa o Colegio e em Janeiro de 1919 entra em contato com as Carmelitas de Los Andes.

Superadas | as dificuldades para ser carmelita: saúde débil, oposicao de alguns familiares, dificuldades para conseguir o dote, pois os negocios de seu pai n&o vio muito bem, Joana entra no mosteiro em 7 de maio de 1919. Ela se senté extremamente feliz, realiza aquilo a que se senté chama da e busca corresponder ao Amor que percebe palpitar em si. "Jé faz oito dias que estou no Carmelo. Oito días de cóu. Sinto de tal maneira o amor divino que há momentos nos quais pensó que nao vou nxistir". "Quero ser hostia pura, sacrificar-me em tudo e continuamente pelos sacerdotes e pecadores". "Pamce-me que comecei a viver só no dia 7 de maio. Asseguro-lhe que os sacrificios \feitos parecem-me nada'. (...) Ao separar-me dos meus, ao arrancar-me dos bracos de minha mié, sentí que Jesús me abría os seus e me estreitava ¡unto ao seu Divino Coracio. Como é suave viver unida a E/el" 366

TERESA DE LOS ANDES

31

No dia 14 de outubro desse mesmo ano, IrmS Teresa recebe o hábito de carmelita e inicia o seu noviciado.

Irm3 Teresa esmera-se por seguir seu noviciado com a máxima perfeicSo na prática das virtudes. "Tem que rezar por mim, para que eu seja muito fervorosa, pois de meu noviciado depende toda a minha Vida Reli giosa, e, custe o que cu star, tenho de ser urna santa carmelita". Permeia seus atos de amor, aceita sofrimentos com generosidade e espirito apos

tólico.

"Creía que a PaixSo de Jesús Cristo é o que mais bem me faz. Au

menta em mim o amor, ao verquanto sofreu meu Redentor; o amorao sa

crificio, o esquecimento de mim mesma. Serve-me para ser menos orgulhosa. Excita-me é conf¡anca neste meu Mestre adorado, que sofreu tanto por

amar-me".

Em margo de 1920, revela ao confessor urna alocucao que teve. Mor-

rerá dentro de um mes.

E assim acontece. Irma" Teresa vive a observancia quaresmal com todo o rigor. Apesar de já sentir no corpo os primeiros síntomas da molestia que Ihe tiraría a vida, nao quis dispensas nem alivios. Sonriente após as cerimd-

nias da Sexta-feira santa, quando a Mestra de novicas a vé muito avermeIhada, é que ela vai para a cama. Está muito febril, e os médicos diagnosti

caran! o seu mal: Tifo.

No dia 5 de abril, segunda-feira após a Páscoa, administram-lhes os sacramentos, a seu pedido. No dia 6, faz sua Profissao Religiosa em artigo

de morte. Dia 7, comunga pela última vez. Durante os dias que se seguiram, Teresa de Los Andes sofreu muitos delirios em virtude da alta febre

que a tomava. No dia 11, teve alguns momentos de lucidez e, ent2o, cantou hinos litúrgicos. Depois, assistida pelo Padre CapelSo, entregou-se a um estado letárgico, do qual nSo mais saiu. Dia 12, ás 19:45 hs, entregouse em um sonó tranquilo ao Deus de sua vida.

Pouco antes de tudo isso, já em plena maturidade espiritual, IrmS Teresa escrevera: "Para urna carmelita a morte nao tem nada de espantoso.

É o inicio da verdadeira vida para ela, que vai lancar-se nos bracos daquele

que sobre a térra amou sobre todas as coisas. Vai submergir-se no Amor para sempre". Foram estas palavras que se realizaram nela. A única Reli giosa sobrevivante das que Ihe assistiram no leito de morte, deixou este testemunho: "Dava a impressSo de ir submergindo numa ¡mensa felicidade. Seu rosto, perdendo a palidez própria da morte, se ia ruborizando e se iluminando, como que irradiando a felicidade da qual gozava". 367

32

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

2. LEGADO ESPIRITUAL

Paulo VI, em margo de 1978, nos últimos dias de seu pontificado, dispds que se abrisse o processo de IrmS Teresa de Jesús de Los Andes o

mais rápido possi'vel. Era necessário que essa jovem, tSo che ¡a de vida, vin-

culadora de lacos de amizade tío sincera, amante dos esportes, mas, sobretudo, fascinada por Jesús, fosse conhecida pela juventude moderna. Teresa de Los Andes, urna adolescente de 20 anos, tem muito a dizer aos seus coetáneos de hoj'e!

Mas a sua tao breve existencia fala somonte a eles?

Ao homem moderno, que busca tío ávidamente o equilibrio, a sereni-

dade e a maturidade, Teresa, dominando o seu caráter, pondo extrema confianca em Deus, mantendo um íntimo relacionamento com Ele, dele esperando tudo, mostra, com sua vida, o caminho a seguir para atingirmos a plenitude de nosso ser.

é na comunhSo com Deus que o homem chega á mais alta dignidade

humana. IrmS Teresa é boa prava disso. Une com a maior naturalidadeo

trato com Deus e com os homens, a oracSo com a atividade. No estado de

plena comunhSo com Deus a que ela chegou, aquilo que é legítimamente humano, longe de ficar anulado, purifica-se, fortifica-se e se aperfeicoa;

em urna palavra, diviniza-se.

** *

(Continuado da pág 348) Os peregrinos, levando dois grandes icones de mais de 2 metros de altura, abríram as barricadas que ¡mpediam o acesso á Praca, enfrentando soldados fardados, que queriam proibir a passagem. A multidSo parecía urna onda de gente que nao se podia reprimir; alguns dos seus membros trajavam urna veste azul com os símbolos do 75?

aniversario das aparicoes de Fátima.

O grande grupo dirigiu-se para o centro da Praca, carregando os icones de Cristo e de sua Mae SS. Aproximaram-se da Basílica de SSo Basilio; junto a esta havia urna

plataforma sobre a qusl urna pequeña imagem de Nossa Senhora de Fátima foi coroada. A procissao caminhou um pouco mais, chegando perto do ícone de Nossa Senhora de Kazan, Padroeira e Protetora da Rússia; entao o Arcebispo ortodoxo de Moscou, o Pe. Ken Roberts, um capeláo das delegacfies estrangeiras rezaram juntos pela paz e pela unidade, enquanto um intérprete traduzia as preces para a multidSo. Nunca um

fato semelhante a este ocorrera durante os mil anos de separacao entre católicos e ortodoxos na catedral de Moscou.

Quando o grupo de peregrinos se foi, alguóm perguntou á interprete como ela se

sentía. Contando as lágrimas, disse: "Vos nos trouxestes Deus, vos nos trouxestes o Amor". Estava tao comovida que nao pode continuar

(Continua na pág. 375) 368

Testamunho heroico:

O ITINERARIO DE UMACONVERSÁO NA TCHECOSLOVÁQUIA

Em sfntese: O texto re/ata a convenio paulatina de urna /ovem cidadi da antiga Tchecoslováquia, filha de país ateus, mas batizada no

luteranismo por influencia de seus avós. M.A., como ela mesma subscreve, comecou a sentir a questio do sentido da vida, que o materialismo, no

qual era educada, nSo /he esclarecía. A/udada por um rapaz, de fé católi ca, foi-se aproximando do Catolicismo, que, apesar de fortemente perse guido, tinha suas expressdes de coragem e fídelidade na Tchecoslováquia. Aos 18 anos de idade, M.A., em 2/11/1974, fez sua profissao de fé católi ca e concebeu o dese/o de se consagrar tota/mente a Deus — o que nao era fácil em seupafs de origem. Tomou-se viávef após urna visita a um conven to de IrmSs Ciarissas na Polonia. Após o noviciado realizado na "Igre/a do Silencio" ou clandestinamente em sua patria, M.A. professou a negra das Ciarissas em 2/8/1986, feliz por ter conseguido atravessar duras provacBes e chegar ao termo do seu itinerario religioso.

*

*

*

Publicamos, a seguir, a historia de urna Religiosa da Ordem de Santa Clara, que conheceu o clima de perseguicSo comunista na Tchecoslováquia e conseguiu manter-se fiel aos seus propósitos, sustentada pela graca de Deus.

O texto é traduzido do francés, como se encontra na revista francis

cana "Evangile aujourd'hui" n? 152, pp. 26-31.

"PROFESSAR A FÉ NO SEIO DE UMA FAMILIA ATÉIA 'Tenho apenas 34 anos de idade, mas o caminho que me levou ató Deus foi longo, muito longo, por vezes doloroso, mas na verdade maraviIhoso', escreveu a IrmS no inicio do seu relato, que ela assina com a sigla

M.A.

369

3£_

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

Ela nasceu nu ma grande cidade da Tchecoslováqu ia. Sete semanas depois, foi batizada na igreja luterana, grapas aos seus avós, pois seus país nao tinham fé, como nao a tinham os outros familiares. Seu pai era funciona rio graduado do Partido Comunista Tcheco, de modo que eta pode receber urna ótima educacfo: foi matriculada na melhor escola, pode realizar

viagens ao estrangeiro e aprender cinco Ifnguas importantes. Ela tinha seis anos de idade, quando Ihe nasceu um irmaozínho, que nunca foi batizado. Quando estava com oito anos, os seus genitores comunistas, absorvidos por compromissos políticos, entregaram a urna tía os cuidados de sua edu-

cacSo. Entrementes a sua mSe abandonou o lar para juntar-se a outro homem, de modo que, aos doze anos de idade, M.A. se tornou dona de casa. O seu pai, cada vez mais solicitado por suas atividades políticas, confiou-lhe o encargo de cuidar do irmSozinho.

Tendo superado os exames de bacharelado com éxito, M.A. pds-se

a estudar Filosofía, Ética e Artes. Ela se sentía vagamente crente.

Essa fé, frágil, pouco segura, passou por suas primeiras provacSes em 1973. M.A. tinha 17 anos. Foí informada de que sua mae estava grave mente enferma. O diagnóstico dos médicos era irreversfvel: cáncer no es tómago. Durante tres meses, M.A. assistiu á sua m3e com dedicacSb; toda vía nada podía fazer diante das dores cada vez mais insuportáveis da geni-

tora. Esta caminhava inexoravelmente para a morte. Consciente desses

sofrimentos, M.A. algumas vezes só podía desejar o fim rápido da doenca

de sua mSe.

Já naqueles dias tristes, e mais ainda após a morte de sua genitora,

M.A. sentía dentro de sí a questSo angustiante do sentido da vida huma

na. A vida de um homem ou de urna mulher ná"o seria mais do que um

punhado de cinzas? Mesmo que a questlo estívesse mal formulada, M.A. sabia que a resposta seria capital para a sua própria existencia. ACONVERSAO

Seis meses depoís, aproximavam-se as festas do fim do ano. Em cer ta reuniao, M.A. devia recitar alguns poemas de Rabíndranath Tagore so

bre o Amor, a Vida e a Morte. A reuniio realizou-se num velho castelo, longe do domicilio de M.A., e terminou em hora ayancada da noíte. Por isto aceitou com prazer a oferta da companhia de um rapaz que a levaría

para casa. Durante a viagem, quando conversavam sobre a mensagem dos

poemas citados, o jovem perguntou-lhe a queima-roupa: 'Vocé tem fé?'. A resposta, sem hesítacSo, foi positiva. EntSo o jovem declarou-se católi370

ITINERARIO DE UMACONVERSAO

35

co, e ambos concordaram com a idéia de, um dia, ir visitar urna igreja católica.

M.A. já assistira urna ou duas vezes á Missa católica em companhia de outrasestudantes. Tratándose da filha de um alto funcionario do co

munismo, isto era surpreendente. A visita á igreja na companhia do men cionado rapaz tomou-se urna auténtica descoberta. Após a Missa, o sacer dote foi ter com eles e contou-lhes a historia da sua vocacSb. Era jovem professor, mas nao via sentido para a sua vida no contexto sócío-cultural em que se achava. Foi no exercício do sacerdocio, difícil, mas magnífico, que ele descobriu a riqueza espiritual da Igreja.

0 jovem amigo foi de novo procurar M.A. alguns dias após a visita á igreja católica. Juntos voltaram a esta; passando de altar a altar, o rapaz explicou a M.A. o sentido do sacrificio da Missa, a mensagem expressa por cada Santo cuja estatua ou imagem se achava na igreja. A seguir, o jovem pos-se a cantar algumas melodías muito antigás de cunho religioso, que ela

nunca ouvira anteriormente. - Assim M.A. descobriu a Igreja Católica e sentiu dentro de si um fmpeto forte que a fazia exclamar: 'Quero conhecé-la ainda melhor...'. M.A. doravante aplicou-se a estudar realmente o Catolicismo.

Aos 2 de novembro de 1974, com dezbito anos de idade, foi admiti da a fazer sua profissSo de fé católica: Nasceu em seu coracSo um estranho desejo: o de consagrar toda a sua vida a Deus. Como, porém? Ela na*o o sa bia. Mas percebia que, para pertencer totalmente a Deus, ela nSo se devia casar. Sendo assim, como organizaría a sua vida? Ela também nSo o sabia; em toda a sua existencia, ela nunca vira urna Religiosa. Mas a idéia de viver totalmente para Deus encheu a sua alma de paz. Entrementes o pai soube da conversSo de sua filha. Julgando que ela sofría de grave choque psicológico decorrente da morte de sua mSe, ele a levou a um psiquiatra. Este o tranqüilizou: a jovem era sadia de corpo e

alma. Entilo o pai, nada compreendendo da conduta de sua filha, entregou-se ainda mais ao trabalho e cortou relaoSes com a jovem. Isto deve ter sido muito doloroso para ambos, porque muito estimavam um ao outro. Foi no inicio desse período de separacao do pai que M.A. encon-

trou a primeira Religiosa em sua vida. Religiosa clandestina (o que mais ainda importava!).

O DESPERTAR DE UMA VOCACAO Convém recordar que o Governo tchecoslovaco expulsou Religiosos e Religiosas de suas casas na noite de 13 para 14 de abril de 1950. Muitos 371

36

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

Religiosos foram entSo levados para campos de concentracSo; as Religio sas, em grande número, foram distribuidas por usinas e fábricas. Chegaram a criar para elas 'conventos concentracionários'. A maioria dos Supe riores, após processos simulados, foram encarcerados, alguns com a sentenca de dez a vinte anos de reclusSo. Todo tipo de vida comunitaria foi

proibido; quem violasse essa proibicSo, e principalmente quem admitisse candidatos á Vida Religiosa, corría o risco de longos anos de prisSo. A situacao das Irmas enfermeiras era menos penosa; já que havia falta de en

fermeiras, elas podiam ser lotadas em hospitais, especialmente no trata-

mento de doentes contagiosos. Mas em 1956 também as Irmas enfermeiras sofreram a sorte de suas co-IrmSs, sendo enviadas para conventos concen tracionários.

A primavera de Praga em 1968 devolveu-lhes a liberdade, mas, dada a ¡ntervencSo dos tanques russos, essa liberdade quase n3o durou. Nao obstante, os poucos meses de liberdade foram muito úteis. Enriqueci dos pela experiencia dos dias diffceis, os Religiosos puderam criar novas estruturas cuja eficacia foi posteriormente comprovada.

O controle exercido pelos órgaos do Partido Comunista era menos preciso fora das grandes cidades. Por conseguinte, tres ou quatro Irmabs

(ou Irmas) podiam alugar urna casa discreta e ali organizar urna vida quase conventual. Med itácito e oracSo da manha" antes de sairem para o trabalho. De tarde, após o retorno das oficinas de trabalho, ainda oracdes (Oficio Divino) e Missa; depois, leitura espiritual e, para os jovens, estudo de Teo

logía ou da Espiritualidade da Ordem ou Congregacao respectiva. Jantar e recreio em comum; e a jornada se encerrava com a recitacSo de Vésperas e Completas. A Missa era sempre celebrada por um sacerdote clandestino, pois ninguém tinha confianca nos sacerdotes autorizados pelo regime. Esta situacáo muito tensa devia mudar após novembro de 1989, ano da canonizacSo de Santa Inés de Praga, Clarissa e amiga de Santa Clara, que se tomou assim.sete sáculos após a sua morte, a protetora das Irmas na Tchecoslováquia...

Voltando ao passado, registra-se que na primavera de 1975 M.A. comecou a estudar seriamente a vida conventural regular. Para a sua grande felicidade, a jovem convertida encontrou algumas IrmSs franciscanas en fermeiras. Foi admitida por estas como postulante. O inicio da experiencia foi difícil; mas a Providencia Divina deu a M.A. urna Mestra de Novicas cheia de sabedoria, a quem a jovem ficaria devendo muito da sua formacao. A direcSo espiritual era-I he prestada por um padre franciscano. Infelizmente nao por muito tempo, pois o padre foi denunciado e preso, juntamente com varios outros franciscanos. 372

ITINERARIO DE UMACONVERSÁO

37

M.A. DESCOBRE AS CLARISSAS

Enquanto continuava a trabalhar junto aos doentes, gracas as Francis

canas enfermeiras, M.A. pode estudar a espiritualidade franciscana. Mas o seu coracSo n3o encontrou repouso; por ocasiSo de suas meditacSes, estava perplexa ao verificar suas incertezas. Intensificou suas oracñes: du

rante um mes ela recitou diariamente a Via Sacra. Foi nessesdiasde inten

sa procura que a Mestra de Novicas Ihe deu, para ler, uma biografía de

Santa Clara. Rasgou-se entSo a cortina de suas incertezas: foi a revelacSo. Quantas luías, quantas incompreensfies, quantas dores... e finalmente estas palavras sublimes: 'Senhor, eu te agradeco por me teres criado...', escreveu M.A. em seu Diario. 'Quealma sublime! Meu coracSo p6s-se a bater muito forte. E que autenticidade nessas simples palavras, que alegría!'. M.A. resolveu ¡mediatamente procurar uma Clarissa — o que nSo era coisa fácil. Pediu conselho a um frade franciscano que fízera seus estudos na Polonia

e lá encontrara um auténtico mosteiro de Clarissas. O jovem padre deu-lhe uma carta de apresentacSo para a Abadessa das Clarissas, e M.A. seguiu pa ra a Polonia.

Nesse mosteiro, a jovem passou seis meses; mas recordar-se-ia dessa estada como sendo uma das mais belas temporadas de sua vida, embora o

inicio também tenha sido difícil. Ela ia compreendendo o sentido da vida regular comunitaria, com suas alegrías, e suas dores. As Clarissas polonesas a teriam hospedado por mais algum tempo, mas as leis tchecoslovacas a

obrigavam a voltar ao seu país. Regressava, mas já nSo se via sozinha: uma outra jovem tcheca, animada pela mesma vocacSo, a acompanhava. Eram

duas, portento, mas o seu futuro era incerto. Foram visitar as Clarissas do convento concentracionário de Osseg, mas apenas receberam reconforto

espiritual sem alguma solucgo em vista. Evidentemente elas nSo podiam fi-

car em Osseg. Vinha a M.A. a idéia de emigrar para o estrangeiro, mas a sua companheira a rejeitava logo: 'Temos que f¡car em nosso país, nosso lugar é aqui; este país precisa de nossas oracSes'. M.A.entao, resoluta co mo era, foi procurar o Cardeal Tomasek de Praga; este, após escutar tonga mente o relato de vocacáb das jovens, prometeu ajudá-las. Tres meses depois, chegou a permissSo de Roma para que comecassem sua vida de Cla rissas na Tchecoslováquia, em clandestinidade. Ambas receberam o hábi

to de Clarissas em 1981.

M. A. CLARISSA

Esse tipo de Noviciado extraordinario revelou-se logo bem mais di fícil do que imaginavam: 'Estudávamos a Vida, as Regras e as Constituí-

cSes das Clarissas traduzidas por um padre franciscano. Morávamos as 373

38

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1993

duas na mesma casa; rezávamos diariamente juntas, e também íamos

juntas para o trabalho. Mas a incerteza da nossa condicSo, do nosso futu

ro pesava fortemente sobre as nossas almas. Após seis meses de Novicia do, a companhejra de M.A. abandonou a luta e voltou para o mundo. Hoje está casada, tem urna bela familia crista e, como Terciaria de SSo Francisco, anima a vida litúrgica da sua paróquia. Na mesma época o pai de M.A. morreu sem dar o mínimo sinal de reconciliacSo com Deus, também sempre afastado da sua filha. M.A. ex-

perimentou mais urna vez o sentido da solidao, mas em sua alma ela já

gozava da presenca e do reconforto de Deus. Para ela, urna só coisa importava: continuar seu Noviciado para ser fiel ao apelo de Clara. CLARISSA PARA SEMPRE

Em 1983 o Padre Provincial dos Capuchinhos foi encarcerado, mas,

antes de ser aprisionado, ele pode delegar suas facuidades a um de seus

sacerdotes, incluida a faculdade de receber a profissSo de M.A., caso es-

tivesse em condicSes e quisesse realmente tornar-se Clarissa para sem pre. M.A. permaneceu firme em seus propósitos.

A cerimdnía dos votos temporarios estavam presentes apenas o sa

cerdote celebrante e as duas testemunhas. Mas o coraca'o de M.A. estava

em festa, cheio de paz e de alegría franciscanas.

Fora, na vida cotidiana, havia sempre médo e angustia alimentados pelas autoridades civis e políticas; mas, apesar de tudo, multíplicavam-se as cand¡datas para a Vida Religiosa. M.A. logo teve urna e, depois, duas

companheiras que desejavam viver segundo as Regras e ConstituicÓes de

Santa Clara. Rezavam juntas, viviam em pequeña comunidade, participa-

vam sempre da Missa cotidiana dos sacerdotes clandestinos após a sua jor nada de trabalho. Os vizinhos sabiam muito bem que perto deles vivia urna pequeña comunidade proibida, mas ninguém asdenunciou. As pessoascomecavam a ter esperance...

Chegou finalmente o dia da profissSo solene e definitiva. M.A. nota em seu Diario: 'Em lugar da minha familia, que perdí, Deus me deu urna

verdadeira familia espiritual... Prostrada diante do altar, minha vida passou ante os meus olhoscomo um filme; minha familia comunista, minha incessante procura de Deus, a morte da minha mae, a incompreensab, as dúvi

das, a morte de meu pai, de novo a luta, as incertezas, os perigos, as angus tias... tudo isto agora é passado... Minha alma respira em grande paz e ale374

ITINERARIO DE UMA CONVERSAO

39

gria... Como está escrito no Salmo 126: 'Os que semeiam em lágrimas, coIherSo em cantos'.

Aos 2 de agosto de 1986, dia da Porciúncula, festa de Nossa Senhora dos Anjos, cercada de Irmfos e IrmSs Franciscanas, M.A. emitiu sua profissSo solene e definitiva, recordando-se das palavras de Santa Clara: 'Senhor, eu te agradeco por me teres criado!'. * * *

O relato concerniente a M.A. Clarissa á um testemunho de como a graca de Deus age nos coracSes bem dispostos, apesar dos mais ameacadores obstáculos que se Ihes possam opor. A luta do homem contra Deus redunda nSo em morte de Deus, mas em morte do homem, que assim se autodestrói, sem lograr extinguir o atrativo que Deus exerce sobre as suas criaturas.

.

* * *

(Continuapao dapág. 368) No dia 17/10/92, o Arcebispo de Moscou recebeu os delegados provenientes de Fdtima, que Ihe ofertaram um ícone de Ndssa Senhora de Fátima, comemorativo do

75? aniversario das aparicoes. O prelado Ihes disse que podía ser apresentado no dia seguinte no Offcio Litúrgico da catedral e acrescentou:

"Conhecemos a mensagem de Fátima; durante os anos negros, essa mensagem foi nossa esperanca... Sabemos que o original do i'cone de Nossa Senhora de Kazan está em

Fátima e esperamos o seu regresso para a

Rússia. Temos aqui urna copia dele, junto á

qual as pessoas vím rezar. Vamos juntos rezar diante déla".

Disse aínda o Arcebispo: "Agradecemos aqueles que oraram pela liberdade

religiosa na Rússia".

Tais fatos merecem relevo, principalmente se pensamos que até 1989 jamáis teriam podido ocorrer. A intercessSo da Virgem Míe de Deus e dos homenj terá obtido do Onipotente Senhor a grande graca da liberdade religiosa após mais de setenta anos de perseguicao na URSS, em cumprimento da predicáb: "A Rússia se converterá e será concedida grande era de Paz á human idade".

Noticias colhidas no jornal L'Homme Nouveau, 15/11/1992, p.6.

375

Psicotécnicas e Religiib:

ACIENTOLOGIA

Em síntese: A Cientologia é urna corrente de pensamento filosóficoreligioso mesclada a técnicas psicoterapias, que, conforme o fundador Sr. Lafayette ñon Hubbard (1911-1986), devem despertar no discípulo a consciéncia de que ele é ¡mortal.

A Cientologia • submete seus adeptos a

cursos varios e sessdes de psicoterapia ditas auditing, que resuitam muito caras para quem as segué, podendo provocar a crise financeira dos clientes.

Tais cursos procuram purificar a mente de ferimentos e chagas que tenha contraído em existencias anteriores é atual: tal processo percorre varias etapas, passando pelos graus de Preclear, Clear e Operating Thetan. O Thetan seria a esséncia espiritual do homem, a sua alma, o verdadeiro eu, que decaiu de um estado de perfeicSo para dentro da materia; passa por varías reencarnacdes até se purificar totalmente e conseguir plenos po deres sobre o tempo e o espaco. 0 regime da Sociedade Cientologista é fortemente autoritario. Os seus membros sao incitados a considerar os demais homens com desconfianca, pois Ihesparecem inimigos em potencial.

Estas características tém suscitado fortes polémicas contra a Cientologia, da parte, principalmente, de profissionais da psicoterapia; dentro mesmo da Escola Cientologista hé pessoas que se afastam da Chefia central e tentam fundar grupos dissidentes, menos autoritarios e mais baratos (em seus custos). Varias familias norte-americanas e européias se queixam de graves males psíquicos e financeiros de que sofrem seus filhos após freqüentarem a Cientologia.

*

*

*

Entre as novas correntes religiosas de nossos dias está a Cientologia.

É muito singular, porque funde numa so mensagem concepcfies religiosas,

exercício de psicotécnicas e procura de dinheiro e poder. Conta, como se diz, cerca de sete milhfles de adeptos esparsos por diversos continentes ou em trinta países. A Cientologia está associada á Dianótica, ou seja,

á ciencia que explica o modo como funciona o intelecto humano. Desta maneira o Cientologia pode ser ctassificada entre as correntes religiosas 376

CIENTOLOGIA

41

que tentam explorar o potencial psíquico do ser humano. - Procuremos analisar o seu sistema.

1.0 FUNDADOR O fundador da Cientologia é o norteamericano Lafayette Ron Hub bard (1911-1986). Deste personagem ngo se tem urna biografía muito fi dedigna, pois alguns de seus familiares resolveram romper com a Cientologia e emitiram depoimentos sobre Hubbard que nao sSo aceitáveis por

que nao verídicos.

Sabe-se. porém, que o fundador era filho de um Oficial de Marinha; viajou com seu pai, ao menos urna vez, pelo Oriente. Também teve con tatos com psicanalistas. Até 1949 dedicou-se á literatura de fícelo (aven turas policiaise pseudo-c¡encía). Em 1950 publicou alguns escritos sobre Dianética (Dianetics). Em 1954 fundou o que Hubbard chamou "a Igreja da Cientologia", baseada sobre a Dianética. Essa nova Sociedade propagou-se pela Australia, a Nova Zelandia e a Europa. Em 1959 o fundador transferiu-se para a Inglaterra. 0 cultivo de suas idéias suscitou a Hubbard o antagonismo e debates (que o levaram a deixar a Inglaterra em 1966). Passou a viver a bordo de urna nave - Apolo -, a partir da qual dirigia a Sea Org (Organizacao do Mar ou Marítima), que vinha a ser urna especie

de Congregacáb Religiosa dentro da "Igreja da Cientologia". Ñas décadas de 1960 e 1970 foi crescendo a hostilidade contra a Cientologia em varios países do mundo; na Australia alguns Estados promulgaram leisque impediam as atividades desse movimento religioso; todavía em 1983 a Suprema

Corte Australiana houve porbem reconhecé-lo como organízacao religiosa lícita. Nos Estados Unidos a oposícao era suscitada em parte pela categoría

dos psiquiatras, que denunciavam charlatanismo e exploracáfo da credulidade pública. Hubbard passou em retiro os últimos anos de sua vida, que

terminou em 1986.

A obra de Hubbard gerou polémicas clamorosas até nossosdias. Assim em 1988 a Alemanha Ocidental concedeu á Cientologia o título de organi zado religiosa oficialmente reconhecida; os alemles, porém, discutem ar

dorosamente a respeito, a tal ponto que um articulista — Hans-lngo von

Pollern - da revista Herder-Korrespondenz (agosto de 1992) classifica a Cientologia como Deutschlands gefaehrlichste Sekte (a mais perigosa seita da Alemanha). Em outros países há processos judiciários contra a Cientologia. Na Italia as sedes desta organizado forarrt fechadas e, posteriormen

te, reabertas em parte; militas pessoas foram acusadas perante os tribunais de Milao por causa de suas atividades cientologistas.

Vejamos agora em que consiste a mensagem dessa "Igreja". 377

42

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

2. A MENSAGEM DOUTRINARIA A Cientologia pretende oférecer aos seus seguidores o estudo e o "acompanhamento pastoral" necessários para que tomem consciéncia da sua imortalidade e possam atingir a mais elevada verdade. O caminho que conduz a tais metas, é chamado "a Ponte para a plena Liberdade". Mais precisamente: Hubbard concebe o ser humano como urna má quina necessitada de conseno. Com efeito; a mente (mind) humana, limi tada como é, nao permite ao individuo tomar consciéncia de que ele é des tinado a sobreviver após a morte. O homem traz em si muitas cicatrizes devidas a ferimentos psíquicos que ele sofreu em encamacdes anteriores; ora, sempre que na vida presente um agente qualquer (cansaco, decepcáb, baque...) toca numa dessas cicatrizes, a mente traz á tona os acontecimentos desagradareis que a afetaram em existencias pregressas.

Pois bem, diz a Cientologia; é preciso apagar ou extinguiressascica trizes do íntimo do sujeito e comunicar-lhe o otimismo derivado da pers pectiva da feliz imortalidade. Esta tem em vista libertar o homem dos

seus engramas (cicatrizes) e levá-lo ás condicSes de cléar, condicSes alta

mente vantajosas, pois implicam aumento do Ql, melhoras da saúde física e sucesso nos negocios. A Dianética realiza essa sua terapia em sessSes cha madas auditing, sessSes ñas quais a pessoa, mediante regressSb no tempo, considera os ferimentos que recebeu outrora e se dispSe a apagá-los defi

nitivamente da memoria; o mais importante engrama é o basic-basic ou o primeiro de todos (pode ter sido urna tentativa de aborto, que sacrificaría o ¡nteressado ou preclear, urna enfermidade da m§e ou urna relacSo sexual da genitora durante a gravidez). No decorrer da sessSo psicoterapéutica ou auditing, é utilizado um aparelho chamado E-meter, eletrómetro inven tado por Hubbard para permitir ao preclear recordar-se mais rápidamente dos traumas psíquicos de outrora e averiguar o apagamento dos mesmos. Tal aparelho procede medindo a resistencia da pele aos estímulos que Ihe vém de fora. — Quando todos os engramas tiverem sido apagados, o in

dividuo terá ná*o mais urna mente reativa (reactive mind), mas urna mente analítica (analytic mind) e atingirá as condioSes de clear. O caminho da Dianética até o estado de clear resulta caro, mas os dirigentes da Cientolo

gia observam que os outros tipos de psicoterapia nSo s3o mais baratos; além do qué, seriam inúteis ou mesmo prejudiciais por que nao atinariam com o essencial (os engramas); os remedios psicotrópicos e as intervencSescirúrgicas sa*o tidos pela Cientologia como violacfies dos direitos humanos. A sessio dita auditing vem a ser o cerne da Cientologia e da sua dou-

trina. É orientada por um auditor diplomado pela Escola Cientológica; es378

CIENTOLOGIA

43

te ouve o paciente e prop5e-lhe perguntas, que tém por objetivo ajudar o

preclear a descobrir e remover limitares a ele impostas pelo seu passado;

o auditor anal isa os pretensos erros cometidos apontados peto cliente e

procura chegar ás causas desses defeitos. O processo que ocorre entre o mestre e seu cliente, se prolonga tanto quanto seja necessário para que o paciente se torne plenamente consciente da sua identidade, assuma o exer-

cício da sua liberdade e saiba ser chamado á ¡mortalidade.

Segundo a Cientologia, o ser humano consta de tres componentes:

1) o Thetan: espi'rito puro, que existe "desde o principio"; é omni-

cíente e ¡mortal; através da "pista do tempo" percorre varias vidas. A prin cipio todos os Thetan gozavam de profunda felicidade num eterno presen

te. Julgaram, porém, que tal estado era fastidioso e, por isto, resolveram

"jogar um jogo" criando os universos. Acabaram sendo vítimasdesse jogo mesmo, pois se deixaram absorver pelos mundos de materia, energía, es-

paco e tempo; esqueceram que eram os criadores livres e independentes da

realidade material e deram-se por prisioneiros dos corpos;

2) o Corpo: é um componente do ser humano hoje, mas um compo

nente indesejado;

3) a Mente, sistema de comunicares entre o Thetan e o mundo am

biente.

Através das sessoes da Cientologia (auditing), a pessoa passa por sete graus de purif¡cacao dos engramas; como dito, ao fim deste processo, deixa de ser preclear para ser clear. Isto, porém, nao ésenSo a primeiraetapade pu

rif¡caca*o. A segunda é chamada a etapa do Thetan operativo (operativo thetan), que, por sua vez, compreende oito degraus. Nesta segunda grande fase, o Thetan passa a entender que o mundo visfvel nSo é urna realidade plena, mas, sim, urna realidade aparente; os degraus fináis desta fase sao mantidos em segredo pelos dirigentes da Cientologia. Alguns dissidentes desta Escola narraram "ter feito a experiencia de seres mitológicos, envol vidos outrora em guerras ñas estrelas há milhfies de anos". Assim o Thetan

operativo vai aprendendo a deixar seu corpo; a morte do individuo é um acídente secundario nessa caminhada, que tende ao encontró com o Abso luto ou Infinito, o qual pode ser chamado "Ser Supremo" ou "Deus". É esta relacío a Deus que justifica, aos olhos de Hubbard, o nome de Igreja da Cientologia-(Igreja que tem seus cerímoniais e rituais próprios para o nascimento, o casamento e os funerais), mas que pouco fala de Deus e atribuí ao culto sagrado urna importancia secundaria. 379

44

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 375/1893

3. A ETICA DA CIENTOLOGIA Pódese dizer que as concepc3es éticas da Cientologia sao contraditórias:de um lado, esta Escola propOe finalidades transcendentais; de outro lado, porém, tem os olhos voltados para a conquista de dinheiro e poder.

- Sao declarares de Hubbard:

"Aspiramos únicamente á evolucSo e a elevados graus de existencia

para o individuo e a sociedade... Urna civilizacio sem doencas mentáis, sem crimes e sem guerra, em que as pessoas idóneas tentam sucesso e os homens honestos exercam seus direitos e gozem da liberdade de chegar a metas mais elevadas. Tais sSo os objetivos da Cientologia". Eis, porém, que Hubbard também escreveu:

"A única razio em virtude da qual existem organizacoes, é oferecer bens materiais e servicos aos seus membros em troca de urna contríbuicio e procurar pessoas famosas ás quais essesbenspossam ser oferecidos... To

das as organizacdes da fgrefa da Cientologia foram fundadas únicamente em vista deste objetivo".

Assim dir-se-ia que, conforme os cientólogos, a promocao da humanidade e a venda de beneficios (como livros e cursos) s3o coisas inseparáveis urna da outra.

A Ética é explicitamente conceituada como a superacá*o de todo tipo

de resistencia ao programa da Cientologia. é, como diz Hubbard, "o rolo compressor que aplaina a estrada". Nesta perspectiva n§o há lugar para a

tolerancia em relacSo aos adversarios; nSo há respeito para com a pessoa

humana que pense diversamente. No livro "Ética da Cientologia" s?o tidos

como meios legítimos para conseguir manter e expandir o poderío da Es cola "a corrupcSo moral, a agressáo física, os prejuízos materiais, a perse guidlo e o esmagamento de quem professa outra filosofía, a violencia con tra os inimigos". Os que criticam e combatem a Cientologia, vém a ser considerados inimigos do género humano, dado que a Cientologia é tida como a única via de sobrevivencia da humanidade. Porconseguinte, o fim

justifica os meios.

Tais concepcdes e a aplicacSo prática das mesmas estao confiadas ao

"Inspector Geral da Ética", que é um dos membros graduados da Escola.

Compreende-se entSo que a Cientologia venha a ser a tentativa de criar um grande imperio, dotado de poderosa economía, que procura ganhar di nheiro e aumentar seu capital enquanto apregoa a desencarnacSo dos seus membros.

380

CIENTOLOGIA

45

Num dos folhetos programáticos da Cientologia lé-se: "Make Money, make more Money" (Faca dinheiro, faca mais dinheiro).

4. HIERARQUIA E ORGANIZACAO

A Igreja da Cientologia é estruturada segundo urna hierarquia cujo principio básico é "Preceito e Obediencia", preceito que tem por finalidade facilitar a expansSo da mensagem respectiva. A chefia da "Igreja" tem sede em Los Angeles (USA), onde se acha o "Religious Technology Center". Os programas dessa chefia sSo claramente orientados para a conquis ta de dinheiro e poder; a execucáo dos mesmos é controlada por oficiáis graduados, entre os quais o Inspector Geral da Ética.

A fim de atrair adeptos, podem ser ministrados cursos gratuitos,

que tornam a Escola simpática ao público. O discípulo que queira abando nar seus cursos, é pressionado mediante cartas, telefonemas e aconselhamentos minuciosos para que nSo o faca.

0 auditor ou "terapeuta", através das sessSes respectivas (auditing), vai conhecendo o i'ntimo dos clientes - o que Ihe facilita persuadir o discí pulo a que nao deixe a Escola. Todo membro da "Igreja" que tenha con tato com pessoa infensa á Cientologia, é tido como PTS (Potential-Trouble-Source), Fonte Potencial de PerturbacSes, ao passo que a pessoa in

fensa é SP (Suppressive Person). A pessoa PTS é munida contra as cn'ticas

e objecSes que Ihe venham da SP; se a PTS se mostra influenciada pelas cn'ticas, 6 submetida a tratamento especial ou a castigo; sao-lhe sonegados alguns servicos da Escola.

Para Hubbard, os que criticam a Cientologia, s3o criminosos: "Nunca

encontramos um crítico da Cientologia que ná"o tivesse um passado crimi

noso". Por cautela, o fundador manda, através de urna lnstrucá*o Secreta,

que os seus adeptos pocurem sondar e perscrutar o tipo de pessoas que os visitam: onde trabal ha ou trabalhou, qual o seu módico, o seu dentista, quais os seus amigos, os seus vizinhos... — Assim poderío talvez descobrir algum criminoso!

Os ¡nstrutores da Cientologia sa*o admoestados para que dispensem

benevolencia e amabilidade aos novos adeptos; tal atmosfera simpática deve contribuir para que os novatos se convencam de que em seu íntimo existem pontos fracos (ruins, ruinas), que s3o de importancia vital ou mor

tal e exigem absolutamente um tratamento, ou seja, a Dianática. A fim de que o candidato tome conhecimento de si e de suas carencias moráis, ele recebe um questionário com duzentas perguntas aproximadamente, 381

46

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 376/1993

destinadas a propiciar "urna análise científica" das capacidades do indivi duo; entre as perguntas, acham-se as seguintes: "Costuma ser difícil, para vocé, reconhecer urna falha e assumir a responsabilidadeda mesma? Será que vocé, alguma vez, senté os seus músculos contrair-se, mesmo quando nao há motivo para contracto? Vocé confessaria estar em erro apenas por amor á paz? Acredita que naja pessoas que Ihe sio avessas e que trabalham contra vocé? Reflete vocé muitas vezes sobre infortunios passados? Cai ocasionalmente em situacSes de apuros?

ñói vocé as suas unhas ou outros objetos?

Será que vocé nao deverá esforcar-se para pensar em suicidio? Paga vocé as suas dividas e cumpre as suas promessas desde que isto seja possível?" Estas perguntas tém o objetivo de levar o candidato a tomar consciéncia de que ele traz em si pontos fracos. Dado este passo, a candidato se convencerá de que deve seguir passo a passo o roteiro indicado pela Cientologia para chegar a plena liberdade interior. O teste também tem a vantagem de fornecer ao instrutor um conhecimento mais profundo do candidato, conhecimento que será utilizado para mais vincular o dis

cípulo á Escola: o candidato receberá, na base das suas respostas, instrucSes oráis e escritas, que Ihe oferecem amizade e ajuda; receberá visitase telefonemas, que o atrairSo mais e mais á Escola. Todo um modo de pen sar e falar é transmitido ao discípulo; assim, por exemplo, ser-lhe-á incui-

tido que o vocábulo "Ética" significa a remojo de tudo o que se op6e a Cientologia.

A terapia cientológica ¡sola totalmente o candidato em relacSo aos genitores e familiares. Procura cortar todo o relacionamento com a parente la. Freqüentemente dizem os pais que seus filhos na Cientologia foram ra dicalmente transformados; ná"o compreendem que jovens, ató época recen te muito sobrios e parcimoniosos, de repente se tenham endividado tanto. Na verdade, este endividamento se explica pelo fato de que o discípulo 382

CIENTOLOGIA

47

novato é submetido a cursos que ele deve pagar; tais cursos e outros meios de "cura" sa*o indicados a cada um pelo Inspector do respectivo Centro de Cientologia; a principio, sá"o de preco tolerável, mas váo-se tornando cada vez mais caros, a ponto de causar total dependencia e endividamento em relacáo á Cientologia.

A Cientologia tem membros efetivos, comprometidos, e clientes (sim patizantes) . Isto explica as discrepancias das estati'sticas. Em 1988, seis miIhSes de pessoas no mundo inteiro tinham passado ao menos por um curso de Cientologia ou se haviam submetido ao auditing. 0 primeiro contato com tal Escola decorre, nSo raro, de um anuncio em jornal ou de urna car ta: a pessoa, convidada a fazer um teste de personal idade, encaminha-se para urna sede da Cientologia, onde Ihe propSem as vantagens de seguir

cursos e tratamentos para melhorar um ou outro aspecto de seu caráter pessoal.

5. QUE DIZER?

A Cientologia quer ser "ciencia exata, técnica psicoterápica, filosofía e religiSo"; na verdade, é urna mesclagem de psicotécnicas, teorías reencar-

nacionistas e ciencia de ficcao (fantaciéncia). Em conseqüéncia, já foi de finida como "um budismo tecnológico". Por su as promessas de beneficios corpóreos e espirituais, consegue atrair mu ¡tos adeptos, que nao se recusam a pagar os altos custos, que correspondem á ¡niciacá'o cientológica;

nSo poucos destes se projetam assim na ruina financeira, sem conseguir vantagem alguma de ordem psíquica ou espiritual; antes, tornam-se mais e mais dependentes dos seus mestres-orientadores.

Deve-se também observar que a Cientologia incorre no desrespeito á

pessoa humana, submetendo-a a urna estrutura totalitaria. Pretende ser a

única cosmovisÉo aceitável, de modo que quem nao a compartilha é in¡mi

go do discípulo da Cientologia e do género humano. 0 amor ao próximo

é, pois, algo de estranho a esta Escola, como estranhos Ihe s3o osdireitos humanos e a protecSo devida á familia.

Em linguagem religiosa, pode-se dizerque a Cientologia é urna doutrina que ensina a auto-salvacSo ou a redenc&o do individuo pelo individuo, sem levar em conta a graca ou o auxilio de Deus. De resto, o concertó de Deus é vago na Cientologia, aproximando-se do panteísmo, já que o The-

tan do homem é tido como "espirito que existe desde o principio, omniciente e ¡mortal". Donde se vé que é despropositado o nome de "Igreja" atribuido á Cientologia. 383

48

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 37S/1993

Como todos os movimentos de sucesso, a Cientologia conheceu tam bé m as suas divisñes ou rupturas. A partir da década de 1950, alguns se guidores da Escola preconizaram urna Cientologia mais aberta e simpática ao público e menos comercial. Todavía acabaram reproduzindo a organi

zado de Hubbard. Aponta-se assim urna constelacSo de pequeños grupos

cieritológicos, mais ou menos independentes entre si. Em conseqüéncia, a Cientologia;'por seu chafe central em Los Angeles, tem movido processo contra esses pequeños grupos, acusados de violar os direitos autorais de Lafayette Ron Hubbard. Entre as faccd'e.s dissidentes sobressai, por seu número de adeptos, o Advanced Abitity Canter, fundado em Santa Barbara na California por David Mayo. Muitas familias norte-americanas e européias lamentam os males cau sados pelo fascínio vazio da Cientologia sobre as jovens geracSes.

BIBLIOGRAFÍA:

CASCARD, JOHANNES /?., Le Nuove Religioni. Tra anelito e Patologia.fdizioni o Paol'me, Milano 1989. INTROVIGNE, MASSIMO, Le Nuove Religioni. Sugarco Edizioni, Milano 1989. von POLLERN. HANS-INGO, Deutschlands gefáhrlichste Sekte, em Herder-Korrespondenz, n? 8, agosto 1992, pp. 379-383. ♦ * *

UM SO ATO DE AMOR... "TODOS OS CORPOS. O FIRMAMENTO, AS ESTRELAS. A TÉRRA E SEUS

REINOS NAO VALEM O MENOR DOS ESPl'RITOS. POIS O ESPÍRITO CONHECE

TUDO ISSO, E CONHECE A SI MESMO. E OS CORPOS NADA CONHECEM.

TODOS OS CORPOS REUNIDOS, E TODOS OS ESPl'RITOS REUNIDOS, E TODAS AS SUAS OBRAS NAO VALEM O Ml'NIMO MOVIMENTO DE AMOR. POIS O AMOR PERTENCE A UMA ORDEM DE COISAS INFINITAMENTE MAIS ELEVADA.

DE TODOS OS CORPOS REUNIDOS NAO SE PODERIA EXTRAIR UM MÍ NIMO PENSAMENTO. É IMPOSSlVEL. POIS PERTENCE A OUTRA ORDEM DE COISAS. E DE TODOS OS CORPOS E ESPl'RITOS NAO SE PODERIA EXTRAIR UM MOVIMENTO DE VERDADEIRO AMOR. ISTO É IMPOSSlVEL, PERTENCE A OUTRA ORDEM DE COISAS, Á ORDEM SOBRENATURAL". (Blaisa Patcal, Parlamentos n? 793). 384

t.f:

Álbum com 110 págs. coloridas (30 x 23). texto histórico expli cativo documentado, de autoría de D. Mateus Rocha O.S.B. — Em 5 línguas, volume separado (portugués, espanhol, fran cés, inglese alemao). Atende-se pelo Reembolso Postal Preco sujeito a alteracao.

PARA AS MISSAS DE DEFUNTOS:

2 novos textos: para Missas de 7* e 309 dia 1. MISSA DA ESPERANZA (4 págs.) em 2 cores com a II Oracáo Eucarística

Z MISSA DA RESSURREICÁO (4 págs.) em 2 cores com a III Oracáo Eucarística

contendo as aclamacces constantes da nova edicáo do Missal Romano Com descontó especial para quantidade. Edi«6es "Lumen Christi" Mosteíro de SSo Bento

Caúca Postal 2666 20001 -970 - Tel.:(021) 291 -7122

Rio de Janeiro RJ

SAO BENTO DO

RIO DE JANEIRO

1590/1990

Em Comemoracao do IV Centenario de sua Fundagao 408

páginas (30 x 23) de uma obra ricamente policromada Texto histórico documentado por D. Mateus Rocha OSB

É a crónica corrida e compacta da construclo do Mosteiro, da sua igreja e das obras de arte nele comidas. Resume as mais diversas contribuicoes que, durante séculos. formaram o patrimonio da Ordem Beneditina na provi'ncia do Rio de Janeiro. Palavras do renomado arquiteto Lucio Costa: "Esse mosteiro - este monumento — é, sem dúvida. a áncora da ci-

dade do Rio de Janeiro. - Em boa hora o intelectual e fotógrafo Humber to Moraes Franceschi que já nos deu a obra-prima "O Oficio da Prata", resolveu fazer, com o pleno apoio do engenheiro-Abade 0. Inácio Barbosa

Accioly (falecido a 26 de maio de 1992) — impecável dono da casa - este definitivo inventario visual, velho sonho de 0. Clemente da Silva Nigra." Oe D. Abade Inácio Barbosa Accioly: "Hoje o Mosteiro é realmente a áncora da cidade do Rio de Janeiro.

É igualmente foco de luz ardente que. sem qualquer ostentagáo ilumina to dos aqueles que aqui vivem, que aqui vém louvar o Senhor, ou que aqui encontram alimento para a chama misteriosa de sua fé — pois o Mosteiro nao é um simples monumento ou um museu, mas uma casa viva a irradiar a presenca de Deus."

Da mesma obra, álbum com 110 págs. 130 x 23) somante sobre a IGREJA DE SAO BENTO, em S volumes separados ñas línguas portuguesa, espanhola, francesa, inglesa

ealemS.

Related Documents


More Documents from "Apostolado Veritatis Splendor"