Ano Xxx - No. 323 - Abril De 1989

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Projeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO

DA EDIQÁO ON-LINE Diz

Sao

Pedro

que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora,

'.'■"

visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Verítatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao. A

d.

Esteváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

co

SUMARIO "Antes que os demonios voltem" 00 UJ

O H co

"Do Santo Ofi'cio á Libertacáo"

"Fui Espiao!" A "Senhora" Televisao

UJ

As "Igrejas Eletrdnicas" a

Livros em Estante

UJ _l

ffi

O oc a.

ANO XXX

ABRIL

1989

- 323

3UIMTE E RESPONDEREMOS

ABRIL- 1989

Publicacao mensal

N? 323

ator-ResponsaVel:

Estévío Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia sublicada neste periódico etor-Adrninirtrador:

3. Hildebrando P. Martins OSB ministrábalo e distribuicáb: Edicóes Lumen Christi Dom Gerardo. 40 - 5? andar, S/501 Fel.: (021) 291-7122 2aixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro- RJ

SUMARIO "Até que desponte a Estrela Dalva..." (2Pd1,19)

145

Um livro polémico: "Antes que os Demonios voltem" por Osear G. - Quevedo

146

Historia provocadora: "Do Santo Oficio á Libertacao" por I. deOliveira Soares

157

Urna Confissao:

"Fui Espiao!" por Francesco Sea Izotto

Sempre no ar: A "Senhora" Televisao

166

176

Em foco:

"MARQVES'SARAJVA" gMfkos r conanes s a

As "Igrejas Eletrónicas"

185

Nota: A Raiz da Crise Moral Comtemporánea

Livros em Estante

NO PRÓXIMO NÚMERO: 324-Maio- 1989 Secularidade, secularizapao e secularismo. — O Oomingo. — Casáis que se dissolvem. - A Igreja, outrora favorável ao aborto? - Co municado do CELAM.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

INATURA ANUAL: NCzS 10.00 .

Pagamento (á escolha)

1. VALE POSTAL á Agencia Central dos Correios do Rio do Janeiro. 2. CHEQUE BANCÁRIO

3. No Banco do Brasil, para crédito na Coma Corrente n? 0031, 304-1 em nome do Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, págável na Agencia da Praca Mauá (n? 0435).

igo

191

J.I4I

"Até que Desponte

Estrela Dalva..." pw 1,19)

0 tempo de Páscoa é todo penetrado pela luz de Cristo, que ressuscitou glorioso na madrugada do primeiro dia da semana judaica (cT. Mt 28,1).

Os cristaos vivem essa época sagrada e bela num contexto nacional contur bado e sombrío. Alias, multas vezes na historia da Igreja se verificou o con traste entre a luz e a alegría do santuario e a penumbra do ambiente respec

tivo. Ora, para ilustrar tal realidade, vem muito a propósito a sentenca do Apostólo Sao Pedro: "Fazeis bem em recorrer á palavra dos Profetas como a

urna luz que brilha em lugar escuro, até que raie o dia e desponte a estrela dalva em nossos coracoes" (2Pd 1,19). A ¡magem utilizada pelo Apostólo é a de um casebre escuro porque é noite; nessa choupana vai entrando aos poucos a luz da aurora, que anun

cia o pleno dia; a claridade faz das trevas penumbra e por fim será sobera na. Aos moradores da casa é bom olhar para a estrela dalva que vai raiando e persuadir-se de que se Ihe seguirá a claridade perfeita do sol refulgente. Tentemos interpretar essa imagem pela própria Escritura: o Messias

era esperado no Antigo Testamento como urna grande luz (cf. Is 60, 1-3). A sua primeira vinda ao mundo na gruta de Belém foi comparada a urna au

rora (Nm 24,17; Le 1,78), cujo brilho devia, e deve, ¡ntensificar-se e expan dirse cada vez mais até o fim dos tempos; Cristo entao voltará para rematar

a historia e dizer a palavra definitiva, pronunciando a vitória da Luz sobre as trevas ou do Bem sobre o mal. Os quase dois mil anos de Cristianismo nao sao mais do que a convivencia das trevas do pecado e do velho mundo com a

luz e a nova criacao inaugurada pelo Salvador. É preciso que o cristao saiba percorrer a historia com firme esperanca, paciencia e amor, sem se deixar impressionar pelos momentos mais contrastantes;... faz-se mister olhar para

o futuro mais do que para o passado, pois é do futuro que se derivam as diretrizes da caminhada presente.

O Apostólo faz desse contraste de luz e trevas urna api i cacao muito pessoal: " até que desponte a estrela dalva em nossos coracoes". Isto quer dizer que em cada um de nos se reproduz a historia da Igreja e da humanidade. O discípulo de Cristo traz em si urna centelha da luz definitiva e urna se

menté da vida futura, que ele deve saber cultivar na sua rotina cotidiana, permitindo que vao desabrochando até o dia do encontró pessoal com Cris to, no fim dos seus decenios de peregrinacáo terrestre. Quanto mais o cristao

se abre a essa luz que o Senhor Ihe oferece ñas Escrituras e na Eucaristía, tanto mais as trevas se Ihe dissipam e a luz da consumacao o penetra. E.B.

145

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS

ii

Ano XXX - N? 323 - Abril de 1989 Um livro polémico:

"Antes que os Demonios Voltem" por Osear G. • Quevedo S.J.

Em símese: o livro do Pe. Quevedo, já em 1982 retirado do comer cio por conter doutrina contraria ao ensinamento da Igreja, volta a público, professando as mesmas teses. De maneira preconcebida, rejeita a existencia e a atividade do demonio, submetendo a interpretacóes sutis e sumarias os textos da Bfblia e do Magisterio da Igreja que Ihe contradigan). Pode-se dar razio ao autor quando afirma que numerosos casos tidos como "possessao diabólica" na historia do Cristianismo nao eram tais, pois se explicavam por mecanismos parapslcológicos (a maior parte do livro se detém em tentar prová-to). Mas nao se pode acompanhar o Pe. Quevedo quando, saindo do campo da Parapsicología, pretende interpretar os textos bíblicos, a histo ria de Israel e os documentos da Igreja mediante dialética sutil e acrobacia mental ¡nao raro gratuitas) para negar a existencia mesma do demonio. Esta pertence ao patrimonio da fé, como tem declarado a Igreja; nao é objeto de

ciencia experimental; por isto deve ser respeitada como parte integrante da mensagem revelada.

Também nao se pode fazer de Jesús um "palhaco" que fingisse estar aplicando exorcismos somente para se acomodar á mentalidade dos seus contemporáneos; Jesús veio nao para confirmar crendices ou erros, mas pre cisamente para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18,37).

SSo estas algumas observaedes que levam a dizer que o livro do Pe.

Quevedo nSo representa o pensamento da Igreja. *

*

146

*

"ANTES QUE OS DEMONIOS VOLTEM'

O livro em foco1 já foi publicado em 1982, mas retirado do comercio

pelos Superiores da Companhia de Jesús por conter idéias contrarias aos en-

sinamentos da Igreja. Voltou a público no inicio de 1989, professando as mesmas teses da edicáo anterior (ver a nota redigida pelo próprio autor á

p. 8). Tem em vista ensinar que nem o demonio nem as atividades do de monio sao realidades; tratar-se-ia de concepcoes míticas e supersticiosas que

de fora entraram ñas páginas do Antigo e do Novo Testamento e permaneceram na Tradipao crista até os últimos tempos. O autor disserta longa e minuciosamente sobre o assunto, tencionando abordar exaustivamente to dos os seus aspectos.

A obra, escrita em estilo polémico e por vezes irónico, sugere varias observacoes; poder-se-ia escrever outro livro para esclarecer os.seus pontos nevrálgicos. Ñas páginas seguintes, limitar-nos-emos aos tópicos centráis do

volume.

1. O conteúdo do livro A obra compreende duas Partes: a primeira apresenta os argumentos da ciencia relativos ao demonio (á luz da fé, pp. 51-254); a segunda aborda os argumentos da fé (á luz da ciencia, pp. 254-532).

Na primeira Parte, o autor explica pela Parapsicología fenómenos ex traordinarios (levitapao, aporte, psicofonia, tiptologia, telecinesia, sansonismo, hierognose...) atribuidos a acao do demonio. Assim pretende demons trar que é falso crer na ¡ntervencao do Maligno em tais casos.

Na segunda Parte, examina as razoes bíblicas e teológicas geralmente aduzidas em favor da existencia e da atividade do Diabo neste mundo.

Quanto á primeira Parte, nada diremos. Se a ciencia é suficiente para explicar plenamente os fenómenos extraordinarios que ocorrem no mundo, nao há que procurar explicacoes no além. Apenas resta saber se de fato as

elucidacoes trazidas pelo Pe. Quevedo sao cabais e satisfatórias; o autor faz da Parapsicología uma chave que abre e explica os misterios do ser humano. Por certo nem todos os parapsicólogos concordam com as posicoes de Que vedo; estas sao, por vezes, muito pessoais (especialmente quando se refere a precognicao, admitindo que possamos conhecer, com a antecedencia de duas geracóes, acontecimentos futuros; cf p. 507). Ademáis a Parapsicolo

gía aínda é uma ciencia principiante, cujas premissas e conclusoes sao, por

1 ÓSCAR G.-QUEVEDO, S.J.. Antes que os demonios voltem. - Edades

Loyola, Sao Paulo 1989, 140x210 mm, 547 pp. 147

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

vezes, discutfveis; a filosofía de cada parapsicólogo ¡nflui ñas suas afirmacoes e ¡nterpretacoes.

"A segunda Parte do lívro, abordando temas de fé, merecerá, da nossa parte, atencao mais detída.

1.1. A tese do autor No Prólogo do livro (p. 7) o autor declara:

"Em todo este livro eswdarei a atividade no nosso mundo que durante tantos sáculos vem-se atribuindo aos demonios. A atividade. Nao viso dirétamente a existencia. A atividade atribuida aos demonios, pretendo estudá-la de todos os pontos de vista. Doutrinal c experimental. Do ponto de vis

ta filosófico-teológico e do ponto de vista psicológico-parapsicológico. Teo

ría e ciencia.

É principalmente pela sua atividade que interessa o estudo da existen

cia dos demonios. Grande parte dos argumentos em defesa da existencia do demonio se reduz ás atividades que se tém atribuido aos demonios". Ora, negando ao demonio qualquer atividade neste mundo, o autor nega a existencia dos mesmos. E nao só indiretamente; também direta e explí citamente (p. 354), pois reduz a figura do Maligno á das entidades mitoló gicas da MesopotSmia, da Pérsia, da Grecia e de Roma (cf. pp. 273s. 277. 294). Por conseguinte, seria necessário eliminar das conceppoes do Cristia nismo a figura de Satanás e dos anjos maus (o autor rejeita até a existencia

dos anjos bons; cf. pp. 346s); assim se teria urna espirítualidade mais pura (p. 532).

Vejamos como se conduz o autor frente aos textos que contrariam suas sentencas.

1.Z Uso de textos da Biblia

O Pe. Quevedo só pode afirmar sua tese esvaziando as numerosas passagens bíblicas que afirmam a existencia e a atividade dos anjos maus de maneira muito evidente e significativa. O autor procede de modo apriorista ou com as suas conclusoes já definidas; ás vezes generaliza sumariamente...

Para apoiar seu pensamento, cita escritores que compactilham suas idéias; em alguns casos cita também os que Ihe contradizem, mas para rejeitá-los peremptoriamente. 148

"ANTES QUE OS DEMONIOS VOLTEM'

a) Sirvam de espécimen os dizeres das pp. 337s, onde Iemos a propósi to de Jo 8,44-47; 12,31; Uo 3,8 e da exegese de Kipper e Balducci:

' 'Cristo nao veio a destruir as obras do demonio e a expulsar fora o príncipe deste mundo. Só em sentido metafórico" (o que é gratuitamente ou a priori afirmado).

"Se a exegese de Kipper, Smit, Balducci e tantos outros fosse verdade. Cristo teria sido derrotado plenamente pelos demonios. Pois os 'demonios' haveriam de continuar por sáculos se 'apoderando' dos homens... Houve multas possessoes na época de Cristo, na época apostólica... na época pa trística".

A argumentacao, por mais clamorosa que seja, é falha. Com efeito; se gundo a lógica de tal raciocinio. Cristo também nao teria vencido a morte ou nao teria ressuscitado, pois a morte continua a se "apoderar" de todos os homens até hoje. Na verdade. Cristo veio iniciar um processo de vitória so bre o demonio e a morte, que se vai desdobrando através da historia e só es tará consumado no fim dos séculos. Diz sabiamente o Apostólo:

"Cristo ressuscitou dos monos, primicias dos que adormeceram. Com efeito; visto que a morte veio por um homem, também por um homem vem a ressurreicao dos morios. Pois, assim como todos morrem em Adao, em Cristo todos receberao a vida. Cada um, porém, em sua ordem: como primi cias. Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasiao da sua vinda

(parusia) "(1Cor 15,20-23).

0 periodo entre a primeira e a segunda vinda (parusia} de Cristo é a fa se de desdobramento de um cerne de renovacao lancado por Cristo a térra. 0 Apocalipse (12,1-17) refere-se a esse pen'odo mostrando que a Ascensao de Jesús é a derrota de Satanás; este, sobre a térra, sabe que aínda Ihe resta um pouco de tempo, que ele utiliza com toda a sanha para perder os filhos da Mulher (Igreja).

S. Agostinho dirá que Satanás é como um cao acorrentado, que muito pode ladrar, mas só consegue morder aqueles que se Ihe chegam perto. Vé-se assim como se conciliam a vitória de Cristo sobre o príncipe deste mundo (Jo 12,31) e a continuacao das invectivas do mesmo contra o Reino de Cristo.

b) Outro espécimen de procedimento sumario e superficial é o que ocorre com Sb 2,22-24 ás pp. 293s, onde se lé: 149

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

"O texto - se nao for urna interpolado - alude mais provavelmente ás invejas entre deuses do que ao Paraíso. O autor sagrado - certamente um judeu helenizado de Alexandria - batiza a inveja dos deuses, substítuindo-a pela inveja do Diabo ou de Sata, que já naquela época, nos sáculos II e la.C, ¡nfestava os livros apócrifos e a demonologia popular" fp.294). A propósito observamos: é gratuito dizer que o texto de Sb 2,22-24 nao alude ao Paraíso ou á serpente tentadora de Gn 3,1; ora mediante afir-

macoes gratuitas nao se constrói raciocinio plausível; os bons comentadores e exegetas julgam haver af urna referencia a Gn 3,1. Mais: ainda que o texto

de Sb 2,22-24 fosse, do ponto de vista da crítica literaria, urna ¡nterpolacao, é um texto canónico, que pertence a íntegra da S. Escritura e deve ser respeitado como tal. Por último: é contrario á sadia historiografía dizer que um judeu de Alexandria tenha adotado mitos pagaos, quando precisamente esse judeu - autor do livro da Sabedoria - mostra em Sb 2-5 como os judeus no Egito eram escarnecidos e condenados á morte pelos pagaos por nao adota-

rem o modo de pensar e viver dos helenistas.

c} A historia da tentacao e do pecado de Adao e Eva nao teria mais va lor do que a lenda paga da qual se teria originado; "deuses derrotados na guerra dos deuses" estariam subjacentes á figura dos anjos tentadores e, es pecialmente, do tentador de Gn 3 (cf. p. 456). - A respeito deve-se dizer que a elevacao dos primeiros homens á justiga ou graga original e a queda respectiva sao artigo de fé, que nao pode ser volatilizado como se se tratasse de urna lenda paga assumida pela Escritura Sagrada. Quanto ao anjo tenta dor em Gn 3, é mais urna vez gratuito dizer que se trata de um plagio da literatura paga, pois Gn 3 é documento ¡avista do século IX a.C, época em que os judeus compilaram suas genuínas tradicoes religiosas sob o reinado de Salomao, muito ciosos da sua fé monoteísta.

d) O Pe. Quevedo admite que Jesús, ao falar de possessao diabólica e ao praticar exorcismos, "empregava a terminologia da época. Nao é lícito

deduzir destas passagens evangélicas que Cristo está afirmando a expulsao de demonios e conseqüentemente a existencia da possessao" (p. 411). — Je sús, portante, ao usar a linguagem "errónea" dos homens de seu tempo, terá

feito urna palhacada, fingindo que havia demonio quando nao o havia; além disto, em vez de esclarecer e dissipar erros, terá confirmado os judeus e os cristaos numa "falsa crenga", que se terá transmitido até nossos dias. Ora es tes papéis ná*o condizem com a missao que Jesús atribuiu a Si mesmo: "Ñasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade" (Jo 18,37). Notemos outrossim o seguinte: diante da falsa crenga judaica que atribuia todo sofrimento a um pecado anterior do individuo, ou da sua familia, Jesús nao hesi150

"ANTES QUE OS DEMONIOS VOLTEM' tou em desfazer o erro; tal foi o'que se deu em presenpa do cegó de nascenca (cf. Jo 9,1-3). Donde se vé que Jesús nao quis confirmar erros. 1.3. O uso de textos do Magisterio

O autor passa em revista as declaracoes da Igreja que no decorrer dos sáculos versaram sobre a existencia e a atividade dos demonios. Sobressaem a definipao do Concilio do Latrao IV em 1215, repetida pelo Concilio do

Vaticano I (1870), as afirmapoes do Concilio do Vaticano II (1962-65) em Gaudium et Spes n? 2 e 13; Lumen Gentium n? 48, Ad Gentes n? 3 e 9; Sacrosanctum Concilium n? 6. Vém ao caso também a alocupao de Paulo VI aos 15/11/1972 bem como um estudo redigido por um perito da Congre gado para a Doutrina da Fé, que, dotado de caráter oficioso, reafirma a clássica demonologia na base de textos, testemunhos e argumentos criteriosámente analisados justamente para responder aos que negam a existencia do

demonio.'

É surpreendente ver como o Pe. Quevedo desenvolve sutil dialética

para tentar descartar a autoridade de tais documentos; joga com palavras, atira autor contra autor, documento contra documento (sem ponderar a eredibilidade dos textos com que ele lida). Afinal de coritas, a existencia do de monio pode nao ser (nem precisa de ser) objeto de experiencia sensível, mas a Escritura, a Tradipáo e o Magisterio da Igreja a consideram objeto de fé. E ¡sto basta para um cristáo fiel. Crer na existencia do demonio nao implica crer que cá, lá ou acola na historia tenha havido intervenpao do Maligno. O

magisterio da Igreja, assistido pelo Espirito Santo, tem autoridade para transmitir auténticamente o patrimonio da fé; fale ordinaria ou extraordina riamente, é sempre referencial obrigatório para um fiel católico quando se trata de artigos de fé e de proposicoes de Moral.

É lamentável contemplar a maneira auto-suficiente como o Pe. Queve do aborda e "define" nao só assuntos de Parapsicología, mas também te

mas de fé; dir-se-ia que o autor sabe mais e melhor do que os auténticos órgaos transmissores das verdades da fé. Recorrendo a sofismas (p. 490) e a

"petipoes de principio" (p. 507, petipoes que ele censura quando julga que sao cometidas por outros autores), o Pe. Quevedo se apresenta como o Mestre dos mestres. Parece que, no caso, até a Teología está subordinada á Para psicología, segundo o autor: "A Teología nao pode dizer a última palavra so

bre demonologia" (p. 510). Note-se que Quevedo é, por vezes, impreciso e caricaturante ao descrever a posipáo dos adversarios, que ele assim mais fácil mente rejeita (cf. p. 49).

1 Ver a bibliografía citada no fim deste artigo 1 p. 156. 151

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

1.4. Desvíos teológicos

Ao defender sua tese contra os "demonófilos"1, o autor também inci de em serios erros teológicos:

1) A fim de negar a possibilidade de que os anjos pecassem logo rfepoJs de criados, afirma que "estavam contemplando a face de Deus e, portanto, ¡rresistivelmente atrafdos pelo Sumo Bem" (p. 277). Ora isto é falso; nenhuma criatura foi agraciada com a visao de Deus face-a-face sem o seu consen-

timento ou sem haver comprovado o seu amor a Deus superando urna prova inicial. - Daí nao se poder dizer que os anjos, antes de pecar, contemplavam a Deus face-a-face.

2) 0 autor nega a distincao de corpo e alma (cf. pp. 299; 510). - Pois bem; a distincao de corpo e alma ou de materia e espirito no homem é exi gida por argumentos filosóficos (que abstraem da fé) como também foi recentemente reafirmada pelo Magisterio da Igreja em vista do "monismo" de certas correntes contemporáneas. Veja-se a Instrupao sobre alguns pontos concernentes a Escatologia, promulgada pela Congrcgacao para a Doutrina da Fé aos 17 de maio de 1979: "A Igreja afirma a sobrevivencia e a subsistencia, depois da morte, de um elemento espiritual, dotado de consciéncia e de vontade, de tal modo que o 'eu humano' subsista, embora entrementes careca do complemento do seu corpo. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra 'alma', consagrada pelo uso que déla fazem a Sagrada Escritura e a Tradicao. Sem ignorar que este termo é tomado na Biblia em diversos significados, Ela jul-

ga, nao obstante, que nao existe qualquer razao seria para o rejeitar e con

sidera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para sustera fé dos crístaos...

A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa

manifestacao de Nosso Senhor Jesús Cristo, que Ela considera como distinta e diferida em relacao áquela condicao própria do homem imediatamente de pois da morte.

Tratase de ironía, arma que o autor emprega com certa freqüéncia. Os que

defendem a existencia do demonio, nao o fazem por philía famizade, em grego) ao Maligno, mas exclusivamente por um dever de consciéncia ou por fidelidade á Palavra de Deus tal como nos é entregue pelo Magisterio da Igre ja assistido pelo Espirito Santo (cf. Jo 14.26; 16,13-15). 152

"ANTES QUE OS DEMONIOS VOLTEM" A Igreja, ao expor a sua dóutrina sobré a sorte do homem após a morte, excluí qualquer explicacio que tírasse o sentido á AssuncSo de Nossa Senhora naquilo que ela tem de único, ouseja, o fato de ser a glorif¡cacao cor poral da Virgem Santfssima urna antecipacao da glorif¡cacao que está desti nada a todos os outros eleitos".

Como se vé, a Igreja faz questao de sublinhar a distinguió de corpo e al ma precisamente diante das teorías que hoje em dia a negam.'

3) O Pe. Quevedo assevera que os sacramentáis (béncaos, preces so bre os objetos de uso do homem...) sao "ritos influenciados pela magia" (p. 415). - Isto significa que a Igreja pratica - e ensina - magia, justa mente o contrario daquilo que Jesús pregou. Teria sido necessário que Deus enviasse ao mundo o Pe. Osear Quevedo para esclarecer a Igreja...! 4) "Na mitología greco-romana, havia urna multidao de deuses que lutavam entre si. Os judeus os converteram em anjos" (p. 276). — Como já no tamos, é falho dizer que a mitología greco-romana tenha influenciado o judaismo. Precisamente os judeus se distinguiam dos povos helenistas entre os quais viviam, por sua intransigencia doutrinária e seus costumes próprios; tenham-se em vista os quatro livros dos Macabeus e Sabedoria 2-5, que descrevem a reacao dos judeus contra as tentativas pagas de helenizar o judais mo.

5) "O argumento de Sto. Tomás... supoe que Deus está obrigado a fazer o mundo o melhor possível e completo" {p. 503). — "O melhor mun do possfvel" nao pode existir, pois, sendo o mundo constituido de criatu ra finitas, estas serao sempre suscetfveis de maior perfeicao, de modo que sempre se poderá imaginar um mundo mais perfeito, sem jamáis se atingir o mundo mais perfeito possível (no superlativo); toda criatura é limitada mente (e nunca ilimitadamente) perfeita. - S. Tomás de Aquino (t 1274) nao incidiu no erro de imaginar o melhor mundo possível (do qual'fariam

parte os anjos); foi o filósofo Leibnitz (t 1716) quem usou e celebrizou tal infeliz expressao.

6) Á p. 510 lemos: "Os espfritos dos mortos (esta classe de demonios) nao podem agir sobre as coisas materiais senáo através do organismo vivo

dos homens". — Queremos crer tenha havido grave d¡stracá*o da parte do Pe. Quevedo, quando identificou "espfritos dos mortos" e "classe de demonios".

1 O texto da Instrucao da Congregacao para a Doutrína da Fé foi publicado com breves comentarios pela Ed. Lumen Christi (C.p. 2666, 20001 Rio —

RJ) sob o título "Palavra do Papa" n? 2. 153

10

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

pois nem o Cristianismo nem o Espiritismo nem as religióes afro-brasileiras os

identíficam entre si. Os demonios, na revelacáo crista, nao sao "espíritos dos

mortos", nao sao almas de seres humanos falecidos.

Muitas observacoes aínda se poderiam fazer ao livro do Pe. Quevedo.

É de crer, porém, que os principáis traeos pertinentes á fé ¡á tenham sido

apontados.

Passemos agora a urna

2. Ponderacáo final

1. O Pe. Quevedo assevera que "a Teología nao pode dizer a última

palavra sobre demonologia" (p. 510). - Julgamos precisamente que se dá o inverso: a Parapsicología é que nao pode dizer a última palavra sobre os de

monios.

E por qué?

Porque a Parapsicología, na medida em que é ciencia, tem por objeto

fenómenos cujas causas ela, como toda ciencia, procura investigar. Ora é perfeitamente lícito aos parapsicólogos examinar os fatos portentosos tradicionalmente atribuidos ao Maligno, no intuito de averiguar se nao há urna explicacao natural e satisfatória para tais fenómenos; caso a descubram, os pa rapsicólogos tém todo o direito de dizer que em tais casos nao há atividade diabólica, mas psicofonia, aporte, telecinesia... E os teólogos só Ihes poderlo ser gratos por tal desempenho (desde que seja objetivo e honesto).

Pois bem. O livro do Pe. Quevedo, na sua maior parte, analisa fenóme nos da historia crista atribuidos ao demonio e diz que nao sao de origem dia bólica. Só Ihe podemos ser gratos na medida em que o autor acerta como parapsicólogo.

2. Acontece, porém, que o Pe. Quevedo vai mais longe e se empenha — ora velada, ora abertamente — por querer mostrar que o próprio demonio nffo existe. Já entao exorbita do papel de parapsicólogo, e mistura as func8es, porque entra no campo da exegese bíblica, no da historia do povo de Israel, no da hermenéutica dos documentos dos Concflios, dos Papas, dos teólogos, etc. Devemos ter presente que a temática "demonio e atividade do

demonio" nlo é apenas do dominio da pesquisa científica, mas pertence ao ámbito da mensagem da fé. Nao se pode prescindir daquilo que a Revelacao

ensina quando se aborda a demonologia. De modo especial, a S. Escritura

ná"o pode ser auténticamente interpretada se nao no contexto da respectiva 154

"ANTES QUE OS DEMONIOS VOLTEM"

11

Tradicao oral e do Magisterio da Igreja, como ensina a Constituigao Dei Ver-

bum; por isto nao é lícito (nem é sabio) a um estudioso que se diga católico,

considerar um texto bíblico e defini-lo como versao judaica de urna crenca paga, sem levar em conta o que sempre se disse e ainda se diz na Igreja. . 3. Ora ¡nevagelmente a Escritura e toda a Tradigao, proclamadas pelo Magisterio da Igreja, ensinam a existencia de anjos ou criaturas espirituais,

sem corpo; destas, urna parte pecou por soberba;1 a tais anjos decaídos ou demonios, Deus, em sua providencia, concede que tentem os homens para Ihes acrisolar a virtude e servir ao plano salvífico do Criador. Esses anjos pe

cadores nao constituem um Poder Mau oposto maniqueisticamente ao Po der Bom de Deus; também nao vém a ser um anti-Deus, mas sao meras cria

turas do único Deus. Também nao sao diabinhos com chifres e tridentes, co mo a fantasía popular os concebeu. A Teología recomenda sobriedade ao se ¡maginorem tais anjos ou os demonios. Se alguém quisesse eliminar dos escritos do Novo Testamento a reali-

dade dos anjos bons e maus, suprimiría um paño de fundo que está subjacente a obra de Jesús Cristo tal como é abordada pelos autores sagrados, dos quaís transcrevemos alguns textos:

"Urna vez que os filhos tém em comum carne e sangue. Ele também

participou da mesma condicao, a fim de destruir pela morte o dominador da morte, isto é, o Diabo" (Hb 2,4).

Diz o Senhor: "É agora o jutgamento deste mundo; agora o principe deste mundo será ¡aneado fora" {Jo 12,31).

"0 príncipe do mundo vem; contra mim ele nada pode" (Jo 14,30). "Simio, Simá'o. eis que Satanás pediu insistentemente para vos penet

rar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé nao desfateca" (Le 22.31s).

4. Nao é necessário, porém, que o cristao se preocupe com o demo

nio, como ¡ndevídamente fazem tantos. A espirituaüdade permanece nítida mente cristocéntrica, mesmo que os fiéis acreditem na existencia do Malig

no. S. Agostínho diz oportunamente que ele é um cao amarrado, que pode ladrar, mas só morde a quem se Ihe chegue perto. Quem procura viver nao

diabólicamente, nao é vítima do diabo.

1 Nada mais podemos dizer a respeito; a soberba é a raíz do pecado de to do espirito.

155

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989 ' 5.' Quanto a possessao, seria um estado em que o Maligno se apodera

das faculdades do ser humano e, mediante estas, realiza facanhas espantosas e blasfemas. Antigamente os cristaos eram mais propensos a admitir a ocorrdncia de tais casos;

hoje verificam que nem tudo o que é espantoso e blas

femo, ultrapassa as capacidades da pessoa humana. Todavia nao se deveria

negar a possessao diabólica a ponto de dizer que Jesús fingiu estar tratando

com possessos quando nao eram tais; esta "palhacada" nao seria digna de Jesús, como já notamos. Por isto faz-se mister respeitar os textos do Evange-

Iho que nítidamente apresentam Jesús como exorcista. Fora disto, o diag nóstico de casos concretos compete á ciencia, de mSos dadas com a Teolo gía, pois até hoje a Igreja admite oficialmente a possibilidade de ocorrer pos sessao diabólica.

Sao estas algumas ponderacoes decorrentes de uma leitura do livro do Pe. Quevedo. Alias, quando saiu em primeira edicao, já foi tido como avesso ao pensamiento da Igreja e retirado do comercio... Se atualmente volta a pú blico professando as mesmas teses, como nSo se deverá proferir sobre ele a mesma avaliacSo? A propósito ver:

Anjos e Demonios na Biblia. Revista de Cultura Bíblica n? 17-18 Ed. Loyola - LEB, SSo Paulo 1981. 145 x 210 mm, 169 pp. PR 265/1982. pp. 459-470 ¡sfntese do volume ácima).

PR 191/1975, pp. 490-499 (sfntese do documento elaborado por um perito em nome da Congregacao para a Doutrina da Fé). PR 173/74, pp. 195-205 (livro "O Exorcista" e comentarios). PR 174/74. pp. 246-257 (possessao diabólica: que é?)

PR 174/74. pp. 358-367 (os porcos de Gerasa; Me 5.1-20). PR 177/74. pp. 337-347 (o filme "Madre Joana dos Anjos").

CURSOS POR CORRESPONDENCIA Sagrada Escritura, Iniciacao Teológica, Teología Historia da Igreja, Liturgia, Diálogo Ecuménico. lnformacoes:Caixa Postal 1362 - 20001 Rio (RJ) 156

Moral,

Historia provocadora:

"Do Santo Oficio á Libertacáo" por Ismar de Oliveira Soares

Em síntese: O jomalista Ismar de Oliveira Soares descreve a historia da comunicacao na Igreja como se esta se tivesse interessado pela distincao "maniquéia" entre o bem e o mal desde os seus primordios até a década de 1960. Nesta época alguns católicos radicáis, impregnados de concepcdes

sociológicas e políticas, terao provocado urna mudanca na atitude da Igreja: em vez de se preocupar tanto com a fé e a Moral, fizeram que a comunica-

cao eclesial se voltasse mais para os direitos humanos e a libertacáo concebi da por Leonardo Boff e seus seguidores. A pregacao da fé e da Moral parece a Oliveira Soares associada á cobica do poder e do dominio. As novas formas de comunicacao seriam dialogantes, de tal modo que "comunicar é ser o outro de certo modo, numa conjugacao que nao é confusao. Daf que o comunicador ¡solado e desligado é massificador" (p. 379).

Na verdade, esta nova atitude nao é oficial nem no episcopado brasileiro nem na Igreja universal, mas caracteriza a corrente da Teología da Líbertacao extremada ou inspirada pelo marxismo; Paulo Freiré, que sería um dos seus mentores, apregoa o apagamento da distincao entre docente e discente, apagamento que é desastroso no plano da escola humana e muito mais ainda

no plano da fé. A pregacao (comunicacao) oficial da Igreja é a transmissio da Palavra de Deus, que nunca poderá ser comparada á de um homem posto á procura da verdade com seus interlocutores ou pupilos; é um dever sagrado

que nada tem a ver com procura de dominio.

*

*

*

Ismar de Oliveira Soares é Licenciado em Historia, Bacharel em Jomalismo, Mestre e Doutor em Ciencias da Comunicacao pela USP. Trabalha atualmente na Escola de ComunicapSes e Artes da mesma USP. A su a tese de doutoramento foi publicada pelas Edicoes Paulinas com o título "Do

Santo Oficio á Libertacáo" em 1988 e largamente espalhada, tendo em vista que a Campanha da Fraternidade em 1989 devia versar sobre o tema "Co municacao". 157

J4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989 O título chama a atencao pelos seus dizeres... A obra - sem dúvida,

erudita — pretende mostrar que a Igreja mudou de atitude no uso dos meios de común ¡cacao social: ciosa da prese rvacao da verdade e do bem (na época do

Santo Oficio ou da Congregacao tutelar do patrimonio da fé), ter-se-á torna do mensageira do diálogo que procura..., e da libertacao sócio-economica... A leitura do livro suscita observacoes, que serao abaixo propostas.

1. A historia das comunicacóes na Igreja O autor distingue tres Partes em sua obra historiográfica: I) A Igreja Universal (o Vaticano) e a Común ¡cacao Social (pp. 28-139); II) A Igreja Ca tólica no Brasil e a Comunicacao Social (pp. 142-295); III) Urna nova Teoría

Crista da Comunicacao Social (pp. 298-380). Acompanhemos o conteúdo de cada qual destas Partes.

1.1. A Igreja Universal e a Comunicacáo Social

A historia descrita por Oliveira Soares obedece aos esquemas de Leo nardo Boff, Osear Beozzo, Pedro Ribeiro de Oliveira, Clodovis Boff, Freí Betto, Paulo Freiré... pensadores que adotam ideología esquerdista e tudo véem á luz da luta de classes ou da luta pelo poder. Ora a premissa filosófica e esquerdista adotada por Oliveira Soares nao pode deixar de Ihe ¡ncutir um panorama de historia pouco objetivo, mas antes unilateral e distorcido. Oli veira Soares parece nao ter tido contato direto com os documentos e os personagens da historia da Igreja que ele cita; mas dir-se-á que só os conhece "de segunda mSo", ou seja através de historiadores contemporáneos (Enrico Baragli, Albert Labarre, Thales Azevedo, Romeu Dale, Eduardo Hoornaert,

J. Pinto de Oliveira, etc.).1

Na base de suas premissas, Oliveira Soares julga que a Igreja adotava antigamente "a divisao maniqueísta entre o bem e o mal característica da fi losofía medieval". Por isto os Papas e clérigos exerciam "atos coercitivos" em defesa do bem e repudio do mal. O controle aplicado á imprensa era de

1 No contexto de imprecisoes em relacao á historia, aparece o Papa Clemen

te I no ano de 400, quando Clemente I foi do fim do sáculo I. Verp. 31.

Á p. 219 nota 13, o autor cita "D. Martinho Michler hofe abade nul-

lius do Mosteiro de Sao Bento" do Rio de Janeiro, quando desde 1969 D. Martinho Michler já nao é o abade do Mosteiro. Faleceu em 1988.

Á p. 311, nota 26, é mencionado o Pe. Antonio María Veiger, do Cole

gio Sao Bento, do Rio, do qual nada consta no dito Colegio. Tratase talvez de confusio com Afonso María Weiger, beneditino que foi Chefe da Secreta ria do Colegio Sao Bento.

158

"DO SANTO OFICIO Á LIBERTAQÁO"

15

vido ao medo, dos eclesiásticos, de que "seus dominios culturáis poderiam desintegrar-se pela agio da nova tecnología" (p. 37).

Tendo percorrido rápidamente a Idade Media, o autor detém-Se no movimento protestante do sáculo XVI. As contestacoes dos Reformadores provocaram mais severa censura de livros assim como a instituicao do índex de Livros Proibidos, extinto em 1966 pelo Papa Paulo VI. O autor percorre a historia dos sáculos seguintes, analisando os sucessivos documentos da Igreja até 1971 (Instrucao Pastoral Communito et Progressio) através do prisma de luta pelo poder; no fundo dos pronunciamentos eclesiásticos estariam ¡nteresses económicos e políticos revestidos de proposicoes de fé ede Moral.

Quanto ao novo Código de Direito Canónico (1983), o autor verifica que mantém prescricoes destinadas a preservar a reta fé e os bons costumes no uso da imprensa, do radio e da televisao (Título IV, Livro III, além dos cánones 666 e 1063). Também confirma a prática da censura previa de livros referentes á fé e á Moral (cánones 823-830). Estes dados sá*o criticados pelo jornalista Oliveira Soares nos seguintes termos: "O novo Código mantém a visao instrumentalista que caracteriza o discurso católico', lembrando a secular posicao de defesa da Igreja" (p. 121). Dito isto, o autor passa á consideracao da historia da Comunicacao na Igreja do Brasil. 1.2. A Igreja no Brasil e a Comunicacao Social

Oliveira Soares distingue duas partes neste segmento de historia: 1) do século XVI ao século XVIII, a Comunicacao a servipo do dominio senhorial

ou colonial (pp. 142-160); 2) do século XIX a 1960 aproximadamente, a Comunicacao Social a servipo da romanizapao da Igreja (pp. 161-295).

1.21. A servico do dominio colonial O esquema esquerdista vé a Igreja do pen'odo colonial como manco munada com o poder portugués dominador: "O discurso normativo da Igreja Católica Romana sobre a Comunicacao Social, produzido entre os séculos XV e XVIII, serviu de suporte ao pro jeto de dominacao portuguesa sobre os habitantes da colonia, bem como de

justificativa para que fosse mantida a coesao do pacto social que garantía aos senhores da térra a hegemonía sobre toda a sociedade brasileira, da colonia

aos inicios do Imperio" (p. 760). 15»

J6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

Seguindo principalmente o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveíra, o au tor vé na apio evangelizadora dos missionários católicos a expressao da manipulacao exercida pela Coroa de Portugal sobre a Igreja. Quando os padres da Companhia de Jesús quiseram mostrar-se independentes, tutelando os indios e escravos negros <> revé lia dos interesses dos colonizadores, Portugal ter-se-á servido do Tribunal da Inquisicao e de me didas drásticas para expulsar os jesuítas do Brasil em 1759 e coibir a acao de clérigos insubordinados: "Muitos padres do clero secular figuravam entre os inimigos da Metrópole enquanto simpatizantes ou associados aos movimentos dos inconfidentes" (p. 160).

1.2.2. AServico da Román izapáo

O século XIX foi um período de profundas transformacoes sócio-polí-

tico-económicas no Brasil. É em fungáo destas que os autores de esquerda léem a historia da Igreja.

A mudanca do regí me de colonia para o de Estado Imperial indepen-

dente em 1822 terá permitido a Igreja no Brasil um contato mais direto com Roma e suas diretrizes, de modo que se deu a "románizacao" da Igreja no

Brasil;1 o Concilio de Trento (1545-1563) comecou a ser aplicado, embora sob a Le i do Padroado, que conferia ao Imperador grandes poderes sobre a Igreja. A imprensa deixou de ser controlada pelos interesses económicos de Portugal, adquirindo maior liberdade de expansao sob a orientacao dos do

cumentos de Roma (Santa Sé). A Igreja pós-se entao a criar sua imprensa ca tólica regida pelas normas da catequese, da apologética e da Moral católicas: os Bispos, presbíteros e leigos difundiam a mensagem crista, impugnando as idéias liberáis, protestantes e masónicas que a ameapavam; procuravam assim criar e prestigiar a boa imprensa contra a má imprensa; nesse afa chegaram mesmo a pensar na fundacáo de um jornal diario católico. Na impossibi-

lidade de o criar, passaram a editar revistas, boletins e livros portadores do pensamento católico; estes impressos encontraram resistencia da parte de correntes nao católicas, mas tiveram sua época florescente na primeira metade do século XX, quando viviam D. Sebastiao Leme, Cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, e os intelectuais Jackson de Figueiredo, Alceu Amoroso Li ma, Hamilton Nogueira...

1 Oliveira Soares fala da "Igre/'a romanizada e europeizada, bem ao gosto da

época" (p. 219).

160

"DO SANTO OFfCIO Á LIBERTACAO"

17

1.3. Nova doutrina, alternativa á do Vaticano

Na década de 1960, alguns católicos ditos "radicáis" quiseram dar ru mo diferente á imprensa católica: em vez de a fazer órgao de catequese e apología da fé, procuraram dar-lhe um cunho polftico e social mais nítido,

cnegando a criticar a hierarquia da Igreja por causa dos interesses "demasia

do religiosos" da mesma ou por causa do seu "catolicismo interiorizado" (p. 219, nota 13).'

Entrou entao a secularizacao nos servigos de Comunicagao da Igreja, principalmente a partir de 1964, ano da Revolucao; opondo-se ao Governo

militar, muitos clérigos e leigos passaram a considerar quase exclusivamente

a questaodos "direitos humanos" esuas conseqüéncias políticas. As Editoras católicas "Vozes, Paulinas, Loyola" e outras assumiram a publicacao de nu merosas obras de um Catolicismo político dessacralizado, que muito destoa-

vam do teor de publicacSes anteriores. A Teología da LibertacSo, elaborada no Brasil por Freí Leonardo Boff e seu irmáo Clodovis, tornou-se fonte irspiradora de toda urna movimentaglo de jornalistas e comunicadores, que se

foram encontrando em Congressos, Seminarios, Jornadas de Estudos, a fim de tragar os novos rumos da comunicagao católica "libertadora"; desencadearam "a luta pela libertagao, para a qual convergem um tipo de Teología - a Teología da Libertagao - e um tipo de Comunicagao - a Comunicagao Libertadora" (p. 373). As notas dessa comunicagao libertadora sao nortea das também pelo método pedagógico de Paulo Freiré tendente ao total nivelamento entre os interlocutores (apagando-se a figura do mestre ou do

docente):

"A comunicacao humana é um fenómeno esencialmente dialogal... Isso implica a troca de experiencias entre os envolvidos no processo de producao e recepcao de sentido entre as pessoas, superando a mera informacao de dados...

Onde só urna pessoa domina o conteúdo, o código, o meio, nao há interacao e nao há liberdade; por isso nao há comunicacao. Oeste modo acon tece um processo verticalista e opressor de comunicacao. Enquanto que, num processo real de comunicacao, os interesses devem ser comuns e a bus ca de sentido de ve ser comunitaria.

"Catolicismo interiorizado" é expressao pejorativa para designar o Catoli cismo voltado para o culto de Deus e a oracSo, como se pudesse haver alguma forma de Catolicismo auténtico "nSo interiorizado". - O autor fala tam-

t>ém det"Catollcismo internalizado", como sinónimo de "catolicismo roma nizado" (p. 225), recorrendo assim ao sarcasmo tendencioso ou cegó. 161

_18

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

Comunicar é ser o outro de ceno modo, numa con/'ugacao que nao é confusao. Daí que o comunicador ¡solado e desligado é massificador" (Carta aos Comunicadores, da Equipe de Ref/exao da CNBB, 1984, citada ás do 378s).

Oliveira Soares nao diz que esta nova concepcao de comunicacáo se encontra tal qual nos documentos oficiáis da Santa Sé, mas julga que "nao está em antagonismo como o discurso romano"; seria "o aprofundamento

das aberturas propiciadas pelos documentos oficiáis da Igreja como ínter Mi rifica, Communio et Progressio e os discursos de Paulo VI e Joao Paulo II" (p. 379).

Observa ainda: "Nao se pode assegurar que a comunicacáo dialogal es teja incorporada no discurso oficial da Igreja na América Latina ou na prática da grande maioria dos agentes qualificados (editores, radialistas, jornalistas, comunicadores populares, catequistas" (pp. 379s).

É na base destas ponderacoes que Oliveira Soares intitula seu livro, in

sinuando que a Igreja atualmente se interessa menos pela fé e a Moral, por que abracou as teses da Teología da LibertapSo: "Do Santo Oficio á LibertacSo. O Discurso e a Prática do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil sobre a Comunicacáo Social".

2. Que dizer? Eis algumas reflexoes sugeridas pela leitura do livro. 2.1. O Percurso Histórico

Oliveira Soares estudou atentamente a historia da Igreja e da Comunicacao Social eclesial. Mas fé-lo "de segunda máo", como dito, ou seja, atra-

vés de autores e historiadores contemporáneos pertencentes á correóte ideo lógica de esquerda política. Conseqüentemente a sua explanacao se revela tendenciosa. O próprio O. Soares nao tem a coragem de dizer que os docu mentos oficiáis da Igreja patrocinam a "comunicacao libertadora" de que falam as pp. 378s do livro.

Os arautos dessa nova concepcSo sao clérigos e leigos radicáis (como

diz o próprio autor á p. 291), em parte associados na UCIP (Uniao Católica Internacional de Imprensa) e na ACBC (Associapáo Crista Brasileira de Co municacao Social, constituida por católicos e protestantes). Há bispos que talvez compartilhem este modo de pensar, mas nao se pode atribuir tal ideologia ao episcopado brasileiro como tal e, muito menos, á Igreja oficial. 162

"DO SANTO OFICIO A LIBERTADO"

19

Na verdade, a Igreja recebéu de Cristo'a missfo de pregar o Evangelho a todos os povos e transmitír-lhes as normas de conduta daí decorrentes (cf. Mt 28,18-20). Com outras palavras: Ela tem o mandato de anunciar a verda de religiosa e o bem moral, distinguindo-os do erro doutrinário e do mal mo

ral. Ora a Igreja fez isto desde a sua origem; Ela o faz no presente e terá que o fazer até o fim dos tempos para ser fiel a Cristo. Nao é lícito cair no relati vismo doutrinário ou ético.

Engana-se quem, como O. Soares, julga que a distincao entre o bem e o mal é maniquéia ou dualista e, por isto, condenável. O maniqueísmo pro-

fessa o dualismo no plano ontológico (haveria seres, por si mesmos, maus, e

seres, por sua própria natureza, bons); ora tal dualismo é repudiável e nao cristao; a Igreja nao o aceita. A distinguió crista entre o bem e o mal visa so plano ético ou moral, nao ao plano ontológico; existem, sim, formas de comportamento más ou pecaminosas, como existem modalidades de comportamento boas, da parte de criaturas cuja estrutura ontológica é boa, mas que, dotadas de livre arbitrio, podem cometer abusos deste; querem o bem ilusorio, falso, em vez de querer o bem verdadeiro. O próprio Sao Paulo já dizia: "Que o vosso amor seja sem hipocrisia; detestai o mal e aplicai-vos ao bem" (Rm 12,9); "Nao te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o

bem" (Rm 12,21). Alias, Jesús mesmo afirmou: "Se vos, que sois maus, sa béis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espi rito Santo aos que O pedirem?!" (Le 11,13). A própria Teología da Libertapao nao pretende fazer outra coisa se nao denunciar o mal da injustica e anunciar o bem da transformado social. — Donde se vé que falar de "bem e mal moral" é genuinamente bíblico e obrigatório á Igreja. Verdade é que em épocas passadas as maneiras de pregar o Evangelho

e denunciar o erro (doutrinário ou moral) eram diversas das atuais. A sociedade era unitaria ou de Cristandade, de modo que qualquer desvio dos padroes oficiáis era fácilmente considerado como diabólico ou malicioso; hoje, numa sociedade pluralista, verifica-se que mu ¡tas pessoas podem estar incor-

rendo em erro, de boa fé. Por isto a pregacao da Igreja tende menos á polémi ca, embora deva ser muito clara ao proferir a verdade e o bem, em oposicao ao erro e ao pecado. Os métodos de evangelizar que hoje nao calariam favoravelmente na opiniáo pública, eram tranquilamente aceitos e mesmo oportunos em tem pos pretéritos. Nao se devem aplicar ao passado modalidades da cultura

contemporánea que eram alheias ás geracoes antigás. É á luz desta observacao que se há de considerar a Congregapao Romana do Santo Oficio, desti

nada a preservar e defender a fé e a Moral do Evangelho. Está claro que se Ihe devem reconhecer feitos menos corretos na medida em que os houve, da-

163

£0

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

do que a Igreja, indefectivelmente sustentada por Cristo, tem sua face huma na, sujeita á fragilidade própria da criatura.

De resto, a historia da Igreja no Brasil, escrita em chave ideológica por CEHILA (Centro de Estudos da Historia da Igreja Latino-Americana), tem sido elaborada de maneira objetiva e científica por. Arlindo Rubert; vejam-se os tres volumes intitulados "A Igreja no Brasil", Editora Pallotti, Santa

María (RS). Devem-se registrar também as observacoes de Joao Evangelista Martins Térra a historiografía ideológica na sua obra "O Negro e a Igreja" (Ed. Loyola 1984).

2.2. Libertacao

A libertacao como a entendem os teólogos que Oliveira Soares segué, é mais do que a extincao de injusticas sociais; implica uma ideología que subverte o clássico modo de pensar cristáo. Com efeito; relatíviza a verdade pa ra privilegiar a acao ou subordina a verdade (ortodoxia) á ortopraxis. Uma proposicao só seria verídica na medida em que tivesse forpa transformadora da sociedade.

Ora a Igreja nunca poderá aceitar tal conceito de libertacao, visto que a verdade é independen te das suas conotacoes sócio-políticas ou revolucio

narias. É a verdade que ilumina a praxis ou a atividade do homem, e nao vice-versa.

Ademáis a comunicagao libertadora proposta por Oliveira Soares e sua corrente é nítidamente tendenciosa: atenuando (ou extinguindo) a posicao

do docente, dissemina a incerteza ou inseguranpa. Diante deste fato, observamos: é necessário que o discente saiba que tem a seu lado alguém de mío segura para o guiar, nao de modo tiránico nem explorador, mas com a firmeza que a verdade suscita. A S. Escritura utiliza o símbolo da rocha para

designar a verdade (cf. SI 61,6-8; 60,3); assim como no deserto o antigo vi andante se regozijava por encontrar uma rocha na qual teria defesa e abrigo contra os inimigos, assim o judeu fiel se sentia feliz por saber que Deus é a

verdade firme e inabalável. Ora tal alegria deve ser propiciada por quem sabe mais a quem sabe menos. Este procedimento nao excluí o diálogo enter do cente e discente; o diálogo, alias, é indispensável para facilitar a aprendizagem. - Principalmente ao se tratar da mensagem da fé, nao é lícito ao comunicador dissimular a certeza das verdades reveladas por Deus; falando clara mente, ele nao se faz "dono da verdade", mas servidor fiel da mesma. Por te to é falso dizer, como faz O Soares (p. 385), que, quando a autoridade da

Igreja transmite a doutrina da fé, está defendendo ou sustentando o seu po der. A Igreja nao é uma faccao política na qual o chefe "fala grosso" para se 164

"DO SANTO OFICIO A LIBERTAQAO" firmar no poder, mas é um Sacramento no'qual Cristo continua a ensinar o Evangelho por meio dos seus legítimos pastores. Alias, O. Soares reconhece que a mudanca ocorrida na Igreja do'Brasil frente aos meios de comunicacao social na década de 1960 se deve a "alguns poucos intelectual cuja área de preocupacao se situava na sociología, na política, na teoría da comunicacáo ou na teología da líbertacao" (p. 287) - o que bem mostra que os criterios de mudanca já nao eram estritamente os da fé, mas, sim, os das ciencias hu manas.

A extincao do índex dos Livros Proibidos em 1966 nao quer dizer que

a Igreja nao mais distinga livros ortodoxos e livros heterodoxos, mas signifi ca que as autoridades eclesiásticas entregam á consciéncía de cada fiel cató

lico o julgamento sobre a conveniencia ou nao de ler tal ou tal livro. Supoem-se consciéncias adultas e maduras, capazes de ter um discernimento adequado.

Eis as ponderacoes que o livro de I. de Oliveira Soares nos sugere. — Do ponto de vista historiográfico, é parcial ou unilateral, como todo discur so ideológico. Do ponto de vista doutrinário, também é falho, pois pretende falar da Igreja sem ter nítida nocá*o do que seja a Igreja; entre outras coisas, confunde segmentos da Igreja e Igreja oficial. Sem dúvida, fornece informacoes minuciosas e interessantes dentro de urna trama geral altamente tenden

ciosa e deformante.

(continuado da p. 192)

fim do sáculo I. O trabalho é interessante e erudito, mas nao pode deixar de recorrer a numerosas teorías e hipó teses, ora mais, ou menos, ora nad? veros-

siméis. Admite, por exemplo, um antagonismo arbitrario entre Sao Paulo

(o homem ardoroso) e SSo Joao (o contemplativo, mas também o ardoroso); aceita a distincao entre Joao Apostólo e Joao presbítero; imagina um secre tario-diácono ¡unto a Joao, chamado Prokhore...

Em suma, o livro pode levar muitos leitores a perceber methor certos traeos da historia da Igreja nascente;sob este aspecto é instrutivo e até mesmo fascinante em algumas de suas páginas. Mas há de ser lido com espirito crítico para se poderem distinguir as hipóteses (as vezes infundadas) dos fatos apresentados pelo autor.

E.B. 165

UmaConfissao:

"Fui Espiáo!" por Francesco Scalzotto

Em síntese: O tivro de Francesco Scalzotto (pseudónimo) relata as facanhas de espionagem de um italiano, membro da Maconan'a P-2, que na Ar gentina e, principalmente, no Brasil se dedicou á tarefa de fazer "implodir"

a fgrej'a Católica. Infiltrándose em suas fileiras como falso padre e tentando promover a ordenacSo de padres espides segundo o plano IMPLOSÁO,

Scalzotto viveu momentos importantes ao lado do Nuncio Apostólico, de arcebispos, de bispos e presbíteros.

A Loja P-2 tem por objetivos o Poder e o Dinheiro. Ela suborna, a al tos precos, jovens aventureiros, profissionais gananciosos, dos quais a P-2 se

serve para dominar o mundo dos negocios e outros, e destruir a Igre/a Católi ca, única forca moral capaz de Ihe resistir.

Francesco Scalzotto, após dezesseis anos de militáncia subserviente na P-2, enojou-se das suas atividades e conseguiu sair (nao sem represalias). Atualmente vive na Argentina com sua mulher, gozando da riqueza que acumulou. Neimar de Barros foi seu contemporáneo desde 1970 na P-2; fez

papel ambiguo, porque se foi convertendo ao Catolicismo (embora nunca tenha acatado todos os artigos de fé e Moral da fgreja); todavía Neimar teve que servir é P-2 para nao sofrer a própria morte, até o momento em que logrou escapar da Sociedade Secreta.

Scalzotto em 1986-7 escreveu suas memorias no livro "Fui Espiao1.", tencionando completar as noticias que a imprensa publicou a respeito de Neimar de Barros.

Está circulando no Brasil, há pouco mais de um ano, um livro que nao pode deixar de interpelar vivamente a hierarquia e os fiéis católicos. O seu autor usa o pseudónimo de Francesco Scalzotto e apresenta dados autobio gráficos que culminam num longo exercfcio de espionagem praticada na 166

"FUI ESPIAO!"

23

Igreja do Brasil e da Argentina.1 Essa atividade está ligada á Maponaria dita P-2, já conhecida, a outros tftulos, em nosso pafs, e visa á ¡mplosao da Igreja

entre nos e em outras partes do mundo. Á primeira vista, o leitor poderá talvez indagar se se trata de fatos reais ou de narrares ficticias,1 táo surpreendentes sao os seus relatos! Todavía pode-se tranquilamente concluir que merecem crédito, visto que Scalzotto se refere a nomes muito conhecidos de Bispos, sacerdotes e leigos (entre os quais Neimar de Barros, tido como par

ticipante das maquinagoes da Loja P-2); além do que a presenca e atividade

de falsos padres é, de vez em quando, denunciada pelas autoridades compe

tentes.3 O livro parece por a descoberto algo das tramas que estao por baixo

de fatos dolorosos ocorrentes na Igreja do Brasil. Vem a ser assim urna aler ta salutar, a respeito da qual procuraremos informar mais detidamente o pú blico ñas páginas subseqüentes.

1. Queéa Loja P-2? Conforme o autor, a sigla P-2 quer dizer "Poder e Dinheiro" (cf. p.33. 60). Designa urna Sociedade Secreta oriunda na Italia e ramificada ñas "republiquetas da América do Sul" (cf. p. 89), com o intuito de ganhar dinhei ro, ajudar empresarios dominándoos ou obrigando-os a colaborar com a Lo

ja. Seus membros sao civis (políticos, jornalistas, advogados, engenheiros, professores...) e militares camuflados, que obedecem a um poder central e trabalham nos Departamentos da Sociedade, chamados "Secretarias" na América do Sul; quase nao se conhecem mutuamente e, muitas vezes, ignoram os

1 O livrb se intitula "Fui Espiaol Ordenado de falsos padres na Igreja do

Brasil". Ed. Exodus, Caixa postal 17641, 05090 Sao Paulo (SP), 140 x 210 mm.93pp.

2 É ceno que o autor inventa ou exagera quando critica a Igreja Católica; ve

jase, por exemplo, a falsa crónica do contato de Leonardo Boff com a Curia Romana ás pp. 73-77.

3 É, alias, o que se vé no boletim NOTICIAS da CNBB, edicao de 28/01/89

p. 4:

"Alerta Contra Falso Padre: um senhor que se identifica com o nome de Paulo Roberto Miguel, dizendo-se até Bispo de nossa Igreja. Ele tem se apre sentado em alguns Secretariados Regionais da CNBB solicitando troca de cheques ou pedindo indicacao de empresas financeiras que facam essas transacdes. Costuma indicar, mentirosamente, relacionamento com pessoas da Igreja. com instituicdes diocesanas e até mesmo com a Conferencia Nacio nal dos Bispos, para ludibriar. NSo acredite ñas suas informacoes. Seus che ques nao dispdem de cobertura, nem tém validade comercial, que justifique a sua circulacao". 167

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

objetivos supremos da Loja para a qual estao trabaihando; recebem, porém, grandes quantias de dinheiro e outros beneficios materiais, que parecem compensar a subserviéncia a que sá"o reduzidos.

Cada Secretaria tem seus funcionarios, empresarios, verbas, prestacSes de contas, objetivos... independentes. Cada Secretaria se subdivide também em Setoriais ou Departamentos regionais, que acompanham a geografía do Brasil.

Distinguem-se tres tipos de militantes da P-2:

— os informantes, subordinados, que em muitos casos nem sequer sabem que estao prestando informacSes a P-2. "0 informante quer dinheiro, presentes, um prego qualquer para dar um recado, urna informacao ou tirar um xerox quase ¡mpossfvel" (p. 58);

— os agentes colhem ¡nformacóes pagas ou gratuitas, forpadas ou es

pontáneas, e as entregam aos membros de um escalao superior (chamados

"contatos"); estes as levam á cúpula da Sociedade.

0 agente qualificado (agequé) passa diretamente á cúpula os seus in formes;

— os espioes sao elementos da máxima confianca dos chefes; desempenham servicos de alto risco; preparam-se com afinco para ter sucesso nos empreendimentos que Ihes sao ¡mpostos; podem ser poliglotas versate is co mo também arrombadores, atiradores... Cf. p. 58. Embora se fale de Maconaria P-2, nao se tem ai' urna Loja Macónica como as do Grande Oriente e outras clássicas. Maconaria, no caso, indica apenas sociedade secreta, ¡ndependente, porém, da Maconaria propriamente dita; cf. p. 35. Há quem diga que se trata da "Mafia da Maconaria". Vejamos agora:

2. Quem é Francesco Scalzotto? O autor usa pseudónimo, como bem se compreende, visto que ele foi espiao dentro da Igreja e quer narrar algumas de suas facanhas. Cf. pp. 10-12 e86.

O nome Scalzotto é o do sacerdote que levou o autor, com treze anos de idade, para o Seminario, ao passo que Francesco é o apelativo que a im prensa Ihe sugeriu. Cf. p. 12. 168

"FUI ESPIÁO!"

25

A ocasiao para que o autor escrevesse seu livro, foi um cartaz de ban

cas de jomáis, no qual se lia: "Leía em VEJA: Um Espiáo na Igreja"; referia-se ao número 948 de VEJA, posto á venda nos primeiros dias de novembro de 1986; o espiSo, no caso, seria Neimar de Barros. Ora o autor viu tal cartaz... Sabia que tinha muito mais coisas a dizer sobre espionagem dentro da Igreja; daf o seu propósito de redigir algumas de suas memorias, embora em fins de 1986 já estivesse vivendo na Argentina, afastado de suas peripe cias de espionagem. Cf. pp. 6s.

Eis como Francesco descreve o curso de sua vida:

Nasceu em Trento (Italia) no ano de 1930, como fílho de pais católi cos. A mae quería que ele se tornasse sacerdote, ao passo que o pai prefería vé-lo médico. O menino admirava profundamente Chiara Lubích, a funda dora dos Focolarinos, e o missionário xaveriano Luigi Depaoli. A sua inclinapao natural tendia mais para o radio, a guerra, a guerrilha, a aventura, o ris co da espionagem... Aos treze anos foi, por desejo de sua mae, levado para o Seminario,

onde ficou tres anos sem ter vocacao; cf. p. 19. Saiu e formou-se em Medici na, após um curso mal feito, apenas para satisfazer ao pai. Com 26 anos de idade, ou seja, em 1956, entrou para a Maconaria P-2, Sociedade secreta que oferecia a oportunidade de correr riscos e ganhar muito dinheiro. Até 1960 trabalhou como funcionario no Instituto para as Obras de Religiao (I.O.R.), oquase-Banco da Cidade do Vaticano, procuran do servir aos interesses da Maconaria. Em 1960 os chefes da P-2 o mandaram para a Argentina; passara rápidamente da categoría de informante pa ra a de agente e finalmente tornou-se espiáo, encarregado de tarefas de risco. Na Argentina espionou o clero durante dois anos (1960-62) e conheceu sua companheira, com a qual passou a viver.

Em 1962 foi enviado ao Brasil, país onde a Igreja oferecia mais chan ces para a infiítrapao macónica, visto que mais conturbada do que na Argen tina; cf. p. 34. A Loja quería realizar experiencias inéditas no Brasil, inclusi ve a de conseguir a ordenacao sacerdotal de homens sem vocacao e espíoes;

estes tentariam junto aos Bispos fazer ¡mplodir a Igreja.1 provocando desor-

1 Tratava-se de realizar o projeto IMP (ImplosSo): "Assim surgiu o projeto IMP. Projeto IMP seria IMPLOSÁO, alguém den tro, um padre que seria mesmo padre. Como suborno nSo adiantaña muito,

sería preciso formar um padre, fazer um padre. Levar alguém a ordenarse. Quem? Quando? Como? Prímeiro ponto seria ter alguém de muita penetra169

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

dens e escándalos, que desmoralizarlam o Catolicismo. O eventual bom éxito de tais maquinacdes permitirla a reproducao de fagan has em outros pai'ses, até mesmo... na Italia.

"Tudo favorecía para que o Brasil fosse cobaia de um empreñada das mais audaciosas. Bombardear a Igreja de fora para dentro só a fazia passar por vftima, e, além disto, nao trazia dinheiro nenhum; ao contrarío, gastava-se. O ponto crucial era como por alguém dentro dos quadros, investir nisso e depois esse alguém afudar a desmoralizar a Igreja e aínda trazer lucro" fp. 33).

As primeiras tentativas consistiram em fazer que leigos passassem por padres usando batina e até ministrando sacramentos. Isto aconteceu em Braganca Paulista na década de 60; mas o falso padre foi reconhecido como Vigário espurio em Nazaré Paulista (cf. pp. 34s). O próprio Francesco fingiu-se de padre (Padre Gentili) e tratou com um Bispo na Argentina (cf. p. 40), com o Nuncio Apostólico Dom Carmine Rocco em Lagarto (SE)

(cf. p. 66; era o "Padre Ambrosio"); até mesmo com a comitiva do Papa

quando visitou Aparecida em 1980 (cf. p. 67)...!

Mas o objetivo da P-2 era promover algo de mais eficaz, ou seja, or-

denacoes sacerdotais de espióes.1 Estes deviam ser escolhidos de preferen

cia entre ex-seminaristas (cf. pp. 70s). Para tanto, a Secretaria no Brasil era chefiada por um Coronel que tinha o pseudónimo de Dr. Cuoco, homem su-

jeito a enfartes, mas tenaz e enérgico.2 (continuacao da nota da p. 169):

cSo na Igreja e que trouxesse informacoes dos detalhes de urna 'fábrica de padres': seminario. O pior é que havia Congregares Religiosas tentando ordenacdes sem estudo em seminario, a coisa complicava. Só mesmo gente lá dentro, com acesso, com credibilidade. com tránsito tivre para dizer o que é possfvel" (p. 35).

1 "Formar elementos nao católicos, que estudassem, que fizessem filosofía e teología, ¡á que a Igreja estava tao desesperada por sacerdotes e nao olhava tanto para urna análise vocacional. A Igreja empenhava-se pelo sim de qualquer um que quisesse chegar ao sacerdocio" (p. 70).

2 Eis como Francesco se refere a seu chefe em línguagem de baixo cálao, que, alias, caracteriza o livro todo:

"Ficamos numa casa do Morumbi e nesses días eu ficava livre do enfartado, o chato de galocha, o manda-chuva, o filho da puta do coronel que eu só nSo cito o nome verdadeiro porque ele até tiraría dinheiro da Suica para me localizar e assim ele fica puto e me deixa em paz" fp. 73).

Notemos que Francesco escreveu estas linhas depois de ter sai'do da P-21. 170

"FUI ESPIÁO!"

27

Em dezembro de 1970 Neimar de Barros entrou para a P-2 (cf. p. 60). Parece, porém, que, pelo contato com a Igreja, se foi convertendo ao Catoli cismo, mas nunca aceitou todos os artigos de fé e de Moral da Igreja (cf. p. 70). Assim Neimar fez um papel ambiguo; nao podia sair da P-2 por causa do forte controle que esta exercia sobre seus membros, mas também na"o uesenvolveu as tarefas solicitadas como o zelo que os seus chefes esperavam:

"As vezes o Dr. Cuaco mandava checar as informacóes do Neimar. Foi a¡ que comecou a ficar inquieto, porque percebeu que ele passou a dar nú meros que serviam para nossas pesquisas, mas sem o entusiasmo inicial, quando ele ia além. Neimar foi f¡cando cada dia mais frío e só permaneceu vivo porque a P-2 nSo queria levantar nenhuma questao, correr algum risco antes de o pro/eto estar pelo menos com o prímeiro pé no degrau do altar.

Neimar pensava que enganava a P-2, omitindo-se e falando o obvio que qualquer paroquiano sabia... Neimar tinha que permanecer, nem que fosse sob

ameaca, vivendo tensoes... É evidente que, se Neimar nio tivesse tido a pru

dencia de esperar o momento certo, seria morto como um elemento assalta-

do. A policía... encerraría o caso e pronto, mais um que iría sem deixar pis tas do subterráneo deste tipo de mafia" (p. 31).

Sabe-se que finalmente Neimar saiu da P-2, deixando perplexa a opiniao pública... Atualmente o caso parece explicado. Francesco Scalzotto conta algumas de suas experiencias e faganhas na P-2 do Brasil. Assim — Um encontró polémico com membros da TFP (Tradicao, Familia

e Propriedade, organizacao tradicionalista) no bairro de Santa Cecilia (Sao Paulo)... Cf. pp. 63-65. — o diálogo com o Pe. Camacho na Praga da Sé (Sao Paulo); este sa cerdote, julgando ser Francesco um padre italiano de passagem pelo Brasil, queria que ele celebrasse Missas (coisa que Francesco conseguiu evitar por nao estar muito habilitado); cf. p. 51;

— os servicos prestados a D. Vicente Zioni, arcebispo de Botucatu, as sim como a D. Helder Cámara, reunidos em Itaici:

"Há alguns meses lá estava eu infiltrado, espiao mesmo, vestido de pa dre e fingindo assessorar um Bispo. . . Fui até D. Zioni, peguei sua mala e acompanhei-o para dentro... O bispo pensou que fosse gentileza e lá por den tro fiquei; o resto foi por conta da prática que tinha adquirido na Argentina, onde tive livre acesso a reunioes de todos os tipos e matizes. No segundo dia 171

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

de Itaici ¡á esteva ajudando ñas compras; otereci-me como 'padre desocupa do'porque }á tinha servido ao meu bispo e quería dar urna volta" (p. 50); - 0 incendio provocado pela P-2 numa das firmas de certo empresa

rio em Sao Paulo, que, depois de ajudado pela Maponaria, nao quería pagar o

"dfzimo" integral á Loja; cf. pp. 80-83;

- a ordenagáo sacerdotal de um pupilo de Francesco, que, após supe

radas as peripecias, recebeu o presbiterado em 1987 (cf.. p. 86).

Finalmente Francesco Scalzotto resolveu abandonar a P-2 em 1986,

após dezesseis anos de servico. Estava cansado de obedecer cegamente sob tensSo. Doutro lado, tinha muito dínheiro acumulado, de modo que podia retirar-se para a Argentina com sua companheira, a fim de gozar de repouso,

bom churrasco e vinho...:

"Ao mesmo tempo que se senté a satisfacao de ver um plano ¡r em frente e chegar ao sucesso, dé também urna tristeza, porque esses no vos ele

mentos daqui a alguns anos vao passar as mesmas angustias por que passei.

Chega um momento em que dé vontade de viver livre e a pessoa esté amorra da, colada, seja a urna hierarquia da Organizacao, seja a urna hierarquia da Igreja. Aqui no meu sofé, lendo ou preparando-me para a macarronada da qui a pouco, eu me simo bem, mas gostaria muito de nunca ter entrado e

nem ter colocado ninguém nessa balbúrdia, nessa ilusao de aventura passageira que se torna definitiva, salvo para os malucos que corno eu fugiram" (p. 86).

E de notar a confissao de repudio feita pelo próprio Francesco em relacao ao seu passado de mafia. Francesco teve coragem para sair da P-2, coragem que ele diz ter recebido, em parte, do próprio Neimar de Barros:

"Em 1980, eu já tinha o suficiente para formar urna P-1, sem poder, mas com dinheiro. . , Em 1980, bem forrado, comecei a preparar minha es posa, logo estaríamos desaparecendo do mapa. Quem muito me incentivou foi o Neimar, sem que ele mesmo soubesse. Seu arrojo, a partir de 1972, em

insistir em sair, provocou-me vergonha. Ele enfrentava o Dr. Cuoco, solapava ¡nformacdes maiores que tfnhamos de ter por outras fontes; só nSo foi mono porque se projetou muito, alcancou um nivel de sucesso dentro da

Igreja Católica e seria arriscado fazer algo antes do final do plano IMP. Apesar de tudo, pela sua visSo de Brasil, pela diversidade de informacoes, devido a suas viagens, foi suportando, convivendo. Neimar nao desistia de querer parar, teve urna conversa seria em 1985, quando eu jé estava para explodir

também, at vi que era hora" (pp. 60s). 172

"FUI ESPIÁO!"

29

Francesco sofreu represalias quando repararam que ele quería deixar a

Loja. Sao suas palavras:

"Perceberam minha ansiedade e um filho da puta em quem confiava, além de sumir com os dólares que eu o mandara deixar na Argentina, aínda me dedou com categoría. Bateram em minha mulher, aprontaram uma loucura, puseram fogo em meu carro... mas deixa para lá. Aqui estou eu. Vivo e sem ser baba do 'homem de ferro', o Dr. Cuoco. Livre e dizendo a frase milenar a minha esposa:

-Enfimsós\"fp.61). 0 livro, que termina com a expressao do desejo de solidao e anonima

to do autor (p. 91), suscita reflexoes.

3. Meditando... 3.1. A Igreja é interpelada

O livro de Francesco Scalzotto nao deve ser considerado como fabulo so ou como um romance policial. Os seus dizeres concatenam-se com fatos

que a opiniao pública vem presenciando e que parecem assím ser colocados em melhor luz (entre outros, o caso "Neimar de Barros").

No final, o autor diz que a experiencia de ordenar padres espioes, já

bem sucedida no Brasil em 1987, deverá ser feliz tamben na Argentina e em

outros países da América em 1988 e na própria Italia em 1989 (cf. p. 89).

A culpa disto, afirma Francesco, toca, em grande parte, a Igreja, pois esta estaría dando insuficiente atencáb á formacao dos seu futuros padres:

"Boa noite, Joao Paulo II, continué ordenando Irmaos de CongregafSo sem cultura e sem preparo. Continué permitindo filosofía e teología em um ano. Continué ordenando homens casados, que piada! Tém ordenado veIhos beirando os 70 anos, que se dispoem a nao manter mais relacoes sexuais com a esposa idosa. Continué procurando vovds viúvos para ordenar (p. 89).

"

"O profeto IMP foi posto em prática e vingou. Vingou mesmo e a cul pa, na minha opiniao, nao é nem minha nem do Cuoco nem de quem voces

venham a conhecer num futuro qualquer. A culpa é da própria Igreja, que

pensou que bastava um concilio para se enquadrar no mundo de hoje" (p. 35).

"Viva o Brasill Se a Igre/a no mundo ¡á nao ia bem, imagine no país

do carnaval? Imagine aqui onde de cada mil comunhoes vocé encontra uma 173

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

pessoa se confessando e oitgnta por cento dizendo abertamente que é contra esse sacramento.

0 Brasil foi o país viávelpara o projeto IMP" (p.37).

Aquí há de fato um ponto a considerar: a preparaclo dos candidatos ao sacerdocio. A Conferencia Nacional dos Bispos, em consonancia com a Santa Sé, tem baixado normas a propósito, que merecem acato e execupao; a qualidade dos presbíteros importa mais do que a respectiva quantidade. É preciso selecionar criteriosamente os jovens e adultos que se apresentam as casas de formacao diocesanas e religiosas, a fim de nao se promoverem aque les que destruirlo, em vez de construir, a face humana <ja Igreja. Também a disciplina da vida clerical exige o máximo de atencao, de tal modo que se possa distinguir o auténtico sacerdote pela sua assiduidade á oracao, á celebracao da S. Eucaristía, ao ministerio dos sacramentos, como também por urna conduta de vida condizente com a dignidade do caráter sa cramental.

Francesco julga que a manutencao do celibato é causa do declmio do nivel moral do clero. Na verdade, nao é a lei do celibato que prejudica o sa cerdote (muito ao contrario), mas é o "facilitarlo" ou a leviandade com que o jovem ou o adulto quer abracar o celibato. Quem nao o deseja assumir de maneira coerente, fugindo das ocasioes próximas do pecado ou sem estar convicto do seu valor, nao se deve encaminhar para o sacerdocio. Alias, a

respeito do celibato sacerdotal (seu valor e as objecoes que se Ihe opoem) foram recentemente publicados artigos em PR 316/1988, pp. 427-432 e 319/1988, pp. 575s. 0 momento atual é muito serio para a Igreja. A Providencia Divina parece estar solicitando a revi sao de certos pontos da vida eclesial, sub traí dos á devida vigilancia. 3.2 "Implosáo"

Nao é de estranhar que urna Sociedade que tem por objetivos Poder e Dinhalro, queira extinguir a Igreja Católica. Afinal esta é a grande forca mo ral da humanidade; procura mostrar aos homens os valores da retidlo e da honestidade, especialmente nos dias atuais, em que o consumísmo e o fascínio do dominio regem o comportamento de muitos ddadSos. Se a voz da

Igreja se calar neste contexto, mais livre estará o caminho dos que querem

atender a ¡nteresses egoístas e espurios. O género humano nada ganhará ao contrario, só perderá — com o enfraquecimento do testemunho da Igre ja. 174

"FUI ESPIÁO!"

31

O próprio Francesco Scalzotto parece confirmar isto, quando no fim

do seu livro se mostra enojado com o tipo de vida que levou: "Gostaria muíto de nunca ter entrado nem ter colocado ninguém nessa balbúrdia, nessa ilusao de aventura passageira, que se torna definitiva, salvo para os malucos que, como eu, fugiram" (p. 86).

Verdade é que Scalzotto cita casos de fraqueza moral entre os homens da Igreja. Em parte, parece estar exagerando ou mesmo inventando, quando, por exemplo, se refere a Leonardo Boff na Curia Romana (pp. 73-77). É de reconhecer, porém, que existem falhas entre os membros da Igreja, decorrentes da própria condigao humana; Jacques Maritain, porém, mostrou luci damente que estas nao abalam a autoridade da Igreja, pois é preciso distin guir entre a pessoa da Igreja (o Corpo Místico de Cristo, que prolonga a obra da Redencao) e o pessoal da Igreja (as criaturas que fazem parte desse Corpo e que tem um eu meramente humano); quando um católico falha, ele falha porque destoa dos preceitos da Igreja ou a revelia desta. De resto, se a fra

queza dos homens nao conseguiu destrui.r a Igreja durante quase dois mil anos, pode-se crer que ela é sustentada pela forca do próprio Deus; os peca dos dos cristáos vém a ser até um argumento utilizado pelos apologistas do Cristianismo em favor da origem divina da Igreja.

Os relatos de Scalzotto servem para alertar os cristáos a respeito da ameaca que sobre eles pesa neste momento em que o espirito do mundo ou

do racionalismo e naturalismo tenta penetrar em suas fileiras.' A Igreja já conheceu as difíceis crises dos séculos X e XVI, que ela superou com a grapa de Deus. O Divino Mestre a ajudará a vencer a presente borrasca, segundo a qual os inimigos da Igreja nlo estao fora das suas fronteiras, mas no pró prio íntimo desta — o que é mais diabólico do que nunca.

"No mundo tereis tribulacoes, mas tende coragem:eu vencí o mun

do" (Jo 16,33).

1 "A P-2 vai continuar, porque o que nao falta é igreja omissa, autoridades de Governos subornadas, nao falta clero com interesses excusos, empresarios

com vontade de subir, subir, subir. Infelizmente nunca faltarao rapazes ¡ma turos para serem iniciados, aventureiros ou decepcionados com a podridao do mundo e que resolvem jogar nesse lado da P-2. que quer dizer: PODER £ DINHEIRO. Quem nao gosta de poder e dinheiro? Eu ganhei muito dinheiro; chefiei, tive poder sem autonomía, fui espiao, espiao mesmo, de até vestir batina e chegar na comitiva do Nuncio Apostólico Dom Carmine Roe-

co. Poder real de fazer o que bem entendía, nao tive; ao contrario, nos últi mos dezesseis anos, sentia-me até oprimido pelo chefe Setorial, mas o di nheiro entrava e fui aguardando o momento propicio para viver esta vida que quero" (p. 15). 175

Sempre no ar:

A "Senhora" Televisáo

Em síntese: É notoria a influencia da televisáo sobre os individuos, as familias e as sociedades. Tal influencia pode ser altamente benéfica, na me dida em que a televisSo dissemina informacoes, cultura e une os homens em soUdaríedade mutua como que numa "aldeia global". Mas é certo que freqüentemente é negativa a acao da televisáo nao somente junto ás enancas e

aos adolescentes, mas também Junto a adultos, por mais imunes que estes se julguem; é o que comprovam pesquisas diversas de caráter internacional. A televisSo comunica estilo de vida e de pensar, nao raro orientada por interésses meramente comerciáis ou ideológicos. — Da/ a necessidade de que o pú blico crie em si um certo senso crítico para discernir o válido e o falso em materia de programas televisionados e ajude as enancas a utilizar sabiamente a televisSo. *

*

•>.■

Sabe-se que atualmente um dos fatores mais poderosos de influencia

sobre a sociedade é a televiso (TV). Até as familias e os individuos mais po bres a possuem; encontra-se ñas favelas, nos hospitais, ñas salas de espera... Exercendo apio subliminar, determina comportamientos, linguagem, modo

de pensar de numerosos espectadores de todas as carnadas sociais. Eis por que voltaremos ao assunto, prolongando as consideracoes já propostas em PR 312/1988, pp. 194-206. Em primeiro lugar, lembraremos o que de positivo tem a televisáo; após o qué, examinaremos os efeitos nocivos que pode produzir, e apresentaremos algumas sugestoes que, em conseqüéncia, formulam educadores e psicólogos.

1. Televisáo: valores Por certo, a televisáo é urna expressáo notável da técnica contemporá

nea, como o computador, a aviacSo e engenhos semelhantes. Por isto ela en

tra fácilmente na vida de quem se pode servir déla, prestando relevantes servicos, quando bem utilizada. Com efeito; a TV 176

A"SENHORA"TELEVISÁO

33

1) Informa. Diariamente transmite ao telespectador urna símese dos acontecimentos nacionais e estrangeiros que Ihe podem interessar, acoplan

do palavras e ¡magens;assimo usuario viaja sem sair de casa; fica conhecendo partes do mundo distantes, espetáculos raros, personagens famosos...

2) Torna os homens solidarios entre si. Com efeito; a televisao permite ao telespectador vibrar ou horrorizar-se com acontecimentos de outros paí

ses, avivando a consciéncia de que existe urna só humanidade na América, na Europa, na Oceania...; o mundo é cada vez "menor". 3) Distrai a quem precisa de alivio ou recreacao ou a quem se acha na

solidao. É um meio de divertimento de fácil acesso e relativamente barato. 4) Dissemina cultura. Com linguagem simples, pde ao alcance de todos

certas súmulas de índole científica, artística, tecnológica, humanitaria... Permite ao usuario instruir-se e ilustrarse agradavelmente.

Nao há dúvida, todos esses beneficios podem ser distorcidos se a emissora, através dos seus programas, instila urna doutrinacao discuti'vel ou mani pula e explora os clientes...

Consideremos agora concretamente o poder de influencia da TV.

2. Televisao: influencias Examinaremos quatro itens.

2.1. Televisao: cultura e contra-cultura

A cultura é o conjunto de fatores que desenvolvem positivamente o potencial grande e nobre da pessoa humana. A cultura é saber,... e saber em toda a extensao da palavra: saber vestír-se, saber comer, saber divertir-se...

Assim entendida, a cultura se comunica através das instituicoes fundamen táis da sociedade (a familia, os diversos centros de educacao, os clubes re creativos...). Entre essas instituicoes fundamentáis se acham os meios de comunicacáo social: a imprensa escrita, o radio, o cinema, o teatro e, atual-

mente, ácima de tudo, a televisao, cuja penetrapao supera a de qualquer outro meio comunicativo. A televisao reúne o som e a imagem, compendiando assim os outros recursos da cultura. Grapas a ela, milhoes de pessoas recebem as mesmas no

ticias, entram em contato com obras literarias, pepas musicais, teorías cientí ficas, jogos esportivos... A TV apresenta, mais ou menos prontos ou formu177

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

lados brevemente, os resultados de pesquisas que os estudiosos realizam em suas Bibliotecas e em seus Laboratorios. As pessoas que acompanham a TV, sao incitadas a comentar entre si o que véem e ouvem, de modo que criam a sua "cultura televisiva".

É isto que torna a televisáo quase indispensável aos cidadáos de nossos

tempos, tanto cultos como iletrados. Acontece mesmo que a televisáo se im-

p3e á revelia mesma do telespectador. Com efeito; verifica-se que pessoas

desinteressadas de música moderna, jogos atléticos, novelas... acabam acompanhando tais espetáculos, na falta de outros programas;... acabam interessando-se por literatura medieval, historia antiga, política internacional..., porque isto Ihes é oferecido pela televisáo.

Tal fenómeno é bivalente: tanto pode ser construtivo como negativo

e deletério. É construtivo, sim, quando favorece a auténtica cultura; é dele-

tério, porém, nos muitos casos em que a cultura oferecida nao obedece a urna hierarquia de valores, e sim a interesses comerciáis, sensacionalistas,

ideológicos... A mesma emissora de TV apresenta, de tarde, programas so bre a psicologia das criancas e a sua candura e, á noite, cenas que exaltam o adulterio e a desonestidade... Apresenta, de manha, a S. Missa no lar e, de noite, espetáculos que agridem a fé e a religiao... Vé-se assim que a televisao tende a dominar ou subjugar o seu usuario, sem que este o saiba; e nao raro ela o faz de acordó com interesses de grupos que nao sao sempre os do telespectador.

ZZ Televisao e violencia

1. Há alguns anos, um advogado de San Francisco (U.S.A.) levou aos tribunais a cadeia NBC de televisao... Defendía urna sen hora cuja filha fora agredida sexualmente por companheiras, que queriam imitar o que haviam visto, poucos días antes, num filme projetado por urna cadeia de TV... O advogado lancava a culpa do crime sobre a televisáo (NBC) e sua influencia. Na Florida, o advogado de um menino de quinze anos que havia roubado e assassinado urna viúva de 82 anos, baseou sua defesa sobre o fato de que o menino havia agido "sob os efeitos de urna intoxicagao televisiva pro longada e intensa". Segundo o advogado, a TV fizera "as vezes dos pais, da escola e da Igreja".

Os tribunais norte-americanos nao aceitaram nenhuma das duas acusa-

coes levantadas contra a TV. Nfo obstante, os dois fatos deram margem a

intensos debates públicos sobre os efeitos da TV, sobre a parte de responsa178

A"SENHORA"TELEVISÁO

35

biljdade que Ihe possa tocar na expansao da criminalidade e na conduta agressiva dos diversos membros da sociedade. Foi entao possfvel mais urna vez tomar consciéncia do enorme poder da TV.

2. Em 1979 a BBC de Londres, tendo recebido numerosas queixas de telespectadores, elaborou algumas normas destinadas a evitar a ex ibicao de violencia na TV. Assim podem ser resumidas: a) em noticiarios e reportagens filmados, tenha-se o cuidado de nao deter longamente a cámara sobre cadáveres, pessoas feridas ou sofredoras; b) nos programas de fícelo, nao se ¡ntroduzam cenas de violencia sem especial razao; nunca sejam mero recurso para animar um relato insípido. Especialmente a apresentacao de cenas de estupro e violentapao ofende gran de parte dos telespectadores, especialmente as mulheres; c) nos programas infantis nao sejam exibidas lutas com facas, cañive tes ou coisas semelhantes, que as enancas possam imitar. As próprias cenas

de infidelidade conjugal ferem e maltratam as enancas. Tais medidas sao sabias, mas aínda muito tímidas. Numa época em que tanto se insiste sobre a profilaxia de molestias ("mais vale prevenir do

que remediar"), deveria haver pelo menos igual empenho para evitar os efeitos contagiantes da TV. 2.3. Televisáb e rendimento escolar

0 jornal francés Le Monde, em Janeiro de 1979, pos em relevo o fato de que os resultados dos exames de acesso á Universidade iam piorando

desde 1964, isto é, desde que "a primeira geracao televisiva" bateu as portas do ensino superior. Pesquisas realizadas nos EE.UU. permitem dizer que os meninos com menos de cinco anos de idade assistem a urna media de cerca de 30 horas

semanais de TV. Quando completam 17 anos de idade, estiveram no míni mo 15.000 horas diante do vídeo, digeriram 35.000 anuncios comerciáis e foram testemunhas de 18.000 assassinatos.

Os cenários animados e coloridos da TV contribuem para que as enancas tenham dificuldade para prestar atencao ás aulas teóricas — mas

densas e necessárias — dos professores na escola. Estes se queixam de que é cada vez mais penoso manter a atencao dos alunos, acostumados que estufo ás imagens. Os alunos experimentam dificuldades para chegar a ter e formu lar "conceitos, nocóes, definieres" (sem os quais nao há ciencia), visto que 179

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

a TV Ihes responde de maneira concreta, ¡mediata, casuística, sem exigir grande reflexao ou trazendo pronto o resultado da reflexao (nem sempre bem elaborada). A TV influí também sobre o linguajar dos usuarios, especialmente dos menores; sanciona as expressóes de gíria ou mesmo erros de linguagem, que passam a ser "locucoes normáis" com direitos de cidadania. As enancas eostumam compreender o que se Ihes diz na TV, mas falam mal a Ifngua patria,

em virtude do papel passivo que inconscientemente assumem. Assim nota-se que ná*o raro só dispoem de poucas centenas de vocábulos, por vezes onomatopéicos ou vulgares; 6 deficiente a lógica na construpao da frase; esta, mal formulada, ftca ás vezes incompleta ou é completada por gestos e expres soes vagas. Ao contrario, os chavóes empregados em novelas ou em anuncios publicitarios penetram na su a mente e sao repetidos com facilidade.

Poder-se-ia crer que ao menos a imaginagáo das chancas se desenvolve mediante a TV. Ná"o é o que se dá. Parece que outrora os pequeños tinham certa capacidade e urna variedade de iniciativas para inventar suas brincadeiras. Atualmente os modelos da TV substituem essa criatividade.

Segundo o Prof. Neil Postman, de Ciencias da Comunicacao, da Universidade de Nova lorque, "a televisao modela a inteligencia e o caráter dos jovens muito mais do que a educapao escolar".

Postman estudou especialmente o impacto da publicidade televisiva sobre os jovens. Esta tende a suscitar a ¡mpressao de que todos os problemas se resolvem fácilmente mediante o uso de tal ou tal produto. A mensagem parece desenrolar-se em tres tempos: "Todos os problemas tém solugao. A soluclo é rápida. O recurso é o produto tal ou tal (um detergente, um tipo

de caiga, urna marca de cigarro, um restaurante, um automóvel...)". A mesma visao simplista da vida é transmitida pelas novelas, cujos

personagens sao muitas vezes caricaturáis; incutem sistemas de filosofía, es

calas de valores, criterios de comportamento... de maneira certeira e deflnitória, nao raro exaltando determinado modelo e arrasando ou ridicularizando o contrario. 2.4. Televisad e familia

A TV tem profunda repercussáo sobre a vida de familia. Além dos casos já apontados, sejam elencados os seguintes:

a) A polarizacáo exercida pelo vídeo sobre os membros da familia é tal que muitas vezes perdem o interesse por um intercambio mutuo (marido 180

A"SENHORA"TELEVISÁO

37

e mulher, país e filhos) para nao perderem o fio condutor da novela ou da programado exibida. Há quem goste de ficar até altas horas frente ao vídeo,

causando problemas a si mesmo e aos moradores da mesma casa. Em 1978 ó

entfo Chanceler da República Federal da Alemanha, Helmut Schmidt, co-

mentava: "N5o sonriente eu, mas também muitos outros cidadaos, temos a

impressSo de que agora as pessoas se comunicam menos entre si". E, re-

conhecendo que a TV é urna das causas deste fato, recomendava que se reduzissem as horas de presenca ao vídeo.

b) Postman observa que a TV va¡ eliminando diferencas que normal

mente devem existir entre enancas e adultos. Com efeito; é natural que o

adulto, com sua experiencia, conheca facetas da vida - violencia, crime, furtos, infidelidade conjugal... - que nao condizem com o desenvolvimiento psicológico da enanca. A TV, porém, transmite a todos os usuarios as mes-

mas cenas concebidas de modo sensacionalista: adulterios, perversóes se-

xuais, corruppáo em geral... Em conseqüéncia, estes males vém a ser tao fa miliares ás enancas quanto aos adultos.

Postman verifica também que nos telefilmes norte-americanos os ado lescentes desempenham papéis de "adulto em miniatura"; tais sao os seus

interesses, o seu linguajar, a sua sexualidade... A confusao entre adolescente

e adulto nota-se em outros setores da cultura, como o do modo de se vestir e divertir. Também acontece que muitos adultos já nem parecem ter consciéncia de que certas palavras nao se pronunciam na presenca de enancas.

0 mesmo psicólogo nota que tais tipos de comportamento "roubam" a infancia das enancas, ou seja, destroem a fase de vida dita infancia, que é indispensável para o amadurecimento de urna persona I idade. Com efeito; antecipar etapas ou transmitir dados a quem nao tem raciocinio nem sentimentos preparados para isto, significa suprimir aspectos da personalidade.

c) Muitas novelas e outras exibicoes da TV se comprazem em apresen-

tar cenas íntimas da vida de personagens ou de familia, que significam au

téntica bofetada nos valores estruturais do lar: enredos de amantes, dupla

familia, divorcio fácil, banalizacao ou coisificacao da mulher... sao represen tados constantemente. Registrase certo sarcasmo com relacao á honestidade de costumes e a fidelidade conjugal. Subliminarmente tais cenas influem também nos jovens e adultos, servindo-lhes de referencial para o seu com portamento pessoal (por mais que se diga que os adultos sao impermeáveis a tais influencias).

A TV nao é um eletrodoméstico a mais em casa. É um eletrodoméstico que fala, que transmite Iic5es, que propoe casos para imitar, que difunde modos de conduta. Exerce influencia por osmose, quase ¡mpercepti'vel a quem se Irte entrega passivamente.

181

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

Urna vez exposto sumariamente o problema, vejamos o que se pode

propor como pistas de solupao.

3. Procurando contornar os riscos... 3.1. Na familia

Em 1979 o Ministerio da Juventude, da Familia e daSaúde da Repú

blica Federal da Alemanha encarregou o Prof. Heike Mundseck de estudar o

problema da TV na familia. Disto resultou a obra "A TV e seu filho", na qual Mundseck lembra aos casáis que a TV é um "educador velado". Tal livro, muito apreciado pela critica, oferece algumas sugestoes aos país de fa milia, que passamos a reproduzir:

1) Vejam semanalmente com os filhos um programa escolhido de comum acordó. Nao dure mais de urna hora. Depois conversem com os filhos

sobre o conteúdo do que viram: pecam aos adolescentes que descrevam o que viram e digam o que compreenderam. Os genitores nao devem assumir tom de mestres de escola, mas, sim, o de quem conversa coloquialmente so bre determinado assunto, com muita habilidade a fim de poder ajudar os pe

queños a discernir o certo e o errado.

2) Nunca deixem a sos as enancas diante do televisor quando se trata de programas que os possam impressionar, mesmo que sejam programas infantis.

3) Nunca permitam que os pequeños assistam a televisao em ambiente

totalmente escuro, pois nao convém que a TV absorva todo o interesse.

4) Estejam atentos ás reacoes dos filhos colocados diante do televisor; os mais velhos procurarlo perceber se estao nervosos ou inquietos. Respondam sempre ás perguntas que as enancas formulem em conseqüéncia do que estao vendo.

5) Nunca facam do assistir ou nao assistir á televisao um premio ou um castigo. Isto poderia insinuar ás cri angas que o assistir a TV é independente dos respectivos programas. 6) Se a freqüentacáo da TV influí negativamente no rendimento esco lar ou diminuí a capacidade de concentragao da enanca, é urgente suprimir a televisao por um espago de tempo mais ou menos prolongado.

7) Nao recorram á TV no intuito de que os filhos nao aborrecam os mais velhos ou estejam tranquilos em casa.

8} Ensinem com o exemplo. Se os genitores se detém indefinidamente diante do televisor, nao podem estranhar que seus filhos assumam comporta182

A "SENHORA" TELEVISÁO

39

mentó semelhante. Este ponto é de importancia capital, visto que em milha-

res e milhares de familias a TV se transformou em algo que ninguém (nem

os adultos) consegue dispensar por muito tempo.

Estas sugestoes tendem a ajudar as familias a evitar os abusos e a fazer

da televisáo um uso inteligente e construtivo. 3.2. Censura

A palavra censura é antipática e, por isto, hoje em dia rejeitada. Desea mos, porém, ao ámago do conceito. A censura é recusada geralmente porque

é heterocensura ou censura exerclda por alguns elementos da sociedade

(membros do Governo) sobre os cidadaos; tal censura é discutivel e, ás ve-

zes, partidaria.

Mas existe a autocensura ou a censura que cada um deve exercer sobre si mesmo. Esta nao somente nao é antipática, mas vem a ser até um elemen to indispensável na construcáo da personalidade e das sociedades. Com efeito; existe urna ordem de valores natural, objetiva, garantía do bem indivi dual e do bem comum; essa ordem incluí a familia estável, a fidelidade, a

honra, o brio, a honestidade, o respeito pelo próximo...; sem tais valores nao

há felicidade nem individual nem coletiva. Por isto alguém que tenha certa educacáo, há de compreender a importancia dessa ordem de valores e há de querer tornar-se o primeiro custodio e tutor dos mesmos; nao é necessário que a preservacao desses valores seja imposta policialmente a tal cidadáo,

mas cada um espontáneamente há de querer defendé-los, como cada qual exerce sua censura em materia de alimentapáo, de trabalho, de recreacao; sem isto ninguém se realiza devidamente.

Essa autocensura vale tanto para os telespectadores como para os emissores de televisáo.

Para os telespectadores... Sim; quem sabe que existem alimentos indi gestos e nocivos, nao deixa de comer, mas faz o seu cardápio de modo a escolher os alimentos, assumindo os sadios e deixando de lado os prejudiciais. Assim também cada individuo e cada familia devem fazer sua selecao de programas de televisáo: escolham os que realmente transmiten! cultura, irformacoes, engrandecimiento da pessoa, e rejeitem os que aviltam os valores

humanos. É preciso que cada telespectador saiba que muitas vezes os pro

gramas de televisáo sao teledirigidos ou concebidos de modo a servir a interesses ocultos, dissimulados, particulares..., que nao sao sempre os do teles pectador; os filmes, as cancoes, os documentários, os debates sao freqüentemente montados de maneira a atender á filosofía de vida do produtor, que assim incute o que ele quer, sem que o telespectador o perceba. 183

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989 Para os emissores de televisáo... Certas grandes empresas resolveram

exercer a autocensura, movidas por ¡nteresses diversos, mas geralmente em termos sadios. Assim o Manual da BBC para 1979 insistía no propósito de evitar, em

seus programas, a violencia, os abusos sexuais, a linguagem baixa... Os responsáveis por este Manual tinham em mira "conseguir o equilibrio entre o

que é aceitável á media dos telespectadores, e as exigencias da criatividade artística".

Em 1981 realizou-se em Sena (Italia) um Coloquio de Profissionais da TV. Os depoimentos dos participantes foram valiosos: assim, por exemplo,

a televisao belga declarou que autocensurou um programa sobre deficientes físicos ou mentáis, porque foi tido como pesado demais para o público me dio. Na Dinamarca houve autocensura a respeito de um programa sobre a Magonaria (elaborado já havia sete anos) para nao ferir os sentimentos dos mapons.

A BBC censura habitualmente os programas que apresentam terroris tas, especialmente os da IRA, da Irlanda do Norte.

A censura assim entendida é necessária condicSo de vitalidade. Sim; cada individuo e cada familia devem saber o que Ihes faz bem e o que os prejudica; cada qual deve zelar pela própria saúde... Daf o imperativo de que cada qual exerca a autocensura, dispensando as formas de heterocensura. Os programas que incitam ao odio racial, ao menosprezo dos andaos, á libertinagem de costumes, á criminalidade e ás drogas... sao elementos instiladores

de veneno, por mais "apetitosos" que possam parecer; daf a necessidade de que cada cidadao e cada empresa saibam precaver-se contra esse tipo de falso divertimento ou falsa cultura.

Lamentar males é freqüente, mas pouco adianta se nao se tomam me

didas eficazes para conté-los e impedi-los. É o que ensinam os mestres, inclu sive aS. Igreja através de sabios documentos aqui citados:

PIÓ XII, Encíclica Miranda prorsus, de 09/09/1957

CONCI'LIO DO VATICANO II, Decreto ínter Mirifica,de 04/12/1963. PAULO VI, Instrucao Communio et Progressio, de 23/05/1971. JOÁO PAULO II, Mensagem para a Jornada Mundial das ComunicacóesSociaii, de 19/05/1980. ÍDEM, Mensagem para a Jornada Mundial das ComunicacSes Sociais,

de 10/05/1981. 184

Em foco:

As "Igrejas Eietrónicas"

Em síntese: Os recursos eletrónicos, dados por Deus aos bomens para a difusao da Boa-Nova, térn originado as chamadas "Igrejas Eletrónicas", com seus te/evangelistas, que muí tas vezes exploram a credulidade dos ouvimos ou telespectado-es: as táticas que empregam para obter adesoes e doacoes sao psicológicamente finas e penetrantes, mas, do ponto de vista ético,

falhas, pois nao raro constrangem e víolentam as consciéncias. A propósito alguns fatos sao recenseados no presente artigo.

0 uso da técnica para difundir a Palavra de Deus é nao somente aceitavel, mas até obrigatório aos cristaos. Sao termos do Concilio do Vaticano II: "A Igre/a Católica, tendo sido constituida por Cristo Nosso Senhor a fim de levar a salvacio a todos os homens, é conseqüen temen te impelida pe la necessidade de evangelizar. E/a considera como sua obrigacao pregar a mensagem da salvacao com o recurso dos instrumentos de comunicacao so cial e ensinar aos homens o reto uso dos mesmos.

Portanto, compete á Igre/a o direito nativo de empregar epossuir toda sorte desses instrumentos, enquanto necessáríos e úteis á educacao crista e a toda a obra de salvacao das almas. Aos Postores cabe a tarefa de instruir e di

rigir os fiéis do forma que, também eles, com o auxilio des tes meios, logrem seu próprio bem-estar e perfeicao, assirn como o de toda a familia humana" (Decreto ínter Mirifica n?3). Numa palavra: Deus, que concede aos homens poderosos recursos de comunicacao, certamente o faz em vista da transmissao da verdade e do amor, de que o Evangelho é o grande foco. Acontece, porém, que a pujanca de tais recursos, especialmente da te-

levisao, possibilita graves abusos, como se tém registrado nos Estados Unidos e também no Brasil. Os pregadores exploram a credulidade do público e, por 185

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989 vezes, visam (de boa ou de má fé) a objetivos espurios, que a imprensa vem noticiando. Muitos desses aramos sao iniciadores de correntes improvisadas

de Cristianismo, a tal ponto que se fala de "Igrejas Eletrónicas".

O fenómeno tem suscitado a reflexáo dos prelados e dos leigos da Igreja Católica. Entre outros, deu-se um encontró de peritos e Bispos dos Esta

dos Unidos e da América Latina em fevereiro de 1988 na cidade de Tijuana (México), sob o patrocinio do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Ameri

cano); destlnava-se e estudar os procedimentos dos televangelistas. Dentre as observacoes propostas nessa assembléia, sejam destacadas as seguintes, con forme dados fornecidos pelo Centro Mexicano de Informacáo e Documen-

tapao.

1. "Caí na fossa... Hoje estou aquí" As táticas dos televangelistas sao psicológicamente finas e penetrantes; os telespectadores e ouvintes sao capazes de as assimilar como se fossem al

go de totalmente inofensivo.

Tenha-se em vista, por exemplo, a chamada síndrome das "pessoas que triunfam". Muitos dos programas evangélicos populares apresentam entrevistas com pessoas de certo renome: um cantor, urna artista, um

esportista, um homem público..., que relata como as coisas Ihe iam mal até o momento em que se encontrou com Deus na televisao. Oaí por diante tu-

do passou a correr ás maravilhas; "Gloria a Deus!". A conclusao é simples: "Creiam voces em Deus, e tudo será maravilhoso!"

Outra tática é a do "dar para receber"... Eis a mensagem: "Se vocé dá,

está na verdade dando a Deus; Ele Ihe devolverá essa dádiva e muito mais aínda". A resposta de Deus, conforme os pregadores, nao é de ordem espiri

tual, mas de índole bem material; a televisao mostra "presentes" concretos: quem pediu um carro, recebeu-o; quem quería saúde, ficou curado; quem precisava de dinheiro, encontrou-o.

Ora estas táticas t6m serios inconvenientes. Quando as pessoas "con

vertidas" verificam que nfo foram atendidas ou nao foram agraciadas na me dida que esperavam, que fazem? Nao se revoltar3o contra Deus (o que seria contrario a fé) nem acusarSo o pregador (que diz representar Deus). Entao acusarlo a si mesmas: ou darao mais ainda, julgando n5o ter dado o suficien te, ou cairío num estado de prostracao e alienacao pior do que o anterior

Donde se v6 como nocivas s§o as táticas das "pessoas que triunfam" ou que

dio no intuito estrito de receber.

186

AS "IGREJAS ELETRÓNICAS"

43

2. Lotería celeste 0 pregador norte-americano Oral Roberts é o arauto da Seed Faith

(Fé Sementé), processo para obter éxitos financeiros espetaculares. Aconse-

Iha sempre por via oral e escrita: "Déem primeiramente; a seguir, aguardem milagres". Trata-se de dar... n3o qualquer coisa a qualquer pessoa, mas, sim, dar dinheiro a Oral Roberts. Um dos ex-colaboradores deste televangelista,

chamado Jerry Scholes, observa a propósito:

"É verdade que vocé pode dar tempo, talento ou dinheiro a quem vo

cé queira - nao necessariamente a Oral Roberts -, mas a mensagem incita sutilmente a dar a Oral Roberts... A Seed Faith instituiu o apoio financeiro a Oral Roherts mediante o televisor". Oral Roberts, o clube PTL (Praise The Lord, Louvai o Senhorl, assim como outros programas, exibem ao telespectador aqueles que deram e, em

seguida, obtiveram urna bela recompensa. Se o crente nao recebeu galardao algum de Deus, dizem-lhe que "isto acontece porque vocé nao deu bastan te". Esta é a razao pela qual essa "Lotería celeste" atrai milhares de pessoas que chegam a pedir dinheiro emprestado para fazer donativos a um evange lista, e ter assim também maior possibilidade de se apresentar na televisao, como aquelas pessoas que lá comparecem após receber o beneficio almeja-

do. Ocorre, porém, que, como em qualquer outra Lotería, o número dos que perdem, é maior do que o dos ganhadores; a proporcao é de mil para um. 0 marketing da Madison Avenue é um notável espécimen dessa técni ca. Um telespectador refere que num domingo de manha assistiu em casa ao culto oficiado por Jerry Falwell na igreja batista de Hampton Road; termi

nada a manha, perderá a coma de todas as ofertas de venda, propostas du rante a pregacao: abrangiam tudo o que se possa imaginar, desde o forro de urna jaqueta até urna viagem a Israel.

John Kenneth Galbraith diz que o objetivo principal da propaganda consumista é fazer que as pessoas comprem aquilo de que nao precisam. Dirse-ia que os apresentadores das Igrejas Eletrónicas estio tao empenhados erri vender coisas quanto em pregar a Palavra de Deus: utilizam os melhores re cursos da propaganda comercial para induzir os telespectadores a comprar artigos diversos e também a ¡magem de um Deus mágico e superficial. Para tanto recorrem a slogans, canc5es populares, apelidos impactuantes, cassetes, números da sorte, etc. Jim Bakker e sua esposa Tammy chegaram a criar

um gigantesco parque de diversoes no Estado da Carolina do Sul. chamado Heritage USA e apelidado Disneylándia Crista, onde ele promovía regular mente temporadas de pregacao religiosa, que incluíam banhos de purificacao para os crentes numa piscina coberta.

187

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

3. Tres desvíos teológicos

Observa-se também que as mensagens das Igrejas Eletrónicas estao im pregnadas de tres grandes desvíos teológicos, que afetam a piedade e o reía-

donarnento dos crentes com Deus.

1) Pessimismo, que chega a apavoramento. O mundo parece dividido em dois reinos: o de Deus e o de Satanás, aquele representado pelos Estados Unidos, e este pela Rússia Soviética. O ouvinte é colocado diante de um dile ma: ou aceita Jesús e será salvo, ou, caso contrario, será condenado ao infer no.

No Brasil este tipo de pregacao c freaúente. As doencas, as decepcoes no casamento, as desgracas nos negocios e outros males sao atribuidos dirétamente a Satanás. Os ouvintes e telespectadoras sao entao convidados a par

ticipar de grandes concentracoes ñas quais "se expulsam os demonios"; ai os

enfermos se convulsionam ou poem-se a andar cambaleantes, como quem es tá saindo de urna refrega. Entre outros casos, seja citado o que a imprensa noticiou aos 21/01/89: o casal evangélico Charles e Francés Hunter realizou aos 20/01 no Rio de Janeiro tima sessao ao ar livre dita "Explosao de Cu ras": compareceram á Quinta da Boa Vista cerca de cinco mil pessoas, entre

as quais muitos paralíticos, deficientes visuais e outros enfermos. Com urna hora de atraso, "Francés foi a primeira a falar... com o auxilio de um intér prete e disse que era a quarta vez que vinha ao Brasil, por acreditar que Deus queria salvar o país. Ela e Charles, juntamente com missionários, oraram e ordenaram que os demonios deUassem os corpos dos doentes. Imedíatamente alguns fiéis se contorceram, outros comecaram a andar tropegamente, amparados por missionários. Sob aplausos e muita histeria, os organizadores

do evento comemoraram 'a vitória dos evanaélicos' sobre o demonio" (O GLOBO, 21/01/89, p. 10).

2) Pelagianismo. Esta córtente teológica, nos sáculos IV/V, negava o pecado original e afirmava que .i n;itim;z
vida...; orar, no caso, é "mentalizar" ou conceber pela mente e a imaginacao

aquilo que a pessca deseja conseguir. Joseph Murohy, cujos livros existem também em traducao brasileira, é expoente dessa filosofía religiosa, que re dunda em panteísmo; a mente, entrando em sintonía com o universo, conse guiría efeitos maravilhosos, como um aparelho de radio devidamente sintoni188

AS "IGREJAS ELETRÓNICAS"

45

zado capta maravillosamente o som distante; a mente humana e o universo

seriam da mesma substancia divina.

Na verdade, já S. Agostinho (Í430), combatendo o pelagianismo e se-

guindo tanto o Evangelho (Jo 15,5) como Sao Paulo, afirmava que o homem, sem a graca, é incapaz de praticar o bem, pois está vulnerado pelo pe

cado original (cf. Rm 7,15-25). A oracáo é a humilde expressao de nossos anseíos ¡i Duus, que nao cunta com outro amparo a nao ser a gratuita miseri

cordia de Deus; nao temos receitas "todo-poderosas" para alcancar o que

desejamos.

3) Mentalidade mágica. Muitos televangelistas se comprazem em pro

meter efeitos mirabolantes a práticas mais ou menos mecánicas: bastaría, por exemplo, pronunciar o nome do Senhor Jesús Cristo ou dar dinheiro ou comparecer a determinada concentracao de crentes para ser salvo; bastaría

orar para obter a cura de doencas, ler o íntimo dos coracoes, prever o futu ro, etc. O extraordinario portentoso tornase do dominio cotidiano de mui

tos dos televangelistas.

4. Conclusao

Estas observacües dao a ver que as Igrejas Eletronicas fazem da Reli-

giáo um meio de atender ao homem e ás suas necessidades mais do que um

culto a Deus. Em muitos casos, o homem beneficiado em primeira instancia

é o próprio pregador, que, prometendo gracas aos outros, vai enriquecendo a si mesmo. A imprensa registra, de vez em quando, abusos ocorrentes entre aqueles que, desta maneira, mercantilizam a própria Religiao, criando seu "imperio religioso".

Ao referir estes fatos, nao tencionamos julgar as consciéncias, que só Deus pode sondar. Mas julgamos importante notar como, dessa maneira, se

vai deturpando o conceito de Religiao. Esta é, jntes do nais, adoracao e louvor devidos a Deus; em conseqüéncia (e inseparavelmente) é também salvacao p;ir;i o hornom. pois ;i Hóiin «le Deus se manifestó na plena realizacao do

humero, (cito á ¡mayem «Jo Criadoi. o anuncio da Boa-Nova assim concebida destina-se a todos os homens, sem dúvida, mas sem violentar as consciéncias

ou sem recorrer a técnicas proselitistas ou desrespeitadoras da dignidade hu mana.

No Brasil faz se sentir de modo especial a necessidade de que a opiniao pública saiba distinguir auléntica pregacao missionária e prosolilismo. Aquela fala a inteligencia e aos afetos, sem exercer constrangimento como tam

bém sem visar a lucros comerciáis. "Ainda que livre em relapao a todos, fizme o servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível... Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo" (ICor 9,19.22'. 189

Nota:

A Raiz da Crise Moral

Contemporánea... 0 Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregapao Para a Doutrina da Fé, já é muito conhecido no Brasil por noticias da imprensa. Merece atengao um de seus recentes pronunciamentos sobre Moral e crise do mundo contemporáneo, tal como no-lo apresenta o cronista Joseph Vandrisse na revista Famille Chrétienna da Franca (edicao de 21/12/88):

Em notável conferencia, o Cardeal Ratzinger afirmou que, no ámago

da atual crise da Igreja, se acham, antes do mais, deficiencias de ordem doutrinaría e moral. O Cardeal nao se deteve em abordar a questio de saber se a Igreja deve intervir ou nSo em assuntos de ordem ética. Apenas de passagem considerou o problema da comunicacao: a Igreja saberia, melhor do que an tes, transmitir a sua mensagem? Mas, com os olhos fitos no auditorio, formulou urna questSo de outra índole, a saber: Por que nossa sociedade,

por que tantos cristaos sao alérgicos a qualquer referencia a um magisterio e a toda proposicSo de ordem moral?

O Cardeal Ratzinger atribuí este fato, antes do mais, ao "subdesenvolvimento da razio moral frente á razio tecnológica ". Vivemos de estatísticas e

plañe/amentos, convictos de que podemos nos mesmos construir nossa felicidade. As regras moráis que os homens estabelecem, visam apenas ás metas "programadas". Em breve, para um casal, o problema nio será o de ter fiIhos quando quiserem, mas o de ter os filhos do tipo que quiserem. "Assim assistimos a certo deslocamento das fontes da Moral, deslocamento tido como caminho para reencontrar o paraíso perdido". E, quando a Igreja diz:

"Atencao, perígol", um grito de indignacao se faz ouvir ¡mediatamente: "Novo caso GalileuV'1.

O Prefeito da Congregacao para a Doutrina da Fé vea nossa sociedade é semelhanca de um homem que vive recluso numa floresta por medo da

1 0 Cardeal tem em vista as normas da Igreja referentes ao uso da sexualida-

de e á Genética. A Igreja diz Nao á ciencia sem consciéncia, em nome da própría dignidade humana. 190

LIVROS EM ESTANTE

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bomba atómica. Ele assim deixa de tomar consciéncia de que é portador de um cáncer. Ele nio perecerá numa expfosao nuclear, mas morrerá da decomposigao interna do seu organismo. "0 verdadeiro mal do mundo contempo

ráneo, declara o Cardeal, é o seu déficit moral. E o da Igreja é o seu déficit doutrinárío e dogmático".

As palavras de S. Em. cia sao altamente sabias. O que faz a grandeza do homem, é o ser e nao o ter. Infelizmente, porém, o ter empolga mais do que o ser. Existe no mundo a preocupacao de ter por parte de pessoas que nao cultivam o "ser homem", isto é,ser honesto, responsável, leal, fiel...; tais sao as chamadas "virtudes humanas ', que constituem a personalidade de qualquer ser da nossa especie e sem as quais existem monstros, feras ou bestas... Este processo da historia contemporánea exige urna alerta; nao se trata de novo caso Galileu! A Igreja é idónea para proferir esse brado de advertencia salutar, pois ela conserva, com a assisténcia do Espirito Santo, o depósito de

doutrina e Moral que Cristo Ihe confiou (isto nao impede que tal ou tal indi viduo ou grupo católico propague doutrinas e proposicoes contrarias ao Ma

giste rio da Igreja).

Estéva o Bettencourt O.S.B.

Livros em Estante Fascinada por Deus. A aventura espiritual de urna Hippie, pelo Pe. Barry S.J. Traducáo de Luiz Joao Caio. - Ed. Loyola. Sao Paulo 1988, 140

x210 mm.48pp.

Tratase de urna ¡ovem francesa chamada Francoise í 1947-1979), ñascida em ambiente indiferente e de origem protestante. Aos doze anos de idade, impressionada por urna explicacao do Catecismo, pediu e recebeu o Batismo na Igreja Católica. Estudou na Universidade de Grenoble, onde obteve o bacharelado em 1967 e a licenciatura em 1971; deixou-se entao pene trar pela mentalidade crítica e cética dos colegas, ingressando numa comuni-

dade hippie. Desejosa de elaborar urna teso sobre Antropología, viajou pela

Asia e a Oceania; nessa época levava um tipo de vida libertina com colegas e

amigos. Em Hong-Hong, porém, foi tocada pela graca urna segunda vez tornando-se-lhe entao evidente a existencia de Deus. Conheceu o Carmelo de Sos Gumía (Binar) na India, onde, depois de vencer os atrativos do mundo e a resistencia das paixoes, em 1976entrou como postulante; aos 14/10/1976 191

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 323/1989

recebeu o hábito carmelita e em novembro de 1977 foi enviada para o con vento recém-fundado de Sitagarha (Binar). A graca de Deus foi trabalhando em seu íntimo de modo que pode ir vencendo as inclinacdes desregradas que aínda a tentavam. Professou em 15/08/1978 e finalmente faleceu aos 07/11/1979 em conseqüéncia de urna embolia pos-operatoria.

Deixou pensamentos de espiritualidade muito profundos (1977-79). O livro em foco apresenta a biografía de Frnncoise, testcmunhos de con temporáneos e notas /mimas que permitem compreender que a Deus nada é

impossfval, nem mesmo as mais surpreendentes conversoes. Eis impressoes do momento da segunda conversao de Francoise:

"Eu devia ter fúgido logo. Nao o fiz. preferí tergiversar comigo mesma; que mal há em viajar com D.? Nunca tive um companheiro de viagem. Foste tu, Senhor, que me salvaste, que me arrancaste á forca de N.. Tu me esperavas em Hong-Kong".

"De repente, depois de días e días de interrogacoes, gritos, angustias, algo se dilacerou. urna torrente me submergiu, e eu ria com urna alegría ¡mensa, urna alegria de sufocar, de fazer chorar, e dizia: 'Mas é claro, mas é claro, Deus existe, Deus te ama, pobre, idiota, é claro...!' Tu explodiste den tro de mim, e te captei logo de maneira táb viva, tío evidente! Era urna cer teza tal que ainda me queima, era o céu que se abría para mim, de repente

tive a impressáo de ter nascido... Eras Tu, Tu enfim. e compreendí logo que és bom e tua misericordia me transformaba.

Fecho os olhos, procuro reviver esse momento e a única palavra que

me vem é Pai. ó Pai, meu Pai! Sao momentos que as palavras nao conseguem exprimir" (p. 13).

A experiencia de nossos semelhantes, principalmente dos mais atribu lados, as vezes é mais significativa do que urna be/a teoría. Realmente a Deus

nada é impossi'vell

A Cólera do Cordeiro, por Guy Hocquenghem. Rio de Janeiro 1988, 140x210 mm, 504 pp.

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0 autor procura reconstituir, mediante textos bíblicos, apócrifos, pro fanos e através de obras de escritores cristaos antigos, os acontecimentos re lativos á vida e aos escritos (Evangelho, Apocalipse e tres epístolas) do Apos

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