Ano Xxviii - No. 305 - Outubro De 1987

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Projeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESEISÍTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanza a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristao a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaieca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatts Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e

zelo pastoral assim demonstrados.

rtsuwémtm 1

SUMARIO

í 3

í

Ao teu encontró, Senhor...!

jj

Pió XII, os nazistas e os judeus

O

h

"Doutrina social crista"

w

Quando comeca um ser humano?

O

A campanha anti-Aids A Maconaria na Inglaterra

5

Logosofia: Que é?

LU

ANO

XXVIII



OUTUBRO



1987

305

PERGUNTE E RESPONDEREMOS Publlica9áo mensal

EstévSo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico .

D. Hildebrando P. Martins OSB iminístracáo e distribuicio: Edicoes Lumen Christi

Dom Gerardo, 40 - 59 andar, S/501 Tel.: (021) 291-7122

Caixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro - RJ Compo9l;So e Impreasio

{%* "MAROUCS-SARAIVA" X*S$ (fUffUOMfNfOl GMátUOt f 4

«¿SL

N9 305

SUMARIO

retor-Responsável:

retor-Administrador:

OUTUBRO -1987

Rut Stntoa flodrfou**, 240 EAkUd>Si20ÍH EAkUdSi20ÍH Talt.' 271-Mtt . Z73-M47

Ao teu encontró, Senhor!

... 433

Oepoimentos sobre

Pió XII, os nazistas e os judeus

434

De grande atualidade:

"Doutrina social crista" do Card. Hoffner. 447 Aborto: homicidio ou nao? Quando comeca um ser humano?

457

Sempre na imprensa:

A campanha anti-Aids

462

Pronunciamento anglicano sobre A maconaria na Inglaterra

470

Um novo sistema de vida: Logosofia: Que é?

472

-27J-MJ9-RJ

SINATURA EM 1988: CzS 400,00

Número avulso: CzS 50,00 s NOVOS Assinantes:

a assinatura (desde 1987) será válida até nesmo mes de 1988. eirá depositar a importancia no Banco

Brasil para crédito na Conta Corrente 0031 304-1 em nome do Mosteiro de o Bento do Rio de Janeiro, pagável na encía da Praca Mauá (ns 0435) ou enr VALE POSTAL pagável na Agencia ntral dos Correios do Rio de Janeiro.

NO PRÓXIMO NÚMERO: 306 — Novembro — 1987 Ainda a jornada de oracóes em Assis. — As sepulturas na pré-história.-"Viver sem o temor

da morte" (RJ. Blank). - A descoberta de Oeus (J. Luchaire). — As aparigóes de Nátivida-

de (RJ). - Kurt Waldheim no Vaticano.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

A SUA ASSINATURA

MUDANCA DE ENDERECO

Ao teu encontró, Senhor O fundador da revista multinacional Play Boy deu a todos os seus editores a seguinte norma: "Em Play Boy é pro ib ¡do falar de criancas, de prisoes, de desgracas, de andaos, de doencas, mas, ácima de tudo, é rigorosa mente proibido falar de morte".

Tal programa é bem a expressao da mentalidade moderna: foge sempre mais da consideracao da morte, embora esta seja a única certeza que o ser humano tem desde o seu berco. Nao incomoda muito o grande público saber que milhares de pessoas morreram em país distante - sao apresentadas horrfveis catástrofes pela televisSo -, mas a morte do próprio individuo ó tabú, que este geralmente nao quer encarar. O cronista Pierre Chenu notava que "na década de 1960-70 duzentos milhoes de homens perderam a ñoclo do sentido da vida. Perderam toda esperanpa ou, antes, a esperanpa os abando-

nou". Em 1960, 50-60%dos franceses tinham urna visao crista da morte; em 1970, os 60% tornaram-se 30% e mesmo estes 30%nao sabem muito bem o que pensar a respeito.

Tais fatos, fríamente encarados, sao estranhos. Todos, sem excecao,

deverao passar pela morte, mas tendem a ignorá-la tanto quanto possfvel. A estranheza é elucidada pela fé. - Diz o livro da Sabedoria que "Deus nao fez a morte nem tem prazer em destruir os viventes. . . Deus críou o homem para a ¡mortalidade. Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo" {Sb 1,13; 2,23s). Há, portanto, um instinto ¡nato, em todo homem, de repulsa á morte; o próprio Sao Paulo o confessa em 2Cor 5,2-5. O Evangelho, porém, acrescenta que a morte, assumida por Cristo, se tornou passagem para a plenitude da Vida; Páscoa transfigurou a morte. Daí dizer o Apostólo: "Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro... Sinto-me num

dilema: o meu desejo é partir para estar com Cristo, pois isso me é muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário para a vossa causa"

(Fl 1,21.23). E Sta. Teresa de Ávila: "Senhor, é tempode nosvermos! Che-

gue o fim desta noite de má pousada!"

Na medida em que os homens se afastam de Deus, sentem prevalecer em si o horror da morte, mas também, na proporcao do seu reencontró com o Senhor, descobrem de novo o sentido da vida terrestre consumada em Je sús Cristo. Dentre os muitos testemunhos que exprimem esta reconciliapao do homem com a realidade, eis o de um jovem de vinte anos, condenado á pena capital por ocasiao da segunda guerra mundial: "País adorados, serei fuzilado em breve ou ao meio-dia. Sao 9h15m¡n, sinto um misto de alegría e emecao. . . 10h15min, estou calmo, sereno. Apertei a mao dos meus carcereiros

- grande prazer. Vou logo procurar o capeláo - ¡mensa alegría - Deus é

bom... 10h20min, estou mergulhado em serenidade!" O episodio fala por si mesmo...

E.B.

433

4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

no, mas na realidade nao se ligava a nenhuma Confissio religiosa; só freqüerv tava as ¡grejas por dever diplomático. Era, porém, dotado de boa vontade e de aguda sensibilidade para com os problemas humanos.

Quando tomou posse das suas funcoes, as relacoes entre a Inglaterra e o Vaticano eram frías e marcadas por dissabores. Mas Osborne tratou de meIhorá-las, mostrando ao Foreign Office que "o pequeño Estado do Vaticano se orienta em termos de sáculos e programa para a eternidade". Além disto, as tomadas de posicao de Pió XI contra as teorías e práticas racistas do Na zismo e do Fascismo aproximaram da Santa Sé o Governo de Londres, de modo inédito após a Reforma do século XVI. Por ocasiáo da eleicao de Pió XII em 2 de margo de 1939, Osborne era dos diplomatas mais estimados no Vaticano. A escolha do Cardeal Pacelli foi muito bem aceita pelos ingleses; Osborne reconhecia nele nao só um homem de Deus, mas também um sabio diplomata, com larga prática da Secretaria de Estado do Vaticano. Precisamente em 1938/9 o nacional-socialismo de

Hitler se mostrava cada vez mais ambicioso; os Governos de Londres e Paris eram propensos a crer que Mussolini ainda era o estadista mais indicado para deter a agressividade de Hitler e que aquele Chefe do Governo italiano se poderia deixar influenciar pelo Vaticano. A línguagem de Pió XII era diversa da de Pió XI; em vez de levar á ruptura, tendia a promover a conciliario das partes em litigio.



Quando a Italia aos 11/06/40 entrou em guerra contra a Inglaterra e a

Franca (guerra que a Alemanha iniciara a 1?/ 09/1939), Osborne e os outros diplomatas dos Aliados tiveram que deixar o territorio italiano para se refu giar no do Vaticano. O Estado fascista fazia pressao sobre a Santa Sé para que infligissé um tratamento duro aos "diplomatas inimigos"; os italianos podiam fácilmente privar o Vaticano dos servicos essenciaisde luz e agua. A Santa Sé entao adaptou o Palacio Santa Marta ao alojamento dos embaixadores da Franca, da Poldnia, da Inglaterra. . .; Osborne ficou no úítimo an dar com acesso ao terraco, mas proibido de sair para a cidade de Roma ou

mesmo de atravessar a Praca Sao Pedro; era-lhe permitido, porém, passeár nos jardins vaticanos juntamente com outros diplomatas. Após o surto da guerra, a tarefa do Ministro inglés se tornava mais in tensa do que antes. Escutava os boletins radiofónicos da BBC de Londres e

transmitia todas as manhas urna símese dos mesmos á Secretaria de Estado, que I he era grata, pois o Vaticano, como Estado neutro, precisava de noti cias, a fim de tentar amenizar o confuto ou promover o entendimento entre os beligerantes.

Foi tal homem, o Ministro Osborne, quem forneceu as informacóes seguintes. 436

PIÓ XII, OS NAZISTAS E OS JUDEUS

2. Urna trama revolucionaria... No cometo de 1940 alguns Oficiáis das Forcas Armadas alemaes, che-

fiadas pelo Coronel Oster, planejaram derrubar Hitler e por fim a guerra,

desde que o Governo Británico se prestasse a negociacóes respeitosas com o futuro Governo de Berlim,. .. mais respeitosas do que as do Tratado de Ver-

sailles (1918)1. Mandaram entao á Santa Sé o advogado bávaro Josef MüllerJ na intencao de mover Pió XII a obter dos ingleses algumas garantías em

favor dos conspiradores; diziarn que as tropas de Hitler se preparavam para

invadir violentamente a Holanda, a Bélgica e a Franca (o que de fato aconteceu em maio de 1940) e que isto podia ser impedido se eles conseguissem depor o Führer e tivessem a certeza de chegar a urna paz honrosa com a Ingla terra. Tal mensagem foi levada ao Pe. Leiber, Secretario particular do Papa, que, após ouvi-la atentamente, a transmitiu ao Pontífice. Este refletiu duran te vinte e quatro horas sobre o assunto e, por fim, com grande surpresa para o seu Secretario, disse um Sim resoluto; aceitava ser mediador entre os cons

piradores e o Governo Británico, embora isto muito Ihe custasse. Chamou entao o Ministro Osborne para urna audiencia privada. No Diario do diplomata lé-se o seguinte: "Vi o Papa as onze horas e conversamos durante meiahora. Estava bem disposto.. Entregou-me urna mensagem para Lord Halifax, pedindo-me sigilo". Ñas "Memorias" redigidas por Osborne encontra-se o re

lato dos sucessivos contatos mantidos por Pió XII com o diplomata inglés, a quem aquele nao quis revelar os nomes dos rebeldes. Osborne achou que o plano destes era "algo de muito vago". Ao que o Pontífice respondeu: "Taivez nao valha a pena continuar as negociacoes; em tal caso, considere como nula a minha comunicacao". Retrucou o diplomata: "Nao quero tomar so

bre mim a responsabilidade da decisao". O Governo inglés, devidamente informado, nao deu crédito ao projeto dos Oficiáis alemaes, talvez porque um tanto utópico ou fadado ao fracasso

(Adolf Hitler estava no auge dos seus sucessos militares!). Em conseqüéncia, os conspiradores desistiram do seu intento. Pió XII nunca falou a respeito

nem com o seu Secretario de Estado, Cardeal Maglione, nem com os dois as-

1

Eram, alias, os mesmos oficiáis que em meados-de 1944 puseram urna

bomba no Quartel-General-Nazista. i

2 Este homem pertencia a um Clube de Amadores da Aviagao. de modo que tinha certa facilidade de voar da Alemanha para o Alto Adige (Norte da

Italia); de lá seguía para Roma, muitas vezes levando material secreto (inforcoes,, escritos confidenciais. . .) que os Bispos da Alemanha enviavam a Pió XII a respeito do Kirchenkampf (perseguicao á Igteja). 437

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

sessores deste: Giovanni Bañista Montini (futuro Papa.Paulo VI) e Domenico Tardini.

Comenta o historiador Owen Chadwick, depois de haver estudado atentamente as "Memorias" do Ministro Osborne: "Pió XIIfot um Papa corajoso. . . Era cauteloso ñas denuncias, conscíente de quanto poderiam ser contra-producentes se nao usasse de circunspeccao. Mas, quando vía que podía fazer algo de concreto, entrava em acao e a sustentava até o /imite extremo. Calara-se a respeitoda invasao da Polo nia, porque as suas palavras só teriam contribuido para agravar a situacao, provocando represalias contra os Bispos e os fiéis poloneses. Mas nao hesitou em participar de urna conspiracao contra o tirano - coisa quenenhum dos seus antecessores ¡amáis fuera —, porque julgou que isso podía ser urna vertíadeira ajuda, o máximo de ajuda que estava ao seu alcance. Correu um risco enorme. Mas devemos crer que tenha assim raciocinado: 'Se a Bélgica, a

Holanda, a Franca forem invadidas, morrerao muitas pessoas e a Europa seré devastada; se tenho alguma possibilidade de impedi-lo, devo aproveitá-la'.

Isto foi, sem dúvida, um ato de coragem". Chadwick, portanto, chama a atencao para a audacia de tal gesto de Pío XII; pos a sua pessoa e a Igreja inteira em situacao muito perigosa. O ges to audaz do Papa está em contraste com a prudencia de que ele usou em outras ocasioes e que os seus detratores tanto exploraram como prova de pusilanimidade. Pió XII certamente sofreu e se violentou para exercer esse seu papel de mediador junto ao Governo inglés. Depois que a Italia entrou em

guerra e as tropas alemas se puseram em marcha vitoriosa no Ocidente, o Pa pa pediu ao Governo Británico que destruisse toda a documentadlo concer nen te a essa conspiracao - o que na verdade nao foi feito pelos ingleses. Tal

falta de cortesía permite agora que os documentos falem em favor da justi-

ca e da restauracao do verdadeiro perfil de Pió XII.1

3. Em relapao aos judeus... A Italia capitulou frente aos aliados em 10 de setembro de 1943. Os alemaesentao resolveram ocupá-la militarmente. Hitler, atendendo a convenían-

1

Alias, Chadwick nao fez senao trazer de novo á tona algo queja fora pu

blicado pelo jornal L'Osservatore Romano~cfo Vaticano em sua edicao de 11/12/1946. O fac-simile da página datilografada por Pió XII com as correcoes autógrafas do Pontffice enviada á redacao do jornal vaticano encon

trase no volume I de Actes et documents du Saint-Siége relatifs á la secón-

de guerre mondiale (entre as pp. 514 e 515). Parece que a opiniao pública internacional esqueceu a noticia, de modo que Chadwick a difundiu como se fosse um "furo" de historiador. 438

PIÓ XII, OS NAZISTAS E OS JUDEUS cias de ordem política, quis respeitar a neutralidade do Vaticano (ao menos no

foro público). Mas ele podía mudar de atitude a qualquer momento, se o julgasse mais útil aos seus ¡nteresses ou se tivesse provas concretas de que a Santa Sé se pusera do lado dos Aliados. A situacao do Papa era a de um re-

fém em potencial. Pió XII, porém, nao se intimidava; já dissera ao Conté Ciano, Ministro das Relacoes Exteriores da Italia, que nao temia nem a deportacao nem o martirio. O Embaixador alemáo no Vaticano era o Barao Ernst von We¡sz3cker, homem que estimava Pío XII e que nao aderira á ideología nazista; tentava proteger o Papa, omitindo ou atenuando, ñas suas comunicacoes com Berlim, as noticias que pudessem de algum modo excitar as iras ou as represalias do Governo nazista. Osborne, tendo permanecido no Vaticano durante toda a guerra, po de acompanhar as providencias tomadas por Pió XII, após a ocupacao da

Italia pelos nazistas, em favor dos judeus: o Papa tentou, de varias mane ¡ras, evitar que os alemaes os descobrissem e deportassem. Mandou que muitos fossem escondidos em conventos e mosteiros; quanto aos que nao puderam escapar do encarceramento. Pió XII, mediante o seu Secretario de Estado, pediu ao Embaixador Weiszacker que se interessasse por eles; obteve assim que algumas centenas recuperassem a liberdade. Osborne teve longo colo quio com Pió XII a propósito da defesa dos judeus: nos seus diarios, lé-se que o Ministro perguntou ao Papa se alguma vez, quando a situapáo em Ro ma se tornasse demasiado sórdida, ameapadora ou intolerável, seguiría o exemplo de Pontífices anteriores, que deixaram Roma, na expectativa de melhores días. Pió XII respondeu-lhe que jamáis sairia de Roma para salvar a sua própria pessoa.

Em 1963 Rolf Hochhut acusou o Papa de indiferenpa ou covardia; te na feito como Póncio Pilatos, lavando-se as maos enquanto os nazistas, sob

as janelas do Pontífice, prendiam os judeus para levá-los para Ausschwitz. Diante do livro assim publicado (Der Stellvertreter, O Vigário), Osborne, já com 77 anos de idade e aposentado de suas funcóes diplomáticas, protestou

publicamente, escrevendo longa carta ao jornal Times de Londres; dizia: "Longe de ser um gélido diplomata - o que requer, suponho, sangue

frió e urna índole desnaturada —, Pió XII foi a personalidade mais calorosa

mente humana, gentil, generosa, compreensivá (e, aciden tal'mente, santa) que tive a honra de conhecer no curso de minha longa existencia. Sei que a sua natureza sensfvel era sempre pungentemente atetada pelos imensossofrimentos

causados pela guerra; e nao tenho a mínima dúvida de que ele estava pronto a dar com alegría a sua vida para salvar a humanidade das conseqüéncias do confuto, sem discriminar nem as nacionalidades nem as crencas religiosas dos beneficiados. Mas, na prática, que podía ele fazer além do que fez?" 439

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

Osborne, nessa carta, aínda enfatizava os propósitos de mediador que animavam Pío XII e concluía que a obra de Hochhut era "grosseira mistifica do". Cario Cavicchioli, depois de haver lido o livro de Chadwick, foi ter

com o autor na Inglaterra, a fim de entrevistá-lo. Perguntou-lhe entao:

"Pode-se dizer que a política de Pío XII foi a melhor possfvel dentro das circunstancias daquele tempo?"

- "A palavra melhor, respondeu Chadwick. . ., pode ser entendida

de muitos modos. Nos consideramos os acontecimentos daquele tempo passado com os conhecimentos que temos hoje. . ., conhecimentos que nSo eram possíveis a quem estava vivendo aquele passado. Por exemplo, desde maio de 1940 até o fim de novembro de 1942, parecía extremamente provável que a Alemanha vencería a guerra; e, se isto tivesse acontecido, qualquer

que fosse o Papa á frente da Igreja Católica, seria necessário que vivessem

numa Europa (senao num mundo) dominado pelo nazismo. Diante desta perspectiva, um homem prudente teña hesitado em ¡ncompatibilizar-se com o futuro vencedor...

Com os conhecimentos que hoje temos e com os sentimentos antina zistas que a minha educacao me transmitiu, teña preferido um Papa como

Joao XXIII (t\c\), um pouco contestatario. Mas nao sei responder a quem me pergunta se isto seria melhor para a Igreja Católica. A idéia de Hitier era que, enquanto estava preocupado com a guerra, precisa va de deixar ficar a

Igreja, mas, urna vez terminado o confuto, ele a trataría como tratava os so

viéticos e os judeus. Por conseguinte, um Papa que se definisse (nenhum Pa

pa o tena feito, mas suponhamo-lo) nítidamente em favor dos Aliados, Ihe

teria fornecido o pretexto para infligir á Igreja na Alemanha e na Austria as angustias que Ihe

tocaram na Polonia. Ademáis creio quet se em 1939 tives

se sido eleito Joao Batista Montiní, haveria feito o mesmo que Pió XII, na turalmente recorrendo a estilo e linguagem diferentes..."

Perguntou ainda C. Cavicchioli a respeito das acusacóes de silencio referente aos judeus; ao que respondeu o historiador: "A afirmacao de que Pió XII se calou para salvar os investimentos do Vaticano é coisa absurda, que deve ser varrida. Quanto á denuncia central

do livro 0 Vigário de Hochhut, segundo a qual o Papa nao levantou a voz enquanto os judeus de Roma eram detidos debaixo dos seus olhos, digo-lhe o seguinte: um Papa que naquele momento se pusesse a gritar, seria total mente irresponsável. Havia ainda cinco ou seis mil judeus escondidos em 440

PIÓ XII, OS NAZISTAS E OS JUDEUS

9

Roma; era preciso evitar que as detencdes continuassem e que a. Gestapo1 se apoderasse dos mosteiros. 0 silencio do Papa aínda possibiíitava a chan ce de que toda aqueta gente nSo fosse encontrada e um ou outro conseguísse escapar. Entrementes Pío XII tudo fez que estivesse ao seu alcance, trabalhou de maneira concreta e obteve que muítos judeus fossem postos em

líberdade. Em suma, da minha parte eu o absolvo. E, veja bem, nao escreví meu livro com a fínalidade de chegar a este resultado, mas apenas no intui

to de facilitar a compreensSo dos dramas da segunda guerra mundial".

4. O fim de vida de Osborne D'Arcy

Osborne

exerceu

as

suas

funcoes

junto

á

Santa- Sé

até 1947, ano de sua aposentadoria. Quando os Aliados entraram em Roma (1944), teve que tutelar o Papa e o Vaticano frente ás atitudes do Foretgn Office, que nao se sentía obrigado a respe¡tar o Estado do Vaticano e, por

isto, também nao quería respeitar os diplomatas alemáes acreditados junto á Santa Sé. Interrogado a respeito da maneira de tratar o Vaticano, respondeu o Prime¡ro-M¡nistro Winston Churchill:

"Como o poderíamos tratar se nao com o máximo respeito?" - Estes episodios contribuiram para aproximar ainda mais Osborne e Pió XII, Mons. Tardini e, principalmente, Mons. Mon-

tini, o futuro Papa Paulo VI. O papel desempenhado por Osborne foi tao bem sucedido que o Primeiro-Ministro Harold Mac Millan (de 1957 e 1963) tinha sobre a sua escreyaninha um retrato de Pió XII, autografado por este Pontífice, que atestava o prestigio moral da Santa Sé. Urna

vez aposentado, D'Arcy Osborne fixou residencia em Roma,

num predio que Ihe permitía avistar a cúpula de Sao Pedro. No fim da vida herdou o título de Duque de Leeds (de um primo distante) e grande riqueza, que ele aplicou em beneficio de um Educandário para rapazes dirigido pelos

Padres Salesianos. Morreu aos 20/03/1964, como homem benemérito e digno de estima.

5. Ainda um depoimento As infprmacoes fornecidas por Osborne e Chadwick podem contribuir valiosamente para dissipar preconceitos e mal-entendidos a respeito de Pió XII. Parece oportuno acrescentar-lhes o testemunho da Irma Pasqualina Lehnert, que acompanhou este

Papa durante quarenta e um anos, prestan-

do-lhe servicos domésticos. Esta Religiosa, solicitada pela Madre Geral de sua Congregacao (Irmas da Santa Cruz), escreveu grosso livro de Memorias

Policía Alema.

441

H)

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

intitulado Ich dürfte ihtn dienan. Erinnerungen an Papst Pius XII1 (Neu-

mann Verlag, Würzburg 1982). É saliente a convergencia do seu testemunho com o dos historiadores citados. Vao, a seguir, traduzidas algumas passs-

gens deste livro referentes a Pió XII e os judeus; o texto básico utilizado é o da edicao francesa, aumentada pela autora em relacáo a alema: "Que nio fez Pió XII em favor dos judeus perseguidos, cu/o extermi nio, como se sabe, era, desde o inicio, o objetivo de Hit/erl De todos os mo dos possfveis e imagináveis, nos Inés procuramos abrigos; o Papa ajudou miIhares deles a emigrar para além-mar; procuramos também reunir o ouro necessário para resgatar os reféns. Pió XII que, em vista da reputacao e da hon ra da Igreja, era obrigado a fazer publicamente o que em outras circunstan cias teña realizado em silencio, ficava sempre feliz quando podía praticar o bem discretamente, sem o proclamar sobre os tetos. Podaríamos contar muí-

tas coisas, se nio soubéssemos que, fazendo-o, estaríamos contrariando a

vontade do grande Pontífice. Nao foi sem motivo que o ex-rabino de Roma1

foi mais farde tocado pela graga e, edificado pelo bom exemplo dos cristios, se converteu ao Catolicismo; escreveu entSo: 'Nenhum herói da historia ja máis comandou um exército mais corajoso, mais atacado, mais heroico, do que Pío XII em nome da caridade Cristi'.

É com horror que nos lembramos daquela manha de agosto de 1942, quando os ¡ornáis, com grandes manchetes, trouxeram horrfveis noticias: o protesto oficial dos Bispos holandeses contra a desumana perseguicio aos ju deus moverá Hitler a mandar prender de nolte 40.000 judeus e a ordenara sua morte. Entre eles encontrava-se a célebre filósofa e carmelita Edith

Stein, cujo itinerario de vida Pió XII acompanhara com muíta simpatía. — Os jomáis da manha foram levados ao escritorio do Santo Padre, que se aprestava para dar audiencias. Apenas leu os títulos e tomou-se branco co

mo um lenpol. De volta das audiencias (jé eram 13 horas, momento de almófar), antes de passar para a sala de refeicoes, o Santo Padre, tendo na mió duas grandes folhas cobertas de densa escrita, foi á cozinha (onde havia

a única possibilidade de mandar queimar alguma coisa) e dt'sse: 'Desejo queimar estas folhas; sao o meu protesto contra a horrenda persegu¡fio aos judeus. Este texto deveria saír publicado em L'Osservatore Romano desta tarde. Mas, se a carta dos Bispos holandeses custou 40.000

1

"Tive o privilegio de servir-lhe. Recordares do Papa Pió XII".

2 Tratase do Rabino Zolli, que, ao ser batizado, tomou o nome de Eugenio precisamente em homenagem ao Papa Pió XII (Eugenio Pacelli). Tomou-se

Professor de Lihgua e Cultura Hebraicas no Pontificio Instituto Bíblico de Roma. (Nota do tradutor). 442

PIÓ XII, OS NAZISTAS E OS JUDEUS

vidas humanas, o meu protesto poderia custar talvez 200.000. NSo devo nem posso assumir esta responsabilidade. Por isto é melhor que em público eu me cale e que faca em silencio, como antes, tudo o que se/a possfvel fazer em favor desse pobre povo'.

— 'Santo Padre, tomei a liberdade de objetar, nSo seria pena queimar o que V. Santidade assim preparou?PoderSo precisar disso um dial' - 'Eu também pensei nisso, respondeu Pió XII, mas se, como sempre estao a repetir, entrarem aquí por forca e encontrarem estas folhas (o meu protesto está redigido em tom muito mais incisivo do que o protesto holan dés), que farao dos católicos e dos ¡udeus sob a espada alema? Nao; é melhor destrui-to'.

O Santo Padre esperou, para deixar a cozinha, que as duas grandes fo lhas estivessem completamente queimadas...

Hitler estava decidido, como evidencia a sua intervencao na Holanda, a realizar o exterminio dos /udeus com um cinismo que os protestos só tornavam mais brutal. As próprías v(timas da perseguido nao cessavam de conju rar o Santo Padre para que só as ajudasse secretamente. No discurso ao Reichstag de 30/01/1939, Hitler declarou: 'Parece que no estrangeiro certos ambientes alimentam a opiniao de

que solidarizar-se em alto tom com elementos que, na Alemanha, estao em oposicao á leí, podaría provocar urna melhora da situacao destes. Talvez tenham a esperanca de que, por meios publicitarios, poderao exercer sobre o Governo da Alemanha urna influencia terrorista. Esta opiniao funda-se sobre um erro capital. No apoio que os estrangeiros dao a certas iniciativas dirigi das contra o Estado, vemos a mais cabal confirmacao de que sao obras de

alta traicáo!. . . Tal apoio, portanto, parece destinado aqueles que projetam aniquilar o Reich alemao. é esta a razio pela qual veremos em cada caso par ticular mais um imperioso motivo para reforcar as medidas repressivas'.

fstas declaracoes nos dizem nítidamente e sem rodeios que Pió XII

(cu/a inteligencia o levava a sempre examinar, em primeiro lugar, as conse-

qüéncias dos seus atos) teve razio ao imaginar e cumprir tudo o que fez pe los /udeus em segredo e sem espalhafato, a fim de nao atrair sobre e/es novas desgracas, em vez da ajuda e da salvacao almejadas...

10 de setembro de 1943\ Quem nao se lembra desse dia em que os ale-

mies entraram em Roma?. . . Os ocupantes inimigos praticavam abertamente e sem cessar a caca ao ser humano. O medo de ser preso e deportado para

um campo de concentracao era tal que hoje ninguém tem idéia. Aspessoas tentavam esconderse de todos os modos possfvels e imagináveis, e também 443

JI2

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

nessas circunstancias era o Santo Padre quem mandava abrir as portas. O Va ticano, os numerosos mosteiros, os colegios, tudo se tornou lugar de asilo em favor dos que eram cerneados e perseguidos. O Papa mesmo ajudava a recon fortar os clandestinos e a tornar-Inés a pousada suportável. E tudo devia rea lizarse no maior segredo, pois chegavam sempre novos fugitivos e os queja estavam em seguranca nao deviam correr perígo. Pió XII quería ajudar, aju dar todos os que estavam aflitos. Nao se fazia discriminado; eram acolhidas até pessoas que pagaram ao Papa com ingratidio e calúnias... Ele quería sa ber sempre tudo e ser informado a respeito de tudo o que fora feito e de tu do o que restava por fazer, e nunca se cansava de dar... Diante da aflicSo e da miseria sempre crescentes da populacao que so

fría da guerra por térra e pelos ares, o Santo Padre percebia que os recursos dos quais dispunha eram de todo insuficientes para ajudar tanto quanto ele quería e era necessário. Indagou entao se nSo havia objetos de valor que pudessem ser vendidos. . . Pensou nos tesouros dos Museus e ñas estatuas das Galerías. Foi necessária toda a capacidade de persuasSo de alguns peritos pa ra impedi-lo de dar todos esses va/ores. De resto, onde se tena encontrado um comprador naque/a época? E mesmo tena sido impossfvel manda-Ios para o estrangeiro. E que haveríam dito as pessoas mal intencionadas se se tivessem vendido esses objetos? Pío XII observava: 'Sempre haverá algo a dizer em contrario; sempre se pode interpretar mal a mefhor atitude e a melhor

das intencdesV Ele nao se preocupava com o que diziam: o que ele quería,

era ajudar a sua cidade, ajudar a todos, onde quer que fosse possfvei. Nem as

sentinelas alemas na entrada da Praca Sao Pedro ficavam excluidas dessa bondade. Enquanto elas, debaixo de forte chuva, faziam os seuspassos, ele

exclama va: 'Coitados desses rapazesl Voces podem retirarse para a sua gua rida ! Estejam ceños de que o Papa nao fugirá!'

Pió XII sabia muito bem quem é que os adversarios mais procuravam. Ele nao tinha medo de que os soldados, no caso de penetrarem os seus apar tamentos, pudessem encontrar ai objetos de valor — estes só existiam na imagínacao dos ¡ornalistas. Mas era preciso pdr os papéis em lugar seguro, e foi encontrado para eles um excelente escondenjo. . . O Santo Padre nao parecía preocupado ao saber que certas vozes clamavam cada vez mais forte, exigindo que deixasse Roma e fosse deportado para a Alemanha, onde, a

quanto se diziá, tudo estava preparado para hospedá-lo... Certa vez um Ofi cial alemao (o General Wolff) pediu audiencia a Pió XII e o informou clara e abertamente a respeito do que Hitler quería fazer com o Papa. . . Mesmo

após ter sido assim exatamente informado, o Santo Padre nada mudou em

seus hábitos cotidianos" (Pie XII. Mon privilége fut de le servir. Téqui, París 1984, pp. 134-140). *

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444

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PIÓ XII, OS NAZISTAS E OS JUDEUS

13

Os dois testemunhos - o do Ministro D'Arcy Osborne e o da Irma Pasqualina — falaram do que viram, ouviram e experimentaram numa conviven cia assi'dua com Pió XII. Tém autoridade inigualável para descrever sua personalidade. Possam encontrar audiencia desapaixonada nesta hora em que é

posta em foco, nem sempre objetivamente, a figura do grande Pontífice!

APÉNDICE A visita do S. Padre JoSo Paulo II á Alemanha em maio pp. deu ocasiao a que se levantassem novamente objegoes á atuacao da Igreja frente ao nacional-socialismo (1933-1945), como se tivesse sido conivente com as

práticas de barbarie entao verificadas ou, ao menos, como se tivesse cedido á covardia.

Em conseqüencia, a revista La Civiltá Cattolica, em seu n?3291/3292, de 1-15 agosto 1987, pp. 209-221, artigo de Robert Graham (I progetti di Hitler per la Chiesa e l'Attegiamento di Pió XII), tece oportunas observacoes, das quais referiremos as principáis:

1) Concordata com o Terceiro Reich. Em sua campanha eleitoral, Hitler afirmou que respeitaria as bases religiosas da sociedade alema representadas pelo Catolicismo e o Protestantismo. Logo que subiu ao poder, convidou a Santa Sé a fazer urna Concordata que definiría um respeitoso tratamento pa ra a Igreja. O Vaticano nao podia rejeitar tal proposta, que parecía ser um sinal de boa vontade da parte do Governo alemao. Essa Concordata nao significava aprovaclo de alguma ideología, mas apenas estabelecia normas de comportamento pacífico entre o Estado e a Igreja frente a assuntos de inte-

resse comum (escolas, assísténcia religiosa ás Forcas Armadas, liberdade de culto. . .), sem trair os principios do Catolicismo. - Infelizmente, porém, tal Tratado, como tantos outros assinados pelo Governo hitlerista, foi frontalmente violado pelo nacional-socialismo. Durante a perseguidlo, a Concor data serviu, ao menos, de baliza aos católicos para poderem protestar contra os avancos do Terceiro Reich.

As sucessivas infracóes das normas concordatarias inspiraram ao Papa

Pió XII a Encíclica Mit Brennender Sorge (Com ardente preocupacao) de 14 de marco de 1937, escrita em alemao para que mais fácilmente fosse divul

gada no territorio do Reich: era so lene condenacao do nacional-socialismo. 2) Os protestos contra as arbitrariedades do nacional-socialismo foram expressos nessa Encíclica. Todavía a publicacao deste documento, em vez de redundar em abrandamento da violencia nazista, provocou mais fortes repre salias á Igreja na Alemanha: moveram-se novos e novos processos contra o clero e sua honestidade e sua fidelidade ¿ patria. . . O campo de concentra445

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cao de Dachau tornou-se um dos cenários mais freqOentados pelos algozes nazistas e suas vítimas: de 1940 a 1945 cerca de 2.800 sacerdotes e Religio sos passaram por Dachau; no fim da guerra, apenas 816 ainda estavam vivos; eram nao somente alemfes, mas vinham tambóm dos territorios ocupados da Holanda, da Bélgica, do Luxemburgo, da Franca, da Eslovenia, da Italia...

3) Está comprovado que Hitler queria destruir a Igreja Católica. Varias testemunhas declararam ter ouvido as seguintes palavras de Hitler: "Destruirei o Cristianismo sob o meu calcanhar, como se destrói um sapo!". Pió XII tinha consciéncia desta intencao através de informacóes que os Bispos alemaes Irte enviavamda Alemanha, servindo-se da mala diplomática da Nunciatura de Berlim. Destacaram-se especialmente nesseservico informa tivo e na resistencia ao nazismo os Bispos Adolf Bertram de Breslau (hoje Wroclaw), Konrad von Preysing de Berlim, Clemens von Galen de Münster,

Conrad Groeber de Friburgo i./Br. Alias, a destruicao da Igreja comepava lo go nos territorios ocupados, particularmente na Polonia: os mosteirose con ventos eram fechados: somente os adultos podiam participar de agremiacóes católicas e receber o Batismo; os ministros do culto deveriam exercer outra profissao; o trabal ho com os jovens era proibido... No Wartheland ou Warte-

gau (Polonia ocupada pelo Reich), o Governador Arthur Greisler, porordem de Hitler, devia instaurar um Estado sem Deus, modelo que seria aplicado a toda a Alemanha. O Cardeal Adolf Bertram, aos 14/4/1941, enviou ao

Papa Pió XII copia de um projeto de treze pontos concebidos pelo Governa dor para exterminar a Igreja Católica na regiao.

Foram estes propósitos, cuja execucüo era palpave I, que levaram Pió XII a agir discretamente contra o nacional-socialismo, evitando provocar a recrudescencia das invectivas; estas se mostravam tanto mais violentas quan-

to mais eram denunciadas.

A agio do Vaticano contra o nacional-socialismo está documentada em volumes diversos, dos quais sejam citados: Actes et documents du Saint Siega relatifs á la seconde guerre mondia-

le. 3 vols. Cittá del Vaticano 1967. The Persecution of the Catholic Church in the Third Reich. Facts and Documents.

D. ALBRECHT, Der Notenwechsel zwischen dem Hl. Stuhl und der deutschen Reichsregierung. Mainz 1965-1980.

Famoso tambóm é o discurso de Pió XII proferido aos 02/06/1945 após o término da guerra, num verdadeiro desabafo, em que procurou expor discretamente o que ele sabia sobre o nacional-socialismo e as razoes que o haviam impedido de tomar posicoes mais clamorosas. 446

De grande atualidade:

"Doutrina Social Crista" pelo Cardeal Joseph Hoffner

Em síntese: A Igreja dese/a que a Doutrina Social Crista se/a atenta estudada pelos fiéis interessados na questao social. Em vista disto, pódese recomendar o livro do Cardeal Joseph Hoffner, Arcebispo de Colo nia (Alemanha) intitulado "Doutrina Social Crista" em sua traducao brasimente

leira (Ed. Loyola). Á guisa de espécimen do respectivo conteúdo, vai abaixo exposta a doutrina referente á familia, doutrina de inegável valor e atuali dade em nossos días.

Diante dos problemas sociaisde nossos tempos, a Igreja tem suas posicoes e propostas, que constituem a Doutrina Social Crista. Esta deriva do

Evangelho as suas diretrizes, que, se fossem fielmente aplicadas, isentariam a

sociedade de muitos males que a afligem; sim, trata-se de uma Ética que res pe ¡ta a pessoa humana e Ihe pede que se coloque a servico do bem comum, superando todo tipo de egoísmo (o que engrandece o próprio individuo ge neroso).

Para facilitar o ensino da Doutrina Social da Igreja, existe em portu gués o compendio intitulado "Doutrina Social Crista" da autoría do Cardeal

Joseph Hoffner, Arcebispo de Colonia (Alemanha)'. Esta obra se recomenda ao público em geral pela clareza e profundidade de suas explanacoes; nao mostra apenas o pensamento cristao, mas expoe também sumariamente o

histórico e a atualidade de cada problema — o que muito enriquece o estudo. Compoe-se de duas grandes Partes: a Primeira dita "Fundamentaclo" aborda os títulos: "Individuoe Sociedade", "Principios Ordenadores da Sociedade", "Direito e Justica". A segunda Parte ("Estrutura da Ordem Social") conside ra "Matrimonio e Familia", "Trabalho e Profissao", "Economía", "O Esta

do", "Comunidade dos Povos": sao estudadas assim as questoes mais can dentes de Direito natural e Direito positivo, sexualidade e familia, autorida-

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Ed. Loyola, Sao Paulo 1987, 140 x 200 mm, 239 pp. 447

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de, trabalho e lazer, rendimentos da térra, juros, renda do trabalho, poder do Estado, solidjriedade económica do género humano ... Ñas páginas subseqüentes, reproduziremos o pensamento do autor e da Igreja sobre a Familia (pp. 77-95), dada a atualidade da temática.

1. Familia, comunidade de vida (pp. 77-86) A familia é a comunidade de vida natural dos pais com a prole, que se forma mediante o matrimonio, sobre o qual Deus derramou a sua béncao; e ao mesmo tempo é a célula-mSe da sociedade humana. Em conseqüéncia, to

da tentativa de mudar a estrutura da sociedade nao pode deixar de afetar também a familia. Em diversas épocas houve, sim, pensadores que apregoaram a dissolucao da familia em nome de urna coletivizacao, que destruiría o que há de

mais intimo e profundo no homem. Assim, por exemplo, Platao idealizou um Estado no qual haveria comunhao de bens, inclusive de mulheres e criancas, a tal ponto que "nem o pai conheceria o seu filho, nem o filho saberia quem é o seu pai". Logo após o parto, as enancas seriam levadas ao lactario, que as maes só poderiam freqüentar para amamentar os bebés. As enfermeiras deveriam empenhar-se para impedir que qualquer máe identificasse o seu filho(Politéia457d-464d). No sáculo XVII Tomás Campanella, influenciado por Platao, imaginou a Cidade do Sol (Civitas Solis), na qual nao haveria familias, mas homens e mulheres viveriam em dormitorios separados; obedecendo a ¡ndicacoes médi

cas e astrológicas, as autoridades juntariam os pares adequados para obter a procriacao; as criancas ficariam recolhidas em abrigos estatais, de modo que pais e filhos nao se poderiam conhecer entre si.

Em 1949, o escritor Géorges Orwell pintou com tintas sombrías a so ciedade comunista, sem familia: "No futuro nao haverá nem esposas nem amigos. As criancas serio separadas das maes logo após o parto, assim como

retiramos os ovos do ninho de urna galinha. . . A criacao ficará reduzida a mera formal¡dade que se repete anualmente, do mesmo modo que se renova o cartaode racionamento" (1984. Stuttgart 1950, pp. 31 Os).

As teorías socialistas tém propagado as antigás ideologías antifamília. Segundo M. Horkheímer, a familia seria a origem do "comportamento típi

camente autoritario do qual depende multo a sobrevivencia da ordem bur guesa". Ela teria sido "a produtora dos súditos de sociedades autoritarias" e base do capitalismo. A familia deveria ser substituida pela coletividade das "comunas" e do "CU opcional". Só entao o homem estaría emancipado. 448

"DOUTRINA SOCIAL CRISTA" A doutrina crista rejeita essas teorías e defende a familia, á qual atri

buí duas tarefas: 1) o cuidado das necessidades materiais, e 2) a preocupacíio com os valores espirituais, éticos e religiosos. 1.1. O cuidado dos bens materiais Sao tres os que vém ao caso: 1) O lar. No mundo massificado de hoje, o lar oferece ao hornem a

ocasiSo de se encontrar com os seus, que o tratam nao como número ou co

mo peca de engrenagem, mas como ser humano. Da i desejar-se que o lar seja aconchegante e tenha um espapo comum central, para o qual convirjam to dos os quartos da casa. Além disto, é para desejar que cada familia possa ter sua casa própria. Pió XII acentuou que "de todos os bens capazes de integrar a propriedade particular" nenhum responde melhor á natureza humana "do que o solo, o pedaco de térra sobre o qual mora a familia e de cujos frutos

ela vive, pelo menos em parte". 2} A mesa comum. Confere á convivencia de pais e filhos um trapo sobremaneira íntimo. A crianca que ainda nao "contribuí", recebe todo o ne-

cessário para um crescimento sadio. Assim é despertada na alma infantil a compreensao do que significa ser amado por Deus sem o merecer. A natural distribuicao da comida á mesa do lar faz-se com esperanca na bondade de Deus - razio pela qual nao Ihe pode faltar a prece de acao de grapas.

A mesa deve dar ocasiao também á partilha dos sentimentos e dos ¡n-

teresses de cada um dos convivas num diálogo sincero e íntimo. Infelizmente em nossos dias o silencio ambiguo reina entre pais e filhos ou entre irmáos. Também se

nota que os múltiplos apelos de trabalho e divertimentos tor-

nam sempre mais difícil o encontró dos familiares em torno da mesa co

mum, até mesmo no domingo. Eis ai urna das fontes de desagregacao da fa milia.

3} O comum governo do lar. O lar tem que ser administrado ao me nos no tocante a cozinha-dispensa, á roupa e a conservacio da casa. Geralmente é a mulher quem assume esta funcao numa atitude profundamente abnegada. O retrato da dona de casa foi pintado por alguém que imaginou um viúvo publicando o seguinte classificado num jornal: "Procuro urna mu

lher para a minha casa. Ocupacao, para ela, de 15 a 17 horas por dia, inclusi; ve aos domingos e feriados. Nao se garante o repouso noturno. Espera-se que ela tenha bons conhecimentos culinarios, de corte e costura, além de contabilidade, saúde, pediatria, jardinagem. Oeve ser alegre, sadia, positiva, pa449

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cíente e trabalhadora, sem pretensao a ferias remuneradas"! - O tribunal de Oldenburg calculou que o trabalho de urna dona de casa - aproximadamen te 46 horas semanais - correspondería a 1425 marcos alemaes (KNA,

15/02/1977, n? 7 - 8). No día 8 de junho de 1982 o mesmo Tribunal calcu

lou que urna dona de casa trabalha, em media, 60 horas por semana.

Quando urna fam ília consegue poupar durante anos até adq u i rír casa propria, um grande mérito cabe ao cuidadoso governo da casa por parte da mulher.

E, quando esta fracassa em sua esfera, apesar do bom ordenado do marido, a familia escorrega para a faixa da pobreza secundaría, aquele tipo de pobre za causado pela má administracfo dos recursos.

1.2. O servico aos valores espirituais, éticos e religiosos A familia é a comunidade de educagio e formacao mais importante; o amor e a simpatía que Ihe sao congénitos, irradiam urna forca pedagógica e moldadora da personalidade sem igual. Identifiquemos ai as varias fungóés que tocam aos.pais, á prole e aos avós.

1.2.1. Os pais

A familia constituí, por assim dizer, o segundo se ¡o espiritual, em cujo aconchego a changa deve atingir a sua personalidade moral. Sem a amorosa solicitude que a mae dispensa, a enanca corre o risco de se desviar espiritualmente, apesar dos melhores cuidados materiais, como nao raro pode aconte cer em enancas de orfanato. Por isto o trabalho materno fora de casa repre

senta serio prejuizo, principalmente para as criangas pequeñas, cujas capaci dades espirituais, ainda adormecidas, devem ser acordadas pelo amor da

mié: "Ao sorrir para o filho ao peito, a mae convida-o a responder sorrindo. A partir do momento em que isto acontece, a mae tem a certeza de estar sen do emocionalmente compreendida pelo filho" (August Verter).

A educagio exige a cooperacao de pai e mié. Na sociedade moderna, o homem corre o risco de fícar marginalizado em sua própría familia, seja por

que o trabalho o prende longamente fora de casa, seja porque ele mesmo evi ta a familia. Acontece, porém, que, quando o pai nao tem tempo para a sua familia, o daño é pior do que quando ele nao tem dinlmiro.

A missao educadora da familia encontra grandes díf iculdades na socie dade contemporánea, onde os fílhos. desde cedo, sofrem influencias extraíamilitares. O próprio ambiente fora de casa -a esfera escolare a profesional está dividido, fazendo que o jovem sofra as mais diversas influencias. Diante disto, os pais tém o direito e o dever de escoiher a escola que corresponda b educacao por eles iniciada no lar. Seria contraditória a sociedade democrá450

"DOUTRINA SOCIAL CRISTA"

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tica que, no campo da educacao, só oferecesse a escola estatal, as vezes contra ria ou inadequada á orientacao que os pais, como primeiros educadores, querem dar a seus filhos.

Embora os pais sejam educadores, sabemos que dos filhos emanam

energías rejuvenescedoras e educativas sobre os pais. Entre marido e mulher

os filhos suscitam novo relacionamento, a tal ponto que muitas vezes o ma rido chama sua esposa "máe", sem que tal alocucao signifique dependencia imatura frente á mulher. Os filhos tém o díreito de esperar que os pais se amem mutuamente.

Uma das notas mais típicas da educacao familiar é a partilha da alegría e do sofrimento num clima de solidariedade. Diz Sao Joao Crisóstomo num de seus sermoes: "Quando chegardes em casa, estendei a toalha sobre a mesa, mas também preparai a mesa espiritual.. . e vossa casa se transformará em igreja". No dia seguinte, o pregador voltou ao mesmo assunto: "Quando on-

tem vos disse que devieis'transformar vossa casa em igreja, vos me aclamastes

em alta voz para dar vazao á vossa alegría. Ora quem aceita com tamanho entusiasmo um conselho, mostra-se disposto a segui-lo. Portanto hoje cheguei mais bem disposto a este sermao" {In Gen. serm. 6,2 e 7,1). 1.2.2. Os irmaos

Também os irmaos se educam mutuamente. Apesar das diferenpas de idade, sexo e temperamento, constituem uma comunidade viva, cujos membros, sem cessar, se influenciam mutuamente uns aos outros e com grande intensidade. Pode ser especialmente vantajoso o relacionamento de irmao com irma; pode ser até a melhor escola de amor conjugal, visto que nao é normal manter apenas relapoes eróticas com o outro sexo. 1.2.3. Os a vos

Os avós, pela sua experiencia de vida e pela sua maturidade, podem

contribuir muito positivamente para a consolidacao e harmonia de uma fa milia, embora nao pertencam essencialmente á estrutura familiar. Verdade é que pode haver anciaos que, caindo na decrepitude, se tornam um tanto in fante, e pouco podem fazer pelas geracóes mais novas. Também se deve apontar o perigo de que os avós "papariquem" os netinhos, especialmente na ausencia da respectiva máe, contrariando o sistema educacional dos pais.

Eis por que nao deixa de ser problemático aceitar a presenca dos pais no lar

dos filhos casados. Em geral, os pais idosos só se devem transferir para a ca sa dos filhos, quando o casal (que precisa de estar mais só justamente nos

primeiros anos de casamento) já se estabeleceu e consolidou desde alguns

anos.

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2. A Familia como célula da sociedade (pp. 86s) Há quem queira ver na familia a fonte de toda a socializacáo do homem; estariam contidas na familia as estruturas mais complexas da soctedade - parentela, tribo, povo, nació - como na sementé do carvalho está contida toda a árvore respectiva. A doutrina crista nao aceita tal teoría: a multi forme vida social nao está comida em miniatura na familia. Aldeias, cidades, empresas, clubes, Universidades, Estados.. . nao podem ser reduzidos, sem

mais, ao mesmo denominador comum; nao sao nem desdobramentos da fa milia nem reproducdes da estrutura familiar.

Segundo o pensamento cristao, a familia é a célula da sociedade em

duplo sentido:

- sentido biológico: a familia é a célulamae da sociedade; por isto um povo "no qual o matrimonio e a familia se desagregam, está cedo ou tar

de fádado á ruina" (Pió XII);

- sentido ético: a familia é a primeira fonte da educacao e dos valores moráis da sociedade. O homem aprende na familia as virtudes sociais sem as quais a sobrevivencia da sociedade é impossivel: amor e respeito ao próximo, solidariedade, tolerancia, submissáo, lideranca...

Como célula da sociedade humana, a familia está sob a lei da dispersao. A indissolubilidade atinge o casamento, nao, porém, a familia. A fami

lia moderna urbana costuma espalhar-se após alguns decenios; a parentela vai

procurar estudo e trabalho em lugares freqüentemente distantes do respecti vo berco. Os genitores tém a missao de preparar seus filhos para a maturida-

de e a autodeterminacao, cada qual seguindo o seu caminho próprio, de acordó com as suas aptidoes pessoais; pai e máe devem desempenhar esta tarefa com altruismo, embora isto Ihes cause certa melancolía. Nao Ihes é lici

to prejudicar o futuro dos filhos por motivos egoístas como seriam: manter

"mao-de-obra barata" em favor do trabalho profissional do pai ou da mae; procura de apoio por parte da mae so 11eirá, desquitada ou viúva; regíme pa triarcal exercido pelo pai; sentimentalismo, quando se trata da escolha da vida sacerdotal ou da consagracao religiosa... Reza um adagio árabe: "Tu és o arco que atira a flecha como flecha viva", os pais geram um ser vivo, cha mado a ser autónomo, e nao um boneco.

3. Atrofia e mudenca de funcoes da familia (pp. 87-91) O divorcio tem prejudicado grandemente o sentido e a funcao da fa milia na sociedade. Tem-se, por isto, falado de "atrofia das funcoes" da fa

milia. Vejamos qual o sentido desta expressao. 452

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3.1. Atrofia e mudanza de funcoes

A atrofia de funcoes ocorre quando sao afetadas as tarefas básicas da familia, ligadas ao lar, á mesa comum, á administracio de casa, aos valores espirituais, éticos e religiosos. Verifica-se que, de fato, em nao poucas famflias já quase nao existe mesa comum, pois o pai e a míe comem no restau rante da empresa, e os filhos na escola. Nao raro os pais e filhos transferem para fora de casa o alvo de seus interesses mais profundos, de modo que o lar se torna quase urna pensao ou um dormitorio. Nao rezam em comum nem inscrevem as festas religiosas no calendario do lar. Assim também se atrofia a funcao educacional da familia.

Todavia deve-se ponderar que na sociedade moderna nao é possível viver urna vida familiar tao rica de atribuicóes como era antigamente. Com efeito; outrora ou na época pré-industrial a familia era escola profesionali zante para os jovens; era hospital ou asilo para os anciaos, era quase auto-su ficiente no plano da alimentadlo e do vestiario. Em nossos dias a aprendizagem profesional, a medicina, a industria se acham tao especializadas que a familia tem de recorrer a instituicoes extra-familiares para prover aos seus interesses (escolas técnicas, hospitais, fornecedores de fábricas...). Esta realidade nao prejudica o que deve haver de essencial na familia; ao contra rio, pai e mae, dispensados de afazeres técnicos ou especializados, podem melhor dedicar-se aos seus deveres específicos e intransferiveis. - Em nossos dias verifica-se que os pais sao solicitados a tomar parte na educacao dos fi lhos ministrada pela escola mediante, por exemplo, as Associacóes de Pais e Mestres.

3.2. O trabalho das mulheres fora do lar

Eis um assunto que se prende á alteracao das funcoes na familia. É de notar que já na era pré-industrial a muiher podia ocupar-se com a lavoura, o artesanato e o comercio (cf. Proverbios 31,10-31). Em nossos dias os apelos

para que a muiher trabalhe fora do lar sao particularmente freqüentes e sig

nificativos. Há tarefas muito próprias para a muiher, como a medicina, a enfermagem, o magisterio..., visto que tocam de perto a vida em suas diversas fa ses. Além disto, a própria muiher casada se senté nao raro desejosa de trabaIhar fora, motivada por razoes varias: ou para atender ao orcamento da casa ou para conquistar um pouco mais de conforto ou para fugir da monotonia

caseira ou porque, no tempo de solteira, se acostumou a ganhar seu dinheiro próprio.

Em alguns casos as atividades da muiher extra-lar nao afetam o ritmo da familia, principalmente se os filhos já podem dispensar os constantes cui dados maternos. . . Mas é evidente que, em nao poucos outros casos, a mu453

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Iher casada e o lar sao prejudicados pela ausencia da esposa e mae; por isto dizia o Papa Joto Paulo II na Carta Apostólica Familiaris Consortio n?23:

"Se há que reconheceris mulheres, como aos homens, o direito de as cender ¿s diversas tarefas públicas, a sociedade deve contudo estruturar-se de maneira que as esposas e as mies nSo sejam constrangidas a trabalhar fo-

ra de casa e a familia possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao próprio lar.

Além disto, é preciso superar a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da atividade familiar... A verdadeira promocao da mulher exige também que se/a claramente reconhecido o valor da sua funfSo materna e familiar em confronto com to

das as outras tarefas públicas e com todas as outras profissoes".

4. A política familiar na sociedade moderna1 (pp. 91-94) Por "política familiar" entende-se a arte de orientar as familias de tal modo que elas possam cumprir seu papel em favor dos respectivos compo nentes e da sociedade a que pertencem.

A política familiar deve levar em conta os índices de natalidade e mor tal idade, pois estes afetam profundamente nao so a familia, mas a grande so ciedade como tal.

Até o inicio da era industrial, a populacao ocidental manteve-se mais ou menos estável, pois a taxa de natalidade era contrabalancada pelo elevado índica de óbitos infantis. A seguir, porém, a mortalidade infantil comecou a ser controlada pela medicina. O controle da natalidade era quase desconhecido, de modo que, na prime ¡ra metade do sáculo XIX, a populacao da Euro pa, de 187 milhoes, subiu para 266 mílhSes: e na segunda metade cresceu de 266 para 400 milhoes. No comeco do século XX, a natalidade comecou a baixar - o que se deve a causas diversas: a crise habitacional, o aumento do trabalho feminino fora do lar, a degradacao do valor social da familia de muitos filhos, o sistema salarial orientado para o individuo e nao para a fa milia. . . Todavía o homem na sociedade do bem-estar nao pode abrir mió da originalidade da enanca. Ñas longas horas de lazer, a presenca de criancas significa felicidade e alegria para os cdnjuges.

1 O autor considera principalmente a situagao dos pafses europeas, onde

as taxas de natalidade sao muito inferiores ás de outros continentes. 454

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Verifica-se, porém, na Europa a tendencia a haver maior número de

mortes do que de nascimentos; há mais esquifes do que cercos na sociedade européia. . . Assimem 1975, na Alemanha Ocidental, registraram-se 97 nas cimentos contra 121 óbitos num total de 10.000 pessoas. Em 1981 o mes mo pafs registrou 97.635 mais óbitos do que partos; neste mesmo período 87.535 abortos cortaram a vida antes de nascer. Esta situacao acarreta duas conseqúéncias de peso:

1) a desclassif¡cacao social das familias numerosas. O padrao parece ser a famflia que nao tem filhos ou que tem apenas um ou dois. As famflias mais numerosas sao entao prejudicadas: residencias piores, embora tais fa

milias precisem de casa maior e mais bem montada; menos chances de for mar os filhos e de vlver com dignidade.

2) Se o processo de encolhimento da famflia prosseguir, há o perigo de em poucos decenios faltar o material humano ou o pessoal necessário pa ra atender aos ¡nteresses da nacao. Há quem alegue que o número decréten te de nascimentos é compensado por automacao crescente, que dispensa a mao de obra humana. Isto, porém, nao dissipa o triste quadro de urna socie dade que vai numéricamente definhando, ao mesmo tempo que sofre o de-

clfnio dos valores moráis.

5. Matrimonio e virgindade (pp.94s) Seria falso, para um cristao, talar da grandeza do matrimonio e da fa mflia sem mencionar o valor da virgindade consagrada a Cristo. Há quem afirme que urna mulher solteira é inútil, nao passando de "meia-criatura humana". - Esta tese é falsa: matrimonio e maternidade nao

esgotam as possibüidades de realizacao pessoal da mulher. Pió XII, aos

15/09/1952, referiu-se severamente aos "pregadores, oradores, escritores,

que nao encontram palavra alguma de elogio para a virgindade consagrada a

Cristo, eles que, há anos, apesar das admoestacoes da Igreja e contra asconcepcóes desta, colocam o matrimonio ácima da virgindade, e que chegam até a defender o matrimonio como único meio para a total realizapao da perso-

nalídade humana".

A virgindade e o celibato cristaos tém o sentido de permitir maior identif¡cacao com Cristo e, de certo modo, mais ampia fruicao dos bens defi nitivos. Observa o Senhor que, após a ressurreicao, "eles nao se casarao nem elas serao dadas em casamento, mas serao semelhantes aos anjos; sao filhos de Oeus, sendo filhos da ressurreicao" (Le 20,35s). 455

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Quanto á jovem crista que fica solteira contra o seu desejo, dizia Pió XII aos 21/10/1945 que, "se ela acredita na Providencia Divina, pode iden

tificar ñas vicissitudes da vida a voz do Mestre:'O Mestre está ai e te chama!'" Em vez de resignarse a urna vida inútil e sem sentido, ela assuma tarefas

múltiplas e arrojadas, que nao podem ser desempenhadas pelas mulheres comprometidas nos problemas de suas familias e com a educacao dos proprios filhos, nem pelas que se recolheram ao ámbito da clausura monástica. *

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Eis alguns traeos que bem caracterizam o livro em foco e o recomenaos estudiosos de tao candente temática.

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Nos Somos Um. Retiro Trinitario, por Dom Valfredo Tepe, O.F.M. Ed. Vozes, Petrópolis 1987, 135 x 210 mm, 147 pp. O autor é o Bispo de llhéus (BA). Solicitado por um grupo de fiéis ca tólicos de Salvador, pregou-lhes um retiro sobre a SS. Trindade, inspirándo se no famoso ícone do pintor russo André Rublev. Interpreta com profundidade teológica os trapos desse quadro, que muito se presta á meditacao; desenvolve assim a doutrina da SS. Trindade em vista da vida espiritual e da uniao com Deus. O autor revela-se mestre de espiritualidade, principalmente ñas primeiras páginas (13-19), onde expoe o que é um Retiro. As pp. 98-102 aborda a candente questao da lei natural e da sexual idade, reafirmando os

principios da doutrina da Igreja. De modo geral, considera os grandes temas da vida crista {Igreja, Grapa, Sacramentos, dons do Espirito. . .) com segu-

ranca e fidelidade - o que muito valoriza o livro. - No final, porém, enun cia os nomes de seus teólogos referenciais, colocando no mesmo plano Hans Urs von Balthasar, Walter Kasper, Mario Franca Miranda. Cirilo Gomes e Leonardo Boff — o que é estranho... Ver p. 146, onde também há despro

positada menclo da "Trindade amiga, Trindade irma". Isto nao diminui o significado positivo do livro como alimento para a meditacáo e a oracio. E.B.

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Aborto: homicidio ou nao?

Quando Comeqa um Ser Humano? Em si'ntese: O Prof. Jéróme Lejeune. geneticista francés, consultado pelo Senado norte-americano a respeito do ponto inicial da existencia do individuo humano, elaborou um relatarlo cu/o texto vai abaixo transcrito om traducao portuguesa. Declara que, desde o momento da fecundacao do

óvulo pelo espermatozoide, há toda a informacao genética necessária e sufi

ciente para formar um individuo novo. Basta deixar que se desenvolva ñas eondicoes exigidas pela natureza para que se percebam todos ossinais caracte rísticos do ser humano; em conseqüéncia, nao se pode, científicamente falando, duvidar de que logo após a conceicao existe urna pessoa em formacao.

Logo no inicio do primeiro mandato do Presidente Ronald Reagan, ¡nstaurou-se nos Estados Unidos da América ándente polémica a respeito do

aborto:

estava comprovado que naquele país urna enanca sobre tres era eli minada antes de nascer. 0 Senado norte-americano, impressionado pela pro blemática, pds-se a considerá-la com seriedade. E, a fim de tomar posicio, procurou ¡nformacoes dos cientistas a respeito do momento em que o con cepto pode ser considerado auténtico individuo humano, pois tal questao é decisiva para se definirem os direitos da crianga. Em vista de urna resposta,

foi consultado, entre outros, o Prof. Jéróme Lejeune, francés; os títulos e méritos deste mestre e a sua posicao se acham expostos no texto que transcrevemos a seguir e que corresponde ao relatório apresentado á Comissao

Senatorial encarregada do inquérito, aos 23 de abril de 1981. 0 próprio au tor deu a seu trabalho o título de

TESTEMUNHO "Meu nome é Jéróme Lejeune. Doutor em Medicina e Doutor em Ciencias, sou responsável pela Clínica e pelo Laboratorio de Genética do Hospital de Pediatría destinado aos pacientes feridos por debilidade mental. 457

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

Após ter pesquisado em tempo integral durante dez anos, tornei-me Professor de Genética Fundamental na Universidade Rene Descartes.

Há cerca de 23 anos descrevi a primeira doenca cromossómica em nossa especie devida ao cromossomo 21 extra-numerário, típico do mongo I ismo. Em conseqüéncia, tive a honra de receber o Premio Kennedy das maos do falecido Presidente e a William Alien Memorial Medal da Sociedade Americana de Genética Humana. Sou membro da Américan Academy of Arts and Sciences.

Com meus colegas do Instituto de Genética de París, nos dedicamos á descricao das etapas fundamentáis da hereditariedade humana. Pelo estudo comparativo de numerosas especies de mamíferos, inclusive os simios antropóides, estudarhos as variacoes cromossómicas registradas no decorrer da evolucao. Na especie humana, analisamos mais precisamente os efeitos desfavoráveisde certas aberracóes cromossómicas. Nestes anos demonstramos pela primeira vez que uma doenca cromos sómica pode ser combatida por um tratamento adequado... Mostramos que um tratamento químico pode curar a lesao cromossomica em

culturas de tecidos. Mais: uma dosagem apropriada de produtos químicos (monocarbonatos e suas moléculas vetoras) melhora simultáneamente o comportamento e as atividades mentáis das enancas afetadas. Assim a pesquisa meticulosa realizada sobre certos mecanismos da vida pode levar a uma protecao direta de vidas humanas em perigo. ~

Quando comeca um ser humano? Desejo trazer a esta questao a resposta mais exata que a ciencia pode atualmente fornecer. A biología moderna ensina que os ancestrais sao unidos aos seus descendentes por um Mame material continuo, pois é da fertilizacao da célula feminina (o óvulo) pela célula masculina (o espermatozoide) que emerge um novo individuo da especie humana. A vida tem uma longa historia, mas cada individuo tem o seu inicio muito preciso, o momento de sua conceicao.

O liame material é o filamento molecular do ADN. Em cada célula reprodutora, essa fita, de um metro de comprimento aproximadamente, é cortada em segmentos (23,na nossa especie). Cada segmento é cuidadosa mente enrolado e empacotado (como uma fita magnética em minicassete), tanto que no microscopio aparece como um bastonete: um cromossomo.

Desde que os 23 cromossomos do pai se juntam aos 23 cromossomos da mae, está coletada toda a informacao genética necessária e suficiente para exprimir todas as características ¡natas do novo individuo. Isto se dá á semeIhanca de uma minicassete introduzida num gravador; sabe-se que produz 458

QUANDO COMECA UM SER HUMANO?

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urna sinfonía. Assim também o novo ser comeca a se exprimir logo que foi

concebido.

As ciencias da natureza e as ciencias jurídicas falam a mesma lingua-

gem. A respeito de um individuo que goza de boa saúde, o biólogo diz que tem boa constituicao; a respeito de urna sociedade que se desenvolve harmoniosamente para o bem de todos os seus membros, o legislador afirma que ela tem urna Constituicao equilibrada.

Um legislador nao consegue entender urna lei particular antes que to dos os seus termos tenham sido clara e plenamente definidos. Mas, quando toda essa ¡nformacao Ihe é oferecida e a lei foi votada, ele pode ajudar a de finir os termos da Constituicao.

Como trabalha a natureza? ■ Trabalha de modo análogo. Os cromossomos sao as tábuas da le! da vi da; quando eles sao reunidos no novo individuo (a votapao da lei é figura da fecundacao do óvulo pelo esperma), eles descrevern inteiramente a Constituicao dessa nova pessoa.

É surpreendente a miniaturizacao da escrita, é difícil crer, embora este ja ácima de qualquer dúvida, que toda a ¡nformacao genética, necessária e suficiente para construir nosso corpo e até nosso cerebro (o mais poderoso engenho para resolver problemas, capaz até de analisar as leis do universo), possa ser resumida a tal ponto que seu substrato material possa subsistir na ponta de urna agulha! Mais impressionante ainda é a complexa soma da ¡nformacáo genética por ocasiao do amadurecimento das células reprodutoras, a tal ponto que cada concepto recebe urna combinacao inteiramente original, que nunca se produziu antes e que nao se reproduzirá tal qual no futuro. Cada concepto

é único e, portanto, insubstituível. Os gémeos idénticos e os hermafroditos verdadeiros sao excecdes á regra: cada ser humano é urna combinacao gené tica. E notemos que as excecdes devem ocorrer no momento da conceicao. Acidentes posteriores nao levam a um desenvolvimento harmonioso.

Todos estes fatos sao condecidos há muito tempo; todos os cientistas já outrora estariam de acordó em dizer que, se existissem bebés de proveta, eles evidenciariam a autonomía do concepto; a proveta nao possuiria nenhum ti'tulo de propríedade sobre eles. Ora os bebés de proveta já existem.

Experiencias recentes

Quantas células sao necessárias para a construpao de um individuo? — A resposta nos é dada por experiencias recentes. 459

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

Se conceptos precoces de camundongos sao tratados com enzimas, as suas células se desagregam. Se, porém, misturarmos tais susper>s6es celulares provenientes de embrides diferentes, veremos que as células voltam a se reu nir. O número máximo de células que operam para a elaboracao de um indi

viduo, é tres.

O ovo fecundado normalmente divide-se em duas células; urna délas se divide ¡mediatamente de novo. Assim se forma o número impar e surpreendente de tres células, encapsuladas em seu involucro protetor.

Segundo os nossos mais adiantados conhecimentos, a individuacao (ou a formapáo de tres células fundamentáis) é a primeira etapa após a concep-

cao, á qual se segué dentro de poucos minutos.

Tudo isto explica por que os doutores Edwards e Steptoe puderam ser testemunhas de fecundacao, em proveta, de um óvulo da Sra. Brown por um

espermatozoide do Sr. Brown. O minúsculo concepto que eles implantaram alguns dias mais tarde no útero da Sra. Brown, nao podía ser nem um tumor, nem um animal. Era, na verdade, a extremamente jovem Luisa Brown, que

tém hoje a idade de tres anos.

A viabilidade do concepto é extraordinaria. Por experiencia, sabemos que um concepto de camundongo pode ser congelado ao frió intenso (até de

- 269 graus) e, depois de reaquecimento delicado, ser implantado com éxi to. Para que naja o ulterior crescimento, requer-se necessariamente a acolhida numa mucosa uterina que forneca a alimentacao apropriada á placenta embrionaria. No interior da sua cápsula vital, que é a bolsa amniótica, o no vo individuo é tao viável quanto um astronauta dentro do seu escafandro sobre

a Lúa: o abastecimento de fluidos vitáis deve ser fornecido pelo organismo da mae. Esta alimentacao é indispensável á sobrevivencia, mas ela nao "faz" a crianpa; da mesma forma nem a nave espacial maisaperfeicoada pode produzir um astronauta. Esta comparaclo ainda é mais significativa quando o feto se mexe. Grapas a urna aparelhagem ultra-sónica muito requintada, o professor lan Oonald, da Inglaterra, conseguiu produzir no ano passado um filme que mostra a mais jovem "estrela" do mundo, ou seja, um bebé de onze semanas

a danpar no útero materno. O bebé, pode-se dizer, brinca no trampolim! Dobra os joelhos, apoia-se sobre a parede, levanta-se e recaí. Visto que o seu corpo tem a densidade do fluido amniótico, ele nao senté a gravidade e danca muito lentamente, com urna grapa e urna elegancia totalmente impossiveis em algum outro lugar da térra. Somente os astronautas, em suas condipóes de nao gravidade, conseguem tal suavidade de movímentos. A propósito notamos que, quando se tratava da primeira caminhada no espapo, os técni

cos tiveram que escolher o lugar onde desembocariam os tubos portadores dos fluidos vitáis. Escolheram entao finalmente a fivela do cinturlo do esca fandro, reinventando assim o cordao umbilical. 460

QUANDO COMEgA UM SER HUMANO?

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Quando tive a honra de dissertar perante o Senado, tomei a liberdade de evocar o contó de fada do homem menorzinho do que o dedo mindinho. Com dois meses de idade, o ser humano tem menos de um polegar de comprimento, desde o ápice da cabeca até a ponta do traseiro. Ele estaría muito á vontade numa casca de nozes, mas tudo já se encontra nele: as

maos, os pés, a cabeca, os órglos, o cerebro, tudo está no seu lugar certo. O coracao já bate há um mes. Olhando de mais perto, veríamos as dobras das suas palmas de mao e uma quiromante leria as maos dessa minúscula pes-

soa. Com uma boa lente de aumento, descubriríamos as marcas digitais. tu do estaria ai para se fazer a carteira de identidade civil desse individuo.

Com a extrema sofisticacao da nossa tecnología, podemos vislumbrar a vida privada dessa criaturinha. Aparelhos especiáis gravam a música mais primitiva: um martelar surdo, profundo, regular, de 60/70 batidas por minu

to (o coracao da mae) e uma cadencia rápida, aguda, de 150/170 batidas por minuto (o coracao do feto) se sobrepoem, imitando os compassos de orques tra e realizando os ritmos básicos de toda música primitiva, sem dúvida, por que é a primeira que o ouvido humano consegue ouvir. Assim observamos o que o feto senté, ouvimos o que ele ouve, prova mos o que ele saboreia e vimo-lo realmente dancar, cheio de grapa e de juventude. A ciencia transformou o contó de fada do Pequeño Polegar numa historia verídica, historia que cada um de nos viveu no seio de sua mae.

E, para que melhor percebais a exatidao das nossas observacoes, acres-

centamos: Se, logo depois da concepcao, varios dias antes da implantacáo, uma única célula fosse retirada desse individuo

semelhante a uma amora

minúscula, poderíamos cultivar essa célula e examinar os seus cromossomos. Se um estudante, observando-a ao microscopio, nao fosse capaz de reconhecer o número, a forma e o aspecto das fitas de seus cromossomos, se ele nao soubesse dizer com certeza se essa célula provém de um simio ou de um ser humano, seria reprovado no exame. Aceitar o fato de que, após a fecundado, um novo individuo come-

cou a existir, já nao é questao de gosto ou de opiniao. A natureza humana do ser humano, desde a conceicao até a velhice, nao é uma hipótese metaf í-

ca, mas sim uma evidencia experimental."

Até aqui o Prof. Jéróme Lejeune. As suas consideracóes nao deixam dúvida sobre o fato de que, quando se extrai do seio materno um feto, é um verdadeiro ser humano que vem assim extraído e. .. quigá condenado á mor-

te!

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Sempre na imprensa:

A Campanha Anti-Aids Em sfntese: O presente artigo aprésenla aspectos médicos e aspectos éticos da epidemia de AIDS, que muito tem merecido a atencao das autori dades públicas e da populacao. Do ponto de vista médico, costuma-se reco mendar o uso de preservativos e a nao multiplicacSo de parceiros para que ha/a relacoes (homo)sexuais tranquilas. — Ora tal proposicao de cautelas pa

rece ignorar que a indiscriminada liberdade sexual é um mal ou urna aberracao nao somente aos olhos da fé, mas também no plano da ética natural; com efeito, a sexualidade, com seu prazer anexo, nao é um fim, mas um meior . . um meio ordenado á plena expressao do amor estável entre um homem e urna muiher que tenham constituido umíaraptooacoiheros frutosdo

seu amor ou os filhos. — A violacao desta ordem natural nao pode deixar de

acarretar dolorosas conseqüéncias, como é, sem dúvida, a molestia em foco. Seria, pois, para desejar que as campanhas antiaidéticas nao se Umitassem a propor paliativos, mas tocassem diretamente o ámago do problema. O crístao nao tem o direito de menosprezar os seus semelhantes enfer

mos, mas há de tratá-los com amor fraterno, observando as medidas profiláticas necessárias para evitar a expansio do mal. - Paralelamente, o doente aidético tomará as providencias presentas para nio contagiar outras pessoas. *

*

*

Frequémenteme os meios de comunicacao social divulgam noticias

referentes á doenca dita AIDS (Acquired Immune Deficiency Syndrome.

Síndrome de Imunodef¡ciencia Adquirida), que se tornou verdadeiro espantalho nos tempos atuais, como se fosse a peste do sáculo XX. Questoes de higiene e medicina, como também ¡ndagacóes de ordem ética, se prendem ao

assunto. Ém vista dos debates travados a respeito, proporemos, ñas páginas subseqüentes, algumas noti'cias e consideracoes.

1. O aspecto médico Antes do mais, ¡mpoe-se urna informacao abalizada a respeito do que é a molestia e das suas implicacoes. Boa explanapao do assunto encontra-se

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A CAMPANHA ANTI-AIDS

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numa Comunicado feita ao público palo Úrgao do Ministerio da Saúde da Italia destinado a estudar o problema. O documento é de fonte segura e tem valor universal:

"A Comissao Nacional para a Luta contra a Al OS. . . formula as seguintes indicacoes e regras de comportamento para evitar a ulterior difusSo dessa molestia:

1) A AIDS (Si'ndrome da Imunodeficiéncia Adquirida) é umadoenca infecciosa, transmissfvel, causa de elevado índice de mortandade. Provocada

pelo virus H.I.V. (Human Immunodeficiency Virus), afeta de preferencia as células do sistema de imunizacao, expondo o individuo a contrair as mais di versas infeccoes e alguns tipos de tumor; o mesmo virus causa urna ¡nfeccao que pode ser responsável por diversos quadros clínicos (os quais podem pre ceder a AIDS), como também pode nao apresentar sintomatologia alguma

(tém-se entao portadores assintomáticos)'.

/ A guisa de complementario, seja acrescentado o seguinte: Em 1983 a equipe do Prof. Luc Montagnier, francés, conseguíu ¡solar o virus da AIDS, hoje designado internacionalmente pela sigla HIV. Este ata ca diversas células do sangue, especialmente os T4-linfocitos, que desempenham funció capital na defesa do organismo: o HIV destrói essas células. Mais recentemente descobriu-se toda urna gama de tipos de HIV, que se dis-

tinguem uns dos outros sob a sua capa de pro teína, e nao somente destroem células do organismo, mas aínda difícultam enormemente a apto de urna vaciña adequada. O portador do HIV está arriscado a cair doente dentro do espaco de quinze anos; qual a porcentagem dos que de fato adoecem visivelmente, é questao aínda nao esclarecida.

No primeiro estágio da molestia, registram-se febre, dores de cabeca e no corpo em geral, e inflamacao de glándulas. Ulterior estágio é caracteriza do pelos mesmos síntomas acrescidos de grande perda de peso, cansaco, diar-

reía e doencas de pele por muito tempo. A doenpa se manifesta em plenitude pelo aparecimento de infecqoes mortíferas, sarcomas e molestias cerebrais; se o virus ataca o sistema nervoso central, provoca mudanzas de perso

nalidade no paciente. Este, quando plenamente atetado pelo virus HIV, po ete ter dois ou tres anos de vida apenas.

Há quem suponha que o berqo da AIDS é a África Central — o que aínda nao é claro.

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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987 2} A fonte de contagio nao sao apenas os doentes declarados, mas

também os portadores assintomáticos.

3) As pesquisas revelaram que a transmissSo do virus ocorre exclusi

vamente atravésde: relacóes sexuais com pessoas atetadas; transfusao de sangue ou plasma ou de fatores de coaguladlo atetados; seringas ou agulhas con

taminadas por sangue atetado; máe atetada que contagia o filho durante a

gravidez ou por ocasiaodo parto ou durante o período de amamentapao.

4) O risco de contagio é aumentado pela frequeme mudanca de par-

ceiro, por relacóes anais, pela repetida troca de seringas, por elevado núme ro de transfusóes.

5) Contudo está demonstrado que mesmo urna única relacao sexual ou um único uso de seringa ou urna so transfusao de sangue de pessoas ateta das pode transmitir a infeccao.

6) Nao se pode evidenciar outro canal de transmissáo. Por conseguin te, no atual estado de nossos conhecimentos nao constituem fatores de ris co: contatos sociais (em ambientes de familia, de trabalho, escola, lugares públicos, inclusive bares e restaurantes, meios de transporte, alimentos, agua, louca, servicos sanitarios, piscinas, etc.); transmissáo por via aérea (go

tas de saliva, cuspe, tosse); contatos esporádicos (aperto de mags...); líqui dos biológicos (urina, saliva, lágrimas...); outros vetores (mosquitos, outros insetos, animáis).

7) Até 22/01/1987 na Italia foram identificados 525 casos de AIDS explícita, mas julga-se que existem cerca de 100.000 pessoas atetadas (sem síntomas ou com manifestacóes clínicas);

8) A grande maioria desses casos diz respeito a algumas categorías de risco: tox¡cómanos e ex-toxicómanos, homossexuais masculinos, pacientes

de varias transfusóes de sangue, filhos de máes toxicó-manas. Recentemente foram registrados casos de pessoas contagiadas seja mediante rela cóes sexuais com individuos pertencentes ás categorías de risco, seja com in dividuos heterossexuais de ambos os sexos (desde que baja elevado número deparceiros).

9) Atualmente, na falta de urna terapia específica ou de urna vacina, o único meio de luta contra a infeccao é a prevencao, que há de obedecer ás seguintes normas:

a) Para a populacáo em geral: Nao fazer uso de drogas, mesmo porque estas diminuem asdefesas imunológicas; evitar relacóes sexuais ocasionáis ou 464

A CAMPANHA ANTI-AIDS

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com parce ¡ros suspeitos ou, ao menos, usar sempre um preservativo; utilizar somente seringas descartáveis e evitar a permuta e o renovado emprego destas; nos casos de transfusao, recorrer a sangue proveniente exclusivamente de Centros de transfusao autorizados; b) Para as pessoas pertencentes a categorías de risco: Submeter-se a

exames clínicos e de laboratorio para averiguar o eventual andamento da infeccao; evitar relacoes sexuais ocasionáis; reduzir o número de parce i ros sexuais; usar regularmente o preservativo; os casáis de pessoas em faixa de risco, desejosos de prole, devem submeter-se a exames previos; c) Para as pessoas já afetadas:

Evitar relacóes sexuais ou, ao menos,

usar regularmente o preservativo desde o inicio do relacionamento; informar

o parceiro a respeito da condicáo doentia do usuario, nem que seja apenas para evitar responsabilidades jurídicas; evitar a troca de artigos pessoais de toilette, especialmente de objetos agudos ou cortantes; evitar doagao de san gue, de tecidos, de órgaos e de espermatozoides; informar o respectivo pes-

soal de saúde (médicos, dentistas, cirurgioes, ginecologistas, analistas...) a propósito do peculiar estado mórbido do paciente; as mulheres afetadas em

idade fértil devem evitar o engravidamento; as mulheres afetadas grávidas devem procurar os Centros Médicos, pois existe elevado risco de transmissao da doenca da mae ao feto; submeter-se a regular controle clínico. d) Quem observa tais normas, nao corre especiáis riscos, se convive com pessoas aidéticas. Faz-se necessário, porém, observar rigorosamente as regras da higiene pessoal.

e) Para os que se dedicam as artes e as profissóes que exigem o uso de agulhas e de instrumentos cortantes, os quais podem provocar sangramento (manicures, pedicures, esteticistas, barbeiros, agentes de maquilagem, de acupuntura...). Embora nunca se tenha demonstrado a transmtssao da doenca mediante os referidos instrumentos, por cautela pede-se a obser

vancia das seguintes normas de higiene (válidas também para a hepatite B): — usar, quanto possível, instrumentos descartáveis e um novo, de cada vez;

— depois do uso, desinfetar os instrumentos com os desinfetantes comuns (inclusive álcool etílico); — lavar os objetos com sabao ou detergente.

No caso de sangramento ou de contaminacao de objetos ou ambientes com sangue, recomenda-se sempre a desinfecpao". 465

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987 Até aqui as autoridades italianas. Compreende-se a oportunidade de

varias destas normas1. A humanidade se vé diante de urna doenca até pouco tempo atrás desconhecída, para a qual ainda nao há nem vacina nem tratamentó eficiente: na melhor das hipóteses, pode-se tornar mais lento o progresso da molestia ou talvez mesmo paralisá-lo. Em conseqüéncia, as autori

dades tém o direito de pedir especial colaboracao da populacáo para evitar a

multiplicacao dos casos de AIDS: quem foi contaminado, trate de aplicar os recursos para nao propagar a molestia, e quem ainda nao o foi, cuide de evi tar o contagio. Quem está em dúvida a respeito do seu estado de saúde (contagiado? nao

contagiado?), procure tirar a limpo a sua situacao; a conduta futura de-

verá depender dos resultados desses exames. Quem temí certeza de estar con tagiado, informe a respeito as pessoas que, pela convivencia, podem correr

riscos de saúde. Estas, porém, guardem o devido sigilo e procurem nao au mentar o sofrimento moral dos pacientes contagiados.

2. O aspecto ético Dois pontos merecem particular relevo. 3.1. AIDS e contagios sexuais

Embora nao se conhecam bem todas as vías através das quais se propa ga a AIDS, é certo que o uso da sexualidade (especialmente no homossexua lismo} é importante fator de transmissao.

Ora nota-se que as autoridades governamentais e outras fontes de informacao silenciam o aspecto moral do relacionamento sexual e apenas re-

comendam que, no exercício da genitalidade, se usem preservativos para os casos de risco e nao se multipliquem parceiros. — Os que assim se pronunciam, dizem que a sociedade hodierna é pluralista, de modo que nao se deve

incutir a Moral a ninguém; ao contrario, é preciso respetar as opcóes éticas

dos demais cidadáos. Aqui tem-se um ponto nevrálgico. - Afinal existe urna Moral natural, decorrente da própria natureza humana e, por isto, válida para todos os ho-

mens; a observancia da mesma é condicao indispensável para que o indivi duo se realize como tal e a sociedade ten ha harmonía e prosperidade. Ora essa Moral natural aponta o homossexualismo e o livre relacionamento sexual

1

O uso de preservativos nao é recomendável do ponto de vista ético, como

se dirá a seguir, nem é totalmente eficaz do ponto de vista médico. — Dafa restricao implícita ácima feita. 466

A CAMPANHA ANTI-AIDS

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como aberracoes; a natureza fez o ser humano bissexuado para que o mas culino ss complete nofemininoe vice-versa, numa uniao plena e estável; o re-

lacionamento homossexual é uma forma de narcisismo,. . . narcisismo esté

ril tanto no plano físico como no moral e espiritual; está comprovado que as unioes homossexuais, embora comecem muito promissoras no tocante ao amor, nao tém estabilidade. Por conseguinte, a sociedade, por meio de seus

porta-vozes auténticos, tem o direito de dizer e lembrar isto aos seus mem-

bros, como tem o direito de afirmar que o furto, a mentira e a desonestidade ferem o homem como homem e a cotetividade inteira. Todavía quem, diante da ameaca de AIOS, apenas recomenda que se usem preservativos ou

nlo se multipliquem os parceiros, está silenciando o cerne do problema; está

implicitamente aceitando a prática homossexual e a equipara á heterossexual. Afirma-se assim de público uma concepcao errónea e destruidora do

bem comum. - Algo de semelhante se diga no tocante ás relacoes heterossexuais livres; quem apenas proclama cautelas para que se evitem inconve nientes de saúde, está supondo a liceidade de tal comportamento.

É por isto que a Igreja se tem pronunciado contrariamente a tal tipo

de campanha preventiva da AIOS; esta nao toca o ámago do problema, que requer, da parte dos homens e mulheres de hoje, uma revisao do procedimento sexual livre preconizado em nossos dias. So mediante o auto-controle e a disciplina necessários para nao ferir a lei natural é que os cidadlos con temporáneos poderlo encontrar a felicidade e a harmonía a que todos aspiram. O perigo de morte suscitado pela AIDS só poderá ser eficazmente re movido, se houver na sociedade contemporánea tal mudanga no modo de viver a sexualidade.

A propósito é oportuno citar as palavras do Cardeal Basil Hume, arcebispo de Westminster, publicadas na revista Time de 07/01/87: "Nao podemos mais aceitar que as pessoas solteiras n§o tenham outra alternativa senao os preservativos ou o contagio. Existe uma terceira vía:re cusar as relacoes sexuais fora do matrimonio. Uma tal disciplina nSo é psico

lógicamente destruidora, mas pode ser a afirmacao positiva de um ideal ra

dical, exigente, mas nao impossível. . . Uma mudanca radical no comporta mento habitual de muitas pessoas em nossa sociedade é possfvel, e até necesserio. Muitos sao aqueles que, recentemente, acabaram por persuadirse da necessidade de adotar um modo de vida mais simples e mais sadio para gozar mais plena e tongamente da vida. Já mudamos hábitos profundamente arraigados nos setores da alimentacSo, da bebida, do fumo, do esporte. É muito mais necessário descobrir a alegría de um amor fiel e de um casamen to duradouro. Isto exige autodisciplina e uma nova tomada de consciéncia. Além disto, uma mudanca tib profunda requer urna campanha global de educacSo e de persuasao do público". 467

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987 O texto propoe um ideal nobre, que desafia a coragem dos homens de

hoje, em parte abalados pelo hedonismo e o consumismo da sociedade mo derna.

3.2. AIOS • sánelo divina

A natureza á sabia, de modo que todos aqueles que a violam sistemáti camente sentem a respectiva sánelo; é o que se dá quando alguém fuma, co

me ou bebe demais. . . É o que se verifica atualmente também em conse-

qüencia de desvíos sexuais. A AIDS é, em grande parte, resultante de aberracoes sexuais ou do livre uso da sexualidade. O flagelo que se estende sobre a humanidade, vem a ser um apelo veemente a que muitos homens e mulheres repensem seu comportamento sexual e se formulem, em nome da própria

lei natural (que é a Lei de Deus), diretrizes sadias válidas para todos os seres humanos.

Ao cristáo nao é lícito menosprezar o seu semelhante pelo fato de ser aidético. O'sofrimento físico e moral que muitos pacientes experimentam, tem levado numerosos enfermos ao suicidio. Já se registrou o caso de duas

máes toxic&manas que abandonaram cada qual seu filho num Hospital, em

virtude de haverem ambos contraído a doenca por contato com a respectiva

genitora! — Sejam os aidéticos tratados como qualquer paciente afetado por doenca contagiosa: com as cautelas exigidas pela profilaxia, sim, mas com o amor que o irmao sofredor merece da parte de seus irmaos.

É digno de nota o comportamento de Madre Teresa de Calcuttá e suas

Irmas: no comeco de 1987, pediram ao Prefeito de Nova lorque cinqüenta prisioneiros doentes de AIDS em estado terminal para prodigalizar-lhes os seus cuidados. No bairro Greenwich Village da mesma cidade, a Congregacáo de Madre Teresa abriu e dirige urna casa de acolhida para pacientes de AIDS. Algo de semelhante está acontecendo em outras dioceses dos Estados Uni dos, onde a doenca existe em proporcoes mais avultadas.

No plano da prática religiosa, a molestia tem provocado certa inquietapao, como se depreende da noticia abaixo:

AIDS DESAFIA AS TRADICÓES RELIGIOSAS JUDAICO-CRISTÁS NOVA YORK- "A Aids continua causando mais controversias. Agora estao em pauta costumes religiosos judeus e cristSos, como a lavagem dos corpos antes do sepultamento, entre os prime/ros, e a comunhao comunita

ria, com o uso do mesmo cálice, entre os segundos. E aínda há as feministas, que se sentiram atingidas petas campanhas contra o mal nos EUA. 468

A CAMPANHA ANTI-AIDS

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Rabinos da Universidade de Yeshiva - principal centro de ensinamento ortodoxo judaico nos Estados Unidos - tomaram a decisao de suspender urna das mais antigás tradicoes, ao autorizar os responsáveis por enterros a suprimir a lavagem dos corpos e o corte das unhas e dos cábelos do mono, antes de Ihes vestir a túnica mortuária. — Certamente a mudanca de costumes desprenderá fortes protestos en

tre os judeus, porque a prática está enraizada na lei e nos costumes; entre-

tanto, os membros das entidades de enterro tém rr.edo de contrair a Aids. E nao sabemos o número exato de jovens que já morreram da doenca — disse um estudioso.

A questao sobre se os cristaos podem ounao continuar comungando no cálice comum, sem risco de contaminacSo pela Aids comeca a agitar protes tantes e católicos na Franca, e muitos já pediram que, por prudencia, se eli

mine esta prática.

Apesar de um especialista em Aids, contratado pela Igreja Protestante do Leste da Franca, ter afirmado que é praticamente impossfvela transmtssao do virus da Aids pelo cálice, alguns pastores, entretanto, sugeriram que

se voltasse ao costume antigo de mergulhar a hostia no cálice de vinho, co mo forma de evitar o pinico entre os fiéis e afastá-los de um dos mais impor tantes sacramentos.

Por sua vez, um padre católico que nao quis ser identificado aconseIhou também a se evitar a comunhao no cálice, contrariando o Diretor do Centro Nacional da Pastoral Litúrgica Padre Gastón Savorihi".

Tais precaupoes sao motivadas talvez por exagerado medo da doenga, como se depreende de quanto foi dito atrás.

Estas páginas muito devem ao artigo de P. Cattorini e G. De Rosa: II

Problema Morale nella Lotta contro I'AIDS, publicado em La Civiltá Catto-

\\ca.n?3283, 04/04/87, pp. 75-81. Ver também:

ALEXZUBEKe HEDWIG BÓ NSCH, Doisié AIDS, em 30 Giorni n?ff, junho87,pp. 36-41. AUTIERO. ANTONIO. L'Etica di fronte alia malattia. II Paradigma

dell'AIDS, em Rivitta di Teologia Mora\e,n?74,apri/e-giugno 1987,pp. 9-22. REISCHL, HELENE. Reaktionen auf eine Bedrohung. AIOS und was die Krankheit ausloste, em Herder-Korrespondenz,/¿///1987, pp. 332-336.

469

Pronunciamento anglicano sobre

A Mafonaria na Inglaterra Extraímos do semanario francés BIP-SNOP-SOP "Bulletin Oecuméni-

que d'lnformation" n?596, de 15/07/87, p. 4, a seguíate noticia: "Londres, 15 de julho (BSS) - Num documento adotado por muito grande maioria (394 votos favoráveis e 52 contrarios), o Sínodo Geral da

Igreja da Inglaterra1 reunido em York, na segunda-feira 13 de julho de

1987, qualificou os ritos macónicos de 'blasfemos' e 'heréticos'. Alertou os seus fiéis sobre a incompatibilidade da prática macdnica com a pertenca a urna Igreja crista.

Os anglicanos assim se associam ás comunidades metodistas e á Igreja Católica da Inglaterra na crftica á Franco-Maconaria, que parece .contar hoje na Gra-Bretanha - onde ela nasceu no século XVIII — 500.000 iniciados e 8.500 Lojas. O sfnodo Geral, porém, se absteve de toda 'caca ás bruxas' con tra cristaos pertencentes a alguma Loja Macdnica. O arcebispo de York, Dr. John Habgood, chegou a descrever a Franco-Maconaria como sendo 'excentricidade antes inofensiva'. O Grao-Secretário da Loja Unificada da Inglaterra, M. Michael Higham, que assistia aos debates, criticou vivamente essa decisao do Sínodo Ge ral, mas afirmou que o diálogo nem por isto tinha cessado. - Lembramos que, se a Igreja Católica Romana já nao aplica a censura da excomunhao aos

macons, nao obstante, por normas de 198$ e 1985 da Congregacao para a

Doutrina da Fé, ela reprova a dupla pertenca dos seus fiéis á Igreja e á Maconaria (Le Monde/BSS}".

A propósito podemos notar que a Maconaria filosófica de nossos tempos teve origem na própria Inglaterra. Com efeito; as corporacóes medievais

1

Tratase da Igreja Anglicana ou Episcopal devida ao cisma provocado pelo

reiHenrique VIIIem 1531, (Notado Tradutor). 470

MACONARIA NA INGLATERRA

39

de pedreiros perderam seu prestigio e seus privilegios no século XVI, com o declínio da arte gótica, muito cultivada na Idade Media. Procuraram entao restaurar seus quadros e sua influencia admitindo pensadores e intelectuais em suas Lojas. Estes deram a tais gremios um cunho filosófico. Em 24/07/ 1717 quatro Lojas de Londres se uniram entre si para dar novo rumo ás corporacoes de pedreiros, constituindo a Maponaria em seu estilo moderno.

O pastor presbiteriano James Anderson em 1723 redigiu o primeiro Estatuto dessa nova Sociedade; conservava a fé em Deus "Grande Arquiteto do Uni verso" e o uso da Biblia. As Lojas macónicas foram sendo invadidas pelo deísmo, ou seja, pela filosofía religiosa do século XVIII, que considerava Deus com os olhos da razao apenas. O relativismo religioso adotado pelas Lojas e o seu caráter secreto suscitaram logo a condenapao por parte da Igreja Católica. Na segunda metade do século XIX, a Maponaria da Franpa e dos países meridionais da Europa se tornou anti-religiosa, dando origem á "Questao Religiosa" no Brasil sob o Imperio de D. Pedro II. Entrementes, nos países nórdicos, os Mapons continuam aceitando a crenpa no Grande Arquiteto do

Universo dentro de certo relativismo. Algumas Lojas tém um ritual eclético

e esdrúxulo. . . É o que explica que os metodistas da Inglaterra em 1985 tenham condenado a Maponaria, atitude esta que a própria Comunhao Anglicana assumeem 1987. Ver a propósito

PR

171/1974, pp. 179/1974, pp. 275/1984, pp. 281/1985, pp. 284/1986, pp.

104-125 (histórico e visao geral da Maconaria). 415-426 (decisio da Igreja em 19/07/74); 303-314 (atitude da igre/a em 27/11/83); 300-307 (os porqués dessa atitude); 20-24 (os Metodistas da Inglaterra e a Maconaria).

291-1986, pp. 347-356 (aínda os porqués do Nao,/.

cursos por correspondencia:

CURSOS POR CORRESPONDENCIA: SAGRADA ESCRITURA, INICIACÁO TEOLÓGICA, TEOLOGÍA MORAL E HISTORIA DA IGRE JA. OCASIÁO OPORTUNA PARA QUE O CRISTÁO POSSA APROFUNDAR E CONSOLIDAR A SUA FÉ DENTRO DO MUNDO PLURALISTA DE NOSSOS DÍAS. - PEDIDOS DE INFORMACÓES E INSCRICÓESSEJAM DIRIGIDOS A ESCOLA "MATER ECCLESIAE". RÚA BENJAMÍN CONSTANT, 23, 3?ANDAR, CAIXA POSTAL 1362, 20001 RIO (RJ).

471

Um novo sistema de vida:

Logosofia: que é? Em síntese:/4 Logosofia foi fundada por González Pecotche em 1930 na Argentina, donde se propagou para os restantes países da América Latina. Propoe um método de "reativacio consciente do individuo", tentando fazer que este se torne o senhor de seus pensamentos e sentimentos e viva em cal

ma a sua plena auto-realizacao. é contraria á fé ou á crenca, mas afirma a existencia de Deus (confusamente apresentado). Em suma, é um sistema de

técnicas psicológicas que visam a morigeracao da pessoa por seus próprios estorcos. 0 relacionamento com Deus é vago; embora se/a dito "Criador" e "Fonte de Sabedoria", nSo há referencia á oracao nem á religiosidade nos es critos logosóficos. Também nao explanam a posicao da Logosofia frente aos

grandes problemas que afetam a sociedade contemporánea (divorcio, aborto, eutanasia, sistema político-económico...). Muito grave também é o silencio a respeito da sorte postuma do homem; a questSo do além (existe ou nSo outra vida?) é decisiva para reger o comportamento do homem na térra. — Desta maneira a Logosofia é urna proposta de autoeducacao do homem mui to pobre e de todo insuficiente {para nao dizer:errónea, visto que nega a fé). *

*

*

Tem-se propagado no Brasil a córrante de pensamento e vivencia cha mada "Logosofia" (= Sabedoria da razio, em grego). Tem suas sedes ou es

colas, que atraem adeptos, prometendo-lhes novo modo de ver o próprio individuo e o mundo e novas aptidoes para enfrentar a vida; de tudo isto, d¡zem os logósofos, deverá resultar a transformado da sociedade. — Visto que há interesse em conhecer exatamente a mensagem da Logosofia, vamos ex-

pó-la sumariamente, valendo-nos dos impressos básicos utilizados na difuslo

e no aprendizado da Logosofia'. 7

Eis os principáis títulos:

CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE (RAUMSOL), Curso de Iniciacáo Logosófica, Sao Paulo 1984. Citaremos Curso no decorrer deste trabalho.

FUNDACÁO LOGOSÓFICA, Logosofia. Citaremos Fundacao. Logosofia. Ciencia do Pensar Consciente. Logosofia. Fonte de urna nova Cultura. Periódico mensa!. 472

LOGOSOFIA:QUEÉ?

41

1. O fundador Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol) nasceu aos 11/08/1901 na Argentina (Buenos Aires). Desde cedo reagiu contra os sistemas educacionais aplicados a formacaodo ser humano, porque os julgava destituidos de conexao com a consciéncia interna do individuo. Dedicou-se entao a criar um método experimental, que ele chamou Logosofia, destinado a tornar possível a evolucao consciente da pessoa humana. Em 1930 instituiu a Fundacao Logosófica da Argentina (originaria mente denominada "Escola de Logosofia") na cidade de Córdoba, onde permaneceu durante anos ensinando aos discípulos a prática dos seus métodos. Em 1932 fundou a Logosofia em Montevidéu (Uruguai) e em 1935 instituiu a Fundacao Logosófica do Brasil em Belo Horizonte. Em 1939 radicou-se definitivamente em Buenos Aires. Em 1960 pode presenciara reali-

zacao do I Congresso Internacional de Logosofia em Montevidéu, freqüentado por Logósofos de varias cidades latino-americanas. Finalmente aos 04/04/1963 faleceu, deixando grande número de obras que propoem seu projeto aos estudiosos. Em conferencia proferida aos 21/03/1942 em Mon tevidéu, declarava González Pecotche:

"Nao sou um filósofo dos que vém ou vieram de países estranhos a ditar cátedra, mencionando o que um e outro disse, sem se ocupar das necessidades que redamam as almas que escutam, ás quais nio deixam sequer migaIhas com que saciar as ansias de saber. Minha cátedra dirígese principalmen

te a preencher as necessidades internas, a dissipar as trevas que dificultam a boa compreensao moral e tornam mais arduo o caminho. Meus conselhos

sao focos de luz, e todo aquele que utiliza honestamente meu ensinamento /amáis será defraudado".

Eis outra significativa afirmacao de González Pecotche:

"Estou no mundo como os demais homens da Térra e, assim como a eles, foi-me dada a oportunidade de conhecer, penetrando em todos os am bientes,tudo quanto possa interesar o meu propósito de bem, que é a gran de obra de superacao humana que venho realizando" (Montevidéu, 14/01/ 1947).

Vejamos agora a mensagem doutrinária da Logosofia, também dita "Ciencia do Pensar Consciente". 473

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

2. A mensagem doutrinária 2.1. Queéa Logosof ia? — A Logosofia é urna nova ciencia que se ocupa com a reativacao consciente do individuo.

Estuda o mundo interno do homem, a fim de que este possa subordi nar á inteligencia e a vontade os seus pensamentos, evitando que gozem de autonomía inconveniente. A Logosofia ensina a controlar e eliminar os pen samentos inúteis e negativos, a criar e desenvolver os que sao úteis e positi vos, a desenvolver as faculdades bem como os sentimentos. Com outras palavras: a Logosofia tenciona formar pessoas morigera das, habilitadas a viver dignamente. . . Restam, porém, perguntas importan tes: quais sao os criterios adotados por González Pecotche para dizer que tal

pensamento é útil e positivo e tal outro é inútil e negativo? Qual a Ética ado

tada pela Logosofia? Qual a sua escala de valores? Quais as notas típicas do homem ideal concebido pela Logosofia? Para alcancar seu objetivo, a Logosofia oferece diretrizes e conselhos a ser aplicados individualmente de acordó com as necessidades de cada um,

evitando assim a sistematizacao e uniformizacao do conhecimento. Quais se-

jam essas normas, os escritos de difusao da Logosofia nao o dizem; somente o iniciado poderá conhecé-las...

2.2. O método logosófico

O método logosófico comeca por urna prática individual, que é com pletada em grupo ou colativamente.

1} A prática individual compreende tres etapas: a) Leitura geral dos livros logosóficos, estudo minucioso dos tópicos compreendidos no programa; á medida que avanca na leitura e no estudo, o discípulo pergunta a si mesmo o que compreendeu, e o vai anotando. Esta etapa exige que o discípulo Ihe dedique urna hora por dia. b) Maior aplicacao ao estudo, com vigilancia sobre as oscilacoes temperamentais. Além disto, cada um faz a aplicacao dos principios que aprendeu, ao setor onde desenvolve as suas atividades cotidianas; vai-se exercitando praticamente. 474

LOGOSOFIA:QUEÉ?

43

c) "O uso diario concorre para gravar no ser, com caracteres indeléveis, o emblema arquetfpico da espiral, representado pelo método psicodina-

mico que a Logosofia instituiu" (Curso, p. 19). 2) A prática colativa permite que cada individuo confronte com seus

colegas as interpretares que tenha conseguido fazer dos ensinamentos logosóficos. Os estudiosos se distribuem em grupos de acordó com a respectiva idade, suas aptidóes e o grau de capacitacao alcancado. Cada núcleo funcio na sob a orientacao pedagógica de um diretor ou uma diretora com seus res

pectivos assessores. 0 estudo coletivo cria um ambiente amável e cordial,

que predispoe a colaboracao; o cultor da Logosofia é induzido a ser genero so com seus semelhantes, eliminando os perigos do egoísmo. Com o tempo, "a pessoa se acostuma gradualmente a ser consciente, em todo momento, daquilo que pensa, senté ou deixa de pensar e sentir; com o tempo forma o hábito consciente de todas as atividades que desenvol-

ve durante o día" (Curso, p. 29).

2.3. Ciencia e crenca A Logosofia é muito contraria á fé ou á crenca, qualquer que seja esta.

Identifica "crenca" com aceitacao acrática das coisas mais inverossímeis ou absurdas - o que leva ao caos moral e espiritual. "A crenca produz mais ¡nibicáo mental que entorpece e até anula a funcao de raciocinar. Assim é co mo o homem fica exposto ao engaño e á má fé dos que tiram partido dessa situacao.

A crenca pode assenhorear-se na ignorancia, porém é inadmissível em

toda pessoa inteligente que anele sinceramente o conhecimento da verdade. As pessoas de curto alcance mental sao propensas á credulidade, porque ninguém as tem ilustrado devidamente sobre os beneficios que representa para suas vidas o fato de pensar e, sobretudo, de saber. Lamentavelmente forcoso é reconhecer que uma grande parte da humanidade semencontra nessas condi-

coes e padece da mesma propensao. Daí que desde tempos remotos se explo

re a sua candidez, mantendo-a no mais lamentável obscurantismo" (Curso, pp. 45s). Por isto a Logosofia apregoa o saber, . . . saber consciente e experi mentado.

De modo especial, os logósofos combatem a psiquiálise (neologismo logosófico), que é a paralisacao de uma zona mental, afetada por preconcei-

tos dogmáticos. "Tem-se inculcado no homem desde sua infancia uma fé abstraía, á custa da fé em si mesmo. A Logosofia, com método insuperável, 475

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

restituí ao homem sua fé, a verdadeira, a que surge da própria consciéncia, livre de toda pressSo moral, psicológica ou espiritual" (Curso, p. 59). 2.4. Logosofia e Deus

"Para o pensamento iogosófico, Deus é a imensidao, o eterno; é a Su prema Ciencia da Sabedoría, que a mente humana pode descubrir em cada um dos processos do universo estampados na natureza. Processos exatos. ciencia pura, perfeita, na qual o homem se inspira para criar sua ciencia. Partindo da base de que a Causa Primeira é Deus e nao tendo a nosso alcance nenhum ser visfvel a quem se possa atribuir o ato de Criacao Univer sal, lógico é que reconhecamos Deus como Supremo Criador; mas a capaddade para considerar sua existencia nao depende dessa existencia em si, e sim da medida em que cada ser humano a reconheca, sinta e constate. Quer dizer:

19) que na concepcao logosófica o homem nao precisa crer na existen

cia de Deus porque a mente humana pode reconhecer, sentir e constatar essa existencia: por exemplo, nos processos exatos, perfeitos, estampados na na tureza;

2?) que Deus existe, inegavelmente; o que nao existe, é a capacidade do individuo para considerar essa existencia (o conhecimento Iogosófico au xilia o individuo a adquirir essa capacidade)" fFundacao, p. 8). No "Curso de Iniciacao Logosófica" de Raumsol lé-se á p. 13, n?13: "Para a Logosofia, Deus é o Supremo Criador da Ciencia Universal, porque todos os processos da Criacao se cumprem seguindo os difames de sua Sabedoria. A ciencia do homem é só um débil reflexo daquela, fonte permanente de todas as suas aspiracoes. Esta é a causa pela qual a Logosofia menciona com frequerida o nome de Deus. Um Deus ¡sentó de artificios,

que mostra ao súdito terrestre a plenitude de seu esplendor natural em sua Magna Ciencia e em sua Verdade Absoluta".

Voltaremos ao assunto na terceira parte deste artigo (ver pp. 477-81). 2.5. Os objetivos da Logosofia

Eis como se enunciam os sete objetivos da nova escola: "1) A evolucSo consciente do homem, mediante a organizacao de seus sistemas mental, sensfvel e instintivo. 476

LOGOSOFIA:QUEÉ?

45

2) O conhecimento de si mesmo, que implica o dominio pleno dos ele mentos que constituem o segredo da existencia de cada um. 3) A integradlo do espirito, para que o serpossa aproveitar os valores que Ihe pertencem, originados em sua própría heranca.

4) 0 conhecimento das leis universa», indispensávelpara ajustara vida a seus sabios ensinamentos. 5) O conhecimento do mundo mental, transcendente ou metaf fsico, onde tém origem todas as idéias e pensamentos que fecundam a vida huma na.

6) A edif icacSo de urna nova vida e de um destino melhor, superando ao máximo as prerrogativas comuns. 7) O desenvolvimento e o dominio profundo das funcoes de estudar, de aprender, de ensinar, de pensar e de realizar, com o que o método logo-

sófico se transubstancia em aptidóes individuáis de significado incalculável para o porvir pedagógico na educacao da humanidade" fCurso, pp. 16s). Pergunta-se agora:

3. Que dizer? Apontaremos quatro tópicos decorrentes de reflexao sobre a mensagem proposta.

3.1. Logosofia e Ética Percebe-se que a Logosofia quer mobílizar as facuidades (inteligencia, vontade, afetos) do ser humano para que se torne pessoa harmoniosa, alheia á incoeréncia entre pensamento e conduta vivencíal. — Todavia nao é claro

o que a Logosofia entende por "valores éticos, positivos"; nao se vé qual o tipo de cidadao que ela pretende construir, especialmente frente ás grandes indagacoes que o mundo de hoje lanca com relacao ao divorcio, ao respe¡to á vida (aborto, eutanasia.. .), ao uso dos bens materiais, ao sistema social, regime político e económico, convivencia dos povos entre si...

A definicao de posiclo diante de tais questoes é fundamental para se poder aquilatar o valor de determinado sistema de pensamento. Quem lé os escritos logosóficos, é impressionado pela sua prolixidade, pela obscuridade de muitas passagens, escritas em linguagem redundante e

477

46

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

pouco precisa, mas relativamente pobre de conteúdo. Em breves termos, porém, pode-se dizer que a Logosofia tem em vista suscitar pessoas realizadas como seres humanos mediante a mobilizacfo exclusiva das energias e das po tencialidades do individuo, o que redunda num humanismo sem Deus (ou com um Oeus do qual nao depende a auto-realizacao do homem). 3.2. Logosofia e crenca

A Logosofia opoe-se á crenca (= fé), apregoando o saber como única atitude digna do ser humano: "A Logosofia instituí como principio que a palavra 'crer' deve ser substituida pela palavra 'saber', porque sabendo, e nao crendo, é como o homem consegue ser verdaderamente consciente do governo de sua vida, ou seja, do que pensa e faz" (Curso n?77, p. 46).

- Em resposta, devemos distinguir entre crenca (fé) e crendice. A fé, no sentido teológico cristao, é sempre um ato das facilidades

mais nobres do ser humano; sim, é ato da inteligencia movida pela vontade, que quer aderir a Deus e á sua mensagem. Tal atitude resulta da percepcSo

de que a verdade é mais ampia do que o alcance da inteligencia humana, ou seja, a verdade nao termina quando termina o acumedo intelecto; por conseguinte, a própria inteligencia diz ao homem que é razoável crer. A atitude de fé resulta do bom uso da razao humana e está longe de ser algo de infan til ou indigno do homem.

O ato de fé supoe sempre o exercício previo da inteligencia. Com efeito; quando alguém me apresenta urna proposicao religiosa ("Jesús é verda de i ro Deus e verdadeiro homem" ou "um anjo apareceu neste lugar".

. .), nap devo ¡mediatamente dizer Sim em nome da fé. Ao contrario, cabe-me examinar criticamente as credenciais dessa proposicao: quem afirma isso? Na

base de que experiencia ou de que dados o afirma? Quais as outras testemunhas que o asseguram? ... Somente após esclarecer tais pontos (o que há de

ser feito pelo raciocinio e o estudo), posso dizer Sim ou Nao. As proposicóes da fé, portanto, devem ter a sua credibilidade, que a razao humana seja capaz de averiguar e apreender. Donde se vé que a fé nao diminuí nem trun: ca o pensamento humano; ao contrario, é a expressao mais lógica do exercí

cio da inteligencia. A historia de todos os tempos atesta a existencia de gran des dentistas e sabios que tiveram profunda fé: entre os modernos, citare* mos apenas Copérnico, Keplcr, Leibnitz, Galileo, Newton, Pascal, Ampére, Werner von Braun...

Ao contrario, a crendice é atitude um tanto cega, emotiva, que dispen sa o exerci'cio da razao; crendice, por exemplo, é atribuir importancia ao número 13, a ferradura de cávalo, ao gato preto, ao espelho quebrado, ao 478

LOGOSOFIA:QUE É?

47

horóscopo, as cadeias de oracoes... Tais atitudes, sim, amesquinham o homem e o tornam escravo dos charlataes exploradores, que a Logosofia, com

razao, recrimina. Por conseguinte, as censuras de González Pecotche sao vá

lidas no tocante á supersticao e ás atitudes religiosas meramente sentimen-

tais, mas nao se aplícam á fé propiamente dita.

A palavra dogma suscita aversao nos adeptos da Logosofia e em outros

dos nossos contemporáneos. . . E\ porém, algo de lógico para quem tenha fé ou mesmo para quem se disponha a raciocinar um pouco. Com efeito; dog

ma é urna verdade revelada por Deus e proposta aos homens por seus cañáis auténticos, ou seja, pelo magisterio da Igreja, a quem Jesús prometeu a infalível assisténcia do Espirito Santo (cf. Mt 16,16-19; Le 22,31 s; Jo 21, 1517). Se alguém eré em Deus que manifesta aos homens o misterio da sua vi da e o seu plano de salvacao, é coerente crer em verdades que ultrapassam o alcance da inteligencia humana (sem, por isto, ser absurdas ou ilógicas). Jamáis crerei, por exemplo, que um ci'rculo possa ser quadrado (pois isto é contrario á lógica, que tem seu fundamento em Deus), mas posso crer que em Deus há tres Pessoas (tres autoafirmacoes) subsistentes numa só substan cia ou natureza, . . . que Jesús está realmente presente na Eucaristía, pois tais verdades nao implicam absurdo ou contradicao. Urna religilo sem dog mas nada tem de transcendental, mas é urna construcao da razio humana ou um sistema filosófico. Por isto parecem ter razao os logósofos quando dizem:

"A Logosofia nao é urna religiao... As religioes impoem dogmas e nao

podem prescindir do ato de crer" (Fundacao, p. 7).

Acontece, porém, que a Logosofia, ditando normas para o reto comportamento e a plena realizacao do ser humano, vem a ser o que a religiao é,

a saber: urna cosmovisáo que conceitua Deus, o homem, o mundo, a vida, etc., oferecendo, ao mesmo tempo, urna escala de valores e propondo dirétrizes de vida.

3.3. Logosofia e Deus

0 conceito de Deus nao é muito cultivado na Logosofia. Dos escritos desta, deduz-se que é "a imensidao, o eterno, a Suprema Ciencia da Sabedoria, . . . Supremo Criador, Causa Primeira a quem se pode atribuir o ato de

Criacao Universal" (Fundacao, p. 8). - Que significam estes dizeres?

A Logosofia professa Deus como Criador e Causa Primeira, mas nao desenvolve estas fecundas nocóes; na verdade, se Deus é o Criador, Ele é dis

tinto do mundo e deve ter amor por suas criaturas, expressao da sua sabedoria e da sua santidade.

- Percebe-se, porém, que a Logosofia prescinde de um relacionamento vivo e íntimo com Deus; ela planeja a evolucao e a realizagao do homem 479

48

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 305/1987

recorrendo a técnicas psicológicas sem a oraclo. Os logósofos, "liberados da escravidSo religiosa ou ideológica, em lugar de servir cegamente a um amo, sarvem aos propósitos do seu destino e a causa da humanidade em sua evolucao consciente, rumo aos elevados designios para as quaisfoi destinada" (Cur

so, p. 86, n? 152). Dir-se-ia, conforme a Logosofia: Deus, sim; a religiao ou um sistema de culto a Deus, nao.

Mais: nos escritos logosóficos observa-se certa énfase na af ¡rmacao de

que Deus, sendo Sabedoria, "é a fonte permanente de todas as inspiracóes logosóficas" (Curso, p. 13, n. 13). Os cristaos nao duvidam disto. Apenas perguntam aos logósofos como Deus inspira os sabios. O Cristianismo res

ponde que Ele o faz por sua grapa ou por seus dons, entre os quais o da fé e os sete dons do Esp frito Santo. — A Logosofia se detém em concepcoes vagas, que nao sao pantefstas

(Deus seria o mundo e o homem; tudo, pan, seria Deus, Theós), mas que se assemelham as da Filosofía lluminista ou Racionalista do sáculo XVIII (deís

mo, e nao teísmo)1. 3.4. Logosofia e vida postuma

É de estranhar o silencio da Logosofia com relaclo ao além. Tem im portancia decisiva para o comportamento humano saber se existe ou nao urna vida postuma, ... se a consumacao da criatura se dá neste contexto

terrestre apenas oú se há a plenitude da vida após a morte... A ausencia de qualquer referencia da Logosofia a este tema empobrece enormemente a

sua mensagem. Pode-se perguntar aos seus arautos: que oferece o Supremo

Criador e a Suma Sabedoria aqueles que tentam aproximar-se dele?! Note

mos que á p. 84, n? 149 do Curso se lé que os logósofos "respondem aos ditames internos de aproximacSo a seu Criador, a seu Deus". Que significa isto? *

*

*

Em tíntese: a Logosofia pode atrair adeptos por suas promessas de evolucao consciente e plena auto-real¡zacao da pessoa humana. Mas a dou-

trina e os instrumentos que ela apresenta a quem Ihe queira aderir sao extre mamente vagos e pobres. Os escritos logosóficos dizem pouca coisa com muitas palavras reiteradas cansativamente. O transcendental, a f ruiclo de Al go maior do que o próprio homem encontrado no amor e num diálogo de entrega total ou de confianca filial faltam por completo na mensagem logo-

sófica. - É o que a torna decepcionante.

Ejtavao Bettencourt O.S.B.

1

O tefsmo reconhece Deus que se revela gratuitamente ao homem por

meio dos Patriarcas, dos Profetas e de Jesús Cristo (Deus feito homem). O deísmo, ao contrarío, prescinde da Revelacao bíblica e só reconhece Deus como a razio o pode atingir. 480

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3. CONFISSÓES DE SANTOS AGOSTINHO - 11a. ed.,

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4. Meu CRISTO PARTIDO: - Remón Cúe. (Ed. Perpetuo Socorro) 5. MEU CRISTO PARTIDO DE CASA EM CASA - Ra món Cúe -i- (Ed. P. Socorro)

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NAO ATRASE TANTO A RENOVACÁO DE SUA ASSINATURA.

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SALDADOS NO DEVIDO TEMPO.

Riquezas da Mensagem Crista", D. Cirilo Folch Gomes OSB (t), 2a: edicao. ". . . A doutrina proposta pelo Autor é profunda e segurare muito ao dia quanto á problemática atual; a documentacao

é rica e bem dominada e a apresentacao clara e ordenada, faz do livro ao mesmo tempo urna excelente obra de iniciapao á fé, de aprofundamento em seu estudo, e de meditacao sobre as riquezas da mensagem crista" (V.M. Leroy, na

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O Misterio do Deus Vivo, A. Patfoort OP, Traducao de D. Cirilo Folch Gomes. Professores e alunos de Teología, nos semina rios, sentem a falta de um tratado "De Deus Uno e Trino", em portugués, de orientacao tomista e de índole didática. A

lacuna vai ser preenchida com este livro, que traduz o curso

ministrado em Roma, na Pontificia Universidade "Santo Tomás de Aquino, pelo autor P. Alberto Patfoort. - O

estilo da obra é esencialmente didático; por isto as ¡nume ras divisoes e sub-divisoes, a preocupacao da clareza, a precisao desataviada, e um mínimo de bibliografía auxiliar,

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