Ano Xxviii - No. 297 - Fevereiro De 1987

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P rojeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

responderemos -

SUMARIO

Z3

<

Peregrinado, jejum e oracáo

ID

O

Para que ter Religiáo?

t-

m

O Porqué do Sofrimento

O

"Luz sobre a Idade Media"

oo

A Inquisicao Espanhola?

<

5

O caso Neimar de Barros

m

O ce Q.

ANO XXVIII

-

FEVEREIRO m«im):^

- 1987

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

FEVEREIRO- 1987

Publicacao mensal

N9 297

SUMARIO Direto r- Responsável:

Estévao Bettencourt OSB

Autor e Redator de toda a materia

PEREGRINAgAO, JEJUM E ORAgÁO

49

publicada neste periódico

Diretor-Administrador

Muitos inda9am:

D. Hildebrando P. Martins OSB

PARA QUE TER RELIGIÁO?

.... _ . _ Adminrstrafao e distribuicao:

50

Aínda o debate

Edic5es Lumen Christi

0 PORQUÉ DO SOFRIMENTO

61

Dom Gerardo, 40-5? andar. S/5Ü1 Tel.: {021)291 7122 Caixa postal 2666

20001 - Rio de Janeiro

Que sabemos?

RJ

"LUZ SOBRE A IDADE MEDIA" por Régine Pernoud

70

A INQUISIQÁO ESPANHOLA?

82

O CASO NEIMAR DE BARROS

95

Composlcflo e Impre&iao

MM '™£*°í"'¿*™',Vf. Wl
Rui Santo» Rocrigini, 240EUldSi

ASSI NATURA EM 19S7:

NO PRÓXIMO NÚMERO

A partir de Janeiro de 1987

CzS 200,00

Número avulso:

CzS

20,00

Queira depositar a importancia no Banco do Brasil para crédito na Conta Corrente n- 0031 304-1 em nome do Mosteiro de

Sao Bento do Rio de Janeiro, pagável na Agencia da Praca Mauá (n? 0435) ou en viar VALE POSTAL pagável na Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro.

298 - Marco - 1987 Carta sobre o Homossexualismo (Congr. Doutrina da Fé). — "A Trindade, a Sociedade e a Líber-

tacáo" (L. Boff). - Pena de morte: sim ou nao? - O surto da Igreja na Coréia. — Urna parábola do nosso tempo. - Vaticano alterou texto de Joao XXIII?

COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

ASUA ASSINATURA

MUDANCADE ENDERECO

Peregrinado, jejum e oracáo Aos 27 de outubro pp. o mundo pode acompanhar um acontecí men tó totalmente inédito na historia da humanidade: a convite do S. Padre JoSo Paulo II, 169 representantes das doze grandes correntes religiosas do mundo se reuniram em Assis (Italia), a fim de celebrar urna Jornada de peregrinagao, jejum e oracao. O programa durou das 8h 45min até as 17h aproxima damente.

-

PeregrinacSo. . . Diversos grupos, vindos dos quatro cantos da térra,

convergiram para um só lugar, especialmente no fim do dia, quando secongregaram para as preces fináis di ante da basílica inferior de Sao Francisco. Esta convergencia era bem a imagem do que há de ser a caminhada do géne

ro humano em demanda do seu Fim Supremo ou do encontró final com Deus; a mesma fome e sede do Absoluto deveria mover os homens para a fruicao da Plena Verdade. Jejum. . . Este é praticado por povos anteriores a Cristo e por cristSos.

É fator de amortecimento das pa¡x6es desregradas e de purificapab dos cora-

cees. Sem esta pureza interior, ná*o é possCvel ao homem unir-se a Deus. O Evangelho, alias, nos refere as palavras de Cristo: "Esta especie de demonios nato pode satr a nao ser mediante a. oracSo e o jejum" (Me 9,29 var.).

Oracáo.. . É a forca dos homens; é o segredo que dá eficacia a todos

os empreendimentos dos grandes e peqoeninos. É ela que sustenta o mundo, como diziam os antigos Padres da Igreja. Precisamente numa hora em que se avolumam os problemas da familia humana, as correntes religiosas reconheceram o valor insubstituível da prece, que obtém de Deus o que os ho mens nao podem efetuar.

No final do discurso que encerrava a Jornada, dizia o Santo Padre;

"O que hoje f izemos em Assis, rezando e testemunhando o nosso comprontitso com a paz, devenios continuar a faz8-lo todos os dias da nossa vi

da. O que hoja realizamos, é vital para o mundo. Se o mundo deve continuar e se os homens e as mulheres devem sobreviver, o mundo nffo pode ditpensar-se da oracffo".

O Santo Padre coloca em íntima conexSo a sobrevivencia do género humano e a prática da oracSo. O Senhor quer dar aos homens os bens de que necessitam, mas Ele os quer dar mediante a colaboracfo do homem que é a oracao (cf. Lc11,9s). Assim a Jornada de Assis deixa a sua mensagem a toda pessoa de boa vontade até hoje: na vida cotidiana devemo-nos sentir peregrinos em deman

da da Casa do Pai, elevando a Deus nossas mentes purificadas pela ascese, para pedir-Lhe Chalom, o dom da Paz, que está indissoluvelmente associado á obra do Messias (cf. Mq 5,4). Assim procedendo, estaremos construindo o

Reino de Deus.

£_g.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» ANO XXVIII - n? 297 - Févereiro de 1987

Muitos ¡ndagam:

Para que ter religiao? Em slntese: A religiao é a única resposta cabal as aspiragóes funda mentáis do ser humano, pois o eleva ao Transcendental e Absoluto. A tentati va de procurar na ciencia e na técnica a solucao para os anseios congénitos do homem tem decepcionado o cidadáo de nossos días; atesta-o o ressurgh mentó da reSgiáo nos países submetidos a regimes ateus como também o surto de novas e novas seitas; estas infelizmente sao mais emotivas e fanta siosas do que racionáis.

O indiferentismo reügioso de muitas pessoas de nossos días explicase,

em parte, pelo consumismo, que embota o senso religioso e dé ao homem

a impressáo de poder saciarse com os bens materiais; cedo ou tarde, porém, os bens materiais falham, abrindo um vazio no coragao do homem, que só

Deus pode adequadamente ocupar. Verifícase também que a agitagáo e as preocupagdes do ganha-páo, o baruiho da cMlizagáo contemporánea difícul-

tam ao homem o encontró consigo rnesmo no silencio; muitos nao estáo acostumados ao recolhimento e é refíexáo - o que toma difícil aprofundar o senso religioso mato em tais cidadáos. A perda da religiao é grave daño para o homem, pois se observa que a "morte de Deus" vem a ser a "morte do homem".

Nao é raro encontrarmos pessoas que perguntam: "Por que ou para que ter religiáo?". Dizem nao precisar de religiao, pois vivem satis-

feitas sem fé. Daf o indiferentismo, que nao combate a religiáo, mas a menospreza como um derivativo oportuno para quem dele precise.

Tal fenómeno é novo na historia da humanidade. Outrora ter reli giáo era um fato normal. A partir do século XVIII, o ateísmo passou a impugnar a religiáo como algo de irracional, alienante e nocivo; a religiáo merecería ser combatida, na concepcüo desses ateus. Atualmente, porém, 50

PARA QUE TER RELIGlAO? há pessoas que nem concebem o problema religioso; por isto nem combatem a religiSo; esta, segundo elas, nao merece atencfo. Por isto há

quem diga que vivemos numa época "pos-religiosa"; esta expressáb é exagerada ou mesmo falsa, pois há sinais eloqüentes de retorno á religiáo em nossos dias, como se verá no decorrer deste artigo.

A seguir, examinaremos a questáo: "por que ou para que urna religiáo?". Procuraremos a resposta a dar-lhe e os porqués do indiferentis mo.

1. O sentido da vida

1.1. A questáo básica Urna das necessidades fundamentáis do ser humano é, conforme bons psicólogos, a de saber o sentido da vida: "por que vivo?... para que vivo?... por que sofro? Por que a morte?... por que o mal na historia dos homens?... Afinal de contas, quem sou eu?". A necessidade de resposta para tais perguntas se evidenciou especialmente nos campos de concentracáo: nestes os prisioneros, sentindo-se condenados a trabalhos e condicóes de existencia absurdas, deixaram-se, nao raro, morrer ou perde rá m todo estímulo para viver; muitos nao tinham sequer a coragem de se colocar de pé, apesar da pressáo dos golpes e maus tratos, da fome e da sujeira em que jaziam. O psicólogo austríaco e iudeu Viktor FrankI o narra muito vivamente em seu livro: "Psicoterapia e sentido da vida" (cf. PR 281/1985, pp. 329-340).

1.2. Tentativa de respostarsem Oeus

O homem moderno se afastou de Deus e da Religiáo, tidos como elementos pré-c ¡entíficos ou obscurantistas, para se entregar ao cientifi cismo: a ciencia e a técnica, progredindo continuamente, Ihe trariam todas

as respostas e preencheriam todas as suas aspiracóes. O homem moder

no teria deixado de ser enanca, atingindo finalmente a sua maioridade (assim pensava Dietrich Bonhoeffer em suas cartas de prisáo). Negar

Deus seria a condigáo para que surgisse o Super-Homem, capaz de ven cer as "fatalidades" da historia. A fé no homem, traduzida na filosofía do

progresso, do crescimento e do secularismo, substituiría a fé em Deus; foi ressuscitada a figura mitológica de Prometeu, que subiu aos céus, arrancou o fogo, monopolio dos deuses, e o trouxe para a térra, anunciando que ele doravante seria o doador do fogo para a humanidade. 51

4

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987 1.3. A insuficiencia do cientificismo

A ciencia nao responde ás questóes fundamentáis do homem; ela estuda o que cai sob os sentidos ou o que se pode ver, tocar, medir, cal cular, isto é, o mundo dos fenómenos. Os objetos que estejam para além

do sensfvel e dos fenómenos fogem ao setor próprio da ci&ncia. Ora os problemas concernentes ao sentido do homem e da vida já nao sao da

área dos fenómenos senstveis; nao sao problemas para os quais a ciencia,

como ciencia (como investigagao empírica), possa dar resposta. - Tenhamos em vista, por exemplo, a biología: investiga tudo o que se possa ob servar empíricamente a respeito da vida (transmissáo, leis da genética, do crescimento, da restauragáo...). Mas, depois que alguém estudou tudo o que a biologia Ihe possa ensinar, aínda conserva as perguntas funda mentáis: vale a pena viver? Por que viver? Qual o sentido da vida? Ademáis a ciencia é assaz frágil em suas construcóes; está sujeita a se reformar e retratar constantemente; cada problema que parece resol ver-se, abre varios outros problemas que desafiam o cientista. Eis o testemunho significativo de um grande pesquisador, o Professor Dr. New-

ton Freire-Maia, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná:

"Quando me lembro de que, ao longo de minha vida de professor, já ensinei meras htpóteses de trabalho como se fossem a mais pura verdade, ou relatei fatos que simplesmente nao existiam - fantasía dos nossos sentidos -, ponho-me a imaginar que, na mataría dos casos, n&s passamos a vida a substituir urna fantasía por outra, na esperanza de

atingírmos, um dia, o pleno conhecimento da esséncia do universo...

Um amigo meu, professor de portugués e literatura numa Faculdade de Filosofía, com o fim de acentuar as dificuldades que encontrava

no seu campo de trabalho, disse-me certa vez mais ou menos o seguinte:

'Voces, dentistas, é que sao felizesl Em ciencia, o que é, é mesmo; o que nao é, nao é. No setor das Hnguas e das literaturas, as divergen cias de opinióes sao tantas que a tarefa de um especialista se torna ex traordinariamente pesada e difícil, urna vez que ali ele nunca encontra a seguranca e a certeza que as ciencias oferecem.'

... Para esse amigo, a ciencia era urna fonte de verdades e, como

os dentistas nao sao suficientemente loucos ao ponto de negar verda

des, todo o edificio das ciencias seria um conjunto de proposicóes cer

tas sobre as quais ninguem ousaria depositar a mais tenue das dúvidas:

a agua ferve a 100°C; a gravidade tudo atrai para o centro da térra; 52

PARA QUE TER RELIGlAO?

a lúa nao cai de sua órbita por causa da interacáo de forjas gravitadonais com a inercia; a velocidade da luz é de 300.000km por segundo; a molécula de agua tem dois átomos de hidrogSnio e um de oxigonio; pa ra formar um novo ser, é preciso que um espermatozoide fecunde um óvulo; o coracio é o órgáo central da circulácáo sanguínea; pensa-se com o cerebro e nao com o ffgado; as plantas absorvem gas carbónico e liberam oxigénio (e isto se chama fotosslntese ou funcio clorofi(iana); a tuberculose é produzida pelo bacilo de Koch (a lepra, pelo de Hansen); os antibióticos e a sulfamida matam microbios; a'asma é urna doenca alérgica, etc. Todas essas 'verdades' (nem sempre verdadeiras ou ape nas 'meias verdades') seriam 'cient íf¡cas'e, por isto, nao poderiam ser . postas em dúvida. Por este motivo é que os anuncios de pasta dental usam, muitas vezes, como prova da eficacia de urna marca, a fórmula mágica: 'A ciencia comprovou'. Se a ciencia comprovou. é verdade... A ciencia está repleta de hipóteses (provisorias) e, comumente, o próprío dentista háo tem consciéncia da precariedade das suas proposicóes. Quando estudamos historia da ciencia e ali encontramos as hipó teses que foram alijadas para o porio e substituidas por outras, ficamos aturdidos com a possibilidade de que muitas das nossas hipóteses de hoje possam tomar o mesmo destino" (pp. 102-104).

Em nossos dias, assistirnos ao desabamento da ideología do progresso,

que

seria

urna "religiao

leigá"

(sem

Deus),

baseada sobre o

pressuposto da infinita perfectibilidade do homem. A definicSo do homem em funcáo da eficiencia e da produtividade já nao satisfaz; procuram-se outros modelos para o ser humano. Aqueles que acreditavam no poder, sem limites, da ciencia e da técnica, recuam; verificam que o gigante Prometeu está abalado; o mito do Progresso cede á consciéncia de que a humanidade está em crise, sob o signo de um futuro cada vez mais ameacador ou marca do pela perspectiva de um holocausto nuclear. Pode-se, portante, falar do fim do otimismo histórico que caracterizou a primeira metade do século XX. Há quem diga que já entramos — ao menos no Ocidente — na fase da pós-modernidade e do pos-racionalismo. 1.4. A resposta da Filosofía

A própria filosofía, que por definicáo indaga a respeito das causas últimas, e procura formular o sentido do homem e do mundo, aprésenla um leque de respostas que, se nao sao contraditórias entre si, sao incertas e insuficientes (nao indo ao fundo das questóes). Para os pensadores, mesmo para os mais sagazes, o homem fica sendo um misterio, que a ra

zio só consegue decifrar em parte e com grandes dificuldades. Precisa

mente - e com muita lógica - os maiores pensadores reconhecem a redi53

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

cal incapacidade da razáo para penetrar, na sua profundidade, o misterio do homem e, por isto, nao raro acenam para outra fonte de conheci-

mento, ou seja, para "urna divina revelacáo". É o caso, por exemplo, de Platáo, que no diálogo Fedon aborda a questáo da imortalidade da alma:

afirma entáo que sobre tal assunto é ¡mpossível ou muito difícil chegar a urna conclusáo clara; é preciso, por conseguinte, que nos contentemos com a teoria menos obscura que a razáo possa construir, para atravessarmos numa jangada o perigoso mar da vida. E acrescenta: "... a menos que alguém esteja em condicóes de fazer o trajeto mais segura e menos perigosamente sobre um barco mais sólido, confiando-se a urna divina revelacáo".

Na realidade, o misterio do homem é táo profundo que só Deus, que criou o homem e Ihe deu a sua vocacáo, pode dar-lhe a conhecer o

sentido da vida mediante "urna divina revelacáo". Ora na revelacáo crista

Deus nao revela apenas o misterio de sua vida, mas manifesta o homem ao homem, oferecendo-lhe a resposta para as suas ¡ndagacóes: "Donde venho? Para onde vou? Qual o sentido da minha vida sobre a térra? Por que sofro? Por que há tantas desgracas no mundo? Por que hei de morrer?" Mais: Deus nao somente ilumina a noite escura do homem; Ele também realiza o que revela, tornando o homem participante da vida do próprio Deus; nao somente projeta luz sobre o misterio do sofrimen to e da morte, mas livra o homem do mal e da morte. Sim; a religiáo nao é mera filosofía ou urna mensagem de ordem puramente intelectual, mas é urna realidade de ordem vital, portadora de nova vida ou de novo modo de ser. Assim é que a religiáo dá um sentido ¿ vida humana. 1.5. O ressurgimento da religiáo

E precisamente neste contexto que se registra um retorno das

questóes relativas a Deus e aos valores transcendentais. Este retorno se dá na Rússia Soviética, na China comunista e em outros pafses, onde o ateísmo tentou extirpar a fé dos cidadáos e camponeses. Dá-se também no pulular de seitas e torrentes religiosas, que encontram eco fácil na sociedade de hoje, sequiosa de descobrir o sentido da vida e da morte do homem. Nada de mais significativo do que esse despertar do senso reli gioso da humanidade (embora se deva lastimar que se faca nao raro á

cusía de charlatanismo e exploracio da credulidade de pessoas infelizes). Na verdade, dentro da inteligencia e da vontade do homem há urna capacidade de Infinito e somente a Verdade Plena e o Bem Absoluto podem saciar adequadamente esse potencial; sabiamente dizia o filósofo francés Blaise Pascal que existe no homem "um abismo infinito que nao pode ser preenchido senáo por um objeto infinito e imutável, isto é, por Deus

mesmo" (Pensées n? 300). É essa aspiracao ¡nata ao Infinito que suscita

constantemente o problema religioso, mesmo quando o homem o quer 54

PARA QUE TERRELIGlAO? sufocar; é a própria natu reza do homem, e nao algum fator externo, de

cultura contingente, que provoca esse anseio. O homem é um ser es pontáneamente inquieto e insatisfeito; procura aquilo que nao tem, e, quando o consegue, experimenta o fastio e o dissabor, porque nada o satis faz. O motivo profundo desta constante sofreguidSo é que ele nao foi feito para as coisas transitorias e limitadas, mas para o Infinito ou para Deus: "Senhor, Tu nos fizeste para Ti e inquieto é o nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti" (S. Agostinho, Conttssóes 1,1,1).

Nisto o homem se diferencia nitidamente do animal irracional. Com efeito; este, tendo atendido as suas necessidades biológicas, se dá por sa

ciado e nada mais pede. Nao atinge o transcendental, ao passo que o homem, mesmo satisfeito no plano biológico, nao para: quer conhecer sempre mais, quer experimentar situacóes novas, que dilatem seus hori

zontes. É por isto, alias, que muito sabiamente se aponta a atitude reli

giosa como característica do humano, isto é, da inteligencia e da dignidade do homem. Em conseqüéncia, um dos sinais típicos da passagem do homem na pré-historia sao os símbolos ou as manifestacóes religiosas: especialmente o sepultamento dos mortos (expressáo da crenca na vida do além e na existencia de Deus) é tido como um dos mais rudimentares sinais que caracterizam o ser humano.

Em conseqüéncia também, verifica-se que a religiáo é um fenóme

no universal, isto é, de todas as tribos'e de todas as épocas; nunca houve povos arreligiosos ou nao religiosos; mesmo as populacóes mais primiti

vas descobertas recentemente na África ou na Oceania manifestam senso

e culto religioso; verdade é que a religiáo por vezes sofre ai o contagio da magia, da bruxaria e das supersticóes, mas é sempre perceptivel. Tal fato

é reconhecido por todos os historiadores e etnólogos, por mais diferentes

que sejam as concepcóes filosóficas de cada um.

Em símese, pode-se dizer que é a própria estrutura do homem que póe o problema de Deus. Desde que refuta um pouco sobre si mesmo e suas aspiracóes, ele descobre em si a sede de algo que está além de tudo o que ele experimenta com os seus sentidos. Muitas vezes ele nao sabe dar o nome a esse algo mais, nem pode explicar essa sede, que se volta para o Transcendental. Se ele a quer acalmar com o gozo dos prazeres materiais, intelectual, culturáis - que esta vida Ihe oferece, senté em bre ve o vazio, pois tudo Ihe escapa de entre as maos: "É coisa horrível sentir que nos escapa tudo o que possuímos" (Pascal, Pensées n? 152). Aus

cultando um pouco mais a si mesmo, o homem verifica que a sua sede é de Absoluto ou de Infinito ou de Deus; com todo o dinamismo do seu ser, o homem tende para Deus. Por conseguinte, Deus nunca é estranho á criatura humana, mas Ihe está muito próximo; antes diríamos que Deus Ihe é mais íntimo do que o que o homem tem de mais íntimo. Bem dizia .

55

8

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

S. Agostinho: "Deus superior summo meo, intimior intimo meo. - Deus é

mais elevado do que o que tenho de mais elevado e mais íntimo do que o que tenho de mais íntimo".

2. A consciéncia das limitacóes Além de experimentar a necessidade de conhecer o sentido da vida para poder motivar sua existencia, o homem faz a experiencia inevitável de certas limitacóes que o afetam no mais profundo do seu ser. 2.1. Nascimento e morte

Nem o comeco nem o fim da existencia do homem sobre a térra estáo em seu poder. Nao é o homem quem dá a si a existencia; esta Ihe é outorgada; nem o homem é senhor da mesma, pois ela Ihe é retirada. Isto torna evidente a cada individuo a respectiva contingencia: ao nascer, o homem, que nao existia, vem a ser; ao morrer, o homem, que existia, deixa de existir sobre a térra; realmente o ser humano é alguém que nao

tem em si mesmo a razao da sua existencia; esta nao é, por si mesma ou por sua definicáo, necessária.

Entre o nascer e o morrer, também o agir do homem é limitado: condicionado pelos tragos da sua personaüdade e influenciado por fato res internos e externos, o homem experimenta a fragilidade do seu labor. A mais dolorosa experiencia de Nmitacao é a que a morte impóe; dir-se-ia que ela nao rouba algum pertence ao homem, mas rouba o próprio homem a si mesmo. Esta conviccáo é táo brutal que muitos fazem tudo para nao pensar na morte; entregam-se a atividades frenéticas, que nSo Ihes deixam o tempo de se encontrarem consigo mesmos. A experiencia da finitude leva o homem a querer superar os seus próprios limites. Este desejo está impregnado no mais profundo do ser humano; ele aspira a ser plenamente livre e feliz numa vida sem fim ou

sem ameacas de morte. De todos os anseios do homem, este é certa-

mente o mais intenso e profundo; ele quer beber da fonte da vida ¡mor tal. Mas onde a encontrará? - A resposta so pode ser urna: junto Áquele que é, por definicáo, a Vida e, por isto, pode dar ao homem a vida sem fim. Voltando-se para Deus, e só assim, o homem encontra a resposta para a sua demanda. Deste modo a experiencia da finitude - especial mente a da morte — p5e para o homem o problema religioso como pro

blema fundamental. Com efeito, a religiio, como re-ligacio do homem com Deus,.é o caminho para a Vida..., e para a Vida no sentido pleno da palavra. Dir-se-ia mesmo que, sem dimensao religiosa, o homem é urna 56

PARA QUE TER RELIGlAO? demanda clamorosa subsistente que nao encontra eco ou ressonancia no universo.

2.2. As limitacóes do erro

Além" da experiencia da finitude e da morte, o homem faz a expe

riencia do erro.

Criado para a verdade, o ser humano se vé envolvido na ignorancia e no erro; no tocante ao mundo material, tem alcancado, sem dúvida, ní-

veis elevados de conhecimento, embora caminhe sempre ás apalpadelas; no setor moral e no espiritual, porém, é-lhe difícil conhecer o que é ver

dade, o que é reto, o que é justo, o que é o bem; fácilmente propóe o erro como verdade, o mal como bem, a ponto que muitas pessoas sao céticas com relacáo aos valores espirituais e moráis; nao haveria ai verdade pro-

priamente dita nem padráo de bem. O ceticismo tem sido urna perma nente tentacáo para o homem.

Mais trágica ainda é a experiencia do pecado. Este nao somente atrai o homem, mas escraviza-o, tornando a mente obcecada, a ponto de

nao reconhecer os males que comete ou, se os reconhece, nao conseguir

evitá-los; o ser humano é arrastado a fazer o que nao quisera; já notava o Apostólo Sao Paulo, fazendo eco aos filósofos romanos: "O querer o bem

está ao meu alcance, nao, porém, o práticá-lo. Com efeito, nao faco o bem que eu quero, mas cometo o mal que nSo quero" (Rm 7,18s).

Essa sujeicáo ao erro e ao mal suscita no homem a aspiracáo a l¡vrar-se do erro e da escravidáo do pecado, aspiracáo que nao é superfi

cial, mas brota do mais profundo do ser humano. Este, porém, verifica que por si so nao consegue libertar-se, pois, apesar dos melhores propó

sitos, é constantemente solicitado a recair e cede á tentacáo. Quem pode

entáo salvar o homem de tal humilhacao? Nao outra criatura, sujeita

também ela a falencia, mas, sim, o Ser absoluto, que é a própria Verdade e o próprio Bem: Deus. Assim o homem chega á nocáo e á necessidade de Oeus. Este nao é um Rei Todo-poderoso que se oporta á grandeza do homem, mas, ao contrario, é aquele Ser Perfeito que, por ser perfeito, ajuda o homem a superar suas limitacóes, fazendo-o participar da plenitude da vida divina; é Aquele que liberta o homem do erro e do pecado. Eis, pois, o sentido da religiáo: é o caminho mediante o qual o ho mem, movido pelas mais profundas exigencias do seu ser, se póe em contato com Aquele que é o Absoluto e vem a ser a Resposta aos gran des anseios da pessoa humana; tira o homem de suas servidóes humiIhantes e da própria morte, fazendo-o viver na verdade, na liberdade e na alegría.

57

]0

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

'

Temos assim os elementos para responder á pergunta: por que "ser religioso"? - Porque, mediante a religiáo - e so desta maneira - o homem se realiza plenamente ou encontra o cumprimento das suas aspiracóes mais profundas. Por conseguinte, ao homem a-religioso falta algo de essencial para o total desdobramento das suas virtualidades e a consecucáo dos objetivos. A religiáo nao é urna dimensáo secundaria ou acidental da vida humana, mas está arraigada no (mimo da pessoa; quem deseje prescindir déla, nao pode deixar de se prejudicar. Por isto o ateís mo e a ¡rreligiosidade nao sao opcóes equivalentes a outras no horizonte da filosofía, mas sao atitudes extremamente graves, porque póem em perigo a realizagáo e a consumacáo do ser humano.

Tenham-se em vista, alias, as consideracóes de psicólogos recen tes, dos quais Cari Gustav Jung é um representante significativo; ao contrario de Freud, que desprezava a religiáo, Jung valorizou a dimensao de fé como integrante do psiquismo humano, sem o qual'a saúde mental é afetada. A propósito, queira conferir PR 289/1986, pp. 277s.

3.

Mas por que tanta ¡ndiferenca?

Apesar do papel capital do encontró com Deus na vida do homem, registra-se grande faixa de ¡ndiferenca religiosa na sociedade contem poránea. - Por qué?

As causas sao múltiplas. Poremos em relevo algumas que parecem

mais importantes.

1) Muitas e muitas pessoas sao táo absorvidas pelos problemas

¡mediatos e urgentes da vida que nao tém as disposicoes de ánimo necessárias para refletir sobre o sentido da própria vida: encontram-se sempre fora de si mesmas, emaranhadas em dificutdades que nao Ihes deixam tempo e gosto para a reflexáo.

Ademáis a civilizacáo contemporánea é rumorosa; provoca trepidacáo continua e dos mais diversos tipos, que dificulta ao cidadáo o recoIhimento silencioso; o bombardeio de fatos e o suceder-se de imagens

ocupam-lhe a imaginario e o pensamento. Isto tudo faz que o homem de hoje esteja pouco habituado a entrar em si mesmo, embora muito precise desse exerclcio. Ora, para aprofundar a questáo religiosa, é indispensável a capacidade de refletir e fazer silencio interior; sem esta, a pessoa é tra gada pelo turbilháo dos bens transitorios, podendo mesmo esquecer que tudo passa, mas as aspiracóes congénitas do ser humano nao passam. 58

PARA QUE TER RELIGlAO?

11

2) Outras pessoas há que sao absorvidas nao por problemas de

subsistencia, mas pelo afa de gozar a vida, ganhar dinheiro, conseguir éxito na sua carreira, a ponto de nao conceberem nem o gosto nem o ¡nteresse pelos problemas do espirito. O materialismo e o consumismo tém o triste poder de extinguir no homem a aspiragáo para Deus e a tempera religiosa, que sao constitutivas do psiquismo humano. Quem é tomado pelo anseio de possuir sempre mais bens materiais, fica embotado para os valores transcendentais; já nao experimenta necessidade religiosa nem vé utilidade na fé. Isto explica que a crise religiosa seja hoje mais forte nao nos países em que a fé é perseguida e sufocada, mas nos países ricos do Ocidente materialista e consumista. Oirá alguém: mas há pessoas que afirmam ser felizes sem religiáo. Perguntamos: será realmente assim? Há momentos em que a vida mostra seu rosto dramático mediante urna doenga grave, urna desgrana, um revés financeiro, um luto, a dissolucáb do casamento, um serio insucesso na carreira... Em tais momentos parece que os sonhos se dissipam como um castelo de cartas, caem as certezas que pareciam inabaláveis, tudo dá

a ¡mpressao de ser vazio e sem sentido. É entáo que surge a questáo: que

significado tem a vida? Na verdade, o homem toma consciéncia de que é mesquinho e volúvel tudo o que Ihe acarretava seguranca e bem-estar; é amarga a condicáo do homem. Faz-se entáo sentir a necessidade de algo que, em meio a volubilidade geral, %e]a estável, ou entre as incertezas seja verdade firme. Em última análise, esta é a necessidade de Deus, que por definido é o Bem Absoluto e Imutável.

Por conseguinte, nao é plenamente verdade que alguém possa viver feliz sem religiáo. Por algum tempo talvez isto possa acontecer, mas o passar dos anos encarrega-se de fazer sentir a todo homem a necessi

dade de Deus. Verdade é que tal necessidade pode ser interpretada erró neamente; o homem pode procurar em cisternas furadas aquilo de que

carece (cf. Jr 2,13); pode bater em portas falsas a procura da verdadeira resposta para seus anseios. Isto nao impede que, cedo ou tarde, o indivi duo seja, de algum modo, posto diante do problema religioso.

3} O desinteresse de muitos também se pode explicar como efeito

da luta que o racionalismo vem movendo contra os valores da fé desde o

século XVIII. Com efeito, a religiáo tem sido acusada de ser desarrazoada, infantil ou um conjunto da fábulas e mitos..., de ser alienante e, por isto,

prejudicial á sociedade,... de alimentar o fanatismo e a intolerancia..., de ser contraria á ciencia ou obscurantista, responsável pelo subdesenvolvimento de seus adeptos. A polémica anti-religiosa suscitou em torno da religiáo um clima de ceticismo, suspeitas e averséo; em conseqüéncia, para muitos, quem abraca a religiáo dá pravas de pouca cultura, fraqueza de personalidade, infantilismo, medo, falta de senso crítico... Em tal con59

12

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

texto compreende-se que o número de pessoas "sem religiáo" tenda a aumentar.

Na verdade, algumas deslas acusacóes tém seu fundamento na conduta deficiente de pessoas ou grupos religiosos; deram a sua fé expressoes inadequadas ou caricaturáis, que provocaram o desdém dos ra

cionalistas. Além disto, é preciso que nao se apliquem criterios do pre sente a épocas passadas; o que para os homens de hoje é evidente no plano

da ciencia, da moral, nao o era aos antepassados, de modo que estes, de boa fé, disseram ou praticaram coisas que hoje nao seriam repetidas (assim a insistencia no geocentrismo contra Galiteo, os feitos da Inquísicáo, das Cruzadas, etc.). Urna serena consideragáo do que é a religiáo como tal e do conteúdo da mensagem crista, evidencia que tais acusacóes nao afetam o valor da religiáo. Só sérvem para empalidecer ou apagar na consciéncia humana a imagem de Deus, o que redunda em eclipse do próprio homem. Pois, na verdarie, á "morte de Deus" se segué inevitavelmente a "morte do homem".

Este artigo multo deve ao editorial de La Civiltá Cattolica n? 3260, de 15/04/86, pp. 705-114. (continuapao da p. 96)

CONCLUSÓES: 01 — O Instituto MEAC quer continuar servindo a Igreja; seus membros está"o decididos a manter-se firmes.

02 — A Editora O RECADO, com sua revista e seus livros, continuará prestando colaboracao no campo cultural e financeiro aos missionáriosdo Instituto.

03 - Estaremos de bracos abertos esperando o Neimar de volta ao seio do Instituto, da Igreja, de sua familia, como "homem novo". 04 - Algumas poucas comunidades cartcelaram palestras de nossos missionários após as declarares de Neimar á Veja. Lamentamos, sofremos com ¡sso, pois a nossa vontade é apenas servirá Igreja no Brasil com nosso carísma missionário leigo. Assim o entenderam as muitas comunidades que estao pedindo nossa presenca.

05 - Contamos com as orientaoSes e as oracdes de nossos ¡rmSbs. Na Paz de Jesús, o Missionário do Pai.

Assinam:

Pe. JoSo Drexel (OMI), Antoninho Tatto, José Qeraldo, José Antonio Fonseca, Arthur Miranda

INSTITUTO MEAC -

Rúa Américo Brasiliense, 891 - 04715 - SSo Pau lo (SP) - Fone: (011) 523-7233 60

Aínda o debate sobre

0 porqué do sofrimento

Em slntese: O sofrimento parece a atguns ser um argumento contra o poder ou a bondade de Deus. A mensagem crista responde que Deus nao é— nem pode ser - o autor de algum mal; mas Ele permite que as criaturas, limi tadas como sao, cometam males físicos e moráis; Ele nao quer "polidar" o mundo artificialmente, mas se encarrega de tirar dos males produzidos pelas

criaturas bens aínda maiores. teto em varios casos é evidente, pois se verifica que, para multas pessoas, o sofrimento é urna escola que converte e transfi gura. Em outros casos, os frutos positivos do sofrimento nao sao táo percep-

tíveis; nao obstante, o cristáo tem certeza de que a Providencia Divina nao

faina e um dia ele compreenderá plenamente o plano de Deus, do qual atualmente ele só percebe segmentos e facetas.

Mais: a figura do Filho de Deus, que, leito homem, assumiu a dore a morte a fím de fazé-las passagem para a ressurreicáo e a gloria, é o testemu-

nho mais eloqüente de que o sofrimento nao é mera sentenga da justiga ou castigo, mas está intimamente associado ao amor que Deus tem para conosco. Aceito em uniáo com Cristo, o sofrimento vem a ser fonte de salvagáo pa ra o paciente e de expiacáo dos pecados do mundo.

Um dos temas que mais vém á tona nos círculos filosóficos e reli giosos de nossos días, é o do sofrimento. Quanto mais se alastra e inten sifica a dor dos homens provocada pela fome, o terrorismo, as guerras..., tanto mais indagam a respeito do sentido do sofrimento. Freqüente-

mente nasce daf a objecdo; se Deus existe, como pode permitir tanta desgraca, especialmente quando afeta pessoas inocentes? Se tanto mal acontece, ou Deus nao pode ou nSo quer evitá-lo. No primeiro caso, Ele

nao é todo-poderoso (entáo nao é Deus); no segundo caso. Ele nao ama

seus filhos, pois nenhum pai assiste indiferente ao sofrimento dos seus

filhos. Em conseqüéncia de tais raciocinios, parece lógico a muitos negar a existencia do próprio Deus.

61

14

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

Eis por que as páginas subseqüentes seráo dedicadas ao estudo de tal problema. Pode-se-lhe apresentar solucáo?... ou ao menos alguma luz

que o esclarece? - Alias, também o último Sínodo Mundial dos Bispos, encerrado em dezembro de 1985, chamou a atencáo para a recrudescencia do mal em nossos dias (t§o marcados pela fome e pela ameac/a de catás trofes nucleares) e solicitou especial atencáo para a Teología da Cruz: "Percebemos que os sinais dos tempos presentes sSo, em parte, diferentes daqueles dos tempos do Concilio, com problemas e angustias aínda mais graves. Com efeito; assistimos em toda parte ao aumento da fome, da opressáo, da injustica; a guerra domina em varios lugares, com os sofrimentos que ela acarreta, enquanto o terrorismo e a violen cia, sob mil formas, se manifestam um pouco por toda parte. Isto nos obliga a nova e mais profunda reflexSo teológica para interpretar esses sinais a luz do Evangelho...

Parece que ñas atuais dificuldades Deus nos quer ensinar mais profundamente o valor, a importancia e a centratidade da Cruz de Je

sús Cristo" (D, n? 1 e 2).

Examinemos agora as objecóes que, em vista do sofrimento da humanidade, sao atualmente levantadas contra a existencia ou os atri butos de Deus.

1.

Se o mal existe, Deus existe?

Eis quatro objecóes que a opiniáo pública nao raro formula:

1.1.

Deus sem poder ou sem amor

"Oíante do sofrimento no mundo, Deus nao pode ou nao quer intervir. No primeiro caso. Ele é fraco ou destituido de poder; no segundo casó. Ele ca rece de amor para com seus fUhos".

- Esta objecáo já foi longamente desenvolvida por Voltaire após o terremoto de Lisboa em 1755 e pelo filósofo Arthur Schopenhauer (t1860). Houve quem Ihe respondesse, admitindo que Deus é muito sabio e muito poderoso, mas nao todo-poderoso (assim Voltaire, Stuart Mili, M. Schiller). - Todavia quem assim pensa, está praticamente negando a existencia de Deus, pois, por definicáo, ou Deus é a Suma Perfeicáo, sem limites, ou simplesmente nao existe. 62

OPORQUÉDOSOFRIMENTO

15

A resposta católica a tal objecáo já foi formulada por S. Agostinho

(t 430), ao qual S. Tomás de Aquino (11274) faz eco: "A existencia do mal nao se deve á falta de poder ou de bondade em Deus; ao contrario. Ele só permite o mal porque é suficientemente poderoso e-bom para tirar do próprio mal o bem. - Nullo modo sineret aliquid mali esse in operibus suis, nisi esset adeo omnipotens et bonus ut bene faceret etiam de malo"

(Enchiridion, c. 11; ver Suma Teológica I qu. 22, art. 2, ad 2). Estas pala-

vras, alias, sintetizam toda a doutrina católica relativa á origem do mal:

1) O mal nao é uma entidade positiva; mas uma carencia do ser (ou do bem) devido. Assim a cegueira é a falta de olhos (é um mal ñas cria turas ás quais a natureza concede olhos); o pecado é a falta de concor dancia do ato humano com o Fim Supremo da moralidade, que é Deus. 2) Ora o nao ser ou a carencia como tal nao tem causa. Só pode ser ¡ndiretamente causado por um agente faltvel ou uma criatura que, ao agir, seja capaz de produzir um efeito incompleto, carente de sua perfeiQáo.

3) Por conseguinte, Deus, sendo por definigio o Ser Perfeitíssimo, nao pode ser causa do mal. Esta há de ser a criatura, que pode fainar ao agir no plano ffsico (um desastre de automóvel, uma enchente, uma se ca...} ou no plano moral (o pecado).

4) Deus permite que as criaturas exercam a sua atividade conforme a natureza de cada uma; permite, pois, as falhas respectivas. Ele nSo fez um mundo artificialmente policiado ou de marionetes. Todavía em sua sabedoria e bondade Ele se compromete a aproveitar o próprio mal cometi do pelas criaturas para daf tirar bens maiores.

5) NSo raro é-nos dado perceber os bens que se seguem aos males decorrentes da acáo das criaturas. Com efeito, sabemos que muitas e muitas pessoas se transformaram e nobilitaram em conseqüéncia de uma molestia grave, de um baque ou insucesso na vida. Em outros casos nao nos é possível indicar os frutos positivos procedentes de algum mal; mas o cristáo tem a certeza de que, no final dos tempos, Ihe será concedido contemplar o plano de Deus e as ligacóes existentes entre os fatos que ele abrange.

A resposta teológica aqui esbogada será mais amplamente expla nada sob o titulo 2 deste artigo. Importa aquí mostrar apenas que a exis tencia do mal no mundo nao significa falta de poder ou de bondade em Deus. Os caminhos de Deus nao sao os dos homens, diz o Profeta (Is 55,8); a visSo que Deus tem das criaturas e da historia, é muito mais ex tensa do que a que nos temos. Por causa de nossas perspectivas limita63

16

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 297/19B7

das, corremos o risco de apontar sem mais um mal ou um desastre onde

há apenas o preámbulo de um grande beneficio arquitetado sobre a própria falibilidade das criaturas. 1.2.

lnsistindo_

"Nao aceito a expticacño, pois freqüentemente me parece que a desgraga é táo-somente desgraca, longe de qualquer plano providencial de Deus". A propósito formularemos tres observacóes:

1) É preciso que a criatura nao faga de si mesma o padreo ou o

criterio para avaliar felicidade ou desventura. Nao diga: "Se eu nao vejo o lado positivo de urna desgraca, tal lado positivo nao existe". Somente Aquele cujo olhar abarca toda a historia da humanidade pode definir o sentido real que cada acontecimento tem nesse conjunto.

2) Se determinado mal nao tem realmente urna contra-parte posi tiva ou valiosa, isto se deve muitas vezes ao endurecimento ou á indispo-

sicáo do ser humano. Deus nao constrange ninguém a acolher a sua gra pa. Com outras palavras: a pessoa que sofre, pode fechar-se numa atitude

de revolta, que a torna ¡mpermeável b acao do Espirito de Deus.

3) Se alguém insiste em negar a existencia de Deus por causa das desgrapas existentes no mundo, elimina do seu horizonte um fator de esperanpa e coragem, e nao resolve o problema do sofrimento. Ao contra rio, cria para si um novo problema. Com efeito, verifica-se que muitas e muitas pessoas, quando sofrem, apetam espontáneamente para Deus;

assim nos cárceres, nos hospitais, ñas trincheiras de guerra... é mais freqüente o clamor que pede ajuda, do que a blasfemia. Quem sofre, ex perimenta muitas vezes a necessidade de um auxilio mais do que huma no para tirá-lo da sua dor e salvar da desgrapa os seus semelhantes. Mais: se alguém nega a existencia de Deus, vé-se diante de um mundo marcado pela injustica e retido pelas leis do mais forte que esmaga o mais fraco... sem que possa haver esperanza de restaurado da ordem

ou do reconhecimento dos verdadeiros valores. Já Platáo (t 347 a.C), diante da injusta morte de Sócrates, afirmava a necessidade de haver urna justica superior ou divina para que a morte de Sócrates nao fosse um mero absurdo ou o triunfo do mal sobre o bem (ver os diálogos Re pública e Fedon).

1.3.

S6 para os maus...

"Somente os criminosos deveriam sofrer, aopasso que os justos haveriam de pozar de paz e (elicidade. Ora ás vezes parece que se dá o contra rio".

64

O PORQUÉ DO SOFRIMENTO

V7

A respeito ponderamos: 1} Todos os seres humanos sao portadores de pecado. Nao os di

vidamos em criminosos, de um lado, e inocentes, de outro lado. Os que nao cometem graves faltas moráis, trazem dentro de si a potencialidade ou a capacidade de as cometer.

2) O sofrimento nao deve ser considerado apenas como punigáo ou sangáo devida a um réu. Ao contrario, o sofrimento tem significado milito mais largo e nobre. Com efeito, a) o sofrimento físico é decorrente da própria natureza corpórea do homem. A dor é sinal de alarme que torna o homem consciente de uma

molestia ou um disturbio do seu organismo; se nao fosse a dor, o mal

progrediria sem que o paciente pudesse perceber adequadamente. O natural desgaste dos órgáos (coragao, pulmóes, ffgado...) provoca dores que vém a ser salutar advertencia ou ensinamento para o homem.

b) O sofrimento está também muito ligado ao amor e á nobreza de caráter. Longe de ser castigo, o sofrimento decorre muitas vezes do fato

de que alguém ama outra pessoa e compartilha as dores desta. Pode-se mesmo dizer: quanto mais alguém é digno e magnánimo, tanto mais sofre; quanto mais mesquinho ou desnaturado, tanto menos sofre. Qual a máe que nao sofre por causa da dor de seu filho?

c) De modo geral, o sofrimento é escola para o ser humano. Con tribuí para vencer o egoísmo e tornar a pessoa mais voltada para o pró ximo; torna atuantes muitas energías e potencialidades que nunca desabrochariam se nao fosse o sofrimento. Esta verdade é táo obvia que já os antigos gregos a formularam no trocadilho: pathos mathos (sofrimento é ensinamento ou aprendizagem). Quem nao passa pelo cadinho do sofri mento, muitas vezes é egocéntrico, e ¡nsensível para com os outros; des-

figura-se no plano da personalidade. 1.4.

Ao menos, nao seja excessivo!

Dirá alguém: "Se o sofrimento tem suas vantagens, é para desejar que nao se tome excessivo. Deus deveria saber moderá-lo". - Respondemos que as expressóes "excessivo" e "pouco demais" sSo relativas. Quem gosta de trabalhar, se dá por feliz quando desempenha

uma tarefa grande e importante, que a pessoa vadia rejeítaría como "excessiva". Caminhar um quilómetro, para uns, é excessivo, enquanto para outros é insuficiente. - Por conseguinte, é difícil levar em consideracáo a reivindicacáo do sofrimento nao excessivo, já que este termo é vago ou 65

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/19B7

genérico demais. Como dito, nao devo fazer de

minhas categorías de

pensamento e afeto os criterios de afericao do que acontece aos outros, principalmente se nao conheco esses outros.

Passemos agora a explanacáo da resposta crista, ao problema do sofrimento.

2.

A resposta crista

2.1. Observacáo previa

A fé ajuda o cristáo a esclarecer o problema do sofrimento, mas nao dissipa todo enigma a tal propósito. Especialmente quando se consideram casos particulares, como a morte desta máe ou deste pai, que deixam criancas pequeñas, nao é possível oferecer explicacao cabal e precisa para o ocorrido; nem nos é possível dizer por que tal desastre de automóvel se deu precisamente em tal dia de festa. O livro de Jó nos recorda a insondabilidade do sofrimento, quando, referindo-se ás tentativas de explicar o sofrimento, póe nos labios de Jó as seguintes palavras: "Eis que falei levianamente; que poderei responder-te? Porei minha mao sobre a boca; falei uma vez, nao replicare!... Falei de coisas que nao entendía, de maravilhas que me uitrapassam. Conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te os meus olhos; por isto retrato-me e fa90 penitencia no pó e na cinza" (Jó 40, 4s; 42, 3-6).

Todavia a fé crista projeta sobre o misterio do sofrimento a pers pectiva do amor de Deus; como é difícil dar explicacio cabal para o mis terio do amor, também é arduo explicar o misterio do sofrimento. A fé católica enquadra o misterio do sofrimento dentro do misterio maior do amor. Com efeito, o amor de Oeus, que criou o homem num misterioso ato de benevolencia, jamáis o abandona; certamente exerce seus planos a través dos percalgos da caminhada que a criatura percorre na térra. To

das as respectivas ocorréncias estáo sob o signo desse amor primeiro, gratuito e irreversfvel (cf. 1 Jo 4,10.19). Examinemos agora, de mais perto, a explicacáo teológica. 2.2.

A origem do mal no mundo

A S. Escritura refere que o mal no mundo teve origem por violáceo {por parte dos primeiros pais) da ordem instaurada pelo Criador. Com efeito. Oeus quis dotar os primeiros homens de grande rique

za interior: 1) a graca santificante, que Ihes comunicava a filiacáo divina e 66

O PORQUÉ DO SOFRIMENTO

19

2) os dons preternaturais (a isencáo da morte, do sofrimento, da desor dem de tendencias interiores...). Tal era o estado de justi'ca original. Estes dons estavam condicionados á fidelidade do homem ao plano de Oeus. Sim; deviam ser livremente aceitos pela criatura. Por isto o

Criador propós a esta um modelo de vida (figurado pela proibicáo da fruta da árvore da ciencia do bem e do mal, Gn 2,16s). Aceitando-o, o homem significaría su a entrega ao designio de Deus; recusando-o, ex primiría o seu Nao e sua auto-suficiéncia. Ora na verdade os primeiros pais rejeitaram o modelo de vida apresentado pelo Senhor Oeus; pecaram por soberba, que os levou á desobediencia. Em conseqüéncia, perderam a chamada "justica original" e cairam num estado em que existem a morte, o sofrimento, as tendencias desregradas... Verdade é que tanto a

morte como o sofrimento e os apetites instintivos sao algo de natural; to davía após o pecado dos primeiros pais trazem a marca da desordem e da desobediencia. O mundo que, por dom de Deus, estava harmoniosamente sujeito ao homem, já nao é tal;enquanto o homem se mantinha submisso e fiel a Deus, o mundo inferior estava subordinado ao homem; todavía, rompida a sujeípáo do homem ao Criador, rompe-se a serventía das criaturas irracionais ao homem; estas o maltratam e esmagam, negam-lhe os frutos da térra e, nao raro, as condigóes de sobrevivencia.

Por conseguinte, conforme o texto sagrado e a doutrina da fé, a origem do mal no mundo está no peíado ou no plano moral. Este suscitou o mal físico (doencas, mortes, catástrofes, calamidades...). A doutrina do pecado original assim concebida tem sido questiona-

da ou posta em dúvida por parte de alguns teólogos e exegetas. Estes afirmam que o pecado comecou sua historia no mundo sem o quadro ou a moldura que o texto sagrado Ihe assinata; nao importaría o modo de suas origens. Tal teoría destrói a cosmovisáo crista. Por ¡sto o S. Padre Joáo Paulo II, em suas audiencias de quarta-feira, tem insistido no assunto, incutindo a doutrina de fé da Igreja; tenha-se em vista L'Osservatore Romano, edigóes semanais de setembro-outubro 1986.

Eís, porém, que, na historia das relagóes do homem com Deus, a última palavra nao foi a do pecado nem a da desordem. O Senhor Deus nao se quis deixar vencer pelo mal, mas venceu o mal com o bem (cf. Rm

12,21). É o que veremos a seguir. 2.2.

O resgate da dor

Diz Sao Paulo: "Deus, que é rico em misericordia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos monos em nossos delitos,

nos vivíficou juntamente com Cristo" (Ef 2,4s). Ou aínda: "Onde abundou o pecado, ai superabundou a grapa" (Rm 5,20). Com outras palavras: 67

20

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

Deus nao ficou indiferente á desgrana na qual o homem se atirou pelo pecado; nao assistiu "fríamente" a tragedia; mas houve por bem assum¡-la em toda a sua realidade concreta.

O testemunho do amor de Deus foi precisamente a obra de Cristo. Enviando seu Filho ao mundo, o Pai constituiu um segundo Adáo ou um novo Cabeca da humanidade. Este assumiu a dor e a morte do homem

até as últimas conseqüéncias, numa atitude de entrega e de amor ao Pai. Desta maneira mudou o significado do sofrimento humano; este já nao é mera conseqüéncia do pecado ou sancio da justica divina; ele foi redimi do vindo a ser a via de volta do homem a Deus. O homem sofre e, so frendo, se encaminha para o Pai com Cristo.

Os teólogos costumam deter-se na explanacáo do valor do sacrifi cio de Cristo, valendo-se do texto de Sao Paulo: "Aquele que nao conhecera o pecado, Deus o fez pecado por nos a fim de que nos tornássemos justica de Deus por Ele" (2Cor 5,21). Estes dizeres significam que Cristo foi constitufdo sacrificio pelo pecado; Ele fez partir da própria natureza humana o amor e a dedicacáo ao Pai que o primeiro Adáo recusou.

O cristáo, sofrendo com Cristo, pode até mesmo tornar-se corre dentor com Jesús, expiando em sua carne os pecados da humanidade, como lembra o S. Padre Pió XII na encíclica Mystici Corporís Chrísti. Desta maneira, o sofrimento, além de ser escola benéfica (como foi dito á p. 65 deste artigo), é também ocasiffo de derramamento de grapas sobre o mundo. O sofrimento dos inocentes há de ser visto á luz desta verdade: como Cristo inocente padeceu transfigurando a dor, assim o cristáo san

tamente configurado a Cristo, padece oferecendo ao Pai o repudio ao pe cado e o amor que os pecadores deveriam tributar a Deus. O Pai celeste dispós salvar os homens mediante Cristo e aqueles que se unem a Cristo pela santidade de sua vida. Assim a própria dor das pessoas retas e justas toma sentido. Sao Paulo dizia: "Completo em minha carne o que falta a

Paixáo de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja" (Cl 1,24). Quando o cristáo sofre, nao é simplesmente um ser biológico que sofre, mas é o próprio Redentor que estende a sua Paixáo aos membros do seu Corpo Místico, associando-os á sua obra redentora: na verdade, o sacrificio de Cristo na Cruz foi infinitamente meritorio, mas cada cristáo pode dar-lhe o suporte ou a moldura da sua vida pessoal..., suporte que a Paixáo de Cristo nao teria se nao fosse a vida de cada discípulo de Cristo. O valor do sacrificio do cristáo unido ao de Cristo foi realcado pelo Cardeal Frantisek Tomasek, de Praga, numa entrevista concedida ao pe riódico italiano II Sabato. O prelado falou entáo dos graves problemas que o regime comunista suscita para a Igreja na Tchecoslováquia (cerceamento de atividades pasturáis, dificuldades para a nomeacáo de Bis68

O PORQUÉ DO SOFRIMENTO pos, encarceramentQ de sacerdotes e leigos...). O repórter entáo Ihe perguntou:

"Eminencia, nao está cansado de combater urna batalha sem éxi to?"

Respondeu o Cardeal: "A situacáo é difícil; nao se vé como e quando possa melhorar. Mas tenho sempre esperance. Digo sempre urna coisa: quem trabalha pelo Reino de Deus, faz milito; quem reza, faz mais; quem sofre, faz tudo. Este tudo é exatamente o pouco que fazemos entre n6s, na Tchecoslováquia".

Quem sofre, faz tudo, desde que unido a Cristo, pois toma parte íntima na PaixSo Redentora do Senhor, fonte de salvacSo para o mundo inteiro.

3. Conclusao Eis a maneira como a mensagem crista" responde ao problema do sofrimento humano. Aos olhos da fé, é plenamente satisfatória; tem sus citado grandes heróis e heroínas a través dos séculos. O que esta explicagao possui de mais típico, é o fato de conjugar entre si justica e amor. Sim; o sofrimento, de um lado, é a justa conseqüéncia do Nao dito pelo homem a Deus no inicio da sua historia; por outro lado, é o testemunho do amor de Deus que, assumindo o sofrimento e a morte, demonstra ao homem que Ihe quer bem e nao desiste de o chamar á Vida; Cristo trans-

figurou o sofrimento e o fez caminho de conversáo ou de retorno ao Pai. A propósito citamos: John M. McDeimott SJ., II senso della sofferenza, em La Civihtá Cattolica nP 3272, 18/10/1986, pp. 112-126.

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TORIA DA IGREJA POR CORRESPONDENCIA em 50 módulos aproxi

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69

Que sabemos?

"Luz sobre a idade media" por Régine Pernoud

Em s/ntese: A Idade Media é tida Ireqüentemente como "época das trevas". Para dissipar o mal-entendido, a historiadora francesa Régine Pernoud publicou algumas obras, entre as quais "Luz sobre a Idade Media"; deste volume váo extraídos alguns tópicos relativos ao ensino e á vida cotidiana da~ quela época.

Quem analisa de perto a documentacáo deixada pelos medievais, toma consciéncia de que Já viviam "urna civilizacáo refinada. Basta dizer que a hi giene estava mais desenvolvida do que no secuto XVII. A hierarquia social assentava essenciatmente nos tacos familiares. As mulheres tinhamdireitos que perderam a partir do secuto XVI" (¥ capa do livro).

A historiadora francesa Régine Pernoud já foi apresentada em PR 289/1986, pp. 262-273. Especializou-se em estudos medievais e, por seus escritos, tende a mostrar os aspectos positivos da Idade Media, que ge-

ralmente sao ignorados. 0 livro "Luz sobre a Idade Media"1 estuda di

versas facetas daquela época, como, por exemplo, as letras, as artes, a mentalidade, a realeza, a vida urbana... Cada capitulo da obra é rico em dados e ¡nformacdes, geralmente desconheridos mesmo ás pessoas de

media cultura. Eis por que ñas páginas seguintes nos voltaremos para duas das secdes mais ¡nteressantes e surpreendentes da obra, que sao os capítulos relativos ao ensino (pp. 99-110) e á vida cotidiana dos homens e mulheres da Idade Media (pp. 165-195).

1. 1.1.

O ensino

Regime escolar

As escolas na Idade Media eram fundadas e mantidas geralmente pela Igreja: havia as escolas das paróquias, as das catedrais e as dos

Publicares Europa-América, Mem Martins, Portugal. 70

"LUZ SOBRE A IDADE MEDIA"

23

Mosteiros. Em 1179 o Concilio do Latrao III impos a todas as ¡grejas a obrigacáo de ter uma escola agregada. Além disto, os senhores feudais podiam fundar suas escolas, como também os habitantes de um luga rejo se podiam associar entre si para sustentar um professor encarregado de ensinar ás crianzas. Conservou-se até hoje a petigáo de alguns país soli citando a demissao de um professor, que, nao tendo sabido fazer-se respeitar pelos alunos, foi por estes desrespeitado; sim, haviam-no ferido com os seus estiletes {grafiones) destinados a escrever sobre tabuínhas revestidas de cera.

As mangas eram admitidas na escola com sete ou oito anos de idade; o ensino, que preparava para os estudos da Universidade, estendia-se por uma dezena de anos. Os meninos eram separados das meninas, que tinham seus estabelecimentos próprios, menos numerosos talvez, mas muito ativos. A Abadia de Argenteuil, por exemplo, onde foi educada

Heloisa, ensinava as alunas a S. Escritura, as letras, a medicina e mesmo a cirurgia, sem contar o grego e o hebraico, que Abelardo lá ensinou. Em geral, as pequeñas escolas proporcionavam aos seus alunos as nocóes de gramática, aritmética, geometría, música e teología que Ihes permitiam chegar ás Universidades; é possivel que algumas tenham ministrado um ensino técnico. As enancas de todas as "classes" da sociedade eram instruidas juntas, como atesta o cronista, que aprésenla Carlos Magno (Imperador) severo para com os filhos dos bardes que se mostravam preguiposos, ao contrario dos filhos dos servos e de pessoas pobres. A única diferenca consistía no fato de que o ensino era gratuito para os pobres e pago para

os ricos. Esta gratuidade se estendia a outros casos; por exemplo, o Con cilio do Latráo III em 1179 proibiu aos responsáveis das escolas que "exigissem taxas dos candidatos ao magisterio pela concessáo da Mcenca".

É a identidade de instrucáo ministrada a ricos e pobres que explica

tenha havido na Idade Media tantos grandes personagens saídos de fa milias humildes: Sugero, que governou a Franca durante a Cruzada de Luís Vil, foi filho de servos; Mauricio, de Sully, o bispo de Paris que mandou construir a catedral de Notre-Dame, nasceu de um mendigo; Sao Pedro Damiáo, Cardeal, na sua infancia foi guarda de porcos; Gerberto

de Aurillac, brilhante dentista medieval, foi também pastor; o Papa Ur bano VI foi filho de um pequeño sapateiro de Troyes e Gregorio Vil, o grande Papa, foi filho de um pobre cabreiro.

Os estudantes mais dotados tomavam o caminho da Universidade, de acordó com as suas preferencias. Em Montpellier, ensinava-se a me dicina; em OrleSes, o Oireito Canónico; em Bolonha, o Direito Romano.

Paris, porém, atraia de modo especial, pois lá se aprendiam as artes li71

24

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

berais e a teología por parte de estudantes provenientes da Alemanha, da Italia, da Inglaterra, da Dinamarca, da Noruega. 1.2.

Autonomía universitaria

As Universidades, que eram obras da Igreja, dependiam diretamente do Papa e nao do Bispo do lugar. Cada Universidade formava um corpo livre - o que quer dizer que estava isenta da jurisdic.áo civil ou dos tribunais do rei. Professores, alunos e até os servidores destes depen diam apenas dos tribunais eclesiásticos - o que era considerado um pri vilegio; professores e alunos administravam a sua tesouraria sem inge

rencia do Estado. É esta a característica essencial da Universidade medie

val e aquela que mais a distingue da de hoje. Tal liberdade favorecía a emulagáo entre as diversas Universidades: os estudantes de Paris iam fraudulentamente a Orleáes a fim de concluir a sua licenciatura, porque lá os exames eram mais facéis; realizavam seus

movimentos de contestado e greve... a tal ponto que a Universidade medieval era um mundo turbulento, quase tanto quanto em nossos días. - Era também um mundo cosmopolita: os estudantes de París estavam repartidos em quatro nacóes: os Picardos, os Ingleses, os Alemáes e os Franceses. Os professores também vinham de diversas partes do mundo:

havia Sigério de Brabante (Bélgica), Joao de Salisbury (Inglaterra), Alberto Magno da Renánia, S. Tomás de Aquino e Sao Boaventura da Italia. A llngua comum, única talada na Universidade, era o latim; esta permitía aos sabios comunicar-se de um ponto a outro da Europa Ocidental e contribuia para salvaguardar a homogeneidade de pensamento. Os pro blemas que apaixonavam os filósofos, eram os mesmos em París, em Oxford, em Edimburgo, em Colonia ou em Pavia. O mundo estudantil era também um mundo itinerante: os jovens saiam de casa para alcancar a Universidade de sua escolha; voltavam para sua térra ñas testas. Punham-se a caminho para aproveitar as licoes de um mestre

de nomeada ou estudar urna materia na qual determinada cidade se espe cializara. Como dito, havia os que "fugiam" para Orleáes para fazer os exa mes de Direito Canónico em termos facilitados. Assim percorriam as estra

das a cávalo e, mais freqüentemente, a pé, caminhando leguas e leguas e

dormindo em abrigos de viandantes. Com os mercadores e os peregrinos, foram os estudantes os que mais contribuiram para a grande animacáo das es tradas medievais. No conjunto, o universitario do sáculo XIII tinha características seme-

Ihantes Is dos estudantes do sáculo XX. Temos cartas dirigidas por aqueles aos pais e colegas, que revelavam as mesmas preocupacSes de hoje: os pedí72

"LUZ SOBRE A IDADE MEDIA"

25

dos de dinheiro e subsidios diversos, queixasde estudose exames penosos...

Nao poúcos careciam de dinheiro e, por ¡sto, eram dispensados das taxas da sua Faculdade: encontra-se freqüentemente nos registros urna mencáo in

dicando que tal ou tal estudante nada pagou ou só pagou parte do débito propter inopiam, por causa da sua pobreza. Alguns conseguiam trabalho re munerado, que os ajudava a viver; sim, podiam tornar-se copistas ou eneadernadores ñas lojas de livros. Além disto, podiam pleitear pensao (cama e mesa) nos colegios que se foram instituindo a partir de fins do sáculo XI I. O primeiro destes albergues foi criado no Hotel-Dieu de Paris por um burgués de Londres que, regressando de urna peregrinacao á Térra Santa, quis fazer urna fundacao perpetua, encarregada de albergar e alimentar gratuitamente dezoito estudantes pobres, os quais, em retribuicao, só tinham a obrigagao de velar os mortos do hospital e levar a cruz e a agua benta por ocasiáo dos enterras. Ao's poucos formou-se o hábito de organizar nessas pensoes (cha madas "colegios"} sessoes de trabalho em comum ou grupos de estudos; os professores iam ali lecionar e chegavam a fixar-se nos colegios, os quais se tornavam assim mais freqüentados do que as proprias Universidades. Em su ma, pode-se dizer que havia todo um sistema de bolsas de caráter semioficial ou particular.

O ensino era ministrado em latim. Compreendia o trivium ou as artes liberáis (Gramática, Retórica, Lógica), e o quadrivium ou as ciencias (Arit mética, Geometría, Música e Astronomía). Além disto, havia as Facuidades de Teología, Direito e Medicina. Assim era abrangido todo o ciclo de conhecimentos da época. Cada ramo de saber era colocado dentro do conjunto dos conhecimentos relativos ao homem; com outras palavras, os medievais procuravam ministrar sempre cultura geral representada principalmente pelo

trivium e o quadrivium. É o que explica o caráter enciclopédico de muitos

sabios e letrados da época: Rogério Bacon, Joáo de Salisbury, Alberto' Magno. . ., que podiam entregar-se sucessivamente a diversos assuntos sem

perder a visao do conjunto. A Universidade aplicava também com freqüéncia o método da disputa filosófico-teológica (quaestiones disputatae), que seguiam regras estritas, aptas a garantir a boa ordem e o progresso do pensamento.

Em Paris o número de estudantes era muito grande; exageradamente tem-se dito que ultrapassava o da populacao fixa da cidade (pouco mais de quarenta mil habitantes)! Tanto as autoridades quanto os cidadSos eram

assaz indulgentes para com os universitarios, apesar das pilhérias e dos grace jos com que freqüentemente incomodavam os moradores da cidade. Algumas cenas de sua vida f icaram gravadas em monumentos e escritos; vemo-los a ler e a estudar: urna mulher vai perturbá-los e os afasta de seus livros; en73

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

tao, para puni-la, as autoridades civis a colocam no pelourinho'. Os reís davam o exemplo de tratar os "escolares" como meninos mimados; Felipe Au gusto, da Franca, depois da batalha de Bouvines, enviou um mensageiro a anunciar a sua Vitoria, em primeiro lugar, aos estudantes parisienses.

1.3. Iletrados e cultos Do que foi exposto, segue-se que tudo que dizia respe¡to ao saber, era estimado na Idade Media. Rezava um proverbio: "Com desonra morra mere cidamente quem nao gosta de livros". Estes fatos suscitam a pergunta: era o povo tSo ignorante na Idade Media como geralmente se supSe?

A propósito faz-se mister dissipar um mal-entendido: o número de iletrados era, sem dúvida, maior na Idade Media do que em nossa época (aín da que menor do que se tem dito). Acontece, porém, que ser iletrado ná*o

significava ser ignorante ou inculto na Idade Media; sim, os homens medievais aprendiam mais pelo ouvido do que pela leitura (o que se compreende, pois, antes da ¡nvencao da imprensa, poucos e caros eram os livros); por mui to estimados que fossem os códigos, eles nao podiam ser tifo utilizados e

aplicados quanto a palavra viva; lembremo-nos, por exemplo, de que as ordens dos reis e dos governantes eram muito mais freqüentemente proclama das e apregoadas de viva voz do que transmitidas por escrito. Estes elemen tos explicam que nos Estatutos municipais da cidade de Marselha, datados .do sáculo XIII, sejam enumeradas asqualidades exigidas de um bom advogado — ao que se acrescenta litteratus vel non litteratus (quer seja letrado, quer nao); isto significa que alguém podia ser um bom advogado e nao saber ler nem escrever; podia conhecer o Direito Romano, a jurisprudencia e o uso da linguagem e, apesar de tudo, ignorar o alfabeto. Tal nocSo é de difi'cil compreensao para um cidadao do século XX, mas torna-se de importancia capital para se entender a Idade Media.

Elemento essencial da vida medieval foi a pregacao. Esta era exercida nao só ñas ¡grejas, mas também nos mercados, nos cruzamentos de estradas, ñas pracas públicas, e de maneira muito viva e calorosa. O pregador dirigía

se ao auditorio, respondía as suas perguntas, admitía até as suas iniciativas.

Os sermoes impressionavam profundamente as multidfies, podendo desencadear urna Cruzada, propagar urna heresia ou preparar revoltas. O papel didático dos clérigos era ampio: ensinavam aos fiéis as suas historiase as suas

1 O pelourinho era urna coluna de peora ou madeira em praca pública, jun to da qual eram expostos e castigados os criminosos. 74

"LUZ SOBRE A IDADE MEDIA"

27

tradicoes, a sua ciencia e asua fé; comunicavam-lhesos grandes acontecimentos (tomada de Jerusalém, perda de Sao Joao de Acre. . .); aconselhavam e

guiavam os outros, até nos negocios profanos. Como dito, na Idade Media, as pessoas se instruiam escutando e tinham a memoria auditiva muito mais exercitada do que a visual.

Em conclusao: a Idade Media, além da sua cultura patente e explícita

mente formulada, teve a sua cultura latente. Todos possuiam um conhecimento prático e concreto do latim falado, articulavam o canto-chao, que su-

póe, se nao a ciencia, pelo menos o uso da acentuapao no falar. Todos con heciam um pouco da historia da sua gente e de seu torrao natal com as tradi coes que a acompanhavam; os monumentos concorriam para transmitir esse

patrimonio histórico e cultural mesmo aos que nao sabiam ler (pensemos na

chamada "Biblia dos iletrados", que eram os vitrais das catedrais e igrejas). Além dos conhecimentos de I fngua, canto e historia, havia o saber téc nico, que os pequeños artesáos assimilavam no decorrer da sua aprendiza-

gem; os artífices nao se improvisavam; era preciso que as suas artes se Ihes tivessem tornado urna segunda natureza. Muitas vezes os conhecimentos téc nicos eram acompanhados de pequeña súmula do saber (astronomia, medici na, botánica, metereologia), como atestam os compost des bergiers, manus critos descobertos há poucos decenios, que revelam o gosto pela difusáo da cultura entre os trabalhadores manuail da Idade Media. — Alias, é de notar que esta época nao conhecia fosso entre artes manuais e profissoes liberáis; sim, os termos sao significativos: mestres era tanto o fabricante de tecidos que terminara a sua aprendizagem quanto o estudante de Teologia que obtivera a licenca para ensinar.

Estes dados históricos realmente abrem novas perspectivas, claras e importantes, sobre a desconhecida Idade Media.

2. A vida cotidiana 2.1. Casas e rúas No inicio da Idade Media registra-se a tendencia a agrupar as populac5es em torno de um castelo, cujo senhor pudesse prestar defesa e proteclo as familias de camponeses vizinhos. Todavía, desde que cessou a época das invasoes (sáculo XI), as populacóes deixaram de se aglomerar em torno de um grande senhor para constituir cidades propriamente ditas. Estas eram sempre cercadas de muralhas (costume dos povos anteriores a Cristo) para se

defenderem de adversarios. A delimitacSo das cidades por muralhas fazia que as rúas fossem, muitas vezes, tortuosas; sim, acompanhavam o tracado 75

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

das muralhas, que por sua vez dependiam da configurapao do terreno. Este fato nao excluia certo plañejamen to das cidades: em Marselha, por exemplo. as vias principáis sa*o estritamente paralelas as margens do porto, onde vao desembocar as rúas transversais.

A estreiteza das rúas era devida a razSes precisas; os cidadaos queriam defenderse do vento ou do sol, onde isto se fizesse necessário. Alias, o am biente das rúas era muito importante para o homem medieval, pois vivia grande parte do dia na rúa. Notemos que na antigüidade as casas apresentavam poucas aberturas (portas ou janelas) para o exterior; eram iluminadas, artificialmente em seu interior. Ao contrario, na lda.de Media, as casas se abriram para as rúas - o que foi auténtica revolucSo arquitetdnica. As pessoas gostavam de sair. Todos os lojistas tinham um toldo, que montavam to das as marinas, a fim de ex por os seus artigos ao ar livre; queriam assim aproveitar a luz do dia, que permitía aos clientes examinar os artigos melhor do que a luz artificial. Um mercador de panos que levasse o fregués para dentro

da loja, era mal visto; pensava-se que, se nlo existisse defeito nos seus tecidos, nao teria receado expo-los em plena rúa, como faziam os outros. O barbeiro, o cordoeiro e mesmo o tecelao trabalhavam na rúa ou virados para ela; o cambista instalava suas mesas sobre cavaletes diante da sua loja.

Assim as rúas eram muito movimentadas. Cada quarteirSo tinha a sua fisionomia própria, pois os profissionais se agrupavam em corporacoes. Por isto é que ainda hoje ñas cidades européias as rúas tém o nome de diversos tipos de trabalhadores: Rúa dos Cuteleiros, Cais dos Ourives, Rúa dos Tanoeiros.. . Além da movimentacSo humana natural, registravam-se ñas cida des medievais os pregoes ou as mensagens proclamadas em alta voz nos lu gares públicos, pois na Idade Media tudo era apregoado (já que nao havia jomáis impressos): as novidades do dia, as dedsoes da Polícia ou da Justica, os leiloes ao ar livre, as mercadurías para venda, os vinhos dos taberneiros;

em suma, a publicidade era f alada e nao escrita.

Estes traeos ná*o devem dar a impressSo de que "as casas medievais eram pocilgas fedorentas e as rúas eram cloacas", como já se dísse. - Os do

cumentos nos dSo noticias de cautelas tomadas para garantir a limpeza e o asseio das cidades: em muitas destas, as rúas eram pavimentadas com pedras. Havia esgotos, geralmente cobertos: em París foram encontrados os respecti vos cañáis debaixo do terreno do Louvre e do antigo Palacio da Trémoille, datando do sáculo XIII. Onde ná*o existiam tubos de esgoto, criavam-se vazadouros públicos, cujos detritos eram despejados nos rios ou queimados. A policía se encarregava de fazer respeitar as leis da higiene pública. Existiam regulamentos particulares para garantir a limpeza de lugares mais ameaca76

"LUZ SOBRE AIDADEMÉDIA"

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dos pela sujeira: a carnicaria, a peixaria, a pelaría... Donde se vé que a saúde pública nao era negligenciada. Urna dúvida, porém, poderia originar-se do fato de que os animáis

domésticos ñas cidades eram muito mais numerosos do que em nossos dias: nao era raro ver-se um rebanho de cabras ou de carneiros ou mesmo urna manada de vacas abrir passagem por entre os tabuleiros dos vendedores, pro vocando desordens e tumultos. Em Londres os carneiros atravessavam diaria

mente urna das pracas mais movimentadas para ir pastar nos parques. Havia principalmente porcos — cada familia criava a quantidade necessária ao con sumo da casa —, que circulavam ñas calcadas apesar das proibicoes (isto nao era totalmente inconveniente, pois devoravam os detritos comestfveis e assim contribuiam para a limpeza pública). — As autoridades promulgavam lets

restritivas a criacao de animáis ñas cidades, mas nem sempre logravam o in tento.

Na ruidosa cidade medieval, onde fervilhava urna populacao sempre atarefada, a voz dos sinos marcava os principáis momentos do dia, fazendo

parte do "fundo sonoro" da cidade: de manhSe de tarde, o sino indicava as horas de trabalho e de repouso, desempernando o papel das sirenes das fá bricas modernas. O sino proclamava os dias de festa, chamava por socorro em caso de alarme,convocava o povo para as reunioese os Conselhos; dobrava em tom de Finados ou em carrilháo de festa ou em sinal de incendio.

Quando anunciava a hora de recolher a noite, extinguiam-se as luzes das lojas, fechavam-se os portoes das casas e até as portas da cidade; em caso de perigo noturno, levantavam-se as pontes levadicas e baixavam-se as grades para defender a cidade. Em alguns lugares colocavam-se correntes a atravessar as rúas — o que era especialmente oportgno nos bairros de má fama, para dificultar a fuga dos malandros. Só permaneciam acesas as lamparinas, que

dia e noite pestanejavam diante dos crucifixos ou das estatuetas da Virgem e dos Santos em seu nicho ñas esquinas das rúas. — Os viajantes retardatarios

só tinham o direito de circular munidos de urna tocha. As casas costumavam ter paredes grossas, que as defendiam contra o frío, o calor e os rui'dos importunos.

2.2. O interior da casa

O elemento essencial da casa medieval é a sala. Nesta se reúne toda a familia ñas horas das refeicoes e também á noite, ao calor da grande chaminé, para se aquecer, contando historias antes que as pessoas fossem dormir. Isto se dava tanto ñas casas dos camponeses como nos castelos. As outras 77

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/19B71

pecas da residencia tinham caráter relativamente secundario. A cozinha costumava ter seu recinto próprio; por vezes nos castelos ocupava um edificio

á parte, sem dúvida para limitar os riscos de um incendio. Em muitas casas havia também as oficinas de trabalho. Osquartos de dormir tinham adjacentes as privadas, longaignes ou retretes. A delicadeza ia muito longe neste aspecto, pois a norma mandava que, ao menos ñas casas de pequeños propietarios, cada pessoa tivesse a sua retirada própria e fosse a única a usá-la. Os costumes so se tornaram grosseiros neste ponto a partir do sáculo VXI, que, alias, acarretou o desprezo de quase todas as práticas de higiene que a Idade Media cultivava. A Abadia de Cluny, no sáculo XI, ná"o contava menos de quarenta latrinas. Existiam também as latrinas públicas; a sua ¡nstalacáo e manutencáo era objeto de deliberacSes municipais e entrava ñas contas da cidade. Ñas casas particulares, as retretes situavam-se no último andar geralmente; um cano, ao longo da escada, levava aos vazadouros ou ainda a fossas muito semelhantes as usadas atualmente; utilizavam-se cinzas de madeira, que tém a propriedade de decompor os detritos orgáni cos; encontramos a mencáo de compra de cinzas destinadas as latrinas do hospital de Nfmes no sáculo XV.

Os quartos eram mobiliados com mais conforto do que geralmente se pensa. O mobiliario compreendia camas bem adornadas e cobertas, colchas e tapetes, com lencóis brancos e peles, os tamboretes, as cadeiras de espal dar alto e os baús ou cofres esculpidos, onde se guardava a roupa. As madeiras da época eram muito belas; preparadas e enceradas devidamente, ná"o absorviam a poeira nem atraiam insetos. Havia também arcas (ou armarios) pa ra o pao e guarda-loucas. Quanto as mesas, eram simplesmente tábuas que se montavam sobre cavaletes no momento de servir e que se guardavam, a se guir, junto ás paredes para nao estorvarem. Fazia-se muito uso de paño e ta petarías, que protegiam do frió e cortavam as correntezas. Falando dos cui dados varios de urna dona de casa, o Ménagier de Paris recomenda a Agnes, que tem o papel de supervisor a: "Ordene ás servicais que, logo de manhazinha cedo, as entradas da casa, a saber, a sala e os outros locáis por onde as pessoas entram e se detém em casa para conversar, sejam varridas e conserva

das limpas, e os escabelos (tamboretes), bancos e xaireis', que estío sobre as

arcas, sacudidos e limpos do pó; e subseqüentemente os outros quartos I i ni pos e ordenados para esse dia, e de dia para día". Talvez cause espanto ler que nos inventarios da época é mencionado o tapete de banheira, que se colocava no fundo das banheiras, para evitar as farpas quando o fundo era de madeira. Na verdade, a Idade Media, contrariamente ao que se julga, confie-

1

O xairel era urna cobertura de tecido ou de couro. 78

"LUZ SOBRE AIDAOE MEDIA"

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cía os banhos e fazia largo uso deles. Mais urna vez: foi o século XVI que rompeu com a tradipSo medieval neste particular. A Idade Media foi urna época de higiene e limpeza. As leis da hospitalidade mandavam que se oferecesse um banho aos convidados que chegavam de longa viagem. Era hábito corrente lavar os pés e as maos quando se entrava em casa.

Existiam também casas de banhos destinadas ao público, que eram muito freqüentadas. Esses banhos podiam ser aquecidos por meio de artifi cios e de condutos subterráneos, como se fazia na antiga Roma. Todas as manhas os propietarios dos banhos mandavam apregoar pela cidade: "Ouvi o pregao matinal:/ Senhores, banhai-vos/E lavai-vos sem delongas:/ Os banhos estao quentes, e é sem mentir" (Guillaume de Villeneuve, Crieries de Paris). Alguns exageravam de modo que o Livre des Métiers de Etienne Boileau

prescreve: "Que ninguém apregoe ou mande apregoar os seus banhos antes que o día amanheca".

2.3. O trabalho e os seus instrumentos

Os instrumentos de trabalho eram, na Idade Media, mais ou menos os

mesmosdequeseserviramoshomens até o século XIX, antes da motorizapSo

da agricultura.

Ao contrario do que se pensa, o carro de mao já existia na Idade Me dia, semelhante áquele de que nos servimos atualmente. Existem manuscri tos do século XIV cujas iluminuras mostram trabalhadores transportando pedras ou tijolos em carros de mao.

Devem-se varias invencoes á Idade Media, as quais tiveram ampia repercussáo ñas épocas subseqüentes. Seja mencionada, entre outras, a albarda do cávalo1. Até entáo a atrelagem concentrava todo o esforpo sobre o peito do animal, de modo que, se a carga fosse muito pesada, corría o risco de sufocapao. No século X, porém, os lavradores comecaram a atrelar as bestas de carga de modo que o corpo inteiro é que suportava o peso e os esforpos exigidos. Esta inovapSo devia modificar profundamente a vida social; com efeito, a trapSo humana havia

I Albarda é a sela grosseira, enchumbada de palha para bestas de carga (ver Dicionário de Aurelio). 79

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

sido até entao mais importante do que a trapao animal. Doravante, porém, foi possível inverter a ordem - o que tornou possível pensar mais seriamen te na abolicao da escravatura (ligada ás condicSes económicas da antigüidade). A Igreja vinha lutando para que o servo fosse reconhecido como pessoa humana dotada de todos os seus di reí tos; a sua voz pode ressoar com mais probabilidade de éxito depois que cávalos e burros assumiram o seu lugar no transporte de cargas.

Algo de semelhante se deu quando na Idade Media se inventou o moínho: mofnho hidráulico e, depois, moínho a vento. . ■ Esta máquina substituiu a imagem do escravo atrelado a mó.

Os medie vais conseguí ram também fazer que urna viatura pudesse girar sobre si própria, tendo as duas rodas da frente independentes das rodas de tras. Este progresso acabou com os problemas que ocorriam quando um grande vefculo carregado de cereais devia virar na estrada. Mencionem-se ainda as descobertas da bússola e da barra do leme, nao menos importantes na historia da humanidade. Os progressos da navegacáo foram assim decuplicados - o que explica, pelo menos em parte, a intensa movimentacao marítima do sáculo XIII.

A duracao da jornada de trabalho variava segundo as estacSes. Era o si no da paróquia ou do mosteiro vizinho que chamava o artesSo á oficina e o camponés aos campos. As pessoas deitavam-se e levantavam-se, em princi pio, ao mesmo tempo que o sol: no invernó, o trabalhocomecava por volta das oito ou nove horas, para terminar ás cinco ou seis; no verao, porém, a jornada tinha infcio ás cinco ou seis da manfla" para só terminar ás sete ou oito da noite. Consideradas as duas pausas para refeicSes, a jornada durava oito ou nove horas no invernó, e doze, treze ou quinze no vera*o. Registravam-se, porém, numerosas interrupcSes no calendario de trabalho, isto é, cerca de noventa dias anuais de feriado completo e setenta ou mais dias de feriados parciais. O calendario litúrgico regulava o ano inteiro; era pelas suas datas, e nao pelos dias do mis, que se designava o tempo: assim falava-se do

"día de Santo André", e nao de 30 de novembro; dizia-se "tres dias após SSo Marcos", de preferencia a 28 de abril. A organizacá"o dos lazeres era de base religiosa: todo dia de festa comecava pelas cerimónias de culto; estas prolongavam-se em espetáculos, que

apresentavam cenas da vida de Cristo ou dos Santos. Havia também o teatro inspirado por romances e crónicas. Depois do espetáculo, o divertimento mais apreciado era a danca: danca dos donzeis nos castelos, ronda em torno da árvore de maio ou ao redor da fogueira de SSo Joao... Havia os jogos do 80

"LUZ SOBRE A IDADE MEDIA"

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interior da casa, entre os quais era preferido o de xadrez, a respeito do qual encontraram-se tratados manuscritos em bibliotecas medievais.

Muitos outros dados poderiam ser colhidos no Mvro de Régine Pernoud. Sao importantes porque poem em relevo a verdade sobre uma fase da historia indevidamente tida como obscurantista. Nao nos podendo alongar sobre o assunto, citaremos apenas ainda as considerares fináis de R. Pernoud:

"A época das grandes descobertas é a Idade Media; foi entSo que se aclimataram na nossa térra os frutos bizarros e magníficos: a laranja, o limáo, a roma", o péssego e o alperce; foi gracas aos cruzados que a Europa conheceu o arroz, o algodáfo, a cana de acucar, que aprendeu a servir-se da bussola, a fabricar o papel, e também, infelizmente, a pólvora dos canh5es;ao mesmo tempo implantavam na Siria as nossas industrias: vidraria, tecelagem, tinturaría; os nossos marcadores exploravam o continente africano, um arquiteto europeu construía a grande mesquita de Tombuctu, e os etíopes fa-

ziam apelo aos nossos artífices de arte, pintores, cinzeladores, carpinteiros. Viu-se na Idade Media um pacífico burgués de Tolosa, Anselme Ysalguier, trazer para a sua cidade a princesa negra que havia desposado em Gao, ao mesmo tempo que um médico vindo das margensdo Niger, ao qual recorría

o delfim, o futuro Carlos Vil. Residencia e peregrinacfo, realismo e fantasía, tais sao os dois polos da vida medieval, entre os quais o homem evolui sem o menor incómodo, unindo um e outro e passando de um ao outro com uma facilidade que ná*o voltou a recuperar desde entáo.

Do conjunto sobressai uma confianca na vida, uma alegría de viver de que nao encontramos equivalente em mais nenhuma civilizacSo. Essa especie

de fatalidade que pesa sobre o mundo antigo, esse teor do Destino, deus implacável ao qual os próprios deuses estao submetidos, o mundo medieval ignorou-a totalmente" (pp. 202s).

81

Que fo¡

A inquiskáo espanhola?

Em slntese: A Inquisicáo Espanhola nao foi urna instituigáo meramente eclesiástica, como se pensa. Embora tenha tido origem em urna Bula do Papa Sixto IV datada de 1478, to¡ mais e mais utilizada petos reís da Espanha para servir aos fins políticos de uniticacáo dos seus territorios, nos quais habitavam cristáos, judeus e muculmanos. Mais de urna vez estiveram em confuto a Santa Sé e os monarcas espanhóis por causa do abuso de poderes na etiminacáo de adversarios políticos perpetrado em nome da S. Igreja. A justica manda que se reconheca esta índole muito peculiar da Inquisicao Espanhola (que, aSás, também na Idade Media nao era instiluicáo meramente eclesiásti ca), teto nüo nos isenta de reconhecer outrossim falhas cometidas por ecfe-

siásticos a servico da InquisigSo orientada pelos monarcas espanhóis.

O tema "InquisicSo" volta freqüentemente a baila, ocasionando

mal-entendidos e censuras severas á Igreja. Ainda recéntenteme a im prensa publicava a seguinte noticia:

ESPANHA MOSTRA COMO ERA TORTURA DURANTE INQUISICAO

"TOLEDO, Espanha - As pessoas muito senslveis ou mesmo de estómago delicado devem evitar a exposicáo sobre a época da Inquisi cao que funcionará até o final de dezembro ñas antigás masmorras da Santa Irmandade de Toledo, ñas proximidades de Madrí. Explica-se: diante dos olhos dos visitantes, desfilam 85 instrumentos de tortura, dos mais simples aos de requinte mais cruel, utilizados para punir hereges, criminosos em geral ou mesmo simples adversarios do poder da Igreja num dos periodos mais negros de sua extensa historia.

A exposicáo inclui objetos até corriqueiros, como o acoite que vergastava os Impíos até que os ossos ficassem á mostra, mas há exemplares elaborados, como os cintos de castidade de variada concep82

INQUISIQÁO ESPANHOLA

35

cao e a ¡ncrlvel "mulher de ferro", que aterrorizavam subversivos, teó logos progresistas, adúlteras, bruxas, ladrSes, homossexuais e todos aqueles que ousavam discordar dos poderes temporais ou nao da época que vai da Idade Media até meados do século XVIII.

Os sustos comecam logo na entrada. Á porta do primeiro calabouco está postado um manequim coberto dos pés á cabeca com urna túnica negra prestes a acionar urna guilhotina de lámina reluzente. Den

tro, a apavorante "mulher de ferro" - urna estatua oca cujas portas tém ferros pontiagudos de cima a baixo que varavam os olhos, bracos, es tómago e partes genitais. No seu terrlvel abraco, os supliciados costumavam levar até dois dias para morrer, numa dolorosa agonía. A primelra vitima da "mulher de ferro" foi um falsario no ano de 1515" (O GLOBO, 15/11/86, p.30).

Quem lé tal noticia, senté a necessidade de saber como pode "a Igreja" cometer acóes táo drásticas e cruéis. Ñas páginas que se seguem, serao oferecidos ao leitor alguns dados indispensáveis a boa compreen-

sáo do fenómeno "Inquisicáo", que é muito mais complexo do que á primeira vista parece.

1.

Inquisicáo: generalidades

A palavra "Inquisicáo" significa "procura". Designa o tribunal que procura va hereges e outras pessoas suspeitas a fim de ¡ulgá-los e senten

cia-los. No antigo Oireito Romano, o juiz nao empreendia a procura dos delituosos; só procedia ao julgamento depois que Ihe fosse apresentada a

denuncia. Até a Alta Idade Media o mesmo se deu na Igreja: a autoridade eclesiástica nao procedia contra os delitos se estes nao Ihe fossem pre viamente indicados. No decorrer dos tempos, porém, esta praxe cedeu á

da procura dos hereges ou á Inquisicáo. A razáo disto foi o surto, no século XI, de nova forma de delito religioso, isto é, urna heresia fanática e revolucionaria como nao houvera até entáo: o catarísmo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigsnses (de Albi, cidade da Franca meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Considerando a materia por si má, os cataros rejeitavam nao somente a face visível da Igreja, mas também instituípóes básicas da vida civil - o matrimonio, a

autoridade governamental, o servico militar - e enalteciam o suicidio. Destarte constituiam grave ameaca nao somente para a fé crista, mas também para a vida pública. 83

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

Em bandos fanáticos, ás vezes apoiados por nobres senhores, os cataros provocaram tumultos, ataques ás igrejas, etc., por todo o decorrer do século XI até 1150 aproximadamente, na Franca, na Alemanha, nos Paises-Baixos... O povo, com a sua espontaneidade, e a autoridade civil se encarregaram de os reprimir com violencia: nao raro o poder re gio da Franca, por iniciativa própria e a contra-gosto dos bispos, condenou á morte pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamen

tos da ordem constituida. Foi o que se deu, por exemplo, em Orleaes

(1017), onde o reí Roberto, informado de um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos hereges e os mandou I anear ao fogo; a causa da civilizacSo e da ordem pública se ¡dentifi-

cava com a da fé! Entrementes a autoridade eclesiástica limitava-se a ¡mpor penas espirituais (excomunháo, interdito, etc.) aos albigenses, pois até entáo nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violencia física; S. Agostinho (t430) e amigos bispos, S. Bernardo

(t1153), S. Noberto (t1134) e outros mestres medievais eram contrarios

ao uso da forca ("Sejam os hereges conquistados nao pelas armas, mas pelos argumentos", admoestava Sao Bernardo, In Cant. serm. 64).

Nao sao casos ¡solados os seguintes: em 1144 na cidade de Liáo o povo quis punir violentamente um grupo de ¡novadores que ai se intro-

duzira; o clero, porém, os salvou, desejando a sua conversad, e nao a sua morte. Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de

Cambraia; a multidáo de populares lancou-se entáo sobre ele, sem es perar o julgamento; encerraram-no numa cabana, h qual atea ram fogo!

Contudo em meados do século XII a aparente indiferenca do clero

se mostrou ¡nsustentável: os magistrados e o povo exigiam colaboracao

mais direta na repressáo do catarismo. Muito significativo, por exemplo, é o Episodio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao arcebispo de Reims e ao Conde da Flándría, em cujo territorio os cataros pro-

vocavam desordens:

"Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de ¡nocentes... A mansidáo mais convém aos homens da Igreja do que a dureza".

Informado desta admoestacío pontificia, o rei Luís Vil de Franca irmáo do referido arcebispo, enviou ao Papa um documento em que o descontenta mentó e o respeito se traduziam simultáneamente: "Que vossa prudencia dé atencao toda particular a essa parte (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem da fé crista: concede! todos os poderes neste campo ao arcebispo (de Reims); ele destruirá os que assim se insurgem contra Deus; sua justa 84

INQUISigAO ESPANHOLA

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severidade será louvada por todos aqueles que nesta térra sao anima dos de verdadeira piedade. Se procederdes de outro modo, as queixas nao se acalmaráo fácilmente e desencadeareis contra a Igreja Romana

as violentas recriminacdes da opiniáo pública" (Marténe, Amplissima Colleclio II 683s).

As conseqüéncias deste intercambio epistolar nao se fizeram espe rar muito: o concilio regional de Tours em 1163, tomando medidas repressivas a heresia, mandava inquirir (procurar) os seus agrupamentos secretos. Por fim, a assembléia de Verona (Italia), á qual compareceram o Papa Lucio III, o Imperador Frederico Barbarroxa, numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou em 1184 um decreto de grande importancia: o poder eclesiástico e o civil, que até entáo haviam agido ¡ndependentemente um do outro {aquele impondo penas espirituais, este recorrendo a forca física), deveriam combinar seus esforcos em vista de mais eficientes resultados: os hereges seriam doravante nao somente punidos, mas também procurados (inquiridos); cada bispo inspecionaría, por si ou por pessoas de confianca, urna ou duas vezes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, bardes e as demais autoridades civis os deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito (aneado sobre as suas

térras; os hereges depreendidos ou abjurariam seus erros ou seriam en tregues no braco secular, que Ihes impona a sancáo devida.

Assim era instituida a chamada "Inquisicáo episcopal", a qual, co mo mostram os precedentes, atendia a necessidades re ais e a clamores exigentes tanto dos monarcas e magistrados civis como do povo cristáo; independentemente da autoridade da Igreja, já estava sendo praticada a repressáo física das heresias.

No decorrer do tempo, porém, percebeu-se que a Inquisicáo epis copal ainda era insuficiente para deter os ¡novadores; alguns Bispos, principalmente no sut da Franca, eram tolerantes; além disto, tinham seu raio de acao limitado as respectivas dioceses, o que Ihes vedava urna

campanha eficiente. Á vista disto, os Papas, já em fins do século XII, co-

mecaram a nomear legados especiáis, munidos de plenos poderes para proceder contra a heresia onde quer que fosse. Oestarte surgiu a "Inqui

sicáo pontificia" ou "legatina", que a principio ainda funcionava ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou desnecessária. A Inquisicáo papal recebeu seu caráter definitivo e sua organizacáo básica em 1233, quando o Papa Gregorio IX confiou aos dominicanos a missao de Inqui sidores; haveria doravante, para cada nacáo ou distrito inquisitorial, um Inquisidor-Mor, que trabalharia com a assisténcia de numerosos oficiáis subalternos (consultores, jurados, notarios...), em geral independente mente do Bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do pro

cedí mentó inquisitorial foram sendo sucessivamente ditadas por bulas pontificias e decisóes de concilios. 85

38

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

Entrementes a autoridade civil continuava a agir, com zelo surpreendente(l), contra os sectarios. Chama a atengáo, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos mais perigosos adversarios que o Pa

pado teve no sáculo XIII. Em 1220 este monarca exigiu de todos os oficiáis do seu governo, prometessem expulsar de suas térras os hereges reco-

nhecidos pela Igreja; declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito á pena de morte e mandou dar busca aos hereges. Em 1224 publicou de creto mais severo do que qualquer das leis editadas pelos reis ou Papas anteriores: as autoridades civis da Lombardia deveriam nao somente en viar ao fogo quem tivesse sido comprovado herege pelo Bispo, mas aín da cortar a llngua aos sectarios a quem, por razóes particulares, se hou-

vesse conservado a vida. E possfvel que Frederico II visasse a interesseS próprios na campanha contra a heresia; os bens confiscados redundariam em proveito da coroa.

Nao menos típica é a atitude de Henrique II, rei da Inglaterra: tendo

entrado em luta contra o arcebispo Tomaz Becket, primaz de Cantuária, e o Papa Alexandre til, foi excomungado. Nao obstante, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da heresia no seu reino: em 1185, por exemplo, alguns hereges da Flandria tendo-se refugiado na Inglaterra, o monarca mandou prendé-los, marcá-los com ferro vermelho na testa e

expó-los, assim desfigurados, ao povo; aléin disto, proibiu aos seus súditos Ihes dessem asilo ou Ihes prestassem o mínimo servico. Estes dois episodios, que nao sao únicos no seu género, bem mostram que o proceder violento contra os hereges, longe de ter sido sempre inspirado pela suprema autoridade da Igreja, foi nao raro desenca-

deado independentemente desta, por poderes que estavam em confuto com a própria Igreja. A Inquisicao, em toda a sua historia, se ressentiu dessa usurpacáo de direitos ou da demasiada ingerencia das autoridades civis em questóes que dependem primariamente do foro eclesiástico. Em conclusáo, o histórico das origens da Inquisiqáo leva-nos a ver que esta nao foi concebida como órgáo de intransigencia odiosa, mas,

sim, qual medida defensiva do bem comum, religioso e civil. Consciente disto, o historiador distingue entre a ¡ntencjio dos homens da Igreja que instituiram a Inquisigáo, e a conduta daqueles que a executaram, deixando-se nao raro levar pelas paixóes.

A Inquisigáo nao foi criada de urna so vez nem procedeu sempre do mesmo modo no decorrer dos sáculos. Por isto distinguem-se

1) a Inquisicao Medieval, voltada contra as heresias catara e valdense nos séculos XII/XIII e contra um falso misticismo do século XIV; 86

INOAJISICAO ESPANHOLA

39

2) a Inquisicáo Espanhola, instituida em 1478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente aos judeus e aos muculmanos, tornou-se poderoso instrumento do absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX, a ponto de quase nao poder ser considerada ins-

tituicáo eclesiástica (nao raro a Inquisigáo espanhola procedeu independentemente de Roma, resistindo á intervencáo da Santa Sé, porque o reí da Espanha a esta se opunha);

3)

a Inquisicáo Romana (também dita "o Santo Oficio"), instituida

em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do Protestantismo.

Levando em conta a noticia de jornal transcrita a p. 82, deter-nosemos especialmente sobre a Inquisicáo Espanhola.

2.

Inquisicáo Espanhola

2.1. Uma populacao e tres confissdes religiosas

1. Em meados do século XV a Espanha apresentava uma situacáo política assaz complexa. A maior parte do territorio fora libertada da ocupacáo árabe (muculmana) que desde o século VIII ai se exercia. Os califas árabes domina-

vam apenas na regiáo de Granada, aó sul do país. Contudo os soberanos dos pequeños reinos da península nao se entendiam entre si, de modo que a obra da Reconquista se achava estagnada desde a tomada de Sevilha em 1248 por obra de Fernando III o Santo.

Em 1479, os monarcas Fernando de Aragáo e Isabel de Castela, tendo-se previamente unido em matrimonio, comecaram a reinar con juntamente sobre todo o territorio livre da Espanha, pondo termo ás ri validades sangrentas que solapavam os esforcos de unificacáo nacional. A Espanha entrou entáo numa fase nova da sua historia, fase selada pela vitória das tropas de Fernando e Isabel sobre os árabes em Granada no ano de 1492. Nesta data tendo sido extinto o último reduto árabe, nao restava mais poder estrangeiro legalmente instalado em territorio espanhol. Contudo a obra de unificacáo estava longe de se achar consumada: nao somente o fator étnico ou racial dividia entre si a populacao; também o elemento religioso diversificava os cidadáos; havia, sim, em meio á grande maioria de cristáos da península, grupos muito influentes de ju deus e de muculmanos. Este fato mereceu a atencáo dos reis Fernando e Isabel, os quais resolveram empenhar zelo ferrenho (inspirado, sem dúvida, por motivos nacionais, mas corroborado por tempera religiosa) a fim de absorver ou (caso isto nao fosse possível) eliminar os elementos heterogéneos da populacáo. 87

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987 2.

Nao se poderia, porém, descrever a acáo dos monarcas contra

judeus e mugulmanos sem se reconstituir brevemente o significado destes dois grupos étnicos dentro da Espanha medieval. a) Os Judeus. Durante a Idade Media foram sempre assaz numero

sos no territorio espanhol: "urna terca parte dos cidadaos e comerciantes de Castela", escrevia Vincenzo Quirini, embaixador de Veneza no secuto XV; somente Toledo, a capital de Castela, contava mais de doze mil israe litas e possuia varias sinagogas de incontestável gosto artístico. Nos séculos XII/XIV os judeus gozavam de liberdade e mesmo de

estima nos reinos cristáos da península. É o historiador israelita Theodor Graetz (1817-1891) quem observa:

"Sob Afonso VIII o Nobre (1166-1214), os judeus ocuparam funcóes públicas... José ben Salomáo ibn Schoschan, que tinha o título de principe, homem rico, generoso, sabio e piedoso, era muito considerado na corte e junto aos nobres... O reí, casado com urna princesa inglesa, tivera durante sete anos urna favorita judaica, chamada Rahel e, em vista de sua beleza, cognominada Formosa. Os judeus de Toledo ajudaram

enérgicamente o monarca na sua luta contra os mouros" (Graetz, HistoiredesjurfslV1l8).

Em fins do século XIV, porém, e no decurso do século XV, os israe litas tornaram-se objeto de perseguicóes; irritavam profundamente o po-

vo por suas riquezas, em grande parte arrecadadas á custa de empréstimos a juros elevadíssimos (podiam chegar a 40%), e por seu luxo tido como arrogante. Registraram-se primeramente tumultos e linchamientos populares contra os judeus, desordens estas que os reis de Castela, Na varra e Aragáo procuraram reprimir. A situacáo, porém, se tornou insustentável em meados do século XV, quando nao poucos judeus, desejosos de conservar suas posicóes financeiras e políticas, pediam o batísmo cristáo, conservando nao obstante a fé judaica e observando, no re cóndito de seus domicilios, as práticas talmúdicas. Essa onda de conversóes insinceras recrudesceu principalmente em Castela, quando o jovem rei Joáo II declarou os judeus incapazes de exercer alguma funcáo públi ca (1468); deram-se entao milhares de conversóes aparentes, ocasionan do um tipo de cidadaos que o povo chamava "Marranos" (palavra que jogava ao mesmo tempo com a expressáo semita "Maran atha", O Senhor vem, e com o termo castelhano "marrano", leitáo). "Embora tivessem que participar dos sacramentos, (os marranos) esforcavam-se o mais possível por se Ihes subtrair... No tribunal da pe nitencia nao confessavam coisa alguma ou s<5 acusavam faltas leves; mandavam batizar seus filhos, mas, ao sair das cerimónias, lavavam cui88

INQUISICÁO ESPANHOLA

41

dadosamente as partes do corpo ungidas pelo santo crisma. Alguns rabi nos iam secretamente dar-lhes instrucáo... Imolavam, seguindo os seus

ritos, animáis e aves que Ihes serviam de alimento... So comiam carne de porco quando constrangidos a isso" (M. Mariejol, L'Espagne sous Fernand et Isabelle, pág. 45).

Ostentando a aparéncia de bons cristáos, os marranos chegavam a ocupar elevados cargos na Igreja, infiltrando-se até mesmo no alto clero; conta-se o caso (até que ponto será verídico?) de um Bispo de Calahorra, o qual, indo a Roma, comia carne ás sextas-feiras (coisa lá proibida), rezava em hebraico segundo rito judeu, recusava pronunciar o nome de Cristo, e aínda espancava seus sacerdotes caso estes Ihe quisessem cha mar a atencáo!

A hipocrisia dos marranos era nao raro denunciada pelos seus correligionarios de rapa judaica que, tendo sinceramente abracado a fé de Cristo, haviam recebido ordens sacerdotais na Igreja ou queriam dar provas de sua auténtica conversáo. Em conseqüéncia, os marranos chegaram a se reunir em sociedades secretas de tipo macónico, o que os tornava ainda mais suspeito e antipáticos ao povo. Este os tinha na conta de

verdadeiro perigo para o bem comum, tanto do ponto de vista religioso como do ponto de vista civil (a causa religiosa e a causa nacional pare cia m no caso, solidarias entre si). b)

Os muculmanos.

Quando os árabes maometanos ocuparam a

Península Ibérica no século VIII, deram inicio a urna política de tolerancia para com o povo cristáo, que cultivava o solo e que conseqüentemente

passou a ser chamado "mocárabe" (do árabe must'rib, "arabizado"). Dizse mesmo que no século XV rara era a familia crista que nao contasse entre os seus antepassados um discípulo de Maomé.

.Nos territorios que aos poucos iam sendo reconquistados, os reis cristáos se mostravam, por sua vez, tolerantes para com os árabes, reconhecendo a estes liberdade religiosa. Assim é que notável populacáo de muculmanos vivia ñas cidades de Valenga, Toledo, Sevilha, etc., gozando de grande influencia na vida pública, pois os árabes continuavam a usufruir das vantagens económicas que possuiam antes da Reconquista; conseguiam mesmo ampliar essas vantagens mediante intenso comercio

com seus correligionarios do sul da Espanha, da África do Norte e da ba

ria do Mediterráneo. Eis, porém, que no século XIV alguns motins de árabes prepotentes contra os governos cristáos provocaram, da parte

destes, urna serie de medidas que visavam doravante a conter a influen cia política e social dos muculmanos, influencia que se exercia principal mente pela industria, o comercio e os empréstimos a juros. 89

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

Visando entáo a libertar-se da coibicáo e do controle dos soberanos espanhóis, nao poucos maometanos abracaran*! a fé católica, dando assi m origem a outro tipo de cidadáos ambiguos, popularmente denomi nados "mouriscos". Convertendo-se ao menos em aparéncia, os árabes passavam a gozar dos mesmos direitos civis e religiosos que os cristáos,

exceto o direito de acesso ao episcopado (contudo no século XV conta-

vam-se varios bispos espanhóis convertidos do islamismo). Todavia as conversóes interesseiras nao escapavam a observacáo do público, que se mostrava ¡nfenso á hipocrisia dos "mouriscos"; as intrigas e maquinacoes destes, tramadas como que em sociedades secretas, vinham a ser ¡negavelmente mais perigosas para o bem comum do que as atividades dos muculmanos confessos.

Na situacáo geral que acaba de ser descrita, compreende-se que aos poucos as autoridades dos reinos cristios da Espanha tenham percebido a necessidade de dar busca ou "Inquisipáo" aos cidadáos ambiguos - marranos e mouriscos. Era, de um Jado, a seguranca pública que o exigia dos poderes civis; doutro lado, já que a pureza da fé crista estava

em jogo, também as autoridades eclesiásticas deviam mostrar-se interessadas em tal género de indagagáo ou ¡nquisicáo. Em urna palavra: para a Espanha crista, a luta contra a falsidade religiosa, contra as maquinacóes secretas de cidadáos ambiciosos dissimulados sob rótulos religiosos, se apresentava como questio de vida ou morte. Destarte Estado e Igreja, interesses civis e interesses religiosos se entrelacavam espontáneamente para dar origem ao famoso fenómeno da "Inquisicáo Espanhola".

É a este que vamos agora voltar diretamente a nossa atencáo. 2.2.

Surto e procederes da Inquisicáo Espanhola

Os reis Fernando e Isabel, visando á plena unificacáo de seus do minios, tinham consciéncia de que existia urna instituido eclesiástica a Inquisicáo - oriunda na Idade Media com o fim de reprimir um perigo religioso e civil dos séculos XI/XII - a heresia catara ou albigense-, peri go ao qual bem se assemelhavam as atividades dos marranos e mouris cos na Espanha do século XV.

1. A Inquisicáo Medieval, que nunca fora muito ativa na Península Ibérica, achava-se al mais ou menos adormecida na segunda metade do século XV... Aconteceu, porém, que durante a Semana Santa de 1478 foi descoberta em Sevilha urna conspiracao de marranos, a qual, dadas as

suas ¡ntencóes nítidamente anticristás, muito exasperou o público. Entáo lembrou-se o rei Fernando de pedir ao Papa, reavivasse na Espanha a

antiga Inquisicáo, e a reavivasse sobre novas bases, mais promissoras, confiando sua orientacáo ao monarca espanhol. 90

INQUISigAO ESPANHOLA

43

Sixto IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual, depois de hesitar algum tempo, se associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha a Bula Exigit sincerae devoüonis

affectus de 1? de novembro de 1478, pela qual "conferia plenos poderes a Fernando e Isabel para nomearem dois ou tres Inquisidores, arcebispos, bispos ou outros dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua pru dencia e suas virtudes, sacerdotes seculares ou regulares, de quarenta anos de idade ao menos, e de costumes irrepreensfveis, mestres ou ba-

charéis em Teologia, doutores ou licenciados em Direito Canónico, os quais dever ¡a m passar de maneira satisfatória por um exame especial. Tais Inquisidores ficariam encarregados de proceder contra os ¡udeus batizados reincidentes no judaismo e contra todos os demais culpados de apostasia. 0 Papa delegava a esses oficiáis eclesiásticos a jurisdicáo necessária para instaurar os processos dos acusados conforme o Oireito e o costume; além disto, autorizava os soberanos espanhóis a destruir tais Inquisidores e nomear outros em seu lugar, caso isto fosse oportuno" (L. Pastor, Histoire des Papes IV 370). Note-se bem que, conforme este edito, a Inquisicáo só estenderia sua acáo a cristáos batizados, nao a judeus que jamáis houvessem pertencido á Igreja; a instituicab era, pois, concebida como órgao promotor de disciplina entre os filhos da Igreja, nao como instrumento de intole rancia em relacáo ás crencas náo-cristás.

Ora, apoiados na lícenca pontificia, os reis da Espanha aos 17 de setembro de 1480 nomearam Inquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Morillo e Juan Martins, dando-lhes como assessores dois sacerdotes seculares. Os monarcas promulgaram também um compendio de "Instrucóes", enviado a todos os tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisicáo, a qual assim se tornava urna especie de órgáo do Estado civil. Os Inquisidores entraram logo em acáo, procedendo geralmente

com grande energía. Parecía que a Inquisicáo estava a servico nao da Religiáo propriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam atingir criminosos mesmo de categoría meramente política. Em breve, porém, fizeram-se ouvir em Roma queixas diversas contra a severidade dos Inquisidores. Sixto IV entáo escreveu sucessivas cartas aos monarcas da Espanha, mostrando-lhes profundo descontenlamento por quanto acontecía em seu reino e baixando instrucóes de moderacáo para os jufzes tanto civis como eclesiásticos. Merece especial destaque neste particular o Breve de 2 de agosto

de 1482, que o Papa, depois de promulgar certas regras coibitivas do po der dos Inquisidores, concluía com as seguintes palavras:

91

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

"Visto que somente a caridade nos torna semelhantes a Deus..., rogamos e exortamos o Reí e a Rainha, pelo amor de Nosso Senhor Jesús Cristo, a fim de que imitem Aquele de quem é característico ter sempre compaixáo e perdáo. Queiram, portanto, mostrar-se indulgentes para com os seus súditos da cidade e da diocese de Sevilha que confessam o erro e imploran) a misericordia!". Contudo, apesar das freqüentes admoestagóes pontificias, a Inqui sicáo Espanhola ia-se tornando mais e mais um órgáo poderoso de in fluencia e atividade do monarca nacional. Para comprovar isto, basta

lembrar o seguinte: a Inquisicáo no territorio espanhol ficou sendo insti-' tuto permanente durante tres séculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisi cáo Medieval, a qual foi sempre intermitente, tendo em vista determina dos erros oriundos em tal e tal localidade. A manutencáo permanente de

um tribunal inquisitorio impunha avultadas despesas, que somente o Estado podia tomar a seu cargo; foi o que se deu na Espanha: os reis atribuiam a si todas as rendas materiais da Inquisicáo (impostos, multas, bens confiscados) e pagavam as respectivas despesas; conseqüentemente alguns historiadores, referindo-se á Inquisicáo Espanhola, denomina-

ram-na "Inquisicáo Regia"! A fim de completar o quadro até aqui tragado, passemos a mais um pormenor característico do mesmo. Os reis Fernando e Isabel visavam a corroborar a InquisicSo, emanci pando-a do controle mesmo de Roma... Conceberam entáo a idéia de dar á instituicao um chefe.único e plenipotenciario - o Inquisidor-Mor -, o qual julgaria na Espanha mesma os apelos dirigidos a Roma. Para este cargo, propuseram á Santa Sé um religioso dominicano, Tomaz de Torquemada ("a Turrecremata", em latim), o qual em outubro de 1483 foi realmente nomeado Inquisidor-Mor para todos os territorios de Fernan do e Isabel. Procedendo á nomeagáo, escrevia o Papa Sixto IV a Torquemada: "Os nossos caríssimos filhos em Cristo, o rei e a rainha de Castela

e

Leáo, nos suplicaram para que te designáremos como Inquisidor do

mal da heresia nos seus reinos de Aragio e Valenca, assim como no

principado da Catalunha" (Bullan Ord. Praedicatorum III 622).

O gesto de Sixto IV so se pode explicar por boa fé e confianga. O ato era, na verdade, pouco prudente...

Com efeito; a concessáo benignamente feita aos monarcas seria pretexto para novos e novos avangos destes: os sucessores de Torquemada no cargo de Inquisidor-Mor já nao foram nomeados pelo Papa, 92

INQUISIQAOESPANHOLA

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mas pelos soberanos espanhóis (de acordó com criterios nem sempre louváveis). Para Torquemada e sucessores, foi obtido da Santa Sé o direito de nomearem os Inquisidores regionais, subordinados ao Inquisi dor-Mor.

Mais ainda: Fernando e Isabel criaram o chamado "Conselho Regio

da Inquisicáo", comissáo de consultores nomeados pelo poder civil e destinados como que a controlar os processos da Inquisigio; gozavam de voto deliberativo em questóes de Direíto civil, e de voto consultivo em temas de Direito Canónico.

Urna das expressóes mais típicas da autonomía arrogante do Santo Oficio espanhol é o famoso processo que os Inquisidores moveram con tra o arcebispo primaz da Espanha, Bartolomeu Carranza, de Toledo.

Sem descer aos pormenores do acontecimento, notaremos aqui apenas que durante dezoito anos continuos a Inquisicáo Espanhola perseguiu o venerável prelado, opondo-se a legados papáis, ao Concilio ecuménico de Trento e ao próprio Papa, em meados do sáculo XVI. Frisando ainda um particular, lembraremos que o rei parios III (1759-1788) constituí outra figura significativa do absolutismo regio no setor que vimos estudando. Colocou-se peremptoriamente entre a Santa Sé e a Inquisicáo, proibindo a esta que executasse alguma ordem de Ro ma sem licenca previa do Conselho de Castela, ainda que se tratasse ape nas de proscricáo de livros. O Inquisidor-Mor, tendo acolhido um proces so sem permissáo do rei, foi logo banido para localidade situada a doze horas de Madrid; só conseguiu voltar a pos apresentar desculpas ao rei, que as aceitou, declarando:

"O Inquisidor Geral pediu-me perdió, e eu Iho concedo; aceito agora os agradecimentos do tribunal; protegé-lo-ei sempre, mas nao se esqúeca ele desta ameaca de minha cólera voltada contra qualquer ten tativa de desobediencia" (cf. Desdevises /'Anden Régime. La Société 101 s).

du

Oezart,

L'Espagne de

A historia atesta outrossim como a Santa Sé repetidamente decre-

tou medidas que visavam a defender os acusados frentes a dureza do poder regio e do povo. A Igreja em tais casos distanciava-se nítidamente da In quisicáo Regia, embora esta continuasse a ser tida como tribunal ecle siástico.

Assim aos 2 de dezembro de 1530, Clemente Vil conferiu aos Inqui sidores a faculdade de absolver sacramentalmente os delitos de heresia e apostasía; destarte o sacerdote poderia tentar subtrair do processo públi co e da infamia da Inquisicáo qualquer acusado que estivesse animado de 93

46

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297/1987

sinceras disposicóes para o bem. Aos 15 de junho de 1531, o mesmo Pa

pa Clemente Vil mandava aos Inquisidores tomassem a defesa dos mouriscos que, acabrunhados de impostos pelos respectivos senhores e patróes, poderiam conceber odio contra o Cristianismo. Aos 2 de agosto de 1546, Paulo III declara va os mouriscos de Granada aptos para todos os cargos civis e todas as dignidades eclesiásticas. Aos 18 de Janeiro de 1556, Paulo IV autorizava os sacerdotes a absolver em confissáo sacramental os mouriscos.

Compreende-se que a Inquisicáo Espanhola, mais e mais desvir

tuada pelos interesses as vezes mesquinhos dos soberanos temporais, nao podía deixar de cair em decllnio. Foi o que se deu realmente nos séculos XVIII e XIX. Em conseqüéncia de urna revolucio, o Imperador Napoleáo I, intervindo no governo da nació, aboliu a Inquisicáo Espanhola por decreto de 4 de dezembro de 1808. O rei Fernando Vil, porém, restaurou-a em 1814, a fim de punir alguns de seus súditos que haviam co laborado com o regime de Napoleáo. Finalmente, quando o povo se

emancipou do absolutismo de Fernando Vil, restabelecendo o regime li beral no país, um dos primeiros atos das Cortes de Cádiz foi a extincao definitiva da Inquisicáo em 1820. A medida era, sem dúvida, mais do que oportuna, pois punha termo a urna situagáo humilhante para a Santa Igreja.

É a luz destes dados históricos que se devem ler as noticias relati vas aos instrumentos de tortura aplicados na Espanha sob a Inquisicáo. Nao há dúvida, sao algo de desumano e condenável; talvez, porém, os antigos nao se horrorizassem tanto diante deles quanto nos, pois outrora os homens professavam urna mentalidade fortemente metafísica, isto é, propensa a colocar os valores transcendentais ácima dos valores psicoló gicos e humanos, sem consideracáo de pessoas; desde que julgassem ser seu dever defender alguma nobre causa, tudo davam por ela, sacrifican do mesmo pessoas humanas, de acordó com as categorías e os procedímentos da sua época. - De resto, o Cesaropapismo ou a indevida inge rencia dos monarcas em assuntos de ordem interna da Igreja muito prejudicou a causa católica no decorrer dos séculos. EstévSo Bettencourt O.S.B.

94

O caso Neimar de Barros O Instituto dos Misionarios para Evangelizado e Animado de Comu nidades, ao qual pertencia Neimar de Barros, publicou a seguinte declarado: REVERENDOS SENHORES BISPOS, SACERDOTES E LÍDER ANCAS CRISTAS 01 - A 7 de novembro de 1986, os Bispos do Regional Sul I, reunidos em Itaici — SP, pediram-nos um histórico sobre o "episodio Neimar de Barros", a ser enviado a todas as dioceses e paróquias.

02 - O Instituto MEAC (Missionirios para Evangelizado e AnimacSo de Comunidades), existe desde 25 de Janeiro de 1977 como Instituto Missionário de Leigos, registrado no 3? Cartório de Registro Civil

das Pessoas Jurídicas sob n? 4.944 e inscrito no C.G.C. sob n° 48.409.569/0001-31.

03 - Neimar Machado de Barros foi um dos fundadores. 04- Desde 1978, o MEAC participa das Assembléias do COMINA (Conse-

Iho Missionário Nacional). Na 10? Assembláia do COMINA, foi feita solicitacSo ao MEAC para que organizasse um Encontró tentando ar ticular os missionários leigos do Brasil. Assim nasceu o OMIL (Orga nismo dos Missionários Leigos). •

05 — O trabalho de apostolado de Neimar 6 anterior á fundacao do Institu to MEAC. Vem desde 1971, após sua participacSb num Cursi Iho de Cristandade, e sua posterior ruptura com o apresentador e dono de TV, Silvio Santos. 06 — Pernos plena conviccífo de que, durante estes 15 anos, Neimar foi um

i'regador apaixonado pelo Evangelho, amou a Igreja, foi sincero, chorou pela missáo, sofreu como evangelizador, correu riscos, foi interna do — tuberculoso — como indigente no Sanatorio Santa Cruz, em Campos de JordSo — SP.

Neimar rezava muito, jejuava um dia por semana, nao fumava, nem be bía.

Era amigo e irmáo com todos, bom coracSo, ajudava em casos de necessidade, sem alardear.

Jamáis se vendeu. Vivía plenamente engajado na Pastoral da Igreja. 07 — Surpreendeu-nos — f ¡camos sem dormir muitas noites — quando sou-

bemos, em 31 de julho de 1986, que havia deixado sua esposa e f ilhos e fora viver com urna "namorada" dos tempos pró-cursilho, quando se declarava ateu.

08 - Este fato, por si so, o colocou fora do Instituto MEAC, o que foi ofi cializado em reunido do MEAC em 10/09/86. 95

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 297M987

09 - As declarares de Neimar á revista Veja (n° 948 de 05/11/86) nío fazem nenhum sentido para nos que convivemos com ele durante este tempo, nem para seus familiares — mae, esposa e filhos — e nem para milhares de pessoas em todo o Brasil que o hospederam e ouviram. Ja

máis alguém ouviu falar de "Secretaria" ou qualquer outra organizacao secreta.

10 - É difícil explicar este Neimar de agora, "urna caixinha de surpresas" como se intitula. Tentaremos apenas, para atender ao pedido dos Bispos e ¡números interessados em todo o país — recebemos mais de 1.200 telefonemas de liderancas pedindo explicacSes — algumas hipóteses:

a) Nos últimos meses, o Neimar vinha, visivelmente, descuidando do "orai e vigiai", muito preocupado com bens materiais.

b) Nao apoiava o incremento do Instituto nem via com bons oíhbs os novos elementos.

c) Questionava certos pontos da doutrina da Igreja, como matrimonio indissolúvel, confissSo auricular, celibato eclesiástico. Embora empenhado no trabalho evangelizador, nem sempre aceitava a hierarquia.

d) Nao aceitou sua exclusao do Instituto MEAC nem o cancelamento

de varias palestras já marcadas. Tentou conciliar a nova situacao fa miliar com o anterior trabalho missionário. Quando se apercebeu da barreira intransponível, partiu paraos "ataques" em Veja, abso lutamente infundados e inconseqüentes. e) Neimar tem pronto um livro que se supoe verse sobre "os podres da Igreja" que ele teria "espionado" nestes 15 anos de palestras pelo Brasil.

As declaracóes á Veja, bem mais ampias do que foi publicado, teriam por finalidade preparar o terreno para o lancamento "sensa-

cionalista" desse livro? Ou anular o trabalho futuro do MEAC, envolvendo o Instituto em

sua "trama" de espiáo?

f) A bem da verdade, ele nao apresentou pravas de especie alguma á revista Veja.

g) Nao é de descartar a hipótese — já levantada por pessoas de sua fa milia — de perturbacSo mental, ou "bloqueio", que o impediría de ver as conseqüéncias de seus atos.

h) Se ele tentou provar que certa "grande imprensa" acredita até em -9* a vender exemplares, ele conseguiu. UN

-«<"

F FS

(continua na p. 60)

96

PRÓXIMO LANCAMENTO DAS EOICÓES "LUMEN CHRISTI":

D. PEDRO MARÍA DE LACERDA ÚLTIMO BISPO DO RIO DE JANEIRO NO IMPERIO (1868-1890)

Para elaborar o presente Mvro, o autor, D. Jerónimo de Lemos O.S.B., além de consultar ampia bibliografía, viu também o arquivo de D. Lacerda, lendo sua correspondencia, escritos, e preciosa documentacáo até hoje inédita, bem como jomáis daquele tempo, gracas ao que pode contribuir para urna perspectiva inteiramente nova sobre a pessoa e acontecimentos da época em que viveu esse bispo, que, durante mais de

vinte anos dirigiu espiritualmente os destinos da extensa diocese de Sao Sebastiáo do Rio de Janeiro, a qual, naquela época, nao se restringía ao assim chamado Municipio Neutro, mas abrangia todo o Estado do Rio e Espirito Santo, e territorios das provincias de Santa Catarina e Minas Gerais. - 600 páqinas.

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Para assinatura dirija-seao Armando Revende Filho'

(Caixa Postal 3608 - 20001 Rio de Janeiro - RJ) ou ás Edicóes "Lumen Christi" (Caixa Postal 2666 - 20001 Rio de Janeiro - RJ).

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2. A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA, do mesmo Autor. O significado da expressao "Tres Pessoas", 1979, 410 p. CzS 61,00.

3. O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O.P. O Autor foí

examinador de D. Cirilo para a conquista da láurea de Doutor em Teología no Instituto Pontificio Santo Tomás de Aquíno em Roma. Para Professores e Alunos de Teología, é um Trata do de "Deus Uno e Trino", de orientagáo tomista e de índole didática. 230 p. - CzS 36,90.

4. LITURGIA PARA O POVO DE DEUS (32 ed., 1984), pelo Salesiano Don Cario Fiore, tradugáo de D. Hildebrando P. Martins OSB. Edícáo ampliada e atualizada, apresenta em linguagem

simples toda a doutrina da Constituicáo Litúrgica do Vat. II. É um breve manual para uso de Seminarios, Noviciados, Cole gios, Grupos de reflexáo, Retiros etc., 216 p. - CzS 30,00.

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Seu Autor, D. Estéváo Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discussao no plano teológico perdeu muito de sua razáo, de ser, pois nao raro, versa mais sobre palavras do que sobre conceitos ou proposicóes. - 380 páginas - CzS 120,00.

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