Projeto
PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memorísun)
APRESErsTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas
correntes
filosóficas
e
religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.
um
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propoe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaieca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
índice pag.
"PRONTOS A DAR CONTAS DA VOSSA ESPERANCA" (1Pd 3,15)
413
Documentarás Importante:
O DIALOGO DA K3REJA COM A MACONARIA KA BAHÍA
415
Ecos do estrangei o :
MACONARIA NO CANADÁ
430
Medicina e Moral:
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (II)
434
A III SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA
444
Ecos da Semana de Salvador:
FILOSOFÍA LIVROS
EM
HOJE:
PARA
QUÉ?
446
ESTANTE
3?
capa
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA
NO
PRÓXIMO
NÚMERO :
— O caso de D. Lefébvre. — Quem era María Madelena? — Abortamento terapéutico hoje (III). — O fenómeno
Uri Geller. — Discos voadores e mística. X
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Assinatura anual
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Número avulso de qualquer m§s
Cr$
Volume encadernado de 1975
Cr$ 85,00
EDITORA ItEDAQAO DE PR
Calxa Postal 2.666 ZOOO 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
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ADMINISTRAgAO
Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09 20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tela.: 268-9981 e 268-2796
"PRONTOS A DAR CONTAS DA YOSSA ESPERANZA" (lPd 3,15)
Por volta dos anos de 64/67 o Apostólo Sao Pedro exortava os cristáos a que estivessem prontos a dar oontas da esperanza que nutriam em seus coragóes, apesar das perseguiguicóes pelas quais passavam.
Esta palavra do Apostólo dirige-se também aos fiéis de
hoje,... e com todo propósito. Vivemos numa época em que nem sempre ha perseguigóes violentas, mas geralmente há
contradigóes e objegóes ao «ser cristáo»; nao nos achamos em clima homogéneamente inspirado pela fé. Esta situagáo, iluminada pelos dizeres do Apostólo, sugere
algumas indagagóes:
1) «... da vossa esperanza». Temos esperanga em meio aos problemas com que o «ser cristáo» tem que se defrontar
hoje em dia?
Esperanga significa ter certeza da vitória final do Bem sobre o mal, da Verdade sobre o erro, da Palavra de Cristo sobre as variegadas palavras do Anticristo. Esta certeza redunda em firmeza e coeréncia de atitudes. Quem tem espe ranga, está firme como a nave ancorada, diz a carta aos He-
breus (6,19).
Esperanga implica também entusiasmo. O filófoso Nietzsche (f 1900) dizia que acreditaría no Cristianismo se os cris táos tivessem um semblante mais condizente com a certeza de estarem redimidos; urna fisionomia triste, um comportamentó indefinido nao se conciliam com a certeza de termos sido libertos do pecado e da morte. Com outras palavras: «nao ter esperanga» nem sempre se traduz por «recuar na caminhada». Pode também concretizar-se em falta de coragem:... falta de coragem para ir adiante e aceitar o desafio
da estrada ou, também, falta de coragem para recuar e desdizer-se. A estagnagáo, a rotina mais ou menos voluntaria, o
arrastar-se mórbido no dia-a-dia sao expressóes de falta de esperanga. — Ora sem esperanga ninguém vive. Sem espe
ranga todo homem, aparentemente vivo, torna-se na verdade um cadáver ambulante. A esperanga é o dínamo da nossa
vida.
Em última instancia, esperanga supóe fé. Creio eu real mente na Palavra de Deus? Sim; digo que creio em Deus..., mas talvez nao tenha muita certeza de que Ele é o Senhor da
historia... ou, se tenho alguma certeza disto, é mais teórica do que vivida e prática. Talvez eu me atemorize como se — 413 —
estivesse acompanhando, através dos tempos, a luta de duas grandes Potencias, ambas adestradas táo somente com equipamentos humanos. Minha fé chega a crer, em todas as ocasióes (mesmo ñas mais desconcertantes), que a historia é o desdobramento do plano do Senhor?... Plano que eu só nao entendo porque, afinal de contas, procede de urna sabedoria que ultrapassa a minha!
Eis a primeira serie de indagagóes que a Palavra do
Apostólo sugere hoje. A segunda se segué:
2)
«Prontos a dar contas...»
Se nao temos esperanga
ou se a temos lánguida, isto acontece talvez porque ignoramos
(ou só conhecemos vagamente) a razáo pela qual eremos. Póem-se entáo muito oportunamente as perguntas: Posso eu justificar a mim mesmo e aos meus semelhantes por que digo ter fé?... por que me aprésente nos recenseamentos do IBGE como católico, e nao como membro desta ou daquela sociedade filosófica e benefÍcente?
A fé se torna débil e a esperanga anémica se o cristáo
nao tem seguranga a respeito do embasamento do seu Cris
tianismo. Observa-se que fácilmente os fiéis se deixam abalar hoje em dia por alguma pregagáo nova e aparatosa, as vezes
inspirada por urna mística tanto mais «respeitável» quanto
mais complicada e confusa,... outras vezes mística portadora de moralismo sufocador (nao acompanhar a televisáo, nao tomar café...). Esses abalos acontecem porque tais fiéis nao conhecem suficientemente o teor da sua fé; ignoram,. infeliz mente, que ñas proposigóes do Credo cristáo existem os prin
cipios da mais alta mística e da mais pura conduta moral»
sem diminuigáo do ser humano.
A verificagáo destes fatos nos incute mais urna vez a importancia enorme que tem para os fiéis católicos urna for-
magáo doutrinária sólida e consciente. Sem esta fundamentagáo, a vida católica é sujeita a inclinar-se segundo a diregáo de todos os ventos ou a perecer ante o surto de qualquer tempestade. E quem vive sujeito a tais vacilagóes, nao pode ser feliz. Precisamente urna das causas da nossa felicidade é a
seguranga, principalmente a seguranga em relagáo ás grandes
interrogagóes: Donde vimos? Para onde vamos? sofremos? ... trabalhamos? ... morremos?
Por que
Sirva, pois, a palavra do Apostólo a despertar as consciéncias de todos os fiéis, a fim de que procurem adquirir sólida formagáo ñas verdades da fé e assim se disponham a viver de esperanga mais viva... Esperanga que é penhor de alegría e felicidade, enquanto peregrinamos pelas estradas, deste mundo em demanda da Plenitude! — 414 —
E. B.
«PEGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Ano XVII -^
Documentagáo importante:
i
Ootubrp de 1976
.
.
~~7
~~
o diálogo da isreja^corSTarmáíonaria na bahía Em sfntese: Estas páginas oferecem ao público a leitura de tres documentos Inéditos que esclarecem a aproxlmagao ocorrida entre a Maconaria e o Sr. Cardeal D. Avelar BrandSo Vllela, arceblspo de Sal vador (BA). Varios comentarlos tém sido feitos aos acontecimentos sem que os comentadores (jornalistas e observadores) tenham tido conhecimento dos precedentes e de certos dados históricos que permitem for mular um juizo sereno e objtlvo sobre o assunto. é, pois, em vista da objetividade necessária a um estudioso que PR aprésenla aos seus leitores o documentarlo subseqüente.
Comentario : Nao há quem ignore a aproximac.áo ocorrida
entre o Emo. Sr. Cardeal Dom Avelar Brandáo Vuela, arce-
bispo de Salvador (BA), e a Loja Magónica Liberdade n» 1
da Grande Loja Unida da Bahia.
Com efeito. Aos 25 de dezembro de 1975, S. Eminencia
celebrou na catedral-basílica de Salvador a S. Missa de Natal com a presenga dos membros da referida Loja e de suas es
posas, em comemoragáo das bodas de rubi da Loja.
Como testemunho de gratidáo por este gesto, a Loja Liberdade, aos 11 de junho de 1976, recebeu em sua sede o Eminente Prelado, conferindo-lhe entáo o título de «Grande Benfeitor».
Posteriormente, aos 29 de junho de 1976, o Gráo-Mestre Geral da Ordem, Dr. Osmane Vieira de Resende, houve por bem outorgar a S. Eminencia a comenda da Ordem do Mérito Pedro; I «como reconhecimento pelos relevantes servioos pres tados 'á Ordem Magónica e á Fraternidade Universal». — 415 —
i
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
A imprensa divulgou amplamente estes acontecimentos,
que, como era de esperar, causaram especie no grande público.
Muitos dos observadores dos fatos lembraram o antagonismo vigente entre a Igreja e a Magonaria até os nossos tempos; nao compreendiam como o Sr. Cardeal-Arcebispo de Salvador pudera proceder de tal modo !
Ora, visto que, meses após ocorridos, os fatos ainda sao comentados e deixam multas pessoas perplexas, PR volta ao assunto no intuito de fornecer ao público alguns documentos que ajudem os interessados a formular um juízo objetivo e fundamentado sobre o assunto. Trata-se de documentos iné ditos que, com a permissáo do Eminentissimo Sr. Cardeal D. Avelar Brandáo Vuela, a nossa revista publica nesta sua edicáo. Antes, porém, de transcrever os referidos documentos, resumiremos as mais recentes normas da Santa Sé a respeito do relacionamento da Igreja com a Magonaria, fazendo eco assim ao que já foi mais detidamente exposto em PR 9/1958, pp. 383-390; 121/1970, pp. 3-15; 171/1974, pp. 104-125; 179/1974, pp. 415-426; 188/1975, pp. 372-375; 194/1976, p. 64. 1.
A Declaragao de
19/VI1/74
Aos 19/VÜ/1974 a S. Congregacáo para a Doutrina da
Fé em Roma havia por bem declarar que
— continua em vigor o canon 2.335. Este inflige a excomunháo aos fiéis católicos que se inscrevem em Loja Magónica que trame contra a Igreja;
— todavía a Santa Sé interpreta o canon 2.335 de ma-
neira estrita (como sói fazer a jurisprudencia em tais casos), de tal modo que, no caso de haver alguma Loja que nao conspire contra a Igreja, nao incide em excomunháo o fiel católico que nela se inscreva.
Note-se1. bem: a Santa Sé nao entra na questáo de saber se há ou nao há Loja que trame contra a Igreja. Mas ape nas encara a hipótese de haver Lojas inocuas á Religiáo e
formula sua atitude para esse hipotético caso. Ao Bispo dio cesano e aos seus fiéis compete certificar-se da orientacáo filosófko-religiosa das Lojas Magónicas situadas na respectiva diocese. — 416 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
Sobre este fundo de cena há de se entender o gesto do Sr. Cardeal D. Avelar Brandáo Vilela. É a tais disposigóes
da Santa Sé que S. Eminencia alude na correspondencia que vai transcrita a seguir.
Proporemos os documentos mencionados, seguindo ordem
cronológica e de maneira sobria; o leitor poderá ponderá-los
a fim de tirar daí as conclusóes que julgar mais pertinentes. 2.
Documentarlo esclarecedor
S,áo tres os textos
estudioso.
2.1.
que
de mais
perto
interessam
ao
Um pronunciomento epistolar da Loja Liberdade
Vai em primeiro lugar apresentada urna longa carta do Sr. Antonio Carlos Pórtela, Venerável da Grande Loja Liber dade, que fala em nome dos seus companheiros de Loja. Como se verá, essa carta é o ponto final de urna serie de conversagóes havidas entre os membros da referida Loja e S. Emi nencia. É a essa carta que faráo alusáo os dois documentos posteriores. É de notar que tal carta traz a data de 19 de dezembro. Constituiu, pois, o fator decisivo para que S. Emi nencia aceitasse celebrar seis días depois a Missa de Natal para os Magons de Salvador.
A Gl.\ do GR.\ ARQ.\
Aug.'., Resp.'. e Ben.\ N« 1
Lo].'.
do UNIW.
S¡mb.\ LIBERDADE
da GR.\ LOJ.\ UNIDA DA BAHÍA
Caniidorado do utilidad» pública pola
lol
municipal
do n»
1505 da 20/8/1943
Rúa Carloa( Gomes N? 6 - EdH. Castro Alves - S/ 603 - Tel. SALVADOR - BAHÍA - CEP 40.000
Or.\ de Salvador, 19 de dezembro de 1975. Eminentíssimo SenJior D. AVELAR CARDEAL BRANDÁO VILELA MD. Aroebispo de Sao Salvador da Babia e Primaz do Brasil,
Ainda sob a agradabilissima sensagáo de fraternidade, deoorrente do entendimento que mantivemos oom Vossa Emi nencia, ante-ontem a noite, com a participagácl de outros Dignitários da Igreja Católica na Bahia, voltamos, oom muita — 417 —
6
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
honra para nos, a presenga do nosso queridíssimo Pastor — ja agora através deste documento — para, ratificando1 os termos do nosso tao proveitoso diálogo, oferecemos a sna meditacao, sejnpre inspirada no amor de Jesús Cristo, os seguintes elementos que esperamos possam ser de importancia
fundamental para o nosso almejado encontró, ao ensejo do Natal, aos pés, do Altar do Senhor:
1 — Como já ficou evidenciado, as múltiplas razdcs que determinaram o afastamento entre a Igreja Católica e a Ordem Masónica, sobretudo no mundo ocidental, foram, pra-
ticamente, todas elas, mais de caráter eraergencial, político, frutos das paixces de um longo período histórico em que a primeira aínda se constituía em religiáo do Estado! e a se gunda disputava altos cargos políticos, do que, efetivamente, de sentido doutrinário, desde que, se examinarmos detidamento as nossas origens comuns, plenas de grandeza espiri tual, chegaremos a cojnclusáo salutar de que, em sua essencia, ambas se inspiram e se nutrem da seiva sagrada do Antigo e do Novo Testamento ;
2 — Temos de convir, ademáis, que, se delitos foram cometidos, eles mergulham ñas brumas de um passado remoto
e passam a existir, taJof-somente, para os anais da historia,
quer porque os tempos sao outros, quer porque, até por urna analogía das mais simples com o Direito Penal adotado no
que chamamos de «mundo profano», toda e qualquer pena tem sentido típicamente individualista e nao se pode nem se deve,
de sá consciéncia, transferi-la a outras pessoas e muito menos a outras geragoes;
3 — Aínda neste sentido, acresce, ademáis, a circunstan cia de que, dentre as profundas- questoes de direito intem
poral, urna das que mais preocupam ao legislador, é se um fato considerado crime pela lei vigente ao tempo em que o mesmo foi pnaticado, deixaria de sé-lo por lei posterior; e
essa hipótese, á luz da evolucao dos conceitos políticos, moráis e religiosos do mundo atual, já está perfeitamente res pondida; 4 — O mais edificante exemplo de renovacao e de revisao de conceitos está, pois, na própria Santa Igreja Católica, predominantemente depois do II Concilio Vaticano; e, oon-
quanto multas questoes se constituem em problemas da mais — 418 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
alta indagacáo, estamos certos de quo, mais compreensiva
e mais atoante, a Igreja de JOAO XXm e de PAULO VI, — o que vate dízer, a «Igreja de todos e, mais particular mente, a Igreja dos pobres» — tende a abrandar até os seus Jnizos Eclesiásticos, imbuida daquele espirito de mansidao que reflete o caráter do seu Fundador e Mestre Supremo: JESÚS CRISTO;
5 — Ora, Eminencia, se penas eclesiásticas foram apli
cadas, no tempo, a muitos macons ou mesmo, mais genéri camente, á Maconaria, elas se perdem no tempo, desde que, dentre as mais graves definidas pelos já citados Juizos Ecle siásticos, a de excomunháo, conceituadamente considerada
como urna coacjío legal, «nao fere o Católico que se submeteu á Igreja» ; e, se a Maconaria, nao obstante o seu sentido uni versal no que concerne aos anseioS de fraternidade e de amor, teve em muitos dos seus Obreiros e, mesmo, em muitos dos seus Ritos, certos aspectos e conceitos divergentes daqueles esposados pela Igreja Católica, já neis é possível testificar
que, exatamente hoje, quando essa onda de doutrinas mate rialistas ameaga avassalar o mundo e envenenar a Grande Sociedade Humana, é exatamente a Sublime Ordem que mais se aproxima da Igreja Católica na grande busca de luzes para a reconstruyo do Homem, no melftor sentido espiritual e moral; acrescendo aínda a circunstancia de que mais de
90 % dote seus membros sao declaradamente Católicos;
6 — No que concerne ao Oriente da Bahía, a GRANDE
LOJA UNIDA DA BAHÍA, a qual está jurisdicionada e deve
obediencia esta Uoja Simbólica LJBERDADE, obedece e pra-
tica o RITO ESCOCÉS DOS MACONS ANTIGOS, LIVRES
E ACEITOS, eminentemente deísta, merecendo seja posto em relevo que, em nossas leis fundamentáis, dentre as quais os LANDMARKS, estáo textualmente expressos, dentre outros, os seguintes principios em que se assenta a organizagao das GRANDES LOJAS:
a)
É indispensável para todo Macón a crenca na exis tencia de um principio criador ou DEUS como
GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO»; b)
c)
«Todo Macón deve crcr na ressurreicáo, isto é, na imortalidade da auna»;
«Um Livro da Leí
(A BIBLIA)
nao deve faltar
nunca em urna Loja quando em trabalhC».
— 419 —
S_
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
7 — Por sen turno, a nossa CONSHTUI£ÁO proclama textualmente no sen Preámbulo: «A Blasonaría é urna instituida© universal que tem por principio o amor a DEUS e a Humanidade. Instituicao sobretudo filosófica, proclama a liberdade de consciéncia como sacratíssimo direito do homem;
«Respeitando as idéias religiosas e políticas de cada nm dos seus membros, proibe em seu seio toda e qualquer dis-
cussáb sobre materia religiosa ou político-partidaria;
«Seu genio, que ha tido sempre o instinto verdadeiro, a
levou ao conhecimento da verdade e a conduziu ao rcconhecimento1 de um Ser Supremo. A crenca, pois, em nm DEUS
único e o amor á humanidade sao as bases fundamentáis de sua doutrina e manancial fecundo de beneficios para seus adeptos e para a sociedade de que estes fazem parte».
8 — Por sen turno, dizem os nossos RITUAIS, aínda
no seu Preámbulo:
«A Ordem Macónica é urna associacao de homens sabios e virtuosos que se consideram Irmaos entre si e cujo fim é viver em perfeita igualdade, última mente ligados pelos lagos de recíproca estima, confianca e amizade, estimulando-se uns aos outros na prática das virtudes. Í2 um sistema de Moral velado por alegorías e ilustrado por símbolos».
E odiante: «A Maconaria tem por fim combater a ignorancia em todas as suas modalidades; é urna escola que
Impoe este programa: obedecer as Leis do País;
viver segundo os ditames da Honra; praticar a Justica; amar o Próximo; trabalhar incessantemente pela felicidade do género humano e conse guir sua emancipacád progressiva e pacífica».
9 —i Tendo a figura magnífica de Sao Joáo Batista como
seu Patrono, a Maconaria se credencia, ademáis, a inspiracao divina, e busca nos principios da severa moral daquele «que velo dar o testemunho da LUZ» e que, segundo as próprias palavras de Jesús Cristo, «entre os nascidos de mulhe-
res, nao se levantou outro maior que Joáb Batista», a forca da Fé no seu mais profundo1 sentido espiritual;
_ 420 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
10 — Por tantas e táo edificantes razóes, pols, é que nos indagamos a nos mesmos: Por que motivo perdemos tanto tempe» trabalhando paralelamente, e nao de macis dadas, pela grande causa da Fraternidade Humana, se tudo que fazemos, fazémo-lo a gloria de DEUS ?...
. 11 — Diante de tudo isso é que, Eminencia, resolveu a Maznaría Baiana — deste Oriente que serviu" de berco a civilizacáo crista — dar os primeiros passojs decisivos para
uní reencontró de amor, para urna definicáo de Iuta em ter mos daquele bom combate a que se refere o Apostólo Sao
Paulo, em prol dessa humanidade que, mais do' que nunca, necessita de amor e de esperanca, de orientacáb e de rumo no sentido da Estrela de Belém;
12 —• Assím, pois, vimos rogar-lhe humildemente qus defira o nosso pedido e que atenda aos nolssos ansetos cristaos, celebrando, ao ensejo do Natal, a Santa Missa de amor para toda a Fraternidade Macónica do Oriente da Bahía;
13 — Estamos certos de que algo de extraordinario acon tecerá nesse encontró onde a presenca divina será o Grande Testemunho das nossas mutuas intencoes;
14 — Nada queremos para nos, em particular; mas, antes e ácima de tudo, urna comunhao de idéias, de torcas robustecidas pela Fé, no! sentido matar da Humanidade;
15 — Segundo Sao MATEUS, «qual é o homem que, se seu fiEio Ihe pede pao, Ihe dará urna pedra?»... 16 — Pedimos, Eminencia, o pao do espirito. Respeitosa e fraternalmente, (a)
ANTONIO CARLOS PÓRTELA
(a)
JOSÉ EGYPTO PEREIRA
Venerável
Orador
(a)
WALFRIDO MORAES Grande Orador da GLUB
Com a cháncela da GRANDE LOJA UNIDA DA BAHÍA (a)
FLORIVAL BASTOS FERREIRA Grao Mestre
— 421 —
10
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
A esta missiva respondeu S. Eminencia aos 21 de dezembro de 1975, declarando ter ponderado atentamente a exposigáo do Sr. Antonio Carlos Pórtela e, conseqüentemente, aceitar o convite para celebrar a S. Missa solicitada para o dia 25 de dezembro seguinte.
Aos 26 de dezembro escrevia D. Avelar Brandáo Vilela outra missiva, desta vez dirigida ao Sr. Nuncio Apostólico.
2.2.
A explicajóo dos falos de 25/12/75
Logo no dia seguinte ao de Natal, quis S. Eminencia esclarecer oficialmente ao Sr. Nuncio Apostólico, legado de S. Santidade o Papa, a situagáo que se criara. Fé-lo através da seguinte missiva:
Salvador, 26 de dezembro de 1975
Eximo. Revino. Sr. Nuncio Dom Carmine Rocco1, Paz!
Venho tratar-üie, hoje, de rnn assunto que, natureza, precisa de urna explicacáo.
pela sua
Depois da última interpretado do canon 2335, por parte da Sagrada Congregaca» para a Doutrina da Fé, e após os debates sobre Igreja e Maconaria pela CNBB, quando se firmón que era preciso* dar-se a palavra k Maconaria para que ela manifestasse o sen sentir e pensar acerca da Igreja, fui aaui, em Salvador, procurado, varias vezes, pela Magonaria para diálogos.
Nesse fim de ano, antes de seguir para Roma, altos re presentantes da Maconaria pediram-me celebrasse urna Santa
Missa, por ocasiáo das Bddas de Rubí da Loja Liberdade.
Nao aceitci, dizendo-Ihes que era preciso antes aprofundar o diálogo.
Ao voltar de Roma, e já perto do Santo Natal, novo pedido me foi dirigido; para que celebrasse a Missa de confraternizacá'o, na Catedral, para os niagons e seus familiares.
Nao atendí ao pedido, mas'aceitei um diálogo em profundi— 422 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
11
dade, em nossa Residencia. Comparecen o Estado Maior da
Maznaría e, de nossa parte, além de mim, dois assessores — Mons. Eugenio Yeiga e padre José Hamilton.
O encontró de duas horas foi bastante proveitoso, pois,
em ambiente cordial, pennitiu se ventilassem todos os pro
blemas, objetivamente, inclusive sobre doutrina filosófica e religiosa.
Sentí que eles estavam mesmo querendo urna aproximacao sincera, tais os sentimentos revelados. Nessa altura do encontró, pedi-lhes que dissessem, por escrito, as razoes pelas quais desejavam a Missa. Aceitaram a proposta. Dois dias depois, recebi a exposicao que segué em anexo, vasada em termos delicados e firmeza de propósitos. Natural mente, nao me seria licito exigir precisoes teológicas absolu tas. Em face, porém, do que escreveram e do que me disseram, julguei-me com certeza moral suficiente para atender ao pedido da Missa, sem que eles comparecessem com insignias, mas em trajes comuns, acompanhados de suas esposas e filhos.
Respondi-Ihes a carta, que vai juntamente com esta, carta
que me pareceu aliar as normas vigentes aos bons propósitos de ir ao encontró da extrema boa vontade pelos macons manifestada.
Estou absolutamente seguro de que procedi corretamente, urna vez que a Loja, pelos seos mais altos representantes, deu-me os elementos capazes de julgá-la como instituicao que nao conspira contra a Igreja. Nao me dirigí a todas as Lojas nem muito menos a
todos os ramos da Maconaria. Estou certo de que prestei um servico a Igreja,. dando um passo na liiiha do entendimento real entre Igreja e Maconaria. Muitos desses macons já viviam participando de Cursilhos e de outros movimentos e freqüentando a Eucaristía. Durante a Missa, notare momentos como, por exemplo, na hora da paz, quando houve lágrimas de dezenas de homens.
A repercussa» da Missa, em ambiente serio e piedoso, foi
admirável.
— 423 —
12
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
Eis ai, Excelencia, um modo especial de vívennos o encerramento do Ano Santo, em nossa Arquidiocese, no espi rito da reconciliacáb e da renovacao. Aquí, 90 % dos macons se declaram católicos. Com estima e apreco, em Cristo Jesús, (a) Dom Avelar Branda© Vilela Arcebispo de Sao Salvador da Bahía, Primaz do Brasil
Passaram-se semanas e meses...
Tendo a Loja Liberdade e o Gráo-Mestre Geral do Grande Oriente do BrasU manifestado efusivamente sua gratidáo para com o gesto do Sr. Cardeal D. Avelar Brandáo Vilela, novos comentarios dos fatos foram publicados pela imprensa. De
modo especial, o jornalista Gustavo Corcáo e o advogado Dr. Heráclito Sobral Pinto se pronunciaran! contrariamente ao gesto de S. Eminencia.
Ao Dr. Sobral Pinto quis D. Avelar responder nos ter mos da missiva abaixo. 2.3.
Mais urna vez p histórico dos fatos
Eis o texto da resposta do Sr. Cardeal da Bahia ao advo
gado Heráclito Sobral Pinto:
Salvador, 12 de julho de 1976 Prezado prof. H. Sobral Pinto, Paz!
Rccebi sna carta- de 6 de julho do torrente ano, cheia
de santa indignacáo pelo meu gesto dialogal de ter recebido urna comenda e um título da Maconaria.
Antes que eu tivesse tido suficiente tcmpo para ler e
para esperar ctutros escritos do prof. Gustavo Corcáo, antes
de ter oferecldo á opiniSo pública os argumentos do meu proceder, porque a imprensa apenas registrou os fatos, e quase sempre com o destaque do sensacional, sua carta me
chegon as maos, vasada em outro tom, embora integramente solidaria com as latitudes assumidas pelo prof. Corcáo. — 424 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
13
Considero o prof. Sobral um católico que vive a Igreja com intensidade, sem receber as pressoes e distorcoes que
afetam o outrC também filho da Igreja. A veneracao que sempre tive pelo senhor, e tenho, me leva a dar-lhe prioridade na resposta. 1.
Dentro da perspectiva na qual o senhor se coloca, e
dentro do quadro histórico e eclesial pelo! senhor desenliado, eu também faria como o professor Sobral.
2.
Houve época em que a Igreja, pelos seus Pontífices
Máximos, condenou explícitamente a Maconaria. O Canon 2335 que proíbe a entrada, sob excomunnao, dos católicos na Ma conaria, aínda está em vigor.
3. A partir do Concilio Vaticano II, um novo espirito comecou a conviver com a Igreja no trato das pessoas e das
instituicóes. O Santo Padre Joao XXm e o atual Pontífice ¡números gestos tém praticado no sentido da reconciliaeáo.
4. No caso especifico da Maconaria, o assunto está em estudos. O Código de Direito Canónico encontra-se em fase de análises profundas, procurando atualizar seu texto, através de urna Comissáo Especial nomeada pelo Santo Podre. 5. Enquanto isso, foi feita urna consulta, faz poucos anos, a todas as Conferencias Episcopais Nacionais pela
Santa, Sé. O resultado nao logrou unanimidade, é claro, mas
se constituiu em farto e variado material de estudos e informacocs, ad intra.1
6. A CNBB reservadamente mandou fazer um estudo, á base de consultas, inclusive aos macons e a organismos masó nicos. E este documento é de grande valor informativo. 7. Em sua última Assembléia, a CNBB examinou o pro blema, num duna em que as opinioes foram de varios matizes, nrnna tendencia, porém, de diálogo e de compreensaJo. Urna Nota foi divulgada declarando; que a Igreja mantinha disposicóes para o diálogo, mas gostaria de onvir a Maco naria ; era chegado o momento de a Maconaria dizer algo de si mesma, quanto a seus propósitos de aproximacáo da Igreja. Intra, Islo é, para uso Interno da Santa Sé. (Nota da redagSo).
— 425 —
Jt4
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
8. Abriu-se, entáo, etn todo o País um novo horizonte. Eu, de minha parte, me mantive sem provocar contactos. 9. Depois de ter sido procurado1 por macons bem inten cionados sobre a necessidade da aproximacáo, me mantive
sem demonstrar qualquer interesse até o momento em que, ano passado, a cúpula da Loja Liberdade, filiada a Grande Loja Unida da Babia, me pediu celebrasse Missa para suas familias, no1 tempo do Natal. Nao aceite! a proposta. Dois meses depois, voltaram os mesmos senhores á minha procura. Pedi-lhes um encontró ampio para urna tentativa de exame de seus reais propósitos.
10. Durante mais de duas horas, com a presenca dé dois sacerdotes idóneos, dirigi-lhes as perguntas mais diretas e obtive as respostas mais razoáveis que poderia esperar da Loja Macónica e de seus adeptos.
11. Exigí que dissessem por escrito o que haviam de clarado oralmente. E recebi a resposta que, em xérox, segué com esta. Nao é um tratado teológico, mas apresenta afirmacoes dignas de apreco.
Estudei e rezei, colocando-me dentro, nao daquele quadro
histórico do passado, mas do atual, e procurando exprimir o espirito do Concilio Vaticano II.
12. Confesso ao prof. Sobral Pinto1 que fiquei em dúvida, durante dias, mas depois, sem a menor intencáo de quebrar a comunháo ou a disciplina com a Sé Apostólica, o que seria um absurdo, resolví aceitar o convite.
13.
90% dos macons da Bahía declararam-se católicos.
Alguns deles,
por concessoes
especiáis,
tem participado
de
movimentos religiosos, e aínda participam de maneira exemplar, inclusive de cursilhos.
A última Instrucáb da Sagrada Congregacáo para a Dota-
trina da Fé (1974), embora Iembre que aínda está em vigor o canon 2335, «até que nova lei canónica seja publicada pela competente Gomissáo Pontificia para a Bevisao do D.C.», com estas palavras admite a possibilidade de mudanca do' «estatus». — 426 —
MACONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
15
14. Declara aínda que, «no exame dos casos particulares, pode-se ensinar e aplicar eom seguranza a opiniáo daqueles
autores segundo os quais o canon 2335 se refere únicamente aos católicos que dao> o nome as associacoes que de fato
conspiram contra a Igreja».
15.
Cabe ao Bispo, em sua Diocese, examinar esses as
pectos pastarais do problema. E, no caso peculiar de Salvador, os casos particulares cresceram de número, e eu tive de perguntar-me se a Loja Macónica Liberdade era ou na» entídade que estivesse a conspirar contra a Igreja.
16. Confesso aoí prof. Sobral que minha resposta foi negativa, resposta de minha consciéncia pastoral. Para dar-me esta resposta, nao precisava ferir o canon, mas amparar-me nele e na interpretacáo da S.C. para a Doutrina da Fé. Nao tomara medidas de natureza jurídica, mas somara os casos particulares que me deram um total expressivo, e analisara as declaracoes de humildade dos cliefes do movimento ma sónico na Bahía, sobretudo da Loja Liberdade, apoiada logo depois pelo Gráb Mestre.
17. O meu gesto1, professor, conseguiu sensibilizar todos os meios masónicos. E o tempo foi passando, enquanto eu me recothera ao trabalho pastoral, sem maiores preocupacoes quanto a Maconaria.
18.
Este
ano1, fui novamente procurado pela mesma
cúpula da Loja Liberdade. Quería oferecer-me o titulo de Grande Benfeitor. Perguntei-Ihe por qué. Responderam-me:
19. Aceitei o título como quem recebe urna cortesía, traduzida num sinal, e fui até á Loja, e as esposas dos macons
e os macons me receberam com imensa alegría, em ambiente
de profunda coimocáo. Se o senhor conseguir provar-me que nao havia sinceridade naquele encontró, eu Ihe agradecería o favor.
20. Conhecia e conheco todas as declaracoes de nossos Santos Padres sobre a Maconaria e terího po(r tedas elas o maior apreco. Mas nao estávamos discutindo essa fase da Igreja e da Maconaria. Eu estava preocupado em saber até — 427 —
16
«PERGUNTE E RESPONDEREM0S> 202/1976
onde eram sinceras as afírmacóes recebidas, hoje, e me encontrei diante de elementos nofvos que exigiam atitades dife rentes, no campo pastoral. Foi assim que recebi o título da Loja Liberdade.
21. Depois desse título da Loja Liberdade, de Salvador, Babia, foi que o Grande Oriente, com sede no Rio, me comunicou que me havia outorgado urna Gomenda pelos servicos prestados á causa de reaproximacao, em marcba. Foram á minha Gasa e ma entregaram, sem maior ruido. Mas os meios de comunicacao descobriram o fato e fizeram alarde. Nao dialogue! com o Grande Oriente, nem com os seus corifeus. Interpretei a entrega da Gomenda como sinal de que aceitavam o diálogo já instalado, de que estavam dispostos a coñviver bem com a Igreja. 22. De tudo venho dando ciencia á Santa Sé. Se todos os meus gestos, geradores de elementos para estudo, Ieva-
rem a Santa Sé a nao aceitá-los como tais, e, sim, como ato de indisciplina grave (n3o creio), terei o direito de defender-me. Se, realizada a minha defesa, o Santo Padre exigir de mim algo de retratacáo oficial, estaré! pronto, humilde mente, a aceitar sua dccisao. 23. Pelo exposto, prof. Sobral, o que existo é mais um problema de comunicacao do que de indisciplina. É mais um caso de quem procura servir e abrir cami-
nhos do que ferir a lei canónica.
É mais urna tentativa, digamos, ousada de quem fez, diante de Deus e da Igreja, urna interpretacáo especial das normas vigentes do que a posicao de quem pretenden passar por cima da Autoridade Máxima.
24. É com este espirito de simplicidade, despojamento e confíanca que me coloco diante de sua consciéncia e de seu coracáo, para ser novamente julgado. — 428 —
MAQONARIA NA BAHÍA: DOCUMENTOS
25.
17
Eu aprendí, prof. Sobral, a lei do amor e acredito
na conversao.
Pe^o snas piedosas
Que a luz do Divino Espirito Santo nos ilumine. Um abraco e urna béncá'o.
(a)
Dom Avelar Brandáo Vilela
Cardeal-Arcebispo de Sao Salvador da Bahía,
Primaz do Brasil
Aqui termina o documentário que conhecimento do público estudioso.
interessava dar ao
A leitura destas cartas que revelam fatos ocorridos na discricáo dos gabinetes de trabalhos, permitirá ao leitor conhecer melhor, entre outras coisas, os antecedentes dos acontecimentos que os jomáis noticiaram em seu estilo próprio,
que está longe de ser o da escola e do estudo objetivo e sereno. A imprensa nao podia noticiar tudo o que tais do cumentos oferecem para melhor entendimento da situacáo. O leitor poderá, ao menos, concluir que os fatos registrados pelos meios de comunicagáo nao foram levados a efeito sem reflexáo e amadurecimento por parte do Sr. Cardeal D. Avelar. Ainda que alguém discorde da maneira efusiva como S. Emi
nencia respondeu aos apelos da Loja Macdnica Liberdade, saberá, ao menos, que o Sr. Cardeal da Bahia julgou, diante de Deus e em sá consciéncia de pastor, ter motivos ponde rosos para tomar a táo comentada atitude. Em última ins tancia, só Deus é o Juiz adequado e fiel das consciéncias
(o que nao quer dizer que estas nao se devam esforcar por seguir normas objetivas e umversalmente válidas).
— 429
Ecos do estrangeiro:
maznaría no cañada
Ainda a fim de oferecer aos nossos leitores subsidios para urna avaliacáo objetiva dos fatos ocorridos em Salvador entre a maconaria e o Sr. Cardeal Dom Avelar Brandáo Vilela, apresentamos a seguir, em tradugáo portuguesa, o texto de urna declaracáo de tres sacerdotes membros de comissáo especial instituida em Québec (Canadá) para estudar a Maconaria existente na Provincia de Québec. Este texto foi publicado no boletim da diocese de Montréal
(«L'Eglise de
Montréal») aos 25/m/76, sob o título «Catholiques et Francs-macons au Québec». Foi reproduzido pelo informativo «La Documentation Catholique» tí> ^.701, de 4/VII/1976, p. 649. — Eis o documento em foco :
CATÓLICOS E MAC/ONS EM QUÉBEC «Perguntam-nos mnitas vezes se as relacoes entre a Igreja
Católica e a Franco-Maconaria sofreram alteracoes.
No día 19 de julho de 1974, o Cardeal Seper, Prefeito da Congregacáb para a Doutrina da Fé em Boma, dirigiu urna carta aos Presidentes de todas as Conferencias Episcopais do mundo. Tratava do canon 2.335 do Código de Direito Ca
nónico, que proibe aos católicos, sob pena de excomuríháo, inscrever-se na Magonaria e em outras sociedades do mesmo
género que tramem contra a Igreja olí as legitimas autori dades civis.
Estados recentes levam a estabelecer urna nítida distincáo entre a Maconaria regular, de inspiracáo inglesa, e a irregular, de inspiracáo latina. A grande maioria dos macons
no mundo (cerca de 6.000.000) adere a Maconaria regular, que se pauta, pela Grande Loja Unida da Inglaterra. Para inscrever-se nesse tipo de Maconaria, o candidato deve crer em Deus, Arquiteto do! Universo, em sua Providencia e na imortalidade da alma; ele deve querer progredir na prática — 430 —
MACONARIA NO CANADÁA
19
das virtudes moráis e humanas. A Mojonaría regular apre-
senta-se como urna especie de sociedade fraterna intercon-
fessional.
O Cardeal Seper, aguardando a publicacao do novo Código de Direitol Canónico, que está sendo preparado, propóe as diretrizes seguintes: i
Tode-se ensinar com seguranca, e seguir na prática, a
opinioes dos autores que afirmara que o canon 2336 diz res-
peito tao somente aos católicos que se inscrevem em socieda des que tramam contra a Igreja'.
Compete, pois, aos bispos das Conferencias Episcopais dos diversos países discernir se as Lojas Masónicas da sua regiáo 'tramam contra a Igreja' ou náb.
No Canadá, a Maconaria é organizada por provincias. Em cada urna das provincias encontra-se urna Grande Loja, que se constituí do conjunto das Lojas locáis. Assim a Grande Loja de Québec compreende 109 Lojas locáis (das quais quatro sao de língua francesa). Essas Lojas contam, em sua totalidade, cerca de 14.500 membros. A Grande Loja é autó noma, embora mantenha relacóes de afinidade com as outras grandes Lojas regulares dol Canadá e do mundo inteiro.
É verdade que em Québec, nos anos de 1900, a Loja de
emancipacáo associada ao Grande Oriente de Franca se ergueu contra as instituicóes da Igreja Católica, feto contribuiu certamente, entre outros motivos, para confirmar um preconceito que afirma que toda a Maconaria, sem distincóes, é antica tólica.
Desde abril de 1973, urna Comissao constituida de macons e católicos responsáveis esforcou-se po* restabelecer os fatos, estudando a atual situacáo da Maconaria em Québec Num contexto de diálogo, tratava-se de repensar as atitudes e as
novas relacóes a serem estabelecidas na verdade e na justica.
Os resultados desse estudo, que tracou de novo! o histórico das origens e da evolucao da Maconaria, levaram a verificar que as 109 Lojas associadas á Grande Loja de Québec aderem a_ Maconaria regular. Ora esta 'nada tem em suas Constituicoes que possa legítimamente levar a crer ou afirmar que ela
trama contra a Igreja Católica'. Tivemos a ocasiáo de averi guar os sólidos fundamentos desta afirmacao. — 431 —
^0
«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
Xa base destes dados, perguntamo-nos se é oportuno manter a excomunhao dos católicos que estejam inscritos numa Lo^a filiada a Grande Loja de Québec... Nao o ere mos, a menos que motivos serios (longe de qualqirer precon-
ceitó) possam ser apresentados para tanto. Num espirito de
objetívidade, nao seria necessário que nos encaminhemos para a aceitacáo efetrva dos valores próprios da Igreja e dos valo res próprfos da Maconaria regular ?
(a)
Irénée Beaubien S. J.
(a)
Adríen Brunet O. P.
(a)
Paúl Morisset S. J. membros da Comissao de Pesquisa a
respeito da Maconaria em Québec».
A margem
vagóes :
1)
deste
texto,
desejamos propor tres obser-
A distingáo entre Maconaria regular e Magonaria
irregular a que aiude o artigo citado, se acha exposta em PR 171/1974, pp. 106-110. A Magonaria regular é a que se mantém fiel aos prin cipios da Loja-Máe fundada em Londres no ano de 1717. Professa principios religiosos deístas ou mesmo cristáos (pelo
fato de se referir á Biblia). A Magonaria irregular é aquela
que se originou na Franga em 1877 ; tornou-se anti-religiosa, chegando mesmo a combater a Igreja nos países latinos da Europa e da América. Nao há dúvida, foi a Magonaria irre gular que atuou no Brasil durante o Imperio, provocando a famosa Questáo Religiosa, em que foram vítimas os Srs. bispos Dom Freí Vital, de Olinda, e Dom Macedo Costa, do Para. Isto, porém, nao quer dizer que toda e qualquer Loja Magónica existente hoje no>. Brasil ou alhures seja necessariamente anti-religiosa e anticatólica. Assim como há possibilidades de que seja tal, também há possibilidades do contrario. Em conseqüéncia, a sabedoria e a prudencia mandam que se examine caso por caso ou Loja por Loja, a fim de se formular um
juizo sereno e objetivo sobre cada stiuagáo, evitando-se injustigas.
2) Os relatores que assinaram o artigo atrás transcrito, cingem-se exclusivamente ao ambiente da Provincia canadense de Québec, onde realizaram a sua pesquisa. Nao tém em mira proferir algum julgamento (muito menos aprovar) a Maco naria fora dos termos aos quais se limitaram os seus estudos. — 432 —
MACONARIA NO CANADAA
21
A certeza a que chegaram tais estudiosos, é certeza moral ou é a certeza que se pode obter quando se investígam fatos históricos humanos. Como quer que seja, pode-se dizer que os resultados a que chegaram tais peritos designados pelo Sr. Arcebispo de Montréal, sao suficientes1 para que os bispos, sacerdotes e leigos católicos possam formar a sua consciéncia e avaliar melhor o que é a Magonaria hoje em dia. 3) Ao publicar os dados referentes á Magonaria que este fascículo oferece aos leitores de PR, nao tencionamos tomar partido preconcebido na questáo «Igreja-Magonaria». Interessa-nos apenas a objetividade dos fatos e a apresentagáo dos mesmos sem lhes tirar nem acrescenter dado algum.
O que PR tem em mira, é evitar que se condene a Igreja ou alguns de seus membros injustamente. O amor a Igreja e a adesáo fiel ao seu Chefe visível, o bispo de Roma, norteiam a nossa revista. Isto nao quer dizer que nos tornemos cegos a, eventuais fainas, mas implica que, antes de censurar
ou condenar, porcuremos averiguar exatamente a materia em questáo com todas as suas circunstancias concretas, a fim de evitar juízos precipitados ou mesmo injustos.
Condenar a Igreja ou algum de seus membros (principal mente em se tratando de pessoa especialmente credenciada aos olhos da fé) significa langar sombras sobre certos valores que nao sao simplesmente humanos, mas que se derivam da presenga do próprio Cristo em seu Corpo Místico e nos mem bros deste. Com estas observagóes, julgamos poder tranquilizar a consciéncia dos nossos leitores e assegurar-lhes total objetivi dade ñas posigóes assumidas por PR. Quem cita textos dos
Pontífices Romanos dos sáculos XVIII, XIX e XX contrarios á Magonaria, terá em mente que — nao se trata de definigóes dogmáticas, mas, sim, de medidas disciplinares contingentes, talvez oportunas e necessárias numa época, mas nao mais oportunas ou necessárias
em época posterior;
— os tempos, de fato, tém mudado... Tém mudado também no que diz respeito 'á Magonaria. A Igreja nao afirma isto simplesmente porque todos o afirmam, nem pretende dar valor generalizado a esta afirmagáo. Mas a palavra da Igreja — que sempre foi tida como prudente — se baseia em exames
cautelosos dos fatos, levando em conta cada situagáo de per si. — 433 —
Medicina e Mora!:
abortamento terapéutico hoje (II)
Continuamos a publlcagáo da comunlcagáo asslnada pelos médicos Drs. Jo§o Evangelista dos Santos Alves, Carlos Tortelly Rodrigues Costa, Dernlval da Silva Brandáo. e Watdenlr de Braganga Intitulada "Consideragees em torno do problema da gravidez com Intercorrdncia de enfermldade grave na gestante e o chamado 'abortamento terapéutico'". Essa comunfcacSo fol editada originariamente pela "Revista da Assoclagáo Mé dica Brasllelra", vol. 22, n? 1, Janeiro 1976, pp. 21-27. Dada a Importancia desse
estudo,
que
representa
o
testemunho
de
numerosos
médicos
de
alto valor, a revista "Pergunte e Responderemos" o reproduz em fascí culos sucessivos. O nosso rfi 200 já publlcou a primelra parte de tal artigo, em que se encontram os segulntes dados:
1)
Considerares sobre a chamada "causa com duplo efelto" (1):
um médico que tencione tratar de senhora cancerosa e, para tanto, niotenha outro recurso senio eliminar o útero grávido e canceroso dessa pessoa, está moralmente habilitado a fazé-!o. O que ele realba, é ditado pelo objetivo de combater urna doepca, nao de dar a morte a alguém ;
a perda da crianca nao é diretamente e como tal Intencionada, mas é aceita indiretamente e como mera conseqüéncla de urna agio médica que visa a debelar um cáncer. A agfio do médico entSo tem duplo
efelto: um efelto bom, que é diretamente intencionado e que é o único motivo da acfio (ellminagSo de um órgSo canceroso); outro mau, que nSo é diretamente desejado, mas apenas aceito porque Inevitavelmente associado ao efelto bom (a morte da crlanga). Tal procedlmento dlfere daquela conduta que diretamente e por si visa a eliminar a crlanga, conduta que nSo ocorreria se nfio fosse ó desejo de abortar. 2)
Após estas consideragOes gerals, foram
propostos os
pareceres
de eminentes médicos relativos a "Gravidez e Cardiología" (2.1) e "Gra videz e Tlslologla" (2.2); tais pareceres davam a ver que nSo há casos
mórbidos que exljam o chamado "abortamento terapéutico". A medicina cardlologlsta e tlslologista moderna tem recursos varios que permltem ao médico tratar da paciente sem recorrer diretamente a ellmlnagáo da crlanga que esteja em seu útero.
Prosseguimos na transcrlcfio da referida comunicaggo:
2.3.
Psiquiatría
«Aqui nao podemos conter nossa indignagáo em face de tentativas de denegrir a Psiquiatría e a Obstetricia: obstetras abríndo abortários e psiquiatras fazendo as mais descabidas indicacóes com o fim de favorecer a difusáo de práticas sexuais desordenadas e irresponsáveis.
— 434 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (II)
23
Transcrevemos a seguir, para honra destas especialidades, a resposta do psiquiatra Leme Lopes: "A pergunta: "Existe IndlcacSo psiquiátrica para o ohamado "abor tamiento terapéutico?" — a resposta firme é nao. Explico: 1) nSo há bases para um abortamento por motivo eugénlco. Nao há doenca mental
obligatoriamente
transmitida
por
heranca;
2)
abortamento
terapéutico'
sonso strlctu nio existe em psiquiatría. As psicoses, no curso da gravidez,
tém bom prognóstlco. Urna slntomatologla aguda (agltacSo pslcomotora violenta) pode ser manejada sem prajulzo para a míe e o filho. — Há registro de gestantes com boa tolerancia ao eletrochoque".1
Em
outra oportunidade,
manifestou:
o mesmo Professor assim se
"Venho trazer-Ihes com esta carta meu decidido apolo á campanha
que vem empreendendo para corrlgir no Código Penal a anomalía de
urna especiosa caracterizado do chamado aborto terapéutico. No mo mento em que a dessacralizacSo da vida humana é táo profunda a nao respeitar o dlrelto de vlver do nasclturo, a posic&o assumlda pelos Ilustres colegas vale como urna tomada de conscláncia e urna partida para resis tencia e luta em/ favor dos Ideáis crlstáos. Como Professor de Psiquiatría quero acrescentar mlnha voz á dos que negam argumentos psicológicos e pslcopatológlcos para a prátlca llvre do abortamento".
2.4.
Hematología
Monteiro Marinho, em trabalho sobre hematopatias no curso da gravidez (analisando, inclusive, os varios tipos de leucemia), assim concluiu: "Em nenhuma das condlc5es ácima referidas tem cabimento a prá tlca do abortamento. NBo haverla objetivo a visar. Urna boa conduta mé dica, fundamentada no conhecimento perfelto dos problemas, na expe riencia clínica e no bom senso, fará sempref o encamlnhamento adequado e
o
Insucesso
ocorrerá nos
limites
do seu
causallsmo.
Nenhum
suporte
ético, moral, religioso ou técnico Justifica, em tais circunstancias, a prátlca da InterrupgSo da prenhez".
Herbert Práxedes respondeu á consulta por nos formu lada nos seguintes termos: "Tenho cada vez mais dúvldas sobre a validado da IndlcacSo clínica para o chamado aborto terapéutico, principalmente com os recursos da medicina contemporánea, mas mesmo sem eles. Sob o ponto de vista estrltamente médico, se é posslvel dlssoclar da prátlca clínica qualsquer consideracSes moráis, pensó ser o organismo humano mals perfeito do que *Lemei Lopes, J.: Depolmento pessoal, cartas datadas de 18/2/1972 « 11/11/1972.
— 435 —
24
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
o que multos julgam, pois, como há alguns anos me dizia ilustre cardlologista paulista, se a gravidez é incompativel com algum estado mórbido da gestante, a própria doenca se encarrega de interrompé-la. Se nao há llmitacSo moral ou legal ao uso de medicacSo necessária á mSe, capaz de lesar ou mesmo matar o feto, qual a Justificativa clínica para optar-se por matá-lo preventivamente ? Se considerares eugenicas comecarem a ser pesadas, a justificativa para o aborto delxa de ser terapéutica para ser eugenica e dai ás cámaras de exterminio para recém-natos defeltuosos, á eutanasia e á eliminacSo de velhos
Imprestávels ou doentes é
questSo
apenas de tempo. Se alguém dlsso duvlda, basta consultar algumas edicdes recentes do 'Time', onde o assunto já é discutido seriamente, como o foi anteriormente a llberacfio do aborto na leglslac§o de alguns Estados ame ricanos. Se é isso o que se deseja, ainda que inconscientemente, porque
o chamado mundo civilizado tanto se erguiría da vltória sobre o nacional-socialismo alemio, o nazismo, que nao apenas preconizava como colocou em prátlca medidas como essas? A Corte Suprema dos Estados Unidos, ao liberar o aborto naquele país, fez com que nos nos perguntássemos os motivos pelos quais somos chamados de subdesenvolvidos, se desenvolvimento quer dizer aviltamento da pessoa humana. Como hematologista clínico, nunca tive qualquer caso qué justificasse a existencia, na legislagao, de urna permissividade para o assassínio deliberado sob o manto pseudoclentifico da terapéutica e tenho, como disse anteriormente, dúvidas. sobre a validado de sua IndicacSo ñas demals especialidades médicas".*■
2.5.
Farmacología
Ribeiro do Valle, respondiendo á consulta por nos for mulada : "Sou contra o aborto sob qualquer forma, dependendo ou n9o da mal interpretada indícacSo terapéutica. Viví na minha própria familia o drama dessa indicacSo. A máe recusou a sugestáo médica, dadas as suascondicoes físicas precarias. A filhinha nasceu sadla, nao deu trabalho e foi lenitivo e consolo da mSe nos seus dois últimos anos de vida. A IndicacSo era formal na oplniáo do colega. Nao foi seguida, gracas a Deus".2
2.6.
Endocrinología
e metabologia
Rodrigues Ferreira, em recentes consideracóes sobre problema do abortamento provocado, assim se definiu :
o-
"De modo especial, subscrevemos a tose de que nSo existe argu
mento algum de ordem científica, jurídica ou moral que justifique o abortoterapéutico, • sentimental ou eugénlco".3
1 Práxedes,
H.:
Depoimento
pessoal,
carta
datada
de
16/8/1973.
2 Valle J. R.: Depoimento pessoal, carta datada de 13/6/1972.
3 Ferreira,
A.
R.:
Memorial
ao
Ministro
19/7/1972.
— 436 —
da
Justlca,
datado
da
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (II) 2.7.
25
Ginecología
Na associagáo de ginecopatias e gravidez, deparamo-nos
com os casos mais particularmente trágicos e extremamente
dificeis de resolver. Aplica-se também aqui o principio do duplo efeito, pelo qual a paciente grávida, quando enferma, tem direito aos mesmos recursos disponíveis e aplicáveis fora da gravidez, aínda que tais recursos possam afetar o concepto. Sendo variada a intercorréncia de ginecopatias e gravidez, lirnitar-nos-emos a considerar as circunstancias que oferecem maiores dificuldades, as quais, afortunadamente, sao pouco freqüentes.
2.7.1.
Afecsóes mamarías
Interessa-nos aqui a associagáo de carcinoma da mama e gravidez. Constituindo intercorréncia pouco freqüente, sao pequeñas as estatísticas de cada centro especializado, o que nao permite o estabelecimento de urna conduta geral. É fato aceito, porém, que o prognóstico de cáncer de mama instalado em mulher grávida é pior do que o ocorrente fora da gravidez. Contudo, os autores que conseguiram reunir maior experiencia admitem que a evolucáo do carcinoma nao se modifica com a interrupcáo da gravidez e até, segundo alguns especialistas, os melhores resultados foram obtidos entre as pacientes cuja gestacáo prosseguiu normalmente.
No I Congresso Brasileiro de Patología Mamaria, reali zado no Estado da Guanabara em setembro de 1971, o tema foi varias vezes abordado.
Urban, convidado especial para aquele Congresso, em urna de suas exposicóes referiu-se a associagáo de cáncer da mama e gravidez. Opinou, naquela oportunidade, que o abortamento nao melhora o prognóstico dos casos curáveis e aconselhou tratar o cáncer desconhecendo a gravidez. Sobre as pacientes operadas, disse nao acreditar que urna nova gravidez possa ser prejudicial, embora nao a aconselhe. * 1 Urban, J. K.: Conferencia pronunciada no I Congresso Brasileiro. da Patología Mamarla, Guanabara, setembro de 1971.
— 437 —
26
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
Também Arié afirmou que nao interrompe gravidez em gestante com cáncer de mama, nem desaconselha gravidez posteriormente ao tratamento. Em linhas gerais, assim resumiu sua conduta: até o &> mes, tratar como se a paciente nao estivesse grávida; após o 6* mes, induzir o parto e tratar o cáncer.x
Silva Neto chegou á mesma conclusáo, após rever subs tanciosa literatura sobre o tema e estudar 47 casos de carci noma de mama associados a gravidez ou lactacáo. Publicou seu estudo e preconizou o seguinte tratamento:
"É quase unlversalmente aceito que o tratamento clrúrglco oferece os melhores resultados. No caso de cáncer assoclado á gravidez existem alguns pontos de discordancia a respeito operacSo e do uso das irradiacdes.
da
época
oportuna
para
a
"A elevada percentagem de metástases axilares no nosso material,
tanto no cáncer assoclado á gravidez como á lactagSo, tem sido confir mada amplamente
na
literatura.
Este
fato
Indica-nos
que
o
tratamento
deve ser Iniciado o mais cedo possfvel. Nos dols primelros trimestres da
gravidez operamos ¡mediatamente. No 3? trimestre, aguardamos ató que o feto seja viável, quando entáo indicamos cesárea e mastectomia radical a seguir: esta espera é condicionada pelo alto risco de abortamentó nesse periodo de gestacáo. Enquanto aguardamos a vlabllldade fetal, usamos radioterapia.
"Existem dois aspectos do tratamento que merecem comentarlo malor, a saber: a oportuntdade da operac&o durante o 39 trimestre e o problema do uso das irradiacSes durante a gestacSo. Há autores, como Mlller e Schmld, que advogam a operacSo Imedlata também no 3? trimestre. Entre tanto, Bunker e Peters nao verificam plora nos resultados, naqueles casos que aguardaran! o parto para depols Inlclarem o tratamento do tumor; ao contrario, foram exatamente estes casos que tlveram melhor sobrevida, enquanto os resultados menos favorávels da serle foram os das pacientes
que Inlclaram o tratamento no 3? trimestre da gestacSo. Por causa deste fato, Peters atualmente mantém essas pacientes sob observacfio, nSo usando qualquer tipo de tratamento até o parto e so após este é que dá Inicio ¿ terapéutica. Harrlngton também veriflcou melhores resultados nos casos operados após o parto. Entretanto, Holleb e Farrow referem resultados superiores ñas pacientes operadas no 39 trimestre. Pensamos que o ponto de vista de Peters aínda deva merecer urna investlgacSo mals longa.
"Quanto ao uso das irradiacdes, nos as indicamos no pós-operatórlo sempre que houver ganglios axilares comprometidos, bem como nos tumo
res de quadrantes Internos ou central, mesmo sem
metástases axilares.
No cáncer da mama comum, a percentagem de casos com metástases na cadela gangllonar mamarla Interna nos tumores centráis ou internos, sem
lArlé, P.: Exposlcflo oral no I Congresso Braslleiro de Patología
Mamarla, Guanabara, setembro de 1971.
— 438 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (n)
27
metástases axilares, gira em torno de 10 %. No cáncer assoclado a gra videz ou lactacSo, em que há aumento da vascularlzacio tanto sanguínea como linfática, é provável que essa percentagem seja mals elevada. "NSo temos visto em nosso hospital Inconvenientes, pelo menos imediatos, ao feto. Usamos a radioterapia pré-operatórla, no 3? trimestre
da gestacfio, enquanto aguardamos a viabilidade fetal, quando entáo é pratlcada a cesárea e mastectomla radical. No cáncer, em lactacSo, ope ramos ¡mediatamente e Indicamos a radioterapia nos mesmos moldes ora referidos para a gravidez". Adiante concluiu:
"A gravidez subseqüente, nos casos de carcinoma da mama opera dos, niq parece piorar o prognóstico. A revisto da literatura permltiu-nos verificar que, até o presente momento, nSo há Indicios de que a Interrupgáo da gravidez produza melhora nos resultados a 5 anos, quer ñas pacientes com gravidez simultánea quer naquelas com gravidez subse qüente ao tratamento do carcinoma". *
2.7.2.
Afeccóes uterinas
As mais desconcertantes situagóes verificam-se na intercorréncia de gravidez e doengas da matriz. a)
Mioma, uterino
Por ser tumor reconhecidamente benigno, ainda que sofrendo certa influencia do estado gravídico (embebigáo, amolechnento, hipertrofia), a melhor conduta, para a gestante e
para o concepto, é a expectante. A intervencáo cirúrgica só se justifica em face de complicagóes, que sao as mesmas veri ficadas fora da gravidez (degeneragáo, torgáo de pedículos, necrobiose com infecgáo secundaria, etc.). Complicagáo inerente á gravidez observa-se nos miomas volumosos, em que o crescimento uterino, a expensas do estado gravídico e do próprio tumor, acaba por acarretar conflito de espago, com dor e desconforto. Ñas circunstancias em que o tratamento cirúrgico se impóe, este deve ser sempre conservador e limitar-se á exérese dos nodulos de mioma responsáveis pela complicagáo, salvo em certos casos, feto viável, em que a histerectomia, quando indicada, pode seguir-se á cesariana. 1 Silva Neto, J. B.: "Carcinoma da mama associada á gravidez ou lactacSo", em "Revista da AssoclagSo de Médicos do Brasil" 13:347, 1967.
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 202/1976
b)
Carcinoma do coló uterino
Nos limites deste trabalho, nao vem a pelo tecer comen tarios em torno da discutível influencia da gravidez sobre o cáncer da cérvice, nem discutir as dificuldades que esta afecgáo possa constituir para a boa evolugáo da gravidez. Ater-nos-emos 'á conduta terapéutica nesta dramática cir cunstancia, de reduzida freqüéncia, oferecendo, por isso, dados estatísticos escassos e inconclusivos.
Independentemente de gravidez, dois sao os métodos te rapéuticos aplicáveis á cura do carcinoma do coló uterino: cirurgia e radioterapia. Ambos so tém eficacia curativa
quando aplicados em extensáo radical, isto é, «isolando» pela exérese cirúrgica ou pela acáo actínica todo o útero, para-
métrios e anexos, de preferencia incluindo também o tecido adiposo ganglionar pélvico.
Nos casos melhores, o uso adequado desses métodos,, isoladamente ou associados, oferece elevado índice de curabilidade. Nos casos avangados, todos os recursos terapéuticos sao impotentes e só se aplicam em caráter paliativo. Assim, pode mos desde já selecionar os casos de associacáo de cáncer do coló uterino e gravidez, em 2 grupos : pacientes curáveis e pacientes incuráveis (casos avangados).
Nos casos curáveis, fazemos nova selegáo : fetos viáveis e fetos inviáveis. Se o feto for viável, deve-se proceder á operacáo cesariana como tempo previo da histerectomia radi cal (operagáo de Wertheim) ou, conforme o caso, do tratamento pelas irradiagóes. Na gravidez incipiente (feto inviável), ambas as condutas adequadamente aplicadas teráo como conseqüéncia, paralelamente á cura da máe, a morte do concepto,
conseqüéncia esta indireta, nao visada nem desejada, embora prevista.
Objetivando-se, em casos particulares, salvaguardar a vida do feto, com prejuízo da máe, foram realizados tratamentos
radioterápicos especiáis, com técnicas adaptadas : Mammanax
cita Pouey, que refere bom resultado com radiumterapia sem
causar danos aos fetos; no Brasil é clássico o caso de Rodri1 Mammana, C. Z.: "O aborto ante o Dlreito, a Moral, a Medicina
e a RellgiSo". Sao Paulo, Letras Editora Ltda. 1969.
— 440 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (II)
29
gues do Lago \ que tratou, com radium, carcinoma do coló uterino em paciente com gravidez gemelar, cujos gémeos nasceram de parto cesáreo aos 7 meses de gestacáo e evoluiram dentro dos limites da normalidade, ficando a máe clínicamente curada. Existem autores, porém, que apresentam resultados opostos, com prejuízo materno e danos fetais. Tais tratamentos de excegáo, com técnicas adaptadas e, portante, deficientes, nao podem servir como regra, visto preterirem o direito materno a tratamento correto com os re cursos terapéuticos usuais, quais sejam, a cirurgia radical ou as técnicas clássicas de radium e cobaltoterapia, também radicáis. A nosso ver, nao sendo possivel aguardar a viabilidade fetal, a melhor conduta consiste na histerectomia radical que, nessas circunstancias, parece oferecer melhor possibilidade de éxito e ainda permite o batismo do feto.
Lembramos ainda que, no segundo trimestre da gravidez,
embora nao sendo conduta obligatoria por constituir certo risco para a gestante, é possivel aguardar a viabilidade fetal para só entáo intervir, salvando a crianga. Neste procedimento é indispensável submeter a gestante a exames semanais, a fim de que se possa surpreender qualquer progresso da doenga,
circunstancia em que o tratamento nao deverá ser mais adiado.
Como vimos anteriormente, aplica-se aqui o principio do duplo efeito. A nm ato bom ou indiferente (no caso a histe rectomia) seguem-se duas conseqüéncias : urna boa, visada, a qual diretamente se dirige o ato (a cura da máe), e outra má, nao visada nem desejada, á qual nao se dirige o ato, porém inevitável ,(a morte do concepto).
No grupo das
pacientes incuráveis
(casos avangados),
parece-nos mais sensato aguardar a viabilidade fetal para só entáo, efetuada a cesariana, iniciar o tratamento paliativo. Obviamente, cada caso deverá ser analisado de per si, levando-se em conta todas as implicagóes que o envolvem. A seguir transcrevemos a conduta preconizada por Wolff Netto 2: 1 Rodrigues do Lago, G.: "Radiumterapla do carcinoma do coló uterino e gravidez gemelar com fetos vivos". Rio de Janeiro 1955. s Wolff Neto, A.: "Carcinoma do coló do útero e gestado", em "An. Clin. Fac. Med. Univ. S. Paulo" 4:335, 1950/1951.
— 441 —
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iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
"No tratamento do carcinoma do coló uterino em gestante devenios distinguir os casos operáveis dos inoperáveis. Nos casos operáveis (esta dio I), quando a gestacüo se encontra no inicio (19 trimestre), deve ser feita a cirurgia radical Imedlata (operacio de Wertheim), de vez que a
espera da viabilidade fetal tornará o neoplasma inoperável. Mesmo do ponto de vista moral, esta conduta é correta, porque nao se trata de abor-
tamento direto, mas Indireto.
Aquí nao se visa destruir a vida fetal, mas
retirar-se urna neoplasia maligna.
A morte do feto nao é flm, nem
meló,
mas conseqüéncia do tratamento necessarlo. Nao é o caso do chamado abortamento terapéutico, onde a destruicSo da vida do feto é um meló de tratamento (?) e, portento, a flnalidade da acáo. entáo
Depois do 1? trimestre já se poderá esperar pela viabilidade e, retirar um feto com possibllidades de vida ao lado da operacSo
radical. É necessário, entretanto, examinar periódicamente a fim de se avaliar da situacSo propagacáo, intervir.
local
da
neoplasia
e,
ao
paciente, a
menor sinal
de
Se o carcinoma é Inoperável, a aplicacáo de radium deve ser feita. No inicio da gravidez é multo freqüente a morte do ovo com a curieterapia. No 29 trimestre o feto nao sucumbe táo fácilmente e pode á viabilidade, quando será retirado por cesárea.
chegar
No 3? trimestre de gestacfio, entretanto, os casos inoperáveis deverSo ser tratados de maneira um pouco diversa. Pratíca-se primeramente a cesarla e, depois, submete-se a doente á aplicacio de radium. A malorla dos radioterapeutas aconselha so a cesárea e nSo a histerectomia, i
salientando a importancia da conservacSo do útero para a boa prática da
curieterapia. E quando, nesses casos, a histeractomia tiver de ser feita, pedem os fisioterapeutas a conservacSo, pelo menos, do coló uterino."
c)
Carcinoma do endométrio
Constituí associacáo muito rara, visto incidir esta enfer-
midade em faixa etária ácima do período reprodutivo da mulher. Quando ocorre, o diagnóstico desta afecgáo é muito difícil e o abortamento espontáneo é a regra. Só entáo, pelo
exame do material, a doenga é revelada. Nos casos, porém, em que é feito o diagnóstico simultáneo de gravidez e cáncer do endométrio, a conduta correta consiste na exérese 2 do útero doente, embora grávido. Esta operagáo é moralmente permi tida, como já vimos ao estudar o principio do duplo efeito. d)
Afeccoes ovarianas
A associacáo de tumor ovariano e gravidez constitui ocorréncia das mais raras. 1 Histerectomia:
extracáo
tota!
* Exérese : exíirpafáo círtirgisa.
do
útero.
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (ED
31
Todos os tumores ovarianos devem ser tratados cirurgicamente, conduta válida também durante a gravidez. Os tu mores benignos podem benefidar-se com a simples ooforectomia,1 procedimento adotado em pacientes jovens. Já os tumo res malignos sao geralmente tratados, em qualquer idade, com cirurgia mais ampia, que consiste na ablagáo do útero e ambos os anexos, mesmo nos carcinomas localizados. Como
o diagnóstico definitivo de malignidade depende do exame histopatológico, muitas vezes o tratamento é feito em dois tempos, sobretudo em padentes jovens, ñas quais se cuida, sempre que possível (tumores nao malignos), de conservar o outro ovario e o útero, a fim de preservar o equilibrio hor monal, a menstruaeáo e a funcáo procriadora. Assim, no 1» tempo, faz-se ooforectomia simples e aguarda-se o laudo do exame histopatológico. Se o resultado o exigir, procede-se a cirurgia mais ampia em 2» tempo, excisando-se útero e anexos restantes. O mais correto consiste no exame histopatológico peroperatório do ovario tumoral, para prosseguimento ¡me
diato da cirurgia, quando condusivo e positivo para maligni dade o laudo do patologista.
Do ponto de vista ético, aplica-se aqui também o prindpio do duplo efeito, que permite o adequado tratamento
materno, como se nao houvesse gravidez.
Embora a ablagáo do útero e anexos, na intercorréncia de gravidez e cáncer do ovario, seja conduta válida e a mais segura, devemos considerar sempre a possibilidade de, após a exérese ovariana, aguardar a viabilidade fetal para concluir a terapéutica, sem esquecer, porém, que entre os tumores ovarianos encontram-se os de maior malignidade. Alias, existem trabalhos em que bons autores aconselham a preservagáo do útero para possibilitar a aplicagáo de radium no pós-operatório. Também aqui, cada caso deve deve ser considerado par
ticularmente, com todas as suas implicacoes. (Continua no próximo número)
1 Ooíofecíoniia: exürpajáo
de
ubi
ovaré.
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32
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
A III SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA De 17 a 23 de julho pp. teve lugar em Salvador (BA) a ni Semana Internacional de Filosofía, promovida pela Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos. Contou com a participagáo de cerca de cento e cinqüenta professores ou cul tores da Filosofía domiciliados no Brasil e aproximadamente quatrocentos estudantes. Do estrangeiro, vieram vinte e cinco mestres, representando quinze países da Europa e da América.
O tema central do certame foi a Filosofía do Dcsenvolvimento,
que os congressistas explanaram e aprofundaram tanto em
assembléias plenárias como em sessóes especializadas. Estas eram em número de oito : Filosofía do Direito, Estética e Filo sofía da Educa?áo, Filosofía das Ciencias, Filosofía da Lin-
gem e da Comunicagáo, Metafísica e Filosofía da Religiáo, Ética e Filosofía dos Valores, Filosofía Social e Filosofía da Historia. Foi grande a riqueza de proposicóes e debates que se foram desencadeando dia por dia durante a semana. Os es tudiosos brasileiros tiveram a ocasiáo de ouvir experimenta dos mestres europeus, os quais, por sua vez, puderam conhecer as linhas que váo orientando o pensamento jovem do Brasil e de nagóes jovens. No intuito de resumir as proposigóes para as quais convergiram os debates das diversas assem bléias, enunciamos as seguintes:
1) O ponto central de qualquer plano de desenvolvimento é o homem, devendo a técnica e a máquina subordinar-se ao servico deste. Nao se admitirá, pois, que o homem seja marginalizado pela civilizagáo do consumo, mas, ao contrario, respeite-se a pessoa de todo homem, o qual deve ser engran decido pelo uso da materia.
2) Conseqüentemente, a nocáo de desenvolvimento nao se pode limitar aos interesses meramente económicos, mas há de atingir o homem em todas as suas dimensóes. Este é um ser relativo e contingente, aberto ao Transcendental, de modo que o auténtico desenvolvimento leva em conta também as aspiragóes do homem aos valores espirituais e re ligiosos.
3) Com outras palavras, o desenvolvimento nao se pode restringir ao ter mais, mas há de tender ao ser mais. O ter — 444 —
ni SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA
33
mais, exclusivamente entendido, pode ser fator de destruigáo da paz e do auténtico bem-estar entre os homens e os povos. 4) O desenvolvimento, concebido como humanismo, há de se exercer em tres setores :
— no do fazer (poleo, em grego), que é atuagáo do ho-
mem sobre a materia ; corresponde ao comportamento artís tico;
— no do agir (prasso, em grego), que é a atuagáo do homem sobre a sua vontade; corresponde ao comportamento moral;
— no do contemplar (theoréo, em grego), que é a atua gáo do homem sobre a sua inteligencia; corresponde ao comportamento sapiencial.
5)
Á Filosofía cabe importante fungáo no momento pre
sente. É ela que continua o trabalho da ciencia e integra os resultados das pesquisas dos dentistas numa escala de valores que salvaguarda e promove a pessoa humana. É necessário que filósofos e cientistas estejam em diálogo permanente, a fim de contribuirem juntos para o bem comum da humanidade; procuraráo afastar a perspectiva de catástrofes que pesariam sobre a humanidade, caso esta se orientasse apenas por criterios cientificistas e tecnicistas. 6) Elaborando urna auténtica Filosofía do desenvolvi mento, os filósofos contribuiráo para o desenvolvimento da Filosofía. Nao há antagonismo entre um e outro binomio, mas,
ao contrario,
um entrelagamento
que merece
ser
cul
tivado. Com efeito. Em nossos dias registra-se o perigo de irracionalismo ou de atitudes cegas e fanáticas como aquetas que as ideologías suscitam. Se o homem nao recorre á sua razáo, nao dialoga com seus semelhantes; vé-se entáo na contingencia de usar a violencia. O homem só poderá superar esta atitude irracional e passional se voltar a atribuir á razáo
o crédito que lhe compete. — É o bom uso da razáo que
leva o homem á metafísica (visáo globalizante e escalonadora da realidade). É também o sadio raciocinio que impede o cristáo de se fechar no fideísmo (fé baseada únicamente em — 445 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
autoridades) e lhe permite entrar em diálogo com o pensamento moderno, mesmo ateu. Requer-se que também os cris-
táos como cristáos participem do processo de reflexáo susci tado pela problemática de nossos días.
7) O Brasil e a América Latina, habitados por populagóes jovens, tém a possibilidade de construir o seu modelo próprio de desenvolvimento, evitando reproduir servilmente modelos importados. Se os povos mais evoluidos hoje se véem a bracos com problemas ocasionados pela corrida ao ter mais, é para desejar que as populagóes mais jovens se beneficiem da experiencia das outras. Nao acontega na América Latina o que está acontecendo em outras regiSes : os homens criaram urna máquina gigan tesca cujo combustível é cada vez mais raro ; construiram
urna cidade na qual os homens mesmos já nao podem habitar.
8) O desenvolvimento é processo necessário e irreversível. Para que nao se torne desumano ou anti-humano, é preciso seja acompanhado pelos valores do Cristianismo, que apregoa a amizade e a benevolencia mutua como fatores essenciais de paz e prosperidade entre os povos. Para ilustrar esta afirmagáo e, de modo geral, algo das idéias veiculadas durante a Semana, citamos abaixo, em tra dujo portuguesa, a parte final da conferencia proferida pelo Prof. Alberto Caturelli, da Universidade de Córdoba (Argentina), sobre «Filosofía e Desenvolvimento Integral» na sessáo plenária do domingo 18 de julho. As palavras do mestre suscitaram objecóes; todavía nao deixam de merecer a aten- ' dos estudiosos. Ei-las : "A Idéla Imanentista do desenvolvimento — que implica a seculariza do total do mundo e da vida — é a causa principal da tragedla da clvilizagao contemporánea e talvez do provável anlqullamento desta. O prlmeiro resultado do ¡manentismo foi o de propugnar um desenvolvi mento nao integral e, por isto, autodestruldor. A reflexSo sobre esta trá gica realidade pode levar-nos a considerar seriamente a missáo que a América Latina pode cumprlr no mundo atual. A América fol descoberta pela conscléncla crista... Se bem que este tema possa ser objeto de ampia e necessária medltacao, basta por ora compreender que nenhum povo da térra, tora a Europa geográfica mediterránea, pode superar a América Latina, como herdeiro direto do espirito greco-latino-americano. Disto se segué que o tipo de desenvolvimento que devem procurar as nacSes herdelras de Espanha e Portugal é o desenvolvimento Integral crlstSo, que, por ser Integral, é desenvolvimento de todas as dlmensSes
— 446 —
ni SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA
35
do homem, e, por ser cristáo, considera o homem no estado de 'nova crlajáo'. Asslm, precisamente hoje, quando a Europa mediterránea e clásslca (a antlga Crlstandade) entrou no torvelinho de sua próprla negacáo e de seu esgotamento, a Europa do espirito encontra na América Latina a última reserva do verdadelro espirito do Ocldente. Apesar da imaturldade da América Latina, e talvez por Isto mesmo, apesar do 'sub desenvolvlmento' flsico-económlco, e, talvez por Isto mesmo, a América Latina pode p6r em movlmento a noc&o do verdadelro desenvolvlmento, que ou será Integral e crlstSo, ou nada será. América, a herdelra da Grecia e de Roma, de Espanha e de Portugal, aínda nio fol totalmente penetrada pela (déla Imanentlsta de desenvolvlmento, que destról as outras dlmensdes do homem e acaba dando orlgem ao mals trágico e feroz subdesenvolvlmento desintegrador do homem. Justamente porque a América Latina aínda está relativamente preservada do mundo por sua larga tradlcSo católica, ela pode assumir o desenvolvlmento sem absolutlzar nenhuma das dlmensSes deste, mas, ao contrario, elevando todas simul táneamente á relativa plenltude que se pode atingir durante a existencia terrestre. Asslm nos, filhos da Grecia e de Roma no plano natural, e da Igreja Católica no plano da "nova criacáo", somos os únicos homens que, como comunidades naclonais, e diante do desastre, da autodlssolu-
cac e do choque destrutlvo de doís conceltos de desenvolvimento aparen
temente opostos, podemos abrir o futuro de urna Crlstandade fundada na nocSo do desenvolvlmento Integral crlst3o".
Em síntese, o Prof. Caturelli julga que a América Latina, em virtude de suas origens, está apta a praticar um desen volvimento auténtico ou integral, levando em conta todas as dimensóes da pessoa humana. Sim ; herdeira do pensamento greco-romano através de Portugal e da Espanha, assim como herdeira da riqueza espiritual do Cristianismo trazido pelos descobridores, a América Latina pode cultivar um desenvol vimento que atenda ás aspiragóes mataríais e espirituais do ser humano, ... aspiragóes para as quais o Cristianismo abre as perspectivas da realidade sobrenatural.
Nao podemos deixar de fazer votos para que a tese do Prof. Alberto Caturelli encontré eco nos pensadores latino-
-americanos e nos governantes deste vasto continente!
Eis, em poucas proposigóes, os ecos mais sonoros do grande encontró de filósofos promovido em Salvador pela Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos. — O próximo foi marcado para Curitiba, tendo por data os dias 3 a 9 de janeiro de 1978. Possa continuar a valiosa serie das semanas anteriores!
447 —
Ainda a Semana de Salvador:
filosofía hoje: para qué?
Em síntese:
Reproduzimos aqui
em
traducáo portuguesa
o
texto
da conferencia proferida no encerramento da III Semana Internacional de Filosofía (Salvador, julho 1976), em comemoracáo do 50? aniversario da morte do Cardeal Desiderio Mercler. O texto, elaborado pelo Prof. Georges van Riet, Presidente do Instituto Superior de Filosofía de Lo vaina, descreve as grandes linhas da obra daquele eminente prelado, que renovou a Filo sofía, especialmente o tomismo, fundando urna Escola que tem sido até hoje freqüentada por estudantes das mals diversas partes do mundo.
As diretrizes de estudo tracadas pelo Cardeal Mercier tém valor ¡mpereclvel. Acentuam a necessidade de nao permanecermos em frases ou chavóes de ciencia "já feita", mas, ao contrario, procuramos "fazer a ciencia", que deve acompanhar as descobertas da pesquisa moderna. Enfatizam a compreensSo e a pesquisa mais do que o saber rígidamente formulado em esquemas e repetido "brilhantemente" perante bancas de examinadores. Propoem outrossim o diálogo da Filosofia tomista com os filósofos de todos os tempos (amigos e contemporáneos) sem exclusáo de ninguém, mas também sem ecleticlsmo filosófico. Incentivam também o diálogo com os dentistas e com os teólogos (sem que, por isto, a Filosofia se torne um discurso religioso).
Em suma, as normas de estudo do Cardeal Mercier sao de profundidade e clarividencia tais que merecem ser conhecldas e aplicadas mesmo em nossos días e em nossa patria, onde todos tém a sua "filo
sofía", mas poucos conhecem ao certo o valor da Filosofia e do cultivo sistemático da mesma.
Comentario: A m Semana Internacional de Filosofía,
da qual apresentamos breve crónica as pp. 444-447 deste fas cículo, despertou mais urna vez algumas questóes discutidas da Filosofía, inclusive a questáo básica : terá a Filosofía guar
dado o seu significado e o seu valor ainda em nossos dias ?
A resposta a esta pergunta já foi, em parte, esbocada na crónica que PR apresentou após a II Semana Internacional
de Filosofía realizada em Petrópolis (RJ)
no mes de julho
de 1974; cf. PR 176/1974, pp. 337. Ela se encontra também ilustrada na conferencia elaborada pelo Prof. Georges van Riet, Presidente do Instituto Superior de Filosofia da Univer— 448 —
PARA QUE A FILOSOFÍA?
37
sidade de Lovaina ; tal conferencia, proferida no último dia da m Semana (23/VH/76), apresenta as linhas principáis
da obra filosófica do Cardeal Desiderio Mercier (1851-1926), que foi o fundador do Instituto Superior de Filosofía de Lovaina (Bélgica). Descreyendo essa obra, o conferencista nao só homenageou a memoria desse prelado no cinqüentenário de sua morte, mas também mostrou em que termos a Filosofía pode ser concebida nos dias atuais de maneira viva e construtiva, como a grande dialogante que é de todos os dentistas e pensadores.
Sempre que se fala de Filosofía, parece que o orador tende a passar para a esfera do abstrato, do difícil e do árido. É possível que o leitor tenha tal impressáo ao percor-
rer urna ou outra passagem da conferencia que, a seguir, transcreveremos. Todavía pode-se crer que o conjunto de tal
exposigáo será útil a quantos se dedicam ao estudo em geral no nosso Brasil. Entre nos a Filosofía é tida como luxo estéril ou ultrapassado, pois nao oferece perspectivas de carreira lucrativa; sao os cursos de técnica e tecnología os que
mais atraem o público estudantil. Contudo a geragáo presente
(e, mais ainda, a futura) corre o risco de ser vitima do cul
tivo unilateral da tecnología; o homem, que cria a máquina, pode vir a ser súdito da mesma e superado pela própria máquina, visto que esta é muito mais «produtiva» e «rendosa» do que o homem. Se a humanidade nao se dedicar seriamente á reflexáo sobre os valores que a ceream e nao se dispuser a fazer nítida e corajosa escala de valores, poderá condenar-se á desgraca e á ruina através das obras de suas próprias máos. É a Filosofía que mostra ao homem a posigáo exata de cada valor e o ajuda a dirigir a sua vida de modo a colocar a máquina a servigo do homem e o homem na
via certa em demanda do Bem Infinito !
O Cardeal Mercier, já em sua época (fins do século passado), experimentava o desinteresse de sua geragáo pela Filo sofía, visto que esta nao é pragmatista. Mas soube encontrar o estilo e o método certos para despertar o estudo eficaz da sabedoria por parte de milhares de estudantes, que durante
todo o século XX tém afluido a Lovaina, provenientes dos cinco continentes do globo. Até hoje o Instituto Superior de
Filosofía daquela cidade é um foco de saber e de estruturagáo humana da juventude dos mais diversos países. — 449 —
38
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
Pergunta-se: por que nao se poderia renovar o estudo da Filosofía no Brasil ? Por que nao se poderia mostrar ao público intelectual de nossa patria que todos nos somos filó
sofos, mesmo sem o saber, e que, conseqüentemente, cultivar a Filosofía é corresponder a um dos anseios mais espontáneos do ser humano ? Como se entende, o estudo da Filosofía há de ser sempre atualizado ou sempre posto em diálogo com os varios ramos das ciencias naturais e os problemas que estas suscitam: origem do mundo, estrutura da materia, vida em outros planetas, sentido da* historia universal, signi ficado da morte, realidade postuma, o misterio da pessoa humana, a liberdade e a responsabilidade do ser racional, o psiquismo do homem e o dos outros animáis, a linguagem oral e o seu mecanismo, a lógica e a palavra, a verdade e a falsidade, a possibilidade de conhecimentos objetivos e se guros.. . Quanto mais as ciencias empiricas progridem, mais lancam questóes ao. pesquisador, que desafiam a argucia filo sófica do mesmo e de seus contemporáneos. É, pois, no intuito de atender a urna necessidade latente e, as vezes, também explícita de todo homem que publicamos o texto abaixo, traduzido do francés por D. Vicente de Oli-
veira Ribeiro Ó.S.B., a quem a redagáo de PR muito agra
dece. Seja também aqui consignada a gratidáo de nossa re vista ao eminente Professor Tarcísio Meirelles Padilha, Pre sidente da m Semana Internacional de Filosofía, que houve por bem permitir que a conferencia, destinada a ser impressa nos Anais da referida Semana, fosse em primeira máo e desde já editada por PR. Eis o texto do Prof. Georges Van Riet:
O CARDEAL MERCIER E A FILOSOFÍA «Para honrar a memoria do Cardeal Mercier, neste quinquagésimo aniversario de sua morte, desecaríamos evocar a renovacáo que ele imprimiu á Filosofía em fins do século passado no mundo católico, e a maneira pela qual o Instituto Superior de Filosofía que ele fundou, vem tentando realizar, há oitenta anos, as suas intencóes por urna fidelidade sempre viva ao espirito do fundador.
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PARA QUE A FILOSOFÍA?
1.
39
A fundasao do Instituto Superior de Filosofia
Históricamente, a criagáo, na Universidade Católica de Lo vaina, do Instituto Superior de Filosofia se inscreve no quadro geral da renovagáo tomista desejada pelo Papa Leáo XIII; ela só foi possível gracas á eficaz ajuda e ao constante apoio do mesmo. Convicto de que os males de que sofre a sociedade, provém de profunda desordem intelectual, devida a erros de
índole filosófica originarios do Positivismo e do Cientificismo, Leáo XIII, em sua encíclica 'Aeterni Patris', de 4 de agosto
de 1879, convidava a Cristandade a restaurar o ensino da Filosofia de S. Tomás de Aquino. Tendo sido, por algum tempo, Nuncio na Bélgica, o Papa estava persuadido de que,
em nenhum outro lugar como em Lovaina, um renascimento
tomista poderia encontrar terreno mais propicio: a Universi dade de Lovaina abre-se a numeroso público composto de
estudantes leigos; confere diplomas reconhecidos pelo Estado;
nela ensinam-se todos os ramos do saber e trabalha-se com os instrumentos necessários aos pesquisadores; em nenhum outro lugar se poderia melhor aproximar a ciencia da Filo sofia, aproximado esta que deveria, no pensamento do Papa, renovar toda a sociedade, fornecendo-lhe sólida base inte lectual. Sob as instancias do Papa, os Bispos belgas nomearam, em 1882, o Padre Desiderio Mercier 'professor de Filosofia conforme Santo Tomás1 e, para lhe assegurar um auditorio, decidiram que o novo curso seria gratuito, acessível a todos e obrigatório para os estudantes de Teología bem como para os doutorandos em Filosofia e Letras, em Ciencias Políticas e Administrativas. O novo curso alcangou brilhante sucesso gragas as emi
nentes qualidades de espirito e de coragáo que todos os discí
pulos do jovem professor rivalizaram em proclamar. Mons. Mercier concebeu o projeto de desenvolvé-lo por um ensino completo, em que os diversos ramos da Filosofia seriam estudados de modo aprofundado e relacionados com as ciencias modernas e com as grandes correntes do pensamento con temporáneo. O .Papa aprovou esse projeto, que correspondía exatamente aos seus anseios; por um Breve de 8 de novembro de 1889, sancionou com a sua autoridade a criacáo do
— 451 —
40
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
Instituto Superior de Filosofía ou Escola de Santo Tomás de Aquino, e concedeu importante auxilio financeiro para apressar sua realizagáo. A despeito de numerosas dificuldades, Mons. Mercier logrou constituir urna equipe de colaboradores decididos a trabalhar num mesmo espirito; adquiriu vasto terreno, onde mandou construir os edificios do Instituto, bem como um Seminario, ao qual, por deferencia do Papa, deu o nome de 'Seminario Leáo XIII'.
O Instituto rápidamente prosperou sob o impulso do seu fundador. Numerosos estudantes leigos, inscritos em outras
Faculdades da Universidade, nele seguiram cursos comple
mentares, mas, geralmente, sem poderem prolongar sua formacáo além do bacharelado. Foi sobretudo do estrangeiro que, desde os primeiros anos, vieram estudantes regulares, que prosseguiam até o doutorado o ciclo dos estudos filosóficos; pela qualidade do seu ensino e o valor de suas publicagóes, notadamente por meio da 'Revista Neo-escolástica' criada em 1894 (hoje 'Revista Filosófica de Lovaina'), o Instituto conquistou desde a origem renome internacional. O Instituto estava sólidamente organizado quando, em 1906, Mons. Mercier foi nomeado Cardeal-arcebispo de Malines.
As preocupagóes pastorais iriam doravante afastá-lo da
Filosofía; mas a nova dignidade de que estava revestido e o prestigio conquistado durante a primeira guerra mundial, contribuiram para ampliar a irradiacáo do Instituto que ele fundara.
2.
Como conceber a Filosofía ?
Se quisermos caracterizar com urna palavra o essencial da concepcáo de Mons. Mercier e da renovagáo que ele sus-
citou, poderemos dizer que, para ele, a Filosofía é, antes de tudo, urna pesquisa racional. Hoje tal definigáo pode pare cer banal. Em sua época era nova, e mesmo em nossos dias aqueles que a julgam coisa em si evidente, deveriam medir as
suas implicagóes e conseqüéncias.
No último quartel do século XIX, as Universidades ocidentais oriundas da Revolugáo Francesa eram, em sua maioria, instituigóes de ensino profissional, onde se comunicava um saber sólidamente estabelecido; chamava-se isto 'a ciencia feita' (la science faite). Mas o prodigioso desenvolvimento — 452 —
PARA QUE A FILOSOFÍA V
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das ciencias e o espetacular progresso técnico que estas engendraram e que suscitava a admiragáo de todos, deram origem a novas concepcóes; ao lado da 'ciencia feita', era preciso dar um lugar preferencial á ciencia 'que se faz' e que está ainda 'por se fazer', isto, é, á pesquisa científica. Em Lovaina, em tomo de 1880, essas novas concepcóes encontraram eco principalmente na Faculdade de Teologia, Filosofía e
Letras entre os orientalistas, na Faculdade de Ciencias entre os biologistas, na Faculdade de Direito entre os professores de questóes sociais e políticas, na Faculdade de Medicina entre os neurologistas. Desde a sua nomeagáo para Lovaina em 1882, Mercier resolutamente se colocou do lado dos inovadores: concebeu a Filosofía, antes do mais, como urna 'pesquisa'; mais precisamente, como urna pesquisa 'racional', e a mais elevada de todos. A 'razáo', com efeito, em seu mais nobre sentido, é essa exigencia e esse poder que, residindo em nos, nos define como homens; questionar, refletir, afirmar, sabendo que temos o direito de fazé-lo, sendo capazes de demonstrar a 'razáo* de nossas afirmagóes, tal é a mais alta e mais impor tante atividade do homem; ela fundamenta nossa liberdade e nossa personalidade. Toda Filosofía digna desse nome, toda Filosofía é essencialmente urna formulacáo de questóes, urna busca de fundamentos, um aprofundamento; aquilo que comu-
mente se denomina 'urna tese' ou 'urna doutrina' filosófica,
nao é a supressáo de toda mdagacáo, nem é a visáo saturadora da verdade plena, mas, antes, urna maneira bastante
elaborada de enunciar um problema e de sugerir urna solucáo.
Esta nocáo de Filosofía concebida como pesquisa racional suscita tres tipos de questóes: urnas dizem respeito a organi-
zagáo do ensino, outras se referem a estrutura da instituigáo, outras enfim á própria natureza do empreendimento filosófico. Abordemo-laá brevemente.
3.
Organizajáo do ensino
Num programa completo de ensino da Filosofía, Mons. Mercier queria que se distinguissem dois níveis. O mais im portante era (e é) o segundo, o qual deve preparar futu ros pesquisadores. Nele os cursos de Filosofía sao cursos 'aprofundados', onde se trata de 'questóes especiáis'; deveriam ser modelos de trabalho científico, que apresentam o método a ser aplicado a outras questóes. A materia desses cursos é nova em cada ano. Eles exigem do professor um — 453 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
trabalho incessantemente renovado; mas, por outro lado, que prazer, para o professor, nao há em prosseguir a sua pesquisa no próprio curso, refletir bem alto, expor as dificuldades, veri
ficar as hipóteses, experimentar vías de solugáo! Esses cursos em nada se assemelham a cursos 'já prontos', nos quais de antemáo já se sabe aonde se deve chegar, em quanto tempo e em quais etapas! A colaboracáo de um auditorio que tam-
bém procura ou intervém, é inapreciável; ela se manifesta, pelo menos, nesses encontros de fim de ano chamados 'exa
mes'; ai nao se trata, para o aluno, de fornecer a resposta 'correta', a do curso, mas a sua própria resposta, e, princi palmente, a justificagáo que déla possa dar; o que vale, nao é a-assimilacáo de resultados adquiridos pela 'ciencia feita',
mas urna qualidade de espirito, urna aptidáo a participar do trabalho da ciencia 'que está por ser feita'. Nesse nivel, assim conservam lha; desse modo que eles mesmos
muitos cursos sao optativos; os estudantes a iniciativa, a possibilidade da própria escotornam-se mais responsáveis pela formagáo se dáo.
Enfim, ainda nesse nivel exige-se um trabalho pessoal de maior fólego: para a licenciatura, urna 'memoria'; para o doutorado, urna dissertagáo. Sao como que embrides de tra balho científico, cujo objeto e método dependem interiormente daqueles que os empreendem; tem-se assim a entrada na Filo sofía-viva.
Já que tentamos aqui exaltar o segundo nivel de ensino, poder-se-ia crer que o primeiro nivel seja destituido de valor. Na realidade, isto nao ocorre; é certo que o primeiro nivel nao
é o segundo e só pode encaminhar a ele. Mas, precisamente, é essa a sua fungáo: levar ao segundo nivel. Os cursos do primeiro nivel nao sao 'elementares', 'dogmáticos', condensáveis em manuais; tampouco visam a comunicar urna 'cien cia feita'. Sem dúvida, dirigem-se a estudantes que ainda nao estudaram Filosofía; a pedagogía exige entáo que o plano seja manifestó e a marcha progressiva; nada impede que a materia permaneca a mesma, de ano para ano. Mas os cur sos do primeiro nivel sao — e devem ser — cursos de introducáo, de despertar para a maneira filosófica de pensar, um modo de questionar conforme as exigencias da clareza e do rigor. A seu modo, sao iniciagóes 'á pesquisa. Do lado dos que ensinam, importa que os mestres sejam os mesmos dos cursos do segundo ciclo; de modo nenhum se poderiam aceitar
— 454 —
PARA QUE A FILOSOFÍA?
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mestres de qualidades menos aprimoradas; sem paradoxo, dir-
-se-ia mais precisamente que é aqui, principalmente, que os ensinantes devem ser pesquisadores, capazes de fazerem pressentir as dificuldades, muito embora só mais tarde váo res ponder a estas. Aqui ainda, os exames de fim de ano sao reve ladores: pelo brilho que iluminam seus olhares, certos estudantes provam que eles 'compreenderam'; outros, infeliz mente, ainda que déem respostas materialmente exatas, testemunham, pela própria servidáo ao ensino recebido, que a
graca da iluminacáo filosófica ainda nao os tocou; a verdade lhes parece algo de patente, nao comportando mais nem obscuridade, nem misterio...
4.
Estruíura da instituido
Para dispensar um ensino filosófico coerente, sao neces-
sários professores, alunos, um ambiente e meios financeiros. Cada um desses quatro elementos apresenta dificéis problemas, que convém assinalar.
1) Os mestres, encarregados de ministrar simultaneamente os cursos do primeiro nivel e os cursos aprofundados, devem possuir urna formagáo filosófica geral e ser especiali zados em um setor determinado. É preciso que formem urna equipe homogénea em seu espirito, animada da mesma vontade de pesquisa; é preciso que se auxiliem mutuamente e
colaborem numa tarefa comum. £ por isso que Mons. Mercier quería um Instituto e, a fim de assegurar-lhe a unidade, chamou para colaboradores seus os discípulos que ele mesmo havia formado.
Consagrado á pesquisa, esse Instituto seria um Instituto «superior», urna Escola de Altos Estudos; assim marcaría sua originalidade relativamente as Faculdades tradicionais da Universidade de 1880, onde se ministravam geralmente os resul tados adquiridos de urna 'ciencia feita'. Todavía esse Insti tuto devia-se inserir na Universidade, porque, se, de um lado, cada sspecialidade filosófica só se pode desenvolver pelo con
tato com os diversos ramos do saber científico, de outro lado
é toda a Universidade que é chamada a renovar-se e a entregar-se á pesquisa. A Universidade — urna Universidade com pleta, comportando todo um leque de disciplinas — é cam bíente mais apto para um Instituto Superior de Filosofía. — 455 —
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2) Em printípio, a estrutura da instituigáo é assegurada desde que seus mestres sejam recrutados no seio da Universidade. Com efeito, duas dificuldades devem ainda ser aplainadas neste particular. Primeiramente, nao se pode conceber urna Escola sem alunos e os alunos só se inscrevem se a formacáo que lhes é oferecida lhes permite fazer carreira. Na Bélgica, país de gente 'prática', a Filosofía nao tem grande prestigio; os estudos secundarios nao comportam aulas de Fi losofía; as perspectivas de emprego sao, pois, raras para aque
les que terminaram o ciclo completo de estudos filosóficos. Mons. Mercier conseguiu, em seu tempo, contornar essa pri-
meira dificuldade. Constatando que é nos estudos preparato
rios para o sacerdocio que um lugar importante ainda é reser
vado a Filosofía, fundou um Seminario; e assim prestou ser-
vico á Igreja, já que oferecia aos candidatos ao sacerdocio
sólida base intelectual; ao mesmo tempo, assegurava um audi torio de escol aos professores do Instituto. Além disso, pela qualidade de seu ensino, atraía alunos do estrangeiro, parti
cularmente aqueles que eram destinados a ensinar nos Escolasticados religiosos e nos Seminarios diocesanos de seus res
pectivos países. A crise atual da Igreja e a notoria diminuicáo do número de vocac.5es sacerdotais tornam agudo, hoje em
dia, o problema do recrutamento.
3)
A esse problema sobrevém o dos recursos financeiros.
No séc. XIX, Mons. Mercier pode recorrer aos mecenas, em
particular a generosidade do Papa mente sao os poderes públicos que ensino e da pesquisa científica. Ora pública, que ele deve respeitar — nao
Leáo Xill. Hoje geralassumem o encargo do o Estado — e a opiniáo tém dificuldade em reco-
nhecer a legitimidade das despesas efetuadas em favor dos progressos materiais e culturáis, mas precisariam de ser toca
dos pela graga filosófica para apreciarem da mesma maneira o que diz respeito ao destino último do homem ou ao problema de saber o que significa e o que vale a vida humana 'ao final das contas'! A Filosofía lhes parece freqüentemente um luxo inútil, do qual os cidadáos de modo geral se podem desinteressar.
5.
Como cultivar a Filosofía?
Mais importantes que os problemas
de estrutura, que
somente por fora condicionan! o empreendimento filosófico,
apresentam-se os problemas que concernem 'á própria natureza desse empreendimento e as suas relacóes com a historia, a ciencia e a Religiáo. — 456 —
PARA QUE A FILOSOFÍA?
5.1.
_45
Verdade e liberdade
Verdade e liberdade: tais sao as duas palavras-chaves que caracterizan!, de modo geral, a pesquisa filosófica; a ver dade é o objetivo almejado; a liberdade é a primeira condicáo e o clima no qual a pesquisa se efetua.
A nogáo de verdade é complexa.
Há, se se pode dizer
.assim, diversas ordens de verdades. Assim há a verdade do inundo familiar, que é principalmente prática; ela nasce de
"nosso contato diario com c mundo e é valorizada por nossa agáo. Há a verdade das ciencias positivas: nestas o pesquisador parte de fatos empíricos e busca tima inteligibilidade que .é, ela também, verificável e controlável por fatos. Há também
a verdade religiosa, que concerne o misterio de Deus e de suas intengóes sobre o homem. Há, por último, a verdade filosófica, que é propriamente racional; ela se apoia sobre a experiencia global, buscando-lhe o sentido último com a exi gencia de justificá-la, torná-la racional e, assim alcancar urna 'visáo' ou urna 'evidencia'.
Pela própria qualidade que ela reivindica, a pesquisa filo-sófica só pode ser livre. A verdade filosófica nao pode resul tar do capricho, da paixáo, da desordem; nao pode ser im posta por constrangimento; ela se conquista num clima de
liberdade interior e exterior. Como já escrevia Mons. Mercier, cultivar a Filosofía é procurar com sinceridade radical, com desinteresse, a verdade, toda a verdade, sem se preocupar com as conseqüéncias. Sem dúvida, nessa pesquisa dirigida com plena liberdade, pode acontecer que se tome um caminho falso,
que conduzirá a erros. Mas, responde Mons. Mercier, se fosse
sempre proibido o engaño, quem ainda se entregaría á pes. quisa? Aquele que nao se quer jamáis engañar, nao terá outro recurso senáo o de renunciar ao trabalho científico e condenar-se á inercia. O que se exige do pesquisador, nao é que seja infalível, mas que seja sincero e sempre pronto a renun.ciar á sua opiniáo, desde que a reconhega frágil.
Assim concebida, a pesquisa filosófica se desenvolve no Instituto Superipr.de Filosofía (e nos Centros especializados „ que ele abriga) em ttrés diregóes principáis. _ 457 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 202/1976
5.2.
Estudo dos grandes filósofos
A primeira diregáo é a do estudo histórico e crítico dos grandes filósofos. Se a Filosofía consiste essencialmente em
fazer que o homem pense por si mesmo, jamáis ela o dispensa de escutar os outros. Os outros, sem dúvida, sao, antes de tudo, os contemporáneos, porque só se cultiva a Filosofía para os homens de hoje; mas sao também os grandes filósofos do passado, porque nao podemos compreender os contemporá neos
se nao
os concatenamos com
os seus
predecessores.
Para certas épocas da historia desse estudo comporta técnicas particulares, concentradas em Lovaina no Centro De WulfMansion, assim chamado pelo nome de dois professores que ensinaram no Instituto, bem como no Centro de Filosofía Árabe, que se interessa pelas pesquisas da Filosofía antiga e medieval.
Entre os pensadores da Idade Media, Santo Tomás no Ins tituto goza de favor excepcional; o Instituto denomina-se 'Es cola Santo Tomás de Aquino'. As razóes desse privilegio nao se encontram apenas ñas circunstancias históricas da fundacáo do Instituto; ponto de cnegada do pensamento grego e de seus prolongamentos árabes e latinos, Santo Tomás é um dos maiores genios filosóficos, ao qual convém, com plena objetividade, reservar um lugar privilegiado. Mons. Mercier muitas yezes lembrou que nao se tratava, de modo nenhum, de 'sujeitar nosso pensamento a um mestre, fosse esse mestre Santo To más de Aquino'. Já em 1882, ao dar inicio ao seu primeiro curso em Lovaina, ele proclamava: 'Encarregado de inter pretar perante vos o pensamento de Santo Tomás, considero
como um dever iniciar as minhas aulas com esta declaragáo, pela qual ele mesmo comega: 'Locus ab auctoritate quae fundatur super ratione humana est infirmisimus'; o que se pode
traduzir: 'Nada mais frágil do que um argumento filosófico que se apoie sobre a autoridade de um mestre'. Quinze anos mais tarde, em 1897, escrevia Mons. Mercier: 'Nos nos vale mos de Platáo, Descartes, Leibnitz, Kant, Fichte, Hegel, Wundt, táo plenamente talvez, e certamente com igual sinceridade, quanto aqueles que nos colocam num partido oposto ao deles; se nos diferimos deles, é porque nao deixamos de estudar nenhum filósofo somente por ter ele vivido em tal ou tal época'. E como um dia lhe pedissem que reunisse sob forma
de 'teses' as afirmagóes ñas quais se compendiaría a doutrina defendida pelo Instituto, respondeu Mons. Mercier: 'É licito ao professor apresentar a seus alunos, em vista dos ensaios — 458 —
PARA QUE A FILOSOFÍA?
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preliminares a seus exames, os principáis resultados adquiri dos pelo estudo e condensá-los ñas aulas do professor; é útil
expor esses resultados, mesmo com certa amplitude, por causa do público letrado; de fato, aplicamo-nos a essa tarefa com todo o zelo. Mas a obra essencial da Escola deve ser vida; ela é método e espirito, mais do que doutrina'. Ao lado dos filósofos antigos e medievais, outros pensa dores também sao auscultados no Instituto, sempre no mesmo espirito; como se compreende, os filósofos contemporáneos ocupam vasto espaco. O Centro de Estudos Fenomenológicos
se interessa pelo movimento fenomenología) e, mais parti cularmente, em colaboracáo com os Arquivos Husserl, se inte ressa pelos escritos da Husserl; nos Arquivos Blondel, faz-se a triagem e a classificagáo sistemática dos manuscritos de Maurice Blondel — o que testemunha a preocupagáo de estudar a Filosofía contemporánea.
5.3.
Diálogo
com as ciencias
Outrá diregáo na qual se desenvolve a pesquisa filosófica
do Instituto, origina-se de contato vivo com o mundo das cien
cias. Na época da fundagáo do Instituto, os filósofos estavam impressionados pelos espantosos sucessos da ciencia; o clima
geral era cientificista; esperava-se que, por seus métodos, a ciencia chegasse logo a resolver os problemas outrora reser
vados á Filosofía. Mons. Mercier nao cessou de defender a originalidade da Filosofía; ele acreditava que esta deveria ultrapassar a ciencia, fornecendo-lhe urna especie de prolongamento de outra ordem: desejava que a Filosofía, como a
ciencia, comportasse um movimento de análise dos fatos e um
movimento de sintese; alias, se o Cardeal Mercier se entusias-
mou pelo aristotelismo tomista, foi porque encontrou neste um
perfeito equilibrio havia recebido de macáo da ciencia dade os beneficios
entre análise e sintese. A missáo que ele Leáo XIII era a de trabalhar pela aproxie da Filosofía e fazer repercutir na socie-
da sintese superior inspirada pela Filosofía. A partir da época de Mons. Mercier, as ciencias conservam todo o seu prestigio, mas a crítica das ciencias, principalmente no inicio do século XX, modificou profundamente as perspec
tivas das mesmas. O Instituto continua a tributar as ciencias a maior atengáo. Para o bacharelado, se o estudante se pode orientar para as Letras antigás ou modernas, ele pode igual— 459 —
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mente iniciar-se ñas técnicas e nos métodos das ciencias tanto das ciencias exatas como das ciencias naturais e das ciencias humanas; matemática, física, biología, fisiología, psicologia, economía, sociología, lingüística, estética, sao assim oferecidas ao estudante. Para a Licenca e o Doutorado, um Centro de Filosofía das Ciencias, de orientagáo interdisciplinar, coordena as pesquisas e os ensinos especializados. Um Centro de Lógica estuda os recentes desenvolvimentos da Ló gica moderna. Um Centro de Estética e um Centro de Antro pología Filosófica procuram as implicagóes filosóficas das recentes perspectivas da arte e do comportamento humano.
5.4.
Diálogo com a fé
Por fim, urna terceira diregáo da pesquisa, tida ás vezes como primeira e fundamental, vem do contato com a fé crista. Aqui também as posigóes sao perfeitamente definidas desde as origens do Instituto. Em nenhum momento se confundirán!
Filosofía e Religiáo, razáo e fé; ao contrario, sempre se acen-
tuou sua distingáo. Em nenhum momento, a Filosofía, no Ins
tituto, foi urna Filosofía 'intrínsecamente crista'; obra racio nal, a Filosofía só pode tirar as suas evidencias da experiencia ou da razáo.
Pode-se afirmar, entretanto, que em seus come-
gos o Instituto, para bem marcar a diferenga entre Filosofía e Teología, fazia abstragáo metódica da Revelagáo Crista bem como das concepgóes religiosas nao cristas. Nestes últimos anos, ao mesmo tempo que se desenvolviam no mundo con temporáneo fenomenologías e filosofías da Religiáo, levou-se mais em consideragáo no Instituto o fato de que, como existe urna Filosofía do Direito, das Ciencias, da Arte, da Economia,
pode também existir urna Filosofía da Religiáo Crista; nao se trata contudo de Teología, mas de urna reflexáo racional so
bre a experiencia religiosa, sobre as expressóes e os fenó menos religiosos, que tanto o incrédulo como o crente podem estudar. Além disso, — e ninguém pensa em escondé-lo — em Lovaina a Filosofía é obra de cristáos; esses cristáos estáo convictos de que é possível aliar urna reflexáo racional autó
noma e rigorosa com urna fé religiosa inteligente e fervorosa. Alias, como acontece em tudo que é vivo, essa alianga com
porta tensóes, que é preciso reconhecer com a mesma since-
ridade que se requer em toda reflexáo seria. Em definitivo, se o Instituto Superior de Filosofía de Lovaina pode gozar, desde as suas origens, de irradiagáo internacional, tanto no — 460 —
mundo dos nao crentes como no universo católico, foi por ser notorio que o problema das relacéas entre a fé crista e a razáo nele é reconhecido como problema, sem compromisso e sem fraude, e que, tanto aqui como em qualquer outro setor,
a Filosofía só é libertadora caso continué a ser sempre urna pesquisa radicalmente sincera».
Até aqui o Prof. Georges van Riet. Possa a obra do Card. Mercier, táo brilhantemente ilustrada por este mestre, inspi rar numerosos discípulos também no Brasil!
Estéváo Bettencourt O.S.B.
livros em estante Biblia Sagrada. Edigáo Popular. — Ed.
Paulinas, SSo Paulo 1976,
'.30x275 mm, 1357 pp. Prego: 40,00 cruzeiros.
É premente o problema do barateamento da Biblia Sagrada. Sem financlamento especial, ccmp;eende-se que as edigóes da S. Escritura resultem caras ao comprador. Os Srs. Blspos estSo conscientes da questáo e anseiam por resolvé-la. iMendendo a tal situagSo, as EdigSes Pau linas resolveram reeditar a antiga tradugáo portuguesa de Mattos Soares baseada na Vulgata Latina; as introdugaes, porém, e as notas que acompanham o texto, foram atualizadas e ampliadas de acordó com a exegese
recente. O papel é de qualidade ordinaria, mas o tipo gráfico é grande
e legfvel.
Nota-se que o texto de Mattos Soares foi revisto de modo que nem
sempre reproduz as imperfeigñes da Vulgata latina Asslm era 1C°r 15.51
("nao morreremos todos", como no original grego); em Hab 3,18 ( Deus
rneu Salvador", como no original hebraico, em vez de "Deus Jesús meu da Vulgata). Todavia em Is 11,10 ficou a palavra "sepulcro da Vulgata em lugar de "mansáo" do texto hebraico; o salterio se ressente das imoroDriedades da Vulgata. — Estas observagñes nSo pretendem desmerecer
a iniciativa das EdigSes Paulinas, que certamente deram um passo válido para facilitar a divulgagao da S. Escritura. As pecuMar.dades da Vulgata latina n8o afetam senSo urna parte mínima do texto bíblico. Contudo convém registrar que aínda nao está resolvido o problema de urna edigao copular da Biblia no Brasil. Nem a edigSo protestante, embora seja ven
dida a oreco módico (em virtude de financiamento estiangeiro), preenche a lacuna, pois aprésenla o texto de Joáo Ferreira de Almeida; este yeiteu
a Biblia para o portugués no século XVII; embora retocado nos últimos anos pela Sociedade Bíblica do Brasil, este texto deixa a desejar por ser ainda pouco fluente, além de n§o incluir os sete livros deuterocandnicos (Tb, Jt, Sb, Sr, Br, 1/2Mc).
As grandes etapas do ,misté:io da salvacao, por Paúl de Surgy, 2? edigfio. TradugSo de Irma María Manoelita. — Ed. Vozes, Petrópolis 1976, 135x210 mm, 207 pp.
A primeira edicBo deste livro em portugués saiu em 1968. Se ele é
hoie reeditado (e reeditado pela Ed. Vozes, que nao publica livros ultrapassados), isto se deve ao seu real valor. Com efelto, a obra nSo perdeu a atualldade. Aborda em estilo simples e claro as grandes fases da historia da salvagfio, pondo em relevo principalmente o seu conteúdo doutrinárlo ou a sua mensagem ; abstem-se de discutir hlpóteses de nivel académico e cinge-se á exposicSo dos temas em (Idelidade ao pensamento da Igreja. Esta é particularmente evidente ñas pp. 27-30, em que o autor trata da questao de "pollgenlsmo ou monogenlsmo" (embora neste setor se pudessem apresentar certos matlzes nio considerados por P. de Surgy). Muito útil será o cap. IV ("Lugares e datas da historia bíblica"), com seus mapas e quadros cronológicos. Em suma, o livro merece confianca e aprego, principalmente em vista de cursos de ¡niciagáo bíblica e de orientacSo pastoral.
s
Deus da esperanza, por Ladlslau Boros. TraducSo de Jesús Hortal
j, _ Ed. Loyola, Slo Paulo, 140x210 mm, 70 pp.
O livro consta de duas partes. A primeira informa o leitor a respeito das principáis correntes da filosofía moderna e sua influencia sobre a teología O autor exp6e sumariamente a tendencia ao ateísmo (que re dunda, para o crlstao, em dificuldade para a oracao, para se confessar, para experimentar o Cristo, e para vlver a fidelldade crista); aborda também a propensSo ás verdades aparentes (sem misterios), a tónica colo cada sobre a experiencia do valor do lu ou do irmao (personalismo, exlstenclalismo...). A leitura destas páginas será ¡nteressante a quem deseje ter urna visfio panorámica de alguns tópicos salientes da mentalidade contemporánea. — A segunda parte oferece duas meditacóes sobre a esperance crista, aptas a nutrir a vida espiritual e o senso teológico. Asslm o livro carece de certa unidade; oferece "flashes" de valor, espe cialmente dignos de estima por terem sido redigidos por Ladlslau Boros, cujo estilo é sempre profundo e penetrante.
Da prostituido á liberdade. Diario de Mlchéle. Traducao de Joáo Pedro Mendes. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976, 130x200 mm, 177 pp. Este livro narra, pela pena da próprla protagonista, a historia de urna jovem, Miehéle, que, premida pela miseria, foi colhida.por explora dores Após a dura experiencia da escravidao branca, encontrou a eouioe do "Ñinho" (obra criada para libertar as vitimas da prostituicSo), aue Ihe deu a m8o para que mudasse de vida e se reintegrasse na sociedade. Mais tarde, Mlchéle freqüentou a Escola da Fó dirigida pelo Pe. Jacques Loew em Friburgo (Suíca), e, a pedido deste, escreveu a sua autobiog-afia em estilo de acáo de gracas ao Senhor, que a retirara de um abismo do qual a salda é difícil. O Pe. Jacques Loew é o autor do Postfácio do livro Postfácio no qual propBe reflexfies sobre a vida de Michéle e as Ucees aue ela oferece á humanidade. No fim do livro encontra-se a lista dos enderecos das Obras de (Amparo á Mulher Só e Desamparada exis tentes no Brasil desde Sao Luis do Maranhao até Porto Alegre.
Recomendamos vivamente a leitura desse livro, que é ¡mpressionante, pols informa a respeito de urna realidade muito propagada, mas tida como tabú e da qual é responsável, em certo grau, a sociedade inteira. S8o palavras de Michéle: "É preciso que o mundo saiba que nos, as
•mulheres da vida", n8o estamos perdidas para sempie. Mas que precisamo3 de que a sociedade nos permita viver como todo o mundo. Eu tenno o devar de ir levelar-lhes a incrlvel novidade: que elas podem saír daquilo e que existe um mundo de pessoas que acreditam nelas... (p. 156).
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