Ano Xvii - No. 197 - Maio De 1976

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Projeto

PERGUNTE E RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro

que

devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa espe ranga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.

'

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de

£L vista cristáo a fim de que as dúvidas se

dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a

equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaca

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

índice pag.

"A VIAGEM" E O ALÉM-AQUÉM

185

Quem sabe ?

CRISTIANISMO

E

MARXISMO

SE

COADUNAM ?

187

Documento Importante: RENASCIMEMTO RELIGIOSO

NA

U.R.S.S

201

Os anjos anunciadores sao símbolos ?

E O ANJO DA ANUNCÍAgÁO A MARÍA ?

217

Um despertar de consci§ncia3:

O CRISTÁO FRENTE A UCENQA DOS COSTUMES

222

GUERRA

223

LIVROS

NO EM

LÍBANO ESTANTE

3? capa

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO

PRÓXIMO Valores

NÚMERO :

transcenderíais

na

literatura

russa.



Matar

para

livrar o enfermo ? — Obstinar-se contra a morfe ? — A morte do cardeal Daniélou.

AMIGO, NAO SE ESQUEQA DE RENOVAR SUA ASSINATURA! DESEJAMOS CONTINUAR A SERVIR COM O AUXILIO DOS NOSSOS COLABORADORES. X

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual

Cr$ 60,00

Número avulso de qualquer mes

Cr$

Volume encadernado

Cr$ 85,00

de

1975

EDITORA REDAgAO DE PR Calxa Postal 2.666 ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)

LAUDES

S.

6,00

A.

ADMINISTRAgAO Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09 20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 268-9981 e 268-270H

"A VIAGEM" E O ALÉM-AQUÉM A novela de televisáo «A viagem» conseguiu despertar vivamente o interesse do público... Levanta questóes de índole

transcendental, como as que se relacionam com a vida pos

tuma. O produtor tentou apresentar o Além... Como, porém? — Como se fosse urna sucursal da térra: com ciúmes, preconceitos raciais, angustias... É verdade que, para sondar o desconhecido, o homem tende a usar das suas habituáis categorias de pensamento ; concebe o invisivel k semelhanca das coisas visíveis. Essa tendencia espontanea é corrigida por urna reflexáo mais apurada sobre o assunto. É justo, pois, que o cristáo indague a si mesmo: como será a vida eterna ? Para responder á pergunta, a S. Escritura propóe algumas imagens: a vida eterna seria semelhante a urna festa nupcial com seu banquete solene (cf. Mt 22,1-14); seria o paraíso

(cf. Le 23,44), concebido talvez como lugar ameno; seria «o

seio de Abraáo» ou a grande reuniáo de familia (cf. Le 16,22). Isto tudo sao símbolos que, através de roupagem sensível, significam bem-estar, plenitude, ventura... Sugerem a idéia de localizacáo, ambiente feérico e nspetáculo... Ora, se de um lado, a vida etema será a saciedade de nossas aspiracóes mais genuínas, ela, de outro lado, nada terá de topográfico e teatral. Nao se poderia, pois, concebé-la em termos mais precisos e menos antropomórficos ?

— Sim. A fé ensina que a vida eterna será o encontró com Deus, sem véus nem misterio. «Nos o veremos como Ele é»

(Uo 3, 2). Nao se julgue, porém, que Deus aparecerá frente ao homem como talvez tenha acontecido em historias de teo-

fanias. Deus nao é um estranho ao homem, nem é um «amigo oculto», nem um Grande Reí em cujos aposentos nos penetra remos. S. Agostinho diz muito sabiamente que «Deus é mais elevado do que o que tenho de mais elevado, e me é mais íntimo do que o que tenho de mais íntimo». O cristáo participa da

vida do próprio Deus, como «consorte da natureza divina» (2Pd 1, 4). Isto nao quer dizer que urna parcela de Deus esteja dentro do homem (Deus nao tem partes), mas, sim, que a graga santificante habilita o homem a conhecer como Deus conhece e a amar como Deus ama. Donde se segué que a vida eterna edmega no tempo; nao é simplesmente algo de vindouro, que

o cristáo deva esperar, mas é algo de que desfruta já na vida presente. Em conseqüéncia, se alguém quer ter urna nogáo apro_ 185 —

ximada (pálida, mas auténtica) do que seja a vida etema, aplique o seguinte criterio, que é de todos o mais direto e fiel:

pergunte a si mesmo: «Quem é Deus para mim ? Que lugar ocupa Ele em minha vida ? Em que medida encontró nele a minha resposta ?» Via de regra, um cristáo dirá: «Deus é tudo para fazendo eco talvez á célebre exclamagáo : «Meu Deus tudo!» Note-se, porém, que é fácil dizer isto enquanto o subsidio das criaturas sensiveis: parentes, amigos,

mim», e meu temos saúde,

suficiencia material... Estas sao «muletas» com o apoio das quais nos sustentamos diante de Deus e dizemos «Deus é tudo para mim!» Talvez seja um tanto ilusorio dizer isto enquanto me vejo apoiado em tantas muletas. Pergunte, porém, cada um a si mesmo: «Estaría eu em condigóes de dizer que Deus é tudo para mim, ainda que nao tivesse tais subsidios?» Estaría eu á vontade diante de Deus, encontrando nele a minha resposta, se eu me visse sobre um leito de dor, talvez esquecido por meus amigos e abandonado pelas criaturas? Até que ponto Deus hoje ou agora é a minha suficiencia, Ele que, sem dúvida, deverá ser a minha suficiencia por toda a eternidade ? Já iniciei realmente a eternidade no tempo ?

Sao estas as indagagóes que o cristáo deve enfrentar sin

ceramente quando considera a vida eterna. Nao a procure á distancia, mas encare-a dentro de si mesmo, e examine-se a respeito do que significa o «estar-com-Deus» na sua vida pessoal. Até que ponto me regozijo e sinto feliz ao lembrar-me de Deus, o Sumo Bem ? A atengáo a estes dados será o termómetro mais seguro para que cada um avalie o seu crescimento interior e definitivo. Este nao pode deixar de merecer o máximo da atengáo de um cristáo; os criterios que o examinam, sao «vivos, eficazes e mais penetrantes do que qualquer espada de dois gumes, chegando a dividir alma e espirito, junturas e médulas» (Hb 4,12). Olhando para a Virgem-Máe María neste mes de maio, a Ela dedicado, o cristáo se reconforta para prosseguir na tarefa

de construir a si mesmo e construir um mundo melhor. É precisamente dessa variegada construgáo, dentro, da problemá tica mais viva de nossos días, que falam as páginas deste fascículo!

E.B.

— 186

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XVI — N« 197 — Mqio de 1976

Quem sabe?

cristianismo e marxismo se coadunam ? Em sfntese: Hoje em día procura-se Insistentemente urna conciliacao teórica (ou, ao menos, prátlca) entre Cristianismo e marxismo. Exlstem varios grupos de crlstSos que se dizem "de esquerda" e colaboram ■ direta ou Indiretamente com o marxismo. Tais cristaos.baseiam-se em dlstlnc6es

sutis, como serlam "ideología ¿ ciencia", "materialismo filosófico ^ materia lismo histórico", "Ideología marxista^ anállse da socledade capitalista". O marxismo terla que ser desmitizado, dizem, de modo a se guardar dele o que fol com provado como positivo através da historia recente e a se rejeitarem os "ramos secos". Ora é preciso dizer que o marxismo ó utn todo compacto, Inspirado radicalmente pelo materialismo e o ateísmo, de modo que é Imposslvel separar entre si os seus diversos aspectos. Marx fol um ateu, e a historia do marxismo demonstra que urna das suas prlmelras preocupacSes, quando sobe ao poder, é a de sufocar a rellgiio. Ademáis note-se que a anállse científica da sociedade felta pelo marxismo é multo mals filosófica (deri vada de principios teóricos e pró-concebldos) do que científica (bascada

na experiencia); a prova disto é que as predlcdes de Marx no tocante ao futuro das sociedades capitalistas e do proletariado nSo se reallzaram. Se alguns marxistes prezam a fé, fazem-no nSo porque a consideren) como um valor em si, mas, slm, porque véem nela um fator que pode ser revo lucionarlo e que, conseqüentemente, pode favorecer a ascensSo do mar xismo (que por principio ó sempre materialista e antlcrlstSo).

Comentario:

Nos últimos anos, tém-se registrado movi-

mentos e pronunciamentos que tentam

Cristianismo é marxismo.

aproximar entre si

Urna das mais recentes afirma-

Cóes a este propósito foi a de Marcháis, Secretário-Geral do Partido- Comunista Francés, que proclamou a abolicáo da ditadura do proletariado. O Partido Comunista Italiano, por sua vez, apregoa a valorizagáo da fé religiosa. Do seu lado, alguns grupos cristaos tém procurado reler o marxismo, a fim de descobrir a maneira de o conciliar com o Cristianismo. Sem düvida, tais posicóes, de parte a parte, eram inconcebí— 187 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 197/1976

veis há decenios.

Torna-se pois, importante, analisá-las de

perto e tentar averiguar se há possibilidade de as sustentar

Comecaremos por fazer sucinto levantamento das atitudes

cristas voltadas para a esquerda.

1.

Cristaos «de esquerda»

1. O cristáo que se volte com simpatía para o comu nismo, distingue, ao menos subconscientemente, entre o mar xismo como doutrina e os movimentos políticos que, no decor-

rer dos tempos, se inspiraram do marxismo para realizar a revolugáo; desses movimentos históricos, o mais notorio é o leninismo, que na Rússia implantou os principios de Marx apregoados e interpretados por Lenin. É variada a escala dos cristaos que pretendan conciliar a doutrina marxista com os principios do Cristianismo. Relevaremos dois dos grupos mais significativos:

1) Os cristaos marsdstas aceitam, aínda que em espirito crítico, as principáis teses do marxismo, como o materialismo histórico, a crítica radical ao capitalismo, a teoría e o método da luta de classes, e mesmo o ateísmo «como momento nega tivo do sentimento religioso, momento necessário para ajudar o sentimento religioso a recuperar a fé na sua plenitudes» (G. della Pérgola, em «Rocca» 15/DI/1975, p. 42).

Varios desses cristaos militam diretamente em Partidos Comunistas; outros colaboram com estes, enquanto terceiros

formam grupos próprios. Quando se examinam diante da fé crista, alguns respondem que a fé se coloca num plano dife

rente do da política; outros asseveram que é próprio da fé incitar os homens á luta de classes.

2) Os cristaos para o Socialismo, apesar da diversidade de suas tendencias, concordan! em admitir o método de análise marxista da sociedade capitalista e a «praxis» revolucio naria que aquela desencadeia. Nao aderem, porém, á filosofía marxista (que é materialista e atéia). Verdade é que alguns expoentes desse movimento propugnam «urna unidade dialética entre marxismo e Cristianismo»; aspiram a urna síntese entre ambos, cientes, porém, de que «isto implica mudanca total e revolucáo cultural». Quem assim pensa, considera o — 188 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

5

marxismo e o Cristianismo nao como sistemas de pensamento completos e fechados nem como «depósitos de verdade», mas como sistemas de pensamento dinámico, capazes de se questionar e renovar constantemente.

Suposto isto, o Cristianismo

rejeitaria a tese do primado do espiritual sobre o temporal; rompería os seus vínculos de solidariedade com as classes dominantes e recusaría concepgóes de inspiracáo espiritual e sobrenatural, de modo a poder aceitar o marxismo como teo ría da revolucáo e assumir deste os métodos de análise critica da sociedade. Por sua vez, o marxismo faria a sua autocrítica em nome das exigencias revolucionarias e do próprio mate rialismo histórico; procuraría rever a sua atitude frente aos valores de «superestrutura», em particular frente á religiáo, que, conseqüentemente, podería ser mais estimada...

2. Quais as idéias que movem táo ampia faixa de cristáos a aderir em graus diversos ao marxismo? — Podemos responder que tal posicáo se baseia sobre tres principáis premissas: a) O capitalismo é um sistema radicalmente injusto. Por isto, se queremos eliminar as injustigas de que ele é causa, devemos eliminar totalmente o próprio capitalismo. Quem julga que poderá corrígir a este, engana-se, pois a injustica e a violencia nao sao notas acidentais ou contingentes do capi

talismo, mas pertencem á índole do mesmo; este é, por sua própria estrutura, um sistema de exploragáo do próximo. b) O Cristianismo nao somente nao se mostrou capaz de suscitar urna ordem social mais justa, mas aliou-se ao capita lismo. A própria doutrina social da Igreja ficou sendo prisioneira do sistema capitalista e revelou-se totalmente estéril. c) O único movimento histórico capaz de combater efi cazmente o capitalismo é o socialismo científico, que se inspira no marxismo. Este tem o mérito de realizar urna análise verdadeiramente científica da sociedade capitalista e de oferecer urna visáo nao parcial, mas global, da vida social, política e económica. Principalmente tem o mérito de propor a luta de classes como método de combate ao capitalismo. Por conseguinte, a quem deseja lutar contra o capitalismo, nao resta

senáo optar pela luta revolucionaria socialista, inspirada pelo marxismo. '

Sao estas tres proposigóes que explicam a passagem de grupos cristáos para o marxismo: colocando-se contra o capi-

— 189 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

talismo, optaram pela luta de classes em vista da construgáo de urna sociedade socialista,... socialista de tipo marxista. A escolha do marxismo por parte de tais cristáos (que querem permanecer cristáos) deve ter-lhes suscitado, a prin

cipio, certo conflito de consciéncia (será que alguém pode ser

simultáneamente cristáo e marxista?). Todavía, com o passar

do tempo, essas dúvidas de consciéncia se teráo atenuado até desaparecer, pois esses cristáos procederam a urna reinterpretacáo do Cristianismo, enquanto, por sua vez, os marxistes

que os acompanharam, realizaram urna desmitizagáo do mar xismo (ou seja, atenuaram os aspectos de messianismo e pa raíso terrestre que os mais exaltados marxistas atribuíram á sua ideología). Esse processo de integragáo de marxismo e Cristianismo chegou a tal ponto que alguns católicos passaram

a ver no marxismo a tradugáo histórica da mensagem evan gélica de justica para os pobres e se sentiram impelidos a abracar o marxismo, nao apesar de ser católicos, mas pelo fato mesmo de ser católicos. 3. Com outras palavras: os cristáos «de esquerda» afirmam que a clássica ideología marxista é hoje apenas urna reli quia do passado; o marxismo nao é um dogma intocável; em nossos dias, dizem, ninguém mais o aceita em sua integridade.

É preciso fazer um retrospecto da .historia do marxismo no século XX e julgá-lo criticamente, a fim de aceitar os aspec tos e as teses do mesmo que se tenham mostrado válidos e deixar cair os «ramos secos». Tais cristáos propóem distingóes sutis:

— assim a distihcáo entre materialismo histórico «cientí

fico» e materialismo dialético «filosófico». Este propugna o ateísmo, nega a existencia do espirito como realidade distinta da materia, e deve ser rejeitado. Quanto ao materialismo cien

tífico, ensina a ler a historia da sociedade e a fazer a análise da mesma, a fim de se descobrirem os fatores de opressáo e

se promover a reforma social; afirma que o fator económico é a forga mais importante na orientagáo geral da historia. Pode ser aceito por um cristáo (como dizem), o qual professará o materialismo científico ou histórico; mas nem por isto negará

a existencia de Deus e da alma espiritual. Os cristáos mar

xistes afirmam claramente a sua adesáo ao materialismo his tórico e procuram interpretar á luz deste nao somente a his toria e a vida da Igreja, mas também a revelagáo crista e a — 190 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

7

S. Escritura; assim a fé seria «revista» através do enfoque do materialismo científico; este, dizem, nao extingue as proposicóes da fé, mas dá-lhes novo colorido;

— assim também a distingáo entre ideología mandsta e análise da sociedade capitalista. Esta merecería ser aceita pelo

seu valor científico, ao passo que aquela, sendo materialista e atéia, deveria ser rejeitada. Esta distingáo equivale á anterior;

— outros há que véem no marxismo apenas urna teoría

científica da revolugáo contra o capitalismo e um método con

cebido em vista da instauragáo do socialismo mediante a luta de classes;

— por fim, existem aqueles para os quais o ateísmo nao

é essencial no marxismo, de tal modo que alguém pode ser marxiste sem se tornar ateu.

Em conseqüéncia, o estudioso se vé frente nao a um, mas a muitos marxismos «encarnados» na historia e desmitizados (como se diz). Nessa gama de sistemas, o peso da ideología atéia vai sendo mais e mais reduzido, ao passo que a énfase é cada vez mais colocada nos aspectos do marxismo que o apresentam como ciencia da sociedade e como método revolu cionario para instaurar urna sociedade pretensamente mais humana e mais justa (como deveria ser a sociedade socia lista).

É tal modo de pensar que explica a insensibilidade de mui tos católicos á voz da Igreja, que vem condenando o mar xismo desde o século passado. Julgam que a Igreja, repu diando o comunismo, procede sabiamente; todavía o comu nismo por Ela condenado, dizem, já nao tem incidencia his tórica, ou nao se realiza na historia contemporánea; por conseguinte, nao há obstáculo em professar o Cristianismo e, simultáneamente, o comunismo tal come ele hoje é proposto

(aliviado de seu peso ideológico) e tende a se realizar (sem implicagóes de ateísmo militante). Passemos agora a urna reflexáo sobre tal posigáo.

2.

Sim ou Nao ?

Diante dos dizeres e fatos mencionados, compreende-se que se recoloque, para o cristáo sincero, a questáo: podem-se — 191 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

realmente conciliar ou nao o marxismo e o Cristianismo? É possível ser alguém cristáo auténtico e marxista sincero? A estas perguntas proporemos a razóes filosóficas. 2.1.

1. «praxis»

resposta

deduzida de

Teoría e «praxis» do marxismo

O marxismo

pode ser considerado

teoría

e como

(acáo).

Como teoría, o marxismo é essencialmente materialista e ateu. Reduz todos os valores a materia; esta, posta em dialética ou em antíteses, explicaría toda a realidade, ficando ex cluida peremptoriamente a existencia de um Criador ou Prin cipio Supremo diferente da materia. Como «praxis», propóe a violenta luta de classes, nega a originalidade e a transcendencia da pessoa humana, absorvendo-a na sociedade e na historia; além do que, se fecha num messianismo meramente terrestre e imánente. Ora é claro que a fé crista

— nao se concilia com o materialismo e o ateísmo (ou com a negagáo de Deus e da alma espiritual);

— nao se concilia também com a luta de classes e o odio entre os homens, pois estáo em contraste com o preceito evan gélico do amor a todos os homens e com a visáo de solidariedade social que o Novo Testamento apregoa;

— nao se concilia com a negagáo da liberdade e da dignidade eminente da pessoa humana, ponto culminante no mundo das criaturas visíveis e chamada á visáo e fruigáo face-a-face

do Bem Infinito;

— nao se concilia com a imanéncia histórica do homem e da sociedade, pois o homem e o mundo estáo destinados a se ultrapassar no Reino de Deus, que será escatológico, mas que já comecpu no curso mesmo da historia. Embora esteja vinculado a este mundo sensivel na medida em que é corpóreo, o cristáo (e, com ele, todo ser humano) está interiormente dinamizado por um apelo do Criador a se realizar na plenitude da Verdade, do Amor e da Vida que se sucederáo á historia em curso, mas que já existem embrionariamente no curso mesmo da historia.

— 192 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

9

2. Todavía pergunta-se: mas será que essa recusa do marxismo nao supóe o marxismo da primeira metade do século XX, e nao recaí sobre o marxismo «depurado» como é hoje proposto por seus fautores na Italia, na Franga, no Japáo ? Nao se pode dizer que o ateísmo já perdeu sua; viru lencia no marxismo e pode mesmo deixar de influir no com-

portamento prático dos marxistas ?

— Em resposta, observa-se que a ideología marxista deri vada do materialismo e do ateísmo parece estar longe de ter perdido sua influencia na historia. Nos países de regime so cialista (quaisquer que sejam os seus matizes próprios), verifica-se que a ideología assume lugar de primeiro relevo e que os governos respectivos se esforgam ao máximo por «educar»

as massas populares e as geragóes jovens nessa ideología. Deve-se mesmo dizer que esta é a primeira preocupagáo de qualquer regime comunista. Conforme noticias provenientes do Vietná, a primeira tarefa que os conquistadores do Vietná

do Sul se propuseram, foi a de submeter a populacho sul-vitenamita a um curso de «formagáo» ideológica e política atéia.

Escreve um sacerdote que foi testemunha da implantacáo do comunismo no Vietná do Sul: "Em Tra On, capital da provincia de Blnh Dlnh, on vlelcongs obrlgaram os cristfios a demolir a sua nova igreja paroqulal: tiveram que derrubar os muros a golpes de picareta e serrar as colunas. Ao demollrem a Igreja, dez pessoas perecerán) e mals de cem flcaram ferfdas. Em Vlnh Long, balrro de Nhan Po, os norte-vietnamitas penetraram na Igreja e a reduziram a destrocos. O Chafe sentou-se sobre o altar, pro» ferlndo as mals violentas blasfemias. A seguir, os fiéis que nSo tlnham

conseguido escapar, foram barbamente assasslnados" (P. Werenfrled van Straaten, em artigo traduzldo para o castelhano e publicado na revista

"Iglesia-Mundo" n? 103, dezembro 1975v p. 39).

Sao notorias as campanhas de lavagem cerebral e de

massificacáo da opiniáo pública que caracterizam os países de regime socialista (ou, mais geralmente, todos os de govemo totalitario).

Verdade é que todas as ideologías, inclusive a marxista, tém entrado em certa crise nos últimos anos; faz-se a crítica

da crítica. Mas continua sendo fato que os Partidos Comu nistas da Europa professam no seu Estatuto a intengáo de inspirar-se no marxismo, conformar a este as suas atividades e formar os seus dirigentes e militantes ñas fontes do marxismo.

— 193 —

10

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

Mesmo os católicos que se dizem marxistas estáo cons cientes de que o marxismo tem uma estrutura fortemente unitaria e nele teoría e «praxis» se condicionam mutua mente, de tal modo que nao se pode aceitar uma sem aceitar

a outra. Eis por que os maís conscientizados nao se contentam com a «praxis» marxista, mas adotam também a teoría do materialismo filosófico e ideológico.

2.2.

Materialismo filosófico ^ Materialismo

histórico?

Por materialismo filosófico entende-se a visáo global do mundo e do homem que tudoi reduz á materia e excluí Deus, ao passo que por materialismo histórico ou científico se compreende a posicáo que diz nao entrar na questáo de Deus, mas se ocupar apenas com a análise da sociedade capitalista e das formas de revolugáo socialista. — Pois bem; pergunta-se: distinguem-se realmente um do outro esses dois tipos de ma terialismo ? Há marxistas e cristáos que hoje em

dia

afirmam tal

distingáo; com isto visam a enfatizar a índole humanista do marxismo. Todavía a clássica interpretacáo do marxismo

— desde Engels a Stalin e aos mestres de hoje — nega a possibilidade de tal distingáo : o materialismo histórico, dizem,

nao é senáo a aplicacáo á historia do materialismo filosófico. Com efeito, nao se vé como, de um lado, se possa admitir que os valores económicos, em última instancia, determinem toda a historia, inclusive a consciéncia mesma do homem1 e, de outro lado, sustentar a existencia de um mundo espiritual,

independente da esfera material e económica. Por definicáo, os valores espirituais nao sao efluxo da materia, mas sao de

índole radicalmente diversa da material (embora a alma espi ritual do homem tenha sido feita para existir na materia ou no corpo1 do homem). Por conseguinte, quem professa a exis tencia do espirito (isto é, da alma espiritual e de Deus Criador) nao pode professar que os valores espirituais e a consciéncia 1 Segundo Marx e seus seguidores ortodoxos, a consciéncia mesma do homem com seus valores moráis, jurídicos, estéticos, religiosos, nSo é senlo uma funcSo do processo económico: é gerada e regida por este. SSo palavras de Marx: "O modo de producSo da vida material condiciona em geral o pro

cesso social, político e transcendente da vida. Nao é a consciéncia dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrario, é o seu ser social que determina a- sua consciéncia".

— 194 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

11

do homem sejam meras conseqüéncias dos bens materiais. Se Deus e a alma humana, com seus valores espirituais, á semelhanga de qualquer outra realidade, sao apenas o produto ou a superestrutura das bases económicas, como afirma o mate rialismo histórico, eles nao sao valores reais, mas fenómenos ilusorios ou «ideáis» (diría o marxismo). Seguem-se agora dois subtítulos que atendem a outras dis-

tineóes feitas pelos «cristáos marxistas». Estes dizem aderir á análise científica da sociedade realizada pelo marxismo (sem aderir á filosofía materialista) como também professam aderir «sem ateísmo» á luta de classes. 2.3.

A análise morxista da sociedade

Diz-se comumente que Marx fez urna análise científica da sociedade capitalista do seu tempo e que, dado o rigor científico do autor, tal análise é válida aínda hoje e pode ser aplicada ao capitalismo contemporáneo. Ora convém indagar se tal afirmacáo é certa; pois sobre ela se baseia a distincáo entre adesáo ao materialismo histórico científico e adesáo ao mate rialismo filosófico-ideológico. — Sem dúvida, Marx, particularmente no «O Capital», tencionou fazer urna análise rigorosamente científica do sis tema capitalista, a fim de colocar as bases de um socialismo que fosse «científico» e nao utópico (como o de Proudhon e* outros socialistas franceses). Todavía, embora a análise dé Marx contenha elementos científicos, nao é científica no sen tido que hoje se dá a esta palavra (= baseada em observacóes empíricas, experiencias, leis estatísticas...), mas é ideológica. Isto quer dizer: Marx empreendeu a leitura da sociedade capitalista muito mais sob a luz do materialismo histórico e dialético (tido como premissa indiscutível) do que sobre os dados de pesquisas e experiencias concretas. Marx serviu-se de algumas teses de filosofía para interpretar a sociedade e predizer o seu futuro; dado que se tratava de premissas pre concebidas, entende-se que grande parte das previsóes formu ladas por Marx a respeito do futuro do capitalismo e da ascensáo do socialismo nao se tenham realizado, mas se hajam demonstrado erróneas, embora tivessem base «científica».

Assim Marx predisse a concentracáo dos meios de produgáo ñas máos de grupo sempre mais limitado de capitalistas

e, conseqüentemente, o fim do capitalismo; previu também — 195 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

o empobrecimiento progressivo do proletariado e a multiplicaCáo dos proletarios pelo desaparecimento de estrados inter mediarios entre proletarios e capitalistas; apregoou também a ascensáo do socialismo nos países de capitalismo evoluido. — Ora o que se verificou, foi precisamente o contrario:

quanto mais o capitalismo amadureceu, tanto mais cresceu o número de capitalistas e diminuiu o de proletarios, os quais, em vez de se tornar mais pobres, melhoraram as suas condi-

cóes de trabalho e salario pela instauragáo das leis trabalhistas. As classes intermediarias (R-C.B), em lugar de desaparecer, se dilataram, visto que muitos proletarios conseguiram ter ascensáo a elas. O capitalismo nao caiu e o socialismo nao se impós em nenhum país de capitalismo evoluido, mas ele foi imposto pela forca a sociedades nao capitalistas ou, ao menos,

sociedades em que nao existíam as condicóes assinaladas por

Marx como necessárias á sua implantagáo.

Desta observacáo deduz-se que nao tem sentido falar da análise «científica» do capitalismo feita por Marx ou do valor «científico» da análise marxista da sociedade. Na análise marxista, há elementos científicos que aínda podem ser válidos

em nossos dias, mas no seu conjunto tal análise nao é cientí

fica, e, sim, filosófica. Note-se outrossim que o neo-capitalismo de nossos dias é muito mais complexo do que o capitalismo analisado por Marx, de modo que mais difícilmente aínda se pode pretender analisar a sociedade capitalista de nossos tempos simplesmente por métodos marxistas. Mais: se a análise que Marx faz da sociedade é filosófica mais do que científica, verifíca-se que ela é inseparável da filosofía do materialismo dialético. Por conseguinte, quem

aceita a análise marxista da sociedade, aceita outrossim a

filosofía do materialismo dialético. No sistema de Marx os diversos elementos (análise da sociedade e filosofía materia lista) se supóem e complementan! mutuamente, de tal modo

que é impossível aceitar certos aspectos do marxismo e rejeitar outros.

2.4.

A luta de classes

.

A luta de classes é inegavelmente um fato da sociedade capitalista, em que os mais fortes se prevalecem dos mais fracos e os assujeitam ao seu egoísmo. Todavia, para o mar xismo, a luta de classes nao é simplesmente um fato doloroso — 196 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

13

da historia da humanidade, tendo por raizes o egoísmo e a cupidez. Ela é também, e principalmente, o que se chamaría

urna «leitura» dos fatos históricos ou da vida social, política e económica ; é urna leitura feita á luz da; interpretagáo marxista da historia, de tal modo que no conceito marxista de «luta de dasses» está contida toda a filosofía do materialismo histórico e dialético. Na verdade, Marx vía a sociedade capitalista como urna luta de vida e morte entre duas grandes dasses antagónicas: a burguesía e o proletariado. Entre esses dois adversarios nao pode haver paz nem reconciliacáo, mas táo someñte guerra total, de tal modo que a luta só terminará com a destruieáo violenta da dasse burguesa e a instauragáo de urna sociedade sem dasses, na qual se exercerá a ditadura do proletariado (ao menos, segundo o modo de pensar do marxismo clássico). É por isto que o marxismo promove a luta de dasses em

estilo de guerra total, como sendo o instrumento essendal para favorecer a instauragáo da sociedade socialista. A medida que vai lutarido, o proletario vai tomando consdéncia da sua eondigáo de dasse explorada e se empenha por obter a sua libertagáo.

Compreende-se que a luta assim entendida seja inspirada e alimentada pelo odio, Ora tal atitude nao é crista, mas radi calmente oposta ao espirito cristáo. Verdade é que alguns marxistas e certos cristáos rejeitam o odio como fundamento da luta de classes. Todavía, aínda que isto aconteca, nao impede que a luta de classes seja considerada e praticada por um marxista como conseqüéncia lógica da visáo que o marxista tem do homem e da historia. É isto que leva a perguntar: será que um cristáo pode praticar a luta de classes mar xista sem aceitar também a ideología (materialista) da qual

ela é a expressáo, e o totalitarismo ao qual ela leva ? — Por

certo, o

materialismo

e o

totalitarismo

também nao

sao

cristáos.

A propósito sejam citadas palavras de Paulo VE na Carta «Octogésima Adveniens» : depois de ter afirmado que «no marxismo, como é concretamente vivido, se podem distinguir diversos aspectos», acrescenta: "Serta ilusorio e perlgoso chegar a esquecer o Intimo llame que une radicalmente tais aspectos, e aceitar os elementos da anállse marxista sem reconhecer as suas relajees com a Ideología ou, aínda, entrar na prática da luta de classes e de sua Interpretacfio marxista esquecendo o tipo de

sociedade totalitaria e violenta á qual esse processo leva" (rr? 34).

— 197 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

Coloca-se agora novamente a pergunta: o marxismo é essencial e intrínsecamente ateu? Ou pode-se dizer que é tal únicamente por efeito de circunstancias históricas e contin

gentes, de tal modo que em outras situacóes históricas se poderia conceber e realizar um marxismo nao ateu ?

3.

Será o marxismo necessariamente ateu?

1. Após quanto foi dito até aquí, parece que a resposta positiva é obvia: por mais que se queira distinguir entre osdiversos aspectos do marxismo, eles sao táo interdependentes entre si que quem afirma um, afirma necessariamente os outros; a filosofía materialista, radicalmente avessa ao conceito de Deus, está implícita nos varios postulados da teoría e da prática do marxismo; é ela que inspira toda a cosmovi-

sáo, a antropología, a sociología... do marxiste. As teses concretas e práticas do marxismo supóem tal base. Além destas ponderacóes de índole filosófica, propor outras de natureza histórica:

podem-se

Marx nao sámente foi um ateu radical, mas também em todas as suas obras teceu urna crítica mortal á religiáo, ten tando provar que esta é urna construgáo ilusoria e fantástica, urna doenca do espirito alienado, «um reflexo do mundo real» e das suas contradigóes, de modo que desaparecerá por si mesma quando tais contradicóes forem extintas. Por isto, o Partido operario deve «libertar a consciéncia de todo fantasma religioso» («Crítica ao programa de Gotha» 1875). E nao é um fantasma inocuo, pois a religiáo nao somente é contraria á razio, mas também é prejudicial ao homem; ela o impede de ser ele mesmo e de se realizar, porque «quanto mais o

homem se dá a Deus, tanto menos ele é ele mesmo» («Manus critos económico-filosóficos» de 1844). É. o homem quem, por seu próprio trabalho, se faz a si mesmo e faz a historia. Por conseguinte, se Deus existisse, o homem seria criatura e nao se faria a si mesmo; a historia seria dirigida pela Providencia Divina e já nao seria obra do homem. Partindo de tais premissas, entende-se que Marx, desejoso de salvar o homem e a historia na sua originalidade e na sua liberdade, tenha negado Deus. Entende-se também que no marxismo o ateísmo é condicáo essencial para que o homem possa ser ele mesmo e a historia possa ter um sentido original. Assim se vé que o ateísmo é constitutivo essencial do marxismo. Na verdade, o marxismo nao é somente um sistema económico ou urna teoría — 198 —

CRISTIANISMO E MARXISMO SE COADUNAM ?

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concernente & producáo e distribuigáo de bens matériais; ele é urna filosofía que pretende ser completa, abarcando toda a

realidade do homem, do mundo e da historia, a ponto de ex

cluir outra filosofía.

2. Estas reflexóes sao confirmadas pela consideragáo da historia do marxismo. Este foi sempre ateu. Melhor: o ateísmo de Marx se transformou no antiteísmo de Lenin ou em luta sistemática contra qualquer forma de religiáo sob a alegagáo de que é supersticáo e contraria á visáo científica do mundo.

Até nossos días, onde quer que o marasmo suba ao poder,

passa a sufocar o exercício da religiáo (se nao de maneira san grenta, ao menos mediante medidas administrativas); enquanto nao a extingue por completo (o que na verdade parece impossível), tolera-a como um residuo supersticioso que deverá por si mesmo desaparecer com o tempo.1

3. Verdade é que nos últimos anos alguns pensadores marxistes ocidentais (mesmo lideres de Partidos Comunistas na Franca, na Italia, na Espanha...) tém feito pronunciamentos que parecem valorizar de novo a fé. Dizem que um cristáo, conservando a sua fé, pode participar da luta de clas-

ses revolucionaria; pode até encontrar na sua fé a motivacáo e o estímulo para essa luta de classes ; em nome do Evangelho e do Cristianismo é que o cristáo faria a revolugáo social. Que dizer a este fenómeno ?

a) Parece que varios daqueles que assim falam estáo iludidos, ignorando o que sejam propriamente marxismo e Cris tianismo. Falam simploriamente porque ouviram falar ou por

que a tendencia a conciliar tudo se tornou um pouco «moda». b)

Outros que defendem a tese ácima, defendem-na cons

cientemente. Nao tencionam, porém, valorizar a fé como tal, pelo conteúdo intrínseco e as verdades que ela propóe, mas valorizam a fé na medida em que esta possa ser um fator polí tico ou propulsivo em favor da revolugáo. Embora a fé fique sendo sempre urna grande ilusáo para tais marxistas, eles julgam que a fé apresentada de certa maneira ou manipulada pode ter urna forga revolucionaria e pode ser um instrumental que acarrete vantagens para a ascensáo do Partido Comunista. 1 Neste fascículo, o artigo que se segué mostrará quanto é vS a luta do marxismo contra a reltgiSo. Esta nfio se extingue, porque congenlta no homem. iqq

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

Em suma, julgam que também o homem «religioso» poder ser um colaborador na edificagáo do socialismo marxista, e é isto que lhes interessa. Nenhum marxista convicto pode aceitar a

hipótese de se tornar ele mesmo um homem religioso ou de considerar a fé como um valor em si, que merega ser promo

vido como tal. Mesmo aqueles que se mostram mais chegados ao Cristianismo ou afirmam que o Cristianismo pode oferecer algo ao marxismo, como Garaudy e Bloch, ficam firmes no seu ateísmo. Disto se depreende que a fé, devidamente mani pulada, pode fornecer subsidios á revolugáo, mas o marxismo nao abandona o seu ateísmo, nem o pode sem se autodestruir; fica sendo radicalmente atea

Ademáis o marxismo, além de ser urna doutrina materia lista e urna prática revolucionaria, cria também urna atmosfera imanentista e secularista; quem a respira, corre o grave perigo de, cedo ou tarde, perder a fé. É na observagáo deste fato que está a raiz das preocupagóes da Igreja quando vé que alguns de seus filhos pretendem aderir ao marxismo, levados nao raro

por motivos nobres, como sejam o amor aos pobres e a aspiragáo a urna sociedade mais justa e amiga. Tais cristáos difícil mente conservaráo a sua fé, e, sem fé, nao conseguiráo realizar

as suas nobres aspiragóes, pois, se os homens nao superam

seu inato egoísmo por amor a Deus, também nao o superaráo por amor aos irmáos.

Nos principios da fé crista, elaborados pela doutrina social da Igreja, o discípulo de Cristo encontra as luzes e forgas necessárias para dissipar situagóes iniquas e preparar nova socie

dade, em que o verdadeiro amor a Deus e aos homens trans formará a face da térra. Os cristáos sao assim incitados a descobrir e utilizar as potencialidades contidas na doutrina da sua fé, com as quais se poderáo aproximar melhor daquilo que o marxismo jamáis conseguirá atingir.

Na elaboracáo deste estudo, multo nos servimos do artigo editorial "Fede cristiana e marxismo" da revista "La Civlltá Cattollca" n? 3014, a. 127, 17/1/76, pp. 105-115. A propósito aínda se podem citar:

Ulisse A. Florldl, "Humanismo Soviético: Mito ou Realidade ?". Ed. Agir, Rlc| de Janeiro 1968. Jorge Lojacono, "O Marxismo". Ed. Paulinas, SSo Paulo 1968.

Plerre Blgo, "A doutrina Social da Igreja". Ed. Loyola, Sfio Paulo 1969.

Ídem, "Marxlsme et Humanismo". París 1961 (3? ed.). Jean-Yves Calvez et Jacques Perrln, "L'EglIse et la soclótó économique". 2 vols., París 1959 e 1963.

— 200 —

Documento importante:

renascimento religioso na u.r.s.s.

Em smtese: Ñas páginas que se seguem, é transcrito, em traducfio brasileira, um artigo do Cardeal Franz Koenig, arceblspo de Viena (Austria) e Presidente do Secretariado Romano para o Diálogo com os N9o Crentes. Esse artigo que, aos 16/VIII/1975, apareceu na imprensa alema, mostra como o Estado Soviético, combatendo a clássica rellgláo na U.R.S.S., restaurou al as estnituras religiosas com rótulos ateus. Com efelto; exlstem o Credo oficial do Partido e os rítuais de Iniclacfio dos meninos e jovens á Ideología marxiste. O Estado faz discriminacio entre cldadfios que professam o marxismo, e os que testemunham algum Credo religioso clásslco. A liberdade de consciéncia e de culto garantida pela ConstituicSo da U.R.S.S. é sujelta a formalidades e restricSes tais que proprlamente nSo existe. — Apesar disto, o senso religioso se reafirma na Rússla Soviética; subsiste nSo so nos anclaos, mas surge também dq intimo das consclénclas da geracSo adulta; este fato ó especialmente significativo para quem

leva em conta que a U.R.S.S. se Impermeablllzou ás Influencias religiosas estrangelras; o senso religioso-místico Inato em todo homem asslm se afirma como algo de autentico e profundamente embebido dentro do ser humano. O processo de secularlzacfio ou lalrtzacSo da vida pública na U.R.S.S. (e em outros países) so contribulu para ofuscar a límpida face de Deus e erguer {dolos; estes, porém, vfio calndo para ceder de novo, em alguns lugares, á Imagem de Deus entrevista pelo homem no íntimo da sua consciéncia e no espelho da natureza. — É o que propSem os comentarlos anexos ao artigo do Cardeal Koenig.

Comentario: Após quase cinqüenta e nove anos de regime

ateu fortemente militante na Rússia Soviética, os pensadores do mundo inteiro, mesmo os da própria U.R.S.S., procuram

examinar com grande interesse os resultados de tal ordem de coisas. Confirmaram-se realmente as predicóes dos mestres marxistas e leninistas que previam a nxtincáo do senso reli gioso da populagáo soviética ? — Os motivos desta indagagáo e das reflexóes que ela sugere, é o fato de que na U.R.S.S. se registra um curioso fenómeno: nao somente o senso reli

gioso resiste em grupos que o herdaram das geragóes passadas,

mas ele germina, novo e surpreendente, na fechada e impermeável da nagáo russa atéia.

própria

estufa

Tal fato, suficientemente documentado, levou o Cardeal Franz Koenig, arcebispo de Viena (Austria) e Presidente do Secretariado da Igreja destinado ao Diálogo com os Nao Cren-

— 201 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

tes, a escrever interessante artigo no jornal «Frarikfurter Allgemeine Zeitung» de 16/VHI/1975. Tal estudo, surpreendente por sua originalidade, vai aqui reproduzido em tradugáo portuguesa, á qual se seguiráo breves comentarios. I. 1.

O TEXTO DO CARDEAL KOENIG Novo despertar cristao na U.R.S.S.

"Já há clnqüenta e oito anos, a religiáo na Uniáo Sovié tica, segundo a teoria oficial, está condenada á morte. Ora é precisamente nesse país que atualmente se verifica um 'renascimento espiritual', caracterizado por nova e auténtica reflexáo religiosa, tanto em personalidades de primeiro plano quanto

em

pequeños

grupos.

Numerosos

fiéis

ligam

esse

'renascimento espiritual', que encontróu sua expressáo mais significativa na literatura do Samizdat, com o 'renascimento cultural' da Rússia em fins do século passado; naquela época, homens como Soloviev, Berdiaev, Bulgakov e outros lancavam

os principios filosóficos de urna nova visao do mundo a partir da fé em Cristo. Hoje, muitas pessoas, entre as quais nume rosos jovens, vivem na Uniáo Soviética essa fé em Cristo de de maneira consciente e com todas as conseqüéncias que ela acarreta num ambiente que rejeita radicalmente a religlao. A sobrevivencia da religiáo, após cinqüenta e oito anos de propaganda e discriminacao atéia (principalmente se se leva em conta a transformacao total das próprias relagóes de producáo) suscita urna grave questáo para a teoria marxista-

-leninista. É significativo o fato de que alguns sociólogos da Polonia, da Hungría e da Tchecoslováquia tenham chegado

a perguntar se o socialismo implica automáticamente a libertacáo do homem frente a toda alienacao, alienacao que, na concepcao marxista, é a fonte da religiáo. Esses cientistas acentuam o fato de que mesmo numa sociedade socialista

persistem muitas alienacoes e sobrevivem 'necessidades reli giosas1, que exigem ser satisfeitas.

2.

Engels tem razáo?

Como se sabe, na lugoslávía muitos filósofos deram um passo a mais e puseram em dúvida o valor da definigao da religiáo dada por Engels. A seus olhos, a religiáo nao pode — 202 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

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ser reduzida a conseqüéncia de urna falsa visáp do mundo. Ela nao é mero reflexo da base socio-económica, mas, ao contrario, pbssui relativa autonomía. Alguns intelectuais marxistas, mais intuitivos, comecaram a lancar com prudencia a seguinte interrogacao: De que maneira, na sociedade socia lista, a dor, o sofrimento e a morte devem ser considerados como urna 'alienacáo' essencial e irredutível ?

É verdade que se trata de tentativas tímidas e hesitantes,

concebidas a partir, de urna ótica marxiste, para estabelecer novo relacionamento do marxismo com a religiao. Essas ten tativas aínda-nao exerceram influencia algurroa sobre a situacáo concreta dos fiéis na Uniáo Soviética e na maioria dos outros países socialistas. Dever-se-á entáo concluir que a.

discriminagáo religiosa desembocou num impasse na Rússia? Será que novas idéias progressistas substituiráo o antigo conceito marxista de política religiosa ?

3.

A religiao dos Sovietes

Atualmente, a análise dos fatos leva á conclusáo de que,

na Uniáo Soviética, nao existe propriamente sepanscáo entre a Igreja e o Estado. Com outras palavras: a Uniáo Soviética nao é um Estado leigo e neutro do ponto de vista ideológico. Numa visao apurada, a U.R.S.S. representa o tipo do Estado ideológico dos séculos passados que caracterizou, por exemplo, a época do absolutismo. No Estado absolutista, a religiao define a vida privada e pública do cidadáo : o Estado abso lutista, na sua funcáo política, serve-se da religiao como se fosse urna ideología apta a justificar e estabilizar as esta turas sociais e jurídicas.

Foí contra esse tipo de Estado que a luta se desencadeou nos séculos XVIII e XIX. Nao se tratava entao de eli minar totalmente o fator religioso, mas, sim, de expeli-lo das estruturas jurídicas e do Estado, de modo que os fiéis das diversas denominscóes religiosas pudessem usufruir dos mes-

mos direitos, ter os mesmos deveres e chances do ponto de vista cívico. Esse longo e doloroso processo teve por resul tado libertar a Igreja dos seus liames com o Cristianismo do Estado e dar-lhe urna forga nova. O Estado novo, neutro do ponto de vista ideológico, que emerge das revolugdes européias dos séculos XVIII e XIX, é agnóstico, mas nao anti— 203 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

-religioso. Está supresso o estreito vínculo entre a religiáo e o Estado. O Estado reconhece aos seus cidadaos a possibilidade de decidirem em fungáo da sua consciéncia. Totalmente diversa é a situagáo na Uniao Soviética. Lá a doutrina oficial afirma que a religiáo deve desaparecer e que, em conseqüéncia, a luta contra os 'vestigios religiosos' é um dever para o bom cidadáo. Assim encarado, o marxismo-leninismo nao é uma doutrina política, mas uma visáo do mundo que dispóe de uma explicacáo da realidade, e

— muito mais — pretende possuir a única explicagáo válida da realidade.

Por suas pretensóes ao absoluto e sua orientagáo messiánica, o sistema marxista-leninista, principalmente quando examinado sob os aspectos sociológico e filológico, assume traeos religiosos. Se se quer desenvolver a comparacáo, deve-se dizer que o Partido Comunista é a Igreja na qual se concretiza essa 'religiáo'. Com efeito, o Partido exige uma confianga ilimitada no conhecimento que ele tem da evolucáo histórica ou, numa palavra, exige uma atitude de fé. A imagem de uma nova 'confissáo' assumiu os seus últimos reto ques desde que se criaram na Rússia novos ritos seculares1.

Visto que o Estado e o Partido se confundem na Rússia ou, melhor ainda, visto que o Estado encontra a sua única justificativa na realizacao dos objetivos do Partido, e a lei e o direito sao interpretados em fungió um do outro, a Uniao Soviética deve ser considerada como uma especie de 'Estado confessional*. Nesse Estado confessional, a visáo do mundo marxista-leninista ocupa a posigáo que era reservada, na época do absolutismo, ás diversas Igrejas cristas. Donde se segué haver praticamente duas classes de cidadaos: os que aderem á 'religiáo do Estado* (o ateísmo oficial) e os outros que, em virtude da sua fé, nao Ihe aderem; é o que os torna cidadaos de segunda categoría.

tuals

1 Com efeltcr, últimamente o Estado soviético tem dado orlgem a rlparalelos aos rltuals religiosos para o casamento, os futierais, a

InlciacSo progresslva do menino na vida do Partido, etc. — éo que expo-

remos melhor á p. 215s deste fascículo (N. d. T.).

— 204 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

4.

21

Urna sociecfade com duas classes

O Estado de tipo marxista-leninista poe em prática exatamente o tipo de tolerancia — no sentido de paciencia — que caracterizava outrora o Estado confessional. Neste havia duas categorías de cidadios: os fiéis da religláo do Estado (na Uniáo Soviética de hoje, sao os que aderem ao Credo marxista-leninista) e os fiéis das outrajs religiSes (que sao apenas tolerados). O paralelo torna-se ainda mais evidente quando se observa que as conseqüéncias, na vida prática, sao exatamente as mesmas hoje no Estado soviético que as de outrora no Estado confessional: o cidadao nao confor mista (por conseguirte, na Uniáo Soviética, ou crente ou fiel de urna forma de religiáo) experimenta urna serie de proibic6es que o cerceiam no-plano profissional.

Nao Ihe é lícito exercer profissóes que sao particular mente interessantes para o Estado, como as de professor, funcionario ou oficial; o acesso á Universidade ou a outras

grandes escolas Ihe é tornado mais difícil, quando nao Ihe é totalmente vedado. Fica excluido de toda participacao na vida pública, guardando apenas o direito de voto ativo e a obrigagáo do servigo militar. Só escapará a estas sancóes se ocultar as suas conviccóes íntimas e levar urna dupla exis tencia, apresentando-se como partidario convicto do ateísmo do Estado na sua profissao e na sua vida social, e vivendo como crente entre quatro paredes ou mesmo no fundo do seu coragao. Mas, desde que reivindicar ainda que apenas

a liberdade de culto limitada, garantida pela legislacáo sovié

tica, deverá contar com a perda do seu cargo de responsa-

billdade. Nesse contexto, será para ele um pobre consolo saber que oficialmente as creng>as religiosas nao podem ser

tidas como motivo de demissao do emprego, mas que, para

tanto, o Estado deve alegar urna falta contra a legalidade socialista.

Assim o fato de que o ateísmo é elevado á categoría de ideología obrigatória cria realmente urna sociedade com duas classes.

5.

A finalidade
É quando. se leva em conta esse fundo de cena que se torna clara a finalidade intencionada pelo § 124 da Consti— 205 —

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

tu ¡gao Soviética1: o objetivo supremo, deste é o ateísmo, e nao o direito do cidadáo a escolher urna religiáo ou nao. A maneira como se praticam concretamente os parágrafos da Constituicao na Uniáo Soviética faz que esse objetivo apareca ainda mais claramente: ao passo que todo ensino religioso é proibido ñas escolas, a iniciacáo aos fundamentos do 'ateísmo científico' deve ser aceita como materia obrigatória. Os meios de comunicacáo de massa e toda a apare-

Ihagem do Estado servem á propaganda do ateísmo. Os esta tutos nao somente do Partido, mas também dos Komsomols e das outras organizagóes de trabal hado res obrigam seus adeptos a se entregar á propaganda anti-religiosa; ao con trario, a libérdade de culto é impedida e o direito á propa ganda é oficialmente proclamado em favor do ateísmo: 'A libérdade de consciéncia nao impede que se pratique e inten sifique a propaganda do ateísmo. Essa libérdade deve mesmo contribuir para a supressáo definitiva dos preconceitos reli giosos... O Estado soviético, na medida em que é auténtico Estado popular, nao se pode desinteressar da luta contra a religiáo, que freía a nossa sociedade na marcha para o comunismo'.

Em contradigáo com estes principios, observe-se que a Uniáo Soviética dei( o seu aval a Declaragáo dos Direitos do Homem, que fundamenta precisamente 'a liberdade de crenga religiosa. Além disto, a Uniáo Soviética ratificou a Convengáo da ONU de 2 de julho de 1962, cujo artigo 52 reza: 'Os pais devem ter a possibilidade de assegurar a educagáo religiosa

e moral de seus filhos, em conformidade com as suas conviccSes'. Em flagrante contradigáo com o que precede, eis urna decisáo do Comité Central do Partido Soviético tomada há mais de onze anos 'para reforgar o trabalho de educagáo atéia do povo': 'Será reforgada a orientagáo anti-religiosa dos programas escolares, principalmente nos ramos das cien

cias sociais'. E: 'A fim de evitar a atividade ilegal do clero,

de grupos de crentes e de individuos crentes, será reforgado 1 Eis o teor desse parágrafo : "Para assegurar aos cidadSos a libérdade de consciáncia, a Igreja na Uniáo Soviética é separada do Estado, e a escola é separada da Igreja. A libérdade de exercer um culto religioso e a libardade de propaganda anti-rellglosa sSo garantidas a todos os cldadáos" (N. d. T.).

— 206 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

23

o controle destinado a proteger as enancas e os adolescentes contra as influencias clericais e a pressáo dos pais que queiram levar os filhos á participacáo dos ritos religiosos*.

6.

Rigoroso controle do Estado

O decreto, ainda hoje vigente, do 'Comité executivo pan-russo e do Conselho dos comissários do povo', de 9 de abril de 1929, concernente ás comunidades religiosas, unificou e reforcou as disposigóes anteriores. As comunidades religio sas foram submetidas a rigoroso controle da parte do Estado, em total contradigáo com a concepcao clássica da separagáo da Igreja e do Estado. Ora, quando existe verdadeira separagao entre a Igreja e o Estado, a Igreja pode ao menos, levar a sua própria vida, preservada das ingerencias e das regulamentagóes do Estado.

Mas o decreto de 1929 ataca o setor mais íntimo da vida da Igreja. Na Uniáo Soviética, os edificios religiosos e os objetos do culto sao propriedade do Estado. Este, mediante um contrato de utilizagáo, entrega-os aos fiéis, que, para tanto, devem constituir-se, em cada localidade, numa 'associagáo religiosa' composta de vinte membros ao menos. Essa sociedade há de ser, registrada no 'Conselho para os Assuri tos Religiosos junto ao Conselho dos Ministros da U.R.S.S.'... O registro depende da boa vontade da Comissáo do Estado. As 'associagoes religiosas', também chamadas 'grupos de vinte', nao gozam de personalidade jurídica. Os funcionarios do Estado tém o direito de recusar reconhecer a comissáo composta por tres pessoas eleitas para assegurar a diregáo de urna 'associagáo religiosa'. Desde 1961, é proibido aos sacerdotes de paróquias supervisionar o que se refere á administragáo da comunidade e dos seus meios financeiros. Ao contrario do que prescreve o Direito Eclesiástico dos ortodoxos e dos católicos, dos armenios e dos Velhos-Católicos, o sacerdote é atualmente confinado em suas fungóes litúrgicas e espirituais. Atualmente ele é também contratado pelos tres dirigentes do 'grupo de vinte'.

7.

As crianzas nao tém o direito de cantar na Missa

Nos contratos de utilizagáo dos edificios religiosos e dos objetos de culto, os 'grupos de vinte' devem dar garantías de que assumiráo a seus cuidados todos os tipos de conserto, — 207 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

aquecimento, seguros, vigilancia e impostes, e ressarcirao toda eventual diminuicao de valor. Os edificios religiosos nao de ser obrigatoriamente postos no seguro contra o fogo, em nome dos fiéis particulares que assinaram o contrato. Em

caso de incendio, porém, o Comité executivo local reserva a si o direito de decidir se as indenizagoes seráo aplicadas á restauragáo da igreja ou á 'conservagáo dos interesses sociais e culturáis da localidade em foco'. Sao os tres dirigentes dos 'grupos de vinte' que apresentam ao Comité executivo local as propostas para se realizarem reparos e obras ñas

igrejas, assumem a cbntabilidade (nao esquecendo as taxas para o Fundo da Paz) e recebem os pedidos concernentes aos atos de culto da Igreja.

As 'associagóes religiosas' nao tém o direito de criar 'caíxas de socorro ou de assisténcia, agrupamentos ou socie dades de produgáo'. É-lhes proibido 'conceder auxilio material aos seus membros'. Nao tém o direito de organizar 'reunióes religiosas ou outras reuni5es, grupos e círculos de estudo que versem sobre a Biblia, a literatura ou outros assuntos,

ou que se destinen) a atividades manuais ou que digam respeito ao ensino da religiáo, etc.' As 'associacóes religiosas' nao estáo autorizadas a organizar excursoes ou a. criar cam pos de jogos para as criangas. Nos edificios religiosos só podem ser conservados os livros necessários ao exercfcio do respectivo culto.

Desde que nao se encontré 'número suficiente de pessoas interessadas em aproveitar do direito ao culto para satisfazer as suas necessidades religiosas', a igreja respectiva é fechada. Caso os edificios de culto 'sejam urgentemente exigidos pelas necessidades do Governo ou para fins sociais', podem ser retirados aos fiéis pelo Comité Executivo perma nente do Estado.

Alguns números sobre a situagáo em Moscou e em Leningrado podem ilustrar o que essas decisoes significam

na prática. Em 1917 Moscou contava 657 igrejas e cápelas para 1.900.000 habitantes. Hoje, para mais de 7.000.000 de habitantes, restam 100 igrejas, das quais 40 — ou, apenas

26, segundo as últimas estatfsticas — ficam abertas ao culto. Em 1917 Leningrado — entlo Petrogrado — contava mais

de 5.460 lugares de culto (ortodoxos, católicos, protestantes, velhos-católicos) para 2.100.000 habitantes. Hoje, para mais — 208 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

25

de 3.500.000 habitantes, ficam apenas 15 igrejas abertas. Em mu ¡tas e mu ¡tas das grandes cidades (com mais de 100.000 habitantes), só tica urna igreja aberta. Por ocasiáo das campanhas para o fechamento das igrejas, foram destruidos va lores insubstituíveis da cultura russa ou, antes, da cultura dos outros povos da Uniao Soviética. O campo de agáo da Igreja é ainda reduzido em conseqüéncia das medidas administrativas. Assim em margo de 1974 o clero católico da Lituánia foi intimado com a proibigáo

de abordar na pregacáo questoes de critica dos cóstumes, batizar urna criancinha, mesmo em perigo de morte, sem que

essa criancinha tivesse sido registrada pelo Estado, e princi

palmente de preparar e examinar em grupo as crlancas antes da Primeira Común nao. As criancas nao é permitido nem ajudar a Missa nem cantar no coral nem participar das proclssóes.

8.

Prisao que pode durar cinco anos

Desde 1962, pelo artigo 227, foi introduzida no Código Penal da República Socialista Federativa da Rússia urna disposigao que, se é interpretada em sentido lato, pode tornar impossivel qualquer participacáo dos menores em atos reli giosos. Eis tai artigo: "A organlzacSo ou dlrecSo de uní grupo cuja atlvldade, sob a cober tura de pregacSo de doutrina religiosa ou sob o pretexto de ritos religiosos, estela ligada á deterloracáo da saúde dos cldadáos ou a outras IImltac8es dos direltos dos cldadSos..., assim como a admlssSo de menores em tais grupos, s&o punidas por pena de prlsSo, que pode Ir até cinco anos ou por exilio de Igual duracfio, acompanhada ou n9o pela perda dos bens pessoals".

Nos comentarios publicados por urna revista jurídica so viética, está expressamente dito que as tongas oragSes e os

prolongados jejuns podem ser igualmente nocivos á saúde. Doutra parte, o comentador enfatiza que a lei nao faz diferenga alguma entre as seitas proibidas e as comunidades religiosas autorizadas.

Desde 1962, a administragáo do Batismo tornou-se radi calmente mais difícil. A partir de entao, quando urna crianga está para ser batizada, o pai e a máe tém que apresentar aos funcionarios locáis um consentimento escrito, assim como certificado de trabalho e de estadía. — 209 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

Em marco de 1973, 14.384 lituanos, entre os quais 25% de escolares e estudantes, dirigiram urna declaragáo ao Mi nisterio da Educacáo da República Soviética Socialista da Lituánia. Ai se lia entre outras coisas: "Os estudantes religiosos sio freqüentemente incomodados. SSo cari caturados nos jomáis muráis da escola. Os estudantes religiosos sSo obrlgados a talar e escrever contra as suas próprias conviccdes e a desenhar caricaturas antl-religlosas. Os que se recusam a fingir, obtém notas más. Os mestres obrlgam os estudantes religiosos a. entrar em organlzacSes e grupos, ateus... Em certos casos, dá-se a nota 'mediocre' únicamente porque o estudante vai á-MIssa. As convlccdes religiosas dos estudantes sao registradas na sua cademeta escolar — o aue torna mals difícil o acesso dos mesmos a urna escola superior".

No relatório muito conhecido de Leonid llitchev apresentado em 1963 diante da Comissao Ideológica do Comité Central do Partido Soviético, encontram-se queixas sobre a 'vitalidade da resistencia religiosa'. Ali é dito com énfase que a tradigáo e os costumes nao sao capazes de explicar 'a sobrevivencia dos sentimentos religiosos' ñas condicoes atuais da

Sociedade

soviética,

llitchev julgava

encontrar

a causa

da irredutibilidade da fé dentro da Uniáo Soviética no tato de que 'a religiáo se beneficia da heranca que recebemos do antigo regí me de exploracáo, dos obstáculos com que nos defrontamos em nossa marcha para a frente, e das dificuldades que os homens encontram em sua vida particular'.

Todavia os homens que hoje integram o novo despertar religioso na Uniáo Soviética, nao sofrem da nostalgia do tempo passado; nao sao homens que lutam com dificuldades pessoais, as quais os incitariam a recorrer á mística. Em sua maioria, sao homens que, desde a infancia, cresceram no socialismo, mas nao conseguiram Mvrar-se das perguntas re ferentes á origem, á destinagáo e ao- porqué da vida — per guntas para as quais encontraram em Cristo a resposta. Em seu ensaio 'A Térra Rebelde', A. Levitin-Kraznov saiienta:

'Existe hoje entre as pessoas cultas táo vivo interesse pela religiáo que, se o Governo o quisesse impedir mediante a repressáo, teria que encarcerar a metade dos nossos intelectuais de primeiro plano'. Nos jomáis soviéticos, principalmente no 'Komsomolskai Pravda', destinado á élite juvenil, encontram-se regularmente

(e sempre sob a forma de 'exemplos horrendos') relatos da — 210 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

27

conversáo de jovens ao Cristianismo. A descoberta da cien cia das religióes, segundo a qual a religiáo é algo profunda mente ancorado no homem, assim como a marcha erguida, a linguagem e o pensamento lógico, parece encontrar justi ficativa no que está acontecendo nao só na Uniao Soviética, mas também em outros países socialistas.

9. é

Cristaos de novo tipo

Ante o despertar religioso que se manifesta na U.R.S.S., muito difícil falar de 'vestigios de ideología burguesa',

corno o

fazem os

representantes

do

ateísmo oficial.

Com

efeito, enquanto instituigáo, a Igreja estava praticamente des mantelada vinte anos após a Revolugáo, e a continuidade das tradigóes estava quebrada. Os homens que suscitam o novo despertar religioso, nasceram no seio da sociedade socia lista, foram educados em escola socialista e praticamente nao tém nenhum vínculo vivo com o passado. Nem se pode dizer que tenham sofrido influencia exterior, táo espessa que é a

cortina que defende a Uniáo Soviética de todo sopro religioso procedente do estrangeiro. Nao; o despertar religioso originou-se em meio aos homens soviéticos e na sociedade soviética.

Mais: tal fenómeno nao é fenómeno limitado aos ambien tes intelectuais. Dados ¡solados, como a afirmagáo do conhecido sacerdote ortodoxo Dimitri Dudko, que teria batizado em dois anos cerca de 5.000 adultos, mostram que se trata de um movimento que ganhou o povo. Para citar urna vez mais

Livítin-Kraznov: '... um movimento religioso p6e-se em marcha. Nao estaríamos longe da verdade se descrevéssemos a realidade do seguinte modo: o povo ainda nao recuperou a religiao, mas, por certo, já se desviou do ateísmo'.

Mais: é preciso levar em conta o fato, de que esse novo despertar religioso nao se produz em um no man's land (térra

de ninguém) religioso. Milhóes de cldadáos soviéticos, apesar

de todas as pressóes, conservaram

a fé, urna fé simples,

purificada pelas provagóes. A luta contra a religiáo mostrou-se inútil; nela foram gastas, sem compensacao, ingentes

energías. A profissáo de ateísmo do Estado pesou sobre homens que, em virtude de saas convicgóes religiosas, sao — 211 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 197/1976

cidadaos leáis,... homens que de boa vontade dáo ao Estado o que toca ao Estado, se o Estado os deixa livres para dar a Deus o que é de Deus.

10.

Urna frase de Luigi Longo

Talvez seja prematuro esperar urna revisao da teoría marxista-leninista no tocante á religiao e ao Cristianismo. O respeito pela decisáo tomada pelo homem no fundo da sua consciéncia conviria muito bem ao humanismo que a sociedade soviética considera seu fundamento. Que o marxismo-leninismo e o ateísmo de Estado nao estejam incondicionalmente ligados um ao outro, eis o que comunistas ocidentais, como, por exemplo, Luigi Longo, tém admitido, ao menos na

prática, desde recusamos o ao ateísmo do preferencias a

meados da década de 60: Estado confessional, assim Estado e nos opomos a que urna ideología qualquer ou a

'Assim como nos somos contrarios o Estado conceda urna fé religiosa' *.

Precisamente em virtude de suas pretensóes científicas, o marxismo-leninismo deverá perguntar a si mesmo (e isto também a partir das suas premissas teóricas) se pode sus tentar, como sustentou ató agora, o axioma, segundo o qual •a religiao nao é senáo o produto de um sistema socio-eco-

nómica determinado, produto que morre por si mesmo desde

que se troque o sistema sócio-económico. Trata-se agora de saber se, em um país táo grande quanto a Uniáo Soviética, nao deveria ser posslvel repudiar o confessionalismo ateu do Estado e deixar a decisáo do individuo em favor da religiao ou do ateísmo depender do livre jogo das torgas e dos argumentos mais persuasivos; e isto,... em condi$5es iguais para todos os cidadáos. O fato de que os cristáos sabem colaborar lealmente na construcao da sociedade so

cialista, ... o fato de que sabem cultivar valores, como o cumprimento do dever, a sinceridade, a consciéncia, o amor

do próximo, sem os quais nem a sociedade socialista poderia prosperar, mostraram suficientemente a oportunidade de tal reivindicacao".

*A respelto de aflrmacóes deste género, ve]a-se o prlmelro artigo deste fascículo. Na prática, a aflrmacao de L. Longo é InexeqOfvel.

— 212 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

II.

29

REFLEXÓES

O longo e interessante artigo do Cardeal Konig sugere algumas ponderagóes que váo abaixo esbogadas:

1.

O intrigante fenómeno religioso

O marxismo combate a religiáo em virtude de certas premissas, que podem ser assim delineadas:

A revolucáo científica dos séculos XV-XVIÜ (com Copér-

nico, Galileu, Newton...) deu a ver que muitos fenómenos que outrora os homens explicavam pela religiáo, podiam ser

elucidados simplesmente por leis físicas e químicas ou de maneira leiga, dessacralizada; a fantasía, a imaginagáo e o sentimentalismo cederam, em grande parte, á razáo e aos

processos científicos. — Em sua época, Karl Marx (1818-1883), como herdeiro dessa mentalidade, julgava que a religiáo era

condicionada nao só pela ignorancia e o medo, mas também pela pressáo exercida por certas classes da sociedade sobre outras; o • homem ignorante e oprimido se refugiava entáo na religiáo, a qual era um conjunto de ilusóes anestesiantes e alienantes, necessárias para que as carnadas esclavizadas da sociedade pudessem suportar as correntes escravizadoras. «A religiáo é a consciéncia-de-si e o como-sentir-se do homem

que ou ainda nao se encontrou ou que voltou a perder-se» (Marx and Engels. «On Religión». New York 1964, p. 41). A religiáo, segundo Marx, tem urna fungáo permanentemente conservadora; os homens «devem reconhecer e aceitar como

urna concessáo dos céus o próprio fato de serem eles domina dos, controlados, possuídos» (ib. 44s). Na base desses princi

pios, Marx propunha abolir as condigóes de injustiga e opres-

sáo da sociedade do séc. XIX ; conseqüentemente, esperava que

a religiáo desaparecesse.

Ora tais concepgóes, aos olhos de urna crítica objetiva e tranquila, aparecem preconcebidas e unilaterais. A historia pode, sim, apontar casos em que a religiáo, mal entendida ou abusivamente manipulada, se tornou instrumento de opressáo

e alienacáo de grupos pobres e ignorantes; quando mal prati-

cada, foi opio para o povo. Todavía nao se deve confundir a auténtica atitude religiosa com tais caricaturas.

Na verdade, a religiáo encontra suas raízes no íntimo de todo ser humano, tanto antígo como contemporáneo. — Obser— 213 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 197/1976

ve-se que os animáis irracionais nao tém religiáo; o homem, porém, a tem,... e a tem desde as cavernas da pré-história. Na verdade, os animáis conhecem apenas um mundo: o que eles percebem através da sua experiencia. Todavia o homem conhece também um mundo ideal e certas valores transcen-

dentais. Em outrós termos: o homem recusa-se a aceitar a

realidade como ela é: a verdade mesclada ao- erro, a vida ameacada e tragada pela morte, o amor traído pelo odio, a feliddade sobrepujada1 pela desgraga K Conseqüentemente, póe-se á procura da VERDADE, do AMOR, da VIDA, da FELICIDADE...

Mais : é verdade qqe o homem é um ser corpóreo e, como tal, está sujeito as leis da física e da química. Todavia o homem, ao contemplar as realidades corpóreas, eleva-se a realidades que ultrapassam a corporeidade; vendo o que é parcialmente belo e o que nao é belo, ele concebe a BELEZA e aspira a contemplá-la; vendo os acontecimentos justos e injustos, ele concebe e ama a JUSTICA; em suma, percebendo a insuficien cia de todos os bens visíveis que o cercam, ele concebe a PLENITUDE do BEM ou o BEM SUPREMO, ao qual aspira em suas expressoes místicas, que, á primeira vista, tém um qué de utópico e infantil, mas que sao incoerciveis, porque integram a realidade mesma do homem.

Por isto é que se torna inútil querer combater a religiáo.

Ela pode mudar de expressóes, mas nao se deixa sufocar. Haja vista ao chamado processo de «secularizagáo», que se tem verificado nos últimos quinze anos: muitos pensadores (cristáos e nao cristáos) julgaram que deveriam apagar todos os nomes e símbolos explícitamente religiosos, pois, diziam, o homem de hoje, imbuido de mentalidade científica (ou cientificista), nao os tolera ou os julga ridiculos. Ora o que se veri fica, é que os nomes e sinais se apagam, mas nao se extingue

na sociedade contemporánea a atitude mística ou a devogáo

religiosa. Numa análise muito interessante dos fatos de nossos tempos, o pensador polonés Leszek Kolakowski verifica como novas formas «secularizadas» ou «laicizadas» de religiáo vém aparecendo na Polonia, onde o governo comunista julga ter ultrapassado a religiáo : "A chuva dos deuses cal dos céus sobre

o

túmulo

do

Deus

que

sobrevlveu á sua próprla morte. Os ateus tfim seus santos, e os blasfemos 1 "O homem é a única criatura que se recusa a ser o que ela ó"

(Albert Camus, "Trie Rebol". New York 1956, p. 11).

— 214 —

RENASCIMENTO RELIGIOSO NA U.R.S.S.

31

constroem templos" ("The Priest and the Jester", em "The Modern Polish Mlnd". Ndw York 1963, p. 325s).

A propósito comenta Rubem Alves : "A historia parece que se deleita em zombar de nossas previsóes científicas. Quando tudo parecía anunciar os futierais de Deus e o fim da rellgüo, o mundo foi invadido por urna Infinidade de novos deuses e demonios, e um novo fervor religioso, que totalmente desconheclamos, tanto pela sua intensidade quanto pela variedade de suas formas, encheu os espacos profanos do mundo que se proclamava secularizado... O fascínlo pelo misticismo oriental, a loga, o zembudismo, a meditacSo trans

cendental, os cultos demoniacos e a fetticaria, a busca de experiencias transracionais, como o falar de linguas estranhas (nao mals expllcáveis em termos de classe social I) — todos esses elementos fizeram calr por térra as previsdes científicas acerca do fim da religiao. Mudam-se as vestes. Freqüentemente deixam-se de lado os símbolos ostensivamente religiosos. Mas sempre, de urna forma ou de outra, é possfvel constatar no mundo humano e nos recónditos da personalIdade a presenca obsessiva e inco moda das questaes religiosas" ("O enigma da rellgláo". Fetrópolis 1975, p. 10).

"É mlnha conviccSo pessoal que este fenómeno é de fundamental importancia para se entender a religiao no mundo moderno. A secularlzacao nao fol a morte dos deuses, mas, antes, a promoc&o ao status de deuses, de certos fatores do nosso mundo que se pretendían» secularizados. Será posslvel tomar 4 lugar dos deuses sem se tornar um deus ? Ora foi isto exatamente que a ciencia, a tecnología e certas Ideologías fizeram. No processo de secularizagSo contemplamos a revolta do secular contra os deuses que habitavam nossos panteons. Os templos foram invadidos, os

deuses foram expulsos e os rebeldes — ainda com suas, roupagens secu lares — tomaram seus lugares nos altares agora vazlos" (ib. p. 10, n. 5).

Rubem Alves, em linguagem figurada e um tanto satírica, faz eco a outros pensadores que reconhecem a fé e o devota mente «religiosos» com que o homem jura pela ciencia, a tecno

logía e o materialismo contemporáneos. Essas ponderacóes todas levam a concluir que o fenómeno religioso decorre da própria constituigáo psíquica do ser humano.

Tais observacóes, fiéis e verídicas como sao, ajudam o estudioso a compreender o fenómeno paralelo que se registra na Rússia Soviética, segundo o artigo do Cardeal Kónig.

2.

Os ritos «seculares» da Rússia Soviética

Sabe-se que o Governo Soviético, embora tente sufocar a Religiao, nao se pode furtar a corresponder ao senso sacral e místico da populagáo russa. Aos poucos, as autoridades russas foram introduzindo na sua sociedade urna serie de cerimónias ou rituais «civis», que tomam o lugar das funcóes religiosas. — 215 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 197/1976

Com efeito. Desde pequenino, o cidadáo soviético é «ini

ciado na mística do Partido. Entre os seis e oito anos de

idade, é alistado na categoría dos «Octiabroenók»

(os filhos

de outubro); aprende entáo a venerar Lenin como se fosse Deus,

ornando com flores os pés das inúmeras estatuas deste líder, recitando poesias ai e jurando ser fiel ao ideal de perfeicáo moral soviético. Mais tarde, entre os oito e quatorze anos, o menino passa

para o Grupo dos «Pioneiros»; recebe um lengo vermelho, que usará em torno do pescpco e promete solenemente «amar com

ardor a sua patria, viver, estudar e lutar segundo os preceitos de Lenin e estar sempre pronto a cumprir o estatuto dos pió-' neiros», isto é, trabalhar corretamente, ser bom filho, cidadáo leal, etc.

Dos quatorze aos vinte e sete anos de idade, o jovem faz parte da associacáo dos Komsomols do Exército e da Universidade. Recebe em qualquer desses setores intensa doutrinagáo. Um estudante de Politécnica, por exemplo, freqüenta quatro aulas semanais de catecismo marxista-leninista; sao aulas obli gatorias e eliminatorias.

A cerimónia mais aparatosa é a de casamento. Realiza-se em palacios do Governo, com música, champanhe, chocolate...; a funcionária do Governo que lhes preside, profere um discurso bem estruturado sobre o amor, o respeito mutuo e a educagáo dos filhos. A seguir, o jovem casal vai visitar os monumentos

dedicados aos mortos, diante dos quais se recolhe, venerando os heróis cujo sangue derramado salvou a patria.

Além de recorrer a esses cerimoniais, o Governo Soviético dissemina vivamente a sua «mística» e doutrinagáo mediante o radio, a televisáo e o cinema, atingindo assim profundamente a populagáo russa, que nao tem termos de comparagáo, pois há 59 anos que só ressoa propaganda marxista na Rússia, impermeável a infiltragóes doutrinárias estrangeiras. A verificagáo destes fatos leva o cristáo a almejar que o processo de restauragáo do «homem religioso» chegue aos seus resultados decisivos na Rússia Soviética e nos países satélites. Para tanto deveráo concorrer as preces e a vida auténtica e coerente dos fiéis cristaos; é o orvalho da graga de Deus, assim impetrada, que faz frutificar todas as sementes do bem e im pede que o homem se embrutega ! — 216 —

Os anjos anunciadores sSo símbolos?

e o arijo da anunciacáo a marla ?

Em sfntesa: A exegese moderna julga que existe na Biblia o género literario do "anuncio do an|o"; ó o que resulta do confronto dos textos de Gn 18; Ja 6. 13; Dn 10; Le 1.2; Mt 28. Nestas passagens há ele mentos constantes, que parecem convenclonals e que constltulrlam a mol dura da mensagem transmitida.

Tal conclusSo nao se op6e aos dados da fé católica. Esta professa com firmeza a existencia dos anjos bons e maus; mas n&o se define sobre o sentido das passagens bíblicas de "anunclagSo". Em qualquer hfpótese, importa sempre sustentar que, nos episodios de anunclacSo, Deus quls comunicar realmente alguma mensagem ao homem ou á mulher destlnatário(a). A presenca sonsível de um anjo a dialogar com esse destinatario é relativamente secundarla. Em suma, nao se pode dirimir a questSo com respostas absolutas, pols dependem dos argumentos de critica literaria, que nem sempre chegam

a conclusSes metafísicas.

Comentario: É freqüente a pergunta referente ao modo de se entenderem os anjos que anunciam alguma boa mensagem a Zacarías, a Maria, aos pastores... nos Evangelhos : trata-se de criaturas reais ou de meros símbolos? Em vista das dúvidas assim formuladas e repetidamente abordadas, vamos abaixo estudar o assunto com objetividade.

De antemáo observamos que a questáo colocada nestes ter mos nao coincide com a da existencia mesma dos anjos. Esta é assegurada pela S. Escritura e tem sido reafirmada pelo magisterio da Igreja nestes últimos tempos em vista de hesi-

tacóes ocorrentes a respeito ; cf. PR 19171975, pp. 490-499.

1.

Géneros literarios

1. Os críticos católicos dos Evangelhos reconhecem que estes sao o eco escrito da pregacáo oral dos Apostólos. Isto quer dizer que nao pretendem ser urna biografía de Jesús no sen tido moderno da palavra, mas, sim, um compendio de fatos e — 217 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

._

ditos de Jesús aptos a suscitar e avivar a fé dos ouvintes e leitores. Os Evangelhos, portento, nao contém lendas, mas apresentam fatos reais; todavía nao á guisa de crónicas rigorosa mente concatenadas.

2. Posto este dado, é necessário reconhecer que os evan gelistas recorreram a géneros literarios, ou seja, a modos de expressáo convencionais que devem ser entendidos como expréssionismos e que nao se opóem á veracidade ou fidelidade his tórica dos Evangelhos. Tenham-se em vista as parábolas; estas, embora apresentem verossemelhanca com fatos históricos, sao estórias cuja mensagem é teológica ou moral, nunca, porém, historiográfica.

3. Ora entre os géneros literarios dos Evangelhos, e da Biblia em geral, está, segundo bons exegetas, o das anunciagoes. Tais estudiosos ensinam que, quando os autores sagrados querem dizer que o Senhor Deus comunicou a um homem ou a urna mulher determinada mensagem, costumam recorrer a um esquema que tem suas notas constantes no Antigo e no Novo Testamento, como se fosse um cliché ou um auténtico género literario. Esta conclusáo se funda no confronto mutuo dos seguintes episodios de anunciagáo :

Gn 18,1-15: o anuncio do nascimento de Isaque a Abraáo

e Sara ;

Jz 6,11-24: o anuncio a Gedeáo, chamado a libertar dos

madianitas os filhos de Israel ;

Jz 13,2-21: o anuncio do nascimento de Sansáo; Dn 10,4-22: o anuncio a Daniel referente á libertacáo de

Israel;

Le 1,5-23:

Joáo Batista ;

Le 1,26-38:

o anuncio a Zacarías sobre o nascimento de o anuncio a María ;

Le 2,9-14: o anuncio aos pastores a respeito do nascimento de Jesús;

Mt 28,5-7 : o anuncio da ressurreigáo de Jesús as mulheres. Verificam-se nessas

diversas anunciagóes

alguns tragos

constantes, que parecem constituir a moldura da mensagem. Assim

1) a apresentacáo dos personagens da cena, que nao raro sao um casal estéril (Abraáo e Sara, Manué e sua esposa, Zaca rías e Elisabete, María esposada virginalmente a José...) ; — 218 —

ANJOS QUE ANUNCIAM NA BIBLIA

35

2) a aparígáo do anjo anunciador, que saúda o (a) desti natario (a) da mensagem : Jz 6,12 ; Le 1,28 ;

3)

a perturbacáo deste(a) : Jz 6,21; 13,20 ; Dn 10,7-9 ;

4)

palavras de reconforto («Nao temas...»): Dn 10,12.19:

5)

mensagem divina transmitida pelo anjo: Jz 6,14-16;

Le 1,12.29; Le 1,13.30;

13,3-5.7 ; Le 1,13-17 ; 1,31-33 ;

6) objegáo da parte de quem a ouve isso ?») : Le 1,18.34 ; Jz 6,1,25.15 ; 7)

Jz 6,16 ;

(«como se fará

resposta do anjo que tranquiliza: Dn 10,12: Le 1,35;

8) oferecimento de sinal por parte do anjo, que assim confirma a sua mensagem: Jz 13,17-23; Dn 10,17-19; Le 1,20.36; 9)

desaparecimento do anjo ; Jz 6,21; 13,21; Le 1,38.

Está claro que esses tragos literarios nao voltam sempre na mesma proporcáo e com rigidez em cada anunciagáo, mas parecem integrar um estilo convencional de redagáo utilizado pelos autores sagrados. Em conseqüéncia, dizem os mestres que «o anuncio do anjo» é um género literario próprio na Biblia. Suposto isto, nao se deveria atribuir significado objetivo e real ao anjo anunciador; este seria mera figura literaria. Sempre que a Biblia apresenta um caso de anuncio, o leitor deveria dar toda a atengáo ao conteúdo dessa mensagem (Deus quis comunicar tal ou tal designio seu...) e nao se prender as circunstancias ou á moldura em que é apresentado o anuncio. 2.

Que pensar?

1. Pergunta-se agora: que julgar a respeito de tal tese exegética ? — Deve-se reconhecer que

a) tem fundamento válido na análise literaria dos textos bíblicos; portante nao é arbitraria nem resulta de um preconceito; b) é conciliável com a doutrina da fé católica. A Igreja professa a existencia dos anjos como artigo de fé, com base no testemunho das Escrituras Sagradas. Todavía o magisterio da Igreja nao se pronunciou sobre a realidade ou nao dos epi-

— 219 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

sodios de anjos anunciadores. A Igreja reconhece tranquila mente a existencia de géneros literarios na Biblia; desde que haja criterios de análise literaria para admitir que tal ou tal passagem é expressionismo convencional, o estudioso católico pode reconhecé-lo; pondere os argumentos dos críticos e dé-lhes a sua adesáo, que poderá ser ou total ou apenas parcial, ou mesmo nula (caso os argumentos nao o convengan*). Nem sempre a crítica literaria leva a conclusóes evidentes e defini tivas; ela nao raro apresenta os pros e contras de suas teses

ou hipóteses, de tal modo que o leitor da Biblia se deve con

tentar com probabilidades em tais casos. — Note-se que sao

casos que nao afetanr a doutrina da fé, mas apenas tópicos laterais da mensagem bíblica.

2. Por conseguinte, se um fiel católico, baseado no exame literario do texto de Le 1,26-38, julga que o anjo da anunciacáo a Maria pode ser tido como expressáo literaria (expressáo que nao obriga a admitir uma figura sensivel na presenga de Maria), esteja tranquilo. Sao Lucas em 1,26-38 teria feito eco as narragóes bíblicas anteriores de anunciagdes, utilizando elementos constantes das mesmas. Esta conjetura se toma especialmente verossímil se se leva em conta que os capítulos 1 e 2 de Le contení alusóes freqüentes a textos do Antigo Testamento: Sao Lucas quis descrever os fatos da infancia de Jesús de tal modo que o leitor percebesse que tais episodios eram o cum plimento fiel das promessas de Deus e das expectativas do povo de Israel. Em particular, no anuncio a Maria Deus teria, em diálogo íntimo, anunciado á Virgem SS. o seu designio de torná-la Máe do Salvador; Maria haveria respondido com humildade e dedicagáo a essa mensagem do Pai; o anjo, no caso, nao deveria ser colocado em primeiro plano, mas pertenceria á mol dura ou ao género literario do episodio. Se, ao contrario, alguém prefere adotar a clássica tese,

segundo a qual Maria teve em sua presenga o anjo Gabriel como pessoa sensivel com quem terá realmente dialogado, pode seguir essa tese. Os argumentos literarios nao sao tais que excluam a presenga sensivel do anjo, nem a fé tem alguma sentenga definida sobre a realidade ou nao do anjo da anun-

ciagáo. É importante que os cristáos conhegam os termos até

os quais vai a doutrina da fé, e após os quais comecam as hipóteses e conjeturas de livre discussáo.

Em última análise, a questáo do anjo anunciador nao pode ser dirimida de maneira'categórica. Por conseguinte, guarde cada cristáo a liberdade de julgar pessoalmente o assunto e — 220 —

ANJOS QUE ANUNCIAM NA BIBLIA

37

tomar a sua posigáo, ou também nao tomar posigáo decisiva, visto que a questáo fica sendo discutível e nao se reveste de importancia capital.

3. Por último, convém aínda notar : se se pode dizer que o «anuncio do anjo» é género literario na Biblia, é necessário que o leitor nao julgue que poderá tachar de «género literario» ou expresionismo (sem fundamento histórico) os episodios que ele julgar nao serem históricos. Assim, por exemplo, os mila-

gres de Jesús, como a multiplicacáo dos páes, o oaminhar sobre

as aguas, a ressurreigáo de Lázaro... Muitas pessoas, igno rando o porqué de novas sentencas da exegese católica, julgam ter o direito de proferir sentencas inovadoras sem fundamento, atendendo apenas a um parecer subjetivo («eu acho», «para

mim é isso...») ou á moda de inovar sentengas ou de reciuzir os textos bíblicos a categorías filosóficas (racionalistas) pre concebidas. Desta forma os episodios portentosos da Biblia sao desvirtuados ou sao destituidos de valor histórico, porque o «exegeta» incauto julga erróneamente que a tendencia da exe gese moderna é eliminar o portentoso das narragóes escriturísticas. Tal procedimento é gravemente abusivo; funda-se em mal-entendidos. Nao se deve abandonar a letra do texto bíblico sem fundamentos objetivos e ponderáveis, descobertos pela análise literaria e destituida de preconceitos. Pondera-se tam bém que em alguns casos é afoito definir categóricamente o género literario de um episodio e querer impor a sentenca ao público; com efeito, a literatura nao é ciencia matemática; ela tem seus matizes, que cada leitor depreende, as vezes de maneira subjetiva, sem que se possa chegar sempre a definigóes metafísicas nesse setor. Isto pode acontecer, sim, na herme néutica bíblica, todavía sem que, por isto, seja afetada a doutrina da fé católica ; as probabilidades e hipóteses versam sem pre sobre elementos acessórios, sobre os quais nem o magisterio da Igreja pretende manifestar-se. Bibliografía:

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J. P. Audet, "L'annonce á Marie", em "Revue bfbllque" 63 (1956), pp. 346-374.

O. Bardenhewer, "Mariá Verkündigung. Ein Kommentar zu 1,26-38", em "Blbllsche Studlen" 10 (1906), 5. Heft, pp. 129-137.

Lukas

A. Médebielle, "lAnnonciation", em "Dlctlonnaire de la Bible. Supplément" (Vlgouroux), 1 (1928), 262-297.

E. Power, "In festo Annuntlatlonls", em "Verbum Domlnl" 5 (1925), pp. 33-41.

— 221 —

Um despertar de consclénclas:

o cristáo frente a licenca dos costumes

O Cardeal Léon-Joseph Suenens,

arcebispo de Malines-

-Bruxelles, publicou no boletím «Pastoralia» de outubro 1975 o seguinte artigo, cuja importancia é tal que merece ser reproduzido em traducáo brasileira:

A decadencia em curso "Nao é fácil a um bispo denunciar a onda de imoralidade

que, através dos mass medía, se desencadeia sobre o mundo de nossos dias: diráo

logo que tal

bispo atenta contra a

liberdade alheia, ignora os direitos e as exigencias da criacao artística e quer conservar tabus e interditos de outra época, qualificados como preconceitos burgueses. Acontece mesmo que alguns cristáos, em reacáo contra inegáveis estreitezas do passado, assumem posicóes extremadas, colocando-se entre os defensores da permissividade desenfreada.

Apesar da atmosfera em que vivemos e do risco de parecermos defasados em relacao ao nosso tempo, é-nos impe rioso dizer de novo, diante da decadencia moral da vida pública, que estamos simplesmente solapando a civilizacáo humana. Urna onda de pornografía se desencadeia sobre os nossos países, encontrando caminho através de filmes, livros,

periódicos, que realizam a investida final nessa materia. Nin-

guém ignora que esse tipo de comercio atinge cifras de receita fabulosas: tal filme, dizem-nos, já suscitou urna arrecadagáo de 300 milhoes de francos, e as multidóes continuam a fazer fila diante dos guichés. Tanta gente é atraída por que motivo ? Pela curiosidade ? Pelo esnobismo ? Pelo desejo de mostrar que já superou os tabus ? Nao sei! O que é grave, é a lenta destruicáo da consciéncia moral, para nao dizermos... do sentido elementar de pudor; é também a

especie de consentimento tácito dado pelo público a todo tipo de deboches e de decadencia. Esse declfnio da moral

pública foi denunciado recentemente na Franca simultaneamente pelo Cardeal Marty, arcebispo de Paris, e também por — 222 —

UCENCIOSIDADE DE COSTUMES

39

Georges Marcháis, chefe do Partido Comunista Francés. Nao é coisa banal urna tal convergencia: ela convida á reflexáo.

Um despertar necessárío Impoe-se um despertar moral; é preciso que todos aque les que estao feridos em sua dignidade humana por tal declínio da civilizagáo manifestem sua desaprovacáo e sua indignacao a todas as instancias que tenham urna parcela de responsabilidade dessa situacáo; é necessário exijam medidas de reerguimento. Somente urna opiniáo pública aler tada e atuante de maneira prática e concreta pode opor um dique á onda pornográfica e sanar a atmosfera que todos respiramos. Fazemos votos para que nossos Conselhos Presbiterais e Pastoraiá, como também nossas organizares sociais, se debrucem sobre esse problema de salubridade pública.

Um esforjo educativo Mas nao basta reagir: é necessário também educar po sitivamente e agir mediante a familia e a escola, a fim de incutir concretamente o respeito dos valores humanos fun damentáis, dos quais o primeiro é o amor.

Se no passado os homens falaram demais do amor, como se a vida sexual nSo existisse, eis-nos hoje diante de urna

especie de onda que faz o sucesso dos filmes pornográficos, em que o amor é totalmente excluido. Chega-se a dizer que essa libertinagem é um remedio para curar a miseria e a tensáo sexual dos nossos contemporáneos.

Aos nossos olhos, o que há de mais dramático nisso tudo, é que estamos assistindo a urna dessacralizagáo da realidade infinitamente respeitável e sagrada que é o amor humano, genuinamente humano e auténtico. Com razáo, um escritor denunciava recentemente, com vigor, a onda porno gráfica em um artigo intitulado : "Os assassinos do amor". O amor, é preciso dizé-lo de novo, é santo porque criado á imagem mesma de Deus, que é amor. Quem perverte a nocáo — 223 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

mesma do amor, fere o ser humano no coracao, tanto em

sentido próprio como no figurado: desfigura o que é emi nentemente divino no homem e degrada o que ele tem de mais profundo. Se as coisas do diabo sao a Inversáo sacri lega das coisas de Deus, é preciso reconhecer que as torcas

do mal estáo poderosamente em acáo debaixo dos nossos olhos. Como escrevla muito sabiamente Charles Moeller: ,'O mal da impureza consiste em ser ela uma das formas mais graves de recusa do verdadeiro amor'. É preciso que a palavra 'amor* encontré de novo o seu

sentido original e que nao seja deturpada a servlco de todas as perversdes. A palavra amor tornou-se uma etiqueta que

recobre as mercadorias mais deterioradas; multas servem-se

déla como se fosse a grande desculpa para inocentar tudo, como se ela trouxesse em si mesma a sua própria justificacáo. Quando um homem abandona sua mulher e seus filhos para ir viver com outra mulher, ele se recobre com essa des

culpa e reivindica a liberdade de trair os seus em nome da

soberana liberdade do amor. É preciso que restauremos o sentido das palavras, se queremos restaurar os valores que elas significam.

Tudo o que acabamos de dizer, é válido para todo homem, cristáo ou nao. Para o cristáo, ainda há perspectivas e dimen-

soes novas, que se abrem para ele; ele tem motivos suplementares de se colocar em estado de alerta e de tomar

consciéncia das responsabilidades tanto positivas como nega tivas. Ele sabe pela fé que o amor humano é vivificado inte

riormente pelo amor divino. Toca-lhe reagir a titulo especial, pelo amor do Deus vivo, que o anima a partir do seu íntimo. Essa presenca do amor divino é, para o cristáo, uma fonte

sempre borbulhante e nova de vida e de fecundidade. Toca-Ihe, a título especial, reagir, como se fosse a uma profanagao, a tudo o que trai e compromete o amor no mundo. Possam os cristáos oferecer ao mundo a imagem do amor

auténticamente vivido no íntimo de nossos lares! Há urgen cia nisto, se queremos por um termo ás tentativas de degradac§o e evitar um genuino colapso dos costumes públicos.

(a)

L.-J. Cardeal Suenens

Arcebispo

de

— 224 —

Malines-Bruxelles"

UCENCIOSIDADE DE COSTUMES

41

As reflexóes do Cardeal Suenens, que é tido como prelado aberto e atualizado no mundo de hoje, sao especialmente signi

ficativas. Embora citem exemplos europeus, aplicam-se, sem

dificuldade, á realidade brasileira, onde a onda de pornografía nao é menos violenta. — Vem muito a propósito citá-las nestes

tempos em que a Santa Sé houve por bem mais urna vez

(29/XII/75) lembrar a dignidade do corpo humano e as exi gencias que desta decorrem («Noblesse oblige !» — A nobreza obriga!). Muitas pessoas já nao acreditam no valor ou na possibilidade da castidade, seja antes, seja depois do casamento, táo difundida está a atmosfera de libertínagem e pomografia em nossos diasí Vale a pena realcar que muitos daqueles que difundem essa pornografía nao estáo absolutamente interessados no bem-estar do ser humano, nem procuram a felicidade ou a

dignidade da pessoa humana, mas, ao contrario, sao movidos preponderantemente por interesses financeiros. Para que alguns líderes do poder económico tenham mais dinheiro, derrubam-se lares, desfaz-se a paz e á alegría dos jovens, prejudicam-se (as vezes, irremediavelmente) curriculos e currículos de vida humana! Quem tem consciéncia disto, nao pode ficar impassível a onda, mas, ao contrario, há de se empenhar por que, ao menos nos seus ambientes de habitacáo e de trabalho, sejam profligados os instrumentos da degradacáo (revistas, jornais, filmes, pecas de teatro...). Se é verdade que «urna andorinha só nao faz veráo» ou que o cristáo isolado nada há de conseguir nessa luta, também é verdade que «a uniáo faz a forga», de modo que, se os cristáos procederem unánimemente frente á pornografía e á licenciosidade, algo de novo há de acontecer em nossa sociedade; teráo menos éxito ou menos lucro financeiro os que disseminam o mal; este, conseqüentemente, será coñudo e «perderá sua graca».

É certamente esta a conduta que o Senhor Deus pede dos seus fiéis na hora que passa! Ele saberá multiplicar os frutos

dos esforcos que cada fiel puder e souber desdobrar em prol de táo nobre causa.

— 225 —

&

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 197/1976

GUERRA NO LÍBANO O conflito no Líbano tem sido algo de misterioso ou difícil de se entender... Quais as causas exatas que o movem ? Por que lutam entre si os filhos da mesma patria? — A primeira vista, dir-se-ia que, por motivos religiosos, cristáos e muculmanos no Líbano se digladiam. Todavía eis que fontes de informacáo segura desmentem essa impressáo: a guerra no Libano, embora conserve seus rótulos religiosos, vem sendo aciortada por interesses políticos e outros.

1. Tenha-se em vista, por exemplo, um trecho da Declaragáo final do Seminario de Trípoli (Libia), que, reunindo cristáos e muculmanos de diversos países, versou sobre o diá logo islamico-cristáo (1« a 5 de fevereiro de 1975) : "O Líbano, caro ao coragáo dos muculmanos e dos crlstáos, fol exposto a urna subversao que causou mllhares de vítlmas Inocentes. Certos elementos subversivos interessados, tanto dentro como fora do Líbano,

tentaram apresentar o conflito como sendo de natureza confesslonal entre

muculmanos e crlstSos. Esta alegacao nSo só traz prejufzos aos mucul

manos e Cristáos no Líbano como também visa a fazer malograr as serias tentativas de aproximagSo o de amlzade entre o mundo muculmano e o mundo cristSo. Por Isso as duas partes denunciam a subversSo que se verificou no Líbano, e a sua camuflagem em conflito confessional. Denun

ciam Igualmente toda tentativa de prejudlcar a coexistencia tolerante entre todas as familias esplrituals do Líbano" (n? 18).

2.

De certo modo, fazendo eco a essa Declaracáo, citare

mos outro documento que evidencia como, dentro do clima de odio e guerra estranhamente instaurado no Libano, existem sentimentos de amor fraterno inspirados pela fé religiosa e, em especial, pelo Cristianismo.

Reportemos-nos ao Líbano em dezembro 1975... O jovem

Ghasibé Kayrouz tinha 22 anos e preparava-se para ser orde

nado sacerdote católico. Tencionava passar as festas nataunas

com a sua familia na cidadezinha de Nabha. Antes, porem, de seguir viagem, quis escrever urna mensagem, que era a expres-

sáo do pressentimento da morte iminente e que assim se tornou o testamento espiritual desse estudante. Com efeito, na véspera de Natal foi morto na estrada entre Baalbeck e Nabha. No quarto em que morava, os colegas encontraram a carta que abaixo vai traduzida. É, sem dúvida, um testemunho de grande valor moral e cristáo. "Ao comecar a escrever este testamento, parece-me que

é outra pessoa que fa!a no meu lugar. Nestes tempos, liba— 226 —

___

GUERRA NO LÍBANO

43

neses e residentes no Líbano estáo todos em perigo. Já que eu sou um deles, vejo-me assassinado e morto na estrada que leva á minha cidadezinha de Nabha. E, para o caso de que esta intuigáo se verifique realmente, deixo urna palavra á minha familia, ás pessoas da minha cidade e ao meu país. A minHa máee ás minhas irmas digo com toda a fir meza : nao íestejam tristes, ou, ao menos, nao chorem e nao se lamentem exageradamente; a minha ausencia, por mais longa que parega, será curta: é certo que haveremos de

nos encontrar de novo; nos nos encontraremos na mansao

eterna do céu. Lá existe alegría... Nao tenham medo; a misericordia de Deus nos reunirá a todos conjuntamente. Tenho um só pedido a fazer-lhes: perdoem de todo o coracáo aqueles que me tiverem tirado a vida; pegam comigo que o meu sangue (ainda que seja o sangue de um pecador)

sirva de resgate para o pecado do Líbano. Seja esse sangue, misturado ao de todas as vítimas que calram, de qualquer opiniáo e de qualquer confissáo religiosa, oferecido como prego da paz, do amor e da concordia, que desapareceram deste país e também do mundo inteiro. Que a minha morte

possa ensinar aos homens a caridadel Que Deus as consolei Tome Ele cuidado de voces e as ajude na vida I Nao tenham receio. Eu nao lamento em absoluto a partida deste mundo.

O que me faz sofrer, é que voces váo ficar tristes. Rezem, rezem, rezem, e amem seus inimigos.

E ao meu país digo: os moradores da casa podem ter opiniñes diversas, mas eles nao se odeiam uns aos outros; podem irritar-se uns com os outros, mas eles nao se tornam adversarios uns dos outros; podem discutir, mas nao se matam mutuamente. Recordem-se dos dias de concordia e de amor fraterno; esquegam-se da cólera e do desacordó.

Junto comemos, bebemos, trabalhamos outrora; juntos ele

vamos a nossa oracáo ao Deus único; por conseguinte, juntos devemos morrer. Meu pal era o socio de um mugulmano, que eu chamava tio Hussein. Eu tlhha muito prazer em chamá-lo assim. Foram socios durante 75 anos sem violar o seu contrato e sem desconfiar um do outro. Pensem bem: acontece muitas vezes que agora nao podemos pedir aos

nossos próprtos irmáos cem libras esterlinas emprestadas.

Basta procurar na aldeia um mugulmano, um maronita, um sunita, um druso, para que nos maltrate. Todos sabem que a situagáo é esta; mas o pecado nos torna cegos. Cada um — 227 —

44


de nos deve voltar á oragáo segundo o seu Credo e a sua consciéncia, a fim de que Deus extinga a ira e a fim de que as tramas doa grandes deste mundo sejam reduzidas a nada

sobre o solo deste país, país que nao está obrigado a pagar com o seu sangue as maquinacSes dos estranhos.

No céu, eu nao terei repouso enquanto durar esta situagáo no Líbano.

Fagam dos meus funerais um dia de ordenacáo, nao de enterro ou de tristeza.

Quando me sepultarem, que o Pe. Boutros celebre a

Missa, sem a concelebragao de muitos padres e sem comu

nicado oficial. E, se Abou-Khalil pudesse fazer o meu caixio com as tábuas de velhos caixotes, eu me sentiría muito feliz. Nao fagam ceia fúnebre.1

Que as pessoas me perdoem... e n§o me fulminem; na

verdade, eu sou apenas poeira; mas a Forga de Deus me fará participar da vida divina.

Escrevendo aqui, eu pensó em todos, sem esquecer ninguém: meus companheiros, meus amigos. Em minha afeigáo

para com eles, eu quisera encontrar palavras de esperanga.

Afinal creio ter encontrado a palavra que convém.a saber: 'Rezem por mim, temam a Deus e amem o Senhor*.

... Do ponto de vista financeiro, tenho algumas dividas

a pagar, de um modo ou de outro: vendendo um terreno ou dando o meu sangue; o importante é que eu pague.

Pego perdáo a todos, porque sou

pecador diante de

todos. Coragem ! Eu, pecador, no Cristo Jesús Salvador. (a)

Ghasibé Kayrouz"

Diz a Escritura que Abel, apesar de morto, ainda fala

(Hb 11,4). De modo semelhante, o cristáo cujo testamento acaba de ser publicado, é urna testemunha cuja voz ressoa pro

fundamente nos coracóes de quantos ainda acreditam na possibilidade de se construir um mundo mais amigo e fraterno. EstévSo Bettencourt O.S.B. *Os antlgos crlstSos e os orientáis aínda hoje costumavam e costumam fazer refelcSes Junto ao túmulo do defunto como se este partlclpasse do convivio dos familiares logo depols de sepultado.

— 228 —

livros

em

estante

A Biblia de Jerusalém. Novo Testamento. Edicáo em língua portu guesa a cargo de urna equipe de tradutores sob a coordenacSo de Freí

Gilberto Corgulho, Pe. Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976,

722 pp. 130x190 mm.

Salu finalmente em marco pp. a tio aguardada edicSo portuguesa da "Biblia de Jerusalém". Deve-se ao esforgo tenaz das Edlcdes Paulincs e de seus colaboradores, que fazem jus á benemerencia do público. A Biblia dita "de Jerusalém" deve-se a urna equipe de tradutores filiados á Escola Bíblica de Jerusalém, que, sob a orientacSo dos padres dominicanos dessa Escola, verteram os textos origináis da Biblia para o francés, acrescen-

tando-lhe introducóes e notas. Esse trabalho foi iio aplaudido pelo público

que em diversos paises (inclusive no Brasil recentemente) a Biblia de Jerusalém foi tomada como padráo dos tradutores. Isto nSo quer dizer que tenham traduzido do francés para o vernáculo — o que seria obra de segunda mió. Os tradutores verteram dos origináis diretamente...; tcdavia onde o texto original delxava margem a dúvidas (por estarem os códices deteriorados ou apresentarem variantes...), os tradutores seguiram as opcóes apresentadas pela "Biblia de Jerusalém", visto que tém grande autorldade. Quanto as ¡ntroducóes e notas explicativas, foram, sim, traduzidas do texto francés da "Biblia de Jerusalém". — O Antigo Testamonto

aínda está sendo preparado, devendo satr em

1977.

Chamam a atencSo do leltor, entre outras particularidades desta edicao, a traducSo de "eplskopos" (grego) por episcopo (em vez de bispo), com a nota explicativa aposta a Tt 1,5; o assunto é delicado, mas está bem explanado. Veja-se também em Le 1, 28 a saudacSo do anjo: "Ale gra-te, chela de graca...", forma que é justificada pela respectiva nota: ao pé da letra, diz o texto grego "tu, que foste e permaneces repleta do favor divino". Em Mt 16,19 diz Jesús: "Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na térra será ligado nos céus, e o que desligares na térra será desligado nos céus", em vez da nova forma de traducSo que se vem difundindo mais por motivos teológicos do que lingüísticos: "... lera sido ligado,... lera sido desligado". Merecem especial mencSo os anexos ao texto sagrado: quadros cro nológicos, calendario, lista de medidas e moedas..., subsidios estes que nao se encontram táo explícitos em edicces congéneres da Biblia no Brasil. Poder-se-la pleitear a troca de urna ou outra expressáo do texto portugués dessa edicSo, a fim de tornar o vernáculo mais fluente; cf. At 2,4; 4,2 (galicismo). Também seria para desejar, na próxima edig§o, a InclusSo de mapas (do mundo mediterráeno, da Térra Santa, de Jeru salém. ..) em apéndice, de modo a facilitar a leitura e a aprendizagem do texto sagrado.

Como quer que seja, esta recente edicSo do Novo Testamento signi fica um passo notável no progresso tanto dos estudos bíblicos como do setor editorial no Brasil. Fazemos votos para que, sem tardar, venha á luz o correspondente texto do Antigo Testamento. E. B.

Vive lúa vida — como ?, por Gastón Dutil, Alexandre Guibal e Francls Saunler. Traducio de Francisca Pereira Novis e outros. — Ed. Agir, Rio de Janeiro 1975, 170x215 mm, 423 pp.

Com esse título, a Editora Agir acaba de publicar excelente llvro,

que é verdadeiro rotelro para a difícil arte de "saber viver". NSo de qualquer maneira, pois a vida é dom precioso de Deus para ser vivido em

plenitude. á luz da fé, da esperanga, do amor, a fim de que a criatura

humana atinja sua dimensáo total e conheca a verdadeira felicidade, capaz de florescer até em meio de lutas, desengaños, provacSes.

Na conturbada época em que vivemos, nSo há leitura mais benfazeja: corresponde de modo seguro aos anseios e temores do homem de nosso tempo Tempo de transiólo e por isso mesmo doloroso, marcado pela vio

lencia por terrfveis neuroses e agress8es, decorrentes do próprio progresso material e técnico de nosso sáculo — admiráve!, sem dúvida —, mas do qual o homem se torna escravo, esquecendo-se de que o primeiro — o valor dos valores — está dentro dele mesmo : é sua personalidade, chamada a desabrochar, a realizar-se plenamente no meio em que Deus o colocou.

O livro gráficamente muito bem apresentado, diz logo na primeira página qual o seu objetivo : PENSAMIENTOS PARA O DÍA DE HOJE. Pensamentos colhldos entre os mais variados escritos, das mais diversas épo cas oferecendo-nos urna síntese da experiencia humana vivida por homens

e iríulheres que "nao passaram pela vida em branca nuvem"...; pelo con trario, souberam trabalhar, esperar, sofrer, amar, rezar deixando após si o tesouro dessa vivencia, expessa em frases que sao animador estimulo para o cotidiano, ponto-de-partida para fecundas reflexóes.

Os autores desta pequeña enciclopedia espiritual — Gastón Dutil, Alexandre Guibal, Francis Saunier — levaram quatro anos para conseguir esta maravilhosa coletanea, em nada desmerecida pela traducáo, que prima pelo estilo simples, a linguagem clara, correta, harmoniosa. A equipe das tradutoras — Francisca Pereira Novis, M. Cecilia Duprat, María José Ma chado Carneiro, Mary Pucheu, Teresa de Araújo Penna — realizou ótimo trabalho com fidelidade ao texto francés. O volume de 421 páginas é ilustrado com 16 lindas fotografías e dividido em quatro partes: I Amar — II Trabalhar — III Esperar — IV Rezar. Cada urna délas é subdividida em numerosos capítulos, nos quais o tema focalizado aparece em expressivos pensamentos, máximas ou pro verbios, tirados de tontes muito diversas, tanto do passado quanto da

atualidade ; tanto partindo de filósofos, religiosos e santos, quanto de lei-

gos, nomes ilustres da literatura universal, industriáis, dentistas, artistas,

ou simpiesmente, de modesta menina como Anne Frank, cuja mensagem postuma até hoje comove o mundo. Podemos dizer que encontramos

nessas páginas um luminoso panorama do que o homem pensa, experi menta, através dos tempos, e em circunstancias diferentes : dor e alegría, fracasso e sucesso, lutas e Vitorias, trabalho e prazer.

Lucia Jordáo Villela.

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