Ano Xvii - No. 198 - Junho De 1976

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P rojeto

PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESEMTAQÁO

DAEDigÁOON-LINE Diz Sao Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la

pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa

crenca

católica

mediante

aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propoe aos seus leitoresaborda questoes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se

dissipem e a vivencia católica se fortaleca

no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se

encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempíe alual

ScnnnH * ™'Sta te0'Ó9ÍC0 " filosófica "P^nte e Responderemos , que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e

zelo pastoral assim demonstrados

yenerosraaae e

índice pas

EUREKA

229

O brado do "homem eterno":

VALORES TRANSCENDENTA1S NA LITERATURA RUSSA

231

Homicidio ou benevolencia ?

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO?

246

Questio delicada:

OBSTINAR-SE CONTRA A MORTE OU HUMANIZAR A MORTE ? ..

259

AÍNDA A MORTE DO CARDEAL DANIÉLOU

271

LIVROS

274

EM

ESTANTE COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO

PRÓXIMO

NÚMERO •.

Psiquiatría, ¡deologia e contrapsiquiatria. — Método Billings para limitar prole. — Escolha de sexo dos filhos. — Renovagáo carismática.

AMIGO, NAO SE ESQUECA DE RENOVAR SUA ASSINATURA! DESEJAMOS CONTINUAR A SERVIR COM O AUXILIO DOS NOSSOS COLABORADORES.

x

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Número avulso de qualquer mes Volume encadernado de 1975 EDITORA REDAgAO DE PB Calxa Postal 2.666 ZC-00

20.000 Rio de Janeiro (RJ)

Cr$ 60>00 Cr$ 6,00 Cr$ 85,00

LAUDES

S.

A.

ADMINISTRACAO B«>a Sao Rafael, 38, ZC-09 20.000 Rio de Janeiro (RJ)

Tels.: 268-0981

e

268-2796

EUREKA No séc. IH a.C. vivia em Siracusa um homem chamado Arquimedes; era um pesquisador, que ia descobrindo conclusóes de geometría e de fisica.

Um dia foi chamado ao palacio pelo rei Hieron. Este sus-

peitava que um ourives a quem encomendara urna coroa de

ouro, tivesse mesclado a este metal urna dosagem de prata. Perguntou, pois, a Arquimedes se era possívél descobrir a even tual fraude, sem desfazer a coroa.

O sabio refletiu por muito tempo sobre o problema, que lhe parecía insolúvel... Todavía um dia no banho Arquimedes observou que seus membros, mergulhados dentro da agua, perdiam notavelmente o seu peso. Assim concebeu o famoso principio de Arquimedes: um corpo mergulhado num fluido sofre pressáo de baixo para cima igual ao peso do fluido des locado. Aplicando esse principio, o sabio resolvería o problema lancado pelo rei Hieron. Entusiasmado por tal descoberta, saiu logo para as rúas exclamando : «Eureka! Eureka!», isto é, «Encontrei!»

Perguntamo-nos agora : desde quando Arquimedes se pre-

parava para resolver o problema ? — Por certo, nao foi ao receber a solicitagáo do rei que comegou a indagar e pesqui sar... Já muito jovem seguirá os cursos do grande geómetra Euclides em Alexandria. De volta á sua patria, ele questionava, aplicava-se á pesquisa... Desde que o rei Hieron lhe fizera o pedido, nada distraía a sua mente: ao contrario, tudo lhe era

ocasiáo de viver e revirar o problema. Mesmo quando este nao

estava no plano de sua consdéncia, continuava presente e influia

subconscientemente no seu espirito.

Em conseqüéncia, hoje se fala da psicología do eureka.

Esta sonda o complexo embate dos fatores psicológicos, cons-. cientes e subconscientes, que atuam dentro do homem que procura ansiosamente a Verdade. Todo ser humano tem seus anseios... E nao os tem

ñas no plano das ciencias naturais ou da profissáo ou da eco ■

nomia... Ele os tem — as vezes rnuito mais fortes — tambér i no plano do sentido da vida : de onde venho? para onde vou' por que o sofrimento? por que a morte? Essas interrogacóe;

fermentam dentro de toda criatura normal que aínda nao lhe i tenha encontrado a resposta satisfatória. Podem constituí:

verdadeiro tormento, que perdura até o sujeito descobrir 03

porqués capitais da sua existencia. — A caminhada que leve. — 229 —

a essa descoberta, nao é calma, nem retilínea; passa pelos altos

e babeos, pelos desvíos á direita e á esquerda, pelas curvas e

os dilemas, que caracterizam o processo de maturagáo e a exis tencia de todo homem; nao há descoberta nem aprofundamento

sem crises, sem quedas e reerguimentos, sem resistencias e encruzilhadas angustiantes... É isto tudo que justifica a. expressáo psicología da descoberta.

Mais : mesmo aqueles que descobriram ou julgam ter des-

coberto, nao estáo seguros. Também aqueles que encontraram

a Deus, vivem na procura constante de maior coeréncia e mais profundidade ; Deuá tem sempre novas facetas e novas riquezas do seu Ser e da sua Providencia a mostrar aos homens; e estes

tém sempre que se libertar do «velho homem», com suas cobicas

e seu egoísmo, para realizar em si a «nova criatura».

Estas idéias nos colooam diante da perspectiva da insegu-

ranga, da fome e da sede de justiga, ou seja, fome e sede de conformagáo ao ideal e de plenitude de vida... É impossível

abordá-las sem pensar em decisáo, opgáo e coragem. Voltar a mente para essas realidades incomoda e inquieta. Trata-se, porém, de sadia inquietagáo, que todo cristáo sabe assumir com virilidade. A coragem de procurar, de sair da rotina, de se incomodar é algo que deve marcar permanentemente a vida

do cristáo peregrino. Feiizes aqueles que nao recusam covar-

demente a busca e a desinstala;áo ! «Os santos nao sabem

aquilo de que sao capazes, mas o que os caracteriza é que sabem comegar e correr o risco» (J. le Couedic).

O que importa a todo homem, é conceber a vontade de

procurar e jamáis cessar de por em prática essa procura coerente da Verdade e da Vida.

Os temas abordados neste fascículo ajudaráo o leitor a conceber essa salutar angustia : os escritores russos contem poráneos, sófregos do Infinito e da Vida em plenitude, representam típicamente o homem do sáculo XX ou também o

homem eterno; dáo testemunho de como o homem pode sofrer

o tormento do processo de descoberta,... tormento e processo

estes que sao inevitáveis a quem queira ser realmente homem. A presenga cada vez mais perceptível da «Dama Consumagáo» (que vulgarmente, mas inadequadamente, se chama «Morte»)

mostra como a existencia do homem é um caminhar que só tem sentido se é o antegozo, cada vez mais sápido e livre, do Bem Infinito, Bem Infinito que nao é postumo, mas nos é presente, e sem o qual nao se explicaría o misterio do homem! — Ver a oragáo da nossa 4* capa.

— 230 —

E. B.

«PERGUHTE

E

RESPONDEREMOS» Ano XVI — N» 198 — Junho de 1976

O brado do "homem eterno":

valores transcendentais na literatura russa Em síntese: A literatura de flcgfio russa é o vefculo pelo qual se exprimem as Idélas dos pensadores soviéticos nSo-conformlstas. Tal ó a maneira de escapar á severa censura do Estado Soviético sobre as publlcacSes feitas no pafs.

Ora nessa literatura depreendem-se tres notas características, que

sao principios de urna filosofía nova, aberta para os valores transcendentais e religiosos:

1)

A existencia humana já nSo pode ser elucidada em funcSo de

criterios socio-económicos, mas tem que ser explicada a partir do próprio homem, com tudo que este tem de imprevisivel e de misterio. 2)

As categorías da experimentado, da ciencia e a da raz§o sfio

útels para explicar certos fenómenos da vida humana; todavía sSo Inca-

pazes de dizer a última palavra sobre o proolema da existencia humana. A intuicSo (a qual multo recorrem o poeta e o artista) penetra mals longe do que a razao e revela algo mata; é esse algo mals que pode elucidar mals cabalmente o sentido da existencia humana.

As metas propostas pelo Partido Comunista aos cldadáos soviéticos {paz permanente, sociedade perfelta, fratemidade dos povos. Igualdade, Vitoria sobre a dor e a tristeza...) sSo Importantes, mas. nfio podem ser a resposta definitiva á variada gama de esperances do ser humano. 3) O problema da morte é elucidado pela consciéncia de que o homem nao perece totalmente. É-lhe reservada urna Vitoria sobre a morte

ou a posse da Imortalldade. Os termos em que esta tese é apresentada, sao assaz vagos na literatura soviética; todavía bastam para exprimir a consciéncia, Inata em todo homem, de que a vida presente serla um absurdo se nao houvesse contlnuldade após a ruina do corpo.

Comentario:

Numa entrevista concedida ao jornal «Le

Monde», Jean-Paul Sartre relatou um diálogo que teve com

um escritor soviético. Este (que Sartre deixou no anonimato)

lhe teria dito que, no dia em que o comunismo triunfar defi— 231 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 198/1976

nitivamente, proporcionando á sociedade o almejado bem-estar económico, comegará a existencia trágica do homem, pois entáo se colocará de forma crucial a questáo do sentido da vida, questáo que até hoje nao pode ser devidamente expla

nada por falta de tempo. — Esta dedaragáo significa que a

questáo do sentido da vida nao se resolve por reformas sócio-económicas, mas é de índole diversa e ainda mais angustiante do que as questóes de teor material. Ora o contato com a lite ratura russa dos últimos anos manifesta quanto os pensadores

soviéticos se vém preocupando com os porqués e para qués

da vida humana; essas preocupagóes e$táo, em última análise, muito ligadas aos valores religiosos e místicos. Eis por que, ñas páginas que se seguem, procuraremos percorrer os tra

gos mais interessantes da literatura soviética contemporánea concernentes ao sentido da existencia.

Comecaremos por tecer algumas observagóes gerais sobre a literatura de ficgáo russa.

1.

A literatura de f¡c$oo

Distinguem-se tres tipos de obras de ficgáo: existem, sim, as de ficcáo científica e técnica, como, por exemplo, as de Jules

Veme. Há também as de ficgáo social, que concebem novas e

mirabolantes formas de estrutura social, como as de H. G. Wells; e, por último, registram-se as obras de ficgáo filosó

fica. Ora é principalmente este terceiro género que vem sendo cultivado na Rússia com extraordinario sucesso. Os leitores

das obras desse género discutem-nas horas a fio e com prazer

assistem a palestra sobre as mesmas. O segredo de tal éxito

consiste em que a ficgáo se torna um veículo para a expressáo

e o intercambio de idéias filosóficas de autores e leitores nao conformistas- num país como a Rússia Soviética, em que a cen

sura é táo rigorosa, a literatura de ficgáo torna-se o canal dos pensadores que contestam o «status quo».

A obra de ficgáo filosófica associa geralmente idéias e

emogóes; os conceitos filosóficos abstratos sao ai «encarna dos» em imagens e situagóes concretas. Por isto há. quem

compare, e com razáo, a fungáo das obras de ficgáo (princi

palmente na Rússia) á fungáo que o drama clássico grego

exercia na concretizagáo das teses filosóficas dos pensadores gregos. É isto que torna importantes as obras de ficgáo russas, fazendo-as merecedoras de especial estudo por parte de — 232 —

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

5

quem deseja penetrar na filosofía russa contemporánea; esses

escritos nao contém meros devaneios da fantasía, mas, sim, verdades profundas e expressóes valiosas da alma russa. É nessa literatura de ficgáo filosófica que. vamos acompanhar o aesenvoivimento ae aiguns grandes temas.

2.

Ter ou ser?

Um dos primeiros tragos que o estudioso descobre na fic cáo russa, é a ideia de que a viaa nao pode ser encarada ape

nas do ponto de vista do ter (ou dos bens materiais e da üistribuigáo dos mesmosj, mas deve, antes, ser aterida pelos valores do ser.

1. A propósito pode-se citar Igor Jefimov, autor do romance: «Vede quem chegou». O herói principal, o jovem Oieg, aparece refietindo sobre a felicidade e verifica que os homens se esforgam quase desesperadamente para conseguir ser felizes (o que supostamente consistiría em ter casa, segu-

ranga material, bem-estar sensível...); todavía a felicidade que eles assim alcangam, é quase insignificante. E por qué? — «Sentí que todos esses grandes estoroos em demanda da felicidade nao bastavam. A felicidade nao se tornara urna realidade. O porqué deste fracasso se prendía a certas coisas nao definidas... que ninguém conhece,... a causas veladas mesmo em mim e nos outros» (Junostj I, 1965, p. 50).

Essas «coisas nao definidas» e essas «causas veladas» significam precisamente, no caso, os valores da personalidade, que nao se identificam com posses materiais. Para ser feliz, é

preciso, por vezes, perder em vez de lucrar materialmente;... perder, isto é, entregar-se ao ocio, ao silencio aparentemente

improdutivos. e esteréis; é entáo que se percebe o misterio da

existencia e se tem a intuicáo ou a experiencia de valores que nao se enquadram ñas categorías do ter ou do possuir mate rial. Merece atengáo a seguinte passagem do mesmo autor no romance citado, em que fala Oleg: "Precisamente porque eu tinha tanta pressa, eu estava teso Interior mente... Parecia-me que eu la chegar tarde demais, e que, se eu nao resolvesse todos esses negocios 'importantes', se desencadearia um grande desastre. Eu me preclpitava para a cldade, passando de um dnlbus para outro, aproxlmando-me, aproximando-me... sem poder alcancar... qué? Nao o sel."

Esse desatino provoca urna reagáo positiva: — 233 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

"Que quer dizer Isso tudo ? é preciso que eu me apresse em de manda de determinado luger... Mas será Isto realmente necessérlo?... Por que, de repente, se faz aquí um tal silencio? Eu nSo podia imaginar como é benfazejo... Ponho-me a escutar todos os pensamentos que emergem desse silencio; como sSo imprevistos e agradávels I De um

modo ou de outro, a minha vida é por demals agitada! é preciso que

agora eu pare para compreender todas as coisas, absolutamente todas. Esta conscldncla me enche de alegría, embora eu nao entenda claramente o que todas as colsaa pode significar. Quando voce se senta com calma, sem se precipitar em demanda de colsa alguma, tudo se torna claro:

as criancas, os velhinhos, eu mesmo..." (Junostj 1,1965, p. 50).

2.

Se a vida nao Consiste apenas em ter, mas em desco-

brir valores que nao se medem segundo criterios de materia-

lidade, entende-se que se coloque na literatura russa também a questáo do sentido da vida ou do porque e do para que da existencia. Esta indagagáo transparece nítidamente no romance Golubka de A. Pristavkin: Duas senhoras, ainda na flor de seus anos, discutem o sig

nificado da existencia.

Zienka sente-se interpelada pela reali-

dade da morte, com suas incertezas, e pergunta (exprimindo o pensamento do autor A. Pristavkin): "Por que vivemos? Por que é que o homem vive? Vocé o sabe, Vera?

— Evidentemente, os homens vivem para os homens.

— Ora, isto, eu o ouvl multas vezes, repllcou Zienka... A biología,

a contlnuacSo da especie... vivemos a fim de procriar? — Fomos

exigem

que

procriados; é por isto

vivamos...

Pergunto

entSo:

que vivemos.

— Também um gato nasce; e ele vive porque nasceu, disse Zienka. Mas o homem... ? — Mas ter filhos, Isso, aflnal de coritas, traz fellcldade... Basta pouca colsa a urna mulher para que delxe de se preocupar. Déem-lhe um diva, um marido que trabalhe, um berco para seu filho, e ela estará feliz 1 Será que Isso falta a voce, Zienka?

— O que me falta, é que nSo sel por que vivo I", termlnou Zienka.

Mais adiante, em urna reuniáo, Zienka voltou ao assunto: "As pessoas perdem tempo de maneira Irracional. Escutem como nos tagarelamos. Nao temos mals tempo de pensar, de tal modo nos apressamos por dlzer tudo. Mas as pessoes nfio sabem nem mesmo por que vivem... 1 — Quals

pessoas ?,

perguntou

um

professor

na sala.

— 234 —

que

estava

presente

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

7

— Eu e todos os outros, dlsse Zlenka desesperada. — NSo vivemos nos para o rindo da slmplorledade de Zlenka.

comunismo ?,

perguntou

o

professor,

Suspirando, dlsse Zlenka:

— Sim. Urna vez realizado o comunismo, todos compreenderfio. E encontrarSo novos melos de transmitir as Idélas e terio multo tempo para refletlr sobre o sentido da vida" (Znam)a 3, 1967, pp. 54-55).

O que neste texto importa, é a afirmacáo de que a filo sofía do materialismo nao responde ás interrogacóes funda mentáis do ser humano. Quase na continuacáo destas indagac.5es, encontra-se outro tópico importante na literatura russa: a vida tem pers pectivas de infinitude.

3.

Um olhar que ultrapassa limites

Quem folheia os periódicos da literatura soviética dos últi mos anos, surpreende-se por verificar como poetas e escritores procuram urna resposta para o sentido da vida, voltando-se para o infinito. Verdade é que essa nogáo de infinito nao parece muito clara na mente de tais autores; tentam esbogá-la de um modo ou de outro; mas o que importa, é a expressáo de que o destino do homem é melhor e maior do que aquilo que a materia lhe pode fornecer. 1.

A propósito pode-se mencionar o contó alegórico ou

a parábola de Georgii Guglia intitulada «A geofobia de Andrej

Butjba», cuja súmula é a seguinte:

Um cientista de grande renome, Andrej Butjba, é impres-

siunado pela imensidáo do universo. Concebe a vaga nogáo do

infinito e compreende que o espirito humano, como que encar-

cerado na cela estreita e sufocadora da vida terrestre, deve penetrar dentro do universo. Quase nenhum dos seus contem poráneos o compreende. Consideram-no, antes, como afetado por urna doenga mental, que seria a «geofobia».

O filósofo e matemático Butjba aparece assim obcecado pelo infinito, simbolizado pelo cosmo; a contemplacáo deste se

torna, para ele, um apelo ao homem para que rompa o ciclo da sua existencia. Quando o Secretario local do Partido lhe pede oficialmente que «retome o seu trabalho cotidiano», ele responde:

— 235 —

g

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 198/1976

"Eu nao o poderla, nao; eu nao o poderla, mesmo arrlscando-me a ser espancado por voces... Compreendam-me; estou sufocado aquí, estou angustiado, isto me oprime".

O oficial lembra-lhe entáo que, «apesar de tudo, a térra é urna mansáo agradável», ao que Butjba replica: "Isso é um erro. Voces vlvem em uma cela. Nos nos acostumamos

demais a esta restrlcio mortal, nao levando em conta que existen) espacos Imensos em torno de nos..."

Nlnguém compreende Butjba:

"Tornou-se louco...; nao adianta discutir com ele..., o caso dele está liquidado".

Apenas um pastorzinho, informado das ocorréncias, parece compreender o que se dá na mente de Butjba. Dizem, porém, a esse homem modesto: "Um pastor nSo se deve extasiar diante do firmamento. Deve con

templar a erva e vigiar o gado...

Uma estrela e a nolte sSo belas, ó

jovem, mas uma vaca é necessária ao homem dia e noite... Se nao há estrelas, vocé pode acender uma lámpada a óleo ou urna larelra no acampamento e, com isto, regozijar-se. Mas, se o leite falta, vocé nio o pode substituir por agua. Compreendeu ?" — "Compreendo multas coisas mals dlflce's aínda, é por Isto que nao estou de acordó com voces. Para mlrn, sem o cóu e a térra, nSo haverla vida... Céu e térra... O homem n&o se deve arrastar por térra como um

verme.

Deve

plainar ácima da

térra

como

a águia. O

homem

deve procurar penetrar o misterio do universo I"

O contó termina com a sugestáo, um tanto vaga, de que com o tempo os homens chegaráo a compreender essa «ano-

malia» do dentista Butjba e do pastor. Cf. Zuamja 5, 1966, pp. 115-139.

2. Entre os poetas russos, ocorrem freqüentemente as expressóes «eterna inquietude do espirito», «luta eterna»,

«avanco constante», sendo especialmente enfatizado o adjetivo «eterno».

Essa inquietude e essa luta eternas sao a conse-

qüéncia da tensáo permanente entre o ideal (as aspiragóes congénitas do homem) e a realidade que o homem vive. Depreende-se, em alguns escritos russos, a consciéncia de que as geragóes vindouras estaráo mais próximas dos ideáis a que tambán os homens do século XX aspiram. Admitir que nunca

a humanidade chegará a plenitude das suas aspiragóes signi fica tirar todo sentido ao sofrimento das geragóes passadas e — 236 —

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

da presente.

9

Toda essa luta afinal deverá ter sua compensa-

gáo satisfatória; cf. Robert Rojdestvenskij, em Junostj 10, 1963, p. 1.

A conseqüéncia de que o ser humano foi feito para algo

que nao tem fim (embora confusamente concebido), é expressa pelo poeta Gennady Bor: "Diante de fronte!ra alguma temos o dlreito da dlzer: 'Nao podemos passar além deste limite' ou 'Já atingimos o termo'. A vida nunca para. Ela continua a te maravllhar por suas novldades e te arrasta para mais longe, em direcüo de maiores profundidades. Mesmo se tu entrasses ñas esferas celestes, tu ainda poderlas dizer: 'Nao basta, n§o basta 1'"

Fazendo eco a estas idéias, Ljudmila Popova vé o género humano em marcha numa estrada sem comego e sem fim (Zvezda 4, 1962, p. 34s) e Vladimir Michanovskij recorre á imagem de urna espiral sem fim

(Zvezda 11, 1962,

p. 7).

NDcolai Braun, por sua vez, manifesta a nostalgia do infi nito ao escrever: "Frente a esse universo eu me coloco com a alma totalmente aberta. E respiro diretamente em direcSo do futuro.

Eu me comunico com os tempos que foram e com aqueles que vlráo. E esses sonhos que voam para o futuro, essa procura de luz — que flzeram respirar também os meus antepassados —, eu os transmito aqueles que háo de sonhar durante os séculos vindouros".

3. O mesmo tema volta num poema de Roberto Rojdest venskij, que recorre a urna comparagáo a fim de ilustrar a realidade (ou o misterio) da vida humana. — Pensemos, diz ele, numa crianga que estuda piano com grande esforgo todos os dias, fazendo seu solfejo, seus acordes, suas escalas e oitavas. Os exercícios podem parecer-lhe inúteis ou destituidos de sentido... Eis, porém, que chega o dia do concertó, em que o pequeño pianista vai tocar para o grande público... Entáo que acontece? — Responde Rojdestvenskij: «Como que numa revelagáo, e em recompensa pela sinceridade dos esforgos realizados, a eternidade nasce do contato dos dedos com

as teclas». Ora, diz o poeta, os esforgos que os homens efetuam em meio á dor e á dúvida, seráo coroados numa eterni dade; a eternidade levemente percebida através da música é apenas um pálido preludio daquela eternidade que coreará os esforgos dos homens. A historia da térra está voltada, desde — 237 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

as suas origens, para a eternidade. E Rojdestvenskij termina

com um apelo a todos os homens para que se abram ao infinito: "A térra está confusa. Os seus pés estfio cobertos de poelra. Sede pacientes, (ilhos; tocai ainda os vossos acordes I é preciso esforcar-se

ainda. Eu so cantare! os vossos louvores quando eles puderem ser louvores eternos!" (Zvezda I. 1961, p. 46).

É particularmente, bela a comparagáo da vida humana,

dura e atormentada, cóm os exercicios do jovem pianista. Os

homens colheráo na sinfonía eterna os resultados dos arduos esfor¿os que eles sinceramente váo realizando...! Merecem

atengáo

ainda

as

interrogagóes

do

poeta

M. Markaryan:

"Sede de luz, sede de felicidade... Donde vem o teu poder de atralr os coracdes dos homens? Para que regides has de levar os homens? Nenhuma geracSo humana jamáis conseguiu acalmar-te. Ó heranca desconfortável I Perfil Inevitável da vida, onde está o teu flm ? Onde está a

tua origem, sede de luz, sede de felicidade?" (texto extraído de "Informatlons..." pp. 18s¡ ver bibliografía).

O «tormento» assim expresso por Markaryan lembra o

«tormento de Deus» ou «... em demanda de Daus» (Unruhe

zu Gott) de que falava o pintor Vilibrordo Verkade, ao nar rar a sua conversáo do ateísmo para a fé crista e a vocagáo beneditina:

Deus «atormenta» todos os homens, mesmo aque

les que O ignoram, pois todos foram marcados pelo sinete do Infinito.

4.

Ainda nesta serie de testemunhos vale a pena citar

de novo o poeta Gennady Gor.

Está persuadido de que os

homens passaráo por verdadeira metanóia ou por urna reviravolta total de mentalidades, em conseqüéncia da qual descobrí-

ráo perspectivas de infinito. Essas perspectivas, Gennady Gor as descreve metafóricamente, retomando frases de Fyodorov: "Eu

contemplava as

pessoas que

passavam ;

contemplava os

seus

semblantes que sonlam e que riam. E eu pensava: 'Voces ainda nao sabem que em breve a porta se abrirá bruscamente e entáo cada um de voces se encontrará á beira do abismo, sem fundo, do espaco. Voces farSo a experiencia de Cristóvao Colombo, que se encontrou diante do océano imenso e desconhecldo no día em que ele empreendeu a sua aventura. EntSo cada um de voces se apressará por esquecer todos esses negocios que n6o podem esperar*. Os homens se apressaráo por sacudir o torpor cotidiano e rotlnelro, a fim de atingir o futuro, cujo esplendor desconhecldo fala ao coracfio".

— 238 —

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

11

Este trecho talvez lembre a algum leitor a «visáo face-a-face da Beleza Infinita» de que fala o Cristianismo. É táo eloqüente e significativo que a obra de Fyodorov donde foi extraído («Filosofía o Shchego», Filosofía da questáo geral) nunca mais foi reeditada na Uniáo Soviética!

A necessidade de tomar consciéncia da missáo que cabe ao homem e de a realizar ciosamente, faz Lyudmila Tatjaniseva exclamar: «É grande a responsabilidade de ser homem> (Oktjabrj 10, 1963, p. 4).

Continuando a desenvolver a temática, passamos agora

a outro trago marcante da literatura russa contemporánea.

4.

A conquista ¿a morte ou a vitória sobre a morte O pensamento russo volta-se freqüentemente para a morte,

que é, como se diz, a única coisa certa que o homem tem desde que nasce.

Nos escritos literarios respectivos, transparece a

idéia de que o retorno definitivo ao nada seria um absurdo intolerável. A reagáo diante da morte é, por vezes, original:

muitos autores soviéticos entrevéem a possibilidade de que o próprio homem venha a conquistar ou superar o tempo e a

morte: os fundamentos desta perspectiva seriam a tese de que a mente humana nao conhece limites e é feita para o combate continuo.

1.

Eis o que a propósito escreve o bioquímico W. Stibnev:

"O principal problema da cISncla o da filosofía é o da vida e da morte. A morte ó um paradoxo. O contraste que existe entre as grandes

posslbilldades de urna inteligencia nao obscurecida e o corpo material tfio frágil preocupa, já há multo, o espirito humano. É preciso, a justo titulo, considerar o problema da vida e da morte como o mais cruclante e o mals dramático de todos os problemas com os quais o homem jamáis se defrontou".

Os autores russos prevéem o momento em que a ciencia descobrirá o misterio da vida e o homem poderá «reger o processo do organismo vivo». Pois um dia, enfatiza Stibnev,

«o homem chegará realmente a vencer a morte, por mais

estranha que esta idéia possa parecer neste momento...

Pela

ciencia atual, esta questáo ainda nao foi estudada formal

mente, mas abrem-se perspectivas de urna solucáo fantástica do problema da vida e da morte» (Almanach naucnoj Faatastíka 1964, pp. 910s). — 239 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

2.

A literatura soviética frisa freqüentemente a contra-

digáo existente entre a mortalidade do ser humano e as aspiracóes deste a urna vida imortal ou a urna Vitoria sobre a morte.

Sao palavras de E. Parnov e M. Emcev:

"Quando de repente o homem tomou consciencla de ser um a natureza Ihe dlsse: 'Homo sapiens, tu és mortal I...' Ora isto injusta I A consciencia de existir é Incompatível com a Idéia da Aquele que compreende a natureza, deve ser Imortal 1" (Bunt Irilllonov, em Almanach naucnoj Fantastlka 1964, p. 52).

homem, ó urna morte I tridcatl

Mais urna vez, um dos autores que mais desenvolverán! as aspiracóes do homem 'á imortalidade é Gennady Gor. Este concebe a imortalidade nao como a continuagáo ilimitada do

tempo; ele eré, antes, que a eternidade deve ser de índole

diversa da do tempo; deve ter urna profundidade singular que se manifesté já no momento presente: "Nos libertaremos o homem do deterninismo rígido do tempo; nos o tornaremos atemporal" ("O peregrino e o tempo", em "Fantastlka", Mos cou 1962, p. 53).

"Voces

procuram

a mansSo desse

astronauta,

desse

vencedor do

tempo e do espago. Éu sel onde ela se encontra: neste mundo interior

de cada um de nos. £ em nossos coracSes que dormita esse desejo de vencer todos os obstáculos e de realizar esse sonho I" ("Vera" p. 167).

Nao há dúvida, ainda sao bastante obscuras as concep-

cóes dos autores citados no tocante á imortalidade; talvez

alguns a pretendam conquistar simplesmente por recurso a

ciencia. Como quer que seja, através das expressóes de tais escritores percebe-se a consciencia de que a morte nao pode ser o termo final e definitivo da passagem do homem sobre a térra.

. 3. O autor lija Selvinskij, nascido em 1899, é tido como excelente poeta, cujas obras ainda sao pouco estudadas. Em determinada passagem, Selvinskij entrevé a sua própria morte,

que Ihe parece próxima... Considera entáo a tese segundo a qual o homem se torna imortal pelas obras que deixa; nisto táo somente consistiría a imortalidade do ser humano, segundo o materialismo dialético. Observa entáo :

"Desde o meu segundo enfarte do miocardio, estou convicto de que n8o sobreviverel a um terceiro, e comecel a adaptar a minha psique á perspectiva da morte. Em mlnha Juventude, quando eu gozaya de saude próspera, velo-me a Idéia: 'Quero adquirir, através dos meus versos, a

Imortalidade, a flm de acolher a hora da morte como um anfitrlSo acolne — 240 —

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

13

o seu convidado...' Mas com o passar do tempo essa coragem velo a

íaltar-me... O espectro da morte próxima faz-me recear que eü já nfio

possa empreender urna grande obra... NSo; a amea?a da morte nfio nos excita a, criar. Quando Alexej Tolstol e Sergio Prokofiev trabalhavam literalmente ató o último suspiro contra o parecer formal dos médicos, eles nio o faziam pelo fato de estar o Nada a bater as suas portas, mas porque

n8o podiam proceder de outro modo; era-lhes necessárlo criar; nisto con sistía toda a vida deles, todo o sentido da sua existencia...

Adoro a vida e tenho horror á morte. Nunca me pude reconciliar com esta e jamáis o poderel fazer. Mas Isto nSo quer dizer que construí levlanamente urna teoría por causa desse ódlo á morte. Na base do meu modo de pensar existe urna hipótese científica".

Selvinskij expóe essa hipótese, lembrando que Robert Wiener, o fundador da cibernética, escreveu um dia, na base da teoría de Einstein: «Nos nao somos materia, mas forma da estrutura da materia». Selvinskij dai deduz que nao é a

materia como tal, mas a forma que determina a natureza da

pessoa humana. Ora, continua Selvinskij, segundo Wiener «a

forma procura perpetuar-se». É sobre estes dados que o escri tor russo constrói a sua fé na imortalidade; diz que eré em urna nova manifestacáo de seu Eu no futuro.

Nao se pode definir melhor o que entende Selvinskij com tais afirmacóes; nem o próprio autor tinha nogáo multo clara do assunto. A sua tese lembra a doutrina escolástica do hilemorfismo: a alma é a forma do corpo e goza de imortalidade, mesmo quando a materia respectiva se destrói. Todavía seria temerario equiparar Selvinskij a um filósofo escolástico. Como quer que seja, é urna testemunha da certeza da imortalidade da pessoa humana. Alias, o mesmo autor escrevia a Lev Ozerov que, como professor de literatura, ele propunha a seus discípulos a fé na imortalidade pessoal; muitos dos mesmos a compartilhavam.

E concluía:

"Nao quero impor a mlnha teoría a nlnguém, mas creio firmemente

nela. é Isto que me ajudará a ficar nobre e puro diante da morte" (Lltera-

turnala Rossla rfi 39, 23/IX/1966).

4.

Nao poderíamos deixar de mencionar ainda dois auto

res de vulto neste setor.

O poeta Vadim Chriljev sugere que se considere a morte

como urna maturagáo espiritual ou urna libertagáo em vista do Infinito e do Eterno. Cf. Neva 11, 1961, p. 77. A poetisa Margarita Aliger vai ainda mais longe, pois admite que no ser humano existe um principio espiritual que a própria autora chama «alma». Ao fazer o balarco da sua — 241 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 198/1976

vida, reoonhece que está envelhecendo; todavía Margarita tem consciéncia de que tal nao é o caso da alma; esta, latente dentro do homem, com o passar do tempo ganha riqueza e profundidade, amadurece e rejuvenesce ao mesmo tempo, e — mais ainda — «estreita os liames com a vida». Para desig

nar o contraste entre esses dois processos (o declínio do corpo

e o crescimento espiritual), Margarita Aliger emprega a palavra «luta». Nesta luta, o corpo quer convencer a alma de que ele a suplantará, de modo que nao haverá continuidade de vida para ela; a poetisa, porém, toma partido pela alma, apesar de todos os argumentos em favor do corpo, pois é indubitável que a alma escapará á destruicáo. Ela exorta os leitores a socorrer a alma nessa «luta sem fim» até que a alma obtenha a Vitoria. Em virtude dessa esperanca na Vitoria, a poe

tisa afirma que a vida é um caminho através da floresta, tendo no seu ponto de chegada «urna luz imperecível» (Den! Poczii 1980, p. 11).

Outro tema que a literatura russa contemporánea nao podia deixar de considerar, é o do sofrimento, alias, inseparavelmente associado á morte.

5.

O problema do sofrimento

Esta questáo sempre atraiu fortemente a

atencáo dos

pensadores.

Também os escritores russos de nossos dias se interrogam a respeito- pode-se justificar a dor? Podem-se fechar os olhos

aos sofrimentos de tantas geracóes passadas e de tantas popu-

lacóes de nossos tempos? A térra seria táo cóncava que necessite de tanto sangue derramado?

Alguns autores na Rússia assumem, diante de tais pergun-

tas, urna atitude de revolta, pois nao encontram sentido para o sofrimento. Outros procuram entrever ai alguma significacáo, ainda que pálida e latente. E como?

1. Tenha-se em vista o romance «A Rabujenta» de Lidia Ohuchova. Em determinado trecho, a autora diz que a vida marcada pelo sofrimento é «a grande vida», a vida sem ilusóes, a vida que estimula a magnanimidade. Para aceitar essa «grande vida», sempre trágica, é necessária muita coragem. — 242 —

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

15

Por isto também a escritora dirige-se a quem parece alquebrado pelo trágico da vida, desejando-lhe que «Deus te dé essa grandeza de alma» («Neva>, 2, 1961, p. 70). 2. Nao é só o individuo que deve seguir a estrada da cgrande vida»; todo o género humano há de passar por ela.

Para Semjon Kirsanov, a peregrinagáo da humanidade nao é simplesmente urna via triunfal, mas, sim, e talvez mais ainda, um caminho da cruz. Este autor chega a ver na figura do Cristo Jesús o símbolo de todo o sofrimento do mundo — o que realmente é novo e estranho na literatura soviética. Quem de nos, pergunta Kirsanov, nao foi ferido pelas pedras das injurias? Quem de nos nao conhece as mordidas dos caes,

os labios umedecidos por vinagre, os cravos ñas palmas das máos ? Cr. Znamja 11, 1962, p. 136. Kirsanov ilustra a sua própria vida, assaz marcada pela dor, com as palavras bíbli cas de Jónatas, filho de Saúl: «Apenas proveí um pouco de mel, eis que já devo morrer...» (ISm 14,43). Meditando sobre a sua vida passada e a morte que se avizinha, o autor consegue superar o sarcasmo que Ihe aflora á mente e vislumbra a possibilidade de elucidar o problema do sofrimento: o calvario da humanidade é a «grande via», na qual talvez se possa descobrir um sentido profundo. Kirsanov ainda nao o vé com toda a clareza, mas pressente-o; a aproximacáo do sofrimento do mundo e da figura de Cristo é, para ele, «a revelacáo mais importante» feita ao mundo (cf. Znamija 11, 1962, p. 136). Também no romance de S. Snegov «Vai até o fimb encontra-se a imagem de Cristo como símbolo do sofrimento. Este trago literario, de resto, tem raízes na piedade popular russa, que, principalmente na poesia anterior a 1917, identificava o sofrimento do povo com o de Cristo. Snegav tem como pro tagonista do seu romance o herói Terentjev; este possui tanta experiencia do sofrimento que foi cognominado «o pequeño Cristo»; sente-se atraído para o Cristo sofredor, que provou urna tragedia humana muito triste, mas, por isto mesmo, se

tornou cativante e encantador (Znamja 4, 1962, p. 20). Te rentjev é a encarnacáo de virtudes mais cristas do que marxistas: mansidáo, brandura, simplicidade, humildade, confianca

nos semelhantes e, principalmente, entrega ao sofrimento em vez de revolta.

3. Também a Virgem María, que sempre foi muito cara á piedade crista, aparece ñas obras dos poetas russos contem poráneos que abordam o sofrimento. Para Leonid Chaustov, — 243 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

a ícone (imagem de arte oriental) da SS. Virgem de Roubljov

é, por sua vez, o símbolo do sofrimento universal como também da nostalgia da felicidade e da redengáo, nostalgia ex-

pressa na oragáo pela luz e a saúde... (Neva 2, 1961, p. 13).

Vsevolod Rojdestvenskij vé simbolizada no mosaico da Santa

Máe de Deus da catedral de Santa Sofía de Kiev a «Esperanca da Térra». Esquecendo os incendios, os devastacóes e as guer

ras, a Virgem paira sempre na ábside da catedral e do alto contempla os homens como Rainha da Paz. Quanto á ícone da SS. Virgem de Roubljov, Vsevolod Rojdestvenskij considera o seu semblante como '«o semblante fulgurante» de um futuro remoto e perfeito, para o qual se volta, ao longo dos séculos,

a nostalgia religiosa do povo russo (Zve2ida I, 1962, p. 46).

Estas passagens demonstram que a fé, e até mesmo a fé

crista mais tradicional e auténtica, aínda existe entre os pen sadores russos contemporáneos; ela brota, tímida e contro lada, mas viva e terna, da mente de escritores que representam a genuina alma russa.

Eis o momento de procurarmos sintetizar quanto acaba mos de percorrer, em urna

6.

Condusao

Poderíamos compendiar em tres ítens as grandes preocupacóes e indagacóes expressas na literatura de ficgáo filosó fica da Rússia contemporánea:

1)

O sentido da vida já nao é elucidado a partir de fato-

res sócio-econdmicos ou puramente materiais, mas, sim, a par

tir do homem, com tudo o que este tem de profundo, original, imprevisível ou mesmo misterioso. Assim, em vez de se dar primazia aos valores sócio-económicos, enfatiza-se, antes do mais, o ser humano em sua singularidade — o que já constituí urna ruptura com a ideología do Partido.

Em conseqüéncia, muitos pensadores russos já nao aceitam a interpretagáo do sentido da vida a partir dos objetivos

conhecidos e prescritos pela ideología do Partido. Por muito

ponderosos que possam ser esses objetivos, os escritores russos percebem que nao podem dar a resposta definitiva á rica escala de expectativas, esperanzas e de idealismo que marcam 944 _

TRANSCENDENCIA NA LITERATURA RUSSA

17

indelevelmente o ser humano. Essa resposta definitiva, para muitos, se coloca além de todas as finalidades estabelecidas pelo Partido e mesmo para lá de tudo o que se possa exprimir em termos concretos: sociedade perfeita, fratemidade entre

todos os povos, paz permanente, igualdade, Vitoria sobre a dor

e a tristeza...

3) O problema do sofrimento e da morte é envolvido numa perspectiva de imortalidade. O conceito desta Vitoria

sobre a morte é, certamente, ainda vago; todavía é, como dissemos, suficiente para demonstrar que o bom senso e a intui-

£áo inatos em todo homem o levam a descobrir que a morte do corpo nao pode por termo final á existencia da pessoa humana; esta só pode ser devidamente entendida se se Ihe atribui urna sobrevivencia ou urna vida sem fim. A lógica das coisas parece postular tal afirmagáo. Estas tres notas do pensamento russo contemporáneo vém a ser um embriáo filosófico que tende a se desabrochar, dando origem a novas e novas conclusóes. Em síntese, elas fazem eco a urna frase de Dostoievskij: «O homem só é capaz de lutar por algo que seja infinitamente grande» ; essa aspiragáo ao

infinitamente grande reaparece e reaparecerá sempre, apesar de todos os esforcos e as pressoes feitas para «canalizar as

tendencias do homem em diregáo de objetivos limitados e fini tos» (F. M. Dostoievskij, «Jornal de um escritor»).

Bibliografía:

M. A. Lathouwers, "La llttérature sovlétique vérltó", em "Irónikon" XXXIX. 1966, pp. 325-354.

á

la

recherche

de

la

ídem, "Le sens de l'exlstence humaine dans la littérature sovlétique contení poralne", em "Irónikon" XLI, 1S68, pp. 509-542. Idam, "Llttérature sovlótlque". Utrecht

1968.

ídem, "Les ócrivains sovlétlques s'lnterrogent sur le mystére de l'homme", em "Informatlons Catholiques Internatlonales" 482, 15/VI/1975, pp. 13-21.

PR 197/1976, pp. 201-216 (surto religioso na Rússia de nossos días).

— 245 —

Homicidio ou benevolencia ?

matar para livrar o enfermo?

£m sfntese: Chama-se eutanasia "a morte suave ou Indolor". Pode-se provocar tal tipo de desfecho num paciente que esteja gravemente enfermo ou mesmo condenado; tern-se entio a eutanasia direta. Pode também acon tecer que se deixem de'ministrar os recursos que entretenham a vida do paciente, permitlndo que a doenca o devore naturalmente; dá-se entáo a eutanasia índireta. A eutanasia direta ou positiva equivale a um homicidio, e, por Isto, é sempre Ilícita. Quanto á eutanasia ¡ndireta, observe-se: nio há obrlgagSo de recorrer a meios extraordinarios para conservar a vida de alguém ; torna-se, pois, licito deixar de aplicar recursos extraordinarios no tratamento de um paciente. Nao há dúvida, é difícil avallar o que seja "extraordinario" em medicina, visto que os progressos desta vSo posslbilitando sempre mals o emprego da técnicas outrora raras: a avaliacáo do extraordinario deve apoiar-se nao sonriente em criterios meteríais (viagens, aparelhagem...), mas também em criterios pessoais (proporgáo entre sofrlmentos acarretados pelo tratamento para o paciente e esperanca de recuperacáo dal decorrente).

Comentario: O problema da eutanasia esteve mais urna vez em foco nos últimos tempos. Nos Estados Unidos a menina Karen Ann Quinlan já estava em coma havia seis meses, quando seus pais pediram a um tribunal norte-ameri cano permitisse aos médicos suspender o respectivo processo de respiragáo artificial; assim ela morrena mais rápidamente, visto que estava afetada de lesóes cerebrais,

nenhuma esperanca de recuperacáo deixavam.

que pouca ou

Cinco meses

mais tarde (mareo 1976), as Cortes norte-americanas responderam afirmativamente ao pedido dos genitores, desde que os

médicos fossem favoráveis ao desligamento da aparelhagem que entretinha a vida da menina. Este e outros casos, que aparecem sempre mais comple

xos, pois a medicina tem sempre novos e novos recursos para

prolongar a vida, tém levado os estudiosos a comentarios diversos sobre a eutanasia hoje.

Abaixo proporemos algumas

reflexóes sobre táo candente assunto, inspiradas na bibliogra

fía mais recente. — 246 —

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO ?

1.

19

O problema

Antes de entrar na questáo propriamente dita, devenios

esclarecer as nogóes em foco e os debates que em torno délas se travam.

Eutanasia, etimológicamente, quer dizer «morte suave»; é a supressáo indolor da vida de um enfermo gravemente ator mentado pela dor.

A eutanasia direta ou positiva ocorre quando se provoca

diretamente

a morte do paciente mediante algum recurso

mortífero.

A eutanasia indireta ou negativa/ decorre da subtragáo dos meios (medicamentos, aparelhagem...) vida tenue e dolorosa do paciente.

que entretém a

Num passado ainda próximo, os casos ocorrentes eram raros e provocavam geralmente o repudio da opiniáo pública. Assim em 1959 um pai de familia de cerca de 50 anos de idade matou sua filha de 15 anos nos arredores de Paris, porque era enferma de nascenga e sofría sem esperanga de cura.

Aos 23/IV/1961, Luigi Faita foi da Italia á Franga visi tar seu irmáo Giuseppe, que sofría de esclerose lateral amio-

trófica; julgando-o incuravelmente enfermo, matou-o com tres

tiros

de

revólver.

Foi

absolvido por um

tribunal

francés.

Em maio de 1962, urna senhora de Liége (Bélgica), Suzana Coipel Vandelput, deu veneno (por consciente indicagáo do médico) á sua filhinha Corina, que nascera mutilada pela talidomide. Também foi absolvida a. PR 66/1963, pp. 235-246.

por

tribunal

de

Liége.

Nos últimos anos, tanto a prática do aborto como a da eutanasia tém encontrado adeptos em número crescente. Tres dentistas Premio Nobel, como Jacques Monod, Linos Pauling e Georges Thompson publicaram em julho de 1974, juntamente com trinta e sete expoentes da cultura mundial, um manifestó em favor da eutanasia. Partindo da premissa de que «é imo ral tolerar, aceitar ou impor o sofrimento», escreveram: "Oremos que a conscléncla moral está bastante desenvolvida em nossa

sociedade para poder elaborar urna regra de conduta humanitaria no tocante 6 morte e aos moribundos. Deploramos a moral tasenstvel e as restrlcfies

— 247 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

legáis que impedem o exame do caso ético da eutanasia. Fazemos apelo á opinlao pública esclarecida para que supere os tabus tradicional» e tenha compaíxáo dos que sofrem Inútilmente na hora da morte". E concluiam:

"Todo Individuo tem o direlto de morrer com dignidade. Por Isto recomendamos a todos os que compartilham esta opiniSo, lancem por escrito a sua última vontade quando aínda ostiverem com boa saúde, de clarando que tenclonam fazer respeitar o seu direito de morrer com dlgnidade".

Este Manifestó, foi acolhido com simpatía nos Estados Unidos da América e em outros países por aqueles que se julgam pioneiros do progresso, libertos da moral tradicional. Na Alemanha, recente inquérito sobre a eutanasia acusava

53% de vozes favoráveis á eutanasia, 33% de votos contra

rios e os restantes incertos. Os professores de Medicina declararam ter praticado freqüentemente a eutanasia; em certos hospitais alemáes deseobriu-se que a prática nao era rara. Nos Estados Unidos parece que se dá algo de semelhante; em tres hospitais da cidade de Louisville (Kentucky), o Prof. P. Cameron, de Psicología, verificou que sao freqüentes os casos de eutanasia.

Em 1974 na Italia a Dra. B. Allocca matou o pai doente e a irmá desequilibrada. Comegou por aplicar-lhes urna injeCáo de Valiura e urna de Luminal, que os adormentaram; depois cortou-lhes as veías. Em seguida, tentou o suicidio;

mas, apavorada, desistíu e foi levada para um hospital de

psiquiatría. Por último enforcou-se no cárcere. Este era pro-

vavelmente um caso de demencia; todavia nem sempre todos os que se manifestam em favor da eutanasia, podem ser tidos como dementes.

A seguir, procuraremos analisar o fenómeno, distinguindo entre eutanasia direta e eutanasia indireta. 2.

Eutanasia direta

Pergunfamo-nos, antes do mais: 2.1.

Por que a eutanasia ?

Certamente um dos motivos mais aduzidos em favor da eutanasia direta (e é somente desta que agora falamos) é a — 248 —

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO ?

compaixáo.

21

O paciente sofre tanto que pode alguém julgar

melhor dar-lhe urna injecáo nao somente para aíiviar-lhe a dor, mas para extinguir-lhe a existencia.

Esse sentimento de compaixáo encontra eco propicio nos sistemas materialistas da filosofía contemporánea: o neopositivismo, o existencialismo ateu, o marxismo, o mecanicismo contribuem para apagar em muita gente a crenga na vida postuma. A única existencia do homem seria a terrestre: se esta acarreta prazeres e satisfacóes, vale a pena vivé-la; Be

traz sofrimento e dor, convém extingui-la... Tal é a lógica do materialismo. G. Siegmund, em estudo sobre o suicidio, verificou que há relacionamento estreito entre incredulidade

e sucídio. Quem nao eré em Deus, julga poder dispor da sua vida e da vida do próximo segundo criterios imediatistas e meramente humanos. Prosseguindo nossas reflexóes, indagamos: 2.2.

Nao estaría

isto

eerto ?

1) A lei natural ensina que o homem nao é senhor nem da sua vida nem da vida de seus semelhantes. Ninguém tem o direito de exercer dominio sobre a sorte alheia. Todos os seres humanos se encontram ñas mesmas condigóes naturais

de dependencia em relaeáo ao Criador; por isto ninguém está habilitado a tirar a vida a um inocente. É por isto que a eutanasia, extinguindo a existencia de um inocente, é grave

mente ilícita. Note-se mais: o direito á vida é o direito fun damental, condigáo para que alguém possa gozar de qualquer

outro direito. Ninguém tem direito á propriedade, á honra, ao trabalho..., se nao existe. Por isto quem nega o direito á vida, nega qualquer outro direito. Em conseqüéncia, um aten tado contra a vida é delito capital.

Há, porém, quem indague: existe realmente a lei natu ral? — Em resposta, observamos que no plano biológico o organismo tem certamente suas leis naturais (comer, respirar, dormir., r), cuja observancia é condicáo de vida ou morte; paralelamente, no plano ético ou moral, a consciéncia humana tem suas leis naturais, cuja observancia é condigáo de realizacio ou nao de auténtica personalidade (nao matar, nao roubar, honrar pai e máe...). Existe, pois, urna ordem de conduta objetiva e natura] á qual o ser humano se deve con— 249 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

formar para ser humano no sentido próprio da palavra. Os pensadores de todos os tempos tém reconhecido esta verdade. Deve-se acrescentar que, fazendo eco a esse consentimento universal, a doutrina da fé católica repudia a morte infligida a um inocente por parte dos homens. Por «inocente» entende-se, no caso, aquele que nao perdeu o direito a vida; nao é inocente, por exemplo, o injusto agressor, pois, atentando injustamente contra a vida alheia,

direito a sua própriá vida.

perdeu eventualmente o

Diz, por exemplo, a S. Escritura em nome do Senhor Deus: "Nao matarás o inocente e o justo, porque ocíelo o ímpio" (Ex 23,7)1.

O sangue do homem injusticado clama ao Senhor Deus (cf. Gn 4,10), pois todo ser humano é feito á imagem e semelhanca de Deus (cf. Gn 9,5s). A Igreja, através dos sáculos, fez eco constante a essas palavras bíblicas. Limitando-nos aos mais recentes pronunciamentos, citaremos o de Pió XH aos 12/XI/1944, dirigido á «Uniáo Italiana Médico-biológica Sao Lucas»: "Enquanto o homem nSo é culpado, a sua vida é intocável; por isto é Ilícito todo ato que tenda dlretamente a destruí-la, quer esta destrulclo

seja intencionada como f!m, quer apenas como meló orientado á um fim;

quer se trate de vida embrionaria, quer seja vida plenamente desenvolvida, quer esteja chegada ao seu termo final" (Pió XII, "Discorsi ai medid", Roma 1959, vol. I, p. 51).

O mesmo Pontífice dizia num discurso as Parteiras: cia,

"Nao há nenhum homem, nenhuma autoridade humana, nenhuma cien

nenhuma

Indlcacáo

médica,

eugdnica,

social,

económica,

moral,

que

Dossa dar válido titulo jurídico a um ato de direta e deliberada disposicSo sobre urna vida humana inocente" ("Acta Apostólicas Sedls" 43 [1951] p. 838).

O Concilio do Vaticano II (1962-1965) proclamou solenemente: "Tudo que é contrario a vida, como toda especie de homicidio, o genocidio, o aborto, a eutanasia e o suicidio voluntario... sSo coisas realmente vergonhosas, e, enquanto degradam a cMlizacSo humana, mais JA palavra "odeio" há de ser entendida como hipérbole, usual entre, os semitas. Deus nao se compraz no ato mau, mas guarda sempre o seu amor a qualquer criatura.

— 250 —

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO ?

23

ainda manchan) aqueles que asslm se comportam do que aqueles que padecen) tais males; ferem grandemente a honra de Deus" (Constitulcáo "Gaudium et Spes" n"? 27).

Pode-se notar também que algumas Conferencias Episcopais se pronunciaran! abertamente contra a eutanasia, aduzindo para tanto razóes de ordem natural, como também deri vadas da fé; assim a da Inglaterra, a da Irlanda, a da Alemanha Ocidental...

2.3.

E se o paciente pede a eutanasia ?

Há quem rejeite a eutanasia quando cometida sem o con-

sentimento do enfermo.

Aceitam-na, porém, se este a pede.

A propósito, observe-se que a eutanasia nao deixa de ser ilícita, ainda que o paciente a deseje, pois nem este é senhor da própria vida.

Mas qual o sentido de urna vida humana imersa no sofrimento?

Considerando tal vida do ponto de vista cristáo, devemos dizer que nao há sofrimento destituido de significado e valor. Padecendo e morrendo na Cruz, o Fílho de Deus feito homem quis dar a todo tipo de dor — mesmo á mais hedionda e

atroz — urna fungáo salvífica e redentora. Quem suporta a sua cruz em uniáo com Cristo, configura-se ao Senhor, purifica-se e santifica-se, contribuindo outrossim para a salvagáo

e santificagáo dos homens; é esta a grasa que toca a todo enfermo cristáo, mesmo aos mais acabrunhados e esquecidos.

Passando para o plano meramente natural ou psicológico, também se verifica que o sofrimento nao é o inimigo número 1 do género humano. É, sim, urna verdadeira escola, que ensina

paciencia, magnanimidade, coragem, desprendimento; quebra o egoísmo, a mesquinhez, a infantilidade... Se nao fora o sofri mento, a personalidade humana nao se libertaria do egocen trismo e da cobiga, nem se elevaría aos altos píncaros da perfeigáo. Eis palavras do psiquiatra J. J. Lopez-Ibor: "Sob o aspecto psicológico, o sofrimento exerce um

papel funda

mental na formacSo da nossa personalidade. O sofrimento ou a dor — mais do que qualquer outra sensacáo — dá-nos o sentido da nossa dualidade:

a esplrltualidade (o eu), que se contrapee á dor. Mais do que qualquer outra

— 251 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

sensacáo, a dor serve á crianza para dlstlnguIr-so do mundo e dar-lhe o sentido da sua personalIdade. O prazer despersonaüza, esvazia... ao passo que a dor interioriza".

Por sua vez, escrevia Frederico Nietzsche (f 1900), que certamente nao era dado á compaixáo: "A escola da dor, da grande dor I Nfio sabéis que somente essa escola permitiu ao homem certas atltudes: fortaleza, engenhosldade, coragem, que se manifesta no suportar, no perseverar, no Interpretar, no aproveitar a desgrana. Tudo o que a alma adquire em profundldade, discrlcáo, espirltualidade, grandeza, nao o adquire sob o jugo da dor, na escola da grande dor?" ("Al di la del bene e del male". Milano 1924, pp. 112-113).

Mais aínda: se o sofrimento é motivo justificado para por termo á vida de alguém, somos sujeitos a cair na arbitrarledade. Com efeito, todo ser humano, nasce, cresce e se autoafirma em meio a padecimentos e renuncia; nao há quem

esteja isento disto. Perguntar-se-ia entáo: e qual seria o cri terio para se dizer que o sofrimento já é insuportável e exige a eutanasia? Quando é que a morte comeca a ser preferivel á dor?

Alguns responderiam: «... urna grave deformado ou mutilacáo», enquanto para outros bastaría urna desilusáo ou simplesmente a perda da saúde habitual. Na impossibilidade de se estabelecer uní criterio objetivo que justificasse a euta nasia, a arbitrariedade tornar-se-ia lei. Daí resultariam cla

morosos absurdos, e desmoronaría o fundamento da conviven cia entre os homens.

Todavía alguém dirá: 2.4.

E crs doencas incuráveis ?

Lembram nao poucos que há doengas incuráveis, que tornam intolerável a vida do respectivo paciente. Por que nao permitir a eutanasia ao menos e — e táo somente — para esses casos? Nao seria esta urna atitude humanitaria?

Respondemos que há, sim, doengas incuráveis,

seja difícil, por vezes, indicá-las.

embora

Quanto ao qualificativo de

«intoleráveis», seja lícito fazer tres observagóes: a)

A medicina possui hoje os mais variados recursos

para aliviar os sofrimentos de um enfermo. É lícito ministrar — 252 —

MATAR PARA LIVRAR O ENITSRMO ?

25

analgésico e outras substancias que tornem o paciente insensível á dor, aínda que tais remedios possam abreviar a duragáo da vida ou desencadear mais rápidamente a morte do enfermo. Sabe-se que há certas dores que só podem ser ate nuadas mediante o emprego de substancias que, além do efeito principal de suavizar o sofrimento, tém como efeito secundario o apressar a morte do paciente; tal é a morfina. Em tais casos, a intengáo em virtude da qual se ministram os analgé sicos, nao é a de diminuir a duragáo de vida de alguém, mas apenas a de lhe mitigar as dores. licito o emprego de tais recursos.

Em conseqüéncia, torna-se

A propósito observou o Dr. F. Anderson, professor de medicina geriátrica na Universidade de Glasgow, perante trezentos médicos e enfermeiros, aos 27/1/1973 em Londres: "Nunca dispusemos de tantos meios para aliviar o sofrimento e acal mar a Intraqüilidade. Mesmo que antes tivessem existido motivos para defender a eutanasia, ]á nao existem. Em virtude do atual estado da geiiatria, estamos em condicSes de ajudar todos os anclaos doentes; muitoa destes podem ser curados, aopasso que aqueles que sofrem de detengas Incurávels podem ser preparados para urna morte tranquila e sem dor" ("Informations Cathollques Internationales" rfl 427, 1/IU/1973, p. 26).

Há, porém, quem diga: os analgésicos contribuem para tornar tolerável a vida de alguém dolorosamente enfermo. Mas há o caso das criancas atetadas de taras hereditarias (como o mongolismo, a esquizofrenia e outros males) e con denadas a viver assim durante toda a sua existencia. Que dizer de tais casos de desgrasa permanente? — Pondere-se o seguinte: b)

Embora tais casos sejam profundamente

dolorosos,

pode-se indagar: será que as pessoas marcadas por um mal congénito sao realmente infelizes? Em verdade, pode-se crer que sao infelizes, caso se vejam rejeitadas ou menosprezadas por seus concidadáos. Nao sao necessariamente infelizes desde que sintam atencáo e afeto por parte dos seus semelhantes. Varias pessoas que nasceram como excepcionais, mas foram educadas com carinho, puderam adquirir urna cultura superior, tornando-se personalida des notáveis; é conhecida, por exemplo, a figura de Helen Keller, que se tornou cega, surda e muda poucos meses após

ter nascido: com ó auxilio de urna mestra boa e inteligente: — 253 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

(com a qual outros mestres colaboraram), nao somente conquistou os graus académicos, mas se tornou escritora conceituada. Também se pode mencionar o caso de Denise Legrix, que, nascida sem bracos nem pernas, contou com o carinho de pessoas compreensivas, de modo a conseguir aprender a escrever, pintar e ajudar os seus.

É claro que nem todos os excepcionais podem chegar a tanto. Contudo deve-se dizer que lhes é possível levar urna vida humana e serena, desde que se vejam cercados de cuida dos e afetos. Caso isto nao se dé, geralmente parte da responsabilidade toca á sociedade que pouco se interessou por tais pessoas.

De resto, note-se que o conceito de felicidade é muito relativo e que ninguém, mesmo em gozo de saúde, é plena mente feliz.

Observa sabiamente G. Perico, no seu livro «L'aborto»: "A felicidade é um sentlmento que está no fundo de nos e nSo depende, senSo em mínimas parcelas, das condlcSes físicas. Os fatores que sobre ela Influem, sSo de outra fndole: Incompreensñes, remorsos, desonras, desllusees, mal-entendidos,

Incapacldade. Serla terrlvel, se,

para

matar, para suprimir ou n§o um ser humano, tlvéssemos que recorrer aos criterios da felicidade. Estaríamos obrlgados a suprimir multa gente ató mesmo entre as pessoas sadias" ("L'aborto". Milano 1975, p. 32).

c) A doenca parece intolerável nao somente ao enfermo, mas também, e muitas vezes, aqueles que o cercam. Estes nao podem deixar de participar do sofrimento de alguém que inspire compaixáo, principalmente se sao familiares. Mais:

os cuidados, por vezes, exaustivos e os gastos monetarios exi gidos por urna grave enfermidade afetam pesadamente as

pessoas que cercam o paciente. Compreende-se entáo que, as vezes, de maneira inconsciente ou mesmo consciente, estas pos-

sam desejar ver-se livres de táo penosa situacáo. Esse desejo será inspirado por compaixáo para com o enfermo... ou para com os próprios familiares e demais responsáveis pelo tratamento do paciente? Esta pergunta, por mais cruel que seja,

tem fundamento, e costuma ser levantada por quem trata do problema da eutanasia direta ou positiva. Transcrevemos aqui as ponderacóes do Pe. Marc Oraison, que é também médico psiquiatra: "Jamáis se poderá dizer com veracldade que se mata um doente

Imerso

em

sofrlmentos

atrozes

únicamente

— 254 —

por

causa

dele.

De

resto,

_.

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO ?

27

observemos o que acontece nos enterres. Quando é sepultado alguém que tenha sofrido por multo tempo, os amigos e familiares apresentam suas condolencias: 'Meu infeliz amigo I Como ele sofreu I Slm ; fol urna llbertacSol' Jamáis se define a quem essa libertagSo favoreceu. Coloco a pergunta: imaginemos urna sogra fdosa, de temperamento difícil, avarenta e um tanto totalitaria, atingida por urna doenca que n8o admite cirurgia e que comeca a sofrer. Prevé-se o desfecho dentro de seis meses... Se se pratlca a eutanasia, pode-se afirmar que nao a estfio matando para desembaracar-se déla e compartilhar mals rápida mente a heranca? As realidades humanas sSo, multas vezes, mals ou menos mescladas de sordidez de manelra consciente ou inconsciente" (art. citado na bibliografía, p. 9; ver p. 270 deste fascículo). Consideremos ainda

2.5.

1)

As conseqüéndas da

eutanasia

positiva

Admita-se a hipótese de que a eutanasia seja reco-

nhecida por alguma lei ou algum artigo de Constituicáo ou

de Código Legislativo. Restará sempre aberta, como variável oscilante e delicada, a questáo dos criterios que permitam a aplicagáo da eutanasia: Que tipos de enfermos seráo passivos de eutanasia? ... E a partir de que momento o seráo? A filosofía dos governantes (que se sucedem regularmente no exercício do poder) o decidirá. Tenha-se em vista o ocorrido sob o regime nacional-socialista na Alemanha.

Em fins de outubro de decreto na Polonia; datou-o vavelmente para que fosse gencia de guerra.1 Estava

1940, Adolf Hitler promulgou um de 1« de setembro de 1939, proacolhido como medida de emer assim concebido:

"O Relchtelter Bühler e o doutor em medicina Brandt estáo, sob a sua próprla responsabltidade, encarregados de estender a autorldade de certos médicos a fim de que concedam a MbertacSo mediante a morte ds pessoas que, dentro dos limites do julgamento humano e em conseqüéncla de meticuloso exame médico, tiverem sido declaradas Incurávels. (a)

Adolf

Hitler"

Na aplicacáo deste decreto, os responsáveis julgaram passíveis de eutanasia «todos aqueles que sofrem de urna doenga contagiosa e nao podem ser empregados em trabamos no estabelecimento em que estáo hospitalizados, ou aqueles que só podem ser empregados em trabalhos mecánicos: tais sao os iA guerra entre a Alemanha e a Polonia comegou precisamente a 1? de setembro de 1939.

— 255 —

28

ePERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

que padecem de esquizofrenia, sífilis, demencia, encefalite, doenca de Huttington, epilepsia, molestias neurológicas ter mináis. ..»

Foram também considerados «beneficiarios» da eutanasia os que já tivessem cinco anos de internagáo em um hospital;

nosos;

os que tivessem sido internados como Ioucos crimi :

— os que nao tivessem a nacionalidade alema (!); — os que nao tivessem o sangue alemáo»;

Tendo sido «lógicamente» a eutanasia assim legitimada, as autoridades nacional-socialistas exterminaram, em termos

brandos e suaves, todas as pessoas que entravam em urna das

categorías de irrecuperáveis; assim milhóes de judeus passaram pela cámara de gas.

Se os tempos do nacional-socialismo já estáo distantes de

nos, devemos reconhecer que aínda somos contemporáneos de

regimes totalitarios, que arrogam a si o direito de manipular a pessoa humana segundo interesses partidarios. Levem-se em conta ainda outros graves inconvenientes da eutanasia:

2) A legitimacáo da eutanasia positiva pode também acarretar inseguranca nos enfermos, ñas familias e na sociedade, esvaziamento da dignidade da profissao médica, atenuagáo do senso de solidariedade entre os homens. Com efeito» urna vez legitimada a eutanasia positiva, o doente poderia conceber a impressáo de ser egoísta se nao

pedisse a morte para libertar os seus parentes e enfermeiros de um fardo inútil. Paderia sentir-se moralmente coagido a pedir a morte.

Mais: a eutanasia pesaría sobre a consciéncia dos médicos e enfermeiros; além do que, afetaria o bom relacionamento entre o médico e seu paciente. Com efeito; a primeira tarefa de um médico é a de salvar a vida e tentar recuperar a saúde;

nao se entende, pois, que um médico aplique seus conhecimen-

tos precisamente a objetivo contrario como sería o de provo> Assim eram atingidos judeus, negros, mesti;os, clganos, etc.

— 256 —

MATAR PARA LIVRAR O ENFERMO ?

29

car a morte rápida. Ademáis, se ao médico fosse legitimo recorrer á eutanasia, poderla deixar de parecer, aos olhos do

paciente, um amigo e servidor, mas ser visto como figura perigosa e possivel colaborador da morte. A confianca do paciente no seu médico estaría assim abalada; precisamente

urna das mais duras provagóes dos enfermos e dos anciáos é o fato de se sentírem na total dependencia da boa vontade e do afeto de outras pessoas. A inseguranga, a suspeita de serem indesejados aumentariam essas apreensóes até o desespero. Por último: urna vez aceitas os principios da eutanasia, as autoridades poderiam ser tentadas a recomendá-la ou tole-

rá-la a fim de diminuir a clientela dos hospitais, ou utilizar instrumentos e pegas que poderiam servir para outras aplicagóes terapéuticas. A natureza humana é vulnerável, prestan*-

do-se 'ás mais surpreendentes atitudes inescrupulosas. Passemos agora a examinar a

3.

Eutanasia ¡ndireta

Em antitese á eutanasia direta, coloca-se a distanásia (dys = difícil, em grego), ou seja, a morte difícil. Esta pala-

vra, em linguagem técnica, significa o combate, a todo custo, contra a morte, combate que faz seja esta ardua e penosa.

Conhecem-se casos famosos de distanásia. O mais recente parece ter sido o do Generalíssimo Francisco Franco, que

esteve mais de trinta días em agonía, assistido por dezenas de médicos. Outro caso notorio é o do Presidente Traman, que aos 88 anos de idade foi sucessivamente acometido por

diversos males físicos; prestaram-lhe seus cuidados cerca de vinte especialistas (médicos, professores, assistentes e outros), que lutaram contra deficiencias renais, infecgáo pulmonar, esclerose cerebral, pressáo arterial, equilibrio eletrolítico — o que ocasionou urna agonía de dois meses ao ilustre paciente. Diante de tais casos, deve-se dizer que, em sá consciéncía crista, nao há obrigacáo de aplicar meios extraordinarios para sustentar a vida de alguém ou debelar a morte. Por «recur sos extraordináríos> entendem-se tratamentos altamente espe

cializados. Por certo, nao é fácil distinguir entre recursos ordinarios e extraordinarios, pois, dado o progresso da medicina, mesmo — 257 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

os meios extraordinarios tendem a se tornar cada vez mais ordinarios. Todavia ainda há fundamento para se fazer tal distingáo. O motivo pelo qual a eutanasia indireta se torna legítima, é o seguinte: a vida presente, por muito valiosa que seja, aínda nao é o bem supremo do homem; ela está ordenada para a vida eterna. Em conseqüéncia, para o cristáo a morte nao é o mal maior do homem; pode mesmo ser considerada como um bem, pois é a porta para a vida eterna e a visáo de Deus face-a-face; aceita em uniáo com a morte de Cristo, torna-se a via de salvagáo para o homem. Por isto, como o homem tem direito á vida terrestre enquanto Deus lha con cede, tem também o direito de morrer com dignidade quando a morte se lhe apresenta como um passo que seria desarrazoado ou inútil tentar postergar.

Eis o que a propósito dizia o S. Padre Pió XII em dis curso proferido aos 24/XI/1957 perante um grupo de professores e médicos (principalmente anestesistas) que lhe haviam proposto a questáo da reanimagáo por meios extraordinarios:

"Se é evidente que a tentativa de reanimagáo na realidade constituí para a familia um tal fardo que em conscléncla Isto nSo lhe pode ser imposto, os familiares podem licitamente Insistir em que o médico interrompa as suas tentativas, e o módico pode licitamente atender a esse pedido.

Em tal caso, ninguém dlspSe diretamente da vida do paciente, nem

há eutanasia, o que nunca seria licito. Mesmo que acarreto a cessacSo da circulacSo do sangue, a Interrupgao das tentativas, de reanimagáo nao

é senao indirectamente causa da cessacSo da vida; devem aplicar-se neste

caso o principio do duplo efeito e o do volunta, lum In causa" ("Discorsl e Radiomessaggi di S. S. Pío XII". Roma 1958, vol. XIX, p. 6201.

Todavía, mesmo que estejam claros os principios relativos

á eutanasia direta e á eutanasia indireta, fica sempre urna

interrogacáo aberta cuja importancia é capital para se aplica-

rem devidamente tais principios: a partir de que momento se

pode dizer que nao há mais esperanza na luta contra a morte

iminente? Quais os sistemas que indicam ser irreversivel o fato da extingáo da vida no caso do paciente A, no do pa ciente B, no do paciente C ? Quando é que se pode «abando nar» um paciente, do ponto de vista médico? De que necessita um enfermo em perigo mortal ?

A estas perguntas tentaremos responder no artigo que se segué.

— 258 —

Questáo delicada:

obstinar-se contra a morfe 011 humanizar a morte?

Em sínlese: Até hoje os estudiosos julgam difícil indicar o momento preciso em que se dá a morte de alguém. Principalmente os diversos graus do estado de coma suscitam questoes. A moderna técnica da reanimacüo tem provocado respiracSo artificial e pulsacSes do coragáo mesmo quando o cerebro parece irreversivelmente lesado. Em tais circunstancias, pode-se dizer, em sá consciéncia, que nSo há obrigacfio de "obstinacáo terapéu tica", ou seja, de entreter a todo custo esses síntomas (respiracáo, pulsacees...), desde que isto seja gravemente penoso e nfio naja esperanca de resultados compensadores para a vida do paciente. O que importa, antes do mais, é humanizar a morte, isto é, prestar assisténcia ao enfermo a (¡m de que nos seus últimos momentos sinta nSo apenas o esmero da técnica, que por vezes é fría e mecánica, mas também a benevolencia e o apoio moral dos familiares, dos médicos, dos enfermeiros e dos auxiliares de enfermagem.

Comentario: Os recentes casos de reanimagáo e conservagáo artificial da vida tém levantado freqüentemente a pergunta: quando é que alguém morre? Outrora receava-se muito ser sepultado vivo ou sofrer a lenta asfixia dentro do caixáo na sepultura em conseqüéncia de um erro na verificaC&o da morte. Hoje em día o problema é inverso: corre-se o

risco de julgar vivas, e tratar como tais, pessoas que já há muito deixaram de viver.

Durante sáculos eram criterios de cessagáo da vida a paralisacáo dos movimentos cardiacos e respiratorios. Hoje em dia a reanimagáo consegue provocar a respiracáo artifi cial e as massagens cardíacas movimentam o coragáo, mesmo quando o organismo parece destituido de vida, de tal modo que os antigos criterios de cessagáo da vida tém que ser

reformulados.

Gragas as técnicas da reanimagáo, o médico

pode atualmente assegurar, durante semanas e meses, a circulagáo, a respiragáo e a nutrigáo de um organismo sem que

o próprio médico possa dizer se o paciente ainda está vivo. — 259 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

Por ocasiáo do Congresso de Ética Médica realizado em París no ano de 1966, o Prof. Jean Hamburger, pioneiro dos transplantes renais, citou o caso de urna jovem de 17 anos de idade, afetada de faringite aguda, grave infecgáo geral, convulsóes, coma e perturbagóes respiratorias. Pouco depois

de chegar ao hospital, a paciente foi submetida ao regime de respiragáo artificial. "Depois de alguns días de duracSo desse processo, diz o Dr. Ham burger, nio se manllestava sinal de reatlvacáo neurológlca. EntSo pedí ao Prof. Francote Lhermitte, neurologista de renome, que examlnasse o caso. Permaneceu por multo tempo río quarto, examlnou a enferma com o máximo de atengSo; a seguir, passando para o corredor, disse-nos estas palavras, das quals me recordare! sempre: 'Crelo que esta enferma está morta há varios días1".

Caso semelhante é o de Karen Quinlan,. ncs Estados Uni dos, apenas com a diferenga de que, mediante o eletroencefalograma, ainda se pode detectar na paciente certa atividade vital. É isto que leva os médicos a hesitar no caso. Eis por que nos voltaremos, a seguir, para a questáo dos «síntomas da morte real», procurando apenas abordar algu-

mas facetas do problema. A isto acrescentaremos certas ponderagóes sobre a assisténcia humana (e nao somente técnica) a ser ministrada a um paciente.

A questáo do momento preciso da morte de alguém tem sido colocada últimamente em fungáo do estado de coma (tal é, por exemplo, o caso de Karen Quinlan, que há meses se acha em coma, a ponto de se perguntar se ainda está viva). Pergunta-se: quando é que um organismo em coma perde, por completo, a vida que tinha? Vejamos, pois, o que é o coma.

1.

Estado de coma

O coma é um estado caracterizado pela perda (total ou

parcial) da consciéncia e a cessagáo mais ou menos total das

fungóes de sensibilidade e motricidade. Subsistem, porém, as fungóes vegetativas (respiragao, circulagáo, nutrigáo). Distinguem-se diversos graus de coma, segundo a respec tiva profundidade e gravidade. Desses, mencionaremos espe— 260 —

HUMANIZAR A MORTE

33

cialmente: o coma leve ou de vigilia, o coma de gravidade me dia, o profundo, o irreversível e o uitrapassado («dépassé», segundo Mollaret). 1) No coma leve ou de vigilia, a consciéncia permanece, embora obnubilada;, também se registram reacóes aos estí mulos, embora nao sempre adequadas; nao se notam perturbagóes ñas fungóes vegetativas.

2) No coma de gravidade media, extinguem-se por com pleto a consciéncia assim como as fungóes sensitivas e motrizes; as da vida vegetativa apresentam-se um tanto irregulares. 3) No coma profundo, já ocorrem graves perturbagóes do sistema vegetativo. O fato, porém, de que se exercem espontáneamente, significa que a regiáo de base do cerebro ainda funciona. O cerebro, pois, conserva-se vivo. Do coma irreversível trataremos em último lugar nesta

lista; cf. p. 263.

4) Quanto ao coma uitrapassado, já nao é propriamente coma, pois nele a vida vegetativa central está extinta. O cere bro já nao funciona. As pupilas se acham fortemente dilata

das e nao reagem á luz. Nao há respiracáo espontánea nem deglutinacáo. A temperatura do individuo passa de 40 a 35 ou mesmo 34. O eletroencefalograma se conserva constante mente liso. O colapso é total. Em contraste com esse quadro

dramático, o coragáo bate; tais pulsagóes, porém, nao sao

coordenadas pelos centros de base do cerebro; constituem um residuo local de vida vegetativa. Tal é o caso típico do «cadá

ver vívente». — Nessas circunstancias, os estudiosos já tentaram, de todos os modos, restabelecer as funcóes cerebrais; mas em váo. O paciente, no decorrer dos dias, vai dando sinais

de progressiva degenerescencia; as extremidades do corpo assumem as características próprias do cadáver. Em autop sia, tais individuos apresentam lesóes cerebrais táo graves e extensas que se pode ter a certeza moral de que nao há recuperacáo.

que

Contudo os casos de coma uitrapassado sao raros e, antes possam

ser

reconhecidos

claramente,

requer-se

certo

espago de tempo; o cerebro já deixou de funcionar antes que se produzam os fenómenos atrás descritos. — 261 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 198/1976

Em conseqüénda, hoje como outrora, pode-se dizer que é possivel averiguar que determinada pessoa está morta, mas aínda nao se consegue «individualizar» ou precisar o momento em que morre.

Foi em 1959 que os médicos fizeram a primeira descrígáo de coma ultrapassado; estavam reunidos na XIII Assembléia Internacional de Neurología, onde o assunto foi abordado com clareza até entáo inédita. Esse estado pareceu, na ocasiáo, ser mais do dominio dos fisiologistas do que dos clínicos, pois aprésente o curioso fenómeno da morte do cerebro enquanto se dáo respiragáo e circulagáo por meios artificiáis. Esse primeiro relatório sobre o assunto se terminava prevendo, de um lado, os múltiplos problemas que decorreriam do estado de coma ultrapassado, e definindo, de outro lado, a ética do médico, que deveria persistir ñas tarefas de reanimagáo até a total cessagáo das pulsacóes cardiacas. Em tal data, vc-se que o conceito de vida estava ligado ao de pulsagóes do coradlo e a morte era caracterizada pela extingáo destas. Talvez nao se levasse em conta suficiente o

fato de que, no coma ultrapassado, o cerebro estava destruido

e, por conseguinte, o paciente já nao tinha possibilidade de consciéncia, sensibilidade e relacionamento com o mundo ex terno... Somente aos poucos os estudiosos foram avaliando o significado da reanimagáo artificial; deixaram de atribuir a esta o valor e a importancia que a principio lhe eram atribuídos em todo e qualquer caso. Todavía dentro dos dez próxi mos anos após o Congresso de 1959 os especialistas foram tomando consciéncia mais exata do alcance e das limitagóes da reanimagáo artificial. Foram principalmente as pesquisas no setor eletroencefalográfico que permitiram definir melhor

os criterios técnicos irrecusáveis da destruigáo do sistema ner voso central; os médicos foram averiguando que nem sempre importa entreter as pulsagóes do coragáo a todo custo e em qualquer estado geral do organismo.

Com outras palavras, pode-se dizer que hoje o coma ultrapassado é, na verdade, um estado de morte do organismo; a destruicáo do conjunto do sistema nervoso faz que os órgáos caregam de regulagáo central; o corpo deixa de ser um todo estruturado, para tomar-se urna justaposigáo de órgáos que somente os meios artificiáis podem manter em estado de funcionamento. Por conseguinte, o coma ultrapassado já nao é

realmente coma, visto que o coma propriamente dito nao sig— 262 —

HUMANIZAR A MORTE

35

nifica a extingáo da regulagáo do organismo, mas é principal mente a perda prolongada do estado de consciéncia, perda que pode ser transitoria (se se lhe aplicam os tratamentos adequados). Sao notorios os casos de pessoas que, após sema nas inteiras de coma profundo, voltaram a urna vida mais ativa; em tais casos, como se compreende, as lesóes cerebrais e neurológicas nao sao irreversíveis.

Comentando esta situagáo da medicina, observa milito a propósito o Dr. J. P. Cachera um fato de que os estudiosos se váo conscientizando cada vez mais: "Os progressos da leanimacáo médica de certo modo diluíram o momento da morle, que, á diferen;a do que se dava outrora, já nSo aparece ao médico como um breve instante fácil de ser reconhecldo úni camente por síntomas clínicos, mas, ao contrario, se apresenta como um periodo de passagem de duracao variável e de limites oscilantes de um estado para outro... Trata-se de definir os criterios atuais da morte,

sabendo que os de ontem

tal vez já nSo sejam válidos

e

os de

arrianhS

posslvelmente já nSo serio os de hoja" ("Dons d'organes et róanlmatlon medícale", em "Réanimatlon et éthique medícale", p. 50).

5)

Hoje em día, além dos tipos de coma até aqui apon-

tados, conhece-se o chamado coma irreversível. No coma irreversivel há algo de ambiguo: as lesóes neurológicas graves sao irreversíveis (o cerebro está definitivamente morto, sem

possibilidade de qualquer recuperagáo). Todavia algumas fungóes vegetativas se conservam; há respirado espontánea, drculagáo próxima á regulagáo térmica no organismo... Estes dados podem-se conservar durante meses e anos, desde que se apliquem minuciosos cuidados a tal organismo. Entrementes a familia do paciente vive geralmente um drama profundo: os parentes acompanham día por dia durante seis meses, um ano, dezoito meses... o enfermo, espreitando o mínimo sín toma de reacáo positiva; vivem o conflito extenuante que resulta de urna esperanza sem limites e do desejo (mais ou menos traumatizante) de «acabar logo com tal situagáo». Um ponto obscuro persiste no tocante ao coma irrever sível; trata-se de averiguar quando as lesóes cerebrais sao realmente irreversíveis,... quais os síntomas da irrecupera-

bilidade do cerebro e, por conseguinte, do caráter definitivo

do coma respectivo. — Em alguns casos, é possível averiguar essa irreversibilidade simplesmente com olho clínico: urna queda, urna contusáo podem de tal modo afetar o cerebro que se torna evidente a irrecuperabilidade de tal órgáo. Na maioria dos casos, porém, isto nao se dá. As lesóes cerebrais nao sao fácilmente perceptíveis. — 263 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

É precisamente sobre este fundo de cena que se coloca o problema em sua configuragáo mais recente: nos casos de dúvida a respeito da irreversibilidade das lesóes do cerebro,

estáo os médicos e familiares obrigados em consciéncia a apli car ao enfermo ingentes e dispendiosos cuidados durante meses e anos? — A resposta a esta pergunta é, sem dúvida, negativa: basta o fato de só se poder entreter a vida de alguém mediante recursos objetivamente tidos como extraordinarios para que cesse o dever. moral de conservar tal vida. Nem

todo e qualquer trataménto médico é apropriado á situagio

de todo e qualquer doente; nao se faca do paciente um «objeto» das técnicas médicas ou do «ativismo e da febre terapéuticos», diferindo a sua morte num combate exaustivo, mas de antemáo já decidido em favor da irrecuperabilidade. Está claro que, para que o médico deixe de aplicar ao enfermo algum

recurso extraordinario, ele deve obter do próprio paciente (ou dos familiares e responsáveis destes, se o enfermo nao pode responder) o consentimento ou mesmo a ordem necessária para desistir de trataménto extraordinario; se nao, o médico

se arriscará a cometer arbitrariedades ou procurar seguir o seu alvitre mais cómodo... De resto, é muito difícil a um médico saber qual o resultado dos tratamentos aplicáveis a

um paciente gravemente afetado; muitos processos terapéuti

cos modernos constituem um verdadeiro desafio, deixando o médico inseguro a respeito do éxito dos mesmos. Convém, pois, sempre levar em conta a proporgáo existente, em cada caso, entre a aplicacáo de recursos humanos, financeiros, tec

nológicos, de um lado, e as probabilidades de se obter o éxito almejado, de outro lado.

2.

Humanizar a

morte

Os casos de coma prolongado e ambiguo sao relativa mente raros. A grande dificuldade será sempre a de definir a hora precisa da morte e os casos de incondicional irreversi bilidade das lesóes cerebrais. Em geral, porém, a constatacáo da morte nao encontra dificuldades de grande monta. Muitas vezes aquilo de que o paciente necessita, nao sao recursos técnicos extraordinarios, mas, sim, cuidados e benevolencia humanitarios. Para numerosas pessoas, o encaminhamento para a morte vem a ser urna das crises mais penosas que elas tenham jamáis atravessado. Donde a pergunta: será que os familiares, amigos e a própria sociedade tomam realmente

— 264 —

HUMANIZAR A MORTE

37

a peito a tarefa de levar alivio aqueles que fazem a expe riencia da caminhada para crista, para a Casa do Pai?

a morte

ou,

nuraa

linguagem

É certo que se tomam providencias em favor de tais pessoas sofredoras. Mas parece falso dizer que nada mais há a fazer neste particular. Examinemos, pois, o que se podería preconizar em materia de atendimento aos enfermos próximos da morte.

2.1.

Solidáo

As vezes, mais do que custosos recursos técnicos, o enfermo para quem a morte se torna uma realidade concreta e iminente, deseja ser acompanhado, ouvido e sustentado por uma presenca humana.

Sirva de testemunho uma carta dirigida por uma jovem aluna de enfermagem as enfermeiras que a tratavam: "Aínda tenho de um a seis meses de vida, talvez mesmo um ano...,

mas nlnguém gosta de abordar este assunto. Ve]o-me, portento, dlante de um muro sólido e deserto, que é tudo quanto me resta. Sou o símbolo do medo de voces, ... medo de algo que, apesar de tudo, todos sabemos que teremos de enfrentar um día. Voces se Introduzem esguias no meu quarto para me trazer remedios ou tomar a mlnha pressSo e se ecllpsam, uma vez cumprlda a tarefa. Será que voces assím procedem porque sou aluna de enfermagem ? Ou simplesmente é na quaildade de ser humano que tenho consciéncia do medo de voces e sel que o seu medo aumenta o meu ? De que é que voces tém medo ? Sou eu que estou a morrer. NSo fujam. Tenham paciencia. Apenas necessito de saber que haverá alguém

para segurar-me a mSo quando eu precisar disto. Tenho medo. Talvez voces já tenham superado o recelo da morte; mas, para mlm, ela é algo de novo. Morrer é coisa que nunca até hoje me aconteceu" (citado por Kübler-Ross em "Rencontre avec les mourants", conferencias publicadas em "Górontologie" nn. 9, 10 e 11).

Em última análise, deve-se dizer que cada um vive uma vida pessoal, individual, inconfundível com os currículos de vida de outras pessoas; essa inconfundibilidade faz que cada seg humano esteja cercado de uma solidáo

fundamental. O amor, as tarefas e as distragóes tendem a atenuar tal solidáo e a fazé-la esquecer, principalmente enquanto a pessoa se pode relacionar normalmente com outras. Todavia, aproximando-se a velhice ou a doenca, os relaciona— 265 —

38

«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

mentos váo sendo. cortados e o ser humano se encontra de novo brutalmente diante de si mesmo numa visáo cada vez mais realista; essa impressáo de solidáo se aumenta ñas pro

ximidades da morte quando o paciente se vé diante da pers

pectiva de tudo perder e de ser arrancado aos seus entes

queridos. A angustia da solidáo ainda é intensificada quando o enfermo verifica os dados novos que ocorrem no seu orga

nismo desfalecente: incapacidade de se mover, de se alimentar, de controlar seus reflexos naturais, cansago e fraqueza exte nuantes. ..; em suma, dá-se a experiencia do novo, do desconhecido, do inquietante,'que prenunciam talvez novas prova-

cóes. Ora frente ao desconheddo cada um se senté só, terri-

velmente só; todavía aspira a nao ser solitario nem abandonado pelos seus semelhantes; ele deseja com todas as fibras do seu ser urna presenga amiga.

2.2.

O despreparo para ajudar o paciente

Verifica-se que na realidade nem as pessoas nem as instituicóes hospitalares parecem estar adequadamente preparadas para ajudar o paciente a vencer a sua solidáo.

E isto por

mais de um motivo:

1) Muitas vezes, diante de um ser humano angustiado ou moribundo a tecnología sugere medidas de ordem técnica

e mecánica que aliviem o sofrimento do paciente. Tais medi das sao indispensáveis. Todavía podcm fazer esquecer as atitudes mais simples e mais humanas da escuta paciente e da disponibilidade humilde. Diante da morte próxima, o doente espera da parte dos seus familiares e enfermeiros um rela-

cionamento interpessoal e nao meramente funcional ou profissioiíal. A

«obstinagáo terapéutica»,

que merece, por vezes,

ser

encarada com reservas, pode ser precisamente o derivativo que dispense ou impega o persoal atendente do hospital de entrar em contato auténticamente humano com o enfermo; tais recursos obstinados exigem as vezes a distancia entre o

doente e os seus familiares ou amigos; ora ninguém é mais indicado para acompanhar um paciente do que os seus fami liares estes náo.podem ser substituidos por técnicos (especia listas, médicos, psicólogos...). — 266 —

HUMANIZAR A MORTE

39

Os técnicos tém a fungáo de informar os familiares a respeito da evolugáo da molestia do paciente. Os familiares

náp deveriam sonegar sistemáticamente ao enfermo a verdade a respeito do seu estado de saúde, mas, ao contrario, tenderáo

a comunicá-la oportunamente ao interessado para que este se

disponha como ser humano e inteligente para o desenlace final, e nao seja colhidó~pela morte como um animal. Pertence á dignidade do ser humano saber que está morrendo e dar um sentido, por sua livre disposigáo, a esse ato último (desde que isto nao lhe seja impossível) K Sonegar ao paciente a verdade

ou mesmo incutir-lhe a crenca numa mentira significa cortar

as auténticas relacóes entre o doente e os seus familiares e condená-lo a maior solidáo.

2) Observa-se que as familias, as vezes, se deixam aba lar demais pelos sofrimentos de seus membros enfermos e,

por isto, se tornam incapazes de lhes prestar o devido auxilio de sua presenca reconfortante.

3) Em outras ocasióes, os parentes rejeitaram o doente, principalmente se idoso, abandonando-o no hospital ou na clínica.

4)

As vezes, nota-se também que o paciente nao tem

familiares nem amigos; é um indigente.

Nestes tres últimos casos, faltando por um motivo qualquer os familiares, o atendimento humano e benévolo do

enfermo fica a cargo dos capeláes e dos apostólos leigos que em nome de Cristo visitam os doentes, ou também a cargo

dos técnicos que trabalham nos hospitais: médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, serventes...

Estes muitas vezes nao tém a plena no;áo da responsa-

bilidade humana que lhes toca; nao raro se desempenham de suas obrigagóes profissionais com esmero técnico exclusiva mente, como se se esquecessem de que sao pessoas a tratar de pessoas. A técnica torna-se freqüentomente urna cortina e i é certo que a prudencia recomenda sobriedade ao falar da molestia

ao doente. á preciso ás vezes que os Informantes preparen» o terreno e aguardem o momento mals conveniente. Todavía nao delxem de tencionar

dlspor o paciente para que enfrente o seu desenlace final com a cons-

clencla esclarecida, como ser humano e nao como animal Irracional. Os casos em que Isto nfio possa ser atingido, deverfio flcar sendo excecSes. 267 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

urna barreira entre o enfermo e os seus médicos ou enfer-

meiros. É mais fácil ministrar cuidados físicos, mesmo peno sos, do que participar do sofrimento do enfermo. Quanto ao doente mesmo, é por vezes tornado incapaz de se comunicar

com quem o cerca; a técnica corta a comunicagáo, como se verifica era centros de reanimacáo de alta eficiencia, nos quais o doente é amarrado, perfurado, ligado a aparemos

registradores..., de modo a só se poder comunicar precaria

mente mediante o olhar.

Refere o Dr. Philippe Deschamps o caso de «urna pa ciente de 27 anos de idade, professora de Letras, que fora

subitáneamente parausada em sua caixa torácica; passou por urna traqueotomia e permaneceu presa a um aparelho de res-

piragáo artificial durante semanas.

Tinha apenas quinze mi

nutos diarios de independencia respiratoria. Escreveu-me entáo

sobre urna lousa: 'Nao se passava urna hora da noite ou do

dia sem que alguém do servigo entrasse em meu quarto, anotasse alguns dados do aparelho registrador e os transcrevesse

no meu mapa de enfermidade1 (era um mapa imenso, que ela tinha sempre ante os olhos e em que sua vida — aquilo a que ela estava reduzida — estava descrita por algumas cur

vas; técnicamente era algo de perfeito). 'Se eu vi desfilar urna multidáo de gente, nao encontrei pessoa alguma. Tenho

a impressáo de estar fora do circuito'. E, tendo de ser trans portada para outro servigo de reanimagáo, escreveu ainda: 'Vou deixar urna prisáo luxuosa, certamente para entrar em

outra luxuosa prisáo...'; nesta, pouco tempo depois, ceu. Teria preferido experimentar um pouco de calor ser reconhedda como pessoa, como sujeito e objeto cionamentos» (texto transcrito do artigo «La mort

ela falehumano, de rela-

á l'hópi-

tal», em «Projet» 98, septembre-octobre 1975, p. 929).

Estas reflexóes nos levam a falar diretamente da figura de

2.3.

O médico

O médico fica sendo, sob muitos aspectos, a figura cen tral entre os responsáveis pelo hospital; a sua presenga junto

ao doente é insubstituível. Ora eis que geralmente a sociedade confia ao médico únicamente urna fungáo técnica: curar, supri mir a molestia, afastar a morte... Sendo assim, é «normal» que o médico desaparega desde o momento em que «nada — 268 —

HUMANIZAR A MORTE





41

mais haja a fazer», ficando o paciente entregue quase exclu sivamente as enfermeiras; o médico apenas de longe continua a acompanhá-lo, quando na verdade lhe compete tentar reduzir o desconforto e a dor do paciente nao só mediante recur sos técnicos, mas também através de suas palavras e de seus

gestos de benevolencia humana e crista. Quando a doenga já nao é suscetível de tratamento, o sofrimento e a dor ainda o

sao.

É interessante a propósito o depoimento da Dra. Cicely Saunders, diretora do «Saint-Christopher's Hospice» de Lon dres: "Para o médico, a dtficuldade de ficar em relaclonamento com o doente incurável ou próximo da morte provém nio somonte do medo que ele mesmo experimenta diante da morte, mas também, e multas vezes, da sua incompetencia no tocante aos cuidados a administrar ao doente nessa fase da molestia, é muito difícil abordar um doente em favor do qual nada mais se pode fazer. Ora haveria sempre muita coisa por fazer. Por

¡sto tentamos formar os estudantes e os jovens médicos em relacSo ao

tratamento da dor e aos outros cuidados a ser ministrados aos que estao perto da morte, de modo quei tomem consciéncia de que no plano médico mesmo eles podem realizar muita coisa em prol desses doentes. Tais conhecimentos Ihes daráo a confianca indispensável para que se aproximem do doente incurável e o escutem" ("L.aénnec et Medecine de l'homme", octobre 1975).

Mesmo em se tratando táo somente de aliviar dores cró nicas, o bom relacionamento médico-enfermo é elemento indis pensável. A doenga e a morte tém facetas diversas que estáo intimamente ligadas entre si. Assim o sofrimento é urna realidade muito complexa; nao a podemos reduzir ao seu aspecto

neurofisiológico; por isto nenhum analgésico basta para suprimi-la adequadamente. Dor física, sofrimento moral e angus

tia estáo de tal modo entrelacados entre si que nao podem ser considerados e aliviados «de per si», isoladamente. A menos

que se queira perturbar a personalidade do doente e renunciar a salvaguardar a sua integridade intelectual e afetiva, a tera péutica da dor nao se pode limitar á aplicagáo de drogas; ela exige, da parte dos técnicos e dos próximos do enfermo, atenCáo, ausculta e presenga.

Alias, se o médico sabe criar um clima de bom relacio

namento humano entre médico e paciente, se evita dar infor-

masóes erróneas e procura aproximar-se o mais possível da verdade (na medida em que o doente é capaz de suportá-la), — 269 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 198/1976

o próprio paciente irá aos poucos descobrindo a verdade no tocante ao curso da sua molestia.

Seja lícito repetir: todo homem tem o direito de «viver a sua morte». Seria anormal que o médico e os familiares deixassem um paciente ser colhido pela morte como que «de surpresa>. Todo homem, no fim da sua vida, tem o direito de recapitular a sua existencia, e de fazer da sua morte um

passo de homem ou da sua personalidade; o paciente tem o

direito de ser ele mesriio até o fim. Está claro que essa atitude há de ser promovida com discricáo, levando-se em conta as disposicóes psicológicas do enfermo e a necessidade real de se lhe ministrarem analgésicos e tranquilizantes (que costumam atenuar a consciéncia psicológica).

Veja-se a propósito:

Alexandre Dorozynskl, "Comblen de temps peut-on faire survlvre un homme ?". em "Sclence et Vle" 700, Janv. 1976, pp. 26-34. Patrick Verspleren, "La mort et le mourlr a l'ére technologlque", em "Pro|et" 98, sept.-oct. 1975, pp. 911-923. Phillppa Deschamps, "La mort á Phopltal", Ib., pp. 924-933.

Marc Oralson, "L'euthanasle et le mystére de l'homme", em "Cahlers

LaSnnec" n? 4, décembre 1963, pp. 5-19.

Vlttorlo Marcozzl, "II cristiano di fronte alPeutanasla", em "La Civiltá

Cattollca" 3010,

15/XI/1975, pp. 322-336.

Mlchelle Gazet, "Le procés de Lulgl Faita et quelques journaux", em "Cahlers Laennec". n? 4, décembre 1963, pp. 21-39. J.-M. Blond, "Le sens de la souffrance et de la mort", Ib. 47-66.

PR 66/1963,

pp.

235-246

(o

"crlme

misericordioso"

de

Vandeput).

PR 137/1971, pp. 193-203 (quando é que alguém morre ?).

— 270 —

Suzana

A MORTE DO CARDEAL DANIÉLOU

43

AÍNDA A MORTE DO CARDEAL JEAN DANIÉLOU Sabe-se quanto as circunstancias em que faleceu aos 20/V/74 o Cardeal Jean Daniéiou, deram lugar a comentarios, nem sempre fundamentados e objetivos. A propósito veja-se PR 178/1974, pp. 405-408. As suspeitas maldosas que recaíram sobre a pessoa do venerando prelado, foram sendo aos poucos dissipadas por um exame mais preciso do caso: obser vadores destituidos de preconceitos puseram-se a fazer a análise minuciosa dos acontecimentos; desse trabalho resultou,

entre outras, a declaracáo seguinte, datada de 22/TV/75 e assinada pelo Pe. André Costes S. J., Provincial de Franca da Companhia de Jesús, e pelo Prof. Henri I. Marrou, Pre sidente da Sociedade dos Amigos do Cardeal Daniéiou. Publi cando tal declaracáo em traducáo portuguesa, PR espera pres

tar servico aos seus leitores, contribuindo para que melhor possam julgar o assunto.

"Após a publicacáo feita pelo Sr. Tournoux, no 'Journal Secret', Plon, pp. 120-131, dos documentos da policía con-

cernentes á morte do Cardeal Daniéiou, julqamos necessário trazer as precisSes seguintes, que permitem completar as informacóes e sltuá-las em perspectiva exata. No dominao 19 de malo, o Cardeal Daniéiou presidia em

Tréguler ao 'Perdáo de Santo Ivo' \ Por ocasiao da Missa Solene. pregou durante vinte minutos, e ainda, por ocasiao

das Vésperas, durante quarenta minutos; ñas Vésperas, se gundo um sacerdote de Tréguier, o Cardeal sentiu um mal-estar passageiro. Por ocasiao da longa procissáo até Minihy, fez questáo de carregar pessoalmente o relicario que continha as reliquias de S. Ivo durante urna parte do trajeto, apesar do cansago observado por um médico entáo presente. Tomou o trem de volta para Paris, e chegou em casa aproxi madamente á meia-noite. Na seaunda-feira 20 de maio, depois de ter celebrado a Missa ás 8 h, como de costume, passou a manhá em seu escritorio a trabalhar e a receber visitas. Almocou num res taurante da Praga 25 de agosto com o Professor Osborne, de Queen's College, Melbourne. Levou-o, a seguir, á casa de um professor da Sorbona, perto da estacáo de metro Duroc. Depois de ter passado ás 14 h 30 min aproximadamente na sede da revista "Études" (Rué Monsieur 15), onde apanhou ^Trata-se de tradicional festá local.

— 271 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

o seu correio, voltou á residencia (Rúa Notre-Dame-Des-Champs 39), onde entrou precisamente ás 15 h. Saiu de novo ás 15 h 15 min, deixando a noticia de que voltaria ás 17 h.

A Poiícia de Emergencia foi alertada ás 15 h 48 min por um chamado de Madame Santoni, que morava no 4? andar do predio da Rué Dulong 56, ao norte do Boulevard des Batignolles : o Cardeal Daniélou, lá chegado entre 15 h 35 min e 15 h 40 min, acabáva de ser acometido de mal-estar. Os agentes da Poiícia chegaram poucos minutos depois do aviso. Encontraram o Cardeal ainda em vida, mas inconsciente, tendo a tez roxa. Abriram o vestuario para tentar a reanimacao — o que foi continuado pelos bombeiros e pelo Servigo de Assisténcia Médica de Urgencia, que chegaram ás 16 h 07 min. Em váo, porém. Cessaram as tentativas de reanimagáb ás 16 h 45 min. Alertado pelo comunicado do radio que ás 17 h anunciava o falecimento do Cardeal (note-se que a mengao de morte na rúa, que apareceu em certos noticiarios, nao emana das autoridades eclesiásticas), o Provincial de Franga da Companhia de Jesús foi ao local com o Provincial de París, seguindo-se-lhes em breve o Nuncio Apostólico.

Este asststiu á remogao do cadáver, que foi de novo levado

á sede de "Études" ás 18 h 10 min. Lá algumas Religiosas da vizinhanga, logo chamadas, nao conseguiram

realizar a

toalete fúnebre; o cadáver já eslava rígido.

Estes

seguintes:

fatos

sugerem

as

observagóes

complementares

Entre o momento em que o Cardeal Daniélou saiu da

Rúa Notre-Dame-des-Champs e aquele em que Madame San

toni chamou a Poiícia de Emergencia, decorreram 33 minutos.

É evidente que nesse breve intervalo teve apenas o tempo

de fazer o referido trajeto, assaz longo, em pleno coragáo de Paris, em hora de grande tráfego, e de cair no chao ao chegar ao destino. A ni pótese segundo a qual o corpo teria podido ser vestido de novo antes da chegada da Poiícia, é desmentida por esse horario, como também qualquer malé vola interpretagáo desse tipo de morte. Madame Santoni, prostituta em um bar-hotel da Rúa de Douai, nao exercia o seu mister em seu domicilio. O seu marido, que devia ser condenado no dia 20 de julho como — 272 —

A MORTE DO CARDEAL DANIÉLOU

45

proxeneta pela 12? Cámara Correctonal de Paris, fora preso aos 17 de maio, isto é, tres dias antes da morte do Cardeal Daniélou. Estaría em relagáo com essa prisáo a visita do Cardeal a Madame Santoni, ocorrida logo depois que o pre

lado voltara de Tréguier? Sabe-se que o prelado conhecia tal senhora desde algum tempo e que, segundo ela mesma

confessou, ele a procurava arrancar ao seu género de vida. Tal hipótese é plausível. Como quer que seja, é certo que naquela época ele dedicava parte do seu tempo a prostitutas e mulheres postas em situagáo difícil. O testemunho dado por urna délas, auxiliada pelo Cardeal, esclarece o sentido desse tipo de ocupacáo. Mais amplamente, as pesquisas

que fizemos permiten) afirmar que as ¡nsinuacóes, ou seja, a imputacáo de vida dupla, langadas a propósito desse relacionamento apostólico, nao repousam sobre fundamento algum. Desejamos acrescentar o seguinte: o Cardeal Daniélou era intensamente sensível á realidade do combate espiritual.

Com pro mete ra-se por inteiro, com plena lucidez de consciéncia. Sabia que a condigáo fundamental para isto era a recusa de qualquer compromisso com o mal. As suas obras e o

testemunho daqueles que melhor o conheceram, provam que ele estava consciente do prego que devia estar pronto a

pagar para realizar essa vocacáo: até mesmo a perda da própria reputagáo. Tal é para nos o sentido dessa morte caluniada".

Táo.minucioso relatório dos fatos parece constituir o me

lhor fundamento para se interpretar a tragedia da morte do Cardeal Daniélou. A figura deste prelado há de ser ilustrada principalmente pela lucidez e a profundidade de seus escritos,

que revelam um espirito cheio de fé e de amor a Deus e ao próximo. Esses escritos do Cardeal explicam bem o interesse apostólico que o prelado tinha pelas pessoas marginalizadas da sociedade. É próprio de um grande arauto de Cristo, cheio

de zelo e santidade, procurar ajudar tais pessoas, que geralmente sao reduzidas á condigáo de «coisas» e desprezadas pela sociedade.

Estévao Bettencourt O.S.B.

— 273 —

Irnos em estante Vivamos nosoa fé. Iniciado crista para adultos, preparada pela equipe de "Publicaciones Pastorales Argentinas". Traducfio do espanhol e adaptacao por Lulz Carlos MagalhSes. — Ed. Paulinas, SSo Paulo 1976. 140 x 205 mm, 164 pp.

.

Freqüentomente os fiéis católicos indagam a respeito de llvros que

aprosentem urna slntese da fé. Els mals uma obra desse tipo, proposta ¿

consideracfio dos estudiosos e do público. Trata-se de compendio assaz sintético, que propSe o essenclal de cada tema da teología, comecando pelo conceito de Deus e terminando na escatoiogia; cada capitulo se abre com um texto bíblico e se encerra com uma oracSo, Inclulndo perguntas para a reflexfio em grupo. Deve-se observar, porém, que o llvro n6o fala do pecado original em parte alguma, nem ao abordar a orlgem do mal, nem ao tratar do sacramento do Batismo

(cf pp 27-30; 122-125). O fato é assaz estranho; n§o se explica pela Intencfio de sintetizar, pols em qualquer compendio da fé deveria haver

a exposicfio do que seja o pecado original no entender da Igreja de noje;

esta se manifestou a respeito, por exemplo, no Credo do Povo de Deus, redigldo pelo S. Padre Paulo VI precisamente para que nSo houvesse mals motivos de dúvldas por parte dos fiéis católicos. Verillca-se também que os autores do llvro n§o menclonam o purgató:io, o qual constituí outro artigo da fé católica; nfio o negam, mas simplesmente silenciam-no onde, serla de esperar a mencSo do mesmo (cf. p. 156); também este fato é Inexpllcável, se se levam em conta o Credo do Povo de Deus e a Tradigao Os sabios leitores poderSo aproveitar tudo quanto de bom aprésente o livro em foco, mas estarSo conscientes de suas lacunas. Pelo fato de se tratar de agradável leltura, nfio se delxe de advertir que é incompleta.

Ética c:bta para um tempo de sécula-Izacao, por Bernhard Háring. TraducSo de Ubenai Lacerda Fleury. Col. "Homem em questao" ri> 5. — Ed. Paulinas, S8o Paulo 1976, 130 x 170 mm, 204 pp.

O Pe Bernardo HSrlng é conhecldo no Brasil por diversas obras de

Teología Moral, setor de sua espedalldade. Tem-se empenhado por renovar a Teología Moral católica, questlonada em nossos dias por problemas que a vida moderna coloca, e por correntes filosóficas heterogéneas. O presente

estudo é um fruto desse programa de trabal ho. O autor expee brevemente o fenómeno da secuiarizacfio, Insplrando-se

na Constltulcáo "Gaudium et Spes" do Concilio do Vaticano II. Dal deduz que a atengfio do teólogo católico há de levar em conta a nova problemá tica lancada pelas circunstancias em que vive o crlstSo de nossos dias;

Importa, slm, testemunhar que o discípulo de Cristo cultiva a caridade efellva a fustiga, a veracldade, a simpllcldade e mesmo a adoracSo de Deus em espirito e verdade (cf. p. 90). Em suma, a ética crista se volta

para os afazeres temporals, nos quais crlstaos e nSo crlstaos se encontram Uido a lado; é necessário que o Evangelho se faca especialmente presente

nos setores em que os nao crlstaos se encontram empenhados na cons-

trucSo da sociedade do século XX e da humanidade futura. O Pe Hárlng se compraz em mostrar as diferencas entre o comportamento do cilstao no

passado e a conduta exigida por nossa época no tocante á política e as relacdes da Igreja com o mundo, Nao há dúvida, é mister que os disc pulos de Cristo abram os olhos para os problemas que hoje em día se eoloeam — 274 —

LIVROS EM ESTANTE

47

para a humanidade; todavía ó para desejar que a Insistencia no desempenho dessa tarefa nSo os leve a desprezar o passado do Cristianismo com seus valores essencials (oracao, consciéncla do significado transitorio dos bens terrestres, esperanca na vitória final de Cristo sobre a desordem desencadeada pelo pecado no mundo...). O Pe. Háring mantém-se em posigSo de equilibrio; apola suas reilexdes em fatos históricos, que revelam sua grande cultura.

O livro é útil; nSo contém casuística, mas conserva-se no plano da

reflexao.

Procuram-se pecadores, por Bernard Bro. TraducSo de M. Cecilia de

M. Duprat. Col. "Oracfio e Acao", Tercelra Serie — 10. — Ed. Paulinas 1976, 110 x 190 mm, 210 pp.

O sacramento da ConflssSo tem sido "maltratado" tanto em livros como na prática. Reina certa confusao sobre o seu valor e a sua oportun!dade. A Igreja já se definlu a propósito, de tal modo que os fiéis que o queiram se podem informar com clareza; cf. PR 175/1974, pp. 289-303. Todavia tiá grande necessidade de livros de espirltualldade que aprofundem as nocóes de pecado, penitencia e reconciliagao sacramental; vé-se mais o lado jurídico ou o psicológico dessas realidades do que o seu signiiicado teológico e típicamente cristáo. Justamente para amainar essa ruga foi publicado o livro do Pe. Bro, que apresenta em termos claros e vivos os conceitos fundamentáis atinentes á culpa, á misericordia de Deus e ao sacramento da Penitencia. Analisa sinceramente as dlflculdades que os fiéis encontram na freqüentacáo da ConfissSo sacramental: "Por que se abiir a um homem ? Tenho sempre as mesmas faltas i Confesso-me diretamente a Deus". Ilustra as nocdes de inferno e misericordia de Deus e aponta como fazer exame de consciéncla, quando e como é oportuno confessar-se, como repaiar as faltas, etc.

O livro é excelente nSo só pelo seu conteúdo teológico, mas também pelos textos e episodios que cita, tirados da historia universal e da lite ratura em geral.

Na busca de ser. A angustia de nao ser, por Hitarlo DIck. — Ed. Vozes, Petrópolis 1976, 131 x 210 mm, 159 pp. Este livro se origina do trabalho de Pastoral da juventude realizado pelo autor no Rio de Janeiro. O Pe. Hilario fol realmente Incansável apos tólo dos jovens durante os anos passados nesta cidade. As palestras e as poesías que marcaram a sua acSo pastoral, acham-se englobadas nesse livro, que, de um lado, carece de concatenacio rígida entre as suas partes, mas, de outro lado, é rico de calor e vivencia humana; o Pe. Hilarlo sabe falar aos jovens, comentando-lhes a Biblia e os acontecimentos da historia de cada dia. O I ¡vi o é prefaclado por R. C. Barbleii, que dá testemunho do autor da obra nestes te.mos: "Mostrel a pessoas sem vinculo religioso, aínda no texto original, alguns parágrafos e textos deste livro. A reagSo deles nSo me surpieendeu: todos quoiiam conhecé-lo, 'mesmo depois' de sabé-lo sacerdote. Pensó eu que, na situacSo deles, teria cortamente, a mesma reacao" (p. 6s). A qualquer hora... a qualquer Idade, por E. M. Ménard. TraducSo do francés por M. Cecilia de M. Duprat. — Ed. Paulinas, SSo Paulo 1976, 160x205mm, 133 pp.

— 275 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 198/1976

Fite livro é obra de um sacerdote que o termina, afirmando "ser padre há mals de trlnta anos e jamáis ter-se arrependido de haver abracado o sacerdocio" (p. 139). Destlna-se aos Jovens e aos agentes da Pastoral das VocagSes, pols tenclona apresentar a dlgnldade da vocagSo sacerdotal, segulndo de perto

textos do Novo Testamento, oportunamente comentados e Ilustrados. Oferece, pols, explanacoes bíblicas e reflexOes teológicas de valor. No flm do livro, o autor considera problemas de atualidade como pobreza, celibato, desapeqo... na vida sacerdotal. — Els urna obra clara e profunda, que

transmite convlccSo, alegría e entusiasmo pelo sacerdocio ministerial, é para desejar que encontré ampia difusao.

Juventude e opcáo vocaclonal, peto Pe. Milton Paulo de Lacerda S. J. ColegSo "Juventude e cresclmento na fé" — 3. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1976, 110 x 190 mm, 172 pp.

É este o quinto livro do Pe. Lacerda, tendo em vista, como os ante riores, a Juventude, suas asplrac6es e seus problemas. O mestre, ¡á bas tante experimentado, propSe reflexSes oportunas sobre disponlbllldade,

amor e comoromlsso, vocagSo (chamado de Deus), opcio (resposta do jovem). psicología da graca, orlentagSo vocaclonal, etc. é com orazer que o público ledor vé aumentar-se a bibliografía próprla para a Pastoral da

juventude, máxime puando orientada por seguras linhas teológicas e psi

cológicas. O presente livro é fruto de experiencia, destinado a frutificar aínda mals copiosamente.

O que Deus unlu, por Hugo Wast. TradugSo de JoSo Herrero. — EdicSo dos Secretariados Diocesanos das Vocag3es Sacerdotals de Brasilia e Petrópolls, 1976, em 2? edigao revista e anotada, 130 x 180 mm, 300 pp. Hugo Wast é o pseudónimo de Gustavo Martínez Zuvlrla, escritor nascldo em Córdoba (Argentina) em 1883 e falecldo em 1962. Advogado e professor de Economía na Unlversldade de Santa Fé (Argentina), foi deputado federal e Ministro da Justlca e da Educagáo. é um dos escritores arqentinos mals famosos do séc. XX; de algumas de suas novelas, como "Flor de Pesseguelro", foram vendidos mals de 1.000 exemplares, tendo sido varias délas traduzldas até em oito Ifnguas.

O presente livro é um romance..., nao, porém, romance de amor, como o poderla Insinuar o titulo. P6e em relevo a grandeza da vida con sagrada a Deus no sacerdocio ministerial ou no mostelro ou aínda no

casamento; mostra os lados belos da oragao, da penitencia e da vida crista em geral. De manelra agradável, o autor comunica estima e entu siasmo pelo servlgo a Deus, concorrendo para esclarecer o leitor em questóes de esplritualidade e, particularmente, de vocagüo ou de opgSo de vida. A obra merece ser recomendada aos jovens e a todos quantos se Interessam pelas vocagSes sacerdotals e religiosas. Pedidos e pagamentos sejam dirigidos aos seguintes enderegos:

Pe. Vittorlo Lucchesl, Calxa postal 07-0661, 70.000 Brasilia (DF) ou

Pe. Jorge Facchin, Obra das VocagSes Sacerdotais, 25.840 Correas (Petrópolls) RJ.

— 276 —

CURSO

DE

ATUALIZACÁO

EM

FILOSÓFICA

NIVEL DE PÓS-GRAOUAQÁO DE 25/VII A 7/VIII/1976

TEMA GERAL: IDEOLOGÍA E FILOSOFÍA, COM AS SEGUINTES ARTICULARES : 25 e 26 de julho :

ANÁLISE

HISTÓRICO-CULTURAL DO

CONCEITO

DE

IDEOLOGÍA

Prof. Dr. Sergio Cotta Universidade de Roma — Italia

27 e 28 de julho:

LINGUAGEM IDEOLÓGICA E LINGUAGEM

FILOSÓFICA

Prof. Dr. Carlos Huber S.l. Pontificia Universidade Gregoriana de

Roma

29 e 30 de julho :

A

IDEOLOGÍA CIENTIFICISTA

E TECNOCRÁTICA

Prof. Dr. Evandro Agazzi Universidade de Genova — Italia 2 e 3 de agosto

:

MARXISMO

COMO

FILOSOFÍA

E

IDEOLOGÍA

Prof. Dr. Alberto Caturelli Universidade

de

Córdoba — Argentina

4 de agosto :

PRESENQA DE FREUD NA

MITOLOGÍA SEXUAL CONTEMPORÁNEA

Ensaio sobre a génese das ideologias Prof.

Dr.

Eduardo Abranches

de

Soveral

Universidade do Porto — Portugal

5 de agosto :

UNIVERSIDADE BRASILEIRA Um

especialista

E FILOSOFÍA

brasileiro

6 de agosto :

DIAGNOSE DAS

INFLUENCIAS

UNIVERSIDADE

IDEOLÓGICAS

NA ATUAL

LATINO-AMERICANA

Um especialista brasileiro 7 de agosto:

SINTESE

CONCLUSIVA

Este curso de caráter intensivo será realizado pelo Conjunto de Pesquisa Filosófica, patrocinado pela Companhia de Jesús, tendo a colaboracSo da AssoclacSo Latino-Americana de Filósofos Católicos e de outras entidades culturáis. O local do curso será : Via Anhanguera, Km 26, S5o Paulo, SP, Campus das Faculdades Anchieta, dos Padres Jesuítas. As InformacSes quanto as condicSes de inscricSo, objetivos e hospedagem podem ser obtldas visitando pessoalmente a sede do Conjunto de Pesquisa Filosófica no Km. 26 da Via Anhanguera, telefonando (tel.: 260-7680) ou entSo escrevendo á Diretoria do Curso (Caixa Postal 11.587 — 01000 SSo Paulo, SP).

ENTREGO-ME A TI1

SENHOR, FAZE DE MIM O QUE QUISERES.

NAO PRETENDO REGATEAR.

NAO IMPONHO CONDICÓES, NEM TENCIONO VER AONDE ME LEVARÁS. SEREI SIMPLESMENTE AQUILO QUE TU QUISERES. E NAO DIGO QUE TE SEGUIREI PARA TODA PARTE, PORQUE SOU FRACO; TODAVÍA ENTREGO-ME A TI PARA QUE ME LEVES AONDE QUEIRAS I

Cardeal Newman (tradugao livre)

1 Ver nosso

editorial

pp.

229-230.

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