Ano Xvii - No. 196 - Abril De 1976

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE Apostolado Veritatis Splendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriarñ)

APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé V v .

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

IL vista cristáo a fim de que as dúvidas se

dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

#.

índice A DURA MISSAO DE SERVIR

,..,.

137

Fala o bom senso :

O CRISTAO E A ÉTICA SEXUAL

,

139

Multo se discute:

CENSURA : A FAVOR OU NAO ?

151

Entre os reavlvamentos ::

O EXÉRCITO DA SALVACAO ; QUE É?

,

164

No cinema, mals urna vez :

"O FANTASMA DA LIBERDADE", de

Luís Buñel

174

A V SEMANA TEOLÓGICA NACIONAL (17-20/11/76)

183

UVROS

184

EM

ESTANTE

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO

PRÓXIMO

NUMERO :

Renascimento religioso na Rússia Soviética. — Cristianismo e Marxismo se conciliam entre si ? — O anjo da anunciado a Maria. — O cristáo e a licenciosidade dos costumes. •





AMIGO, NAO SE ESQUECA DE RENOVAR SUA ASSINATURA ! DESEJAMOS CONTINUAR A SERVIR COM O AUXILIO DOS

NOSSOS COLABORADORES.

X

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Assinatura anual

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Volume encadernado de 1975

Cr$ 85,00

EDITORA BEDACAO DE PB

Calxa Postal 2.666 mMBI1, ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)

LAUDES

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Búa Sao Rafael, 38, ZC-09 20.000 Rio do Janeiro (RJ) Tels.: 268-9981 e 268-2796

A DURA MISSAO DE SERVIR A Declaracáo sobre questóes de Ética Sexual, publicada pela S. Congregacáo para a Doutrina da Fé e apresentada no corpo deste fascículo, tem suscitado intensa celeuma na opiniáo pública. A Igreja foi acusada de nao saber adaptar-se á «revo-

lugáo sexual» que nos últimos tempos modificou o comportamentó da sociedade... Fergunta-se, pois: por que terá a Igreja emitido tal pronunciamento, em aparéncia desatualizado e

chocante ?

— Para se entender devidamente tal Declaragáo, é mister levar em conta a evolugáo da doutrina moral nos últimos anos, mesmo em escolas católicas. Na Universidade de Friburgo (Suíca), por exemplo, o Prof. S. Pfürtner ensinava em 1972 : "Há apenas urna fel moral Intocável, a qual, por conseguirte, deve reinar, sempre e em toda parte: o amor unido á razáo... Todas as normas materlals, mesmo no setor da moral sexual, provém do homem e do seu esforzó de estabelecer urna ordem razoável na sua vida. Disto se segué que, sempre que um preceito deixe de ser razoável na sua aplicagao e de servir ao bem Individual e social do homem, deixa... de ser um preceito moral... Todos os mandamientos e todas as InstituicSes só 1ém sentido em vista do homem. O homem e sua felicldade jamáis Ihes devem ser sacrificados... Todos os homens tem direito á felicldade. O direito á felicldade sexual ó urna parte desse direlto humano fundamental" ("Qu'est-ce qui reste valable au|ourd'hul? Consldératlons á propos de la morale sexuelle", em "Cholslr", margo 1972, Doc. n? 1, 6.8.9).

Estes principios tornam o homem (ou, melhor, o eu indi vidual) criterio absoluto do bem e do mal. Rompem a vinculagáo da criatura com o Criador; embora paregam libertar o homem, fazem-no escravo de suas paixóes e da criatura.

É este o fundo de cena imediato do pronunciamento da

Santa Sé.

A Igreja voltou a afirmar o que sempre afirmou, repu diando relagóes sexuais pré-matrimoniais, o homossexualismo e a masturbacáo. A Igreja sabe que a desenfreada liberdade sexual está longe de significar progresso, mas é, antes, regresso no curso.dos costumes humanos; em vez de favorecer a dignidade humana, concorre para o aviltamento da pessoa. Grande é o número de neuroses e de molestias físicas, notável também o porcentual de lares desfeitos em conseqüéncia do apregoado libertinismo sexual. — 137 —

Nem se pode dizer que a dénda contemporánea desabone os preceitos da ética crista. Os psicólogos modernos afirmam, de um lado, que a sexualidade é um potencial que muito pode contribuir para a felitídade e o engrandecimento do ser humano,

mas, de outro lado, reconhecem que o sexo pode desencadear tremendas torgas destrutivas da personalidade. A própria psicanálise pos em relevo o liame existente entre Éros (amor) e Thánatos (morte) : ninguém ignora que o instinto sexual, en tregue a si e nao integrado no conjunto dos valores da perso nalidade, avilta o ser humano e é causa de infelicidade. Esse

instinto tende nao raro a se tornar independente do amor (que é sempre querer bem ao outro), perdendo assim a sua nota típicamente humana para se tornar bestial. O sexo, na criatura humana, faz parte de um contexto em que a inteligencia e a

vontade devem predominar soberanamente. Eis por que a Igreja ousa lembrar ao mundo de hoje a necessidade de conter o uso do sexo dentro de certas normas éticas.

Fazendo isto, a Santa Sé está longe de ceder a sexofobia

ou a tabus. Ao contrario, nenhuma filosofía dignifica tanto o matrimonio e a sexualidade quanto a filosofía crista; segundo o Evangelho, a vida conjugal é um sacramento permanente, desde que observe as leis do Criador. O que a S. Igreja tem em mira mediante o seu pronundamento corajoso, é precisamente assegurar a liberdade e a dignidade do homem no uso do sexo; interessa-lhe evitar que as falsas nogóes e as paixóes cegas conculquem algo a que está essencialmente ligada a grandeza do ser humano. Foi para garantir a «civilizagáo do amor» (Paulo VI), em beneficio do próprio homem, que a Igreja disse o seu Nao decidido em dezembro pp. Se este servigo da Igreja nao foi por todos devidamente entendido, ele será certamente útil e frutuoso. Nem o sacrificio

de Cristo — que neste mes de abril mais urna vez celebramos durante a Semana Santa — foi devidamente compreendido; todavía é certo que redundou em salvagáo para o mundo. Como Cristo, a Igreja também é alvo de contradigáo (cf. Le 2, 34) ;

se isto é doloroso, também é motivo de consolo, pois tal con tradigáo é sinal de continuidade com a missáo do Mestre, é sinal de autenticidade. A Igreja continua em nossos dias a obra do Senhor Jesús, que foi Cruz e Ressurreigáo em favor dos homens e para a gloria do Pai! E. B.

— 138 —

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XVI — N' 196 — Abril de 1976

Fala o bom senso:

o cristao e a ética sexual Em símese: A Sagrada Congregando para a Doutrlna da Fé em Roma publlcou, com a data de 29 de dezembro, urna importante Declarado sobre questSes de ética sexual. Esse documento, que S. S. o Papa Paulo VI aprovou e mandou publicar, pretende atender a mal-entendidos e desvíos que se vém propagando em tomo da vida sexual,... mal-entendidos ás vezes acobertados por teorías psicológicas e sociológicas de valor precario. Em tal DeclaracSo, a S. Igreja lembra a existencia de urna lei moral natural, congénita em todo homem e nao sujeita a oscllacoes em suas linhas essencials (ela tolera, sim, adaptares de índole secundarla e acldental). Em vlrtude dessa lei, incutida pelo Criador e corroborada pelo Evangelho, a Igreja enslna que — as relacSes sexuals pró-matrlmonlals estáo fora de propósito, visto que o consorcio sexual supSe o amor comprometido e estável que só existe com o contrato matrimonial;

— o homossexuallsmo, como tal, é urna aberracáo contra a natureza. Pode, em certos casos, explicar-se por anomalías mórbidas congénitas ou por defeltos de educacfio — o que contribuí para atenuar a culpa de quem cede a tal aberragao. Isto, porém, jamáis pode legitimar a prátlca do homossexualismo;

— o

onanismo

(ou

masturbacáo)

também

é

contrario

á

natureza

humana, constituindo em si grave falta moral. Todavía há condig6es sub

jetivas atenuantes nos caso3 de pessoas que sofram de desequilibrio psi cológico ou pratiquem o ato Indeliberadamente.

Recorda aínda a S. Igreja que pode haver pecado grave mesmo quando o cristao nao desdiz explícitamente á sua opcSo fundamental ou a sua adesáo a Deus. Violar.deliberada e conscientemente um grave precoito do Senhor significa violar (ao menos implícitamente) o amor a Deus. Por último, o documento mostra que a castldade nSo consiste apenas em evitar o pecado, mas implica a prática da pureza em toda a sua integridade. O exercfcio da castidade será favorecido pela oracSo, a freqüentagáo dos sacramentos e os me los de ascese (autocontrole) que a Tradicfio crista sempre recomendou aos fiéis.

— 139 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

Comentario: No inicio de 1976, a opiniáo pública foi interpelada por urna Declaracáo oriunda da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé (Roma) referente a questóes de Ética sexual. A Igreja se pronunciou entáo sobre relacóes sexuais antes do matrimonio, homossexualismo, masturbagáo, pecado

em geral,... procurando dissipar mal-entendidos e abrir pis tas lúcidas para o comportamento do cristáo na sociedade de nossos dias, impressionada por teorías e exemplos contraditorios. Tal Declaracáo, datada de 29 de dezembro de 1975 e publicada aos 15 de Janeiro de 1976, foi preparada desde 1968 por estudos de urna Comissáo internacional de teólogos mora listas e por alguns membros da Comissáo Teológica Inter nacional, em colaboracáo com a S. Congregagáo para a Dou trina da Fé. Foi atentamente lida e relida por S.S. o Papa Paulo Vi, que finalmente houve por bem confirmá-la e man dar publicá-la. Como outros documentos da Santa Sé, também este suscitou aplausos e... contestagáo; alias, diz o Evangelho que o

próprio Cristo seria «sinal de contradigáo» (Le 2,34). A fim de possibilitar ao leitor um juizo pessoal, proporemos abaixo um resumo objetivo do conteúdo da Declaracáo de Roma, acompanhado de um ou outro comentario.

Os números que o nosso texto colocará entre parénteses em cada subtítulo, corresponden! á numeragáo dos sucessivos incisos da Declaracáo.

1.

O problema (n- 1-2)

A sexualidáde afeta profundamente a pessoa humana, determinando-lhe as características biológicas, psicológicas e espirituais e fundamentando o modo de sua insercáo na socie dade. Eis por que os assuntos de sexo sao freqüente e abertamente considerados em publioacóes e através dos meios de comunicacáo social.

Nessa abordagem sao propostas ao público as mais diver sas teses e teorías, das quais algumas favorecem, com rótulo científico, o hedonismo (= a filosofía do prazer pelo prazer)

e a licenciosidade.

Daí resulta que mesmo entre os cristáos _ 140 —

ÉTICA SEXUAL

haja nao poucos que experimentam ansias e dúvidas sobre as

normas do auténtico comportamento do homem e da mulher de hoje no tocante ao sexo.

A Igr'eja nao podía ficar indiferente ao problema. Em

varias dioceses, os respectivos bispos se pronunciaram sobre o mesmo. Dado, porém, que teorías erróneas continuam a se propagar e nao poucos pastores demonstraran! o desejo de

urna palavra oficial da Igreja sobre o assunto, a S. Congregacáo para a Doutrina da Fé elaborou a Dedaragáo em foco.

2.

Leí natural e leí evangélica (n- 3-4)

A conduta moral do ser humano tem seus principios fun damentáis nao no arbitrio de cada um, mas, sim, no íntimo de sua consciéncia. É o que o Concilio do Vaticano n lembra na sua Constituicáo «Gaudium et Spes»: "Na intimidada da consciéncia, o homem descobre urna lei. Ele nSo a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o, sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lef Ihe faz ressoar nos ouvidos do coracáo: 'Faze Isto, evita aquilo'. De fato, o homem tem urna lei escrita por Deus em seu coragáo. Obedecer a ela é a própria dlgnidade do homem, que será julgado de acordó com essa leí. A consciéncla é o núcleo secretlsslmo e o sacrárlo do homem, onde ele está a sos com Deus e onde ressoa a voz de Deus" (tfi 16).

Além disto, Deus se dignou revelar aos homens o seu

designio de salvagáo, do qual decorrem normas próprias de

comportamento: a doutrina e o exemplo de Cristo vém a ser, para o cristáo, a suprema lei da vida.

Por conseguinte, nao pode haver auténtica promocáo da

dignidade humana senáo em consonancia com a ordem ins crita na natureza do próprio homem (ordena que o Evangelho de Cristo confirma e eleva a plano superior). É certo qu& os tempos mudaram e ainda mudaráo; todavía a evolucáo dos

costumes decorrentes de novas circunstancias históricas há de

ser mantida dentro dos limites impostos pelos principios imutáveis que caracterizan! a natureza humana; estes principios

transcendem as contingencias históricas.

A lei natural, como também a lei divina revelada por Cristo, nao se limitam a ditar ao homem apenas o preceito genérico da caridade (ou do amor) para como próximo e o — 141 —

6


do respeito a dignidade humana. Segundo teorías recentes, os demais preceitos — específicos e particulares — contidos na lei natural e ñas Escrituras .reduzir-se-iam apenas a expres-

sóes da cultura humana, sempre variável segundo as diversas fases da historia. Tenham-se em vista aquí, de modo espe

cial, os preceitos referentes á castidade, que se resumem nestas palavras: «Nao violar as leis que a natureza fisiológica instituiu para o sexo e o uso do sexo». Esses preceitos sao,

por vezes, postos em antítese ao preceito do amor; este vale sempre, ao passo que aqueles já nao valeriam hoje. Ou mesmo há quem diga que, em nome do amor, pode alguém tranquila mente violar as normas da castidade, tendo relagóes pré-ma-

trimoniais ou também relagóes extra-conjugais ou ainda rela góes homossexuais...

Na verdade, a sá razáo humana — que se manifesta na sabedoria filosófica — e a Lei Divina revelada póem em evi dencia auténticas exigencias da natureza humana, que sao leis

imutáveis inscritas no fundo de todos os seres humanos. A consciéncia fala do mesmo modo e sempre em todos os homens,

propondo-lhes normas básicas: «Nao matar, nao roubar, nao dar falso testemunho, honrar pai e máe, ser comedido no uso dos sentidos e dos prazeres (nao comer ou beber intemperante mente ...)». Essas normas podem ser obnubiladas nos casos de tara psicológica ou moral (trata-se, porém, de casos de deformagáo ou anormalidade).

Ademáis a Igreja foi instituida por Cristo para que, com a assisténcia do Espirito Santo, conservo, transmita e inter prete auténticamente os principios da lei moral natural e os da Revelacáo Divina, tendo sempre em vista a santificacáo do homem.

3.

Ética sexual objetiva (n° 5-6)

As verdades até aquí apresentadas aplicam-se ao que diz respeito ao uso do sexo e á ética sexual; esta considera valo

res fundamentáis da vida humana e da vida crista. Existem a propósito normas objetivas derivadas da própria natureza

humana e da lei divina,... normas que nao se derivara dos variáveis tipos de cultura humana e que, por isto, nao podem

ser tidas como ultrapassadas desde que se apresentem novas

situagóes culturáis.

— 142 —

ÉTICA SEXUAL

Por cqnseguinte, deve-se dizer que a bondade moral dos atos da vida sexual nao depende apenas da reta intencáo sub jetiva daqueles que os praticam, nem táo somente das circuns

tancias contingentes em que se vé colocada a pessoa humana, mas também, e primeiramente, de criterios objetivos, que tém vigencia através de todas as fases da historia humana.

Em síntese, esses criterios objetivos podem ser assim for mulados: o ato sexual tem suas finalidades naturais; tais fina lidades naturais só podem ser respeitadas e atingidas devidamente no contexto do casamento legitimo; donde se vé que «a fungáo sexual só tem seu verdadeiro sentido e sua retidáo moral no casamento legitimo» (n« 5). Daí se vé — comentamos nos (PR) — o que julgar do axioma: «O que se faz por amor, é sempre bom; nao é pecado». Na base desse axioma (entendido em termos subje tivos e nao raro arbitrarios), muitas pessoas cedem á liberdade ou libertinagem sexual, violando valores que integram a dignidade e a honra da pessoa «amada». Nesses casos, o amor é entendido muitas vezes como urna atitude subjetiva, talvez mesmo passional e descomprometida. Ora na verdade o amor tem suas notas objetivas (é benevolencia, que pode

exigir sacrificios e renuncias de quem ama); essas notas obje tivas devem ser respeitadas para que «o que se pratica por amor seja moralmente bom e isento de pecado».

Feitas estas observagóes, a Declaragáo da Santa Sé afirma seu intento de lembrar aos fiéis a doutrina da Igreja (que é baseada sobre a lei natural e o Evangelho) a respeito de alguns pontos particulares da conduta sexual que merecem atengáo, dados os graves erros que a propósito se verificam

em nossos dias. — O documento nao pretende abordar todos os desvíos ocorrentes nem propor tudo o que está incluido na genuína prática da castidade.

4.

Relajees pré-matrimoniais (n9 7)

Sao tres os pontos sobre os quais a Declaragáo se detém de maneira explícita: a castidade pré-nupcial, o homossexualismo, o onanismo (ou masturbacáo). No tocante as relagóes pré-matrimoniats, sabe-se quanto é

difundida a tese de que é licito praticá-las desde que o homem e a mulher (o joyem e a jovem) tenham a intencáo de se unir — 143 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

em matrimonio; a psicología de ambos exigiría já antes do matrimonio essa complementagáo natural, principalmente nos casos em que a celebragáo das nupcias tem que ser diferida por circunstancias alheias á vontade dos noivos.

Ora tal tese contradiz á doutrina crista segundo a qual é no quadro do matrimonio que se situam as fungóes genitais do homem e da mulher. A uniáo sexual exige comunháo de vida estável e definitiva entre o homem e a mulher; fora do compromisso matrimonial, ela se arrisca a ser fruto da fan tasía e do capricho. Conseqüentemente o Senhor Jesús ensina no Evangelho: «O homem deixará pai e máe para aderir á sua mulher e seráo dois numa so carne...

O que Deus uniu,

nao o separe o homem» (Mt 19,4-6). E Sao Paulo, referindo-se aqueles que sentem com veeméncia o calor do atrativo

sexual, recomenda que, se alguém (celibatário ou viúvo) nao pode viver em continencia, procure a uniáo estável do casa mento : «É melhor casar-se do que arder (em desejo sexual)» (ICor 7,9).

É de notar ainda que as relacSes pré-matrimoniais geralmente excluem a perspectiva do filho (os interessados recorrem entáo a processos anticoncepcionais); ora isto mutila o amor, que, por sua natureza mesma, é unitivo e fecundo. Caso nao se exclua a prole das relagóes pré-matrimoniais, estas

podem dar origem a criangas gravemente prejudicadas pelo fato de nao terem o ambiente estável da familia que Ihes proporcione a insergáo orgánica na sociedade. Sao notorias as tristes conseqüéncias que tém para a crianga o fato de nao usufruir da assisténcia regular de pai e máe a ela conjunta mente dedicados.

Quanto á uniáo matrimonial, ela nao se pode reduzir a um consentimento de foro particular ou mesmo tácito e des comprometido entre o homem e a mulher, mas há de ser fir mada por um contrato sancionado e garantido pela sociedade e, no caso de fiéis católicos, pela Igreja; esse contrato inau gura um estado de vida que tem importancia nao somente para os cónjuges, mas também para a familia e o bem da comunidade humana; no caso de fiéis católicos, a vida matri

monial é santificada por um sacramento próprio e elevada á dignidade da uniáo de Cristo com a Sua Igreja. — 144 —

ÉTICA SEXUAL

5.

Homofilia ou homossexualismo (n? 8)

Outra tese que se difunde em nossos dias, com base em observacóes de índole psicológica, refere-se as relagóes homossexuais: há quem as queira legitimar em parte ou mesmo

totalmente.

Os fautores desta tese distinguem :

— os homossexuais que sao tais de maneira congénita ou por uma constituicao patológica tida como incurável;

— os homossexuais que se tornaram tais em virtude de educagáo errónea ou de maus exemplos e maus hábitos con traídos na infancia ou na adolescencia; o mal de tais pessoas, nao sendo congénito, pode ser suscetível de tratamento e cura.

Ora, no tocante ao primeiro tipo de homossexuais, dizem certos mestres que a sua tendencia deve ser considerada com

naturalidade, a ponto mesmo de justificar relaces homosse xuais em comunháo de vida e amor análoga á do matrimonio. A propósito, a Igreja propóe a seguinte orientacáo:

1)

Objetivamente falando,

o

homossexualismo é uma

grave aberragáo, que contraria profundamente tanto á fisio logía como á psicología do homem e da mulher. A Escritura Sagrada o condena, apresentando-o até mesmo como conse-

qüéncia da apostasia religiosa (cf. Rm 1,24-27; ICor 6,10; lTm 1,10). Por conseguinte, o homossexualismo nao pode, em hipótese alguma, ser aprovado ou legitimado.

2) Todavia deve-se reconhecer que há pessoas cujo homos sexualismo pode ser, parcialmente ao menos, isento de culpa: tais pessoas nao sao plenamente responsáveis por tal aberracao (ou porque sofrem de constituigáo patológica congénita

ou porque padecem momentamente as conseqüéncias de mau hábito contraído, que tende a se transformar em uma segunda natureza). Reconhecendo estes fatos, o cristáo nao está aprovando ou legitimando o homossexualismo, mas aplica uma

clássioa regra da Teología Moral: esta distingue entre responsabilidade plena, responsabilidade diminuida e responsabili dade nula da pessoa que age. Em casos de responsabilidade diminuida ou nula, pode haver grave pecado material, mas — 145 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

culpa formal atenuada ou mesmo nula. Estas proposigóes significam que, diante dos casos de homossexualismo, o cristáo

nao deve apenas reprovar, mas há de se interessar também pela eventual recuperagáo da pessoa anómala mediante tratamento médico. Verdade é que difícilmente os tratamentos mé dicos ou psicoterapéuticos conseguem a plena cura dos pacien tes homossexuais; o seu éxito depende do grau de enraiza-

mento da anomalía.

6.

Onanismo (n* 9)

Com referencia áo onanismo ou masturbagáo, o julga-

mento de alguns mestres se modifica hoje em dia em relacáo

ao passado:

os estudos de psicología e sociología parecem

demonstrar que é um fenómeno normal da evolugáo da sexualidade. Por isto só poderia ser tida como falta real e grave nos casos em que o individuo ceda deliberadamente ao narci

sismo ou ao ensimesmamento, pois entáo cometería um ato radicalmente contrario ao amor, que é sempre doagáo gene rosa entre pessoas de sexo diferente.

Frente a tal tese, a Igreja pondera o seguinte:

1) A masturbacáo consiste no uso das facuidades sexuais fora do seu contexto normal e sem a devida finalidade; falta-lhe o valor do dom recíproco e da fecundidade, que exprime o verdadeiro amor. É por isto que o onanismo é um ato, por si mesmo, desordenado e reprovável. — Nao há dúvida, a prática da masturbagáo está muito difundida, como dáo a enten der as estatísticas; todavía este fato nao é criterio para se legi timar tal forma de aberracáo moral; esta se explica tanto pela heranca de fraqueza e desordem que todo homem traz em

si, como pela perda do senso de Deus, a licenciosidade dos costumes, das publicagóes e dos espetáculos, que favorecem e estimulam os vicios moráis.

2) A psicología moderna contribuí para mostrar que a prática da masturbacáo se deve, por vezes, á imaturidade da

adolescencia e a desequilibrios psíquicos, que tornam o ato de masturbagáo quase indeliberado e fazem que esta nao seja sempre culpa formalmente grave. Na verdade, há pessoas que sofrem por terem contraído tal hábito e desejam ardorosa mente ver-se livres do mermo; quando praticam o onanismo, estáo por vezes desatinadas e incapazes de plena responsabili-

dade; a sua culpa entáo é atenuada. — 146 —

Contudo nao se deve,

¿TICA SEXUAL

11

sem fundamento ou de antemáo, presumir que a masturba-

gáo seja praticada sem grave responsabilidade por parte do sujeito. Para se julgar a gravidade ou nao dessa prática, diz o documento de Roma, leve-se em conta o comportamento geral da pessoa e o seu cuidado em aplicar os meios naturais e sobrenaturais que a ascese crista indica para dominar as paixóes e incentivar as virtudes. Se alguém é zeloso e vigilante no que concerne á castidade, as suas quedas seráo menos gra ves do que as de quem negligencia a luta e o autodominio.

7.

Opgcto fundamental e pecado (n? 10)

O respeito as leis moráis e a prática da castidade encontram hoje em dia obstáculos por parte da tendencia de muitos mestres a reduzir ou mesmo negar a realidade do pecado. Este, segundo novas teorías, só seria grave quando violasse a opgáo fundamental do sujeito1 ou contradissesse diretamente ao amor de Deus e do próximo. Qualquer ato que nao destruisse tal opgáo (adesáo a Deus e aos semelhantes), sería periférico e nao mudaría a opgáo fundamental do sujeito; por conseguinte, nao seria pecado grave. Conseqüentemente, os atos sexuais que a pessoa comete por fraqueza, paixáo ou imaturidade ou mesmo na ilusáo de que demonstra seu amor ao próximo ou aínda sob a pressáo do ambiente social, difícil

mente seriam pecados graves; nao haveria porque combater enérgicamente tais atos. Frente a essa afirmagáo, a Igreja declara o seguinte: 1) Por certo, a opcáo fundamental define, análise, a disposigáo moral da pessoa.

2)

em última

Contudo essa opgáo pode ser totalmente mudada por

atos particulares; as vezes um só ato basta para que naja pecado mortal. Este nao consiste apenas em contradizer explí

citamente ao amor de Deus e do próximo, mas verifica-se também na recusa de amor que está implícita em qualquer transgressáo grave das leis moráis.

1 Por "opcao fundamental" entende-se a escolha de um Fim Supremo

que todo ser humano maduro e consciente tende a atingir, é em funcáo desse Fim Supremo (amor de Deus ou procura de gló'ia, riqueza, poder...) que a pessoa dirige os seus atos e orienta a sua vida.

— 147 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

Verdade é que toda a lei de Deus se resume no preceito de amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22,40); isto, porém, nao quer dizer que nao tenham vigor todos os preceitos parti culares incluidos na lei do amor; o próprio Jesús, que apresentou o amor como compendio da Lei, afirmou: «Se queres entrar na vida, observa os mandamentos: ... nao matarás, nao cometerás adulterio, nao furtarás, nao levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua máe, e ama teu próximo como a ti mesmo» (cf. Mt 19, 16-19). Por conseguirte,, o ser humano peca mortalmente nao só quando despreza explícitamente o amor de Deus e do próximo, mas também quando realiza, consciente e livremente, a escolha de um objeto gravemente desregrado. Nessa escolha está incluido (se nao explícitamente, ao menos implícitamente) o desprezo do amor de Deus.

3)

Deve-se reconhecer que,

no plano da sexualidade,

acontece, com certa freqüéncia, que a pessoa nem sempre pra-

tique os seus atos com livre e pleno consentimento, pois as concupiscencias e as paixóes podem impelir a agir antes da deliberagáo da vontade. Por isso nem todo ato que seja em si ou como tal gravemente pecaminoso, é subjetivamente grave. A consciéncia disto deve levar os pastores de almas á pacien cia e á bondade — o que nao significa condescendencia com o

pecado ou aprovacáo do mal, nem implica esvaziar os manda mentos de Deus ou reduzir desmedidamente a responsabilidade das pessoas.

8.

A virtude da eastidade (n9 11)

A Declarado observa aínda que a virtude da eastidade

nao se limita a evitar faltas ou atender ao moralismo ou a casuística. A eastidade é, sim, um hábito que marca toda a

personalidade tanto em sua conduta visível quanto em suas atitudes interiores; ela torna puro o coracáo do homem. Quanto mais o cristáo compreende o valor da eastidade e sua insubstituivel fungáo na vida do homem e da mulher, tanto mais apreende as exigencias e os conselhos que tal virtude apresenta e que a consciéncia bem formada lhe aponía.

9.

Meios para superar o mal (n! 12)

Nao há dúvida, a prática da eastidade impóe ao homem urna luta dura e constante. A fim de vencé-la devidamente, o cristáo pode e deve contar com alguns subsidios: — 148 —

ÉTICA SEXUAL

13

— a graga de Jesús Cristo é dada a toda criatura a fim

de que se liberte do pecado e viva urna vida nova;

_— o exercício da oragáo, o recurso aos sacramentos da Penitencia e da Eucaristía sao importantes cañáis dessa graca, que ninguém pode dispensar;

— a disciplina dos sentidos (olhos, tato, língua), a moderagáo nos divertimentos, a sadia ocupagáo do tempo (com

horror á ociosidade vazia) sao outros recursos poderosos para

combater o mal moral;

— a devocáo a María SS., a reflexáo sobre a vida dos

santos e dos outros fiéis, especialmente dos jovens, que tenham

brilhado pela prática da castidade, merecem outrossim ser recomendados ao zelo dos cristáos desejosos de evitar as sedugóes do pecado.

10.

Apelo final W

13)

Após expor com lucidez a doutrina da Igreja até aqui sintetizada, a Declaragáo se dirige aos responsáveis pelo bem moral da sociedade e da Igreja, exortando-os ardentemente á colaboragáo necessária para que a dignidade e a pureza da

vida crista sejam preservadas e abrilhantadas em nossos dias. 1) Aos Srs. Bispos compete ensinar aos fiéis a ética da sexualidade, apesar das dificuldades que esta tarefa possa encontrar. Exprimam-na de maneira a ser compreendida ñas diversas situagóes em que se encontré o povo de Deus, mas nao receiem dizer tudo o que a Igreja lembra mediante a pre sente Declaragáo. É preciso especialmente dar a ver que tal

doutrina nao se baseia em tabus inveterados nem se inspira em preconceitos maniqueus, mas corresponde aos mandamentos de Deus e as exigencias da dignidade humana.

Cuidem também os Srs. Bispos de que a mesma doutrina seja fielmente ensinada nos Seminarios ou ñas Faculdades e

na catequese, assim como na adrninistragáo do sacramento da Penitencia.

2) Aos Srs. Bispos, aos sacerdotes e aos seus colabora dores compete acautelar os fiéis contra as opinióes erróneas freqüentemente propagadas em livros, revistas e conferencias públicas.

— 149 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

3) Aos pais e educadores toca proporcionar a seus filhos ou alunos urna educagáo integral, que os leve á maturidade psicológica, afetiva e moral. Tal formagáo incluí o que se chama «educagáo sexual»; esta há de ser prudente e adap tada á idade gradativa dos educandos; a palavra da doutrina será corroborada pelo exemplo de vida dos pais e educadores. Estes também se esforgaráo por defender os jovens contra perigos moráis de que os mesmos nao tém suspeita nem nogáo.

4) Aos artistas, escritores e operadores dos meios de comunicagáo social que professam o Cristianismo, pede a Santa Sé que exergam sua profissáo de acordó com a fé crista, cons cientes da enorme influencia que exercem na sociedade e na formacáo da opiniáo pública. Os valores moráis tém o pri mado sobre todos os demais valores (mesmo os da arte e esté tica); a observancia da escala dos valores contribuirá podero samente para diminuir a licenciosidade dos costumes e pro mover sadio clima moral na sociedade contemporánea; por

conseguinte, nunca sacrificarlo á gloria do sucesso os valores

moráis,

exibindo enredos ou imagens lascivas, porque estas

suscitam os aplausos de certo público. 5) Em suma, lembrem-se todos de que as criangas e os adolescentes tém o direito de ser ajudados a formar retamente a sua consciéncia e a aderir com amor aos valores moráis. Conscientes disto, tanto os govemantes dos povos como os educadores háo de se sentir intimados a nao frustrar esse sagrado direito. Eis, em síntese, o conteüdo da Declaragáo da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé, que veio dissipar possíveis dúvidas sobre o ensinamento da Igreja (e também da lei natu ral e da dignidade humana) a respeito de questóes de sexualidade. Queira o Senhor iluminar as mentes e fortalecer os ánimos a fim de que a integridade e o brilho da vida crista se preservem sempre iluminados pela palavra da Verdade!

— 150 —

Muito se discute:

censura: a favor ou nao?

Em sintese: A censura de llvros, filmes, pegas de teatro e novelas de televls9o está em foco. Na verdade, asslm como o Estado ó incumbido de promover a boa escola e a sadla allmentacSo dos cldadSos, controlando o sistema educa cional e os postos de producSo e venda de géneros, asslm também o Estado deve interessar-se por essa forma de escolarlzagfio, hoje em día táo divulgada, que sio os meios de comunicagño social; ao Governo com pete zelar para que tais meios contribuam para formar auténticamente e nao para deformar a opinlSo pública.

O bem e o mal nao sao categorías meramente subjetivas, mas decorrem da natureza do próprlo homem, que tem suas leis moráis naturais. Seguir essas leis naturais é condicSo de humanlzacao e engrandecimento da criatura humana. Em conseqüéncia, um artista que se desumaniza em nome da arte, já nfio é autentico cultor da arte. Urna arte imoral já nao é arte. Conforme os antigos gregos, o belo e o bem estSo inseparavelmente associados entre si, de modo que quem produz um belo mau ou degradante, slmplesmente nao produz o belo.

é a estas conclusSes que estáo voltando pensadores e legisladores

contemporáneos' (aduzldos no corpo deste artigo), ao lado de outros que estimulan) a pornografía; como quer que seja, esta parece ter atingido

um ponto de saturacao tal que o bom senso a repudia em nome da maturidade de pensamento. — A veriflcacfio destes fatos abona o controle que a censura, pratlcada sem partldarlsmo, possa exercer em favor do bem comum da nossa sociedade.

Comentario: De vez em quando volta á baila o tema

«censura».

Trata-se do controle exercido pelo Governo sobre

livros, revistas, filmes, novelas, pegas de teatro, etc. No Brasil existe o Decreto-lei 1.077 de 26 de Janeiro de 1970, que impóe a censura e que tem sido alvo de comentarios da parte dos interessados, tanto do mundo dos artistas como da imprensa.

Abaixo analisaremos a discussáo que se vem travando em torno do assunto. Frisamos bem que nao viráo ao caso as modalidades de realizagáo da censura no Brasil, mas apenas o fato mesmo da censura: deve ou nao haver censura de livros e obras de arte por parte do Estado?

— 151 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

Fica também assim dito que nao discutiremos a censura da índole política, ou seja, o banimento de livros e escritos que contrariem a ordem pública. Deve-se admitir que todo Governo possa dispor dos meios necessários para exercer seus planos em favor do povo que ele governa.

O assunto «censura da arte» já foi abordado em PR 101/1968, pp. 216-223. Voltamos ao mesmo nestas páginas, procurando abordá-lo sob os aspectos novos que nos últimos anos se tém apresentado. Examinemos os principáis argumentos que recentemente tém sido levantados contra a censura.

1.

Indevida intrusao

Tem-se dito: "Os escritores e empresarios devem ser livres para apre-

sentar ao público os artigos e os enredos que julguem opor tunos. Os cidadáos, por sua vez, nao de escolher por si as leituras e os divertimentos que Ihes aprazem, sem intervencáo do Estado nesse setor". — Em resposta, observa-se:

Os livros e os espetáculos (sejam de cinema, sejam de teatro, sejam de televisáo) constituem hoje em dia poderosa fonte nao só de informacáo, mas também de formacáo ou deformacáo. Sao verdadeiras escolas para o grande público. Seu poder de influencia é tanto mais eficaz quanto mais dis

simulada ou sorrateira é a sua acáo. Diante de alguém que fala, o ouvinte que nao concorda, mais fácilmente se insurge e protesta do que diante de um livro ou um espetáculo: este

vai penetrando subliminarmente no íntimo do seu cliente; enquanto o leitor ou espectador julga que está repudiando o livro ou o espetáculo, subconscientemente está sendo mais e mais marcado pelo enredo destes; vai sendo transformado sem que o sinta; um belo dia está «convertido»... talvez sem que o saiba plenamente e sem que alguém possa dizer que o converteu (o que é importante para o «convertido»). Os livros e os espetáculos «ensinam» nao de maneira teó

rica, mas em termos concretos, apresentando modelos de vida ou padróes «atualizados» e empolgantes. Tais padróes exer— 152 —

CENSURA DA ARTE

17

cem influencia especialmente no público modesto e inculto; todavia também ñas dasses mais doutas da sodedade podem ter enorme repercussáo, visto que todo ser humano é atingivel pelas modernas técnicas da sugestáo e da propaganda, mesmo que nao o queira; a moderna Psicología reconhece, com nume

rosos dados experimentáis, o poder enorme dos meios de comunicacio social e_dos recursos da propaganda para formar ou deformar a opiniáo pública e os costumes sodais.

Ora o Estado, ao qual incumbe o dever de promover a ordem pública e os retos costumes da sociedade, nao pode deixar de se interessar por certos setores nos quais se decidem com especial razáo a prosperidade ou a desgrana da socie dade. Entre esses setores estáo certamente a escola, a alimentacáo e os meis de comunicacio social. Assim como ao Governo compete acompanhar a rede de escolas no país, indicando-lhes normas que garantam a educacáo e a instrueáo dos cidadáos, compete-lhe também acompanhar essa outra escola que sao os livros e os espetáculos. Estes (especialmente os espetáculos) nao sao meros passa-tempos ou divertimentos, mas, sim, fatores de saúde ou de morbidez mental e moral. E, assim como o Estado tem o dever de zelar pela saúde pública, controlando os produtos alimenticios, os remedios e outros artigos de consumo, assim também lhe toca a grave

incumbencia de defender e fomentar a saúde mental e moral dos cidadáos, que certamente está intimamente relacionada com os meios de comunicacáo social. Como se compreende, toda fungáo de controle de ativi-

dades alheias é. por si mesma, pouco simpática. Além disto, pode ser exercida segundo criterios arbitrarios, suscitando tai-

vez injusticas e prejuizos que molestem certas pessoas. — Nao seria lícito negligenciar estas eventualidades. Todavia elas recaem sobre o modo como a censura é exercida e nao tornam inválido o principio de que o Estado há de velar pelo bem comum mental e moral da sociedade ameacada pelos enredos de livros, filmes, novelas... Esse dever do Governo é tanto mais compreensível quanto mais se sabe que hoje os divertimentos sao muitas vezes intencionalmente explorados para fins comerdais, pornográficos e ideológicos. Empresarios e autores menosprezam as conse-

qüéncias deletérias que de seus espetáculos decorram, desde que prevejam apretíável lucro financeiro. A muitos produtores é táo somente o IBOPE que importa, mesmo que tenham de — 153 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

por em xeque valores moráis do público, como a fidelidade, a veracidade, o casamento bem construido, a dignidade hu mana, ... valores dos quais muitas vezes dependem a saúde psíquica e física dos cidadáos e o bem comum da sociedade. Por isto é que toca ao Governo civil a tarefa de vigiar para que os divertimentos propostos ao público nao se tornem esco las de crimes, vicios, deboche, ruptura de lares, infelicidade social, etc. De modo especial, e independentemente da censura do Governo, compete aos pais de familia interessar-se pelo tipo de espetáculos a que seus filhos assistem na televisáo. Dizem os peritos que todos os dias doze milhóes de enancas brasileiras, entre dois e onze anos de idade, permanecem cerca de tres horas e meia diante da televisáo. Aos doze anos, cada urna atinge 13.000 horas na frente do vídeo. Nessa idade e em táo curta vida, teráo visto 100.000 casos violentos. — Ora, segundo a maioria dos psicólogos e educadores, os programas

violentos preparam individuos de impulsos agressivos. Convém, pois, que pai e máe acompanhem seus filhos junto á televisáo, ajudando-os a distinguirem o bem do mal, o heroico

do grotesco, o produtivo do parásita. Completem as informacóes e os conceitos, simplifiquem o complicado, mostrem em

tom liso e amigo onde possam estar os verdadeiros valores de um

programa.

Mais: bons psicólogos e sociólogos acham que o atrativo da crianga pela televisáo se deve, de certo modo, a carencia de afeto e seguranca; vivendo conflitos emocionáis, afetivos e sociais, a crianga se refugia junto á televisáo, a fim de fugir a alguma relagáo social nao satisfatória. Donde se vé a necessidade dé que pai e máe oferegam á crianga os valores do auténtico amor e da compreensáo que ela em váo vai pro curar na televisáo.

Eis, porém, que se pode replicar:

2.

Quem define o bem e o mol ?

Objeta-se: "O bem e o mal sao categorías subjetivas, de modo que nao há pontos de referencia objetivos e unlversais para deter-

— 154 —

CENSURA DA ARTE

minar se um enredo é moralmente sadio ou n§o.

19

Se alguém

julga que nao há mal algum em exibir ou ver enredos lascivos e sensuais, ninguém tem o direito de Iho impedir". — Deve-se responder que, na verdade, existem, sim, padrSes objetivos do bem e do mal, válidos para todo e qualquer ser humano. Estes padrees objetivos sao os ditames da lei natural que todo individuo ouve dentro de si, queira-o ou nao, independentemente de sua cultura ou época. Assim a consciéncia moral incute a todo homem o principio: «Pratica o bem, evita o mal»; este principio se vai desdobrando, aos poucos, em outros, como «Nao matar», «Nao roubar», «Nao pro ferir mentira», «Nao ser falso», «Atender ao próximo necessi-

tado», etc. No tocante á pornografía, é preciso dizer: a natureza deu ao homem a funcáo sexual a fim de que os seres humanos se unam em matrimonio e se reproduzam sobre a térra.

Por conseguinte, toda excitacáo sexual que se realize

fora do matrimonio ou por mero prazer destituido de sua finalidade natural, vem a ser um abuso que a consciéncia de todo homem bem formada reconhece. Esse abuso é, objetivamente falando, um mal, mal que nao pode ser proposto ao público como se fosse algo de tolerável ou simplesmente como materia de deleite e divertimento para leitores e espectadores. Todavía continua-se a objetar:

3.

Autonomía da arte

Diz-se:

"A arte está emancipada da Moral; é um valor a ser

cultivado autónomamente".

— Em resposta, é mister reconhecer que a arte nao é por si dirigida a um fim ulterior; ela nao é meio para se conse-

guirem objetivos que nao sejam a própria criacáo artística.

Por conseguinte, nao se requer que a arte, ao representar o belo, tenha em vista outra finalidade que nao a de exibir um objeto digno da contemplagáo dos espectadores. É neste sen tido que se entende a autonomía da arte. Contudo nao se deve esquecer que a arte e a atividade artística nao existem em si mesmas, mas estáo sempre localizadas em determinado sujeito (artista ou artífice). Ora a atividade artística aperfeicoa o homem apenas segundo um aspecto restrito, isto é, na medida — 155 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

em que ele tem senso musical, poético, literario... A arte torna o homem bom músico ou bom poeta...; nao o faz, po-

rém, homem bom ou perfeito. É a Moral que torna o homem bom simplesmente dito, ou bom np seu aspecto essencial, isto é, enquanto é um ser inteligente destinado a conhecer a Verdade Suprema e amar o Bem Infinito. Por isto é que o exercício da arte deve estar subordinado

a Moral, ou seja, 'ás leis que norteiam a conduta do homem, de modo que seja um homem bom ou perfeito e chegue ao seu Fim Supremo oií a Deus. O aperfeicoamento moral é a tarefa sem a qual nao se justificam as demais atividades do homem, nem mesmo as atividades artísticas. Donde se vé urna vez mais que a arte, como qualquer outra fungáo humana,

tem de ser dirigida pela consciéncia moral. O artista que cultivasse a arte como um bem absoluto, independente de qualquer outro, estaría adorando um ídolo ou muitos ídolos. Em linguagem sucinta, assim se pode exprimir a mesma verdade:

a)

Por seu objeto, a arte nao está subordinada a alguma

fmalidade ulterior; ela por si nao é instrumento para a conse-

cucáo de algum bem criado; b) Por seu sujeito, porém, a arte está subordinada á obtengáo do Bem Supremo desse sujeito; este nunca age senáo em demanda do Fim último. Ora o conjunto de leis que levam o homem ao seu Fim Supremo constituí a moralidade. Por isto nao é lícito a arte derrogar á moralidade.

Aos fiéis católicos o Concilio do Vaticano II quis, com par ticular énfase, lembrar tal doutrina: "Há um problema que se refere ás relacdes existentes entre os direitos da arte e as normas da lei moral. Como as Incessantes controversias nesta materia nSo raro se origlnam de falsas doutrlnas acerca da ética e da estética, o Concilio declara que absolutamente todos devem professar a primazia da ordem moral objetiva, porquanto é a única que sobrepuja e coerentemente harmoniza todas as demais ordens de coisas humanas, por mais respeitáveis que sejam em dignidade, nao excetuada a arte. Pois somente a ordem moral atinge o homem em toda a sua natureza, criatura racional de Deus chamada para os bens celestiais; se esta ordem moral for observada fiel e integralmente, levará o homem

cucSo da perfelcSo e da felicldade" Meios de Comunicacao Social, n
(Decreto

Continua, porém, o objetante:

— 156 —

"ínter

á

plena conse-

Mirifica"

sobre

os

CENSURA DA ARTE

4.

21

Arte controlada é alheia á realidade

"A arte, embora se destine a cultivar o belo, nao pode deixar de representar a realidade humanei. Ora esta é um misto de bem e mal moráis. Entáo a arte, para nao ofender a Moral, há de se contentar com representares parciais e muti ladas da realidade, atralcoando os acontecimentos e as per sonalidades que em verdade ocorrem?"

— Em resposta, observe-se: a Moral nao exige que, de maneira peremptória, o homem feche os olhos ao mai. Nao; há casos em que é oportuno que os homens retos descrevam o mal como ele existe; devem, porém, fazé-lo de modo a apresentar o mal como mal ou de modo a fazer compreender que é algo a ser rejeitado e nao imitado; abstenham-se, pois, de sugerir a mínima complacencia no mal ou de o justificar e exaltar.

Em geral, observa-se que descrever o mal sem insinuar

algum juízo sobre o mesmo equivale praticamente a incuti-lo e recomendá-lo (tal é o poder de seducáo do pecado); por isto

o artista nao se pode eximir de censura da Moral quando ele apenas descreve os homens e os acontecimentos lascivos como eles se apresentam na sua realidade cotidiana. Desde que se trate de objetos moralmente maus, estes tém de ser (elegante mente, se quisermos) denunciados como tais, pois difícilmente se pode crer que, para o público, a singela descricáo nao redunde em detrimento de consciencia.

Em outros termos ainda, deve-se dizer que a Moral nao proibe ao artista descrever a realidade humana tal como ela é, mas veda expressá-la tal como ela nao é, ou seja, como gran

deza (nos casos em que ela é ruina), como lícita e louvável

(nos casos em que ela é ilícita e condenável), como justa (nos casos em que ela é injusta). Tenham-se em vista as «Confissóes» de S. Agostinho e o «Decamerone» de Boccaccio; sao

obras que contém a descrigáo do pecado; já, porém, que tomam atitudes diversas perante o mal, merecem ser diversamente apreciadas: ñas «Confissóes» o vicio é apresentado como ob

jeto de arrependimento e repudio por parte do autor (o que vem a ser construtivo), ao passo que no «Decamerone» se percebem complacencia no pecado e glorificagáo deste (atitu

des reprováveis). Segue-se a propósito mais um inciso do documentarlo do Concilio do Vaticano II: — 157 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

"A narracSo, a descrlpfio e a representado do mal moral podem cortamente, com o recurso Inclusive dos melos de comunlcacSo, prestar-se para um conheclmento e um estudo mals profundo do homem, para mani festar e exaltar a magnificencia do bem e da verdade, obtendo-se, além dlsso, mais oportunos efeitos dramáticos; contudo, para que nSo venharn a causar daño antes que utilidade aos espirites, obedecam estritamente ás leis moráis, principalmente se se tratar de coisas que exigem a devlda reverencia ou que Incitem com mais facllldade o homem, ferldo pelo pecado original, a desejos perversos" ("ínter Mirifica", n? 7).

As idéias propostas nestas páginas levam a ver que nao é inoportuna a obra dos censores de espetáculos de cinema, teatro e televisáo... Este trabalho poderá ser especialmente

útil nos tempos presentes, em que nem sempre se cultiva a arte pela arte ou pela- beleza, mas, sim, em vista do lucro comercial; criterios totalmente alheios á arte e á formacáo do senso artístico levam nao poucos produtores e artistas a explo rar baixos sentimentos do povo, proporcionando a este um deleite que está longe de ser o deleite da genuína estética. Já se disse, alias, muito sabiamente que a arte imoral deixa de ser arte.

É para desejar, porém, que os censores se deixem guiar

exclusivamente pelas normas da sá Moral, e nao pelos ditames de algum partido político. Apresentaremos, a seguir, alguns dados e documentos que

exprimem a situacáo da pornografía no estrangeiro e no Brasil.

5.

Franja e Dinamarca

No mes de outubro de 1975 a Assembléia Legislativa Na cional da Franca ia debater um projeto de lei que abolia a

censura o Oficio bro de Cardeal

1.

previa de todos os filmes destinados a adultos. Entáo Católico Francés do Cinema publicou aos 18 de setem1975 urna Declaracáo precedida de apresentacáo do Frangois Marty, arcebispo de París.

Eis o texto do eminente prelado:

"A Assemblóla Nacional está para examinar nos próximos tempos um projeto de lei relativo ao cinema. O Oficio Católico Francés do Cinema, tendo tomado conheclmento desse projeto, julga-se obrigado a chamar a atongáo do legislador para as ameacas que um liberalismo mal entendido faria pesar sobre a llberdade: llberdade dos espectadores, dos artistas, de todos aqueles para quem o cinema nSo é mera fonte de lucro, mas ó arte.

— 158 —

CENSURA DA ARTE

23

Aprésenlo esse texto á reflex&o de todos aqueles que exercem funcSo de responsabilidade na vida da Igreja. Chamar&o a atencfio de comunidades para o real perlgo que a explorac&o da violencia e da nografía acairela para a coletivldade. Alguns críticos, mesmo dos tolerantes, vSo tomando conscléncla disto.

urna suas por mals

O risco que corremos, já nSo é o da frustrac&o, mas o da alienacSo. Com efeito, nlnguém pode, a menos que seja hipócrita, tachar de Inofen sivo o espetéculo da pessoa humana ultrajada, degradada até o ámago mesmo dos gestos de amor. Os crlstaos nSo podem aceitar passivamente que alguns individuos conflsquem, para seu provelto exclusivo, a liberdade de expressSo, a fim de se enrlquecerem mediante o detrimento da coletivldade e o desprezo da dignldade humana.

(a)

2. Segue-se Cinema:

o

texto

do

Oficio

Card. Francote Marty"

Católico

Francés

do

"O Oficio Católico Francés do Cinema tomou conhecimento do projeto de tel relativo ao cinema que deve ser submetldo a Assembléia Nacional em outubro (1975). Esse projeto prevé, de modo especial, a supressáo total da censura previa para todos os filmes apresentados aos adultos. Frente a esse projeto de lei, 1. O Oficio Católico liberalismo do texto.

Francfis

do

Cinema

se

Interrogou

sobre

o

O público adulto que val ao cinema, deve ser livre em suas opcSes. Isto é normal. E a censura pratlcamente já desapáreceu para todos os filmes franceses. Mas a llberdade de escolha do espectador nao é salvaguardada quando os filmes de violencia ou de sexo Invadem o ano inteiro tres

quartos dos nossos cinemas.

A liberdade, para o autor, de realizar filmes nao pornográficos nSo é salvaguardada se esses filmes já nao tém possibllidade de ser projetados para um grande público e ser asslm comercializados.

A llberdade dos atores nio é salvaguardada, se estes sSo reduzidos ao desemprego por nSo aceltarem essa forma de prostituigSo que s&o os filmes pornográficos hoje em día realizados. A liberdade de todos estará salvaguardada, se, como se pode recear, a atual evolucáo das coisas na Franca chegar nos próximos anos á destruIcSo da Industria e, por consegulnte, da arte cinematográfica ?

2. O Oficio Católico Francés do Cinema acentúa a responsabilidade dos espectadores.

— 159 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

0 público há de ser devidamente informado nao só a respeito do tipo de filme que ele val ver, mas também a propósito das conseqüénclas gerais das suas escolhas. Os espectadores devem saber principalmente que se arriscam a contribuir para 'favorecer urna producfio que se entrega

exclusivamente aos atratlvos engañosos da representacfio da violencia e da licenciosldade', conforme os termos mesmos do projeto de lei. Fazemos

apelo ao senso de responsabllldade que deve animar jornallstas e críticos de cinema.

Os espectadores também devem estar conscientes de que a repetida freqüentacSo de filmes pornográficos é um slnal de imaturidade ou de desequilibrio ou de perversfio no tocante á reaiidade maravllhosa do amor humano.

3.

O Oficio Católico Francés do Cinema alerta o legislador.

As conseqüéncias de um liberalismo total terfio sido suficientemente ponderadas pelo legislador? iA quem é que se poderá dar a crer que a tiberdade concedida aos cineastas pornográficos é um encorajamento á

arte?... Ou um progresso da nossa sociedade? Ou urna libertacao frente aos tabus ? Tocará sempre aos poderes públicos tomar as medidas que se impuserem para que o cinema nSo se torne, entre as mfios de eproveitadores irresponsáveis, um instrumento de excltacáo á violencia mortífera, ao fruto e ao deboche. A protecfio da dignidade humana e dos seus dlreitos fundamentáis nao só deve ser afirmada de novo com palavras pelo legislador, mas há de ser garantida por fatos".

Estes dois documentos dáo a ver que o reconhecimento do importante papel da censura (se bem exercida) nao é «privi legio» de povos subdesenvolvidos, mas é expressáo da consciéncia de homens cultos a representar grande parte da nagáo francesa (e — poderiamos acrescentar — ... também de outras nagóes).

De resto, noticias de novembro de 1975 informam que os filmes pornográficos na Franca váo sendo combatidos nao só por autoridades legislativas, mas também pelo próprio público.

Com efeito.

O deputado degaullista Jean Foyer propós

um projeto de lei «que taxa as fitas proibidas para menores de dezoito anos em 50% sobre o valor de sua produgáo e mais

um imposto sobre o que renderem ñas bilheterias» do Brasil» 6/XI/75, cad. B, p. 8).

Continua a noticia de jornal: — 160 —

(«Jornal

CENSURA DA ARTE

25

"Nos debates na Assembiela, os que apolam o projeto Foyer, como o também degaullista Jacques Marette — autor de projeto sobre o mesmo

assunto na área da televlsio — dizem

que 'combater a pornografía é

urna questSo de defesa da sociedade*. Jack Rallte, do Partido Comunista, argumenta: 'A pornografía é um produto do sistema', enquanto o conser vador Eugéne Claudlus Petlt afirma que 'o governo deve ter a coragem de proibl-la' e outro degaullista, Robert-André Vlvlen, sustenta que 'ó preciso endurecer nesse materia'".

Doutro lado, o próprio público parece estar enfastiado pelos filmes pornográficos, como refere aínda a mesma cró

nica de jornal:

"Na última semana de outubro (1975), o filme porn6 em melhor sltuac&o na lista das maiores bllheterlas — Furles Pomo — estava classlficado em oitavo lugar. Entre os días 8 e 14 de outubro, 45 filmes atrairam 15 mllhóes 563 mil 309 espectadores. Apenas 2 mllhSes 486 mil 711 íoram ver filmes pornográficos. Em todo o mes, só 16 % do público foí aos cinemas ver pornografía".

3. Alias, na Dinamarca, patria das exposigóes pornográ ficas, também se registra um declínio da onda malsá, como noticia o «O Globo» aos 25/X/75, p. 4: "Pomo em balxa — Em Copenhague, Janos Lengyel constata a morte melancólica e definitiva do 'sex-boom\ As lojas vlvem as moscas. No setor, apenas urna novldade: por medida de economía, as "pornb-shops" funclonam agora na base do 'slrva-se vocé mesmo', como nos supermer cados. E nos 'Uve-shows' pornográficos as casas custam a reunir um número razoavel de clientes".

Estes dados nao podem deixar de projetar luz sobre o problema da censura de livros, cinema, teatro e televisáo, como ele se coloca entre nos.

6.

No Brasil

No Brasil (como, alias, no mundo inteiro) tém aplicapáo

os principios estabelecidos sob os títulos 1-4 deste artigo: visto que os meios de comunicagáo social constituem inegável escola de informagáo e formacáo (ou deformacáo) do público, tanto de baixo como de elevado nivel cultural, as autoridades cabe

zelar para que nao sejam utilizados no sentido da deturpagáo e degradacáo dos costumes; este perigo é particularmente ameagador nos nossos tempos pelo fato de que sao os criterios de D3OPE e lucro financeiro que inspiram a maioria dos auto res e produtores dos meios de comunicacáo social. Os nossos — 161 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

jomáis tém registrado a espantadora proliferagáo de obras obscenas em todo o territorio nacional: jomáis, revistas de diversos niveis, filmes, pegas de teatro e novelas de índole debochada se multíplicam, de modo a criar cada vez mais urna mentalidade de relativismo ético e de permissividade na sodedade brasileira. — Apenas se deve estudar a modalidade de se realizar a censura entre nos, a fim de que esta se guie táo somente por criterios de moral e de preservagáo do bem comum, excluindo paixóes, preconceitos, partidarismo, antipa tías ou simpatías... A título de ilustragáo, transcrevemos aqui parte do texto

da Portaría do Ministro da Justica, Sr. Armando Falcáo, publicada aos 24/X/75 sobre a emissáo de telenovelas em todo o país: "Considerando que a chamada telenovela representa técnica aprimorada de comunlcagSo social e forma peculiar de grande penetracSo popular, desenvolvendo importante Influencia de caráter cultural, podando, por Isso, de um lado, ser valioso Instrumento de educacáo e, de outro, constltulr-se em meló eficaz de deturpacáo dos valores óticos da socledade; Considerando que devem ser evitados temas Inconvenientes para espectador de menor Idade;

que transmitam apelos

Considerando que é de 1946 a vigente leglslac&o básica da censura de diversdes e espetácutos públicos, anterior, perianto, ao advento da televisSo no Brasil; Considerando que se vem mostrando necessárlo, desde logo, discipli nar adequadamente a programacSo das telenovelas, estabelecendo criterios gerais e uniformes, enquanto prosseguem os estudos visando k atualizagSo

e consolldac.3o daquela leglslacSo básica; Considerando que a respeito foram ouvldos, além

de outros órgSos

governamentais Interessados no problema, representantes do Ministerio da

EducacSo e Cultura, Ministerio das ComunicagSes, Departamento de Policía

Federal e Assoclacio Brasileira de Emlssoras de Radio e TelevisSo (Abert); Resolve:

Artigo 1' — a censura de telenovelas abrangerá sempre o texto Inte gral e a gravaefio de todos os capítulos.

Artigo 3? — será vedada a dlvulgacSo, pela emissora, de publicldade de telenovela antes da liberacfio do texto. Parágrafo único — a divulgagáo publicitaria de telenovela, quando apresentar trechos, cenas ou tmagens da transmissfio como objeto de propaganda, estará sujelta á mesma classIficacSo etária estabelecida para o espetáculo.

— 162 —

CENSURA DA ARTE

27

Artigo 4? — o DPF, na classiflcacáo etária de telenovelas, deverá considerar os nfveis de compreensfio e as exigencias psicológicas normáis dos diversos grupos etários, de modo a nao induzir menores de idade á confusSo de valores.

Artigo 5? — a telenovela deverá preservar os principios moráis e culturáis da socledade brasilelra, respeltando as tradlcóes e os valores da nossa cMlizacSo.

Artigo 6? — será negada a liberacao de telenovela quando a mensa-

gem ou temática configurar:

a) propaganda de subversSo da ordem, apresentando cenas de ter rorismo ou guerrllha, ou aínda de revolta com caracterfsticas técnicas de guerra revolucionaria, com descrl;5o de agSes político-subversivas ou de resistencia a medidas de preservacSo da ordem ;

b)

preconceltos de religlSo, de raca ou de classe ;

c)

exteriorizares contrarias á moral e ao3 bons costumes;

d)

desrespelto á

e)

exploracSo ou agravamento de antagonismos ou tensOes soclals;

f)

manifestacSes de uso de entorpecentes ou drogas aflns, bem como

g)

cenas capazes de provocar reacSes de pánico ou horror, caracte

h)

exploracSo do sexo ou vicio, violencia carnal ou exacerbacSo de

i)

motlvaclo

lei, á autorldade pública,

é harmonía conjugal e familiar;

á disciplina escolar e

o uso (moderado de bebidas alcoóücas;

rizadas ou nSo por forte suspense;

erotismo;

que

possa

perturbar,

moráis ou soclals consagrados no país".

confundir

ou

abalar

padrees

Era última instancia, interessa ainda acrescentar que, independentemente da censura exercida (bem ou mal) pelos agentes do Governo, cada ser humano (principalmente o cristáo) deve ter a consciénda suficientemente apurada e esclare cida para discernir a auténtica arte da falsa arte. Convém recordar que o Bem e o Belo sao inseparáveis um do outro (conforme diziam os antigos gregos) de tal modo que o «belo

mau» eleva mem, dade,

ou o «belo baixo, degradante» já nao é belo. O belo a mente do leitor e do espectador, tornando-o mais homais voltado para os valores da inteligencia e da dignimenos instintivo e bestial.

— 163 —

Entre os reavivamentos:

o exército da salvacáo: que é?

Em sfntese:

O Exérclto da

SalvacSo foi

fundado em

1878 por

William Booth e sua esposa Catarina. Constituí um reavivamento do Meto-

dismo, que, por sua vez, é um "revlval" do Anglicanlsmo. O Exército nSo pretende ser Igreja nem séita, mas, sim, urna corporacfio, que copla a organizado e adota a nomenclatura do exéricto inglés; as mulheres predominam entre os oficiáis desse milicia. Os salutistas intencionam converter os homens a Cristo pregando o Evangelho e dando o testemunho da sua própria conversáo. Todavia sabem que e difícil anunciar o Evangelho a

quem esteja "com os pés molhados"; por isto empenham-se pela asslsténcla social, que se exprime na fórmula "Sopa, sabSo, salvacSo". O Credo

do Exércllo consta de onze artigos inspirados pela teología protestante; nao tem igrejas, mas salas de reunióes ou pregacdes ao ar livre; nao reconhece os sacramentos, nem mesmo o Batismo.

Em suma, o Exército da SalvacSo é caracterizado por forte nota subjetivlsta, que multo o distancia da índole objetiva da auténtica obra de Cristo.

Comentario: De vez em quando, véem-se ñas rúas das

grandes cidades pessoas fardadas que, em nome do «Exército da Salvagáo», angariam fundos para atender ou ao Natal dos pobres ou, em geral, -as necessidades dos irmáos indigentes. O nome da organizado a quem pertencem, merece considera-

cáo: trata-se de urna denominagáo protestante oriunda no séc. XIX com as características de um «reviva!» ou reaviva

mento (= despertar da fé e do zelo religiosos após um período de declínio).

Veremos, abaixo, algo da biografía e da personalidade de William Booth, fundador do Movimento; a seguir, analisaremos algumas das características do Exército da Salvacáo — o

que nos levará a urna conclusáo.

1.

William Booth: vida e personaüdade

William Booth nasceu em Nottingham (Inglaterra) aos 10 de abril de 1829. Foi, um ou dois días depois, batizado na Igreja Anglicana. Teve infancia extremamente pobre. Aos — 164 —

EXÉRCITO DA SALVACAO

29

doze anos de idade, comegou a trabalhar como aprendiz numa banca de empréstimos sob penhora em Nottingham. Nos sete

anos subseqüentes, exercendo o seu mister, conheceu a miseria do subproletariado; isto lhe incutiu horror por tal trabalho e o desejo de se aplicar totalmente á reabilitacáo espiritual e material dos menos favorecidos.

Aos quinze anos de idade, William experimentou a sua

«conversáo

religiosa»

e

resolveu

tornar-se

pregador meto

dista1 — o que bem correspondia ao ardor do seu tempera

mento. Embora fosse de condicáo humilde, William pregava ñas rúas, impressionando vivamente a todos pela sua fé e o seu ardor.

Em 1849, com vinte anos de idade, deixou Nottingham com destino a Londres, levando apenas urnas poucas moedas no bolso. Na capital continuou a trabalhar em banca de

penhora, pois este era o ramo em que mais pericia tinha. Dedicava todo o seu tempo livre á pregagáo. Aderiu a urna organizacáo chamada «Nova Liga Metodista» e iniciou um curso de pregagáo para ser pastor metodista. Em 1855, casou-se

com urna de suas ouvintes — Catarina Munford —, a qual também era grande oradora. Ambos se entregaram total mente a campanhas revivalistas que eram anunciadas por cartazes como o seguinte:

O SR. E A SRA. BOOTH EM WALSALL

"Um com icio campal monstro terá lugar num campo pcrto de Halber-

ton Lake no sábado 28 de junho. Serio feitos discursos pelos Revs. William Booth, Thornas Whitehouse e multos ministros da vlzinhanca e também por convertidos pugilistas, cavaleiros, caladores e outros, vlndos de Birmingham,

Liverpool e Nottingham.

A Sra. Booth pregará na cápela de Whatemers Street ás 6 horas

da tarde.

Os servicos comecaráo ás 9 horas da manhá".

Em 1858, William Booth foi ordenado Ministro metodista

na Nova Liga. Todavía, já que esta quería fixá-lo em urna paróqüia, Booth e sua esposa deixaram a Liga, e puseram-se a pregar em diversos lugares para onde eram chamados, inde1 Como se sabe, o Metodismo é um devido a John Wesley (1703-1791).

— 165 —

reavivamento do Anglicanlsmo,

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

pendentemente de qualquer estrutura de Igreja. Assim esbogou-se um novo reavivamento sob a diregio do casal; este, porém, teve que enfrentar um problema serio e imprevisto: os convertidos pela palavra de Booth recusavam-se a ingressar em alguma das comunidades eclesiásticas já existentes. Em conseqüéncia, o casal viu-se obrigado a criar a sua própria organizagáo religiosa, á qual deram o nome de «Missáo crista»; tinha características metodistas, ficando William Booth como «Superintendente Geral» — título que em breve cedería ao de General. Em 1878, a «Missáo Crista» tomou o nome de «Exér cito da Salvagáo» (Salvation Army); tinha por fim levar «o Sangue de Cristo e o Fogo do Espirito Santo a todas as partes do mundo». Trazia urna bandeira azul (símbolo da santidade) e vermelha (símbolo do Sangue de Cristo) com urna estrela de ouro (imagem do Espirito Santo). A divisa do Exército era «Sangue e Fogo». Os discípulos de Booth eram buligosos, nao hesitando em promover manifestajees ñas rúas, que suscitavam reagóes violentas e rixas. Os moleques interrompiam as reunióes, assaltando brutalmente os membros (homens e mulheres) do «Exército»; os próprios «soldados» do General Booth eram detidos pela policía e multados ou presos como perturbadores da paz. Todavía aos poucos os salvacionistas foram conquistando a simpatía de todos, até mesmo das auto ridades públicas; obtiveram o patrocinio do Príncipe de Gales, mais tarde rei Eduardo VII, para cuja coroagáo o General Booth foi oficialmente convidado.

A tática do Exército consistía em realizar reunióes ao ar livre, com tamborins e trombetas, para atrair muita gente; os temas religiosos deviam ser enquadrados dentro das melodias de cantos populares; a pregagáo era informal, baseando-se muitas vezes em testemunhos de convertidos; estes, narrando o

que haviam sido e o que se tinham tornado, deviam encorajar

os pecadores a mudar de vida. Os salvacionistas também procuravam coloquios pessoais mediante visitas as prisóes, aos teatros, as fábricas e a outros lugares pouco freqüentados por arautos do Evangelho. A principio, Booth só pensava na salvagáo das almas. To davía em breve percebeu que «é difícil salvar um homem que

tenha os pés molhados» (W. Booth), ou seja, um homem mal nutrido, mal vestido, mal alojado. Por conseguinte, William Booth resolveu dar como fundamento á sua pregagáo a trilo gía «Sopa, Sabáo e Salvagáo». Em colaboragáo com W. T. Stead, escreveu o livro «In Darkest England and the Way — 166 —

EXfiRCTTO DA SALVACÁO

31

Out»; era urna sincera exposigáo dos males sociais existentes

na Inglaterra; a esses ele propunha dez tentativas de remedio:

1) colónias-cidades; 2) colónias-fazendas na Inglaterra; 3) Co lonias ultramarinas no Canadá, na Australia, na África do Sul; 4) Brigadas de Salvamento domésticas; 5) Reformato

rios para mulheres decaídas; 6) Campanhas para a Recupera-

Qáo dos Alcoólicos; 7) Brigadas para as Prisóes; 8) Banco dos Pobres; 9) Advogado dos Pobres»; 10) Casa de Convalescenga, chamada «White-Chapel-by-the-Sea».

A fim de executar seus planos, apelou para o público no intuito de obter um milháo de libras; sem grande demora, conseguiu mais de 100.000 libras, com as quais deu inicio á sua obra. Acusado de fraude, aceitou um controle público de suas contas, sendo finalmente declarado isento de qualquer suspeita pela comissáo fiscal. O respeito entáo substituiu a crítica em relacáo ao Exército da Salvacáo. Hoje em dia este mantém ampia rede de obras assistenciais (bergários, asilos, orfanatos, pensionatos...), de tal modo que muitas pessoas consideram o Exército, antes do mais, como organizacáo huma

nitaria; todavía tal nao é o modo de pensar de Booth e de

seus discípulos; para estes, o Exército da Salvagáo é urna corporagáo evangélica, que tende a converter os homens para Cristo (segundo as principáis linhas do Credo protestante) e

que exprime sua fé e seu amor cristáos em obras humanita rias e sociais.

Finalmente, aos 83 anos de idade, faleceu William Booth em 1912; o Exército da Salvagáo já estava entáo ampia-

mente difundido e contava com alguns milhares de oficiáis e soldados.

William Booth foi certamente um homem de profundas

convicgóes religiosas; estava persuadido de que até a escoria da humanidade pode ser recuperada para Cristo caso se lhe prestem benevolencia e compreensáo; movido por tais idéias, trabalhou ardorosamente até o fim dos seus días. Soube ser desinteressado de si e sincero; embora lutasse com pouca saúde, exigüidade de recursos financeiros e numerosos adversarios, perseverou tenazmente, sem titubeio.

Herdeiro da mentalidade protestante, era assaz individua lista. Desde o inicio da sua missáo, julgou que nao poderia trabalhar sob as ordens e diretrizes de outros. Por isto foi-se

separando de qualquer comunidade religiosa (anglicana e me— 167 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

todista) e criou a sua própria organizagáo, dentro da qual exercia autoridade absoluta; nao suportava oposigáo dentro do Exército. Em 1878, determinou que cada General deveria, em vida, indicar sigilosamente o nome do seu sucessor, nome que

seria divulgado logo após a morte do General.

Todavia esse regime sofreu contestacáo por parte do próprio filho do General William Booth; em 1896 Ballington Booth separou-se do Exército nos Estados Unidos, fundando os chamados «Voluntarios da América», que tinham organi zagáo mais democrática e serviam aos mesmos objetivos do Exército. Esta defecgáo- teve repercussáo no Exército, de modo que em 1904 William Booth introduziu nova cláusula em seu Estatuto: caso um General revelasse incapacidade mental

ou outra inepcia, seria deposto e seu sucessor seria eleito por um Alto Conselho. Este dispositivo teve aplicagáo em breve; em 1912, sucedeu ao General seu filho mais velho, William Bramwell Booth; este, desde o inicio, fora Chefe do Estado-Maior e manifestara grande capacidade de organizagáo. Tendo assumido as fungóes aos 26 anos de idade, deu sinais de declínio mental dezessete anos depois; em 1929, o Alto Conselho votou a sua remogáo. Bramwell Booth apelou para os tribunais, mas estes só prescreveram a reconsideragáo do caso pelo Alto Conselho; este manteve sua sentenga, de sorte que em 1929 Bramwell Booth foi realmente deposto e Edward J. Booth eleito em seu lugar.

O novo General dispós que o Generalato seria eletivo, ficando vedado qualquer tipo de nomeagáo ou de indicagáo aútocrática.

2. 2.1.

Exército da Salvando : características Organizagáo

O Exército da Salvagáo adotou a estrutura do Exército Británico. Todos os seus membros trazem um título militar: General, coronel, comandante, capitáo, tenente, comissário... A maioria desses oficiáis sao mulheres; homens e mulheres tém iguais direitos no Exército — o que se deve certamente á influencia de Catarina Booth, que foi mulher de palavra vibrante e lideranca. — 168 —

EX&RCITO DA SALVACAO

33

Os convertidos sao chamados «recrutas» ou também «prisioneiros»; os já treinados vém a ser «cadetes» e, depois, «ofi ciáis». Os edificios do Exército sao ditos «cidadelas»; cada comunidade de homens é chamada «corpo» e tem á frente um Oficial. Os empreendimentos evangelisticos sao chamados «campanhas». Todos os membros efetivos do Exército usam uniforme.

O Regulamento exige obediencia absoluta ao General, que reside em Londres. As minucias da legislagáo foram previstas pelo próprio William Booth.

Existe urna diferenga essencial entre os Oficiáis e os sol dados salutistas. Aqueles consagram a vida inteira ao Exér cito da Salvagáo, que lhes paga um salario destinado a sustentá-los; os soldados, ao contrario, conservam suas atividades profissionais e apenas dáo urna parte do seu tempo a causa salvacionista; nao lhes é licito, porém, exercer certas profissóes (por exemplo, aquelas que se referem a bebidas alcoólicas); o soldado só pode mudar de emprego ou profissáo com a autorizagáo do Exército; nao deve guardar mais dinheiro do que o indispensável as suas necessidades. Nao se pode casar

sem a permissáo dos chefes. Está sujeito a severa disciplina: banho frió em todas as épocas do ano, janelas abertas sob qualquer clima ou temperatura. O soldado nao pertence a si, mas ao Exército; assina, em ato solene, um compromisso pessoal pelo qual se obriga a seguir os «Artigos de Guerra», que lhe proibem qualquer bebida alcoólica, o mundanismo sob todas as suas formas, e o incitam a visar aos mais altos padróes das virtudes cívicas e religiosas.

As condigóes para alistamento no Exército sao severas. Para ser autorizado a usar a farda como soldado, o candidato deve primeiramente provar a sua fé, a sinceridade da sua conversáo e o seu ardor para dedicar ao Exército tempo livre, energía, dinheiro e influencia. O soldado que deseja tornar-se Oficial, é treinado por nove meses numa «Guamigáo do Exér cito», estudando a Biblia, as doutrinas e a disciplina do Exér cito, um pouco de assisténcia social e de contabiüdade, além de outros temas de menor importancia.

2.2.

O Credo

Como os líderes de reavivamento protestante em geral, William Booth era pouco preocupado com assuntos de teología; _ 169 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 196/1976

dava mais énfase ao «sentimento da conversáo», á «certeza de estar salvo» acompanhada de emogáo e entusiasmo. Os ensinamentos religiosos que Booth transmitiu aos seus adeptos, eram os do Metodismo, denominacáo que ele seguirá desde os quinze anos de idade (quando «se converteu»). Atento únicamente á tarefa de «salvar o próximo», nao se.aprofundou ñas verdades da fé, ele mesmo nao gostava de livros nem

tinha o sentido da historia. Por conseguinte, lia a Biblia (táo somente em inglés), entendendo-a de maneira literal e fundamentalista, sem cuidar das regras científicas de hermenéutica e da crítica erudita. Julgava que a erudigáo nao tinha influen cia alguma sobre o apostolado e que poderia mesmo criar urna barreira entre os seus soldados e a gente simples que eles deviam atingir; por isto também só ministrava aos seus Ofi ciáis os conhecimentos práticos essenciais para a obra evangelizadora. A mentalidade salvacionista exprime-se bem numa estrofe usual no Exército: "Nao temos outro argumento, Nem outra alegado: Basta Jesús ter morrido Pela nossa salvacSo".

Todavía em 1878 no «Ato de Fundagáo» William Booth, tendo em vista o mínimo de crengas características de seus adeptos, formulou-as em onze artigos, que sao a expressáo do Credo salvacionista. 1) A Biblia é a Palavra de Deus inspirada e a única regra de fé divinamente dada. 2)

Há um só Deus, Criador de todas as coisas.

3)

Há tres Pessoas iguais na indivisa Divindade.

4)

Jesús Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

5) Pela queda dos nossos primeiros pais, todos os homens se tornaram pecadores totalmente depravados e justa mente expostos a. ira de Deus.

6) Pelos seus padecimentos e morte, Jesús Cristo expiou por todos, de modo que todo aquele que o quiser pode ser salvo.

— 170 —

EXÉRCITO DA SALVACAO

35

7) A salvagáo se dá pelo arrependimento, pela fé em Cristo e pela regeneragáo operada pelo Espirito Santo.

.8) A justificacáo se faz pela graca mediante a fé em Cristo, tendo aquele que eré o testemunho déla em si mesmo. 9) A continuagáo no estado de salvagáo depende da con tinua fé obediente em Cristo.

10) £ privilegio de todos os crentes, o «serem totalmente santificados», isto é, o terem as suas más inclinagóes táo com pletamente apagadas, pelo Espirito de Deus que nao cometeráo

pecados atuais de qualquer especie.

11) A imortalidade da alma, a ressurreigáo do corpo, o juizo geral no fim do mundo, com eterna felicidade para os justos e castigo sem fim para os maus devem ser inequivocamente professados.

Estes onze artigos de fé básicos sao impostos como condiCáo impreterível pelo Exército da Salvagáo a quem quer que deseje tornar-se seu membro. O primeiro desses artigos refere a doutrina protestante de que «só a Biblia é suficiente fonte de fé». O artigo quinto professa a doutrina calvinista da «depravagáo total» da natureza humana como conseqüéncia do pecado original. O artigo sétimo silencia os sacramentos (nem o Batismo é ministrado no Exército da Salvagáo). O

artigo oitavo professa a fé como principio de justificagáo, sem mencionar as boas obras (o que é consoante o Protestan

tismo). Em síntese, as doutrinas fundamentáis da Reforma figuram no Credo salvacionista. 2.3.

O culto

O Exército da Salvagáo nao possui templos, mas salas franqueadas ao público, em que se realizam reunióes de evangelizagáo e «santificagáo». Urna das características das suas assembléias é o «banco dos pecadores» ou o «banco da mise

ricordia» (Mercy-Seat): esse banco é deixado vazio no inicio da sessáo de culto religioso; no decorrer desta, um Oficial

narra a sua conversáo, mostra-se arrependido dos pecados e

convida os presentes a mudar de vida; pode acontecer entáo que um ou mais dos participantes, sentindo-se impressionado e arrependido, vá colocar-se no banco dos penitentes, em sinal de sua contrigáo. A proclamagáo das faltas passadas e o louvor á misericordia de Deus marcam assim nítidamente o culto — 171 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

salutista. — Responder Amém durante o culto é, na lingua-

gem salvacionista, «disparar uma salva» (to fire a volley); dar envelopes com ofertas é «lanzar um cartuxo»; morrer é «ser promovido á gloria». Quanto aos sacramentos, o Manual do Exércitó declara que tal palavra nao se encontra na S. Escritura; nao obstante, os católicos tém sete sacramentos; os protestantes, dois; os «quakers» e outros, nenhum. O Exércitó da Salvagáo julga que os sacramentos resultam de um equivoco e, por isto, nao sao necessários á salvagáo. Para evitar qualquer forma de

Batismo sacramental, o; General Booth cliegou a declarar que a palavra «agua» em Jo 3,5 tinha mero sentido figurativo e nao quería dizer agua real! Seria, pois, suficiente que os salutistas, ao fazerem suas ablucóes diarias,

se lembrassem de

que somente por meio do sangue de Cristo derramado no Cal vario é que foram purificados. O Exércitó da Salvagáo nao pretende constituir uma Igreja (á semelhanga da Igreja Metodista, por exemplo). Me nos ainda aceita ser uma seita; nao tem doutrina original nem algo que se assemelhe aos sacramentos.

Nao obstante, deve-se

dizer que o Exércitó da Salvagáo constituí uma seita protes

tante

(tirando-se

o

significado

agressivo

que

esta

palavra

possa ter); é uma reforma ou um reavivamento do Metodismo, que, por sua vez, é um reavivamento do Anglicanismo, que, também a seu turno, é uma pretensa reforma do Catolicismo.

Á medida que os reavivamentos se sucedem, dá-se uma diluicáo crescente dos valores objetivos originarios do Cristianismo e passa-se a viver uma religiosidade cada vez mais subjetiva e individualista, cujos criterios sao freqüentemente a emogáo, o sentimento pessoal, a certeza «íntima» subjetiva, etc. 3.

Conclusao

Nao se pode negar o zelo que os salutistas demonstran! pela salvagáo espiritual e corporal do próximo; com grande fé e abnegagáo desempenham-se de sua missáo, sujeitando-se até hoje a mal-entendidos e possíveis humilhagóes inerentes á tarefa de quem pede para os pobres.

Todavía a benemerencia social do Exércitó da Salvagáo

nao significa que este seja a auténtica interpretagáo do Evangelho e do pensamento de Cristo. O Senhor Jesús deixou uma Igreja,... e uma Igreja identificável por notas objetivas, — 172 —

EXÉRCITO DA SALVACAO

37

perceptíveis a todos os homens, como atestam os dássicos textos: Mt 16, 17-19: "Jesús declarou: 'Bem-aventurado és, SimSo, fllho de Joñas, porque nao foram a carne e o sangue que te revelaram Isso, mas, sim, meu Pal que está no céu. E, por mlnha vez, te digo que tu és Pedro e sobre essa pedra edificare! a mlnha Igreja e as portas do Inferno nao prevalecerSo contra ela. E eu te daré i as chaves do reino do céu. Tudo o que ligares sobre a térra, será ligado no céu, e tudo o que des ligares sobre a térra, será desligado no céu'". Le 22, 31s: Disse Jesús : "SlmSo, Simáo, els que Satanás vos reclamou com insistencia para vos peneirar como trigo, mas eu roguel por ti, para que tua fé nao desfaleca. E tu, urna vez convertido, confirma teus

írmáos".

Jo 21, 15-17: "Disse Jesús a Simáo Pedro: 'Simao, fllho de JoSo, tu me amas mals do que estes ?' Ele respondeu : 'Sim, Senhor, vos sabéis que eu vos amo'. Disse-lhe Jesús: 'Apascenta meus cordelros'. Perguntou-lhe novamente: 'SimSo, filho de Joáo, tu me amas?' — 'Sim, Senhor, respondeu ele, vos sabéis que eu vos ano1 — 'Apascenta mlnhas ovelhas' repeté Jesús. E pela tercelra vez Ihe disse Jesús: 'Simio, fllho de JoSo, tu me amas ?' Pedro entristeceu-se porque pela terceira vez Jesús Ihe perguntou: 'Tu me amas?' e respondeu-lhe: 'Senhor, vos sabéis tudo e sabéis que eu vos amo' — 'Apascenta mlnhas ovelhas', dlsse-lhe Jesús".

MI 28,18-20:

"Todo poder me fól dado no céu e na térra. Ide, por-

tanto, e ensinai a todas as nagees, batizando-as em

nome do Pal e do

Filho e do Espirito Santo e ensinando-as a observar todos os mandamentos que vos dei. E flcai certos de que estarei convosco todos os dias até o flm do mundo".

Comentarios

13/1959, pp. 9-20.

a

estas

passagens

encontram-se

em

PR

Por conseguirte, a Igreja de Cristo se deriva do próprio

Senhor e passa necessariamente pelos Apostólos de modo que qualquer agremiacio que nao esteja em comunháo com a Igreja de Cristo e nao tenha a sucessáo apostólica, nao pode

pretender ser a auténtica realizagáo do Cristianismo. Isto nao

quer dizer (repitamo-lo) que tal corporacáo nao tenha seus méritos; todavía notemos que nao é a benemerencia ou a santidade do homem que identifica a Igreja de Cristo, mas, sim, a presenca sacramental e prolongada de Cristo, que está associada aos Apostólos e a sucessáo apostólica.

Á luz destas verdades, o Exército da Salvacáo se apresenta como um entre os varios reavivamentos que o Protes tantismo tem conhecido; é portador das notas de fervor e entu siasmo, mas também de subjetivismo e individualismo, carac terísticas dos «reviváis»; essas notas tornam o Movimento muito concreto e existencial, mas também constituem um afastamento crescente e arbitrario em relacáo ao genuino pensamento de Cristo.

— 173 —

No cinema, mais urna vez:

"o fantasma da liberdade" de Luiz Buñel

Em sintese: O filme "O Fantasma da Liberdade" de Lufz Buñel aprésenla urna serie de quadros em que aparece o formalismo vazio ou mesmo hipócrita da sociedade contemporánea. Apregoa também o relati vismo das vencóes.

leis

e

dos

costumes,

que

resultarla,

segundo

Buñel, de

con-

A película corresponde a um anseio, multo válido e difuso em nossos

dias, de autenticidade; repudla-se o convencionalismo puramente formal. A este titulo, o filme se torna simpático a multos espectadores. Todavía

é preciso nao esquecer que nem todas as institui;5es na sociedade sao contingentes ou relativas; multas se derlvam da natureza do próprio ser humano, e tém seu valor perene, de modo que devem ser respeltadas ou, se necessário, atualizadas, nao, porém, abolidas.

Comentario: O famoso cineasta Luiz Buñel produziu recentemente mais um de seus filmes, com o título «O Fantasma

da Liberdade». Como os demais do mesmo autor, é obra pun

gente, que, em sintese, propóe urna crítica dos costumes da sociedade de hoje, desde o setor familiar até o das autorida des públicas. Trata-se de filme a cores, com suas cenas imprevisíveis (a ironía exige a associagáo de quadros contrastan tes), que prendem constantemente a atencáo do espectador.

A película exibe urna serie de «flashes» ou episodios fracamente relacionados entre si; cada qual vem a ser urna unidade de sátira, cujo significado é ora mais, ora menos perceptíyel. — Visto o sucesso que a película vem obtendo, abaixo referiremos o seu conteúdo; após o que, proporemos breve reflexáo.

1.

Que viste no filme?

Eis urna tentativa de agrupar as principáis cenas do filme segundo a temática que abordam: — 174 —

«O FANTASMA DA LIBERDADE»

1.1.

39

A menina desaparecida

Um dos episodios mais interessantes é o que se refere á

menina Aliette.

Um casal recebe a noticia de que a sua filha Aliette desa-

pareceu no colegio. Váo ter a este; recebem da Diretoria a confirmacáo de que a menina realmente desapareceu durante urna hora. Váo entáo á sala de aula, onde a professora faz a chamada; Aliette, no seu lugar, responde tranquilamente, como se nada fora.

Todavia, embora presente, Aliette con

tinua sendo a «menina desaparecida»; a policía é convocada, de modo que o comissário toma nota das características (cor dos olhos, dos cábelos, altura...) da «desaparecida» Aliette ditadas pelos país em presenga da menina (!•); o agente de polícia estaría disposto a levar consigo a própria Aliette para identificar melhor a crianca desaparecida caso a encontrasse!...

1.2.

O chefe de policía: desonesto ou louco?

O investigador, tendo procedido ao inquérito a respeito do «desaparecimento» de Aliette, elaborou um relatório dos «fatos». O Chefe de polícia local está para lé-lo aos país em presenga da menina, quando repentinamente alega ter um compromisso urgente; sai entáo para um bar no intuito de se encontrar com amigos; deparou-se ali com urna mulher, com

quem se pos a conversar em tom insinuante; fala de sua irmá

Margaret, que ele diz estar morta,... mas que ao mesmo tempo o chama ao telefone. O chefe de polícia vai entáo ao cemitério violar o túmulo de sua irmá, como se a quisesse visitar no sarcófago; é preso por guardas como profanador

de túmulos; levado á presenca do comissário de polícia, este abraga seu colega e os dois váo inspecionar o Jardim Zooló gico, onde clamam «Abaixo a liberdade!» Há disparos que parecem desferidos contra a liberdade; é durante o tiroteio no Zoo que se encerra a película! 1.3.

O assassino

condenado

e

exaltado

O filme dá a ver também um homem que, a partir do terraco de um arranha-céu, atira sobre os pedestres ñas rúas; estes caem no chao como pássaros. O criminoso é descoberto, julgado e condenado á morte. Mas, logo que a sentenca do — 175 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

juiz é proferida, agentes de policía desatam as algemas do réu e todas as pessoas que assistiram ao júri, váo cumprimentá-lo, oferecendo-lhe cigarros, fogo e pedindo-lhe autó grafo, como se fosse um herói.

1.4.

O médico e o seu cliente

Tem-se outrossim no filme o caso de um paciente em con sulta a seu médico. Este, após haver lido as análises de labo ratorio, proclama resultados normáis. Todavía, aos poucos, diz ao cliente que este sofre de um neoplasma (o cliente nao entende o que é) e que deseja fazer-lhe um pequeño corte cirúrgico, mais para satisfazer á sua curiosidade de médico; finalmente, o doutor revela ao paciente que este padece de um cáncer já muito adiantado. Ao ouvir isto, o cliente esbofeteia o médico e se retira.

1.5.

O homem que nao dormía

Ainda a propósito de médicos e doentes, Buñel apresenta

um homem que sofría de insónia... Urna bela noite, foi-se deitar cedo; a partir de 1 h da madrugada, vé aparecer sucessivamente em seu quarto um galo,... um visitante com urna vela na máo,... um carteiro que lhe coloca urna carta sobre a cama,... urna avestruz... Assustadíssimo, vai ao médico; este lhe diz que ele está em boas condicóes de saúde e sonha durante o sonó... O cliente protesta e, para provar que nao sonhou, mostra a carta depositada sobre o seu leito durante a noite.

1.6.

A sala de ¡antar convencional

Outra cena característica é a da sala de jantar, para a qual urna dona de casa convida familiares e amigos (inclusive um professor); em torno da mesa de refeic.óes, tém-se assentos de W.C.; sobre cada um destes, a convite da anfitriá, coloca-se um dos convivas após ter abaixado ou levantado a respectiva roupa. Tudo decorre com a máxima naturalidade. Nao há (nem seráo servidos) alimentos sobre a mesa. Mas os convivas passam a falar de fome mundial, poluigáo das aguas, detergentes, tóxicos, excrementos, etc.

— 176 —

Durante a con-

.

«O FANTASMA DA LIBERDADE»

41

versa, o professor sé levanta e vai ao pretenso W.C. da casa, onde encontra um dispositivo automático para pedir a sua refeigáo; aperta o botáo, senta-se como num restaurante, e come ali! 1.7.

As ¡magens-tabu

Num parque, um ilustre desconhecido encontra duas me

ninas, e a uma délas oferece um presente: trata-se de uma serie de cartees postais, que a pequenina contempla com pra-

zer, recebendo ordem de nao os mostrar á gente grande. A menina leva para casa essas figuras, que acabam sendo deseobertas pelo velhos; a máe censura-a por ter aceito tal pre sente «perigoso» da parte de um estranho e póe-se a exami

nar imagem por imagem, mostrando-as ao seu esposo: este

prorrompe em exclamacóes como «Asqueroso!», «Obsceno!», «Repugnante.1» e queixa-se contra a época moderna; a esposa observa que tais cartees postais lhe lembram os primeiros tempos da sua vida conjugal... Finalmente, as imagens (que até entáo nao tinham sido exibidas ao público) sao apresentadas ao espectador; representan! igrejas e monumentos artís ticos de París, Miláo, Florenca..., sem a mínima nota de lascivia! 1.8.

O Motel

Ainda há a seqüéncia do Motel, no qual as cenas mais estranhas se sucedem: um jovem de dezoito anos vai passar lá uma noite em companhia de uma senhora de mais de dnqüenta anos e a forca a se lhe entregar! — Quatro frades carmelitas em viagem abrigam-se lá por causa do mau tempo; encontram-se com uma jovem, que lá está em tránsito para

a casa de seu pai enfermo; rezam o terco com ela pela saúde do anciáo e depois póem-se a jogar com a mesma, servindo-se de escapularios, medalhas e estatuetas como «jettons»... — Um casal convida todos esses hospedes do Motel para o seu quarto; oferece-lhes vinho do Porto, mas finalmente a esposa aparece espancando o esposo de maneira acintosa! 1.9.

O professor da Escota de polklais

Vé-se outrossim a cena de uma aula dada por famoso professor a policiais. Essa aula é constantemente interrom pida por avisos, entradas e saldas na sala; a turma é buliepsa.

— 177 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

O professor ensina que as leis e os costumes sao meras convencóes; estáo sujeitos á evolugáo; tenha-se em vista a poli-, gamia, outrora licita, hoje proibida... — É este talvez um dos tópicos mais representativos do filme, pois explica em palavras ou proposigóes a tese inten cionada por Buñel através do filme: este, em última análise, incute a relatividade das leis e dos costumes da sociedade; tudo se reduziria a convengóes; se os valores fossem coloca dos em escala inversa <á que hoje vigora, essa escala seria táo legítima quanto a que se adota atualmente.

A visáo panorámica'do filme até aqui apresentada exige

2.

Urna reflexáo

Antes do mais, procuraremos depreender objetivamente o

pensamento de Buñel, expresso pela película «O Fantasma da Láberdade». Depois disto, proporemos algumas consideracóes que este filme sugere.

2.1.

1)

O pensamento de Buñel

Nao é fácil interpretar cada uma das cenas apresen-

tadas por Buñel no fume «O Fantasma da Láberdade». O moralista teria ocasiáo de deduzir dessas cenas extensas ligóes de moral, castigando a desonestidade, a mentira, a omissáo, a hipocrisia da sociedade contemporánea; tais cenas p5em real mente em ridículo diversos vicios e males moráis dos nossos dias.

2) Pode-se admitir que Buñel tenha tido em mira esse objetivo moral; todavía nao era este o seu principal intuito ao conceber «O Fantasma da Liberdade». A sua mensagem parece, antes do mais, depreender-se da cena inicial e da final do filme (geralmente sao estes os pontos-chaves de todo

filme). Ora no inicio da película tem-se o fuzilamento de prisioneiros alinhados contra um muro; esta cena lembra a guerra, a violencia, a prepotencia, a opressáo... No final, outra serie de disparos se faz ouvir após o brado «Abaixo a — 178 —

«O FANTASMA DA UBERDADE>

43

liberdade!»; assim a violencia ou a extincáo da liberdade enquadra as diversas cenas do filme.

Conseqüentemente, este

parece insinuar que o homem na sociedade de hoje nao é livre; goza, sim, de liberdade enquanto resolve seguir padrees convencionais ou as normas impostas por poderes superiores (Governo, policía, magistrados...); todavia, desde que queira fugir á rotina, sujeita-se a ser «fuzilado». O título «O Fan tasma da Liberdade», dado ao conjunto do filme, parece con firmar tal interpretacáo.

3) Nao há dúvida, porém, de que Buñnel também inten ciona satirizar certos hábitos da sociedade contemporánea: a cena da menina presente e, ao mesmo tempo, «desaparecida»

é típica; a dos cartóes que, dados por um estranho a urna menina, provocam as censuras da máe a essa enanca, mas nao sao senáo imagens de igreias e monumentos artísticos inocuos, também é muito significativa. Diga-se o mesmo do episodio do chefe de policia desonesto. Sao táo desarrazoados certos hábitos convencionais que ás vezes os homens parecem loucos ao seguir a rotina de cada dia.

A crítica a tais convengóes ridiculas é oportuna. Hoje em dia propugna-se a autenticidade das pessoas e da vida na sociedade; os nomes devem corresponder ás realidades nomeadas e vice-versa. Assim o filme de Buñel até certo ponto faz

eco a urna aspiracáo legítima do homem contemporáneo. É um protesto contra o convencionalismo vazio, a vida rotineira, a ostentagáo hipócrita, o formalismo sem conteúdo... Dito isto, submetemos á consideragáo do leitor algumas ponderagóes filosófico-teológicas sugeridas pelo desenrolar mesmo das cenas do filme «O Fantasma da Liberdade».

2.2.

PonderasSes filosófico-feológicas

1) O filme de Buñel é táo fortemente satírico que poderia dar a impressáo de que tudo na sociedade é mutável e relativo. Todas as instituigóes estariam sujeitas ao sarcasmo

e á reviravolta...

Ora deve-se reconhecer que nem tudo o

é costumeiro na sociedade, está sujeito á mesma crítica. Há, sim, hábitos puramente convencionais e esclerosados, que devem oportunamente ceder a outros mais construtívos de

— 179 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

auténtica sociedade. Todavía nem tudo o que é antigo merece' ser mudado pelo simples fato de ser antigo.

Por debaixo das notas e expressóes contingentes da pessoa e da sociedade, existe o que se chama «o homem eterno»

(G. K. Chesterton) ou «a mulher eterna» (Gertrud von Lé-

fort). O ser humano foi e será sempre dotado de aspiragóes fundamentáis 'á Verdade, ao Amor (que é sempre benevolen cia altruista e generosa), a Justiga, á Fraternidade, á Paz... Tudo o que na sociedade fomente tais valores, há de ser cultivado para que o homem seja mais homem e a sociedade mais humana. Tudo o ^ue lhes repudie, há de ser rejeitado sob o risco de se destruir o próprio homem. 2) Em particular, no tocante as leis moráis, observe-se o seguinte:

Na consciéncia de todos os homens ressoa a mesma norma básica: «Pratica o bem, evita o mal». Nao há quem nao ouga este ditame, qualquer que seja o seu grau de cultura e civilizacáo. O ser humano, aos poucos, vai aprendendo em que consistem o bem e o mal; aprende-o do ambiente em que vive, da educagáo que recebe, da escola que freqüenta e da reflexáo que através dos anos vai realizando. Fora os casos de anormalidade, todos assim vao percebendo que nao devem matar nem roubar nem prejudicar a fama alheia nem lesar a ver dade, nem desrespeitar o seu corpo ou o corpo alheio... As sim a lei natural é a mesma em todos os homens.

Quanto as leis positivas (estipuladas pelos legisladores), deveriam ser o eco fiel e a explicitagáo dessas normas natu-

rais; se nem sempre o sao (se, por exemplo, permitem ou permitiram a poligamia, a escravatura, a eliminagáo de criancas doentes ou velhos defeituosos...), tais leis sao aberrantes; nao podem ser equiparadas áquelas que fazem eco fiel as leis naturais.

O fato de que os costumes de alguns povos foram, ou sao,

contrarios aos que a lei natural prescreve, explica-se

— ou por serem povos rudes, primitivos, cuja conscién

cia moral nao estava (ou está) plenamente desenvolvida. Nao somente na antiguüidade, mas ainda hoje, existem povos pri mitivos, de mentalidade inculta como a da crianga. Ora a — 180 —

«O FANTASMA DA LIBERDADE»

45

crianca é sempre menos sensivel para os valores moráis do que o adulto de mente culta;

— ou por serem povos decrépitos, degenerescentes, cuja consciéncia se insensibiliza para os valores moráis, porque posta em declínio.

Donde se vé que o fato de haver evolucáo de costumes nao depóe contra a constancia e a unicidade da lei moral objetiva. Essa evolucáo, quando normal, deve também ten der a um aprimoramento crescente das leis básicas incutidas pela própria natureza do homem: o perdáo aos inimigos, a benevolencia para com todos os homens, a vitória do altruismo sobre o egoísmo estáo na linha dessa evolugáo normal. De resto, há normas secundarias da Moral que podem mudar de acordó com os graus de civilizagáo da humanidade,

sem que isto afete a continuidade dos principios da Moral. É o que se dá, por exemplo, com o empréstimo a juros (legítimo, desde que se reconheca que o dinheiro, hoje em día, por si é um bem produtivo), com os direitos da mulher aos estudos, aos cargos públicos, as funcóes eleitorais, com o uso de cal cas compridas por parte da mulher...

3) No que diz respeito á religiáo, Buñel apresenta alguns aparentes paradoxos, que sugerem breves comentarios: a) Sao Cristóváo, Sao Jorge, Sta. Filomena e outros san tos deixaram de ser Santos? — A Igreja nao «cassa» os San tos (para usar urna expressáo já usada impropriamente a este propósito). Apenas declarou em 1967, após exatos estu dos de historia e arqueología, que a veneracáo de certos santos, oriunda da devogáo popular, carecía de sólidas bases históricas; assim, hoje está fora de dúvida que certas estórias

atribuidas popularmente a S. Cristóváo e a S. Jorge nao sao fidedignas..., que a própria existencia de Sta. Filomena nao está comprovada. De resto, a respeito de «cassacáo» dos San tos veja-se PR 94/1967, pp. 429-438; 116/1969, pp. 341-353. Nao é a declaragáo da Igreja que faz que um cristáo seja santo ou nao santo; a santidade é um valor intrínseco ao cristáo; a Igreja apenas julga da legitimidade ou nao de se atribuir a um cristáo falecido a veneragáo de «santo». Em outras palavras: há numerosos santos que a Igreja nao canonizou (as canonizagóes comecaram no séc. X); portante, se

46

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

os estudos históricos contemporáneos demonstram que as erengas populares anteriores ao séc. X estavam mal fundadas, Ela o declara para o bem da verdade e da piedade. Está claro que a verificacáo destes dados motiva um declínio (ao menos parcial) do culto dos Santos assim indigitados; b) O fato de S. Teresinha ter sido filha de um pai de saúde fraca nao afeta a santidade desta monja; a personalidade de tal santa está hoje em dia sobejamente estudada para que se possa afirmar tranquilamente a heroicidade consciente

e madura das virtudes da mesma.

Alias, santidade e saúde mental já foram objeto de estudo em PR 188/1975, pp. 344-371.

c) Savonarola foi um frade dominicano (f 1448) rebelde ao Papa Alexandre VI e condenado pela Igreja. Buñel diz que hoje está reabilitado. — Tal afirmagáo é imprecisa, se nao errónea: Alexandre VI, apesar de suas falhas moráis, era a autoridade legitima, á qual Savonarola devia obediencia. O que hoje em dia a Igreja reconhece como legítimo, nao é a rebeliáo, mas, sim, o diálogo entre os súditos e a autori

dade. .., diálogo no qual a autoridade tem a última palavra em assuntos que sejam de sua competencia. Cf. a respeito PR 15/1959, pp. 129-134.

Eis algumas observagóes que o filme «O Fantasma da Liberdade» sugere ao estudioso. A película é fortemente cri tica; isto pode torná-la simpática a numeroso público e, nao raro, com auténtico fundamento. Todavía é necessário que o espectador faga a critica da critica e guarde a consciéncia de que, ao lado de valores mutáveis e caducos através do tempo, outros existem que sao perenes na sociedade e que tem de ser respeitados como tais, a menos que o género humano queira decretar a sua autodestruigáo. Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 182 —

V SEMANA TEOLÓGICA NACIONAL

_47

A quinta semana teológica nacional (17-20/11/76) Nos dias 17 a 20 de fevereiro pp., real¡zou-se em Petrópolis (RJ) a V Semana Teológica Nacional, promovida pelo CID (Centro de Investigado e Documentagio) de Petrópolis, sob a dlrecáo de Freí Leonardo Boff O.F.M. O certame, destinado originariamente a especialistas em disciplinas teológicas, contou com a partlclpagfio nao somante de mestres de Teología, mas também de pastores entregues a cura de almas e de fiéis católicos leigos, perfazendo um total de 200 freqüentadores aproximadamente. O tema da Semana — "Religiosidade Popular" — fol estudado sob diversos aspectos, explanados por teólogos, sociólogos, psicólogos e historiadoies. O Encontró encerrou-se na tarde de sexta-felra 20/11 com um painel, que contribuiu para se proceder a avaliagao do que os dias anteriores haviam representado para os participantes da Semana. Eram painelistas no caso: D. Valdir Calheiros, DD. Blspo de Volta Redonda (RJ), Freí Leonardo Boff O.F.M., Freí Huberto Lepargneur O.P., um professor (leigo) de S. Escritura do Recife, o escritor José Paulo Moreira da Fonseca e urna asslstente social do Rio de Janeiro. — Um tal tipo de encerramento Indicava bem que a comissáo organizadora do Encontró nSo pretendía tirar conclusóes dos estudos e debates anteriores, mas apenas tornar a assetnbiela ainda mais consciente das questoes entao levantadas e da necessidade de um estudo continuado das mesmas. Foi, alias, nestes termos que Freí Leonardo Boff encerrou sua contribuicáo no painel; multo acentuara a Insuficiencia da mente humana para apreender a Verdade em termos absolutos, isentos da dialética das contiadigóes. Merece especial mengSo neste conjunto de vozes fináis do Encontró a do Pe. Lepargneur: chamou a atengfio para a nota de certo relativismo e naturalismo que, na verdade, caracterizou varias das conferencias da Semana; lembrou que diante da religiosidad» popular o sacerdote e o agente de Pastoral nao sfio meros observadores, fechados num mal entendido respelto ao povo, mas sao porta-vozes da verdade do Evangelho e dos criterios de Absoluto que Cristo velo trazer ao mundo. Enfatizou a existencia de referenciais seguros professados pela fé e presentes na Igreja Católica; o magisterio desta merece o acato que os respectivos documentos exigem, e ptopóe linhas .de doutrina que todo agente de Pastoral há de procurar levar aos fiéis católicos e nao católicos. Em suma, o pensamento do Pe. Lepaigneur, embora destoasse da oiientacfio geral das conferencias da Semana, representava bem quanto pensavam numerosos semanistas que o ouvlam. Apenas

é de lamentar que a exigüidade de tempo e o grande número de. painelistas nSo permitlssem aprofundar quanto dissera Lepargneur. Num

balango

da

Semana,

geral

e

sintético,

podem-se

propor

tres

pontos:

1) Convém registrar o alto nivel das teses apresentadas, resultantes todas de diligentes (mas nem sempre destituidas de preconceitos ou de pressupostos filosóficos estranhos e nao provados) pesquisas e reflexoes dos íespectivos conferencistas: quem acompanhou as exposigóes feitas em plenário teve a ocasifio de apreciar Interesantes ponderagSes de sociología, psicología, historia,... que enriqueceram os ouvintes. 2) O encontró informal com eminentes vultos dos estudos teológicos do Brasil foi multo útil, pois' proporcionou a ocasiao de trocar idéias com os mesmos e ouvir opinloes de tais especialistas.

— 183 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 196/1976

3) Todavía nao poderlamos deixar de mencionar serlas lacunas ocorrentes na manelra de abordar o lemárlo da Semana: predominaran) os pontos de vista sociológico, psicológico, histórico...; em sociología, as premissas, as categorías e conctusSes eram, geralmente, naturalistas e tendenciosas ou pre-concebidas. Pode-se reconhecer que a temática geral da Semana sugería realmente enfoques deduzldos das ciencias humanas; todavía, nem mesmo quando terla lugar um recurso ás instancias da fé,

da Biblia ou do magisterio da Igreja, se reglstrou tal recurso; apenas ñas intervencoes e nos debates (geralmente demasiado breves para esgotar a? interrogacSes lancados pelos conferencistas) se faziam ouvir vozes de orlentacSo diversa da dos mestres que expunham.

Dizemos isto nao no intuito de destruir a louvávet Iniciativa das Se manas Teológicas do Brasil.: Visto que toda tentativa está sujetta a ser revista para se tornar aínda mais útil, propomos aquí o que nos ocorre numa visSo retrospectiva da V Semana Teológica do Brasil. Fazemos votos para que a segulnte, em 1978, seja reservada á participacSo de mestres em Teología, os quais poderSo entSo propor seus pontos de vista (por

vezes, hipotéticos) sem o pango de Influir num auditorio despreparadó;

além do que, almejamos a que em tais certames mais se levem em conta os mananciais da fé, inclusive a voz oficial da Igreja I E. B.

livros

em

estante

Teología para o crlstSo de hoje. Vol. 2: A resposta de Deus em Jesús Cristo, pelo Instituto Diocesano de Ensino Superior de Würzburg. Versüo brasilelra sob a coordenacSo de P. Silvlno Arnhold. — Ed. Loyoia, SSo Pauto 1975, 160x235 mm, 253 pp. Este volume continua a obra que |á foi apresentada em PR 190/1975, 3? capa. Constituí o que se poderla chamar a Cristologia ou o estudo de Cristo, fazendo seqüfincia ao volume anterior, que tratava do homem.

Este segundo volume aborda principalmente a figura de Cristo nos Evangethos e nos restantes escritos do Novo Testamento, desenvolvendo assim a teologia bíblica. Para tanto, propóe minuciosamente os resultados da moderna critica dos Evangelhos. O assunto é delicado, pois poderla fácilmente levar ao racionalismo e ao liberalismo. Isto, porém, nao acon

tece, visto que os autores se mantém numa visüo de fé auténtica, transmitindo com seguranza ai doutrina da Igreja, ao mesmo tempo que expSem

o pensamento científico da exegese católica. Estas qualidades recomendam o livro, que, conforme seus-autores, se destina a cristáos leigos. Cremos, porém, que a obra deveria ser .comentada e explicitada em cursos (apre-

— 184 —

senta mesmo exercfcios com

esta finalidade);

algumas de

suas

páginas

poderiam causar embarazo a um leitor que nao estivesse iniciado no assunto. Pode-se perfeitamente conciliar com os dados da fé e, especial mente, com a consciéncia de que a Biblia é inspirada, a tese de que a mensagem do Evangeiho foi primeramente apregoada de viva voz; durante os vinte ou mais anos de sua transmissáo oral, essa mensagem foi "encar nada" ñas circunstancias dos povos a que era anunciada; tomou assim formas literarias diversas e passou por sucossivas redacdes, que o exegeta de hoje procuia reconstituir, sem por isto julgar que a doutrina de Cristo lenha sido deturpada. O Jesús da fé é o próprio Jesús da historia, afirmam os autores da obra em foco. Louvamos o trabalho dos padres jesuítas de Sao Leopoldo (RS), quo procuraram nao apenas traduzir, mas também atualizar e adaptar o texto alemáo do livro, acrescentando-lhe, entre outras coisas, boa bibliografía em lingua brasileira, mediante a qual o leitor se aprofundará na materia. Celebracao da conscléncia, por lvan D. Illich. IntroducSo de Erich Fromm. Traducüo de Heloysa de Lima Dantas. — Ed. Vozes, Petrópolis 1975, 135x210 mm, 152 pp.

lvan Illich tem um currículo de vida assaz diversificado. Depois de ordenado sacerdote católico, dedicou-se a estudos antropológicos e estabeleceu-se em Cuernavaca (México), em conseqüéncia do que vem evoluindo mais e mais. Hoje, reduzido ao estado leigo, é um critico das institulcfies eclesiais e nao eclesiais existontes. Em margo pp. esteve no .Rio de Janeiro, onde fez conferencias sobre os médicos, lancando criticas severas aos mesmos. — O presente livro é urna cotetánea de artlgos publicados anteriormente pelo autor em ccasi£es diversas. A mente de Illich se exprime claramente no prefacio respectivo : "Cada um dos capítulos deste livro reproduz um esforco de mfnha parte no sentido de questionar a natureza de algo supostamenle certo. Por conseguirte, cada um deles trata de um engodo — do engodo contido em algumas de nossas InstltuIcSes. As Inslitulcdes criam certezas e, se tomadas a serio, as certezas entorpecem os ánimos e algemam a

tmagínacao" (p. 9).

Entre outras instituicdes (ortemente criticadas por Illich, está o sacer docio católico; o autor esquece entao as premissas da fé e da teología, preconizando urna Igreja com poucos presbíteros e com celebracóes eucarfstícas esporádicas (pp. 55-77). Tal artigo já foi comentado em PR 101/1968,

pp. 195-205. Excusamo-nos de voltar a talar do assunto. Apenas resta aquí realcar que a crítica é urna arma de dois gumes: consciéncias para problemas que exigem solucSo ; o que haja de positivo em nossos ambientes ; pode atitude de espirito doentia ou neurótica... Ora tal autor do livro em questao I

ela pode despertar as pode também destruir outrosslm revelar urna parece ser o caso do

PARA PEDIR UM ESPÍRITO MISSIONÁRIO SENHOR, NAO ME ENCARREGASTE DE CONQUISTAR

J TÉRRAS LONGINQUAS, ONDE NAO TE CONHECEM 03 HOMENS, MAS TU ME PEDES QUE VA AO ENCONTRÓ DE HOMENS QUE, TALVEZ MUITO PERTO DE MIM, SE MAN-

TÉM AFASTADOS DE TI... POR ESSA MULTIDAO DE PESSOAS QUE TE IGNORAM OU TE AMAM TAO MAL, NASCESTE NO FRIÓ, TRABALHASTE EM SILENCIO, VIVESTE DURAMENTE, MORRESTE NA CRUZ.

E AGORA CONTAS COMIGO PARA QUE TUA VIDA NAO TENHA SIDO EM VAO. CONTAS COMIGO, Ó MEU SENHOR; EIS-ME AQUÍ.

DA-ME UM ESPÍRITO MISSIONÁRIO. DA-ME

UM

CORACÁO

SUFICIENTEMENTE

GRANDE

PARA AMAR COM UM MESMO AMOR A TODOS OS HOMENS: AQUELES QUE JA TE AMAM, E AQUELES QUE IGNORAM QUE FOI POR ELES QUE VIESTE.

DAME A AVERSAO DAS COISAS FACÉIS, DAS COMO DIDADES DE CERTAS TAREFAS. DIANTE DAS DIFICULDADES DO CAMINHO, CONSERVA EM MIM UMA AUDACIA GENEROSA E TRANQUILA, QUE NAO ADMITA RECUAR. DA-ME O DESINTERESSE, A FIM DE QUE NAO ME SURPREENDAM NEM A INGRATIDAO, NEM A IGNORANCIA NEM OS PRECONCEITOS DE TANTOS HOMENS. GUARDA INTATA A MINHA CONFIANCA, CONFIANCA EM TEU PODER, CONFIANCA NESSES HOMENS ADORME CIDOS QUE ME PEDES QUE DESPERTÉ PARA O TEU AMOR E A TUA VIDA. DIANTE DO TORPOR DESSA TUA PACIENCIA, SENHOR.

GENTE,

ENSINA-ME

A

E, QUANDO NO IMENSO CAMPO EM QUE DEVO SEMEAR SEM ESMORECER, EU NADA VEJA BROTAR. CONSERVA EM MIM ESTA ALEGRE CERTEZA DE QUE UM OU OUTRO DÍA — NA TUA HORA —, POR CAUSA DE MINHA PALAVRA E DE MEUS ESFORCOS, CHEGARAS

ENFIM A REINAR SOBRE O MUNDO.

AMÉM.

L. G.

(Texto extraido do livro "Vive tua vida! Como", p. 409)

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