Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LINE
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)
APRESENTTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com
d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XI — N« 130
OUTUBRO DE 1970
ÍNDICE
Cada vez mais de cada vez menos I
I. 1)
•í-"'
VERDADE, ONDE ESTAS?
"A teoría da relatividade de Einstein quer dizer que
nao há verdade absoluta ?
Nossos conceitos sao relativos. Seria ¡esta a última expressño
das ciencias físicas ?"
i19
II.
2)
A PALAVRA DO DÍA
"Hoje em dia, quando muito se fala de mito, pergunta-se:
que é prbpriamente uro mito ? E que valor tem ?"
III. .1)
iSO
CURIOSO INQUÉRTTO
"Quo penanm un fíxpñwx don pnxtnreH prtilcuttinten a rcx-
peito de seu cuxumento ?
Estilo fclizcx ? Dexcnvlentes ?"
IV.
i)
4-42
FAMOSA FIGURA
"Que dteer sobre os jesuíta.* e o sen rdaehnamento com
u Mtirqitíx de Pombal ? Em ge ral, faz-se a apología de Pombal. _ Como julgar essa faceta da historia da Igreja ?"
hUO
Correspondencia Miúda
¿62
Resentía de Livros
■*
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA
CADA
VEZ
MAIS
DE CADA VEZ MENOS! Um fato de experiencia vai-se-nos impondo: é, realmente, impossível saber com profundidade tudo o que cada ciencia propóe; a engenharia, a medicina, a química, a física se ramificam mais e mais... Em conseqüéncia, o homem moderno, para poder progredir nos estudos, deve especializar-se, escolhendo seu setor próprio de pesquisas. Acontece entáo estranho
fenómeno: o estudioso contemporáneo sabe cada vez mais de cada vez menos.
A especializagáo, no caso, é urna necessidade e um bene ficio. Mas inegávelmente ela marca o homem: éste arrisca-se a perder o interésse por outros campos do saber e da verdade; escapa-lhe entáo a visáo de conjunto da realidade, e o estu
dioso se torna inconsciente ou insensível para o MISTERIO ou para os valores transcendentais. O homem que sofra tal influencia, deforma-se como personalidade humana; fica sendo unidimensional ou menos homem. Por isto tém-se ouvido vozes que em nossos dias, táo preocupados com as conquistas da ciencia, da técnica, da eco
nomía, desejam nao se extinga entre os homens o cultivo do
que se chama «a sabedoria».
A sabedoria vem a ser a visáo do sentido último e defi
nitivo que tém as realidades déste mundo; ela relaciona os valores particulares com as grandes aspiragóes do ser humano. Cultivando-a, o homem nao se deixa absorver, escravizar ou desfigurar por coisas pequeñas, mas, ao contrario, domina-as
de modo a se engrandecer mediante o uso das mesmas. O Concilio do Vaticano II lembrou o problema: «Nota-se
o desequilibrio entre a especializagáo da atividade humana e a
visáo universal das coisas» (Const. «Gaudium et Spes» n» 8b).
E preconiza: «Esteja a cultura subordinada á perfeicáo inte gral da pessoa humana, ao bem da comunidade e da humanidade inteira. Por isto é necessário cultivar o espirito de tal
maneira que se desenvolva a faculdade de admirar, ds pene trar no íntimo das coisas, de contemplar, de formar um juízo
pessoal e de aperfeigoar o senso religioso, moral e social»
(ib. 59a). Ainda em outra passagem lé-se: «A nossa época, mais do que os sáculos passados, precisa de sabedoria para que se tornem mais humanas todas as novidades descobertas pelo — 417 —
homem. Realmente estará em perigo a sorte futura do homem se nao surgirem homens mais sabios» (ib. 15c). Homens sabios... Homens que tenham consciéncia pro
funda, que vejam como Deus vé e amem como Deus ama; tais
homens jamáis seráo decepcionados, porque já se colocam no ponto de vista definitivo; éles poderáo dizer, com o Senhor Deus, a última palavra da historia. Ao cristáo, particularmente, compete cultivar a visáo sa piencial das realidades terrestres. Toca-lhe também transmiti-la a seus irmáos.
Dirá, porém, alguém: «Mas aínda há audiencia no mundo para a apresentacáo de consideragoes filosófico-religiosas e de
valores transcendentais?»
Parece que se pode dizer, sem favor, que SIM. O pessimismo é exagero ou falsidade. O homem de hoje é o homem eterno, o homem que, consciente ou inconscientemente, ainda
e sempre procura a Deus. Hoje, talvez mais do que nunca, o
homem tem ocasiáo de tomar consciéncia de estar cercado de grandezas maiores do que ele, de dimensóes vertiginosas, de realidades misteriosas, que acenam para urna Suprema Inteli gencia e Suma Sabedoria. — Mesmo os que parecem mais apá ticos, sao muitas vézes suscetiveis de dialogar e de reconhecer dentro de si aspiracóes a algo de melhor do que as coisas que passam.
Estas afirmagóes se baseiam nao somente ñas premissas da fé crista (que é sempre otimista), nem apenas na experi encia do dia-a-dia, mas também em verificacóes levadas a cabo pela ciencia: «A pesquisa científica, psicológica e filosófica...
reconhece
no
homem um setor capaz de perceber as relacOes especiáis que ligam o homem, passiva ou ativamente, a urna realidade última... Esta disposlcáo religiosa nao constituí algo de secundario ou marginal no homem, mas insere-se ñas profundezas de sua vida e mesmo a domina toda Intelra. Em outras palavras: o homem acha-se intrínsecamente aberto e orientado para o sobrenatural, e tudo que o cerca atesta-lhe urna realidade transcendente... Esta natureza religiosa, deu-a Deus ao ho mem desde o momento da criaeáo a fim de que O procurasse e destar-
te alcangasse a sua finalidade e salvagao» (Secretariado da Santa Sé para o Diálogo com os Nao-Crentes, «Para o encontró das ReligiSes»,
junho 1967). '
Nossos dias, portanto, nao háo de ser menos do que os tempos passados os dias em que o homem será auténticamente
homem, encontrando-se com o seu Alfa e Omega. O que im porta, é saber como falar ao homem de hoje — jovem ou adulto —, de modo a ajudá-lo a chegar ao termo ao qual, consciente ou inconscientemente, todos aspiram.
«SENHOR, FAZE QUE EU VEJA!» (Le 18, 41). E B
— 418 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Ano XI — N" 130 — OuHíbro de 1970
I.
1)
VERDADE, ONDE ESTAS ?
«A teoría da relatividadc de Einstein quer dizer que
nao há verdade absoluta?
Nossos conceitos sao relativos. Seria esta a última exprés-
sao das ciencias físicas?» Em abítese:
A teoría da relatividade de Einstein faz-nos tomar
consciéncla de que a nossa manelra de apreender a sucessao e a
duracao dos íatos depende de circunstancias varias: velocidade do meló transmissor (luz, som,...), distancia entre o observador e o aconteclmento... Por isto, quando dois acontecimentos nos parecem
ser simultáneos, éles nem sempre o sao na realidade ; quando lhes atribuimos tal duracáo, outro observador talvez lhes atrlbua duracao
diversa. Todavía nesses casos trata-se apenas de relativismo no nosso modo de apreender; veriíicando-o, Einstein de modo nenhum preten día negar a realidade objetiva dos acontecimentos; a sua teoria flca
no setor da matemática, sem envolver a nocao de verdade objetiva, que é própria da filosofía. De resto, as deficiencias do nosso modo de apreender a realidade do tempo e da duracáo podem ser corrigidas; as ciencias ditas «exatas» tém progredido notoriamente neste sentido, de modo a nos libertar de falsas percepcoes.
Resposta: Albert Einstein (1879-1955) é o grande físico e matemático que formulou a teoria da relatividade; proporcio-
nou notável incremento as ciencias naturais, mas, ao mesmo
tempo, deixou abertas algumas questóes filosóficas. A relati
vidade parece solapar a nogáo de verdade, pois esta é sempre
concebida como algo de absoluto (segundo o modo comum de
pensar, dois e dois sao quatro, em qualquer parte do mundo
e em qualquer fase da historia). Pergunta-se, pois: qual o alcance da teoria da relatividade de Einstein? Que conseqüéncias filosóficas tem ela? A respeito de Einstein e suas concepcoes religiosas, já fol publi
cado um artigo em «P.R.» 26/1960, pp. 47-51.
— 419 —
4
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 1
1.
A relatividode segundo Einstein
Os estudos de Einstein nao versavam sobre a verdade como tal, no sentido filosófico; mas tinham em vista certas
nogóes físicas como as de movimento, massa, simultaneidade, tempo, duragáo...
Vejamos, pois, algumas das proposigóes de Einstein que suscitam questóes filosóficas. 1.1.
Tempo e simultaneidade
Os homens, em seu bom senso, estáo convictos de que podem saber quando determinado acontecimento se dá e por quanto tempo ele dura. Por isto enunciam datas precisas, em
que ano, mes, dia, hora, minutos, segundos sao exatamente
indicados. Segundo o senso comum, as indicagóes cronológicas
(a datagáo) e cronométricas (referentes á contagem do tempo)
tém valor objetivo, idéntico para todos os homens.
Ora as idéias de Einstein parecem por em xeque o signi ficado absoluto e universal de nossos enunciados cronológicos e cronométricos.
Eis como se desenvolve o pensamento do famoso físico: Os fatos que situamos no tempo, ocorrem a certa distan cia de nos, ... distancia que pode ser exigua (como no caso da máezinha que contempla seu filhinho a dormir), como também pode ser vultosa (como no caso de quem contempla as
estrélas separadas de nos por muitos anos-luz '). Para veri
ficar quando ocorrem os fatos, quer próximos, quer distantes
de nos, valemo-nos de certos meios de transmissáo e, muito
especialmente, da luz. É a luz que nos transmite as imagens
dos acontedmentos; dizemos que um gol nurna partida de futebol ocorre quando nos chega a respectiva imagem veiculada pela luz, como dizemos que uma banda de música está tocando quando e na medida em que nos chega o respectivo som.
A luz é considerada o meio transmissor mais veloz; atribui-se-lhe a velocidade uniforme de 300.000 km por segundo; essa uniformidade de transmissáo é chamada isotropia da luz. Hlra minuto-luz equivale a 60x300.000 km, ou seja, 18.000.000 km. A hora-luz, por conseguinte, representa 1.080000.000 km. Um dia-luz vem a ser 25.920.000.000 km. O ano-luz é essa distancia multiplicada por 365.
— 420 —
RELATIVIDADE SEGUNDO EINSTEIN
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— 421 —
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'PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. J
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Ora é evidente que a luz (ou o som ou qualquer meio transmissor que nos permita julgar o «quando» dos aconteci mentos) nos chega de maneiras diversas, influenciadas por de
terminadas circunstancias, a saber:
— estado de repouso ou de movimento do observador. Imagine-se, por exemplo, urna linha ferroviaria em que um ponto P esteja a igual distancia dos pontos A e B. Se A e B emitem sinais luminosos e um observador parado em P os percebe ao mesmo tempo, diz, sem hesitar, que os sinais sao simultáneos. — Se, porém, no momento em que A e B emitem seus sinais luminosos, passa por P um trem que se dirige de A para B, um observador, colocado dentro do trem, dirá que os dois sinais nao sao simultáneos, mas o de B é anterior ao de A. Ésse observador dirige-se ao encontró da luz vinda de B e afasta-se da luz proveniente de A; por conseguinte, verá a primeira antes da segunda e, para ele, o raio B terá prece dido o raio A; isto significa que os dois raios, simultáneos em relagáo ao ponto fíxo P, nao seráo mais simultáneos em relagáo ao trem, e vice-versa. Se, ao contrario, o trem se dirigisse de B para A, o observador, viajando na segunda metade do trajeto, diria que o sinal de A é anterior ao de B. Veja-se a propósito a figura da p. 5 14211. Leve-se em conta tambcm o — estado de rcpouso ou movimcnto do corpo cm que o.corro o fato. Se, além do observador, também o corpo emissor da imagem está em movimento, é claro que a observagáo de si-
multaneidade se torna ainda mais complexa e relativa.
Em conseqüéncia, Einstein pos em evidencia que a simul-
taneidade ou nao dos acontecimentos depende da distancia que nos separa dos pontos onde ocorrem. A simultaneidade assim deixa de ser algo de absoluto; ela é essencialmente relativa as circunstancias em que se processa a observagáo. 1.2.
Cronometría
Também a nossa maneira de medir a duragáo dos aconte cimentos ou o «quanto duram» é algo de relativo, segundo as reflexóes de Einstein. Com efeito. Suponha-se um observador que, na térra, acom-
panhe ou percorra os acontecimentos ocorridos do ano de 1800 ao de 1900. Ésses acontecimentos, para ele, duram naturalmente cem anos.
— 422 —
RELATIVIDADE SEGUNDO ETNSTEIN
Admita-se, porém, outro observador colocado numa estréla que diste cem minutos-luz da térra l. Ésse observador, a partir do inicio de 1» de Janeiro de 1900, se move em diregáo á térra
com a velocidade da luz (percorrendo, pois, 300.000 km por
segundo). Durante o percurso, ele vai recebendo os sinais lu minosos provenientes da térra. Em conseqüéncia, no decorrer dos cem minutos de viagem ele vé a coroagáo de Napoleáo Imperador em Paris (1804), a construgáo da primeira loco motiva (1814), a proclamacáo da independencia do Brasil (1822), a publicacáo do Manifestó de Karl Marx (1848), a queda de Roma (1870), o advento da República no Brasil (1889) e finalmente, a 100 minutos de viagem, a abertura do
novo sáculo em 1900. Para ésse observador, todos os acontecimentos do sáculo XIX (de 1800 a 1900) duram apenas 100
minutos ou 1 hora e 40 minutos (de 0 hora do dia 1* de Ja neiro de 1900 a 1 hora e 40 minutos do mesmo dia), ao passo que, para o observador colocado na térra, as mesmas realidades duram 100 anos.
O caso assim apresentado é utópico. Todavía ele desperta
a atencáo para a seguinte questáo: nao poderla haver situacóes análogas na realidade terrestre, em que a medicjio da duracáo
oscilaría segundo as circunstancias em que se achassem os di
versos operadores? 1.3.
Movimento
Dizíamos sob o n* 1 («Tempo e simultaneidades) que a nossa maneira de apreender o «quando» é relativa; está em
dependencia do estado de movimento ou de repouso em que se ache o observador ou em que se encontré o corpo observado.
Pois bem. A própria verificagáo do movimento é também
algo de relativo. De fato. Suponha-se alguém que se póe em
viagem dentro de um carro; está persuadido de que parte de um estado de repouso para um estado de movimento. Esta persuasáo, porém, só é válida se o viajante confronta entre si o seu veiculo e a estrada que ele percorre. Se, porém, ele levar em conta o fato de que se acha sobre o globo terrestre, o qual, por sua vez, também está em movimento, verificará que taivez, ao iniciar a sua viagem, ele terá entrado em repouso (sim..., se a diregáo do seu deslocamento é contraria á da rotagáo da térra). 1Cómo dito, a luz percorre 300.000 km por segundo; o minuto-luz,
portanto. equivale a 60x300.000 km, ou seja, 18.000.000 km.
— 423 —
8
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 130/1970, qu. 1
Da mesma forma, um pedestre que se coloque num tapete rolante e comece ai a andar em sentido oposto ao do tapete...
Ele talvez julgue estar-se deslocando, quando, na verdade, es
tará imóvel.
Vé-se, pois, que a própria verificagáo de movimento é re lativa..., relativa, sim, ao sistema de coordenadas ao qual referimos o corpo observado. Quando estamos sentados em urna sala, julgamo-nos imóveis; de fato, estamos imóveis em relacáo as paredes da sala e aos objetos que nela se encontram; nao estamos, porém, imóveis se tomamos consciéncia de que o globo terrestre (no qual nos situamos imóveis) gira
em torno de si mesmo (ou do seu eixo imaginario) a velocidade de 1.674 km por hora, na linha do equador. Ésse mesmo globo nos leva consigo na sua órbita em torno do sol oom urna velocidade 60 vézes, aproximadamente, mais rápida.
Tém-se ai alguns fatos que, inegávelmente, nos fazem ver a relatiyidade de nossas medidas de tempo e de nosso conceito de movimento. Einstein estendeu o seu campo de observagóes, e formulou teorías sobre massa, espago curvo, espago-tempo... Todavía os dados até aqui apresentados já sao suficientes para sugerir-nos um problema filosófico de importancia capital: entáo nao se pode mais falar de verdade em sentido próprio? A
realidade nao é algo de objetivo, universal, mas, sim, um valor
subjetivo e relativo?
É o que examinaremos sob o título abaixo. 2.
Relatividode : em que sentido ?
Urna breve distingáo pode elucidar o problema: a relati-
vidade apregoada por Einstein diz respeito as medidas efetuaáas pelo homem; ela nao se refere aos objetos mesmos que o homem mede um avalia.
Expliquemo-nos melhor: 1) Considerados em si mesmos, todo ser móvel e todo acontecimiento tém urna posigáo própria, objetiva e bem defi nida na sucessáo das coisas. Por conseguinte, todo ser móvel e todo acontecimento podem ser simultáneos, anteriores ou posteriores a outros entes movéis e a outros acontecimientos.
Mais: todo acontecimento tem sua duragáo determinada e objetiva.
E por que se afirma isto? — 424 —
RELATIVIDADE SEGUNDO EINSTEIN
Porque a objetividade da sucessáo das coisas (objetividade do «quando») e a objetividade da duragáo dos acontecimentos decorrenr da objetividade real do movimento. A menos que queiramos cair nos sofismas de Zenáo de Eléia (séc. V a.C),
devemos dizer que o movimento implica urna sucessáo objetiva,
de caráter determinado, absolutamente irreversível e irrepetível; implica também urna objetiva extensáo continua. Assim,
por exemplo, podemos afirmar que o movimento de revolugáo da térra em torno do sol que corresponde ao ano de 1070, é, de maneira objetiva e absoluta, anterior a revolugáo terrestre de 1970. Conseqüentemente, urna guerra realizada em 1070 é, objetiva e absolutamente, anterior a outra guerra ocorrente
em 1970.
Também deve-se afirmar que o movimento de translagáo da térra (em torno do sol) é mais longo do que o movimento de rotagáo (em torno do próprio eixo). Por conseguinte, a vida de urna crianga que seja táo longa quanto urna rotagáo (24 horas), dura objetivamente menos do que a vida de outra crianga que se prolongue por toda urna translagáo (365 dias). Em outras palavras: urna crianga que vive um dia, vive menos (365 vézes menos) do que outra que vive um ano.
2)
A teoria da relatividade de Einstein nao afeta estas
proposigóes, ... proposigóes que tém valor filosófico e que sao fundamentadas sobre válido raciocinio. A teoria da relativi dade diz respeito ao nosso modo de apreender e exprimir as realidades objetivas; levando em conta que, para as apreen der, nos dependemos de meios de transmissáo, podemos dizer, com Einstein, que nossas percepgóes tém valor relativo, condi cionado pelas circunstancias em que apreendemos os objetos. Em outros termos:
Embora a sucessáo das coisas e a duragáo dos aconteci mentos sejam realidades objetivas e absolutas, nos nao estamos sempre em condigóes de conhecer essa sucessáo e essa duragáo objetivas, isto é, nao podemos afirmar que a sucessáo e a du ragáo segundo as quais conhecemos as coisas e os aconteci mentos corresponden! á sucessáo e á duragáo que as coisas e os acontecimentos tém na realidade. O que é relativo, nao é a simultaneidade (ou nao simultaneidade) nem a duragáo de um acontecimento, mas, sim, a nossa maneira de perceber e avaliar simultaneidade e duragáo.
3) Deve-se, porém, acrescentar que a relatividade no nosso modo de conhecer pode ser, em muitos casos, corrigida. Para corrigi-la, será preciso levar em conta — 425 —
10
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 1
— a distancia entre o observador e o acontecimento; — a circunstancia de ser sempre igual essa .distancia ou de aumentar e diminuir; — neste último caso, a velocidade do aumento ou da diminuigáo da distancia.
Quem conhece estes dados, faz os descontos ou acréscimos necessários para passar de urna avaliagáo relativa (subjetiva) a urna avaliagáo objetiva. Por exemplo,
Caso explodam bombas a alguns quilómetros de um obser vador parado, éste poderá dizer exatamente quando se deu a explosáo, desde que conhega a distancia da explosáo e a velo cidade da transmissáo. A simultaneidade aparente deixará de ser simultaneidade, pois o observador descontará o lapso de tempo necessário para que o ruido chegasse das bombas aos seus ouvidos.
Voltemos ao caso ficticia do observador situado numa es tréla a 100 minutos-luz da térra, ... observador que a 0 hora de 1' de Janeiro de 1900 comegou a viajar da sua estréla para o nosso planeta, com a velocidade da luz. Se ésse observador souber e puder calcular a dist&ncia inicial que o separa da térra, e a velocidade com que se move na direcáo déla, con cluirá que os acontecimentos observados se sucederam objeti vamente entre os anos de 1800 e 1900, e nao entre a hora 0 de 1* de Janeiro de 1900 e 1 hora e 40 minutos do mesmo dia, e duraram 100 anos em vez de 100 minutos.
Na prática, principalmente ém se tratando de grandes dis tancias, póem-se dúvidas sobre a possibilidade de se fazerem
os cálculos de descontó ou acréscimo necessários para chégar a
objetívidade. As dificuldades, porém, váo sendo progressivamente superadas. Com efeito,
a)
mesmo as distancias astronómicas sao calculadas
com exatidáo crescente; b) normalmente pode-se saber se um observador está parado ou em movimento;
c) pode-se calcular a velocidade do meio transmissor (luz, som...) bem como a velocidade com que o observador se aproxima ou se afasta do lugar onde ocorre o fato.
Na realidade cotidiana, as diferengas entre as nossas nocóes de tempo e duracáo e a realidade objetiva sao mínimas — 426 —
RELATIVIDADE SEGUNDO EfNSTEIN
11
e, por isto, desprezíveis. Sendo assim, ninguém duvida de que o Imperador D. Pedro n foi posterior ao rei D. Joáo VI; todos estáo certos de que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi mais longa do que a primeira (1914-1918). 4)
Para salientar que a teoría de Einstein- nao pretende
levar ao relativismo filosófico e ao ceticismo, pode-se observar que ela supóe dois dados absolutos, nao relativos: a isotropia da luz (a igualdade constante da velocidade da luz) e a inercia dos corpos (cujas leis podem ser assim formuladas: «um corpo
em repouso nao entra por si em movimento; um corpo em
movimento nao para por si, mas continua a se mover em movi mento retilíneo e com a mesma velocidade»).
Impóe-se ainda a consideragáo de duas questóes comple
mentares:
3.
A quarta dímensao
Já que o lapso de tempo dentro do qual um fenómeno nos é transmitido, influi muito sobre a nossa maneira de avallar
o espago e o movimento, Einstein tinha o tempo na conta de «quarta dimensáo». Esta linguagem tem valor nos setores da física e da matemática. Todavia ela nada significa no campo da filosofía, onde se consideram as realidades em si, em seu valor ontológico intrínseco. A sa razáo so admite tres dimensóes: comprimento, largura e profundidade. Com efeito, nao pode haver outras dimensóes além daque-
las que se podem tragar a partir de um ponto numa diregáo
qualquer. Ora essas dimensóes todas, por mais variadas que sejam, reduzem-se ao comprimento, k largura e a profundidade. Assim adotamos a geometría eucüdiana, cujo postulado básico reza: «Por um ponto existente fora de uma reta, pode-se fazer passar sempre uma paralela a essa reta, e nao mais do que uma» ou ainda: «O espago é uma grandeza de tres dimensóes». Houve, sem dúvida, tentativas de construir geo metrías náo-euclidianas: assim, em 1829 o matemático russo Lebatchevsyk aventou a hipótese: «Por um só ponto podem-se tragar murtas paralelas a uma reta dada», e sobre ela construiu toda uma geometría, diversa da de Euclides e coerente consigo mesma. Em 1S54, Riemann construiu outro sistema
geométrico, também muito coerente, sobre o postulado: «Por
um ponto existente fora de uma linha nao se pode tragar para lela alguma a essa linha». Ora, se, na verdade, as geometrías
— 427 —
12
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970. qu. 1
náo-euclidianas sao coerentes e lógicas, a partir de seus postu lados iniciáis, iáto nao quer dizer que tais postulados sejam verídicos e válidos; sao meras hipóteses que lidam com objetos ideáis (construidos pela mente apenas), e nao reais. De resto, as fórmulas náo-euclidianas podem ser traduzidas por fórmulas euclidianas correspondentes; toda tentativa de representar um espago náo-euclidiano se faz, necessariamente, dentro do espago
euclidiano.
4.
Movimento é algo de determinado?
1. Já Galileu (t 1642) observou que num sistema (ou conjunto) de corpos, como é, por exemplo, um navio, todos os fenómenos mecánicos se processam do mesmo modo, quer o
sistema esteja em repouso, quer esteja em movimento retilineo uniforme. Quem está dentro de um navio que se move regu larmente, pode perguntar a si mesmo se o navio está parado ou em movimento. Semelhante será a dúvida de quem viaja
de trem, com velocidade retdlínea e uniforme. Mais: quando
um trem se póe em movimento, podem os passageiros indagar
se é realmente o trem que se está deslocando ou se sao os homens existentes na estagáo ferroviaria que, parados como
estavam, se váo deslocando.
Einstein generalizou estas observacóes, estendendo-as a qualquer movimento, até mesmo aos fenómenos eletromagnéticos. Pensemos, diña ele, no nosso sistema solar, cuja posicjio muda em relagáo a urna estréja ou a outro sistema solar. Nos,
que estamos sobre a térra, nao temos meios para definir se é o nosso sistema solar que se desloca em relagáo á estréla ou vice-versa.
Certos autores, aplicando tais idéias ao campo da filosofía, afirmam que o movimento local nao é algo de determinado»; nao é algo que afete o corpo que dizemos estar em movimento. O movimento local seria apenas mudanga reciproca de posigáo; por isto seria indiferente, e igualmente verídico, afirmar que
se move o corpo A em relagáo ao corpo B ou que se move o corpo B em relagáo ao corpo A.
2.
Que dizer a respeito?
Algumas observagóes vém a propósito:
a) Há, sim, urna diferenga real, ontológica, entre um corpo em movimento e um corpo em repouso, embora nao se — 428 —
RELATIVIDADE SEGUNDO EINSTEIN
13
possa sempre dizer com facilidade qual dos dois se está deslo cando. E isto, por dois principáis motivos:
Em primeiro lugar: no corpo que se move, há urna enerva ou um impeto, que nao existe no outro. Quando aumenta a distancia entre um pássaro e urna árvore, há no pássaro urna fórca locomotriz própria que nao existe na árvore. Quando urna bala de revólver zuñe ao longo de urna fila de ciprestes, há na bala o ímpeto que falta nos ciprestes.
Em segundo lugar: o corpo em movimento muda de posi-
cáo em relacáo a todos os outros; dai resulta que todos os
outros, reciprocamente, mudam de posicáo em relacáo a ele; mas ésses outros, nem por isso, mudam de posicáo entre si. O trem que viaja, muda de posicáo em relacáo a todas as árvores, casas e postes que ele percorre, mas todas estas coisas conservam entre si as mesmas posicóes anteriores.
Por conseguinte, em virtude de urna dupla realidade ontológica se pode sustentar a diferenca objetiva entre o corpo que se move e o corpo em repouso.
2) Esta proposigáo continuaría a ser verídica ainda que jamáis pudéssemos determinar com certeza qual o corpo em movimento. Sim; urna é a questáo da existencia ou nao de diferenca entre corpo em movimento e corpo em repouso; outra é a questáo subjetiva de sabermos se podemos determinar qual
o corpo em movimento e qual o corpo em repouso. Só a primeira questáo interessa á filosofía; a outra é do dominio das ciencias experimentáis. Alias, todos os homens estáo convictos de que, na maioria dos casos, podemos determinar com certeza qual o corpo» que se move; assim ninguém diría que é a árvore que se move em relacáo ao pássaro ou que sao os postes (e nao o trem) que viajam do Rio de Janeiro a Sao Paulo. Quanto aos sistemas solares, mais e mais os astrónomos penetram em seu relacionamento mutuo. Certo, porém, é que
nao há tempo nem espago absolutos. Na verdade, o espago é a relacáo existente entre corpos; anteriormente aos corpos, nao há espaco; éste é definido ou delimitado por corpos. Igualmente nao há tempo anteriormente a corpos que se achem em movi mento; o tempo é a medida do movimento dos corpos.
A propósito vejatn-se F. Carosi, «Curso de Filosofía», vol. III. Sao Paulo 1963. Obra que inspirou grandemente as consideracSes déste artigo. R. Jolivet, «Tratado de Filosofía», vol. I: «Lógica e Cosmología». Rio de Janeiro 1969.
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 2
O. Vitela, «Iniclaciío Filosófica». Sao Paulo 1964. Jean-Marie Aubert, «Philosophie de la Natura». París 1965. M. Vigano, «Relativitá», em «Enciclopedia Filosófica» t. IV. Venezia-Roma 1957, colunas 11-22. J. Gredt, «Elementa philosophiae aristotelico-thomisticae>, vol. I, Freiburg i./Br. 1937, pp. 274s. J. M. Bochenski, «Diretrizes do Pensamento Filosófico». Sao Paulo 1961.
II.
A PALAVRA DO DÍA
2) «Hoje em día, qnando milito se fala de mito, pergunta-so: que é propriamente um mito? E que vntór tem?» Em sfntese:
O mito é urna estória que pretende explicar a ori-
gem do mundo, do homem e de certas instituic5es da vida humana (trabalho, casamento, educacSo dos filhos...). Era multas vézes asso-
ciada a ritos; celebrando estes ritos, o homem antlgo julgava prolon gar em sua existencia a estória comemorada pelo mito respectivo.
O racionalismo e outras correntes de pensamento menosprezaram
o mito como sendo algo de infantil e irrisorio, indigno do homem moderno. Eis, porém, que as mais recentes pesquisas tendem a valo rizar o -mito; embora os estudiosos reconhecam como lendárlas as estórias ai narradas, estimam que essas estórias sao a roupagem que exprime intuieOes profundas e congénitas de todo homem; é Impos-
slvel, dizem, evitar os mitos; apenas o que se nota, é que éles se inspiram hoje de acontecimentos e dados culturáis de nossos dias, em vez de supor a cultura antiga. Esta posicáo mais recente é preferlvel & anterior.
A Biblia rejeita claramente a mentalidade politeísta ou paga su-
posta pelos mitos antigos; desde o inicio, ela desmiüza, no sentido de que corrige a falsa teologia. Isto nao impede que tenha suas imagens, use vocábulos que pertenciam ao tesouro da linguagem mito lógica e aprésente géneros literarios diversos (nem todas as narrati
vas aparentemente históricas da Biblia devem ser tomadas ao pé da
letra). Todavía jamáis a mentaltdade dos mitos é assumida pelos autores bíblicos.
Resposta:
A palavra «mito» é muito atual, mas nem sem-
pre igualmente entendida pelos estudiosos. Daí a necessidade de se anaUsarem a etimología do vocábulo, os elementos consti tutivos do mito e a valorizacáo que se lhe possa dar.
A respeito já foi publicado um artigo em «P.R.» 84/1964,
pp. 544-546. Ñas páginas que se seguem, procuraremos dar mais ampio enfoque á questáo, citando inclusive opinióes di versas a respeito do mito.
— 430 —
QUE É MITO?
1.
15
Mito: que é?
1. Nao se pode afirmar com precisáo qual a raiz donde se origina o vocábulo grego mythos: myo, myéo, mydh-? Como quer que seja, ele significa originariamente «idéia, pen-
samento»; posteriormente, «palavra, encargo, noticia», e final mente «narrativa» ou de fatos reais (historia) ou de ficcóes (estória, tenida, fábula...).
No sentido de estória, que se tornou o mais comum desde a antiguidade grega, o mito geralmente supóe dois elementos: 1) existe um mundo superior, habitado por deuses e semideuses, os quais vivem suas aventuras; 2) ésses deuses aparecem agindo e sofrendo nos quadros do espago e do tempo em que vivem os homens; sao descritos em seu relacionamento com o céu, a térra e a regiáo infraterrestre. Associam-se assim intimamente o mundo dos deuses, o dos semideuses e o dos homens. O mito é sempre colocado na origem dos tempos, ou seja, em épocas imemoráveis, fora da nossa historia. Pretende fornecer a explicagáo dos fenómenos mais importantes da historia e da vida do homem, reduzindo-os ao seu principio (arché) e as suas causas (aitíai, em grego).
Em outras palavras: o mito pretende contar como, gracas á intervenga© de seres divinos, determinada realidade veio a existir, seja a realidade total (o Cosmos), seja apenas urna
parte déla: urna ilha, urna especie vegetal, o trabalho, um comportamento humano (a alimentagáo, o vestir-se, a arte, a morte...), urna instituigáo (a autoridade, a chefia, o casa mento, a guerra, a educagáo...). Por conseguinte, o mito é geralmente a historia de urna «criagáo»; refere como tal ou
tal entidade foi produzida ou comegou a existir. Assim os mitos comunicam sempre urna >visáo sacral ou «sobrenatural» do homem e das realidades, grandes e pequeñas, que cercam o
homem > é a irrupcáo do sagrado que funda o mundo e o torna o que ele é hoje. Mais: é gragas á intervengáo de seres «sobrenaturais» que, conforme os mitos, o homem é o que ele é hoje: um ser mortal, sexuado e cultural.
2.
Muitas vézes os mitos, no decorrer dos témpos, foram
assodados a ritos, que pretendiam atualizar a estória mítica; participando désses ritos, os homens tencionavam reforgar o caráter sagrado das suas experiencias e das principáis fases
de sua vida. As estórias dos mitos sao o modelo da atividade — 431 —
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tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 2
humana; ésse modelo, os homcns o apropriam a si mediante
os ritos adequados. Assim, por exemplo, nao poucos povos contam que nos inicios da historia houve um combate entre os poderes do mal e a Fórga Criadora; esta venceu, e a sua vitória (dizem) é atualizada pelos ritos do novo ano. O comportamento humano, sacralizado pelos ritos, será a continuacáo dessa Vitoria inicial. Outras celebragóes de culto mítico pretendem fazer que o homem viva antecipadamente os acontecimentos do fim dos
lempos ou da restauragáo de todas as coisas a ordem inicial.
3. Os mitos antigos podem ser distribuidos em diversas categorías. Com efeito, existem: 1) mitos cosmogónicos, que referem a origem do mundo; esta supóe geralmente luta entre os deuses ou emanagáo de substancia a partir de urna Entidade celeste, de modo que o
mundo visível fíca Intimamente relacionado com o invisivel;
2) mitos antropogónicos, que tentam referir a origem do homem; 3) mitos sobre o estado inicial da humanidade; descrevem as condigóes de vida dos primeiros homens, seus enigmas, sofrimentos, culpa, morte... Geralmente supóem urna idade de ouro primordial, perturbada por desvio e queda moráis do homem (narrados pelos mitos de transformacSo); 4)
mitos de salvacáo, que introduzem um Novo Homem,
portador de restauracáo;
5) mitos escatológicos, que descrevem a renovagáo final do mundo e do homem após grande catástrofe cósmica. Geral mente afirmam que o fim já ocorreu no passado: um cata clismo de proporgóes cósmicas (terremoto, incendio, desabamento de montanhas, epidemias...) destruiu o mundo e a humanidade, de sorte que esta recomecou a partir de um casal ou de poucos sobreviventes. A historia presente acabará com novo cataclismo, do qual procederá nova humanidade. Daí falar-se do «mito do eterno retorno».
4.
Tem-se dito que o mito é a linguagem dos povos mais
rudimentares da historia. Esta afirmagáo merece reservas; os
mitos supóem certo desenvolvimento da cultura. Os povos pri mitivos, animistas como eram, atribuiam alma (animus) a tudo, admitindo em cada fenómeno natural a presenga atuante de um espirito divino. Tal atitude fílosófico-religiosa nao é pro
picia ao mito. Éste supóe a distingáo entre o «santo» e o «pro-
— 432 —
QUE É MITO?
17
fano», entre o «transcendente» e o «imánente», entre o «divino» e o «humano».
Passemos agora a importante questáo:
2.
Mito : quanto vale ?
Pouoos conceitos e poucas realidades tém sido sujeitos a táo diversas interpretagóes quanto o conceito e a realidade de mito. Percorramos as principáis sentengas concernentes ao assunto.
2.1.
Correnfes avéssas
Principalmente no século passado e no inicio do atual, o mito sofreu acerbas criticas, ctrjos principáis arautos foram W. Wundt (1832-1920) e P. Ehrenreich (1855-1914). O racio nalismo, inspirado pela «Aufklarung» (iluminismo) alema, cónsiderou o mito como produto da imaginagáo, correspondente a urna fase infantil e pré-cientifica do espirito humano. Se
gundo esta conceituacáo, o mito traduz simplóriamente os re-
ceios e as aspiragóes da sensibilidade; é propriamente a expressáo da ignorancia das verdadeiras causas dos fenómenos
atinentes ao homem e á sua historia. Dependente da imaginaQño irracional, o mito vai perdendo terreno á medida que as ciencias e a cultura progridem.
As ciencias exatas de nossos días, descobrindo os porqués dos fenómenos e as suas leis, tornam os mitos supérfluos, ultrapassados e irrisorios. Também as ciencias históricas, a sociologia e a psicología, fornecendo esclarecimentos sobre os moti vos, a origem e os condicionamentos da conduta humana, levam a desprezar os mitos.
Por sua vez, a antropología filosófica dos nossos tempos tende a desmitizar cada vez mais a figura do homem: éste nao é o teatro da agáo de fórgas cegas divinas ou sóbre-humanas, mas um ser responsável, que tende a se tornar mais e mais senhor de suas capacidades, de seu destino e autor da historia da humanidade.
L. Lévy-Bruhl
(1857-1937) opóe ao homem moderno o
primitivo, o qual terá sido pré-lógico e, por isto, autor de mitos irracronais.
Alias, faz-se mister observar, já a filosofía grega repudiou os mitos, interpretando-os alegóricamente, de modo a passar — 433 —
18
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 2
do myflios (fábula) para o lógos (a razáo e o estudo racional). Xenófanes (565-470) foi o primeiro pensador grego que tenha criticado e rejeitado as expressóes mitológicas utilizadas por Hornero e Hesíodo; posteriormente o mito foi sendo despojado
de todo valor religioso e metafísico, designando «tudo o que realmente nao possa existir». Foi com éste sentido pejorativo que a palavra mito, passou para a tradigáo judeo-cristá.
Em conclusáo, eis como, segundo o historiador W. Nestle,
se resume a atitude avéssa aos mitos em nossos tempos:
«Mytbos e Lógos, é assim que designamos os dois polos entre os quais oscila a vida do espirito humano. Representagáo mítica e pensamento lógico se opóem. Aquela é imaginativa, e, involuntariamente, cria e produz a partir do inconsciente. Éste (o pensamento lógico) é dado aos conceitos; distingue e une intencional e conscientemente. No principio da historia, as
representagóes míticas eram a única forma pela qual o homem
tentava tornar inteligivel o seu universo exterior e interior... Assim como a superficie da térra estava originariamente re-
coberta de agua, a qual se retirou aos poucos e deixou emergir ilhas e continentes, assim o universo que cercava o homem primitivo estava recoberto por urna carnada de representagóes primitivas, que foi cedendo devagar, de modo a deixar que o pensamento racional iluminasse territorios sempre mais vas tos» («Mythos und Logos». Stuttgart8 1942).
A tese segundo a qual os mitos sao desprezíveis e irrisorios, tem sido revista nos últimos decenios, de modo a se porem em
foco modalidades da mitología que outrora eram menos consi deradas. É o que se observará a seguir. 2.2.
Novas perspectivas
Algumas correntes de estudiosos tém considerado o menosprézo dos mitos como expressáo de preconceitos racionalistas,
positivistas e superficiais; por isto procuram ilustrar o que
possa haver de válido nos mitos, ou seja, o sentido profundo e duradouro dos mesmos.
1.
A escola romántica, em virtude da sua orientagáo
pouco intelectualista, estava evidentemente propensa a reco-
nhecer no mito um conteúdo inacessivel a razáo, mas válido e capaz de ser apreciado. Já no inicio do século XIX J. von
Gorres (1776-1848). G. F. Creuzer (1771-1858) e depois J. J. Bachofen (1815-1887) interessaram-se pela questáo. — 434 —
QUE É MITO ?
19
Os autores dessa corrente nao negam que as estórias nar radas pelos mitos sao leridanas e mesmo irrisorias, desde que consideradas em si mesmas. Mas julgam que essas estórias sao mera roupagem, nao devendo ser consideradas em si apenas;
elas visam a exprimir verdades ou teses filosófico-religiosas. Com outras palavras: o mito seria a expressáo das mais espon táneas intuigóes e experiencias do género humano; essa ex pressáo (dizem) se relacionaría de maneira auténtica e irrecusável com a verdade e transmitiría genuína percepcáo da realidade. Todavia tal modo de exprimir fica impenetrável ao pensamento empirista e positivista, como também ao raciona lismo. O mito tentaría assim propor o sentido intimo das coisas visíveis e a dimensáo mais profunda do cosmos e da historia. A superacáo dos mitos e do modo de pensar a éles vinculado
nao significaría progresso, mas, antes, detrimento no nosso
modo de apreender a verdade. Por isto nao se pode pensar em depreciar os mitos; o que se deve fazer, é interpretá-los. Ado tando tal modo de ver, afirma o filósofo existencialista Karl Jaspers: «O pensamento mítico nao está ultrapassado, mas nos é inerente em todas as idades. É preciso utilizar o pensamento mítico para nos conscientizarmos, de nova maneira, da rea lidade».
2. É interessante a posicáo do filósofo Leopold Walk (1885-1949); o mito nao supóe fase pré-lógica ou irracional do género humano, mas depende de um processo lógico-racio
nal, o qual, porém, recorre a símbolos, metáforas e alegorías: O mesmo também julga que o mito nao está necessariamente vinculado á religiáo, como atestam as palavras abaixo: «O mito é uma filosofía natural primitiva; em sua origem e em sua essencia, nao é anti-religioso, mas a-religioso1. A idéia de Deus e, com ela, a religiáo tém raizes em terreno di verso do do mito (que é uma concepcáo do mundo> derivada da filosofía natural). Quando alguém designa como mitos as
mais antigás tradicóes da humanidade definidas principalmente
pela idéia do Ser Supremo, negligencia ou desconhece o conceito de mito... É lamentável que ainda em nossos dias a nogáo de mito seja equívoca e nao esteja nítidamente deter minada nem inserida em uma terminologia satisfatória. Es o que se pode dizer sobre as relacóes entre o mito e a religiáo: desde as origens da historia do pensamento humano, ambos tém seu lugar. Embora apresentem origens e tendencias di1 isto é, indiferente á religiáo.
— 435
20
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versas, religiáo e mito se tocam, se compenetram as vézes em uma só massa, onde éles difícilmente se distinguem um do outro; o elemento mítico entáo é geralmente dominante e o religioso
entra em recesso... Segundo a sua origem e a sua esséncia, religiáo e mito sao distintos um do outro, sem que isto com porte a minima oposicáo intrínseca e necessária* («Anthropos» XLI-XLIV. Friburgo 1946-1949, p. 335).
Por conseguirte, na opiniáo de Walk, o mito é algo de lógico-racional, nem religioso nem anti-religioso, mas a-reli
gioso.
3. Os estudiosos da historia e da fenomenología da religiao também sao propensos a estimar positivamente a varie-
gada mensagem que os mitos exprimem. Tenham-se em vista Mircea Eliade, R. Pettazzoni, K. Kérényi, W. F. Otto. Princi palmente M. Eliade, autor rumeno nascido em 1907 e atualmente professor na Universidade de Chicago, insiste no valor perene e indelével das imagens, dos símbolos, dos mitos:
«Hoje em dia vamos compreendendo algo que o sáculo XIX jamáis pode conceber, a saber: o símbolo, o mito, a ima-
gem pertencem á substancia da vida espiritual; os homens podem camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mas nunca os extirparáo. Os mitos se degradam e os símbolos se secularizan!, mas jamáis desaparecem, nem mesmo na mais positivista das civilizagóes, que foi a do século XIX. Os símbolos e os mitos vém de muito longe: fazem parte do ser humano e é impossível
nao os encontrar de novo em qualquer situagáo existencial do homem dentro do cosmos» («Images et Symboles». París 1952, pp. 12-31).
Mircea Eliade observa que «o pensamento simbolista nao é o dominio exclusivo da crianga, do poeta ou do desequili brado: é consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e o pensamento discursivos. O símbolo revela certos aspectos da realidade — os mais profundos — os quais desafiam qual
quer outro meio de conhecer» (ib., p. 13).
O mesmo autor fala de um inconsciente mais poético, mais filosófico, mais místico do que o consciente (ib., p. 15). É portanto na medida em que o mito vem a ser um símbolo ou uma expressáo figurada de intuigóes da mente humana que M. Eliade o estima. Éste autor, de resto, tornou-se benemérito na catalogacáo e classificacáo dos mitos.
4.
Muito singular é o modo como o psicólogo Cari Gustav
Jung (1871-1961) enténde valorizar os mitos. Observando as — 436 —
QUE É MITO?
21
imagens projetadas pelos sonhos como também as figuras e os mitos das religiSes primitivas, das seitas de iniciados, da alqui
mia e mais ainda — os dogmas e símbolos de fé das religióes superiores, inclusive do catolicismo, Cari Jung vé entre ésses elementos grandes semelhangas. Para explicá-las, admite, além do inconsciente pessoal (de que fala Freud), o inconscienet coletivo. Éste é o substrato mais profundo da alma hu mana, no qual se encontram arquetipos ou imagens gerais ou,
ainda, disposigóes inatas que produzem representagóes seme-
lhantes; trata-se de estruturas da «psyché», análogas aos sis
temas dos cristais.
Ésses arquetipos se exprimem nos sonhos, como também ñas tradigóes dos povos primitivos e nos mitos; até mesmo as
proposicóes de fé da religiáa católica sao julgadas por Jung á luz désses arquetipos. A posigáo doutrinárfa de Jung respeita a religiáo, embora ás vézes se mostré relativista e ambiguo
em relagáo a ela. Para ésse autor, o dogma representa um
valor vital, «impugnado pelos imprudentes e loucos, nao, porém,
por aqueles que se preocupam com a alma».
Do ponto de vista cristáo, devem-se fazer observagóes a ésse relativismo de Jung: as proposigóes da fé crista nao sao simplesmente expressóes da alma humana correspondentes a arquetipos inatos, mas sao a verdade objetiva revelada por Deus e colocada ácima de qualquer tipo de subjetivismo ou relativismo. Todavía o que neste contexto interessa, é que Jung valoriza altamente os arquetipos e suas expressóes, a ponto de escrever: «Na verdade, nao se pode eliminar regitimamente o fundamento arquetipal, a menos que se queira pagar o prego
de neurases, como também ninguém pode sem suicidio de-
sembaragar-se do corpo e de seus órgáos» (Jung-Kérényi, «Einführung in das Wesen der Mythologie». Zürich 1951, pp. 114)
No mito o homem se encontra consigo mesmo, diz Jung,
de modo que toda tendencia a destruir ou eliminar os mitos vem a ser depauperamento ou mesmo a destruigáo da alma humana. 2.3.
Condusño
Como se vé, em nossos días a conceituagáo depreciativa ou negativa do mito (o mito seria mera fábula, infantil e irri soria para o homem evoluido) vai cedendo a urna valorizagáo
positiva: embora jamáis se possam tomar como históricas as — 437 —
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narrativas ou estórias dos mitos, muitos estudiosos modernos reconhecem no mito algo de valioso; o mito é tído como eloqüente instrumento de expressáo da psyché humana ou, mais precisamente, de intuicóes e aspiragóes espontáneas em todo homem. Por conseguinte — dizem-nos —, já nao se pode considerar o mito como ridicula aberracáo do espirito humano. Ainda que as fíguras utilizadas pelos narradores de mitos sejam muitas vézes inspiradas pela fantasía e o primitivismo, pode-se ver nelas urna das manifestagóes mais pregnantes do que é a alma humana e dos anelos mais genuinos da mesma.
Em conseqüéncia, pode-se dizer que os mitos tém sua mensagem, nao no plano histórico (pois éles sao vazados em estilo fantasista) mas, sim, no plano filosófico. Sao a filosofía do homem primitivo (filosofía, sem dúvida, suscetível de burilamento e aperfeigoamento). Constituem tentativas de responder aos grandes quesitos concernentes a origem do mundo e do homem, á consecugáo da felicidade e da plenitude da vida; por éles se exprime a sabedoria dos povos. Como se compreende, há diversos graus de valor na literatura mitológica; nem tudo ai merece a mesma atengáo. Note-se igualmente que o conceito de homem pré-lógico
é hoje em dia geralmente rejeitado; verifica-se que o «homo faber» (homem fabricante de instrumentos lascados e primi tivos) já é o homem lógico ou o «homo sapiens» (sabio), pois a confecgáo de instrumentos adequados a determinado fim supóe apreensáo de relacóes e proporcóes, ou seja, um trabalho inteligente. Eis, em síntese, como o exegeta Millar Burrows tenta formular o que seja um mito na concepgáo dos mais recentes estudiosos: «O mito é a expressáo simbólica e aproximativa de urna
verdade que a mente humana nao pode perceber de maneira precisa e completa, mas apenas vislumbrar e, por isto, nao consegue formular em termos adequados e exatos... O mito
implica nao falsidade, mas verdade; nao um mal-entendido pri mitivo e simplório, mas urna intuicáo mais profunda do que as conclusóes que a ciencia e a análise lógica conseguem pro-
duzir. A linguagem do mito... é conscientemente inadequada,
pois é simplesmente urna tentativa de formular algo que vemos obscuramente» (cf. «Dictionary of the Bible», by John Mc-
Kenzie S.J., London 1968, p. 599). — 438 —
QUE É MITO?
3.
23
Existem mitos na Biblia?
A grande questáo que se póe ao leitor da Biblia Sagrada, é a seguinte: tendo sido as Escrituras redigidas nos sáculos anteriores a Cristo e no primeiro sáculo da era crista, ou seja, em épocas de pensamento fácilmente influenciável pelas nume rosas narrativas mitológicas do Oriente, do Egito, da Grecia e de Roma, nao se poderia crer qué a Biblia contém também seus mitos? Nao apresenta ela narrativas aparentemente his tóricas, mas totalmente destituidas de mensagem histórica, de modo a ser meras expressóes da fantasía ou mente primitiva dos seus antigos redatores? A resposta requer urna distincáo: 3.1.
A «teología» dos mitos
A «teología» pressuposta pelos mitos, politeísta, com seus deuses e semideuses a viver aventuras e experiencias, está to talmente ausente das páginas bíblicas. A mentalidade bíblica é estritamente monoteísta, desde as suas primeiras narragóes; também o conceito de historia na Biblia é radicalmente diverso do conceito de historia da mitología. Os autores bíblicos, em mais de urna passagem, manifestam a consciéncia de estar apresentando algo que nao pode ser confundido com mitos. É o que se depreende do uso da palavra mythos ñas Escrituras Sagradas.
No texto grego do Antigo Testamento, o vocábulo mythos ocorre em
Eclo 20,19 (Vg 21): «Como a cauda grossa de ovelha co mida sem sal, assim é urna palavra (mythos) intempestiva». Mythos, no caso, significa palavra, qualificada como intem pestiva e assim colocada em má perspectiva..
Bar 3,23: «Os filhos de Agar conhecem a ciencia humana; os negociantes de Madiá e Rema, que falam em proverbios (mythóloffoi) e buscam a prudencia, nao conheceram o caminho da sabedoria, nao encontraram as suas veredas».
Neste texto,
o
profeta,
falando dos
mitólogos árabes,
observa que nao souberam encontrar a via da sabedoria.
No Nfivo: Testamento, o termo mythoi (forma de plural)
é sempre empregado para designar teorías ou idéias que nada — 439 —
24
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tém a ver com a doutrina crista, mas, ao contrario, constituem obstáculo a esta. Eis o repertorio completo dos textos que vém ao caso:
1 Tim l,3s: «Pedi-te, ó Timoteo, quando partí para a Macedónia, que ficasses em Éfeso para impedir que certas pessoas ensinassem doutrinas estranhas e se interessassem por fábulas (mythois) e genealogías intermináveis, que ocasionam disputas em Jugar de promover a obra de Deus, que se baseia na fé». 1 Tim 4,7: «Rejeita as fábulas (mythous) profanas, os contos extravagantes das velhas, e exercita-te na piedade». 2 Tim 4,3s: «Vira o tempo em que os homens já nao suportaráo a sá doutrina. Desejosos de ouvir novidades, escolheráo para si urna multidáo de mestres, ao sabor das suas paixóes, e háo de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os as fábulas (mythous)». Ti l,13s: «Repreende-os severamente, para que conservem
urna fé sá e nao déem ouvidos as fábulas (mythous) judaicas e a preceitos de homens que se apartam da verdade».
2 Pe 1,16: «Nao foi baseando-nos em fábulas (mythois) engenhosas que vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesús Cristo». Para designar a mensagem crista, a Biblia jamáis usa o vocábulo mythos, mas, sim, lógos, palavra, doutrina.
Assim os pregadores do Evangelho sao tidos como os «servidores da palavra», tou lógou (Le 1,2). O anuncio de Jesús Cristo é «a palavra (lógos) da verdade» (Ef 1,13; Col 1,5), «a palavra da salvacáo» (At 13,26), «a palavra de Deus» (At 4,31; 6,2; 1 Cor 14,36; Apc 1,2), «a palavra do Senhor» (At
12,24; 15,36; 1 Tes 3,1), «palavra da sua graca»
(At 14,3;
20,32), ou simplesmente «a palavra» (At 4,4; 11,19; Gal 6,6; 1 Tes 1,6; 1 Pe 3,1). Segundo Sao Paulo, todo o Antigo Testa mento é giobalmente designado como «ta logia tou Theou, os oráculos de Deus» (Rom 3,2). Note-se também que a Biblia é estritamente «dessacrali-
zante» no sentido de avéssa á concepeño de que existem deuses
e semideuses a reger os processos cósmicos e a vida dos homens («Tudo está cheio de deuses», dizia Tales de Mileto, no séc. VI a.C). Nao obstante, a Biblia apregoa a santificagáo de tudo que o homem faga; para o cristáo, nada há de neutro ou pro fano ou indiferente aos valores sobrenaturais (cf. Col 3,17: «Tudo quanto fizerdes, por palavra ou por obra, fazei-o em nome do Senhor Jesús, dando por Ele grabas a Deus Pai»). — 440 —
/
QUE É MITO? 3.2.
25
Imagens e vocabulario dos mitos
Ñas Escrituras encontram-se inegávelmente imagens que correspondem em certo grau 'áquelas que os mitos apresentam;
acham-se também vocábulos e expressóes que tém seus para
lelos na mitología dos povos pagaos (os exemplos seráo indi cados em próximo artigo de «P.R.»). Já que é inevitável ao homem recorrer a figuras (as quais podem ser chamadas mitos), estas se encontram na Biblia; o conteúdo, porém, ou a mensagem de tais imagens nao se confunde com o da mitologia, como se verá em ulterior artigo de «P.R.». Na Biblia encontram-se também géneros literarios diver
sos: assim os livros de Tobias, Judite e Ester sao considerados como «historia edificante» (núcleo histórico adaptado á edifi-
cacáo dos leitores); o livro de Joñas pode ser tido como urna
grande parábola; os onze primeiros capítulos do Génesis descrevem a historia religiosa da humanidade primitiva, o que é totalmente singular. Cada género literario bíblico transmite a
verdade cto seu modo; está longe, porém, do sabor politeísta dos mitos. Bibliografía :
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J. Schildenberger, «Realtá storica e generi letterari nell'Antico Testamento». Brescia 1965.
— 441 —
26
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 3
III.
CURIOSO INQUÉRITO
3) «Que pensam as esposas dos pastores protestantes a respcito de seu casamento?
Estáo felizes? Descontentes?» Em sintese: Um inquérito realizado por William Douglas, pas tor presbiteriano e professor de Psicología nos E.U.A., aponta di versos tipos de atitudes das esposas de pastor protestante: 1)
Marta, colaboradora em tudo com seu marido;
2)
Maria e Dorcas, mais sobrias;
3)
Jane, alheia aos afazeres do esposo ;
4)
Kate, revoltada contra essas ocupacdes.
Dois sao os principáis problemas que afligem a esposa do pastor: 1) éste exerce funcfies absorventes, que dificultam a convivencia no casamento ; 2) a mulher do pastor tem que levar vida mais austera do que qualquer outra, restringindo suas diversóes, sua vida social, procurando dar o testemunho de caridade, justiga, abnegagáo, etc.
Sao mais felizes as mulheres que se engajam com o marido em atividades missionárias. Tal caso tende a se tornar raro, visto que as jovens esposas de pastor nao se sentem vocacionadas para o pastorado. Sonriente depois de casada é que a mulher de pastor toma exata consciencia do que abragou ; alguns anos (entre dez c quinze) sao necessários em muitos casos para que finalmente se sinta á vontade em sua condicáo de esposa de pastor.
Resposta: O casamento dos padres tem estado muito em voga dentro e fora da Igreja, propondo-se os mais diversos argumentos tanto em favor como em oposigáo ao mesmo. No tocante ao setor afetivo, há quem diga que o padre casado en contraría em sua esposa um fator de tranqüilidade e equilibrio emocionáis; outros, ao invés, prevéem divisáo de afeto e au mento de preocupacóes...
A questáo pode ser, de certo modo, aclarada pela consideracáo do que se dá ñas comunidades protestantes, cujos pas tores sao casados. A experiencia dos ministros evangélicos há de contribuir para se avaliar o que acontecería a um clero católico casado. Ora a propósito pode-se citar um inquérito efetuado nos E.U.A. por William Douglas, pastor presbiteriano e professor de Psicología Religiosa na Universidade de Bostón: a pesquisa tinha em vista averiguar o que pensavam as esposas de pastores a respeito de seu casamento. Mediante tres questionários, cérea de cinco mil senhoras dentre as 160.000 es posas de pastores que vivem nos E.U.A., foram interrogadas — 442 —
ESPOSAS DE PASTORES EM INQUÉRITO
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a propósito da motivagáo, das satisfagóes e decepgóes de seu casamento. O inquérito abrangeu todas as denominagóes pro testantes que contavam mais de 100.000 adeptos. Já que o inquérito se dirigía apenas as esposas, compreende-se que nada tenha sido apurado sobre as atitudes dos pastores e dos paroquianos frente as mulheres dos pastores. A seguir, reproduziremos os principáis dados resultantes désse inquérito.
1.
Dois ponfos tranquilos
Antes do mais, convém indicar dois aspectos da questáo
que nao oferecem dificuldades.
1) As pessoas interrogadas manifestaran! nao conhecer problema no tocante as relagóes conjugáis e as expressóes de amor; estas sao as da familia norte-americana media, descrita anos atrás pelo relatório Kinsey.
2) Também a vida de piedade das esposas de pastores decorre normalmente. A maioria dessas pessoas é fervorosa e
procura no contato com Deus a fórga necessária para levar a sua vida cotidiana; principalmente as senhoras batistas, mais «ortodoxas», léem e estudam asslduamente a Biblia. Todas, mesmo as mais liberáis, oram por ocasiáo de suas crises pessoais. Todavía merecem atencáo
2.
Dois problemas
Verificou-se que o ministerio exercido pelos maridos inter fería em termos marcantes na vida familiar. E isto por dois
motivos:
1) A profissáo do pastor, quando devidamente exercida, é absorvente. Urna das queixas mais freqüentes aponta o fato de que o marido, muito solicitado pelas suas fungóes pastorais, parece nao dar a devida importancia a familia; raramente os membros desta tém a ocasiáo de se encontrar todos reunidos. Eis um dos testemunhos mais significativos: «Durante semanas a fio, ele me responde: 'Tenho urna reuniáo' ou Tenho que visitar paroquianos', todas as vézes que Ihe proponho urna saida a noite para irmos ao concertó ou ao
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cinema. Imaginem entáo o que sinto quando, depois, os paroquianos vém oontar-me como é amável o meu marido por ocasiáo das visitas a domicilio, ... como as mangas o adoram, ... quanto bem nao faz trocar idéias com ele a respeito dos pro blemas cotidianos, etc. Tenho entáo a impressáo de que ele prefere ocupar-se com a sua grei a estar com a familia. Mais: permitam-me esta confidencia assaz íntima: de noite, depois de
nos termos demonstrado o amor, descanso sobre o ombro déle; para mim, nada mais existe no mundo a nao ser ele; sinto-me amada e perfeitamente feliz. Pois bem; posso entáo ter a cer teza de que o ouvirei dizer algo como: Tenho a intengáo de propor o Sr. N.N. para ser diácono!'»
Verdade é que sao absorventes outras profissóes liberáis (tenha-se em vista a do médico...). Mas o ministerio de pas tor tem um conteúdo próprio que causa especiáis problemas & esposa. Com efeito,
2)
O pastor é, como o padre, um idealista por profissáo.
Sua fúngáo na sociedade consiste em fazer respeitar certos va
lores e, entre estes, muito especialmente o espirito servigal, o desprendimento, a justica... Em conseqüéncia, espera-se da mulher do pastor que ela cumpra fungáo semelhante. Isto a obriga a levar urna vida austera, abstendo-se de nao poucas reunióes agradáveis e diversóes. Com efeito; a mulher de um pastor nao é a mulher de um anónimo; ela deve corresponder ao ideal que, na opiniáo do público, ela abragou. Em multas casos, é sómente após anos que ela aprende a dizer um Nao amável a certos convites sociais que lhe fazem. Os dados colhidos por Douglas em seu inquérito revelam cinco tipos ou atitudes de mulheres de pastores perante a pro
fissáo ou o ministerio de seus maridos. Cada urna dessas ati tudes é designada por um nome próprio e vem assim caracte rizada por Douglas:
1) Marta1, a mulher que com seu marido constituí equipe coesa em tudo. Representa 21% das pessoas interrogadas;
2)
María, o sustentáculo discreto do esposo. Aceita cola
borar nao com o ministerio própriamente, mas com a pessoa
do marido; por isto assume certos compromissos de índole
social; i Marta e María sño as duas irmás de Lázaro, mencionadas em
Le 10, 39-42, ambas fiéis ao Senhor. Marta procura servir ao Senhor por suas varias atividades, ao passo que Maria se coloca junto a Cristo e o ouve.
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ESPOSAS DE PASTORES EM INQUÉRITO
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3) IXorcas1 também apoia o marido, dedicando-se, porém, a afazeres domésticos e manuais, nao própriamente missionários ou pastarais. «Maria» e «Dorcas» constituem 64% das esposas de pastores;
4)
Jane nao se senté envolvida pelas atividades profis-
skmais do marido, que ela faz questáo de ignorar. Corresponde a 11% das interpeladas;
5)
Kate chega a conceber revolta contra as ocupacóes
do esposo (4%).
Consideremos agora cada qual désses tipos de per si. 3. 3.1.
Cinco respostas á situajao
Marta
«Marta» vem a ser a esposa que se senté identificada com
o ministerio do marido e, por isto, também chamada ao servico da Palavra. Em conseqüéncia, ela se encarrega da escola do minical, de visitas aos doentes e do coro da igreja. É a secre taria do esposo e zela pelo decoro do templo. 0 tipo «Marta» se encontra principalmente ñas denominagóes protestantes mais missionárias, como é a dos Batistas do Sul, que acentuam o dever de «lucrar para o Senhor aqueles que se perderam». Tais esposas provém do meio operario e agrícola; adquirem instrugáo e prestigio relativos. Sao as mais felizes entre as mulheres de pastores. Nao experimentan! dificuldade para se realizar na sua condicáo; ao contrario, julgam
que seriam prejudicadas se nao estivessem casadas com um
pastor. O fato de terem de «repartir» o seu marido com a comunidade paroquial nao as torna invejosas nem ciumentas.
Sentem-se ditosas por ter que apontar aos outros o caminho reto. A obrigagáo de dar sempre e em toda a parte o bom exemplo nao as enfastia, mas, ao contrario, excita nelas agudo
senso de responsabilidade. Consideram-se privilegiadas; ao que procuram responder com o que tém de melhor em si mesmas.
Estes dados nao impedem que Marta também conhega seus
momentos penosos. Nao raro ela se vé a bragos com dificuldades financeiras, dados os modestos proventos de seu marido. 1 Dorcas ou Tabita é a viúva encontrada por S. Pedro em Jope; vivía beneficiando viúvas e pobres mediante a confeccao de túnicas e mantos (cf. At 9, 3642).
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O tempo lhe parece insuficiente para dedicar-se a si mesma e ao lar. Caso o marido seja transferido muitas vézes, ela nao
consegue langar raízes em parte alguma. E, guando ele envelhece, ela vai perdendo influencia na paróquia. Já que deve estar ácima de qualquer partido, só pode ter algumas poucas
amigas íntimas fora do círculo de esposas de pastores da vizi-
nhanga. Nao lhe é fácil aparentar serenidade e bom humor
quando muitas vézes está tensa, cansada ou irritada pelo trabalho. 3.2.
María e Dorcas
María e Dorcas nao se preocupam tanto com o ministerio pastoral. Vivem mais as fungóes de esposa e máe. Aceitam co
laborar com o marido, mas nao se julgam chamadas a compartilhar diretamente os seus compromissos; estño prontas, porém, a prestar servigos ocasionáis á pessoa do esposo, rece-
bendo visitas em casa, saudando os paroquianos após o culto, cumprindo certas obrigagóes sociais... Sao mais intelectual do que as «Martas» e mais ciosas de seu desabrochamento pessoal. Todavía sao menos felizes do que aquelas, talvez pelo fato mesmo de nao colaboraren! tanto. Encontram-se princi palmente ñas comunidades episcopalianas (anglicanas), lutera nas e presbiterianas.
Segundo a respectiva motivagáo, há pequeñas diferengas entre María e Dorcas: María quer ser sustentáculo discreto «a fim de permitir á Igreja a realizagáo de seus objetivos». Tem origem social
ñas familias de nivel medio e de profissóes liberáis; nao raro foi educada em urna denominagáo protestante diversa da de
seu marido.
Dorcas tem aspiragSes menos eclesiais; o que lhe importa, é «fazer algo de útil», como a homónima dos Atos dos Apos tólos. Dedica-se a ocupagóes domésticas e a contatos humanos ou sociais. Receia as novidades; evita as controversias. Nem Maria nem Dorcas experimentam dificuldades em dar o bom exemplo. Todavia também tém suas pequeñas queixas: a fim de se conservar imparciais, devem restringir o círculo de suas amigas intimas; os horarios regulares de seus esposos as molestam. Nao raro só após dez anos de casadas confessam-se identificadas com o seu papel de «esposa de pastor». — 446 —
ESPOSAS DE PASTORES EM INQUÉRITO
3.3.
31
Jane e Kate t
Jane e Kate jamáis se sentiriam atingidas pelas atívidades profissionais de seu esposo, quaisquer que elas fóssem. Jane eré na Igreja; interessa-se por tudo que diz respeito á fé crista; tem elevado ideal moral. Mas julga que a sua tarefa principal sao os afazeres domésticos. Em virtude das suas
concepcóes teológicas, julga que a neutralidade frente as atividades da Igreja corresponde exatamente ao papel do laica to; a neutralidade, alias, lhe parece, muitas vézes, necessária, porque tem filhos pequeños que tomam muito tempo. — Na mor parte dos casos, está medianamente satisfeita com a sua condigáo de esposa, embora lhe sejam necessários as vézes quinze anos para se sentir a vontade em sua situagáo.
Jane senté vivamente o problema de conciliar sua perso-
nalidade com o titulo de esposa de pastor e com a obrigagáo de dar sempre o bom exemplo.
Quanto a Kate, ela qitisera que seu marido lhe dispensasse mais atengáo. Tem a impressáo de que ele considera tudo do
ponto de vista do trabalho e se deixa absorver por suas reu-
nióes. Parece-lhe que déla querem abusar quando, além do mais, a paróquia lhe pede que auxilie o esposo, assegurando a catequese. O espirito de revolta entáo leva-a a retirar-se de toda atividade relacionada com o ministerio ou o culto. Sente-se frustrada pelas numerosas exigencias que o seu papel de esposa de pastor lhe impóe; entedia-a o dever de dar sempre
o bom exemplo. Parece-lhe estar encerrada numa casa de vidro,
sem intimidade e sem possibilidade de se recrear alguma vez.
Se nao tivesse esposado um pastor, julga ela, gozaría de mais
tempo, mais dinheiro e mais liberdade, ao passo que, na sua
presente condicáo, ela nao vé como ser ela mesma. Eis o que ela repete freqüentemente, como- toda pessoa insatisfeita. Impóem-se ainda algumas observagóes complementares. 4.
O fator «tempo»
Urna mulher nao se torna plenamente esposa de pastor
em um dia. É o que se depreende do fato de que a porcen-
tagem daquelas que se arrependem de sua escolha é prepon
derante entre as jovens. Em 80% dos casos, os cinco ou dez primeiros anos sao os mais difíceis. Sómente depois de casada é que a esposa de pastor toma consciéncia exata do que ela — 447 —
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tPERGUNTE E RESPONDEREMOS/» 130/1970, qu. 3
abragou: nao encontra campo em que se possam desenvolver os seus talentos pessoais; muitas vézes ela deve-se desembaragar de um certo tipo de idealismo. Se pudessem recomegar, dizem muitas das jovens esposas que elas nao se casariam com um pastor. Um pequeño número (nao se poderia dizer quan-
tas), diante das serias dificuldades que encontra, tenta induzir o marido a mudar de mister e chega a encarar solugóes extre mas, como o divorcio e o suicidio.
Isto nao impede que 20% das mulheres interrogadas declarem ter-se sentido desde o inicio como um peixe nagua (sao pessoas outrora educadas em ambiente muito fervoroso; 10% sao mesmo filhas de pastores). A adaptagáo da mulher ao marido é mais fácil, caso o esposo já tenha terminado seus estudos e naja atingido certo
equilibrio profissional e afetivo. Por isto os casamentas sao
mais felizes quando o esposo é cérea de cinco anos mais idoso do que a mulher. Assim o casal cujo marido é pastor, difere do casal norte-americano medio, que geralmente é mais feliz quando os cñnjuges tém a mesma idade.
Por último, pode-se notar que menos difícil é o caso das esposas de pastor que exergam alguma profissáo, seja na es cola, seja no escritorio. 5.
A gerasao ¡ovem
As esposas de menos de trinta e cinco anos provém geral
mente de casáis protestantes cuja fé é menos forte do que a
dos lares donde procedem as mulheres de pastores mais idosos.
Em conseqüéncia, essas jovens esposas sentem-se pouco atingi
das pela profissáo de seus maridos. A idéia de «vocagáo» para • colaborar no ministerio pastoral é entre elas cada vez mais
rara- interessam-se principalmente pela sua casa e cada vez menos pelos afazeres do marido. Elas nao recusam apoiar o
esposo, mas rejeitam toda pressáo da parte da comunidade
paroquial paraassumir tal ou tal fungáo. Deve-se mesmo. acrescentar que, fora o caso dos Batistas, elas come?am a mani
festar dúvidas a respeito da maior parte das atividades da Igreja e da sua aptidáo pessooal a realizá-las. A nova geragáo e mar cada tanto pela critica á Igreja institucional como pela ínseguranga psicológica. Caso estas duas notas se acentuem, as futu ras esposas de pastor sentir-se-áo aínda mais frustradas e cerceadas do que até o presente momento. A menos que as comu
nidades paroquiais diminuam as suas expectativas e pressoes — 448 —
POMBAL E JESUÍTAS
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sobre as esposas de pastor, pode-se crer que aumentará o número das isoladas (tipo Dorcas) e das revoltadas (tipo Kate).
Conclusao O inquérito realizado por William Douglas fomece um
quadro assaz matizado e fiel de como a mulher de pastor vive o seu casamento nos Estados Unidos da América. Quanto mais a comunidade protestante é ortodoxa, mais as esposas participam das atividades de seus maridos. E é na medida dessa participaeáo que elas se sentem satísfeitas e úteis ao próximo.
Na base de tais resultados, pode-se prever algo do que
se daría, caso o matrimonio fosse um dia concedido aos pres
bíteros católicos: o bom éxito désses casamentes dependería,
em boa parte, do afinco com que a esposa assumisse as ativi dades da Igreja. E ésse afinco seria tanto maior quanto mais
ortodoxa fósse a mulher na sua doutrina. Donde se segué urna
profecía assaz paradoxal: as esposas dos padres tradicionalistas seriam mais felizes do que as consortes dos presbíteros avancados.
Mas os padres tradicionalistas optariam pelo casamento?... Os dados contldos neste artigo foram publicados pelo periódico «Supplément de la Vie Spirituelle» n« 83, novembro 1967, pp. 66WJ3,
sob o título «La Femme du pasteur>, por obra de W. de Bont O.P.
IV.
FAMOSA FIGURA
4) «Que dizcr sobre os jesuítas e o sen relacionamento oom o Marques do PombaJ? Em gemí faz-se a apología de Pombal.
Como julgar essa faceta da historia da Igreja?» Em Bfntesc: O século XVH1 fol profundamente marcado pelo absolutismo do Estado na política, assim como pelo jansenismo e o galicanismo na religiáo católica. Os jesuítas se opunham a essas ten
dencias ; pelo que granjearam para si, além de numerosos amigos,
também grande multidáo de adversarios. Devese outrossim notar que o zélo missionário e apologético dos jesuítas nem sempre fol bem ins
pirado, de modo que em alguns casos sofreram censura por parte da própria Santa Sé. 449
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 4 O Marqués de Pombal, pela sua formagáo na Inglaterra e sua
estada na Austria, é auténtico representante do absolutismo estatal. Passou a combater os jesuítas a partir de 1755, servindo-se de argu
mentos destituidos de consistencia: os jesuítas estariam criando um Estado teocrático com os indios do Paraguai; estariam exercendo comercio ilícito; seriam infiéis as suas Constituic5es, teriam tomado parte no atentado contra o rei D. José I (em 1758)... Em 1759 foi decretada a expulsao de todos os jesuítas de Portugal e colonias; os maus tratos entao infligidos aos padres, seja em viagem marítima, seja no cárcere de S. Juliáo em Lisboa, sao reconhecidamente ignóbeis; embaixadores estrangeiros em Lisboa e historiadores fidedignos o atestam.
Com a expulsao dos jesuítas, o Brasil perdeu poderoso fator cul tural e civilizador; principalmente o ensino se ressentiu da falta dos
Colegios e educadores da Companhia de Jesús. Por conseguinté, num
juizo sereno, merece repudio a acSo sectaria e brutal do Marqués de Pombal contra os jesuítas.
Resposta: A atitude de Pombal em relagáo aos jesuítas de Portugal e do Brasil está envolvida em um quadro geral de historia da Igreja, que oonvém, antes do mais, reconstituir brevemente a fím de se poder compreender melhor o episodio focalizado. A propósito há um artigo afim em «P.R.» 20/1959, pp. 343-351, onde se estuda a supressáo da Companhia de Jesús no séc. XVIII.
1.
Os antecedentes do episodio
A Companhia de Jesús foi fundada por S. Inácio de Loiola
(t 1556) e aprovada pela Santa Sé em 1540. Instituida para atender as necessidades da Igreja nos tempos modernos, a Companhia tomou a índole de milicia sacra. Desde os primor
dios de sua historia, os Religiosos de S. Inácio ou jesuítas se dedicaram ardorosamente as mais arduas tarefas: magisterio, estudos teológicos, controversias com protestantes, jansenistas, missóes no Oriente, na América, etc., tornando-se inegável-
mente beneméritos da fé católica; em seus institutos educacionais, os jesuítas dos séculos XVII/XVIII formaram geragóes e geracóes de grandes homens. Para se avallar quanto a Com panhia correspondía as necessidades dos tempos modernos, recorde-se a rápida propagagáo da mesma: em 1749 contava 22.600 membros distribuidos por 39 provincias, 669 colegios, cerca de 800 residencias, 300 postos de missáo.
— 450 —
POMBAL E JESUÍTAS
35
Todavía a penetracáo dos jesuítas na vida religiosa e so cial dos sáculos XVII/XVin Ihes granjeou, juntamente coni muitos amigos, numerosos adversarios, principalmente entre os jansenistas1, os galicanos2, os protestantes e os incrédulos. Com efeito, os jansenistas e galicanos, desejosos de constituir igrejas nacionais ou independentes do Sumo Pontífice, viam nos jesuítas um baluarte da fidelidade á Sé Apostólica ou «a sentinela avancada da Curia Romana» (no dizer do rei Frederioo n da Prússia); consideravam-na, por isto, um dos mais tenazes obstáculos á realizacáo de seus planos separatistas. Os filósofos racionalistas e ateus dos sáculos XVII e XVIII, opondo-se simplesmente á Igreja, nao podiam deixar de combater em primeira linha a Companhia de Jesús: «Táo logo tivermos destruido os jesuítas, escrevia Voltaire, fácil será a luta contra a infame». No seu afá de defender e propagar a fé católica, os je suítas cederam por vézes a excesso de zélo, entrando em cho que com homens e instituigdes. Foi o que se deu notadamente no chamado «litigio das acomodagóes»: ñas missóes da China, varios padres da Companhia procuravam adaptar-se o mais possivel aos costumes dos chineses, a fim de facilitar-lhes a conversáo á fé crista; todavia essa atítude nao encontrou por toda a parte a devida ressonáncia, de modo que os jesuítas foram tidos como demasiado tolerantes, e viram-se censurados pela Santa Sé no inicio do sáculo XVHL Néste sáculo XVm, portanto, a Companhia conheceu lutas e tormentas nao poucas provocadas em parte pelos adversarios, em parte pelo zélo (oportuno e, &s vézes, pouco oportuno) dos próprios jesuítas. É sobre estes precedentes que se coloca a agáo do Marqués de Pombal contra a Companhia em Portugal e no Brasil.
2.
Pombal e a Companhia: kféias e fotos
Nos sáculos XVII e XVm os monarcas das principáis nagóes européias se imbuiram de principios absolutistas: cederam J-Os Jansenistas sao cristSos que, cedendo ao rigorismo e ao pessimismo om relagáo á natureza humana, desfiguraram o Evangelho nos séc. XVTI/XVIII. Opunham-se-lhes especialmente os jesuítas, que, no seu zélo missionário, procuravam romper todos os obstáculos &
salvagao, adotando mcsmo urna casuística por vézes sutil. Pasca!, Jan
senista, escreveu acirradas cartas contra os jesuítas.
3 Os galicanos adotavam o nacionalismo na Igreja, pretendendo constituir igrejas mais ou menos independentes de Rama. Associavam•se, em muitos pontos, aos jansenistas.
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tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 130/1970, qu. 4
ao cesaropapismo, declarando-se revestidos de poder recebido mediatamente de Deus. Tal foi o caso de Luís XIV da Franga, o «Rei-Sol». Tal foi o caso também de D. Joáo V (1706-1750)
e D. José I (1750-1777) de Portugal.
Fixando-nos em Portugal, encontramos sob o reinado de
D. José I a figura ascendente do ministro Sebastiáo José de Carvalho e Mello, nascido em Lisboa aos 15 de maio de 1699, nomeado Conde de Oeyras aos 16 de junho de 1759 e Marqués de Pombal aos 17 de setembro de 1770. Passou os primeiros anos de sua carreira pública em Londres, onde nao pode deixar
de sorver o racionalismo do século XVm. Em 1745 tornou-se representante de Portugal em Viena da Austria, onde se casou em segundas nupcias com a sobrinha do marechal Daun;
tornou-se entáo discípulo do médico holandés Van Swieten, católico de tipo jansenista, que passara a residir em Viena na qualidade de médico imperial e tratara do enviado portugués quando certa vez se achava enfermo. Van Swieten se mostrava pouco amigo da Companhia de Jesús, dado como era a idéias absolutistas.
Quando Sebastiáo José regressou a Lisboa em 1749, a voz do povo o designava como futuro Secretario de Estado. A sua
ascensáo a tal cargo, de fato, se deu poucos meses depois.
Pombal pudera apreciar na Inglaterra a prosperidade material,
a intensa atividade comercial, o destemor dos empreendimentos, o progresso da cultura, que estavam em aberto contraste com a situacáo geral de sua patria. Era trabalhador zeloso e
hábil; D. José I, que se entretinha prazenteiramente em mú
sica teatro e caga, confiou-lhe ampia liberdade de iniciativa, de modo que Pombal, com seu temperamento ambicioso e seu
espirito decidido, se tornou o verdadeiro senhor do país. As
suas idéias absolutistas nao tolerariam urna Igreja livre em Portugal, mas haveriam de procurar mais e mais restringir os direitos da mesma, de sorte a té-la sob a tutela e o con trole absolutos do Estado. A fim de nao causar perplexidade no povo cristáo, o Ministro Pombal quis realizar a sua cam-
panha antieclesial mediante as próprias autoridades da Igreja
em Portugal; para tanto, colocou nos mais importantes e in
fluentes cargos eclesiásticos parentes e outras pessoas de sua
serventía.
Animado por suas idéias políticas, Pombal devia conside rar a Companhia de Jesús como entrave particularmente forte. Com efeito, os jesuítas tinham cinco confessores na corte; dedicavam-se ao magisterio e á cura de almas em favor das — 452 —
POMBAL E JESUÍTAS
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diversas classes da sociedade, e em suas missóes ultramarinas exerciam notável influxo sobre as populagóes brancas e abo rigénes. Até a morte da rainha-máe (1754), que era favorável aos jesuítas, Pombal mostrou-se até mesmo zeloso defensor da
Companhia. Urna vez, porém, desaparecida aquela figura e, mais aínda, após o terremoto de Lisboa (l/XT/1755), ocasiáo para que D. José I aumentasse sua confianga em Pombal, o Primeiro Ministro comecou a manifestar suas intengóes mais ocultas. O pretexto para o rompimento com a Companhia foram acontecimentos ocorridos no Paraguai e no Maranháo, cuja historia pode ser assim resumida: Em 1750 fóra firmado o Tratado de Madrid entre Espanha e Portugal, determinando a permuta da colonia portu guesa de Sacramento pelas térras espanholas ditas «dos Sete
Povos das Missóes». Em conseqüéncia, os indios deviam emi grar; revoltaram-se, porém, e foram dolorosamente trucidados. Gomes Freiré de Andrade, encarregado de executar o tratado em nome de Portugal, nao conseguía decidir-se pela permuta. No Norte do Brasil, tratava-se da demarcagáo de fronteiras com a Espanha. Pombal nomeou comissário o seu irmáo Francisco Xavier de Mendonga Furtado, o qual, com verdadeira fórca militar «para impressronar o espanhol», se estabeleceu no Rio Negro. Durante dois anos, Mendonga Furtado permaneceu em lugar inóspito com seus soldados a espera do repre sentante da Espanha a fim de estudarem a questáo das fronteiras; a comitiva de Furtado ressentiu-se de maus tratos, graves doengas e miserias; pelo que em margo de 1757 os
soldados abandonaram Mendonga Furtado. Éste entáo quis obrigar os missionários jesuítas a colocar os indios, redundes a escravos, no lugar da tropa desertora. Os jesuítas resistiram-lhe, dificultando-lhe víveres, transportes e informagóes. Muitos indios entáo também fugiram, e a lavoura parausada ocasionou tome. Mendonga, desamparado, langou a culpa sobre os jesuítas, acusando-os no Reino de fundadores de «teocracias^ ou Estados que minavam a unidade da colonia. Pombal, em conseqüéncia, resolveu desencadear a sua campanha contra os jesuítas, recorrendo, antes do mais, á calúnia e difamagio: passou-se a falar da «república» ou do «imperio teocrático do Paraguai», «dos canhóes do rio Madeira», da «paz dos Amanajós», do «Imperador Nicolau I com
suas falsas moedas». Pombal, acusando os jesuítas de procedi-
mento tiránico, comercio ilícito e revolugáo, dizia ao Nuncio
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papal em Lisboa que tinha ñas máos provas désses males e que as exibiria desde que pudesse passar urna manhá inteira oom o Legado pontificio. Entrementes, afirmava ele, era necessário coibir os jesuítas, pois, se isto nao se fizesse, em dez anos a Companhia seria táo poderosa que nem todos os exér-
citos da Europa reunidos lograriam vencer as centenas de milhares de escravos dominados pelos jesuítas. Com o auxilio de engenheiros europeus, revestidos da roupeta jesuíta, os padres da Companhia teriam fundido canhóes de grande cali bre, estabelecido fortalezas militares e preparado os indios para a guerra (noticias colhidas em carta do Nuncio Acciaioli, de Lisboa, ao Cardeal Archinto, Secretario de Estado, datada de 14 de outubro de 1757).
Os rumores disseminados por Pombal contra os jesuítas impressionaram até mesmo as autoridades eclesiásticas, como o Nuncio Acciaioli e o Secretario de Estado Pontificio, que demonstraran!, em conseqüéncia, indecisáo e timidez diante da campanha difamatoria. Todavía em um ou outro tópico da correspondencia do Nuncio em Lisboa transparece a desconfianca do prelado frente as noticias infamantes: assim aos 8
de margo de 1757, depois de referir em carta as acusagóes de
Pombal contra os jesuítas do Maranháo, escrevia o Nuncio que tinha motivos para nao dar crédito a tais noticias, pois sabia que Pombal possuia interésses financeiros ñas novas Companhias do Comercio1; além do que, o Govemador do Maranháo era irmáo do Primeiro Ministro (na verdade, Pom bal recebia tres florins por cada barril de vinho que se vendia; o que resultava numa renda de 60.000 a 75.000 florins anuais).
Pombal, desejoso de extinguir a Companhia de Jesús por vias «legáis», obteve do rei D. José I, fraco como era, conivéncia no caso. O monarca mandou que Almada, seu embaixador em Roma, fósse ter com o Papa Bento XIV: aos 9 de marco de 1758, o Legado dizia ao Pontífice que, se éste nao aplicasse enérgicos recursos contra os jesuítas, o rei mesmo se encarregaria de o fazer, utilizando os meios violentos que tanto o Direito civil como o eclesiástico lhe reconheciam; terminava pedindo, para os jesuítas, «ou total extingáo ou huma riguroza reforma». Em resposta, o Papa nomeou Visitador e Reformador dos jesuítas o Cardeal Francisco Saldanha, que era párente de Pombal, submisso instrumento ñas máos do >O Direito Canónico proibc aos clérigos o cxercicio do comercio.
Por isto, Pombal os acusava de comerciar.
— 454 —
POMBAL E JESUÍTAS
39
Primeiro Ministro 1. Junto com o Breve de nomeagáo, Bento XIV, mediante o rei D. José I, enviou ao Cardeal Saldanha instrugóes para o exercicio de suas fungóes: nao fechasse os olhos aos erros, mas usasse sempre de moderagáo e mansidáo, segundo o espirito da Igreja, máxime por ser a Companhia urna Sociedade que até o presente momento gozara de grande estima. Caso tivesse que punir, nao fósse além das penas pre vistas pelo Direito e se deixasse inspirar pela prudencia e a caridade crista; nao desse ouvidos a pessoas que sugerem conselhos apaixonados; a fim de evitar os escándalos, procedesse Saldanha com discrigáo; a fiel observancia de tais recomendagóes seria o penhor de se evitarem desordens e abusos. Sal danha devia fornecer á S. Sé relatos fiéis sobre os jesuítas, depois de ouvir os padres e irmáos da Companhia; em parti cular, devia apurar se o famigerado comercio dos jesuítas era
o que o Direito Canónico proibia ou apenas a venda ocasional de produtos excedentes de suas térras (venda esta permitida ás demais Ordens Religiosas, principalmente em territorios de missáo). Pergunta-se se Saldanha jamáis pode ler tais instrucóes pontificias.
3.
O desfecho
Aos 3 de setembro de 1758 deu-se em Lisboa um atentado contra o rei D. José I. As primeiras noticias diziam que S. Majestade, desejando descer aos seus jardins durante a noite, havia caído ñas escadas escuras e ferido as espáduas. Outro rumor, posteriormente, dizia que na noite de 3 de setembro o rei voltava da casa da jovem marquesa Da. Teresa de Távora, com quem tinha intimidades, quando fóra atingido por disparos... Na base de suspeitas, o Governo mandou prender
i Francisco Saldanha era um homem bondoso, de costumes irrepreensíveis, mas pouco prendado culturalmente. Em 1755 Pombal conseguiu íazé-lo cónego da igreja patriarcal de Lisboa, em 1756 Cardeal, em 1759 Patriarca. Um irmáo de Saldanha fóra nomeado embaixador em Madrid ; outro, constituido conde ; dos primos de Saldanha, um era vice-rel em Goa; outro, reitor da Universidade «Sapiencias em Coimbra; um terceiro, Governador da ilha da Madeira. Outro párente de Saldanha foi por Pombal constituido bispo de Elva; mais outro, bispo de Miranda.
Em conseqüéncia, Saldanha se sentía profundamente obrigado e devedor a Pombal; nao lhe resistiría em hipótese alguma, mas apenas darla foros de legalidade aos despropósitos do Ministro.
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970, qu. 4
o Conde de Aveiro, o velho marqués de Távora e sua esposa, com outros familiares e com serventes domésticos; após prooesso muito irregular, formam doze pessoas condenadas á morte aos 12 de Janeiro de 1759 e enforcadas no dia seguinte; da janela de um castelo de recreio, Pombal contemplou o espetáculo, que durou das 7 h da manha as 3 h da tarde.
Todavía, pouco tempo depois do atentado, o Senador Inácio Ferreira Souto comegou também a espalhar a noticia de
que os jesuítas o tinham provocado. A principio ninguém deu importancia ao rumor. Éste, porém, foi utilizado pelo Govérno como pretexto para reprimir os padres da Companhia; as sete
casas dos jesuítas em Lisboa foram revistadas por soldados, que nelas nada encontraran! de suspeito. Nao obstante, dez jesuítas foram presos na noite de 11 para 12 de Janeiro de
1759. Pombal chegou a aplicar a tortura a alguns detidos, a fim de extorquir confíssóes sobre o atentado. Nada, porém, se apurou que oomprometesse os padres; em conseqüéncia, os
jesuítas foram condenados na base do seguinte raciocinio:
«Nao se pode admitir que alguém cometa um crime sem
ter interésse néle. Paralelamente pode-se presumir que quem tenha interésse em algum crime, naja cometido ésse crime, enquanto ele nao provar que foi outra pessoa que o cometeu. Ora os jesuítas, que o reí dispensara do oficio de sores da corte e a quem proibira o comercio, tinham interésse em que o reí morresse. Por conseguinte, admitir, com suficiente base no Direito, que os jesuítas tido parte no atentado a D. José I».
confesgrande pode-se tenham
Todavía os historiadores, protestantes e católicos, que tém estudado o assunto, sao unánimes em reconhecer a iseneáo de culpa dos jesuítas. Por seu lado, os próprios jesuítas, depois
da queda de Pombal, pediram revisáo do processo que os con denara.
Aos 19 de Janeiro de 1759, foram decretados o confisco dos bens da Companhia e a internaeáo de todos os jesuítas em suas casas; para sustentar-se, cada um passou a receber do
Govérno um tostáo por dia. Apesar dos protestos de Roma, os maus tratos continüaram.
Aos 20 de abril de 1759, o reí escrevia ao Papa Clemen te XIII, dizendo-lhe que, tendo provas de que os jesuítas eram
infiéis ás suas Constituicóes, fautores da guerra no Paraguai e hostis a pessoa de S. Majestade, ele havia irrevogávelmente
decidido eliminá-los de Portugal. Pedia, pois, licenga a S. San— 456 —
POMBAL E JESUÍTAS
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tidade para constituir urna «Mesa de Consciéncia», ou seja, um tribunal habilitado a julgar e condenar clérigos. O Papa resolveu conceder a faculdade; lembrava, porém, ao monarca os grandes beneficios prestados pelos jesuítas a Portugal e ao Brasil, e rogava-lhe instantemente nao executasse o seu plano de expulsar os padres, pois isto acarretaria má fama para o reí e profunda dor para o Pontífice.
Antes que chegasse a resposta do Papa as máos do rei,
Fombal iniciou a retirada dos jesuítas de Portugal. Com a data de 3 de setembro de 1759, o primeiro Ministro publicou um edito que degredava todos os membros da Companhia de Por tugal e das colonias. Oito ou nove naves portadoras de jesuítas partiram de Lisboa para Civitavecchia, nos Estados Pontifi cios. Os jesuítas do Brasil foram enviados primeiramente para Portugal e, depois, para a Italia. A travessia do Atlántico levou dois meses: os padres tiveram que se conservar o tempo todo no interior da respectiva nave, suportando calor aflitivo, sem poder respirar sobre o tombadilho da embarcagáo; a racáo alimentar diaria constava de legumes e tres jarros de agua para cada um. Em condigóes semelhantes foram transportados os jesuítas da india para Portugal durante cinco meses de viagem; em conseqüéncia, morreram vinte e tres dentre estes em viagem, e, dos 119 que chegaram a Lisboa, a maioria estava táo doente que so 46 puderam seguir viagem para a Italia. Aconteceu, porém, que a maioria dos jesuítas estrangeiros, assim como os mais influentes dos jesuítas portugueses, foram
encerrados no cárcere de S. Juliáo em Lisboa, onde perma-
neceram anos a fio em cubículos subterráneos, sem Missa nem sacramentos. O embaixador alemáo von Lebzeltern, que julgava exagerados os relatónos dos missionários, conseguiu en trar, camuflado, no referido cárcere; após o que escreveu suas impressóes em um relatório datado de 8 de abril de 1777:
«Eu mesmo vi as prisóes. Só posso esbogar urna pálida imagem de tanto sofrimento, pois éste ultrapassa todas as con-
cepgóes que a fantasía possa imaginar; a simples visáo de tan
ta dor paralisa o sangue, por médo e pavor. Vi buracos em quadratura de quatro palmos, cavados em espago subterráneo, mal iluminados por tochas; neles passava um córrego de agua de dois palmos de altura. Eis o triste local em que os infelizes viveram dezoito anos de maneira surpreendente, tendo por alimentagáo diaria apenas meia-libra de pao e, como roupa, urna camisa por ano» (cf. Duhr, «Pombal», p. 164).
Como espécimen da difamagáo movida contra os jesuítas, pode-se citar o seguinte particular: aos 23 de agosto de 1759, — 457 —
42
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970. qu. 4
a imprensa de Lisboa publicou uma noticia vinda de Ñapóles,
segundo a qual o Cardeal-arcebispo desta cidade fóra, com um oficial do Estado, revistar o quarto do jesuíta Padre Pepe, que dias antes havia morrido em odor de santidade. Tena
entáo encontrado ai 600 oncas de ouro em barras e em pó, uma letra de crédito de 56.000 ducados, 1.600 libras de cera, 10 latas de fumo holandés, tres despertadores, 200 lencos de seda e 300.000 florins em especie. O Padre Pepe teria man dado confeccionar para a igreja da Imaculada Conceicáo uma
grande estatua de Nossa Senhora de prata macica e haveria doado ao santuario uma omamentacáo bordada completa. Tal noticia da imprensa foi transmitida pelo Nuncio Acciaioli ao Pe. Torrigiani, Geral dos Jesuítas, aos 4 de setembro de 1759. Aos 11 de outubro de 1759, Torrigiani respondía ao Nuncio que toda a estória nao passava de mentira e invengáo.
Particularmente dolorosa foi a sorte do Pe. Gabriel Malagrida S.J., que trabalhara mais de trinta anos ñas missSes do Brasil e do Maranháo com dedicagáo modelar. De volta a Portugal, interpretou o terremoto de 1755 em Lisboa como sendo advertencia da justica divina aos homens. Em conseqüincia, foi tido como falso profeta, hereje, louco, perturba
dor de consciéncias e traidor da patria. Levaram-no ao tribunal da Inquisicáo, ao qual presidia Paulo Carvalho, irináo do Mar
qués de Pombal, após terem sido afastados homens retos que compunham o júri (o que bem mostra que a Inquisicáo nao era órgáo do govérno da Igreja naquela época). Foi entáo condenado á morte e queimado vivo aos 20 de setembro de
1761 em presenga do rei, de todo o Ministerio e do corpo di
plomático acreditado em Lisboa.
Também merece atencáo o que se deu com o arceblspo
da Bahia Dom José Botelho de Mattos. Aos 2 de novembro de 1759, o rei D. José I comunicou á Santa Sé que o arcebispo renunciara e que ele, rei, havia nomeado para o cargo D. Manoel de Sant'Inez, bispo de Angola; S. Majestade pedia a confirmagáo do novo prelado da Bahia. Antes de responder, a Curia Romana solicitou o documento de resignagáo do arce bispo; Almada, embaixador de Portugal em Roma, prometeu apresentá-lo sem demora; diante do que, o Papa mandou adiar a Bula de confirmacáo do novo arcebispo. Na verdade, o documento de resignagáo nunca chegou a Roma, pois o arce
bispo da Bahia nunca pensara em renunciar. Eis o que acon tecerá própriamente: como legado do Cardeal Saldanha junto aos jesuítas, D. José Botelho de Mattos publicara o decreto de Saldanha concernente á proibicáo de comercio dos jesuítas, — 458 —
POMBAL E JESUÍTAS
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mas nao suspenderá os padres nem Ihes confiscara os bens como se estes tivessem sido adquiridos ilícitamente ou por co mercio ilegal; um mquérito judiciário tinha-o convencido da retidáo dos jesuítas. Por conseguinte, mandou para Lisboa um relatório de seu procedimento ou um «sincero atestado» assinado por oitenta pessoas das mais eminentes da Bahía, ne
gando a culpa dos jesuítas. Éste gesto provocou, da parte do reí, a ordem de afastar o arcebispo da sua residencia na Bahia;
os bens do prelado seriam detidos, e os cónegos de S. Salvador elegeriam um Vigário Capitular até que o rei nomeasse novo arcebispo. Dom José de Mattos, com oitenta anos de idade, ficou 'k mercé da caridade pública. O episodio deu ocasiáo a que o embaixador Almada de Portugal em Roma acusasse o Cardeal Secretario de Estado de lesa-majestade, pois nao dera crédito imediato á palavra do rei. O Papa Clemente XHI respondeu com protestos ao de creto de expulsáo dos jesuítas. Em represalia, o Govérno lusi tano despediu o Nuncio residente em Lisboa e o embaixador
Almada deixou Roma (7 de julho de 1760). As relag&es entre Portugal e a S. Sé ficaram interrompidas por dez anos, apesar da insatisfacáo da familia real e da grande maroria do povo portugués.
4.
ReflexSo final
O Marqués de Pombal é expressáo típica do espirito anti clerical, ou melhor, antieclesial que abalou a filosofía e a politica do século XVII. O Ministro investiu nao sómente contra os jesuítas, mas também contra mitras Ordens Religiosas de
Portugal.
O antijesuitismo de Pombal nao foi feliz nem para Por tugal nem para o Brasil. Em nossa patria, após a expulsáo dos jesuítas, as povoagóes do Sul cairam em ruinas; os indios voltaram a vida selvagem; as aldeias da Amazonia despovoaram-se. Segundo o
visconde de S. Leopoldo, inaugurou-se um período de terrivel ignorancia em nossa térra, de Norte a Sul.
No setor do ensino em particular, Pombal mandou pros-
crever os sistemas de instrugáo dos jesuítas, proibindo os livros e métodos da Companhia. A colonia caiu entáo em um período — 459 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970. qu. 4
de obscurantismo, como afirmou Calmon: «No Brasil desorganizou (Pombal) o ensino existente sem o melhorar, sem sequer substitui-lo por outros1 sistemas que o suprissem. Fe chados os colegios dos jesuítas, as aulas de filosofía e gramá tica em grande número, aínda em 1760, logo decairam e se
encerraram» (citagáo colhida na «Historia da Igreja» de Bihlmeyer - Tuechle - Silveira Camargo, vol. m, p. 413).
Em 1795, o Governador do Maranháo, Fernando Antonio Noronha, afirmava: «Nao é conveniente haja mais do que a cadeira de gramática latina, ler e escrever, porque o abuso dos estudos superiores so serve para nutrir o orgulho próprio dos habitantes...» — A Cámara de Sabara pedirá em 1768 urna aula de cirurgia. O procurador da República recusou-a, ale gando: «Que se lembrava de ter lido que algumas das nagóes européias se arrependerain mais de urna vez de artes estabe-
lecidas ñas suas colonias da América» (citagóes transcritas da fonte ácima indicada).
Os estudantes brasileiros, tanto eclesiásticos como leigos, foram obrigados a ir estudar na Universidade de Coimbra, que Pombal havia reformado, imbuindo-a de principios liberáis político-religiosos, jansenistas e galicanos. Langando um olhar retrospectivo sobre a atividade dos jesuítas no Brasil, escreve o Baráo do Rio Branco: «Em 1759, os jesuítas foram cxpulsos do Portugal e do todas as posscssóes portuguesas. Apesar das dificuldades que nos últimos tempos éles tinham suscitado ao Govérno de Lisboa, principalmente quando os comissários portugueses e espanhóis procuravam executar o tratado de limites de 1750, nao podemos deixar de reconhecer que ésses Re ligiosos prestaram os seus servicos ao Brasil. A conquista e a colonizacáo da América portuguesa nos séculos XVI e XVTI é, em grande parte, a obra déles. Como missionários, éles conseguiram trazer para a civilizacáo milhares de indios, e a raga indígena tornou-se, gracas ao seu devotamento, um fator considerável na formaeSo do povo brastleiro. Éles sempre foram os defensores da liberdade dos Indios e os edu cadores da juventude brasileira que procurava instruir-se» (Baráo
do Rio Branco, «Obras VHI — Estudos Históricos». Rio 1948, pp. 77s).
Diogo A. P. de Vasconcelos, na sua «Historia Media de Minas Gerais», observa a seu turno:
«A primeira época das Minas, consumida no bruto afa de se amansar o sertao, educando-se os selvagens e lidando-se com colonos corrompidos, ou forasteiros ignóbels, oferece-nos um lado que ameniza o aspecto geral e que indigita a estreita ponte entre abismos por onde se transportou felizmente o paládio da civilijac&o. É que os paulistas, primeiros povoadores, pioneiros, que nem brenhas, nem serras, nem bárbaros, nem feras detiveram no avanco da conquista, foram estu dantes, e nessa bagagem luminosa, enquanto se estabeleciam nos sert6es, guardavam o amor com que mandavam os filhos para onde pudes-
_ 460 —
POMBAL E JESUÍTAS
45
sem receber instrugáo. Devenios éste milagre aos Jesuítas. Onde quer que se estabeleceram, íundaram seus Colegios e Escolas de Artes, íaróis primeiros do nosso destino. Ésses Padres admiráveis, reconhecendo o mundo como feito para ser dominado pelo espirito e vencido pela doutrina, implantaram na consciéncia dos pais o dever de educar os filhos» («Historia Media de Minas Geraisx.. Rio 1948, pp. 128s).
Em suma, sejam citadas ainda as palavras de Lucio de
Azevedo referentes a Pombal e seus feitos:
«Decorrido mais de um sáculo, excluida a suposigáo de impostura, as palavras de Voltaire, acerca da execucáo, ficam como o definitivo julgamento da posteridade sobre quem a ordenou: o excesso do ridiculo e do absurdo juntou-se ao excesso do horror» («Os Jesuítas no Grao Para», p. 364).
Parece, pois, que num julgamento objetivo e sereno nao se pode deixar de reconhecer o partidarismo sectario do Mar qués de Pombal, que (com quais intengóes, só Deus sabe julgar) escreveu urna página obscura na historia de Portugal e do Brasil. Na confeccSo déste trabalho foram utilizados:
L. Fr. von i./Br. 1931.
Pastor,
«Geschichte
der
Papste»
XVI,
1.
Freiburg
Serafim Leite. «Historia da Companhia de Jesús no Brasil» VII. Rio de Janeiro 1949.
Bihlmeyer-Tuechle-Silveira Camargo, «Historia da Igreja> III. Sao
Paulo 1965.
Estévao Bettenoourt O.S.B.
ERRATA
Em «P.R.» 128/1970, p. 39 [363], linhas 1 e 2, leia-se: «... no espirito sobrenatural. Um certo naturalismo perpassa nao poucas dessas fichas, o que as torna ineptas para a catequese».
— 461 —
46
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970
CORRESPONDENCIA
MIÚDA
L B. (Jundiai): O livro «Eram os deuses astronautas?» já foi abor dado em «P.R.» 126/1970, pp. 25-33 (257-265). Temos éste fascículo em estoque. — O autor é um jornallsta alemáo que, em suas viagens, colécionou interessantcs dados arqueológicos, geográficos e históricos. Pro curando interpretá-Ios, von Daniken dá curso á fantasía e á íicgáo. Ñas passagens em que se refere a Biblia, mostra-se totalmente estranho á mentalidade e ao estilo déste Livro; fica á margem da exegese seria e científica — o que é grave lacuna, pois a Biblia nao se interpreta segundo o parecer subjetivo do leitor, mas de acordó com normas lite rarias objetivas. Em suma, o livro «Eram os deuses astronautas?» vem a ser urna provocagSo á reflexao; nao constituí, porém, urna condusao
da ciencia.
RESENHA DE LIVROS Reflex5es sobre o problema do pecado original, por Pedro Grelot; traducüo de Henr. Perbeche. Colecto «Rcvelacao e Teología» n' 9. — Edicdes Paulinas, Sao Paulo 1969, 145 x 210 mm, 151 pp. O autor é abalizado teólogo que, no livro ácima, cstuda um tema assaz delicado e controvertido. Nao nega a realidade de urna culpa inicial dos primeiros país, culpa que constituí o fundo de cena da obra da Redencao efetuada por Jesús Cristo (tenha-se em vista o capitulo final do livro). Procura, porém, situar a realidade dessa falta dentro do quadro da pré-história e das teorías evolucionistas; leva em conta a linguagem figurada ou antropomórfica dos capítulos 2 e 3 do Génesis, onde Deus é descrito como Oleiro (2,7), como Jardinelro (2,8), como Cirurgiao (2,22), ... onde Deus «passeia á brisa da tarde» (3,8). Após doutas consideraefies, Grelot sugere tenha o autor bíblico tencionado transmitir
aos
leitores urna historia matizada,
de
tipo singular, ou
seja, urna historia sagrada: «É preciso reconhecer que Gen 3 faz parte de urna obra de conjunto cuja intencjto geral é histórica, num sentido
diferente da historiografía moderna; sejam quais fórem as etapas redacionais percorridas por éste texto, pertence ele a urna sintese da historia sagrada, a mostrar como o designio de Deus se realizou no
vir-a-ser do mundo e da humanidades (p. 43). Esta historia sagrada, porém, nao fornece «urna descríelo realista da orlgem da raga humana e do drama que pode ter-se nela desenrolado, como se fdra possivel observá-los do exterior» (p. 43). Mais precisamente: o texto de Gen 2-3 oferece urna reflexao sapiencial, em que historia e teología se completam mutuamente. Em suma, o livro de Grelot nao pretende esgotar o assunto, nem
proferir teses definitivas, como o próprlo autor diz no seu prefacio (cf.p. 5-8)- £ um livro de pesquisa válida mais do que de catequese. A quem n&o esteja familiarizado com os trámites dos estudos bíblicos,
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RESENHA DE LIVRÜS
talvez pareca difícil; será útil, porém, a quem, iniciado era exegese escrituristica, deseje aprofundar-se no assunto.
A coneepcño crista do hometn, por J. L. Segundo. Colecáo «Liturgia-Mundo» n» 3. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 125x180 mm, 97 pp. Livro relativamente pequeño, mas denso. Tenta apresentar a nocao de homem inspirada pelo Cristianismo e confronta essa nocáo com a do pensamento marxista e a do existenclalismo. Segundo, partindo da idéia bíblica de que Deus é Amor, concebe o homem como portador e doador de amor. Todo homem, antes e fora do Cristianismo, é isso. O Cristianismo velo tornar consciente em todos os individuos a necessidade do amor fraterno: «A revelagáo (crista) dá aos que a compreendem e aceitam pela fé a consciéncia reflexa do
que antes era só espontáneo» (p. 48). A Igreja, nesta perspectiva, vem
a ser a engrenagem social necessária para se transmitir a todos os homens a mensagem do amor. Os sacramentos sao ritos que possibiUtam aos crlstaos viver com todos os homens a mensagem do amo." «de forma consciente e meditada, e nao só espontánea» (p. 49). Ao mesmo tempo que o autor fala da necessidade da Igreja, admite que a Igreja possa escravizar e que o cristáo se liberte da Igreja (p. 50). Assim pretende Segundo dialogar com o marxismo e o existencialismo, mostrando a um e outro o que o Cristianismo lhes pode apresentar de nfim ou comum. Verifica-se que Segundo quer acautelar o leitor contra toda especie fie concepeáo mágica, de religiao mecaniclsta que seja passaporte para a vida eterna e que dispense o homem de se empenhar em favor de scus semelhantes, nutrlndo néle urna falsa acomodagáo ou tranquil!dade. Esta preocupacao é válida. Mas o autor nao lhe dá a expressao auténticamente crista; ele tende a reduzir o Cristianismo a um vasto sistema de promocáo humana e de organizacáo dos valores terrestres. Nao realca suficientemente o relacionamento direto do cristáo com Deus e com a vida trinitaria; a regeneragUo batismal e o consorcio da vida divina ficam empalidecidos, se nao apagados, na perspectiva do autor. Na verdade, o Cristianismo nao é sámente urna tomada de consciéncia de valores latentes em todo homem; é muito mais do que isto; é elevacSo do homem a urna ordem de coisas nova, sobrenatural. Por isto o livro de Segundo merece serias reservas; é um eco de natu
ralismo c humanismo alheios &
genuina
concepeáo crista.
Nao
há
oposicáo entre as tarefas terrestres do cristáo e o seu relacionamento com Deus no plano sobrenatural.
Obediencia e Llberdade pessoal, por Tullo Goffi; traducáo do ita liano por Fr. Estévfio Nunes O.P. Colecáo «Revelacao e Teología» n» 12. — Edicoes Paulinas, Sao Paulo 1970, 145 x 210 mm, 359 pp. As questóes de obediencia sao hoje ardentemente estudadas, pois tocam de perto a formacáo e o respeito devidos á personalidade humana; por sua vez, o dito «confuto das geracOes» contribuí para agucar as
dificuldades em torno do assunto. O livro de Goffi aborda exaustiva-
mente a obediencia sob os seus variados aspectos (teológico, moral,
— 463 —
48
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 130/1970
jurídico), procurando manter o equilibrio entre as exigencias da boa ordem e da íé, de um lado, e as do respeito á personalidade, de outro lado. Merecem atencáo particular as consideragóes do autor relativas a educacáo: esta tenda a formar o jovem para o uso da liberdade
pessoal; procure fazer do educando o agente primario na educacáo; aprésente os preceitos como expressóes do amor. Goffi admite a «objecao de consciéncia», ou seja, a recusa de servico militar por motivos religiosos ou filosóficos, ficando, porém, o objetante obrigado a pres tar servicos sociais. No tocante ás relacdes entre o profetismo (os carismas pessoais) e a hierarquia, o autor atribuí o primado á hierarquia: «Nao poderia vir do Espirito Santo um profetismo oposto a hierarquia, ... destruidor da estrutura eclesiástica. Nao existe pro
fecía válida na Igreja a nao ser dentro do esquema da apostolicidade... Disto, porém, nao se segué a hierarquia deva desconhecer o profetismo, pois ele tem urna missáo constante na Igreja» (p. 199s). Em relacao á obediencia religiosa, o livro apresenta úteis reflexdes, que repelem a massificacáo ou despersonalizagáo do subalterno, sem, porém, derrogar á genuína visáo sobrenatural: «Esteja o Religioso táo desapegado do seu egoísmo que seja capaz de cumprir com serenldade qualquer preceito, mesmo difícil, mas também tenha urna personali dade forte, capaz de torná-lo apto a assumir qualquer responsabilidade pessoal e social* (p. 322). O livro muito se recomenda a educadores e, principalmente, a Religiosos.
Nao estou só, por Lucia Jordao Vilela. Colecáo «Fonte de Vida» n» 1. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 115 x 150 mm, 32 pp. Nossa bibliografía precisa de livros e opúsculos que iniciem o pú blico a vida de oragáo. Orar é algo que se aprende, embora multas vézes a oracao brote espontáneamente do coragáo do homem. Acudindo, em parte, a esta necessidade, surge a colegSo «Fonte de Vida», que tenta apresentar. para cada dia um tema de reflexáo e oragáo. «Nao estou só» é um. conjunto de 32 considerares breves e profundas sobre temas. bíblico» e moráis. A autora se tornou conhe-
cida e benemérita por numerosas outras obras, inclusive pelo trabalho denso e valioso que vem desenvolvendo na redagáo da revista «Reno-
vacáo Crista». Só se pode desejar ampia divulgagáo ao livrinho ácima, cheio de profundas sugestóes.
Hoje será melhor. Diálogo e debates com os Jovens, por Rodolfo Jesoirens e Sylvia Villac. — Sono-Viso do Brasil, Rio de Janeiro 1970, 160x230 mm, 126 pp.
Os autores da obra adqulrlram ampia experiencia no contato com a juventude, de modo a poder publicar agora em um volume onze planos de aula e um esquema de celebragáo penitencial e Missa dos jovens. O roteiro escolhido para aulas e debates segué um ritmo progressivo e dinámico: parte dos problemas do En («quem sou eu?>), passa para quem é mais próximo ao Eu («para que ouvir os mais velhos?», amor e casamento); aborda os problemas do mundo («que
— 464 —
tenho eu que ver com os outros?»), e finalmente chega ao encontró com Deus (plano de Deus, Cristo Amigo, Igreja somos nos, vivencia crista). O conteúdo do livro é substancioso e atual (estatisücas motivantes); a apresentacao técnica, muito agradável e vivaz. Os es
quemas de aula obedecem a dinámica de grupo apta a tornar os
debates atraentes e frutuosos. Realmente o livro será instrumento útil
de trabalho. É necessário, porém, que ao adotá-lo, o mestre tenha a preocupado de chegar ao fim do roteiro, onde se fala própriamente
de Cristo e dos valores cristáos; que há de mais característico e apenas daria formacáo moral e nao devem perder sua tonalidade
em caso contrario, nao transmitirla o necessário na mensagem crista, mas cívica. Os cursos de formacáo crista própriamente religiosa e sobrenatural;
devem levar os discípulos a um relaclonamento vivo com Deus, com Jesús Cristo, com a Igreja e a Eucaristía. E.B.
NO
PRÓXIMO
NÚMERO :
Escola. católica vale ?
Cursilhos de Cristandade Catolicismo holandés Zé Arigó : urna
'¿
reportagem
Celibato do clero visto por budista Morte encarada por un cristqo Freirás indianas
«PERGUNTE ,
Assínatura anual
1970
E
RESPONDEREMOS»
r porte comum
CrS
1 porte aéreo
Cr$ 25,00
I v
20,00
Número avulso de qualquer mes e ano ....
Cr$
2,00
Número especial de abril de 1968
Cr$
3,00
??
Volumcs encadernados: 1957 a 1969 (prego unitario) ..
Cr$ 20,00
Índice Geral de 1957 a 1964
Cr$ 10,00
Índice de qualquer ano
Cr$
2'00
Encíclica ^Populorum Progressio»
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Encíclica «Humanae Vitae» (Regulacáo da Natalidade).
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