Ano Xi - No. 126 - Junho De 1970

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz

Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

'•> ■*•'

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

W_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se

dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a

equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atuat

conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaca

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

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ANO XI — N?

126

JUNHO

DE

1970

ÍNDICE

A Realidade Decisiva

I.

¿33

DROGAS E MÍSTICA

1) "Poderiam as drogas ou os alucinógenos proporcionar aos horneas tana auténtica experiencia mística e a entrada no

paraíso celeste ?"

2)

l'oje?"

"Por que as drogas sao tao difundidas entre os jovens de

II.

3)

23S

23S

SERA MESMO?

"A existencia do purgatorio é de fé ?

Nao se deveria purificar o clássico canceito de purgatorio ? É o dinheiro que salva as almas do purgatorio ?"

III.

245

NA ERA DA ASTRONÁUTICA

i) " 'Eram os deuses astronautas?' Um livro que empolga e pode jyrovocar revolucdo tanto no plano da ciencia como na da Religiáo.

Que dicar dos misterios apontados pelo autor ?"

IV.

5)

257

UM DESAFIO

" 'O Cristo recrucificado'... Romance de Nikos Kazantza-

kis, que desafia os cristáos. Abaixo a inercia !"

RESENHA DE L1VR0S

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

265

275

A REALIDADE DECISIVA Divulgou-se recentemente entre nos urna bela oragáo es crita de próprio punho pelo falecido senador Robert Kennedy, dos EE.UU. Essa prece, recitada diariamente pelo grande homem público, foi encontrada no bolso do seu paleto por ocasiáo do seu assassinato.

Sem dúvida, merece atengáo:

«Em tuas máos, ó Deus, eu me abandono. Vira e revira esta argila, como o barro na máo do oleiro. Dá-lhe forma e depois, se quiseres, esmigalha-a como se «smigalhou a vida de Joáo, meu irmao.

Manda, ordena. Que queres que eu faga? Que queres que

eu faga?

Elogiado o humilhada, perseguido, incompreendido e calu-

niado, consolado, sofredor, inútil para tudo, nao me resta senáo

dizer a exempio de tua Máe: Faca-se em mim segundo a tua palavra.

Dá-me o amor por excelencia, o amor da Cruz; mas nao da cruz heroica que poderia nutrir o amor próprio; mas o da

cruz vulgar, que carrego com repugnancia, daquela que se encentra cada día na contradicáo, no esquecimento, no insucesso, nos falsos juízos, na frieza, nais recusas e nos desprezos dos loutros, no mal-estar e nos defeitos do corpo, ñas trevas

da miente e na aridez, no silencio do coracao. — Entáo somente Tu saberos que Te amo, embora eu mesmo nada saiba. Mas ISTO BASTA».

Tais dizeres sugerem algumas reflexóes. Fazem-nos penetrar no íntimo de um homem cuja carreira foi brilhante, mas que, nem por isto, deixou de conhecer a angustia e a trituragáo da vida cotidiana; sentiu-se «humilhado,

incompreendido, inútil para tudo». A cruz é realmente o quinháo mais seguro na existencia de todo homem de ideal,

mesmo dos que mais afagados parecem; é a cruz que, em grande parte, condiciona o crescimento do homem. E que sugere a fé em tais ocasióes de dor? O abandono & vontade do Pai. É mediante o sofrimento que Ele, o Divino Oleiro, purifica a argila de suas criaturas, a fim de as tornar mais belas.



Abandonar-se a vontade de Deus ñas horas amargas é

nobre, sem dúvida, mas nao é fácil. A natureza nem sempre

aceita os designios de Deus. — 233 —

Entáo que fazer?

Pedir a Deus, queira dar á sua criatura o amor

o

amor a própria cruz. «Sofre alguém entre nos? — Que ele

reze» (Tiago 5,13). Pode-se dizer, sem receio de errar? que a

oracao e o principio de solucáo de todos os problemas do nomem. A oragao é também o recurso permanente do cristao... E recurso fácil! Sim; para orar, nao é necessário esteja o cnstao na amizade de Deus; pode estar atolado na fossa e

deprimido pelo pecado; basta que se coloque na atitude de mendigo de Deus. Orar também nao requer necessáriamente

cabeca «fresca» ou saúde bem disposta; mesmo quando cansado e incapacitado de concatenar idéias, pode o cristáo coló-

car-se na presenga de Deus e oferecer-lhe as suas expectativas

e o seu amor... ou, ao menos, o seu désejo de amar o Sumo

Bem. Desejar amar, no caso, já é amar; já é efeito da graca de Deus, que age na criatura deprimida.

Ainda urna reflexáo. Há «cruzes» e cruzes na vida do

homem. Com efeito, há cruzes que, devidamente suportadas, podem tornar-se motivo de vanglória, pois suscitam a admi-

racao do público para com o sofredor. Mas também há cruzes que, em absoluto, nao trazem compensagáo sensível; sao o

insucesso, a contradigáo, o esquecimento... Estas sao as que mais se assemelham á cruz de Cristo; sao as mais preciosas,

porque nos fazem perder fé em nos mesmos e ñas criaturas,

obrigando-nos a procurar firmeza e amparo em Deus só; sao

as cruzes que nos dilatam e fazem crescer na verdadeira vida.

É principalmente o amor a tais cruzes que havemos de pedir. Mesmo que as vézes nos parega nada mais compreender do

plano de Deus (Ele oportunamente se compraz em desconsertar-nos, a fim de que nos reconsertemos nÉle), a adesáo fiel e incondicional ao Pai do céu é extremamente valiosa. «Entáo sómente Tu saberás que Te amo, embora eu mesmo nada saiba. Mas isto basta». O justo vive da fé; ele sabe que, para aquéle que pouco ou nada vé, é sumamente bom aderir Aquele que tudo vé, tudo compreende.

Que a Virgem Santíssima, modelo da entrega total a Deus numa fe que, duramente provada, foi mais forte do que a propna morte, nos obtenha a graga de repetírmos com consciéncia e^ amor crescentes: «Faga-se em mim segundo a tua pa

rí a oí^ saberás-- embora eu mesmo nada saiba... ISTO

ÜAol A»,

E.B. — 234 —

i

>

\ — r-

PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Ano XI — N' 126 — Junho de 1970

1. X)

DROGAS E MÍSTICA

«Podersam as drogas ou os alucinógenos proporcionar

aos bomens urna auténtica experiencia mística e a entrada no paraíso celeste?» 2)

«Por que as drogas sao too difundidas entre os jovens

de hoje?» Em sintese: O uso de drogas, principalmente das alucinogénicas, é reconocidamente prejudicial á saúde psíquica e íisica do consumi dor : aleta os centros sensoriais do cerebro, excita a imaginagáo e a emotividade, impedindo a pessoa de aplicar a inteligencia, a vontade e a memoria a concepcSo de auténtico e generoso ideal de vida. Nao obstante, os alucinógenos mais e mais se difundem entre os jovens por varios motivos: primeiramente, a curiosidade e o desejo de estar na moda, nao ficando p'ra tras, impele muitos & primeira experiencia; depois, a volúpia, poderosamente excitada pelos meios de comunicacáo social (cinema, revistas, jornais...), entretém o uso habitual de drogas. Interésses comerciáis de produtores e distribuidores também desempenham papel notorio na propagado do vicio. — Acresce que as drogas se tornaram nos últimos anos o símbolo de urna atitude filosófico-religiosa: a «beat generation», que contesta a sociedade de consumo, julga que as drogas sao meio eficaz para libertar o homem dos esquemas do tecnicismo e do puritanismo dos mais velhos. Diz-se outrossim que os alucinógenos proporcionan! contato místico com a Divindade.

Ora médicos e psicólogos abalizados repelem decididamente o consumo de drogas, a nao ser em casos devidamente dosados, com íins terapéuticos. Quanto aos efeitos místicos, sao ilusorios; a expe

riencia de Deus se obtém em lucidez de mente e disciplina de vida, nao no tipo 'de alheamento induzido pelas drogas. X

Resposta: Em todas as partes do mundo, inclusive no Brasil, ouvem-se vozes alarmadas em vista do crescente con sumo de drogas, principalmente entre os jovens-. As proporcóes

do fenómeno preocupam as autoridades civis: jovens de 14/15

anos sao internados em clínicas para se submeter a curas de desintoxicacáo; meninas-mocas de 13/14 anos, foragidas de — 235 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

casa, sao encontradas em transe psicodélico »; os contraban

distas de tóxicos sao muitas vézes jovens que iniciam a sua

experiencia de vida pública.

Tais fatos lancam questóes: seria de grande importancia conhecer os possiveis motivos que levam os jovens ao encalco de drogas; urna vez esclarecidas as causas, sanear-se-ia mais fácilmente o mal. É á procura de urna resposta que as páginas seguintes seráo escritas.

1.

Drogas em revista

Antes do mais, oonvém precisar o que sao os alucinógenos 2

e qual a sua atuacáo no organismo humano.

Sabe-se que os alucinógenos pertencem á categoría gené rica das drogas. Ora hoje em dia estas vém sendo distribuidas em tres principáis subclasses:

1)

grandes drogas ou estupefacientes própriamente ditos;

3)

alucinógenos.

2)

estimulantes;

Passemos em revista cada um déstes tres tipos de drogas. 1)

Estupefacientes

As mais conhecidas destas drogas sao a morfina, a eroína, a codema (oriundas do opio) e a cocaína (proveniente da fólha

da coca).

Ingeridas ou injetadas no organismo, provocam tonteiras;

a seguir, crescente aceleragáo de reflexos, sempre mais agita

dos e desconexos; donde decorre um estado de exaltagáo e euforia, em que os empreendimentos se tornam facéis; por ultimo, registra-se letargía com excitantes visóes e intenso

prazer erótico.

Com o tempo, o organismo se defende contra o tóxico, elevando a sua capacidade de tolerancia; o sujeito vé-se entáo obngado a aumentar as respectivas doses. Cai em estado de

— 236 —

DROGAS E MÍSTICA

«dependencia», em que a droga se torna idéia fixa, geradora de psicose e angustias. Toxicomania e criminalidade estáo em estrita correlagáo. 2)

Estimulantes

Sao representados principalmente pelas anfetaminas. Estas estimulam os centros produtores de energia do organismo, de I

modo que numa fase de cansago ou stress, o sujeito se torna capaz de imprevistas faganhas (usam-se na prática do esporte, em período de exames ou de sobrecarga profissional). Nao raro, urna vez terminada a agáo do estimulante, o paciente sofre um colapso físico.

O recurso esporádico a tais drogas pode solucionar situagóes difíceis (de médo, torpor, indolencia...). Caso, porém, se torne hábito, altera nocivamente os centros de comando do organismo. 3)

Aluctnógenos

Sao derivados de plantas que os povos primitivos, princi

palmente no México, conheciam e utilizavam, máxime em cerimónias religiosas. Sómente nos últimos tempos a ciencia isolou e estudou atentamente tais produtos. Os mais conhecidos den-

tre éles sao o peyotl, o teojianacatl, o ololiuqui e a oanapa

indiana.

O peyotl pertence la familia dos cactus; é cultivado ñas

regióes secas do México e do Sul dos Estados Unidos. Déle se deriva o alcaloide chamado «mescalina».

O teojianacatl (= cogumelo de Deus) era tido pelos indios

mexicanos como alimento sagrado a ser ingerido ñas solenidades religiosas; facilitaría o contato com a Divindade e o

diagnóstico de certas molestias. Dessa substancia se extrai a

psilocibina.

O ololiuqui (nome azteca) cresce no México meridional; suas sementes sao mastigadas com finalidade mágica e reli giosa. Em 1955 o psiquiatra canariense Osmond, tendo ingerido

tal substancia, verificou que provocava primeiramente um es tado de torpor; a seguir, sensagáo de bem-estar com visees fortemente coloridas e notáveis alteragóes do ambiente.

A canapa indiana é oriunda do Himalaia. Foi levada para a China em 3.000 a. C. aproximadamente; daí, para a Pérsia, o Congo, as Américas e finalmente a Europa. Os seus princi— 237 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

país derivados sao a marijuana e o hashish (haxixe, em forma

aportuguesada). Éste vocábulo parece ter dado origem ao termo assassino (= consumidor de hashish), pois, a quanto

parece, os criminosos costumavam estimular-se com tal subs tancia.

Dentre os alucinógenos obtidos por síntese química, o mais importante é o LSD-25 (dietilamina do ácido lisérgico); o n« 25 indica apenas que a síntese foi efetuada pela primeira vez aos 2 de maio (de 1938). Os iniciados o chamam simplesmente «ácido».

Sabe-se hoje que a acáo do LSD sobre o organismo é 5.000 vézes mais enérgica que a da mescalina e 100 vézes mais poderosa que a da psilocibina. Urna grama de LSD pode provocar o «delirio branco» (reacio extática) era 5.000 pes-

soas. Dadas as suas dimensóes microscópicas, dez doses de LSD podem ser enviadas ao respectivo destinatario ocultas sob um sélo de correio.

Examinemos agora de mais perto

2.

Os efeitos dos alucinógenos

Cada individuo reage as drogas de maneira muito pessoal. Pelo que, é impossível prever com precisáo todos os efeitos que determinada droga possa desencadear no respectivo consu midor. Nao obstante, os estudiosos assinalam com clareza alguns dos efeitos mais patentes comuns a todas as substancias alucinogénicas.

No plano psíquico, registra-se distorcáo das percepgóes:

visáo, audicáo, tato se alteram not&velmente. Atenua-se a ca-

pacidade de distinguir entre realidade e fantasía; perdem-se

as nocóes de espago e tempo; a memoria torna-se um tanto

caótica; a atengáo passa a flutuar sem se poder fixar. A rea lidade ambiente se torna como que fluida e esvaecente ou também turbilhonante. O individuo concebe a idéia de estar saindo do mundo de cada dia para penetrar em mundo novo, de am pias dimensóes e fulgurantes luzes; em conseqüéncia, julga-se estranhamente poderoso, capaz de superar qualquer dificuldade.

O despertar do estado de torpor ou a volta das viagens imaginarias nao significa sempre recuperacáo das faculdades mentáis do sujeito; apatía, depressáo, angustia, recusa da rea lidade sao conseqüéncias mais ou menos permanentes do con— 238 —

DROGAS E MÍSTICA

sumo de drogas. Acrescentem-se, em plano mais remoto, dese quilibrio mental e apagamento da personalidade. Por vézes notam-se também conseqüéncias somáticas: o

corpo perde peso e proporcües normáis, assumindo formas ab surdas e extravagantes. i

A éste desgaste psicossomático sobrevém o fato de que os alucmógenos acarretam para o consumidor certa dependén-

\

a ele mais e mais atraído como se fósse a solugáo radical e universal para o problema de sua existencia.

: f

cia psíquica: quem experimentou o éxtase psicodélico, sente-se Em meados de 1969, o govérno do Estado de Nova Iorque (U.S.A.), tendo em vista reprimir o uso de tóxicos, proibiu

a entrada de marijuana no seu territorio. Em conseqüéncia, os toxicómanos, nao conse^uindo superar a necessidade psí quica de «paraísos artificiáis», puseram-se imediatamente ao encalgo de quaisquer outras drogas que se achassem no mer cado; donde resultaram, em poucos meses, numerosos casos de grave intoxicagáo, muitos dos quais foram fatais.

Todavía, mesmo após táo negativo balango, nao se pode deixar de reconhecer que, em alguns casos, os alucinógenos vém a ser auténticos recursos medicináis: facilitam a manifestagáo de conflitos inconscientes, dissipam bloqueios psicoafetivos, curam agressividades e incomunicabilidade... É absoluta mente necessário, porém, que o uso de tais substancias seja entáo estritamente orientado e controlada por especialista idóneo.

3.

Juventude e drogas

Pergunta-se agora: por que se registram tantos casos de

consumo de tóxico entre os jovens? 1)

Observado geral

Em geral, o jovem vive a sua primeira aventura alucinogénica por curiosidade ou pelo desejo de provar e conhecer tudo (desejo muito compreensVel na idade juvenil); a fama

de que as drogas levam a experiencias maravilhosas ou de que

causam sensagóes novas e proibidas é suficiente para estimular o rapaz

'

ou a moga.

É dosi colegas ou dos companheiros de jogos e divertimentos que muitos recebem o seu primeiro cigarro de mari juana ou a primeira dose de ácido lisérgico, de hashish, cola — 239 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

e outras estranhas combinagóes. Estes elementos sao tídos

como presentes e, conseqüentemente, como demonstragóes de

camaradagem, de espirito de grupo; quem os recebe como

oferta, se julga obrigado a aceitá-los para nao ficar «p'ra tras», mas antes estar no passo do dia. Cigarros e bolinhas sao con

sumidos em roda amiga, num recanto qualquer (as vézes, clandestino), em seróes ou noitadas, ou em passeios... A obtengáo e a distribuicáo de tóxicos sao facilitadas mediante processos requintados de simulagáo e contrabando.

Após as primeiras experiencias, já nao é a curiosidade que impele o consumidor de tóxicos, mas é muitas vézes a própria volúpia que se apossa do individuo, volúpia incessantemente alimentada por quanto disseminam os cinemas, os jor-

nais, as cantilenas e outros meios que impregnam a opiniáo

pública. 2)

A «beat generatíon»

O consumo de drogas nos últimos tempos tem-se tornado

mais e mais freqüente nos grupos de jovens contestatarios norte-americanos. Vivendo na periferia de grandes cidades dos Estados Unidos, ésses jovens se vestem de cores vivas; sao clamorosos, nao, porém, violentos; constituem a faixa dos «hippies», também dita «beat generation», que apregoam a mudanga da atual sociedade de consumo (a propósito déste programa, veja-se «P.R.» 114/1969, p. 229; 115/1969, p. 278; 120/1969, p. 515).

O consumo de alucinógenos entre os «hippies» ou por parte da «beat generation» é fomentado por teorías filosóficas e «místicas», das quais se tornaram notáveis arautos os professóres T. Leary e K. Alpert, da Universidade de Harvard (U.S.A.). Estes estudiosos, após prolongadas experiencias e pesquisas, formularam a chamada «teoría psicodélica», que em substancia se resume nos seguintes termos: Só o consumo de drogas poderá tornar possível a renovagáo da sociedade, pois Cínicamente as drogas sao capazes de subtrair o homem ao puro tecnicismo e ao presente estado de psicose generalizada; as drogas abriráo novos horizontes aos seus consumidores, horizontes decorrentes de novas per-

cepcóes e intuigóes, que emergiráo das profundidades do espi

rito humano. As drogas agem como «urna chave química que abre a mente, liberta o sistema nervoso das suas estruturas ordinarias, dando-lhe a possibilidade de captar as novas realidades da consciéncia dilatada». Mediante as drogas, abre-se — 240 —

DROGAS E MÍSTICA

ao homem um mundo de maior riqueza espiritual, quase de inspiragio divina; as «viagens» (mentáis) através désse mundo colocam a pessoa em estado de plena Iiberdade interior.

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O Prof. Leary, ao propagar suas idéias, costuma observar que a nova filosofía é apta a provocar reagóes e perseguigóes. Acrescenta, porém, que estas ocorrem no inicio de qualquer religiáo. A «viagem» (mental) é como urna peregrinagáo a

Meca: custa sacrificios e fadigas, mas transforma o sujeito.

Quanto ao vendedor de drogas psicodélicas, longe de ser um criminoso, é o grande «Santo» que desafia a policía a fim de instaurar urna nova sociedade.

É bem compreensível que tais teorias, com seu sabor de pioneirismo e contestagáo libertadora, com seus tragos quase proféticos, atraiam o interésse dos jovens. Estes se acham pre cisamente numa fase de intolerancia em relagáo aos «grandes», que, segundo éles, se esclerosaram e tornaram hipócritas. Pre ocupados com sua seguranga financeira, capazes de permitir a fome no mundo, contanto que levem existencia tranquila, os mais velhos (assim vistos pelos jovens) suscitam o protesto da nova geragáo, que diz procurar urna sociedade mais humana, repelindo injustigas e puritanismo.

Precisamente a droga, enaltecida pelos mestres do psico-

delismo, vem a ser no mundo jovem insatisfeito o meio de

protestar contra os esquemas da moral burguesa e da sociedade

de consumo. É o símbolo de novo mundo; é fonte de inspiraráo e Iiberdade espiritual.

No fenómeno de difusáo das drogas, nao se poderia silen ciar o papel da propaganda ou da publicidade. O consumo de drogas é altamente rendoso para quem as produz e distribuí.

Por isto há produtores de substancias alucinogénicas (se nao

no Brasil, ao menos no estrangeiro) que mandam distribuir varios tipos de drogas, a título de oferta graciosa, ñas assembléias e manifestagóes de juventude, as portas das Universi dades e das escolas medias. Os responsáveis por tais presentes

sabem que o estudante, após urna primeira experiencia, difícil mente se absterá de ulterior recurso aos mesmos.

Impóe-se agora urna avaliagáo das teorias psicodélicas.

4. 1.

Mística ou m¡stif¡ca$5o ?

É muito freqüente, nos escritos psicodélicos, a afir-

macáo de que o recurso as drogas dilata a consciéncia e pro— 241 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

porciona contato com o mundo do inconsciente; mobiliza poten cialidades secretas do «eu» e assim dá inicio á escalada para a verdade.

Ora estes sugestivos dizeres nao recebem confirmacáo da parte dos médicos e psicólogos mais abalizados. Estes ensinam que qualquer tipo de alucinógeno, e de modo particular o LSD, é um corrosivo do cerebro, que influi negativamente sobre as faculdades do consumidor, principalmente sobre a sua capacidade de julgar; as drogas agem sobre diversos centros ner vosos e sensoriais da massa cerebral (tálamo, córtice, hipo campo ...), prejudicando o funcionamento normal dos mesmos, reforgando a vivacidade das percepgóes até a alucinóse, exci tando a fantasia e as representagóes simbólicas. As mesmas substancias movem também a afetividade do paciente, néle desencadeando sentimentos intensos e pujantes, capazes de provocar comportamentos desconsiderados: ansiedade e pá

nico, agressividade hostil ou terna dilegáo, éxtase feliz ou tris teza imensa, desgosto horrorizado ou cuipabilidade irremediável... Os resultados obtidos mediante as drogas sao imprevisiveis (dependem muito do tipo de personalidade e das disposicdes momentáneas do consumidor); urna experiencia de alegría extática pode ser seguida de profundos sentimentos de angustia e tristeza; a «descoberta do Absoluto» pode ter após si urna experiencia banal, alheia ao transcendental. Os «éxtases» e as «viagens» da pessoa «estupefeita» a tornam passiva e inoperante, colocando-a em estado de desorientagáo e confusáo mentáis; «estas condigóes o sujeito nao consegue distinguir das suas criagóes fantasistas o que ele possui de mais genuino e pessoal. Em vez de usar de iniciativa própria e livre escolha, a pessoa é alienada ou envolvida em urna trama artificial; por isto torna-se-lhe muito difícil ou impossivel colaborar na regeneragáo da sociedade. Costumam os

estudiosos dizer que o estado mental désse individuo é comparável a um caleidoscopio fortemente sacudido, do qual nada de seguro e razoável se pode depreender.

2. A afirmagáo de que a experiencia psicodélica é de índole mistico-religiosa nao resiste a um exame serio e sereno. Verdade é que povos antigos (e ainda hoje certas populacóes das ilhas do Pacífico), de cultura pré-científica, ignorando as virtualidades psicotrópicas de certos vegetáis, atribuiam (e atribuem) a determinadas plantas o poder maravilhoso de por o homem em contato experimental com a Divindade. Hoje,

porém, sabe-se muito bem que a exaltagáo psicológica e a eu— 242 —

DROGAS E MÍSTICA

11

foria de que gozavam os antigos devotos visando drogas, nao sao senáo modificagóes do psiquismo produzidas por estimu lantes químicos. Note-se, alias, que as pretensas experiencias místicas dos psicodélicos contemporáneos nao tém efeitos duradouros; os resultados de euforia sao efémeros; urna vez passado o efeito da droga, o sujeito póe-se a duvidar de suas «visóes» religiosas, e nao vive de modo algum como um érente ou um homem de fé.

A auténtica experiencia religiosa supóe premissas e pro voca reacSes radicalmente diversas das do psicodelismo; «bolinha» e grac.a (de Deus) nao sao da mesma índole. O genuino contato com Deus realiza-se em estado de lucidez e consciéncia; Deus nao é urna projegáo ou urna criagáo do psiquismo do homem, mas é um ser vivo — Inteligencia e Amor — com o qual o homem mais e mais se encontra na medida em que se purifica de paixóes e tendencias desregradas, exercendo disciplina sobre si mesmo; ora disciplina, autodominio, uso consciente das faculdades se opóem frontalmente ao consumo de drogas. Éste implica dissolugáo da personalidade, excitagáo

da emotividade e obnubilacáo da mente.

Mais ainda: nao se pode em nossos dias, ou seja, na era da ciencia e da técnica, reproduzir o comportamento do homem

pré-científico das culturas arcaicas. Éste fazia das drogas um

sacramento; acreditava no valor e na eficacia sagrada das mesmas; estava persuadido de que, consumindo-as, participava da Divindade. O homem moderno, porém, nao pode permitir

a si mesmo táo simplória credulidade; sabemos que as drogas sao um produto da natureza cujos efeitos psicodélicos se explicam pela farmacología e a psicofisiologia.

3. Enfim a mística do psicodelismo se manifesta ilusoria ainda a outro título: há contradicho entre o brado de reforma da sociedade e o comportamento prático dos consumidores de

drogas. Estes geralmente vivem desengajados; criticam a so ciedade, mas nada fazem por melhorá-la. Ora erros e defeitos, por mais graves que sejam, nao se eliminam pelo desinterésse e a marginalizacáo indolentes. — Outro poderia ser o juízo a proferir sobre os psicodélicos, se estes se mostrassem mais prontos á generosidade e ao sacrificio.

4. Deve-se, porém, reconhecer que certas drogas, devidamente dosadas e controladas por um profissional idóneo, pódem ter efeito terapéutico. Admita-se, por exemplo, o caso de al— 243 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu.. le 2

guém que tenha prevengóes em relagáo aos valores religio sos...; o consumo da droga poderá néle dissolver os meca nismos de defesa inconsciente, suscitando urna certa disponibilidade frente las realidades transcendentais. Todavía note-se que, neste caso e em outros semelhantes, o individuo nao faz experiencias religiosas, mas apenas desmantela o seu bloqueamento anti-religioso.

5.

*

Como responder? i

Em julho de 1969, o presidente Nixon, preocupado com a difusáo das drogas nos E.U.A., enviou ao Congresso urna mensagem que solicitava mais severa repressáo do tráfico dro-

» •

guista. O Ministro da Justiga formulou um projeto de lei, que punia com dez anos de prisáo a quem fósse encontrado simplesmente na posse de marijuana. A oposigáo, porém, se levantou, alegando: «Como encarcerar dez milhóes de jovens?» Em novembro de 1969, Nixon declarou ter mudado de parecer: «Outrora julgava eu que a solugáo era a intransi gente aplicagáo das leis: mais prisóes, mais condenagóes. Contudo nao é assim. Quando nos encontramos diante de rapazes

de 13, 14 e 15 anos, a solugáo nao é o cárcere; a resposta é

'informagáo'; a resposta é 'compreensáo'». De entáo por diante, os órgáos govemamentais puseram-se a promover conferencias de esclarecimento sobre as drogas ñas Universidades e nos colegios; intensificam-se as obras de recuperagáo dos indivi duos viciados, e impóem-se graves penas aos produtores e dis tribuidores de drogas.

Outros países tém adotado semelhantes solugóes. A Franga, por exemplo, pune severamente os traficantes de alucinógenos

e tenta influir sobre a opiniáo pública mediante os meios de comunicacáo social (imprensa escrita e falada); pronrove aulas sobre a agáo e os efeitos das drogas e abre novos caminhos para a desintoxicagáo dos psicodélicos.

Ao nosso Brasil, aos nossos dirigentes, educadores e pais de familia compete outrossim refletir seriamente sobre as raaneiras de ajudar a juventude a se libertar das ameagas da alienado psicodélica; nao seja a generosidade da nova geragáo deteriorada por falsas concepgóes místicas.



*'

A propósito ampia bibliografía poderla ser citada. Vejam-se, por exemplo, G. Perico, «Giovani e allucinogeni», em 7/3/70, qu. 2873, pp. 417-433.

— 244 —

,

«La Clvilta Cattolica»,

.

.

. ..

. „



>

PURGATORIO! COMO?

13

F. N. Moschini, «Os caminhos dos venenos», em «Problemas brasileiros», marco 1970, pp. 7-22. A. Porot, «Les toxicomanies». Presse Universitaire de France. Paris 1968.

H. Solms, «La drogue et les jeunes», em «Rééducation», agósto-

-setembro 1963, pp. 61ss.

T. Leary, R. Metzner, K. Alpert, «L'esperienza psichedelica». Mi-

«

.i1 '. I

laño 1969.

D. H. Salman, «Le droghe psichedeliche e l'esperienza religiosa»,

em «Concilium» 49/1969, pp. 137ss.

«Quattro

ragazzi

30/10/1969, pp. 25ss.

II. 3)

drogati

si

SERÁ

confessano»,

em

«L'Europeo»

1

MESMO ?

«A existencia do purgatorio é de fé?

Nao as deveria mirificar o clássiooi concoito de purga

torio?

Í2 o dinheir» que salva as almas do purgatorio?» Em síntese: O purgatorio é um estado postumo em oue a alma se purifica das inclinacSes desreeradas e dos resquicios do pecado com que tenha deixado a vida presente.

Embora mantenha urna atitude fundamental de amor a Deus. pode urna criatura tolerar em sua conduta freaüentes faltas mais ou menos deliberadas, e morrer nesse estado. Em tal caso, Deus nao condena sua criatura, mas lhe proporciona um estágio extraordinario de purificacáo, nois é impossivel que urna alma, portadora da mínima sombra de

,

falha. sustente a visáo de Deus face-a-face.

*

"

A purificacáo postuma, conforme os bons teólogos, se faz nao pelo fogo. mas pela penetracáo do amor de Deus ñas profundidades da alma, de modo a ai extinguir todo vestigio de egoísmo e amor desordenado. Tal purificacáo é dolorosa: a alma verificará amargamente

ter sido leviana, ter perdido tempo e graca de Inestimável valor.

A dor do purgatorio é mesclada de alegría, pois a alma em tal

condicao sabe que pertence irreverslvelmente ao amor de Deus.

t «

Visto que as almas no purgatorio nada podem merecer para ace lerar o seu processo de purificacáo, os cristáos na térra podem-lhes ser úteis mediante a chamada «comunháo dos santos (ou de bens sagrados)». Nao ha alma abandonada no purgatorio, pois os sufragios da Igreja militante beneficiam todas as almas. Aquelas por quem os párenles (pobres ou incrédulos) nao mandam celebrar a S. Missa, sao objeto da misericordia divina, como as demais almas do purgatorio.

— 245 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

Evite-se comparar éste estado a um cárcere onde certos prisionelros passam melhor do que outros por terem parentes mals ricos e pres tigiosos.

Besposta:

Por «purgatoria» entende-se o estado (nao um

local) em que as almas dos fiéis que morrem no amor de Deus, mas ainda portadoras de inclinagóes desregradas e resquicios do pecado, se libertam destas escorias mediante urna purificagáo do seu amor. O purgatorio vem a ser urna concessáo da misericordia divina, que nao quer condenar a quem O ama, mas nao pode receber em sua santíssima presenga qualquer sombra de pecado. A doutrina do purgatorio é, hoje em dia, especial objeto de atencáo. Certas descrigóes assaz populares e fantasistas da

expiagáo postuma contribuiram,

de

certo modo, para fazer

perder de vista quanto de belo e iiobre há nessa proposicáo da

fé. Por isto, ñas páginas que se seguem, procuraremos apresentar a nogáo de purgatorio despojada de concepsóes pouco condizentes com o depósito revelado.

Já em «P.R.» 8/1957, pp. 9-12 e 14/1959, pp. 66-72 foi abordado o tema «purgatorio». Neste fascículo recordaremos e desenvolveremos quanto ai foi dito.

1.

Purgatorio : Biblia e magisterio

Antes do mais, é preciso averiguar o que se encontra nos mananciais da fé a respeito do purgatorio. 1)

Escritura Sagrada

A doutrina do purgatorio nao se encontra explícita nos livros da Escritura; contudo algumas passagens biblicas apresentam as idéias fundamentáis que a inspiram. Tenham-se em

vista os textos seguintes: seus,

a)

/

2 Mac 12, 39-46: «No dia seguinte, Judas foi com os

como era necessário, levantar os corpos daqueles que

haviam sido mortos, para sepultá-los com os familiares nos túmulos de seus antenatos. Encontraram, sob a túnica de cada

um dos defuntos, objetos consagrados, provenientes dos ídolos de Jámnia, que a Lei proibe aos judeus; tornou-se entáo evidente a todos que esta fóra a causa de sua morte. Todos, por conseguinte, louvaram o Senhor, justo Juiz, que torna mani— 246 —

*f

PURGATORIO! COMO?

15

festas as coisas ocultas. A seguir, puseram-se a orar, pedindo

que o pecado cometido fósse inteiramente perdoado; e Judas, o corajoso, exortou o poyo a guardar-se puro do pecado, tendo ante os olhos as conseqüéncias da culpa daqueles que haviam

caído. Depois, havendo feito urna coleta, em que recolheu a

quantia de duas mil dracmas, enviou-a a Jerusalém para ser empregada num sacrificio expiatorio. Bela e nobre acá», ins-

'i r

# .*

**

1

pirada pela lembranca da ressurreigáo! Pois, se nao acreditasse que ésses soldados mortos ressuscitariam, teria sido coisa su-

pérflua e ridicula orar pelos defuntos. Além disto, considerava que está reservada urna bela recompensa aqueles que ador-

mecem na piedade. Eis por que ele fez ésse sacrificio expia

torio pelos mortos, a fim de que fóssem libertados dos seus

pecados».

No dia seguinte ao da vitória sobre o general pagáo Gór-

gias, Judas Macabeu (+ 160 a. C.) descobriu, debaixo das túnicas de seus soldados mortos, pequeños ídolos de que se haviam apoderado no saque de Jámnia; eram objetos impuros, que a-Lei proibia aos israelitas guardar consigo. Acreditava, porém, que os soldados «haviam morrido piedosamente» o que insinúa que a sua culpa nao fóra grave ou, caso o fóra, déla se tinham arrependido antes de morrer. Nao obstante, depois da morte ficaram-lhes aderéncias do mal, das quais deviam ser h'bertados, a fim de poderem conseguir a «bela

recompensa». E Judas julgava que, em vista desta purificacáo,

lhes podiam ser úteis os sufragios dos vivos, razáo pela qual mandou oferecer um sacrificio expiatorio em Jerusalém. b) 1 Oor 3, 10-16: «Conforme a graga de Deus que me foi dada, como sabio arquiteto, coloquei o fundamento, e outro

v-

i ,

constrói por cima. Cada qual, porém, veja como constrói por cima. Ninguém pode colocar fundamento senáo o que está colocado, a saber, Jesús Cristo. Se alguém constrói sobre éste fundamento servindo-se de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um aparecerá claramente;

com efeito, o dia do Senhor a dará a conhecer, pois se revelará no fogo, e o fogo provará a qualidade da obra de cada um. Se a obra construida subsistir, o operario receberá urna recom pensa; se, porém, a obra de alguém fór consumida, o operario

perderá sua recompensa; ele, contudo, será salvo, mas como



que através do fogo».

.

O texto trata dos pregadores do Evangelho, os quais edificam sobre Cristo, e nao sobre fundamento estranho ou falso. Uns, porém, constroem com zélo (servindo-se de ouro, prata, pedras preciosas); outros, com negligencia e tibieza (com na947

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

deira, feno, palha...). O dia do Senhor ou día do juízo reve lará o afinco de cada qual dos operarios. Enguanto os primeiros nada teráo de temer, os outros sofreráo detrimento, isto é, padeceráo dores e penas; todavía nao deixaráo de se salvar; salvar-se-áo depois de provar a angustia devida as suas

obras imperfeitas — o que (pode-se dizer) insinúa o tipo de salvagáo que ocorre mediante o purgatorio (o fogo, porém, neste contexto nao é senáo o símbolo do juízo de Deus).

Os autores citam também o texto de Mt 5, 25s: Jesús ai dá a entender que, após a caminhada da vida presente (a via), pode haver um cárcere (metáfora), donde o homem réu sai depois de ter expiado por completo. O texto nao é suficiente mente claro. Como quer que seja, vé-se que a Escritura fornece ao leitor os dados que constituem a estrutura da doutrina do purgatorio. 2)

Magisterio da Igreja

Até o século IV, a fé no purgatorio é atestada principal mente pelos sufragios que os cristáos faziam por seus defun tos, mormente ao celebrarem a S. Eucaristía. A praxe dos

sufragios, usual já nos tempos de Judas Macabeu (século II

a. C), continuou sem interrupgáo na Igreja. Já que os cris

táos nao oram pelos reprobos, estas preces supóem almas que, terminado o seu currículo terrestre, ainda nao entraram na posse da bem-aventuranca, podendo ser ajudadas nisto pelos fiéis sobreviventes na térra.

S. Agostinho (+ 430) e os escritores subseqüentes afir-

maram mais explícitamente a existencia da expiagáo postuma anterior ao juízo universal.

O magisterio da Igreja colheu e exprimiu a fé do povo de Deus em alguns documentos, que equivalem a definigóes doutrinárias.

Eis, por exemplo, um trecho da Constituigáo «Benedictus

Deus» do Papa Bento XII promulgada em 1336:

«As almas... dos fiéis falecidos,... dado que nada tenha havido a purificar quando morreram ou nada haja a purificar quando futu ramente morrerem, ou — caso tenha havido ou haja algo a purificar — urna vez purificadas após a morte,... essas almas, logo depois da morte e da purificacáo de que precisam,... foram, estáo e estarao no céu» (Enquiridio, Denzinger-Schonmetzer 1000 [530]).

Como se vé, éste documento ensina a necessidade eventual de purificagáo postuma, purificagáo que, sendo transitoria, pre para a entrada na visáo celeste. — 248 —

PURGATORIO'. COMO?

O II Concilio de Liáo (1264) declarou: «Se (os cristáos que tenham pecado) falecerem realmente possufdos de contricáo e caridade, antes, porém, de ter ieito dignos frutos de penitencia por suas obras más e por suas omissóes, suas almas, depois da morte, sao purificadas pelas penas purgatorias ou catartéricas... Para aliviar estas penas, sao de proveito os sufragios dos fiéis vivos, a saber, o Sacrificio da Missa, as oracdes, esmolas e outras obras de piedade que, conforme as instituigóes da Igreja, sao praticadas habítualmente pelos cristáos em favor de outros fiéis» (Dz.-Sch. 1304 [693]).

O Concilio de Trente (1545-1563) reafirmou a existencia

do purgatorio nos termos do anterior.

A Constituigáo «Lumen Gentium» do Concilio do Vaticano

II professa:

«O Sacrossanto Sínodo recebe com grande respeito a venerável fé de nossos antepassados sobre o consorcio vital com os irmáos que estSo na gloria celeste ou ainda se purificam após a morte, e propóe de novo os decretos dos Sagrados Concilios Niceno II, Florentino e

Tridentino» (n* 51).

«Reconhecendo cabalmente a comunhao de todo o Corpo Místico de Jesús Cristo, a Igreja terrestre, desde os primordios da religiao crista, venerou com grande piedade a memoria dos defuntos e, porque é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados os seus pecados, também ofereceu sufragios em favor déles» (n* 50).

«Alguns dos discípulos de Cristo peregrinam na térra ; outros, terminada esta vida, sao purificados, enquanto outros sao glorifica

dos» (tí> 49).

.

Nao resta dúvida, pois, de que a doutrina do purgatorio constituí um dogma de fé que a Igreja definiu outrora cons cientemente e reafirma em nossos días por seu magisterio ordi

nario e extraordinario.

Importa agora verificar com exatidáo qual o conteúdo

désse ensinamento da fé.

3. ..

Que é propríamente o purgatorio?

,

As descricóes populares do purgatorio por vezes quase sugerem, seja um inferno em miniatura. Tal concepgáo 'fantasista há de ser removida peremptóriamente.

,

levar em conta os seguintes pontos:

1.

Para entender o que seja o purgatorio, devem-se

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 3

1)

O amor a Deus, em um cristáo, pode coexistir com

tendencias desregradas e pecados leves ao menos semideliberados. Há, sim, em todo individuo humano um lastro inato e multicolor de desordem: egoísmo, vaidade, obcecagáo, covardia,

negligencia, moleza, infidelidade... acham-se táo intimamente arraigados no interior do homem que chegam por vézes a acompanhar as suas mais serias tentativas de se elevar a Deus e de dar a Deus o lugar primacial que lhe cabe na criatura. 2)

Todo pecado (principalmente quanda grave, mas tam-

bém a falta leve) deixa na alma um resquicio de si ou urna

inclinacáo má (metafóricamente: ... deixa urna cicatriz, deixa um pouco de ferrugem na alma, dificultando-lhe a prática do bem). Com efeito, o pecado implica sempre urna desordem, um

amor a Deus, que nao se consegue impor por completo a todos

os atos do sujeito, mas se vé contestado pelo egoísmo ou a procura do deleite desregrado. Quando, após o pecado (grave ou leve), a pessoa, movida por arrependimento e amor, pede perdáo a Deus, o Pai do céu perdoa; o Senhor jamáis rejeita urna contrigáo sincera. Todavía o amor do pecador arrepen-

dido, por mais genuino e leal que seja, pode nao ser suficiente mente intenso para extinguir todo resquicio de concupiscencia existente na alma. Em conseqüéncia, o pecador arrependido recebe o perdáo do seu pecado, mas ainda deve prestar satis facáo pelo mesmo. Essa satisfacáo nao há de ser comparada

a urna multa mais ou menos arbitraria imposta por Deus ou a um castigo vingativo; ela nao é senáo urna exigencia do amor da alma a Deus, amor que, estando debilitado, pede ser corro borado e purificado.

O Concilio de Trento declarou: «No tocante á satisfacáo... é de todo falso e alheio á Palavra de

Deus afirmar que a culpa nunca é perdoada pelo Senhor sem que

toda a pena correspondente também seja perdoada. Com efeito, ñas Escrituras Sagradas encontram-se claros e famosos exemplos que...

refutam éste erro com plena evidencia» (Denz.-Sch. 1689 [904]).

Como exemplos bíblicos de expiacáo exigida por Deus, mesmo depois de perdoada a culpa, podem-se citar os seguintes:

Moisés e Aaráo cederam á pouca fé em dado momento

de sua vida; por isto viram-se pelo Senhor privados de entrar

na Térra Prometida, embora nao haja dúvida de que a culpa lhes tenha sido perdoada (cf. Núm 20,12s; 27, 12-14; Dt

34, 4s).

— 250 —

PURGATORIO! COMO?

19

Davi, culpado de homicidio e adulterio, foi agraciado ao reconhecer o delito; nao obstante, teve que sofrer a pena de

perder o filho do adulterio (cf. 2 Sam 12,13s).

Em outros textos, o perdáo é estritamente associado a

obras de expiagao:

Assim o velho Tobías ensina a seu filho que a esmola o libertará de todo pecado e da morte eterna (cf. Tob 4,lls). Algo de semelhante é anunciado por Daniel ao reí Nabuco-

donosor (cf. Dan 4,24).

O Profeta Joel, junto com a conversáo do coracáo, exige

]ejum e pranto (cf. Jl 2,12s).

A justa satisfacáo pode ser prestada pela criatura ou na vida presente (processo éste que é normal e deveria ser con siderado por todos os cristáos como programa de vida aqui na térra); o penitente entáo se empenha corajosamente por livrar-se de suas tendencias desregradas e tornar puro o seu amor a Deus e ao próximo. Ou, se nao o consegue nesta peregrinacáo (por motivo de covardia, tibieza ou outro qualquer) compreende-se lógicamente que deverá chegar a essa pureza

na vida postuma antes de entrar na visáo face-a-face de Deus. Entáo a criatura se arrependerá por ter condescendido com a moleza e a indefinicáo>; a alma terá consciéncia de que devia ter sido mais coerente e menos leviana; tomará consciéncia de que foi cercada pelo amor de Deus no decorrer de toda a

sua vida e o ignorou ou esbanjou (amarga consciéncia!) Esta venficacáo nao poderá deixar de Ihe ser dolorosa, de mais a mais que a alma perceberá que, por causa de sua indefinicáo na térra, Ihe será diferida ou postergada a entrada no gozo

definitivo de Deus; ser-lhe-á duro averiguar que faltou ao en contró marcado com Deus, justamente após a morte, quando

as almas mais fome e sede tém de Deus.

Aprofundando as idéias ácima, pode-se dizer: é devagar ou lentamente que o homem se torna, segundo todas as dimensóes do seu ser, o que ele já é no «núcleo» de sua personali-

dade. Em outros termos: urna decisáo generosamente abracada pela vontade do homem * nao costuma penetrar e mover ins tantáneamente todas as carnadas da personalidade; ela muitas vezes encontra, no fundo da consciéncia ou também no incons

ciente do individuo, urna resistencia mais ou menos tesa resis-

— 251 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

téncia que provém de atos e hábitos do passado do sujeito. É essa resistencia que deve ser vencida, de modo a exigir da alma o empenho cada vez mais enérgico do seu amor a fim de que éste penetre toda a respectiva personalidade.

4.

Nogoes complementares

1. Paradoxalmente, o purgatorio é também um estágio de vida cumulado de alegría, ... de alegría a que nenhum dos prazeres da térra pode ser comparado. Com efeito, a alegría

no purgatorio jorra da consciéncia que a alma tem, de que ela pertence ao amor de Deus de modo irreversível. Ela sabe que é •o amor que a purifica e que nela cresce para penetrá-la por completo.

Deve-se mesmo dizer que a alma no purgatorio nao deseja

evitar éste estado, pois reconhece que é um dom da miseri

cordia divina sem o qual ela nao poderia atingir a sua consumagáo.

S. Catarina de Genova (+ 1510) deixou no seu «Tratado

sobre o purgatorio» as seguintes reflexóes, que merecem ser levadas em conta: «Enquanto depende de Deus, vejo que o céu nao tem portas, e ai pode entrar quem queira, pois Deus é todo bondade; mas a divina esséncia é táo pura que a alma, tendo em si algum empecilho, se precipita por si no purgatorio, onde encontra essa grande misericor dia : a destruicjío do seu empecilho.

Enquanto a purificacáo nao está terminada, essas almas compreendem que, caso se aproximassem de Deus pela visáo beatifica, nao estariam no seu lugar e, em conseqüéncia, experimentariam maior soírimento do que ficando no purgatorio» (cap. 9 e 16). «Paz nenhuma é comparável á das almas do purgatorio, excetuada a dos Santos no céu; e essa paz aumenta incessantemente pela in fluencia progressiva de Deus sobre essas almas e a medida que os empecilhos desaparecem. A ferrugem do pecado é o obstáculo... ; quando esta ferrugem se vai, a alma reflete cada vez mais períeitamente o verdadeiro Sol que é Deus. Sua íelicidade aumenta na proporcao em que a ferrugem diminuí» (cap. 2).

«As almas do purgatorio nao podem desejar outra coisa senáo

permanecer onde estao, como Deus em Justica dispds...

N&o

podem

ier consigo mesmas t "Esk alma tó l*Íá ñM flfi ÜIÍ, Oü *Eu antes déla1... Acham-se táo satisfeitas com as disposicSes de Deus a seu respeito que amam tudo que agrada a Deus» (cap. 1).

3.

Vé-se, pois, que nao se deve comparar o purgatorio

ao inferno. Neste as almas se acham incompatibilizadas com o — 252 —

___

PURGATORIO! COMO?

21

amor e fixadas para sempre na aversáo a Deus e ao próximo. Enguanto o purgatorio é prenhe de esperanza e caridade se renas, o inferno é a retorsáo de todos os valores humanos e cristáos.

No inferno, além da ausencia de Deus, admite-se algo que

i

t f

'

k

a S. Escritura chama «fogo», aguilháo físico e real, cuja natureza os teólogos nao sabem explicitar com exatidáo. FaJa-se

também de «fogo do purgatorio». Parece, porém, que nao se

trata senáo de urna metáfora para designar o próprio sofrimentó decorrente da dilagáo da visáo face-a-face. O conceito de «fogo do purgatorio» provocou no século XV

(época do Concilio de Florenga)

decidida repulsa por parte

dos cristáos orientáis separados de Roma; a estes o fogo do purgatorio lembrava um inferno provisorio, ou seja, urna aberragáo doutrinária.

Os cristáos do Oriente até o século XVII aceitavam, sem dificuldade, a idéia de urna purificagáo postuma no sentido aquí exposto (sem mengáo de fogo). A partir do século XVII, porém, sob a influencia de autores protestantes, tém hesitado em sua posigáo doutrinária. Nao obstante, ainda hoje muitos aceitam urna purificagáo postuma, evitando descer a porme nores e reconhecendo a eficacia da oragáo e dos sufragios pelos

defuntos.

A estas idéias deve-se acrescentar algo sobre

5.

M

Sufragios pelos defuntos

Distingam-se dois aspectos do tema: 1) sufragios dos fiéis na térra pelas almas do purgatorio; 2) preces das almas em favor dos homens neste mundo.

11)

Sufragios pelas almas

di

1. Desde os primeiros séculos a Igreja tem orado pelos defuntos, principalmente na celebragáo da S. Eucaristía. O Con cilio do Vaticano II, confirmando os dizeres de Concilios ante riores, convalidou tal praxe (ver textos á p. 17 [249]).

g

seguinte:

1

lerar o processo de sua purificagáo, pois sao incapazes de me-

O fundamento teológico dos sufragios pelos defuntos é o

As almas, no purgatorio, nao podem abreviar nem ace — 253 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

recer algo (o período de méritos é sómente a vida presente). Contudo os cristáos na térra podem ser-lhes úteis em virtude da Comunháo dos Santos (ou Comunháo dos bens sagrados),

que une todos os membros da Igreja entre si; já que todos os fiéis — militantes, padecentes e triunfantes — formam o Corpo de Cristo, os méritos de uns beneficiam os outros. Assim po

dem os fiéis na térra satisfazer pelas almas no purgatorio (ao passo que estas apenas podem «satispadecer»). Os sufragios aplicados as almas do purgatorio fazem com que estas sejam mais profundamente penetradas pelo amor de Deus, o qual nelas há de consumir mais rápidamente as impurezas do pe cado.

2. Note-se, a propósito, que a comunicacáo de bens espi rituais entre os fiéis nao conhece classes nem privilegios; todos os bens espirituais da Igreja circulam entre todos os membros desta. Por isto nao é adequada a expressáo «as almas mais abandonadas no purgatorio»; todas as almas sao beneficiadas pelos sufragios gerais da Igreja; nao há alma abandonada. Mais explícitamente: nao se deve conceber o purgatorio como um cárcere, onde se encontrem prisioneiros de origens

diversas; os que tém familia numerosa e rica, ai recebem mais visitas e presentes, ou seja, passam melhor do que aqueles que pertencem a familias pobres ou negligentes; poderáo sair da prisáo mais cedo do que os seus companheiros indigentes. Evite-se transpor tal imagem, com suas categorías e classes,

para o além-túmulo. O purgatorio, de certo modo, transcende os conceitos que adquirimos neste mundo; pertence aos sabios e misteriosos designios salvíficos de Deus, a respeito dos quais a Revelacáo Divina é sobria. Por isto nao se creia que urna alma do purgatorio que nao se beneficie de sufragios — ou por nao ter familia, ou por só ter parentes incrédulos ou negli gentes ou pobres — é urna «alma abandonada»; na verdade,

ela está envolvida pela infinita misericordia de Deus, á qual se dirigem constantemente as preces e os sufragios da Igreja

peregrina na térra.

3. Assim também se vé que é infundada a objecáo muitas vézeg proferida: «As almas de familia pobres, que nao tém dinheiro para mandar celebrar a S. Missa, sofreráo mais, e mais tempo, no purgatorio do que as almas dos ricos! O di nheiro é decisivo até no purgatorio!»

Nao se deve crer que essas regras de lógica terrestre e

comercial sejam observadas também por Deus; o Senhor Altís-

simo seria muito pobre, muito desfigurado, se atendesse menos — 254 —

PURGATORIO! COMO?

23

solícitamente aos interésses daqueles que menos dinheiro tém

em seu favor; heranga monetaria nao significa primazia para

alguém, diante de Deus. Jamáis se deve esquecer que a graca

,

a '

1 * \ *

'

e a misericordia de Deus tém o primado sobre os esforcos e as obras dos homens. As almas dos pobres, por conseguinte, sao objeto do Amor salvífico de Deus tanto quanto as dos ricos; abstenhamo-nos de estabelecer urna ordem de prioridade ñas

relagóes de Deus com as almas.

Acontece, porém, que entre nos e as almas do purgatorio

ná o dever de sufragar, ... e de sufragar segundo determinada ordem: impóem-se á nossa caridade primeiramente aqueles que nos estáo mais próximos (parentes, amigos, colaboradores,

benfeitores...). A urna familia crista — pelo fato mesmo de

ser crista

toca o dever imperioso de sufragar as almas, a

comegar pelos membros defuntos dessa familia. 4.

E como sufragar?

Evidentemente a S. Missa, sendo o sacrificio da Cruz perpetuado para beneficiar os homens através dos sáculos, é,

da nossa parte, o meio mais eficaz para ajudar as almas do

purgatorio. Esta doutrina sempre foi professada e posta em prática pela Igreja.

É oportuno frisar que nao se pode oferecer a Comunháo Eucarística como tal nem pelos vivos nem pelos defuntos; a Comunháo, enquanto sacramento, age apenas sobre o cristáo a quem é dada; ninguém pode receber os sacramentos pelos

outros. Todavía, na medida em que é obra boa e meritoria, a S. Comunháo pode ser oferecida por vivos e defuntos.

Mencionem-se também as oragóes, particulares e comuni tarias, dos fiéis, a paciencia ñas provagóes de cada dia, os (K |

sacrificios generosamente empreendidos por amor a Deus e ao

próximo. — Deve-se frisar que o valor expiatorio das obras boas e das preces pelos defuntos é dependente do grau de fervor e caridade de quem as cumpre.

5. Por último, observe-se que nos é impossível avaliar a duragáo do purgatorio, pois éste estado nao é regido pelo

sistema de anos e dias que na térra usamos, considerando os movimentos dos astros. No purgatorio, a duragáo é representada -pelos atos dos espíritos, atos de conhecimento e amor;

cada um déstes atos é urna unidade de duragáo ou um instante espiritual, e cada qual désses instantes pode corresponder a vinte, trinta ou sessenta horas do nosso tempo solar (como urna pessoa pode permanecer horas continuas em éxtase, ab— 255 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 3

sorvida por um único pensamento); os atoe sucessivos dos espi ritas constituem a serie dos instantes espirituais chamada «evo» ou «eviternidade». Ora, já que nao se vé qual a proporgáo vi gente entre o tempo solar e o evo dos espirites, torna-se-nos impossível avaliar a duragáo das penas do purgatorio para alguma alma. 2)

Rogar as almas do purgatorio ?

É costume nao raro entre os fiéis invocar as almas do purgatorio a fim de que intercedam por interésses dos cristáos na térra.

Será justificado?... recomendável? — Até o sáculo XVI, os teólogos, inclusive S. Tomás de

Aquino (+ 1274), eram contrarios a tal praxe; as almas no purgatorio precisam de auxilio mais dar auxilio pela oraoáo; acham-se em estado expectativa, nao em condigóes de exercer algo

julgavam que do que podem passivo e em em favor do próximo. Apelavam também para o fato de que a Liturgia da Igreja nunca invoca os fiéis do purgatorio.

Todavía, a partir do sáculo XVI, tem-se difundido a opiniáo contraria a. dos autores medievais. Os teólogos dos últimos sáculos observam que o fato de estarem expiando e nao poderem merecer nao impede que as almas do purgatorio orem em favor de outros. Tém inteligencia e vontade lúcida; conservam toda a caridade que as animava na térra em prol dos demais membros do Corpo Místico; por que entáo nao atuariam em nosso beneficio? Deve haver fluxo e refluxo entre a Igreja triunfante, a padecente e a militante. Nada de decisivo pode ser objetado a estas consideracóes. A autoridade eclesiástica hoje reconhece a legitimidade da

invocagáo das almas, embora éste costume nao tenha entrado na Liturgia da Igreja. Contudo deve-se recomendar moderacáo

em tal praxe. O estado das almas do purgatorio exige que pensemos em auxiiiá-las por nossas oragóes mais do que em ser auxiliados por suas preces; prevaleca a recordagáo de suas indigencias mais do que a das nossas! Bibliografía:

C. Pozo, «Teología del mas allá», em «BAO n° 282. Madrid 1968. E. Bettencourt, «A vida que comeca com a morte». Rio de Ja neiro 2 1958.

— 256 —

«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?»

25

Garrlgou-Lagrange, «O homem e a eternidade». Lisboa 1959. «Se purifier pour voir Dieu», em «La Vie Spirituelle» t. LVIII tí> 491 (1963); número inteiro dedicado ao purgatorio.

M. Jugie, «Le Purgatoire et les moyens de l'éviter». París2 1940. «Christus. Cahiers Spirituels», t. 9 n' 34 (1962).

III.

NA ERA DA ASTRONÁUTICA

4) «'Eram os deuses astronautas?' Um Iivro que empolga e pode provocar revolugao tantoi no plano da ciencia como no da Beligiao.

Que dizer dos misterios apontados pelo autor?» Em sintese:

Erich von Daniken, na obra ácima, cita numerosos

dados da arqueología, da geología e da historia antiga que o levam a

crer tenha sido a Térra outrora visitada por astronautas extraterrestres Estes, dotados de civilizacáo avancadíssima, passaram por «deuses» aos olhos dos homens da pré-história; é o que explica que as tradic8es mais antigás do género humano íalem de «deuses» e lhes atribuam facanhas maravilhosas. Estes astronautas fecundaram mulheres de modo a produzir homens intelectualmente reforcados, que deram gran de impulso ao progresso cultural do género humano; também ensinaram aos homens os recursos da arte e da industria que hoje admira mos nos vestigios da pré-história e da historia antiga. Evidentemente, a tese de E. von Daniken é muito mais inspirada pela íantasia do que pela ciencia estrita. Alias, o autor nao é dentista, mas, sim, jornalista. A arbitrariedade de mente do jornalista se manifesta com toda a clareza quando ele aborda textos bíblicos, pretendendo interpretá-los segundo as suas opinides; E. von Dániken mostra nao conhecer, em absoluto, as regras obvias e as conclus6es mais fir mes da ciencia exegética; para interpretar a Biblia, é preciso voltar aos tempos dos escritores sagrados e procurar entender os textos bí blicos como éles os entendiam. E. von Dániken nao sómente nao faz éste trabalho, mas lé a Biblia através das lentes de suas teorías. Em suma, o Iivro «Eram os deuses astronautas ?» é interessan-

tíssimo como coletánea de dados maravilhosos, mas vulnerável do ponto de vista «üiterpretacSo dos dados».

Resposfca: Está muito em voga o Iivro «Eram ós déUSéfi

«astronautas? Enigmas indecifrados do passado», da autoría de Erich von Dániken. Escrito em alemáo no ano de 1968, roí traduzido para varios idiomas, e já apareceu em portugués na i

sua terceira edicáo (Editora Melhoramentos, 1970). O mesmo — 257 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

autor escreveu posteriormente um livro que complementa o anterior com nevos dados e conjeturas, e traz em portugués o titulo «De volta as estrélas. Argumentos para o impossível» (mesma editora, 1* edigáo em 1970).

Analisaremos abaixo a tese proposta por E. von Dániken. após o que, sugeriremos algumas reflexóes a respeito. 1.

«Eram os efeuses astronautas?»

Erich von Dániken é um jornalista alemáo (nao geólogo, físico, historiador...), que percorreu quase o mundo inteiro, observando rochas, montanhas, monumentos, túmulos, inscrigóes e outros documentos da civilizacáo antiga... Impressionado por quanto encontrou, deixou que a fantasía trabalhasse sobre tais dados e formulou a seguinte hipótese apresentada nos livros citados:

Nos tempos pré-históricos, a Térra foi repetidamente visi tada por astronautas provenientes de outros planetas. Porta dores de civilizagáo e técnica muito ayancadas, pareciam deuses aos homens terrestres pré-históricos, os quais, em conseqüéncia, passaram a falar de «deuses» em suas tradigóes (daí o

título do livro «Eram os deuses astronautas?»). Tiveram unióes

sexuais com mulheres da pré-história — o que deu grande

incremento á inteligencia e aos talentos do nosso género hu mano. Os cosmonautas extraterrestres deixaram na térra ves tigios de sua passagem (monumentos, máquinas, instrumentos

de trabalho) e ensinaram aos homens numerosas técnicas para

que fóssem subindo no plano cultural.

Assim, por exemplo, diz o autor que «em Nazca (Perú),

situado num vale dos Andes, há um campo de pouso com pis

tas em solo rochoso que medem 60 km de extensáo. Na mesma regiao ha um verdadeiro balizamento para facilitar a aproximagao de astronautas; sao sinais de 250 m de altura, gravados

em alcantilados rochedos» (pp. 30s).



.

J

Os pretensos astronautas seriam provávelmente habitantes

de Marte. — Éste planeta tem dois satélites (Deimos e Fobos), de mínimas dimensóes (cérea de 8 e 16 quilómetros de diá metro respectivamente); julgam alguns cientistas que se trata de satélites artificiáis, o que levaría a crer numa civilizacáo outrora existente em Marte e talvez extinta em nossos días.

«Se urna catástrofe de origem cósmica pode ser levada em consideragáo como causadora do aniquilamento de urna

i »•

j * ¿

«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?»

27

civilizacáo sobre o planeta Marte, entáo tais indicios também

reforcam a nossa teoría de que a térra, em obscuros tempos

arcaicos, possa ter recebido visitas do espago. Fica, portante,

i

. f *

de pé a possibilidade especulativa de que grupos de gigantes marcianos quigá se salvaram na Térra, onde fundaram, em conjunto com os seres semi-inteligentes vivendo aqui entao, a nova cultura do homo sapiens. Como a gravitagao de Marte é menor do que a da Térra, é de se supor que a oonstituigao física do homem de Marte fósse mais robusta e de porte maior do que a dos habitantes da Térra. Se nessa teoría houver um halo de realidade, entáo teríamos os gigantes que vieram das estrélas que eram capazes de mover blocos colossais de pedra, que ensinaram aos homens artes ainda ignoradas e que, final mente, se extinguiram...» («Eram os deuses...» p. 153). Diante de livro táo sensacional e desafiador, é mister ins tituir

,

2.

Algumas reflexoes

Distinguiremos tres pontos merecedores de atengáo. 1)

Observado geral

Inegávelmente, o livro de von Daniken apresenta nume rosos dados concretos de arqueología, historia e geografía que

langam questóes ao observador. É muito útil tomar conhecimento désse material; a cultura geral do leitor assim se enri quece, enquanto a inteligencia é estimulada a raciocinar.

Todavía note-se que o autor nao é própriamente um cultor das ciencias naturais e humanas, mas um jornalista, que coletou dados, e tenta interpretá-los, antes do mais, com a fan tasía A superficialidade das interpretagóes dadas por von ^

\

Daniken é particularmente evidente quando ele aborda textos bíblicos, como se verá abaixo.

As analogías que o autor pretende descobrir entre certas

rochas e as obras da escultura humana, nao bastam para asseverar que aquelas tenham sido talhadas por artistas marcia nos

•* *

Aqui no Brasil mesmo há montanhas impresionantes,

como o Dedo de Deus e a Verruga do Frade (Serra dos Órgaos, Teresópolis), o Frade e a Freirá (perto de Vitoria, no Espirito Santo). As grutas de Maquiné e Lagoa Santa apresentam salóes subterráneos, em que a erosáo e os calcáreos produziram belíssimas obras naturais, semelhantes a rendas, vestido de noiva, bolo de casamento, trono real... Ora ninguem pensa em atribuir tais desenhos a artistas humanos. — 259 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

Ademáis pergunta-se: por que nao voltam os habitantes de Marte ou de outros globos á Térra, desde que temos consciéncia da historia do género humano (há cinco ou sete mil

anos) ? Será de crer que a civilizacáo de todos ésses seres ra cionáis se extinguiu?

É oportuno, sem dúvida, procurarmos reconstituir o pas-

sado e prever o futuro de nossa historia. É também iuegável

que os antigos nos deixaram monumentos (as pirámides do Egito, por exemplo) que atestam elevados conhecimentos cien tíficos; isto nos incita a procurar explicar a origem de tais

conhecimentos. Faz-se mister, porém, que nesse setor a fanta sía permanega sempre sob o controle da razio. 2)

Habitantes em outros planetas

Diz o erudito jornalista que «há 18.000 planetas relativa

mente próximos de nos, os quais oferecem condigóes necessárias

á vida, similares as que existem na Térra»; aínda que só 1% désses planetas seja habitado, haveria 180 planetas habitados (cf. p. 13).

Aos astrónomos compete julgar tais dados numéricos.

Continua o escritor asseverando que, quando se provar realmente a existencia de seres inteligentes fora da Térra, «se tornaráo duvidosas as nossas religióes e se deflagrará a maior das revolucóes e urna total reformulagáo da Historia da Hu-

manidade» (p. 69)..

Ora é de notar que a existencia de habitantes em outros planetas se concília perfeitamente com os dados da fé crista: Deus só revelou aos Iwwnens o que diz respeito ao género hu mano terrestre e á sua salvagáo por Jesús Cristo; fora disto,

pouco ou nada se conhece dos insondáveis designios divinos.

Desde o sáculo passado, observam os teólogos a conveniencia de que outros planetas sejam habitados por seres inteligentes; estes dariam a Deus a gloria que tanta materia nao Lhe pode

dar. Apenas é de notar que os homens extraterrestres seriam devedores de fé e amor ao mesmo Senhor que nos criou; quanto ao mais, a prudencia manda que nos calemos, pois ignoramos por completo a historia religiosa de tais hipotéticos seres. 3)

E a Biblia?

É quando von Daniken recorre á Biblia que mais se podem

avaliar as suas teorías, pois a Biblia é um livro que as ciencias (lingüística, arqueología, historiografía...) tém estudado criteriosamente, de modo a depreender o seu sentido exato. — 260 —

«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?»

29

Examinemos, pois, as principáis reflexóes do erudito jor-

nalista em torno da Biblia. a)

O concertó de Deus

Julga von Dániken que «algumas das ocorréncias narra

das no Antigo Testamento nao sao compatíveis oom o caráter de um Deus bondoso, grande e onipresente... Aquéle que deseja conservar intangíveis as teses da fé bíblica, deve ou deveria estar interessado em esclarecer quem, afinal, educou os homens na antigüidade, quem lhes deu as primeiras regras para um oonvívio social... e quem destruiu os pervertidos. Se pensarmos e perguntarmos assim, nao estaremos sendo ateus. Temos a firme convicgáo de que, quando a última pergunta relativa ao nosso passado tiver merecido urna resposta genuína e convincente, ALGO restará no infinito que, por falta de nome melhor, chamamos DEUS» (p. 68s). Ora quem lé as narrativas do Antigo Testamento, verifica

nelas a imagem de Deus que trata com um povo «de dura

cerviz», ou seja, rude e primitivo; ésse Deus pune, mas se

revela também como «o Deus de Bondade e Amor»; já no

Antigo Testamento se manifesta eloqüentemente o amor de Deus: «O Senhor vosso Deus vos escolheu... dentre todos os povos que

estáo sobre a face da térra. O Senhor aderiu a vos e vos escolheu, nao porque ultrapasseis em número todos os povos; sois o mínimo de todos os povos. Mas, porque o Senhor vos ama e quis cumprir o

juramento que fez a vossos pais» (Dt 7,6s). «Sabei que nao é por causa da vossa justica que o Senhor vosso Deus vos dá ésse belo pais (Canaa) como propriedade; sois um povo de dura cerviz» (Dt 9,6; cf. 4,37).

Quem educou o povo de Israel, levando-© paulatinamente

a compreender as exigencias do amor, foi o próprio e único

Deus, e nao «deuses»

(astronautas) provenientes de outros

planetas. Deus nao é ALGO, mas ALGUÉM, a Suma Sabedona e o Primeiro Amor.

Embora as diversas arengas religiosas da humanidade concebam numerosos deuses, a sá razáo ensina que só pode haver

um Deus: um Deus Santo e Perfeito, fonte de todas as per-

feicóes existentes ñas criaturas* Os conceitos fantasistas de

Deus propalados por povos de mentalidade primitiva nao nos

devem tornar céticos no tocante ao conhecimento de Deus; ao homem é possível, sim, chegar pela razáo e pela fé á nogáo do Deus único e verdadeiro. — 261 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

O fato de que Deus na Biblia fala de si na primeira pessoa

do plural («Fagamos o homem segunda a nossa imagem...»,

por exemplo, em Gen 1,28), nao quer dizer que a Biblia insinué

multiplicidade de deuses. O plural, no caso, é intensifícativo: «Elohim» (em lugar de El) quer dizer «O Forte ou o Poderoso

por excelencia».

Á p. 51s do seu livro, von Dániken sugere algo de singu lar: os filhos de Deus que tomaram por mulheres filhas dos homens (cf. Gen 6,ls), deveriam ser marcianos. Ora a sadia exegese ensina que «filhos de Deus», no caso, sao os homens

bons, e «filhas dos homens» designam as mulheres pecadoras. b)

Sodoma e Gomorra

A destruigáo de Sodoma e Gomorra, de que fala Gen 19,

teria sido provocada pela explosáo de urna bomba atómica lancada por cosmonautas!...

— Os estudiosos explicam a ruina das duas cidades pela geología da própria regiáo. Esta é rica em betume e petróleo

(grandes depósitos déstes materiais foram encontrados na re gido do Mar Morto); também é marcada pela presenga de gases. Ora um terremoto terá provocado a combustáo do petróleo e dos gases, dando assim origem á terrível destnricáo descrita

em Gen 19.

c)

O «carro» do Senhor

O profeta Ezequiel, no capítulo 1» do seu livro, descreve o maravilhoso carro do Senhor na Mesopotánia, sustentado por quatro estranhos viventes e dotado de quatro rodas. O jornalista von Daniken identifica tal veículo com urna nave espa cial pilotada por «deuses» ou astronautas extraterrestres. A propósito, deve-se dizer que, embora certos pormenores da visáo de Ezequiel fiquem obscuros, tal visáo quer significar a «mobilidade espiritual» do Senhor: a presenca de Deus nao e limitada ao templo de Jerusalém, mas acompanha seus fiéis ate a térra do exilio (Mesopotamia), onde se encontra Ezequiel. O carro, por conseguinte, é mero símbolo, pois Deus nao usa veículo; os estranhos animáis que ornamentam o carro, lembram os karibu assírios (nome correspondente a querubins); os karibu eram animáis monstruosos cujas estatuas se achavam colocadas ia entrada dos palacios da Babilonia: tinham cabega de homem, busto de leáo, patas de touro e asas de águia O profeta Ezequíel inspirou-se nessas estatuas para descrevei- o — 262 —

«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?»

31

simbólico carro do Senhor. Eis a explicagáo científica a ser dada a visáo de Ezequiel. d)

A arca da aliansa

Deus revelou a Moisés o modelo conforme o qual deveria ser feita a Arca da Alianga (cf. Éx 25, 40). Mais tarde, na ocasiáo em que a Arca foi transportada para Jerusalém, Oza ousou tocá-la com a máo; entáo, como que atingido por um raro, Oza caiu morto instantáneamente (cf. 2 Sam 6, 3-7). Quer isto dizer que a Arca estava elétricamente carregada, como pensa von Dániken (renovando, alias, a hipótese de certos comentadores de tempos passados)? A eletricidade era elemento desconhecido aos homens nos

sáculos xm/X a. C. Se, nao obstante, Moisés e os israelitas ja a utilizavam nessa época, nao se entende que tenha caído no

esquecimento e desuso.

Na verdade, o jornalista alemáo propóe interpretagáo estranha á mentalidade do texto sagrado. Quem lé o texto de 2 Sam 6,6s, verifica que a causa da morte de Oza nao se derivou diretamente da arca sagrada; houve urna intervengáo de Deus entre o toque da arca e a morte de Oza. E por que terá o Senhor fulminado Oza por haver tocado a arca de Deus?

— A Lei de Moisés proibia aos israelitas violar os objetos do culto com olhares ou toques indiscretos; ora Oza ousou co locar a máo na arca do Senhor. A pena de morte, no caso, pode parecer excessivamente severa; todavia deve ser consi derada á luz do rigor com que em Israel era punida a violagao

das coisas santas. Ademáis é preciso nao esquecer que os epi sodios do Antígo Testamento se referem a um povo que muitas vézes so se rendía as impressóes fortes; em conseqüéncia, a pedagogía divina recorría a intervengoes marcantes, todavia sem detrimento da justíga (se os homens tém o senso da justiga, muito mais Deus o tem). e)

A longevidade dos antigos

E. von Dániken impressiona-se pelas noticias de que os sumérios viviam dezenas de milhares de anos (os Patriarcas bíblicos viviam centenas de anos). A fim de explicar éste dado literario, apela para a teoría da relatividade de Einstein e as viagens dos astronautas (num inciso, alias, assaz confuso; cf. pp. 39s). — 263 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

Na verdade, os sáculos ou milenios de vida que os antigos povos atribuían) a seus primeiros reis ou Patriarcas, devem ser entendidos simbólicamente: designam simplesmente a autoridade e a venerabilidade de que gozavam tais heróis (todo mestre venerando é clássicamente concebido como anciáo en canecido e, por isto, respeitável). Nao é preciso, pois, procurar na matemática a interpretagáo da «longevidades dos antigos, pois esta nao tem sentido cronológico. Os Patriarcas bíblicos e os reis sumérios viveram quanto podiam viver os homens nos primordios da historia da civilizagáo. f)

Moisés e o Pentateuco

Á p. 68 escreve o jornalista alemáo: «Consta que Moisés escreveu os cinco primeiros livros bí blicos, embora até hoje seja um misterio indecifrado qual a língua em que ele possa té-Ios escrito». Na realidade, consta que Moisés nao escreveu os cinco livros iniciáis da Biblia tais como éles hoje sao. No sáculo XIII a. C. Moisés codificou as tradigóes já existentes, oráis e escri tas, jurídicas e históricas, do povo de Israel, dando assim inicio á Torah ou á Lei de Moisés. No decorrer dos tempos, o bloco legislativo deixado por Moisés foi sendo, por sua vez, adaptado a tempos e lugares sucessivos; diversos autores e grupos de autores deram-lhe sua contribuigáo própria. Só no sáculo V

a. C, por obra do escriba e sacerdote Esdras, é que o conjunto histórico-legislativo de Israel chegou á sua forma definitiva. Por conseguinte, a Lei dita de Moisés deve-se, em substancia, a éste legislador; o seu espirito é o de Moisés, mas a sua forma literaria revela a fusáo de quatro documentos (Javista, Eloísta, Deuteronómio, Código Sacerdotal) oriundos em épocas e cir cunstancias varias da historia de Israel. Cf. «P.R.» 100/1968, pp. 142-168.

Mais aínda: ao interpretar o livro do Génesis, o jornalista alemáo mostra desconhecer as mais elementares regras de exegese. Cf. «Volta as Estrélas» p. 164, onde o editor brasileiro do livro chega a corrigir o autor. Os apócrifos e os livros bí

blicos auténticos sao usados promiscuamente.

Era suma, estas e outras observacóes em torno dos eonhecimentos bíblicos de E. von Daniken evidenciam que o autor nao foi um exegeta própriamente dito ao utilizar o Livro Sa grado; deixou-se levar por preconceitos e fantasía mais do que por estudos bíblicos. Nao é assim que se constrói urna teoría científica. — 264 —

«O CRISTO RECRUCIFICADO»

3.

33

Conclusao

Os dados nao bíblicos que E. von Daniken apresenta para fundamentar sua tese, devem ser estudados cada qual de per

si. Há realmente elementos da arqueología e da historia antiga que nao se explicam fácilmente; tais sao os achados da ilha de Páscoa, situada a 3.600 quilómetros do litoral do Chile; apresenta vestigios de civilizacáo cuja origem nao foi até hoje elucidada. E. von Daniken interpreta-os como restos da estada de marcianos na térra; todavía bem se poderia dizer que se

trata de destroces da populagáo que habitava a ilha de Páscoa, quando esta aínda estava unida ao continente...

Numa palavra, a tese global do jornalista alemáo parece fantasista e arbitraria demais para poder ser razoávelmente aceita. O mérito do autor está, antes, em ter colecionado táo numerosos e importantes elementos arqueológicos, cujo conhecimento só pode deleitar o leitor e estimulá-lo á reflexáo obje tiva e serena.

IV.

UM

DESAFIO

5) «'O Cristo recrucificado'... Romance de Nikos KazantzaJds, que desafia os cristaos. Abaixo a inercia!» Em síntese:

Nikos Kazantzakis é um escritor grego que, após

muito viajar em países cristaos e socialistas, deixou obras que visam

a despertar os cristaos para a mensagem social do Evangelho. Em «O Cristo recrucificado» apresenta a figura de um jovem cristáo que dá a vida, vítima de seus protestos e sua acáo contra as iniusticas sociais praticadas por urna povoagáo de cristaos ricos, avarentos e gozadores despreocupados. O autor insinúa que hoje Cristo seria a «Guerra» e a Cruz redentora seria «o petróleo que incendearia

as casas dos ricos»... De resto, todo o livro é perpassado por um espirito de crítica nao sómente ao Cristianismo aburguesado e aco modado, mas também á Religiáo como tal (que o autor tende a iden tificar com crendices vas).

É evidente que tal interpretacáo da mensagem crista é falsa. De

um lado, nao se pode negar o imperioso dever que incumbe aos cris

taos de se interessar eficazmente pela sorte dos povos subdesenvolvidos Doutro lado, porém, deve-se reconhecer que o Evangelho apresenta

o amor do homem ao próximo como decorréncia do amor a Deus. O Cristianismo jamáis poderia esquecer a sua dimensáo vertical, que é primacial, e sem a qual nem a horizontal se conserva auténtica. Para — 265 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

que o cristáo possa ser verdaderamente fiel ao seu irmáo, é necessário que se inspire em Deus e nos valores sobrenaturais. Ademáis é evidente que a Cruz de Cristo nao significa petróleo incendiario, mas, sim, amor que é forte e tenaz e que só em casos excepcionais se vé obrigado a recorrer á violencia. X

Resposta:

Nikos Kazantzakis nasceu na ilha de Creta

(Grecia) em 1873. Durante a sua infancia, foi testemunha da

guerra dos gregos contra o dominio turco. Estudou Direito em Atenas, e seguiu para París, onde sofreu a influencia de Henri Bergson, filósofo judeu, amigos dos santos e místicos. Viajou muito, chegando a China e ao Japáo. Passou um período de retiro no Monte Athos (Grecia), onde há venerável e famosa colonia de monges cristáos ortodoxos (= orientáis cismáticos). Visitou a Rússia, movido por profunda admiracáo a Stalin. Desde a juventude, foi socialista militante. Em 1945 tornou-se ministro do Estado grego; posteriormente ocupou

importante cargo na diregáo da UNESCO. Urna vez aposen tado, dedicou-se exclusivamente á producto literaria. Faleceu

na Alemanha em 1957.

O mais famoso romance de Kazantzakis é «Zorba o Grego». Todavía o que mais interpela o cristáo, é certamente «O Cristo recrucifícado», que a Editora «Nova Fronteira» (GB) publicou em portugués, na traducáo de Guilhermina Sette. Ñas páginas que se seguem, apresentaremos primeiramente o conteúdo de «O Cristo recrucificado», o que permitirá um juízo sereno sobre o livro.

1.

«O Cristo recrucificado»

Na aldeia de Lycovrissi (Anatólia, Turquía) vive pacata mente urna populagáo grega, de religiáo crista ortodoxa (sepa rada de Roma). O Governador ou agá do povoado é um turco,

que vive interessado principalmente em comer, beber e fumar.

Os cristáos de Lycovrissi tém por costume representar de

sete em sete anos a Paixáo de Cristo na Semana Santa. Por isto, em determinado ano, o Conselho dos Anciáos ou maio-

rais, reunidos em casa do pope (sacerdote) Grigoris, escolhe

os companheiros que no ano seguinte deveráo fazer os papéis respectivos de Cristo, dos apostólos Pedro, Tiago, Joáo, de Judas e de María Madalena. Ésses escolhidos sao gente rude, — 266 —

«O CRISTO RECRUCIFICADO



como, alias, toda a populagáo da aldeia; tém suas falhas mo ráis mais ou menos notorias: cedem á ganancia do dinheiro e aos prazeres da carne, excetuando-se apenas o jovem pastor Manólios, que deve fazer as vézes de Cristo. Educado em um mosteiro, sob a diregáo de santo monge, Manólios conservou costones puros, mesmo depois de ter sido trazido para Lyco

:

>

vrissi por Patriarchéas, o principal dos ricacos da aldeia. — Urna vez escolhidos para desempenhar os papéis de Cristo e

dos Apostólos, os companheiros comecaram a se compenetrar do Evangelho e de suas exigencias.

Um belo dia aparece &s portas de Lycovrissi urna grande

caravana de gregos com seu pope Photis; tendo sido expulsos de sua regiáo pelos turcos, pediam refugio na aldeia dos com patriotas. Estes, tendo á frente o pope Grigoris, résolveram

repelir duramente os desterrados, míseros e famintos, pretex tando que eram portadores de doenga infecciosa, a qual prejudicaria o bem comum em Lycovrissi. Comodismo e ganancia assim sufocaram a caridade crista.

Rechacados, os prófugos estabeleceram-se na montanha

de Sarakina, próxima de Lycovrissi, onde haviam de tentar subsistir apesar de sua extrema indigencia.

Ao presenciar tal gesto dos habitantes de Lycovrissi, Ma nólios concebeu tristeza e repudio. Chamou a atengáo de seus companheiros que haviam de representar Pedro, Tiago e Joáo;

lia-lhes o Evangelho. Em conseqüéncia, os quatro homens iam mudando de mente, e mais e mais se interessavam pela sorte dos prófugos de Sarakina.

Sobreveio um incidente na aldeia... Certo dia amanheceu assassinado Youssouf, o pagem do agá. Éste, em sua furia, quería vingar-se enforcando todos os habitantes de Lycovrissi; todavía Manólios, a fim de salvar a sua gente, se apresentou ao governante como se fóra o homicida. la ser executado em praca pública, quando urna velha doméstica do agá demons-

trou que o verdadeiro réu era outro servente do próprio agá; éste entáo foi bárbaramente trucidado.

* ,

Percebendo a insistencia &e Manólios e seus companheiros sensibilizados pela indigencia dos prófugos, o pope Grigoris

langóu a excomunháo sobre Manólios. Éste foi tido como hipó

crita, que, com semblante e atitudes de santo, nao visava senáo destruir a felicidade da aldeia.

'

Com o passar do tempo morreu o velho Patriarchéas. Seu filho Michelis (designado para ser o Apostólo Joáo), cada vez — 267 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

mais convicto de que nao podía pactuar com o egoísmo dos

seus, resolveu dar a heranca — as térras e propriedades do

pai — aos famintos de Sarakina... Sabedores do fato, os mí

seros desceram á aldeia de Lycovrissi para tomar posse désses

bens, mas foram duramente repelidos pela populacáo; esta ale-

gava que Michelis era um alienado, incapaz de assinar válida

mente um documento de doagáo.

Provocados por tal atitude, os pobres de Sarakina, cujos filhos váo desfalecendo (apesar dos auxilios que lhes prestam os «Apostólos»), precipitam-se armados sobre Lycovrissi. De-

sencadeia-se urna luta sangrenta entre os habitantes da montanha e os da aldeia. O agá, informado, pouco se importa com a questáo, até o momento em que lhe dizem que o promotor

da celeuma é «Manólios, o bolchevista», agente da Rússia que póe em perigo a própria nagáo turca. Entáo, o agá chama o jovem pastor e o interroga. Manólios toma sobre si a plena responsabilidade do tumulto, e se reconhece réu de morte, a

fim de que o agá desista de punir os demais cristáos. O chefe, a principio, nao quer acreditar na culpabilidade do santo pas

tor; Manólios, porém, atendendo a rogos do próprio agá, ma-

nifesta tudo que pensa: afirma seu desejo de conclamar os homens do mundo inteiro, para assaltarem «as grandes cidades apodrecidas» (p. 457). Entáo, constrangido, o agá entrega o jovem á populagáo de Lycovrissi, que na igreja da aldeia

o executa. Manólios morre como vítima inocente, salvando

assim os seus próprios adversarios, os habitantes da aldeia. — Vendo perdida toda chance de permanecer na regiáo, os po bres de Sarakina se póem de novo a caminho em demanda de

melhor sorte.

Kazantzakis tem a habilidade de prender a atencáo do leitor por todo o decorrer de 467 páginas. Descreve ambiente e costumes orientáis com vivacidade e crueza. Sabe narrar com finura e sarcasmo as atitudes hipócritas da falsa religiáo. Infe

lizmente, porém, ao mencionar a sensualidade dos personagens

em cena, desee a observagóes que tém sabor picante e sao dispensáveis.

A traducáo recorre á linguagem popular, que a clássica gramática reprovaria. Assim os pronomes de caso oblíquo da terceira pessoa jamáis ocorrem; por conseguinte, lé-se «receber éles, delxar éles, conhecem ele, acorda ele...» (pp. 32. 34. 37...). O verbo «tem» substituí o «há» (existe): «tem lúar» (p. 207). Certas frases comecam por pronome átono; assim — 268 —

«O CRISTO RECRUCIFICADO»

37

«me dé» (p. 406). O emprégo de tais locugóes concorre para tornar mais picante a tese do livro. É natural agora a pergunta:

2. 1.

Qual a mensagem da obra ?

É evidente que Kazantzakis quis insinuar o que ele

julgava ser o sentido da Paixao de Cristo ou o que seria a Paixáo do Senhor Jesús em nossos dias, caso Cristo viesse de novo á térra.

No sofrimento e na morte de Manólios reproduzem-se os tragos característicos do padecimento do Senhor Jesús. Sem culpa alguma, Manólios perece para libertar da ruina os seus compatriotas, que sao também os seus algozes. A hipocrisia

farisaica inspira o odio contra o pastor, que desmascara a falsa religiosidade de sua gente. O agá turco lembra Póncio Pilatos, que nao deu importancia aos litigios dos judeus, mas se viu sobressaltado quando Ihe disseram que sua inercia contradiría aos interésses de César e, em última análise, aos seus interésses pessoais... Em conseqüéncia, o livro de Kazantzakis nao é um ro mance qualquer, mas um romance ideológico, cuja tese pode ser assim reconstituida: Cristo morreu para libertar os homens do jugo do pecado. A Cruz foi o instrumento dessa libertagáo no século I da era crista. ■ - . ' . ,.¿i*

Ora hoje em dia o pecado se concretiza na opressáo do homem pelo homem; sao as injustigas sócio-económicas, acobertadas por urna religiosidade hipócrita, a qual vem a ser garantía e tranqüilidade para os poderosos iniquos. Por conseguinte, o auténtico cristáo, discípulo e continuador de Cristo, deve-se engajar decididamente na mudanca das estruturas sodais, até mesmo mediante a revolucáo armada, o recurso á violencia, aos incendios... É extremamente significativa a

afirmagáo de Yannakos («o Apostólo Pedro»):

«Se Cristo descesse hoje á térra, nesta térra assim como

ela está, que é que vocé pensa que ia trazer no ombro? Urna

cruz? Nao! Um lata© de petróleo... Dei a minha palavra de — 269 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

honra a Deus como vou queimar a casa do velho Ladas» (p. 414) \ O Cristianismo deveria, por consegunite, inspirar a revolugáo armada. Tambera merece atengáo a seguinte passagem:

Michelis contempla urna efigie de Cristo esculpida por Manólios na madeira e pergunta: «Quem é éste personagem? — É a guerra! — Nao, é Cristo, respondeu Manólios, enxugando a testa coberta de suor. — Mas entáo que diferenga há entre Ele e a Guerra?» Em outra secgáo diz Loukas: «P|áo e petróleo! Tem razáo, Yannakos. O homem senté

necessidade destas duas coisas para viver e para se vingar, porque viver náó basta» (p. 405).

O Cristianismo deveria, por oonseguinte, inspirar a revo-

lugáo armada no mundo atual. Os padres deveriam seguir o exemplo do pope Photis, que, inspirado por Santo Elias, «distribuiu aos mais valentes as armas de que dispunha» (p. 420). O próprio profeta Elias, no romance, se confunde com um lobo.

É o que se dá quando quatro companheiros revoltados se aprestam a descer de Sarakina para assaltar a casa do velho Ladas: «De repente, um uivo prolongado ressoou ao longe, para

os lados do pico da montanha, perto da cápela do Profeta Elias; os quatro homens pararam. — É um lobo, disse Yannakos; também está com fome.

— Talvez seja santo Elias, disse Loukas; ele tem fome

também,

— Santo Lobo, venha ajudar a gente! disse Yannakos. — Vamos, rapazes; os cordeiros nos esperam lá em baixo» (p. 405).

1 Ladas era um dos magnates de Lycovrissi, homem rico e ex tremamente avarento. — O petróleo, no caso, seria o meio de atear fogo á casa e as posses do velho; seria também o símbolo da destruicáo violenta da ordem vigente.

— 270 —

«O CRISTO RECRUCIFICADO» 2.

39

Note-se mais: referindo-se a Deus, o autor emprega

urna serie de expressóes ambiguas, que suscitam estranheza na mente de um leitor cristáo (ou que fazem eco a «slogans» do ateísmo marxista).

Assim, por exemplo, Kazantzakis atribuí a Yannakos os seguintes dizeres:

«Nao se pode esperar tudo de Deus. Ele é bom; nao digo

o contrario, mas tem tantas outras coisas para faaxsr! Vamos nos mexer um pouco. Ajude-se, o Céu lhe ajudará, 'Lobo, por que está táo gordo? — Porque vou á caca sózinhof Nunca se

está táo bem servido como por nos mesmos. Vamos entáo nos

servir esta noite... Companheiros, a caminho!» (p. 404).

Nestas afirmacóes encontra-se, sem dúvida, algo de verí dico- Deus nao dispensa o trabalho do homem, mas pede-lhe

que se esforcé e lute lealmente por implantar a ordem e o amor sobre a térra; ninguém julgue que, por ser amigo de Deus pode cruzar os bragos e aguardar que «as cotovias caiam

do céu já assadas» (p. 404). Todavía ésses mesmos dizeres insinuam ironia a respeito de Deus e da ReUgiáo: Deus seria

um papai bom ou «bonacháo», todavía um papai que o homem dispensa quando quer deveras resolver os seus problemas. Considere-se também a seguinte passagem:

Yannakos possuia um burrinho, chamado Youssoufaki, que caira em poder do avarento Ladasu Certa noite, o bur rinho sonhou que o seu verdadeiro dono fóra vé-lo e acaricia

do Entáo «o burrinho pacato e piedoso baixou a cabega; fechou os olhos e dirigiu urna prece ao seu Deus — um Deus próvido de imensa e espéssa cauda e de urna grande cabeca de burro, equipado de albarda dourada e arreio vermelno, bor dado de contas de prata parecidas com estrélas.

Meu Deus, faga com que o sonho que me mandou esta noite, se realize!» (p. 409).

Haverá neste tópico apenas graca e encanto literarios?

Ou pode-se ai entrever algo de intencionalmente zombeteiro? Talvez venha a propósito lembrar que os perseguidores do Cristianismo no Imperio Romano apresentavam o Deus dos cristáos como um Deus «onocéfato» ou um Deus «cabega de asno».

Também é digno de nota o seguinte episodio-:

Certa vez os pobres de Sarakina, aproveitando-se de pro-

visóes arrebatadas em casa do velho Ladas, conseguiram comer — 271 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 5

um pouco de pao untado com óleo. Consumiram-no como «pao bento». Entao «todos sentiram os ossos e a carne se fortalecerem, como se tívessem recebido o corpo, do Salvador. Depois de beberem um gole de vinho, as mulheres nao puderam conter o pranto.

'Meu Deus, diziam elas, um bocado de pao, um gole de vinho, que mais precisa a alma para se sentir com asas?'» (p. 410).

Neste tópico, chama a atengáo a insinuagáo de que pao

e óleo sao o equivalente (se nao o sucedáneo... e sucedáneo ainda melhor) do corpo do Salvador (S. Eucaristía). O autor do romance nao ridiculariza própriámente a prática da Religiáo; um leitor cristáo, porém, tem o direito de repelir as alusóes ácima.

Mais: o pope Photis, pertencente ao grupo dos refugiados, prornompe certa vez ñas seguintes exclamagóes: «Maldito o homem que pretende avaliar os atos de Deus pela medida de seu próprio coragáo. Está perdido; arrisca-se a divagar, a proferir blasfemias e renegar a Deus...!

Parou. Vinham-lhe palavras aos labios que o deixaram

apavorado. E, por fim, nao se conteve mais:

'Qual é ésse Deus que deixa morrer as criangas?' murmu-

rou, levantando-se» (p. 403) .

A observagáo final seria nova insinuagáo de que Deus é inerte e indiferente aos homens, ou melhor, de que Deus simplesmente nao existe?

Passemos agora á questáo:

3. 1.

Que «fizer do livro ?

Em apreciagáo serena, pode-se comegar por reconhe-

cer urna intengáo positiva no autor do romance.

O livro pretende despertar o leitor para as obrigagóes sociais dos crístáos: aquéle que diz amar a Deus, mas se fecha a seu irmáo, nao é auténtico cristáo (cf. 1 Jo 3,16-18). Falsa é a religiáo que se serve de títulos, vocábulos e ritos sagrados para acobertar egoísmo, hedonismo, comodismo... A populagáo de Lycovrissi representa um Cristianismo hipócrita, «opio do povo», que por certo é urna caricatura, a qual merece ser decididamente repudiada. — 272 —

«O CRISTO RECRUCIFICADO»

41

Por conseguinte, o romance «O Cristo recrucificado» pode prestar servico ao público na medida em que alerta o leitor para os perigos da hipocrisia religiosa, mostra a hediondez da falsa religiáo e lembra os deveres sociais decorrentes do Evangelha O crista© que labuta em favor de melhor sorte para seus irmáos famintos, nao deve ser, por éste fato mesmo, tachado de bolchevista ou agente da Rússia soviética, é o Evangelho e nos ensinamentos de Cristo que ele encontra vigoroso apelo e o estímulo para nao cruzar os bragos.

2. Todavía nao se pode deixar de reconhecer que o livro de Kazantzakis é marcado por nota fortemente tendenciosa: a Redengáo de que falam os Evangelhos e Sao Paulo, hoje em dia seria a revolugáo social; Cristo se identificaria com «Guerra» e a Cruz salvífica com o petróleo que ateia incendios.

Ora a esta tese dois reparos devem ser feitos:

a)

É verdade que a mensagem do Evangelho visa a re

mediar aos males físicos e temporais do homem; mas nao é isto que a define própriamente. Ela tem em mira, antes do mais, a restauragáo plena da ordem no mundo, que comeca

necesariamente pela reconciliagáo do homem com Deus. A colaboragáo do homem com o homem na justic.a e no amor será utópica, se nao se lhe der um fundamento mais sólido do que a filantropía; ela supóe, sim, a adesáo do homem a Deus. Por isto a Redengáo crista visa, antes do mais, a unir o homem ao Criador (mediante a Religiáo sadiamente entendida) para poder, conseqüentemente, unir o homem ao homem. O aspecto social do Cristianismo e seu empenho pela renovagáo da ordem vém a ser decorréncias (sem dúvida, serias) do con tato do cristáo com Deus, contato que se obtém pela oragáo e a vida sacramental (a Eucaristía jamáis poderá encontrar equivalente ou sucedáneo na existencia do cristáo). Ademáis o homem cristáo visa ao homem todo, o qual nao é sómente corpo e materia (com seus problemas de fome e nudez), mas é também personalidade, dotada de espirito,

com inooercíveis aspiragóes ao Absoluto e ao Infínito. b)

A agáo social ou política do cristáo só recorre á vio

lencia em casos extremos, ou na absoluta falta de meios pacifícos para remover urna ordem de coisas tiránica e duradoura.

Enganar-se-ia quem julgasse que petróleo e incendio sao substi tutivos da Cruz de Cristo em nossos dias. Tem-se dito com razáo que o odio gera o odio; por conseguinte, nao realiza a

obra de Cristo, que é amor. Tal é a doutrina repetidamente apregoada pelas encíclicas papáis dos últimos tempos. — 273 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970. qu. 5

3. Verifica-se também que o romance de Kazantzakis desfigura a Religiáo segundo os termos clássicos da literatura esquerdista. Com efeito, de um lado, vivida pela populagáo de

Lycoyrissi, a Religiáo vem a ser hipocrisia, vemiz sagrado para o egoísmo, o hedonismo e os vicios da carne. De outro lado,

a Religiáo dos prófugos de Sarakina e de seus amigos é urna

religiáo de visóes, sonhos portentosos, milagres

(tenha-se em

vista a doenca de pele ou lepra surpreendentemente contraída por Manólios e maravilhosamente curada). Tal apresentagao de Religiáo lembra, antes, a crendice, o obscurantismo e certas estados patológicos. Na verdade, a Religiáo é a mais viril e nobre das expressóes do ser humano. A sá razáo mesma afirma a necessidade e o valor da Religiáo; sem Deus o homem nao se realiza, nao se encontra consigo mesmo. — O genuino padre está longe

de ser um explorador da boa fé ou da crendice do povo, um gozador de privilegios ou um alimentador de crendices. É, an tes, um homem que, prenhe de valores absolutos colhidos no íntimo contato com Deus (na oracáo e na Eucaristía), procura encarnar tais valores em sua conduta de vida assim como ñas comunidades a que ele se dirige; é alguém que leva ao hero

ísmo e á magnanimidade — o que nao quer dizer violencia e guerra, mas, sim, tenacidade e perseveranga inquébrantáveis no amor ao próximo.

Em conclusao: «O Cristo recrucificado» é um dos múlti plos espécimens de urna literatura que procura, em termos envernizados e aparentemente evangélicos, desfigurar o Evan-

gelho, extinguindo o que éste tem de mais auténtico e pre

cioso: a mensagem do Eterno, do Absoluto, sem o qual o homem jamáis será auténtico homem. Esteváo Bettencourt O.S.B.

CORRIGENDA

Em «P.R.» 124/1970, p. 27 [167], linha 10, leia-se «ilí cito», em vez de «lícito». No mesmo número, p. 46 [186] nota 1, leia-se «o pensador

alemáo», em lugar de «o pensador francés». — 274 —

RESENHA DE LIVROS

RESENHA

DE

43

LIVROS

Deus existe — Eti o encontré!, por André Frossard; traduc&o de Carlos Lacerda. — Distribuidora Record, Rio de Janeiro — Sao Paulo 1970, 140x210 mm, 167 pp. Cada pessoa humana reflete de modo único a infinita perfeigáo divina. Por isto a consideracáo de urna personalidade e de seu roteiro de vida é apta a elevar a Deus. Tal é a impressáo que se colhe, por exemplo, da leitura de um livro como o de Frossard. Éste autor narra

como chegou a Deus sem que tivesse dado o mínimo passo consciente para tanto. Filho de antepassados judeus, protestantes e católicos, ñascido numa aldeia da Franca em que havia urna sinagoga e nenhuma igreja, Henri aderiu primeiramente ao socialismo, seguindo nisto o exemplo de seu pai, numa total indiferenga as coisas da ReligiSo; Jesús Cristo só o interessava na medida em que lhe parecia ter sido um precursor do moderno socialismo. — Aconteceu, porém, que um belo dia, quando tinha vinte anos, entrou numa cápela de Paris á procura de um amigo; repentinamente foi ai de tal modo tocado pela acfio da graca que, cinco minutos mais tarde, saía do santuario inabalávelmente convicto de que Deus existe e de que só lhe restava pedir o Batismo, para viver doravante como auténtico cristáo. Desde entáo é urna das grandes figuras do catolicismo francés.

Tem-se assim o relato de urna conversáo singular: nao preparada por procura humana, nem precedida de crise de espirito, ela dá testemunho da soberana agáo do Espirito de Deus. Éste encontra campo ampio para se manifestar na criatura que nao ceda á covardia, á mesquinhez e & indiferenga.

Quem é éste homem?, por Frei Mateus Rocha. — Livraria Duas Cidades, Sao Paulo 1969, 140 x 190 mm, 133 pp.

O autor é um dominicano que, de há muito, se dedica aos meios estudantis e universitarios. No livro ácima examina diversas atitudes que se podem tomar diante da figura de Jesús Cristo. Com muita sabedoria analisa também os ditos e feítos de Jesús, dando énfase es pecial á ressurreicáo do Senhor; esta, sendo um fato que a crítica até

hoje nao conseguiu explicar pela fraude ou a alucinacao dos discípu los, vem a ser o testemunho mais lúcido de que Jesús nao foi simplesmente um pensador e líder, mas, antes do mais, «o Filho de Deus e o Salvador do mundo» (p. 9), como o próprio Jesús Cristo mais de urna vez deu a entender. — Frei Mateus ilustra suas consideracSes citando textos de filósofos cristáos e náo-cristaos. Poe em relevo tanto a face humana como a face divina de Jesús Cristo; mostra-se muito interéssado pelas repercussóes sócio-económicas do Evangelho. Todavía seria para desejar que o autor fósse mais sistemático e rigoroso na exposicáo de suas idéias; o livro é urna coletánea de conferencias mais do que um tratado de teologia — o que nao impede seja muito recomendável e útil.

-275-

*■'""'**"''

44

«PERGUNDE E RESPONDEREMOS» 126/'197O

Pastoral da Penitencia — Fundamentos. Colecáo «Pastoral Litúr gica» n' 4. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 125 x 185 mm, 303 pp Éste livro recolhe os estudos apresentados num encontró de Litur gia realizado em Vitoria (ES) no ano de 1966; seus colaboradores sao teólogos e moralistas de projegáo no Brasil: Frei Bernardino Leers, D. Frei Valfredo Tepe, Frei Luciano Parisse, Frei Luiz Bertrando Gorgulho... A apresentac.no do livro é da lavra de D. Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo.

Os artigos consideram o sacramento da Penitencia sob vario.' as pectos: bíblico, dogmático, psicológico, moral...; tentam p6r em rrlévo a dimensáo eclesial e teológica da Confissáo, tornando assim o sacra mento mais rico de significado para os fiéis. É necessário que ms'es

se váo criando claras nogoes de pecado, culpabilidade, comunháo jom a Igreja, ofensa a Deus, a fim de se evitarem mal-entendidos e falsos escrúpulos em torno do sacramento, que nao pode ser confundido com um meio de psicoterapia. As celebracñes comunitarias (ñas quais nao deve faltar a confissáo auricular) podem válidamente contribuir para despertar nos pastores e nos fiéis o senso eclesial da Penitencia. — Nem todos os artigos da coletñnea sao do mesmo valor; há ai cer tas páginas de significado ambiguo e de linguagem pouco clara; o conjunto, porém, oferece oportuno subsidio para os teólogos e pastores, a quem o livro se destina própriamente.

Shalom: paz. O sacramento da reconciliacao, por Bernard Háring; traducáo do Pe. José Raimundo Vidigal. Colecáo «Revelacáo e Teo logía» 10. — Edicóes Paulinas, Sao Paulo 1970, 145x210 mm, 455 pp.

Como o anterior, também éste livro trata do sacramento da Peni tencia, visando a fomentar a sua renovacáo. O autor é famoso teólogo e moralista, que aborda o assunto com mais amplidáo e riqueza de dados do que os colaboradores da obra atrás citada. O Pe. Háring neste seu livro é realista e prático, sem deixar de apresentar profun das bases teológicas; a sua linguagem é, tanto quanto possível, sim ples e clara. Quando necessário, aponta fainas da pastoral dos últimos tempos; fá-lo, porém, dentro dos termos devidos, evitando críticas generalizadas, que mais destroem do que constroem.

O Pe. Háring trata nao sámente do sacramento da Penitencia em si, mas também dos mandamentos da lei de Deus e de suas exigen cias. Aborda outrossim problemas atinentes á confissáo das enancas

dos enfermos, dos seminaristas, dos escrupulosos. Considera as di versas íuncSes que competem ao confessor, desenvolvendo a necessária casuística de maneira viva e construtiva. Em suma, a nova obra do Pe. Háring é de importancia capital no estudo do sacramento ¿la Penitencia.

No tocante á absolvigáo dada sob forma coletiva a urna assemoléia de fiéis sem confissáo especifica dos pecados, há atualmente opinióes e usos diferentes. Tem-se ministrado a absolvicáo com dispensa da acusacáo pessoal; já que tal praxe nao está suficientemente funda mentada ñas declarantes anteriores da Igreja e causa certa inquiatagao, espera-se para breve urna declaragao oficial da Santa Sé a respeito (como noticiam as boas fontes de informaedes). 97R

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Magníficat. Diario 1936-1963, por Pierre Van der Meer de Walcheren; traducáo de M. Cecilia de M. Duprat. — Editora Agir, Rio de

Janeiro 1970, 140 x 210 mm, 351 pp.

O autor, atualmente monge beneditino e sacerdote da Abadia de Oosterhout, (Holanda), já publicou dois livros de notas intimas: «Diario de um Convertidos e «Deus e os Homens». Éste terceiro volume supóe um periodo de dezoito meses que Pierre e sua esposa Cristina passa-

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ram cada qual num mosteiro, tentando comprovar a sua possível vocagao monástica. Tendo verificado que, por ora, nao era vontade

de Deus que permanecessem na vida claustral, voltaram em 1936 a se reunir em seu lar perto de París. Finalmente em 1954, após a morte da esposa, Pierre tornou a ingressar no mosteiro de Oosterhout, onde professou e recebeu as ordens sacras;, ainda hoje, octogenario, vive com espirito lúcido, inflamado e compreensivo. As notas do

famoso escritor sao perpassadas de espirito de fé e de gratidáo a Deus; Pierre de Walcheren pertence ao grupo heroico de Léon Bloy Stanislas Fumet, Jacques e Raíssa Maritain... O livro apresenta passagens belas, aptas a elevar a Deus numa proficua leitura esni-

ritual.

Biscos da Fé, por W. Valle Martins. Colegáo «Mysterium fidei»

(reflexdes biblicoteológicas). — Edigoes Paulinas, Sao Paulo 1970,

130 x 200 mm, 121 pp.

O Pe. Waldemar Martins entrega agora ao público, reunidos num só volume, os artigos que publicou na imprensa de Santos desde 1966 a 1968. Alias, já em 1965 deu a lume semelhante obra com o título «Sinal verde na Igreja?*.

O autor aborda temas como ateísmo, marxismo, as correntes de

pensamento extremadas em religiáo, o sacramento da Confissao; em

suma, encara a presente crise de fé e de periodo pos-conciliar com

serenídade e firmeza. Evitando polémica, emite opinides equilibradas e distancia-se das radicalizagóes. É reamente disto que o mundo cató

lico e nao católico precisa nesta fase da Iiistória. O leitor se beneficiará com essa obra despretensiosa (longe de ser um tratado teológico) escrita para o vasto público que le jomáis, de modo a transmitir em linguagem clara verdades serias e importantes. E.B.

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Casamentas mistos em Jesús Cristo

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se suicidan!

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Vaticano

Educacao Moral e Cívica

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RESPONDEREMOS»

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2000

I porte aéreo

NCrS

25.00

Número avulso de qualquor mes c ano

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Número especial
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3,00

Volumes eneadernados: 1957 a l'WS «proco unitario).

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17,00

íiuiicc: Geral da 1957 ¡i 1004

XCr$

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índice (Je qualquer ano

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(¿uciclica 5-Populonim Progressio»

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