Projeto PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESEISTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas
correntes
filosóficas
e
religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa
crenga
católica
mediante
aprofundamento do nosso estudo.
um
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que encarrega do respectivo site.
se
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A
d.
Esteváo
Bettencourt
agradecemos
a
confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
JO XI — N? 127
JULHO DE 1970
ÍNDICE A copa do mundo I.
1)
277 A VERDADE NA CABIDADE
"Quaii as novas disposigóex da Igreja concernentes ao.i
racamentos mirtos ? Liberáis ou rigoristas ?"
II. 2)
"Será
279
UM POUCO DE TELEVISAO
irreverente
a
cancáo 'Superstar1,
que provocou
releuma e interrupcño de programa na teLevisáo brasileira ? Jesús terú sido mitin do que Buda e Maomé ?"
III. 3)
POLÍTICA E SACERDOCIO
"Deve o padre ser politico ou entrar na ■militáncia po
lítica ?"
SU
IV.
i)
288
.IUVENTUDE EM FOCO
Por que boa parte da juventud* de nossos dios está em
rtinteütagao e angustia ?
As estatínticas denunciam conñderáuel número de suicldion entre os jovens na Europa !
V.
5)
305
OS BOATOS E A VERDADE
A 'riqueza' do Vaticano volta de vez em quando a baila.
Causa dificulúades a fé de umitas nessoa* retas. Que *e pollería diser a propósito ?"
VI.
fí)
SIS
ALGO DE AMBIGUO
"A Edueaqáo Moral e Cívica tornou-se materia obrigató-
r'uí em todos os túveis do ensino. Há hesitando a respeito da iniciativa. Vate ou nao ?"
318
CORRESPONDENCIA
S24
MIÜDA
RESENHA DE LIVROS
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA
SU
A COPA DO MUNDO A recente disputa da Copa do Mundo prendeu fortemente
a atengáo de brasileiros de todas as formagóes, desde os mais
modestos até o Presidente da República.
A Copa-70 foi acontedmento, antes do mais, no plano esportivo... Ela foi acontecimento também no plano patrió tico: contribuindo para levantar o nome do Brasil frente a grandes nagóes, ela despertou o ánimo de nossa gente, dando-
-lhe a ver que o Brasil possui os recursos de urna nagáo jovem; dispóe de entusiasmo e ardor capazes de notáveis faganhas, desde que devidamente tremados e disciplinados.
Mas, além de interessar ao senso esportista e a. veia pa triótica, a Copa do Mundo falou também — e muito — a quem
se dedica aos valores da filosofía e da fé neste nosso Brasil.
Com efeito. O esporte (gymnasía, ¿skesis) merecía parti
cular atencáo dos ñlósofos gregos, pois lhes parecía ser um
fenómeno humano central, intimamente ligado á religiáo, a arte, la poesia, á vida nacional, á cultura e á civüizagáo.
Aos quatorze anos, o íovem grego era por seus pais levado ao ginásio (estadio), onde se lhe proporcronava nao sómente a educagáo física, mas também a formacáo moral e política: no ginásio nao apenas se cultivavam as fórcas físicas, mas tam
bém se desenvolviam a camaradagem e as belas amizades; no ginásio os filósofos iam entreter-se com os jovens a respeito de coisas serias: incutiam-lhes a coragem (andréia) e o ideal da beleza que devia marcar tanto o físico como o animo do cidadáo grego. Eis urna observagáo do escritor Luciano de Samosata (t 190 d. C), que se referia a Grecia antiga: «Nao me é'possível, por palavras, dar-te urna idéia do prazer que experimentarías ao contemplar a coragem dos atletas, o esplendor do seu corpo, as suas atitudes admiráveis, a sua habilidade singular, a
fórca inesgotável, a virilidade, o ardor, o corac&o invencivel e os gi
gantescos esforcos de que éles dáo provas para conseguir a vitória> («Anacharsis» 12).
Nenhum povo teve, como o povo grego, a ambigáo da exce lencia, o culto do sucesso, o désejo de ser o melhor (áristos). Dai as inúmeras competigóes (agones) dos gregos em poesia,
em música, em esporte...; cada concorrente mostrava o desejo extremo de ultrapassar os anteriores} Cf. Hornero, «Diada» VI 208; XXm.
— 277 —
Por isto a literatura filosófica grega estava cheia de ima-
gens derivadas da vida do ginásio e das lutas do estadio.
Ora Sao Paulo, em sua visáo crista, quis igualmente re correr as figuras do atletismo, ... desta vez para ilustrar a disciplina e a harmonía da vida em Cristo. Em 1 Cor 9,24s,
ele menciona os atletas que correm no estadio, abstendo-se de tudo para conquistar urna coroa corruptível, enquanto a nos está prometida urna coroa incorruptivel... Entre outras muitas alusóes, pode-se destacar aínda a de 1 Tim 4, 7s: «Rejeita as fábulas profanas, verdadeiros contos de velhas. Exercita-te na piedade (gymnaze dé seauton pros eusébeian). Os exercidos corporais trazem pouco proveíto; a piedade, pelo contrario, é útil para tudo, porquanto tem a promessa da vida, tanto presente como futura... Se nos afadigamos e lutamos, é porque pusemos nossa esperanca no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens».
Neste texto, as fábulas profanas sao produtos da imaginagáo indisciplinada, que falsos doutóres disseminavam entre os cristáos. A elas o Apostólo opóe a gymnasía, o exercício
atlético. E Iembra que o cultivo do físico, embora valioso, aínda é pouco para um cristáo (como, alias, também para os sabios gregos)J; o que ao cristáo importa ácima de tudo, é a piedade, ou seja, o cultivo do homem interior, da vida que é capaz de vencer a própria morte (porque é participacáo da vida do próprio Deus). Com outras palavras: Sao Paulo quer dizer-nos que a vida crista é dinámica; ela tende a crescer e fermentar. E,
para que o novo homem, configurado á estatura perfeita de Cristo, se forme no cristáo, como também em torno do cristáo (na sociedade), requer-se denódo heroico. O heroísmo é, sem dúvida, arduo e custoso, mas também é belo, é o que o homem
pode apresentar de mais belo. Ésse heroísmo se torna mais fácil, desde que o herói creía profundamente nos valores pelos quais ele se empenha. Renovamos, pois, a nossa fé nos valores eternos e na ne-
cessidade de os viver e os dar mais e mais a conhecer aos
nossos semelhantes. As faganhas de nossos atletas no México nos fornecem mais um ensejo de pensarmos no dinamismo heroico da vida crista, que já o Apostólo táo ardentemente incutia.
«Das real'dad°s oue vemos, passamos ao amor daquelas que nao vemos!» (Liturgia de Natal). E.B.
i Isócrates escreyta a seus discípulos: «Os premios que os jogos oferecem, nada sao eni confronto com aqueles pelos quais lutais todos
os dias» (A Nicocles II 11).
— 278 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Ano XI — N« 127 — Julho de 1970
I. 1)
A VERDADE NA CARIDADE
«Quais as novas disposi$Ses da Igreja concernentes aos
casamentes mistos?
Liberáis ou rigoristas?» Em sintese: Casamento misto é aquéle em que urna comparte católica contrai enlace matrimonial com urna nao-católica. O número désses matrimonios tem-se multiplicado em virtude das circunstancias da vida moderna, criando graves casos de consciéncia. Em vista desta situacáo, o «Motu proprio» de Paulo VI datado de 31 de marco de 1970 reforma a legislac&o até agora vigente.
O documento comeca por recordar que os casamentes mistos nao
sao desejáveis, pois fácilmente dito ocaslao a divisao no casal; longe de favorecer o ecumenismo, suscitam relativismo religioso e indiferen tismo. Nem os cristaos náo-católlcos nem os judeus estimam os casa
mentes mistos. Todavía, nao querendo negar o direlto natural ao casa mento e á prole, a S. Igreja procura dar assisténcia e normas aos fiéis católicos que contraiam matrimonios mistos, a fim de que a fé n&o sofra detrimento no lar. Ficam, pois, estipuladas, entre outras, as seguintes determinacCes:
1)
O fiel católico que deseje contrair matrimonio misto, pedirá
2)
Éste só a concederá se o solicitante prometer sinceramente
a necessária dispensa ao respectivo Bispo.
empenhar-se, tanto quanto possivel, pela educacao católica de todos os filhos. Prometerá também evitar as ocasides de por em perigo sua fé.
3) A comparte nao-católica será cientificada das promessas feitas pelo cónjuge católico. Também será convidada a nao impedir a execucao de tais compromissos. 4) Os futuros nubentes seráo instruidos a respelto das finalida des do matrimonio (prole e auxilio mutuo) e de suas propriedades (monogamia e indissolubilidade). 5) Só se realizará o rito religioso católico de casamento. A nova legislacSo atenúa as anteriores, visando a conservar a integridade da fé dentro da caridade.
Besposta: Matrimonio misto é agüele que se celebra en tre urna comparte católica e outra náo-católica, podendo esta — 279 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 1
ser crista (protestante, anglicana...) muculmana, budista...).
ou nao crista
(judia,
A Igreja sempre considerou com serias reservas tais ca
samentes, pois, faltando-lhes urna base religiosa comum (ou mesmo estando os cónjuges divididos entre si por motivos re ligiosos), os matrimonios mistos acarretam dificuldades para a vida conjugal e podem suscitar riscos para a fé da parte católica, assim como para a formacáo religiosa da respectiva prole. Eis por que, até os últimos anos, a Igreja exigía de seus filhos que nao contraíssem tais unióes conjugáis sem obter previa dispensa da autoridade eclesiástica; além do que, tanto a comparte católica como a náo-católica eram intimadas a prestar caugóes referentes á formagáo católica dos futuros filhos do casal. Dadas, porém, as novas circunstancias da vida contem poránea, a Igreja comegou a rever a sua legislagáo em tal setor. Aos 18/3/1966 a Instrucáo «Matrimonii Sacramentum» abrandava as exigencias até entáo vigentes para os casamen-
tos mistos (veja-se o comentario respectivo em «P.R.» 88 de 1967, 170-184). Tal Instrugáo deyeria ser definitivamente con firmada e inserida no novo Direito Canónico, caso a experien cia a comprovasse.
O Sínodo Geral dos Bispos, reunido em outubro de 1967, propos suas observagóes a respeito do novo documento. Além disto, a praxe pastoral da Igreja após marco de 1966 evidendou a conveniencia de se reformular de novo a legislagáo sobre os matrimonios mistos. Em conseqüéncia, o S. Padre Paulo VI, devidamente assessorado por pesquisas e estudos de peritos,
houve por bem publicar aos 31 de margo de 1970 a Carta
Apostólica «Motu proprio» que, comegando pelas palavras «Matrimonia mixta», regulamenta em novos termos a difícil questáo. As normas ai promulgadas entraráo em vigor no día
1» de outubro de 1970. Elas nao tém valor para os matrimo nios contraídos entre católicos e cristáos orientáis ortodoxos
(cismáticos), matrimonios para os quais a Santa Sé já baixou normas que continuaráo vigentes \
A nova legislagáo foi precedida de serios estudos dentro da Igreja e em ambientes mistos. A elaboragáo do texto foi confiada a urna Comissáo de Cardeais, que submeteu seu tra1
A nova legislacáo, portanto, tem em mira os casos em que um
católico se queira casar com um protestante, um velho-católico, um judeu, um mugulmano, um budista ou outra pessoa nao batizada.
— 280 —
CASAMENTOS MISTOS
balho ao julgamento e as sugestóes do episcopado mundial.
As conclusóes que no decorrer déste procedimento receberani maior número de votos, entraram finalmente no teor da nova legislagáa Multiplicidade de situagóes diversas e unidade na fé e na caridade, eis as linhas que foram levadas em conta pelos redatores do documento. A seguir, exporemos o conteúdo déste documento, expla nando as suas motivagóes, os valores ai realcados, assim como as inovacóes que introduz na legislacáo e na vida pastoral da
Igreja. — No citado artigo de «P.R.» 88/1967, pp. 170-173, o leitor encontrará ampias consideracóes sobre o fundo de cena doutrinário e histórico do problema aqui abordado.
1.
O fato dos matrimonios mistos
1. Até o inicio do século presente, os casamentas de um fiel católico com pessoa nao católica podiam ser tidos como excecóes relativamente raras. Todavía nos últimos decenios tais casos vém-se multiplicando, de modo a suscitar por vézes graves problemas de consciéncia para os cónjuges; estes nao se julgam sempre devidamente considerados pela tradicional legislagáo eclesiástica, que tratava os casamentes mistos como fatos mais ou menos esporádicos. 2. Nao é fácil saber-se ao certo em que proporcóes vai crescendo o número de matrimonios contraídos por católicos com náo-católicos. A Igreja só registra os que sao válidamente
contraidos (boa parte é contraída independentemente dos cá nones eclesiásticos, ou seja, de maneira inválida no foro cató lico) ; além do que, a maioria das nagóes hoje em dia carece
de estatísticas relativas aos diversos tipos de casamento ocorrentes.
Como quer dados:
que
seja,
podem-se
assinalar
os
seguintes
> No Canadá, os casamentéis mistos aumentaran! do teor de 14.934 em 1961 para o de 25.414 em 1967. Isto equivale á passagem de 12,4% para 16,3%. Na Alemanha Federal (sem Berlim-Oriental), os casamentes mis tos elevaram-se de 98.294 (24,7%) em 1955 para 114.957 (25,3%) em 1960, e 117.954 (27,8%) em 1965.
Na Holanda, o aumento foi de 7.044 (9,6%) em 1955 para 8.016 (10,3%) em 1960 e 11.483 (11,6%) em 1965.
— 281 —
6
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 1
A partir de 1965, a Alemanha Federal e a Holanda registraram
aumentos anuais. Na Suica, veriíicou-se certa estabilidade após 1964, ano em que os casamentos mistos lá atingiram a cota de 21% (verdade é que nao há estatísticas suicas para os últimos quatro anos).
O aumento numérico dos casamentos mistos suscita, sem dúvida, grave problema pastoral, pois a maioria déles é invá lida á luz da legislagáo canónica vigente até agora. No Estado de lona (U.S.A.), por exemplo, o Govérno registrou 11.593 matrimonios mistos de católicos entre 1953 e 1957. Déstes, apenas 5.325 (46%) foram tidos como váli dos segundo as leis da Igreja Católica. Na Holanda, em 1966 apenas 31% dos casamentos mistos foram válidos, embora os Bispos holandeses se tenham mostrado muito benignos na concessáo de dispensas aos fiéis católicos. Na Alemanha Federal
julga-se que sámente um térgo das unióes mistas pode ser tido como válido. Na Suíca, entre 1940 e 1948 as dispensas foram
concedidas apenas para 45% dos casamentos mistos entáo reali zados. Em geral, nos países em que há estatísticas disponíveis, verifica-se que menos da metade dos casamentos mistos é válida
segundo os criterios da legislagáo eclesiástica; o Canadá, porém, constituí neste setor urna notável excegáo.
3. As causas do incremento numérico de matrimonios mis tos devem ser procuradas nos tragos típicos da vida contem
poránea.
Notem-se, em primeiro lugar, os fenómenos de emigracáo, imigragáo e urbanizagáo, que estreitaram o intercambio entre os homens, criando muitas vézes urna sociedade hetero génea ou pluralista quanto á sua oríentagáo filosófico-religiosa. Os novos meios de transporte e comunicagáo proporcionam aos jovens novas ocasióes de encontros e contatos. O trabalho fora de casa ou a freqüentagao de escolas e Universidades, hoje em dia muito mais comuns do que outrora, propiciam igualmente novos tipos de relacionamento entre os homens. Leve-se em conta também o senso de liberdade e responsabilidade pessoal que os jovens constumam reivindicar para si, afastando-se multas vézes das tradicóes de suas familias ou comunidades religiosas. Na sociedade moderna, imbuida de espiritó de reforma social, muitos cidadáos tendem a julgar os matrimonios mistos como algo de indiferente ou como um fato cada vez mais normal. t
Por último, deve-se registrar a aoroximagáo crescente entre cristáos católicos e náo-católicos. Os jovens cristáos, mesmo — 282 —
CASAMENTOS MISTOS
quando pouco ou mal informados sobre o ecumenismo, sabem que a legislagáo da Igreja concernente aos matrimonios mistos, está em fase de reelaboragáo. Em certos países, as diferengas entre as diversas confissóes cristas parecem ter perdido todo o seu significado aos olhos dos jovens. ■ Consciente destas características da sociedade de nossos dias e, de modo especial, consciente de que os matrimonios mistos já nao sao urna excecáo, mas um fenómeno de vulto crescente, a autoridade da Igreja reformulou a sua legislagáo concernente a ésses casamentas. As leis da Igreja estao a servigo da saritificagáo dos homens; por isto elas devem, antes do mais, considerar as condigóes gerais em que os homens e, em particular, os cristáos vivem, a fim de que dentro dos moldes temporais sejam colocadas a grasa e a santidade de Deus. O documento «Matrimonia mixta» de 31/3/1970 consta de duas partes: a primeira, doutrinária; a segunda, jurídica e prática. Examinaremos urna e outra sucessivamente.
2.
Considerares doutrinárras
1. Os matrimonios mistos sempre foram, e continuam a ser, considerados pela Igreja como algo de nao desejável em virtude das conseqüéncias que acarretam. Sem dúvida, pode haver entre cdnjuges de diferentes confissóes religiosas paz e
felicidade. Deve-se notar, porém, que a dualidade religiosa
dentro de um casal pode fácilmente tornar-se ocasiáo de diver gencia: o conceito de matrimonio pode nao ser o mesmo para o esposo e a esposa; a educacáo cívica e religiosa da prole pode ser diversamente entendida pelos cónjuges; a prática dos deveres para com Deus será diferente entre marido e mulher, podendo as vézes tornar-se difícil para um ou para outro.
Assim a célula viva da Igreja que é a familia, sofre o perigo de lamentável divisáo.
Observa-se também, ao contrario do que se poderia prever, que os matrimonios mistos sao geralmente nocivos a causa
do ecumenismo ou da restauragao da unidade entre os cris-
ttáos, pois nao raro suscitam o relativismo no lar; em conseqüéncia, a prole freqüentemente é fría ou indiferente no to cante á Religiáo. Tais s5o as razóes em virtude das quais a Igreja, consci ente de seus deveres sagrados, firmemente desaconselha casa mentes mistos. Deve-se, alias, notar aqui que também as ou— 283 —
8
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 1
tras confissóes religiosas (protestantes, judia...) tarnbém consideram nocivos ao verdadeiro bem de seus fiéis os matrimo nios mistos; tal atitude nao é necesariamente a conseqüéncia de mentalidade mesquinha ou fanática, como bem se pode compreender.
2. Apesar de nao desejar tais nupcias, a Igreja Católica reconhece a todos os homens o direito natural de se unir em matrimonio e procriar. Por isto, mediante urna legislaeáo es
pecial, Ela procura conciliar o respeito a tal direito com a fidelidade aos preceitos positivos da lei de Deus. Na verdade, as dificuldades nao sao insuperáveis, desde que os pastores da Igreja lhes déern a devida atencáo e acompanhem os seus fiéis, fornecendo a uns o necessário curso de preparagáo para o casamento misto e a outros, já casados, a assisténcia devida, para que, como católicos, vivam o seu casamento misto.
3. A Igreja nao encara do mesmo modo os casamentes de católicos com cristáos náo-católicos e os de católicos com pessoas náo-batizadas (ao estabelecer esta distingáo, o do
cumento «Matrimonia mixta» se beneficia de observacóes feitas a Instrucáo de 18/3/1966, em que a distingáo nao era formu lada). Bem se pode crer que no caso de matrimonio entre cristáos (católicos e protestantes, por exemplo), naja mais compreensáo mutua do que na hipótese de nao ser batizado
um dos cónjuges (embora, por vézes, se dé justamente o con trario!). Entre cristáos, o fundamento religioso comum é mals rico; a Igreja Católica faz questáo de reconhecer os bens espirituais que os irmáos separados possuem, embora nao estejam em plena comunháo com a S. Igreja.
Todavía nao se deve esquecer que mesmo os casamentes entre católicos e cristáos náo-católicos oferecem pontos espi-
nhosos para a consciéncia dos cónjuges. Na verdade,
os católicos professam a indissolubilidade do matri monio, ao passo que os protestantes aceitam o divorcio; os católicos tém a celebragáo religiosa do matrimonio na conta de sacramento — e sacramento necessário —, ao passo que os protestantes consideram o rito religioso como béncáo dada a urna uniáo que pode ser contraída simplesmente no pretorio; católicos e.protestantes podem diferir entre si ao conceber certos principios moráis que regem a vida do casal e da familia (vejam-se os setores da limitagáo da prole, do uso de antíconcepcionais, da educac.áo religiosa dos filhos); — 284 —
CASAMENTOS MISTOS
católicos e protestantes podem também conceber di
versamente o alcance da jurisdicáo da Igreja em assuntos da
familia.
Tais divergencias só estaráo superadas quando plenamente restaurada a unidade dos cristáos.
4.
estiver
Por isto, a Igreja prescreve que os fiéis católicos
desejosos de contrair matrimonio misto sejam cuidadosamente instruidos no tocante a concepgáo católica do casamento e aos deveres daí decorrentes. Saibam que, se a Igreja lhes concede autorizagáo para realizar uniáo conjugal com um náo-católico, Ela nao os pode dispensar dos deveres derivados do próprio Evangelho.
Será preciso, portante, que a comparte católica saiba que deve conservar a sua fé e nao a expor a perigo, pactuando arbitrariamente em materia religiosa. Saiba também que lhe
compete exercer seu zélo apostólico ou missionário, fazendo todo o possível para que os filtros sejam batizados e educados na Igreja Católica. No tocante á educacáo da prole, porém, o documento de 31/3/1970 reconhece que é tarefa de ambos os genitores; por isto a comparte náo-católica deverá ser respeitada, caso nao permita a formacáo católica dos filhos (como se verá adianto, a Igreja já nao lhe pede, como outrora, que garanta a educacáo católica dos filhos) 1.
Estabelecidas estas grandes linhas doutrinárias, a Carta Apostólica passa a estipular as novas normas que regulamentaráo os matrimonios mistos.
3.
Normas jurídicas
As quatro primeiras disposigóes nao fazem senáo reafir
mar certos principios do Direito clássico, a saber:
1 A nova" posicáo da Igreja se justifica nos seguintes termos: é certo que o erro, principalmente o erro religioso, nao tem direito algum; mas a pessoa que erra, pelo fato de ser pessoa humana, tem o direito de optar llvremente e de nao ser constrangida a proceder contra a sua consciéncia. Outrora a Igreja exigia que o cónjuge náo-católico se empenhasse pela educacáo católica dos filhos, caso um náo-católico livre e espon táneamente se quisesse casar com um membro da Igreja Católica.
— 285 —
10
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 1
1) A Igreja continua desejando que os fiéis católicos se casem corn católicos, pois esta praxe propicia melhores condigóes para que se guardem a unidade e a harmonía dentro do lar.
2) Mantém-se o impedimento dito «de mista religiáo»: o casamento entre um católico e um cristáo náo-católico é ilícito, * embcra possa ser válido.
3) Também fica em vigor o impedimento dito «de disparidade de culto»: o casamento entre um católico e urna pessoa nao batizada é nao sómente ilícito, mas também inválido ou nulo, aos olhos do Direito Canónico. 4)
Todavía tanto num como noutro caso a Igreja con
cede a dispensa necessária, desde que para tanto haja motivo justo.
5)
Ao pedir tal dispensa do respectivo Bispo, a parte
católica deverá prometer3 sinceramente que tudo fará a fim
de que a prole inteira (sem distingáo entre meninos e meni
nas) seja batizada e educada na Igreja Católica. Deverá tam bém declarar que nao se exporá ao perigo de perder a fé (negligenciando sua formagáo religiosa ou a freqüentagáo dos sacramentos ou comparecendo desnecessariamente a reunióes
e celebracóes religiosas náo-católicas).
.
É grave a obrigagáo de prestar a promessa e a declaragáo
ácima.
6)
A parte náo-católica nao se pedirá juramento nem
promessa. Todavía o Bispo ou o pároco do lugar respectivo deverá dar-lhe a conhecer as obrigagóes contraídas pela parte
católica nos atos ácima. Além disto, o Bispo ou o pároco terá
a grave incumbencia de convidar o cónjuge náo-católico a nao impedir que o consorte católico cumpra essas obrigagóes. A parte náo-católica poderá nao responder ou mesmo res
ponder negativamente a ésse convite. Tal atitude será dolorosa para o Bispo, o' sacerdote e o cónjuge católico; todavía nao
1 «Ilícito» é, no caso, o que contraria as disposicOes da lei. Nao obstante, pode preencher os requisitos para que seja tido como verda-
deiro matrimonio ou como válido.
2
A nova legislado já nao fala de juramento, como as anteriores.
— 286 —
,
CASAMENTOS MISTOS
.
11
será, por si so, motivo para que o Bispo deva necessariamente recusar a dispensa e o pároco se veja obligado a recusar o casamento solicitado. Toca, antes do mais, á parte católica ponderar diante de Deus se em tais circunstancias aindaé aceitável o casamento misto (poderá éste desenvolver-se em ambiente de paz e colaboragáo?). 7) Os dois futuros cónjuges seráo claramente instruidos a respeito das finalidades do casamento (procria.gáo da prole, que é a expressáo mais clara do amor conjugal, e auxilio mutuo), como também no tocante as propriedades essenciais
do mesmo (monogamia e indissolubilidade). Se um dos dois cónjuges excluir algum dos elementos ácima, o matrimonio será inválido (como, alias, é inválido todo casamento contraído
com exclusáo explícita de alguma fínalidade ou propriedade do matrimonio). 8) Compete á Conferencia dos Bispos de cada nagáo estabelecer
tornaráo de foro público, ... como a parte náo-católica. há de ser cientificada das mesmas... Álém do que, poderá babear outras normas nesse setor, se as julgar oportunas.
9) A nova legislacáo, em seu § 15, prescreve que o casa mento misto seja contraído apenas na Igreja Católica, ficando, excluida a celebragáo previa ou posterior do matrimonio
segundo algum rito náo-católico
(protestante,
judeu, teosó-
fico...). Nao se chame ao templo católico algum ministro náo-católico para realizar o rito respectivo de casamento.
Parece, porém, nao ficar excluido que os cónjuges, após a celebrarlo católica do matrimonio, participen! de um culto de leituras e preces num rito náo-católico (contanto que ésse culto nao seja tido como renovagáo do consentimento matri monial). Com isto, a Igreja quer evitar o relativismo e manter viva á consciéncia de que o matrimonio é um sacramento instituido pelo Criador e elevado a nova dignidade por Jesús Cristo, sa cramento que as outras confissóes religiosas nao aceitam em
sentido táo estrito e, por isto, nao adrninistram. — 287 —
12
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 2
10) Ao Bispos e párocos toca a incumbencia de assistir pastoralmente aos cónjuges católicos unidos a náo-católicos, assim como a seus filhos. Contribuam do seu modo para a harmonía do lar — o que se poderá mais fácilmente obter, se entraran em relacionamento sinceramente fraterno com os ministros de outras denominagóes religiosas. 11) Ficará abolida a excomunháo que, segundo o canon 2319, recaía sobre o fiel católico que contraísse matrimonio perante ministro náo-católico. Quem já tenha sido atingido por essa censura, estará isento de seus efeitos; deverá, porém, re correr ao Bispo de sua regiáo, a fim de legalizar o seu casa mento perante a Igreja Católica, caso isto seja necessário. x
Eis as grandes linhas da nova legislagáo da Igreja relativa aos casamentes mistos. Como se vé, é mais benigna do que as anteriores. Enquanto, de um lado, demonstra compreensáo para com a realidade contemporánea, ela, por outro lado, nao trai as exigencias de Cristo e da instituigáo sacramental do matrimonio; verdade e caridade sao as suas notas marcantes. Breve e interessante sfntese do problema dos casamentos mistos se encontra em «Informations Catholiques Internationalcs» n* 352, 15/1/70, pp. 23-31.
II. 2)
UM POUCO DE TELEVISAO
«Será irreverente a cancáo 'SupeTstar', que provocou
celeunm © interrnp$áo de programa na televisa» brasileira? Jesús tara sido mais do que Buda e Maiomé?»
Em sintese: A cancáo «Superstar» exprime as dúvidas de muitos dos nossos contemporáneos ante a pessoa e a obra de Jesús Cristo: grande, mas também aniquilado, terá sido verdadeiro Deus? A peca pede urna resposta. Jesús, possuidor de plena saúde física e mental, afirmou ser Deus e mostrou ter consciéncia de que morreria para salvar os homens. Como prova decisiva da veracidade de suas afirmacoes, indicou o slnal de Joñas ou a sua ressurreigao. Ora a ressurrelcáo de Jesús é um íato. Sdmente a evidencia do acontecimento teria tirado os Apostólos do estado de capitulacao a que se entregaram quando viram o Mestre condenado. A alucinagáo nao se explicarla na
— 288 —
«JESÚS CRISTO, QUEM ÉS TU?>
13
mente dos discípulos, nem teria ultrapassado tres séculos de perseguicáo por parte de judeus e romanos. — Nem a alucinacáo teria sido pedestal suficiente para sustentar vinte séculos de civilizagáo crista. Donde se pode responder, numa critica sadia, que Jesús era real mente Deus e Homem, como Ele anunciou. Buda e Maomé foram gran des mestres de certos povos; estáo longe, porém, de ter em seu favor as credenciais (das quais a principal é a ressurreicao) que recomendam Jesús Cristo.
Resposta: A televisáo carioca apresentou ao público a cancáo «Superstar» (Superestréla), da autoría de Andrew Webber e Tim Rice. É peca popular, que em Londres mesmo provocou discussáo: miütos comentaristas a julgaram anticristá, ao passo que üutros (cristáos anglicanos) a tiveram como inocua.
Abaixo proporemos o texto da cangáo, seguido de breve comentario.
1.
«Superstar» (Superestréla)
Eis o texto original inglés: Every time I look at you I don't understand Why you let the things you did get so out of hand. You'd have managed better if you'd had it planned. Why'd you choose such a backward time and such a strange land? If you'd come today, you would have reached a whole nation; Israel 4 BC had no mass communicaüon.
Don't you get me wrong, I only want to know:
Jesús Chrlst
Jesús Christ who are you? What have you sacriíiced? Jesús Christ, Superstar,
do you think you're what
they say you are?
Tcll me what you thlnk about your friends at the top. Who d'you think besides yourself's the pick of the crop? Buddah was he where it's at, was he wherc you are? Could Mahomet move a mountain
or was that just PR? Did you mean to die like that? Was that
a mistake or Did you know
your messy death would be a record-breaker? Dont'you get me wrong, I only want to know: Jesús Christ
Jesús Christ, who are you? What have you sacriíiced? Jesús Christ, Superstar, do you think you're what they say you are?
289 —
14
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 2
Em traducáo portuguesa:
«Todas as vézes que olho para tí, fico sem ccmpreender
por que deixas as coisas que fizeste, andar táo desgovernadas. Tena sido melhor que as tivesses planejado. Por que terás escolhido urna época táo recuada e urna
térra táo estranha?
Se viesses hoje, atingirías urna nagáo inteira. Israel em 4. a. C. nao tmha meios de comunicacáo de massa. Nao me leves a mal. Apenas desejo saber: Jesús Cristo, Jesús Cristo, quem és tu? Que sacrificio foi o teu?
Jesús Cristo, Superestréla, julgas que és aquilo que éles
dizem que tu és?
Dize-me o que pensas a respeito de teus amigos que estáo
no alto. Quem julgas, além de ti, seja a nata da colheita? Buda estava nessa nata? Estava onde tu estás? Poderia Maomé mover urna montanha ou...1 Pensavas que haverias de morrer como morreste? Foi a tua morte um erro ou sabias que tua morte tumultuada supe
raría todos os récordes? Nao me leves a mal. Apenas desejo saber: Jesús Cristo,
Jesús Cristo, quem és tu? Que sacrificio foi o teu?
Jesús Cristo, Superestréla, julgas que és aquilo que éles dizem que tu és?» A éste texto segue-se
2.
Breve comentario
A peca, por seu próprio estilo, recorrendo a imagens e iníerrogacóes, é suscetível de mais de urna interpretaeáo. Será irreverente e sarcástica, como podem insinuar certas expressóes do texto (entre as quais «Superstar», védete) ? Após reflpxáo serena, pode-se admitir que o autor da cancáo nada tenha pretendido enunciar de definitivo a respeito
de Jesús Cristo. O poeta, no caso, reproduziria a ansiedade de muitos dos nossos contemporáneos, que, de um lado, eonside1
Poderla o leltor ajudar a traduzir o restante da frase?
_ 290 —
«JESÚS CRISTO, QUEM ÉS TU?»
15
ram a grandeza da personalidade e da obra de Jesús Cristo, mas, de outro lado, topam com pontos misteriosos que lhes dificultam a crenga em Cristo Deus e Homem. Sendo assim, a
cangáo pede
urna
explicagáo
ou sugere
algumas reflexóes a respeito de Jesús Cristo, reflexóes que seráo desenvolvidas por etapas.
1.
Vierdadeiro Homem. Certamente Jesús Cristo fpi ho
mem, assemelhado aos demais homens em tudo, exceto no pecado (cf. Hebr 4,15).
Quando o quiseram condenar á morte, os seus adversarios
nada encontraram que lhe pudessem objetar: «Muitos aduzi-
ram testemunhos falsos contra Ele, mas seus depoimentos eram
contraditórlos»
(Me 14,56;
cf. Jo
18,20-22).
Jesús mesmo
dizia: «Quem de vos me pode acusar de pecado?» (Jo 8,46), o que é realmente inédito na historia da filosofía. Epicteto, por exemplo, filósofo estoico, escreveu:
«Qué, pois? Será posslvel nSo ter pecado? É Impossível. É possível apenas esforcar-se continuamente por nao pecar. E já é talvez' um
bem, se nessa continua luta conseguimos ao menos evitar algum pe cado» (DissertacOes IV 12).
Outro famoso estoico, Séneca, observava: «Todos pecamos, uns mais gravemente, outros menos gravemente.
Nao sdmente já pecamos, mas pecaremos até o íim. Mesmo quando
alguém purificou a sua alma, de modo que nada o possa mais per turbar ou engañar, chegou a esta inocencia após o pecado» («De clementia» 16).
Por isto dizia o gramático grego Libanio: «Nao pecar é próprio de Deus só».
Assim como nasceu na Palestina há quase dois mil anos,
podia Jesús ter nascido em ríossos dias, sem que por isto esca-
passe a contradicáo. A mensagem de Jesús Cristo, hoje difun dida pelos meios de comunicagáo de massa, assim como en contraría mais ressonáncia do que outrora, nao de'xaria de
encontrar também maior contestacáo e deturpacáo. Jesús Cristo apareceu entre os homens na época que a Providencia do Pai teve por oportuna («na plenitude dos tempos», diz S. Paulo em Gal 4,4). Só a Deus compete dispor os tempos segundo sabios designios.
2.
Consciente de sua missao. Jesús Cristo deu provas
de ter conciencia de sua missáo sublime de Salvador, dos ho— 291 —
16
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 2
mens. Sabia, sim, que sua morte seria redengá» da humanidade. Eis alguns de seus dizeres característicos: «O Filho do homem nao veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos» (Mt 20,25-28). «Quando fór exaltado ácima da térra, atrairei a mim todos os homens». Palavras que o Evangelista assim comenta:
«Dizia isto para indicar de que morte havia de morrer» (Jo
12,32s).
3. Plena saúde... Leve-se em conta que Jesús Cristo, autor de tais dizeres, gozava de saúde robusta. Sua constituida© física permitía-lhe percorrer a Palestina de Norte a Sul, caminhando pelas estradas, passando noites ao relente («O Filho do homem nao tem onde reclinar a cabeca», Mt 8,20) ou em oracáo (cf. Le 6,12).
Gozava .também de saúde mental perfeita. Soube dominar os ñervos por ocasiáo de sua paixáo. Tenham-se em vista as seguintes passagens:
«Se falei mal, mostra-mo* se falei bem, por que me bates?» (Jo 18,23). «Judas, com um ósculo entregas o Filho do homem?» (Le 22,48). «Jesús se calava» (Me 4, 60s). Manifestou vontade heroica: tentagóes, jejuns, cantradigóes nao o puderam abaten.
Mostrou também clareza de inteligencia:
«Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22,21).
«Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?» (Mt 16,26). Jesús soube repreender os fariseus que em día de sábado davam de beber a seu asno, mas nao permitiam a cura de urna mulher enferma (cf. Le 13,15). Nos momentos de gloria, Jesús foge; cf. Jo 6,15; Me 1,38. Na gloria da transfiguracáo corpórea, file falou de sua paixáo e morte (cf. Le 9,31). Foi também compreensivo e benigno para com todos: «Nao julgueis, e nao seréis julgados» (Mt 7,1)..
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«JESÚS CRISTO, QUEM ÉS TU?»
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Tenham-se em vista o episodio da mulher adúltera: «Quem é isento de pecado, lance a primeira pedra sobre ela!» (Jo 8,1-11); o episodio da pecadora (Madalena?) em casa de Simáo o faris3U (cf. Le 7,37-50); as tres parábolas da misericordia divina, em Le 15 (a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho pródigo). 4. Dcus verdadeiro. Jesús, sadio em seu físico e em seu psíquico, deu a saber que era Deus:
«Ninguém conhece perfeitamente o Filho a nao ser o Pai, e ninguém conhece perfeitamente o Pai a nao ser o Filho e aquéle a quem o Filho O quiser revelar» (Mt 11, 27). «Eu e o Pai somos um só» (Jo 10, 20).
O comportamento dos homens em relacáo a Jesús é cri terio decisivo da vida e da morte de cada um; Ele julgará a todos (cf. Mt 25, 31-46).
«Ouvistes o que foi dito (pelo Senhor Deus) aos antigos... Eu, porém, vos digo...» (Mt 6, 21...). 5. A prova definitiva.. A prova máxima da Divindade de Jesús haveria de ser, como Ele mesmo disse, o sinal de Joñas, ou seja, a ressurreic.áo do Crucificado; cf. Mt 16,4. Em Jo
2,19-21, Jesús propde o sinal do templo (seu corpo) destruido e em tres días reerguido.
Ora, se os Apostólos, abatidos como estavam, se puseram
a pregar a ressurreicüo num mundo hostil, testemunhando-a com a própria morte, deve-se admitir que foram vencidos pela evidencia do fato.
Mais: a pretensa alucinagáo dos Apostólos nao se teña
transmitido a geragóes e geragóes de cristáos que, durante os tres primeiros sáculos, morreram mártires de sua fé em Cristo ressuscitado. Ser cristáo implica necesariamente a aceitacáo
da Ressurreicáo do Senhor: «Se Cristo nao ressuscitou, vá é a vossa fé», dizia S. Paulo (cf. 1 Cor 15,14). É preciso nao esquecer que toda alucinagáo se dissipa pouco depois de con cebida, cedendo á realidade dos fatos.
Por último, considere-se: a historia nos coloca diante dos
'seguintes dados:
O Cristianismo se propagou, apregoando em primeira linha a ressurreicáo do Senhor. Duas conjeturas sao entáo pessiveis:
— ou a ressurreicáo de Cristo é um fato. Tem-se entáo — 293 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 127/1970. qu. 3
um portento, um sinal, que comprova a Divindade de Cristo, de acordó oom as palavras de Jesús mesmo; — ou a ressurreicáo de Jesús nao é fato histórico, mas um mito ou urna lenda. Entáo tem-se outro portento- a alucinagáo, a fraude, a mentira teráo sido a base de vinte sáculos de civilizagáo crista. Ora esta hipótese também exige fé Pa
rece, porém, que, dentre os dois tipos de fé (a fé em Cristo
Deus e Homem, que, como homem, ressuscitou, e a fé na mentira e na alucinagáo, base de vinte séculos de Cristianismo) menos exigente e mais lógica ainda é a fé na Divindade de Cristo. Deus se terá manifestado em Jesús Cristo. Isto está longe de ser absurdo ou impossível para quem eré em Deus Fé por fé, mais vale a dássica fé crista do que a «nova fé» do
racionalismo!
Quanto a Buda e Maomé, foram grandes homéns, mas jamáis tiveram em seu favor os sinais que falam em prol de Jesús, atestando-o como verdadeiro Homem e verdadeiro Deus. A propósito, veja-se o llvro «Quem é éste homem ?> de Fr. Mateus
Rocha, Sao Paulo 1970.
III. 3)
POLÍTICA E SACERDOCIO
«Deve o padre ser político ou entrar na militáncla
política?»
Em sfntese: Apontam-se tres principáis razSes para que o padre milite na política: solidariedade, promocáo pessoal e social, maior efi cacia do apostolado.
A estas razGes podem-se fazer as seguintes observacSes: Nao há incompatibilidade radical entre sacerdocio ministerial e mültancia política. A política nao é suja ou desonesta por si, embora
fácilmente excite as paixñes; quem a pratlca, tem que conhecer as
regras e a arte respecüyas, a fim dé evitar os escolhos moráis da política.
Registram-se, porém, incompatibilidades relativas, visto que o pa dre deve estar a servico da unidade da comunidade crista (um presbí
tero comprometido- com algum partido político pode provocar desconfianca e divisCes entre os fiéis). Deve também gozar de liberdade'
psicológica para exercer o seu ministerio (a pregacao de um padre político pode suscitar suspeitas e constrangimento entre os seus ouvintes). Além do que, o presbítero, como presbítero, carece da necessária formagao previa para poder engajar-se na política.
Por último, assinalam-se motivos positivos que sugerem incompa tibilidade relativa entre presbiterato e acáo política: — 294 —
O PADRE NA POLÍTICA?
19
1) O padre há de ser sinal de paz e nao-violéncia em meio á luta pela justica; 2) ... há de ser sinal de que toda a atividade hu mana tem suas raizes e sua consumacao em Deus; 3) ... há de ser sinal da distincáo fundamental existente entre cidade terrestre e Reino de Deus. A renuncia do padre á militáncia política pode ser comparada á sua renuncia ao matrimonio; nem urna nem outra é absolutamente necessária para que o presbítero seja presbítero; todavía, assim como
a sabedoria dos séculos ensina a profunda conveniencia do celibato sacerdotal, ela parece ensinar a grande conveniencia de que o padre nao pratique a militáncia política (o que nao quer dizer que nao exerca o direito de voto e outros afins a éste).
Besposta: As transformacóes da sociedade e os movimentos políticos que elas suscitam, tém provocado a questáo da
conveniencia da participagáo dos sacerdotes na militáncia po lítica.
É claro que o padre, como bom cidadáo da sua patria, tem o incontestável direito, se nao mesmo o dever, de parti cipar na vida da nagáo, acompanhando os respectivos proble mas políticos, exercendo o voto, informando-se de tudo que possa interessar ao ministerio sacerdotal... O que vem ao caso na presente questáo, é o seguirte: seria desejável, mi mesmo necessário, que o presbítero milite filiado a determinada corrente (partido) de acáo política? Examinaremos abaixo as principáis razóes evocadas em favor tanto da resposta positiva como da negativa.
1.
Em favor...
Tres sao os mais ponderosos argumentos aduzidos em prol da militáncia política do padre. 1)
Solídariedade
Compreende-se que o padre se abstenha de acáo política quando a vida do país transcorre normalmente. Desde, porém,
que a nacáo passe por urna fase de agitacio e crise, pergunta-se se © sacerdote tem o direito de se ¡sentar dos movimentos
políticos, máxime quando se prevé que marcaráo decisivamente o futuro do país. Pode o padre deixar que outros assumam o risco de campanhas novas (o que nao quer dizer: marxistas) e, depois, usufrua dos beneficios que tiverem conquistado? — 295 —
20
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 3
2)
Promojño pessoal
O padre (dizem) está deslocado ou isofado na sociedade; muitos nao aceitam nem reconhecem a sua missáo. — Ora, se
o padre se insere na acáo política, ele conquista imediatamente o seu estatuto social, incorporandtf-se de novo na sociedade. 3)
Eficacia apostólica
A participacáo do sacerdote em movimentos politicos pode contribuir para manifestar o valor do Evangelho frente aos problemas do homem de hoje. A ausencia do padre nao poderla ser censurada como demonstragáo de que o Evangelho alheia ou é incapaz de acompanhar as aspiragóes do cidadáo contem poráneo? Em momentos de grave crise política, a formagáo espiritual e doutrinária dos leigos será realmente possivel sem que o padre partícipe da própria militáncia dos leigos? As razóes assim expostas merecem atengáo. Elas nao sao unánimemente aceitas; pelo que, convém considerar os argu mentos em contrario.
2.
Opost£ck> radical?
Rejeitando os argumentos atrás, há quem queira pro pugnar radical oposigao entre o sacerdocio e a política. Na verdade, porém, oposigáo radical e absoluta nao existe, como se poderá depreender da exposigáo seguinte. 1)
Incompatibilidade absoluta por parte do ministerio sacer
dotal ?
O presbitero é constituido tal para prosseguir a missáo dos Bispos e Apostólos, a saber: anunciar o Evangelho, santi ficar o povo de Deus e governar a comunidade crista. O Con cilio do Vaticano n lembrou-o claramente: «A funcáo dos presbíteros, enquanto unida á ordem dos Bispos, participa da autoridade pela qual Cristo mesmo edifica, santifica e governa seu Corpo... Participando, do seu modo, da fune.3o dos Apos tólos, os presbíteros recebem de Deus a graca que os torna ministros do Cristo Jesús» (Decreto «Presbyterorum Ordinis» n' 2).
A ésse ministerio os sacerdotes consagram toda a sua vida,
toda a sua razáo de ser. As fungóes presbiterais exigem, por isto, que o sacerdote assuma um estilo de vida correspondente, capaz de manifestar é tornar eñcaz o seu sacerdocio. — 296 —
O PADRE NA POLÍTICA?
21
Ora, já que ninguém pode desenvolver todas as atividades ao mesmo tempo, o sacerdote, consagrado ao ministerio do
Sentoor, vé-se obligado a aceitar certas renuncias: ele deverá
abster-se de determinados compromissos que nao sao vedados a outras vocagóes; deverá... a fim de poder preencher adequadamente as suas tarefas sacerdotais. Conscientes disto, nao poucos presbíteros, desde os primordios da Igreja, abragaram espontáneamente o celibato; éste proporciona maior liberdade
de agáo apostólica. Compreende-se que outras renuncias pos-
sam ser recomendadas ao padre; entre essas outras está, sem dúvida, a renuncia á militáncia política. Todavía, assim como o celibato nao é intrínsecamente exi gido pelo sacerdocio (pode-se conceber um clero casado, como, por exemplo, o oriental), assim também, a rigor, nao se pode
dizer que a abstencáo de atividades políticas seja exigida pela índole mesma do presbiterato; o sacerdocio ministerial nao perde algum de seus constitutivos essenciais, quando vem a ser unido á agáo política.
Pode-se mesmo admitir o caso — certamente raro, e cada vez mais raro — de que um sacerdote venha a ser prática-
mente indispensável em determinada tarefa política que inte-
resse ao bem comum (o caso do Mons. Amida Cámara, deputado que defendeu valiosamente a indissolubilidade do ma trimonio, nao terá sido um désses?). Nessa hipótese, o sacer dote nao desdiz a sua vocagáo presbiteral entrando na mili táncia política.
É o Espirito Santo que, agindo na Igreja inteira e no intimo de cada presbítero em particular, indica ao sacerdote
quais as renuncias precisas que ele deve abracar para ser auténtico sacerdote na sua época e no seu pais. A legislagáo da Igreja, levando sabiamente em conta os interésses do Reino de Deus, pode explicitar urna ou outra dessas renuncias e impó-la a todos os sacerdotes, como se dá no caso do celibato. 2)
Incompatibilidade
absoluta
por
parte
da
própría
aeáo
política ?
Poderia alguém ser tentado a dizer que o presbítero nao
deve, em absoluto, engajar-se na política, por ser esta algo de sujo e intrínsecamente corrupto.
Tal alegagáo nao se sustenta. O Papa Pío XI dizia, certa vez, que a política é a mais elevada das formas de caridade praticadas na vida civil, pois a política visa nao apenas aos
— 297 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 3
interésses de um grupo, mas ao bem comum de todos. Assim
como o celibato, para se justificar, nao precisa de depreciar o casamento, assim também a abstencáo de militáncia política nao precisa de se estribar em urna desestima dos valores de
urna sadia acáo política.
Nao há dúvida, a política acarreta certos perigos moráis: fácilmente desencadeia paixóes, odio, violencia injustificada, pactos e compromissos pouco nobres. Todavia nao sómente para o padre, mas também para os leigos ela suscita tais ris cos — o que nao quer dizer que os leigos católicos se devam
ausentar da política, deixando éste campo aberto exclusiva mente á acáo de náo-católicos. Furtar-se á política, sob a alegacáo de que é preciso manter-se puro, nao pode ser atitude
preconcebida ou tomada urna vez por todas. O que, em tal caso, importa é que o militante político forme retamente a sua consciéncia e adquira a competencia devida, de modo a cumprir suas obrigacóes sem incorrer nos perigos anexos.
Na base, pois, de tais consideragóes, deve-se dizer que nao
há incompatibilidade absoluta ou intrínseca entre o presbite
rato e a acáo política.
Esta afirmacáo, porém, há de ser completada pela seguinte: se nao há incompatibilidade radical, pode-se dizer que há incompatibilidade relativa entre o sacerdocio e a militán cia política- 3 o que procuraremos aprofundar no parágrafo abaixo.
3.
Incompatibilidade relativa
Voltemos, antes do mais, a nossa atencáo para urna 1}
Obsérvaselo geral
Abstracáo feita do sacerdocio ministerial, podem-se conceber certos estados de vida em que o ddadáo, embora con serve a sua solidariedade com todos os compatriotas, se veja obligado a renunciar, ao menos em termos provisorios, á acáo política, Em outros termos: certos servidos sociais nao políticos só podem ser exercidos devidamente, caso os seus titulares se abstenham de pol'tica. Eis alguns exemplos:
— a vida militar — auténtico servico prestado a sode-
dáde — é geralmente considerada como relativamente incom-
pativel com a vida política. Sómente se fórem aporticos é que
os chefes militares póderáo ser plenamente livres para se en— 298 —
O PADRE NA POLÍTICA?
23
tregar ao bem da nagáo, ... manter o exército coeso, ... conservar as tropas em disciplina por ocasiáo das mudancas de govérno, ... afastar a tentagáo ou a suspeita de utilizar as
fórcas armadas para fins políticos.
Isto, porém, nao excluí que os militares, como bons cidadáos, exergam o direito de voto, tenham as suas opinióes polí ticas pessaais e adquiram conveniente cultura política. — os dirigentes de sindicatos, em geral, devem ser apolí ticos, a fim de nao arrastar os membros do respectivo sindicato em atitudes contrarias á sua consciéncia pessoal; — outros profiss-'onais assumem tarefas de tanta responsabilidade que, se se envolverem em política, nao lhes poderlo satisfazer adequadamente e comprometeráo o bem público ou, ao menos, arruinaráo a sua carreira profissional. É o que se pode dar com médicos, dentistas, professóres... Embora todos os cidadáos tenham obrigacóes para com todos, cada um tem o dever prioritario de se ocupar com aqueles dos quais é imediatamente responsável (clientes, enfermos, alunos...).
Certas máes de familia podem ser equiparadas a tais pro-
fissionais. Nao poucas dentre elas comprometeriam gravemente a educacáo e o futuro de seus filhos se se fóssem entregar a militáncia política.
Passemos agora á consideracáo direta do que concerne aos
sacerdotes. 2)
O presbítero
Também aos presbíteros algumas razóes fortes sugerem isen?áo de política a fim de poderem cumprir devidamente a sua missáo. Tais razóes sao: a)
O servigo da unldade da comunldade crista
Dentro de urna comunidade crista (paróquia, comunidade de base, equipe de casáis, grupo de jovens...), há, sem dúvida, urna so fé, mas pode haver diferentes opgóes porticas. A liberdade de opiniSo política é reoonhecida a todo cristáo dentro do leque das posigóes conciliáveis com o Evangelho. E's as
palavras da Constituigáo «Gaudium et Spes» do Concilio do
Vaticano II:
«Multas vézes a visao crista das coisas inclinará tais ou tais fiéis a adotar determinada solucao (política), de acordó com as circuns tancias. Outros fiéis, porém, com igual sinceridade poderSo Julgar de
— 299 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 3
outra maneira, como acontece muitas vézes e legítimamente... Em tais casos, a ninguém é licito reivindicar exclusivamente para a sua sentenca a autoridade da Igreja. Mas procurem em dialogo sincero esclarecer-se reciprocamente, conservando a caridade mutua, e preocupando-se, ácima de tudo, com o bem comum» (n« 43 I 3).
Ora os sacerdotes, chamados a exercer a sua missáo em nome de Cristo, tém especial tarefa a desempenhar a servigo da unidade da comunidade crista.
Éste servigo lhes será dificultado, caso procedam dentro
da linha de determinada opgáo política; a sua agáo em favor
de tal ou tal partido poderá (com ou sem razáo plena) torná-los suspeitos ou alheios a muitos membros da comunidade; o padre poderá (talvez injustificadamente) de faccüo mais do que ministro de Deus.
parecer-Jhes agente
É digna de nota, por exemplo, a maneira como o Apostólo Sao Paulo se comportou em Corinto diante da comunidade dividida em
partidos («Eu sou de Paulo», «Eu sou de Apolo», «Eu sou de Pedro»... 1 Cor 1,12). A atitude do Apostólo consistiu entño em mostrar que os pregadores do Evangelho sao meros servidores, e servidores que devem levar os fiéis a urna so meta: Deus. «Eu plantel, Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento. Assim nem o que planta, nem o que rega, é alguma coisa, mas so monte Deus, que dá o crescimento» (1 Cor 3, 6s).
Donde se ye que o padre náv> se deve arriscar, por sua militáncia política, a ser tido como líder pelos fiéis que compartilhem a mesma opeáo, enquanto outros o rejeitaráo como adversario político. Evidentemente, pode haver casos em que toda a comuni dade comungue com os mesmos sentimentos de justa alegría
ou tristeza diante de um acontecimento da vida nacional. Nestas circunstancias, nao há dificuldade em que o sacerdote se
manifesté em uníssono com seus fiéis ou mesmo em nome de seus fiéis. b)
A liberdade para o ministerio
«Liberdade» aqui nao significa «disponibilidade em mate ria de tempo ou horario», mas, sim, «desentrave ou desembaraco psicológico»; Ao sacerdote cabe a missáo de ensinar e orientar todos
os fiéis. Ora esta missáo requer um clima de confianea tal que ninguém se sinta constreñido em presencu do padre. Tcdavia um compromissamento político déste poderia criar um ambi ente de suspeita, dando a crer (talvez sem fundamento) que — 300 —
O PADRE NA POLÍTICA?
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o padre tenciona abusar de sua autoridade mural para suscitar adesóes partidarias. O magisterio do padre já é por si bastante arduo; nao convém, seja ainda tornado mais espinhoso por motivo de ©posicóes políticas. O padre deve colocar-se em condicóes tais que possa ser o educador leal e exigente que todos esperam, sem condescendencia injustificada para com amigos políticos nem agressividade para com os que pensem de outro
modo.
De maneira especial, na pregagáo da Palavra de Deus é preciso que o padre se abstenha de partidarismo. Antes, colo que os valores políticos no seu genuino lugar: de um lado, mostrará que a acáo política, longe de ser estranha ao Evangelho, recebe Iuzes da parte déste (o cristáo é cristáo em todas as suas ' atividades, nao excluida a política); de outro lado, o
sacerdote evitará reduzir a mensagem do Evangelio a urna
especie de mística ou de messianismo meramente terrestres. O padre mostrará todas as conseqüéncias do Evangelho na vida sócio-económica dos individuos e dos povos, mas nao silenciará o que há de transcendental no Livro Sagrado. c)
Falla de competencia política
Deve-se reconhecer que a grande maioria dos sacerdotes nao recebeu a formacáo necessária para a militáncia política (como, alias, bem se compreende e justifica). Ora, sem pre paro previo, o padre que se engaje na política, corre dois perigos:
— ou é utilizado por chefes perspicazes como instrumento de agio; entáo a autoridade moral dos sacerdotes é objeto de abusos e desvios;
— ou, inversamente, o padre utiliza a agáo política para fins religiosos, assumindo no setor político o papel de chefe de comunidade religiosa. Entáo o apostolado degenera em política. Está claro que o presbítero pode adquirir formacáo e competencia políticas. Estas Ihe seráo úteis, ainda que, por motivos de outra índole, nao müite; ... úteis, porque possibilitaráo ao padre compreender melhor os acontecimentos e or» homens. A agáo política cabe própriamente (o que nao quer dizer: exclusivamente) aos leigos competentes, como nota o Concilio do Vaticano II: «As proíissSes e atividades seculares competan própriamente aos
leigos, ainda que nao de modo exclusivo. Portante, estes... procuraráo adquirir competencia verdadeira naqueles setores. Reconhecendo as
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exigencias da íé e alimentados pela fórca desta, nSo hesltem, se fór necessário, em tomar novas iniciativas e pd-las em prática. A consciéncia dos leigos, previamente formada, toca Inscrever a leí divina na vida da cidade terrestre. Os leigos esperam dos sacerdotes luz e íórga espiritual. Contudo nao julgem ser os seus pastores sempre táo com petentes que possam ter urna solucao concreta e imediata para toda questáo que surja, mesmo grave; nem creiam que tal é a missao dos sacerdotes. Antes, esclarecidos pela sabedoria crista, prestando cuida dosa atengáo á doutrina do magisterio, assumam os leigos a sua res-
ponsabilidade» (Const. «Gaudium et Spes> n' 43 12).
As razóes até aqui alegadas sugerem realmente urna in-
compatibilidade relativa entre ministerio sacerdotal e militáncia
política.
Elas podem ser completadas, Com efeito, urna sadia re-
flexáo teológica a respeito do sacerdocio ministerial leva a ver
que há urna conveniencia positiva e multo profunda em que o padre se abstenha de engajamentos políticos. É o que o título abaixo tentará expor.
4.
Feriando em termos positivos...
Voltemos a nossa atencáo para tres aspectos muito ca racterísticos da figura do padre. 1)
O padre, sitial de paz e nao-violencia em meio á luto
pela fustiga.
A sociedade de hoje está sujeita a ser sacudida por movimentos de violencia. Tais movimentos podem ser injustificados e meramente passionais, como também podem ser suficiente
mente motivados e justos: de um lado, todo Govérno legal tem
o direito de exercer a sua autoridade e de se opor aqueles que
injustamente perturbem a ordem pública; de outro lado, pode haver regimes de todo ineficazes ou mesmo tiránicos que só possam ser superados mediante rebeliáo armada (cf. ene. «Populorum Progressio» n» 31).
Nessas condicóes, cabe ao padre, em virtude mesmo do seu ministerio sacerdotal, ser sinal vivo do termo ao qual tendem todas as lutas políticas: a paz dentro da justfca. A figura
e a agio do padre devem contribuir para que aqueles que militam nao se deixem obcecar pela paixáo, nem recorram a meios injustos. O padre deve prolongar de maneira especial a presenca de Jesús Cristo entre os homens. Ora Cristo foi, por — 302 —
O PADRE NA POLÍTICA?
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excelencia, o Reconciliador, ... o Reconciliador dos homens entre si e com Deus. Ele é o arauto da paz, como nota oportu namente o Concilio do Vaticano II: «A paz terrestre, que jorra do amor ao próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo, que promana de Deus Pai. Pois o próprio Füho encarnado, Principe da paz, por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus. Restabelecendo a unláo de todos em um só povo eura só corpo, em sua própria carne aniquilou o odio e, depois do triunfo da ressurreicto, derramou o Espirito da caridade nos corac6es dos ho mens» (Const. «Gaudium et Spes» n» 78).
A atitude do padre, sinal e arauto da paz, jamáis deverá implicar desinterésse em relacáo aos homens que estejam lu-
tando; também nao importa em comodismo confortável. O pa dre deverá ser sempre um servidor, ... um servidor da Boa
Causa, pronto a oferecer a todos os que militam na vida civil amizade sacerdotal, energías e luzes..
2)
O padre, sinal do enraizamento e da consuma$So da aft-
vidade humana em Deus.
Como insistentemente incutiu o Concilio do Vaticano H, o homem é responsável pela construgáo de um mundo harmonioso e desenvolvida. Todavía no desempenho dessa tarefa
— máxime em nossos días — a criatura humana é fácilmente tentada a esquecer sua dependencia frente a Deus. A tentasáo é particularmente forte no setor político, onde, diante da gran
deza das tarefas, as paixóes sao fácilmente excitadas.
Em tais condicóes, compete a» padre significar, por seu
modo de vida, que toda a atividade humana é prevenida pela
atividade de Deus e só se consuma, ultrapassando-se a si mesma para se integrar no plano de Deus. Assumindo volun
tariamente certas renuncias características, como a renuncia
á agáo política, o padre deve lembrar que nenhuma atividade humana basta a si mesma e que, por isto, os homens h&o de procurar dirigir-se para Deus, mesmo quando realizam ordem neste mundo. Compete ao padre proclamar, pelo testemunho
de sua vida, que só Deus é o Absoluto, o absolutamente Ne-
cessário, de modo que, mesmo abstendo-se de certos tramites lícitos, o homem consagrado a Deus vive urna vida plena e fecunda.
Em observacáo complementar, pode-se reconhecer que todo cristáo deve manifestar o enraizamento e a consumagáo da sua
vida em Deus; todo cristáo deve também praticar certas renun
cias (os esposos, por exemplo, sao chamados a viver a casti— 303 —
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«FERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 3
dade conjugal). Todavía o que caracteriza o padre, é que o seu próprio ministerio, colocado a servico de todos, o chama a
pratícar formas mais radicáis de renuncia. 3)
O padre, sinal da dístinsáo fundamental entre a «¡dade
terrestre e o Reino de Deus.
O Reino de Deus nao é simplesmente a prolongacáo da cidade terrestre. Verdade é que ele deve estimular os homens
a exercer fielmente as suas atividades sociais e civis, mas a eficacia do Reino nao se limita a isto; ela é aferida por outros criterios, como também é promovida por outros meios. Tenham-se em vista as palavras da Const. «Gaulium et Spes» n* 76: «Quando os Apostólos, seus sucessores e cooperadores, sao en viados para anunciar aos homens Cristo, Salvador do mundo, baseiam-se, ao exercer seu apostolado, no poder de Deus, que com freqüéncia dá a conhecer o poder do Evangelho na fraqueza das testemunhas. Todos aqueles que se dedicam ao ministerio da Palavra de Deus, é preciso que lancem máo de caminhos e auxilios próprios do Evangelho, que diferem em muitos pontos dos da cidade terrestre».
Em outra passagem, o Concilio lembra que o Reino de Deus nao se identifica com regime político algum: «A Igreja que, em virtude da sua finalidade e competencia, de modo nenhum se confunde com a comunidade política, nem está ligada a algum sistema político, é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda do caráter transcendental da pessoa humana» (Const. «Gaudlum et Spess n' 76).
O Senhor Jesús mesmo, recusando a terceira tentagáo de Satanás tro deserto («Eu te darei todos os reinos do mun do...»), mostrou que o Reino de Deus nao se control sobre o poderio político (cf. Mt 4,8-10). O padre, ministro de Cristo, terá sempre esta cena do Evangelho ante os olhos. Se, de um
lado, a acáo política pode proporcionar maior integragáo do
padre na sociedade civil, de outro lado é preciso que a acáo
do padre jamáis possa insinuar que a fé é um messianismo temporal ou que a tarefa da Igreja se limita á construcáo da cidade terrestre. Quando urna tarefa da hierarquia civil e outra da hierarquia religiosa se concentram numa só pessoa (na do padre), urna e outra correm grave perigo de se tornar defi cientes.
Eis as razóes pelas quais, em conclusáo, se deve dizer que a renuncia á militáncia política deve ser a característica nor— 304 —
JUVENTUDE, ANGUSTIA E SUICIDIO
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mal da vida do sacerdote ministerial, admitindo-se raras excecóes para casos realmente imperiosos. O presente trabalho foi elaborado na base dos artigos de Roger Heckel S. J. intitulados «Le prétre et la politiquea e publicados em «Cahiers d'action religieuse et sociales» n' 484 (15/11/68), pp. 649-654; 485 (1/12/68), pp. 705-710; 486 (15/12/68), pp. 735-739; 488 (15/1/69), pp. 57-64; 489 (1/2/69), pp. 87-96.
IV. 4)
JUVENTUDE EM FOCO
«Por que boa parte da juventude de nossos días está
em contestacáo e angustia?
As estadísticas denunciam considerável número de suicidios entre os jovens na Europa!» Em sintese:
As páginas que se seguem, apresentam um artigo
da pena de um jovem que comenta a angustia da mocidade contem
poránea. Na Franca os suicidios sao surpreendentemente numerosos
na faixa dos 15 aos 24 anos. Por qué? — Porque muitos jovens nao
véem a razao de ser de sua vida; a luta em favor da produc&o e do consumo de bens materiais nao lhes parece suficiente justificativa da existencia humana. Há os que aderem ao marxismo e militam enérgi camente pela causa comunista, conservando, porém, em seu coracáo insatisfacáo e angustia.
Ao verificar isto, o articulista julga que aos mestres cristáos compete o estrito dever de apresentar aos jovens o Evangelho, ... eo Evangelho em tudo que ele tem de humano e de sóbre-humano, com
a loucura e o escándalo que lhe sao inerentes. A juventude entusiasma-se pelas facanhas grandes e heroicas devidamente motivadas; é somente o Eterno, o Absoluto ou o Infinito que pode realmente res ponder as suas aspiragoes mais profundas e genuinas; sem file a vida é fardo de que os jovens franceses nao tém hesitado desembaracar-se nos últimos tempos.
Resposta: A juventude de hoje se ressente, de modo es pecial, da crise de insatisfacáo que abala a sociedade contem poránea. Os jovens merecem, pois, atengáo particularmente compreensiva e solícita de país, educadores e pastores de almas. — 305 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 4
Na Franga, revelam certas estatísticas (como se lera abaixo) que o suicidio é a mais freqüente causa de morte na faixa dos 20 aos 24 anos, ao passo que entre os 15 e 19 anos de idade é a segunda causa nessa linha.
Para compreender a inquietagáo da juventude e avaliar os remedios que se lhe possam dar, parece que nao se devem
deixar de ouvir os próprios jovens, os quais vivem diretamente a sua problemática. Da parte dos jovens, encontrar-se-áo, sem dúvida, diversos e contraditórios testemunhos a respeito da crise que os afeta. Todavía, dentre ésses muitos depoimentos, destaca-se o que escreveu o jovem Guy Baret, com o título: «Notre jeunesse. Au service de l'Eglise». Trata-se de um estudante cristáo que encara a situacáo da juventude. O artigo foi publicado primeiramente em urna revista francesa datada de
20 de janero de 1970; a seguir, transcrito pelo periódico in ternacional «Le Christ au monde» n* 2 de 1970 pp. 139-143.
(voL XV),
Dado o valor de tal depoimento, apresentamo-lo aos nossos leitores, omitindo apenas urna ou outra seccáo que parece nao
ter pleno interésse para o público brasileiro. — Os títulos sao do próprio artigo.
1.
O festemunho de um genitor
«Há algumas semanas, ñas colunas do 'Nouvel Observa-
teur*, Maurice Clavel, que é católico, entregou-se a delirante
apología da pornografía. Merece especial destaque o tópico
seguinte:
'Sou extremamente favorável a ésse ímenso desencadeamento de pomo..., pois assim comegará a ascese1. Em certos ambientes de jovens, esta ja teve inicio*.
Um pai de familia dirigiu-lhe esta resposta: 'Sim, talvez a ascese tenha comecado ou venha a comegar entre os jovens mais fortes, mais preparados para o choque. Mas, quanto aos outros, caro Maurice Clavel, os mansos, os de coragáo puro, os jovens sensíveis ao extremo, éles nao esperam, éles acabam com sua vida.
Meu filho cagula (18 anos) suicidou-se há dois anos. Ele nao quería mais viver neste mundo, que lhe era táo estranho. i A ascese, ou seja, a náusea frente ao erotismo e a volta á disciplina de vida (Nota do tradutor).
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JUVENTUDE, ANGUSTIA E SUICIDIO
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Depois disto, tive noticia de outros suicidios. Nao conhego jovens de 18 a 27 anos que tenham morrido acamados, vítimas de doenga cruel. Mas conheco cinco jovens muito chegados a mim que
se foram
voluntariamente. Ao menos,
pensavam
assim....
Essas mortes trágicas nao deveriam ser encobertas pelo silencio; todavía é isto que se dá em geral. A familia perplexa, desolada, horrorizada, difunde um anuncio mortuário lacónico;
os amigos indagam sobre o fato durante algum tempo; depois esquecem, e o problema fica intato. Se as coisas continuaren!
assim, nunca sairemos dessa triste situagáo. Ora devemos inda
gar. Éu desejo saber por que um jovem de 18 anos, um belo dia, dispara urna bala em seu coragáo'.
2.
Os suicidios de adolescentes
Na presente crise de civilizagáo, há jovens que resistem & torrente de lama que sobre éles é langada; há os que se dei-
xam arrastar, e também há outros — todos os demais — 'os
mansos, os dé coragáo puro, os jovens sensíveis ao extremo',
que saem de cena, na ponta dos pés, cansados de urna comedia
que já dura anos; vém a ser defuntos anónimos dentro da
massa anónima.
Sim; há poucos jovens de 18 a 27 anos de idade que te nham falecido no leito de enfermidade \ Nesta afirmagáo nao
há exagero de pai vencido pela dor. Estatísticas recentes e ofi ciáis o confirmam. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos, o suicidio é a segunda causa de morte, após os acidentes, na faixa dos 15 aos 19 anos, ao passo que é a primeira entre os 20 e 24 anos (a primeira, ... passando, pois, á frente da tuberculose, do diabete, da leucemia..;).
3.
Silencio e falso otimismo da imprensa
Que o leitor dé a máxima aten?áo a étes números, pois ele nao os encontrará ñas colunas da grande imprensa. Estes números difícilmente se conciliam com o otimismo reinante i O autor se refere ás circunstancias da Europa, e, mais próprtamente, da Franca. Numa regiao em via de desenvolvimento, a mortandade da juventude por motivo de doencas atinge cotas relativamente elevadas (Nota do tradutor).
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guando se fala de juventude. Muitos dos que abordam éste assunto, preferem recorrer a clichés baratos, popularizados, ... gue proclamam a inefável alegría de ter vinte anos. Muitos comprazem-se em colhér as mínimas palavras que saem dos
labios de algum jovem contestatario; publicam pesguisas reali zadas em torno do fenómeno 'juventude'; a éste consagram numerosas reportagens; mas registra-se estranho silencio a respeito dos jovens defuntos de vinte anos. Alias, tal silencio é bem compreensível: os jovens falecidos sao irrecuperáveis para o nossa sociedade; nao consomem nem produzem; nao compram mais, nao dáo ocasiáo a comercio; nem seguer levantam mais barricadas; por conseguinte, nao merecem o mí nimo interésse. Mesmo nossos líderes gue nao se cansam de se sentir 'interpelados', 'provocados', 'desafiados1 todos os dias de manhá... por tudo gue possa parecer 'jovem'... sao de um mu tismo surpreendente. A criatura humana morre sempre só, principalmente guando tem vinte anos.
4.
DimensSes e sentido da crise
Ésses jovens falecidos sao testemunhas incómodas, sao os
acusadores mudos da nossa sociedade posta em via de decomposigáo. Pois, guando urna sociedade leva táo elevada proporgáo de jovens a se extinguir, tem-se o sinal certo de gue ela chegou a alto grau de putrefagáo.
Sim; também nos desejamos saber 'por que um jovem de 18 anos, um belo dia, dispara urna bala em seu coragáo', por
gue um jovem da nossa geragáo, nosso semelhante, prefere a fascinagáo da morte á da vida. As explicagoes sociológicas para a crise da juventude nao podem dar conta adeguada de um
fenómeno de tais dimensóes. Ninguém acaba com a própria vida nessa idade para 'participar mais' ou ser mais plenamente
integrado no mundo dos adultos. O jovem se suicida porgue
nao tem razSes para viver — o gue pode ser excelente razáo para morrer.
Em conseqüéncia, percebe-se logo o verdadeiro sentido da crise: é urna crise cuja explicagáo depende da metafísica, e nao da sociedade. Vemo-nos diante de urna reagáo contra certa filosofía do absurdo. Trata-se de urna crise de finalidade, gue se manifesta pelo désejo de urna justificativa para a existencia; — 308 —
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nota-se urna sede de absoluto e urna nostalgia do sagrado, de que as grandes aglomeracóes 'hippies' sao um sinal1. Tais síntomas nao constituem *o problema do sáculo pre sente', mas, sim, o problema de todos os sáculos; sómente hoje em día ele é experimentado com mais agudez neste mundo secularizado, burocratizado afc extremo, mundo em que a pessoa humana só é considerada na medida em que contribuí para a produgáo, ... mundo em que o Evangelho já nao é anun ciado com tudo que ele tem de escándalo e loucura.
5.
A crlse de fé
É doloroso dizé-lo: justamente um dos elementos da crise, e nao o menos importante, é a crise de fé. A fé crista sempre foi o porto dos 'peregrinos do absoluto', a agua viva que dessendentava o viajante cansado dessas
'cisternas furadas que nao retém a agua' e que já o profeta Jeremías denunciava (cf. Jer 2,13). É o encontró com o Deus
vivo que salva o homem do desespero. Poi ésse Deus vivo que um dia encontraram homens como Bloy, Psichari, Claudel,
para só falar dos contemporáneos; tornaram-se entáo cristáos de fibra que marcaram com o seu cunho urna geracáo gangrenada pelo veneno do racionalismo, do positivismo e do mo
dernismo; 'embora defuntos, éles aínda falam1
(Hebr 11,4).
Éles nao percorreram urna via fácil, mas, sim, o doloroso caminho da procura do absoluto...
6.
Um Cristianismo humanitario
Apresentam-nos hoje muitas vézes um Cristianismo hori-
zontalizado, despojado da sua transcendencia, reduzido a vaga
filantropía, ... um Cristianismo adocicado, inocuo, 'pasteuri-
zado', sem obrigacóes nem sangóes, sem cruz nem ressurreicáo.
'Prepara-se a volta ao Cristianismo puro e duro, que os homens manifestamente esperam com paciencia', dizia recentemente Mons. Fézeril2. É verdade: os homens, principalmente 1 O autor considera os «hippies» como portadores de urna mensagem ou de um protesto contra os males da sociedade de consumo. A respeito veja-se «P.R.» 120/1969, pp. 507-518 (Nota do tradutor). 2
Bispo auxiliar de París (Nota do tradutor).
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tos jovens, o esperam; mas a expectativa está sendo decepcio nada. Como a sede de absoluto dos jovens poderia ser extinta por ésse pseudo-humanismo vagamente pintado de Cristianis mo? Foi o atrativo do escándalo e da loucura da cruz que fez do jovem burgués de Assis o humilde esposo de Dama Po breza, ... que fez da pequeña Teresa aquela que nao tinha outro desejo senáo o de ser consumida pelo Amor Divino, ... que fez do libertino Charles de Foucauld o Irmáo Universal, dissimulado aos olhos do mundo no coragáo do Salvador.
Estes homens nao identificaram a construgáo do 'mundo novo' com o Alfa e ómega de sua existencia crista, de seus pensamentos e de suas oragóes; mas quem mais do que éles estéve intimamente presente ao mundo? Quem, como éles, marcou seu tempo e os tempos futuros com a sua agáo sobre natural, sua santidade, a sua caridade irradiante?...
7.
Crise de vocagoes
Os Seminarios se esvaziam: 475 recrutas em 1969, ao passo que em 1968 eram 860. Vendo tais números, o Cardeal Daniélou exclamou: 'Dada a sede de absoluto que existe nos jovens, era de esperar que se atravancassem as portas dos Seminarios!' Pois nao é assim; os jovens nao se atravancam as portas dos Seminarios..., principalmente pelo motivo de que urna vocacáo sacerdotal, para se expandir, precisa de um ambiente favorável, doutrináriamente seguro, em que seja afirmado o primado... da oragáo sobre o ativismo político-religioso. Mttítos jovens preferem esperar que nossos Semina rios preencham de novo essas condigóes para néles entrar... Nao há problema de recrutamento na Trapa ou na Cartuxa e ñas Congregagóes Religiosas que pautaram seu 'aggiornamento' (atualizacáo) pelas normas emanadas do Concilio. Nao há crise de vocagóes na admirável Igreja da Polonia; nesta os jovens se atravancam ás portas dos Seminarios. AJ está a prova de que, por pouco que se lhes aprésente a fé crista com o absoluto das suas exigencias, os jovens estáo prontos a responder 'Presente!'
8.
A messe á grande
A messe é grande, e já nao há operarios. Os jovens tém sede de verdade, de absoluto. Éles tém sede de conhecer o — 310 —
JUVENTUDE, ANGUSTIA E SUICIDIO
35
sentido da vida, que alguns carregam como um fardo muito
pesado, táo pesado que muitos, num belo seráo, déle se desem-
baragam. Os outros continuam a caminhar sem saber nem de onde vém, nem para onde váo, atingidos por golpes cujo sen tido éles ignoram, sangrando por ferimentos cuja causa Inés escapa; tudo que os recoloca diante do fato da existencia, excita no fundo déles urna angustia infinita.
Nao estamos exagerando. Nao estamos dramatizando, mas apenas avaliando as dimensóes do drama; os números ai estáo; falam por si mesmos, e nos os repetimos; o suicidio é a causa
mais freqüente de morte na faixa dos 20 aos 24 anos de idade.
Somos estudantes; a nos também aconteceu mais de urna vez ouvir tal colega, revolucionario, contestatario, adepto do marxismo, a dizer-nos no fim de um dia, na hora do cansago e das confidencias, como no fundo o seu ativismo político nao
era talvez senáo um meio para fugirMas interrogagóes de
índole metafísica, para as quais em váo ele procurava a resposta. O número désses colegas é Legiáo. Quando a festa con testataria está acabada, quando o último folheto está distri buido e o derradeiro panfleto revolucionario está vendido, resta apenas a figura de um rapaz, de urna moga, só, terrivelmente
só, com a sua dificuldade de ser, com o seu mido de viver, encerrada entre as quatro paredes de um quarto de estu-
dante, ... rapaz ou moca que de novo se volta para as ques-
tóes fundamentáis do sentido da vida e da morte, do ser e do náo-ser.
Imaginem, pois, a decepgáo de um estudante désses, quan do um cristáo, cioso de nao perder o trem da historia, nao tem, para Ihe propor em tais momentos, senáo um convite para construirem juntos a cidade socialista!
9.
É a hora dos santos
Quem, pois, lhes dirá a palavra que liberta, o amor que
salva, a verdade que emancipa e santifica? Quem, pois, lhes dirá aue a Santa Igreja Católica tem as promessas da vida eterna e que, Máe e Mestra, Ela os espera com os bragos abertos, a fim de os levar para a vida que nao tem fim? A Igreja, dizem, 'perdeu a classe operaría' no século XIX.
Foi urna grande desgraca; depois disto, cabe aos membros da Igreja bater no peito, revestir-se de saco e prostrar-se sobre cinzas, para receber a absolvigáo dos Estados Maiores mar-
xistas.
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Hoje é a juventude que se afasta da Igreja humanitaria que alguns pseudo-teólogos, apesar das advertencias do Papa, estáo procurando fabricar. E ninguém protesta dentre aqueles
que com toda a veeméncia denundam a perda do proletariado por parte da Igreja. Será preciso esperar um sáculo ou dois para tomar consciéntía disto? Seria entáo tarde demais. 'Eis agora o tempo favorável; eis os dias da salvacáo' (2 Cor 6,2).
A hora das crises é também a hora dos heróis e dos santos. Foi num sáculo dilacerado que apareccu Frandsco de Assis; foi no sáculo XIX que nasceu Teresa de Lisieux. Na verdade, a santidade é a única contestagáo eficaz frente as geragóes perversas e incrédulas. A santidade é para a juventude, e a juventude é para a santidade.
'Ouvi a voz do Senhor que dizia: Quem mandarei e quem irá em nosso nome?' (Is 6,8). Possa nossa oracáo fervorosa obter-nos a graca de ouvir numerosos jovens a responder: 'Eis-me, Senbor, manda-me1».
— x
Após a leitura do artigo ácima, podem-se conceber dife rentes reagóes da parte dos leitores... Sabe-se também que outros jovens proporiam a aplicacáo de outros remedios para a solucáo de sua angustia. Como quer que seja, as reflexoes de Guy Baret contém tragos plenamente válidos; o que os jo vens pedem, é urna razáo de ser para a sua existencia, urna
resposta para as questóes fundamentáis latentes no intimo de todo ser humano: «Donde venho? Para ende vou?» Se muitos jovens sao marxistas, arriscando-se a ser presos como desordeiros, isto se dá nao porque o marxismo lhes satisfaga cabal mente, mas porque nunca lhes foi apresentado algo de melhor do que a «fé» na Materia e na Ciencia. O depoimento de Baret interpela seriamente todo cristáo auténtico. Aos cristáós, principalmente aos mestres cristáos, compete imperiosamente apontar á juventude a mensagem do
Evangelho, nao sonriente no que éste tem em paralelo com filosofías humanas, mas também, e principalmente, no que o Evangelho tem de singular, de desafiador e provocador para
a sabedoria meramente humana. A juventude auténtica se en tusiasma nao pelas coisas amorfas e inocuas, mas pelo esfórco e a luta bem motivados; ela entrevé que o ser humano nao se realiza fechando-se em si mesmo, mas, sim, abrindo-se para o Absoluto, para o Eterno e Infinito, que é Deus. — 312 —
«RIQUEZA DO VATICANO»
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A vida consagrada a Deus no sacerdocio ou na profissáo religiosa pode, sem dúvida, atrair o ardor dos jovens de hoje, caso seja apresentada genuinamente, ou seja, como entrega
decidida e coerente 'á mais bela das causas, que é a do Reino de Deus. Enganar-se-ia quem quisesse conceber paliativos ou suavizantes para despertar as vocacóes sacerdotais e religiosas. Pureza e autenticidade austeras mais entusiasmam do que ideáis adocicados ou indefinidos. Em última análise, sem Deus plenamente reconhecido e afirmado, a vida humana realmente vem a ser náusea ou mesmo fardo intolerável. Continua sempre viva a frase de Svetlana Stalin: «Ninguém pode viver sem Deus no seu co-
racáo!»
V.
OS BOATOS E A VERDADE
5) «A 'riqueza' do Vaticano volt» de vez em guando h baila. Causa difículdaides á fé de muitas pessoas retas. Que se poderia dizer a propósito?» Em slnteae: Era sua recente visita á Sardenha (24/4/1970)', o Santo Padre Paulo VI quis deter-se no bairro pobre de S. Elias na periferia de Cagliarl, onde em tom sincero encarou a atltude da Igreja em relagáo aos subdesenvolvidos e indigentes. Maniíestou entáo sua solidariedade para com todos os que sofrem; disse que sua visita era testemunho de seu interésse por promover junto as autoridades pú blicas o bem dos necessitados. Levando, além de sua palavra, urna quantia de dinheiro para os habitantes de S. Ellas, afirmou S. Santidade que o Papa nao é rico. Na verdade, a Santa Sé tem vastos com-
promissos no mundo inteiro; encarregada por Cristo de pregar a fé
a todos os homens, compete-lhe sustentar missionários e obras ne cessitados nos diversos continentes. O dinheiro que o Vaticano possul,
é exiguo para satlsfazer a tais tarefas. Quanto ao territorio da Cidade do Vaticano e aos haveres anexos, sao vestiglos da benevolencia dos filhos da Igreja; tornaram-se indispensávels para que a S. Igreja possa
exercer a sua missáo em prol do bem espiritual e material da humanidade. X
Resposta: Há dois anos estéve em foco a questáo do pagamento de impostes que a República Italiana parecía ter o
direito de exigir do Estado da Cidade do Vaticano. Apesar dos
rumores entáo disseminados, foi comprovado que a Santa Sé,
— 313 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 127/1970, qu. 5
em verdade, estava isenta (por acordó travado em 1963 entre o Governo italiano e o Vaticano) de pagar as referidas taxas; a respeito publicaram-se noticias tendenciosas, ou mesmo fal sas, na imprensa esquerdista. A propósito veja-se «P.R.» 94 de 1967, pp. 438-447.
Alias, já em «P.R.» 2/1958, pp. 64-70 e 125/1970, pp. 213-223, encontram-se artigos concernentes as pretensas riquezas do Vaticano e á origem do poder temporal do Papa. Estes e outros estudos transmiten! a impressáo de que os apregoados tesouros do Vaticano, na verdade, nada tém de fabuloso. Além do mais, éles tém sua razáo de ser; devem-se á benevolencia dos filhos da Igreja para com o Pontífice Ro mano, e devem servir á obra apostólica da Igreja. Esta, sem posses materiais, sem autonomía temporal, nao poderla cumprir a missáo que Jesús Cristo lhe confiou e que redunda em beneficio de toda a humanidade.
Estas observagóes sao confirmadas por recente discurso de S. Santidade o Papa Paulo VI. Aos 24 de abril de 1970,
visitando a Sardenha, regiáo notoriamente pobre, o Papa quis
deter-se no bairro de S. Elias, nos suburbios de Cagliari, a fim de se entreter com a populagáo indigente do lugar. Aos seus
ouvintes abriu entáo o coracáo de Pai e Pastor, considerando uma por uma as objegóes que o mundo pobre poderia fazer á Igreja de hoje. Nesse discurso chama-nos a atenga» a sinceridade do tom; Paulo VI tem clara consciéncia do que se diz sobre a potencia temporal da Igreja e procura dar a respectiva explicacáo, evitando subterfugios e palavras vazias. Também o
leitor na» italiano poderá encontrar nessas palavras do Sumo Pontífice urna resposta honesta las queixas (repetidas, as vézes, sem grande conhecimento de causa) que no Brasil se ouvem contra a face humana e aparatosa da S. Igreja.
Abaixo transcreveremos o discurso, cuja parte final parece particularmente interessante. Os títulos inseridos no decorrer do texto sao da nossa iniciativa.
1.
Por que em Santo Elias?
«Eis-nos no bairro de S. Elias. Desejamos Nos mesmo vir até aquí, entre vos, habitantes déste bairro, do qual Nos referiram que é destinado á gente
que tem necessidade de tudo.
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«RIQUEZA DO VATICANO»
39
Foderá alguém perguntar: por que é que num dia táo breve e táo cheio de encontros belos, solenes e agradáveis, o Papa quer ir ao bairro de S. Elias, onde nada há de interessante para ver?
Respondemos: vos sabéis que Nos temos a grandiosa e tre menda missáo de representar — indignamente, mas verdadeiramente — o Senbor, Nosso Senhor Jesús Cristo, aquéle
mesmo Jesús do Evangelho, que atribuiu a Si próprio as palavras do profeta Isaías: T>eus me enviou a levar a Boa-Nova a gente humilde' (Le 4,18). Se assim disse e fez Jesús, Senhor e Mestre (cf. Jo 13, 13), devemos também Nos fazer a mesma coisa: devemos ir procurar a gente humilde e pobre, em Cagliari, de modo semelhante ao que fizemos durante as outras Nossas viagens.
Eis-Nos, por isso, aqui no meio de vos, habitantes do bairro de S. Elias, filhos e irmáos caríssimos. Muito obrigado pelo vosso acolhimento.
2.
Que veio fazer o Papa ?
Mas parece-Nos ler nos vossos olhos urna outra pergunta. E agora, que é que o Papa vem aqui fazer, entre nos? Urna simples visita de curiosidade? Urna visita de publicidade? Que
importancia pode ter para nos urna visita,de poúcos minutos
e de poucas palavras?
Respondemos aínda e repara! bem naquilo que estamos
para vos dizer: Viemos aqui para vos demonstrar, e para de
monstrar a todos, que reesonhecemos a vossa igualdade em relacáo a todos os outros homens, embora éles sejam talvez mais instruidos e desfrutem de maior bem-estar. Vos sois cida-
dáos, com direitos iguais aos de todos os outros cidadáos: a
sociedade nao vos deve transcurar, nem desprezar. Dizemos aínda mais: vos sois cristáos, sois filhos de Deus e sois irmáos
na Igreja Católica; tendes urna dignidade igual. Melhor, vos, precisamente porque sois pobres, tendes urna 'dignidade emi nente* (Bossuet); sois, mais do que todos os outros, merece
dores de respeito e de interésse. Vos, no Evangelho, sois os preferidos, estáis á frente dos outros e mais próximos do amor de Cristo e do grande dom do seu reino. Assim viemos aqui para vos saudar, para vos prestar honra, para reivindicar para vos, na Igreja e na sociedade civil, aquéle lugar digno que vos compete; e, ainda, para elevar ao grau de direitos as vossas necessidades (e quantas seráo!), dede a habitacáo suficiente — 315 —
40
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 5
e decente até o pao e o trabalho, a escola c a assisténcia sani taria, a participagáo do bem-estar comum... para vos e, espe
cialmente, para estes vossos filhinhos.
3.
«Meras palavras nao adianfam !»
Palavras! dirá alguém. E os fatos?
Respondemos de novo: sim, sao palavras; mas sao pala vras boas e verdadeiras; e Nos ousamos esperar que elas sir-
vam para vos dar ao menos algum reconforto. Nao é porventura um fato também o reconforto? Nao é acaso 'das palavras que saem da boca de Deus' que vive o homem, mais aínda do que do pao material? (cf. Mt 4,4), Foi o Senhor quem o disse.
E é mesmo assim, porque vos, Nos o sabemos, tendes necessidade, antes de mais nada, de ser consolados; tendes necessidade de ser elevados moralmente, na alma. Nao tendes vos urna alma? Urna alma que vale mais do que o corpo? Urna alma atribulada? Urna alma capaz de viver dos tesouros mais pre ciosos, que sao os do espirito? Ou seja: os tesouros da fé, da
oragáo e da bondade?
4.
As paltívras desencadeiam os fatos
Depois, Vos bem o sabéis, os fatos comecam pelas pala vras. Mesmo os fatos nos quais as vossas condigóes penosas vos fazem pensar: os fatos económicos e os. fatos sociais. Estes fatos, na verdade, ou seja, o benvestar digno do homem, derivam das palavras, isto é, das idéias, dos principios e dos bons raciocinios. E pronunciar aqui as palavras que devem preparar
os fatos, nao é já alguma coisa de positivo? Encontramo-Nos aqui, como em toda parte aonde vamos, qual advogado dos pobres; desagrada-vos que Nos sejamos o vosso advogado? Desagrada-vos que invoquemos aqui, nesta hora, de quem vos
pode e vos deve ajudar, que faga qualquer ooisa por vos, faga mais, faca bem e faga depressa? Vede: Nos, precisamente por que somos enviado por Cristo, possuímos urna riqueza parti
cular, possuimos o amor. O amor é urna fórga. Queremos transmitir-vos éste amor cristáo, para vosso reconforto, para
a vossa uniáo e -lo e inculcá-lo ponsáveis pelo Igreja; se todos
para a vossa esperanga. Mas queremos infundítambém nos outros, isto é, nos ricos, nos resbem público, nos irmáos e nos ministros da estes se deixassem penetrar pelo amor cristáo, — 316 —
:
«RIQUEZA DO VATICANO»
41
nao seriam mais fácilmente e mais rápidamente melhorados os vossos destinos? E isto, sem odio, sem egoísmo, sem revo-
lucáo e sem demora.
5.
Mas o Papa nao age?
O diálogo, segundo quanto Nos é dado perceber, deve aínda ser continuado: por que é que, pergunta-se-Nos, o Papa nao dá o exemplo?
Meus caros, aceitamos também esta pergunta. O Papa, sim, deve dar o exemplo. Mas o Papa nao é rico, como tantos dizem. Nos temos mesmo dificuldades para suportar as despe sas da Santa Sé, isto é, dos servigos necessários para o bom andamento central de toda a Igreja; depois, temos tantas necessidades, as quais devenios dar remedio, no mundo inteiro, como sao, por exemplo, as das missóes. Mas procuramos fazer aquilo que podemos, com o coragáo desapegado dos bens económicos e bem ligado ás necessidades dos pobres e dos que sofrem. Nao podemos fazer senáo muito pouco, infelizmente; mas procuramos sempre dar um indicio da Nossa boa vontade, por toda a parte. Também aqui queremos dar ésse sinal, um pequeño sinal, de tal boa vontade. Mas ao mesmo tempo queremos deixar também outro sinal, espiritual, um grande sinal de fé, de esperanga e de amor, em nome de Cristo: a Nossa béncáo». x
Estas palavras,
longos comentarios.
simples e francas como sao,
dispensam
«O Papa nao é rico, como tantos dizem». Se ele administra bens temporais, ele os administra (mediante órgáos adequados, sem dúvida) em vista de obras ingentes esparsas pelo mundo inteiro, que exigiriam muito mais auxilio material do que o que lhes pode dar a Santa Sé.
Tal é a verdade. Seria para desejar que ela se difundisse mais e mais, a fim de nao se proferirem objec5es infundadas, se nSo injustas, contra a Santa Igreja de Cristo e nao vacilasse a fé de tantos irmáos no Senhor! — 317 —
42
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 6
VI.
ALGO DE AMBÍGUO
6) «A Educacao Moral e Cívica tornou-se materia obli gatoria em todos os níveis do ensillo. Ha hesitacáo a respeito da iniciativa. Vale ou nao?» Em sfntese: No programa oficial de Educacáo Moral e Cívica merece sincero aplauso o reconhecimento da Religiáo como funda mento necessário de qualquer formacáo moral. «Moral leiga» é incon sistente, redundando em relativismo ético, como sugere o próprio Jean-Paul Sartre.
Todavía a expressáo «Religiáo... nao com o sentido confessional» ou «Religiáo aconfessional» que o mesmo programa (I 3.2) propOe, é algo de ambiguo. Pode sugerir que a Religiáo se limite a crer em Deus, íicando as grandes confissdes religiosas no plano de camlnhos facultativos e arbitrarios. Religiáo aconfessional é a religiáo dos filó
sofos racionalistas dos séculos XVIII/XIX. Por isto sugere-se ao Govérno troque a expressáo «Religiáo... nao com o sentido confessional»
por «Religiáo pluriconfessional». Esta nova fórmula reconhece o valor de confissdes religiosas existentes sem oficializar algutna; ficaria intata a liberdade de culto dos cidadáos brasileiros, sem, porém, se insi nuar que a Religiáo se limita a crer em Deus e a servir de subsidio á formacáo moral dos cidadáos. — Também é para desejar que o Govérno estimule, ao máximo, o ensino religioso confessional, que corre o perigo de ser menosprezado, urna vez introduzido o curso obrigatórlo de Moral e Cívica. Na verdade, nao se pode dar melhor funda mento á Moral do que os grandes códigos éticos professados pelo ju daismo (o Decálogo de Moisés) e o Cristianismo (o Sermáo da Montanha de Jesús Cristo).
Resposta: Os primeiros debates em torno do programa de Educaráo Moral e Cívica já nos permitem avaliar o clima que em tomo do mesmo se criou. Concebido com as melhores das intengóes por
parte
de seus
autores,
o programa tem
provocado reservas que merecem consideracáo e que abaixo proporemos.
1.
A mente do programa
A Comissáo Nacional de Moral e Civismo elaborou um opúsculo com o título «Educacáo Moral e Cívica como disci
plina cbrigatória nos tres niveis de ensino. Prescricóes sobre curriculos. Programas básicos» (fevereiro de 1970). A p. 10, ítem 3.2, sob o título «Orientacáo Geral», é apresentada a mente do programa nos seguintes termos: — 318 —
EDUCACAO MORAL E CÍVICA
43
«Idealizar a ReligiSo (considerada* no aspecto etimológico-semantico de religacSo da criatura ao seu Criador e nao com o sentido coníessional), a Moral e o Civismo como formando tres circuios concén tricos, sendo exterior o da ReligiSo, medio o da Moral e interior o do
Civismo. Désse modo, os deveres, dlreitos e atos cívicos íazem parte de grupos maiores de deveres, direitos e atos moráis, e a Moral vincula-se a principios permanentes originarios de Deus».
Estes dizeres pretendem constituir o ponto ótiroo ou a sintese de um processo histórico assim concebido: 1) O Govérno Imperial no Brasil (1822-1889) professava a religiáo, ... e a religiáo oonfessional (católica), seguindo nisto as tradigSes de Portugal. O Govérno Imperial usufruia do padroado, ou seja, de direitos de tutela em relagáo 'á Igreja, direitos que muitas vézes prejudicavam ou sufocavam a Igreja. 2) O Govérno Republicano, a partir de 1889, inspirando-se nos principios do Positivismo, rejeltou qualquer ofidalizacáo da Religiáo, e professou-se arneügioso, isto é, sem Religiáo (o que nao quer dizer «irreligioso» ou «contrario á Religiáo»). Estabeleceu-se a separagáo entre o Estado e a Igreja (o que,
em relacáo á ordem de coisas anterior, representou melhora para a situagáo da Igreja no Brasil).
3) O Govérno da Revolugáo de 1964 procura fazer a sin tese entre as duas posigóes extremadas anteriores. Professa,
sim, o valor da Religiáo, mas nao oficializa alguma crenga
religiosa, a fim de nao ofender a liberdade de consciéncia dos cidadáos. Por isto o programa de Educacáo Moral e Cívica
incute a Religiáo «nao com o sentido confessional», isto é, a
Religiáo «aconfessional».
Esquemáticamente, assim se poderia reproduzir a evolugáo histórica:
TESE: Govérno Imperial — RELIGIÁO CONFESSIONAL; ANTÍTESE: Govérno da República de 1889 — ESTATUTO ARRELIGIOSO;
SINTESE: Govérno da Revolugáo de 1964 — RELIGIÁO ACONFESSIONAL.
Que dizer dessa posigáo final, de sintese?
2.
A Religiáo como base
O reconhecimento do valor da Religiáo por parte das auto
ridades civis do Brasil é certamente louvável; merece o pleno — 319 —
44
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 6
aplauso dos cristáos e, pode-se dizer, da imensa maioria da
populagáo brasileira. A Religiáo, que póe o ser humano em contato com Deus, é um elemento imprescindível á realizagáo da pessoa humana; esta tem urna dimensáo religiosa indelével,
que o Govérno faz muito bem em reconhecer e professar.
Mais ainda: um programa de Moral e Civismo só pode estar devidamente estruturado, se baseia o ensinamento da
Moral sobre a crenga em Deus; «Moral leiga» é algo de mal arquitetado. Se nao há um Ser Absoluto nem valores absolutos ou eternos, os ensinamentos da Moral ficam sujeitos a ser reformulados por cada pessoa interessada; 'de acordó com a sua situagáo, cada individuo «fará a sua Moral»; poderá entáo
haver, para diversos individuos, diversos comportamentos mo
ráis válidos, mas contraditórios entre si; o bem e o mal tornam-se assim nogóes totalmente relativas, mesmo dentro de urna
única sociedade. — É, alias, o que Sartre afirma: criticando Augusto Comte e o Positivismo que, prescindindo de Deus, pretendiam impor rígido comportamento ético aos seus adeptos,
Sartre mostra que tal posigáo é inconsistente; se Deus nao existe para fundamentar de modo objetivo e sólido os preceitos da ética, estes se fundamentam exclusivamente nos homens (nos sujeitos) e tornam-se relativos, como os individuos sao relativos; cai-se entáo no relativismo ético ou na ética da si
tuagáo.
O pensamento de Sartre se exprime muito bem no texto abaixo: «O existencialismo é muito contrario a um certo tipo de moral leiga que deseja suprimir Deus com o mínimo de inconvenientes possSvel. Quando em 1880 alguns proíessóres franceses tentaram consti tuir urna moral leiga, disseram mais ou menos o seguinte: 'Deus é urna hipótese inútil e pesada; suprimamo-la. Mas é necessário, para que haja urna moral, urna sociedade, um mundo policiado, ... é necessario que certos valores sejam levados a serio e considerados como existentes de maneira absoluta; faz-se mister seja obligatorio em absoluto que sejamos honestos, nao mintamos, nao espanquemos nossas esposas, tenhamos filhos, etc. Por conseguinte, vamos fazer urna operagaozinha que permitirá mostrar que ésses va lores existem apesar de tudo, inscritos num céu inteligível, embora Deus nao exista'. Com outras palavras — e esta é, creio, a tendencia de tudo que
em Franca se chama radicalismo — nada será mudado, se Deus nao existir; encontraremos as mesmas normas de honestidade, de pro-
gresso, de humanismo, e teremos íelto de Deus urna hipótese ultrapassada, que morrerá tranquilamente e por si.
— 320 —
EDUCACAO MORAL E CÍVICA
45
Ao contrario, o existencialismo julga que é muito incómodo que Deus nao exista, pois com Ele desaparece toda possibüidade de en
contrar valores num céu inteligivel. Nao pode haver nenhum bem absoluto, já que nao ha consciéncia infinita e perfeita para o conhecer. Em parte alguma está escrito que o bem existe, que é preciso ser honesto, que é necessário nao mentir, pois entáo precisamente nos colocamos num plano em que há sómente homens. Dostoievsky escreveu: 'Se Deus nao existisse, tudo serla permitido'. Ora é éste o ponto de vista do existencialismo» («L'existencialisme est-il un humanisme?» 1946, p. 34).
Sendo assim, merece apoio a trilogía estabelecida pelo pro grama governamental: o Civismo (fidelidade do cidadáo as leis do pais) esteja fundamentado na Moral (discernímentó da cate
gorías do bem e do mal por parte de urna consciéncia retamente formada), e a Moral tenha seu esteio decisivo em Deus.
3.
Religiao aconfessional
Compreende-se bem que o Govérno do Brasil, intencio nando valorizar a Religiao, tenha todavía evitado a oficializagáo de alguma confissáo religiosa em particular; isto poderia violentar as consciéncias dos cidadáos, aos quais compete plena liberdade de culto. É o que explica que o ítem 3.2 da Orientagáo Geral do Programa de Educacáo Moral e Cívica, atrás transcrito, fale de «Religiao nao com o sentido confessional», o que equivale a «Religiao aconfessional». Esta expressáo, porém, sugere tres observagSes: 1)
Sabe-se que no sáculo XVm houve pensadores que
propugnaram a «Religiao aconfessional» ou o «deísmo», em
oposicáo ao «teísmo»; seria urna Religiao natural, religiao da
pura razáo ou da filosofía, alheia ou mesmo avéssa ao Cristi anismo, ao judaismo ou a algum Credo. Tais eram os filósofos da «Enciclopedia Francesa» (Voltaire, Diderot, d'Alembert...), cuja posigáo anticrista era nítida, Sabe-se também que no sáculo passado a teosofía e outras escolas propugrraram urna forma de «Super-religiáo» alheia a qualquer confissáo religiosa existente. Nao parece, porém, que o Govérno Brasileiro, mediante o seu programa de Educagáo Moral e Cívica, tenha intencionado propor ou insinuar ao povo do Brasil urna atitude religiosa de pensadores dos séculos XVín e XIX, imbuidos de oposigáo as
rrtais genuínas tradigóes cristas da nossa gente. — 321 —
46
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970, qu. 6
2) Ñas escolas onde já se vai aplicando o Programa de Moral e Civismo, vem-se registrando certa perplexidade entre professóres e alunos. A expressáo «nao com o sentido confessional» ou «aconfessional» pode sugerir ser suficiente crer em Deus, sem ulterior procura de um Credo religioso. A Religiáo se reduziria á crenga em Deus; as diversas religióes confessionais seriam caminhos para Deus equivalentes entre si, dispensáveis ou nao segundo o alvitre de cada cidadáo, como os par tidos políticos sao caminhos que pretendem levar ax> bem comum, mas a ninguém se impóem, por serem criacóes humanas. Dentro déste relativismo, a Religiáo viria a ser estimada principalmente como sistema de morigeracáo, e subsidio da ordem pública, pois toda Religiáo (qualquer que seja o seu Credo) ensina que é preciso nao matar, nao roubar, ser bom esposo, dedicado pai, idóneo profissional, ñel cidadáo... Ora tais concepcóes, que se podem deduzir da expressáo «Religiáo aconfessional» sao profundamente erróneas. A Reli giáo nao é simplesmente uma atitude subjetiva do homem diante de Deus nem é primeiramente um sistema de morige racáo. Também em materia religiosa existem verdade e erro objetivos. Deus é o Primeiro Ser, o Ser definido por excelencia, que os homens tém a obrigagáo de procurar como Ele é, e nao de qualquer modo. Colocada diante dos diversos Credos reli giosos da humanidade, á razáo humana cabe o dever de os oonsiderar, a fim de os rejeitar todos ou de aceitar algum de maneira consciente e deliberada. Nao se deve julgar nem
insinuar' que todos os Credos religiosos sejam meros produtos
do bom senso humano, mais ou menos equivalentes entre si, de modo que se possa tranquilamente adotar uma atitude de indiferenga diante déles. Mais aínda. Deve-se dizer que a Religiáo só é própriamente
sistema de Moral na medida em que ela propóe um Credo e uma meta a alcangar.
3) A própria Educacáo Moral e Cívica nao pedería en contrar melhor. fundamento do que os principios recomendados pelos grandes Credos religiosos da humanidade professados no Brasil; levem-se em conta o Decálogo de Moisés (Éx 20, 1-17) e o Sermáo da Montanha de Jesús Cristo (Mt 5-7). É por isso que a expressáo «Religiáo aconfessional» tem provocado serias reservas.
Que fazer entáo? — 322 —
EDUCACAO MORAL E CÍVICA
4.
ReligiSo pluriconfessional
Em vista de quanto acaba de ser proposto, seriam para
desejar duas atitudes das autoridades civis do Brasil neste mo mento da historia nacional.
1) Seja o texto de I, 3.2, atrás referido, reformulado, de modo que, em lugar de
«Idealizar a Religiáo... nao com o sentido confessional», se diga «Idealizar a Religiáo (concebida no sentido pluriconfessio
nal com que ela aparece no povo brasileiro)...» A palavra «pluriconfessional»
— de um lado, daría a entender que a Religiáo nao se limita á arenca em Deus, Deus concebido como Morigerador do homem, mas professa também urna conflssáo ou um Credo;
— de outro lado, ésse Credo nao seria imposto a ninguém; o Qovérno reconheceria a legitimldade das diversas con-
fissóes religiosas e a livre opgáo dos cidadáos.
A p. 33 IV do referido Programa, íala-se de «bases filosófico•teístas, aconfesslonais, da ConstituicSo». A palavra «aconfessionais» al poderla ficar, porque se refere á ConstituicSo Nacional, e nSo ao enslno religioso a ser ministrado no país.
2) Fomente-se a Instrucáo Religiosa confessional das es colas. Que o Govérno prestigie, com medidas concretas e eficazes, o ensino religioso, de modo que seja administrado em todas as escolas públicas e oficiáis dentro de um horario acessível a alimos e professores. Ñas aulas de Religiáo, cabe ao
professor ensinar Moral, e a Moral mais bem fundamentada possível
(pois decorrente de um Credo religioso). Como se
compreende, apesar desta enfatizagáo, as aulas de Religiáo continuariam a ser facultativas, a fim de se respeitar a liberdade religiosa dos alunos e de seus responsáveis.
Estimulando o ensino religioso confessional, o Govérno evitará seja éste sufocado pela Educacáo Moral e Cívica. Na verdade, há perigo de que certos ambientes escolares, tendo a obriga"áo de ministrar cursos de Moral e Cívica, já nao vejam
necessidade de oferecer ensino religioso confessional em curriculos e horarios específicos — o que seria grandemente preju dicial á formacáo religiosa e aos interésses do nosso povo. Estéváo Bettencourt O.S.B.
.
— 323 —
48
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 127/1970
CORRESPONDENCIA MIÚDA (M. G. Santos, Blo de Janeiro): Recebemos sua estimada carta.
Sem dúvida, praticam-se leviandades e abusos na Liturgia, como o S. Padre mesmo nos tem dito. Mas nem tudo que se tem feito nesse setor, é mau. Vejamos...
1)
O rito penitencial (confissáo pessoal e auricular dos pecados,
com absolvicao para aqueles que se confessaram) no inicio da Missa foge ao costume. Mas é licito e válido como administracao do sacra mento da Penitencia. Para muitos fiéis (talvez para os jovens, em particular), esta praxe será mais atraente e frutuosa; para outros, nao. Compete ao sacerdote avaliar com prudencia, contanto que se guardem sempre os elementos necessários do sacramento, inclusive a confissáo auricular (sem esta, nSo há sacramento, mas apenas urna paraliturgia penitencial).
2) O fato de se cantarem na Missa músicas de radio e televisio é reprovável, se a letra é letra profana. Alguns adotam a música profana e a aplicam a letra religiosa; entao as coisas mudam um pouco; ... um pouco, porque a música profana, mesmo na igreja, excita recordag6es de ambientes, dancas e modas profanas.
3)
Pedir «a constancia das lavadeiras e a dedicacáo dos namora-
dos» pode ser entendido em bom sentido. Constancia e dedicacáo sao virtudes, que aquetas e estes exercem quando sao 100% o que devem ser. Isto nao quer dizer que as lavadeiras nao devam mais pedir cons tancia, nem significa que devamos reproduzir em nos a mentalidade dos namorados.
4) Quanto ao «vento malvado que desmancha o barracáo do po bre», a palavra «malvado» nao deve ser tomada como blasfemia; a cancáo assume o modo de falar popular. Tenhamos a plasticidade necessária para entender a poesia.
Continué a zelar pela auténtica formacao religiosa de seus íilhos;
comunique-lhes sempre profunda visáo de fé e o exemplo da fidelidade a Cristo e á Igreja. Sejamos, porém, compreensivos, sempre que Isto nao significar traicao. E.B.
RESENTÍA DE LIVROS O Sinal da Fé, por Pierre Talec; traducáo de Maria Lucia Ribeiro
de Oliveira. — Editora Agir, Rio de Janeiro 1970, 120 x 190 mm, 173 pp.
O autor é um jovem vigário de urna paróquia do centro de París, que estuda a controvertida questSo do batismo das crianzas em nossos
— 324 —
días: vale a pena administrar o sacramento a pequeninos inconscien tes, numa sociedade que muitas yézes vé no batismo um ato meramente social mais do que um compromisso de fé? Ponderando com realismo e lealdade as dificuldades, o autor opta finalmente pela afirmativa: «O dom de Deus precede a acolhida que o homem possa a ele fazer... A medida de Deus nao é a medida do
homem. O batismo das criancinhas nos faz lembrar o fato de que é Deus quem nos ama em primeiro lugar. Como Pai, Ele precede o
homem, seu filho, no próprio movimento em que éste se aproxima d'Éle» (p. 51).
E os pais que mandam batizar suas criancinhas, nao lhes estaráo impondo algo que os filhos talvez nao queiram aceitar posteriormen te? — O autor observa que inevitavelmente em todos os setores os pais exercem um poder de decisao sobre a crianca (tenham-se em vista o estilo de vida do lar, o regime escolar, os hábitos que formam, o circulo de amigos que
proporcionan!...);
por isto
também no
setor
religioso os pais oferecem necessáriamente algo á crianca: ou a graca do batismo- ou o estado arreligioso; «seja o que fór que fizermos ncssa etapa, sempre estaremos optando pela crianca. Resta saber o que désejamos escolher para ela: a fé ou a incredulidade?» (p. 55). Nos últimos capítulos de seu estudo, o autor trata de normas pastorais a ser adotadas a fim de preparar os pais e padrinhos para o batismo das criangas. Em suma, o livro é rico de perspectivas teoló gicas, psicológicas e pastorais, revelando fé e bom senso.
O dinamismo de nossa fé, por Cl.
Dillenschneider;
traducao de
Francisco José Sobreira. Colegáo «Temas de espiritualidades. — Edic6es Paulinas, Sao Paulo 1970, 125 x 180 mm, 152 pp.
O autor comega por enumerar tres maneiras de compreender o Cristianismo em nossos dias: a que esvazia as proposicOes da fé num eeticismo mais ou menos acentuado: a que prende o Cristianismo a fórmulas e expressOes esteréis; a que vé no Cristianismo um apelo constante á conversao, apelo que espera sua resposta hoje, num en contró do homem com Cristo e a Igreja: «A Igreja é neste mundo o sacramento de Jesús Cristo, da mesma forma que file próprio é para nos, em sua humanidade, o sacramento de Deus» (p. 8). É esta tercelra maneira de entender o Cristianismo que Dillenschneider intenciona desenvolver; recorre freqüentemente a textos biblicos, a fim de ilustrar quanto a fé crista é dinámica, ou seja, tendente a penetrar e polarizar a vida do homem; principalmente a figura de Cristo, tal como ela aparece nos Evangelhos, merece a atencáo do autor: a pecadora de Le 7, Zaqueu o publicano, o bom ladrao, a samaritana e o cegó de ñascenca sao apresentados como casos tipicos de «encontró com Cristo». — Além disto, a crise de fé em nossos dias e a mensagem do Concilio do Vaticano II sao analisadas pelos capítulos fináis do livro. O con junto é bem orientado, prestando-se & meditagáo e á formagáo do leitor. E.B.
NO
PRÓXIMO
NÚMERO :
Ressurreicóo dos morios Jesús Cristo e Sócrates Vida religiosa em foco
Vocacao provisoria As fichas catequéticas de «Sono-viso» «O Lobo da Estepe»
«PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS»
{porte comum
NCr$
20 00
NCr$
25,00
Número avulso de qualquer mes o ano
NCrS
2,00
Número especial de abril de 1968
NCr$
3,00
Volumes encadernados: 1957 a 1968 (preco unitario).
NCr$
17,00
índice Geral de 1957 a 196-4
NCr$
10,00
Índice de qualquer ano
NCr$
1,00
Encíclica «Populorum Progressio»
NCrS
0,50
Encíclica «Humanae Vitae» (Regulacao da Natalidade)
NCr$
0,70
porte aéreo
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Río de Janeiro (GB) • ZC-06