Ano Xi - No. 125 - Maio De 1970

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESEtSTTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la

pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas

correntes

filosóficas

e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa

crenca

católica

mediante

um

aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propóe aos seus leitores:

aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

ÍL_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se

encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e

zelo pastoral assim demonstrados.

iNO XI — N? 125

MAIO DE 197

ÍNDICE

1*9

Apolo -13

I.

1)

NOVA TEORÍA

"'A Páxcoa de Sangue', novo livro de Danülo Nunes.

Revohteáo no modo de entender Jema e sua mensagem ?" ...

II.

2)

191

LENDO A BIBLIA...

"Com qitem se canon Caim depon de matar Abel e fugir,

se, juntamente com He, só viviam sobre a torra Adáo e Eva ? Qual o significado exato do episodio de Caim e Abel?" ....

III.

■ s)

AÍNDA SECULARIZADO

«.¡oreja, túmulo de Deus V Sim ou Nao a éste livro ?"..

IV.

j,)

203

SIS

DATA IMPORTANTE

"
Que xignifica ixto para os hamev* de boje ?"

RESENHA

DE

LIVROS

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

22 í

SAI

APOLO - 13 Os dias da Apolo-13 (13 a 17-4-70) tornaram-se memorá-

veis nao sómente para os dentistas, mas também para quem acompanha refletidamente a historia déstes nossos tempos.

Embora a missáo da espago-nave nao tenha chegado ao termo previsto, ela parece ter proporcionado ao mundo urna serie de outros valores, principalmente valores espirituais, dos quais nos interessa recordar dois dos mais importantes.

1) Tem-se apregoado em diversos tons que Deus está morto; é algo de ultrapassado na mente do homem contem

poráneo, que já nao precisa do Todo-Poderoso para ser feliz

e honesto. É o que dizem os ateus; mas é também o que se

diz em certos círculos cristáos ou entre os chamados «teólogos

da morte de Deus»: Deus seria nome sem significado para os modernos; ao Cristianismo, desejoso de sobreviver em nossos dias, seria necessário silenciar Deus e falar apenas do homem e de sua Cidade.

Ora a aventura da Apolo-13 veio mostrar como Deus ainda é vivo e presente ao espirito dos homens de hoje. Colocado diante da genuína realidade da fragilidade e da morte, o ho mem nao hesitou professar que existe o Criador e que Éste é Pai providente e misericordioso; é dÉle que, em última análise, depende a vida do homem com todas as suas grandiosas realizacóes. O mundo viu, através da televisáo ou de fotogra fías, os astronautas, juntamente com os oficiáis mais gradua

dos do porta-avióes «Iwo-Jima», agradecer a Deus a conser-

vacáo da vida dos tres viajores do espaco. Homens de escol, dotados de saúde física e psíquica táo perfeita quanto possivel, eruditos e sabios, os cosmonautas descobriram suas cabecas e as inclinaram reverentemente diante de Deus; na verdade, o homem se realiza em plenitude quando ele reconhece o seu Criador. É sómente ñas horas de «embriaguez» ilusoria que alguém pode negar a existencia de Deus.

Se Deus nao morreu na mente dos homens, mas foi re-

conhecido publicamente por típicos representantes da huma-

nidade de hoje e em diversas partes do mundo, vé-se que a tarefa de evangelizar ainda corresponde a um apelo auténtico (embora as vézes confuso ou inconsciente) do homem contem poráneo; o senso de Deus ainda existe, se bem que nao rara— 189 —

mente amortecido ou estonteado pelas extraordinarias mudan-

gas dos tempos atuais. «É impossível viver sem Deus no cora-

gáo», dizia Svetlana Stalin apcs anos e anos de educagáo ateísta. Também nossos dias fornecem cabegas de ponte e esr teio para que o Evangelho seja anunciado em toda a sua integridade.

2)

Outra ligáo sugerida pela odisséia da Apolo-13 foi a

da solidariedade entre os homens. Caíram barreiras ideológi cas, e a humanidade reavivou a sua consciénda de constituir urna só familia, quando se tratou de salvar a vida de tres de seus filhos ameagados no espago. Permita Deus que essa cons-

ciéncia, cada vez mais apurada, se volte com o devido afinco a socorrer milhóes de irmáos nossos indigentes sobre a térra!

Nao se poderiam encerrar estas reflexóes sem se fazer

mencáo do «fatídico» número 13! A velha crendice voltou á baila antes e no decorrer da faganha da Apolo-13. Estranho fenómeno: nos dias em que o homem domina os números me

diante computadores eletrónicos, ainda há quem creia que 13 tenha poder misterioso sobre as sortes do homem! Como o senso do misterio e do transcendente está arraigado na cria

tura humana, embora muitas vézes carega de esclarecimento! E por que se creria que o número 13 dá azar? Porque, por ocasiáo da última ceia de Cristo, eram treze os convivas sen tados á mesa? Sómente por isto? Haveria proporgáo ou nexo causal entre aquéle fato e as desgragas que hoje possam aco

meter os homens? Há mesmo quem julgue que o número 13

é símbolo de próspera fortuna: na India, os pagodes apresen-

tam normalmente treze estatuas de Buda; na China, os dizeres místicos dos templos sao freqüentemente encabegados pelo número 13. Nos E.U.A., o número 13 goza de estima, porque

treze eram os Estados que inicialmente canstituiam a Federagao

norte-americana; além disto, o lema da uniáo («E pluribus unum») consta de treze letras; a águia norte-americana está revestida de treze penas em cada asa...

Em suma, louvado seja Deus por nos proporcionar o ensejo de viver em nossos dias, táo ricos de mensagens, tanto no setor da técnica como nos da filosofía e da fé! E.B.

— 190 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Ano XI — N« 125 — Maio de 1970

I. 1)

NOVA

TEORÍA

«'A Páscoa de Sangue', novo livroi de Danillo Nones.

Revolugao no modo de entender Jesús e sua mensagem?» Em resumo: 'A Páscoa de Sangue1 pretende apresentar Jesús como arauto das dasses oprimidas do povo de Israel e, por isto, con denado pelos maiorais (sibaritas) da nacao judaica, mancomunados com potencias estrangeiras.

Para construir sua tese, o autor vé-se obrigado a recorrer larga mente á imaginacao e negar a veracidade de nao poucas passagena

do Evangelho, procedendo de maneira um tanto arbitraria. A construcáo é mais um ensaio de índole romántica e fantasista do que o resultado de estudos serenos e objetivos. Podem-se apontar alguns pontos particularmente vulneráveis de cA Páscoa de Sangue»: a suposicáo de que a expulsáo dos vendilhOes do Templo se tenha dado no íim, e nao no inicio, da vida pública de Jesús;... a identificacáo do motim insinuado em Le 13,1 com um suposto motim popular conseqüente a expulsáo dos vendilhOes do Templo;... a negacáo de que Jesús tenha sido julgado pelo Sinedrio... O autor, as vézes, demonstra nao ter conhecimento direto e pro fundo do assunto tratado, gois comete erros notorios de referencias e citacSes. Danillo Nunes nao aceita a Divindade de Cristo, reduzindo Jesús á figura de mero líder social. Éste fato é digno de nota, pois torna evidente ao leitor que jamáis se poderá enquadrar «Páscoa de Sangue» entre as obras de inspiracao crista.

Poder-se-ia talvez louvar o interésse de D. Nunes pelas Escrituras Sagradas, mas devem-se-lhe pedir mais objetividade e mais criterios científicos !

Resposta: Após publicar «Judas, traidor ou traído?» (cf. «P.R.» 109/1969, pp. 15-24), Danillo Nunes volta a pú blico com um livro, que desenvolve o tema anterior, procu rando entender de novo modo a mensagem de Cristo: propóe a «interpretacáo económica da Paixáo» numa obra de 271 páginas intitulada «A Páscoa de Sangue» (Editora Expressáo e Cultura).

— 191 —

4


Tido como «subsidio notável para a compreensáo do maior drama da historia da Humanidades l, o livro será abaixo objeto de urna consideracáo serena.

1.

«A Páscoa de Songue»

O autor comega por descrever, ao longo de seis capítulos,

a situagáo económica do povo de Israel através de sua historia.

Chega á conclusáo de que, nos tempos de Cristo, os israelitas eram dominados por urna minoria de banqueiros e cambistas judeus mancomunados com potencias estrangeiras, os quais oprimiam a gente simples e humilde de Israel. Nesse quadro, Jesús Cristo apresentou-se como libertador

social, empunhando a bandeira dos pobres da Palestina. O mo mento decisivo de sua carreira foi a expulsáo dos vendilhóes do Templo, ocorrida após a solene entrada do Senhor em Jerusalém no domingo de Ramos, ou seja (como julga D. Nunes), na segunda-feira 11 de Nisá do ano 30 (cf. p. 190), e narrada em Mt 21,12s; Me 11, 15-9; Le 19, 45s; Jo 2,13-17.

Cristo entáo despertou no ánimo dos pequeninos o senso

da revolta violenta. O povo composto de mendigos e miseráveis

realizou verdadeiro motim, atirando-se sobre os vendedores e cambistas usurarios do Templo. Os guardas déste, espantados, recorrerán* entáo a Pilatos, procurador romano, que «ordenou á cavalaria germánica e aos mercenarios entrarem em acáo» (p. 127).

«O pavor de serem trucidados pela cavalaria imperial levou milhares de humildes camponeses e mendigos, que haviam acompanhado Jesús, a fugir atropeladamente para o bairro mais pobre da ddade baixa e, ainda pela Porta Dourada, para o Monte das Oliveiras, onde tinham suas cabanas» (p. 127s).

Por ocasiáo de tal levantamento popular, foi preso Bar rabás ou Jesús bar-Aba, chefe dos amotinados. O gesto de Cristo, que assim se declarava adversario dos magnatas financistas de Israel, provocou imediatamente a

reacáo dos sacerdotes, escribas e andaos da nagáo. Estes, até

aquéle momento, haviam-se conservado indiferentes aos ensi-

Palavras de Mario Henrique Simonscn no prefacio do livro. — 192 —

«A PASCOA DE SANGUE>

namentos de Jesús; eis, porém, que doravante se sentiam ameagados pelo mestre galileu, o qual poderia levar o povo a sa cudir o dominio económico dos senhores de Israel. Por isto resolverán! mandar prender Jesús. Levaram-no, primeiramente, á casa de Anas, sogro do Sumo Sacerdote Caifas, e homem de grande poderío económico, que se achava particularmente interessado na eliminagáo de Jesús. A seguir, sem previo julgamento do Sinedrio ou do Tribunal Supremo de Israel (!), o Nazareno foi entregue a Pilatos pela élite aristocrática da nacáo; acusavam-no de se fazer rei dos judeus, em oposicáo a César.

D. Nunes dedica grande atencáo á oferta que Pilatos,

pouco convicto da culpabilidade de Jesús, fez ao povo, de li bertar um prisioneiro por ocasíáo da Páscoa.

A multidáo preferiu Barrabás a Jesús. Por qué? — Por que Barrabás era um genuino arauto da emancipagáo popular; ao contrario, Cristo se incompatibilizara recentemente com o povo, já que, anulosamente interpelado, responderá que se

devia pagar o imposto a César («Dai a César o que é de César», Me 14, 17); parecerá assim condescender eom a dominacáo estrangeira em Israel.

Sob a pressáo dos grandes e pequeños de Israel, Pilatos

viu-se obrigado a entregar Jesús aos judeus. Os maiorais da nacáo venceram. Poucas horas depois, o Mestre era pregado

á cruz e morria, posibilitando aos magnatas do país gozar novamente de paz e felicidade. Os interésses económicos de alguns pouoos homens sufocavam mais urna vez as aspiracóes dos humildes, cuja causa o Rabino de Nazaré pretenderá advogar. «Sómente quando o último acompanhante

(de Jesús, que caire-

cava a cruz) desapareceu de suas vistas é que Anas, os Boetos, os

Feabos, os cantaros com seus familiares, alguns doutóres, banqueiros e mercadores opulentos retornaram aos palacios e casas confortáveis, a íim de se prepararem para a Páscoa.

Os ilustres membros da oligarquía dominante puderam entao res

pirar tranquilos, pois haviam cumprido inteiramente o seu dever. Tinham afastado mortal ameaca que pesava sdbre as próprias cabecas e as de seus filhos. e o espetáculo desmoralizante do castigo do rebelde irla, certamente, desanimar qualquer veleidade de repetirem tentativa de subversao da ordem económico-social vigente no pais» (p. 258s).

Assim proposto o conteúdo do livro «A Páscoa de Sangue», impóem-se a respeito — 193 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 1

2.

Algumas observares

Segundo Danillo Nunes, Jesús nao morreu própriamente

por motivo religioso ou por ser o arauto da Boa-Nova predita pelos profetas de Israel. O aspecto religioso de Jesús desapa rece quase por completo, cedendo o primeiro plano á figura de um Jesús «arauto das reivindicacóes sócio-económicas de

mendigos e miseráveis» e, por isto, vitima de magnatas ganan

ciosos.

Ora tal interpretacáo é extremamente vulnerável a mais de um titulo: 1)

A expulsáo dos vendilhóes do Templo

1.

Ao passo que os Evangelistas sinóticos, Mateus, Mar

cos e Lucas, narram urna expulsáo de vendilhóes no fim da vida pública de Jesús, Sao Joáo refere semelhante episodio logo no inicio da mesma. Cf. Mt 21,12s; Me 11,15-17; Le 19, 45s; Jo 2, 12-17. Os antigos comentadores admitiam, no caso, dois acontecimentos distintos um do outro; todavía a maioria dos exegetas modernos, tanto católicos como protestantes e racionalistas, afirma urna só expulsáo de vendilhóes, visto que os dois relatos,

apesar de apresentar pequeñas diferencas, sao convergentes

entre si

(assim Calmes, Lepin, Levesque, Lagrange, Wendt,

Reville, Loisy, von Soden...).

2.

Quando, porém, se terá dado o acontecimento: no prin

cipio ou no fim do ministerio do Senhor?

A maioria dos exegetas prefere admiti-lo no inicio da vida pública de Jesús, baseando-se ñas seguintes razóes: Sao Joáo é, de todos os evangelistas, o que mais observa a cronología ou a sucessáo dos acontecimentos na vida de Jesús. Tendo escrito por último, quis por vézes determinar com mais precisáo a cronología dos sinóticos (assim, no to-

canto á uncáo em Betánia; cf. Jo 12,1). Sao Joáo refere varias viagens de Jesús a Jerusalém e tres festas de Páscoa durante

o ministerio de Cristo (o que quer dizer: ... dois ou tres anos de vida pública do Senhor); cf. Jo 2,13; 6,4; 11,55; 13,1; 18,24; 19,14.

Os sinóticos, ao contrario, só referem urna ida de Jesús a Jerusalém e urna Páscoa (a Páscoa da morte de Cristo). Por conseguinte, só podiam relatar a expulsáo dos vendilhóes — 194 —


do Templo (que se deu em Jerusalém) imediatamente antes

da morte do Senhor. Visto que Sao Joáo, tendo podido descrever o mesmo episodio no fim do ministerio público, o colocou no inicio do mesmo, julga-se que foi realmente nesse inicio que o ato se deu. Sem descer a pormenores ulteriores, podemos citar como biblio grafía autorizada a respeito :

F.-M. Braun, «L'expulsion des vendeurs du temple», em «Revue

biblique» vol. XXXVIH (1929), pp. 178-200 (refere sentencas de nume rosos outros autores).

Pirot-Clamer, «La Sainte Bible», vol. IX. París 1950, pp. 539s.

3. Verdade é que, no roda-pé da p. 128 de seu livro, D. Nunes reconhece: «Joáo sitúa a expulsáo na primeira viagem de Jesús a

Jerusalém». Julga, porém, que tal sentenga «é um absurdo, pois, sendo Jesús entáo um desconhecido, sem nenhum pres tigio popular, nao teria condigóes de realizá-la».

Com muita facilidade, D. Nunes admite absurdos ou inverdades no texto dos Evangelhos, desde que estes afirmem algo que nao condiga com as suas teorías (vejam-se as páginas 134, 209s, 245 do livro). No caso de Jo 2,13-17, verifica-se que a suposieáo de absurdo é arbitraria. Com efeito, pode-se entender a expulsáo no principio do ministerio de Cristo, levando-se em consideragáo os seguintes elementos: Joáo Batista indicara Jesús como o Cordeiro de Deus que

tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29) ou como Aquéle que batiza no Espirito Santo (cf. Jo 1, 33); insinuara a dignidade

messiánica de Cristo aos enviados dos sacerdotes e levitas de Jerusalém (cf. Jo 1,19). Por conseguinte, desde os tempos de Joáo Batista, Jesús gozava de autoridade aos olhos tanto do povo como dos maiorais de Israel. Entende-se, pois, que, por ocasiáo da primeira Páscoa após o seu Batismo, Jesús tenha subido a Cidade Santa e ai haja efetuado algo que manifestava plenamente a sua consciénda messiánica e auto ridade.

Em conclusa©: á luz dos estudos bíblicos mais recentes,

verifica-se que é precaria a base adotada por D. Nunes para a explanacáo de sua tese. Caso queiramos seguir a cronología joanéia, distanciamo-nos imediatamente da construyo proposta em «A Páscoa de Sangue». — 195 —

8


2)

A revolta dos galileus em Le 13,1

Em Le 13,1 lé-se que Pilatos «misturou o sangue de gali leus com o dos sacrificios que éles ofereciam». D. Nunes julga que éste episodio supóe urna revolta de galileus pobres e oprimidos, revolta que nao seria senáo a da segunda-feira 11 de nisá do ano 30 (cf. p. 127).

Ora tal suposigáo é gratuita. O episodio referido em Le 13 situa-se em meados da vida pública de Cristo, á distancia da expulsáo dos vendilhóes do Templo. 3)

As proporcóes do confuto do Templo

Com que base se pode dizer que houve um motim, no qual se envolveu urna massa de indigentes, quando Jesús purificou o Templo de Jerusalém? Enquanto os Evangelhos sao notávelmente sobrios na descricáo dos acontecimentos, D. Nu nes se inspira principalmente na fantasía e em preconceitos, sem citar alguma fonte literaria ou histórica (cf. pp. 123-131). Menciona, sim, Sholem Ash, escritor judeu moderno, tendente ao romance (nao historiador no sentido estrito); D. Nunes, em parte, louva «o romántico relato do episodio da agressáo aos comerciantes do Templo» (p. 129); em parte, porém, di

verge do mesmo, julgando que Sholem Ash «ignorou o signi ficado do episodio

como estopim

para

a subversáo social»

(p. 130).

Ora afirmar algo sem apoio

em documentos

fidedignos já nao é fazer trabalho científico. 4)

históricos

Barrabás

A propósito de Barrabás, os evangelistas também sao la cónicos. Apenas referem que era um ladráo (Jo 18,40), posto na prisáo por assassinio e sedicáo (Le 23,19), em companhia de outros criminosos (Me 15,7). — Donde se pode depreender, como faz o autor de «A Páscoa de Sangue», que era um dos amotinados por ocasiáo da expulsáo dos vendilhóes?

D. Nunes nota que, em alguns manuscritos gregos antigos dos Evangelhos, Barrabás é chamado «Jesoun Barraban»; por isto designa ésse malfeitor como Jesús (p. 165) ou Jesús Bar-Aba (Filho do Pai); cf. p. 163. A questáo do nome, no caso, é de pouca monta. Interessa-nos apenas salientar que D. Nunes segué a versáo dos manus— 195 —

«A PASCOA DE SANGUE»

critos menos numerosos e abalizados. Bons críticos julgam que o nome de Jesús foi anteposto ao de Barrabás em certos có digos antigos do Evangelho por erro dos copistas. Se o texto original designasse Jesús Barrabás, teria apresentado a forma «Jesoun legómenon Barraban» (Jesús dito Barrabás), á semelhanga das expressóes «Simáo chamado Pedro» (Mt 4,18; 19-2), «José chamado Barsabás» (At 1,28), «José cognominado Barnabé» (At 4,36), etc. Veja-se a respeito Buzy em «La Sainte Bible* t. IX. París 1950, p. 369.

de Pirot-Clamer,

5)

Jesús nao foi julgado pelo Sinedrio ?

1.

O autor de «A Páscoa de Sangue» nega peremptória-

mente ter havido julgamento de Jesús por parte do Sinedrio (supremo tribunal

de Israel)

em

casa

de

Caifas;

apenas

se teria dado um interrogatorio dirigido a Jesús por Anas (cf pp 223s). Neste caso, seriam contrarios á verdade histó

rica os textos de Mt 26,57-68; Me 14, 53-65; Le 23, 64-71, que referem um julgamento de Jesús por parte do Sinedrio.

Defendendo a negativa, D. Nunes tenciona incutir que Jesús nao morreu por motivos religiosos, isto é, por se ter

apresentado como o Messias ou o Filho de Deus, mas, sim, por razóes políticas: Jesús teria sido apresentado pelos seus adver sarios a um tribunal romano como elemento subversivo e anta gónico a César na Palestina.

2. Ora tal suposicáo, se encontra apoio em certos críti cos 1, é ditada por preconceitos e carece de bases sólidas.

Com efeito. Se Jesús foi condenado nao por motivos reli giosos, mas por motivos políticos, nao se entende que tenha

sido julgado e condenado sómente Jesús; ao menos alguns de

seus companheiros de rebeliáo haveriam sofrido sorte semelhante. Todas as vézes que um pretenso Messias provocava

um motim anti-romano na Palestina, grande número de seus seguidores eram justigados e punidos, mesmo com a morte.

No caso de Jesús, porém, nem os seus mais próximos discí pulos, amigos ou parentes sofreram o mínimo daño quando o

Mestre foi condenado. Disto se deve concluir que Jesús nao era um rebelde político. Pilatos nao o teria condenado se a

i Cí Rudolí Bultmann, «Geschichte der synoptischen Tradltion» 2, 1930, p. 290; Erich Klostermann, «Das Markus-Evangelium» 1936.

— 197 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS rel="nofollow"> 125/1970, qu. 1

isto nao tivesse sido constrangido em circunstancias extra ordinarias. Tais circunstancias ocorreram quando as autori dades judaicas, depois de terem condenado Jesús em um julgamento oficial, levaram o Rabino á presenca de Pilatos para obter do procurador romano a sentenga de morte legal. Pilatos, embora nao acreditasse na culpabilidade de Jesús (lavou-se as máos; cf. Mt 27,24), deixou-se, em sua fraqueza, vencer pela pressáo exercida pelos maiorais de Israel.

É sómente no caso de ter o Sinedrio decidido entregar

Jesús á morte que se explicam a conduta inexorável dos sinedritas contra Jesús perante Pilatos, como também a brusca mudanga de ánimo da massa popular. Esta, a partir da sexta-feira de manhá, já nao mostrou vestigio da simpatía que até entáo havia manifestado ao Nazareno.

3. Ademáis, se Jesús nao foi julgado pelo Sinedrio na casa de Caifas, a tríplice renegacáo de Pedro (que os críticos nao póem em dúvida) torna-se algo de enigmático; cf. Me 14,53-55.66-68: «Conduziram Jesús á casa do Sumo Sacerdote, onde se juntaram todos os príncipes dos sacerdotes, andaos e escribas. Pedro seguiu-O de longe até dentro do palacio do Sumo Sacerdote, onde se sentou

com os guardas a aquecer-se ao lume. Ora os principes dos sacerdotes e todo o Sinedrio procuravam um testemunho contra Jesús para lne dar a morte, mas nao o encontravam... Estando Pedro era babeo, no patio, chegou urna das criadas do Sumo Sacerdote, e, vendo Pedro a aquecer-se, íixou néle os olhos e disselhe: Tu também estavas com o Nazareno, com Jesús1. Ele, porém, negou, dizendo: *Nao sel

nem entendo o que dizes'...»

Caso Jesús nao tenha sido interrogado e condenado pelo

Sinedrio, pergunta-se por que se terá dirigido Pedro para o

patio da casa de Caifas, onde ficou perambulando? Nao terá sido para acompanhar o desenrolar do julgamento e descobrir finalmente o que fóra decidido a respeito do Mestre? E por que teráo permanecido os guardas e o pessoal doméstico no patio do palacio até a madrugada, em vez de se recolherem?

Estes elementos nao confirmam a not'cia de que Jesús foi real

mente julgado pelo Sinedrio em casa de Caifas?

4. D. Nunes nega ter Jesús comparecido ante o Sine drio, porque (entre outros motivos) «o Sinedrio nao podia (e

jamáis o fez) reunir-se em sessáo plenária em outro lugar que nao sua própria sala situada, na época, no recinto do

Templo» (p. 222). IGff


11

Ora tal pretenso impedimento é contestável. Com efeito,

note-se o seguinte: a «casa de Caifas», lugar de reuniáo do Sinedrio mencionada em Le 22, 54; Me 14, 53; Mt 26, 57, nao era necessariamente a residencia do Sumo Sacerdote, mas bem

podia ser o lugar (ou palacio) em que ele exercia suas fun-

góes administrativas (cf. expressáo semelhante em Jer 43,10. 12.20s[LXX]). Por sua vez, essa sede administrativa nao era necessariamente o recinto do Templo. É assaz inverossímil que,

na época de Jesús e nos anos subseqüentes, o Sinedrio se reunisse habitualmente no recinto do Templo. Com efeito, se

gundo At 22,30-23,10, deu-se por volta de 59/60 urna reuniáo

do Sinedrio de que participaran! também alguns gentíos, como o tribuno militar de Jerusalém; ora aos gentíos era vedado o acesso ao recinto do Templo.

Enfim é de notar também que, conforme o Talmud (b. Aboda zara 8 b), quarenta anos antes da destruigáo do Templo, isto é, em 30 d. C, o Sinedrio abandonara a sua sala

de reunióes (llshkath haggazith) no recinto do Templo, para

se reunir em urna sala do mercado (?) na colina do Templo. Esta noticia do Talmud é tida como fidedigna pelos críticos israelitas modernos, embora nao possam identificar com precisáo a mencionada sala do mercado.

5. Numerosas outras afirmagóes de D. Nunes tendentes a negar a historicidade da sessáo judiciária do Sinedrio poderiam ser examinadas urna a urna, ültimamente tem-se estu-

dado com particular afinco o processo de Jesús, tanto nos

setores cristáos como nos israelitas. Estudiosos credenciados concluem que houve realmente um processo empreendido pelos maiorais de Israel contra Cristo, processo que foi rigorosa

mente legal, ou seja, adaptado as exigencias do direito vigente no povo judaico. Um brilhante espécimen das pesquisas reali zadas em tal setor é o livro de Josef Blinzler: «Der Prozess

Jesu», que vem saindo em sucessivas edigóes, tanto no original alemáo como em traducóes (edicáo italiana: «II processo di Gesü». Brescia 1966). Tal livro refere com grande objetividade e discute as mais variadas sentencas dos estudiosos sobre o assunto; no décorrer de suas densas páginas fornece farto material para se refutarem as afírmagóes e hipóteses de D. Nu nes. Verifica-se, pela leitura de tal livro, que a «construgáo rel="nofollow">

de D. Nunes nao é táo nova nem táo original. — Infelizmente, porém, o autor de «A Páscoa de Sangue» parece ignorar tal obra, pois nao a cita nem em seus roda-pés nem em sua biblio grafía (o que, sem dúvida, constituí grave lacuna). — 199 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 1

6)

O verdadeiro motivo da morte de Jesús

Ao contrario do que arbitrariamente assevera D. Nunes, a razáo pela qual Jesús sofreu a condenacáo & morte foi, antes do mais, religiosa. Com efeito, desde o inicio da sua vida pública, Jesús foi-se insinuando como Profeta por excelencia Arauto de urna justíca ou perfeigáo religioso-moral mais pro funda do que a dos escribas e fariseus, mentores do povo de

Israel (cf. Mt 5,20). Em conseqüéncia, foi-se esbozando urna reacáo hostil dos dirigentes de Israel contra o novo Mestre.

Sao Marcos acentúa éste fato, narrando cinco casos de confuto entre Jesús e os escribas-fariseus logo no inicio da vida pú blica do Senhor (cf. Me 1,40-3,6); após a quinta altercacáo, os

adversarios de Cristo decidem entregá-lo á morte: «Os fari

seus reuniram-se com os herodianos para deliberaren! como

haviam de condená-lo á morte» (Me 3,6). Assim, segundo Me, todo o ministerio público de Jesús decorre sofc o signo da condenagáo á morte.

Vé-se, pois, que a hostilidade dos maiorais de Israel con

tra Jesús nao se originou no fim da vida atiya do Senhor (na

segunda-feira após Ramos), mas, sim, no principio da mesma. Como narram os Evangelistas, mais de urna vez quiseram os

judeus apedrejar a Jesús (cf. Jo 7, 30. 32. 44; 8, 59) ou pó-lo a prova (cf. Le 10, 25; 11,37-53; 16,14; Me 3,20-30). Quando os mentores religiosos de Israel tomaram clara

consciéncia de que Jesús poderia impor-se por sua mensagem

religiosa ao povo da Palestina, resolveram dar imediata execucáo ao seu designio de morte. Nota mesmo o Evangelista S. Joáo: «Os príncipes dos sacerdotes tinham deliberado matar também a Lázaro, porque muitos judeus, por causa déle, se afastavam e acreditavam em Jesús» (ll,10s).

Finalmente, foi por se ter reconhecido «o Messias, Filho

do Deus Bendito» (cf. Me 14,61) », ou seja, por motivo estri-

tamente religioso, que Jesús sofreu a condenacáo á morte por parte dos juízes de Israel. Perante Pilatos, porém, para quem

tal razáo nada significava, os fariseus e escribas alegaram insubordinagáo de Jesús contra César: embora o goyernador

romano estivesse propenso a crer na inocencia de Cristo, acai D Nunes julga que a resposta de Jesús: «Vos dizeis que eu sou (o Filho de Deus)!» é urna evasiva da parte de Cristo (cí. pp. 222s e 236) — Nótese, porém, que tal expressao equivalía a urna afirmacao clara- segundo o modo de íalar dos judeus, afirmacao que se encontra explícita em Me 14, 62. — 200 —

«A PASCOA DE SANGUE»

13

bou cedendo á astucia dos acusadores (Pilatos temia incompatíbiüzar-se com o govérno imperial, caso ficasse insensível a tal acusacáo).

Compreende-se que a mensagem religiosa de Jesús (o Evangelho) tivesse conseqüéncias sociais; ela implicava caridade sincera e universal para com todos os homens, filhos do mesmo Pai Celeste. Tais conseqüéncias poderáo ter provocado repulsa por parte dos fariseus (cf. Le 16, 14s); todavía nao foram o motivo primordial e decisivo da morte de Jesús l. 3.

Conclusoo

A obra «A Páscoa de Sangue» é muito mais o produto de preconceitos racionalistas, associados a divagacóes 'da fantasía, do que a expressáo dos documentos bíblicos e extra-bíblicos concernentes a Jesús e Israel.

O autor nao eré na Divindade de Jesús Cristo (como, alias, se evidencia da obra anterior «Judas traidor ou trado?»);

cf. pp. 24 e 241 2. Esta tomada de posicáo excluí, possa a tese de D; Nunes ser tida como interpretagáo crista dos Evange-

lbos. O Cristianismo eré (com bases que a razáo pode inves tigar) em Jesús Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

A exclamacáo «Meu Deus, meu Deus, por que me aban donaste?» (Me 15,34), citada por D. Nunes a p. 24, nao signi fica que Jesús nao era Deus. Apenas quer dizer que Ele quis, como verdadeiro homem, compartilhar a angustia e o abandono que o homem experimenta em conseqüéncia do pecado.

Para estruturar a sua tese, o autor recorre a urna serie

de afirmacóes e negagóes arbitrarias.

1 Quando os historiadores asseveram que o Senhor Jesús foi con denado pelos íilhos de Israel do seu tempo (ano de 30 ou 33 d. C), nao intencionam necessáriamente acusar todo o povo israelita de deicidio, nem pretenden) sugerir seja um povo amaldicoado por Deus. O Concilio do Vaticano II impós estas reservas aos fiéis católicos: «Se bem que os principáis dos judeus, com seus seguidores, insistiram na morte de Cristo, aquilo que se perpetrou na sua Paixao nao pode ser indistintamente imputado a todos os judeus que entáo viviam, nem aos de hoje... NSo devem (os judeus) ser apresentados nem como condenados por Deus, nem como amaldigoados» (Declaracao «Nostra Aetate» n» 4).

* «Seria natural que os Evangelistas obrassejj^Mgtf&^Qgra que

o Mestre, transformado em Deus, nao par dos romanos» (p. 241).

pcutpjii

14

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 1

Nao raro mostra nao ter conhecimento profundo ou direto do assunto de que trata, mas apenas noticias de segunda máo, colhidas em fontes nao sempre abalizadas. Tenha-se em vista, por exemplo, quanto segué:

P. 42: «A magnífica construgáo do Templo (de Jerusalém), iniciada em 1016 a.C. ..., foi terminada por ocasiáo do primeiro céreo a Jerusalém, em 597 a.C.; em 586 a.C, os assirios... incendiaram-no».

Ora sabe-se que o Templo de Jerusalém foi todo construí-

do no séc. X a.C, sob o reinado de Salomáo, que o consagrou

solenemente ao Senhor, conforme 1 Rs 6,38: «No ano 11*, no mes de Bul... o templo foi acabado em todas as suas partes e com todas as coisas necessárias. Salomáo constmiu-o em sete anos».

Em 586 a.C, foram os babilonios, e nao os assirios, que incendiaran! o Templo.

Ao falar das ressurreigóes de mortos efetuadas por rae-

diacáo de Elias e Eliseu, o autor só cita como fonte de refe rencia o livro de Lagrange: «L'Évangile...». Cf. pp. 26 e 205. Silencia estranhamente os textos bíblicos de que o próprio Lagrange depende: 1 Rs 17, 17-24; 2 Rs 4, 27-37. Por qué?

Conforme os dizeres da p. 171, Pilatos devia provávelmente estar dormindo no palacio de Herodes. Acontece, porém, que

Pilatos e Herodes eram inimigos um do outro (cf. Le 23,12).

A p. 190, o autor fala da «segunda-feira 11 do Nisá», e á p. 210 menciona a «quarta-feira 12 do Nisá»! A p. 48, nota 31, as citagóes do Levitico nao vém ao caso.

A p. 56, nota 14, a citacáo é do capítulo X, e nao do CX. A p. 47, nota 25, o titulo alemáo «Die Priester und der Cultur im letzten Jahrzheit des jerusalemischen Tempels» deveria escrever-se: «Die Priester und die Cultur in der letzten Jahrzeit

des jerusalemischen Tempels»

ou

«...

im

letzten

Jahrhundert...».

A p. 66: leia-se «curatores viarum», em lugar de «cúratores viarium».

Quem conhece a terminología bíblica, sabe que em por

tugués se diz «festa da dedicagáo (do Templo) >, e nao «festa da devogáo» (p. 208); «Corintios», e nao «Corintianos> (p. 136); «juro», e nao «interésse» (p. 83; cf. Éx 22,25, em tradugáo portuguesa). A palavra «basílica» aplicada ao Tem— 202 —

COM QUEM SE CASOU CA1M?

15

pío de Jerusalém (p. 130) é anacrónica, pois supóe o «basileus» (Imperador) bizantino.

Em suma, pode-se louvar D. Nunes por voltar seu interésse para os estudos bíblicos e as disciplinas sagradas. Toda vía seja lícito pedir-lhe que doravante o faga com mais objetividade e criterios mais científicos e atualizados!

II.

LENDO

A

BÍBLIA...

2) «Com qnem se casou Caím depois de matar Abel e fngir, se, juntamente com ele, só viviam sobre a térra Adáo e Eva?

Qual o significado exato do episodio de Caím e Abel?» Em resumo: O Livro Sagrado, em Gen 5,4, refere que Adao teve íilhos e filhas. Pode-se, pois, admitir sem diíiculdade que Caim se tenha casado com urna de suas irmüs. O íato de que a menc,5o das filhas de Adáo venha após a da fuga de Caim, nao quer dizer que Caim, ao fugir, aínda nao tivesse irmá. O casamento entre irmaos, embora seja vedado pela lei natural, nao era ilícito na primeira geracáo da historia humana. — Eis como se resolve a questáo proposta, segundo a clássica exegese.

A exegese moderna encara o episodio de Caim e Abel em nova perspectiva, que torna va ou despropositada a pergunta ácima. Baseando-se em anacronismos e outros dados de Gen 4, bons estudiosos julgam que o fratricidio cometido por Caim se deu em época relativa

mente recente da historia sagrada; fol, porém, descrito pelo haglógrafo nos albores da mesma, porque é um lato típico ou paradigmático; fratricidios e homicidios sempre se registraran!, pois decorrem do fato

de que o homem abandonou e abandona a Deus. A nova expllcacSo

de Gen 4 se concilia com as exigencias da inspiracao bíblica e da íé católica; deriva-se de mais profundo conhecimento dos hábitos de expressáo e redacáo dos antigos orientáis.

Resposta:

A pergunta ácima é freqüente e tornarse, para

muitos leitores da Biblia, motivo de perplexidade insolúvel; há

mesmo quem, arbitrariamente, diga que Caím se casou com

urna mulher oriunda de outro planeta e descida sobre a Térra! Abaixo procuraremos elucidar a dúvida, aproveitando o

ensejo para apresentar o genuino sentido do episodio de Caím e Abel no conjunto da historia da salvagáo. — 203

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 2

1.

Com quem se casou Caím ?

Eis alguns dos versículos que mais interessam ao tema:
Lamec teve duas mulheres: urna chamava-se Ada, e o nome da outra era Cila... Lamec disse ás suas duas mulheres: 'Ada e Cila, escutai a minha voz! Mulheres de Lamec, ouvi a minha palavra! Matei um homem porque me feriu, e um rapaz, porque me pisou. Se Caím foi vingado sete vézes, Lamec sé-lo-á setenta vézes sete!' (Gen 4,16-24).

Ao ler o inicio do texto ácima, poder-se-ia julgar que Caím tomou esposa na regiáo de Nod, para onde fugiu, unindo-se

entáo a filha de outra familia ou estirpe que nao a sua mesma ou (como querem alguns) unindo-se á própria máe Eva, que com ele teria fúgido!

Todavía urna e outra interpretagáo seriam erróneas. Vejamo-lo por etapas.

1) AS. Escritura mesma refere que Caim, Abel e Sete nao foram os únicos filhos de Adáo e Eva; assim se lé em Gen 5,3-5: «Adao viveu cento e trinta anos, e gerou um filho á sua seme-

lhanga... e chamou o seu nome Sete.

E foram os dias de Adáo depois que gerou a Sete, oitocentos anos; e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias que Adao viveu, novecentos e trinta anos; e morreu».

De passagem, deve-se notar que as centenas de anos de vida atri buidas a Adáo (assim como aos demais Patriarcas bíblicos) nao tém valor cronológico, mas sao apenas símbolos da venerabilidade e da autoridade que os judeus atribuiam a ésses antepassados; cf. «P.R.* 17/1959, pp. 203-210.

A dificuldade para o leitor provém de que o Génesis só menciona os numerosos filhos de Adáo e Eva no cap. 5, de pois de referir a fuga de Caím e as relacóes déste com sua esposa no cap. 4. Ora é preciso salientar que os capítulos 4 e 5 do Génesis nao nos apresentam episodios dispostos em su-

cessáo cronológica estrita: referem, sim,

quadros e tabelas

genealógicas avulsos uns dos outros e justapostos sem o nexo

de passado e futuro. Hoje em dia os exegetas nao duvidam — 204 —

COM QUEM SE CASOU CAIM?

17

desta proposicáo; por conseguinte, julgam váo procurar ordem cronológica entre os episodios narrados em Gen 4-5. Em conseqüéncia, pode-se muito bem admitir que Caím se tenha unido a urna filha de Adáo antes de fugir; a Biblia, porém, só terá mencionado a esposa de Caím após a fuga. 2) Resta apenas urna dificuldade: o casamento entre irmáos é contrario as leis da natureza e explícitamente proibido pela Lei de Deus em Lev 20,17. Por conseguinte, a explicacáo dada ácima supóe grave culpa da parte dos primeiros homens e condescendencia de Deus para com urna prática ilícita: como pode ter Deus permitido a uniáo entre irmáos na primeira geragáo? A resposta nao é difícil. Com efeito, o casamento entre irmáos é vedado pela natureza humana por dois motivos:

a) acarreta o acumulo de doencas hereditarias no mesmo individuo, concorrendo para debilitar a especie humana;

b)

impede ou dificulta o consorcio das familias entre si,

consorcio necessário para o desenvolvimento da sociedade.

Ora na primeira fase do género humano ou na época de Caím nenhum dos dois motivos existia para se proibir o casa mento entre irmáos; a primeira geracáo (á qual pertenciam Caím e sua irmá) nao podia acumular doencas hereditarias de muitos antepassados; nem havia ocasiáo de se consociarem diversas familias entre si, já que só existia urna familia. Donde se vé que a proibigáo de casamento entre irmáos nos tempos de Caim simplesmente nao estava em vigor. — Mais tarde, no sáculo xm antes de Cristo, quahdo já era numerosa a populacáo do globo, o matrimonio de irmáos com irmás já acarretava os dois mencionados inconvenientes. Por isto Moi

sés, em nome do Senhor formulou explícitamente a proibigáo

contida no Levítico (20,17). Esta determinacáo da lei natural já tinha cabimento. Donde se vé que o Senhor Deus nao caiu em contradigáo, permitindo o casamento de Caim com sua irmá na primeira fase da historia. A propósito veja-se «P.R.» 20/1959, pp. 340-343.

2.

Um entertdimento mais profundo

A pergunta «Com quem se casou Caím?» pode ser fácil mente resolvida por quem leva em conta as observaqóes ácima. — 205 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970. qu. 2

É preciso agora acrescentar algo sobre o sentido geral que tém os capítulos 4 e 5 do Génesis, nos quais se referem a historia de Caim e Abel, assim como a linha dos descen dentes de Adáo e Caim. Ver-se-á que neste contexto ampio a pergunta ácima perde o seu sentido. Proponhamos o assunto passo a passo.

1. O episodio de Caim e Abel e a tabela dos descenden tes do fratricida (Gen 4,1-24) chamam a atengáo por seus

anacronismos: descrevem um episodio que deveria ser dos pri mordios da historia, com traeos característicos de urna civilizacáo relativamente adiantada, ou seja, do período neolítico. Tais traeos sao:

— Caim é agricultor, ao passo que Abel é pastor (v. 2), — há um culto instituido, com seus sacrificios de animáis e de frutos (v. 2), — outros homens espalhados pela térra poderiam matar Caim (v. 14),

— Caim é fundador de cidade (v. 17), — os descendentes de Caim sao metalurgos (v. 22), mu-

sicistas (v. 21), domesticadores e pastores de animáis (v. 20), — os nomes dos personagens ocorrentes podem geralmente ser derivados de raízes hebraicas; ora o hebreu é língua relativamente moderna. É difícil crer que os filhos dos primeiros homens tivessem os nomes «Caim» e «Abel» («Caim», segundo a etimología popular adotada em Gen 4,1, vem de qanáh, adquirir; «Abel» vem de hebel, sópro, existencia precaria). 2. Refletindo sobre estes anacronismos, os exegetas (nao sómente liberáis, mas também católicos) sugerem duas possíveis interpretagóes para o episodio de Caim e Abel: a)

trata-se de um acontecimento que ocorreu realmente

na primeira geracáo humana, mas que o autor sagrado (no

sáculo XIII a.C.?), quis descrever com as características da civilizaeáo de seu tempo, a fim de o tornar mais vivaz e eloqüente para os seus leitores. Ter-se-ia entáo um modo ana-

cronistico de descrever um fato verificado entre os primeiros homens da historia. Os profetas bíblicos, alias, recorrem freqüentemente a semelhante artificio: predizem acontecimentos futuros, servindo-se de traeos típicos de épocas presentes ou mesmo passadas (cf. Is 11, 6-9, por exemplo). — 206 —

COM QUEM SE CASOU CAÍM?

19

Em Gen 4,1-16 ter-se-ia dado o inverso: a narragáo de um acontecimento passado com o revestimento de costumes e tragos característicos do futuro.

b)

Ftode-se também admitir que o autor"sagrado tenha

referido um acontecimento que na verdade se deu no secuto

yTTT a.C. ou depois. Deslocou, porém, tal acontecimento para

os primordios da historia do género humano, porque julgava

que tal episodio servia muito oportunamente para descrever

o que se deu depois da revolta do homem contra Deus (pecado dos primeiros país); esta leva & Juta do homem contra o homem, ao fratricidio e ao homicidio.

Mais precisamente, os adeptos de tal sentenga propóem o seguinte:

A Escritura Sagrada nos fala de urna tribo dita «dos

Cainitas» ou «dos Cineitas» ou «dos Cineus», que descendía de um patriarca Gaim. Tal tribo era nómade (cf. 1 Crón 2,55); habitava a térra de Madiá, onde Moisés se refugiou e casou; o sogro de Moisés — Jetro — era quenita (cf. Núm 10,29; Jz 4,11). Os quenitas entraram com Israel na térra de Canaá, onde ficaram sendo hospedes do povo israelita (cf. Núm 10,29; Jz 1,16). — Ora pode-se admitir que o fundador da tribo — Caím — haja cometido tremendo fratricidio; éste crime ter-se-á tornado famoso na memoria de Israel; o autor sa grado entáo o terá tomado como episodio típico ou paradigmá

tico de urna realidade que ocorre em todos os tempos da

historia; o homem, após abandonar a Deus, é incapaz de amar devidamente a seu irmáo; o fratricidio marca toda as geragóes humanas. Neste caso, nao se poderia dizer que Caím e Abel

tenham sido diretamente filhos de Adáo e Eva, mas dever-se-ia

afirmar que, logo nos primordios da historia humana, houve morticinio e fratricidio em conseqüéncia do pecado dos pri meiros pais. Quem se afasta de Deus, aíasta-se também de seu irmáo; por isto

toda a lei de Deus se resume em dois mandamentos: amar a Deus e amar ao próximo (cf. Mt 22, 40).

Esta segunda interpretagáo do episodio de Caím e Abel nao se impóe como necessária; nao pode ser provada, como também nao pode ser refutada. Apenas se pode notar que ela nao é contraditada pela nogáo de inspiragáo bíblica; por isto

é licito ao fiel católico aceitá-la, caso a julgue adequada. Na verdade, os semitas recorriam a tais artificios literarios; os seus leitores imediatos conheciam tais recursos e sabiam in— 207 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 2

terpretá-los devidamente, sem se engañar; por conseguinte, o

Senbor Deus pode muito bem ter permitido que o autor bíblico usasse de tal proceder estilístico em Gen 4. O que interessava ao escritor sagrado, nao eram os pormenores da historia pri mitiva (ou da pré-história) da humanidade; estes, no século xm a.C., só poderiam ser conhecidos por especial revelará© de Deus (nao havia documentacáo nem tradicáo relativa aos acontecimentos iniciáis da pré-história). Por isto, o autor sa grado terá descrito em Gen 4 um fato histórico (sim, um fratricidio ocorrido mima época x da historia) como se tivesse ocorrido na pré-história, para dizer-nos que o pecado se foi alastrando gravemente logo após a queda dos primeiros pais. Ao leitor fica a liberdade de aceitar ou nao esta teoría.

Como quer que seja, o que nos importa, ao ler e comentar os textos de Gen 4-5, é por em realce a mensagem religiosa dos episodios relatados. — É, por conseguinte, para esta mensagem que vamos agora voltar a nossa atencáo.

3.

A mensagem do episodio de Catm

Muitas vézes os catequistas, ao tomar conhecimento de certas novas sentengas da exegese (sentengas bem fundamen tadas e ortodoxas), se véem perplexos e indagam: «Como entáo doravante ensinarei tal ou tal episodio aos meus discípulos?» Eis o que em resposta se deve dizer: É preciso levar em conta que os onze primeiros capítulos

do Génesis descrevem a «pré-história» bíblica, isto é, aconte cimentos que fazem fundo de cena á vocacáo de Abraáo (1850

a.C.) e a justificam. Os episodios da pré-história bíblica nao sao lendas, mas fatos históricos, todavia fatos históricos que devem ser, antes do mais, entendidos como portadores de men sagem religiosa; para torná-los mais eloqüentes, o autor sa grado os terá descrito recorrendo a dados de épocas e civilizacóes posteriores. Qual é, pois,

a mensagem religiosa de Gen 1-11 e, em

particular, de Gen 4-5?

— Em Gen 1-11, o autor sagrado quis por em relevo duas grandes linhas: 1) a propagacao do mal e do pecado conseqüente á apostasia dos primeiros pais; — 208 —

COM QUEM SE CASOU CA1M?

2)

21

a inoessante e invencivel misericordia de Deas, que

nao deixa de se derramar sob a forma de promessas e béncaos. Com efeito. A linha do pecado crescente passa por Ad5o e Eva (Gen 3),

Caím (Gen 4,1-16),

os homens que provocam o diluvio (Gen 6,1-6), os soberbos de Babel (Gen 11,1-9).

Quanto á misericordia de Deas, ela se manifesta já no perdáo concedido aos primeiros país. As palavras de Eva «Adquirí um homem da parte do Senhor!» (4,1) poderiam ser

um testemunho do perdáo outorgado por Deus.

Ela se exprime também na admoestacáo que Deus dirige a Caím (4,6s), no sinal de protecüo que o Senhor imp5e ao fratricida (Gen 4,15).

A descendencia de Adáo, em Gen 5, comeca com a mencSo da bénc&o (5,2).

A béncáo se repete em íavor de Noé e seus íilhos (9,1); e, por

Sem (9,26; ll,10s), ela passa a Abraáo e á sua descendencia (123).

Mais particularmente, a seccáo de Gen 4-5 apresenta a seguinte mensagem:

A historia do mal no mundo comeca com o pecado dos primeiros pais. Estes, em conseqüéncia, sao sujeitos a urna serie de desgracas, das quais a mais significativa é a morte.

Deus, porém, suscita néles boas disposieóes, que levam os pri meiros homens ao arrependimento.

Com Caím comega a morte a exercer o seu imperio sobre

os homens, e de maneira violenta: o irmáo inflige a morte a seu irmáo.

Note-se que Caim era o mais velho (em relacáo a Abel; cf. Gen 4,21); tornou-se, porém, insensível e infiel a Deus (cf. v. 6s). Cometeu o fratricidio (cf. v. 8). Deus interveio

para levá-lo de novo ao bem (cf. v. 9); mas Caim resistiu, endurecido («Sou porventura guarda de meu irmáo?», v. 9); nao concebeu arrependimento de seu crime; Deus entáo o puniu, prometendo-lhe a esterilidade da térra

(cf. v. 12)

e, como

se a térra se abrasasse aos seus pés, ele é obligado a fugir e vaguear errante (v. 12). Caim se desespera, julgando estar

fadado a ser assassinado por quem o encontrasse no seu de gredo. Todavía Deus atenúa seu castigo, impondo-lhe um sinal — 209 —

22

125/1970, qu. 2

de protegáo, de sorte que a vida de Caím será poupada K O Senhor nao desampara o pecador, mas defende-o; nao o cas

tiga como merece; a graga de Deus é misteriosa, pois ela se .torna especialmente rica onde o pecado atinge o seu auge.

Caím deve levar vida errante no deserto estéril, como aqueles que nao tém patria. O pecado torna o homem alheio e fugitivo em relacao a Deus e aos demais homens.

A seguir, Caím é apresentado como fundador de cidade (cf. v. 17). Inaugura urna linhagem de músicos, artistas e

guerreiros (Jubal, v. 21; Tubal-Caím, v. 22; Lamec, v. 23). Com Lamec, o orgulho e o espirito de odio e vinganca chegam ao máximo. Se Caím nao se arrependeu, Lamec chega a se ensoberbecer de sua conduta imoral. Canta o que os árabes chamariam «o canto da espada», o qual bem demonstra perversáo vingativa: Lamec nao precisa de Deus para se defender,

como Caim; ele mesmo saberá prover á vinganca de si próprio,

e o fará com o máximo de furor: «Se Caím foi vingado sete vézes, Lamec sé-lo-á setenta véze sete!» (4,24).

A introducáo da poligamia agrava a imoralidade do cainita Lamec, e constituí estridente contraste com a solene afirmacáo de Gen 2,24: «Por isto o homem abandonará pai e máe, e se unirá á sua esposa, e seráo dois numa so carne». Na descendencia de Caím, mencionam-se tres mulheres em torno de Lamec, coisa muito rara ñas genealogías semí

ticas. Sao significativos os respectivos nomes: Ada, elegante;

Cila, morena; Naama, a bela, a graciosa. Talvez tais nomes já insinuem a luxúria e a provocacáo ao pecado de que fala Gen

6,2.

Numa palavra: a descendencia de Caim lembra, de um

lado, a sanha desumana dos bandoleiros do deserto, que yivem

sem patria e sem lei. De outro lado, ela recorda também a

corrupoáo das cidades de Canaá e da Pentápolis, principalmente de Sodoma, com todas as suas abominacóes moráis. Os cainitas soberbos, construtores de cidades, sao os predecessores dos que

construiram Babel (cf. Gen 11,1-9). Assim quer o autor sa grado dizer que o progresso material — industrial e técnico —

nao foi acompanhado pelo progresso religioso e moral do gé

nero humano. Tal proposicáo era verídica já nos tempos ante1 Nao se pode definir que Upo de sinal scja ésse; apenas se pode dizer que era testemunho da benevolencia divina. Entre os árabes, aínda hoje é proibido matar o fratricida; éste é expulso da sua trlbo, e nao pode ser recebido por outra, nem sequer por tribo inimiga.

— 210 —

COM QUEM SE CASOU CAÍM?

23

ñores a Cristo; ela continua a ser exata até nossos dias! Parece que aínda hoje se pode observar um contraste entre o progresso

material e o declinio moral da humanidade; a maldade, utili

zando os recursos da técnica, assume formas cada vez mais

requintadas.

Depois de Lamec, o mal ainda continua a se alastrar, che-

gando ao extremo. O Livro Sagrado já nao fala de fatos individuáis e esporádicos, mas mostra que todos os homens (os homens que constituem o cenário do autor bíblico) foram contaminados: «O Senhor viu que a maldade do homem era grande sobre a térra e que os pensamentos e desejos de seu

coracáo estavam constantemente, e apenas, voltados para o mal* (Gen 6,5).

Em contraposigáo á estirpe de Caím, afastada de Deus e

pervertida, o autor sagrado apresenta em Gen 5 a descenden

cia de Sete, que há de perpetuar o culto do Senhor e, mediante Noé e sua familia, se salvará do diluvio. Deus nao abandona o género humano, ainda que os homens se afastem déle.

Eis as grandes notas da mensagem que o autor sagrado quis transmitir em Gen 4-5. Como se vé, a mensagem é estritamente religiosa; embora se baseie em fatos históricos real

mente ocorridos, ela apresenta ésses fatos revestidos de ana cronismos ou emancipados do seu contexto próprio. Desta forma, quis o autor sagrado descrever acontecimentos que sao

tipos ou paradigmas, pois llustram o que é o pecado em toda e qualquer fase da historia: é repulsa a Deus, repulsa ao ho mem, fuga, desespero, auto-ilusáo, morte...

4.

ConclusSo

A figura de Caím é mencionada apenas urna vez no Antigo Testamento, fora do Pentateuco. O autor do livro da Sabedoria, percorrendo a historia da humanidade, escreve:

«Logo que desta (a sabedoria) se aíastou o injusto, na sua ira

pereceu entre os remorsos do fratricidio» (10, 3).

No Novo Testamento, Sao Joio faz de Caim um para digma de maldade:
— 211 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 2

Sao Judas, em sua carta (v. 11), afirma que os falsos doutóres seguem o caminho de Caím, já que tiram a seus irmáos a vida sobrenatural.

Eis como a propósito se exprime abalizado comentador católico de nossos dias:

«É importante, nao nos limitemos a apresentar Caim e Abel únicamente como figuras do passado. Gaim e Abel... sao os homens de todos os tempos, somos todos nos. Em cada um de nos há um pouco da mentalidade de Caim... Depois da segunda guerra mundial, o escritor alemáo Wolfgang Borchert (t 1948) publicou urna historia moderna

de Caim, onde naturalmente nao aparece nenhum Abel: 'Eram urna vez dois homens. Aos

dois

anos,

batiam-se

um

ao

outro

com

os

pequeños

punhos.

Aos doze anos, ao outro.

batiam-se com

paus e atiravam pedras um

Aos sessenta e dois, recorreram aos canhóes...

Aos oitenta e dois, morreram e foram sepultados um junto do outro'.

O leitor e o ouvinte pensem urna vez ou outra em se

identificar mais com Caím do que com Abel, porque Caim vive aínda e os seus seguidores tomaram-se legiáo. Nao é preciso

um fratricidio para marcar um homem como cainita. Também as faltas de caridade e os pecados de omissáo, que cometemos todos os días, podem fazer sangrar o próximo e levá-lo ao desespero.

O salmo 133 apresenta quase o contrario da historia de Caim:

'O' como é bom, como é delicioso

Viverem os irmáos em boa uniáo!'» (A. Lapple, «Mensagem bíblica para o nosso

tempo». Lisboa 1968, p. 122s). O novo modo de entender o episodio de Caím e Abel nao quer dizer que, para toda e qualquer passagem bíblica, se deva procurar nova interpretagáo. Cada seccáo da Biblia há de ser estudada de per si; compete ao estudioso averiguar o respectivo género literario e, consoante os resultados obtidos,

formular o sentido exato que toca a tal seccáo. — 212 —

-tIGREJA, TÚMULO DE DEUS?>

25

Bibliografía:

A. Lapple, «Mensagem bíblica para o nosso tempo». Lisboa 1968. M. Balagué, «Prehistoria de la Salvación». Madrid 1967. F.

Festorazzi,

«La Bibbia e il problema delle origini>.

Brescia

1967.

E. Bettencourt, «Ciencia e Fé na historia dos primordios». Rio de Janeiro 1962.

L. Arnaldich, «A origem do mundo e do homem». Lisboa 1958.

III. 3)

AÍNDA SECULARIZACAO

«'Igreja, túmulo de Dcus?' Sim ou Nao a éste livro?»

Em resumo: Robert Adolfs preconiza urna Igreja despojada de todos os bens materiais, destinada a viver quase exclusivamente da graga de Deus e do amor; julga que a Igreja, assumindo posicSes de Índole social ou política, se desviou de sua missáo. Em resposta, podem-se reconhecer abusos ocorridos na administracáo dos bens temporais da Igreja. Todavia nao se poderia desejar

urna Igreja que nao recorresse copiosamente aos meios de agáo e missáo que a Providencia lhe oíerece; Deus nao dispensa os homens do exercicio honesto de sua inteligencia e prudencia, mesmo quando se trata de obter fins religiosos; a Igreja de Cristo é encarnada e, por isto, sujeita as condicfies gerais de trabalho neste mundo. Se, no desempenho de suas tareías, a Santa Igreja se resssentiu das fainas de seus membros humanos, nao se pode dizer que ela seja por isto o túmulo de Deus; Ela é, antes, a continuacao do misterio da Encarnacao ou da descida salvifica de Deus aos moldes dos homens.

De modo especial, o Estado Pontificio nao é o resultado de am

bicio e prepotencia dos Papas, mas, sim, a conseqüéncia de doacSes territoriais que os anticos cristáos faziam aos Papas, em sinal de aprégo filial. Os Pontífices de Roma tornaram-se administradores da

justiga e do bem-estar das populacdes da península itálica, de mais a mais que desde 330 o Govémo imperial se transferiu de Roma para

Constantinopla, deixando Roma no caos. Pepino o Breve, em 756, s6 fez oficializar a soberanía territorial dos Papas, que era um fato antigo, suscitado pelas condicóes de vida das populacñes do Ocidente europeu.

Resposta: Apareceu em 1968, na sua tradugáo brasileira, o livro de Robert Adolfs intitulado «Igreja, túmulo de Deus?». O autor era um Religioso agostiniano holandés (nao bispo, como se tem dito), que acabou deixando a sua Ordem Reli— 213 —

26


giosa. O Iivro provocou alarde, dado o seu teor fortemente critico; coloca-se na linha da chamada «secularizacáo», inspirando-se nos autores protestantes mais em voga nos nossos

dias

(Tillich, Bultmann, van Burén, Harvey Cox, Gogarten,

Robinson...).

Examinaremos sucintamente o conteúdo do Iivro de Adolfs; após o que, consideraremos os principáis aspectos de sua crítica.

1.

«Igreja, túmulo de Deus?»

O autor se volta contra a Igreja Católica visível, institu cionalizada, isto é, dotada de organizagáo jurídica e adminis trativa. .. Julga que, a partir do século IV (período do Im perador Constantino), Ela se desviou da sua linha primitiva incutida por Cristo: aceitou favores do Monarca terrestre, assumiu posigóes de autosuficiencia e prestigio neste mundo; assim, diz Adolfs, teve origem o Estado Pontificio, que tornou o Papa semelhante aos senhores politicos; assim também se originaram legislagáo e disciplina rígidas, que equipararam a Igreja a sociedades prepotentes déste mundo; o celibato do clero... e, por fim, o espirito conservador, inepto para reconhecer as mudanzas dos tempos. Ora, entramos mima fase de «rapidacáo» ou aceleragáo da historia, que exige ruptura imediata e drástica com o passado, a fim de que a Igreja possa sobreviver. O autor julga que o Catolicismo, rígido como é, se

alheou ao homem moderno; mesmo nos cristáos nota-se indi-

ferenca frente aos valores própriamente religiosos: Deus, a oracao, a ordem sobrenatural.

Em conseqüéncia, Adolfs apregoa sua solugáo: a Igreja deve despojar-se..., despojar-se de todos os recursos que lhe granjeiam prestigio ou vantagens ueste mundo; deve reproduzir em si a figura do «Servo de Javé», que pela sua aniquilacáo e o seu sofrimento redimiu o mundo; esta aniquilacáo, o autor a chama kénosis (esvaziamento, em grego). Em sua

kénosis, a Igreja, pobre e perseguida, continuaría melhor a missáo do Salvador, julga Adolfs, apelando para textos bíbli cos como Is 53; Flp 2,6-11; Jo 13,12-17; Le 20, 46s; Mt 23, 11 (textos em que a figura de Cristo, servo ou servidor, é muito recomendada e incutida). O Papa deveria abandonar o Vaticano para estabelecer residencia em urna casa simples da cidade de Roma; a igreja de Sao Pedro «talvez pudesse ser transformada em museu» (p. 125); o clero deveria renun— 214 —

sIGREJA, TÚMULO DE DEUS?»

27

ciar ao celibato e assumir profissáo civil, pois «o ocupante de um cargo nao se distingue de forma alguma dos outros membros da comunidade da Igreja, no que diz respeito á sua

aparéncia externa e ao seu padráo de vida» (p. 135). As mulheres assumiriam postos e fungóes na Igreja... O Direito Canónico haveria de ser diluido de modo a deixar mais lugar ao amor e las suas normas dentro da Igreja. Caso tais refor mas de estrutura e de mentalidade nao se déem, prevé Adolfe

o fim da Igreja e, com ela, o fim do Cristianismo; a Igreja tornar-se-ia o túmulo de Deus. O autor, porém, pretende ser otimista, exprimindo a esperanca de que a grande guiñada se dará na Igreja.

Estes tragos já sao suficientes para proporcionar-nos urna nocáo do que seja o pensamento de Adolfs no seu livro »Igreja, túmulo de Deus?» Inegávelmente a obra tem forte poder su gestivo, de modo a deixar dúvidas em nao poucos de seus leitores. Por isto ela pede, de nossa parte, urna reflexáo serena. Estudaremos, a seguir, os principáis pontos que Robert Adolfs desejaría ver reformados no atual panorama da Igreja.

2.

O Estado Pontificio

O fato de que o Papa (o bispo de Roma, sucessor de Pedro, a qüem cabe jurídigáo sobre a Igreja inteira) tenha autonomía territorial, é, por vézes, entendido como resultado de prepo tencia e ambicáo dos Papas. Estes teriam desviado sua missáo meramente espiritual para o plano temporal e político. Veja mos se, de fato, assim se deram as coisas.

1. Sabe-se que até 313 (edito de Miláo promulgado pelo Imperador Constantino) a Igreja ft»l duramente perseguida; o

nome mesmo de «cristáo» era infame e condenado. Em 313, porém, foi legalmente reconhecida a existencia dos cristábs no

Imperio Romano. Daí por diante grande número de pagaos (romanos e bárbaros) foi-se convertendo ao Evangelho.

Em 330 Constantino transferiu a capital do Imperio para o Oriente, fixando-a em Bizáncio ou Constantinopla. Roma ficou entregue a um conselho que tinha o nome de «Senado», e a funcionarios encarregados de julgar as causas judiciárias e cobrar os impostos. O Imperador passou a desinteressar-se de Roma e do bem-estar da populagáo do Ocidente. As incursóes dos bárbaros na península itálica tornavam as con-

digóes de vida cada vez mais precarias e dolorosas. Em tais — 215 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 3

circunstancias, urna figura foi ganhando cada vez mais espon tánea veneracjio: a do bispo de Roma. A populagáo crista na península itálica néle vía o pai comum, em quem depositava confianza. Correspondendo a éste afeto filial, os Pontífices de Roma roram-se tomando os tutores do bem público nao sómente no plano espiritual, mas também no temporal e social; administravam a justiga e faziam as vézes de «defensor civitatís» (defensor da cidade). Assim em 452 o Papa Sao Leáo Magno dirigiu-se ao encontró de Atila e do exército huno, que estava para devastar Roma e a Italia Meridional, conseguindo deté-los em Mantua. Em 554, o Imperador bizantino Justiniano ampliou a jurisdicao temporal do bispo de Roma, reconhecendo-lhe o direito de proteger o povo contra as exigencias dos soldados, os vexames impostos pelo fisco e as prevaricagóes dos juizes.

Aconteceu também que nos sáculos V-VII muitos fiéis cristáos, nobres e príncipes, ao entrar no mosteiro ou ao

morrer, davam seus bens ao Papa, em sinal de estima e piedade filial. Assim foi-se constituindo o chamado «Patrimonio de Sao Pedro» na península itálica e ñas ilhas adjacentes da Sardenha e da Sicilia. Essas térras faziam que o Sumo Pon

tífice tivesse urna posic.áa de certa independencia frente ao Imperador bizantino; grande número de cidadáos e camponeses viviam e trabalhavam nos territorios papáis, usufruindo da ordem e do bem-estar que o regime imperial nao proporcionava aos ocidentais; a agricultura, a industria, o comercio, as letras

e as artes estavam em decadencia na medida em que depen-

diam de Bizáncio; era a administraeáo pontificia que promovía a prosperidade das populac.óes itálicas.

«A Igreja de Roma... foi a grande provedora, que fez Roma viver. Sob o Aventino, ao longo do Tibre, ela tinha seus celeiros; na falta de trigo imperial, a populacao se nutria do trigo do Pontífice... A residencia do LatrSo se tornara o centro de vasta organizacáo de caridade... Urna estreita solidariedade, fortalecida e explicitada pela experiencia de varias geracaes, unia os interésses da Santa Sé e os dos Romanos. Estes queriam o bem do Papa, que éles considerayam como o seu próprio bem, porque os bens do Papa, em última analise, eram os déles. Durante quatro séculos, Roma foi defendida contra a miseria pelas propriedades do Apostólo, assim como f&ra defendida

contra os bárbaros pela pessoa do Apostólo. O Imperador estava longe

e parecía surdo; o exarca (seu representante em Ravena) estava perto, mas mostrava-se incapaz; o Papa aoarecia como o servidor, presente

e eficaz, das necesidades públicas. Ora tal é precisamente a defimcao

que o Cristianismo dá do Soberano. Tenhamos sempre presentes estes dados fecundos, sem os quais nao poderiamos explicar a historia ulte rior» (Goyau, Pératé, Fabre, «Le Vatican. La Papauté et la civilisation». Paris a, pp. 29s. 32s).

— 216 —

«IGREJA, TÜMULO DE DEUS?>

2.

29

No sáculo VIII os acontecimentos se precipitaram.

O Papa se viu cercado por duas potencias hostis:

no Oriente, os bizantinos favoreciam as heresias (a respeito de Cristo e do culto das imagens); subtraiam territorios á jurisdicáo eclesiástica do Papa;

no norte da Italia, os lombardos pagaos ou arianos (heré ticos) ameacavam constantemente saquear Roma e os terri torios meridionais, constituindo um perigo nao somente civil, mas também religioso. Nessas condigóes, os Papas se lembraram de recorrer ao auxilio de um dos novos povos do cenário europeu: os francos, que, desde o batismo do seu rei Clodoveu em 496, constituían) urna nagáo crista de crescente valor cultural. Em 732, seu mordomo, Carlos Martelo, tinha afastado o perigo muculmano,

vencendo os árabes em Poitiers. Os francos eram fiéis á reta fé e possuiam energías novas, enquanto Bizáncio já significava

um mundo velfoo, vítima tanto das sutilezas de seu genio («bizantinismo» na arte, na filosofía, na teología...) como

dos exércitos estrangeiros (principalmente dos persas); o verdadeiro esteio da civilizagáo crista já nao estava no Oriente

(onde os Imperadores freqüentemente davam apoio á heresia), mas no Ocidente, em particular no reino dos francos, onde a

fé era empreendedora. Foi a consciéncia disto que levou os Papas a apelar para os francos, a fim de garantir a ordem de coisas crista no Ocidente.

Por conseguinte, ameagado pelos lombardos, o Papa Estév&o II dirigiu-se ao mordomo dos francos, Pepino o Breve. Éste atendeu-o em 756, vencendo os lombardos e confirmando o Papa na posse do Patrimonio de Sao Pedro. Estava assim fundado o Estado Pontificio, independente de Bizáncio. Oficializava-se urna situagáo que de fato já existía; o Papa já exerda as fungóes de Soberano no Patrimonio de Sao Pedro, sem possuir o título respectivo.

Vé-se que a origem do Estado Pontificio se deve á piedade

dos fiéis cristáos e ao desenrolar dos acontecimentos a partir

do sáculo IV. Exercendo o papel de pastor e tutor dos homens num mundo entregue a anarquía, o Papa cumpriu a, sua missáo e viu-se, sem que o tivesse premeditado, á frente de vasto territorio civil. Somente se se desinteressasse da sorte de seus concidadáos, frustrando a expectativa déstes e furtando-se ao

cumplimento do dever, é que o Papa tena escapado á contin gencia de vir a ser chefe de govérno temporal. — 217 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 125/1970, gu. 3

3. O Estado Pontificio assim constituido perdurou até 1870, quando cedeu á unificagáo da península itálica. Todavía, mesmo depois de haver perdido sua autonomía territorial, os Pontífices insistiram em reavé-la, até que finalmente ela foi restaurada em 1929 mediante o Tratado do Latráo (que deu existencia á minúscula Cidade do Vaticano). É muito interes-

sante considerar o discurso oom que o Papa Pió XI, logo depois de assinar tal tratado, justificou a tenacidade da Igreja na reivindicacáo de sua soberanía territorial. Eis alguns dos prin cipáis traeos désse documento: «Podemos dizer que nao há urna linha, urna expressáo do tratado (do Latráo) que nao tenham sido, ao menos durante uns trinta meses,

objeto particular de nossos estudos, de nossas meditantes e, mais ainda, de nossas oraches, oragOes que pedimos outrossim a grande nú mero de almas santas e mais amadas por Deus.

...

Alguns talvez achem

exiguo demais o territorio temporal.

Podemos responder, sem entrar em pormenores e precisSes pouco oportunas, que é realmente pouco, muito pouco; íoi deliberadamente

que pedimos o menos possivel nessa materia, depois de ter refletido,

meditado e orado bastante. E isso, por varios motivos, que nos parecem válidos e serios.

... Quisemos demonstrar de modo peremptório que especie nenhuma de ambicáo terrestre inspira o Vigário de Jesús Cristo, mas únicamente a consciéncia de que nao é possivel nao pedir, pois urna certa soberanía territorial é a condigno universalmente reconhecida como indispensável a todo auténtico poder de jurisdicao.

Por conseguinte, um minimo de territorio que baste para o exer-

cicio da Jurisdicao, o territorio sem o qual esta nao poderia sub sistir... Parece-nos, em suma, ver as coisas tais como elas se realizavam na pessoa de Sao Francisco: éste tinha apenas o corpo estrltamente necessário para poder deter a alma unida a si. O mesmo se

deu con» outros santos: seu corpo estava reduzido ao estrito necessá rio para servir á alma, para continuar a vida humana e, com a vida, sua atividade benfazeja. Tornar-se-á claro a todos, esperamo-lo, que o Sumo Pontífice nao possui como territorio material senSo o que Ihe é indispensável para o exercício de um poder espiritual coníiado a homens em provelto de homens. Nao hesitamos em dizer>que Nos comprazemos neste estado

de

coisas; comprazemc-Nos

por ver

o

dominio material reduzido a limites tao restritos que... os homens o devem considerar como que espiritualizado pela missáo espiritual imensa, sublime e realmente divina que ele é destinado a sustentar e favorece» («L'Osservatore Romano», 13/2/1929).

Entendem-se bem as palavras de Pió XI. A autoridade do Pontífice se exerce nao sobre os corpos, mas sobre as almas; ela tem alcance extraordinario. O homens que compreendem o que essa autoridade significa, nao podem deixar de desejar que tanto poder nao sofra influencia de alguma fórca estranha, nao se torne joguéte ñas máos de soberanos políticos. — 218 —

cIGREJA, TOMULO DE DEUS?»

31

Por isto cedo ou tarde havia de aflorar á consciéncia dos cristáos a idéia de que o govérno e o Chefe Supremo visível

da Igreja devem ser independentes de qualquer soberano polí tico e nacional; devem ser táo livres quanto qualquer govérno déste mundo. Em caso contrario, estaría frustrada

a sua

missáo.

Esta última conclusáo, a historia se encarregou de a comprovar. Com efeito, nao faltaram no decurso dos séculos ten tativas das autoridades civis que visavam submeter o soberano Pontífice á jurisdieáo do monarca de tal ou tal país (que ótimo jógo nao seria utilizar a autoridade moral dos Papas em favor

de interésses nacionais!). Quando o conseguiram, a tarefa reli

giosa da Igreja se viu enormemente prejudicada. Foi o que se deu, por exemplo, durante o chamado «Exilio de Avinháo»: de 1309 a 1376, os monarcas franceses obtiveram que os Papas residissem em Avinháo (Franca), onde, carecencto de soberanía temporal, ficaram sujeitos á influencia do govérno civil. Nesse período, os Pontífices foram perdendo parte da sua autoridade

perante a opiniáo pública internacional; os cristáos de fé (o rei Carlos IV da Alemanha, o poeta Petrarca, S. Brígida, nobre

viúva sueca, S. Catarina de Sena) se alarmavam, percebendo

que, se a situagáo se prolongasse por muito tempo, o Papado

deixaria de ter o prestigio sobrenatural e católico (universal) que deve ter. Basta recordar que o Pontífice Joáo XXII (1316-1334) entrou em conflito com o rei Luís IV da Baviera, ani mado de pretensóes cesaropapistas; excomungado pelo Papa, o monarca respondeu que Joáo XXII servia aos interésses dos Valois de Franca; por isto nao hesitou em criar um antipapa (Nicolau V), alegando que a Franca tinha «seu» Papa. A historia refere também que o Imperador Frederico n

da Prússia, acentuadamente antipapista, escrevia a seu amigo Voltaire: «Quando o poder civil dos Papas tiver caldo, entüo seremos vitoriosos e a cortina caira. Daremos urna vultosa pensáo ao Santo Padre. Mas ent&o que acontecerá? A Franca, a Espanha, a Polonia, numa palavra, todas as potencias católicas, deixarao de reconhecer o Vigário de Jesús Cristo subordinado á m&o imperial. Entüo cada soberano criará um Patriarca em sua patria... Aos poucos, cada soberano se afastará da unidade da Igreja, e acabarao por ter em seu reino a

sua religiao orópria como a sua llngua própria» (carta datada de 9 de iulho de 1777, citada por G. Glez, «Pouvolr temporel du Pape», em «Dlctionnaire de Théologie Catholique» XH, 1, 2687).

A luz de tais elementos fomecidos pelo estudo da historia, verifica-se que a soberanía ou autonomia territorial dos Papas, — 219 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, gu. 3

longe de significar desvio da missáo da Igreja, é a expressáo de um designio da Providencia Divina. Vem a ser tambán condigáo para o livre exercício da tarefa imposta por Cristo ao seu representante na térra. Abolir tal autonomía equivaleria a contradizer á ligáo dos sáculos e nao correspondería á obra de renovagáo, mas, sim, de destruigáo da S. Igreja.

2.

Missáo e meios humanos

Ampliando agora o nosso horizonte, devemos observar o seguinte: 1)

Pobreza na Igreja

Posta neste mundo, no qual ela tem de exercer a sua missáo, a Igreja nao pode dispensar os recursos humanos... Deus quer justamente servir-se das criaturas para realizar a sua obra; quer também que os arautos do Reino utilizem para a maior gloria do Senhor todos os meios honestos. Á luz do plano do Criador, que se vai desdobrando através dos sáculos, pode-se dizer que tentaría a Deus o cristáo que quisesse re nunciar aos honestos instrumentos de agáo que a cultura póe ao seu dispor. Contradiría a urna lei estabelecida pelo próprio Deus, que fez o homem um ser psicossomático, ou seja, urna

criatura que só se realiza em todas as suas flimensóes servindo-se do corpo e dos instrumentos corpóreos.

Verdade é que Cristo se aniquilou, como diz o Apostólo, para remir os homens, feito servo até a morte de cruz (cf. Flp 2, 6-8); Ele renunciou voluntariamente aos recursos da pru dencia humana. — Segue-se daí que a Igreja, como tal, deva

também renunciar a todos os meros humanos de acáo neste

mundo?

— Nao. Á Igreja compete

imitar o despojamento e a

«imprudencia» de Cristo pregando a mensagem do Evangelho (que é loucura e escándalo; cf. 1 Cor 1,23) até as últimas conseqüéncias, arriscando-se ao martirio, como nos primeiros sáculos. Enquanto fór fiel arauto da cruz por sua pregagáo e sua vida, a Igreja será sempre pobre frente a éste mundo.

Tal pobreza, porém, nao a impede de recorrer aos instrumentos

normáis de pregagáo e missáo neste mundo. A Igreja nao recebeu de Cristo a revelagáo de que o Pai a sustentaría e promovería milagrosamente, sem os recursos da sabedoria humana. — 220 —

«IGREJA. TÚMULO DE DEUS?» Deve-se,

sem

dúvida, reconhecer

que,

no

33

decorrer dos tempos,

Deus houve por bem suscitar na sua Igreja figuras de santos despo

jados de todos os recursos humanos, os quais, apesar (ou mesmo através) do seu desnudamente, marcaram a sua época; tais íoram os eremitas do deserto, nos séculos IV/V; Sao Bento de Aniane, que, filho de um conde visigodo, se fez mendigo (t 821); Sao Francisco de

Assis

(tl226), S. Clara

(tl253), Sao Caetano de Tiene

(tl547).

Todavía essas figuras sao esporádicas; os seus discípulos nao conseguiram dispensar os recursos humanos. A experiencia ensina que o Senhor nao quer tornar cotidiano tal tipo de carisma ou heroismo.

Por isto é que a Igreja nao se poderia desnudar dos ins trumentos que a técnica e a civilizagáo de nossos días propor-

cionam a quem deseja trabalhar eficazmente. Seria impossível difundir o Evangelho neste mundo e levar todos os homens ■as fontes da vida etema se os obreiros do Evangelho nao tivessem sua organizacáo, seus estatutos e os veículos ou meios de difusáo mais modernos.

Nota com acertó Jacques Maritain: «Seria hipocrisia negar que o apostolado e as obras espirituais precisam de dinheiro, como o homem precisa de alimentos. É necessário muito dinheiro para as missóes, para as escolas, para as obras. Mas o dinheiro pode ser empregado á maneira de um meló temporal pobre (gastamo-lo entáo para comprar aquilo de que necessltamos)...

Com a simplicidade própria dos santos, o bem-aventurado Cottolengo atesta a que ponto o dinheiro, mesmo quando afluí em abundancia,

pode ficar sendo um meio de pobreza> («Religión et Culture». París 1930, p. 77).

S. Tomás de Aquino, por sua vez, observa que a mais

auténtica pobreza religiosa (abracada por amor a Cristo) nao é necessáriamente a pobreza mais indigente ou a pobreza dos que nada tém. A mais auténtica pobreza é a dos homens que

sao mais livres ou desapegados dos bens materiais, de modo

que utilizam os recursos financeiros como instrumentos ou

meios para conseguir a grandeza natural e sobrenatural do próprio homem. Assim recusam fazer da riqueza urna finali-

dade ou algo que deva existir por si mesmo ou em vista de prestigio e ostentado; cf. Suma Teológica II/n, qu. 188, a.7. A Igreja de Cristo deve cultivar ésse tipo de pobreza, que

é liberdade, nao, porém, a pobreza que seja indigencia ou total despojamento (kénosis). Verdade é que tal programa nao é

fácil; o sentido da pobreza evangélica pode ser ofuscado na Igreja pelas vicissitudes dos tempos. Todavía, a fim de o res

taurar, Deus suscita regularmente grandes homens ou movimentos (santos, assembléias, concilios), que reavivam a autén tica consciéncia da pobreza. — 221 —

34

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 3

2)

Leí e Amor

O fato de que a Igreja existe neste mundo concreto, ex plica também que Ela nao possa viver apenas de amor e das belas inspiracóes que éste sugere aos homens. O amor dos homens peregrinos nesta térra está sujeito a deficiencias; mesmo os cristáos sentem dentro de si egoísmo e amor próprio, que desvirtuam o genuino amor Por isto o amor precisa de ser orientado por normas objetivas que sao as leis; estas, longe

de sufocar o amor, visam fomentar o seu auténtico de-

senvolvimento; devem ser concebidas nao como entraves, mas, sim, como roteiro e estímulo ao amor cada vez mais livre e nobre. Compreende-se entáo que a Igreja tenha sua legislacáo ou seu Código de Direito Canónico. Nao o poderia ab-rogar, porque os cristáos aínda nao chegaram á plenitude da Redengáo nem á patria definitiva; sao constantemente ameacados pelo falso amor.

Naturalmente, é mister que o cultivo da lei e do espirito

jurídico nao redunde em juridismo; requer-se que a lei fique sendo, na Igreja, instrumento, e nao fim; que ela seja periódi

camente revisada, a fim de corresponder sadiamente á realidade em que os cristáos se véem colocados.

3.

Conclusóo

O livro de Robert Adolfs nao é senáo mais um na serie dos que propugnam urna Igreja «espiritualizada» ou desinsti tucionalizada, meramente carismática. Éste conceito já seduziu

os cataros, os valdenses e outros Reformadores tanto da Idade Media como dos tempos modernos. Todavía nao sómente a teología, mas também a historia, como vimos, oferecem a melhor resposta a tal tese: o misterio da Encarnacáo, que é o misterio central do Cristianismo, faz que a Igreja de Cristo deva ser urna Igreja encarnada, visível, que possua tanto o

tesouro transcendente da vida divina quanto as dimensóes palpáveis da materia humana; sem organizacáo sabiamente planejada, vá ficaria a missáo da Esposa de Cristo. É utili zando a materia que a Igreja faz que éste mundo e os homens déem gloria ao Criador. A obra de Adolfs, porém, pode ser entendida sob certo

aspecto como chamada de atencáo para os perigos da instala— 222 —

«IGREJA, TÚMULO DE DEUS?»

35

gao, do naturalismo e da prepotencia, que ameacam o Cato licismo no trato com as realidades déste mundo. Nos últimos tempos os pastores da Igreja tém feito o possível para evitar o que se chama «triunfalismo» e a apa-

réncia de auto-satisfacáo, que poderiam prejudicar a Igreja. Tenham-se em vista as palavras de Paulo VI dirigidas aos governantes do mundo, por ocasiáo do encerramento do Con cilio do Vaticano H (8/XH/1965): «Que vos tudes de toda Que vos pede de crer e de

pede a Igreja, depois de quase dols mil anos de vicisslsorte, ñas suas relacSes convosco, os Poderes da térra? a Igreja hoje?... Ela só vos pede a liberdade: liberdade pregar a sua íé, liberdade de amar e servir seu Deus, liberdade de viver e de levar aos homens sua mensagem de vida. Nao temáis. Ela é segundo a imagem de seu Mestre, cuja acáo misteriosa nao avanca sobre vossas prerrogativas, mas cura a humanidade lnteira da sua caducidade fatal, a transfigura, enche de esperanga, ver-

dade e beleza... A nos, humildes ministros de Cristo, deixai espalhar por toda a parte a Boa-Nova do Evangelho da paz que meditamos durante o Concilio. Vossos povos serao os primeiros beneficiados, porque a Igreja forma, para vos, cidadáos leáis, amigos da paz social e do progresso».

Para encerrar quanto foi dito até aqui, segue-se trecho de urna Carta Pastoral coletiva do episcopado chileno, que projeta luzes sobre o misterio da Igreja: «Dada a estreita vinculagáo existente entre o Cristianismo e a Igreja, lamentamos que se desinteressem, se alheiem e mesmo se oponham á Igreja muitos daqueles que pretendem, nao obstante, con tinuar fiéis aos grandes valores que éles conheceram no Cristianismo. É Impossivel um Cristianismo sem Igreja, sem a comunidade concreta que vive da Palavra e da Eucaristía, sem Pedro e os Apostólos, sem

o amor efetlvo em virtude do qual lutamos contra a injustiga e a opres-

sao, máxime, porém, contra nosso próprio pecado, egoísmo e soberba. Um Cristianismo sem Igreja seria mera ideología humano. Nao nos

deixemos seduzir por aqueles que nos chamam a nos unir a éles na

tarefa de libertar o homem por caminhos que passam pelo odio, o ateísmo e a redugáo do Cristianismo a mera ideología ou alienacSo. Somos nos que devemos viver com firmeza e lucidez a nossa fé no porvir absoluto do amor atestado pela comunidade eclesial á qual pertencemos, e desalienar assim aqueles que esperam outro Messias. A Igreja nao vive de urna fácil adaptacáo aos gostos e ideáis da época, por mais nobres que sejam, mas, sim, de sua fidelldade a Cristo: «Eu sou a videira, vos sois os Tamos..., sem Mim nada podéis

fazer» (texto publicado na revista argentina «Criterio XLII, 23/10/69,

p. 737).

— 223 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 4

IV. 4)

DATA

IMPORTANTE

«O ano de 1970 é o ano internacional da educacao.

Que significa isto para os homens de hoje?» Em resumo: A ONU declarou o ano de 1970 «Ano Internacional da Educacao», visando com isto despertar as consciéncias das socie dades e dos individuos para os grandes problemas da educacáo em nossos dias. Além do grande número de analfabetos ainda existentes, nota-se que a escola nem sempre preenche sua finalidade, ora por carecer das verbas adequadas, ora por nao seguir programas adapta dos á realidade contemporánea em que estáo imersos os alunos. Preconiza-se, pois, nova fisionomía da escola: escola mais articulada com os interésses da sociedade, mais animada de espirito comunitario e humano, mais dotado de instalacOes técnicas, áudio-visuais, etc., também escola interessada na formacao ética e humana de seus alunos.

Fomente-se e organize-se melhor, no mundo inteiro, a educacáo extra-escolar (radio, TV, cinema, cursos avulsos...), que representa hoje em dia urna fórca de grande alcance, á qual sao devedores tanto os adultos como os jovens. Enfim tenha-se consciéncia de que educacáo é tarefa permanente

(tema dominante do programa do Ano internacional da Educacáo). A educacáo da pessoa humana nao pode cessar com a idade escolar, mas cada cidadáo deve procurar aprender e atualizar-se constante mente a fim de poder ocupar eficazmente o seu posto na sociedade.

Resposta: Aos 17 de dezembro de 1968, a Assembléia Geral das Nagóes Unidas declarou que o ano de 1970 seria o «Ano Internacional da Educagáo».

«Educacáo», na fórmula ácima, deve ser tomada no seu

sentido mais ampio. Inclui todas as atividades destinadas a

dar ao individuo a ocasiáo de aprender. Tem em mira também todos os tipos de formagáo humana — a científica, a técnica, a humanista, como também a formacao moral e psicológica; visa, pois, a formagáo integral da personalidade humana.

O motivo da decisáo da ONU é, de um lado, a gravidade dos problemas que se prendem a educagáo hoje em dia (os

alunos contestam em diversos países o sistema de educagáo e ensino que recebem), e, de outro lado, a insuficiente compreensáo da opiniáo pública para com tais questñes. O programa do Ano da Educagáo aponta doze setores de atividades a serem

desenvolvidas. Em conseqüéncia, espera-se que o Ano da EducagSo desperté em todos os homens e, de modo especial, ñas entidades educadoras, tanto governamentais como particulares, — 224 —

ANO DA EDUCACAO

37

urna consciéncia mais viva da moderna críse da educagáo e a aplicagáo mais eficaz dos meios aptos para resolvé-la. Abaixo veremos alguns dos grandes temas que a UNESCO (departamento da ONU destinado a tratar dos assuntos ati nentes la educagáo) aponta á reflexáo dos homens neste ano de 1970.

1.

Educase» permanente

O tema dominante do programa do Ano da Educagáo é a

chamada «educagáo permanente».

Que se entende por tal expressáo?

— Outrora podiam-se distinguir na vida de um cidadáo dois periodos sucessivos: o primeiro — escolar — durante o qiral se adquiriam nogoes científicas e certa formagáo moral; terminava com a consecucáo de um diploma. No subseqüente período de vida — pós-escolar — o cidadáo, comprometido em um ramo profissional, utilizava os conhecimentos adquiridos na escola, sem ter que se preocupar com o ampliamente e a complementagáo dos mesmos.

Em nossos dias, porém, a educagáo se impóe como exi gencia continua da condiejio do cidadáo; ela acompanha o arco da vida humana; é «urna orientagáo e urna dimensáo da vida inteira», diz Rene Maheu, Diretor Geral da UNESCO. Outrora havia, sim, pessoas que, movidas pela sede de saber e compreender, faziam progressos intelectuais e moráis no decorrer de t6da a sua vida. O que há de novo hoje em dia, é que se compreende que tal atitude deve ser a de todos os homens, e nao apenas a de urna élite. Assim a educacáo já nao será urna atividade que comeca aos cinco, seis anos para cessar com o recebimento dos últimos certi ficados, mas é processo que dura tanto quanto a vida da pessoa.

A escola, como instituigáo ou estabelecimento, hoje em dia constituí um período importante para a educacáo, período do tado de suas características particulares; todavía ela já nao basta; a sua fungáo tem que ser vista dentro de um plano de educagáo total (que compreende também a educacáo extra-escolar). Daí falar-se de educaba© permanente do ser humano.

Esta expressáo implica urna transformagáo notável do conceito de educacáo.

Vé-se assim que a educagáo nao é urna via de acesso a sociedade, mas está no centro da sociedade; ela nao é urna preparagáo para a vida, mas urna parte da vida. Temos que nos

— 225 —



tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 4

educar e reeducar constantemente; temos que abrir os olhos continuamente para a realidade que nos cerca; temos que saber colocar os principios antigos dentro de moldes novos e assim contribuir para amainar ou resolver o confuto das geragóes. Mais: a educacáo fundamental recebida nos anos de infan cia e adolescencia já nao poderá ser simplesmente um processo de aquisicáo de conhecimentos, mas deverá procurar desenvol

ver as facilidades de concentragáo e observacáo do discípulo; deverá comunicar-lhe a aptidáo para trabalhar em equipe; em suma: deverá ensiná-lo, a aprender.

Vamos agora deter-nos sucessivamente sobre a educacáo escolar e a educacáo extra-escolar, que integram a educacáo permanente.

2.

A escola tioje em día

Certamente um dos graves flagelos da humanidade con temporánea é o analfabetismo ou o primitivismo cultural, prin

cipalmente nos países do Terceiro Mundo. Em conseqüéncia, as

nagóes em via de desenvolvimento exerceram esforcos notáveis nos últimüs anos em prol da sua rede escolar — o que redundou em notável aumento da escolarizagáo.

Notem-se os seguintes dados (colhidos até 1965, ano após o qual o aumento aínda se acelerou): l

A"o passo que o crescimento anual da populacáo em idade escolar (entre os cinco e quatorze anos) ia de 2 a 4%, a quota de crescimento anual dos estabelecimentos escolares do 1» ciclo foi a seguinte:

na América Latina, 6%, na Asia Meridional, 6%, na África, 8%. No 2* ciclo, o aumento foi mais elevado aínda: na América Latina, 10%, na Asia Meridional, 7,5%, na África, 11%.

1 As íontes destas informagdes sao o Anuario Estatlstico da UNESCO 1967 e a obra de Ph. Coombs: «La crisi dell'educazione nel mondo» (Roma 1968).

_ 226 —

ANO DA EDUCACAO

39

No mundo inteiro, a parür de 1950, as sedes escolares (de 1» ciclo, 2* ciclo e ensino superior) duplicaram-se em media, sendo que ñas regióes subdesenvolvidas o crescimento chegou mesnfo ao triplo.

Entre 1950 e 1963, a escolarizagáo (ou seja, a matrícula em escola) cresceu, para o 1* ciclo, no Brasil, de 28 a 46%, no Camerum, de 25 a 74%, na Tunísia, de 1 a 61%,

na Indonesia, de 29 a 45%. No 2? ciclo, registraram-se os seguintes dados: Brasil, de 10 a 26%, Camerum, de 0,7 a 14%, Tunísia, de 9 a 25%, Indonesia, de 7 a 17%.

Apesar de tais resultados positivos, é ainda muito elevado o número de enancas em idade escolar que carecem de alfabetizacáo.

Eis ainda outros problemas da escola que pedem atengáo das autoridades públicas e das entidades particulares : 1)

A expansáo da rede escolar exige do Estado novas e

novas despesas a fim de que o ensino ministrado corresponda as justas aspiragóes dos educadores e educandos. A conservagáo e o funcionamento de urna rede escolar impóem penosos encar

gos fínanceiros. Ora veriflea-se que a falta de recursos materiais nos estabelecimentos de ensino torna exiguo e decepcio nante o rendimento da educagáo em nao poucos países.

2) Sao numerosas as desistencias de alunos que váo aban donando a escola antes de terminar os estudos. Nos países em vía de desenvolvimento, nao é raro que mais da metade dos alunos nao conclua sequer o primeiro ciclo; deixam as aulas

com nogóes insuficientes, tornando-se entáo adultos pouco mais do que alfabetizados.

3) Militas vézes aqueles que passam pela escola, adquirindo

certa cultura (ainda que assaz limitada), concebem o interésse por atividades de escritorio e administragáo. Em conse-

qüéncia, nao poucos jovens escolarizados abandonam a vida

rural e se transferem para as cidades, onde aspiram a empregos mais intelectuais e menos manuais do que os do campo. — 227 —

40

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 125/1970, qu. 4

Déste processo resulta detrimento para a industria agrícola e a prosperidade nacional.

Inegávelmente, a vida das cidades, com suas possibilidades

(aparentes ou reais) de estudos superiores e carreira, atrai mais e mais as populacóes rurais. A solucio do proble/na foi

esbogada pela ONU: um dos objetivos concretos do Ano Inter nacional da Educacáo é «a adaptagáo do ensino geral e técnico as necessidades do mundo contemporáneo, principalmente ñas zimas rurais». A escola em regióes agrícolas deverá procurar

habilitar o jovem a encontrar a sua auto-realizacáo no ambi

ente rural — o que será possível caso se fomegam recursos técnicos modernos aos lavradores do campo.

3.

A escola e sua fisionomía futura

A escola, além de ter que superar os problemas — ora mais, ora menos graves — que a afligem, está sofrendo a influ encia de fatóres da vida moderna, que Ihe váo modificando a estrutura e a fisionomía (isto nao significa declínio da escola, mas apenas adaptagáo da mesma a tempos novos). — Eis como os peritos concebem a escola do futuro :

1) Outrora a aprendizagem de nogóes e o cultivo da inte ligencia se faziam principalmente na escola. Em nossos dias, porém, o ensino e a cultura se transmitem também, e em escala apreciável, por meios extra-escolares (radio, televisáo, imprensa escrita...), meios cuja acáo se prolonga eficazmente por toda a existencia da pessoa. Esta nova situagáo acarreta nova fungáo para a escola : é preciso que ela fornega aos esco lares os subsidios (ou seja, os métodos, a disciplina, os grandes principios...) necessários para que possam assimilar, ordenar e julgar o que fórem adquirindo por via extra-escolar. Conseqüentemente, é preciso que o professor já nao se limite a comunicar nogóes científicas, mas se torne também um guia ou orientador dos seus discípulos. Embora assuma esta nova funcáo, a escola conserva seu

papel próprio e inalienável; é a ela que compete dar as grandes linhas da cultura científica e humanista, assim como despertar as inteligencias para ulteriores conquistas do saber. 2) Obligada a levar em conta os meios de educagao extra-

-escolar, assim como a rápida evolugáo da sociedade e da civilizagáo contemporáneas, a escola já nao poderá ser um mundo

fechado; deverá, antes, acompanhar os interésses, as neces— 228 —

ANO DA EDUCACAO

41

sidades e as aspiragóes da sociedade moderna, colaborando com a familia e com os varios setores da vida social (cultura, eco nomía, industria...).

3) O homem (também o jovem) de hoje aspira a partici

par das responsabilidades da comunidade; participagáo e co-responsabilidade sao dois elementos marcantes da vida mo

derna. Em conseqüéncia, a escola, cujas estruturas eram até agora assaz impessoais, deverá tornar-se mais e mais un»

comunidade educativa, em que o intercambio entre professor e aluno seja mais pessoal e profundo (o que nao quer dizer que a escola se transforme em parlamento ou república).

Esta exigencia influirá notavelmente no tipo de formagáo dos professóres; nao se limitaráo a adquirir títulos científicos, mas procuraráo dedicar-se ao seu mister com tino psicológico e predicados típicamente humanos, tendo em vista assim formar ou consolidar a comunidade escolar.

4) A educagáo escolar deverá tornar-se mais e mais atenta as características da personalidade de cada aluno e as condigóes de seu desenvolvimiento. Donde se segué a necessidade de um centro de orientagáo educacional ao longo dos sucessivos

currículos escolares; ésse centro tem por fungáo ajudar os jovens a se adaptar aos seus compromissos presentes e futuros

na sociedade. A orientagáo educacional é um dos pontos que

o temario do Ano Internacional da Educagáo recomenda enfá ticamente.

5) Quanto aos programas de ensino, o crescente volume de dados científicos em nossos días exige selegáo de materia,

de modo que se concebam programas assimiláveis e construtivos; estes procuraráo levar em conta o ambiente em que os

alunos estáo provávelmente destinados a desenvolver suas atividades profissionais.

O temario do Ano Internacional da Educagáo incluí entre os seus itens «a promogáo dos principios éticos na educagáo». Esta norma significa que nao se deve negligenciar a formagáo do aluno como ser humano. A escola nao cuida apenas de preparar técnicos e profissionais competentes, mas se interessa também por formar homens íntegros (um bom trabalhador

aínda nao é um homem bom; um operario capaz aínda nao é necessáriamente um homem reto; para tanto, requer-se for-

magáfi ética). De modo especial, a UNESCO exorta, neste Ano da Educagáo, a que se promova, muito mais do que até hoje, a educagáo para a vida civil, para a paz e a concordia interna cional. — 229 —

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970, qu. 4

6) Por último, preconiza-se o recurso as novas técnicas do ensmo, como sao os métodos áudio-visuais e o ensino pro gramado. Éste, utilizando a televisáo e a automacáo, facilita a tarefa do professor e multiplica o rendimento dos esforgos educacionais.

Reformulada segundo tais diretrizes, a escola se renovará em sentido positivo, preenchendo melhor a sua missáo nos dias atuais.

4.

A educando extra-escolar

Pode-se dizer que outrora a familia e a escola eram os grandes e quase exclusivos fatóres da educacáo. Hoje deve-se reconhecer a extraordinaria influencia dos meios extra-esco lares (radio, televisáo, imprensa escrita, cursos avulsos, paineis, excursóes culturáis, cinema, teatro...) na fbrmacáo do patri monio humano, humanístico e científico dos homens tanto das cidades como dos campos. Por isto o programa do Ano da Educacáo incluí entre os temas a ser particularmente consi derados o da educacáo extra-escolar. A conveniencia da educagáo extra-escolar planejada e sis temática se depreende de tres dados da vida moderna: — grande parte das populacóes em idade escolar ou nao chega a ter ou perde a oportunidade de freqüentar a escola;

— a formagáo escolar é, por vézes, deficiente; — há necessidade de atualizar constantemente conhecimentos e formacáo em nossos dias.

Ao passo que a educacáo escolar vem sendo mais e mais organizada em todos os paises do mundo, a educacáo extra-escolar carece de estatutos e articulagáo. Exercida por órgáos governamentais, sindicatos, empresas, universidades, associagóes culturáis, ela constitui urna realidade assaz complexa, de que nao há inventario exaustivo e satisfatório — o que torna

difícil avaliar seu funcionamento e suas genuínas tarefas. É, pois, para desejar que se proceda a um levantamento dos meios

de educacáo extra-escolar em cada nacáo a fim de os fomentar e articular de maneira orgánica com a escola. ^

A educagáo extra-escolar se dirige nao apenas a adultos. Principalmente nos paises em via de desenvolvimento, ela se des tina, em grande parte, a jovens que nao foram devidamente

escolarizados, ou por terem abandonado os estudos primarios ou por carecerem de habilitacáo profissional. — 230 —

ANO DA EDUCACAO

43

Apregoa-se insistentemente a colaboragáo entre as diversas entidades educacionais tanto no plano de cada nagáo como no nivel internacional. Tal colaboraoáo pode assumir diversas for mas : encontros e congressos de especialistas, envió de peritos as entidades governamentais e as diversas instituicóes educa doras; envió do professóres e técnicos dos países industrializados aos do Terceiro-Mundo; participacáo de mestres em realizagóes-

-pilóto (institutos técnicos, escolas especializadas, centros de

construcóes escolares...). Possam estes dados sumarios servir a despertar as consciéncias para os problemas da educacáo, cuja importancia é capital! E que o Ano da Educagáo se torne um passo a mais para a solugáo de tais questóes ! Estas consideracdes se baseiam no artigo de Fr. Russo S.J., «Anno Internazionale dell'educazioniN, em «La Civiltá Cattolica», qu. 2870 (17/1/1970), pp. 134-147.

Veja-se também «Informations UNESCO» n' 566. janvier (I), 1970, pp. 12-16.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

RESENIIA DE LIVROS O Cristao Secularizado, por Boaventura Kloppenburg. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 160 x 230 mm, 230 pp.

O conhecido mestre Frei Boaventura Kloppenburg acaba de editar

num só volume varios artigos seus publicados na REB sobre Deus, o

homem e o mundo. O titulo da obra talvez desconcerté alguns leitores,

pois as palavras «secularizacáo, secularizado» tém varios sentidos na bibliografía contemporánea. Na vcrdade, porém, «cristao secularizado», segundo o autor, significa o rristño engajado ñas tareías do mundo de hoje de acordó com as intcncóes do Concilio do Vaticano II e, em particular, da Const. «Gaudium et Spes». Frei Boaventura aborda com erudicao as questóes atinentes á secularizacáo (conceito que pode ser válido), ao secularismo e ao ateísmo; cxpde, com ampia documentacao, os pontos de vista dos «teólogos da morte de Deusa; desenvolve tam bém o conceito de dignidade da pessoa humana com seus direitos, máxime com os tipos de liberdade que lhe competem ío autor tenciona assim esbocar um humanismo cristáo); apresenta oportunas consideragóes bíblicas sobre o silencio e a Providencia de Deus.

Frei Boaventura Kloppenburg é profundo conhecedor da historia e dos ensinamentos do Vaticano II; tenta analisar com rigor minucioso o pensamento do Concilio; quem o ler, poderá sentir-se enriquecido em doutrina e doeumentacáo. Infelizmente, porém, o douto teólogo cede, por vézes, & critica excessiva; demora-se em sublinhar falhas da

— 231 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 125/1970

mentalidade dos antepassados, ás vézes de maneira nilateral — o que

insinúa um hiato artificial entre a Igreja dos tempos presentes e a

dos anteriores aos nossos. O livro lucraría se usasse linguagem mais serena. Será útil a quem o souber compreender.

Fsicanállse — a Mistiflcacao do Século, por Dr. Edward R. Pinckney e Cathey Pinckney; traducáo de Edith M. Natividade; prefaciado e revisto pelo Proí. Dr. A. C. Pacheco e Silva. — Editora Edigraf S. A., Sao Paulo 1970, 135x215 mm, 217 pp.

Esta obra vem a ser forte libelo contra Freud e a psicanálise. Os autores, norte-americanos, dizem-se credenciados por ter participado de numerosos congressos psicanalíticos e haver tido freqüentes conta

tos com profissionais e pacientes da psicanálise. Em conseqiiéncia,

acusam a esta de nao ser ciencia própriamente dita e de basear-se em

preconceitos filosóficos mais do que em experiencias. Impugnam deci didamente «a idéia aprioristica de que o sexo está na raiz dos distur bios de todas as pessoas,

sejam quais fórem as suas doencas; se

apanhamos gripe, nao foi um virus que a causou; é o nosso desejo

inconsciente de obter satisfacSo sexual pela atencao que habitualmente

se recebe quando doente. Se fraturamos um osso, nao foi descuido (de nossa parte ou de outrem), mas tentativa deliberada de autocastracáo.

Se sentimos dores no estómago, nao foi a comida que nos fez mal; antes, tais dores refletem nosso desejo de engravidar e dar á luz» (p. 31). — Em suma, nada restaría de válido na psicanálise após tal reprovacáo.

O livro de E. e C. Pinckney é impressionante pela franqueza de sua linguagem e pelo grande número de casos concretos que cita para comprovar sua crítica. Parece, porém, exagerar. Em sá apreciacáo,

devem-se distinguir a filosofía de Freud e da psicanálise ortodoxa

freudiana, de um lado, e a técnica ou os métodos utilizados pela psicanálise, de outro lado. A filosofía de Freud é nao sómente materialista, mas também pan-sexualista, reduzindo o ser humano á condicao de joguéte de instintos eróticos — o que é evidentemente falso, pois nem tudo no homem é libido ou eros; a psicanálise dissidente (C. Jung, Adler, Stekel...) recusa as concepcóes pan-sexualistas de Freud. Quanto ao método psicanálitico, tem-se comprovado útil, pois, ajudando o paciente a penetrar melhor em si, concorre para libertá-lo de comportamentos erróneos devidos a traumas e complexos.

Como quer que seja, o livro recenseado fornece interessante ma terial para a reflexSo dos estudiosos.

Perfil do futuro, por Arthur C. Clarke; tradugao de Alvaro Borges Vieira Pinto. Colecto «Presenca do Futuro»/4. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 160 x 230 mm, 257 pp.

O autor de «2001, Urna odisséia no espaco» volta a público com mais urna criacfio de futurologia. Baseando-se nos progressos vertiginossos da ciencia e da técnica recentes, Clarke prop5e panoramas gran

diosos do que poderá ser a vida da humanidade nos próximos cem anos. A leltura de tais capítulos, de estilo agradável e documentado, poderá empolgar o leitor. Deve-se, porém, notar que certas conceitos filosóficos professados pelo livro sao ambiguos; o autor prevé «na— 232 —

quinas cuja inteligencia superará a do homem», assim como quista da imortalidade para o homem por parte da ciencia. Em o livro é inspirado muito mais pelas ciencias empíricas e pela nacáo do que pela reflexáo filosófica, de sorte que em algutnas gens sugere concepcóes deficientes a respeito do ser humano.

a con suma, imagipassa-

O ocaso do Socialismo. A margem da «Populorimi Progressio», por Joáo Camillo de Oliveira Torres. — Editora Agir, Rio de Janeiro 1970, 160 x 230 mm, 287 pp.

O autor, memoro da Academia Mineira de Letras, conhecido por suas numerosas obras de historia, sociología e política, propugna que a problemática suposta pelo socialismo e o marxismo no século XIX

está em nossos dias superada; a questáo social deve ser reformulada. Para o afirmar, Joáo Camillo baseia-se cm tres fatos importantes de

nossa época:

a) a luta de classes está chegando ao fim. Continuam, sim, existindo as classes. Mas existem também sindicatos e as leis que reconhecem os direitos dos trabalhadores, visando garantir-lhes pleno emprego e seguranca social.

b) As empresas váo-se organizando de novo modo. Tende a acabar a figura do patráo individual. As empresas costumam ser sociedades anónimas, cujas acóes estáo ñas maos de muitos cidadáos; assim a propriedade capitalista é socializada. c) O problema social no mundo moderno nao reside tanto no fato de haver pobres e ricos individualmente, mas nacoes inteiras em niveis diferentes de desenvolvimento. A presenga de povos de desenvolvímentó diferente frente a frente provoca revolta nos subdesenvolvidos. E acontece um fato inquietante:

mestigos

latino-americanos,

negros

africanos, mongóis asiáticos, brancos morenos do Islam e da India iniciam a luta racial contra o branco, antlgo colonizador e atual detentor

dos

meios

de producao. Assim

a

crise

mundial

assume

novas

dimensóes.

Em conseqüéncia, verificase como é oportuna ou mesmo impe riosa a aplicagao dos principios enunciados pela encíclica «Populorum Progressio», sobre o desenvolvimento dos povos. «Desenvolvimento é o novo nome da paz», diz Paulo VI; todavía ésse desenvolvimento jamáis será auténtico se se ínteressar apenas pela promocao económica ou material do homem; requer-se um humanismo integral, que leve em conta também as aspiragóes transcendentais do ser humano ou o seu relacionamento com Deus.

O livro de J. C. de Oliveira Torres fornece, sem dúvida, ampia e

válida materia para a reflexáo que os tempos modernos impóem. E.B.

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Drogas, Mística e Juventude Purgatorio : existe ? Como ? «Eram

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