Ano Xxxiii - No. 364 - Setembro De 1992

  • Uploaded by: Apostolado Veritatis Splendor
  • 0
  • 0
  • April 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Ano Xxxiii - No. 364 - Setembro De 1992 as PDF for free.

More details

  • Words: 18,704
  • Pages: 54
P rojeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIINIE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)

APRESENTAQÁO

DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio

com

d.

Esteváo

Bettencourt

e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

responderemos (A

3

SUMARIO

<

Máe e Mestra

CA ni

,q

O fenómeno dos Novos Movimentos Religiosos

t-



Os Meios de Comunicacáo Social: Escola das Massas

_

Josefina Bakhita: a E sera va Glorificada

"""

Pierre Toussaint, ex-Escravo

2

Cristas Suecas e Beneditinas

UJ

UJ

-1

Livros em Estante

03

O ce o.

ANO XXXIII

SETEMBRO DE 1992

3 64

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

SETEMBRO 1992

Publicacao mensa!

N? 364

SUMARIO

Diretor-Responsável: Estéváo Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia

publicada neste periódico Oiretor-Administrador:

D. Hildebrando P Martins OSB

385

Muito comentado: O fenómeno dos Novos

Movimentos Religiosos

386

Fala a Santa Sé sobre:

Adminixtracao e distnbuicao:

Edicóes Lumen Chrisn

Dom Gerardo. 40 - 5? andar, s/501 Tel.:<021) 291 7122 Caixa Postal 2666 20001 - Rio de Janeiro - RJ

tmprossáo e Encadernacío

' 'MARQ(JES -SARAJVA''

GRÁFICOS E EDITORES S.A. Tets

Máe e Mestra

(021)273-9*98 -273-9**7

Os Meios de Comunicacáo Social: Escola das Massas. . .

398

Portentos da graga divina: Josefina Bakhita:

a Escrava Glorificada

410

Um santo filho do Haiti:

Pierre Toussaint, ex-Escravo . .

422

Do Luteranismo ao Catolicismo: Cristas Suecas e Beneditinas. .

425

Livros em Estante

427

NO PRÓXIMO NÚMERO: "A Igreja, Minha Máe" (H. de Lubac). - A Virgindade Perpetua de María. - Pecado original: que é? - Biblia e Homossexualismo. - O Santo Graal. - A "Obra dos Anjos". - O Tempo, Valor Básico.- As Financas da Santa Sé.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 números)de P.R.: CrS 30.000,00 - n-avulso ou atrasado CrS 3.000,00

Pagamento (á escolha) 1. VALE POSTAL á Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicóes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666- 20001 - Rio de Janeiro - RJ. 2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edifóes "Lumen Christi" (enderezo ácima I. 3. ORDEM DE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta N? 31.304- 1,em nome do

MOSTEIRO DE SAO BENTO, pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ n? 0435-9. (Enviar

xeróx da guia de depósito á nossa administrado, para efeito de ¡dentificaQáo do paga mento).

Máe e Mestra m

Os nossos tempos sao muito marcados por um modo de pensar

antropocéntrico e subjetivista. "0 homem é a medida de todas as coisas"

dizia o sofista grego Protágoras (+ 419 a.C), e o parece dizer ainda hoje!

Em grande parte, isto se deve á Filosofía moderna desde Descarte (+ 1650} até o existencialismo contemporáneo, que tem por sujeito "Eu e

minhas circunstancias". - Ora verifica-se que tal modo de pensar é apli

cado também á Religiáo. Sao muitos aqueles que fazem seu Credo e sua Moral; dal o popular de novas e novas denominacóes. Dir-se-ia que tam bém nesta área vale o axioma: "Cada um na sua..." - o que relativiza a

Verdade e a Etica (os conceitos de bem e mal).

Ao invés, o Cristianismo, como Jesús o veio transmitir aos homens,

é teocéntrico. Ensina que nao o homem, mas Deus, é a medida de todas as coisas. E Deus se revelou aos homens mediante o misterio da Encarnacáo; a carne humana de Jesús tornou-se o instrumento ou canal da manifestacáo de Deus aos homens. Este canal é dito "o Grande ou o Primeiro Sacramento"; ele fundamenta o que se pode chamar "a ordem sacramental", na qual está imerso o Catolicismo. É esta, alias, a principal característica do Catolicismo ou do Cristianismo confiado por Jesús a Pedro; através dos séculos, Deus quer vir aos homens nao somente por vias particulares e subjetivas, mas sobretudo por vias objetivas, que prolongam o sacramento da humanidade de Cristo. Tais sao: a Igreja, cha mada por Sao Paulo "o Corpo de Cristo" (cf. Cl 1,24; ICor 12,27), e os

sete sacramentos-ritos, que santificam o homem desde a entrada neste mundo até o nascer para a vida definitiva na Casa do Pai.

Quem adere fielmente a esta linha sacramental, sabe que está em comunháo com Cristo e o Pai, sejam quais forem os irmáos que o acompanham nessa caminhada.

E sobre este paño de fundo que aparece em plena luz a expressáo "Igreja: Máe e Mestra". A Igreja é mais do que a soma das pessoas que a integram; Ela é o Cristo presente e latente sob a face humana dos seus membros. Por isto Ela é Máe; Ela pode gerar para a vida eterna através

dos sacramentos, a comecar pelo Batismo. E, como boa Máe, é também Mestra: é Ela quem ensina a balbuciar o nome de Jesús Cristo e mostra o sentido da vida aos homens; estes sao chamados a caminhar por Cristo até o Pai, movidos pelo Espirito Santo.

A Igreja goza da assisténcia ¡nfalível que Cristo Ihe prometeu (cf. Jo 14,26; 16,13-15), a fim de guardar e transmitir incólume o patrimonio da Verdade e da Moral reveladas. - Em nossos días, quando tantas teorías se chocam no tocante á fé, há de ressoar, com mais nitidez e amor do que nunca, a famosa expressáo: Igreja, Corpo de Cristo prolongado, Máe e Mestra pela voz de Pedro e seus sucessores.

E.B. 385

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXIII - N? 364 - Setembro de 1992

Muito comentado:

O Fenómeno dos Novos

Movimentos Religiosos Em síntese: O artigo estuda o problema dos Novos Movimentos Reli giosos, que muito chamam a atengáo do público. Propóe urna breve catatogacáo dos mesmos: há os de origem crista, os de origem oriental, os de índole necromántica, os pantefstas e sincretistas... Após feto, sao apontadas algumas características gerais desses Movimentos (emotividade, fundamentalismo bíblico, forte proselitismo, autoritarismo do chefe "carismático"...). Seguese um elenco de causas do fenómeno: a crise geral por que passa o povo brasileiro (e outros), leva muitos cidadños a procurar sofugóes mágicas, "mís ticas", mais emotivas e menos racionáis... para os problemas que os meios

convencionais nao parecem poder resolver. Por último, sugerem-se respostas que o Catolicismo deve dar á problemática dos Novos Movimentos Religiosos: intensificacáo e melhora de sua catequese (a nova evangelizado preconiza da por Joño Paulo II), o afervoramento de vida dos fiéis católicos, a criagSo de comunidades fraternas e acothedoras...

A expansáo de novos e novos movimentos religiosos (NMR) nao só no Brasil, mas no mundo em geral, vem chamando sempre mais a atengáo do público e dos meios de comunicagáo social. A rapidez com que surgem e se implantam agremiacóes religiosas dos mais diversos ti

pos, é fenómeno cujas características e cujas causas é oportuno indagar com precisáo, a fim de se Ihes dar urna resposta. Dal as páginas que se seguem, voltadas para a problemática.

1. O Panorama dos NMR Comecemos por a presentar urna visáo de conjunto das principáis correntes religiosas que ocupam o cenário do Brasil. Distinguiremos cin co correntes, cada qual com sua origem e seus tragos próprios. i

386

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS 1.1. A corrente de origem crista ou pseudocristá

Apontam-se as denominares protestantes, com suas modalidades

mais antigás e mais recentes:

Os Pentecostais constituem um grupo numeroso, dividido esubdividido em múltiplas comunidades independentes umas das outras (Assembléia de Deus, Congregacáo Crista do Brasil, "Deus é Amor", Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo...)...

Os Adventistas dedicados aos Hospitais e á "profecía"; as Teste-

munhas de Jeová procedentes dos Adventistas (mas ¡á nao fazendo jus ao título de cristáos, pois nao professam a Divindade de Jesús Cristo), os Amigos de Jeová, que, por sua vez, se derivam das Testemunhas de Jeová...

Os Mórmons, que, além da Biblia, seguem o Livro de Mórmon, portador de revelacóes novas...

A Igreja Socorrista, a Árvore da Vida, os Meninos de Oeus,

a Ciencia Crista...

Registramos ainda o Projeto AMANHECER, do qual demos longa

noticia em PR 333/1990, pp. 78-87. É urna estrategia, bem arquitetada por grupos protestantes, a fim de "converter" a América Latina; sao ai pro-

postos planos de acáo, metodología de trabalho, motivagóes bíblicas e

teológicas para a tomada missíonária do nosso continente, país por país. Tal Projeto foí publicado por Dawn Mínistries, Jim Montgomery Presi dente, com sede ná California (USA). Jim Montgomery é o gerente-edi tor de GLOBAL CHURCH GROWTH BULLETIN, e Diretor de Análise e Estrategia da Missáo OVERSEA CRUSADES.

Os grupos responsáveis por essa estrategia nao estao filiados a al-

guma denominado protestante, nem se importam propiamente com os

artígos de fé professados por cada comunidade; o que Ihes importa úni camente, é crescer em número de adeptos e templos. 1.2. A corrente de origem oriental

A Yoga, na medida em que é nao somente exercícios físicos, mas também filosofía religiosa, de origem indiana. A Meditacáo Transcendental, com sua programacáo e seus mantras, de fonte indiana.

387

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Associacáo Internacional para a Consciéncia de Krish-

na, também proveniente da india.

O Budismo e o Zen-Budismo, oriundos da india.

O Johrei, o Seicho-No-lé, a Perfect Liberty. de origem japo nesa.

A Igreja da Unificacáo Mundial {ou o Moonismo, do Reveren

do Moon), de origem coreana.

1.3. A corrente de origem necromántica

O Espiritismo Kardecista e todas as modalidades de espiritismo

branco ou de mesa, que tenciona evocar mortos e praticar a transcomu-

nicagáo.

As Religióes Afro-brasileiras,com seu lequede ritos. 1.4. A corrente sincretista, panteísta, taumatúrgica

Aqui searrolam Teosofía, Antroposofia, Eubiose, Rosa-Cruz, Nova Era. Holismo. a Cientologia, Numerologia, Taró. I Ching... 1.5. A corrente de culto ao demonio

Nos Estados Unidos (San Francisco) existem a Igreja de Sata, o Templo de Set, com Missa Negra, sacrificio de enancas, libertinismo sexual... Tais grupos tém sua repercussáo no Brasil; tenha-se em vista o caso recente de Guaratuba (PR).

Sem dúvida, outros grupos religiosos poderiam ser aqui cataloga

dos. Limitamo-nos aos que mais projecáo tém no Brasil. Vejamos agora

2. Características gerais dos NMR

Pode-se dizer que as notas típicas dos Novos Movimentos Religio

sos se explicam, em grande parte, como reacóes ou manifestagoes do psiquismo humano diante da situagáo geral da sociedade ou do mundo i

388

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

de hoje. Enumeraremos nove traeos típicos, que nem sempre aparecem no mesmo grupo, mas que, em grau maior ou mer.or, caracterizam esses Novos Movimentos:

1) Tais grupos constituem geralmente minorías dentro da grande

sociedade. Sao, porém, minorías ufanas de ser tais, porque se julgam salvas em meio a um mundo perverso ou prestes a extinguir-se ou, aín da, vítima de Satanás.

Tais minorías, á medida que váo crescendo, perdem sua identidade ou suas características diferenciáis; adaptam-se ao meio ambiente - o que provoca um reavivamento (revival) ou o surto de um grupo filial

mais aceso e vivaz; este, por sua vez, esmorece, de modo a ocasionar outro reavivamento...

2) Dentro do grupo cria-se um ambiente fraterno e caloroso, que acolhe gentilmente a quem se queira subordinar ás regras da comunidade. Isto atende á carencia de muitos jovens sem lar, muitos cónjuges se parados, muitas pessoas desempregadas, muitos migrantes deslocados e saudosos..., que estáo precisamente á procura de apoio e acolhimento. 3) Cada grupo tem urna mensagem alvissareira, que promete paz, alivio ou mesmo a solucáo de problemas... Por vezes, há doutrinas se cretas, reservadas aos iniciados mais amadurecidos; a Biblia é interpreta

da segundo principios esotéricos, cabalistas, numerológicos...

4) O homem é geralmente o alvo das atencóes de tais grupos. 0

culto a Deus (adoracáo, louvor, gratidáo...) é menos enfatizado que o

atendimento ás necessidades dos respectivos membros. Daí falar-se de "Pronto Socorro Religioso", de caráter tartamente antropocéntrico e pouco dirigido para Deus.

5) A emotividade e um certo antüntelectualismo preponderam, de sorte que o corpo doutrinário de tais Movimentos é geralmente pobre. A

leitura da Biblia é feita em perspectiva fundamentalista, ou seja, segundo interpretacáo literal, que pretende ignorar os géneros literarios e as pe culiaridades da linguagem oriental amiga. Disto se seguem conclusóes nao raro aberrantes, que contrariam o espirito do texto sagrado. Falta aos seguidores o senso crítico necessário para avaliar as proposicóes que Ihes sao apresentadas e perceber o que netas há de ficticio e ¡lógico. De

resto, os freqüentadores de muitos dos NMR sao pessoas de pouca cul tura, que, além do mais, estáo cansadas ou desanimadas na luta pela vida e, por isto, propensas a aceitar qualquer proposta de solucáo, ainda que inconsistente.

389

6

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

6) Isto explica que em varios dos NMR reine autoritarismo por parte do guia, chefe ou gurú. Alias, as pessoas inseguras precisam de sentir seguranza (ainda que aparente apenas) em quem as dirige; por conseguirte, quanto mais autoritario seja o Mestre, tanto mais atende aos anseios (inconscientes ou conscientes) dos seus dirigidos.

0 líder "carismático" pratica, com todo o aparato do ambiente res pectivo, urna certa "lavagem de cránio", que empolga ou eletriza os seus

seguidores, incutindo-lhes urna "programado" de computador. Sao va

rias as técnicas psicológicas utilizadas de maneira muito requintada, co mo se depreende dos seguintes exemplos, narrados por pessoas que f¡zeram tais experiencias:

Entre os Meninos de Deus (Children oí God), a primeira fase de aprendizado consiste em ¡solar o(a) candidato(a), de modo que nao sofra influencias de fora; a pessoa é privada do sonó, devendo participar de sessóes que duram até 4 ou 5 horas da manhá,... e isto por noites a fio, até que ota) novigo(a) desfalega de cansago, ao passo que o(a)s conferen cistas se revezam constantemente. Na segunda fase de iniciacáo, o(a) candidato(a) é obrigado(a) a decorar intensivamente versículos bíblicos ¡solados do seu contexto.

Em alguns núcleos dos Meninos de Deus, o(a)s novato(a)s jamáis sao deixados a sos, de modo a suscitar dependencia e obediencia plenas em relagáo aos chefes; a recusa de obedecer é punida com reclusáo e isolamento. A forma extremada de castigo é a excomunháo ou expulsao com maldicóes, pena muito temida pelos candidatos.

Nos Estados Unidos despertou fortemente a opiniáo pública o caso da estudante Blackburn, da Universidade do Arizona, que tinha 22 anos de idade. Foi abordada por dois jovens da Organizagáo dos Meninos de Deus, que a convidaram para a sua sede. Pouco depois, a moga, a partir da cidade de Tuxon, telefonava a seu pai, comunicando-lhe que estava abandonando os estudos. O Dr. Blackburn quis respeitar-lhe a decisáo de se dedicar ao próximo, mas ficou impressionado com a brusca reviravolta de vida; em conseqüéncia tomou um aviio e foi para Tuxon, mas nao

pode encontrar a filha. Nos sete meses seguintes, enviou dinheiro repeti damente para a moga; as quantias eram passadas diretamente para a caixa dos Meninos de Deus. Um belo dia, a jovem decidiu nao mais pedir dinheiro ao pai; os Meninos de Deus resolverán") aplicar-lhe sangóes.

Queriam matar os genitores da moga e dá-la em casamento a um rapaz designado por Ber, o chefe do grupo. Visto que a jovem protestava con tra essas medidas, transferiram-na para o núcleo de Filadélfia, onde foi posta em reclusáo ou em "gaiola" por ter rejeitado ordens superiores. 390

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

Foi tida como "criatura de Satanás", e, enquanto estava reclusa, foi obrigada a ouvir sistemáticamente fitas gravadas que tendiam a vencer a sua

resistencia. A fim de deixar a "gaiola", quiseram obrigá-la a tomar urna ducha e realizar atos ¡moráis em presenca de homens da comunidade; caso nao o fizesse, seria amaldicoada e iría para o inferno... A jovem recusou peremptoriamente essas práticas e, por isto, acabou sendo expulsa

do núcleo de Filadélfia. O pai entáo foi procurá-la, mas ela também se negou a acompanhar o pai, deixando o grupo dos Meninos de Deus. Me diante camisa de forcA foi obrigada a subir num carro, que a levou de volta á casa paterna, onde teve que ser mantida tres meses sob controle. Estava fortemente apavorada, receando que Deus a condenasse; cuspia na face do pai, que ela odiava, e chegou a chamar um corretor de ¡movéis na tentativa de vender a casa paterna e mandar dinheiro para os Meninos de Deus. Diante disto, o Dr. Blackburn resolveu submeter a filha a serio tratamento para desfazer o programa incutido pelos Meninos de Deus; assim finalmente foi recuperada.

Alias, contam-se casos de rapazes que enlouqueceram após haver.

deixado os Meninos de Deus.1

Merece ser recordado também o caso do pastor James Warren jo nes, fundador de People Temple (ou do Templo do Povo). Reuniu adeptos de diversas ragas e categorías sociais e fundou em 1973 urna co

lonia religiosa na Guiana Inglesa, com o nome de Jonestown. Os membros do grupo eram acusados de tentativas de homicidio, desvios de bens alheios, uso de drogas, rapto de menores. Em 1977 James Jones foi

chamado a comparecer perante um tribunal na Guiana. O pastor entrou em paranoia e declarou á sua comunidade que ela estava sendo atacada e que a situacáo era desesperada; somente um suicidio coletivo poderia li bertar o grupo. James Jones continuou a dizer tais coisas, falando sem-

1Lé-se aínda no JORNAL DO BRASIL de 17/05/92: "CRIANQAS NA SEITA

A Polfcia australiana colocou mais de 120 changas sob custodia do De partamento de Bem-Estar após invadir ontem seis casas da seita religiosa Meninos de Deus, em Sidney e Melboume. As changas, entre dois e quatorze

anos, toram retiradas por causa da preocupagáo com a sua seguranga física e emocional. A seita foi fundada na California em 1968 e seus membros acreditam ter sido escolhidos por Deus para sobreviver ao fim do mundo. Seu lí

der, Moses David, que defende o amor livre e a pornografía infantil, estaría es condido no JapSo". 391

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

pre de complós contra o Templo do Povo. Assim um clima de delirio foi pesando sobre o grupo; além do mais, os membros da comunidade trabalhavam da aurora até a noite, subalimentados e ¡solados do resto do mundo. James Jones, com sua índole "carismática", era a única lideranca aceita; apregoava o suicidio coletivo e a expectativa de um mundo melhor após a morte. Finalmente o deputado norte-americano Ryan visitou a Jonestown, deixando, ao partir, a impressáo de que as autorida des interviriam na colonia. Isto provocou a ordem de morte dada pelo pastor aos seus fiéis, que religiosamente beberam o chá-veneno e cairam mortos; nao houve violencia física, mas plena subserviéncia ao líder "carismático"!

7) Os Novos Movimentos Religiosos sao acentuadamente proseli-

tistas, isto é, tendem a conquistar novos e novos seguidores, nem sempre de maneira honesta. Ocorre que oferecam emprego e assisténcia médica ou odontológica, escola... a quem adere ás respectivas crencas.- Na verdade, o Senhor Jesús mandou pregar o Evangelho a todos os homens, de modo que isto é obrigacáo dos discípulos de Cristo; é preciso, porém, que os pregadores deixem a Iiberdade de opcáo aos seus ouvintes e nao os violentem, obrigando-os a crer sob pressáo física ou moral.

Varios membros dos NMR sao treinados para persuadir seus ou vintes; há urna arte própria para tanto, com respostas prontas para as objegóes que se possam fazer aos mensageiros. Estes sabem ser insis tentes, revelando grande amor á sua causa.

8) Alguns dos Novos Movimentos Religiosos anunciam o fim do mundo para época próxima. As suas "profecías", nao raro, su6citam um clima de apavoramento; parece-lhes que o demonio está ou estará soltó e que desencadeará graves males sobre a térra. O Apocalipse de Sao Joáo é entendido ao pé da letra, sem se levar em conta o respectivo gé nero literario ou a intencáo do autor sagrado.

9) Os NMR costumam ser alheios á vida política e social do país; alguns, como as Testemunhas de Jeová, chegam a julgar que as instituicóes civis estáo sob o poder do Maligno, de modo que é dever nao parti cipar de eleicóes nem de servico militar. Procuremos agora detectar as causas do fenómeno dos NMR.

392

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS 3. Causas do Fenómeno 3.1. Depressáo e Irracionalismo

0 Brasil (e outros países) passam por uma crise geral: económica,

social, política...

Além disto, a época atual é de mudancas relevantes, que deixam muitas pessoas desconcertadas. Entre essas mudancas, sejam registradas as migracóes: nao poucos individuos e familias abandonam seu torráo natal á procura de melhores condicóes de vida em regiáo distante e estranha.

Há ainda presságios de guerra nuclear, bomba atómica, causadora de catástrofe cósmica ou de fim do mundo, de modo que o futuro causa medo... A historia parece dominada por forcas cegas e misteriosas. Isto tudo gera em muita gente sentimentos de ¡nseguranca, desá

nimo, pavor...

Os meios convencionais ou racionáis para resolver problemas de economia, saúde, política... parecem falidos ou, se nao sao tais, tornam-

se inacessíveis por falta de preparo ou de dinheiro. Faltam líderes que imponham confianca á populagáo em geral.

Apesar de tudo, existe no homem o senso religioso, que Ihe é congénito. Nos momentos de desesperanza, ele aflora talvez ainda mais veemente. Muitos repetem: "Só Deus pode dar um jeito!" A salvacáo é es perada do alto. Acontece, porém, que quem está abalado, nao raciocina

muito; deixa-se mais levar pelas emogóes. Precisa de uma mensagem

nova, que fuja do habitual, uma mensagem "maravilhosa"; esta, alias, quanto mais maravilhosa for, mais poder de atracáo terá, pois, como diziam os amigos romanos, vulgus vult decipi (o povo quer ser engaña do).

3. 2. Os Novos Mestres

No contexto que acaba de ser esbogado, é fácil compreender que surjam mensageiros dotados de lideranga e desejosos de atender á sua própria sofreguidáo e á dos seus concidadáos. Muitos o fazem de boa fé, ao passo que outros procedem talvez menos bem intencionados. Apre-

goam a boa-nova que imaginam. Assim se multiplicam as mensagens religiosas, deturpando ou vilipendiando, nao raro, o conceito de religiáo. 393

10

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Encontram terreno preparado e fértil, ou seja, um público acrltico,

necessitado de encontrar apoio forte e autoritario num mestre ou num gurú que se imponha. Infantilmente dizem muitos: "Aquilo que o chefe diz, é verdade; o que ele manda, é sempre bom". Notemos ainda que os novos cultos, além de propor solucoes má gicas e maravilhosas, apregoam também rigorismo moral ou, menos freqüentemente, urna certa permissividade, ligada a drogas e erotismo (co mo acontece entre os Meninos de Deus, certos grupos afro-brasileiros, em correntes da Nova Era, ñas "Igrejas Satánicas"...). 3.3. Secularismo

Por "secularismo" entende-se o apagamento de toda expressáo re ligiosa da vida pública; esta é dessacralizada ou laicizada. - É o que ocorre nos países ocidentais: a populacáo é, de certo modo, obrigada a levar urna vida materialista, voltada para os urgentes interesses do seu ganha-páo. Este "achatamento" pode provocar urna reacio "mística", que correo risco de ser passional, emotiva e irracional.

Tal traco da realidade contemporánea soma-se aos anteriores, para explicar os Novos Movimentos Religiosos. O cidadáo, violentado em seu senso religioso, afirma, como pode e sabe, a sua consciéncia do Trans cendental.

É curioso notar que certos sistemas políticos tomam, neste con

texto secularista, as características de "religióes leigas", como se lé no Documento de Puebla:

"As ideologías trazem em si mesmas a tendencia a absolutizar os inte

resses que defendem, a visáo que propóem e a estrategia que promovem.

Neste caso, transformam-se em verdadeiras 'religióes leigas'. Apresentam-se como urna explicagSo última e suficiente de tudo, e se constrói assim um novo

ídolo, do qual se aceita ás vezes, sem se dar conta, o caráter totalitario e obrigatório. Nesta perspectiva nao é de estranhar que as ideologías tentem instrumentalizar pessoas e ¡nstituigóes a servigo da eficaz consecugáo de seus fíns. Eis o lado ambiguo e negativo das ideologías" (n9 536).

Eis a que ponto pode o homem chegar, quando dá largas á sua

tempera mística, desligando-a de senso crítico e de raciocinio rigoroso: aceita as "religióes leigas" que o Estado Ihe procura impor. 3.4. O Elevado Nivel do Catolicismo

O crescimento numérico dos NMR faz-se as custas do Catolicismo,

que vem perdendo muitos fiéis para as comunidades nao católicas. i

394

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

11_

E por que os perde?

Em parte, isto se dá porque nao é fácil ser católico num mundo hedonista e consumista ou num mundo que arrasta ao prazer e ao mais

cómodo, como o nosso. Principalmente a Moral Católica afugenta varios católicos; o Nao ao divorcio, ao aborto, ao amor livre, ás relacóes prématrimoniais, ao homossexualismo... dificulta a perseverarla de muitos na Igreja Católica. Esta, apesar de tudo, nao pode alterar a Lei de Deus, de que Ela é depositária e mensageira, para agradar aos homens ou para nao perder adeptos. Sabe-se, alias, que no secuto XVI a Igreja perdeu o reino da Inglaterra quando o Papa Clemente Vil recusou ao rei Henrique VIII o divorcio; o episodio foi altamente doloroso para o Catolicismo, mas certamente um testemunho de coeréncia e fidelidade digno de todo louvor.

De resto, deve-se registrar que, se o Catolicismo decresce numéri

camente no Brasil, ele conserva sua excelencia doutrinária. É certo que nenhum dos novos cultos se iguala ao Catolicismo no tocante á mensa-

gem apregoada; a Palavra da Igreja é sempre a Palavra de equilibrio, bom senso e firmeza de que mais precisam os homens.

Verdade é que o Catolicismo tende a ser a religiáo nao só do coracao, mas também da inteligencia. O fato de apelar freqüentemente para a Tradigáo ou para o passado supóe, no público ouvinte, um certo desenvolvimento cultural, um certo alargamento de horizontes, que as religióes meramente emotivas nao exigern. A Liturgia Católica tem um caráter hierárquico e comedido, que pede certa compreensáo do misterio do qual participa o fiel católico.

Isto freqüentemente faz que ser católico se torne mais difícil do que pertencer a algum dos NMR. E o que obriga os pregadores do Catolicis mo a procurar "traduzir em miúdos" a sua mensagem, sem a perverter nem trair. Nao cedam a preocupacóes políticas e seculares em suas ho milías, coisa que tem afastado da Igreja muitos fiéis católicos. Perguntamos agora:

4. Que fazer diante do Desafio? Quatro proposicóes parecem poder responder a esta pergunta: 4.1. Instrucáo Religiosa

A profundidade e a excelencia da doutrina católica nao sao sufi cientemente conhecidas pelos próprios fiéis católicos. Daí a urgente necessidade de se empreender a "nova evangelizacáo" preconizada pelo S. 395

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Padre Joáo Paulo II; esta deverá atingir todos os nlveis: changas, adoles centes, jovens, adultos, anciáos, usando linguagem adequada e fiel ás suas origens.

Evite-se o relativismo religioso, táo difundido em nossos dias, co

mo se religiáo fosse partido político, que cada cidadáo pode escolher ou trocar segundo seu beneplácito. Evite-se também a politizacáo secularista da catequese.

4.2. Valorizar a tntelectualidade

Visto que se tende a reduzir a religiáo á emotividade, é para desejar que os fiéis católicos saibam valorizar, além dos sentimentos, também o intelecto como luz e bússola das emocóes. Estas, desligadas da orienta rá o da lógica, podem levar os religiosos a cometer genufnas aberracóes ou crimes (infanticidios, homicidios...), como tambóm podem levar á de mencia ou á doenga mental.

Com isto nao queremos dizer que todo católico deva ser um inte lectual, mas, sim, que todo católico que o possa, procure dar contas da sua esperanca a si mesmo e a quem Iha peca, como diz o Apostólo Sao Pedro (cf. 1 Pd 3,15). Saiba o fiel católico por que eré... e por que eré nesta e naquela proposicáo, e nao em outras. Em poucas palavras: conheca as

credenciais da sua fé.

4.3. Afervoramentó da Vida

O conhecimento e a pregacáo das verdades da fé háo de ser acompanhados de teor de vida fervorosa. O mundo de hoje dá muito valor á conduta dos mensageiros; nao raro a sinceridade ou a coeréncia de vida destes importa-lhes muito mais do que a própria verdade apregoada. A rotina e a superficialidade do comportamento dos católicos podem prejudicar enormemente o Catolicismo, ao passo que a dignidade de conduta o nobilita aos olhos dos homens.

4.4. Comunidades Fraternas

É para desejar outrossim que as comunidades católicas (paroquiais

e c. de base) déem testemunho lúcido do senso de solidariedade e fraternidade; mostrem-se acolhedoras e amigas de todos os homens. As co munidades de base destinam-se a preencher este papel, desde que nao se deixem desvirtuar por tendencias políticas partidarias, como tem acontecido: cf. PR. 307/1987, pp. 530-538.

i

396

.

OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

13

Há quem pleiteie urna Liturgia mais popular™ A propósito obsérve

se que o culto sagrado nao pode perder seus traeos de sacralidade, em-

bora deva. sem dúvida, contar com a participacáo de todos os fiéis. Pro

curar a conciliacáo do hierático com o vivendal é o desafio que a S. Igreja

vem enfrentando desde o Concilio do Vaticano II, já tendo conseguido bons resultados até agora.

Eis algumas das respostas que o Catolicismo pode e deve dar aos problemas lancados pelos Novos Movimentos Religiosos. Estes podem

vir a ser ocasiáo de reavivamento dos católicos; tirem proveito da situacáo que os interpela, e mostrem ao mundo a sua vitalidade, queja superou muitas tempestades no decorrer de vinte séculos!

OS TEMORES DE UMA TESTEMUNHA DE JEOVÁ

I. MEDO DA DÚVIDA: TODA INFORMACÁO CONTRA

RIA A TORRE DE VIGÍA É SONEGADA. II. MEDO DE APRENDER: LÉ-SE APENAS A LITERATU RA DA SOCIEDADE.

III. MEDO DE SUCESSO: ATÉ UMA CARREIRA PROFISSIONAL É DESACONSELHADA. IV. MEDO DE AMIZADES ÍNTIMAS: OS MEMBROS SE DENUNCIAM UNS AOS OUTROS.

V. MEDO DOS APÓSTATAS: NENHUM CONTATO NEM MESMO UM CUMPRIMENTO.

VI. MEDO DE OUTRAS RELIGIÓES: TODAS AS DEMAIS

SAO SATÁNICAS.

Vil. MEDO DE SAIR DA "ORGANIZAgÁO": PROVOCA O ISOLAMENTO TOTAL DA PARTE DE AMIGOS E FA MILIARES.

2Tm 1,7: "Deus nao nos deu um espirito de medo". 1 Jo 4,18: "Aquele que teme, nao é perfeito em amor".

(Texto impresso e distribuido por ex-Testemunhas de Jeová)

397

Fala a Santa Sé sobre

Os Meios de Comunicacao Social: Escola das Massas

Em síntese: Aos 22/2/1992 a Santa Sé publicou a Instrugáo Pastoral Aetatis Novae, sobre os meios de comunicagao social. Esse documento é incisivo no sentido de: 1) salientar a enorme importancia dos meios de co-

municagáo social; 2) enfatizar a urgente necessidade de que a Igreja os utilize, tendo seus meios próprios de comunicagao; 3) enunciar o dever de assis-

tir aos comunicadores em geral, (ornecendo-lhes subsidios que Ihes lembrem a dignidade e a extraordinaria responsabiiidade de sua profissáo. A ética e os valores espirituais nao devem ser conculcados pelos meios de comunicagao social em proveito de sucesso e lucro materiais, pois feto implicaría desvirtuar o genio do homem e deturpar um dom de Deus; ao contrario, possam os valo res moráis ser mais e mais fomentados pelos meios de comunicagao social, aptos a ser escola e estelo da formagáo nao somente das grandes massas, mas da sociedade e do género humano em geral.

Há vinte anos, o Pontificio Conselho para as Comunicacóes Sociais

publicou a Instrucáo Communio et Progressio (Comunháo e Progresso), ponderando o papel dos meios de comunicacáo social (MCS) na so ciedade contemporánea; já entáo se apontavam os ingentes beneficios, mas também as graves ameacas que de tais meios decorrem para os in dividuos e os povos. - Visando a atualizar tais considerares, o mesmo Conselho publicou, com a data de 22/2/1992, a Instrucáo Pastoral Aetatis Novae sobre a nova era da historia da humanidade, nova era profunda mente marcada pelo influxo dos MCS.

Transmitiremos, ñas páginas subseqüentes, as grandes linhas deste

recente documento, portador de sabias observacóes sobre a sociedade

contemporánea e o uso da imprensa escrita, falada e televisionada. i

398

OS MEIOS DE COMUNICAgÁO SOCIAL

15

1. Os MCS no quadro do mundo contemporáneo (§§ 4-5) Após a Introducáo (§§ 1-3), que lembra o interesse da Igreja pelos MCS, o documento se detém na explanado do contexto dentro do qual

atuam os MCS.

1.1. Contexto cultural e social (§ 4)

A crescente pujanza dos MCS implica urna revolucáo... nao apenas técnica ou tecnológica, mas urna revolucáo no modo de pensar e viver dos homens contemporáneos: a transmissáo de imagens que insinuam idéias,... transmissáo rápida e altamente sugestiva, passando até mesmo de um continente a outro, tem profundas conseqüéncias no desenvolvimento psicológico, moral e social das pessoas, na estrutura e no funcionamento da sociedade, no escalonamento dos valores religiosos e profa nos... Essas conseqüéncias tanto podem ser construtivas e válidas como podem ser deletérias e negativas. "A penetracáo, cada vez mais Intima,

dos mass media na vida cotidiana influencia o conceito que se possa ter do sentido da vida" (§ 4).

Merece especial atencáo a passagem seguinte:

"Para muitas pessoas, a realidade corresponde ao que os mass me dia definem como tal; o que os mass media nao reconhecem explícitamen te, tornase também insignificante. O silencio pode assim ser imposto, de /ato, a individuos ou grupos que os mass media ignoram; a voz do Evangelho

pode, eta também, ser reduzida ao silencio...

O poder que tém os meios de comunicagáo, de reforcar ou destruir os

pontos de referencia tradidonais em materia de religiáo, de cultura e de familia, sublinha bem a atualidade pertinente das palavras do Concñlo: 'Para o uso reto destes meios 6 absolutamente necessário que todos os que se servem

deles conhegam e levem á prátíca, nesse campo, as normas da ordem moral' (ínter Mirifican^4)"(§4).

Pode-se dizer que, segundo tais ponderacoes, os MCS chegam a

decidir da "vida" ou da "morte" dos cidadáos e das instituicóes existen

tes na sociedade; eles condicionam o modo de pensar "simpático" ou "antipático" da opiniáo pública em relacáo a determinados personagens ou determinados grupos de urna nacáo.

Assim, desde os seus primeiros parágrafos o documento Aetatis

Novae incute a necessidade de que os MCS sejam utilizados segundo 399

16

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

criterios éticos; sem isto, voltar-se-iam contra o homem, em vez de servir ao homem. Esta observacáo retornará no decorrer da explanacáo. 1.2. Contexto político e económico (§ S)

0 uso dos MCS exige elevado capital para manter e desenvolver o

aparato tecnológico dos mesmos. Daí as concessóes que o Estado faz a particulares para a montagem de emissoras de radio e televisáo.

Ora os MCS, em máos de particulares, estáo sujeitos ás leis da co-

mercializacáo; as emissoras particulares precisam de lucro para poder sobreviver e desenvolver-se segundo o ritmo acelerado da tecnología moderna. Em conseqüéncia, os criterios para a transmissáo de progra mas radiofónicos e televisivos sao muitas e muitas vezes os da mera comerciaiizacáo; esta leva em conta apenas as conquistas financeiras, sem dar atengáo ás normas éticas e ás exigencias da veracidade:

"É em (ungió do lucro, e nao do servigo, que se tende a avaliar o seu

sucesso. Asmotivagóes lucrativas e os interesses dos publicitarios exercem urna influencia anormal sobre o conteúdo dos mass media:prefere-se apopularidade e nao a qualidade, e escolhe-se o menor denominador comum. Os

publicitarios ultrapassam a sua tárela legítima, que consiste em identificar as verdadeiras necessidades e dar-lhes urna resposta e, impelidos por motivos de mercado, esforgam-se por criar necessidades e modelos artificiáis de con sumo" (§5).

Com outras palavras: o final do texto lembra que os programadores de radio e televisáo freqüentemente, em vez de servir ao público1 (proporcionando-lhe subsidios.para orientar-se dignamente), procuram servir-se do público, "criando necessidades de consumo", suscitando e alimentan do o consumismo, ou seja, os gastos supérfluos que afastam o público do seu auténtico roteiro de vida.

Este mal ocorre nao somente dentro dos limites de varias nacóes, mas também em ámbito internacional: há povos menos aquinhoados que recorrem aos MCS de povos mais desenvolvidos e que, conseqüentemente, sao afetados por interesses comerciáis estranhos:

"As pressóes comerciáis exercem-se igualmente para além das frontei-

ras nacionais, em desvantagem de certos povos e da sua cultura. Face ao aumento da concurrencia e á necessidade de encontrar novos mercados, as empresas de comunicagáo revestem um caráter cada vez mais multinacional; a falta de possibilidades locáis de produgSo torna, ao mesmo tempo, alguns

países mais dependentes das nacóes estrangeiras" (§ 5).

i

400

OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL

17

Nao somente os MCS dependentes de empresas privadas estáo sujeitos a interesses espurios; também os estatais podem ser manipula

dos por planos políticos, nao raro nocivos, principalmente quando inspi rados por Governos totalitarios.

A solucáo dos problemas assim oriundos está numa regulamentagao precisa e justa dos direitos das emissoras de radio e televisáo, assim como da imprensa escrita. Nao é oportuno que os Governos nacionais ten ha m o monopolio dos MCS, mas também nao é para desejar que as empresas particulares gozem de indiscriminada liberdade de comunicacáo, pois se sabe que sao tentadas a subordinar seus programas aos ex clusivos interesses do IBOPE e da popularidade.

2. O papel dos MCS (§§ 6-11)

O papel fundamental dos MCS é transmitir aos homens mensagens de verdade, esperanca e amor fraterno - o que, em última análise, significa, para um cristáo, transmitir a Boa-Nova de Deus a lodosos ho mens, Boa-Nova que estabelece a comunháo entre os seres humanos Cf §6.

Disto se seguem algumas conclusóes concretas: 2.1.... A servico do homem e das culturas (i 7)

Os MCS sejam instrumentos de unidade e compreensáo mutua

entre os homens. Devem outrossim respeitar as dimensóes culturáis e religiosas dos individuos e das sociedades.

Acontece, porém, nao raro que os MCS de certo modo desagregam a familia, dificultando o contato pessoal ¡mediato entre familiares e amigos, pois a programado apresentada é táo "empolgante" que supera o interesse do convivio entre familiares e amigos. Para evitar esta dete-

rioracáo da convivencia familiar e social, os MCS procurem estimular a

comunicacáo interpessoal, em vez de se substituir a ela; promovam discussáo em grupos, debates sobre filmes e outros programas semelhantes; cf. § 7.

2.2.... A servico do diálogo com o mundo atual (S 8)

Os cristáos compartilham os problemas do género humano e de sua historia. Por isto devem entrar em diálogo com todos os homens. 401

18

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Este diálogo, porém, s<5 será possfvel se procurar compreender os "dis cursos" próprios dos povos e das culturas deste mundo. Em tal diálogo os cristáos háo de se esforear por propor a sua mensagem, de modo adaptado a cada auditorio e a cada época. A Igreja pre

cisa de se empenhar nesta tarefa, recorrendo aos modernos meios de comunicagáo social; a Igreja os considera "meios concebidos pela Provi dencia Divina para o desenvolvimento das comunicaijóes e da comunicacáo entre os homens durante o seu peregrinar na térra" (§ 8).

A partidpacáo dos cristáos no sistema de comunicacóes sociais requer também que eles se interessem pela legislagáo civil que diz respeito a tais meios; esforcem-se por fazer que seja honesta e justa, respeitosa dos valores moráis. "Os cristáos tém o dever de fazer ouvir a sua voz no seio de todos os mass media" (§ 8). Essapresehca dos cristáos funda mentará relacóes de respeito mutuo, respeito decorrente do fato de que

há valores comuns a todos os homens honestos, mesmo quando nao compartilham a mesma fé religiosa.

2.3. ... A servido da comunidade .humane é do progresso social (S 9)

Está claro que os MCS, na medida, em que dependem da Igreja, háo de ser cañáis que anunciem a Boa-Nova de Jesús Cristo. Lembrem ao mundo secularizado ou laicizado de hojeque a pessoa humana tem valor e destino transcendentais, que dilatam os horizontes dos cidadáos absorvidos pelos afazeres materiais. Perante os conflitos e divisóes que afligem a humanidade, tomem posicáo em prol da justi?a e da paz, servindo de fator construtivo de auténtica comunháo entre os povos e as culturas. Assim a pessoa e a sociedade humana encontraráo nos MCS um esteio de promocáo e nobilitacáo.

2.4.... A servido da Comunháo Eclesial (§ 10)

Aos membros da Igreja toca o direito ao diálogo e á informagáo dentro e fora da própria Igreja. Ora os MCS háo de favorecer tal direito de maneira responsável. O Código de Direito Canónico reconhece que, "obedientes aos Pastores da Igreja, os fiéis gozam do direito de Ihes ma

nifestar as suas necessidades, principalmente as de fndole espiritual, e os seusanseios pessoais" (can. 212, § 2); acrescenta mesmo que os fiéis, com ciencia, competencia e prestigio, tém "o direito e, ás vezes, até o dever"

de manifestar aos Pastores a sua opiniáo sobre o que afeta o bem da Igreja; cf. canon 212, § 3. i

402

OS MEIOS DE COMUNICAgÁO SOCIAL

19

Tal direito se baseia no tato de que todos os cristáos sao responsáveis pelos ¡nteresses do Reino de Deus e da Igreja. A cada qual toca urna parcela da missáo confiada por Cristo á sua Igreja. Todavia pode ocorrer que, no afá de promover o bem comum, haja divergencias entre os membros da Igreja, especialmente entre os fiéis leigos e seus pastores; em tal caso observa a Instrucáo Aetatis Novae:

"Em caso de desacordó, é importante saber que nao é exercendo pressao sobre a opiniáo pública que se pode contribuir para o esclarecimento dos

problemasdoutrinais e servirá verdade"(§ 10).

Com outras palavras: é preciso evitar o escándalo de contestacáo pública das diretrizes da Igreja por parte de teólogos ou de fiéis leigos. Nao se pode dizer que as opinióes dos fiéis a respeito de certos pontos de fé e de Moral tém o valor daquilo que a Teología chama o sensus fidei fidelium, o senso da fé dos fiéis. O sensus fidei do povo de Deus é respeitável como criterio de credibilidade. Todavia acontece em nossos dias que mu ¡tos católicos sao pouco instruidos a respeito do seu Credo e, nao obstante, se póem a opinar e discutir com veeméncia questóes dé fé e Moral, em oposigáo á autoridade eclesiástica. Tais debates sao condenaveis, pois reduzem o patrimonio da fé á mensagem de um partido políti co, que pode ser livremente discutida, visto que al nao entram em jogo

senáo opinióes e sentengas meramente humanas. Ao contrario, a fé tem sua fonte na Revelacáo realizada por Jesús Cristo; ela foi confiada á

Santa Igreja, cujo Chefe vislvel é Pedro, infalivelmente assistido pelo Se nhor.

2.5.... A servico da Nova Evangelizacáo (§11)

"Além dos meios tradicionais em vigor, como o testemunho de vida, o catecismo, o contato pessoal, a piedade popular, a Liturgia e celebragóes

análogas, o uso dos meios de comunicagSo tomou-se essencial para a evan-

gelizagSo e para a catequese. Portanto a Igreja viña a sentirse culpada diante do seu Senhor se Ela nao langasse máo destes meios potentes que a inteli gencia humana toma cada día mais aperfeigoados. Os meios de comunicacáo social podem e devem ser instrumentos ao servico do programa de reevangelizagáo do mundo contemporáneo" (§ 11).

É obvio que a nova evangelizacáo deverá valer-se dos recursos de

linguagem e de técnica que o mundo contemporáneo Ihe oferece, a fim de que possa ser eficaz e penetrante, como geralmente sao penetrantes as mensagens que o radio e a televisáo bem utilizados costumam trans mitir. 403

20

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992 3. Desafios atuais {§§ 12-15)

O uso dos MCS póe ao cristáo alguns desafios importantes, que é

preciso levar em conta.

3.1. Necessidade de urna avaliacáo crítica (§ 12)

Embora a tecnología das comunicacóes sociais seja maravilhosa

expressáo do genio dos homens e fator de enorme bem-estar para a humanidade, nao se pode esquecer o seu caráter ambiguo. Com efeito, a

utilizagáo dos MCS nao tem sido realizada sempre para o bem da sociedade, pois, como dito, interesses espurios e vantagens económicas tém preponderado sobre os valores éticos, que sao os supremos valores da pessoa humana:

"A aplicagáo da tecnología das comunicagóes nao (oi mais que um semibeneffcio, e para a sua utilizagáo consciente sao necessários valores saos

e escolhas prudentes, da parte dos individuos, do setor privado, dos Governos e de toda a sociedade... A Igreja... procura fornecer urna verdadeira ajuda, indicando criterios éticos e moráis apticáveis neste dominio" (§ 12).

É oportuno citar aqui, entre outros, o caso de Janete de Oliveira

Araújo, de 30 anos, técnica em contabilidade, que, estando desemprega-

da, resolveu anunciar pelos jomáis a sua decisáo de alugar o seu útero por US$ 10.000,00, para ser "Barriga de Aluguel", conforme o título de urna novela de televisáo. Janete declarou ter sido inspirada pelo enredo da infeliz novela. Ver JORNAL DO BRASIL, 24/6/92, ie caderno, p. 7. 3.2. Solidaríedade e desenvolvimento integral (§ 13) Atualmente verifica-se que os MCS tém contribuido tanto para fa cilitar como para dificultar a solidaríedade entre os homens... Dificulta ni na quando fomentam o consumismo, o materialismo, a desuma nizacáo violenta e a falta de interesse pelas condicóes dos pobres e desprotegi dos.» Tais elementos sao também obstáculos ao desenvolvimento inte gral da pessoa humana, visto que chamam a atenea o únicamente para o bem-estar material (consumismo), menosprezando de certo modo os valores espirituais, que nao podem faltar a urna personalidade bem for mada: o altruismo, a dedicacáo ao próximo, a fidelidade á palavra empenhada, a honra, o brío, a veracidade...

Visto que os MCS sao vefculos privilegiados para a transmissáo da cultura, a Igreja sente-se no dever de excitar tanto nos profissionais da i

404

OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL

21

comunicacáo quanto no grande publico o senso crítico, animado da pai-

xáo pela verdade. "Reconhece também o seu dever de se comprometer em prol... do respeito pela dignidade pessoal e pela auténtica cultura, com a recusa firme e corajosa de toda forma de manipulacio e monopo-

lizacáo"(§ 13).

3.3. Políticas e Estruturas (§ 14)

A problemática assim apontada tem, entre suas causas, urna certa

política ou estrutura?áo dos MCS. Com efeito, verifica-se que em muitos

lugares é recusado a determinados grupos ou classes o acesso aos MCS; em outros lugares, é cerceado o direito á ¡nformacáo plena e objetiva; em mais outros setores, registra-se abusiva autoridade de élites económicas e políticas na conducáo dos MCS:

"Judo isto é contrario aos objetivos fundamentáis e á própria natureza dos rrmios de comunicacáo, cujo papel social particular e necessário é contri buir para a garantía do direito do homem a informagáo, á promogáo dajustiga,

á procura do bem comum, á assisténcia aos individuos, aos grupos e povos em busca da verdade" (§ 14).

15)

3.4. Desafíos do Direito á lnformac,3o e ás Comunicacóes (i

"Nao se pode aceitar que exercera liberdade de comunicar dependa da riqueza material, da educagáo ou do poder político. O direito de comunicar é direito de todos" (§15).

Isto requer esforgos especiáis para proporcionar aos pobres e aos

mais fracos o acesso a informagáo de que necessitam, como também para proporcionar a esses desprotegidos a oportunidade de se exprimirem através dos MCS.

O documento da S. Sé parece ter em mira, de modo particular, o direito que toca á populacáo religiosa de cada país, de recorrer aos MCS nao somente para apresentar cerimónias litúrgicas, mas também para

transmitir noticiarios religiosos. "O direito a comunicacáo faz parte do direito á liberdade religiosa, e nao deveria ser limitado á liberdade de

culto" (§15).

4. Prioridades Pastorais (§§ 16-19) O documento se volta diretamente para as tarefas que competem á

I g reja frente aos MCS.

405

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992 4.1. Defesa das Culturas Humanas (S 16)

A pujanca dos grandes MCS nao diminuí a importancia de outros

meios de comunicacáo, que permitam ás pessoas uma participacáo ativa

na producáo dos programas respectivos; existem, sim, meios de comuni cacáo populares e tradicionais que estimulam o desenvolvimento dos ta lentos das carnadas mais simples da populacáo; assim dáo oportunidade a que também estas se manifestem e aprimorem. Tais meios podem ser mais modestos, mas, por vezes, sao mais justos e ímparciais, pois procuram isentar-se da dominagáo imposta pelos grandes MCS do estrangeiro ou dos prdprios compatriotas. Os países em via de desenvolvi mento tém o receio de ser manipulados pelos países desenvolvidos.

4.2. Promocáo dos MCS da Igreja (i 17)

"A Igreja deve desenvolver, suster e favorecer os seus próprios instru

mentos e programas católicos de comunicacáo. Estes compreendem a im prensa, editores, radio e televisSo católica, gabinetes de informagáo e de rela-

góes públicas, de formagáo á prática e ás questóes dos mass media, a

pesquisa sobre os meios de comunicagao..." (§ 17).

Em suma, o uso dos MCS nao é apenas um complemento da acáo evangelizadora da Igreja. Ela deve, ao contrario, integrar todo e qualquer

tipo de atividade pastoral que o comporte.

4.3. Formacáo dos Cristáos Responsáveis pela Comunica

cáo (§ 18)

"A educagáo e a formagáo para a comunicagao devem fazer parte inte grante da formacáo dos agentes pastorais e dos sacerdotes... No mundo atual, táo influenciado pelos mass media, 6 necessário, por exemplo, que as pessoas comprometidas na Igreja tenham, pelo me nos, uma visáo de conjunto do impacto que as novas tecnologías da ¡n-

formacáo e dos mass media exercem sobre os indivfduos e a socieda-

de... Oevem também saber de comunicacáo suscetível veíto pessoal. Quanto aos fas de comunicacáo para a cia profissional em materia doutrinal e espiritual.

como convidar ao diálogo, evitando um estilo de sugerir dominio, manipulacáo ou o proque estáo ativamente empenhados em tareIgreja, é necessário que adquiram competen de mass media, assim como uma formacáo i

406

OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL

23

4.4. Pastoral dos Responsáveis da Comunicacáo {§ 19) "O trabalho no campo das comunicacóes supóe pressóes psicológi cas e dilemas éticos particulares". Disto se segué a necessidade de que os profissionais dos MCS sejam assistidos de tal modo que consigam con siderar sempre a sua atividade como um servigo á humanidade e um nobre ideal a ser mantido em sua nobreza.

Para tanto, a Igreja deve elaborar programas pastorais que respon-

dam aos desafios éticos com os quais se defrontam os profissionais da

comunicará o. Tais programas devem implicar urna formacáo perma nente, que possa ajudar homens e mulheres comunicadores (muitos dos quais desejam sinceramente praticar o que é justo e ético) "a estar im pregnados de criterios moráis, tanto no setor profissional quanto a nivel privado" (§19).

5. Necessidade de Planejamento Pastoral (§§ 20-21) 5.1. Responsabilidade dos Bispos (§ 20)

Reconhecendo o valor e a urgencia dos apelos que emanam do mundo da comunicacáo, os Bispos e seus colaboradores háo de esforcarse por conceder prioridade a este setor de trabalho, levando em conta as situacóes próprias de suas respectivas dioceses.

É necessário abrir os olhos para a pujanca dos recursos oferecidos

pelos mass media, coisa que nao era táo considerada pela Igreja no passado, visto que se trata de algo cuja importancia se evidenciou princi palmente nos últimos tempos. "Como observou o Santo Padre: 'deu-se preferencia a outros instrumentos para o anuncio evangélico e para a formacáo, enquanto os mass media foram deixados á iniciativa de parti culares ou de pequeños grupos, entrando apenas secundariamente na programacáo pastoral'. Esta sítuacáo requer algumas correcóes" (§ 20).

5.2. Urgencia de um Plano Pastoral de Comunicacáo (§ 21) "Recomendamos particularmente que as Dioceses e as Conferencias ou assembtéias episcopais tomem providencias para que a questáo dos mass media seja abordada nos seus planos pastorais. Convém que redijam planos pastorais particulares relativos á comunicagáo, ou revejam e atualizem

os que já existem, mantendo um processo de revisko e atualizacáo perma

nentes. Para este fím, os Bispos deveriam procurar a colaboragáo de profís407

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

sionais da comunicagáo... e outros organismos internacionais e nacionais do

cinema, do radio, da televisáo e da imprensa" (§ 21).

Conclusáo (§ 22)

"Reafirmamos que a Igreja encara estes meios de comunicagáo social como dons de Deus, na medida em que, segundo a intengáo da Providencia, criam lagos de solidahedade entre os homens, pondo-se assim ao servigo da Sua vontade salvfíica. Do mesmo modo que o Espirito ajudou os antigos Pro fetas a decifraro plano de Deus através dos sinais dos tempos, Ele ajuda hoje a Igreja a interpretar os sinais do nosso tempo e a realizar a sua tarefa profética, que comporta o estudo, a avaliagáo e o bom uso, que hoje se tornaram

fundamentáis, das tecnologías e dos meios de comunicagáo" (§ 22).

Como se vé, o documento da Santa Sé é incisivo e insistente no

sentido de

- salientar a enorme importancia dos MCS;

- enfatizar a urgente necessidade de que a Igreja os utilize, tendo

seus meios próprios;

- enunciar o dever de assistir aos homens da comunicac.áo em ge-

ral, fornecendo-lhes subsidios que Ihes lembrem a dignidade e a extraor dinaria responsabiiidade de sua profissáo. A ética e os valores espirituais nao devem ser conculcados pelos MCS em proveito de sucesso e lucro materiais, pois isto seria desvirtuar o genio dos homens e deturpar um dom de Deus; ao contrario, possam os valores moráis ser mais e mais fomentados pelos MCS, aptos a ser escola nao somonte das grandes massas, mas do género humano como tal.

APÉNDICE

Á guisa de espécimen de como as noticias de índole religiosa sao,

por vezes, desfiguradas pelos MCS, seja citado o caso da "Béncáo nup cial para divorciados".

O

JORNAL DO BRASIL, por exemplo, em sua edigáo de

29/5/1992,15 caderno, p. 6, afirmava:

"BRASILIA - A Conferencia Nacional dos Bisóos do Brasil (CNBB) vai encaminhar proposta ao Vaticano, que prevé a béngáo de um padre ás unióes entre divorciados. 'Urna béngáo nunca pode ser negada e, além disso, as ari

408

OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL

25

quidioceses tém liberdade para realizar esse ritual', explicou o assessor litúr gico da CNBB, Irei Faustino Paludo.

A béncáo ao segundo casamento de divorciados é defendida pelo padre Claudio Viana, de Nova Friburgo (RJ). O padre acha que a cerimdnia deve ser realizada na casa de urna das tamílias envolvidas no matrimonio, em clima discreto e com poucos convidados. A noiva poderá até se vestir de branco, caso faga essa opgáo".

Ora a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil desmentiu oficial

mente tal noticia nos seguintes termos:

"ESCLARECIMENTO: há alguns meses varios órgáos da imprensa nacional vém publicando as mais diversas materias sobre o matrimonio. No final de maio foi publicada materia com a seguinte mánchete: 'CNBB regulamenta béncáo de aliancas a divorciados'. Após essa publicacio outras materias foram divul gadas, envolvendo o nome do Bispo Responsável pela Oimensáo Litúrgica, Dom Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo (RJ), e do Assessor Nacional de Liturgia, Frei Faustino Paludo. Alguns jornais publicaram nomes de Padres que nao constam no Anua rio Católico do Brasil e que sao desconhecidos ñas Dioceses re feridas pelos velculos de Comunicagáo. Assim, pois, a noticia de que a CNBB vai propor ao Vaticano abencoar o segundo casa mento de divorciados é ABSOLUTAMENTE FALSA. Jamáis a CNBB, através da Dimensáo Litúrgica, pensou em algo semeI hante. O que se considerou na Assembléia dos Bispos, em 1991, foi um novo rito do sacramento do matrimonio, com algumas adaptacdes para o Brasil, conforme prevé a edicio típica do ri tual do matrimonio".

Como se vé, o público deve exercer seu bom senso critico, quando os MCS Ihe oferecem noticias sensacionalistas, especialmente na área religiosa.

CURSOS POR CORRESPONDENCIA

S. Escritura, Iniciacáo Teológica, Teología Moral, Historia da Igreja, Liturgia, Diálogo Ecuménico, Ocultismo, Parábolas do Evarrgelho, Doutrina Social da Igreja.

Pedidos de Informacóes a C.P. 1362. 20001-970 - Rio (RJ) 409

Portentos da grapa divina:

Josefina Bakhita: A Escrava Glorificada

Em sfnteseM Ir. Josefina Bakhita, do Instituto das Filhas da Caridade, fundado por Sta. Madalena de Canossa, faleceu no ano de 1947 em odor de

santídade. Nasceu no Sudáo (África) em 1876. Desde os nove anos de idade,

foi escrava, raptada por traficantes negreiros no Sudáo mesmo; vendida algumas vezes, foi, por último, comprada por um agente consular italiano em

Cartum (Sudáo); este levou-a para a Italia. Bakhita nao quis voltarpara a sua patria, quando tentaram levá-la de novo para lá com seus patróes italianos..A Justiga da Italia, interpelada pelo Cardeal-arcebispo de Veneza, deu ganho de causa á jovem escrava, que assim conseguiu a sua emancipagáo. Bakhita (nome que os traficantes Ihe haviam dado) era animista; na Italia conheceu o Catolicismo, que passou a admirar. Pediu entáo o Catecumenato e o Batismo; após o qué, levada aínda pela graga de Deus, solicitou admissáo no Instituto das Canossianas. Professou em 1896. Passou o resto de sua tonga vida reli giosa quase sempre no Convento de Schio (Vicenza), onde trabalhou como porteira, sacrista, costureira, cozinheira..., dando admiráveis exemphs de pa ciencia, zeto rríssionário, amor a Deus e ao próximo. Faleceu aos 8/2/1947. Seu processo de Canonizagáo, apoiado por um milagre bem definido, possibilitou a Beatifícagáo de Ir. Josefina Bakhita aos 1715/92. Foi um ato de reconhecimento público das virtudes de urna humilde fílha do Sudao, que sofreu durante anos a fio na condigno de escrava.

Aos 17/5/92 foi beatificada1 pelo S. Padre Joáo Paulo II urna Reli

giosa Canossiana2, nascida no Sudáo (África) e chamada Josefina Ba-

1A Beatifícagáo é a etapa preliminar á Canonizagáo ou á inscrigáo de

alguém no Canon ou Catálogo dos Santos.

2Canossiana, porque pertencente á Congregagáo fundada por Sta.

Madalena de Canossa, com o título de Instituto das Filhas da Caridade Ca nossianas.

i

410

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

27

khita. A historia dessa Religiosa é surpreendente; revela maravilhoso de

signio da Providencia Divina, que dos males dos homens sabe tirar maiores bens em favor dos próprios homens (S. Agostinho).

As páginas que se seguem, apresentaráo breve esbogo biográfico

da extraordinaria figura de Josefina Bakhita, a escrava glorificada em nossos dias.

1. A patria: o Sudáo

O Sudáo é o país mais vasto da África, tendo urna superficie de 2.506.813 km2. A sua faixa litoránea, banhada pelo Mar Vermelho, estende-se por 500 km. Entre outros países, confina com o Egito e a Etiopia.

A populacáo é pobre, vivendo principalmente da criacáo de animáis

de pasto.

No século Vil, os árabes, tendo-se apoderado do Egito, chegaram á Núbia (Norte do Sudáo) e iniciaram um comercio regular de escravos,

impondo a todos a religiáo islámica.

No século XIX o Sudáo foi ocupado pelos turcos e, a partir de 1898,

pelos anglo-egípcios. Finalmente a 15 de Janeiro de 1956 foi proclamada'

a República Independente do Sudáo.

A evangelizado do país comecou nos primeiros séculos por obra de cristáos desterrados pela furia das perseguicóes romanas. Todavía o avanco islámico no século Vil extinguiu ai o Cristianismo. No século XVII os franciscanos empreenderam de novo a pregacáo crista no Sudáo, com a perda de muitos missionários martirizados. Finalmente no século XIX a

fé católica foi propagada no pais com grande fervor pelo missionário ita

liano Daniel Comboni, que contava com sacerdotes e Religiosas dedica dos. Varios deles também sofreram o martirio, visto que se Ihes propunha o dilema: "Islam ou Morte!" Todavia subsistiram, e subsistem até hoje, redutos de Catolicismo naquele país, cujos habitantes, em maioria,

ou sao maometanos ou sao animistasj

2. Raptada, mas maravilhosamente protegida Na aldeia de Olgossa, regiáo de Farfur, em 1869{?), nasceu urna menina, filha de familia da tribo Dagiú. Pouca coisa se sabe sobre o berco

1Segundo o animismo, almas (animae) e espíritus regem os elementos

da natureza (ríos, fontes, árvores, pedras, montanhas...). 411

28

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

e a infancia dessa enanca, porque os choques que levou mais tarde contribuiram para Ihe obnubilar a memoria. Nem o seu nome de origem nos é conhecido.

A religiáo da familia devia ser o animismo e o culto dos antepassados, pois Bakhita mesma confessou que, antes de se fazer crista, nao

adorava Deus.

O comercio de escravos estava em vigor no Sudáo e no Centro da África, embora condenado pelo Egito e pelas autoridades islámicas, que em París no ano de 1856 assinaram um Tratado de repudio a escravatura. Em tal contexto, a menina de Olgossa foi raptada por traficantes

quando tinha nove anos de idade. Ela mesma conta como isto se deu:

'Tmha cerca de nove anos, quando certa manhá, depois do café, fui

com urna minha companheira de doze ou treze anos, passear nos nossos campos, um pouco longe de casa. Tendo interrompido as nossas brincadeiras, estávamos entretidas recolhendo ervas. De repente vimos sair dois estranhos detrás de urna cerca. Um deles

disse á minha companheira: 'Deixa que esta pequerrucha vá peño daquele bosque para buscar para mimum embrulho que eu esquecilá; voltará logo. Tu segué pela tua estrada, que logo ela te alcangará.

É evidente que o seu plano era afastar a amiga porque, se presenciasse

a captura, ela teria dado o alarme.

Eu nao duvidava de nada. Obedecí ¡mediatamente, como sempre fazia

com a minha mié.

Mas, depois que me embrenhei pelo bosque para procurar o embrulho, que nao encontrava, vi aqueles dois atrás de mim...

Um deles agarra-me bruscamente com urna meo; com a outra tira um facáo da cintura, e, apontando-o contra mim, diz com voz imperiosa: 'Se gri tas, eu te mato. Adiante, segue-nos!' O outro me empurrava apontando-me o cano de um fuzil ñas costas.

Eu permanecí petrificada pelo medo. Os olhos esbugalhados e tremen

do, da cabega aos pés, quero gritar, mas um nó na garganta mo impede: nao consigo nem talar, nem chorar".

É a este ponto que, interrogada a respeito do seu nome, a menina,

traumatizada pelo susto e impedida pelos solucos reprimidos, nao consegué responder. i

412

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

29

"Muito bem. Chamar-te-emos Bakhita, a afortunada!". E com este nome ela chegou até nos.

Bakhita teve que caminhar por días a fio através de bosques, montanhas, vales e désertos. Após um mes de pausa em um miserável cubí culo, foi levada a um mercado de escravos juntamente com homens, mulheres e adolescentes raptados também eles. Bakhita narra o que entao Ihe aconteceu:

"Paramos no mercado dos escravos. Todos tomos introduzidos num grande saláo, á espera do turno de ven

da. Os primeiros comerciados foram os mais traeos e doentes pelo temor de que, piorando, se perdesse o lucro.

Enquanto ia adiante a escolha, o acordó e a venda de cada um, nos duas menores, encontrando-nos sempre peño urna da outra, porque presas pelos pés com a mesma corrente, nos momentos em que nao éramos obser vadas, contávamos urna á outra como tfnhamos sido raptadas. Falávamos dos nossos caros e sempre mais se acendia em nos o desejo de voltarpara a famltia. Enquanto chorávamos sobre a nossa sorte infeliz, (amos projetando algumplano de fuga".

Bakhita foi vendida juntamente com outra menina a um fazendeiro.

As duas, porém, conseguiram fugir, aproveitando-se de urna distracáo do patráo:

"O patráo tinta colocado a mim e á minha companheira num quarto se parado, que ele fechava sempre, especialmente quando tinha que apartarse da casa.

Urna tarde, volta do mercado com um buninho cheio de espigas de miIho. Entra no nosso covil, tira-nos a corrente dos pés, e manda que debulhemos as espigas e que demos de comer ao burrinho".

Visto como as duas meninas tinham comecado a trabalhar com afinco, o patráo foi cuidar dos seus negocios. "Estávamos sozinhas, sem corrente! Providencia de Deus: era o momento bom.

Urna troca de olhares, um sinal, um apeno de máo, urna olhada ao re dor, e, nao vendo ninguém, safmos correndo para o campo aborto, sem saber para onde, somonte com a velocidade das nossas pobres pernas. A noite inteira foi urna corrida continua e trepidante no interior dos bosques e tora pelo 413

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

deserto. Ofegantes e cansadas, ouvtamos na escuridáo os rugidos das feras. Ouando elas se aproximavam, subíamos ñas árvores para nos salvar". Depois de caminhar por mais de um dia, pararam, ao anoitecer,

perto de um casebre, que elas julgavam ser o dos pais de urna délas!

Aproximou-se, porém, um homem, que as levou consigo e de novo as reduziu á escravidáo.

O novo patráo, possuindo varios escravos, vendeu Bakhita e sua companheira a um senhor rico, para que servissem ás suas filhas. Por motivo de um desafeto, que Ihe valeu duros castigos, Bakhita foi, mais urna vez, vendida, já entáo a um General do exército turco, a fim de servir

á máe e á esposa do novo patráo, juntamente com outra escrava. As me ninas sofreram entáo horrivelmente pelas chicotadas que levavam:

"Nao podíamos deixar as nossas patroas nem sequer um momento. Entre vesti-las, perfumá-las e abaná-las, nao tfnhamos descanso. Eaide nos

se, por erro oupelo sonó, tocávamos num só fío de cábelo das senhoras... As chicotadas caíam em cima de nos sem misericordia, de modo que, em tres anos que passei ao servigo délas, nao me lembro de ter fícado um só dia sem feridas, porque nao havia aínda sarado dos golpes recebidos, quando recebia outros ainda, sem saber o porqué.

Um dia, eu estava contando a minha (nova) companheira como eu tinha

fúgido do primeiro patráo.

Sem que me desse conta, a filha do General tinha ouvido tudo; temendo, portanto, que tentássemos urna fuga, fez-me colocar urna grossa córrante nos

pés, que tive que levar por mais de um mes. Tiraram-na por ocasiáo de urna grande festa muculmana, quando era dever soltar os grilhóes de todos os es cravos".

Nessa fase de sua vida, Bakhita recebeu os sinais de tatuagem que

significavam a sua pertenca ao patráo e sua familia. Bakhita relata o fato:

"Veto urna muiher perita nesta arte cruel. Levou-nos para balxo do pórti

co, e a patroa ia atrás com o chicote na mño. A muiher manda que Ihe tragam um prato de farinha branca, um prato de sal e urna navalha. Ordena a primeira

de nos tris que se deite no chao e que duas escravas das mais fortes a segu-

rem, urna pelos bracos e a outra pelas pernas.

(A esbirra) entáo se curva sobre e/a e comeca a fazer com a farinha

uns sessenta sinais finos sobre o ventre daquela desgragada. Eu estava ali, com os olhos arregalados, a observar, pensando que depois tocaría também a

mim aqueta sorte cruel.

414

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

31

Terminando os sinais, pega a navalha e comega a talhar sobre cada si-

nal que tmha tragado. A coitadinha gema e o sangue espirrava de cada taino.

Nño basta. Terminada esta operagao, pega o sal e com toda a torga esfrega em cada ferida, para que entre ali a fím de engrossar o taino (para con servar os seus labios abertos). Que espasmo! Que tormento! A infeliz tremía toda, e eu também tremía, esperando infelizmente o mesmo para mim. Com

efeito. levada a primeirapara a enxerga, chegou a mlnha vez.

Nao tinha ánimo para me mover, mas um olhar fulmíneo da patroa e o

chicote levantado fizeram-me deitar ¡mediatamente no chao. A muther, tendo

tido a ordem de poupar-me o rosto, comega a fazer-me seis sinais sobre o

peito, e depois sessenta sobre o ventre e quarenta e oito no brago direito. Parecia-me morrer a cada momento, especialmente quando me esfreqou com o sal.

Imersa num lago de sangue, fui levada para a enxerga, onde fiquei in

consciente por muitas horas...

Quando despeñe!, vi ao meu lado as minhas companheiras que, como

eu, sofriam atrozmente.

Por mais de um mes todas as tres fomos condenadas a ficar ali, deita-

das sobre a esteira, sem poder mover-nos, sem um lengo para enx'ugar a

agua que safa continuamente das feridas semi-abertas pelo sal.

Posso dizer realmente que nño morripor um milagre do Senhor, que me

destinava a COISAS MELHORES".

A seguir, Bakhita foi vendida em Cartum (capital do Sudáo) ao

agente do Consulado Italiano chamado Calisto Legnani. Daí por diante o seu cativeiro sería mais brando. Dois anos mais tarde, o diplomata foi chamado á Italia; Bakhita ¡mplorou a graca de o acompanhar - o que Ihe

foi concedido. Em Genova o patráo a cedeu á esposa de um amigo seu, a Sra. María Turma Michieli, que levou Bakhita para Mirano Veneziano. Passados tres anos, Bakhita voltou com a sua patroa á África; mas, nove

meses depois, retornou a Mirano Veneziano com a Sra. Michieli. Bakhita comecou entáo a entrar em contato com o Catolicismo, pelo qual se entusiasmou (até entio nunca adorara a Deus); pediu admissáo no Catecumenato dirigido pelas Irmas Canossianas de Veneza:

"Assim fomos ambas recebidas no Catecumenato.

Eu fui confiada com a menina a urna irmá encarregada da instrugáo dos catecúmenos. Nño posso recordar, sem chorar, o cuidado que ela teve corrí415

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

go. Ouis saber se eu tinha o desejo de tornar-me crista e, tendo ouvido que eu o desejava, e que alias vinha com aqueta intengáo, exultou de alegría. Entáo aquetas santas Irmas, com urna paciencia heroica, me instruiram e me fizeram conhecer aquele Deus que desde enanca eu sentía no coragáo, sem saber quem Ele fosse.

Lembrava como, vendo o sol, a lúa e as estrelas, as belezas da natureza, dizia a mim mesma: 'Quem é o patrio destas coisas táo bonitas?1. Eprovava urna grande vontade de vé-lo, de conhecé-lo, de prestar-lhe homenagem".

A Sra. Turina Michieli, porém, quis aínda voltar á África, levando

consigo Bakhita. Esta resistiu. Houve recurso ao Cardeal-Patriarca de Ve-

neza, que se dirigiu ao Procurador do Rei da Italia, em favor do respeito á

decisáo de Bakhita. A jovem teve ganho de causa, visto que na Italia nao se praticava o regime escravagista; era, portanto, considerada pessoa livre, aos 29 de novembro de 1889.

Aos 9 de Janeiro de 1890 recebeu o S. Batismo e os nomes de Jose fina Margarida Afortunada. No mesmo dia foi também crismada e participou da Primeira Eucaristía. Aos poucos o ideal da Vida Religiosa foi aflorando em sua mente, de modo que a jovem, aconselhada pelo confessor, pediu ¡ngresso na Congregacáo das Irmas Canossianas.

Aos 7 de dezembro de 1893 entrou no Noviciado, e aos 8/12/1896 pronunciou os primeiros votos religiosos, consagrando-se inteiramente

Áquele que, em dialeto veneziano, ela chamava "el me Parón'< (o meu Patráo).

3. A Religiosa

Por mais de cinqüenta anos, a Ir. Josefina Bakhita viveu na casa das Filhas da Caridade em Schio (Provincia de Vicenza), servindo na cozinha, na rouparia, na alfaiataria, na sacristía, na portaría... Era sempre afável para com todos, especialmente para com os pobres, os sofredores e as changas; as lembrancas do seu passado I he ficavam no coracáo. Infeliz mente, porém, nunca mais teve noticias da sua familia, que ela muito es-

timava.

Num Congresso de Jovens, um estudante de Bolonha perguntou a Ir. Josefina Bakhita: "Que farias se encontrasses os teus raptores?" Ao que ela respondeu de pronto: \

416

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

33

"Se encontrasse aqueles negreiros que me raptaran), e mesmo aqueles que me torturaram, ajoelhar-me-ia para beijar as suas máos; porque, se isto nao tivesse acontecido, eu nao seria agora crista e religiosa".

"Cuitados, lalvez nao sabiam que me faziam tanto mal: eles eram os patróes, eu era a sua escrava. Como nos somos habituados a fazer o bem, assim os negreiros faziam isto, porque era um seu costume, nao por maldade".

Interrogada a respeito de possfveis abusos de que tivesse sido víti-

ma por parte de homens brutais, declarou: "Estive sempre no meio da

lama, mas nao me sujei... Por graca de Deus, fui sempre preservada... Nossa Senhora me protegeu, ainda que eu nao a conhecesse... Em varias

ocasióes senti-me protegida por um Ser Superior".

Durante os anos de sua Vida Religiosa, repetía com freqüéncia:

"Come vol el Parón" (Como quer o Senhor). Mostrava-se muito inte-

ressada pelas missóes, a ponto de dizer: "Oh, se soubésseis quantos afri canos seriam já católicos se existissem missionários e missionárias para dizer-lhes que Deus os ama, que Jesús Cristo morreu por eles!" E rezava:

"Oh, Senhor, se eu pudesse voarlá para baixo (a África), entre a rrínha

gente, e pregar a todos comgrande voz a tua bondade! Oh, quantas almas po-

deria conquistar para Ti! Entre os primeiros, a minha máe, o meu pai, os meus irmáos, a minha ¡rmS, ainda escrava... todos os pobres negros da África. Fa-

ze, oh Jesús, que também eles Te conhegam e Te amem!"

Na velhice foi acometida por longa e dolorosa enfermidade, que ela

suportou com muita paciencia. No invernó de 1947 urna violenta pneu

monía prostrou-a, dando a prever o seu próximo desenlace... Recebeu consciente os sacramentos dos enfermos. Certa vez urna Irma I he perguntou: "Irma Josefina, como vai?" Respondeu:

"Vou-me devagarzinho para a eternidade... Vou com duas malas: urna contém os meus pecados, a outra, bem mais pesada, contém os méritos infi

nitos de Jesús Cristo.

Quando eu comparecer diante do tribunal de Deus, cobrirei a minha

mala fe/a com os méritos de Nossa Senhora; depois abrirei a outra. apresentarei os méritos de Jesús Cristo e direi ao Eterno Pai: 'Agora julgai o que vedes!' Oh, estou segura de que nao serei rejeitada! Entáo me voltareipara Sao Pedro e Ihe direi: 'Pode fechar a porta, porque eu fíco!'" 417

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

No delirio da alta febre, recordou-se do passado e exclamou: "Afrouxem as minhas correntes... Pesam!" Recuperou-se; vendo-a aliviada, urna das Irmas Ihe disse: "Irma Josefina, como está? Hoje é sábado!" Após alguns minutos, murmurou: "Como estou contente! Nossa Se-

nhora, Nossa Senhora!"

Foram estas as suas últimas palavras.

Apagou-se aos 8/2/1947 em Schio. Logo urna multidáo de pessoas foi á casa do Instituto a fim de ver pela última vez a Madre Moreninha (Madre Moretta). No dia 11/2, sob chuva torrencial, um grande cortejo a

acompanhou até o cemitério.

4. Na Gloria do Céu

Sao muitas as grapas que pessoas enfermas e carentes dizem ter recebido por intercessáo da Ir. Bakhita após a morte desta. Sua fama de santidade está difundida em todos os continentes. O processo de Beatificacáo e Canonizacáo da Irma teve inicio doze anos após a sua morte. Para a Beatificacáo de um(a) Servo(a) de Deus, a Igreja requer sempre um milagre, devidamente examinado por peritos que o reconhecam como totalmente inexplicável pela ciencia. Ora tal foi o milagre que a Providencia Divina houve por bem realizar, a fim de comprovar a virtude e a valiosa intercessáo de Ir. Josefina Bakhita:

Irma Ángela Silla Mari (Canossiana), em 1939, contando 2,6 anos de

idade, comecou a acusar dores agudas no joelho esquerdo.

No espago de um ano, mais ou menos, urna febre intermitente veio ¡untar-se á dor, que entáo se agravara a ponto de impedir qualquer movimento articulatorio. Por estes motivos. Ir. Ángela, em Janeiro de 1940, foi internada na Policlínica S. Mateus de Pavia, por cerca de dois meses. Durante este período diagnosticou-se-lhe urna artrosinovite especifica, que foi tratada com repetidas artrocenteses. Em marco de 1940foi inter nada no Instituto Helioterapóutico, em Arma de Taggia, onde foi tratada com a imobilizacáo da perna em leito rfgido e sobre-elevado, helioterapía e injecóes de calcio e iodo-arsenical.

No espaco de oito meses, o joelho esquerdo da Ir. Ángela foi trata do com injecóes evacuativas mais de 180 vezes. Em novembro de 1940 aparece a primeira fístula, seguida de outras duas no espaco de dois me ses, que permanecem a bertas por mais de dois anos e das quais sai abundante material purulento. i

418

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

35

Em abril de 1943 as fístulas se fecham, o joelho incha e a tempera

tura basilar chega a mais de 40 graus.

O joelho incha cada vez mais e assume uma cor violácea-marrom, que se espalha por toda a perna. Dada a gravidade das condicoes locáis, decide-se por uma amputagáo da perna.

A sucessiva abertura de tres fístulas, das quais sai pus denso e

abundante, afasta momentáneamente a amputagáo.

Em julho de 1944, Ir. Ángela é obrigada a deixar o Instituto Helio-

terapéutico, por causa dos acontecimentos bélicos, e retorna para junto

de sua familia, onde permanece por cerca de um ano, sempre com febre e dores. Registra-se também um leve melhoramento, mesmo se permanecem as fístulas, que se abrem e fecham alternadamente.

Em maio de 1944 a paciente comeca a "re-educar" a sua desambulacáo, fazendo alguns passos com a ajuda do girador. Depois faz uso

das muletas e, por último, da bengala.

Em julho de 1946, abre-se uma outra fístula, que permanece aberta por sete meses e da qual sai pus em abundancia. Completam o quadro clínico uma febre alta e dores lancinantes. A doente, que já nos anos precedentes podia mover-se somente com aparelho gessado e deambulatorio, estava praticamente imobilizada. Nao obstante uma nova terapia de sol praticada em Varazza no período de junho/agosto de 1947,

as condicoes da Ir. Ángela pioram tanto que induzem o Dr. Colli e seus'

assistentes a considerar oportuna uma intervencáo cirúrgica de extracáo total da rótula e de parte da tibia.

No dia 04 de outubro de 1947 a doente foi entáo internada de novo na Policlínica S. Mateus de Pavia, onde foram feitos ulteriores exames, que confirmaram a diagnose de artrite específica; foi programada a inter

vencáo cirúrgica para o próximo dia 12 de outubro.

Antes de ser internada, uma sua coirmá, Raquel Ruggeri, a exorta a iniciar com ela uma novena de oracóes á Ir. Josefina Bakhita, morta oito meses antes, em conceito de santidade. A doente pede-lhe somente o

bom éxito da operacáo. Sao feitos exames e radiografías. Abriu-se uma nova fístula e o médico deve medicá-la duas vezes ao dia, em virtude da

quantidade de pus que expele. Está tudo pronto para a operacáo. A doente, um pouco apreensiva, continua a rezar e a ter fé na intercessáo de Bakhita.

419

36

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

As vinte horas do dia 11 de outubro de 1947, o Dr. Massone medica

o joelho e faz a limpeza da fístula.

Durante a noite que precede a operacáo, a Ir. Ángela dorme pouco. Lá pelas duas horas do dia 12, ouve urna voz que Ihe diz: "Vamos, acorda, levanta-te e anda". Acorda de sobressalto e senté forte a inspiracáo

de descer do leito e, com grande estupor, vé que sozinha, sem nenhum apoio, pode ficar de pé. Dá volta em torno ao leito e chora de alegría e de

maravilha. Ofha o joelho e vé que voltou ao normal: nao tem mais a fís

tula, o inchaco desapareceu e nao acusa mais nenhuma dor. Senté que

está bem. O seu primeiro impulso é o de agradecer á Irma Bakhita. Sao duas horas da manhá do dia 12 de outubro de 1947, último dia da nove na, sete horas antes da programada operacáo. Pela manhá o pessoal en-

fermeirfstico, os funcionarios, os pacientes e os médicos ficam surpresos e maravilhados. Os médicos que deviam efetuar a intervencáo cirúrgica, em vista da Irma curada, consultam-se e examinam atentamente os

exames radiológicos da Ir. Ángela. No final declaram que a operacáo nao é mais necessária. Sarou improvisamente e inexplicavelmente, do ponto de vista médico, de urna grave forma de gonilite específica.

No dia seguinte, 13 de outubro, Ir. Ángela teve alta do hospital e é acolhida com grande alegría por suas coirmás e juntas agradecem á Irma Bakhita pela prodigiosa intercessáo.

Irma Ángela continuou sempre bem e exulta com a promulgado

do Decreto de Beatificado da humilde e simples Irma africana.

Transcrevemos, a seguir, a conclusáo das CONSIDERACOES MÉDICO-LEGAIS, do Dr. Francisco Xavier Santório, encarregado pela

CONGREGACÁO DAS CAUSAS DOS SANTOS de redigir urna pericia médico-legal sobre a cura da Irma Ángela Silla Mari, canossiana, por in

tercessáo da Venerável Josefina Bakhita:

"Com base na avaliacáo da documentagáo clínica, dos atos da causa e

das disposigóes sobre a cura da Ir. Ángela Silla Mari, por intercessáo da Ve nerável Josefina Bakhita, pode-se seguramente afirmar que a doente era ate tada por urna grave forma de gonilite especffíca.

Tal lesáo era rebelde a todas as terapias praticadas. O quadro clínico e

radiográfico progrediu de 1939 a 1947.

Antes de tudo, devemos levar em consideragáo as modalidades de cura das artrítes específicas em tal época. Em outros casos que nao o da Ir. Án gela, mesmo quando a tuberculose osteo-articular sarava, oprocesso de cura i

420

JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA

37

verificava-se gradualmente em períodos muito longos (meses ou anos), e, em geral, se transformava em anciloses fibrosas e ósseas.

No caso da Ir. Ángela Silla Mari, ao invés, a cura loi completa e duradoura e, sobretudo, se deu de maneira completamente diferente das modali dades de cura ácima expostas. O que causa maravilha em particular, é a instantaneidade da cura de urna doenga crónica que perdurava havia oito anos, sem que tosse modificada, de algum modo, a terapia precedentemente prati-

cada. Enfatiza-se, além disso, o perdurar da regressáo da doenga a ponto de se transformar numa cura completa e duradoura, mesmo se no plano da fun-

cionalidade esta fica alterada. Portanto, com base em quanto se deduz da documentagáo sobre a cura

da Ir. Ángela Silla Mari, concluo afirmando que a evolugáo clínica da doenga e a cura improvisada e instantánea sao absolutamente inexpticáveis do ponto de vista médico. Roma, 14 de fevereiro de 1991 Dr. Francisco Xavier Santorio"

5. A Beatificagáo A Beatificado de Ir. Bakhita aos 17/5/92 ocorreu em momento muito oportuno. Com efeito; em fevereiro pp., o S. Padre Joáo Paulo II

esteve, pela oitava vez, na África, onde visitou a ¡Iha de Gorée, a 3 km da costa do Senegal, frente a Dakar. Nessa ilha acha-se a "Casa dos Escravos", onde durante quatrocentos anos os africanos cativos eram reuni

dos, á espera do embarque para o continente americano. Gorée vem das palavras holandesas goede reede (boa enseada ou bom ancoradouro). O Papa se deteve por sete minutos em silencio á "porta da viagem sem retorno" da Casa dos E seravos e lá pediu perdáo aos africanos pelos males a eles causados por traficantes portugueses, holandeses, ingleses e franceses:

"Vim prestar homenagem a todas essas vílimas desconhecidas. Infe lizmente a nossa civilizagáo, que se dizia e se diz crista, retornou, em nosso secuto, á prática da escravatura. Sabemos o que foram os campos de concentragáo: aquí há um espécimen dos mesmos". Para completar o desagravo, a Igreja teve a alegría de ver glorifica da urna escrava aos 17/5/92. E pode-se acrescentar que um semelhante

processo está em curso, este em favor de um ex-escravo negro, nascido no Haiti, um dos países mais pobres da América. Ver o artigo seguinte deste fascículo. 421

Um santo filho do Haití:

Pierre Toussaint, Ex-Escravo

Em síntese: O escravo haitiano negro Pierre Toussaint serviu á fami lia francesa Bérard, no Haití e nos Estados Unidos da América, até os 45 anos de idade. Tendo morrido os seus patróes, deu-se por livre de qualquer compromisso com os herdeiros; casou-se e passou a dedicarse a obras de caridade como católico exemplar. Nasddo em 1766, faleceu em 1853, após urna vida de virtudes comprovadas.

O seu processo de Beatificagáo está em curso. Todavía grupos de ca tólicos norte-americanos negros o impugnam, porque Pierre Toussaint nao

partícipou da rebeliáo dos escravos do Haití em 1787, preferindo, antes, acompanhar os seus patróes, que entáo se refugiaram nos Estados Unidos. Terá faltado de solidariedade evangélica, dizem os opositores do processo. A questáo é discutida, pois participar de urna revolucSo armada pode ser ato de virtude, mas nao o é necessariamente; há casos em que o cristáo, em consciéncia e diante de Deus, pode julgar que nao Ihe compete assurrír tal atítude.

Está em curso o processo de Beatificacáo de um ex-escravo negro

do Haití. Trata-se de Pierre Toussaint (1766-1853), cuja vida merece ser relatada ñas páginas subseqüentes.

1. O País

0 Haití é urna República do Mar das Antilhas, situada na porcáo

Leste da ilha Hispaniola, onde também se encontra a República Domini cana.

A ilha Hispaniola foi descoberta por Cristóváo Colombo em sua prímeira viagem á América no ano de 1492. Em 1625, a parte oriental da i

422

PIERRE TOUSSAINT, EX-ESCRAVO

39

ilha, correspondente ao atual Haiti, foi cedida aos franceses, que estabeleceram na regiáo grandes plantacóes de cana de acucar, utilizando máode-obra escrava. Influenciados pelas idéias republicanas que originaram

a Revolucáo Francesa de 1789, os negros se rebelaram e, em Janeiro de

1804, após mais de um decenio de lutas, foi proclamada a independencia do país. A subseqüente historia do Haiti é muito acidentada por causa de polémicas internas encabezadas por chefes rivais entre si. Foi em tal contexto que viveu Pierre Toussaint.

2. A Figura do Cristáo

Pierre Toussaint nasceu no Haiti em 1766. Era escravo da famfiia francesa Bérard. Tinha 21 anos, quando em 1787 os escravos se rebela

ram em Porto-Prfncipe {capital do país). Diante da agitacáo, a familia

Bérard resolveu partir para os Estados Unidos. Ora Pierre Toussaint

acompanhou os patróes, em vez de assumir posicáo ao lado dos escravos

em sua luta.

Pouco depois de chegar aos Estados Unidos, o casal Bérard perdeu os seus bens e o chefe da familia faleceu. Em tais circunstancias, Pierre

Toussaint quis ser o esteio da viúva Bérard e de seus filhos, trabalhando

como cabeleireiro da alta sociedade de Nova lorque.

Quando Toussaint tinha 45 anos de idade, a viúva também morreu. Assim o servidor se deu por livre de qualquer compromisso com a fami lia. Casou-se e passou a dedicar-se a obras de caridade: fundou orfanatos para acolher crianzas abandonadas, quis ajudar os pobres despiezados e assistir aos doentes mais esquecidos. Morreu em Nova lorque no ano de 1853, após ter participado diariamente da Eucaristía durante 68 anos.

Os seus restos mortais em 1991 foram trasladados para a catedral de Sao Patricio em Nova lorque. O Cardeal O'Connor, arcebispo local, tem estimulado o processo de Beatificacáo do ex-escravo negro, e incita

os católicos a pedir a intercessáo de Pierre Toussaint. O dossié de docu mentos (cartas, escritos, testemunhos...) relativos a P. Toussaint jé se encontra na Santa Sé. Merece atenea o a figura de um negro leigo, ex-es

cravo, casado e filho de um dos países mais pobres do mundo, que se

consagrou ao servico de pessoas marginalizadas. Daf o interesse das au toridades eclesiásticas no andamento do processo de Pierre Toussaint, cuja figura muito tem a dizer ao mundo de hoje. 423

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

3. Mas...

Acontece, porém, que alguns segmentos da Igreja Católica nos Es tados Unidos, de origem negra, se opóem ao processo de Beatificado de P. Toussaint. Alegam que este cristáo é. antes, um exemplo de confor mismo do que de solidariedade evangélica. O fato de ter acompanhado os patróes em viagem para os Estados Unidos, em vez de participar da revolucáo dos escravos haitianos, desagrada a tais setores. Em conseqüéncia, os católicos norte-americanos se véem colocados diante da pergunta: "A Igreja Católica nao deve apoiar o negro que preferiu aguardar a sua libertario abstendo-se de revolucáo violenta?"

Á guisa de reflexáo sobre tal assunto, pode-se dizer: o que faz o

valor de um cristáo, é a sua prontidáo generosa e abnegada para respon der aos apelos de Deus. Ora a participacáo numa revolucáo armada pode ser, mas nao é necessariamente, um ato de virtude sugerido pelo Espirito Santo. Pierre Toussaint julgou que nao Ihe competía tomar parte na rebeliáo dos escravos do Haiti. Concluiu queoutra deveria ser a sua atitude pessoal. Terá dado mau exemplo? - D. Valfredo Tepe, Bispo de llhéus,

pondera: "É um argumento capcioso afirmar que aquele que nao com

bate um regime, que nao luta para derrubá-lo, estaría favorecendo a ele ou estaría conivente com ele" (Estamos Salvos. Ed. Paulinas 1982, p. 128).

CONTA DE TEMPO

DEUS PEDE DE MIM ESTRITA CONTA DO MEU TEMPO. E FORCOSO DO MEU TEMPO JÁ DAR CONTA. MAS COMO DAR. SEM TEMPO, TANTA CONTA, EU QUE GASTEI. SEM CONTA, TANTO TEMPO? PARA TER MINHA CONTA FEITA A TEMPO. DADO ME FOI TEMPO. E NAO FI2 CONTA'. NAO QUIS. SOBRANDO TEMPO. FAZER CONTA. QUERO HOJE FAZER CONTA E FALTA TEMPO.

OH! VOS. QUE TENDES TEMPO SEM TER CONTA. NAO GASTÉIS ESSE TEMPO EM PASSA-TEMPO.

CUIDAI. ENGUANTO É TEMPO. EM FAZER CONTA! MAS. OH! SE OS QUE CONTAM COM SEU TEMPO FIZESSEM DESSE TEMPO ALGUMA CONTA, NAO CHORARIAM. COMO EU. O NAO TER TEMPO! Laurindo Rabeilo, Poeta Mineiro 424

Do Luteranismo ao Catolicismo:

Cristas Suecas e Beneditinas

A revista alema MARÍA SIEGT (María vence) do Johannes-Verlag

Leutesdorf1 na Alemanha noticiou, em seu número de Janeiro de 1991,

p.8, a profissáo religiosa monástica de dez Irmas suecas que passaram do

Luteranismo para o Catolicismo. A solenidade ocorreu a 1? de novembro de 1990 no mosteiro de Mariagarden (Jardim de María) em Vadstena (Suécia meridional).

Desde 1985 a comunidade de Irmas luteranas de Vadstena, que se autodenominavam "Fílhas de María (Marientoechter. em alemáo)", voltou-se para o Catolicismo. Algumas Religiosas decidiram converter-se á fé católica, impressionadas pelo secularismo e pela perda de fé entre os

cidadáos suecos2; a nova comunidade seria consagrada ao Sagrado Co-

ragáo de Jesús. A caminhada espiritual, o aprofundamento na fé católica e o aprendizado da tradicáo beneditina na comunidade católica de Vads tena foram acompanhados e incentivados pelas monjas alemas de Varensell. Em 1988 as dez Religiosas que deixaram o luteranismo, foram devidamente recebidas na Igreja Católica.

A profissáo monástica dessas dez Irmas (todas suecas) ocorreu, como dito, por ocasiáo do quadragésimo aniversario da definicáo da Assuncáo de María SSma. aos céus proferida pelo Papa Pió XII a 1/11/1950. Sete délas ¡á haviam professado na comunidade luterana, co mo Religiosas: renovaram entáo em termos definitivos a profissáo na comunidade católica; as demais fizeram sua primeira profissáo, prometendo, como manda a Regra de Sao Bento, conversáo dos seus costumes, obediencia e estabilidade na Congregado.

1Johannes-Verlag Leutesdorf, Postfach 40, D-5458 Leutesdorf am Rhein.

2A propósito do secularismo na Escandinava ver a entrevista em PR

349/1991, pp. 271-276.

425

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Missa solene de profissáo foi presidida pelo bispo de Estocolmo, Mons. Hubertus Brandenburg, tendo a seu lado o Abade Primaz Viktor Dammertz, da Ordem de Sao Bento, e mais de cinqüenta Religiosos pro venientes de países nórdicos da Europa; além destes, achavam-se pre sentes diversos pastores luteranos, a Abadessa Madre Judith Frei e monjas beneditinas de Varensell, que haviam preparado espiritualmente as Irmas suecas para a sua consagra9áo monástica na Igreja. Alguns pronunciamentos ocorreram por ocasiáo da cerimónia: assim o bispo Mons. Brandenburg pos em relevo o clima de amizade exis tente entre católicos e protestantes, como se podia apreciar naquele mo mento: após a Missa perguntou a membros da comunidade luterana se nao sentiam tristeza pela conversáo das monjas; responderam eles uná nimemente: "Nao as perdemos, continuam a ser nossas Irmas"; de resto, as monjas católicas continuaram a lavar as alfaias do culto luterano e ficam em contato com os crentes luteranos. O Abade Primaz Viktor Dam

mertz expressou sua alegría por ver que aos 300 mosteiros beneditinos

femininos se acrescentava mais um, desta vez na Suécia. Urna das Irmas "Filhas de María" (luterana) realcou o fato de que o mesmo tronco reli gioso tinha dois ramos: o luterano (Filhas de María) e o católico (be

neditinas}; era um sinal de aproximacáo da unidade entre católicos e evangélicos; apenas lamentou que nao pudessem as luteranas participar

da Comunháo Eucarlstica ministrada durante a Missa de Profissáo1. To

davía um testemunho de respeito e benevolencia mutua ocorreu por oca siáo da distribuicáo da Comunháo: os luteranos se aproximaram da Mesa de Comunháo e receberam a béncáo do bispo celebrante; este prelado,

alias, explicou posteriormente á imprensa que tal costume é vigente na Suécia desde 1983: considera-o um passo adiante no processo delicado e lento de reatamento da unidade entre os cristáos.

A nova comunidade católica tem o seu mosteiro na vízinhanca da igreja de Santa Brígida, que atualmente pertence aos luteranos; ao lado do mosteiro, há urna casa de hospedes, muito freqüentada por pessoas que procuran» recolhimento e oracáo nos seus dias livres.

Tais noticias sao altamente alvissareiras. Mostram como ficaram resquicios de Vida Religiosa consagrada a Deus pelos votos regulares dentro do Luteranismo (Lutero foi um frade que abjurou sua profissáo religiosa!) e como se váo apagando preconceitos. - A graca do Senhor

*A Igreja Católica ensina que a intercomunháo eucarfstica supóe a comunhSo

eclesial, de modo que, enquanto nao há unidade de tgreja entre luteranos e católicos, nao pode haver ComunhSo Eucaristías, i

426

LIVROS EM ESTANTE

43

t rabal ha nos coracóes, afim de unir os filhos de Deus na grande e única

familia que Jesús Cristo instaurou na térra, derramando o seu sangue por ela. Para este movimento de volta ás fontes concorre o secularismo ou o vazio deixado nos coracóes pelo materialismo da vida contemporá nea. Bem dizia S. Agostinho: "Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto está o nosso coracáo enguanto nao repousa em Ti!" (Confíssóes 1,1).

Livros em Estante A Profecía de Fátima e a Queda do Comunismo,por PierLuigi Zampetti. Tradugáo do italiano peto Pe. Afonso Paschotte. - Ed. Santuario, Aparecida (SP), Caixa postal 4, 140 x 210 mm. 101 pp.

O autor é professor titular de "Doutrína do Estado" na Universidade de Genova. Em Trieste fundou a Faculdade de Ciencia Política, da qual foi Dire-

tor. É também membro da Academia Nacional de Direito e Ciencia Social de

Córdoba (Argentina). Escreveu diversas obras sobre Direito, Filosofía e So ciología. Em 1985publicou II Vangelo di mía Mamma (O Evangelho de minha Máe), em que refere os ensinamentos recebidos de sua máe terrestre. No livro sobre "A Profecía de Fátima...", tenciona realgaros ensinamentos que María, MSe Celeste, transmite a partir de Fátima.

A obra narra sintéticamente a seqüéncia das aparigóes a Luda, Frandsco e Jacinta, desde as manifestagóes do anjo em 1916 até a última apari-

gáo da Virgem Santfssima em 13 de outubro de 1917. Enquadra o relato dessas aparigóes dentro de refíexóes sobre a profecía relativa é Rússia feita em

juiho de 1917, quando o Comunismo aínda nao se apossara do Governo da URSS: "A Rússia vai converter-se... e o mundo terá um período de paz". O Prof. Zampetti póe em relevo o poderío do Imperio Soviético que havia de desmoronar sem revolugáo sangrenta, mas por imprevista e surpreendente (milagrosa?) implosáo. Sao patavras de Lénin:

"Prefiro um millonario explorador ateu a um proletario crente". "Deus é meu inimigo pessoal".

"Destruiremos tudo e sobre suas ruinas construiremos o nosso tem

plo" (p. 16).

"Em 1932 foi fundado em Leningrado o Museu do Ateísmo. O edificio

desse Museu era a ex-catedral de Nossa Senhora de Kazan, construida por vontade do czar Nicolau I entre 1801 e 1810, imitando a Basílica de S. Pedro em Roma. Pensemos: a proclamacáo oficial do ateísmo numa catedral dedi427

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

cada a María e construida á imitagáo da Basílica de Sao Pedro! Sem coménta nos!" (pp. 16s).

A profecía de Fátima cumpriu-se no tocante á URSS. Sem dúvida, aínda há no mundo redutos de regime ateu e perseguidor da religiáo. De resto, nun ca o cristáo estará isento de ameagas e obstáculos enquanto correr a historia deste mundo. Por feto o Prof. Zampetti descreve tragos da civilizagáo consu mista ocidental, que sofre o grande vazio deixado pela desenfreada procura

de bens mateñais e de prazer. a erase da familia, a difusao das drogas, o fla gelo da AIDS, a poluigáo ecológica e a destruicáo dos ambientes naturais... sao conseqüéncias da dissolugáo ética do mundo ocidental. Dato anseio, expresso por Zampetti no fínal do seu livro: a mensagem de Fátima, chamando os homens á oragáo e á penitencia, encontré acolhida no mundo ínteiro! Assim a humanidade poderá gozar de um periodo de paz, também prometido por Nossa Senhora em Fátima, caso se Ihe dé atengSo.

O livro do Prof. Pier Luigi Zampetti comenta urna revelagáo particular; como tal, ela nao se impóe á fé dos fíéis católicos. Como quer que seja, a

mensagem de Fátima nao é senSo a enfatízagáo da pregagáo de Jesús no Evangelho. Poristo, mesmo prescindindo de visóes e aparigóes, podem todos os fíéis assumir e por em prátíca aquilo que o Prof. Zampetti apresenta como proveniente de Fátima: "Oragáo e conversáo". A historia contemporánea o pede com particular insistencia.

Opfáo Preferencial pela Riqueza,por J. O. de Oliveira Penna. -

Ed. Instituto liberal, Rio de Janeiro 1991, 150 x 220 mm, 232 pp.

O autor é antigo diplómala, professor, jornalista e escritor. Coríhece bem os diversos continentes do mundo e a historia da economía, que ele aborda no livro em pauta.

Segundo Meira Penna, a superagáo da pobreza nao depende tanto do regime sócio-politico ou da estrutura legal da propriedade (regime comunista ou capitalista) quanto depende da existencia e do desénvolvimento de urna ética económica. Esta Implica a exigencia de tres virtudes: a virtude do trabaIho, a da poupanga eada honestidade. Estas tres virtudes devem associar-se á eficacia: "Trabalho, poupanga e honestidade devem coincidir com a eficien cia produtiva numa economía livre" (p. 3).

Tal é a tese do livro. A rigor, nada se ine pode objetar, visto que o cultivo

da honestidade deve incluir em seu conceito o da justíga, o da retidao, o da lealdade,... antídotos da corrupgao moral de que sofre o Brasil. Se todos os cidadáos brasileims se estorgarem por trabalhar, poupar e ser honestos, nao há

dúvida de que a situagao brasileira melhorará muito, embora nunca se possa 428

LIVROS EM ESTANTE

45

tomar um paraíso antes que chegue o Reino de Deus em sua plenitude. A nonestídade, sendo justa, deverá levar em conta as condigóes dos que náopodem trabalhar (por doenga ou por despreparo) e procurará atender as suas necessidades. "A educagáo, a paideia nacional estará apta a criar as condi góes para que surja no Brasil urna sociedade mais harmónica, mais justa e

mais enciente''(p. 3).

Eis, porém, que, para desenvolver a sua tese, o autor se volta contra a Igreja Católica, acusando-a de nao ter oferecido, durante o período colonial brasileiro, e, depois, no Imperio e na República, urna ética económica que estimulasse entre nos um desenvolvimento dentro de padróes democráticos. - A este propósito devemos dizer que até meados do sáculo XX no Brasil a Igreja nunca se preocupou minuciosamente com a política económica do Governo, losse colonial, fosse imperial, fosse republicano. A Igreja tinha, sem dúvida, seus principios de Moral que condenam a riqueza egoísta, louvam a pobreza voluntaria por amor a Cristo (el. Mt 19, 21), mas parecia-lhe poder confiar aos governantes as opgóes de ordem técnica; o problema "ricos e pobres" nao saltava tanto aos olhos quanto nos últimos decenios. Por feto também a Igreja nao se via obrigada a entrar em minucias de ética económica. Nao era este o seu dever, principalmente nos séculos anteriores á proclamagáo da República

(1889), séculos em que o Estado era oficialmente católico e, conseqüentemente, era tído como o responsável capaz de prover cristámente ao problema da economia (dentro dos parámetros próprios de cada época).

O autor julga outrossim que a opgáo pelos pobres, adotada pelos Bispos desde Medellín (1968), nao visa a transcender a miseria, mas a conservar os pobres na pobreza, como massa de manobra para urna nova classe domi nante de burócratas e intelectuais estatizantes, cuja ideología M. Penna de nomina de "nacional-socialismo". Esta afírmagáo ó evidentemente tendencio sa e falsa. A opgáo preferencia! petos pobres, tal como é entendida pelos do

cumentos oficiáis da Igreja, nao tem caráter classista, ou seja, nao tem em

vista apenas aqueles que sao desprovidos de bens materiais, mas visa a to das as pessoas carentes também no plano moral e no espiritual: sao pobres

as pessoas que, cheias de dinheiro, perderam o senso da vida, sao tentadas

ao suicidio, ao desespero, ao uso de drogas, aos crimes, etc. Como se vé, tal opgáo nao interessa a alguma ideología nemaalguma classe dominante, mas tem índole apolítica. Se alguma corrente da Igreja (tal como a Teología da Libertagáo) entendeu a opgáo pelos pobres em sentido sociológico, jogando os

pobres contra os ricos, feto se deve a urna posicáo particular de tal escola; houve distorgáo do sentido da opgño pelos pobres, que a Igreja lamenta pro fundamente. - Assim vé-se que o autor M. Penna pode talvez terem vista os desmandos da Teología da Ubertagáo, realmente lamentáveis, mas nao os atribua ao magisterio da Igreja. 429

46

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Opcáo pelos Pobres na Biblia.por Rinaldo Fabrís. Tradug&odo itaBano por Benoni temos. Colecto "Encontró com a Biblia". - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1991, 155x220mm. 162 pp.

Este livro resulta de debates realizados pelo autor com grupos de estu diosos. Examina com precisáo os textos do Antigo e do Novo Testamento re ferentes aos pobres, evidenciando o leque de acepgóes que pode ter a palavra "pobre" ñas Escrituras; indica nao somente aquele que nSo possui bens materiais, mas também os carentes no plano religioso-espiritual. O plano da obra é o seguinte: I) Os Pobres na Biblia e Hoje; II) O Reino de Deus prometi do e dado aos Pobres; III) Os Pobres e a Missáo Histórica de Jesús; IV) Os Pobres na Tradigao Bíblica; V) A primeira Igreja e os Pobres; VI) Sao Paulo e os Pobres; Vil) Os Pobres na Historia da Igreja. Este último capítulo se distin

gue por apresentar notável síntese do pensamento católico através dos séculos, terminando com referencias á Doutrina Social da Igreja elaborada pelos últimos Papas.

O livro se caracteriza por urna erudigáo que se exprime em termos acessfveis aos estudiosos da S. Escritura de nivel medio. É também marcado por equilibrio e equidistancia de posigdes extremadas. É obra de valor. A Biblia, sua historia e leitura: urna introdugáo, por Johan Konings. Colegio "Reiigiáo e Saber" 2. - Ed. Vozes, Petrópolis 1992, 140 x 210 mm, 293 pp.

O autor é erudito professor do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesús, autor de outras obras de iniciagáo bíblica. A Introdugáo á Bfblia que J. Konings agora oferece ao público, pretende ser meioitermo entre erudito e popular. Propóe o conceito de inspiragáo, a historia do canon e a

historia do texto sagrado, de tal maneira que há, sem dúvida, muitas páginas notáveis nessa Introdugáo. Notam-se, porém, ¡acunas, especialmente quando

o autor trata da verdade ou da veracidade da Biblia: dá a entender que esta nos transmite apenas a experiencia religiosa ou o modo de pensar das geragóes antigás (o que redunda em bultmannianismo), e nao a mensagem objetiva

do próprio Deus; ver p. 258. A distingáo entre exegese e hermenéuti ca admite que se possa atribuir ao texto bíblico um sentido de que "o autor sa grado nño tinha consciéncia, mas que neo deixa de ser legítimo, porque ba-

seado numa mesma compreensáo da vida. É o caso da leitura política de de

terminados textos" (p. 248). O modo de explicar o texto patrocinado por Car los Mesters e tendenciosamente popular, "latino-americano", é assim preconi zado; ver pp. 248s. 265.

Redigido na linha de urna compreensáo inspirada por Rudolf Bultmann,

racionalista e liberal, e numa perspectiva politizante "latino-americana", o livro 430

LIVROS EM ESTANTE

47

se torna unilateral ou mesmo alheio ao pensamento católico em algumas de suas partes.

Filosofía da Religiáo, por Urbano Mes. Colegio "Filosofía". -Ed.

Paulinas, SSo Paulo 1991, 195 pp., 160x240mm.

O autor, professor da PUC-RS, é mestre notável e autor de varias obras filosóficas e teológicas. No livro aquiapresentada aborda o pensamento fílosófico-religioso de arautos da Filosofía moderna e contemporánea: Des

cartes, Pascal, Kant, Hegel, Wittgenstein, Popper, Feuerbach, Kart Marx,

Freud, Nietzsche, Sartre... O autor do livro expde as linhas doutrínárias de ca

da qual desses filósofos, mostrando bom conhecimento de causa, e acres-

centa sempre urna avaliagáo ou crítica do pensamento de cada um. Assim o

leitor encontra na obra de Zilles urna introdugSo ás teorías religiosas ou anti religiosas das escolas modernas, com alguns referenciais para reconheceros

pontos positivos e negativos de cada filósofo analisado.

Todavia as explanacóes feitas por Zilles sao um tanto pesadas; poderíam ser mais sucintas, mais claras e menos repetitivas. Nem sempre é fácil

encontrar o fio da meada ou a tinha condutora dos muitos dizeres de U. Zilles. - feto se verifica também na Introdugáo e na ConclusSo do Bvro; desearseiam af, onde o autor fala em seu próprío nome, posigóes mais definidas e níti das. Zilles parecer querer justificar a religiáo porque é ela que dá sentido é vi da humana (cf. pp. 6. 192-5), mas suas expressóes sao tímidas; em algumas

páginas parece ceder ao relativismo: "As maneiras possfveis de entender a religiSo sao muitas e nenhuma tem a garantía de ser a verdade definitiva" (p.

190). Em outras passagens, porém, vai mais além no sentido positivo: "Na verdade nada indica o fim da té em Deus e da religiáo" (p. 191). E termina o //vro dizendo: "Se é difícil crer em Deus, mais difícil é viver sem Ele" (p. 195).

Julgamos que o autor podería ter desenvolvido o pensamento de Carí Jung, o de Viktor FrankI e outros, que apresentam a religiSo como expressáo

típica do ser humano; assim como o homem é sapiens, também é relfgio-

sus. A pré-história e a historia da humanidade estSo a dizé-lo. O livro, enri quecido por mais clareza e defínigao e mais ampio panorama de filósofos con siderados, muito lucraría. Todavia estas observagóes nao tencionam desme recer a obra, na medida em que é um léxico informativo, que deve ser com pletado com avaliagóes mais precisas.

Seguir o Cristo. Manual de Moral para o Povo de Deus,por Daniel L Lowery C.SS.R. - Ed. Santuario, Aparecida (SP), Caixa postal 4, 140x210mm, 168 pp.

O Pe. Daniel Lowery é redentorista norte-americano, graduado em So

ciología e Teología Moral. Tem ensinado Teología Moral em diversas institui431

48

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

góes. Escreveu um Manual, nao um Tratado de Teología Moral - o que quer dizer: compendiou numa obra de suave leitura as grandes teses da Moral

Católica, comentando os dez mandamentos e as grandes virtudes cristas. O

livro é muito útil, principalmente pelo tato de ser fiel á S. Escritura, á Tradigáo e ao magisterio da Igreja em todos os pontos "nevrálgicos" abordados.

Evita o subjetivismo, que caracteriza muitos escritos de Teología Moral

contemporáneos, subjetivismo que consiste em fazer do individuo e de suas

opinides ou de sua situagáo o criterio da moralidade. A atítude do autor se ex

prime claramente no seguinte tópico relativo á consciéncia moral:

"Se urna mulher está grávida, será que a liberdade de consciéncia Ihe permite provocar o aborto? Se eu sou pai de família, será que a liberdade de consciéncia me permite fazer tu rismo na Europa enquanto os filhos passam necessidade? As respostas a estas perguntas tém de ser Nao. A consciéncia nao é

urna lei, pois, por si mesma, nao é urna fabricante de valores moráis. Os valores da justica, da caridade, da verdade tém um

sentido objetivo. É verdade incontestável que a consciéncia de

urna pessoa pode errar em boa fé..., mas também é verdade que

urna vida moral auténtica, na frase do Cardeal Newman, exige que a consciéncia se projete além de si mesma para o conhecimento e a apreciagáo do que é certo e do que é errado" (pp.

43s).

Já que o original inglés data de 1982, observamos que, ao tratar de in

seminagáo artifícial, o autor nao menciona o documento da Santa Sé datado de 22/02/87 e iniciado pelas palavras Donum Vitae (O dom da* Vida); tal

Instrugáo rejeita a inseminagáo artifícial heterótoga (com intervengio de tercei-

ro) e abre tenue possibilidade de se praticar a inseminagáo homologa, desde que a intervengSo artifícial apenas secunde ou leve a termo a cópula natural entre marido e mulher. Nem o tradutor da obra para o portugués se refere a este importante documento da Santa Sé. Cf. pp. 163s.

Felicitamos o autor por oferecer ao público este compendio de Moral. Embora nao considere a casuística em toda a sua amplitude, propde todos os principios da doutnna católica para uso de párocos e leigos, podendo servir também ás escolas de formagáo católica. Estéváo Bettencourt O.S.B.

432

a ORDINARIO

para celebracáo da Eucaristía com o povo 2SS edicáo (atualizada)

Traducáo oficial revisada para o Brasil pela CNBB, aprovada pela Santa Sé, contando 11 Oracóes Eucarfsticas, inclusive a mais recente

"Para diversas circunstancias" (8 novembro 91), com aciéscimo de aclamacóes e novos textos. Impressáo em 2 cores, com tipos bem

tegfVeis. 110 págs. Formato de bolso (15 x 11). Cr$ 4.000,00 (até

julho).

Livros Monásticos:

1. Concordancia da Regra de S. Bento. A. de Vougué- Dom Abade Paulo Rocha, OSB. CIMBRA 1988.860p.

Um dos instrumentos eficazes para o estudo da Regra de Sao Bento

sao as CONCOROANTIAE que, de modo fácil e rápido, permitem-nos

encontrar e conhecer as palavras e sentencas empregadas por Sao

Bento em sua obra

2

Cr$ 18.000,00

Santo Agostinho - Escritos Monásticos. CIMBRA 1991. Principáis

' textos monásticos de Santo Agostinho 187p

CrS 27.500,00

3. Historia Lausíaca - Paládio. CIMBRA 1986. 150p. A Historia Lau-

' slaca está entre as fontes do monaquismo antigo. Escrita entre 419-420, descreve a vida monástica de homens e mulheres, ñas diver

sas regióes do Oriente: Egito. Palestina, Siria e Asia Menor

Cr$

25.000,00

4 HISTORIA DOS MONGES DO EGITO, CIMBRA 1990. É um do-

' cumento anónimo, escrito cerca do ano 400.130p. ... Cr$ 25.000,00

5. SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE

Por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B. 190 págs. ... CrS 18.000,00

O genio, ou seja a santidade de um monge da Igreja latina do século

VI (480-540) - SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em

mestre e em legislador de um estado de vida crista, empenhado na

procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na trajetóría de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo.- As-

sim, o discípulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo de monge".

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR. PARA 1992: CrS 30.000,00 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano: 91:

Encadernado em percalina, 590 págs. com índices (Número limitado de exemplares)... CrS 50.000,00

- REVISTA "LITURGIA E VIDA"

Continuadora da REVISTA GREGORIANA, direcáo e redacáo de 0. Joio Evangelista Enout OSB. Há 38 anos sai regularmente.

O N° de maio-junho (228) apresenta os seguintes títulos:

Jesús Ressuscitado e a Missáo da Igreja em Jo 21,1-19 - Palavras de D. Joáo Evangelista Enout no Casamento de Ana Botafogo e Fabiano Marcozzi - Do Canto Gregoriano no estudo da Musicología - Presenca da romana Cantilena no Brasil - 0 Canto Gregoriano no Brasil e a Espiritualidade Benditina - Revmo. Abade Dom Inácio Accioly OSB Ho milía para a Missa de Cínzas - D. José Palméiro Mendes OSB Homilía para o Domingo da Páscoa - Crónica de Filmes.

Assinatura anual em 1992

Cr$8.000,00

Para assinatura dirija-se a Mosteíro de Sao Bento, Caixa Postal 2666

CEP 20001 -970- Río de Janeiro - RJ.

- REVISTA "EM COMUNHÁO" Revista bimestral, editada pelo Mosteiro de Sao Bento, destina-se aos Oblatos e ás pessoas ¡nteressadas em assuntos da espiritualidade mo nástica. Além da conferencia mensal de D. Estéváo Bettencourt para os Oblatos, contém traducóes de comentarios sobre a Regra benedítina e

outros assuntos monásticos. - Assinatura anual

CrS 15.000,00

Para assinatura dirija-se a Armando Rezende Filho

(Caixa Postal 3608 - 20001 Rio de Janeiro - RJ) ou ás Edicóes "Lu men Christi" (Caixa Postal 2666 - 20001 Rio de Janeiro - RJ). Pedidos de números avulsos podem ser feítos ás Edicóes "Lumen Christi", pelo Servico de Reembolso Postal.

«

6. A Regra de Sao Bento, 3? edicáo em latirn/portugués, com anota-

cóes por D. Joio Evangelista Enout, OSB. 1990:210p

25.000,00

7. Estudos sobre a Regra de Sao Bento, sob a orientagáo da Ir. Aquinata Bockmann, OSB:

-Fascículo I-Introdugáoao Método. 29p. 1977 CrS 8.500,00 -Fascículo II-Comentario dos Capítulos 66-67.50p. . Cr$ 8.500,00

- Fascículo III -Comentario dos Capítulos 27-28.72p.. Cr$ 8.500,00 -Fascículo IV - Comentario dos Capítulos 33-34.52p.. CrS 8500,00

- Fascículo V - Comentario do Capítulo 35.56p - Fascículo VI - Comentario do Capitulo 48.58p - Fascículo Vil - Comentario do Capítulo 19

Cr$ 8.500,00 Cr$ 8500.00 CrS 8.500.00

8. Perspectivas das Kegras ae bao Bento. Ir. Aquinata (Bóckraann, OSB), comentario sobre o prólogo « » „ „„„ ™

e os Capítulos 53. 58, 72, 73 da RB. 364p1990

CrS 35.000.00

Related Documents


More Documents from "Apostolado Veritatis Splendor"