Ano Xxv - No. 277 - Novembro/dezembro De 1984

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memorietm)

APRESENTTAQÁO

DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora,

'.'■"

visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propoe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

j|_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se

.. dissipem e a vivencia católica se fortaleca

~ij" no Brasil e no mundo. Queira Deus

abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

Teología da Libertado: Qualro Enfoques

Teología da Ubertacao: Palavra Oficial da Igreja "A Oor SalvHIca"

A Inslrucáo "Inaesllmabile Oonum" Comungar mals vezes por día?

"A Volta ¿ Grande Disciplina" Aparifdes de Nossa Senhora?

Novembro-Dezembro

1984

PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS

NOVEMBRO-DEZEMBRO — 1984

Publ!ca9§o bimestral

N9 277

Diretor-Responsável: O. Estévao Bellencourt OSB Autor e Redator de toda a publicada neste periódico

SUMARIO materia

Diretor-Admlnlstrador p. Hildebrando P. Martins OSB

TEMPO PREMENTE

441

Sempre voltando á baila: TEOLOGÍA

DA

LIBERTACAO:

QUA-

TRO ENFOQUES

Administracáo e distribuicáo:

442

Esperava-se

Edicdes Lumen Chrísti Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501 Tel.: (021)291-7122

TEOLOGÍA

DA

LIBERTAQAO:

PALA-

VRA OFICIAL DA IGREJA

457

Urna carta Apostólica de Joao Paulo II:

Caixa postal 2666

"A DOR SALV1FICA"

20001 - Rio de Janeiro - RJ

471

Em vista de digna celebracáo: Pagamento em cheque nominal visado ou Vale Postal (para Agencia Central/Rio), enderecado as: Edicdes Lumen Christl

A

INSTRUCAO «INAESTIMABILE DONUM»

488

Oúvlda freqüente:

COMUNGAR MAIS VEZES POR DÍA?

Caixa Postal 2666

504

Um llvro que Interpela:

20001 - Rio de Janeiro - RJ

"A

VOLTA A

GRANDE DISCIPLINA"

509

Em Medjugorje (lugoslávia) ASSINATURA ANUAL PARA 1985

APARIQÓES

Sendo paga até 31 de dezembro da 1984 .. (Válida para todo o ano de 1985)

LIVROS EM ESTANTE

528

ÍNDICE DE 1984

532

Sendo paga a partir de 19 de Janeiro de 1985

CrS

12.000.00

CrS

15.000,00

RENOVÉ QUANTO ANTES A SUA ASSINATURA

NO 278



DE

NOSSA

PRÓXIMO

SENHORA?

521

NÚMERO

Janeiro-Fevereiro



1985

A Eucaristía, misterio da fó. — ParticipacSo da Igreja na atualidade brasileira. v~ Teolo

COMUNIQUE-NOS QUALQUER MUDANCA DE ENDERECO

ComposfcSo e Impressao: "Marques Saraiva" Santos Rodrigues, 240 Rio de Janeiro

gía da LibertacSo: o Debate se prolonga. — "Aclarac6es acerca de alguns temas de teo logía" (Leonardo Bofll. — "Minhas Vidas" (Shirley Mac-Laine). — "Quando coisas ruins acontecem ás pessoas boas" i^arold Kushner). — ImpressSes colhidas na

U.R.S.S.

Com aprovacáo eclesiástica

¡.

TEMPO PREMENTE O fim do ano chega sempre cheio de múltiplas sugestóes... Para vivé-lo mais intensamente, poderíamos retomar o final do Apocalipse.

Ne. seccáo de 22,6-14, o autor nos coloca

diante do Cristo, que há de rematar os sáculos com a sua vinda gloriosa. A medida que os tempos passam, a iniqüidade se torna mais e mais requintada, planejada e inteligente; em compensagáo, a santidade deve assumir densidade cada vez mais carregada: «Que o injusto cometa ainda a injustica e o sujo continué a sujar-se! E que o justo pratique ainda mais a

justica e que o santo continué a santificar-se!» (22,11). É especialmente importante este apelo numa época em que nao poucas pessoas, perplexas diante da problemática do mundo e da Igreja, perguntam: «Que faremos? Nao temos meios para acudir a tantos desafios!» É verdade que nenhum cristáo possui recursos naturais para renovar a realidade que o cerca. Mas, apoiados no Apocalipse, podemos dizer: o que Deus pede, primeiramente, dos seus fiéis diante da iniqüidade progressiva, é que sejam cada vez mais santos, pois «urna alma que se eleva, eleva o mundo inteiro» (Elizabeth Leseur). Existe, sim, entre os cristáos a comunháo das coisas santas, de tal modo que quem possui os valores transcendentais em elevado teor, os faz transbordar efusivamente sobre os seus irmáos.

Ser mais santo (a)... Talvez isto nao seja fácil num mundo em que os valores da fé sao conculcados, ou num mundo

em que os padrees do libertinísimo se tomam quase imperativos (nesse contexto confuso, o cristáo nao se confunde, pois ele sabe que os criterios da verdade e do bem nao sao ditados por

maioria plebiscitaria, mas pela palavra de Cristo, que está viva no corpo de Cristo ou na S. Igreja). Doutro lado, porém, os tempos ingratos que vivemos sao mais motivadores do que tempos pacatos: precisamente os desatinos moráis levam os fiéis a perceber melhor a enorme necessidade de apresentarem

ao mundo um testemunho de vida coerente; a retidáo e a fidelidade atraem, porque se tornaram pérolas raras e preciosas. O público está saturado de belos discursos; o que ele quer ver,

é a vivencia destemida das verdades atinentes ao Absoluto; um cristáo fiel e coerente com Cristo na Igreja possui a forga renovadora dos santos,... dos santos que, na humildade e em atitude de oracáo unida ao trabalho, abalaram o mundo e o transformaran!.

Essa vocacáo á santidade,... santidade que sacode e desperta, é a de todo e qualquer cristáo. É a tua, caro leitor, especialmente trazida á tua memoria pela conjuntura de mais um ano que passa! SANTO NATAL E FELIZ 1985!

— 441 —

E B.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Ano XXV — N° 277 — Novembro-dezembro de 1984

Sempre voltando á baila:

Teología da Libertacáo: Quatro Enfoques Em síntese: A revista Italiana 30 GIORNI, malo 1984, pp. 41-57, publicou quatro artigos sobre a Teologia da Libertacao (TL), devidos á pena dos Prof. Alberto Methol Ferré, uruguaio, Juan Carlos Scannone, argentino, Georges Cottier, suico, e Rocco Buttiglione, italiano; versam respectiva mente sobre a origem e o desenvolvimento da TL, sobre as quatro princi páis modalidades desta, sobre a ¡mpossível "dupla fidelidade" a Cristo e a Marx e sobre o conceito de "pobre proletario" em Marx e no documento de Puebla.

Apresentamos sumariamente o conleúdo destes artigos: Alberto M. Ferré traca a génese da TL a partir de dois conceitos: pobres e libertac&o. J. C. Scannone propoe tragos legítimos, tragos discutlveis e traeos inaceltáveis da TL, levando em conta especial o conlulo que alguns dos autores da TL querem realizar com o marxismo. — Georges Cottier se detém prin cipalmente sobre o pensamento de Gustavo Gutiérrez, no qual ele reconhece o anseio de combater a miseria latino-americana, como também a adocao precipitada e daninha de teses marxistas que desvirtúan) a IntencSo crista do autor. — Rocco Buttiglione explana a diferenca existente entre o proletario de Karl Marx e o pobre do Documento de Puebla, destazando equívocos disseminados a propósito. Em suma, os quatro enfoques sao de grande valor por projetarem luz serena e profunda sobre a complexa e ambigua temática da TL.

A Teologia da Libertagáo (TL) está sempre em foco; parece provocada pela situagáo de penuria em que se acha o continente latino-americano e, mais dé perto ainda, o Brasil. Também os europeus se interessam pelo assunto, desejosojs de

colaborar na reestruturagáo da sociedade dos nossos países.

"A propósito a revista italiana 30 GIOKNI, em seu número de maio de 1984, pp. 41-57, publicou quatro artigos sobre tal temática, redigidos por pensadores notáveis: o uruguaio — 442 —

T. DA LIBERTAgAO: QUATRO ENFOQUES

berto Methol Ferré, filósofo e diretor da revista latino-ame ricana NEXO, que trata da origem e do desenvolvimento da TL; o argentino Juan Carlos Scannone, Decano da Faculdade de Filosofía da Universidade Sao Miguel (Argentina), que dis

tingue quatro correntes principáis da TL; o prof. Georges Cottier, docente de Filosofía Moderna ñas Universidades de Genebra e de Friburgo, que aborda o relacionamento da TL com o marxismo; e o Prof. Rocco Buttiglione, da Cadeira de Filosofía da Política na Universidade de Urbino, que considera a figura

do pobre no marxismo e na TL. Dada a especial importancia destes artigos, vamos, a seguir, apresentar urna síntese dos

mesmos.

1.

«FOI ASSIM QUE A CENTELHA SE ACENDEU» (pp. 43-45) Alberto Methol Ferré

1.

A TL se baseia sobre dois conceitos-chaves- pobres e

libertario.

Aos 12/09/1962, um mes antes de abrir o Concilio do Vaticano n, o Papa Joáo XXm afirmou: «Diante dos países

subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta como é e como quer ser: a Igreja de todos e, especialmente, a Igreja dos pobres». Estas palavras tiveram ampia repercussáo, desencadeando urna serie de estudos sobre a pobreza no mundo e o desafio que ela apresenta ao Cristianismo.

Quanto a palavra «libertagáo», utilizada pela resistencia francesa que se opunha aos ocupantes nacional-socialistas du rante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), entrou no voca

bulario oficial da Igreja em fevereiro de 1967: foi assumida pelo CELAM no Documento de Buga (Colombia) relativo as Universidades Católicas em fevereiro de 1967. De Buga passou para os Documentos de Merellin (1968). Em novembro de 1969, o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez proferiu urna conferencia sobre o tema «Notas para urna Teología da Liber tagáo»; nascia assim a expressáo «Teología da Libertacáo», dotada imediatamente de grande voga e eloqüéncia. Tal expres sáo foi, aos poucos, recobrindo um leque de posigóes afins entre si, mas nao idénticas, como demonstra o artigo de J. C. Scan none, resumido as pp. 445-448 deste fascículo. — 443 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 277/1984

A TL despertou o interesse pela teología fora dos Semina

rios, pois procurou relacionar-se estreitamente com as ciencias humanas da historia, da sociología, da economía, da política, como também com a praxe pastoral. 2. Todavía a TL tem enfrentado problemas precisamente por entrar em contato com tantas ciencias. Em particular, é questionado o seu modo de considerar o marxismo. Pergunta-se: pobres e libertacáo exigem, sim ou nao, o marxismo como método científico? Para Gutiérrez, sim; para Lucio Jera, nao. Há quinze anos que se vem discutindo a questáo sem que haja novidade de um lado ou do outro. «Até hoje os teólogos que assumem o marxismo, nunca deram urna resposta seria ao pro blema da justaposigáo de teología e marxismo. A énfase colo cada sobre os pobres nao é urna solucáo: dentro mesmo do

marxismo, Stalin e Trotski afirmavam estar com os pobres; isto, porém, nao impediu que Trotski acabasse seus días com um golpe de picáo na cabeca.

A verdadeira questáo, portanto, nao sao apenas os pobres; há sempre algo mais. Muito freqüentemente os pobres se tornam a capa para urna retórica que esconde a falta de respostas. Nao é legítimo usar o «grito dos pobres como alibi (deri

vativo)

intelectual para fugir da responsabilidade diante da

verdades (p. 45).

3. As variantes cristáo-marxistas da TL, a principio, eram de índole ultra-esquerdista, sustentadas por estudantes que tinham em Camillo Torres e Che Guevara os seus modelos; apresentavam-se táo radicáis que chegavam a ser anti-soviéticas. Todavía em 1973 fundou-se o movimento de «Cristáos para o Socialismo», que abriu nova fase dentro da TL; esta subordinou-se á política da Uniáo Soviética e, entre as suas expressóes, move urna campanha de difamacáo sistemática con tra o Papa Joáo Paulo n, servindo-se de livros, revistas, artigos, folhas mimeografadas, etc. 4. Em suma, no binomio marxismo-teología é geralmente o polo «marxismo» que absorve a teología e a fé, e nao vice versa. Mais ainda: é de notar que a ala cristáo-mandsta da TL guarda o mais absoluto silencio a respeito do marxismo real, ou seja, o marxismo como ele se realiza em sociedades concretas nos últimos decenios (Rússia, China, Polonia, Tcheco-

-slqváquia, Albania, Hungría...).

Os apologistas de tal cqr-

rente ignoram o marxismo histórico, prático, e falam apenas — 444 —

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

5

do marxismo teórico; assim «apagam a metade do mundo con temporáneo. Esse silencio é muito eloqüente, porque vem a ser urna manobra política» (p. 45).

«Em atitude de servido á Igreja e a verdade, é tempo de falarmos em voz alta sobre tal assunto, que fere toda a comunidade eclesial» (p. 45).

2.

TEOLOGÍA DA LIBERTACAO: AS CORRENTES PRINCIPÁIS (pp. 46-50) Juan Carlos Scannone

Geralmente os comentadores observam que a expressáo «Teología da Libertagáo» é polivalente ou recobre um leque de posigóes teológicas; dai a dificuldade de discorrer sobre TL. É, pois, oportuno, antes do mais, tomar consciéncia dos diverversos tipos de TL existentes. Embora quase cada autor seja, no caso, caracterizado por notas próprias, podem-se agrupar as diversas linhas de TL sob quatro principáis títulos, segundo o Prof. Juan Carlos Scannone.

2.1.

TL a partir da pastoral da Igreja

Existe urna forma de TL que adota, sim, o linguajar das demais correntes, mas nao entra diretamente em reflexóes sobre aspectos sócio-políticos; nao recorre á mediacáo socioanalitica do marxismo, embora nao recuse levar em conta os dados

estatísticos e outras contribuicóes das ciencias sociais. Procura ser fiel aos documentos de Medellin e de Puebla, como também á hierarquia da Igreja. Os fautores desta linha mostram ter consciéncia de que a hierarquia é guarda da Tradigáo e do vinculo de unidade da Igreja; nao lhe cabe envol-

ver-se em missóes políticas, as quais tocam propriamente aos leigos católicos, que Deus chama para santificar as estruturas deste mundo por suas atividades seculares. Diante desta

posigáo, pode-se perguntar: até que ponto

estamos frente á Teología da Ubertacáo em sentido estrito? O vocabulario da TL pode ai constar,... todavía para expri mir proposigóes que a Igreja nao desabona, mas, ao contrario, reconhece como válidas.

— 445 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

2.2.

TL a partir da praxe dos povos latino-americanos

Esta córrante se deve ao teólogo Lucio Jera. Como a anterior, só impropriamente hoje pode chamar-se Teología da Libertagáo, embora em suas origens, após o Concilio, tivesse este nome.

A principal diferenga em relacáo as modalidades extrema das da TL consiste no conceito de povo. «Povo», segundo Lu

cio Jera e sua escola, nao é entendido como classe (= a classe oprimida pela estrutura capitalista), mas como realidade histórico-cultural. «Povo» é o sujeito comunitario de urna histo ria e de urna cultura, como ocorre quando se diz «povo irlan

dés, povo francés, povo portugués...»

Sujeito de urna historia, e nao da historia, isto é, sujeito de experiencias históricas concretas vividas por toda a comunidade (assim as experiencias da historia do povo brasileiro,

que sao bem diferentes das experiencias da historia do povo

chinés).

Sujeito de urna cultura, isto é, de um estilo de vida, que nao se confunde com intelectualismo e alta filosofía. Esse estilo de vida se espelha também em estruturas políticas e económicas próprias de cada época da historia. Tais estrutu ras exigem atitudes éticas e justas, de tal modo que, onde nao haja valores éticos nem justiga, nao há povo, mas, sim, antipovo.

A realidade histórico-cultural de um povo incluí sua religiosidade e as expressóes de fé e de piedade desse povo: no caso da América Latina, trata-se do patrimonio da fé crista, que é fundamental na historia das respectivas populacóes. O elemento específicamente religioso cristáo dos povos latino-americanos é tido como dinamizador de toda a sua atividade em prol da justiga e da fraternidade.

Tal corrente da TL, valorizando a historia concreta dos

povos latino-americanos, em vez de ceder a coneepgóes filosó

ficas e abstraías, julga que tem milito mais probabilidades de atuar. com éxito na América Latina do que o marxismo. Este, propondo a secularizacáo da vida ou renegando os valores reli

giosos, fica longe demais da realidade de nossas populagóés. — 446 —

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

2.3.

1.

TL a partir da pmxe histórica

Esta corrente tem como significativo arauto o teó

logo peruano Gustavo Gutiérrez. É radical nos seus propósitos de transformar as estruturas da sociedade latino-americana.

Recorre ao método de análise marxista da realidade como ele mento válido para obter o material que a teología deve consi derar com seus olhos próprios. Essa corrente tem «o pobre» ou «o povo» na conta de classe, segundo categorías do mar xismo ou próximas ao marxismo; identifica, por conseguinte, a praxis libertadora com a luta de classes, e a opgáo pelos pobres com opgáo por urna classe contra a outra; o amor cristáo, em tal caso, incluí oposigáo ou mesmo odio aos ricos.

Tal modalidade de TL cede largamente á secularizagáo. O elemento «específicamente cristáo» da praxe libertadora seria a consciéncia da salvagáo e a referencia a Jesús Cristo,... referencia esta que nao ofereceria senáo novas motivagóes para a luta, mas nao daría um caráter próprio á agáo social do cristáo.

2. Aos autores desta corrente prop5em-se algumas objegóes, a saber: nao é possível separar entre si análise marxista e filosofía marxista; especialmente a antropología e o conceito

de historia professados por Marx estáo ligados ao tipo de aná lise da realidade que ele instituiu. Também nao é cabível dis tinguir entre luta de classes e interpretagáo marxista da socie dade; sim, a luta de classes marxista tende a instaurar urna sociedade violenta dominada por regime totalitario. Alias, o Documento de Puebla assinala os perigos que resultam do conluio da teología com o método de análise marxista: «Alguns créem possível separar diversos aspectos do marxismo, em particular sua doutrina e sua analice. Recordamos com o Magisterio pontificio que 'seria ilusorio e perigoio chegar a esquecer o nexo íntimo que os une radicalmente; aceitar os elementos da análi:e marxista sem reconhecer suas relac.6es com a ideología, entrar na prática da luta de classes e de sua ¡nterpretacao marxista, deixando de perceber o tipo de sociedade totalitaria e violenta a que conduz tal processo*. Cumpre salientar a.qui o risco de ideologizacao a que se expoe a reflexáo teológica, quando se realiza partindo de urna praxis que re corre á análise marxista. Suas conseqüéncias sao a total politizacáo

— 447 _

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

da existencia crista, a dissolucáo da linguagem da fé na das ciencias sociais e o esvaziamento da dimensáo transcendental da salvacao crista» (n? 544$).

Como se depreende destes textos, o próprio Papa Joáo Paulo II rejeitou a utilizagáo do marxismo na elaboragáo de urna síntese teológica. A advertencia do Sumo Pontífice, feita na abertura da Conferencia Episcopal de Puebla, foi renovada

no Rio de Janeiro aos 2/07/80, em discurso proferido ao CELAM: «A

libertacao crista usa meios evangélicos,

com

sua eficacia

peculiar, e nao recorre a nenhum tipo de violencia, nem á dialética da luta de classes... ou á praxis ou análise marxiste, pelo perigo de ideologizacao a que se expoe a reflexao teológica quando se realiza partindo de uma praxis que recorre á análise marxista».

2.4.

TL a partir da praxis dos grupos revolucionarios

A mais extremada linha da TL tem como representante mais signuicauvo o brasueiro Hugo Assmann; inspira o movimento «Cristaos para o Socialismo».

Recorre á análise marxista como se fosse certamente cien tífica. Alimenta assim a praxis de grupos cristaos politica mente radicalizados e envolvidos em acáo revolucionaria (.nao

necessariamente violenta). Formula as suas proposifióes em ¿ungáo da praxis revolucionaria, perdendo o contato com a iraaigao crista. Com outras palavras: a fé, com suas expréssoes e ínstituigoes, é criticada a partir da agáo revolucionaria;

o criterio da verdade, mesmo em materia de fé, é a forga Transformadora que aiguma proposigáo possa ter.

Tal corrente se distancia da hierarquia da Igreja e do povo fiel e tende a converter-se em uma «teología transconfessional» (além ou ácima das confissóes de fé cristas) ou mesmo esvaziada de conteúdo de fé propriamente dito. Tende agredu-

zir-se a mero discurso sociológico de verniz cristáo, posto a servico da luta de classes. A praxis libertadora, em tal caso, é destituida de notas específicamente cristas. Assim apaga-se a diferenga entre Igreja e mundo; realiza-se a total secularizagáo do Cristianismo.

— 448 —

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

3.

9

A «DUPLA FIDELIDADE» (pp. 51-53) Georges Cottier

O Prof. Georges Cottier comeca seu artigo observando que se deteve especialmente sobre dois autores da TL. O primeiro é Hugo Assmann, com sua obra Opresión-Liberación, desafio a los Cristianos: esta lhe pareceu ser «urna releitura marxista do Cristianismo, que leva a urna secularizagáo da fé». O outro autor é Gustavo Gutiérrez; este apresenta, de um lado, o anseio de combater eficazmente a miseria dos povos latino-americanos; de outro lado, faz-se arauto de teses do mar xismo, aceitas um tanto precipitadamente ou sem juízo critico. É o que induz o Prof. Cottier a refletir nos seguintes termos:

3.1.

Algumas Hjóes da historia

Os autores da TL, esposando teses marxistas, parecem estar revivendo episodios do passado, nos quais o conluio redundou nao em proveito da fé crista, mas, sim, etn absorgáo da mesma por parte do marxismo.

1) Tal foi o caso, por exemplo, de muitos intelectuais e homens de projegáo que nos últimos decenios aderiram ao Par tido Comunista do respectivo país como se fosse isto a única maneira de lutar contra a injustiga que afetava a classe ope raría. — Ora, urna vez chegado ao poder, o Partido alijou tais homens e mulheres, tirando-lhes a vida ou legando-os ao ostra cismo. Tenha-se em vista, entre outros, o ocorrido na Nicara

gua, na Iugoslávia, na Polonia, etc.

2) Na década de 1950, varios sacerdotes se fizeram «pa dres operarios», inspirados pela louvável intencáo de compartilhar as duras condigóes de vida dos trabalhadores; tal inicia tiva, assim intencionada, só podia e pode merecer apoio. To davía esses presbíteros foram aos poucos absorvendo teses do marxismo que imperava naqueles ambientes. Julgavam poder guardar dupla fidelidade, ou seja, a fidelidade a Cristo e á Igreja e a fidelidade ao marxismo; tal fórmula, porém, era urna armadilha; tíveram finalmente que escolher entre Cris-

— 449 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

tianismo e marxismo, e acabaram optando pelo marxismo e a

desergáo frente ao Senhor Deus; o marxismo era-lhes apresentado pelo Partido Comunista como sendo a consciéncia da classe operaría, de modo que, para ser fiéis ao operariado, deveriam ser fiéis ao marxismo com abandono dos valores da fé; a Igreja era-lhes apresentada, na doutrinacáo comunista, com o falso rótulo de «expressáo ideológico-cultural da classe

burguesa» (!).

Concluí Cottier: «Por conseguinte, o meu receio nao é

infundado, quando considero a ingenuidade com que generosos teólogos acolhem na sua síntese de pensamento teses da filo

sofía marxista» (p. 52).

Prossegue o autor: «Dir-me-áo que me prendo a fórmulas sem levar em conta as intencóes dos teólogos da libertacáo que adotam tais fórmulas». Em resposta, observa que as fór mulas nao sao «inocentes nem neutras», mas fazem parte de um sistema estruturado que, por sua prática política, exerce colossa! impacto no mundo contemporáneo; existe urna coeréncia lógica entre as fórmulas e a praxis ou a acáo revolu cionaria do marxismo no mundo. A conseqüéncia destas consideracóes, segundo Cottier, é que «a teología da libertacáo pousa sobre urna contradicho: de

um lado, a intencáo é crista e se exprime mediante temas e vocábulos da Biblia; de outro lado, porém, as fórmulas toma das de empréstimo, com certa precipitagáo, de fontes marxistas langam a TL na órbita do materialismo histórico» (p. 52). Pergunta entáo Cottier: 3.2.

Quais as teses marxistas que entram na TL?

Sao quatro as teses que afetam a TL a ponto de se tornar

o seu centro de gravitacáo.

1) É necessária a luta de classes. Para Marx, a luta nao é um elemento casual ou- acidental, mas, sim, um dado-cons titutivo e explicativo da historia; esta vai-se desenrolando por torga da luta de classes; levando-a a termo, a classe operaría julga realizar a sua própria libertacáo. Assim a historia uni versal vem a ser a historia da redencáo e da divinizacáor>do homem pelo homem. — 450 —

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

2)

11

Por conseguinte, o marxismo e, com ele, a TL nao

aceita meras reformas económioas e sociais, mas apregoa a revolugáo ou a praxis revolucionaria. Quem nao entra na revo-

Iugáo com os oprimidos, é opressor.

3) O objetivo da revolugáo é derrabar o sistema capi talista e instaurar o socialismo marxista. O vocábulo «socia lismo» ocorre nos escritos da TL, mas com certa imprecisáo. O socialismo marxiste, na verdade, está inseparavelmente con jugado com totalitarismo; sim, de modo geral, nos países em que o marxismo toma o poder, instaura o regime de um Par tido único; este, afirmando agir em nome do proletariado, ins tituí uma ditadura totalitaria e atéia que nao respeita os direitos da pessoa humana. A TL se fecha no silencio a respeito do totalitarismo e dos métodos de violencia que ele aplica as populacóes dominadas.

4) O Reino de Deus seja secularizado, isto é, despojado de seus valores e de suas manifestagóes explícitamente reli giosas, para coincidir com o reino do homem na térra. A escatologia crista é transformada em escatologia terrestre sócío-político-económica; a expectativa da consumada vitória de Cristo sobre o pecado e a morte no fim dos tempos é substi

tuida pela de uma ordem sócio-económica em que todas as aspiragóes do homem encontrem sua resposta.

Enunciados estes pontos, Cottier propóe uma 3.3.

Reflexfio final

1) «Nao se deveria falar de certa ingenuidade da parte da TL? Falta a esta um exame aprofundado do pensamento marxista»

(p. 52).

2) A TL nao pretende ser apenas uma praxis decorrente do Iogos ou da contemplagáo das verdades eternas reveladas por Cristo no Evangelho. A TL entende praxis no sentido marxista, isto é, como agio revolucionaria á qual está subor dinado o Iogos ou o raciocinio; o criterio da verdade nao é a evidencia teórica das proposigóes, mas o poder transformador

e revolucionario das mesmas; a teología e o discurso teológico estáo subordinados aos imperativos da revolugáo. «Originaria mente a TL nao intencionava chegar a tal conclusáo, mas fol

levada a tanto pela inexorável lógica das teses marxistas que ela adota sem previo e suficiente exame» (p. 53). — 451 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

3) A TL é vítima de confusáo entre o pobre da S. Escri tura e o proletario de Marx, confusáo esta que decorre da assimilagáo precipitada e preconcebida de teses marxistas. — O pobre na S. Escritura é o homem injustigado que tem o coragáo aberto para Deus e os valores da fé, inclusive os valores transcendentais; cf. Sf 2,3; 3,lls; Is 49,13; 57,14-21; 66,2;

SI 21,27; 33,3s; 36,lls; 68,34; 73,19; 148,4; Mt 5,3; Le 1,52; 6,20; 7,22; é, pois, urna figura profundamente religiosa, que espera do Senhor Deus a sua resposta. — Ao contrario, o conceito de proletario, para Marx, resulta de categorías filosófi cas; através dessa nocáo, Marx quería traduzir aversáo ao mundo cristáo da sua época. Alias, o artigo de R. Buttiglione trata também deste assunto, como se verá adiante. 4)'

A conclusáo final de Cottier é a seguinte:

«Em conclusáo direi que a TL é trabalhada por duas correntes que nao se conciliam entre si: de um lado, a generosidade das intenses, e, de outro lado, a lógica das idéias toma das de empréstimo á ideología marxista-leninista, sem que tenham sido avallados todo o seu significado e as conseqüén-

cias destas. As idéias sao mais fortes do que as intencóes des tituidas de sólidas bases intelectuais. Essa teología, portante, é capturada por urna corrente que tende a distanciá-la das suas raizes cristas» (p. 53).

É nítida a posigáo do Prof. Georges Cottier, á qual, de

certo modo, faz eco a de Rocco Buttiglione.

4.

QUEM SAO OS VERDADEIROS POBRES (pp. 54-57) Rocco Buttiglione A TL teve origem quando faliram as sodologias do desen

volvimento, que na década de 1960 langavam um olhar compassivo sobre os países latino-americanos; consideravam, porém, a América Latina a partir do ponto de vista das nagóes abastadas ou ricas. Em tomo do ano de 1970 os estudiosos verificaran! que a América Latina nao é propriamente um continente «atrasado», mas um continente que tem seu ritmo e seu modo de desenvolvimento peculiares por causa da fungáo

que lhe toca no sistema económico mundial. A América La tina terá seu progresso diferente, fundado sobre o esforco soli— 452 —

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

13

dário dos seus habitantes e nao sobre a exploragáo. Desta intuigáo surgiu o propósito de pensar na situacáo da América Latina a partir da América Latina, ou seja, a partir das esperangas, das exigencias e das energías que o pobre latino-ame ricano traz em si. — Foi esta a grande e positiva novidade que as Conferencias Episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979) confirmaram e explanaram, colocando em foco os po bres da América Latina. 4.1.

O proletariado no marxismo

Tendo em vista «a opgáo preferencial pelos pobres» pro clamada pelos Bispos da América Latina, pergunta-se: quem sao os pobres assim considerados?

— Urna certa corrente da TL, utilizando a análise marxista com seus conceitos próprios, identifica o pobre com pro letario marxista, tirando áquele vocábulo o significado con creto e histórico que ele tem na América Latina. Com efeito, para Marx, as categorías de «proletario» e «proletariado» sao categorías filosóficas mais do que categorías de sociologia e economía. Sim; o jovem Marx quis renegar, de modo abso luto, o mundo cristio-burgués da sua época; para tanto construiu o conceito de proletario; este seria o homem no estado puro, sem cultura alguma, sem moral nem religiáo, pois estas lhe sao incutidas pela distribuicáo do trabalho ñas fábricas; por isto, o proletariado nao tem nagáo, nem moral nem reli giáo. Tal conceito resulta da no^áo materialista de historia, segundo a qual o elemento que determina a existencia humana é a producáo dos bens materiais necessários a existencia e á reproducáo da vida. Este principio, menos evidente em outras categorías da sociedade, se torna patente de maneira

brutal

na vida do proletariado.

Assim o conceito filosófico de proletario, formulado por Marx, vem a ser a expressáo do ódio deste pensador para com a civilizagáo européia impregnada de Cristianismo.

Notemos, porém, que o próprio Marx reconhecia que o proletario real nao chega a ter consciéncia de ser a «negagáo absoluta» da ordem de coisas existente. Geralmente o prole tario real tem sua cultura, sua moral, sua religiáo e sua filo sofía de vida. Verdade é que o marxismo considera estes

— 453 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

dados como «residuos de pequeño burgués» que permanecem dentro da mentalidade operaría. Como quer que seja, porém, é em torno de tais valores (cultura, moral, religiáo, filoso fía...) que se organiza a vida do operario. Deve-se mesmo dizer que a cultura do operario, espontáneamente impregnada de elementos religiosos, vive em luta continua contra as correntes que tendem a cancelá-la. 4.2.

Os pobres segundo Puebla

A interpretacáo marxista da realidade latino-americana

parte da análise das estruturas económicas e procura deduzir destas o comportamento dos homens, especialmente dos opera rios. Ora a Conferencia dos Bispos reunida em Puebla adotou outro procedimento: procurou compreender o homem latino-americano a partir das raizes da sua cultura; procurou pene trar no coragáo e na consciéncia do pobre para compreender e compartilhar os valores e as aspiragóes desse homem. Esta con-

sideragáo levou a conclusáo de que o pobre real-existente (á dife-

renga do imaginario da teoria) é um homem profundamente

cristáo; os criterios pelos quais ele orienta a sua vida, sao os

que lhe foram comunicados durante quase quinhentos anos de evangelizagáo. Quando ele entra em luta imposta pelas cir

cunstancias, trata-se de urna luta em prol da justiga e do res-

peito á dignidade humana, e nao de urna luta de classes em

sentido marxista.

É certo que a religiosidade popular latino-americana resul

tante da evangelizagáo é muitas vezes ofuscada e desviada por elementos espurios ou superticiosos. Nao obstante, o Do cumento de Puebla quis colocar em foco a religiosidade popu lar na medida em que é urna profunda meditagáo sobre os mis terios do nascimento, do amor e da morte do homem ilumi nados pela luz de Cristo.

Assim Puebla restituiu ao homem latino-americano a sua

cultura e a sua historia ou a sua identidade.

Isentou-o de

representar o papel de urna das figuras do drama de cons ciéncia do infeliz intelectual europeu ou europeizante. O pobre,

segundo Puebla, nao é mera negagáo ou contestagáo, pronta a descarregar do fundo do seu coracáo o incendio revolucio nario. Mesmo atingido pelo sofrimento, o pobre é dignidade, ternura, amor,... alegría e festa. É urna pessoa que merece

respeito e que nao pode ser sacrificada a um projeto histórico

revolucionario.

— 454 _

T. DA LIBERTACAO: QUATRO ENFOQUES

4.3.

1.

15

Conseqüéncias do confronto: a renovacáo segundo Puebla

A comparagáo entre o conceito de proletario em Marx

e o de pobre em Puebla nao implica que as exigencias da jus

tiga e da renovagáo social sejam atenuadas. Mas influí no

modo de conceber a renovagáo social.

O oaminho da libertagáo na América Latina já comegou há muito ou desde que se prega o Evangelho neste continente. Nao há dúvida, tal caminho foi distorcido e desfigurado pelo pecado dos homens, mas, todas as vezes que se restaura a fé

no coragáo dos agentes da historia, reluz de novo a imagem

do homem com as suas exigencias de justiga e os imperativos

de renovagáo.

Assim, era lugar da prospectiva marxista de «revolucáo total» entendida como completa ruptura com o passado, Pue bla propóe a prospectiva de ressurgimento ou revolugáo como retomada de vigor dos valores fundamentáis cristáos que a

evangelizagáo colocou no ámago do homem latino-americano.

A perspectiva de Puebla parte de um valor positivo, ou seja,

da consciéncia da presenga misteriosa e sensível de Deus na historia da América Latina (presenga recordada, de algum

modo, pelo semblante mestigo da Virgem esta presenga que dinamiza a caminhada -americano e que deve ser, antes do mais, ragáo quando se trata de esbogar o futuro

2.

de Guadalupe;. É do homem latinolevada em considedo continente.

Na perspectiva marxista, a libertagáo do proletario é

o resultado da dialética das forgas produtoras e das relagóes de produgáo que se reflete na hita de classes. Á Igreja nao compete fungáo alguma. Apenas se lhe pede que nao estorve o esforgo revolucionario mediante os seus inoportunos apelos á misericordia, ao perdáo, ao respeito da dignidade de todo homem (qualquer que seja a sua classe social). Diverso, porém, é o papel que toca á Igreja se, com Pue bla, procuramos entender o homem latino-americano a partir das suas raizes culturáis. Compete entáo á Igreja a tarefa de reavivar a consciéncia da presenga de Deus subjacente a tal cultura; compete-lhe resguardar os valores inerentes a esta e deles deduzir as conseqüéncias éticas para que a luta em prol da verdade e da justiga se desenvolva orgánicamente, com res peito ao ser humano e aos seus direitos. Desta maneira se atingirá a auténtica libertagáo do pobre latino-americano. — 455 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

5.

OBSERVADO FINAL

Após apresentar a síntese dos quatro artigos de 30 GIORNI nestas páginas, ocorre á redagáo de PR urna observagáo final. Independentemente da TL, a Igreja tem urna mensagem muito concreta e eficaz frente ao proDlema da justiga social no mundo inteiro: é a Doutrina Social da Igreja, formulada em encíclicas ou outros documentos dos Papas desde a Serum Novarum de Leáo XIII (1891) até a Laborem Exerceiis de Joáo Paulo XI (1982). Esta Doutrina abrange os pontos con cretos da problemática com clareza e precisáo, apontando as pistas de solugáo auténticamente crista para tais situagóes. Trata-se de proposigóes deduzidas lógicamente das premissas da fé crista, sem desvíos ou mesclagens deformantes. A Dou trina Social da Igreja substituí com vantagem as correntes ambiguas ou espurias da TL. Acontece, porém, que o grande público freqüentemente julga ser a TL a resposta católica para

a problemática social, de tal modo que nao abragar a TL pa rece o mesmo que ficar insensível as exigencias da justiga no mundo; o público pouco esclarecido sobre a TL abraca qualquer corrente da mesma sem se dar conta de que, com isto, pode estar até apostatando das verdades da fé católica, em vez de lhes dar seu apoio; pode estar favorecendo o marxismo com detrimento do Cristianismo. Daí a necessidade nao só de alertarmos os interessados sobre o que é a TL, mas de propormos

em termos exatos as grandes teses da Doutrina Social da Igreja; esta é a própria Moral do Catolicismo aplicada aos pro blemas sociais de nossos tempos sem mediagóes heterogéneas.

ASS1NATURA ANUAL PARA 1985

Sendo paga até 31 de dezembro de 1984 ..

Cr$

12.000,00

Sendo paga a partir de 19 de Janeiro de 1985 Cr$

15.000,00

(Válida para todo o ano de 1985)

— 456 —

Esperava-se...

Teología da Libertario:

Palavra Oficial da igreja Sm síntese:

A "Instrucáo..." emanada da Sania Sé aos 6/08/84

sobre a Teología da LibertacSo (TL) mostra claramente que

1) A TL nao é slmplesmente a resposta crista ao problema das Injusticas sociais. Quem estuda as obras dos teólogos da libertacáo (infelizmente

o grande publico, informado apenas pelos ¡ornáis, nao as conhece) veri fica que se trata de algo assaz diferente: a TL, na medida em que recorre á análise marxista, vem a ser urna reformulacáo total do Cristianismo; embora se sirva de vocábulos e expressSes de teología, propóe um Cristia nismo secularizado, laicizado, a-religioso e politizado (cf. Titulo X, ns. 12-14).

Especialmente o concelto de "luta de classes" privilegia urna classe (a dos pobres, entendidos no sentido marxista de "proletariado", e nfio no

sentido bíblico) contra outra classe, tlda como pecadora, condenada e excluida das assembléias de culto. Isto cortamente contradiz á intencfio de Cristo, que foi a de chamar todos os homens Indistintamente á conversáo do coracáo para que naja estruturas sociais justas e fraternas É o materialismo marxista que faz as consciéncias depender das estruturas sociais, ao passo que o Cristianismo faz as estruturas depender da cons-

cléncla dos homens.

2) A Igreja, condenando os erros da TL, nSo é insensível á questáo social. Desde Leao XIII (encíclica "Rerum Novarum", 1891) ató Joáo Paulo II, os Papas tém formulado as normas da Ética social decorrentes do Evangelho. Deve-se mesmo dizer que a Doutrina Social da Igreja atende melhor aos interesses dos pobres e injusticados, porque respeita a pessoa humana, nao dissemlna nem o odio nem a luta de classes, que só servem

para gerar odio e violencia. Alias, a experiencia de povos regidos por governos totalitarios de esquerda bem demonstra que os principios marxls-

tas sSo Ilusorios, pois nao libertam, mas instituem nova forma de escravidáo social, fazendo do Estado o grande capitalista, do qual cada cidadSo depende para estudar, ser informado, locomover-se, conseguir emprego sobrevlver...

Com a data de 6/8/84 foi publicada urna «Instrucáo sobre

alguns aspectos da Teología da Libertacáo» aprovada pelo Santo Padre Joáo Paulo II e assinada pelo Cardeal Joseph Ralzinger, Prefeito da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé. — 457 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

O documento veio esclarecer, de maneira abalizada e serena, a difícil temática, de modo a merecer consideracáo da parte dos fiéis católicos como também do grande público. Eis por que, ñas páginas seguintes, apresentaremos urna síntese obje

tiva e fiel do mesmo.

INTRODUCÁO O documento se abre expondo a problemática em pauta. A miseria e as condicóes sub-humanas em que vivem numerosas

populacoes, tém chamado especialmente a atencao dos teólogos dos

últimos anos, levando alguns a elaborar sistemas teológicos tendentes a promover a libertacao de tais grupos humanos.

Visto que desvios

e erros se tém registrado em tais concepcoes, a S. Congregacáo para

a Doutrina da Fé se vé obrigada a apontar esses elementos prejudiciais a fé e á vida crista.

Tal advertencia, porém, nao significa desaprovacao do trabalho realizado por muitos fiéis em favor dos irmaos pobres e sofredo res; ao contrario, a Igreja nao deixa de exortar seus filhos a que, guiados por fé esclarecida, se empenhem em prol dos irmaos deserdados e perseguidos.

■"■;•:

I.

UMA ASPIRAgÁO

A aspiracáo dos povos a urna vida condizente com a dignidade

humana vem a ser um dos sinais dos nossos tempos- £ plenamente justificada pelo fato de que o homem foi feito á ¡magem e semelhanca de Deus e chamado á filiacáo divina. Por conseguinte, todos tém direito a ser respeitados — o que implica a extingao de gritantes desigualdades entre ricos e pobres, o fim de qualquer forma de colonia lismo e o cultivo da solidariedade e da eqüidade nos intercambios internacionais.

II.

EXPRESS6ES DESTA ASPIRADO

A aspiracáo pela justica toma ho¡e em dia expressoes variadas, das quais algumas vém contagiadas por ¡deologias que pervertem o seu sentido: pregando meios de acao que implicam o recurso sistemá tico á violencia e derrogam ao respeito devido á pessoa humana, sao aptas a frustrar mais do que a promover as populacoes carentes. Daf a necessidade de discernimento no tocante as expressoes da aspircícao á libertacao.

— 458 —

T. DA LIBERTACAO: PALAVRA OFICIAL

III.

19

LIBERTACÁO, TEMA CRISTÁO

Entre os cristños, tal aspiracao suscitou, entre ootros. o movimenfo conhecido como «Teología da Libertacao» (TL). Esta compreende um leque de correntes teológicas diversificadas, que hao de ser considera

das á luz da Revelacáo Divina auténticamente interpretada pelo magisterio da Igreja '.

IV.

FUNDAMENTOS BÍBLICOS

Encontra-se nas Escrituras sólida fundamentacao para anseios de

libertacao. Com efeito; nelas lemos que Jesús Cristo nos libertou do

pecado e outorgou a vida nova da graca, que nos torna livres da

escravidáo do pecado. -*•

As teologias da libertacao recorrem amplamente á narracáo do

livro do Éxodo.

Esta, porém, nao significa liberfacao de natureza

prevalentemente política, pois implica a constituicao do povo de Deus,

que celebrou Alianca com o Senhor no monte Sinai. O éxodo do Egitó

(século XIII a.C) foi referencial utilizado pelos Profetas para predizer o fim do cativeiro babilónico no século VI a.C. Alias, toda a literatura profética é marcada por apelos á justica e á solidariedade, em defesa da viúva e do órfño, oprimidos por ricos poderosos.

Semelhanfes exigencias encontram-se no Novo Testamento. O dis curso das bem-aventurancas, por exemplo, apregoa a felicidade dos que tém um coracao de pobre (cf. Mt 5,3); o próprio Jesús, feito pobre por nosso amor, quis identificar-se com todo homem sofredor (cf. Mt 25,31-46); além do qué, incitou os seus discípulos a serem misericordiosos como o Pai é misericordioso (cf. Le 6,36). «A Revelacáo do Novo Testamento nos ensina que o pecado é o mal mais profundo, que atinge o homem no cerne de sua personalidadeA primeira libertacao, ponto de referencia para as demais, é a do pecado». Nao se pode, porém, restringir o conceito de pecado áquilo que se denomina «pecado social». Também nao é lícito situar o mal única ou principalmente nas estruturas económicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males tivessem nessas estruturas a sua causa; mudadas tais estruturas, aparecería sobre a térra um «homem novo», segundo dizem teólogos da libertacao. Na verdade, é o inverso que a propósito o artigo deste fascículo, pp. 442-456.

— 459 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

se verifica: as estruturas, boas ou más, sao fruto da acao do homem; vém a ser conseqüéncias antes de ser causas. A raiz de todo mal so encontró no coracao do homem. que deve ser convertido pela graea de Jesús Cristo para agir como nova criatura no amor ao próximo e na busca eficaz da ¡ustica.

V.

A VOZ DO MAGISTERIO

Para responder ao desafio lanzado á nossa época pela opressao e a fome, o Magisterio da Igreja tem lembrado insistentemente os principios da Ética cri'tá. Tenham-se em vista os pronunciamentos pontificios «Mater et Magístra» e «Pacem in Terris» de Jo5o XXIII, «Populorum

Progressio»,

«Evangelü

Nuntiandi»

e

«Octogésima

Adveniens» de Paulo VI, «Redemptor Hominis», «Dives in Misericordia» e «laborem Exercens» de Joao Paulo II, além de numerosos discursos papáis e Declaracóes de Conferencias Episcopais. A «preocupacao da Igreja pela promocao humana fraduziu-se também na criacao da Pontificia Comissao Justica e Paz».

VI.

UMA NOVA INTERPRETADO DO CRISTIANISMO

«O zelo e a compaixao dos pastores correm, por vezes, o risco de ser desviados para iniciativas nao menos prejudiciais ao homem do que a própria miseria que se combate». «Assim acontece que alguns, diante da urgencia de repartir o pao, sao tentados a adiar para amanhS a evangelizacáo: primeiro o Pao, mais tarde a Palavra. Ora é erro fatal separar as duas coisas até chegar a opó-las entre si»; pratiquem-se urna e outra.

«A outros parece que a luta para obter ¡ustica e liberdade huma nas, entendidas no sentido económico e político, constitua o essencial e a totalidade da salvacáo. Para estes, o Evangelho se reduz a urna boa-nova meramente terrestre».

Estas posicoes doutrinárias redundam numa re-interpretacáo global da mensajgem do Cristianismo; vém a ser a negacao prática da fé, tomando emprestados ao marxismo elementos ideológicos e recorrendo a teses de hermenéutica bíblica» marcada pelo racionalismo. E precisa mente tal modalidade de teología da libertacao que a Instrucáo passa a considerar mais detidamente nos seus incisos seguintes.

— 460 —

T. DA LIBERTACAO: PALAVRA OFICIAL

Vil.

21

A ANÁLISE MARXISTA

Os teólogos que se valem da análise marxista, assim raciocínam-. Toda situacao explosiva exige imediata acao eficaz. Tal eficacia

requer previa análise científica das causas estruturais da miseria.

Ora

o marxismo oferece um instrumental para essa análise. £, pois, necessário aplicá-lo á situacao dos países subdesenvolvidos,

inclusive

da

América Latina-

A propósito observe-se:

O conhecimento científico de determinada situacao é, sem dúvida, pressuposto para eficaz transformacáo social.

Acontece, porém, que

o termo «científico» exerce urna fascínacao quase mítica. Nem tudo o que ostenta a etiqueta de científico, é necessariamente tal. Por isto a aceitacáo do método de análise marxista devería ser precedida de um exame crítico, exame este que nao é realizado pela teologia da libertacao em foco. — Sabe-se que o marxismo é urna concepcdo globalizante do mundo, cujos componentes sao todos inspirados pelas mesmas premissas materialistas e atéias; por conseguinte, nao se pode assumir a análise marxista da sociedade sem assumir ao mesmo tempo os seus principios anticristáos. Verdade é que o pensamento marxista evoluiu nos últimos decenios, dando origem a linhas diversas (a da Rússia, a da China, a da Albania, a da lugoslávia. . .); na medida, porém, em que tais correntes se mantém marxistas, continuam vinculadas a teses fundamentáis incompatíveis com a concepcao crista do homem

e da sociedade. Por conseguinte, quem pretende integrar em sua síntese

teológica tal elemento do marxismo dependente do ateísmo e do materialismo, comete desastrosas contradicóes.

O criterio da verdade, em teologia, nao pode ser íenáo a mensagem de fé transmitida por Jesús Cristo. E á luz da fé que se deve ¡ulgar o grau de validade das proposicoes de outras disciplinas refe rentes ao homem. á historia e ao destino deste. Quem esquece isto, realiza simplificacáes e confusóes em seu sistema teológico.

Do que acaba de ser dito, se depreende também que as fórmulas

oriundas do marxismo conservan» a significacáo que receberam

na

doutrina marxista original, é o qve acontece com a expressao «Iuta de classes): continua impregnada da interpretacao que Marx Ihe deu e nao pode ser tida como sinónimo da fórmula «confuto social agudo»; quem assim ¡ulgasse, alimentaria grave mal-entendido na mente de seus leitores.

— 461 __

22

VIII.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

SUBVERSÁO DO SENSO DA VERDADE E VIOLENCIA

A teología da libertacao, assumindo elementos do marxismo, chega a conclusdes ¡ncompotíveis com a visdo crista do homem.

Assim, na lógica do pensamento marxista, a análise da sociedade feita por Marx é inseparável da praxis revolucionaria- Em conseqüéncia, só pode fazer vma correta análise da sociedade quem participa do combate revolucionario. Ora a participagáo no combate forma a consciéncia do individuo e vem a ser para ele criterio da verdade. A verdade, por conseguinte, é partidaria; é a verdade da classe; só é verdade a proposicao que contribua para transformar a sociedade. Mais: «a iei fundamental da historia, que é a lei da luta de classes, implica que a sociedade esteja fundada sobre a violencia. A violencia que constituí a relacüo de dominacao dos ricos sobre os pobres, deverá corresponder a contravioléncia revolucionaria». A luta de classes é, pois, apresentada como leí objetiva e necessária. Quem nela entra, do lado dos oprimidos, «faz a verdade», «age científicamente». Em conseqüéncia, a concepcáo da verdade está ligada á violencia necessária e, com ¡sto, ao amoralismo político; os conceitos de bem e mal sao totalmente transformados nesse contexto ou, melhor, deixam de existir dentro da ótica da luta de classes.

IX.

TRADUCÁO «TEOLÓGICA» DESTE NÚCLEO IDEOLÓGICO

Como se pode perceber dos antecedentes, o sistema da teologia da libertacao extremada vem a ser a perversao da mensagem crista, qve é posta em xeque nao em um ou outro dos seus aspectos, mas na sua globalidade. Ve¡a-se mais precisamente como isto ocorre: a) O principio da luta de classes aplicado á Sociedade eclesial divide a Igreja. Esta é cindida pelos orautos da TL em Igreja do povo e Igreja da hierarquia institucional ou Igreja dos pobres e Igreja dos ricos, a tal ponto que nao querem aceitar cristaos ricos e cristaos pobres na mesma celebracao do culto do Senhor. b) O conceito de luta de classes dá valor sacral e absoluto á historia. Esta se torna um elemento central na concepcáo da TL: «Deus se fez historia».

Em conseqüéncia, tais teólogos rejeitam a distincao

— 462 —

T. DA LIBERTACAO: PALAVRA OFICIAL

23

entre historia da salvacao e historia profana; mantcr ta! distincao seria cair no dualismo. Tendem deste modo a identificar o Reino de Deus com o movimento de libertacao humana; na historia se daña a auro-redencáo do homem por meio da luta de classes. «Alguns chegam a identificar o próprio Deus com a historia e a

definir a fé como 'fidelidade á historia', o que significa fidelidadé comprometida com urna prática política», prática relacionada com a instauracao de um messianismo (ou de wna salvacao messiánica) meramente temporal.

c) Por conseguinte, a fé, a esperanza e a caridade recebem novo significado: sao «fidelidade á historia», «confianca no futuro», «opcSo pelos pobres»- Isto equivale a negar o conteúdo teóloga! das mesmas. A caridade assim entendida exige do crisfao participando na luta de classes; quem queira amar todo homem, de qualquer classe social, ou quem queira entrar etn diálogo por vía nao violenta, está tomando atitude contraria ao verdadeiro amor; por pertencer objetiva mente ao mundo dos ricos, o rico é, antes do mais, um inimigo a combater. A universalidade do amor ao próximo e a fraternidade só terao valor quando da revolucco vitoriosa surgir o «homem novo». d) «Destas concepcoes deriva-se urna polilizagáo radical das afirmacóes da fé e dos ¡uízos teológicos. Nao se trata apenas de chamar a atencao para as conseqüéncias políticas das verdades da fé, mas de subordinar qualquer afirmacao da fé a criterios políticos, que, por sua vez, depéndem da teoria da luta de classes entendida como m oven te da historia.

e) A Igreja, nesta perspectiva, inserida na historia e sujeita, também evolucao histórica na sua imanéncia. específica da igreja, que é sacramento

é encarada como sociedade ela, as leis que governam a Assim se destrói a realidade e misterio da fé.

f) O conceito de «pobre» da Biblia é confundido com o de «proletario» de Marx. Perverte-se entáo o sentido escriturístico de «pobre»> porque se Ihe dá urna coloracao política que ele nao tem; o pobre na Biblia é, antes do mais, o amigo de Deus, ao passo que o

proletario de Marx nao tem religiáo *.

A Igreja dos pobres torna-se

entáo Igreja classista, que tomou consciéncia da tiecessidade do com bate revolucionario e que celebra a sua luta na liturgia. «O povo (dos

pobres) assim entendido chega a tornar-se, para alguns, objeto de fé». Ver p. 453s deste fascículo.

— 463 —

24

«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

g) A concepcao de «Igreja do povo» implica urna critica das préprias estruturas da Igreja... Crítica que nao é apenas correcao, fraterna dirigida aos pastores da Igrefa, mas implica por em xeque a estrufura sacramental e hierárquica da Igreja tal como a quis o próprio

Senhor: a hierarquia e o magisterio sao denunciados como represen tantes da classe dominante, que é preciso combater. Isto equivale ainda a dizer que o povo é a fonte dos ministerios e portento pode escolher os ministros que Ihe aprazam, de acordó com as necessidades da sua missao revolucionaria.

X.

UMA NOVA HERMENÉUTICA

Em conse.qüéncia do que foi dito, «os teólogos que nao compartilham a TI, a hierarquia e sobretudo o magisterio da Igreja sao

desacreditados de antemáo como pertencentes á classe dos opressores. A teología deles é urna teología de classe.

Os seus argumentos e

ensinamentos, portanto, nao merecem ser examinados, urna vez que

refletem simplesmente os interesses de urna classe. Por isto, decreta-se que o discurso deles é< em principio, falso». a) Disto se segué que é extremamente difícil, se nao ¡mpossível, conseguir com alguns teólogos da libertacáo um verdadeiro diálogo; tais teólogos partem da premissa de que a classe revolucionaria é a única portadora da verdade. Os criterios teológicos da verdade sao subordinados aos imperativos da lula de classes- Nesta perspectiva substitui-se a ortodoxia pela ortopraxis; esta é que vem a ser o criterio da verdade. Ora a metodología teológica sadia admite precisamente o contrario: a praxis ou a ética é decorréncia da fé ou do logos e constituí urna expressáo vívenciada dessa fé; a ortopraxis decorre da ortodoxia, e nao vice-versa. b) A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém; esta, dizem, procede da ¡lusSo de um possível compromiso, próprio das classes medias, destituidas de senso histórico. c)

As premissas da TL levam a urna re-leitura essencialmente

política da Escritura, que sugere as seguintes conclusóes: — o éxodo do Antigo Testamento tem importancia máxima enquanto libertacáo da escravidao política. Também o Magníficat de María SS. é privilegiado como expressáo de exaltacao política. — Ora o erro nao está em realcar a dimensao política das narracoes bíblicas, mas em fazer desta dimensao a principal e exclusiva;

— 464 —

T. DA UBERTACAO: PALAVRA OFICIAL

25

— o messianismo é entendido em termos seculares e meramente

imanentes á historia deste mundo;

— é silenciada a concepcáo da Encamacáo do Verbo, que, como homem, morreu e ressuscitou em favor de todos os homens; em seu lugar, aparece a figura de Jesús como símbolo que resume em si as

exigencias das lutas dos oprimidos;

— quem se afasta do magisterio da Igreja, afasta-se automática mente da Tradicáo (da qual o Magisterio nao é senao o porta-voz). Em conseqüéncia, os teólogos da libertacáo se privam de um criterio teo

lógico essencial e acolhem no vazio as teses mais radicáis da exegese racionalista. Propugnam entáo. sem espirito crítico, a oposicáo entre o «Jesús da historia» e o «Jesús da fé» l. Rejeitando o Jesús da fé clássica e tradicional da Igreja (embora conservem a letra das fórmulas de fé dos Concilios), pretendem chegar ao conhecimento do Jesús da historia ou do Jesús real a partir da experiencia revolucionaria da luta dos pobres pela sua libertacáo. Tal experiencia, e só ela, revelaría o conhecimento do verdadeiro Deus e do Reino;

— propóe-se assim urna interpretacao exclusivamente política da morte de Cristo. Nega-se o seu valor salvífico e toda a economía da

Reden cao;

— de modo geral, a nova interpretacao realiza a tnversáo dos símbolos: por exemplo, em vez de ver no éxodo, com Sao Paulo (ICor 10,1-4), urna figura do Batísmo, fazem do Batismo um símbolo da libertacáo política;

— em virtude do mesmo criterio de interpretacao, as relacáes

entre a hierarquia e a «base» da lgre¡a tornam-se relacoes de dominacáo que obedecem á leí da luta de classes. £ simplesmente ignorada a sacramentalidade que está na raíz dos ministerios eclesiais e que faz da Igreja urna realidade mística (que nao se pode reduzir a dímensóes meramente sociológicas);

i "Jesús da historia" seria Jesús como, de fato, vlveu na Palestina há quase vinte séculos. "Jesús da fé" serla Jesús como fol concebido pela fé e pelo senso místico dos discípulos; estes terlam criado urna Imagem de Jesús mals beta e portentosa do que a Imagem real. Haverla, pols diferenca ou mesmo oposIgSo entre a realidade de Jesús e o concelto teológico formulado pelos antlgos crlstSos. Tal aflrmacfio é preconceituosa e mesmo contraria aos estudos exegétlcos mals serios. Cf. PR 90/1967 pp 248-250— 465 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

— a Eucaristía ¡á nao é a perpetuacao do sacrificio de Cristo sobre os nossos altares, estando o Senhor realmente presente sob as aparincias do pao e do vinho, mas vem a ser a celebracao da luta do povo em prol da libertacáo política.

XI.

ORIENTALES

A presente Instrucáo, chamando a atencáo para desvios da TL, nao tenciona deter os esforcos dos sacerdotes, Religiosos e ieigos que trabalham

pela

promocao

dos

seus

irmáos

carentes,

mas

é

urna

advertencia para que o facam heroicamente em estrita comunháo com seu Bispo e com a Igreja universal. De modo semelhante, trabalhem os teólogos em consonancia com o magisterio da Igreja. Reconhecam neste um dom de Cristo á sua Igreja e acolham as suas orientacóes com respeito.

Os esforcos em prol da ¡ustica social sejam conduzidos de maneira condizente com a dignidade humana. Por isto o recurso sistemático á violencia cega deve ser condenado. Quem confia em meios violentos para instaurar mais ¡uslica na sociedade, é vítima de ilusáo fatalViolencia gera violencia e degrada o homem. A fonte das injusticas

se encontró no coracao do homem; donde se segué que é prioritaria a conversáo dos coracpes para que haja estruturas sociais justas.

Visto que as teses das «teoiogias da libertacáo» estao rendo larga mente difundidas nos cursos de formacao e ñas comunidades de base, que carecem de preparccáo catequética e teológica, os pastores devem vigiar sobre a qualidade e o conteúdo da catequese e da formacao; estas devem sempre apresentar a integralidade da mensagem da salvacáo e os imperativos da vcrdadeira libertacáo humana, no quadro desta mensagem integral. «Nesta apresentacáo integral do misterio cristáo, será oportuno

acentuar os aspectos essenciais que as 'teologías da libertacáo' tendem especialmente a desconhecer ou eliminar: transcendencia e gratuidade da libertacáo em Jesús Cristo, verdadeiro Deus e verdádeiro homem; soberanía da sua graca; verdadeira natureza dos meios de íalvacáo, e especialmente da Igreja e dos sacramentos. Tenham-se presentes a

verdadeira significacáo da ética, para a qual a distincáo entre o. bem e o mal nao pode ser relativizada; o sentido auténtico do pecado; a necessidade da conversáo e a uniyersalidade da leí do amor fraterno. Chame-se a atencáo contra urna politizacao da existencia, que, desconhecendo ao mesmo tempo a especificidade do Reino.de Deus e a

transcendencia da pessoa, acaba sacralizando a política e abusando da religiosidade do povo em proveito de iniciativas revolucionarias». — 466 —

T. DA LIBERTACAO: PALAVRA OFICIAL

27

CONCLUSAO «As palavras de Paulo VI, na Profissáo de Fé do povo de Deus, exprimen), com meridiana clareza, a fé da Igreja, da qual ninguém se

pode afastar s«m provocar, juntamente com a ruina espiritual, novas miserias e novas escravidoes:

'Nos professamos que o Reino de Deus iniciado aquí na térra, na Igreja de Cristo, nao é desfe mundo, cuja figura passa, e que seu crescimento próprio nao se pode confundir com o progresso da civilizacao, da ciencia ou da técnica humanas, mas consiste em conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis riquezas de Cristo, em esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em responder cada vez mais ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez mais amplamente a graca e a santidade entre os homens.

Mas é este mesmo amor que leva a Igreja a preocupar-se constan temente com o bem temporal dos homens. Nao cessando de lembrar a seus filhos que eles nao tém agui na térra morada permanente, anima-os também a contribuir, cada qual segundo a sua vocacao e os meios de que dispóem, para o bem da sua cidade terrestre, a promover a justica, a paz e a fraternidade entre os homens, a prodigalizar-se na fljuda aos irmaos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. A intensa solicitude da Igreja, Esposa de Cristo, pelas necessidades dos homens, suas alegrías e esperanzas, seus sofrimentos e seus esforcos, nada mais é do que o seu grande desejo de Ihes estar presente para os iluminar com a luz de Cristo e reuni-los todos nele, seu único Salva dor. Esta solicitude nao pode, em hipótese alguma, comportar que a própria Igreja se conforme as coisas deste mundo, nem que diminua o ardor da espera pelo seu Senhor e pelo Reino eterno'. O Sumo Pontífice Jo5o Paulo II, no decorrer de urna audiencia concedida ao Cardeal Prefeito que subscreve este documento, aprovou a presente Instrueno. .. e ordenou que a mesma fosse publicada. Roma, Sede da Sagrada Congrégatelo para o Doutrina da Fé, ó de

agosto de 1984, na festa da Transfiguracao do Senhor. Joseph Card. Rcrtzinger Prefeito

Alberto Bovone Arcebispo

tit. de Cesárea de Numídia Secretario»

— 467 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

RECAPITULANDO

. . .

O documento apresentado vinha sendo esperado desde muito, pois as disputas suscitadas pela TL provocavam nos fiéis o desejo de ler urna palavra abalizada e dirimente a respeito. — Recapitulando o conteúdo de tal Instrugáo, poremos em relevo os seus tópicos principáis: 1)

A TL nao é simplesmente a resposta crista ao pro

blema da fome e da miseria no mundo, como, á primeira vista, poderia pensar o grande público. A TL atrai muitos observa dores contemporáneos precisamente porque parece ser a autén tica formulacáo do senso de justiga e fraternidade dos cristáos no mundo contemporáneo. — Todavía quem estuda as obras dos teólogos da libertacño (infelizmente o grande público, informado apenas pelos jomáis, nao as conhece), verifica que se trata de algo assaz diferente: a TL, na medida em que recorre á análise marxista, vem a ser urna re-interpretagáo ou reformulagáo total do Cristianismo: «12. Propoe-se urna interpretacáo exclusivamente política da morte de Cristo. Nega-se desla maneira o seu valor salvífico e toda a economia da Redencao. 13.

A nova interpretacáo atinge assim todo o conjunto do miste

rio cristáo. 14.

De modo geral, ela opera o que se poderia chamar 'inversao

dos símbolos' » (Título X).

Pode-se dizer que a inspiracáo básica da TL extremada é materialista; serve-se de vocábulos e fórmulas do Cristianismo que Ihe dáo aspecto teológico. Tal aspecto, porém, é o de uní Cristianismo secularizado, laicizado, a-religioso e politizado; todos os conceitos cristáos sao revistos a luz de categorías sociais, políticas e revolucionarias; é através da prática revolu cionaria que se reformulam as proposigóes do Cristianismo a fim de condizerem com ela e a apoiarem. Com outras palavras: a TL extremada nao fere apenas um ou outro aspecto da mensagem crista, mas afeta a Boa-Nova de Cristo em sua totalidade, atribuindo-lhe sentido radi calmente diverso daquele que o Senhor Jesús Ihe quis dar: sen

tido derivado do materialismo, do racionalismo e do odio a irmáos. — 468 _

T. DA LIBERTACÁO: PALAVRA OFICIAL

29

Para tomar plena consciéncia disto, o estudioso nao se limitará a ler apenas os escritos de teólogos da libertagáo brasileiros, mas tomará contato também com os escritos de Pablo Richard, Enrique Dussel, Jon Sobrino...

2) A Igreja, condenando os erros da TL, nao é insensível á questáo social: «A preocupando com a pureza da fé nao subsiste sem a preocupaC&o de dar a resposra de um testemunho eficaz de servico ao próximo e, em especial, ao pobre e ao oprimido, através de urna vida teologal integral» (Título XI, n" 18).

Desde o século passado (encíclica «Rerum Novarum» de Leáo XIII em 1891), a Igreja vem formulando as conseqüéncias éticas do Evangelho diante dos problemas sociais dos últi mos decenios; as encíclicas e cartas dos Papas tém acompanhado minuciosamente a evolucáo da questáo social, respondendo-lhe de maneira cada vez mais pormenorizada; o Papa Joáo Paulo II, ao mesmo tempo que se mantém fiel á doutrina da fé, é muito insistente no tocante á genuina acáo social crista. Por conseguirte, quem nao abraga a TL, nao é necessariamente partidario de situagóes injustas, mas pode adotar a doutrina social da Igreja; esta, posta em prática, se revela mais eficaz do que as teorías materialistas, que desrespeitam a dignidade da pessoa humana e, aplicando violencia, geram violencia:

«Conceitos tomados por empréstimo, de maneira acrítica, á ideologia marxista e o recurso a teses de urna hermenéutica bíblica marcada pelo racionalismo encontrani-se na raiz da nova interpretacño, que vem corromper o que havia de auténtico no generoso empenho inicial em favor dos pobres» (Titulo VI, n* 10)-

As experiencias dos países submetidos a regimes de ex trema esquerda sao assaz eloqüentes para mostrar que os prin

cipios marxistas nao trazem a solugáo para a questáo social: «A lula de classes como caminho para urna sociedade sem classes é um mito .que impede as reformas e agrava a miseria e as injusticas. Aqueles que se deixam fasdnar por «ste mito, deveriam refletir sobre as experiencias históricas amargas ás quais ele conduziu. Compreenderiam entáo que nao se trata, de modo algum, de abandonar urna vía

— 469 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» '277/1984

eficaz de luta em favor dos pobres em prol de um ideal desprovido de

efeito. Trata-se, pelo contrario, de libertar-se de urna miragem para se apoiar no Evangelho e na sua forca da realizacao» (Título XI, n° 11).

É, pois, para desejar que a palavra da Santa Sé, serena e objetiva como é, projete luz sobre a problemática e contribua para que os fiéis católicos evitem ilusóes e o grande público possa discernir a auténtica fé das contrafagots da mensagem de Cristo!

DILATAR OS HORIZONTES

Certa, vez, ao comentar o medo do compromisso, gue tan tos homens experimentam em

nossos días, observava Joao

Paulo II:

«ESSE MEDO... PROVÉM DE UMA PERDA DO SEN TIDO DA VIDA. MUrTOS JA NAO PERCEBEM A VIDA EM SEU CONJUNTO,

COMO UM

TODO QUE

UMA OPCÁO E UM DIRECIONAMENTO.

IMPLICA

VIVEM-NA POR

FATIAS SUCESSIVAS, SEM VER MAIS LONGE DO QUE

O FIM DE UMA FASE E QUANDO

O INICIO DA SEGUINTE —

CHEGAM A VÉ-LOS! ORA É PRECISO COM-

PROMETER-SE TOTALMENTE.

A VIDA RELIGIOSA E A

VIDA MATRIMONIAL SAO DUAS MODALIDADES DE UM

TAL COMPROMISSO

ABSOLUTO.

INFELIZMENTE MUI-

TOS HOJE CARECEM DE UMA VISAO CLARA DA FI-

NALIDADE DA EXISTENCIA HUMANA. ISTO É VERDADEIRA

DOENCA

FREQUEZA,

TALVEZ

UM

PECADO

CONTRA O ESPIRITO. OS HOMENS NAO PODEM VIVER DIANTE DE DEUS

COMO

SE VIVESSEM DIANTE

DO

NADA» (TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO DE ANDRÉ FROSSARD:

N'AYEZ

PAS

PEUR.

■PATJL n, P. 322).

— 470

DIALOGUE

AVEC

JEAN-

Urna Carta Apostólica de Joao Paulo II:

"A Dor Salviíka" Em sintese: Abordando o delicado tema do sofrimento, JoSo Paulo II mostra que ele é inerente á vida do homem. Introduzido no mundo pelo pecado, fol assumido por Cristo, o segundo Adáo, que Ihe deu valor re dentor; o homem é salvo do pecado e da morte pelo sofrimento expiatorio de Cristo. Todo cristáo que aceite padecer com Cristo, compartilha o valor salviflco da Cruz de Cristo. Assim o sofrimento, que antes de Cristo era tldo em Israel como sinal da justiga punitiva de Deus, aparece no Novo Testamento como testemunho do amor divino, que se compadece do homem. Com multa énfase, Joáo Paulo II elucida o misterio do sofrimento, citando o texto de Jo 3,15: "A tal ponto Deus amou o mundo que Ihe deu o seu Filho Unigénito, para que todo o que nele eré nao pereca, mas tenha a vida eterna"; por amor o Pal entregou o seu Filho á sorte do homem pecador para que este pudesse compartilhar a heranca do Filho de Deus. Se o sofrimento é assim apresentado, compreende-se que o cristáo o consi dere com otimismo e alegría, consoante o texto de Cl 1,24, muito citado por Joáo Paulo II: "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa. Completo na minha carne o que falta á Paixáo de Cristo em favor do seu corpo, que é a Igreja". A Carta de Joáo

Paulo II é um

monumento de profundidade e de

valor ascético-mfstico.

Aos

cumento

11/02/84 o S. Padre Joáo Paulo II assinou um do

de grande importancia pastoral, a saber; a Carta

Apostólica

«Salvifici Doloris»

(Da Dor Salvifica). É este o

primeiro texto pontificio que, sob forma de Carta, trata do sofrimento (seu sentido teológico e seu valor pastoral). Consta de sete títulos e trinta e um parágrafos, que merecem atenta

meditagáo, pois abordam urna temática que toda a filosofía e toda a humanidade sempre consideraran! com muito interesse. O documento tem significado nao apenas bíblico e teológico, mas também pastoral e ascético. Eis por que, ñas páginas seguintes, proporemos urna sintese do seu conteúdo, seguida de algumas observacóes. — 471 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

I.

lntrodu;áo (§§ 1-4)

2. O tema do sofrimento nao só condiz com as linhas da espiritualidade do Ano Santo (Redengáo pela cruz), mas é

assunto que acompanha o homem de todos os tempos e de

todas as latitudes. O sofrimento «parece particularmente essencial á natureza do homem».

«O sentido do sofrimento é too profundo quanto o homem mesmo, precisamente porque manifestó, a seu modo, a profundidade própria

do homem e ultrapassa esta. O sofrimento parece pertencer á trans

cendencia do homem» (n° 2).

«De urna forma ou de outra, o sofrimento parece ser, e de fato é, quase ¡nseparável da existencia terrestre do homem» (n? 3).

Em nosso comentario, á p. 484s, voltaremos á consideragáo

deste aspecto.

Ora, se o roteiro da Igreja passa pelo homem, compreende-se que passe pelo homem que sotre (alias, todo homem sofre). É para este que a Igreja se volta com especial atengáo.

4. O sofrimento inspira compaixáo, respeito e, também, intimida, «pois traz em si a grandeza de um misterio especí fico». E a fé que nos leva a penetrar dentro do que parece inacessivel em cada homem; doutro lado, o coragáo nos incita a vencer a timidez e a aproximar-nos do irmáo sofredor.

II.

O mundo do sofrimento humano (ns. 5-8)

5. Mesmo que o sofrimento parega inexprimível e incomunicável, porque fato subjetivo e pessoal, ele exige, mais do que outra realidade, ser tratado de maneira objetiva; trata-se de um problema que deve ser explicitado e que suscita perguntas as quais exigem resposta.

O homem sofre nao somente no plano físico, quando o corpo lhe dói, mas também no plano moral, quando padece a dor da alma. A dor moral nao é menos ampia e complexa do que a dor física; além do qué, mais difícilmente pode ser

atingida e diagnosticada pelos recursos terapéuticos do que'ía dor física.

— 472 —

«A POR SALV1FICA»

33

6. AS. Escritura nos oferece exemplos múltiplos de dor, visto que ela é «um grande livro sobre o sofrimento»: assim o perigo de morte suportado por Ezequias (cf. Is 38,1-3);

a ameaga de morte do filho, no caso de Agar (cf. Gn 15-16), no de Jaco (cf. Gn 38,33-35), no de Davi (cf. 2Sm 19,1); a nostalgia da patria (cf. SI 136); a perseguicáo e a hostilidade (cf. SI 21,1-21; Jr 18,18); a solidáo e o abandono (cf. SI 21,2s; 30,13; 37,12; 87,9.19; Is 53,3); a ingratidáo dos amigos e dos vizinhos (cf. Jó 19,19; SI 40,10; Jr 20,10); os remorsos da consciéncia (cf. SI 50,5; Is 53,3-6; Zc 12,10).

O Antigo Testamento frisa que o sofrimento é psicossomático, associando a dor moral á dor física nos ossos (cf. Is 38,13; Jr 23,9; SI 30,10s...), nos rins (cf. SI 72,21; Jó 16,13; Lm 3,13), no coragáo (cf. ISm 1,8; Jr 4,19; 8,18; Lm 1,20.22)... 7.

O sofrimento nao é algo de meramente passivo no

homem («estou afetado de..., experimento urna sensagáo de angustia...»), mas tem índole ativa; o homem assim atingido reage com atitudes de dor, tristeza, decepeáo, abatimento ou

mesmo desespero...

Estas consideragóes suscitam naturalmente a pergunta:

que é o mal? Tal questáo é inseparável do tema do sofri

mento.

O cristáo nao responde em termos dualistas, como se o bem e o mal fossem realidades subsistentes, das quais participariam as criaturas. Nao há substancia má por si. O mal é um bem alterado, diminuido ou privado de valores que lhe sao devidos; é precisamente esta privagáo que constituí o mal. 8. O sofrimento existe espalhado pelos homens ou carregado por numerosos sujeitos. Embora assim dispersa, a dor provoca solidariedade ou comunháo entre aqueles que sofrem.

Vem a ser um apelo á uniáo entre os homens, especialmente quando ela se faz muito densa como no caso das calamidades que afetam as populagóes (epidemias, catástrofes, cataclis mos. ..); mormente as guerras, e de modo particular a guerra

atómica que ameaga hoje em dia a humanidade, despertam o sentimento de solidariedade entre as vítimas; a ameaca de autodestruigáo do género humano faz-nos mais ainda enfatizar o mundo do sofrimento e o sofrimento do mundo. — 473 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

III.

9.

O sentido do sofrimento (ns. 9-13)

No ámago de todo sofrimento colocam-se inevitavel-

mente as perguntas: por qué? para qué?

Somente o homem

é capaz de formular tais indagagóes, visto que os animáis sofrem, mas nao refletem sobre o sentido da sua dor

Tais perguntas sao geralmente dirigidas a Deus, Criador e Senhor, e nao aos homens, pois estes nao sao capazes de responder-lhes cabalmente. Muitos dos que assim indagam, chegam a negar a existencia de Deus; o mal e a dor no mundo, sem aparente explicagáo, obscurecem, na mente de varios pen sadores, a imagem de Deus.

10.

Ora Deus nao recusa o questionamento do homem,

como bem provam os escritos bíblicos.

No livro de Jó, por exemplo, aparece um homem reto que é profundamente afetado pela perda dos filhos e da própria saúde. Os amigos que o váo visitar em tais condigóes, propóem-lhe a tese antiga adotada pelos israelitas: Jó deve ter come

tido alguma falta grave, pois todo sofrimento é castigo ou

pena devida a urna transgressáo da Leí de Deus, como parecem ensinar Dn 3,27s; SI 18,10; 35,7; MI 3,16-21; Mt 20,16; Me 10,31; Le 17,34; Jo 5,30; Rm 2,2. Alias, de modo geral, os homens sao propensos a admitir que todo pecado acarreta nesta vida mesma urna pena ou urna punicáo da parte de Deus;

cf. Jó 4,8.

11. Todavía Jó contesta tal principio, afirmando que sofre com inocencia. É, alias, esta a tese que o autor do livro de Jó quer incutir no final da sua obra: nem todo sofrimento é conseqüéncia de um pecado do sujeito sofredor. No caso de Jó, por exemplo, tem o significado de provacáo: Jó é chamado a conceber fé e amor táo vivos que ele continua a servir a Deus, mesmo que privado de seus bens materiais e da sua saúde; ora o patriarca atravessa firmemente a prova e nao se revolta contra Deus. O Antigo Testamento, em outras passagens, apresenta o sofrimento como apelo 'á conversáo ou a

triunfar do mal mediante a penitencia; cf. 2Mc 6,12.

12. Todavía o livro de Jó nao representa a palavra firial da Revelagáo Divina sobre o assunto. — 474 —

«A POR SALVÍFICA»

35

13. Para entender bem o porqué do sofrimento, os escri tos do Novo Testamento nos incitam a voltar nosso olhar para

o amor de Deus, fonte suprema do sentido de tudo o

que

existe. Com efeito, o Evangelho nos apresenta Jesús Cristo que sofre o suplicio da cruz para salvar os homens ou por

amor á humanidade.

IV.

Jesús Cristo, o sofrimento vencido pelo amor (ns. 14-18)

14. «Deus tanto amou o mundo que entregou seu Filho único para que todo aquele que nele crer, nao perega, mas

tenha a vida eterna» (Jo 3,16). Estas palavras de Cristo nos introduzem no ámago da acáo salvifica de Deus. Salvar é libertar do mal ou da morte.

Ora Deus amou

os homens a ponto de entregar seu Filho único para que Este, assumindo a dor e a morte dos homens, lhes possibilitasse par ticipar da vida do próprio Deus. O Filho de Deus foi dado á humanidade para protegé-la contra o mal definitivo que im plica a perda da vida eterna. As raízes desta perda mergu-

Iham no pecado. Isto quer dizer que Jesús quis sofrer para vencer o pecado.

15. Donde se vé que, na perspectiva do Novo Testa mento, a dor nao é necessariamente correlativa a pecados pessoais cometidos pela vítima; Cristo, por exemplo, foi inocente, o Santo por excelencia, e, nao obstante, sofreu atrozmente. Mas nao se pode deixar de perceber que o sofrimento é associado ao pecado das origens ou original: «Nao se pode renun ciar ao criterio segundo o qual, na base dos sofrimentos huma nos, existan implicacóes múltiplas com o pecado» (n» 15): «O mal, de fofo, permanece ligado ao pecado e á morte.

E,

aínda que se deva ter murta cautela em considerar o sofrimento do

homem como consecuencia de pecados concretos (como mostra precisa mente o exemplo do justo Jó), ele nao pode contudo ser separado do pecado das origens, daquilo que em Sao Joño é chamado 'o pecado do mundo' (Jo 1,29)» (n? 15).

Destas verdades se segué que o sofrimento é transfigu rado pelo amor: vem a ser vitória sobre o pecado e a morte; na medida em que é vivificado pelo amor, extingue as conseqüéncias destruidoras que o pecado dos primeiros pais acarretou para a humanidade.

— 475 _

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

«Em conseqüéncia da obra salvífica de Cristo, o homem, tío decorrer

da sua existencia terrestre, tem a esperanca da vida... eterna. Mesmo se o vitória sobre o pecado e a morte, obtida por Cristo mediante a Cruz e a Ressurreicáo, nao suprime os sofrimentos temporais da vida humana e nao isenta de sofrimento a existencia humana na totalidade da sua dimensáo histórica, ela projeta urna luz nova — a luz da salvagáo — sobre toda essa dimensáo histórica e sobre o sofrimento. E essa luz é a do Evangelho, a da Boa-Nova» (n« 15).

16.

Cristo se tornou próximo ao mundo do sofrimento,

assumindo sobre si esse sofrimento: quis experimentar o cansaco, a pobreza, a incompreensáo, a hostilidade... de maneira consciente, isto é, sabendo que dessa maneira Ele faria que o homem nao perecesse, mas tivesse a vida eterna. Foi por isto que Sao Paulo pode escrever: «Ele me amou e se entregou por mim» (Gl 2,20). 17. Alias, a missáo de Cristo assim entendida iá foi esbocada, no Antigo Testamento, pelo quarto cántico do Servidor de Javé (Is 52,13-53,12): este frisou bem que o Servidor ino cente tomaría sobre si os nossos pecados (cf. Is 53,2-6); Ele sofreu em «substituicáo» ou fazendo as vezes de..., para redi mir o homem. «No seu sofrimento os pecados sao apagados precisamente porque Ele só, como Filho único, os pode assumir sobre si com amor ao Pai que ultrapassa o mal de todo pecado; em certo sentido, ele aniquila esse mal no espaqo espi ritual das relacóes entre Deus e os homens e preenche esse espago com o bem»

(n* 17).

18. «O Cristo... traz a mais completa das respostas possíveis á questáo do sentido da dor... Ele a dá nao só por seu ensinamento, isto é, pela Boa-Nova, mas, antes do mais, por

seu próprio sofrimento, que é completado... pelo ensinamento da Boa-Nova. Tal é a palavra última, a súrtese, desse ensi namento: a linguagem da cruz, como disse um dia Sao Paulo (cf. ICor 1,18)» (n« 18). Esta linguagem da cruz é muito vivamente expressa pelas palavras do Senhor Jesús no horto das Oliveiras diante da perspectiva da sua Paixáo: «Pai, se possível, que este cálice

passe sem que o beba! Mas faca-se a tua vontade, e nao a minha!» (Mt 26,42). Tais palavras atestam tanto a verdade — 476 —

«ADORSALVÍFICA»

37

do sofrimento como a do amor de Cristo. Com o Senhor Je sús, todo homem pode experimentar a angustia da Paixáo, mas diga sempre: «Faga-se a tua vontade, e nao a minha!» Outras palavras do Senhor, que se seguiram as do horto, sao as do Crucificado: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27,46). Estes dizeres brotam do fato de que o Pai fez recair sobre Jesús as nossas faltas (cf. Is 53,6), de modo que Ele experimentou o peso horrível da separagáo de Deus ou da ruptura com Deus. Mas foi precisamente por tal sofrimento que o Cristo realizou a Redencáo do mundo e pode dizer ao expirar: «Tudo está consumado» (Jo 19,30).

Em síntese, «o sofrimento humano atingiu o seu vértice na Paixáo de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de urna dimensáo completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor, áquele amor de que Cristo falava a JNicodemos, áquele amor que cria o bem, tirando-o mesmo do mal, tirando-o por meio do sofrimento, tal como o bem supremo da Redengáo do mundo foi tirado da Cruz de Cristo e nela encentra perenemente o seu principio.

A Cruz de Cristo tor-

nou-se urna fonte da qual brotam ríos de agua viva. Nela devemos também repropor-nos a pergunta sobre o sentido do sofrimento, e ler ai até o fim a resposta a tal pergunta» (m 18).

V.

Participantes dos sofrímenlos de Cristo (ns. 19-24)

19. A Paixáo de Cristo projeta nova luz sobre o sofri mento dos homens, pois ela o resgata: «Entregou-se pelos nossos pecados, a fim de nos subtrair ao mundo maligno em que vivemos» (Gl 1,4), diz o Apostólo, que acrescenta: «Fostes

comprados por elevado prego. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo» (ICor 6,20).

Em conseqüéncia, «todo homem participa, de urna maneira ou de outra, na Redencáo». «Realizando a Redengáo mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofri mento humano a ponto de lhe dar valor de Redengáo» (n« 19). 20.

Sao Paulo exprime diversas vezes esta verdade:

«Em tudo somos atribulados, mas nao oprimidos; perplexos, mas nao desesperados; perseguidos, mas nao abandonados; abatidos, mas nao perdidos; por toda parte levamos sempre no corpo os sofrimentos

— 477 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

de Jesús, para que também a vida de Jesús se manifesté no nosso corpo.

De falo,

enqvanto

vivemos, somos continuamente

entregues

á morte por causa de Jesús, para que a vida de Jesús se manifesté também na nossa carne mortal... com a certeza de que aquele que

ressuscitou o Senhor Jesús, nos ressuscitará também a nos com Jesús» (2Cor 4,8-11.14).

Estas palavras do Apostólo revestem-se

de urna dupla

dimensáo: «Se um homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo, isío acontece porque Cristo abriu o seu sofrimento ao homem, porque

Ele próprio no seu sofrimento redentor se tomou, num certo sentido, participante de todos os sofrimentos humanos.

Ao descobrir, pela fé,

o sofrimento redentor de Cristo, o homem descobre nele, ao mesmo tempo, os próprios sofrimentos, reencontra-os, mediante a fé, enrique cidos de um novo conteúdo e com

21.

um novo significado»

(n? 20).

De resto, o misterio do sofrimento e da morte é

inseparável da certeza da ressurreigáo. «O misterio da Paixáo está contido no misterio da Páscoa». E, mediante a Vitoria de Páscoa, o sofrimento é colocado em relacáo com o Reino de Deus. «E mediante o sofrimento que amadurecem para o Reino os homens envolvidos pelo misterio da Redengáo de Cristo»

(.n» 21). 22.

Com outras palavras ainda:

«Aqueles que partici-

pam dos sofrimentos de Cristo, sao também chamados, me diante os seus próprios sofrimentos, a tomar parte na sua gloria». «Importo reconhecer esta gloria nao só nos mártires da fé, mas

também em muitos outros homens que, por vezes, mesmo sem a fé

em Cristo, sofrem e dao a vida pela verdade e por urna causa justa. Nos sofrimentos de todos estes, é confirmada, de modo particular, a grande dignidade do homem».

Esta passagem de Joáo Paulo II é importante porque póe em relevo o valor das atitudes fortes e coerentes daqueles que amam a verdade e o bem, mesmo que nao tenham a fé em Cristo. Sao atitudes que podem encaminhar o homem nao crente para a plenitude da sua nobreza e grandeza, a ser usofruida na comunháo de vida com Cristo.

— 478 —

«A DOR SALVÍFICA>

39

23. O sofrimento, neste contexto, também é urna provagáo que torna o homem particularmente receptivo a agáo

salvifica de Deus.

É um apelo á prática da virtude perseve

rante e tenaz. O Senhor quer que a forga de Deus se mani festé precisamente na fraqueza do homem e que se dé urna renovagáo de energia espiritual em meio as provagóes e tribulagóes dos cristáos. 24. Mais um passo deve ser dado. O Apostólo diz que «completa em sua carne o que falta á Paixáo de Cristo em proi do seu corpo, que é a Igreja» (cf. Cl 1,24 j. Quer isto dizer que a Redengáo operada por Cristo nao foi completa? — Nao. A Redengáo foi realizada em toda a sua pienitude pelo sofrimento de Cristo, mas ela toma em cada cristáo que participa dos sofrimentos de Cristo, um suporte ou um cenário novo, que ela nao tinha. «Ela se desenvoive como o Corpo de Cristo, que é a Igreja; e, nesta dimensáo, todo sofrimento humano, em razáo da sua uniáo com Cristo no amor, completa o sofrimento de Cristo. Completa-o, como a Igreja completa a obra redentora de Cristo». Associando os seus sofrimentos aos de Cristo na Igreja, o cristáo se torna capaz de levar aos seus irmáos as gragas adquiridas por Cristo em favor dos homens; e'e vem a ser um canal por tador dos dons da salvagáo. «É algo que parece fazer parte da própria esséncia do sofrimento redentor de Cristo: o fato de que Ele tende a ser incessantemente completado».

VI. 25.

O Evangelho do Sofrimento (ns. 25-27)

Cristo deixou á Igreja e á humanidade um Evange

lho específico do sofrimento.

Antes de qualquer outra criatura, Maña SS. desse Evangelho:

participa

«Testemunha da Paixáo pela sua presenta, nela participante com a sua compaixdo, María Santíssima ofereceu urna contribuigño singular

ao Evangelho do sofrimento, realizando antecipadamente aquilo que afirmaría Sao Paulo com as palavras citadas no inicio desta reflexáo. Sim, Ela tem títulos especialíssimos para poder afirmar que 'completa

na sua carne — como igualmente no seu coracao — aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo' ».

— 479 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Cristo nao escondeu aos seus seguidores a necessidade do sofrimento. Pelo contrario, dizia-lhes muito claramente: «Se alguém quer vir após mim,... tome a sua cruz todos os dias» (Le 9,23) O caminho que leva ao Reino dos Céus é estreito e apertado, em oposigáo ao caminho largo e espagoso que conduz á perdigáo (cf. Mt 7,13s).

Para ser fiel a Cristo, o cristáo tem que se dispor a supor tar injurias e tribulagóes: «O servo nao é maior do que o seu senhor. Se perseguiram a Mim, também a vos nao de perse guir» (Jo 15,18-21); «No mundo tereis que sofrer. Mas tende confianca. Eu venci o mundo» (Jo 16,33). Isto quer dizer que a vocacáo crista é, entre outras coisas, um chamado especial a coragem e <á fortaleza, apoiado na Vitoria de Cristo ressuscitado.

26. Assim o Evangelho do sofrimento vai-se desenvolvendo ao longo da historia, escrito agora por todos aqueles que sofrem com Cristo, unindo os próprios sofrimentos ao sofrimento salvifico do Senhor. No decorrer dos séculos tem-se comprovado que no sofri mento se esconde urna torga particular, que aproxima inte riormente o homem de Cristo. Foi esta forga que converteu

muitos santos, como S. Francisco de Assis, S. Inácio de Loiola... O sofrimento abre também perspectivas para que o homem possa encarar de maneira nova toda a sua existen cia; quando o corpo está enfermo ou mesmo inutilizado, mais se podem evidenciar a grandeza espiritual e a maturidade inte rior da pessoa que sofre; esta, assim prostrada, mas ao mesmo tempo engrandecida, oferece comovedoras ligóes de vida as pessoas sás e normáis.

A aceitagáo do sofrimento, paulatinamente. As

pessoas

em muitos casos, só se faz

quase

sempre entram no soínmento com a perguma sobre o seu porqué; interrogam Deus

Pai e o Cristo a respeito do sentido da sua dor. Cristo Ihes responde por meio do seu próprio sofrimento; as vezes, é necessário muito tempo para que a resposta comece a ser per-

cebida interiormente. Na medida em que o homem toma a sua cruz, unindo-se espiritualmente á cruz de Cristo, vai-se-lhe manifestando o sentido salvifico do sofrimento; tal descoberta é acompanhada de paz interior e alegría espiritual. Na base desta experiencia, dizia o Apostólo: «Alegro-me nos sofrimen— 480 —

«A DOR SALVIFICAs

41

tos suportados por vossa causa. Completo na minha carne o que falta á Paixáo de Cristo, em favor do seu corpo que é a Igreja» (Cl 1,24). 27. Com efeito. O sofrimento torna o cristáo cons ciente de que é útil a seus irmáos porque unido á Cruz de

Cristo; dissipa-se assim a sensacáo de vazio e inutilidade que

as pessoas doentes podem experimentar, cedendo lugar a pro funda alegría interior. «O sofrimento impregnado do espirito de Cristo é o mediador insubstituível dos bens indispensáveis á salvagáo do mundo. Mais que qualquer outra coisa, o sofri mento abre caminho á graca que transforma as almas humanas».

É por isto que a Igreja vé em seus membros sofredores valiosos esteios da sua missáo sobrenatural. Quantas vezes os

pastores da Igreja recorrem precisamente a eles, para pedir-lhes ajuda e apoio! Mediante os seus sofrimentos conservam urna rica parcela do tesouro da redengáo do mundo, que eles compartilham com os outros homens.

Vil.

O Bom Samaritono

28. A parábola do Bom Samaritano pertence também ao Evaneelho do sofrimento. Indica-nos nual deva ser o rela-

cionamento de cada um de nos com o próximo que sofre. Nao nos é permitido passar adiante com indiferenca, mas devemos parar junto dele numa atitude de disponibilidade servical. Nao basta comover-se (embora isto seja a única coisa viável em alguns casos); é preciso também prestar ajuda eficaz, na me

dida do possível: esta ajuda consistirá em dar bens materiais, sim, mas principalmente em dar-se a si nr>esmo. «Bom Sama ritano é o homem capaz de um tal dom de si mesmo».

29. O papel do Bom Samaritano supóe e mobiliza o amor ao próximo. Ele se exerce em multas profissoes ou através de diversas instituicóes da vida civil. «Quanto de Bom Samaritano tém as profissoes de médico ou de enfermeira ou outras similares!» Nao sao apenas profissóes. mas sao vocacóes ao apostolado. É difícil apresentar urna lista de todas as esferas da atividade do Bom Samaritano que existem na Igreja e na sociedade... Gracas a elas, os valores moráis fundamen

táis, como o da solidariedade humana e o do amor ao pró— 481 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

ximo, compóem o quadro da vida social, e fazem frente as diversas formas do odio, da violencia, da crueldade, do des-

prezo pelo homem ou até da simples insensibilidade para com o próximo.

Nesta altura deve-se salientar a importante fungáo que compete á educaeáo. A familia, a escola e as outras instituigóes educativas... devem trabalhar com perseveranga no sen tido de despertar aquela sensibilidade para com o próximo de que se tornou símbolo a figura do samaritano do Evangelho.

Nenhuma instituigáo pode substituir o coragáo humano, a compaixáo humana, o amor humano, a iniciativa humana, quando se trata de ir ao encontró do sofrimento de outrem. Vé-se, pois, que o cristáo, longe de ser passivo diante do

sofrimento, é incitado a exercer sua atividade preparando-se para ouvir no juizo final as palavras do Senhor Jesús: «Em verdade vos digo que tudo o que fizestes a um destes meus

irmáos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40).

«A mim o fizestes». É o próprio Cristo que, em cada um,

experimenta o amor e recebe ajuda. Ele próprio está presente

em quem sofre, pois o seu sofrimento salvífico foi aberto, urna vez para sempre, a todo sofrimento humano.

VIII.

Conclusao W 31)

As explanacóes anteriores tentaram desvendar o sentido do sofrimento. Em resumo, ele é verdadeiramente humano, pois o sofrimento faz parte do misterio do homem ou da natureza e da dignidade do homem. Mas é também verdadeirar mento sobrenatural, porque só se explica, em última análise,

dentro do plano de Redengáo do mundo. É, sim, Cristo quem plenamente revela o sentido do homem ao homem e, conseqüentemente, o sentido do sofrimento. Lembra o Concilio do Vaticano II: «Por Cristo e em Cristo se esclarece o enigma da dor e da morte» (Const. Gaudium et Spes n» 22). É preciso, pois, que se congreguen! em espirito, junto á Cruz do Calvario, todos aqueles que sofrem e acreditam em Cristo... a fim de que o oferecimento dos seus sofrimentos

apresse o realizar-se da oracáo do mesmo Salvador pela uni-'* dade de todos os homens (cf. Jo 17,11.21s). — 482 —

«A POR SALVÍFICA»

43

Em seu último parágrafo dirige o S. Padre um apelo calo roso:

«Pedimos a todos vos que sofreís, que nos ajudeis. Precisamente a vos, que sois fracos, pedimos que vos tornéis urna fonte de forca para a Igreja e para a humanidade. Na terrivel luta entre as forcas do bem e do mal, de que o nosso mundo contemporáneo nos oferece o espetáculo, que venca o vosso sofrimento em uniño com a Cruz de Cristo!» (n? 31).

Tal é, em síntese, o conteúdo da notável Carta de Joáo Paulo II sobre a dor salvífica.

OBSERVACÓES Sao cinco as observagóes que o texto nos sugere: 1.

O amago da Carta

Joáo Paulo II parte do fato de que o sofrimento é inerente á vida do homem, pois decorre da dignidade da natureza humana, que é intelectiva e reflete sobre si mesma; o homem sobre e sabe que sofre, ao passo que o animal irracio nal apenas sofre.

Além disto, o sofrimento, concretamente considerado, tem

como paño de fundo o pecado das origens.

Foi assumido por

Cristo, o segundo Adáo, que lhe deu valor redentor; o homem é salvo do pecado e da morte pelo sofrimento expiatorio de Cristo. A propósito Joáo Paulo n cita com muita énfase as palavras de Jo 3,16: «Deus tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele eré nao pereca, mas tenha a vida eterna»; por amor, o Pai entregou o Filho á sorte do homem pecador para que este pudesse compartilhar a heranca do Filho de Deus. — Assim o sofrimento, que antes de Cristo era tido em Israel como sinal da justiga punitiva de Deus, aparece no Novo Testamento como testemunho do amor divino, que se compadece do homem. — 483 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Se o sofrimento é assim apresentado, compreende-se que o cristáo o considere com otimismo e alegría, consoante o texto de Cl 1,24, também muito citado por Joáo Paulo II: «Ale-

gro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa. Completo

em minha carne o que falta á Paixáo de Cristo, em prol do seu Corpo, que é a Igreja».

Passemos agora á consideragáo de pontos particulares. 2.

EssenciaJ á nalureza humana

No inciso 2, diz Joáo Paulo II: «Aínda que os sofrimentos do mundo dos animáis sejam betn con heridos e estejam próximos ao homem, aquilo que nos exprimimos com a palavra 'sofrimento' parece ser algo particularmente essencial á natureza humana... O sofrimento parece pertencer á transcenden cia do homem».

Estes dizeres, á primeira vista, desconcertam, pois contrariam á espontánea tendencia que temos, de procurar urna vida «feliz» e sem sofrimento. Como pode entáo o sofrimento ser

essencial a natureza humana?

— A resposta nao é difícil. Consideremos a escala dos seres.







Os seres inanimados (minerais...), quando percutidos ou Iesados, nao reagem; nada sentem, nao sofrem; sao os mais imperfeitos dos seres, pois nao tém vida. Passando para o

nivel dos seres vivos vegetativos, verificamos que, quando um

vegetal ou urna planta é maltratada ou mutilada, ela tende a se restaurar reagindo contra a lesáo infligida; dir-se-ia que

nao é impassível como os minerais. Subindo ao degrau dos animáis irracionais, percebemos que reagem muito sensivelmente aos golpes dolorosos: gemem, rugem. fogem, contra-atacam... Elevando-nos aínda na escala dos seres, chegamos ao homem, que certamente sofre mais do que os restantes

seres criados, porque, além de sofrer físicamente, ele sabe que sofre (tem consciéncia psicológica); o homem reflete sobre o seu sofrimento, comparando-o com o seu ideal e verificando que este é, nao raro, truncado ou prejudicado pelas adversida

des da caminhada: um pai ou urna máe de familia atingidos •

em sua saúde física quando tém fílhos pequeños, sentem, além — 484 —

«A DORSALVÍFICA»

45

do incómodo físico, a dor de nao poderem desempenhar devi-

damente a sua tarefa de educadores...

Diremos mesmo:

quanto mais um ser humano é nobre e profundo (no plano mo ral), tanto mais sofre; quanto menos alguém tem ideal ou vive como criatura inteligente, tanto menos sofre; diz-se que a máe desnaturada é aquela que nao se sensibiliza pela dor dos filhos.

Eis em que termos o sofrimento é essencial ao homem e característico da sua transcendencia: ele decorre da dignidade mesma da natureza humana, que aspira legítimamente a reali-

zacóes prejudicadas pelos golpes da vida. Ele decorre, com outras palavras, da nobreza intelectual (e espiritual) do ser

humano, que nao só conhece, mas sabe que conhece ou reflete sobre si mesmo (coisa que os animáis inferiores nao realizam). Está claro, porém, que urna pessoa de fé sabe superar a

dor natural que a afeta, olhando para o modelo do Cristo Je sús; Este, diante da perspectiva da sua Paixáo e Morte, orava: «Pai, se possível, que este cálice passe sem que eu o beba; faga-se, porém, a tua vontade e nao a minha» (Mt 26,39). Ácima de tudo, importa ao cristáo identificar-se com o designio do Pai, que certamente é mais sabio que os planos dos homens. 3.

Sofrimentos e pecado

Nos incisos 9-15, Joáo Paulo II percorre a historia das respostas dadas ao problema do sofrimento. Verifica que, a principio, o povo de Israel o associava sempre ao pecado come

tido pelo individuo sofredor; seria castigo de faltas pessoais.

Tal tese, desmentida pela historia, foi posta em xeque pelo livro de Jó, no qual aparece um homem reto que sofre. Os

sabios de Israel perceberam entáo que o sofrimento poderia ser provagáo infligida por Deus ao homem para acrisolar as suas virtudes. Sobreveio Jesús Cristo, que o Pai quis carregar com os pecados de todos os homens (cf. 2Cor 5,21); inocente, sofreu as conseqüéncias do pecado — a dor e a morte: «O mal permanece ligado ao pecado e á morte. E, aínda que se deva ter muita cautela em considerar o sofrimento do homem como conseqüencia dos pecados concretos (como mostra precisamente o exemplo do justo Jó), ele nao pode contudo ser separado do pecado das origens, daquilo que em Sao Joáo é chamado 'o pecado do mundo' (cf. Jo 1,29)».

— 485 —

4(i

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Estes dizeres sao importantes porque reafirmam a doutrina do pecado original numa época em que este é diluido em concepcóes vagas. O primeiro pecado da historia nao foi simplesmente um fato desregrado como outro qualquer, mas um Nao dito ao convite de Deus, que chamava o homem ao con sorcio de sua vida (na justiga original); essa recusa acarretou para os homens a perda dos dons paradisíacos, entre os quais o nao sofrer e o nao morrer. A S. Escritura, de ponta-a-ponta, relaciona a dor e a morte com o pecado (ao menos, o pecado original ou dos primeiros pais). Há, sim, ñas origens da his toria humana um pecado que é responsável pelo desencadeamento da miseria física e moral de que o homem sofre através dos sáculos. Como bem atesta Sao Paulo, em consonancia com todo o Antigo Testamento, «por um so homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte» (Rm 5,12). 4.

Sofrimento-servico

Joáo Paulo n alude ao sentimento de inutilidade que aco

mete, militas vezes, as pessoas que sofrem; julgam ser apenas

fardo para os outros — o que as aflige e humilha. Ora a pro pósito escreve o S. Padre:

«Torna-se fonte de alegría o superar o sentimento de ¡nutilidade do sofrímento, sensacao que, por vezes, está profundamente arraigada no sofrimento humano; e isto nao só desgasta o homem por dentro, mas parece fazer dele um peso para os outros.

O homem sente-se

condenado a receber a¡uda e assisténcia da parte dos outros e, ao mesmo lempo, considera-se a si mesmo inútil.

A descoberta do sentido

saivífico do sofrimento em uniao com Cristo transforma esta sensacao deprimente. A fé na participacáo nos sofrimentos de Cristo traz consigo a certeza interior de que o homem que sofre, completo o que

falta aos sofrimentos do mesmo Cristo, e de que, na dimensao espiritual da obra da Redencao, serve, como Cristo, para a salvando dos seus irmaos e irmás.

Portanto, nao só é útil aos outros, mas presta-lhes

ainda um servico insubstituível» (n* 27).

O Papa frisa que o sofrimento é servico insubstituível. E isto a dois títulos: 1) na comunháo dos santos, aquele que se santifica contribui para santificar o mundo inteiro («urna alma que se eleva, eleva o mundo», diz Elizabeth Leseur); a mais íntima configuracáo a Cristo beneficia os irmáos; 2) aquele que sofre com paciencia e tenacidade heroicas, dá aos* seus semelhantes um exemplo que os homens fortes, impor— 486 —

«A DOR SALVIFICA»

tantes e violentos nao conseguem dar.

47

É dos enfermos heroi

camente prostrados sobre o seu leito de dor que os homens sadios podem aprender coragem e magnanimidade. Nao fossem tais figuras pacientes, o mundo carecería de ligóes valiosas e insubstituiveis. Aquele que remata uma discussáo dando um murro sobre a mesa e quebrando valores, é mais fraco do que

aquele que sabe aguardar magnánimamente a hora precisa para salvar os valores em perigo. 5.

O misterio do sofnmento

O S. Padre, apesar de propor a transfiguracáo do sofrimento em Cristo e por Cristo, nao deixa de reconhecer que
Cremos que cada um desses casos está envolvido nos sabios designios do Senhor Deus, que nao se engaña, mas, ao contrario, é muito mais perspicaz do que a limitada inteligen cia humana. Na visáo face-a-face de Deus e do seu santo designio sobre este mundo, teremos a alegría de perceber me-

lhor os nexos que ligam os acontecimentos da historia entre si, fazendo desta uma sinfonía harmoniosa. Por ora, compete-nos adorar em silencio as santas e sabias disposigóes da Providen cia Divina. Como se vé, a Carta de Joáo Paulo II vem a ser rico ali mento espiritual destinado a todo e qualquer individuo, pois reflete sobre o tema que é a trama da vida de todo homem, causando escándalo a uns, curiosidade a outros, e elevacáo mís tica a terceiros. É precisamente na direcáo do engrandecimento do homem e da descoberta de novos horizontes que Joáo Paulo II propóe suas consideragóes. Os cristáos nao podem deixar de ser gratos ao Santo Padre por mais este belo texto, que eles háo de procurar meditar e transformar em vida. A propósito muito se recomenda JOURNET, CHARLES, Le mal. Desclée de Brouwer 1961.

— 487 —

Em vista de digna celebrado:

Á Instrucao "Inaestimabile Donum" sobre a S. Eucaristía

Em sínlese:

A S. Congregacao para os Sacramentos e o Culto Divino

publicou aos 30/04/1980 uma Instrucao sobre o Culto da S. Eucaristía, a fim de lembrar ao clero e aos fiéis pontos concretos que merecen) ser observados na celebracáo da S. Liturgia: sao assim focalizados a recitacáo da Oracáo

Eucaristica, a distribuicao da S. ComunhSo, a acao de gracas após a Comunháo, as partes do celebrante e dos ministros durante o rito eucarístico... As normas estabelecidas ou recordadas nesses ¡tens merecem todo o acato do povo de Deus, pois sao a expressáo de fé sólida e coerente; esta

nSo pode ser teórica apenas, mas traduz-se tanto na acáo em

prol dos

irmaos quanto no culto do Senhor Deus dignamente celebrado. A Comunháo com o Cristo Eucaristico exige plena comunháo com o Cristo em sua Igreja.

Em PR 274/1984, pp. 178-196, publicamos a Terceira Ins-

trugáo da Santa Sé após o Concilio do Vaticano n referente á digna celebracáo da S. liturgia; tal documento encerrava a fase de experiencias litúrgicas que se iniciara após o Concilio. Eis, porém, que certas ocorréncias

sugeriram á S. Con-

gregagáo para os Sacramentos e o Culto Divino a promulga-

gáo de mais uma Instrugáo sobre o assunto, datada esta de 3 de abril de 1980.

Este documento conserva sua atualidade

e urgencia em nossos dias, razáo pela qual PR o publica, inten

cionando

prestar servico nao somente

aos

sacerdotes,

também aos fiéis leigos que participan! da S. Liturgia. Ao texto seguir-se-áo breves notas complementares. — 488 _

mas

«INAESTIMABILE DONUM»

I.

_49

INSTRUCÁO «INAESTIMABILE DONUM» SOBRE ALGUMAS NORMAS RELATIVAS AO CULTO DA SANTÍSSIMA EUCARISTÍA PROEMIO

Em continuidade com a Caria dirigida aos bispos e, por interme dio deles, aos sacerdotes, a 24 de fevereiro de 1980, na qual o Santo Padre Joao Paulo II novamente tratou do inestimável dom da Santíssima Eucaristía, a

Sagrada Congregado para os Sacramentos

e o Culto

Divino chama a atencao dos bispos para algumas normas referentes

ao culto de tao grande misterio. Estas indicacoes nao sao a sintese de quanto a Santa Sé ¡á disse nos documentos relativos á Santíssima Eucaristía, promulgados depois do Concilio Vaticano II e em vigor; isto pode ser lido especialmente no

Missale Romanum * e no Mysterii

Eucharístici

Mysterium3,

Ritual De Sacra Communione et de Cultu

extra

Memoriale

Missam -,

Domin: ■*,

e

ñas

hnmensae

Instrucóes

Caritatis5

Eucharisticum

e

Lrlurgiae

Instauraciones °.

Esta Sagrada Congregando verifica, com alegria, os frutos numerosos e positivos da reforma litúrgica, como sejam: participando mais ativa e mais consciente dos fiéis nos misterios litúrgicos, enriquecimento doutrinal e cateqvético mediante o uso da língua vulgar e com a abundancia das leituras bíblicas, aumento do sentido comunitario da vida litúrgica, esforgos bem sucedidos para eliminar o desacordó existente entre a vida e culto, entre piedade litúrgica e piedade pessoal e entre liturgia e piedade popular.

1 Ed. Typica altera, Romae 2 Ed. Typica, Romae 1973.

* S. CongregacSo dos Ritos, 25 de maio de 1967: AAS 59

(1967),

p. 539-73.

* S. CongregacSo para o Culto Divino, 29 de malo de 1969: AAS 61 (1961), p. 541-5. » S. Congregagio para a Disciplina dos Sacramentos, 29 de Janeiro de 1973: AAS 65 (1973), p. 264-71. * S. Congregagio para o Culto Divino, 5 de setembro de 1970: AAS 62 (1970), p. 692-704.

— 489 —

50_

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Mas estes aspectos positivos e animadores nao podem encobrir a

preocupando com que se observam os mais variados e freqüentes abusos de que chegam ¡nformacóes das diversas regioes do mundo católico: confusao das funcoes, especialmente pelo que se refere ao ministerio sacerdotal e ao papel do; leigos (recitacao indiscriminada e comum da Oracao Eucaristica, homilia feita por leigos, distribuicáo da Comunhao feita pelos leigos enquanto os sacerdotes se dispensam de fazer isso); crescente perda do sentido do sagrado (abandono das vestes litúrgicas, calebrasoes da Eucaristía fora das igrejas sem vordadeira necessidade, falta de reverencia e de respeito para com o Santíssimo Sacramento, etc.},- desconhecimento do caráter eclesial da liturgia (uso de textos privados, proliferacao de oracoes eucarísiicas nao aprovadas e ¡nstrumentalizacáo dos textos litúrgicos para fins sócio-políticos). Nestes casos, estamos perante urna verdadeira falsificacáo da Liturgia católica: «Incorre no erro de falsidade quem aprésenla a Deus um culto da parte da Igreja em contradicho com as formas, por autoridade divina estabelecidas pela mesma Igreja e que

nesta sao usuais» 7. Ora, tudo isso nao pode dar bons resultados.

As conseqüéncias

sao — como nao poderiam deixar de ser — as fendas da unidade de fé e de culto na Igreja, a inseguranca doutrinal, o escándalo e as perplexidades do

Povo

de

Deus e, quase

inevitavelmente, reacóes

violentas.

Os fiéis tém direito a urna liturgia verdadeira, que será tal .quando se identificar com a que foi querida e estabelecida pela Igreja. a qual também previu as eventuais possibilidades de adaptando, requeridas pelas exigencias pastorais ñas diversas partes ou pelos diversos grupos

de pessoas. Experiencias, mudanzas e criatividade indevidas desorientam os fiéis. Depois, o uso de textos nao autorizados faz com que venha a faltar o nexo necessário entre a lex orandi (norma da oracao) e a lex «redendi (norma da fé). Quanto a isto, é bom recordar a advertencia do Concilio Vaticano II: «Ninguém mais, absolutamente, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, acrescentar, su

primir ou mudar seja o que for em materia litúrgica» ". E o Santo Padre Paulo VI, de veneranda memoria, lembrava: «Quem aproveita da reforma para se entregar a experiencias arbitrarias, dispersa energías e ofende o sentido eclesial»0. 7 Santo Tomás de Aquino, Summa Theologlca, 2-2, q. 93, a. 1. 8 Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, n. 22.

» Paulo PP. VI, Alocucao a 22 de agosto de 1973: Romano", 23 de agosto de 1973.

— 490 —

"L'Osservatore

«INAESTIMABILE DONUM»

51

A)

A Santa Missa

1.

As duas partes que constituem, de algum modo, a Missa,

isto é, a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística, estáo tao intimamente ligadas entre si que formam um só ato de cultoI0. Ninguém deve aproximar-se da mesa do Pao do Senhor, senáo depois de fer estado presente á mesa da sua Palavra ". É da máxima im

portancia, pois, a Sagrada Escritura na celebracao da Missa. Por conseguinte, nao pode ser transcurado aquilo que a Igreja estabeleceu para que «se¡a mais abundante, vanada e bem adaptada a leitura da Sagrada Escritura ñas celebracoes litúrgicas» 12. Observem-se as nor mas establecidas no Lecionário, seja quanto ao número das leituras, seja quanto as indicacoes referentes a circunstancias especiáis. Seria um grave abuso substituir a Palavra de Deus pela palavra do homem, se¡a este quem for13.

2. A leitura da perícope evangélica é reservada ao ministro ordenado, ou se¡a, ao diácono ou ao sacerdote. As outras leituras, quando isso for possível. se¡am confiadas a quem ten ha recebido o

ministerio de leitor ou a outros leigos, preparados espiritualícente e tamben] técnicamente. Á primeara leitura segue-se um salmo respon-

sorial, que faz parte integrante da liturgia da Palavra ".

3. A homilía tem por fim explicar aos fiéis a Palavra de Deus, proclamada ñas leituras, e atualizar a mensagem da mesma. Compete, portanto, ao sacerdote ou ao diácono fazer a homilía 15.

4.

A proclamacao da Oracáo Eucarística que, por sua natureza,

é como que o ponto culminante de toda a celebracao, é reservada ao

sacerdote, em virtude da sua ordénamelo, é um abuso, portanto, deixar que algumas partes da Oracáo Eucarístíca sejam ditas pelo diácono, w> Cono. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum

Conciltum, n. 56.

11 Ct. Ibidem, n. 56; cf. também Conc. £cum. Vat. II, Const

sobre a Divina Revelagao Del Verbunt, n. 21.

dogm

12 Conc. Ecum, Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum

Concilium, n. 35.

13 Cf. S. Congregado para o Culto Divino, Instrucáo LKuralcae Ins-

tauratlqnes, n. 2, a.

« Cf. Instilutio generalts Missalis Romanl, n. 36.

15 S. Congregacfio para o Culto Divino, Instrucáo Uturgtcae Instau-

ratlones, n. 2, a.

— 491 —

52


ou por um ministro inferior ou pelos simples fiéis16. No entonto, a assembléia nao fica passiva e inerte: une-se ao sacerdote na fé e no silencio e manifestó a sua adesao com as varias ¡ntervencoes previstas no desenrolar da oracao eucarísiica: as respostas ao diálogo do prefacio, o Sanctus, a aclamacáo depois da consagracao e o Amém final, depois do Per ipsum («por Cristo»), que também é reservado ao sacerdote. Este Amém final, em particular, deveria ser valorizado com o canto, porque é o Amém mais importante de toda a Miss.

5. Usem-se somente as oracoes eucaristicas incluidas no Missal Romano ou legítimamente admitidas pela Sé Apostólica, segundo as modalidades e os limites por ela estabelecidos. Modificar as Oracoes Eucaristicas aprovadas pela Igreja ou adotar outras diversas, de composicao privada, é abuso gravíssimo.

ó.

É preciso

lembrar sempre que nao se

outras oracoes ou cantos á Oracao

Eucarística ".

devem sobrepor Ao proclamar a

Ora;ao Eucarística, o sacerdote pronuncie o texto com clareza, de modo a facilitar aos fiéis a compreensao do mesmo e a favorecer a formacao de urna verdadeira assembléia, toda ela aplicada na celebracao do Memorial do Senhor.

7. Concelebracáo. A concelebracáo, reposta em prática na Liturgia do Ocidente, manifestó de modo privilegiado a unidade do Sacerdocio. Por isso, os concelebrantes estejam atentos aos sinais indicativos desta unidade; por exemplo, estejam presentes desde o inicio da celebracáo; enverguen! as vestes sagradas prescritas; ocupem o lugar que compete ao seu ministerio de concelebrantes; e observem fielmente as outras normas, para um decoroso desenrolar-se do rito sagrado 1S.

8.

Materia da Eucaristía.

usou constantemente o

Fiel ao exemplo de Cristo, -a Igreja

pao e o vinho com

agua,

para celebrar a

Ceia do Senhor. O pao para a celebracáo da Eucaristía deve ser, segundo a tradicáo própria da Igreja latina, ázimo. Em razáo do sinal, a materia da celebracáo eucarística «tem de apresentar-se verdadeiramente como alimento». Isto deve entender-se em retacáo á 16 Cf. S. Congregado para o Culto Divino, Carta circ. Eucharistae Participattonem, de 27 de abril de 1973, n. 8: AAS 65 (1973), p. 340-7; ídem, Instrugio Llturgicae Instauraliones, n. 4. " Cf. Institutio generalls Missalis Romani, n. 12. " Ibidem, n. 156 e 161-3.

— 492 —

">

cINAESTIMABILE DONUM»

53

consistencia do pao, e nao á forma do mesmo, que permanece a tra dicional. Nao podem ser ajuntados outros ingredientes além da fari-

nha de trigo e de agua. A preparado do mesmo pao exige um cuidado diligente, de tal maneira que o fabrico nao venha a redun dar em prejuízo da dignidade que convém ao pao eucarístico,- torne possível urna decorosa fragáo, nao dé origem a excessivos fragmen tos e nao choque a sensibilidade dos fiéis no momento de ser tomado. O vinho para a celebracao eucaristica deve ser extraído «do fruto da videira» (Le 22,18), natura! e genuino, ¡sro é, nao misturado com substancias estranhas I9.

9. A eomunháo eucaríítita. A comunhao é um dom do Senhor, que é dado aos fiéis por intermedio do ministro depurado para isso. Nao se admite que os fiéis tomem eles próprios o pao consa grado e o cálice sagrado, e muito menos se admite que os fiéis os passem

uns aos

outros-

10. O fiel, religioso ou leigo, que está devidamente autorinzado como ministro extraordinario da Eucaristía, poderá distribuir a Comunh5o somenfe quando faltarem o sacerdote, o diácono ou o acólito, ou quando o sacerdote estiver impedido por motivo de enfermidade ou por causa da sua idade avancada, ou entáo quando o número dos fiéis que se aproximam da Comunhao for tao grande que faca demorar excessivamente a celebracao da Missa -°. É de se

reprovar, portanto, a atitude daqueles sacerdotes que, embora pre

sentes na celebracao, se abstem de distribuir a Comunhao, deixando tal tarefa aos leigos.

11.

A lgre¡a exigiu sempre dos fiéis respeito e reverencia para

com a Santíssima Eucaristía, no momento em que a recebem.

Quanto ao modo de se apresenfar a Comunhao- esta pode ser recebida pelos fiéis tanto de joelhos como de pé, de acordó com as normas estabelecidas pela Conferencia Episcopal. «Quando os fiéis receberem a Comunhao de ¡oelhos, nao se exige da parte deles sinal

algum de reverenda para com o Santíssímo Sacramento, urna vez que o próprio ato de se a¡oelharem exprime adoracao. Quando, pelo contrario, receberem a Comunháo de pé, ao aproximarem-se do

» Cf. !4>Idem, n. 281-4; S. Congregado para o Culto Divino Instru-

cáo Uturgicae Instauratioités, n. 5; NÍWIae 6 (1970), p. 37.

_ 493 —

54

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

altar processionalmente, faccm um ato de reverenda antes de rece-

ber o sacramento, no local e de modo adaptado, contanto que nao se perturbe o ritmo no suceder-se dos fiéis»21.

O Amém que os fiéis dizem, quando recebem a Comunhao, é um ato de fé pessoal na presenca de Cristo.

12.

Quanto á Comunhao sob as duas especies, observe-se o

que a Igreja determinou, quer por motivo de veneracao devida ao mesmo sacramento,

quer para a utilidade daqueles que recebem

a

Eucaristía, segundo a diversidade das circunstancias, dos lempos e dos lugares22.

Mesmo as Conferencias Episcopais e os ordinarios do lugar nao

ultrapassem neste ponto aquilo que fol estabelecido pela alual disci

plina: a concessao da Comunhao sob as duas especies nao seja indis criminada; as celebracoes sejam estabelecidas de man eirá precisa; depois, os grupos que usufruem desta faculdade sejam bem determi nados, disciplinados e homogéneos S3.

13.

Comunhao.

O Senhor permanece sob as especies mesmo depois da

Portanto, distribuida a Comunhao, as partículas consa

gradas que sobrarem sejam consumidas, ou entao levadas pelo minis tro competente para o lugar da reserva eucarística-

14.

O vinho consagrado, por sua vez, deve ser consumido

¡mediatamente a seguir á Comunhao, e nao pode ser conservado. Preste-se atencao, pois, para consagrar somente a quantidade de vinho necessária para a Comunhao.

15. Observem-se as regras prescritas para a purificacao do cálice e dos outros vasos sagrados que tenham contido as especies

eucarísticas S4.

16. Deve-se ter particular respeito e cuidado para com os vasos sagrados, tanto para com o cálice como para com a patena

usados na celebracáo da Eucaristia, como aínda para com os abó-

21 S. Congregagfio dos Ritos, Instrugáo EucharisUcum Mysterium, n. 34, cf. Institutlo generalia Mlssalte Romani, n. 244, c; 244, b; e 247, b.

22 Cf. Institutlo generalis Mlssalis Romani, n. 241-2. » Cf. Ibldem, n. 242. « Cf. Ibldem, n. 238.

— 494 —

«INAESTIMABILE DONUM»

55

ríos que servem na Comunháo dos fiéis. A forma dos vasos deve ser adaptada ao uso litúrgico ao qual sao destinados. A materia deve ser nobre, duradoura e, em qualquer caso, adequada ao uso sacro. Neste campo, o ¡uízo compete a Conferencia Episcopal de

cada regiao.

Nao podem ser usados simples cestos ou outros recipientes des tinados ao u;o comum fora das celebracoes sagradas, ou de qualio'ade inferior, ou que carecam de todo e qualquer caráter artísticoO cálice e as patenas, antes de serení usados, devem ser benzidos pelo Bispo ou por um presbítero -5.

17. Recomende-se aos fiéis que nao descuiden), depois da Comunháo, de urna justa e ¡ndispensável acao de gracas, quer na

própria celebracao — com uns momentos de silencio e com um hiño,

ou um salmo, ou aínda um outro cántico de louvor26 — quer termi nada a celebracao, permanecendo possivelmente em oracao durante um conveniente espaco de tempo.

18. Como é sabido, há varias tarefas que a mulher pode desempenhar na assembléia litúrgica, entre as quais a leitura da Palavra de Deus e a proclamacáo das intencóes na Oracao dos fiéis. Porém nao sao permitidas ás muiheres as funcóes de servir ao altar como acólito27.

19. Recomenda-se urna particular vigilancia e um especial cui dado quanto ás Santas Missas transmitidas através dos meios de comunicacao.

Com efeito, dada a vastíssima difusao que podem ter,

o seu desenrolar deve refletir urna qualidade exemplar28. Ñas celebracoes que se fazem em casas privadas, observem-se as normas da Instrucao Actio pastoralis, de 15 de maio de 1969 so. 25 Cf. Ibidem, n. 288, 289, 292 e 295; e aínda, Sagrada CongregagSo para o Culto Divino, Instr. Lllurgicae Instauratlones, n. 8; e Pontiflcale Romanum, Ordo dedlcatlonls eccleslae et altarts, p. 125, n. 3. 26 Cf. Instltutlo generalis Missalis Romanl, n. 56 ¡.

27 Cf.

S.

CongregagSo

Instaurationes, n. 7.

para

o

Culto

Divino,

Instructo

Uturgicae

28 Cf. Const. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacro-

sanctum Concllium, n. 20; Pont. Comlssáo para as ComunicacSes Sociais, Instrufio Communlo et Progresslo, de 23 de malo de 1971, n. 151: AAS 63 (1971), p. 593-656. » AAS 61

(1969), p. 806-811.

— 495 —

56

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

B)

20.

Culto eucaristía» fora da Missa

É muito recomendada a devocao, tanto pública como pri

vada, para com a Santíssima Eucaristía, também fora da Missa.

Com

efeito, a presenta de Cristo, adorado pelos fiéis no Santíssimo Sacra mento, deriva do Sacrificio e visa á Comunhao sacramental e espi ritual.

21 . No predispor os exercícios de piedade eucarística, tenham-se em conta os lempos, de maneira que os mesmos exercícios se harmonizem com a Liturgia, nela «e inspirem, de algum modo, e para ela encaminhem o povo cristao. 30.

22. Quanto as exposicóes do Santíssimo Sacramento, q-uer prolongadas quer breves, e quanto ás procissoes eucarísticas, aos Con.gressos Eucarísticos, bem como a toda a ordenando da piedade eucarística, observem-;e as indicacoes pastorais e as disposicóes dadas pelo Ritual Romano 81. 23.

Nao se deve esquecer que, «antes da béncáo com o San

tíssimo Sacramento, é preciso dedicar um espaco de tempo conve niente á leitura da Palavra de Deus, a cánticos e a preces e a um pouco de oracao em silencio»32.

No final

da adoragao, canta-se

um hiño e recita-se ou canta-se urna das oracoes, que se deve esco-

Iher dentre aquelas muitas que para tal fim sao apresentadas no Ritual Romano **. 24.

O sacrário

(tabernáculo), onde se conserva a Santíssima

Eucaristía, pode ser colocado num altar, ou também fora dele, num

lugar da

igreja bem visível, verdaderamente

nobre

e devidamente

ornamentado, ou entelo numa cápela adaptada para a oracao pri

vada e para a adoracao dos fiéis 34.

so Cf. Rituale Romanum. De sacra Communione e eucharistlci extra Missam, nn. 79 e 80. ai Cf. Ibidem, n. 82-112. 32 Cf. Ibidem, n. 89.

&* Cf. Ibidem, n. 97.

*""" « Cf. InstitutEo generalis Missalis Romani, n. 276. — 496 —

de cultu

Mysterü

-INAESTI.MABILE DONUM»

25.

57

O sacrário deve ser sólido, inviolável e nao transpa-

parente35. Diante dele, em que a presenta da Santíssima Eucaristía

deve ser indicada pelo cortinado, ou por outro meio idóneo estabele-

cido pela autoridade competente, deve arder perenemente unía lám pada, como sinal de honra prestada ao Senhor 3S.

26.

Diante do Santíssimo Sacramento, fechado no sacrário ou

quando está publicamente exposto, mantenha-se a veneranda praxe de genuflectir, em sinal de adorado 3\ Tal ato exige que se Ihe dé urna alma-

Para que o coracao se Incline diante de Deus, em pro

funda reverencia, a genuflexao nao se¡a apressada nem desajeitada. 27.

Se alguma coisa tiver sido introduzida, que osteja em con

traste com ectas disposicoes, deverá ser corrigida.

A

maior parte

das dificuldades encontradas na atuacao da

reforma da Liturgia, sobretudo pelo que se refere á Santa Missa, pro-

vém do fafo de alguns sacerdotes e fiéis nao terem tido talvéz um

conhecimento suficiente das razoes teológicas e espirituais, pelas quais foram feitas as modificaqoes, segundo os principios estcbelecidos pelo último Concilio.

Os sacerdotes devem aprofundar mais o auténtico conceito da lgre¡a 3S, da qual a celebragao litúrgica, sobretudo a Santa Missa,

éjsxpressao viva. Sem urna adequada cultura bíblica, os sacerdotes nao poderao apresentar aos fiéis o significado da Liturgia como

atuacao, nos sinais, da historia da salvacao.

O conhecimento da

historia da Liturgia, de igual modo, contribuirá para fazer compreender as modificares ¡ntroduzidas, nao como novidade, mas sim como reto mada e adaptando da auténtica e genuína tradigáo.

A Liturgia exige ainda um grande equilibrio, porque, como diz a Constituicao Sacrosanctum Concilium, «a Liturgia. . . contribuirá em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem uns aos

outros o misterio de Cristo e a auténtica natureza da verdadeira Igreja, que tem a característica de ser, ao mesmo tempo, humana e "■■> Cf. Rituale Romanum.

De sacra Communione et de cultu Mysterii

eucharistici extra Missam, n. 10.

■"« Ct. S. Congregagao dos Ritos, Instrufao Eucharisticum Mysterium, 57.

37 Cf. Rituale Romanum. De sacra Communione et de cultu Mysterii

eucharistici extra Missam, n. 84.

38 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Genlium. — 497 —

58

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na oraSao e dada á contemplacáo, presente no mundo e, todavía, pere grina: tudo isto, porém, de tal maneíra que aquilo que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a acao á contemplando, e a realidade presente á vida futura para a qual estamos encaminhados»30. Sem um equilibrio assim, será desfigu rada a verdadeira face da Liturgia crista.

Para se alcancarem mais fácilmente estes ideáis, será necessário

favorecer a formacáo litúrgica nos Seminarios e ñas Faculdades Ecle

siásticas40 e a parricipacáo dos sacerdote: em cursos, convenios e

encontros oo semanas litúrgicas, em que o estudo e a re'lexao devem

ser validamente integrados por celebracoes exemplificadorac. Assim, os sacerdotes poderao aplicar-se a urna acao pastoral mais eficaz,

mediante a catequese litúrgica dos fiéis, a organizacao de grupos de leitores, a formacáo tanto espiritual como prática daqueles que ser-

vem ao altar, a formacáo de animadores da assembléia, o progress¡vo enriquecimenro de um repertorio de cánticos, em suma, mediante todas aquelas iniciativas que possam favorecer um conhecimento cada vez mais profundo da Liturgia.

É grande a responsabifidade das Comissóes nacionais e dioce

sanas de liturgia, bem como a dos Institutos e Centros litúrgicos, na atuacao da reforma litúrgica, sobretudo no trabalho da traducáo dos

Hvros litúrgicos e na formacáo do clero e dos fiéis para o espirito da

reforma determinada pelo recente Concilio. As atividades de tais organismos devem estar a servico da autoridade eclesiástica, a qual tem de poder contar com a sua colaborocáo, fiel as normas e as diretrizes da lgre¡a, mantendo-se ao mesmo tempo afastada de iniciativas arbitrarías e de particularismos, que

poderiatn comprometer os frutos da renovacáo litúrgica.

so Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum

Conclllum, n. 2.

40 Cf. S. CongregacSo para a Educagao Católica, Instrucáo De Instilutione Litúrgica in Semlnarils, in ecclesiastlcam futurorum sacerdotum formationem, de 3 de junho de 1979.

— 498 —

«INAESTIMABILE DONUM»

59

Este documento chegcrá as maos dos ministros de Deus ao completar-se o primeiro decenio de vida do Missale Romanum, promul

gado pelo Santo Padre Paulo VI, em atuacao das prescricoes do Con cilio Vaticano II. Parece

oportuno reevocar aquí

algumas

palavras que

aquele

Sumo Pontífice pronunciou quanto a íidelidade as normas da celebragao da Liturgia:

«É um fato muito grave, quando se inlroduz a divisáo naquilo precisamente em que 'o amor de Cristo nos congregou na unidade', isto é, na liturgia e no Sacrificio eucaristico, recusando o respeito devido as normas estabelecidas em materia litúrgica. E em nome da ¡radicáo que queremos pedir a todos os nossos filhos e a toda: as comunidades católicas celebrarem, com dignidade e fervor, a Liturgia renovada» 41.

Os bispos, enquanto «ordenadores, promotores e guardas da vida litúrgica na Igreja a eles confiada» «, tém de saber encontrar os caminhos mais aptos para urna criteriosa e firme aplicacáo destas normas, para a gloria de Deus e o maior bem da Igreja. Roma, sede da Sagrada Congregando para os Sacramentos e o Culto Divino, aos 3 de abril — Quinta-feira Santa — de 1980. Esta Instrucáo, preparada pela Sagrada Congregado para os Sacramentos e o Culto Divino, foi aprovada a 17 de abril de 1980

pelo Santo Padre JoSo Paulo II, o qual, confirmando-a com a sua autoridade, ordenou que a mesma fosse publicada, e observada por todos os interessados-

James R. Card. Knox

Virgilio Noé

Prefeito

Secretario Adjunto

41 Alocucáo consistorial a 24 de maio de 1976: AAS 68 (1976), p. 374.

42 Conc. Ecum. Vat. II.

Decr. sobre o Múnus Pastoral dos Bispos na

Igreja Christus Dominus, n. 15.

— 499 —

60

'PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

II.

NOTAS COMPLEMENTARES

1. Com relacáo ao n* 4 da Instrugáo transcrita, pode ser citado o Código de Direito Canónico, que assim reza: Canon 907:

«Na celebrando eucarística, nao é permitido aos

diáconos e leigos proferir as oracoes, especialmente a Oracao Eucarís

tica, ou executar as acoes próprlas do sacerdote celebrante».

Canon 846: «§ 1? Na celebrando dos sacramentos, sigam-se fielmente os livros litúrgicos aprovados pela autoridade competente; portanto ninguém acrescente, suprima ou altere coisa alguma neles, por própria iniciativa».

2. Explicitando o n" 12, citamos aquí as mencionadas rubricas do Missal Romano atinentes á distribuigáo da S. Eu

caristía sob as duas especies: «241 .

Cuidem os pastores de lembrar, da melhor forma pos:í-

vel, aos fiéis que participam do rito ou a ele assistem, a doutrina

católica

a

respeito da forma

da

Sagrada

Comunhao,

segundo

o

Concilio Tridentino. Antes de tudo, advirtam os fiéis de que a fé cató lica ensina que, também sob urna só especie, se recebe Cristo todo

e inteiro, assim como o verdadeiro sacramento; por isto, no que con cerne aos frutos da Comunhao, aqueles que recebem urna só especie nao ficam privados de nenhuma graea necessária á salvacao.

Ensinem ainda que a Igreja, na administracao dos sacramentos, tem o poder de determinar e mudar, salva a sua substancia, o que ¡ulgar conveniente á utilidade dos que os recebem e á veneragao dos mesmos sacramentos, em razao da diversidade das coisas, dos tempos

e dos lugares.

Ao mesmo tempo, exortem os fiéis a que desejem

participar mais intensamente do rito sagrado, pelo qual se manifestó do modo mais perfeito o sinal do banquete eucarístico.

242.

A juízo do Bispo e após unía conveniente catequese, per-

mite-se a Comunhao do cálice nos seguintes casos:

1)

aos neófitos adultos, na Missa que se segué ao Batismo;

aos confirmandos adultos, na Missa de Confirmacao; aos balizados que sao recebidos na Comunhao da Igreja;

— 500 —

->

«INAESTIMABILE DONUM»

61

2}

aos esposos, na Missa de seo Matrimonio;

3}

aos ordenados, na Missa de sua ordenando;

4) á abadesta, na Missa de sua béncao; as virgens, na Missa de sua consagracao; aos professos e seus pais, párenles e co-irmaos,

na Missa da primeira profissao religiosa ou da renovacao da profissao, ou da profissao religiosa perpetua, contanto que emitam ou renovem os votos durante a Missa;

5) aos auxiliares leigos das misíoes, na Missa em que recebem publicamente sua missao e a todos os outros na Missa em que recebem urna missao eclesiástica;

ó) na administracao do Viático ao enfermo e a todos os pre sentes, quando a Missa for celebrada na casa do enfermo, conforme

a norma do Direito;

7)

ao diácono e aos ministros, quando desempenham a sua

8}

havendo concelebracao:

funcao na Missa com canto;

a) a todos, mesmo leigos, que desempenham na própria con celebracao um verdadeiro ministerio litúrgico, assim como a todos os seminaristas que déla participan);

b)

em suas igrejas e oratorios, a todos os membros dos Institutos

que professam os conselhos evangélico- e das oufras Sociedades ñas quais se consagram a Deus por votos religiosos, oblacao ou promessa, e ainda a todos os que residem dia e noite na casa dos membros dos mencionados Institutos e Sociedades;

9)

aos sacerdotes que assistem a grandes celebracoes e nao

podem celebrar ou concelebrar;

10} a todos os que fazem exercícios espirituais, na Missa que, durante' os mesmos, é celebrada especialmente para eles com a sua participacao ativa; a todos os que participam pastoral, na Missa que celebram em comum; 11) ¡ubileus;

de alguma

reunido

aqueles de que falam os ns. 2 e 4, na Missa dos respectivos

— 501 —

62

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984 12)

ao padrinho, á madrinha, aos pais, ao cónjuge e também

13)

aos pais, aos familiares e também aos benfeitores insignes

14)

aos membros das comunidades, na Missa conventual ou 'da

aos catequistas leigos do balizado adulto, na Missa de sua iniciacáo;

que participam da Missa do neo-sacerdote;

Comunidade'».

3.

0 n' 15 da Instrugáo «Inaestimabile Donum» refere-se

a normas concernentes á purificagáo dos vasos sagrados. Ei-las:

«238. Os vasos sagrados sao purificados pelo sacerdote ou pelo diácono depois da Comunhao ou da Missa, na medida do possível ¡unto a credencia. A purificacao do cálice é feita com vinho e agua, ou só com agua, que o próprio sacerdote ou o diácono consomé. A patena seja purificada normalmente com o sangüinho».

4.

O n» 17, que trata da agáo de grasas após a Comu-

nháo Eucarística, merece ser enfatizado. A oragáo comunita ria, para ser plenamente frutuosa, exige a oragáo particular e silenciosa; sem esta, corre o risco de tornar-se mera formalidade para quem celebra a Liturgia. Daí a importancia da oragáo pessoal e recolhida após a recepgáo da S. Eucaristía,

inclusive após o término da S. Missa. Quem participa desta

conscientemente, sabe que está vivendo o ponto alto do seu día; deve ser, portanto, impelido a procurar agradecer e apro-

fundar o dom recebido, mesmo que a cerimónia litúrgica tenha acabado. A tradigáo da Igreja recomenda esta prática, que, após a renovagáo da Liturgia pelo Concilio do Vaticano n,

entrou em desuso, sem que para isto se possa encontrar ade-

quada explicagáo.

Os momentos em que se conserva a pre-

senga eucaristica de Cristo nos fiéis comungantes, sao de ele

vado valor para a vida espiritual e constituem, para o cristáo,

o momento, por excelencia, de adoragáo a Cristo e da apresentagáo de gratidáo e petigóes.

5.

O n» 20 trata da piedade eucarística fora da Missa.

A propósito pode-se citar o n» 3 da Carta de Joáo Pauló II datada de 24/08/1980:

«Um tal culto, que se dirige á Santíssima Trindade do Pai, do

Filho « do Espirito Santo, acompanha e permeia, antes de mais nadó', toda a celebracao da liturgia eucarística. Mas ele há de encher — 502 _

«INAESTIMABILE DONUM»

63

também os nossos templos noutros momentos para além do horario das santas Missas. Na verdade, urna vez que o misterio eucarístico foi

instituido pelo amor, e tíos torna Cristo sacramentalmente presente, ele é digno de adoracáo e de culto. E este nosso culto ha de sobressair em

cada um dos nossos encontros com o Santíssimo Sacramento, quer quando visitamos as nossas igre¡as, quer quando as sagradas especies sao levadas e administradas aos enfermos.

A adoracáo de Cristo neste sacramento do amor deve encontrar

a sua expressáo em diversas formas de devocáo eucarística: oracoes pessoais diante do Santíssimo, horas de adoracáo, exposicoes breves, prolongadas...

A animacdo e o aprofundamento do culto eucarístico sao prova daquela auténtica renovacao, que o mesmo Concilio se propós como finalidade e dele sao o ponto central... A Igreja e mundo tém grande necessidade do culto eucarístico. Jesús espera por nos neste sacramento do amor. Nao nos mostremos avaros com o nosso tempo, para ir encontrar-nos com Ele na adoracáo, na contemplacao cheia de fé e pronta para reparar as grandes culpas e os crimes do mundo. Nao cesse nunca a nossa adoracáo».

É oportuno que os sacerdotes e os leigos católicos tenham em mira tais normas da Igreja. Embora minuciosas e apa

rentemente de pouca importancia ou despreziveis, merecem todo o acato do clero e do povo de Deus. «Quem é fiel ñas coisas mínimas, é fiel também no muito, e quem é iníquo no mínimo, é iníquo também no muito» (Le 16,10). Nao basta ao fiel cristáo ter sólida formagáo doutrinária ou teológica; sem vivencia concreta ou sem obediencia prática as normas da Igreja, tal formagáo redunda imperfeita ou faina. É na fidelidade cotidiana que se comprova a autenticidade da estrutura doutrinária do fiel católico.

— 503 —

"

~

Dúvida freqüente:

(omunsar mais vezes por dia? Em súrtese: O presente artigo analisa o uso do adverbio latino iterum tanto na Ifngua clássica do Lacio como na linguagem eclesiástica. Concluí que iterum significa urna segunda vez ou pela segunda vez, e nao Indefinidamente de novo. Em conseqüéncia, o canon 917 do Código de Direito Canónico, que permite comungar iterum no mesmo dia, tem em vista autorizar urna segunda recepcao da S. Eucaristía para quem participe da S. Missa, e nao um número indefinido de Comunhóes Eucarlsticas por dia. — É o que propóe o Prof. Félix Lasheras Bernal em artigo abaixo transcrito.

A revista espanhola ROCA VIVA em seu número 196, de abril de 1984, pp. 208-211, publicou um artigo de Félix Lasheras Bernal, egregio professor de Latim, que analisa o canon 917 do atual Código de Direito Canónico. Este tem sido objeto de hesitagóes, pois permite aos fiéis receber a S. Eucaristía ite rum no mesmo dia. Donde se tem depreendido que é lícito receber de novo e de novo a S. Comunháo num só dia desde que o comulgante participe da respectiva Missa. A propósito o citado mestre tece consideragóes lingüisticas que merecem atencáo e que váo abaixo publicadas em traducáo portuguesa.

O ADVERBIO «ITERUM» NO CANON 917 DO NOVO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO Comentando o novo Código, disse-me um sacerdote: «Agora será lídto comungar sempre que o fiel participe da Missa». E um Religioso: «Agora as pessoas piedosas passarao o dia a comungar, porque o poderáo fazer sempre que assistam á Missa». Vejamos, porém, o canon 917, que se refere á Sagrada Comunhao: «Qui sanctissimam Eucharistiam iam recepit, potest eam iterum eadem,

die

suscipere.

solummodo

intra

eucharisticam

participáis.

— 504 —

celebrarionem

cui

.

COMUNGAR MAIS VEZES POR DÍA?

65

A traduefio deste canon, segundo a edicao publicada no Brasil, soa:

«Quem ¡á recebeu a santíssima Eucaristía, pode recebé-la nova-

mente no mesmo día, somente dentro da celebracño eucarística em

que participa».

Confesso que sou quase leigo em questoes canónicas. Um curso de Direito Canónico, aínda que realizado em Universidade Pontificia, nao dá para mais.

Todavía tenho obrígacao de conhecer o latim

depois de haver dedicado toda urna vida ao estudo e ao ensino deste idioma, limito-me, portanto, á ¡nterpretacao do adverbio latino itetum, que foi traduzido por «de novo». Esta locucao adverbial signi fica «reiteradamente» ou «repetidamente». Logo, conforme a traducáo corrente, tém razao meus interlocutores, sacerdote e Religioso.

Razao

que é confirmada na edicao bilingüe do Código publicado pela BAC

e comentada pelos professores de Direito Canónico da Universidade de Salamanca. Dizem estes ilustres mestres: «O teor literal do canon favorece comungar de novo em qualquer Missa de que o fiel participe,

sem limitacao de vezes, e mesmo que a pariicipacao seja inspirada apenas por devocao pessoal...

O mesmo se concluí do fato de que

se trata de lei favorável, a qual deve ser interpretada com amplidáo». Acontece, porém, que os redatores do Código escreveram este canon em latim, que continua sendo a língua oficial da Igreja. Ora, no latim clássico o adverbio iterum, que é o nó da questáo, significa «segunda vez», «de novo». Ou seja: nao «repetidamente», mas apenas «urna segunda vez». Neste sentido usam-no sempre os autores clássicos:

1 .

Vejam-se alguns exemplos, que se poderiam multiplicar-.

Tiro Livio (t 17 d.C):

quer dizer:

«Iterum confuí».

«Cónsul pela segunda vez».

Julio César (f 44 a.C):

O que evidentemente

«Semel at.que iterum», isto é, «Duas

vezes, urna vez e outra segunda vez».

Cicero (t 43 a.C): «In Sicilia ubi rex Agathocles regnator fuit

et ¡terum Cincthia, tertíum Liparus», ou se¡a, «Na Sicilia, onde o rei Aaatocles foi o soberano, depois (em segundo lugar) Cincthia, depois (em terceiro lugar)

Líparo».

— 505 —

66

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Cornélio Nepos (t 24 a.C): «Quem primo apud Rhodanum, ¡terum apud Padum, tertio apud Trebiam fugarat», ou seja: «A quem pusera em fuga primeiramente junto ao Ródano, depois (em segundo lugar) ¡unto ao Pó, em terceiro lugar em Trébia».

Cornélio Neposs (f 24 a.C.) «Bis dimicavit, semel ad Dyrrachium, iterum in Hispania», ou seja, «Lutou duas vezes: a primeira em Durazzo, a segunda na Espanha».

Varrño (t 27 a.C): «Terram cum primum aranf, proscindere appellant; cum iterum, offringere dicunt», ou seja, «Quando lavram a térra pela primeira vez, dizem proscindere; quando a lavram pela segunda vez, dizem offringere».

Se os clássicos querem referir-se a «reiteradamente», ou «repetida mente», escrevem assim:

Lívio:

«Iterum atque tertium», ou seja, «Segunda e terceira vez».

Cicero (t 43 a.C): «Iterum ac terlio» isto é, «Duas e tres vezes». Virgilio (t 19 a.C): «Iterum iterumque», ou seja, «Varias vezes». Virgilio e Horado (t 19 a.C, t 8 d.C):

ou seja, «Urna e multas vezes».

«Iterum atque iterum»

A quem deseje mais exemplos, cito o «Latín Dictionary» editado em Oxford 11982), p. 976, verbete iterum.

Sob a luz dos autores clássicos romanos, o canon 917 portanto deve interpretar-se no sentido de se poder comungar apenas urna segunda vez no mesmo día.

2.

Do mesmo modo entendiam os Santos Padres o adverbio:

«Veniet Salvador non ut iterum iudicetur, sed ut in ius vocet eos a quibus in ¡udicium est vocatus» (Das Catequeses de S. Cirilo de Jerusalém, f 386). A traducáo é clara: «Vira o Salvador nao para

ser juagado urna segunda vez, mas...

Sao Leao Magno, Papa de 440 a 461, diz: «Per Baptismatis sacramentum Spiritus Sancti factus es templum:

noli tantum habitaforem pravis de te actibus effugare et diaboli te ITERUM subicere servituti». é evidente .que o santo admoesta o cristáo

a que nao torne, por suas más acóes, a ser urna segunda vez escravo '

do diabo, de quem ¡ó foi escravo antes do Batismo.

— 506 —

COMUNGAR MAIS VEZES POR DÍA?

3.

Escritura:

67

Como ñas demonstracoes dos Escolásticos, passemos a S.

«Ef veniunt domum (lesus et discipuli) et convencí ITERUM turba» (Me 3,20). A multidáo que havia cercado Jesús e os seos, vai pela segunda vez á casa onde estavam Jesús e os seus discípulos.

Sao Paulo em dois convites sucessivos nos quer alegres: «Gaudete

¡n Domino semper, ITERUM dico: gaudete» (Fl 4,4).

«ITERUM reversos sum Damascum» (Gl 1,17). Torna o Apostólo

a Damasco; era a segunda vez que lá ia.

«Qui enim sanctificat et qui sanctificantur, ex uno omnes; propter

quam causam non confunditur fratres e os vocare dicens:

'Nuntiabo

nomen tuum fratribus meis, in medio ecclesiae laudabo te1, et ITERUM: 'Ego ero fidens in eum1, et ITERUM: "Ecce ego et pueri mei, quos dedit Deus1» (Hebreus 2,11-13). Aquele que santifica, chama os que sao santificados pelo apelativo de ¡rmáos urna segunda vez. Para referir-se pela terceira vez aos irmaos, repete o adverbio iterum.

4.

A Igreja usa também o adverbio iterum no sentido de «pela

segunda vez»-

Na Oracáo Eucarística II dizem os sacerdotes:

«Poslquam coenatum est, accipiens et calicem, ITERUM gratias agens dedit discipulis suis...» Dá gracas antes da consagracao do pao e outra (segunda) vez antes da consagracao do vinho.

Por fim, no Credo da Missa exprimimos a fé da Igreja na segunda vinda de Cristo (nao vira mais vezes), dizendo: «Et iterum venturus est».

O próprio Código nos ensina a interpretar corretamente o adver

bio, advertindo no canon 17:

«Leges ecclesiasticae ¡ntellegendae sont secundum propriam verbo-

rum significationem in textu ef contextu consideratam» 1.

Creio ter

demonstrado que o significado próprio do adverbio iterum é «unía

segunda

vez

canon 917.

só».

Por conseguinte,

assim

há de

entender-se

o

loAs leis da Igreja devem ser entendidas segundo o sentido próprio das palavras, considerado no texto e no contexto". — 507 —

68

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Aínda no canon 21, lé-se:

«In dubio revocatio legis praeexistentis non praesumitur, sed leges posteriores ad priores trahendae suní et his, quantum fieri potest, conciliandae» '. Se, porém, resta a alguém qualquer dúvida sobre o sentido de iterum no canon 917, deve conciliar esta lei com a prece dente, expressa na Instrucao Immensae Caritatis (1973, depois do Concilio), cuja revogacáo nao deve ser presumida. Sabemos que, em virtude desta Instrucao, já se podia comungar urna segunda vez no mesmo dia quando se cumpria o preceito dominical na véspero do dia santo, na Missa vespertina de quinta-feira

santa, na segunda Missa do dia de Páscoa, ñas Missas rituais, exequias, etc. O canon 917 limita-se a ampliar a faculdade de comungar pela segunda vez no mesmo dia desde que tal Comunhao soja feita dentro da Missa de que o fiel participe.

Os comentadores da edicao da BAC confessam que a sua interpretacáo ampia poderia acarretar como conseqüéncia um certo desvio

da piedade eucaristica, com resultados negativos no ámbito ecuménico. Acrescentam que

seria conveniente urna interpretacao

auténtica

da

parte da Santa Sé. Nao negó a conveniencia de tal interpretacáo para evitar qualquer dúvida, mas ¡ulgo que esta nao é necessária porque a mente do legislador está muito clara para quem sabe latim. A edicao da Universidade de Navarra

(EUNSA)

vincula, como

nos fizemos, a interpretacáo do canon 917 ao teor da Instrucao Immensae Caritatis. O mesmo fizeram os comentadores da edicao cátala, que se limitaran) a traduzir para o catalao as notas da EUNSA.

Sinceramente creio que assim se deve proceder enquanto Roma nao nos diz o contrario. Profetizo, alias, que nao o dirá.

Sem comentarios...

i "Na dúvida,

nao se presume a revogacao da lei preexistente, mas

josteriores devem devem ser ser comparadas com as anteriores e, quanto possível, lels posteriores

com elas harmonizadas".

— 508 —

'

Um livro que interpela:

"A Yolta a Grande Disciplina" por Joáo Batista Libánio S.J.

Etn sinlese: O Pe. Joáo Batista Libánio, S.J. julga que a imagem da Igreja inspirada pelo Concilio de Trento (1543-1565) está destruida. Mas nio se sabe qual outra colocar em seu lugar, é pessoalmente (avorável á teologia da libertacáo, mas também a esta faz breves críticas.

Deixa, pois,

o leitor diante de um impasse, para o qual nao aparece safda auténtica ou satisfatória.

Observamos que o livro é, por vezes, ambiguo e tendente a generalizar, simplificar e caricaturar. Além do que nao leva em conta devlda o misterio

ou o sacramento da Igreja (Lumen Genttum n? 1): esta é realidade divino-

-humana, que, em suas encruzithadas, é assistida pelo Espirito Santo para

encontrar o reto caminho do futuro; se há dificuldades e perplexidades para os fiéis católicos caminheiros, estas háo de ser elucidadas por fldelidade ao magisterio da Igreja, que recebeu de Cristo a missáo de orientar autenticamente a grei do Senhor (cf. Mt 16,17-19; 18,18; Le 22,31 s; Jo 21,15-17).

O Pe. Joáo Batista Libánio S.J., conhecido teólogo brasileiro, publicou um livro que certamente muito fala ao leitor, com o titulo «A Volta á Grande Disciplina-» *. A obra termina deixando um tanto aberta a questáo langada inicialmente, de modo que o estudioso se senté de certa maneira obrigado a continuar o raciocinio do autor. É o que vamos fazer ñas páginas subseqüentes, expondo sumariamente o conteúdo do livro e acrescentando-lhe algumas observagóes.

1.

As proposfas do livro

O titulo do livro se deriva de urna mensagem do Papa

Joáo Paulo I, que logo no inicio do seu breve pontificado apre-

goou o retorno dos fiéis á disciplina que os últimos decenios »Ed. Loyola, Sao Paulo 1983.

Colecáo "Teología e EvangelizacSo"

4, 140 x 210 mm, 180 pp.

— 509 _

7j>

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

contribuiram para quebrar dentro da Igreja. O Pontífice seguinte, Joáo Paulo n, retomou a temática, preconizando fidelidade a «grande disciplina da Igreja». Qual o paño de fundo destas exortacóes?

1. Segundo o Pe. Libánio, é preciso retroceder até o Concilio de Trento (1543-1565), que propós definigóes dogmá ticas e normas disciplinares assaz claras, tendo em vista a situacáo conturbada da Igreja na época de Lutero. O Con cilio de Trento conseguiu realmente despertar a consciéncia dos católicos para a reta fé e os principios de auténtica viven cia do Evangelho: aproveitando elementos positivos da Cris-

tandade medieval, levou em conta os tempos modernos e pro-

curou tragar diretrizes para assegurar o testemunho dos cató

licos nos séculos subseqüentes. A influencia positiva do Conci lio de Trento perdurou inalterada até a Revolugáo Francesa (1789), que já a contrabalangou de algum modo. O século XIX e, mais aínda, o século XX destruiram o que Libánio chama «o imaginario e as conseqüéncias do imaginario do Concilio

Tridentino».

Cf. pp. 23-27.

2. A «deconstrucáo» do imaginario social religioso (p. 81) de Trento foi-se dando aos poucos até ser finalmente reconhecida e sancionada pelo Concilio do Vaticano n (1962-1965), segundo o Pe. Libánio. Este Concilio terá chamado a atencáo

para o valor das realidades terrestres, que tinham estado esquecidas nos séculos anteriores por parte da Igreja. Além

disto, a psicología profunda exerceu influxo corrosivo ñas concepcóes religiosas dos cristáos. A exegese protestante liberal, encabegada por Martín Dibelius e Rudolf Bultmann, terá aba

lado clássicas conclusoes dos comentadores da S. Escritura. O ecumenismo lancou certo relativismo na mente dos fiéis cató licos, cujo zelo missionário terá sido solapado. A consciéncia do pecado se perdeu por influencia da psicología das profun didades... O autor aponta aínda numerosas facetas do que ele chama «a deconstrucáo do imaginario tridentino». 3. Após o Concilio do Vaticano n, Libánio vé quatro reacóes a deconstrucáo ou quatro tentativas de reconstrugáo

da identidade católica.

— 510 —

«A VOLTA A GRANDE DISCIPLINA»

1)

71

Cristianismo desvinculado de instituijáo

A primeira tentativa seria a que anuncia o fim do Cris tianismo convencional e apregoa a subsistencia da mensagem do Evangelho em pequeños grupos, espontáneos em suas manifestagóes de fé, de Moral e de Liturgia, desvinculados de qualquer autoridade universal ou do magisterio da Igreja. Neste contexto se situariam certas correntes secularizadas e secula rizantes

do Cristianismo,

como

também certos movimientos

carismáticos, pois uns e outros fazem questáo de afirmar sua espontaneidade; «o ponto de referencia nao é a instituigáo, mas práticas ou experiencias do grupo» (p. 114). O Pe. Libánio nao se identifica com esse modo de pensar e agir, que ele critica, visto que, entre outras coisas, a insti tuigáo é indispensável para que as idéias e os carismas possam sobreviver e atuar. «Esse tipo de análise desconhece a forga sociológica da mística religiosa, a consistencia e resistencia das instituigóes religiosas oficiáis, estruturadas» (p. 119). 2)

Cristianismo restaurado segundo o modelo tridentino

O Pe. Libánio sitúa aqui a corrente de D. Marcel Lefébvre

e dos fundamentalistas, que se recusam a aceitar o Concilio do Vaticano II, considerado como «capitulagáo da Igreja diante do espirito liberal e anti-religioso da Revolugáo Francesa» (p. 121). «A solugáo é reter a totalidade íntegra da identidade tridentina»

(p. 121).

A posigáo de D. Lefébvre, segundo o Pe. Libánio, «vive... de decisSes autoritarias sem hesitagáo, de forte fideísmo até a demissáo quase completa da razáo e da critica» (p. 123). No Brasil a TFP (Tradigáo, Familia e Propriedade) seria urna sociedade representativa deste modo de pensar, junta mente com o grupo de sacerdotes tradicionalistas da diocese de Campos.

O autor do livro também critica esta posigáo. A Tradigáo, diz ele, é «viva e dinámica, posta num processo de continua reinterpretagáo, em busca de sinteses mais completas e ricas» (p. 128). «A grande garantía da autenücidade dessa reinter pretagáo é a agáo do Espirito Santo, que Cristo entregou á sua Igreja» (p. 128). «Os integristas negam ao mundo moderno sua grandeza teológica, filosófica e sócio-politica» (p. 131).

— 511 —

72

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

3)

Construgóo da idenlidade «Vaticano II»

As duas tentativa anteriores de solugáo tendiam a extre mos opostos.

A que se segué, procura ser equilibrada.

Apregoa a necessidade de «fazer com o Vaticano II o que se fez com Trento nos séculos seguintes» (p. 131): tende, pois, a por em prática as Constituig5es e os Decretos do Con

cilio do Vaticano n.

Depois de um período de experiencias

subseqüentes ao Concilio, já se podem definir normas e prin cipios para urna nova disciplina da Igreja; esta implica o re torno á centralizacáo da administracáo da Igreja e o reforgo da autoridade. Exprime-se em alguns movimentos de leigos como Renovagáo Carismática, Cursilhos de Cristandade, Movimento Familiar Cristáo, Equipes de Nossa Senhora, Focola-

rini, etc., que procuram a conversáo dos seus membros e do

mundo descristianizado.

A teología, no caso, procura oferecer respostas e segurangas, após um período de suspeitas e dúvidas teológicas; rejeita atitudes críticas que estáo sempre em busca de reinterpretagóes.

O magisterio da Igreja, de acordó com esta men-

talidade, tem-se pronunciado sobre pontos importantes, obnu bilados pela vida moderna: assim fez Paulo VI na encíclica «Humanae Vitae» (1968) sobre o controle da natalidade ena InstruQáo sobre alguns pontos de Ética Sexual (1975); assim também Joáo Paulo n no documento sobre a Escatologia (1979). A revista COMMUNIO seria a expressáo da corrente de pensamento inspirada pelo Vaticano H. O Pe. Lábanio também critica esta imagem de Igreja. E isto, a varios títulos. Julga que o Concilio do Vaticano n, mais do que um «dado objetivo, fixo, redigido numa forma acabada», foi um principio de dinámica, que criou «novo espi rito, nova mentalidade, íntroduzindo no interior da Igreja a dimensáo histórica, hermenéutica, dialética» (p. 149). «Ele mesmo anuncia a sua superacáo, ao aceitar o duplo principio fundamental da perspectiva ecuménica e pastoral» (p. 149). «Com o rolar dos tempos sao os ensinamentos do Vaticano .n que necessitam de novas vestes, enquanto os defensores dessa linha pastoral ficam presos a seu modelo démodé» (p. 150). Na Igreja nao deve haver «mecanismos coercitivos, que

se criam totalmente peremptos»

(p. 152).

Mais: «por mais''

que se diga que pertence como parte integrante ou essencial

— 512 —

«A VOLTA Á GRANDE DISCIPLINA»

73

da eyangelizagáo a promogáo humana, a libertagáo social, a identidade neofundamentalista nao se contenta com essa afirmagáo, nem com essa teología. Teme sempre que ela camufle um horizontalismo imperdoável, urna negagáo, em última análise, da própria Transcendencia» (p. 153). «Jesús mostrou profunda liberdade diante das leis, dos ritos religiosos, dos costumes, do sábado, do templo — elemen tos sagrados da religiáo judaica — toda vez que entrava em jogo algum bem importante para o ser humano» (p. 153). 4)

A via do pluralismo e do compromisso libertador

Parte do principio de que «o Concilio do Vaticano II nao é estacionamento, mas plataforma de lancamento» (p. 15&). A nova identidade se definirá pelo compromisso com os pobres ou pelo compromisso social libertador; é a ortopraxis da liber

tagáo que garante a ortodoxia do Evangelho. Essa identidade está sempre em devir, em construgáo (p. 162); desfaz-se e refaz-se continuamente. «Por paradoxal que parega, a fidelidade ao Concilio requer afastar-se dele... na diregáo apontada por ele» (p. 163).

As comunidades eclesiais de base sao expressáo privile giada dessa quarta linha pastoral de pastoral, pois nelas «a Palavra de Deus e os sacramentos sao vividos em íntima relagáo com o compromisso social, com as lutas de reivindicagáo,

com as batalhas sindicáis e com as esperangas de libertagáo» (p. 169).

«O imaginario da quarta via é reforjado pela teología da libertacao. Seu esforco, hoje ossaz conhecido, orienta-se na linha da reinterpretacao global da Revelando, da Tradicao eclesial em suas múltiplas ramificacóes numa perspectiva libertadora» (p. 172).

O Pe. Libánio confessa preferir este quarto modelo de atuagáo da Igreja (p. 180). Mas critica-o moderadamente: «seus maiores problemas situam-se no campo da eclesiologia», como se pode depreender do debate em torno do livro «Igreja: carisma e poder» de Leonardo Boff (cf. PR 260/1982 pp. 15-26).

A quarta via também incorre no risco de identificar o social e o religioso: critica violentamente os valores religiosos e sacraliza os valores políticos. Mais: a recusa da instituigáo — 513 —

74

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

e da autoridade clássica da Igreja pode fácilmente encobrir a

criacáo de outro poder; os propugnadores da «libertagáo» sao totalitarios e opressores em relacáo aos que nao os acompanham, embora digam que sao contrarios ao uso do poder e

da autoridade.

4.

É nestes termos que o livro se encerra: após haver

proposto quatro modelos para reconstituir a identidade do Ca

tolicismo em nossos dias, coloca o leitor diante de certo im passe, pois o autor nada tem de plenamente positivo e válido

que possa apresentar ao público;

nada oferece

que mereca

entusiasmo e adesáo generosa. Dir-se-ia que os fiéis católicos estáo diante de um beco para o qual nao há saida a nao ser através do debate, talvez fadado á esterilidade e á perplexidade. Em suma: o livro é crítico do principio ao fim, talvez mais demolidor do que construidor. Passemos agora a

2.

Urna avalia;áo

Nao há dúvida, a obra em pauta impressiona pelo apa rato de sua erudigáo e pelos quadros gerais que apresenta. Me rece, porém, serias restricóes tanto por seu estilo como pela

omissáo de certos pontos, impreteríveis numa reta apreciagáo da problemática. 2.1.

Estilo

O autor, na apresentacáo de seus quadros gerais, genera

liza e simplifica os dados em foco — o que redunda nao raro em caricatura; um certo pathos ou urna atitude passional per-

passa a obra inteira, o qué dá a impressáo de que falta a sere-

nidade indispensável a quem faz um trabalho de tal enverga dura. Assim, por exemplo, o autor afirma repetidamente que o medo e o poder regiam os fiéis dos sáculos XVI-XX até época recente; cf. pp. 67.68.71.105.132... A p. 86 refere-se á devocáo das primeiras sextas-feiras e dos primeiros sábados do mes em termos um tanto caricaturáis. Á p. 104 menciona um «atestado de óbito da identidade tridentina»; deprecia o

zelo missionário da vida crista... A p. 133 alude a «poltrona cómoda da nova codificagáo»... A p. 155 propóe auténtico sofisma a respeito do Concilio do Vaticano II: embora o Con— 514 —

«A VOLTA Á GRANDE DISCIPLINA»

75

cilio do Vaticano II nao pretenda «parar a historia», ele é marco obrigatório para todos os que querem ser fiéis a Cristo, até que nova instancia conciliar ou a autoridade suprema da'

Igreja diga o contrario.

2.2.

Perplexidade?

Quem chega ao fím do livro, tem a impressáo de que a imagem da Igreja do futuro ainda tem que ser concebida ou aescoberta, como se deve conceber ou descobnr o rumo que

a situagáo política de um país, agitado por diversas correntes deve encetar. Na verdade, a Igreja nao é urna sociedade como as outras agremiacóes humanas, mas é urna realidade divino-numana ou um «sacramento», como diz a Constituigáo Lumen

Gentium do Concilio do Vaticano II, n" 1. Na Igreja, portante

será preciso por em relevo:

'

a) a existencia de elementos permanentes, como as ver dades da fe, a constituigáo hierárquica sob a cneíia de Pedro

e seus sucessores, os sete sacramentos como cañáis da graga

a comunháo dos valores santos... Estes sao anteriores aó Concilio de Trento e perduram até nossos dias, devendo inte grar a Igreja até o fim dos séculos.

b) Na Igreja, há urna instancia dirimente, que é o ma gisterio representado pelos bispos, em consenso unánime, ou pelo Sumo Pontífice. A este magisterio Cristo quis confiar a autoridade necessária para apascentar e reger a grei (cf Jo 21,15-17; Mt 16,17-19; 18,18; Le 22,31s), de modo que, ñas situagoes de aparente impasse, toca aos bispos e, especialmente, ao Papa o dever de intervir e de definir os rumos a tomar. A Igreja nao é um barco sem leme, que navega á deriva ou entregue á mera pericia dos homens.

Alguém dirá que o apelo á autoridade é pouco condizente com a mentalidade moderna... Respondemos que na Igreja o recurso á autoridade é obrigatório, pois a Igreja é, em última

análise, governada pelo próprio Deus mediante as instancias humanas por Ele escomidas. É coerente com a fé admitir e

acatar a autoridade legítima na Igreja, principalmente quando

tenciona definir assuntos de fé e de moral; sim, a fé é a aceitagáo da Palavra de Deus como ela vem por suas instancias competentes.

— 515 —

76

'
Quem pondera estas verdades, reconhece que, na encruziIhada em que se vé a Igreja contemporánea, há focos lumino

sos que indicam o caminho a seguir; há instancias das quais se pode haurir a palavra de orientagáo a fim de realizar a

obra de Cristo.

Ora tal conclusáo nao aparece na obra do

Pe. J. B. Libánio.

2.3.

Concilio de Trento (1545-1563)

O Concilio de Trento nao morreu; a historia nao lhe pas-

sou «atestado de óbito».

Este Concilio promulgou definigóes

dogmáticas referentes á S. Escritura, á graga, á justificagáo,

aos sacramentos, definigóes que tém valor perene.

Alias, o

Concilio de Trento, ao definir tais proposigóes, fazia eco consentáneo com a Tradigáo anterior.

A assembléia tridentina formulou também normas disci plinares relativas á formagáo do clero, as fungóes dos bispos, á piedade dos fiéis... Estas foram inspiradas pelas circuns tancias do século XVI; tinham, pois, caráter contingente e estavam sujeitas a reforma desde que os tempos o exigissem. O Concilio do Vaticano II (1962-1965), em parte, confirmou tais normas; em parte, propós outras, sugeridas pelos tempos atuais. É, pois, inadequado, se nao falso, falar da deconstrugáo da identidade tridentina, como faz J. B. Libánio (p. 79). O que passou, foi o quadro histórico do século XVI, cedendo ao do século XX; mas dentro destes continuam a existir legí timamente elementos do Concilio de Trento.

Por certo, a época contemporánea é marcada por corren-

tes de pensamento que abalaram a cosmovisáo dos antigos e

obrigaram a repensar o sentido de certas proposigóes da fé (especialmente a exegese de Gn 1-3 foi objeto de revisáo); a psicología freudiana, entre outras, parece ameagar a fé. Todavia nenhuma das escolas de pensamento moderno destrói as perenes proposigóes da fé ou os ditames da ascese e da justiga crista; o cristáo nao é obrigado a renunciar á sua crenga

diante das verdades formuladas pelas ciencias contemporáneas; ao contrario, estas vieram confirmar notavelmente certas pro

posigóes de fé, a ponto que muito sabiamente se tem dito:

«a pouca ciencia afasta de Deus, a muita ciencia leva a Deus».'' Cf. PR 265/1982, pp. 422-427. — 516 _

«A VOLTA A GRANDE DISCIPLINAS

2.4.

Concilio do Vaticano II (1962-1965)

Segundo o Pe. Libánio, este Concilio foi um incentivo

para que os fiéis católicos nao se fixem nem se estabilizem,

mas continuem a mudar as expressóes de sua fé... Em conse-

qüéncia, quem quer viver o Vaticano II deve inventar e criar novas formas de comportamento cristáo.

A propósito observamos que o Concilio do Vaticano II soube auscultar os sinais dos tempos atuais para encarnar nestes a perene mensagem do Evangelho; esta foi respeitada na integra. O Concilio do Vaticano II reafirmou o principio de autoridade na Igreja e o magisterio infalível do Sumo Pontí fice em materia de fé e de moral ícf. Lumen Gentium c. 3); por conseguinte, corroborou os elementos perenes da Igreja, entre os quais figuram, sem dúvida, o exercício da jurisdicáo e as facilidades do magisterio para intervir di ante de desvíos doutrinários e moráis. — De resto, o apregoado pluralismo de nossos días é aceito dentro da Igreja na medida em que signi fica diversidade de modos de pensar e interpretar o Evangelho dentro dos parámetros da reta fé. Existe, sim, o patrimonio da Revelacáo divina, que foi confiado por Cristo á Igreja e que deve ser guardado incólume; á Igreja nao é licito permitir seja vilipendiado nem admitir a equiparagáo entre reta fé e heresia, nem mesmo a titulo de pluralismo. Ela trairia Cristo

e os homens se nao fosse fiel guardia da verdade revelada por

Deus.

Quem compulsa os documentos emanados do Vaticano II e suas fontes, verificará que, entre estas, é citado freqüentemente o Concilio de Trento. O Concilio retomou a voz da Igreja do século XVI no que ela tinha de definitivo, tencionando assim dar continuidade a Trento e á Tradiqáo anteriorPor sua vez, o Vaticano n promulgou verdades eternas ao lado de normas disciplinares contingentes; estas normas disciplina res estaráo talvez um dia ultrapassadas, mas é preciso que elas sejam vividas fielmente pelo povo de Deus até se eviden ciar que perderam sua voga. Em conseqüéncia, tém razáo os bispos, presbíteros e fiéis

que procuram construir a identidade «Vaticano n» ou a ter-

ceira imagem apontada por Libánio.

É esta a única atitude

correta no momento presente; o fiel católico nao deve envergonhar-se por professar como inabaláveis as certezas da fé e — 517 —

78

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

a seguranga que esta transmite; nao deve fugir ao rcconheci-

mento de que há ra Igreja elementos estáveis; nao deve rejeitar o exercicio da autoridade, que nao é autoritarismo '. Nao

se deve importar com o apelido de «conservador» ou «neocon-

servador» que lhe queiram impingir, pois a verdade é algo que realmente se conserva; sem dúvida, conserva-se com sua vida e sua capacidade de adaptacáo... capacidade de assumir novas e novas facetas, sem, porém, se trair ou desdizer. Certamente

é preciso ter coragem para nao se deixar abalar por cognomes depreciadvos; tal é a coragem da coeréncia, do brio e da

virilidade.

As críticas que o Pe. Libánio formula contra a identidade «Vaticano II», referem-se a exageras cometidos na Igreja. Nao invalidam, pois, o cultivo dessa imagem, de mais a mais que é a imagem proposta pelo magisterio. De modo especial, a Igreja do Vaticano II é solícita pelos pobres e pela justica social; ela possui numerosos documentos pontificios que constituem a Doutrina Social da Igroja. Esta nao é mencionada urna só vez por J. B. Libánio; há quem a considere «ultrapassada» e ineficiente o que é injusto. Tal doutrina vem a ser certamente multo mais fecunda do que as

teorías revolucionarias ciue pela violencia pretendem resolver

a questáo social; com efeito, a violencia gera a violencia; os violentos que conquistam o poder, passam a oprimir, como foram oprimidos pelos adversarios por oles derrubados. — Donde se vé que, para acudir aos necessitados e cumprir os preceitos evangélicos da justica e do amor fraterno, nao é necessário ao fiel católico afastar-se da linha do Concilio do Vaticano II. É difícil compreender como o autor pode afirmar que a

Tgreja do Vaticano n se recusa ao diálogo com a modernidade, com a cultura, com a ciencia... (pp. 151s). Quem examina o organograma da Santa Sé, verifica que ela dispóe de Secre

tariados, Comissóes e varios outros órgáos destinados precisa mente a estabelecer contato com as diversas instituicóes da Ciencia e da cultura contemporáneas. A Pontificia Academia

das Ciencias congrega estudiosos de diversas nacionalidades

1 Alias, a autoridade é táo necessária ao homem e á socledade que o próprlo Pe. Libánio reconhece que os arautos da Teología da Llbertacfio, por., mais democráticos que paregam, impóem camufladamente urna autoridade opressora e pouco honesta (p. 178).

— 518 —

«A VOLTA A GRANDE DISCIPLINA*

79

que, em colaboragáo com colegas nao católicos, estudam os problemas mais vultosos da atualidade. As viagens do Sumo Pontífice Joáo Paulo II sao um testemunho da posigáo dialo gante da Igreja; o mesmo se diga da Ostpolitik (política em

relagáo á Cortina de Ferro) do Vaticano. Em 1982 foi fun dado o Pontificio Conselho de Cultura... — Nunca se viu a Igreja táo aberta ao mundo moderno quanto em nossos dias. 2.5.

Jesús Cristo e a liberdade

O autor insiste em que Jesús Cristo moslrou profunda liberdade diante das leis, dos ritos religiosos, dos costumes... toda vez que entrava em jogo algum bem importante para o ser humano (cf. p. 153).

Com efeito, Jesús Cristo sabia escalonar os valores, de modo que afirmava ser o sábado para o homem e nao o homem para o sábado (cf. Me 2,27). Isto, porém. nao quer dizer que

tenha sido um incentivador da liberdade desenfreada ou do desrespeito á autoridade legitima. Seria desonesto procurar no Evangelho pretextos para desafiar a autoridade legítimamente constituida. Sao Paulo, o discípulo que melhor compreendeu o espirito de Cristo, dizia muito enfáticamente: «Para aqueles que vivem sem a lei, fiz-me como se vivesse sem a Lei — aínda que nao viva sem a lei de Deus, pois estou sob a lei de Cristo...» (ICor 9,21). O criátáo está sob urna lei.que nao lhe é notifi cada únicamente por criterios subjetivos, mas lhe vem anun ciada por instancias objetivas ou pela Igreja; por isto o Apos tólo excomungou os libertinos que nao quiseram subordinar-se

á lei de Cristo; cf. ICor 5,3-5; 2Cor 2,5-11; lTm 1,20; Tt 3,10.

A quarta via apontada e preferida por Libánio apoia-se muito na acáo inspiradora do Espirito Santo: «Esta quarta posicáo trabalha teológicamente a presenta do Espirito Santo Vé nele o dom que Jesús Ressuscitado deu á Igreja para constitui-la comunidade ao longo da historia. Ele, com sua presenca, inspira criativamente seus membros, dá-lhes percepgáo

dos sinais dos tempos, sugere-lhes formas novas de respostas, desperta-lhes iniciativas inéditas, com a mesma liberdade que o fizera no inicio do Cristianismo» (p. 164).

Estes dizeres contém verdades, mas podem ser mal inter pretados. O Espirito Santo que anima os fiéis e os move a novas iniciativas, só o faz dentro da comunháo da Igreja ou — 519 —

80


de modo a construir a única Igreja, que é jurídica e carismática ao mesmo tempo. Todo verdadeiro carisma corrobora o amor e a unidade dentro da Igreja. De resto, assevera o Con cilio do Vaticano II que os carismas estáo sujeitos á apreciaCáo da hierarquia; é esta quem, em última instancia, distingue os auténticos e os falsos carismas (cf. «Lumen Gentium» n* 12; «Apostolicam Actuositatem» n9 3).

O recurso á inspiracáo do Espirito Santo pode ser um arti ficio subjetivo para que alguém se subtraia á verdadeira comunháo com a Igreja. Tal inspiragáo pode ser ilusoria; é fácil admiti-Ia, mas é difícil provar a sua genuinidade. Geralmente a acáo do Espirito Santo é credenciada por sinais objetivos, reconhecíveis por todos os interessados; a estrutura sacramen tal da Igreja o postula. Os santos souberam usar os seus carismas sem quebrar a unidade da Igreja (entre outros, Sao Fran cisco de Assis...).

A primazia da ortopraxis da libertagáo sobre a ortodoxia (cf. p. 161) é de cunho marxista. Na verdade, foi Karl Marx quem estabeleceu esta tese; derroga ao caráter primacial e orientador da verdde, que é assim menosprezada. Tal posicáo nao é crista. O Cristianismo afirma o primado da verdade sobre a praxis moral ou sobre a Ética; é da ortodoxia que o cristáo deduz as normas do seu comportamento ético, político e social, e nao vice-versa. Aínda muitos reparos se poderiam fazer á obra de Libánio.

Á p. 175, por exemplo, parece identificar o natural e o sobre natural — o que é grave e contradiz á definicáo de alguns Con cilios do passado.

Em síntese, o livro é ambiguo e tendente a caricaturar;

ademáis é insuficiente ao propor sua problemática, pois nao

leva na devida conta a funcáo da Igreja oficial e do seu magis terio, magisterio este que decorre lógicamente do fato de que Deus quer falar aos homens por meio de homens que Ele credencia.

— 520 —

Em Medjugorje (lugoslávia):

Aparkoes de Nossa Senhora? Em síntese: As propaladas aparicdes de Nossa Senhora em Medju gorje na lugoslávia tém suscitado grande afluencia de fiéis áquele local, com beneficios de ordem espiritual ou afervoramento do povo de Deus e notáveis conversoes. As autoridades governamentais socialistas da lugoslávia tém empreendldo campanhas hostis contra os clérigos e cristaos leigos que reallzam celebracdes devotas na paróquia de Medjugorje.

Diante dos fatos, o Sr. Bispo de Mostar-Duvno nomeou urna Comissáo encarregada de esclarecer as ocorréncias. Tal Comissáo pediu sejam mais atentamente estudados alguns pontos. Entrementes sugeriu que se evitem atitudes e gestos que precipitadamente formem a opinifio pública. Nao há proibicáo de procurar o local indicado para orar, cantar, ouvir a Palavra de Deus, promover a edificacao dos fiéis e a conversao das pessoas afastadas da fé. Os auténticos frutos espirituais que se colhem em Medjugorje sao motivo de alegria e respeito para toda a comunidade católica.

Tém-se difundido no Brasil noticias a respeito t!e apari góes de Nossa Senhora em Medjugorje na lugoslávia, ou seja, em pleno país comunista. O noticiario parece provir de fontes fidedignas; é o que tem suscitado, em varios leitores de PR, o desejo de melhores informagóes. Em vista deste anseio, publicamos abaixo: 1) um trecho de livro que narra a origem das aparigóes; 2) urna crónica referente a reagáo do Covemo iugoslavo e á tenacidade dos

fiéis; 3) urna nota extraída do jornal «L'OSSERVATORE ROMANO» sobre a atitude da autoridade diocesana compe tente.

I.

A ORIGEM DOS ACONTECÍA/VENTOS

«Na tarde de 24 de junho de 1981, sobre a colina de Podbrdo, que faz parte da Serra de Crnica, em Bijabovici, aldeia que integra a paróquia de Medjugorje, urna figura vestida de cinzento, com um

— 521 —

82

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS;' 277/1984

véu bronco sobre a cabeca, apareceu a seis ¡ovens, elevada ácima da térra. Nos dias seguinles, pelo fim da tarde, os ¡ovens voltaram á colina e a Senhora continuou a aparecer e a falar-lhes. A Virgem falava de paz e pedia-lhes que rezassem e fizessem penitencia em prol da paz no mundo; comungassem com freqüéncia e tivessem abso

luta confianca em Deus.

Logo a noticia dos acontecimientos se pro-

pagou pela regido e urna densa multidáo ccmecou a reunir-se sobre

a colina para rezar, na expectativa de que a Virgem aparecessc aos seis ¡ovens.

Registraram-se também alguns miiagres: um cegó recuperou a vista; um rapaz paralitico pode andar normalmente; muitos doentes Mvera ni a saúde restaurada e varias pessoas que esíavam em litigio ou aversao entre si encontraran! o caminho da reconciliacao.

Mas o maior milagre foi este: despcrtou-se o senso religioso cm toda a regido vizinha a Medjugorje; a oragao se tornou muito mais fervorosa; foi

restabelecida a observancia dos preceitos religiosos e deu-se grande importancia á prática severa do jejum a pao e agua.

As autoridades comunistas locáis, que tém sede na vizinha cidade

de Citluk, comecaram a alarmar-se, principalmente porque também outros muitos ¡ovens se habituaran) a subir á colina todas as tardes para orar e recitar o rosario. Foram inúteis os esforcos do Governo para promover espetácuios e diversóes para a ¡uventude do lugar;

embora fossem organizados sob os auspicios das autoridades locáis, sessóes de cinema e baile íoram deixados de lado. feriam subir a colina.

Os ¡ovens pre-

Em breve o Governo ¡ulgou-se obrigado a tomar serias medidas repressivas. Antes do mais, foi proibido aos veículos entrar em Medjugorje no fim da tarde. A policio local também comunicou ao pároco que era vedada quaiqusr reunido de caráter religioso fora do recinto da igreja: devia cessar, portanto, a oragao ao ar livre sobre a colina, ficando as preces circunscritas ao interior da igreja paroquial. Temos o melhor Governo comunista do mundo, disse um frade fran ciscano, sorrindo: aconselha á nossa gente que vá á ¡groja para rezar! Os seis ¡ovens, aos quais a Virgem continuava a aparecer, foram presos, levados ao próximo posto de Policio, onde receberam duro tratamento e o conselho de retratarem tudo quanto haviam dito. Somonte após varias horas de perquisicáo foram postos em liberdade. O pároco foi intimado a por fim a táo absurdo comportamento religioso da populacao.

Mais de cinqüenta pessoas foram detidas e acubadas de estar

implicadas em quanto se ¡a desenvolvendo em Medjugorje. acabaram por ser condenadas a penas de prisdo-

— 522 —

Algumas ""

MEDJUGORJE: APARIQÓES DE N. SENHORA?

J83

A imprensa comunista deu grande publicidade a tais acontecimentos, referindo os íatos de

maneira

sectaria e

desfigurando-os;

rotulou os frades franciscanos e as freirás locáis de «separatistas», vinculados a um grupo de extrema direita nazi-fascista, conhecido pelo nome de «Movimento dos Ustascia». Este Movimiento se empenha por obter a independencia da Croacia, recorrendo á violencia; ... a sua mais recente facanha foi o desvio de rota de um aviao.

Um jornal

nacional mostrou em mánchete a Virgem SS. vestida como terrorista, com um facao entre os dentes, aparecendo a meninos; em baixo de üa: Eis a verdadeira face da Virgem.

Tais ataques da imprensa, assim como as acusacoes de subversao e de terrorismo, chamaram a atencáo de quase todo o país para

Medjugorje, em escala tal que a ¡mprensa católica nunca teria atingido. As aparigSes

continuam,

disse o Pe. Tomislav em

1983; a

Virgem

continua a aparecer e a falar aos seis jovens, mesmo quando nao

esláo todos juntos.

Ela doravante faz parte da vida de cada um

deles» (extraído e traduzido do livro «María Regina della Pace» da autoria de Ir. Lucy Rooney SND e Pe. Robert Faracy S.J.

Milüo 1984,

pp. 12-15}.

II.

MEDJUGORJE: UMA POSSÍVEL LOURDES IUGOSLAVA?

«Foi no clima envenenado pela polémica do Partido Comunista que, a partir de junho de 1981, surgiram noticias referentes á aparicao da Máe de Deus na paróquia de Medjugorje

{Karst, Herzegovínia),

no arcebispado de Mostar. Maria teria aparecido a al jumas cianeas como 'Rainha da Paz'.

Embora a Igreja nao se tenha pronunciado a

respeito, milhares de pessoas logo afluiram todos os dias áquele lugar;

isto

incomodou

de

modo especial as autoridades

comunistas,

pois

durante a guerra 2.500 pessoas foiam assassinadas por partidarios

de Tito ñas proximidades daquele local.

Quanto mais a Igreja guar-

dava silencio, tanto mais os funcionarios do Partido e os ¡ornalistas

da imprensa oficial eram virulentos quando jatacavam os dois francis canos que atendem á paróquia de Medjugorje

(comuna de Citluk) e quando falavam das 'invencoes desses nacionalistas do clero'. Somente no día lo de agosto de 1981 o maior jornal católico de

língua croata de Zagreb «Glas Koncila» publicou urna declarando do

bispo de Mostar, Pavao Zanic, na qual observava o seguinte:

— 523 —

«i

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

'É certo que ninguém na Igreja sugestiona as enancas para que dígam mentiras. Até o presente ao menos, tudo parece indicar que as enancas nao mentem. Mas fica a pergunta mais difícil: trata-se de

experiencia vivida sobrenatural?

subjetivamente pelas

enancas ou

de algo de

Quando os ¡udeus quiseram reduzir ao silencio os Apostólos, Gamalief, esse doutor da Lei sabio e ponderado, disse ao Sinedrio,' como nos refere o livro dos Atos: Vos nao conseguiréis extingui-lo. . .' (At 5,38s). Nos abracamos este ponto de vista'.

Entrementes, a polémica continuava na imprensa oficial. O jornal

Vecernjilist de Zagreb publicou um artigo de R. Hamzic e i. K.aljevic intitulado «A Mae de Deus, escudo dos inimigos». Os articulistas referiam que a Alianca socialista de Ljubuski havia refletido sobre as aparicóes: 'Nos lugares da pretensa aparicáo da Mae de Deus, viam-se jovens bem organizados que entoavam cancóes e que se exprimiam em palavras hostis. Já vemos mais claramente donde sopra o vento'. Os artigos da imprensa contra os peregrinos de Med¡ugor¡e sao muitos. Aqui só podemos citar alguns exemplos. Na sua tendencia anti-religiosa, sao too significativos que merecerían) constituir documentando «specifica. Eis o que escreve Mensur Osmovic em dois artigos publicados aos 13 e 14 de setembro no Vecerje novosti de Bel grado: 'Foi a Igreja que lancou a historia da Mae de Deus... Os

inimigos do nosso país, mascarados debaixo de tongas botinas pretas, atrairam dezenas e centenas de milhares de fiéis honestos a Medjugorje na Herzegovina. Estao jogando perigosamente com os sentimentos religiosos». Fra Jozo Zovko, que fora encarcerado, era novamente atacado.

O autor, é verdade, verifica que reina calma provisoria em Medjugor¡e, mas que se reunem sempre 10.000 pessoas para os Oficios

religiosos. O Bispo Zanic e aqueles que pensam como ele em todos os recantos do país, nao háo de renunciar aos seus intentos, conforme

o ¡ornalista. 'Em Citluk e nessas aldeias, n3o se registraram manifestacoes abertamente hostis nestes últimos días..., mas há bom número de provocacoes. Os inimigos, que querem passar por crentes, Ira'.eni

pequeñas

correntes

com

urna

grande

cruz

pendente

ao

pescoco.

Trazem-na assim, para que todos a vejam fora dos seus pull-overs de pescoco alto. Alguns caminhavam descalcos e certos grupos cantavam hinos religiosos passando diante da casa do butgomestre'. Aos 19 de agosto, Oslobodjenje publicou um artigo intitulado

«Condenacao enérgica dos elementos nacionalistas clericais de Citluk», ' artigo em .que o autor, M. Karabeg, com parava os dois franciscanos — 524 —

MEDJUGQRJE: APARICOES DE X. SENHORA?

85

Zovko e Vla-úc a vampiros. No suplemento ao mesmo jornal, Mirko Sogolj atacava principalmente Fra Jozo Zovko em tom detestável, interpretando mal as suas pregacóes, e afirmava de novo que os

érenles que iam a Medjugor¡e, levados por nacionalistas clericais, nao

viam a Mae de Deus, mas únicamente os símbolos e as palavrás de ordem hostis ao Governo- Como exemplo dessas palavrás de ordem,

citavam a ¡nscricao «Mae de Deus, salva o povo croata».

Entrementes alguns funcionarios do Servico Secreto de Mostar realizaram urna perquisicao no dia 17 de agosto as 7h 30 min da manha na casa paroquial e na igreja de Medjugorje, e levaram Freí Jozo Zovko e Frei Ferdo Vlasic, também redator do jornal Nasa Ognista. Os ¡ornáis Vjesnik e Vecernji list, aos 21 de agosto, noticiaram que Frei Ferdo Vlasic fora condenado a 60 dias de prísao, porque nao executara as ordens dos agentes da milicia aos 12 de agosto.

Aos 14 de setembro de 1931, Frei Jozo Zovko foi levado ao tribunal da circunscricao de Mostar. Segundo a acusacao K¡ 79/81 —, ele, como sacerdote e membro do clero da paróquia de Med¡ugor¡e da comuna de Citluk, finha aproveitado da sua funcao de clérigo nos sermoes que pronunciara aos 11 de ¡ulho de 1981 perantc grande número de fiéis, para afirmar que «quarenta anos de escravidao ñas trevas e r,a miseria eram suficientes»; assim a ludia abertamente ao

40? aniversario da revolta das norsas populaeoes e dos nossos grupos étnicos contra os ocupantes e os traidores do país. Além disto, de 7 a 13 de agosto, ele teña repetidamente exortado os fiéis ñas suas homilías a derramar o sangue pela fé católica e a pedir a Deus suscitasse um povo cristao capaz de se emancipar das trevas e do medo.

Glas Koncila assinalava que um oficial de justica propusera que se pedisse a colaboracáo de um teólogo perito para se poder ¡ulgar o conteúdo bíblico das pregoedes e se poder averiguar se se tratava de decbracoes bíblicas ou políticas. Esta solicitacao nao foi atendida. Pouco depois, prenderam também Frei Jozo Krizic, que fora ordenado sacerdote poucos anos antes. Aos 22 de outubro, Frei Jozo

Jovko foi condenado a tres anos e meío de prisao por 'propaganda hostil'.

Acusavam-no de ter citado em suas pregacoes passagerts da Biblia que excitavam o povo. Ainda pouco depois, Ferdo Vlasic foi condenado a oíto anos e Jozo Krizic a cinco anos e meio de cárcere. Em abril de 1982, fez-se urna revisao do procesto de Jozo Krizic e de Ferdo Vlasic, que resultou em reducáo das penas a dois anos e

meio e cinco anos e meio respectivamente. Mas todos os títulos de — 525 —

8G

■«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

acusando foram sustentados. Além disto, sabe-se que foram recusados aos padres todos os livros religiosos, até mesmo o Breviario e o Missal, que eles queriam ter consigo no cárcere.

Todas essas medidas, porém, aírairam mais peregrinos a Medjugorje. De junho a meados de oulubro de 1981, ¡ulga-se que houve mais de meio milháo de pessoas na regido de Karst e que mais de 100.000 receberam o sacramento da Penitencia na pequeña paróquia, que

conta apenas 3.000 fiéis católicos.

Desde

1981

este

número

duplicou-se. Os adversarios nada poupom para dificultar esse afluxo de peregrinos, como prova a agressao noturna realizada no comeco de maio de 1982 na ¡greja paroquial de Medjugorje- Destruiram nao somente estatuas e seus pedestab, mas também o sacrário.

Tres cibo

rios foram roubados e as hostias consogradas foram espolhadas no chao fora da ¡groja. O culto de expiacao por esse sacrilegio foi cicompanhado por mcior número de fiéis do que de costume.

A participacao dos fiéis na celebracao do primeiro aniversario das aparicoes foi particularmente impressionante. Os primeiros pere grinos chegaram no dia 23 de junho, dos recantos mais afastados da lugoslávia, e também da Italia, da Austria, da Alemanha, da Suicja. Após a Missa da larde de 24 de junho, muitos fiéis passaram a noite inteira na ¡greja ou rezaram e cantaram perlo da igreja. Até a manha, o número de pessoas que rezavam nao deixou de aumentar, pois os peregrinos chegavam a pé de diversos lugares.

Multas pessoas haviam

caminhado em grupos durante o dia inteiro sob um sol tórrido. Foram vistos também trinta ónibus com placas que assinalavam procedencias muito distantes. Os sacerdotes e as Irmas da paróquia rezaram durante mais de 24 horas com a multidao; mais de cem padres atenderam as confissóes durante o dia inteiro. Ainda que isto nao estivesse pre visto — pois ninguém contava com tal afluxo de peregrinos —, militas

Missas foram celebradas em croata, italiano e slovénio. No oficio religioso da sexta-feira as 18 horas, havia 50.000 pessoas. No total, foram distribuidas

16.000 comunhoes.

Para celebrar o segundo aniversario das aparicoes, em 24 e 25

de junho de 1983, mais de 00.000 peregrinos foram a Medjurgorje. Muitos chegaram a pé, mas numerosos peregrinos serviram-se de ónibus ou carro particular provenientes de toda a lugoslávia e do estrangeiro. Perto de cem sacerdotes, dos quais sessenta francisca nos e dez estrangeiros, revezaram-se para atender ás confissóes no decurso das 24 horas do dia. Durante o Ano Santo da Redencáo

proclamado por Joño Paulo II, o número de peregrinos aumentou sensivelmente, assim como a freqüentacáo dos sacramentos» (ex-, traído e Iraduzido da revista «Chrétiens de l'Est. Faits et témoignages» n' 41, 1984, pp. 43-46).

— 526 —

MEDJUGORJE: APARICOES DE N. SEXHORA?

III.

87

UMA NOTA DA AUTORIDADE DIOCESANA

«Sua Excelencia Reverendísimo Monsenhor Pavao Zanic, bispo de Mostar-Duvno exprimiu o desejo de que :e¡am publicadas as conclusoes as quais chegoo o Comissao por ele instituida para examinar os acontecimentos que, há tres anos, vao ocorrendo na paróquia de Med¡ugor¡e. Essa Comissao, após reuniao plenária em Mostar nos dias 23 e 24 de marco de 1983, redígiu um Comunicado.

Nessa Declaracáo está dito que a Conissao, constituida inicial-

mente por quatro membros, foi posteriormente acrescida, chegando a contar vinte pessoas; entre estas, havia eclesiásticos escolhidos entre os peritos em Teologia das diversas Faculdades de Teología da Croacia e da Slovénia, como também representantes da área médica.

Após ter examinado atentamente o desenrolar dos aconfecimentos, essa Comissao ampia definiu os principáis pontos que, segundo os peritos, precisam de ser esclarecidos, e, em particular, formulou

as indicacóes seguintes:

— Seria desejável que os meios de ccmunicacao de índole reli

giosa deixassem de se ocupar com tais eventos, ao menos enquanto a Autoridade competente nao proferir um ¡uízo; caso, porém, divulguem noticias a responsável:

respeito,

facam-no com

prudénoa

e

de

maneira

— A Comissao nao pode aprovar o fato de que sacerdotes e leigos organizem peregrinacoes a Medjugorje; também nao aprova que se estimulem os videntes a aparecer em público ñas igrejas antes que o Autoridade profira um ¡uízo sobre a autenticidade das aparicoes. A tal propósito, a Comissao cita a medida modelar to mada por S. Eminencia o Cardeal Franjo Kuharic aos 14 de Janeiro de 1984, que proibiu aos videntes falar e aparecer em público ñas ¡grejas da arquidiocese de Zagreb, enquanto nao tiver sido pronun ciado um ¡uízo da Igreja a respeito dos acontecimentos.

— A Comissao pediu aos videntes e aos sacerdotes de Medjugorje que nao facam declaracoes sobre o conteúdo das visóes ou sobre as curas tidas como milagrosas. — A Comissao reconhece que os ¡ovens

em foco devem ser

orientados em direcao espiritual pelos seus sacerdotes, mas deseja, ao mesmo tempo, que, na celébratelo da Liturgia de Medjugorje, nao se faca distincáo alguma entre os videntes e os outros fiéis («L'Osservatore Romano», ed. francesa 24/07/84, p. 2).

— 527 —

88

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

Deste texto pode-se depreender o seguinte:

1) Ainda nao há pronunciamento oficial da Igreja a respeito da autenticidade das apariqóes em foco. O assunto vai

sendo estudado cautelosamente, visto que se tém registrado nos últimos decenios casos de «aparicóes» comprovadamente ilusorias.

2) Entrementes a Autoridade eclesiástica local dcseja que se evitem atitudes e gestos que precipitadamente formem a opiniüo pública.

3) Nao há proibigño de procurar o local das presumidas aparicóes para orar, cantar, ouvir a Palavra de Deus o pro mover a edificacáo dos fiéis e a conversáo das pessoas afastadas da fé. Os auténticos fnatos espirituais que se colhem em Medjugorje sao motivo de alegría e reverencia para toda a

comunidade católica.

Aguardemos, pois, com rcspeito pelos fatos e pela Autori dade competente, urna palavra esclarecedora... Estéváo Bettencourt O.S.B.

livros em estante Por dever ou por prazer? por A. Pté. Traducáo de Jean Briant. Colecáo

"Pesquisa e Projeto" rfi 3. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1984, 140 x 210 mtn, 107 pp.

O Pe. Alberto Pié rejeita a Moral que procura sua motivacao exclusiva mente no dever, na lei ou no medo; este tipo de Moral gera a neurose, afirma o autor, e tem suas ralzes nos sécuios XIV e XV. Ela é hoje vivida "na

sociedade do Ocidente neurótica esquizofrénica com síntomas próximos da

paranoia e da neurose obsessiva" (p. 6). Em oposigáo, Pié propoe a Moral do prazer: "todo homem procura a felicidade, o prazer de vi ver...; a Moral tem por finalidade humanizar e evangelizar esse desejo do prazer, motor do agir humano" (4? capa).

O livro se inspira fortemente ern principios de Sigmund Freud. O autor julga que também os escritos do Novo Testamento e da Tradicáo crista mais antiga corroboram sua tese. Está claro que nao preconiza qualquer prazer como motivo do agir moral, mas táo somente o prazer associado á prática da virtude: "O homem temperante nao foge dos prazeres que Ihe sao

— 528 —

LIVROS EM ESTANTE

89

convenientes; ele os procura, mas (oge dos prazeres do homem intempe rante" (p. 2241. "Se o prazer pode preencher a funcáo da regra moral, só pode tratar-se do prazer do agir bem no sentido aristotélico. Trata-se do prazer do homem virtuoso, isto é, do prazer que remata a coroa as atividades próprias do homem"' (p. 224).

Que dizer? — O livro de Pié corresponde bem á tendencia hedonista que marca a sociedade contemporánea, muito influenciada pela filosofía de Freud. Cabe-lhe o mérito de dissipar o conceito de vida crista amedrontada e sufocada pela leí e suas sancóes: a vida crista, sem dúvida, reconhece a necessidadc e o valor dos preceitos moráis, mas nao é levada a cumpri-ios pelo medo ou pelas ameacas apenas, e sim preponderaniemente pelo amor ao oetn; este é apio a gerar alegria, dilatando o coracáo do cristáo que se entrega generosamente a prática das virtudes.

Todavía urna seria reserva paira sobre a tese do livro: parece ignorar o valor ao sacrificio abracado espontánea e voluntariamente a título de mortificacáo das paixóes e punücacáo do homem interior; o jejum, a abstinencia, as mortificagóes corporais e espirituais... que nao geram prazfcr do ponto de vista meramente natural, que sentido teriam nesse coniex¡o?

Vercade é que muitas pessoas hoje nao entendem

mais o valor da

mortiücagáo corporal. Cra nisto ha uma aisiorgáo do conceito de vida crista: a penitencia corporal é ¡ndíspensável á prática da virtude, pois sem ela é lalso crer que aiguem se possa liDerlar das paixóes desregradas; toda

a mensagem oiblica e a Tradijeo crista incutem eloqüentemente a prálica da moitincacáo corporal. — E, pois, corn restricóes que consideramos a obra de Pie: ao lado de belas páginas e dum interessante percurso da historia da Moral, incute concepgóes que podem desvirtuar a auténtica face da vida crista. Nossos

Pais nos

Conlaram.

Nova

Leitura

da

Historia

Marcelo de Barros Souza. — Ed. Vozes, Petrópolis 1984,

Sagrada,

por

137 x 210 mm,

422 pp.

O Pe. Marcelo de Barros Souza é beneditino, Diretor da Escola de Evangelho da diocese de Goiás e Assessor de Teología do Secretariado Nacional da Comissáo Pastoral da Térra. O livro em foco é uma re-leitura (re-interpretacáo) da historia sagrada dentro da ótica aa 'teología da Liaertagao. loda a historia oo /Mitigo i estamento é considerada como historia de um povo oprimido económica e politicamente por outros povos, que tenae a se lioertar, mas nem sempre

e reiiz na realizado desse projeio; incide, por exemplo, na tentacáo de instituir um reí, que o governa e torna a oprimir, i al maneira de considerar 0 texto sagraao quer aizer que a mensagem bíblica e distorcida; e isto a varios mulos: 11 o conceito de Messias, dominante em todo o Antigo 1 estamento, e muiio pálido nesse contexto; 2) a acáo de Oeus que íoi educando o seu povo na fé e na esperanca para receber o Messias, é silenciada; diz mesmo o autor que "tuoo virou uma coisa só... üuanoo a Biblia diz: 'Deus lez, Deus talou', esta dizenoo também, ao mesmo tempo:

'O povo fez, o povo falou'" (p. 14); 3) as passagens mais antigás da Biblia sao totalmente deturpadas: a historia do pecado original é entendida como historia de uma disputa em demanda do poder (pp. 23-26), a historia

de Caim e Abel vem a ser "provavelmente o comentario do desentendimento

— 529 —

90

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS 277/1934

entre o povo da roga (Israel) e o povo da cidade (cananeus)" (pp. 27-29); 4) a historia dos episodios referentes aos Patriarcas parece um conjunto de historietas cuja autenticidade poderia ser posta em dúvida; 5) para desenvolver seus pontos de vista, o autor é confuso e cede a anacronismos (cf. pp. 13-16). Em sintese, o livro carece de valor científico e objetivo, pois despreza as normas da exegese seria; parte de preconceitos, que o autor quer deduzir artificialmente do texto sagrado. Pode-se mesmo dizer que deturpa a mensagem biblica e nao respeita certos dados integrantes do Credo católico; assim a historia do pecado original é falsamente explicada, sem respeito dos termos da fé (elevagáo do homem á justica orginal, queda por soberba, transmissáo aos pósteros...). É de lamentar nao somente a publicacáo de tal livro, mas também o (a¡o de que se destina ao povo simples (cuja linguagem o autor sabe reproduzir); tal povo simples é defraudado e empobrecido a novo titulo, porque até mesmo os valores supremos, que s3o os da auténtica mensagem

biblica, Ihe sao sonegados; e isto sem que tal público, simples como é,

tenna meios de se defender!

A Biblia como memoria dos pobres, por Carlos Mesters, Pablo Richard, Milton Schwantes, Alberto Antoniazzi. Colecao "Estudos Bíblicos" n? 1 — Ed. Vozes, Petrópolis, 1984, 160 X 230 mm, 66 pp. A "Revista Eclesiástica Brasileira", a partir do prlmeiro número de 1984,

está publicando, em apéndice, fascículos intitulados "Cadernos Bíblicos", que podem ser vendidos separadamente. O prlmeiro, ácima apresentado, encerra quatro artigos, que representam a Teologia da Libertacao aplicada á leitura da Biblia: os criterios sócio-económicos sao decisivos na maneira como os autores encaram o texto sagrado. De modo especial, é privilegiado o pobre, entendido como classe social. Diz, por exemplo, Pablo Richard: "Os pobres sao o autor humano da Biblia e sao eles, em última instancia, que tém a chave da sua Interpretacáo" (p. 20).

A propósito pode-se observar: sem dúvida, os pobres, se tém fé religiosa, sao freqüentemente guiados pelo Espirito Santo para intuir certas verdades da fe e interpretar passagens da Biblia; diz o Senhor que "aqueles que tém o coracao puro, ve rao a Deus" (Mt 5,8). Mas a Biblia é um livro escrito em Ifnguas antigás, assaz diferentes do portugués; supóe a geografía, a historia e a mentalidade dos homens desde o século XIX a.C. até o sáculo I d.C.

Por isto é

indispensável, para entendé-la

bem,

urna certa

iniciagao científica, a fim de que o leitor possa, através da letra do texto devidamente compreendida, perceber a mensagem teológica do mesmo. Se nño existe essa iniciagao científica, o leltor pode interpretar o texto segundo criterios subjetivos e fantasiosos, decorrentes de um fervor mal iluminado. É o que se dá, por exemplo, com os fundadores de seitas e outros cristáos, que julgam poder depreender da Biblia a data do fim do mundo, as catás trofes que o precederáo, a existencia de discos voadores, de habitantes em outros planetas e outras noticias "proféticas"... Sendo assim, retificariamos a proposigSo de Pablo Richard: aquele que tem o coracao de pobre (independentemente de classe social ou categoría cultural), tem condlcóes positivas para interpretar a Biblia; mas mesmo assim tal pobre necessita de

urna iniciagao científica (ainda que modesta)

na Biblia

(como qualquer

leitor necessita de urna iniciagao científica para ier adequadamente as obras de Luís de CamSes).

— 530 _

LIVROS KM ESTANTE

01

Os nossos Modelos e Patronos, por Arlindo Ruberl.

Santa María 1984, 156 x 227 mm, 312 pp.

— Ed. Pallotti,

O Pe. Arlindo Rubert já se tomou conhecido historiador entre nos

pelos seus dois volumes de Historia da Igrc-ja no Brasil, muito apreciados pela crítica. Acaba de publicar outra obra histórica, que versa sobre os párocos falecidos em fama de santidade desde o século IV até o século XX na Europa, no Brasil, no Uruguai..., pertenccntes principalmente ao clero diocesano (que se dedica prioritariamente ao ministerio paroquial), sem exolusáo, porém, de figuras notáveis do clero regular.

O autor aprésenla 228 heróis do trabalho paroquial: descreve sumaria mente a vida de cada um, valendo-se dos poucos ou muitos dados que a respe ito de cada qual se possam encontrar; a pos o qué propóe uma reflexao e uma oragáo. A obra se abre com algumas noticias importantes sobre a origem das paróquias, a designado dos respectivos titulares, o sentido de Beatüicacáo e Canonizagáo... O Irabalho do Pe. Arlindo Flubert resulta nao só de minucioso e paciente pesquisa ds arquivos, mas tambóm de grande amor ao ministerio sacerdotal o a S. Igreja; é precisamente este amor, iluminado pela sabedoria das coisas de Deus, que o livro em foco transmite ao leilor. E. B.

CARTA DE LEITOK

Trilogía Analítica: A Dra. Claudia Bernhardt Pacheco, Vice-Presidente da SITA (Sao Paulo) e Secretaria Geral da ISAT (Nova Iorque), escreve-nos a respeito do artigo publi cado em PR 273/1984 sobre a Trilogía Analítica. Ás pp. 172s desse fascículo, há referencias ao fundador da Trilogía, Dr. Norberto Keppe («Depoimentos oráis...), que, conforme a Dra. Claudia, nao merecem crédito, pois «Tais

afirmacoes

provavelmente foram

proferidas

por doenies

meníais graves, que, alias, abundam numa Clínica de Psicanálise, com

seus respectivos

delirios místicos. Vá qualquer um a um sanatorio psiquiátrico e ouvirá muitas historias semelhantes sem nenhum dos doentes

ter sequer ouvido

falar em

Norberto

R. Keppe ou

Trilogía

Analítica».

Registramos tais esclarccimcntos, Dra. Claudia Bernhardt Pacheco.

— 531 —

que

agradecemos

á

ERGUNTE e

Responderemos

ÍNDI-CE de

1984

ÍNDICE

1 984

(Os números a direita indicam, respectivamente, fascículo, ano de edicáo e página)

A «ABORTO. UM DIREITO DA MULHER SOBRE O SEU PRÓPRIO CORPO» (livro) .. INDIRETO TERAPÉUTICO «•A DOR SALVÍFICA» — Carta Apostólica de Joáo Paulo II «A GLORIFICACAO» — de Norberto Keppe ... ALIANCA COM DEUS E FIDELIDADE

ANÁFORA

OU

ORACAO

EUCAR1STICA:

exi

gencias litúrgicas ANJOS E DEMONIOS: existencia «A OBRA HISTÓRICA DO PE. HOORNAERT» — de Américo Jacobina Lacombe APARICOES DE MARÍA EM MEDJUGORJE (IUGOSLAVIA) ? NO BRASIL? «A POBREZA, RIQUEZA DOS POVOS» — de Albert Tévoédjré «AUTOPERFEICAO COM HATHA YOGA» — de José Hermógenes de Andrade AVINHAO E PAPADO «A VOLTA A GRANDE DISCIPLINA» — de Joáo Batista Libanio

274/1984, p. 205. 274/1984, p. 215. 274/1984, p. 214. 277/1984, p. 471. 273/1984, p. 163. 276/1984, p. 394. 274/1984, p. 193. 272/1984, p. 19. 275/1984, p. 341. 277/1984, p. 521. 273/1984, p. 144. 274/1984, p. 219. 273/1984, p. 155. 275/1984, p. 332.

277/1984, p. 509.

B BALTHASAR, H.U. von: celibato e inferno ... BOFF, CLODOVIS: «TEOLOGÍA E PRÁTICA» BOFF, LEONARDO: «ECLESIOGÉNESE» ....

276/1984, p. 436. 276/1984, p. 437.

BOM SAMARITANO HOJE

277/1984, p. 481. 276/1984, p. 368.

BOSSA, BENJAMIM: «O

DIREITO DE AMAR»

272/1984, p.

36.

c CANTOS PASTURÁIS: exigencias litúrgicas 274/1984, p. CAROLINA DE MONACO: casamento dissolvido? 276/1984, p. CAUSA COM DUPLO EFEITO: que é? 274/1984, p. CELIBATO SACERDOTAL 276/1984, p. 369 e CIRILO DE ALEXANDRIA E HIPACIA 274/1984, p. CLEMENTE DOMÍNGUEZ: antipapa 273/1984, p. CLERO E CELIBATO: dlscussao 276/1984, p. CNBB e NORDESTE

194. 434. 215. 436. 248. 134. 369.

276/1984, p. 428.

— 533 —

94

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

COMUNGAR MAIS VEZES POR DÍA COMUNHAO EUCARÍSTICA: exigencias litúrgi cas FREQÜENTE OU COTIDIANA: condicóes exigidas COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, e Eucacaristia COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, segundo

277/1984, p. 504.

CONCILIO DE TRENTO, segundo J. B. Libanio DO VATICANO II, segundo J. B. Li-

277/1984, p. 509;

J. Galea

b&nio

274/1984, p. 193; 272/1984, p.

61.

272/1984, p.

36.

272/1984, p.

73.

277/1984, p. 517.

CONFISSAO DOS PECADOS: fundamentacáo ..

273/1984, p.

36.

CONFISSAO PARA COMUNGAR INDIVIDUAL E FREQÜENTE: va lor CRIACAO OU EVOLUCAO DO MUNDO? CRISTAO E MARXISTA? CRISTIANISMO E ESCRAVIDAO CULTO EUCARÍSTICO FORA DA MISSA: nor mas «CURAS» DO DR. EDSON DE QUEIROZ

272/1984, p.

61.

275/1984, 272/1984, 276/1984, 275/1984,

p. 294. p. 18. p. 419 p. 241.

277/1984, p. 496. 273/1984, p. 150.

D DECLARACAO ECUMÉNICA SOBRE MARÍA SANT1SSIMA DEVERES E DIREITOS DE TODOS OS FIÉIS DIREITO CANÓNICO E LEIGOS «DIREITO DE AMAR» Uivro), por Benjamim Bossa DIREITOS DA MULHER E ABORTO DISPOSICOES PARA COMUNGAR DIGNA MENTE DOR SALVÍFICA: Carta de Joáo Paulo II

DIVORCIADOS E COMUNHAO EUCARÍSTICA DROGAS E PERMISSIVIDADE

273/1984, p. 272/19S4, p. 272/19S4, p.

90. 4. 2.

276/1984, p. 368. 274/1984, p. 205. 272/1984, p.

59;

276/1984, p. 366. 277/1984, p. 471.

274/1984, p. 197. 275/1984, p. 290.

E «ECLESIOGÉNESE» — Leonardo Boff ECO, UMBERTO: «O NOME DA ROSA» ECOS DE VIAGEM A INDIA — MADRE RESA DE CALCUTA

272/1984, p. 36. 275/1984, p. 330. TE

EDUCACAO SEXUAL HOJE: INTRUCAO DA SANTA SÉ EL PALMAR DE TROYA E GREGORIO XVII «EM NOME DE DEUS> — de David Yallop ESCASSEZ DO CLERO ESCRAVATURA E IGREJA ESPÓRTULAS DE MISSAS: significado ETERNIDADE, TEMPO E EVO ETIOPIA E PERSEGUICAO RELIGIOSA

— 534 —

272/1984, p.

275/1984, 273/1984, 276/1984, 276/1984, 274/1984, 273/1984, 275/1984, 272/1984,

p. p. p. p. p. p. p. p.

82.

282. 133. 398. 381. 240. 125/> 274. 76.

ÍNDICE 1984

95

EUCARISTÍA: culto devido doutrina católica quem a pode celebrar

274/1984, p. 178; 273/1984, p. 110; 272/1984, p. 28.

EUTANASIA: doutrina da Igreja EVANGELHO DO SOFRIMENTO: Carta de Joáo Paulo II EVANGELHOS: crítica dos EVO, TEMPO E ETERNIDADE EX1STENCIALISMO E FIDELIDADE

FALSIFICARES NA HISTORIA VATURA FÉ ESTÁ MUDANDO?

DA

ESCRA-

FIDELIDADE: crise de

FILÓSOFA HIPÁCIA TRUCIDADA POR SANTO? FUEUD, SIGMUND, E ANTROPOLOGÍA FRITZ, DR., E EDSON DE QUEIROZ

UM

GALEA, JOSÉ* «UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» GARDENAL, J.M. S.J.: «IMPRESSOES DA INDIA» GANDHI, MAHATMA E CONFISSAO GENITALIDADE E EDUCACAO SEXUAL «GLORIF1CAQÁO, A» de Norberto Keppe

GREGORIO XVII: antipapa

....

277/1984, p. 488.

275/1984, p. 320.

277/1984, 276/1984, 275/1984, 276/1984,

p. p. p. p.

479. 406. 274. 389.

274/1984, p. 243. 279/1984, p. 15. 276/1984, p. 387.

274/1984, p. 248. 276/1984, p. 390. 273/1984, p. 150.

272/1984, p.

66.

272/1984, p. 273/1984, p.

82. 97.

275/1984, p. 283. 273/1934, p. 163.

273/19á4, p. 137.

H HATHA YOGA: que é? HERMÚGENES: «AUTOPERFEICÁO COM HA THA YOGA* HIPÁCIA E S. CIRILO DE ALEXANDRIA HISTORICIDADE DOS EVANGELHOS HOMOSSEXUALIDADE E EDUCACAO SEXUAL HOORNAERT, E.: obra histórica HUBERTO ROHDEN E EUCARISTÍA DADOS BIOGRÁFICOS .. HUMANISMO SEGUNDO MARX

273/1984, p. 156. 273/1984, 274/1984, 276/1984, 275/1984, 275/1984, 273/1984,

p. p. p. p. p. p. 274/1984, p. 276/1984, p.

155. 248. 406. 289. 341. 108;

260. 421.

I I CHING: técnica chinesa

IGREJA COMUNHAO DE MEMBROS IGUAIS E DESIGUAIS E

CELEBRACÁO

POR LEIGO

DA

EUCARISTÍA

— 535 —

274/1984, p. 230. 272/1984, p.

3;

272/1984, p.

39;

96

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984 É ANTIFEMINISTA? ESTADO E POVO, segundo J. Galea .. E MACONARIA PONTE OU BARREIRA?

274/1984, 272/1984, 275/1984, 272/1984,

p. 209; p. 69; p. 303; p. 25.

IMPERIO E PAPADO NO SÉCULO XIV

275/1984, p. 333.

«INAESTIMABILE DONUM»: Instrucáo

277/1984, p. 488.

INFERNO VAZIO?

276/1984, p. 437.

INSTITUICAO DA EUCARISTÍA: os textos bí blicos INSTRUCAO «POSTQUAM PIUS» INVEJA, TEOMANIA E CONSCIÉNCIA, se

273/1984, p. 114. 272/1984, p. 60.

gundo N. Keppe

273/1984, p. 165.

INVERSAO E CONVERSAO, segundo N. Keppe IOGA E AUTOPERFEICAO

273/1984, p. 165. 273/1984, p. 155.

«ITERU.M^ NO CANON 917

277/1984, p. 504.

J JESÚS, DEUS VERDADEIRO O JUDAISMO E A IGREJA RESSUSCITOU VERDADEIRAMENTE . JOAO PAULO I: assassinado? JOAO PAULO II E COMUNHAO EUCARtSTICA

276/1984, p. 408. 276/1984, p. 411. 276/1984, p. 413. 276/1984, p. 398. 276/1984, p. 366.

K KEPPE, NORBERTO: «A Glorificagáo» (livro) ..

273/1984, p. 163.

L LACOMBE, A.J.: «A Obra Histórica do Padre Hoornaert» LAPPLE, ALFRED: «Nossa íé está mudando?» LEGALIZACAO DO ABORTO LEGISLACAO SOBRE O CELIBATO LEIGO E O PODER DE CELEBRAR A CEIA DO SENHOR — quem é LEIGOS NO DIREITO CANÓNICO «LEX ORANDI, LEX CREDENDI» LIBÁNIO, J.B.: «A Volta h Grande Disciplina» LIBERDADE E COMPROMISSO LIBERTACÁO. TEMA CRISTAO LITURGIA: alienado? LITURGIA:

INSTRUCAO «INAESTIMABILE DONUM» (3/04/1980) TERCEIRA INSTRUCAO (5/09/70)

«LITURGIA E LIBERTACÁO» — de Aldo Vannucchi

— 536 —

275/1984, p. 272/1984, p. 274/1984, p. 276/1984, p. 272/1984, 272/1984, 272/1984, 272/1984, 277/1984, 276/1984, 277/1984, 272/1984,

341. 15. 211. 375.

p. 37; p. 8. p. 2. p. 57. p. 509. p. 391. p. 459. p. 56.

277/1984, p.- 588. 274/1984, p. 178V)

272/1984, p.

49.

97

ÍNDICE 1984

M MACONARIA

E

IGREJA

275/1984, p. 303.

MARÍA SANTÍSSIMA: Declaragáo Ecuménica .. 273/1984, p. MARTINS, LUCIANO: «Revolucáo na Igreja?» 276/1984, p. MARXISMO E PERSEGUICÁO RELIGIOOSA .. 272/1984, p. TEOLOGÍA DA LIBERTACAO 277/1984, p. 453 e MASTURBACÁO: moralidade 275/1984, p. MATERIA DA EUCARISTÍA: normas canónicas 277/1984, p. MATERIALISMO ATEU E VISÁO CRISTA .... 276/1984, p. MATERNIUADE

VIRGINAL DE MARÍA:

ver-

dade de fé MATRIMONIO INDISSOLÜVEL E CELIBATO DISPENSAVEL MEDJUGORJE: aparicóes mañanas? MÉTODOS CIENTÍFICOS NA EXEGESE BÍ BLICA MINISTERIOS NA IGREJA MINISTRO DA EUCARISTÍA: Instrucáo da Santa Sé MISSA: normas para celebrado MISSAS e sacrificio do Calvario

PELOS DEFUNTOS

MISSIONÁRIAS DA CARIDADE MISTERIO DO SOFRIMENTO: Carta

de Joao

Paulo II MONISMO E I CHING MONTANHA SANTA E APARICÓES

272/1984, p.

90. 403. 76; 461. 289. 492. 419. 24.

273/1984, p. 203. 277/1984, p. 523. 276/1984, p. 405. 272/1984, p. 12. 272/1984, 277/1984, 273/1984, 273/1984, 272/1984,

p. 28. p. 491. p. 119. p. 130. p. 84.

277/1984, p. 487. 274/1984, p. 234. 273/1984, p. 144.

N ICEGRO E IGREJA

«NOSSA FÉ ESTA MUDANDO?» — de Lapple «NOME DA ROSA, O», de U. Eco NORDESTE E CNBB

Alíred

— de J.E. Martins Térra, S.J «O NOME DA ROSA» — romance de Umberto Eco

«OPRESSORES E OPRIMIDOS» NA LITURGIA «O QUE É O ABORTO» — por Frente Feminista ORDEM BENEDCTINA NOS SÉCULOS XIV/XV

PACIENTE TERMINAL: como tratá-lo

RELIGIOSOS

NOS

272/1984, p. 15. 275/1984, p. 330.

276/1984, p. 428.

«O DÍA SEGUINTE» — filme

PAPADO E XIV/XV

274/1984, p. 240.

SÉCULOS

— 537 —

274/1984, p. 255.

276/1984, p. 368.

274/1984, p. 240. 275/1984, p. 330.

272/1984, p. 58. 275/1984, p. 205. 275/1984, p. 336.

275/1984, p. 315. 275/1984, p. 335.

g8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 277/1984

PAPAS BISPOS E ESCRAVATURA PARAPSICOLOGÍA E «CURAS» MEDIÚNICAS PARTICIPANTES DOS SOFRIMENTOS DE

274/1984, p. 244. 273/1984, p. 150.

PASTORAL DOS DIVORCIADOS

274/1984, p. 200.

CRISTO

NA IGREJA — pronunciamentos de

277/1984, p. 477.

Bispos do Brasü PECADO ORIGINAL: exposicáo da doutrlna .. PENITENCIA E VIDA LITÚRGICA «POBRES» DA BIBLIA E «PROLETARIOS»

276/1984, p. 427. 272/1984, p. 21. 275/1984, p. 297.

POBREZA SIM, MISERIA NAO «PODE UM CRISTAO SER MARXISTA?» — de

274/1984, p. 219.

DE MARX POBRES E LIBERTACÁO

277/1984, p. 463. 277/1984, p. 443.

Urbano Zules

276/1984, p. 418.

RIA

275/1984, p. 308.

PRINCIPIOS FUNDAMENTÁIS DA MACONA-

PROLETARIADO' NO MARXISMO PROMESSA DA EUCARISTÍA

PUEBLA E POBRES

277/1984, p. 453.

273/1984, p. 111.

277/1984, p. 454.

Q «QUAL O SENTIDO REAL DA EUCARISTÍA?»

— de Huberto Ronden QUEIROZ, EDSON DE, É «CURAS»

QUEVEDO, ÓSCAR, E «CURAS»

273/1984, p. 108. 273/1984, p. 150.

273/1984, p. 152.

R RATZINGER, J. E MACONARIA E TEOLOGÍA

DA LIBERTACAO

REEDUCACAO E ACAO PREVENTIVA PARA

OS DROGADOS RELACÓES MATRIMONIÁIS E PRAZER PRÉ-MATRIMONIAIS RELIGIÁO NO MARXISMO

RENOVACAO SOCIAL SEGUNDO PUEBLA ... RESSURREICAO CORPORAL DE JESÚS DOS MORTOS LOGO APÓS A MORTE? .... REVELACOES PARTICULARES: ocorréncias .. «REVOLUCAO NA IGREJA» — artigo de Lu-

ciano Martins

RIQUEZA E POBREZA, segundo A. Tévoédjré

ROHDEN, H.: dados biográficos

questionamento da Eucaristía ...

SACERDOCIO E CELIBATO — fundamentacao

teológica

SACERDOTE E VIDA CONJUGAL

— 538 —

275/1984, p. 304;

276/1984, p. 354.

275/1984, p. 290. 276/1984, p. 435.

275/1984, p. 288.

276/1984, p. 420. 277/1984, 272/1984, 273/1984, 275/1984, 273/1984,

p. p. p. p. p.

455. 24. 154. 266. 133;

277/1984, p. 523.

<w/,o_,

276/1984, p. 403.

274/1984, p. 220.

2T4/128?> p" ?n2;

273/1984, p. 108.

'>

276/1984, p. 377.

276/1984, p. 381.

ÍNDICE 1984

99

— sinal de bens celestiais SACERDOTES ORDENADOS APÓS CASA MENTO SENTIDO DA VIDA SERVICO A IGREJA PELOS SACERDOTES .. SEXUALIDADE

276/1984, p. 378.

SUICIDIO COMO AUTOLIBERTACAO

275/1984, p. 315.

SOFRIMENTO: sentido e valor E PECADO SOLJDARIEDADE ENTRE OS POVOS SOLIDÁO E CELIBATO

276/1984, 275/1984, 276/1984, 275/1984,

273/1984, 277/1984, 274/1984, 276/1984,

p. p. p. p.

p. p. p. p.

385. 284. 377. 283.

471. 485. 277. 380.

T TEMPO, ETERNIDADE E EVO TEOLOGÍA DA LIBERTACaO: correntes princi páis

exposicao do Cardeal Ratzinger . palavra oficial da Igreja

TERCEIRA INSTRUCAO SOBRE A LITURGIA TERESA DE CALCUTA TÉRRA, P.J.E. MARTINS: «O NEGRO E A IGREJA» TÉVOÉDRJÉ, A.: «A Pobreza, Riqueza dos Povos» (livro) TRANSUBSTANCIACAO: que é? TRENTO: identidade do Concilio de TRILOGÍA ANALÍTICA: exposigáo e crítica ...

275/1984, p. 275. 277/1984, p. 445. 276/1984, p. 354. 277/1984, p. 457.

275/1984, p. 178. 272/1984, p. 82.

274/1984, p. 240. 274/1984, 273/1984, 277/1984, 273/1984,

p. p. p. p.

219. 122. 509. 163.

272/1984, p.

66.

u «UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» — de José Galea

V VATICANO II: sua identidade, segundo J. B. Li-

bánio

VERDADE NO MARXISMO VIDA

VON

276/1984, p. 423.

POSTUMA E PURGATORIO

VOCACAO AO DOM DE SI MESMO «VOLTA A GRANDE DISCIPLINA», Batita Libanio BALTHASAR,

Teología

H.U.,

Premio

277/1984, p. 512. 273/1984, p. 125.

de

Joao

Nobel

de

275/1984, p. 284. 277/1984, p. 509.

276/1984, p. 436.

Y YALLOP, DAVID: «EM NOME DE DEUS» YOGA

E AUTOPERFEICAO

276/1984, p. 398.

273/1984, p. 155.

z ZILLES, URBANO: «PODE UM CRISTAO SER MARXISTA?»

— 539 —

276/1984, p. 418.

100

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 277/1984

EDITORIAIS BEBER O CÁLICE DO SENHOR «CAMINHA E CANTA: 'ALELUIA!'» DESCOBERTA DE DEUS «NAO TENHAIS MEDO!» O SENTIDO DA VIDA

273/1984, 274/1984, 276/1984, 272/1984, 275/1984,

TEMPO PREMENTE

LIVROS

277/1984, p. 441.

APRECIADOS

AGUILAR, Miguel, A Descoberta da Fé. A Descoberta do Amor. A desooberta da Graca .. ALONSO, Artur, Reflexoes Pedagógicas — IV — Luz e Sombras no Devir do Humanismo BATTISTINI, Frei Francisco, María, nosso SIm

a Deus

BESANCON, Alain, Anatomía BETTENCOURT,

Estéváo,

Temas Controvertidos

de um Espectro

Diálogo

Ecuménico.

BOFF, Clodovis. Teología e Prática. Teología do

PoUtico e suas mediacóes

CAROTHERS,

liberta

Capeláo

Merlin

R., Loovor que

COLA, Silvano, Operarlos da Primeim Hora. Per-

fii úos Padres da Igreja

FIGUEIREDO, Fernando Antonio, Curso de Teo logía Patrística. A vida da Igreja Primitiva

(séculos I e II) GRUEN, W., Pequeño Vocabulario da Biblia ... GILBERT, Pierre, A oracao: eu a reencontrei .. KLOPPENBURG,

Eclesial

Frei

Boaventura,

Pluralismo

MESTERS, RICHARD, ANTONIAZZI, .... A Bi blia como memoria dos pobres

MOHANA, JoSo. Escolhidos de Deus MORACHO, Félix, Na Escola da Fé

OLIVEIRA, Ralíy Mendes de, Palavras de Cristo

na Cruz

ORDUÑA, R. Ricon e outros, Praxis Crista — vol I — Moral Fundamental

PLÉ, Á., Por Dever ou por Prazer? RUBERT, Arlindo, Os nossos Modelos e Patronos

SÁ, Irene Tavares de, A historia, o filirte e vocé

ou O olbo mágico

SILVA,

Joao Ubaldo

da, A Biblia nos une...

A interpretacáo nos separa

SOBRINO, Jon, Cristologia a partir da América

Xatina

SOUZA,

Marcelo

de

p. 89. p. 177. p. 353. p. 1. p. 265.

Barros,

Nossos



País

nos

contaram. Nova Leltura da Historia Sagrada VARIOS AUTORES, O Deus de Jesús Cristo ... ZEZINHO, Padre, Nos, os Católicos Romanos ..

— 540 —

275/1984, p. 348.

275/1984, p. 351.

275/1984, p. 349.

273/1984, p. 174.

275/1984, p. 352. 276/1984, p. 437.

273/1984, p. 176. 274/1984, p. 262. 275/1984, p. 349. 276/1984, p. 439. 274/1984, p. 263.

275/1984, p. 347. 277/1984, p. 530.

275/1S8Í1 P" 3™

272/1984, p.

88.

274/1984, p. 264. 276/1984, p. 440.

277/1984, p. 528. 277/1984, p. 531.

274/1984, p. 264. '

274/1984, p. 263.

275/1984, p. 346. 277/1984, p. 529. 274/1984, p. 262. 275/1984, p. 351.

ÍNDICE 1984

101

AMIGO, SE ESTA REVISTA LHE FOI ÚTIL, QUEIRA DIFUNDI-LA. LEMBRE-SE DE QUE MUITOS SEMEIHANTES SOFREM DE PROBLEMAS QUE ELES NEM SABEM EQUACIONAR POR FALTA DE DADOS

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(Cap. 1.

O catálogo bíblico.

a fé. Nao as obras? 4.

2.

Somente a Escritura?

O Primado de Pedro. 5.

3.

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Eucaristía: Sacrificio

e Sacramento, ó. A conlissáo dos pecados. 7. O purgatorio. 8. As indulgencias. 9. Maria, Virgem e MSe. 10. Jesús teve irmáos? 11. O culto dos Santos. 12. As imagens sagradas. 13. Alterado o Decá logo? 14. Sábado ou Domingo? 15. 666 (Ap 13, 18).

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