Ano Xxiii - No. 265 - Novembro/dezembro De 1982

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Projeto

PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizagáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESEISTTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a ftm de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e

Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

O universo em txpansAc descoberU do criadc

E a "Inteligencia" dot antro

"A morte de Jesús Cris cristologia de Leonardo"

"An|os

e

demonios

ría

"A nomenklatura" *

Ainda a conlissáo sacrai

Livros em estante

índice geral de 198 Ano jubilar — Nov.-Dez. -

NOV-DEZ — 1982

PEAGUNTE E RESPONDEREMOS

Publlcacao bimestral

N9

_ ANO JUBILAR — 1982

Diretor-Reaponsável:

D. Estévao Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico. Dlretor-Administrador:

D. Hlldebrando P. Martins OSB Adminislracáo e distribulcao:

Edicóes Lumen Christi Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501 Tel.:

(021) 291-7122

265

SUMARIO Um aceno ao Transcendental:

O

UNIVERSO EM EXPANSAO DESCOBERTA DO CRIADOR

E

A

422

Mais urna vez:

E

A

"INTELIGENCIA"

DOS

PÓÍDES?

ANTRO-

428

Aprofundando tema candente:

«A

Caixa postal 2666

20001 - Rio de Janeiro • RJ

MORTE

DE

JESÚS

CRISTO

CRISTOLOGIA DE LEONARDO BOFF" por Armando Bandera O.P

NA 436

Um debate completo:

"

Pagamento em cheque nominal visado ou Vale Postal (para Agencia Cen tral/Rio), enderezado as: EdigSes Lumen Christi Caixa postal 2666

20001 - Rio de Janeiro - RJ ASSINATURAS:

Renovacao de 1982 (até 31 dedezembro): ... Cr$ 1.200,00 Assinatura

nova

para

1983: (de julho de 82 a dezembro de 83): Cr$ 3.100,00

"ANJOS E DEMONIOS por diversos

NA

BIBLIA"

Um livro candente: "A LUTA DOS DEUSFS" por diversos autores

459

471

Llvro que surpreende:

"A

NOMENKLATURA"

por

Voslensky

Michaal

483

Significativo documento:

AÍNDA A CONFISSAO SACRAMENTAL LIVROS EM ESTANTE

...

433

503-504-470-482

ÍNDICE GERAL DE 1982

507

ou:

(De Janeiro a dezembro de 1963) Cr$ 2.500,00 Número avulso de 1982: Cr$ 200,00 Número avulso de 1983: Cr$ 450,00 RENOVÉ SUA ASSINATURA QUANTO ANTES

COMUNIQUE-NOS QUALQUER

MUDANCA DE ENDERECO

Composlcao e ImpressSo:

NO PRÓXIMO NÚMERO

286 — janeiro-fevereiro — 19S3 A situagáo dos anclaos hoje. Jesús: revolucionario politico. Cristianismo e Historia das Religues. O Conceito de Deus na Maconaria. Astrolog a — horóscopo. A Seicho-.\o-lé.

"Pastoral numa sociedade de coiilitos''. 'Paulo Freiré, um pedagogo''. "Filosofía da Ciencia".

"Marques-Saraiva"

Santos Rodrigues, 240 Rio de Janeiro

Com aprcvagáo eclesiástica

"TERMINEI A CARREIRA, GUARDEI A FÉ" (2Tm 4,7)

O ano vai chegando ao flm e nos incita a um retros-

pecto... Ao fazer tal revisáo em seu contexto próprio, o Apostólo escrevia: «Terminei a minha carreira, guardei a fé» (2Tm 4,7).

Guardei a fé

Estas palavras tém sentido enfático.

Significam, de certo modo, urna vitória. Com efeito, a fé é a adesáo a Deus que se revela ao homem por palavras e fei-

tos. A palavra de Deus é vida segundo o Apostólo; é porta dora de saúde espiritual... Quem percorre as epístolas pas-

torais (l/2Tm, Tt), nao pode deixar de ficar impressionado pela freqüéncia com que ocorrem a expressáo hygiahuousa didaskalía (doutrina sadia) e semelhantes (cf. lTm 1,10; 6,3; 2Tm 1,13; 4,3; Tt 1,9.13...); Sao Paulo usa a locugáo paJavra da salvado (At 13,26); Sao Joáo, palavra da vida (Uo 1,1). No tempo do Apóstola; como em outras épocas, serpea-

vam heresias, hairéseis, isto é, doutrinas seletas que mutilavam e deterioravam o patrimonio da fé; ora o Apostólo nao hesita em chamá-las gangraina, gangrena (2Tm 2,17); esta é algo de pútrido que se alastra e vai extinguindo a vida; o mesmo autor sagrado compara as heresias á doenga, nosos (lTm 6,4), á cauterizagáo da consciéntía mediante o ferro em

brasa, que se opóe a saúde e á vida (cf. lTm 4,2).

É a consciéncia do valor capital das verdades da fé que leva os cristáos a respeitá-las ciosamente. Elas vém de Deus; podem ser ilustradas pela razáo humana, embora esta nao as abarque plenamente; jamáis podem ser tratadas como verda des filosóficas, cujas únicas credenciais sao a evidencia maior ou menor com que se imponham a razáo; posso retocar a meu

modo o sistema de qualquer filósofo, pois estou igualmente credenciado pela razáo para propor-lhe meus retoques. O mesmo, porém, nao ocorre com as verdades reveladas por Deus; com

pete ao cristáo aprofundá-las, sim, todavía guardando abso luta fidelidade ao significado original. O cristáo sabe outrossim que qualquer desvio infligido a tais proposicóes nao tem conseqüéncias apenas no plano académico, mas repercute no

da vida do povo de Deus, que pode ser assim afetada por doenca e grangrena!

«Guardei a fé...» Isto quer dizer também: soube cora

josamente colocar minha razáo a servigo da palavra que as

vezes é cruz, escándalo e loucura, mas que, em última instan cia, vem a ser fator de vida e plenitude.

«Guardei a fé...» Neste fim de ano, possa a Igreja

dizé-lo em cada um dos seus fiéis! — 421 —

E.B.

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XXIII — N« 265 — Novembro-doxembrO de 1982

Um aceno ao Transcendental:

0 Universo em Expansao e a Descoberta do Criador £m sfnlese: Os estudos de astronomía e cosmología mals recentes, além de sugerir ao pesqulsador o blg-bang ou a grande explos&o como ponto de partida da historia do universo, evidenciam a existencia de duas tendencias antitéticas postas em equilibrio admlrável: 1) a entropía (segundo principio da termodinámica), conforme a qual o universo tende a um estado de inercia e de temperatura unitaria; 2) a slntropla, segundo a qual o uni verso tende á Instabilldade ou á formacfio de novas e novas estruturas num

processo de complexlficacfio crescente. Ora tal equilibrio, sabiamente dis posto entre tarcas de potencialidades enormes e abrangendo distancias "fabulosas", sup&e a existencia de urna Inteligencia Suprema, que é a Suma Sabedorla e & qual se dá o nome de DEUS. Assim mals urna vez se veri fica que "a pouca ciencia afasia de Deus e a multa ciencia leva a Deus".

Comentario: As descobertas astronómicas tém evoluído sempre mais no sentido de mostrar nao só a grandeza do uni verso, mas também a sua ordem e um certo principio de fína-

lidade que parece presidir aos fenómenos do macrocosmos. Bem

se disse; «A pouca ciencia afasta de Deus, mas a muita ciencia

leva a Deus». Com efeito; a ciencia moderna, longe de afastar de Deus e da fé, mais e mais oferece ao estudioso argumentos para crer em Deus ou para descobrir a presenga do Criador, responsável pela ordem do universo. Para testemunhar esta verdade, váo abaixo expostos alguns dados resultantes dos mais recentes estudos sobre a origem e a expansao do universo. O tema é atraente e signifi cativo, pois descortina ao estudioso novos horizontes e novas vias para chegar a descobrir a Deus. 422 —

EM EXPANSáO

1.

Á estrutura do universo

Os astrónomos tém posto em relevo, nos últimos anos,

dois aspectos fundamentáis do universo: a sua imensidade e a sua expansáo.

O corpo celeste mais próximo da Térra é a Lúa, que dista daquela pouco mais de um segundo-luz K O sol dista da Térra 400 vezes mais; a estrela mais próxima, após o sol, dista cerca

de quatro anos-luz. Passando as outras estrelas, que por todos

os lados cercam a térra, as distancias se tornam extraordina

riamente maiores. Além disto, é de notar que há estrelas de

todos os tamanhos: pequeñas, como o Sol (que é 1.300.000 vezes maior do que Térra), ou mesmo anas, ou ainda gigantes e super-gigantes, milhóes de vezes maiores do que o Sol! O sistema de estrelas em torno da Térra dispóe-se em

estrutura definida, que se chama galaxia e traz o nome espe

cífico da Via Láctea»; esta contém cerca de 200 bilhoes de estrelas eterno diámetro máximo de 100.000 anos-luz. A ga laxia em que se acha a Térra, tem forma de lentilha; apresenta um núcleo e varios bracos em espiral partindo desse núcleo. Em torno da Via Láctea, descortinam-se numerosas outras

galaxias. Os cálculos levam a crer que destas existem bilhoes, sendo que as mais distantes se acham a cerca de 15 bilhoes de anos-luz. Sabe-se, além do mais, que as próprias galaxias se agrupam em conjuntos, que podem contar desde algumas dezenas até cem mil galaxias.

Assim o estudioso se vé diante de um universo de dimen-

sóes que, de certo modo, escapam a sua imaginacáo e que lhe

deixa abertas varias interrogacóes concementes á estrutura, a origem, á evolugáo e á dinámica do macrocosmos.

1 A velocldade da luz é de 300.000 km por segundo. Donde o segundo-luz mede 300.000 km. A distancia da Térra á Lúa é de 363.000 km no perigeu e 406.000 km no apogeu.

2 Galaxia vem do grego gálax, gálaktos = leite. O nome se deve a cor branca que o conjunto de estrelas apresenta ao observador. Via Láctea vem de lac, lactls = leite em latlm.

— 423 —

4

«PERGETNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

i

Todavía o fato mais impressionante, que se tem eviden ciado cada vez melhor nos últimos cinqüenta anos, é o da

expansáo do universo. Mediante o redshift, ou o destacamento das linhas do espetro em direcáo do vermelho, chegaram os

estudiosos á conclusáo de que os colossais conjuntos de galaxias fogem de nos a velocidades muito grandes, proporcionáis as distancias dos mesaios. Registraram-se velocidades de dezenas

e de centenas de milhares de quilómetros por segundo: o record

toca ao Quaser 172,x que dista da Térra aproximadamente

17,6 bilhóes de anos-luz e que foge desta á velocidade de

272.000 km por segundo!

2.

A teoría do big-hang

Para explicar o fenómeno da expansáo do universo, foram elaboradas diversas teorías, das quais a mais verossímü é a do big-bang ou da grande explosáo.

Segundo esta hipótese, o universo, há cerca de 15 bilhóes

de anos, era urna grande esfera das dimensóes do Sol, sus pensa no vazio absoluto. Dentro desta esfera havia apenas fotónios e neutrónios (as partículas elementares da luz), com

primidos de modo tal que um litro dessa materia pesava bilhóes de toneladas e tinha a temperatura de um milhao de bilhóes de gratis2. Essa

esfera

terá

explodido

imprevistamente,

arremes-

sando no vazio a materia de que era constituida, com a velo cidade da luz, isto é, a 300.000 km por segundo.

»A palavra quasar vem de quas(l) — (stell)ar e significa um corpo celeste vl6ível ao telescopio, semelhante a estrela, mas cu]o espectro apresenta um deslocamento para o vermelho excepcionalmente grande. Sup6e-se

que os quasares estejam a grande distancia e se afastem da Térra a alias velocidades.

* Segundo a teoría do átomo primitivo, de Lsmaitre, naquele estado

Inicial hlperdenso, a materia se apresentava como urna única unldade ató mica equivalente a um transuranlo de número atómico elevadfssimo; contlnha em si, como subespócles, o plano estrutural de todos os elementos

que devlam derlvar-se desse átomo por desintegrado radioativa (cf. G. Lemaltre, L'Unlvere.

Louvaln 1950).

— 424 —

UNIVERSO EM EXPANSáO

Apenas um centesimo de segundo após essa grande explosáo, a temperatura descera a 300 bilhóes de graus; os fotónios e os neutrónios se tinham condensado em eletrónios e nucleó-

nios, dando origem a urna massa de hidrogénio incandescente, que aos poucos se foi condensando em galaxias de estrelas. No interior das estrelas, a cerca de 20 milhóes de graus, esse hidrogénio era transformado em helio, num processo de combustáo que liberava enormes quantidades de energía. Depois de certo tempo, o hidrogénio estava convertido em helio; a seguir, num complexo processo de evolucáo química, esse helio se converteu em outros elementos (oxigénio, carbono, nitrogénio, ferro...), que se encontram ñas estrelas. Alguns bilhóes de anos após a explosáo inicial, originaram-se as estrelas, os planetas, os asteroides e os satélites, que constituem nao somente o nosso sistema solar, mas também o universo inteiro.

Urna das descobertas mais interessanfces destes últimos decenios, do ponto de vista cosmológico, é aquela segundo a qual 0 espaoo é pervadido por um campo de radiagóes, que tém a temperatura de 2,7 graus absolutos (isto é, de 270 graus abaixo de zero).

Foi possível averiguar que essas radiagóes de fundo nao sao mais do que o atual residuo da radiagáo muito mais intensa e quente que devia perpassar o universo ñas suas fases iniciáis de existencia. Por efeito do processo de expansáo devido ao big-bang inicial, a radiagáo eletro-magnética originaria teve que diminuir a sua temperatura até chegar hoje, 15 bilhóes de anos depois, a urna temperatura próxima do aero absoluto. A presenca dessa radiagáo, que perpassa o universo e que é pre vista pela teoría do big-bang, poderla ser a prova mais convin cente da exatidáo de tal teoría.

Por conseguinte, a partir do seu estado inicial até hoje o universo se dilatou enormente, até atingir as dimensóes atuais em conseqüéncia da explosáo. A teoría do big-bang nos per

mite ter urna idéia unitaria da origem do universo, propug

nando que este se tenha desenvolvido a partir de urna única e simples unidade material, como se fosse um germen cujo desabrochamento assinalou o inicio do espago e do tempo. — 425 —

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

3.

A evolujoo do universo e stntropta

O estudo dos corpos celestes possibilita-nos por em evi dencia a existencia, no universo, de urna dupla evolucáo: urna, em directo do nivelamento e da homogeneizagáo das tempera turas e das energías; e outra, simultánea áquela, que provoca

a condensagáo dos fotónios e dos neutrónios originarios primeiramente em eletrónios e núcleos e, sucessivamente, em

átomos dos varios elementos químicos e ñas moléculas das varias substancias. A seguir, terá havido a aglutinacáo da poeira cósmica, oriunda do big-bang, em estrelas, planetas e satélites. Além disto, sabe-se que as estrelas tendem a agrupar-se em galaxias, constituidas por bilhóes de estrelas, e as galaxias em conjuntos aínda mais gigantescos. Até os tempos mais recentes, a ciencia admitía táo somente a existencia de urna única e incontrastada tendencia ao nivela mento e á homogeneizacáo, expressa pelo segundo principio da termodinámica, conhecido também como principio do au mento da entropía ou como principio da desorganizacáo pro-

gressiva da materia. Segundo este principio, o processo de entropía é crescente no universo, o que significa que este caminha para a desordem geral e a morte térmica.

Em nossos días, porém, verifica-se que há evolucáo ñas galaxias e ñas estruturas do universo, segundo um principio de ordem cres cente. Este continuo desenvolvimento do mais simples ao mais

complexo contradiz ao segundo principio da termodinámica e evidencia que há um paradoxo na base da atual coneepcáo tempo-entropia da ciencia.

Em conseqüéncia, o físico russo A. L Kitaigorodskij, refle-

tíndo sobre os fenómenos de ordem e desordem no mundo dos átomos, chegou á conclusáo de que devem existir na natureza duas grandes tendencias: urna, que leva á desordem, e outra,

complementar, mas igualmente fundamental, capaz de criar ordem. Esta afirmacáo pode ser, sem mais, estendida ao campo

cosmológico: os dentistas designam, como sabemos, a primeira tendencia pelo nome de «entropía», e a outra, contraria, pelo

de «sintropia»; há, pois, fenómenos entrópicos e fenómenos sintrópicos; estes últimos se desenvolvem em sentido antientrópico.

— 426 —

UNIVERSO EM EXPANSAO

As últimas pesquisas levam mesmo a dizer que, na natu

reza, nao existem fenómenos entrópicos e fenómenos sintrópicos puros, mas que em todo fenómeno há sempre duas com ponentes: urna entrópica, e a outra sintrópioa. Por conseguinte, a evolugao de um sistema macroscópico é o resultado da in fluencia de dois campos de ondas — urnas divergentes ou entrópicas (que levam ao nivelamento e á homogeneizagáo) e as outras convergentes ou sintrópicas (que provocam diferen-

ciagáo e estruturacáo). Essas duas forcas, agindo simultaneamente, comunicam ao Universo um grandioso equilibrio: enquanto certos fenómenos tendem a degradar sempre mais a materia e a energia em diregáo da inercia, outros fenómenos

tendem a comunicar á materia e á energia urna potencialidade sempre maior.

A introdugáo do conceito de sintropia como tendencia oposta á degradacáo dos processos físicos significa, para a ciencia, urna revolugáo comparável á de Galileu. Somente a sintropia permite explicar a ordem existente na natureza e a possibilidade que esta traz, de reconstituir-se com um meca

nismo que parece intrínseco á própria natureza. A sintropia ou a tendencia da natureza a ordem depende nao de elementos externos, mas de urna causalidade interna ou de urna lei im pregnada na própria natureza,... lei que tem índole finalística

ou teleológica. Ora a existencia de um principio intrínseco de organizagáo da materia, de tipo finalista, supóe a existencia de um Ser que, subtraindo-se á sucessáo das causas, esteja em condicóes de programar a ordem existente no universo: o den tista chega assim a conceber a nogáo de Deus.

É a tal conclusáo filosófica que leva a investigagáo objetiva e criteriosa dos fenómenos do macrocosmo: a existencia de Deus se torna cada vez mais perceptível ao dentista. Esse Deus emerge no horizonte do estudioso como a Suprema Inteligencia e a Suma Sabedoria testemunhada pela realidade grandiosa e

harmoniosa do mundo que cerca o homem. O presente artigo multo deve ao de Salvatore Arcldlacono: "Sintropia e cosmología" da revista "Cletua e Fede" 1982, tfi 2, pp. 29-38.

— 427 —

Mais urna vez:

E a "Inteligencia" dos Antropóides?1

Em síntese:

Tem-se apregoado a tese de que os antropóides possuem

urna linguagem comparável á do ser humano; por conseguirte, tém Inteli

gencia...; teriam entfio alma Intelectiva ou espiritual. — Ora, entre outros

estudiosos, V. Marcozzl publlcou um livro Intitulado "Todavía o homem ó diferente"

(Pero I'uomo é diverso), em que mostra, com muito acume e

dados empíricos, que a linguagem dos antropóides nSo é senfio um fenó meno de reacfies reflexas e de associagSo de imagens, sem a capacidade de exprimir definieses, nocSes de estética, arte, moral, rellgláo...; a "lin guagem" dos animáis nao recorre a gramática nem sintaxe, nao improvisa nem cria algo de novo... Varias experiencias feitas nos últimos anos tém dissuadldo os próprios pesqulsadores de admitir, nos antropóides, o uso de linguagem racional ou Inteligente. É por Isto que nSo se pode falar de "alma Intelectiva" ou "espiritual" nos antropóides.

Comentarla: Já em PR 232/1979, pp. 135-150 e 247/1980, pp. 275-281 abordamos a questáo da linguagem e, conseqüentemente, da inteligencia dos animáis ditos «antropóides>. Certas experiencias recentes, praticadas principalmente por psicólogos norte-americanos, parecem insinuar a existencia de

linguajar inteligente em tais seres vivos. Ora em 1981 foi pu blicado mais um livro sobre o assunto, da autoría do famoso biólogo e psicólogo Pe. Vittorio Marcozzi S. J., com o título «Pero I'uomo é diverso» (Rusconi, Milano, 1981, 8% 180 pp). O autor reexamina o problema, ilustrando-o com novas observacóes, muito propositadas, que passamos a expor ñas páginas seguintes.

1.

O problemo

A pesquisa do psiquismo dos animáis infra-humanos deve precaver-se contra dois extremos:

> Por "antropóides" entendemos "o grupo de simios catarrlneos do

Velho Continente, que compreende os chimpanzés, os gorilas e os orangotangos, bem como algumas especies fósseis. Sfio desprovldos de cauda e ocasionalmente bípedes" (Aurelio, Novo DIclonirio).

— 428 —

A «INTELIGENCIA» DOS ANTROP6IDES»

o do mero mecanicismo ou behaviorismo ortodoxo,

que nega qualquer manifestacáo propiciamente psíquica e tudo atribuí a reflexos ou reagóes físicas;

o do antropomorfismo, que julga haver nos animáis inferiores ao homem auténticas manifestacóes do psiquismo humano, se bem que primitivas ou infantis. Afirmam os fauto res desta tese que, entre o psiquismo animal e o humano, há apenas urna diferenca de grau (o homem nao seria mais do que um antropóide aperfeigoado); em outros termos: nao haveria no homem um principio vital ortológicamente diverso do dos animáis inferiores. Em conseqüéncia, atribuem a estes a capacidade de raciocinar, emitir conceitos, formar idéias, etc. A propósito de tal problemática podem ser feitas as 6eguintes ponderagóes.

2.

Conhecimento sensitivo e conhecimento intelectivo

É mister distinguir entre conhecimento sensitivo e conhe cimento intelectivo.

1. Oonhecimento sensitivo é o que se faz mediante os sentidos externos (visáo, audigáo, olfato, paladar, tato) e inter nos (sentido comum, memoria sensitiva, imaginacáo, estima tiva). Capta os objetos na sua qualidade de coloridos, sonoros, odoríferos, gustáveis, duros ou moles, quentes ou frios; cada qual dos sentidos externos apreende o aspecto do objeto que lhe diz respeito; esses diversos aspectos (cor, som...) sao leva dos ao cerebro, que, mediante o senso comum, faz a montagem dos mesmos e, conseqüentemente, a imagem completa do objeto apreendido. Esta é sempre concreta, individual, material, como

é esta rosa, aquele cenarlo, esse menino...

A memoria sensi

tiva se recorda deste ou daquele fato concreto; a imaginacáo concebe esta ou aquela cena possivel ou fantástica. Em suma, o conhecimento sensitivo jamáis ultrapassa os limites do indi vidual, material, concreto...

2. O conhecimento intelectivo é o que produz idéias ou conceitos abstratos e universais. Pela inteligencia deduz de diversos individuos humanos (Joáo, Mario, Catarina...), conhecidos pelos sentidos, o conceito de homem ou ser humano, conceito que se realiza em todos os individuos concretos da — 429 —

10

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

mesma especie. Mediante tal conceito abstrato apreendo a esséncia ou o essencial que existe, com modalidades concretas, nos diversos individuos. O conhecimento intelectivo concebe

objetos imateriais como sejam a justiga, a beleza, o amor..., formula difinigóes, percebe proporgóes e relagóes. Notemos que o ponto como tal nao é objeto dos sentidos, pois, de um

lado, o ponto nao tem extensáo e, de outro lado, os sentidos

só podem apreender o que é extenso.

Também a reta como

tal nao é objeto dos sentidos, pois ela nao tem espessura, ao

passo que os sentidos só podem apreender o que é espesso. Nao nos é possível imaginar um ponto sem extensáo e urna

reta sem espessura; por conseguinte, se o homem concebe a nogáo filosófica de ponto e de reta, nao o faz pelos seus senti dos, mas mediante urna faculdade que ultrapassa os sentidos e que é a inteligencia.

3. Destas proposicóes se depreende a diferenca existente entre abstracao intelectiva e abstracSo sensitiva. A abstraen© intelectiva, como dito, consiste no fato de que o intelecto, abstraindo de todos os elementos concretos, per

cebe a esséncia das coisas e reconhece que todos os objetos da

mesma especie tém a mesma esséncia, por mais diversas que

sejam as suas notas acidentais. Ao contrario, a abstracáo sensi tiva consiste em que alguém apreenda certos tragos ou peculia ridades dos objetos, esquecendo ou omitindo outros; esses tra

gos podem nao ser essenciais; formam-se assim imagens esque

máticas, que permitem urna certa generalizagáo, mas que nao Bao conceitos universais ou definigóes. Tenha-se em vista, por

exemplo, a placa que traz a silueta de um homem, colocada á porta de certos ambientes para indicar que sao reservados aos

homens; significa «todo e qualquer homem (branco ou preto,

gordo ou magro, jovem ou velho...)», mas de modo nenhum indica qual é a esséncia ou o constitutivo intrínseco e funda mental do ser humano; essa placa indica «todos os homens>, mas nao define o homem; só a inteligencia concebe definigSes. Análogamente, a imagem de um cigarro atravessado por barra

vermelha que se encontra em recintos de nao fumantes, aplica-se a qualquer cigarro, a charuto, a cachimbo..., mas está longe de significar a esséncia do fumo ou o que constituí propriamente o fumo. — Notemos que a imagem esquemática é sempre a de um corpo estenso e material; esta imagem é do dominio da sensibilidade, nao do plano da intelectualidade. A

imagem esquemática permite ao animal reconhecer que um — 430 —

a «::INTELIGÉJJCIA>

DOS ANTROPÓIDES»

11

objeto, visto em determinado momento, é igual ou semelhante

a outros objetos vistos em outras ocasióes, mas nao permite perceber em que consista o essencial de tais imagens.

4.

Detenhamo-nos um pouco mais sobre o concertó de

inteligencia.

Esta é a faculdade de equacionar problemas e resolvé-los, apreendendo o cerne (ou a linha central, essencial) de urna

dificuldade, as vezes dissimulado sob elementos diversos, que

parecem mais importantes, mas que nao sao essenciais.

De

• modo especial, a inteligencia é a faculdade de escolher os meios adequados para chegar a um fim intencionado. A inteligencia,

baseada sobre conceitos ou sobre a percepcáo da essencia das coisas, formula

juízos, atribuindo predicados a um sujeito; por exemplo, todo homem é mortal; silogismos ou raciocinios, deduzindo, de certas propo-

sicóes universais, conclusóes particulares; por exemplo, todo homem é mortal; ora Sócrates é homem; por conseguirte, Sócrates é mortal.

Mais: a inteligencia, .ao escolher meios para seus fins,

conhece os meios como meios, os fins como fins e as propor-

cóes ou o relacionamento existente entre tais meios e tais fins. Nos animáis nao existe tal faculdade. A chamada «inteli

gencia» dos animáis é urna faculdade sensitiva mediante a qual adaptam tal ou tal instrumento á consecucáo de tal ou tal

objetivo concreto, sem reconhecer os meios como meios e sem intencionar os fins como fins. Se o animal parece agir inteli gentemente (por exemplo, tecendo a sua teia de aranha ou abrindo galenas subterráneas ou construindo um favo de mel...), ele nao é sujeito de inteligencia; o seu «agir inteli gente» lhe parece incutido por outro Ser, que é realmente inte ligente e que lhe comunicou o instinto (cegó) de agir deste ou daquele modo para atingir este ou aquele fim, sem que o animal saiba dimensionar todo o alcance de sua agáo. A prova disto é que o animal nao é capaz de rever sua atividade, de melhorá-la, progredindo, ou de corrigi-la quando viciada por um elemento heterogéneo (a abelha continua a derramar mel em seu favo, mesmo quando este se acha furado). — 431 —

j¿

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 265/1982

5.

A propósito sao dignas de especial mengáo as duas

seguintes experiencias:

— O animal pode escolher urna coisa induzido pela cor respectiva, abstraindo da forma dessa coisa, ou vice-versa, mas nao chega á idéia de forma ou de cor como tais. Com efeito,

os pesquisadores K. J. Hayes e C. H. Bissen conseguiram ensinar o chimpanzé Viki a escolher um objeto na base da respec tiva cor, entre muitos outros de cores diferentes, mas de forma igual. Verificaram, porém, que, quando as cores e as formas

variavam simultáneamente, o animal nao conseguía escolher movido únicamente pela percepeáo da cor: deram, por exem-

plo, a Viki, como referencial ou como amostra, um objeto que

tinna a forma de um quadrado vermelho; depois puseram esse

objeto em meio a outros que tinham respectivamente a forma de um triángulo vermelho, triángulo verde e cubo verde; seria de esperar que, ao escolher entre tantos, o animal optasse pelo triángulo vermelho, pois tinha a cor vermelha em comum com o modelo apresentado. Todavía o chimpanzé jamáis conseguiu fazer isto. Donde se depreende que o animal distingue as cores, mas nao tem a idéia. ou o conceito de cor. Verificou-se também que os animáis podem ser treinados para escolher, entre dois objetos a eles apresentados, sempre o maior ou sempre o menor, mas nao tém a idéia de «maior» ou «menor». — A segunda experiencia refere-se ao liame existente entre tima ordem (preceito) dada e a atividade daí decorrente

ou o objeto correlacionado com essa ordem.

Os animáis con-

seguem aprender a executar muitas ordens, mas nao com-

preendem o significado das palavras que ouvem; associam o som ao objeto ou á atividade indicada pelo som, principalmente se está presente a pessoa que pronuncia as palavras, mas nao entendem o sentido dos vocábulos que lhes sao ditos.

A propósito, o psicólogo F. J.J. Buytendijk realizou a

seguinte experiencia: treinou um cao para executar as ordens correspondentes as palavras «Pula!», «Para cima!>, «Para baixo!»... O animal seguru fielmente as instrugóes enquanto o treinador Ihe esteve presente; todavía, quando este se trans-

feriu para urna sala contigua e comegou a dar suas ordens por alto-falantes, o cao deixou de se mover. Donde a conclusáo de Buytendijk: «É certo que no animal nao há nem palavra nem compreensáo. O animal fica preso no seu mundo» (citado por Marcozzi, obra mencionada, p. 40). Isto quer dizer: o animal nao ultrapassa a percepeáo das imagens sensitivas; reconhece — 432 —

A «INTELIGENCIA» DOS ANTROP6IDES»

13

a figura do dono que lhe fala com certos sinais, mas, desde que a imagem complexa «dono e palavras» se esfacele, cedendo ao principal, que sao as palavras portadoras de significado inteligente, o animal nao alcanca a mensagem; por isto também o animal nao fala nem pode falar (tornaremos ao assunto sob o subtitulo seguinte).

6.

Em vista dos fatos descritos, há quem distinga entre

mero sinal e símbolo.

O mero sinal ocorre quando a associac.áo entre o sinal e a coisa ou a atividade se deve táo somente as faculdades sen sitivas; por exemplo, um toque de campainha pode ser asso-

ciado, pela memoria sensitiva, á alimentacjio; por isto, o ani

mal irracional, ao ouvir o som de urna campainha, pode ensa livar a boca, embora a alimentagáo nao passe pelo ouvido nem seja de ordem auditiva; é meramente extrínseca a associacáo entre o sinal e o objeto assinalado, no caso; o toque de cam painha poderia ser, sem mais, substituido pela apresentagáo, ao animal, de um paño verde ou branco..., ou por urna rajada

de vento ou por urna onda de perfume...

O símbolo ocorre quando o sujeito percebe que o sinal significa urna coisa ou urna atividade, ou seja, quando compreende que há um nexo intrínseco entre o sinal e o assina lado ou ainda quando entende que o sinal de certo modo se identifica com o assinalado. Essa percepeáo ocorre na linguagem humana: quem ouve a palavra «pab, sabe que ela foi proferida para transmitir um conceito e que há outros modos de expressar esse mesmo conceito (posso dizer «father, Vater, pere, padre...»).

Ora as ordens que um animal recebe, sao, para ele, sinais e nao símbolos.

3.

A «linguagem» dos animáis

Sabe-se que nos últimos anos alguns pesquisadores tenta-

ram ensinar urna linguagem aos animáis. Assim, por exemplo, o casal Hayes ensinou ao chimpanzé Viki a linguagem vocal inglesa; o casal Gardner transmitiu á fémea de chimpanzé Washoe a linguagem mais simples dos mudos (nao a que asso-

cia a cada gesto urna letra ou urna palavra, mas a que associa diretamente a cada gesto urna coisa ou urna atividade); o casal — 433 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Premack ensinou á chimpanzé fémea Sarah urna linguagem visual (que consistía numa especie de grafía gravada sobre placas finas de plástico, com formas, cores e tamanhos diver sos) ; e aínda os psicólogos D. M. Rambaugh e T. V. Gilí ensinaram á maoaquinha Lana urna variante da linguagem visual. Em conseqüéncia, tem-se proclamado que os antropóides podem falar e, na realidade, falam como os homens, embora rudimentarmente.

Estas conclusóes sugerem a seguinte ponderagáo: é pre ciso distinguir entre «usar sinais para indicar as coisas» e «compreender o significado dos sinais». O uso de sinais para indicar as coisas é urna forma de comunioagáo, mas nem toda comunicagáo é linguagem propriamente dita. A linguagem 6upóe a compreensáo dos sinais como símbolos e o recurso a um mínimo de gramática e sintaxe. Além disto, a linguagem

tem certo poder criativo, improvisador e inovador; ela nao se

limita a associar tais e tais sons e tais e tais objetos entre si; quem realmente fala, é capaz de se libertar dos sons do seu

vocabulario para perceber o que é, em sua esséncia, cada objeto que ele assim designa e, a seguir, traduzir os mesmos concei-

tos para outros vocabularios ou outras línguas. Ora quem exa

mina as provas de linguagem do chimpanzé e de outros ani máis, verifica que estas se explicam bem pela simples associacáo

de sinais concretos com tais e tais objetos concretos; nao há

evidencia de que recorram á gramática e á sintaxe.

Na base de tais ponderac.5es, alguns dentistas mesmos já estáo procedendo a certa autocrítica. Assim, por exemplo,

H. S. Terrace, professor de Psicología na Columbia University de Nova Iorque, no inído de urna serie de experiencias, estava convencido de que podía atribuir aos animáis a capacidade de

usar linguagem humana; ao continuar, porém, as suas pesqui sas, chegou a conclusáo oposta: foi impressionado pelo fato de

que, embora se aumentasse o número de sinais recorrentes numa «frase» de animal, o conteúdo significante da frase nao

se ampliava; muitos dos sinais usados eram repetidos e supérfluos. Além disto, observando atentamente os filmes das expe

riencias realizadas, verifícou que muitas vezes o treinador, sem ter consciéncia do fato, sugería, com seu comportamento, a resposta que o animal devia dar. — Também Rumbaugh che— 434 —

A «INTELIGENCIA» DOS ANTROP6IDES>

15

gou a conclusáo negativa: «As nossas prospectivas referentes ao uso de símbolos da parte dos animáis foram grandemente alteradas, e o nosso modo de ver atual está em contradigáo com o inicial» (citado por Marcozzi, obra mencionada, p. 152). Também se evidenciou que as fémeas de macaco, uma vez treinadas, nao ensinam aos filhotes a «linguagem» que aprenderam, e entre si se comunicam mediante gestos espontáneos e nao mediante os que aprenderam.

4.

Conclusáo

O resultado das pesquisas e ponderacóes referentes á «lin

guagem» doá animáis infra-humanos evidencia que entre o ser humano e os chamados antropóides há uma diferenga nao ape

nas de grau dentro da mesma especie, mas uma diferenca bem maior. Conseqüentemente nao se dá uma transigáo gradativa do antropóide para p homem. Pode-se admitir, sim, que o corpo dos antropóides tenha evoluído até chegar á configuragáo típica do homem, mas o principio vital que anima o corpo do homem nao é o principio vital aperfeigoado de um simio; é, ao contrario, algo de específicamente novo, espi ritual e nao material. Com efeito; o principio vital do homem é capaz de desempenhar fungóes que ultrapassam o alcance da materia, como sejam a de conceber idéias, emitir juízos, formular raciocinios, refletir sobre si mesmo (tomando cons-

ciencia de si), ter o senso dos valores moráis, conceber nogóes

e teorías de estética, produzir artefatos ou obras de arte... Mais: só o homem é consciente de que deve morrer e, ao enfren tar a morte, sepulta os seus semelhantes como se acreditasse que eles continuam a viver; só o homem é capaz de se elevar ao Invisivel e Transcendental, cultivando o seu senso religioso

congénito... Mais ainda: só o homem possui linguagem sim bólica, com suas regras de gramática e de sintaxe, que lhe permitem exprimir tudo o que quer...

Donde se vé que nao

se pode atribuir aos antropóides auténtica linguagem inteli gente ou um falar comparável ao do homem; falta-lhes a alma espiritual, que caracteriza táo somente o homem. A propósito ver:

Piersandro Vanzan, "Petó l'uomo é diverso" em "La

CMH» Catlollca", 19/06/82. n"? 3168. pp. 166-169.

— 435 —

Aprofimdando tema candente:

"A Morte de Jesús Cristo

na (ristolosia de Leonardo Boff"

Em sfniese: O estudo de A. Bandera O.P. aquí publicado considera a tese de L. Boff segundo a qual Cristo ignorava o desfecho da sua mlssio pública e, por Isto, foi dolorosamente surpreendido quando viu que termi narla pregado & Cruz, sem que o Pai o libertasse do patíbulo. Esta aflrmacSo, Já em si grave e contraria á constante doutrina da Igreja, implica

aínda que Jesús nao Instituiu a Eucaristía como sacrificio-sacramento, mas apenas como cela escatológica.

Argüido a respeito pela S. Congregacfio para a Doutrina da Fe em Roma, L Boff procura concillar sua posicfio com a doutrina da Igreja, mas nao o consegue; parece querer dizer..., mas nao diz..., porque se prende a principios do protestantismo liberal germánico (que nada tém a ver com a teología do povo simples da América Latina). A. Bandera mostra nao somente as incongruencias e amblgQIdades da

Cristoiogia de L. Boff, mas evidencia os preconceltos do autor, que absolutlza certos postulados filosóficos e metodológicos e, por Isto, nfio leva em conta muitos textos da S. Escritura, que contrariam a sua tese; um bom conhecedor da Bfblia e da Tradicio crista nao se deixa impresstonar pelos dlzeres de Fr. Leonardo, porque percebe quanto sao unilaterals e preconcebidos. Trazer Isto á baila é oferecer ao público material para a reflexfio.

Se o leitor nSo se puder dedicar á leitura do artigo por inteiro, quelra ler ao menos as pp. 439s. 443.446-458.

Comentario: As obras de Frei Leonardo Boff, que tém despertado o interesse da opiniáo pública, sao comentadas nao

só no Brasil, mas também no estrangeiro. Em PR 246/1980,

pp. 242-251 e 260/1982, pp. 15-26, publicamos respectivamente urna recensáo do Pe. Leroy O.P. e outra do Pe. Perego, que

apontam fainas teológicas ou mesmo graves erros doutrinários nos escritos desse autor. Neste número de PR julgamos

ser nosso dever dar a lume mais um estudo referente á teología de L. Boff. É licito discordar e propor sentengas contrarias ás de determinado autor, desde que nao se lhe fagam injurias — 436 —

MORTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

17

pessoais; o amor aos irmáos nao é tesado, mas, ao contrario, enriquecido, pela busca da verdade. Faz-se mesmo necessário

que haja diálogo teológico, em vez de monólogo no qual somente urna ala extremada tenha o direito de falar. O estudo que vai publicado a seguir, é da autoría do Pe. Armando Bandera O.P., outrora professor de Teología na Universidade Angelicum de Roma.

Corresponde a urna con

ferencia proferida por este teólogo no m Simposio Interna cional de Teología realizado em Pamplona (Espanha), no mes de abril de 1981; foi traduzido do original castelhano, que tem por título «La muerte de Jesucristo en la Cristologia de Leo nardo Boff» e que faz parte das atas do referido Simpósip devidamente publicadas pela Universidade de Navarra. s O artigo em pauta é longo, em parte porque transcreve

freqüentemente passagens de L. Boff. Se o leitor nao o puder

percorrer por inteiro, queira ao menos deter-se ñas pp. 439s.

443.446-458.

«A MORTE DE JESÚS CRISTO...» por A. Bandera O.P.

A morte de Cristo é um dos temas capitais do Novo Testamento. Os cristños de todos os témpos consideraram este acontecimento, humanamente trágico e desconcertante, como parte central do inson-

dávei e infinitamente misericordioso designio pelo qual o Pai quís

reconciliar consigo a humanidade pecadora para converter os que

eram seus inimigos, em filhos adotivos; estes conseguem a filiacáo divina gracas ao dom do Espirito Santo, que Ihes é comunicado como fruto supremo daquela obra de reconciliacáo e, ao mesmo tempo,

como mestre e guia que os conduza até a «plena compreensao do

conteúdo da«mesma.

A fé do povo cristáo em relacáo á morte de Cristo, tal como nos é conhedda pelo Novo Testamento, está muito bem expressa no resumo seguinte:

«Cristo, para libertar-nos da morte, quis primeiramente fazer sua a nossa condigno mortal. Sua morte nao foi um acídente. Anun-

ciou-a aos discípulos para precaver o escándalo dos mesmos (Me 8,31; 9 31« 10,34,- Jo 12,33; 18,32); dese¡ou-a como o balismo que o sub-

m'ergiria ñas aguas infernáis (Le 12,50; Me 10,38; cf. SI 18,5). — 437 —

18

«PERGÜNTE E RESPÓP?DEREMOS> 265/1982

,

Estremeceu diante déla {Jo 12,27; 13,21; Me 14,33), como estre

mecerá diante do sepulcro de Lázaro (Jo 11,33-38); suplicou o Pai,

que o podía preservar da morte (Hb 5,7; Le 22,42; Jo 12,27); n5o obstante, aceitou finalmente esse cálice de amargura (Me 10,38; 14,30; Jo 18,11). Para fazer a vontade do Pai (Me 14,36), foi obediente até a morte (Fl 2,8). Pois Ele devia cumprir as Escrituras (Mt 26,54). Nao era Ele mesmo o servo anunciado por Isaías, o.

¡usto posto na categoria dos malvados (Le 22,37, cf. Is 53,12)?» * Creio que o resumo transcrito recolhe muito bem as idéias fun

damentáis.

Cristo, desde o principio, aceita voluntariamente a morte

para cumprir a vontade ou o designio do Pai. Este havia comecado a revelar-se «ñas Escrituras», isto é, no Antigo Testamento, parti cularmente através da figura do Servidor padecente do qual falo Isaías.

Só faltou aos profetas descrever os frutos dessa morte, tema

que o texto transcrito desenvolve. O ponto realmente central con siste em reconhecer que a morte nao foi um acídente ou urna simples tragedia humana, mas o cumprimento de um designio salvífíco, ao

qual Cristo se consagrou desde o inicio da sua vida com plena líber-

dade e clara consciéncia do termo para onde caminhava-

Todavía este é precisamente o tema que agora entra em con

troversia. Cristo, que veio ao mundo com o fim preciso de executar o plano salvífico concebido pelo Pai desde toda a eternídade, viveu na ignorancia do modo como havia de cumpri-lo? Nao sabia que havia de morrer até que, na realidade, o procurador romano o con-

denou ao suplicio da cruz? Ou... até que se viu pregado nela, esperando, para libertar-se desta, urna intervencáo do Pai no último instante, intervencáo que nao chegou a efetivar-se? Eis o problema. Trata-se de um problema que a historia da teología nunca tinha considerado, mas que se aprésente com nítido relevo no pensamento de alguns teólogos contemporáneos. Desejo deter-me concretamente

em Leonardo Boff. Todavia convirá levar em conta que as chamadas

Teología política, Teología da revoluefio, Teología da libertacáo e

oulras similares professam neste particular idéias muito parecidas2,

se bem que, a meu ver, menos pensadas e documentadas que as de

iX. Léon-Dufour, Vocabulario de verbete "Morte", col. 622.

Teología Bíblica.

Petrópolis

1972,

2Cf. A. Bandera, La Iglesia ante el proceso de la liberación (Madrid 1975). pp. 69-73. 136-139; R. Vekemans, Teología de la liberación y cristia nos por el ■oclallsmo (Bogotá 1976) pp. 100-112. 132-183: ñas últimas pági

nas o autor anallsa particularmente "a debilidade da argumentado bíblica" usada por estas teologías.

— 438 —

MORTE DE .CRISTO SEGUNDO L- BOFF

19

Leonardo Boff; este, por seu lado, no tocante á morle de Jesús... também nao oferece um estudo bíblico que possa ser apresentado como modelo; ao contrario falaremos da sua manifestó insufi ciencia ...

Quando Boff enuncia a sua intencao, fá-la consistir em elaborar urna teología, e particularmente urna cristologia, que fale vital e existencialmente ao homem latino-americano. Depois, porém, e de modo estranho, segué um caminho pelo qual transitam quase únicamente teólogos europeus, dos quais fres quartas partes, mais ou menos, sao

alemáes*. E, entre estes, s5o numerosos e freqüentemente citados s o próprlo Leonardo Boff está consciente do problema que esta posl-

cfio Ihe suscita e trata de dar urna explicacfio, que nfio parece chegar ao esclareclmento desojado.

"Com nossos olhos, diz, vemos a figura de Cristo e rolemos os textos

sagrados que falam dele e a partir dele. Donde a Cristologia pensada e

ensalada vitalmente na América Latina deve Irremedlavelmente adotar carac

terísticas próprlas. O leitor atento as encontrará ao longo deste llvro. A bibliografía, preferentemente estrangeira, que citaremos, nSo nos deve enga ñar. Com nossas preocupares, que sao somonte nossas e de nosso con

texto sul-americano, vamos reler nSo só os antigos textos do Novo Testa mento, mas também os mais recentes comentarlos escritos na Europa. Os dados serfio situados dentro de outras coordenadas e serSo projetados den tro de um horizonte próprio. Nosso céu possul outras estrelas, que formam

outras figuras do zodiaco, com as quals nos orientaremos na aventura da fé e da vida" (L. Boff, Jesucristo, el Liberador. Bogotá 1977, pp. 62s). Por consegulnte, Boff tem em mira expressar "as características pró prlas" de urna Cristologia elaborada na América Latina...

Que é que carac

teriza a Cristologia latino-americana e a distingue de todas as demals?

Boff... aprésenla cinco notas distintivas, a saber: prlmazia do elemento antropológico sobre o ecleslológlco, do utópico sobre o tactual, do critico sobre o dogmático, do social sobre o pessoal, da ortopraxls sobre a orto

doxia (cf. pp. 63-65). Todavía é verdade que a Cristologia que ho]e se

escreve, aprésenla estas características ou qualidades especificadas por Boff? Há muitos escritos europeus que Boff cita e segué dócilmente, nos quais abunda a crítica, a mesma que ele "batlza" como latino-americana. E quals sSo as preocupacOes, as angustiosas perguntas para as quals o hornera, latino-americano procura resposta na Cristologia? Boff enumera urna longa serle:

"... Por que o homem nfio consegue ser feliz?

Por que nfio pode

amar? Por que se encontra dividido em si mesmo, atormentado por pergun

tas referentes ao flm da vida? Todos os animáis tém seu habitat no mundo, mas o homem está á procura do seu verdadelro lugar. Por que exlstem a

separacfio, a dor e a morte? Por que nfio se consegue urna relacfio fra terna entre os homens e, em lugar déla, há legallsmo e escravldfio?... Quem trará a paz? A salvacfio? A reconcillacSo com todos?" (p. 70). Que dizer dlante desta exposlcfio? Trata-se de preocupacOes e de InterrogacQes específicamente latino-americanas? Ou sfio talvez universalmente humanas? Os texto» de Boff estfio at. Cada qual pode ]utgar por el mesmo.

— 439 —

20

«FERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

autores protestantes, que aplicam de maneira bastante radical os métodos da historia das formas e outros análogos; estes, mais de urna vez, sao utilizados nao precisamente a servico do texto bíblico, mas

para impor a «pré-compreensao» filosófica etn que se baseiam, mesmo

que seja necessário violentar o sentido evidente do texto. Boff mesmo reconhece que «nosso estudo... tem presente o método da historia das formas. As vezes tomamos decisóes de ordem teológica baseadas numa reflexáo critica inspirada nesse método.

Outras vezes interpre

tamos vm texto como nao ¡esuanico0' (especialmente no que se refere aos títulos de Jesús) mesmo que a tradicao comum, sem preocupacoes críticas, o tivesse sempre interpretado como proveniente diretamente de Jesús» (p. 55) *. Boff nao somente nega que Jesús tenha dado a si um só dos títulos que Ihe sao atribuidos no Novo Testamento, mas também supóe que nao tinha consciéncia de que se referissem a Ele textos utilizados já no Antigo Testamento para anunciar o Messias. Sobre o título de Servidor, táo importante em Isaías, Servidor que deve padecer e morrer pelos pecados do povo, Jesús nao terá tido a menor idéia; nunca se terá considerado como tal, nem haverá organizado a sua vida com vistas ao cum primento da antiga profecía.

A consciéncia de Jesús Boff oferece muí poucas possibilidades de fazer algo que se

pareca com urna reconstrucáo da consciéncia de JesúsB. Os Evangelhos, diz ele, nascem «dentro de mentalidade profundamente diversa da nossa, precientifica, mítica e aerifica» (p. 53). Quanto ao seu conteúdo, diz que os Evangelhos falam «pouco de Jesús his tórico, tal como foi e viveu, mas muito sobre a reacao de fé dos

asisto é, ... como n§o proveniente dos labios de Jesús (Nota do tradutor).

«L. Boff, Jesucristo, el Liberador, p. 55. Grifo meu. Doravante as cltacSes desta obra serSo Incluidas no texto, indicando a página.

<s Sobre o tema da consciéncia de Cristo, tal como pode ser conhecido através do Novo Testamento, cf. K. Adam, O Cristo da nossa (é; J. Galot, La consclence du Christ (Gembloux-Paris 1971). Especial vía de pene trado na consciencla de Jeaus é ofereclda pelos títulos que se Ihe atrlbuem no Novo Testamento; a respelto veja-se L. Sabourln, Los nombres y (Rulos de Cristo' (Salamanca 1965).

— 440 —

MORTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

21

primeiroj cristáos, que refletem sobre as palavras de Cristo confron tando-as com as situacóes vitáis do seu meio ambiente» (p. 54). «Os Evangelhos nao sao apenas livros sobre Jesús, mas muito mais

livros que apresentam as tradicoes e o desenvolvimento dogmático da Igreja primitiva» (p. 55). «A Tradicao da comunidade primitiva

conservou de Jesús apenas o que tinha algum significado para a fé

e a vida da respectiva comunidade...

Jesús, sua historia e sua men-

sagem se amalgamaram radicalmente com a historia da fé e dos homens» (p. 57).

Para resumir tudo numa breve sentenca, «podemos dizer que os

Evangelhos atuais representam a cristalizacáo da dogmática da Igreja primitiva» (p. 54). Por conseguirle, sao como que urna elaboracáo teológica organizada em torno da pessoa de alguém que se chamou Jesús de Nazaré. Semelhante afirmacáo parece exigir a total renuncia a qualquer intencáo de penetrar na intimidade de Jesús. Boff, porém, apesar de tudo nao se rende ao que parece ser evidente; na realidade, ele se esforca por tirar o véu do misterio que envolve a pessoa de Cristo ou, melhor, a consciénda que Ele tinha de s¡ mesmo e con

forme a qual Ele orientava o cumprimento de sua missáo. Para além

da comunidade primitiva, que nos falou nao tanto de Jesús quanto da sua fé em Jesús, que pensava Jesús a respeito de Si mesmo e como entendió a sua missáo no mundo?

Jesús se entende sempre em funcao do Pai, como um enviado deste, que está no mundo para instaurar o reino, reino do Pai. Isto implica que Ele tinha consciénda da sua filiacáo. Todavía nunca atribuiu a si o título de Filho de Deus. «Cremos — diz Boff referindo-se a Jesús — que a sua profunda experiencia do Pai e da sua corres

pondente filiacáo constituía o fundamento, da consdénda de Jesús, de ser o enviado e o instaurador do reino de Deus. Para exprimir esta experiencia religiosa, Jesús nao usou o título de Filho de Deus... A inlimidade com o Pai o autorizava a falar e agir em lugar de Deus» (p. 159). Portanto, sem se chamar Filho de Deus, Jesús tinha cons

ciénda de o ser e de ter sido enviado pelo Pai para instaurar o

reino e, conseqüentemente, para realizar todas as obras ñas quais se manífestam a chegada e a presenca deste reino entre os homens. A propósito do conteúdo da consciénda de filiacáo que Jesús tinha, Boff nao se exprime com clareza. Mas, no momento, podemos pres cindir deste tema, registrando o dado, ou seja, que Jesús se reconheda como Filho de Deus.

A missáo de Jesús se concentrava toda no anuncio e na instauracáo do reino, a ponto que a sua consciéncia estova totalmente dominada pela nocáo desse reino. Boff faz notar que, das 122 vezes

— 441 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

que os Evangelhos usam a expressao reino dos céus, 90 devem ser atribuidas a Jesús mesmo (p. 71). Nao sei se tal afirmacao é coerente com a idéia de que os Evangelhos falam nao tanto sobre Jesús quanto sobre a fé própria da comunidade primitiva e que, por isto, devem ser considerados como «cristalizacao» da «dogmática» professada por aquela comunidade a partir do ano 70 aproximadamente. Todavía, coerente ou nao, a afirmado está no livro de Boff e serve para por em relevo que o reino tem indiscutível primazia na vida e no ministerio de Jesús.

A ¡minéncia do reino «Jesús se moveu dentro do horizonte escatológico... da teo logía daquele tempo, que conhecemos mediante a recente descoberta dos textos apocalípticos» 6. ... Jesús respira a atmosfera apocalíptica do seu tempo, «mas

difere profundamente déla» (p. 75). A sua pregacao se distancia «das expectativas messidnicas do seu tempo. Cristo ¡amáis alimenta o

nacionalismo ¡udaico; nao diz urna palavra de rebeliáo contra os romanos, nem faz alusao á restauracao do reí davídico, mesmo que

o povo assim o saúde por ocasiao da sua entrada em Jerusalém» íp. 77).

Nao obstante, respeitando em tudo a natureza estritamente salvífica da sua mensagem, Jesús vivia no seio de urna sociedade agu-

cada pelas expectativas apocalípticas e participava délas. «O messianísmo e as categorías de expressao do apocalíptica foram meíos adequados para que Jesús comunicasse a sua mensagem liberta dora ... Somente afravés dessa linguagem Cristo podia fazer-se compreender por seus ouvintes, que 'estavam em ansiosa expectativa'. Ele participou dos desejos fundamentáis do coracáo humano referente a libertacao e nova criacáo. Essa esperanca, expressa em estranha

linguagem apocalíptica, foi o veículo de maior revelacao de Deus no

mundo» (p. 77).

Contudo Boff jutga que Jesús sofreu realmente a tentacao do messianismo político. Este messianismo — diz ele — «a julgar pelas tentacóes de Jesús narradas nos Sinóticos, constituiu para Cristo urna

real tentacao. Já faz tempo que os exegetas vém interpretando a tentacao como urna experiencia espiritual de Jesús posta em forma parabólica (mashal) para a instrucáo dos Apostólos. Cristo superou «L Boff, La condénela de Jesúa. Declarares á revista Vida Nueva, de 9/02/60, p. 24.

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morte de cristo segundo l. bofp

23

as tentacóes do messianismo político, que ent seu tempo se manifestava sob tres correntes» (p. 78), «s quais — acrescenta — corres-

respondem exatamente a cada urna das tentacóes relatadas pelos evangelistas.

.

A consáénáa escaíológica de Jesús, a sua persuasao de que a

irrupcáo definitiva do reino era ¡mínente, manifesta-se com toda a clareza na última ceia. Com efeito; Jesús diz que já nao celebrará a ceia pascal «até que se cumpra no reino de Deus. E, tomando o cálice, deu gracas e disse: Tomai e disfribui-o entre vos, porque vos digo que doravante nao beberé! do fruto xia vinha até que chegue o reino de Deus'» (Le 22,10-18). Segundo este texto de S. Lucas — diz Boff — a última ceia tem caráter escatológico. Seria a antecipacáo da festa do reino de Deus, que Cristo quis celebrar com seus amigos mais íntimos, antes que irrompesse a nova ordem» (p. 127). «Em meu livro — diz tombém — analiso o texto de Le 22, onde Jesús diz que nao tornará a comer outra Páscoa até .que venha o reino de Deus, e nao beberá de outra taca até que venha... A

¡mpressáo que a leitura deste texto comunica, é que, para Ele, o reino já estava para irromper.

O grande símbolo do reino é a ceia esca-

tológica» 7.

Caso se admita que Jesús vivia nesta consciéncia e que a sua disposicáo de ánimo era realmente a que Boff descreve nos textos citados, entao é evidente efue Jesús nao previa sua morte e que, por

isto mesmo, nao se ¡molou como vítima voluntaría de um sacrificio. Na suposicáo de Boff, nao é Jesús quem se encaminha para a morte

a fim de vence-la e acolher todos os homens na sua vitaría; ao con trario, será preciso dizer que a morte se abate sobre Ele e o arre bata, precisamente quando Ele pensava na ¡rrupcáo iminente e defi nitiva do reino escafoló.gico.

Contudo as coisas ditas assim tño claramente podem parecer estridentes. Por isto Boff trata de amortecer o impacto produzido por sua teoría, mesmo sem renunciar á sua idéia-chave, isto é, á tese de que Jesús nao previa a sua morte...

i L. Boff, lugar citado na nota anterior. O livro a que Boff se refere, é Jesús Cristo Libertador, que constituí a base da nossa exposicSo. Todavia neste livro nada há que se parega com "urna análise especial" do texto lucano. Mencionar Lucas e transcrever alguns versículos do seu Evangelho é coisa bem diferente de "anallsá-los de modo especial".

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cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Jesús frente á contradijfio A fé e a esperanga de Jesús — diz Boff — foram especialmente

tentadas quando foi percebendo cada vez mais a oposigao aguda que a sua mensagem e a sua pessoa despertavam ñas diversas classes sociais de enfao. Em dado momento na assim chamada «crise da Galiléia», Jesús se deu conta de que a morte violenta estava dentro das possibilídades reais da sua vida. Le 9,51 diz que se firmou na sua votitade, isto é, totnou resolutamente a decísáo de ir a Jerusalém... para anunciar e esperar o reino de Deus. Ele nao se con-

teve. Acreditou na sua missao libertadora e esperou contra toda esperanga» (p. 126). Na linguagem de Boff, isto .quer dizer que Jesús estava firmemente persuadido de que, na última hora, Deus intervino com irresistível poder para a implantacao definitiva do seu reino. Vejamos como Boff exp5e as suas idéias, avancando o reouando, para chegar finalmente ao que Ihe Interessa. «Cristo

diz Boff — tinha a consciéncia de ser o instrumento

determinante para a vinda do reino de Deus. Os Evangelhos todos mostram em que intimidade vivía com Deus; em tudo fazia a vontade do Pai, que se manifestava no concreto da sua vida de pregador e taumaturgo, na relacao com o povo, nos disputas com as autoridades religiosas de entao. Jesús vivía na fé..., descobrindo rápidamente e com nitidez cada vez maior a vontade de Deus.

Podia ser mesmo

tentado e nao saber que futuro Ihe estava reservado. No ambiente apocalíptico da época dentro do qual Cristo se sitúa, afirmava-se

que o reino viria depois de renhida luta entre as forgas do mal e do bem. No final da sua vida pública, quando se sentía cada vez mais só e perseguido, suas palavras se tornaram sombrías: deu-se contas

de que é por vía do sofrimento .que alguém entra no reino. Lucas nos conservou urna palavra de Jesús que talvez seja auténticas 'Com

um batismo tenho que ser balizado, e como estou angustiado até que

se oumpral' Para Cristo nao era muito claro se esse batismo significava a morte violenta ou alguma outra grande aflicao. Todavía Ele permaneceu sempre fiel e ¡amáis hesitou.

Sabia estar constante

mente ñas máos do Pai. Confiava em que Este, em meio ás maiores dificuldades pelas quais pudesse passar, intervino para salvá-lo» (pp. 127s), isto, é, para livró-lo da morte. «jesús

continua Boff — previa a possibilidade da morte, mas

nao tinha a certeza absoluta da mesma. O último clamor no alto

da cruz: 'Meu Deus, meu Deus, por .que me abandonaste?' pressupó* a fé e a esperanga inquebrantáveis de qve Deus nao o deixaria mor^^^

ni

^^^

MÓRtE £>E CRISTO SEÓUrtDÓ L. BÓF?

rer, mas no último instante o salvaría. NSo obstante, «obre a ero* Ele sabe com toda a certeza: Deus quer que Ele se¡a fiel oté o fim mediante a morte... Cristo aceita a morte injusta infligida pelo odio dos homens como sendo a última vontade do Pai» (pp. 128$). «A grande tentacao de Jesús — também diz Boff — n5o se

, deu no Gethsémani, mas na cruz. A mais grave tentacao, para a fé, é o desespero. Jesús verifica que vai morrer e que Deus nao inter-

vém.

Por fim, nao triunfa nele o desespero, mas a entrega con

fiante: 'Em tuas mSos entrego o meu espirito'.

Jesús se movió dentro do horizonte escatológico...

Digo o seguintes Existia urna teo-

logia que afirmava que, quando o Messias chegasse e realizasse a sua obra, teria .que passar por grandes tentacóes e por um confronto com o Antimessias. Nesse confronto o Messias quase seria derrotado, mas no último momento Deus intervino e salvaría o Messias. Partíndo daí, minha hipótese é a seguinte: Jesús, homem histórico, fiel a seu povo e fiel a Deus, vai cumprindo a vontade de Deus na medida em que a vai descobrindo. Nao a conhece totalmente desde o inicio, como se na cabeca tivesse um filme a desenrolar-se diante dele, mas

é um homem de fé e de esperance... Sabe que terá urna grande luta. Os próprios termos que os evangelistas usam nos relatos do Gethsémani — o cálice, a tentacáo, a carne, o espirito — sao ter

mos técnicos dessa teología. Jesús fundamentalmente é fiel a Deus e espera que Deus se disponha a salvá-lo. Por isto pode contar^com

a morte como com qualquer outro desfecho, mas para Ele nao é definitivo que este¡a para morrer. Na cruz Ele verifica que sim: vai morrer e 'Por .que entrega. parte de

o Pai nao ¡ntervém. Por isto langa seu grande desespero: me abandonaste?1 Tem qxie aceitar a morte. Aceíta-a e se £ esta a minha hipótese. Aprésente urna Cristologia que

baixo, de Jesús e de suas indagacoes, experiencias, crises

e tentacóes.

Assím Jesús nao somente liberta os homens, mas con

quista a sua liberdade enfrentando os conflitos» s.

Este abandono por parte do Pai foi, para a consdéncía de Jesús,

um «escóndalo». Urna das palavras pronunciadas por Cristo na cruz d¡z Boff «nao deixa dúvida quanto á sua autenficidade. Cons-

cíéncia de Jesús, quando lanca agudamente a pergunta que Marcos conserva em sua formulacao aramaica: 'Elo, Elof lama sabactaro?

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?1 Cristo viveu numa

intimidade' sem paralelo com o seu Deus, chamando-o Ab& Tu, meu querido Pai. Em nome desse Deus Ele pregou o reino de Deus e con-

• L Boff, lugar citado na nota 6.

— 445 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 265/1982

fessou constantemente a sua fé nele. Esse Deus de humanidade e de amor deixou Jesús a sos. Abandonou-o. £ Jesús mesmo quem o afirma. Nao obstante, se Deus o abandonou. Cristo nao abandonou

a Deus» (pp. I23s). Por conseguinte, Jesús sofreu, da parte de Deus, um abandono verdodeiro e total, que Ele nunca suspeitara e do .qual tomou consáéncia apenas quando chegou o momento de ter que o suportar. Deus, a quem Jesüs dirigiu seu grito derradeiro, calou-se e nao pronunciou uma só palavra de resposta. Para que Deus fale, será preciso esperar o dia da Páscoa.

sexta-feira (p. 124).

«O último silencio de Deus na

santa será interrompido no domingo

da

ressurreicao»

Todavia a morte ocorreu na sexta-feira santa e foi acarretada

por um suplicio no qual Jesús nao pensara e para o qual nao dispusera a sua consciéncia. A ordenacao da vida terrestre inteira de

Jesús para a morte redentora e, mediante esta, para a ressurreicao é coisa que Boff rejeita de maneira radical. A morte de Jesús foi um gravíssimo atrópelo, um acídente deplorável, que Ele suportou fiel mente, mas ao .qual nao se entregou por vontade própria. Sofreu-a, coagido pela violencia brutal de que foi vítima totalmente inocente 9.

Dificultades que Boff i se propoe e soJucoes que oferece Boff compreende que o seu modo de interpretar a morfe de Cristo se choca com o que geralmente se tem ensinado na Igreja sobre este misterio. Por isto ele mesmo formula certas dificuldades e tenta oferecer urna explicacao que tranqüilize os Ieitores. A primeira

dificuldade que ele formula, é inspirada pelas profecías que Jesús

faz a respeito da sua morte e ressurreicao.

«Os Evangelhos — diz — em sua redacao aHial evidencian™ que

Jesús conhecia o seu destino fatal. Tres vezes Ele profetizou os seus sofrimentos e assumiu a morte como sacrificio para a redencao de muitos (todos). Nao obstante, a seria exegese se interroga desde o inicio deste século: 'Estamos diante de textos auténticos de Cristo

"A recusa de Boff a admitir que Jesús tenha previsto a espantosa

tragedia que envolverla o fim da sua vida terrena, é multo mals decidida e taxativa ñas Declaraciones á revista Vida Nueva, Já citadas, do que em

Jesús Cristo Libertador, apesar de que, quando Boff fez as Declaraciones, |á houvera uma intervencSo da Congregado para a Doutrina da Fé, pedlndo explicacSes sobre este ponto concreto, como revela o próprlo Boff.

taÓRTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

$7

ou diante de urna interpretacáo teológica á luz da fé e da verdade da ressurreicao elaborada pela comunidade primitiva? As profecías sao literalmente tardías e supoem um conhecímento bastante porme norizado da Paixáo e Ressurreicao. Parece que realmente sao vati cinio ex evenfu, formulados posteriormente com o objetivo de dar sentido ao problema teológico contido na pergunta: Se Deus mos tró u estar do lado de Cristo mediante a ressurreicao, por que nao o terá mostrado antes?» (pp. 12ós).

A luz da ressurreicao, «a morte de Cristo é vista como perdáo de nossos pecados. Sob esta luz, elaboraram-se os textos evangé licos, postos pela fé na boca de Jesús, segundo os quais Ele seria entregue e morto, deveria beber o cálice do sofrímenlo, ser batizado em batismo de sangue; daría a sua vida para a redencao de muitos, etc. Este significado teológico foi conquistado mais tarde sob a luz da ressurreicao» (pp. 129s).

«Estas passaaens e profecías sobre a morte e ressurreicao pare-

cem nao ter sido formuladas por Jesús, porque supoem ¡á a Paixao e a Páscoa em seus pormenores. Isto pode ter sido trabalho cristológico da comunidade de fé para explicar o sentido redentor da morte de Cristo» (p. 160). «Nao tinha dito o Cristo terrestre: 'Eu estou no meio de vos como aquele que serve?' A comunidade da Palestina foi depois inter pretando a morte de Cristo como a forma extrema de servico á humanidade» (p. 144).

A conclusao de tudo isto é clara: Jesús nao fez vaticinio algum relacionado com a sua morte futura. Tudo o que o Novo Testamento diz neste particular, é elaboragáo teológica da primitiva comunidade crista, a qual, compelida pelo feito glorioso e transcendental da res surreicao, nao podia deixar de procurar urna explicacao para a igno minia da morte na cruz; e, para .que essa explicacao tivesse mais valor, ela foi posta nos labios de Jesús mesmo, atribuindo-lhe a previsao da sua própria morte em expiacáo dos pecados da humanidade.

Outra dificuldade provém da fé da Igrefa na Eucaristía. Se Jesús

em absoluto nao previu a sua morte, como pode instituir a Eucaristía, na qual se renova sacramentalmente a sua morte como sacrificio oferecido ao Pal para a salvacáo de todos os homens? Num primeiro momento, Boff nao faz sendo rocar esta dificuldade. «E mais aguda ainda — diz ele — a discussao acerca do conteúdo histórico dos textos eucarísticos de caráter sacrífical, que parecem supor ¡á urna teologia e urna prática eucarística da Igreja primitiva» (p. 127). Com estas palavras, Boff, em vez de assumir a dificuldade a fim de Ihe dar urna resposta, passa-lhe ao largo.

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Todavía, como Boff mesmo tornou público, a Congregacao para a Doutrina da Fé pediu-lhe esclaredmentos sobre tal questao. cAle-

gam— diz — que, partindo dessa hipótese (ou seja, de que Jesús nao previu a sua morte), nao se compreende a instituicáo da Euca ristía». Diante da necessidade de responder e de explicar-se, disse: «O grande símbolo do reino é a ceia escatológíca. Entáo digo que a Eucaristía vem de Jesús e ai está a sua prática, o rito de Jesús.

Contudo, ao mesmo tempo, os Apostólos deram um sentido eclesial á Eucaristía como sinal de unidade, de presenta do misterio de Jesús, de sinal escatológico. é o que afirma S. Paulo: 'Recordareis o Senhor até que Ele venha'.

Para mim, nao há problema.

A Eucaristía tem

sua origem etn Jesús, mas partindo da historia de Jesús... Todavia dizem-me que assim nao salvo suficientemente a institucionalidade da Eucaristía... E ai estamos» 10. Como se vé, depois de muítos rodeios e tentativas de esclarecímento, a dificuldade permanece; continua literalmente intata. Está

muito bem dizer que «a Eucaristía tem sua origem em Jesús, partindo da historia de Jesús», pois urna Eucaristía que, por hipótese, nao brotasse da historia de Jesús, da concretíssima vida que Ele levou entre os homens, nao poderío ser senáo ¡nvencáo humana, carente de con* sisténcia e absolutamente ineficaz para a salvacáo. Mas Boff, ao mesmo tempo que estabelece este sólido principio, o desvirtúa; rnais: torna o cumprimento e a verificacáo desse principio absolutamente impossiveis. Que idéia tem Boff da historia de Jesús no ponto que agora interessa e do qual tudo depende? A resposta é clara depois

de tudo o que foi dito.

Efetivamente; segundo Boff, na historia de

Jesús nao há base para atribuir-lhe a previsao da morte, porque tudo o que o Novo Testamento diz a propósito nao pertence em absoluto á historia vivida por Jesús, mas tudo é teologia elaborada pela comunidade crista primitiva. Dentro da historia de Jesús, enten dida como Boff a defende com toda a tenacidade, nao existe urna única possibilidade de atribuir-lhe a instituicao da Eucaristía, tal como a enlende a fé da Igrefa, isto é, como sacrificio-sacramento no qual se renova sacramentalmente a morte redentora do Senhor, ao mesmo tempo que se recebe o corpo que Ele entregou e o sangue que derramou por todos para o perdao dos pecados. Boff elabora urna his toria de Jesús que exclui radicalmente a própria possibilidade da Eucaristía. Por conseguinte, carece absolutamente de sentido dizer que a Eucaristía tem a sua origem em Jesús, «partindo da historia de Jesús», porque esta fórmula, que parece táo realista, no pensamento de Boff nao possui nem pode possuir conteúdo algum.

i«L Boff, lugar citado na nota 6.

MORTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

2S

Outros pontos obscuros na teoría de Boff sobre a morte de Jesús Boff aprésenla a si mesmo aIgurnas dificuldades, as quais res

ponde da maneira que acabamos de indicar. Contudo a süa teoría

tem .grandes repercussóes no campo da fé e no da teología e, por isto, precisa de ser analisada um pouco mais em profundidade. a)

Insuficiencia das análises bíblicas

As explicacoes de Boff sobre a morte de Jesús nao levam em conta senáo algumas poucas passagenss do Novo Testamento. Ele se refere concretamente ás «tres profecías» sobre a morte-ressurreicao, entendidas como sao lidas em Me 8,31; 9,31; 10,32-34, aos textos eucarísticos, ao «batismo» que Jesús tinha ansia de receber e á missáo do Filho do Homem, que veio para servir e dar a sua vida em resgate da multidao, isto é, por todos os homens (cf. pp. 126-128). Todavía o tema da morte de Cristo tem urna serie de ramificaCÓes, ás quais Boff nao presta a menor atencao.

A primeira surpresa

na abordagem da questao surge quando se comprova que Boff, por

um lado, atribuí a Jesús urna clara consciéncía messiánica e, por outro lado, guarda absoluto silencio sobre a principal passagem mes siánica do Antigo Testamenfp, aquela precisamente em que um desco-

nhecido profeta esboca a imagem do Servo de Javé padecente

(Is 52,13.53,12). O Messias descrito nesta passagem carrega volun tariamente sobre si os pecados do povo. «Foi traspassado por nossas iniquidades e esmogado por nossos pecados» (v. 5). Depois de um juízo iníquo, «foi arrebatado da térra dos vivos e ferido de morte pelo pecado do seu povo» (v. 8). Por ter oferecido a sua vida em sacrificio, «verá descendencia que prolongará os seus dias, e o desejo de Javé prosperará em suas maos... Dar-lhe-ei como partilha muítidóes e repartirá despojos com os poderosos, por ter-se entregue á morte e ter sido contado entre os malfeitores» (vv. 10. 12).

Como é que Jesús, sabendo ser o Messias, tendo consciéncia de ser o enviado de Deus para estabelecer o seu reino, podía ignorar urna profecía messiánica táo clara, na qual a morte voluntaria e também tremendamente injusta do Servo de Javé é o centro de todo o vaticinio? O profeta tem clara consciéncia de transmitir urna mensagem que os homens resistiriam a crer. «Quem acreditou no nosso anuncio?»

Mas será possível pensar que nem mesmo o personagem

ao qual o anuncio se refere, Jesús de Nazaré, tenha compreendido a

36

«pergui^te e responderemos» 265/ió8¿

profecía? Boff guarda um silencio absoluto sobre este tópico, como se o anuncio nao tivesse ocorrido. Eis, porém, que o Novo Testamento

repetidamente faz notar que o vaticinio se cumpriu em Jesús e que

Jesús mesmo o apropriou a si (Le 22,37). Nao é legitimo fazer malabarismos com a consciéncia de Jesús para permitir-lhe captar e apre

ciar somente aquila que se encaixa com as teorías pessoais de um autor, elaboradas sobre o principio de considerar nao histórica qvalquer coisa que se oponha a elas.

Boff também nada diz sobre outra serie de dados bíblicos. Mas, tfntes de passar odiante, é necessário refletir um pouco sobre o tema das «tres profecías» em que Jesús fala da sua futura morte. Como se ve, Boff resolve o problema de maneira sumaría, dízendo que nao sao profecías, mas teología elaborada pela comunídade crista depoís que os acontedmentos passaram, no intuito de dar a estes urna explícacao que fosse realmente digna do feito maravílhoso da ressurreiCao. Creio que sería muito mais razoável focalizar o tema com maior abertura e menos dogmatismo.

Inclusive, para quem, prescindindo da ¡nspiracáo divina, aborde os relatos evangélicos, indiscutivelmente «as tres profecías» supóem «um conhecimento bastante pormenorizado da Paixao e da ressur-

reicao» (p. 127), coisa q-ue, como geralmente se admite, nao se dá

nos validaos reconhecidos como profetices. Isto justifica plenamente a afirmacao de que no relato do Evangelho... foram introduzidos pormenores nao proféticos, aduzidos pelos evangelistas mesmos para

dar noticia do ocorrido.

Mas — e isto é o importante —, se os

evangelistas acrescentaram ¡nformacóes, fizeram-no porque previa mente Jesús mesmo falara aos discípulos sobre o que se poderío chamar núcleo substancial do misterio da sua Paixáo-morte-ressurreicáo em termos que, de anterrino, é preciso supor tenham sido mais claros do que os termos ocorrentes na profecía do Servo de Javé; nao se pode pensar que, quando os fatos ¡á eram iminentes, Jesús, o Servo anunciado, nao tenha acrescentado alguma fuz própría á antiga profecía.

Os sinóticos estao de acordó em colocar «as tres profecías» bem no fim da vida de Jesús, o que já constitui um argumento em favor da sua historicidade. Mais aínda: oferecem dados que seriam incompreensiveis se Jesús nunca se tivesse referido á sua ignominiosa morte. Trata-se de episodios «laterais», nao atribuíveís a alguma ¡ntencao

teológica, descritos com minucias tao concretas que é necessário reconhecer a sua autentícídade histórica, se nao queremos incorrer em um

apriorismo subjetivo e arbitrario. Por outro lado, essas mesmas minu

cias careceríam totalmente de sentido, se nao as relacionássemos com a morte da Jesús.

MORTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

31

A primeira vez que Jesús falou da sua futura morte, ocorreu

depois da confíssño de Pedro.

Ora, caso se suprima a referencia á

morte, nem as palavras de Pedro nem a repreensao que Jesús Ihe dirigiu, teriam sentido.

Após a transfigúratelo, Jesús manda as teste-

munhas que nao contem a ninguém o ocorrído «até que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos»

(Me 9,9; cf. Mt 17,9).

E Sao

Marcos se refere, sem dúvida, a um fato histórico, quando logo acrescenia: «Eles observaram esta recomendacao, díscutindo entre si o que seria ressuscitar dentre os mortos» (Me 9,10). Em outra ocasiáo, caminhando pela Galiléia — sem dúvida, durante a última viagem a

Jerusalém —, Jesús falou novamente da sua morte.

A reacao dos

discípulos foi registrada pelos tres sinóticos, cada qual do seu modo. E assim lemos:

«Entristeceram-se muíto» (Mt 17,23).

«Eles nao enten-

diam o que Ihes dizía e tinham medo de interrogá-lo» (Me 9,32).

Sao Lucas, neste caso concreto, se sitúa mnis perto dos fatos origi náis. Dá a versao mais vaga e imprecisa do fato, dizendo simplesmente: «O Filho do Homem será entregue as maos dos homens» (Le 9,44), o que constituí por si urna garantió de historicidade. E insiste enfáticamente em que os discípulos nao entendiam o anuncio feito pelo Mestre: «Mas eles — diz — nao entendiam isso; estava-Ihes velado, de modo que nao o entendiam e temiam interrogá-lo sobre este assunto» (Le 9,45). Por último, os tres sinóticos referem ulterior anuncio, quando estavam ¡á perto de Jerusalém, isto é, ape nas a alguns poucos dias da' morte.

S. Mateus, e S. Marcos consig-

nam as palavras de Jesús sem acrescentar alguma observacao. Sao Lucas insiste de novo na náo-compreensao dos discípulos.

Mas «Eles

nada compreenderam: estas palavras Ihes fícavam ocultas e nao enten diam o que Ele dissera» (Le 18,34). Nao há o mínimo fundamento para ¡ulgar que a comunidade pri mitiva tenha inventado por razoes teológicas todos estes concretíssimos episodios, absolutamente inexplicáveis para quem prescinda da sua vinculacao com o anuncio da morte de Jesús. Portanto é preciso admi tir que os vaticinios da morte sao históricos, embora o modo concreto como depois os evangelistas compuseram seus relatos mostré sinais inequívocos de que alguns pormenores puderam ser acrescentados por eles em virtude do conhecimento que tinham dos feitos já ocorrídos. Esta conclusáo, que me parece perfeitamente fundada, serve também para interpretar em seu sentido exato as sentencas de Jesús sobre a

sua missao de servir e de dar a vida para a redencáo da multidáo (Me 10,45; Mt 20,28), assim como sobre o «batismo» pelo qual Jesús antiava vivamente (Le 12,50).

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Boff — como se viu — julga também que as palavras eucarísticas sobre a morte sacrifica I de Jesús, ñas quais se acha a expticacao

dessa mesma morte, sao igualmente elaboracao teológica da comunidade primitiva.

Agora, sem repetir o que ¡á foi dito, quero acres-

centar somente dois pontos.

Em primeiro lugar, creio que o estudo

mais serio efetuado em torno deste assunto é o de J. Jeremías.

The

eucharistic words of Jesús11; nesta obra, após análises minuciosíssimas, chega a conclusao de que as palavras de Mateos «Este é o meu

sangue da alianca, que será derramado por muitos» (Me 14,24) devem ser consideradas como ¡psissima verba de Jesús 12. Em segundo lugar, tenho a ¡mpressao de que neste problema é Boff quem fe deixa arrestar por finalidades teológicas, que nao se harmonizam bem com os textos bíblicos.

Com efeito, Boff mostra muito pouca

simpatía para com a idéia de um Jesús que se oferece como sacri ficio para salvar os homens.

«Como resulta evidente — diz —, a

interpretaeao da morte de Cristo como sacrificio é urna entre multas. Os próprios textos do Novo Testamento nao permitem que se¡a absolutizada, como o foi na historio da fé dentro da Igreja latina» (p. 145). Nao se trata de absolutizar a afirmacáo de que a morte de Cristo

foi sacrificio.

O verdadeiro problema está em que Boff, no tocante o

autoconsáencía de Jesús,

absolutiza a

negacáo

e,

em

virtude de

semelhante absolutizacao, considera como teología da comunidade primitiva todas as passagens em que consta que Cristo previu a sua morte e a ofereceu ao Paí como o sacrificio da alianca nova e eterna,

pactuada em seu sangue para a salvacáo de toda a humanidade. Na teología da morte de Jesús que Boff elebora, também nao há lugar para levar em consideracao outra serie de passagens bíbli cas alusivas a tal acontecimento. Nem sequer menciona a parábola dos vínhateíros homicidas (Me 12,1-12); as predicoes da traicSo de Judas, da negacáo de Pedro, do abandono em que os discípulos deíxariam Jesús: tudo isto só tem sentido dentro do contexto geral que

u Nao pude ver a obra original.

Cito a traducao inglesa publicada em

Londres por SCM Press em 1966.

12J. Jeremías, The eucharistic words..., pp. 186-103; J. L. Espinel, La eucaristía del Nuevo Testamento (Salamanca 1980), pp. 31-115. Ipefesima verba: as mesmlsslmas palavras (Nota do tradutor).

MORTE DE CRISTO SEGUNDO L. BOFF

33

incluí a morte do Senhor. Também nada diz sobre o «¡ejum» que os discípulos praticariam «no día em que o noivo Ihes fosse arrebatado»,

nem sobre a questao colocada a Hago e Joáo a propósito da sua capacidade de beber «o cálice» que Jesús haveria de beber. Tam bém nao dá atencáo a declaracáo de Jesús quando diz que «nao convém que um profeta pereca fora de Jerusalém» (Le 13,33), ñera á tremenda advertencia «Encheis a medida de vossos país» (Mt 23,32)

dirigida aos escribas e fariseus hipócritas, que se reconhecíam filhoi daqueles que haviam derramado o sangue dos profetas (Mt 23,30). Sao Joáo tetn urna serie de expressoes alusivas á morte de Jesús, das quaís nenhuma merece a atencáo de Boff.

A primeira, e talvez

a mais Importante, posto que nela nao se podem perceber infencóes teológicas, é a que se refere á destruicao e edíficagáo do templo; a

destruicao será obra dos ¡udeus, ao passo que a reconsfrucao será larefa do próprio Jesús. O evangelista observa que Jesús falava do

templo do seu corpo e que os discípulos nao enfenderam suas palavras até depois da ressurréicáo (Jo 2,19-22).

A historicidade destes

dizeres é confirmada pelas acusacoes feitas a Jesús durante o processo, urna das quais se baseava sobre os seus dizeres «contra o templo». O próprio Sao Joáo diz repetidamente que Jesús há de ser exaltado.

Ele é o grao que morre na térra para dar fruto e o bom pastor que espontáneamente dá a vida pelas ovelhas para retomá-la depois.

Jesús moslra também conhecer perfeitamente as infencoes homicidas

dos seus inímigos e censura-os claramente por estarem maquinando a sua morte.

Isto tudo e outras coisas que deixamos ao largo, é apenas

teología? O «sermáo» eucarístico por inteiro e, de modo especial, as palavras sobre a recepeáo do corpo e do sangue que Jesús há de «entregar para a vida do mundo», sao também apenas teología ela borada pelo evangelista ou pela comunidade da qual ele é porta-voz? Abstracao feita dos numerosos trechos evangélicos relacionados de algum modo com a previsáo que Jesús tinha da sua morte, o Novo

Testamento expoe urna rica teología na qual esta morte voluntaria livremente aceita e, portanto, previamente conhecida, tem lugar de relevo singular.

O designio salvífico do Pai passa pelo sangue de

Cristo, que nos traz a redentáo dos pecados para transformar-nos

em fílhoi adotivos (Ef 1,5.7). Jesús chega até a morte e derrama o seu sangue em atitude de voluntaria obediénda ao Pai (Fl 2,8). Con-

tudo nao se trata agora de recolher toda a doutrina do Novo Testa-

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

mentó sobré a morte de Jesús.

Por isto bastem estas consíderacóes

elementares para mostrar que, se se prescinde da morte de Jesús livre-

mente aceita e padecida por Ele, o plano divino de salvacao é abso lutamente ininteligível; mais ainda: sofre urna deformacao radical13. Neste ponto a carta aos Hebreus merece ao menos urna mencáo. Jesús veío ao mundo com a vocacáo de sacerdote da humanidade, e cumpre-a ¡molando-se em sacrificio urna vez por tedas. Será possível pensar que Jesús, executor do plano divino, ignorava a sua própria

vocacao? A carta atribui a Jesús urna vontade oblativa «desde que Ele entra no mundo» (Hb 10,5). Para terminar esta ¡nformacao sobre a morte de Jesús, acrescenfarei brevemente duas consideracoes. A Liturgia da lgre¡a na celebracao da Eucaristía parece-me ter valor definitivo, porque mostra muito bem a consciéncia que a comunidade crista tinha do misterio da salvacao e das vias pelas quais ele se cumpitu. A parte central desta Liturgia é constituida pelo relato da instituicáo da Eucaristía como sacrificio-sacramento da nova alianca; esta, como se disse, é

absolutamente ¡ncompreensfvel se nao se admite que Jesús previu a sua morte e a ofereceu ao Pai como sacrificio. Além desta, há outras afirmaeoes explícitas. A segunda Oracao Eucarísfica diz que Jesús instituiu este misterio «quando ia ser entregue á sua Paixao, volunta riamente aceita». E a quarta, dirigindo-se ao Pai, diz: «Para cumprir vossos designios, Ele mesmo se entregou á morte». Por isto Joño Paulo II lamenta com razáo que, as vezes, ao tratar da morte de

13 A Comlssao Teológica Internacional considera que a prevIsSo da

morte, por parte de Jesús, é um dado fundamental para estabelecer a devlda conexfio entre Cristologia e Soteriologla. Cf. Quaestiones eelectae de Christofogta (sesslo plenaria 1979), IV: De Christologla et Soterlologia, A. Gre-

gorianum 61

(1980) 624.

E um pouco adiante a tnesma comlssSo acres-

centa: "A conflanca-esperanca de Jesús deve ser entendida no sentido de que Ele tlnha certeza da própria ressurrelefio e exaltado (Me 14,25) e de que, como consta das palavras e dos feltos da última cela (Le 22,1-21 e par.), eslava disposto a morrer para oferecer a promessa e a realizacSo da salvacao escatológica" (U c, B, 2.4, p. 625).

Devo observar que a ComlssSo usa um latlm notavelmente obscuro, chelo de redacóes toreadas, e nao tenho a certeza de ter traduzldo com exatidfio. Em todo caso, a ComlssSo afirma reiteradamente e com absoluta clareza que Jesús previu a sua morte, acrescentando que tal prevlsfio o llvre aceltacSo é um dado fundamental da Soterlologia bíblica. Seria, portanto, erróneo pensar que a prevlsfio e a llvre aceltacSo da morte por Cristo sao apenas conceltos Introduzldos por "escolas teológicas", como mera conseqüencla do seu modo de considerar o tema da Interlorldade de Cristo e da'sua obra satvlflca.

MORTE t)E CRISTO SEGUIDO L. BOFF*

Jesús, «se cale a vontade de entrega do Senhor c a consdéncia da

sua missao redentora»14, que implica a morte; «la, portanto, tinha que ser previamente condecida, nao menos que os dentáis elementos componentes daquela missao.

Urna segunda consideracao que contribuí para esclarecer o pro blema relativo á consciéncia que Jesús tinha da sua própria morfe, fundamenta-se no conceito de revelajao. Jesús Cristo é o supremo

revelador do Pai e do seu designio salvífico. Evidentemente Ele cumpriu a sua missao nao de maneira mecánica, mas consciente ou com clara consciéncia do que fazia. Ora, segundo o ensinamento cons tante da Igrejo, a revelacáo divina está expressa ou contida princi

palmente na morte e na ressurreicao de Cristo 15. A morte de Jesús é,

por assim dizer, um dos veículos primarios da revelacáo. Pode-se crer que Jesús revelador tenha sido «surpreendido» pela morte ou que tenha oaminhado para ela sem saber aonde ia? Parece-me que a resposta é clara.

Depois deste percurso — que está longe de ser completo — alravés do tema morte de Cristo, pode-se apreciar a radical insufi ciencia da exposicao que Boff faz do mesmo. A morte de Cristo, por ser «peca» essencial no designio devino de revelacáo e de salvacáo, tem ramíficacoes através de toda a Biblia, como também em toda a

teología; é fogosamente desfigurada quando,

para

estudá-la,

se

tomam em consideracao apenas alguns poucos textos bíblicos, subnie-

tidos a pressoes procedentes de idéias mais ou menos preconcebidas. Creio que Boff se deixa ficar muito na superficie das coisas.

b)

A Divindade de Cristo

Quando se trata de Jesús, o tema da sua Divindade é inevitável,

porque aparece em todos os caminhos e penetra em todos os mis terios. Estes tém o valor salvífico que a revelacáo Ihes atribuí pre

cisamente por serem misterios do Filso de Deus encarnado. Se se prescinde da pessoa de Jesús — que é pessoa diyina —, torna-re absolutamente impossivel entender as suas obras, os seus misterios, os

«JoSo Paulo II, AlocusSo de 28/01/1979, ao inaugurar os trabalhos da III Assembléla Geral do CELAM em Puebla, México, rfi I, .4.

15 Cf. Concillo do Vaticano II, Constitulcfio Dogmática Peí Verbum

n9 4a. 17.



«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

leus ensinamentos e qualquer coisa que se refira a Ele. Alguém disse com exatidao que «qualquer problema sobre os ensinamentos de Jesús será sempre, em última instancia, um problema sobre a pessoa de Jesús» 18. Esta afirmacao é muito mais válida quando se trata do misterio da morfe de Jesús, cujo valor salvífico é absolutamente

incompreensível se ela é desligada da pessoa divina de Jesús. As antigás controversias dos Padres da lgre¡a contra o Nestorianismo e o Monofisismo esclarecerán! este ponto de maneira definitiva. Ho¡e nao se pode mais pensar nem escrever como se o .que entao foi

esclarecido ainda estivesse obscuro.

O modo como Boff fala de Cristo concilia-se com o misterio da

sua única pessoa, e pessoa divina? Boff afirma claramente a Divindade de Cristo. Depois da ressurreicao — diz — c fé dos discípulos «se articula com profundidade cada vez mais penetrante até chegar a decifrar o misterio de Jesús como sendo o próprio Deus que visitou os homens em carne mortal» (p. 142). «Jesús é chamado por nomes que vao desde os mais humanos, como Mestre, Profeta, o Justo, o Bom, o Santo, até os mais sublimes, como Filho de Deus e Salvador

e, por fim, é qualificado como Deus mesmo» {p. 153). Jesús, me diante linguagem apocalíptica, deu a conhecer a sua mensagem « «revelou quem Ele era: o Filho de Deus, o Deus Encarnado e o Sal

vador do mundo» (p. 77),

Tudo isto é exato e os textos comprovantes poderíam mulríplicar-se amplamente. Todavía o problema objetivo fica de pé. Quero

sublinhar o termo objetivo, porque de modo nenhum tenciono pene

trar ñas intimidades da consciéncia de Boff. Por muito que queiramos insistir sobre as declaracoes de Boff a respeito de Jesús como

o Filho de Deus, e Deus mesmo, nao se pode evitar a impressao de que esse Deus é um tanto estranho. Jesús nao sabe como terminará a sua vida neste mundc até o momento em que se acha pregado á

cruz; urna vez crucificado, tem que lutar contra o desespero que o

assalta e que o faz gritar perdidamente, diri.gindo-se ao Pai: «Por que me abandonaste?» Como vimos atrás, Boff argumenta dizendo que nao podemos pensar que Cristo tinha na cabeca um filme no qual lia o futuro. Mas tal argumento é recurso muito pobre. Acaso 10 J. Blank, Krtsls. Unterauchungen zur Johannelschen Christologle und Eschatologie (Frelburg I. Br. 1964) 44. O autor denuncia o contra-senso de nao poucos estudos contemporáneos de Cristologla que tentam valorizar a obra de Jesús ao mesmo tempo que deprlmem a sua pessoa; sem recorrer a esta, a obra de Jesús em nada pode flcar clara e realmente engran decida (cf. pp. 32-38.65-70. 1248. 135s).

— 456 —

MÓRfrE DE ÓRtéTÓ SEGUNDO L. BOFF o conhecímento que Deus tem do futuro deve ser considerado como leitura de um filme? Ademáis esse Deus que está em Jesús, descobre a vontade do Pai fomente através de «buscas, tentativas, crises e rentacoes»17. Sua impecabilidade — a deste Deus que está em Jesús — é igualmente estranha, porque «nao consiste na pureza de suas atividades éticas, na retidáo de seus atos individuáis, mas na

situacao fundamental de estar diante de Deus e unido a Ele» (p. 210), de modo que, enquanto dura essa siruacáo fundamental, no interior da conscíéncia de Jesús podem desenrolar-se dolorosos e estranhos

dramas de luta entre o bem e o mal; este último nao prevalecerá como situacao, mas nao se excluí que prevaleca como ato, porque a total inocencia de Jesús nao está ligada á retidáo de seus atos individuáis. Boff quer irmanar a fé da Igreja sobre a pessoa de Jesús com a exegese praMeada por aqueles que negam essa fé. O resultado tem que ser, por forca, um Cristo incoerente, feito de blocos contrapostos. Será este realmente o Cristo da fé? Cada qual pense e veja ls.

c)

A Igreja

«Originariamente — diz Boff — o sermáo da montanha tfnha caráter escatológico: Cristo pregou o fim ¡mínente» (p. 88). Esse fim iminente revestiu para Jesús urna forma trágica na qual nem Ele tinha pensado. Ora esse Jesús surpreendido pela morte pode pensar numa Igreja que continuaría a sua missao após a morte? Nao basta dizer que existe a Igrej-a e que esta inicia a sua mar cha peregrina através do mundo a partir da ressurreicao (p. 146). E preciso mostrar a coeréncia desta afirmacao com os pressupostos de Boff referentes á morte de Jesús. Mas Boff nao trata disto. Por isto a origem da Igreja é tema forzosamente envolvido em obscuridade, para a qual ele nao tem nenhuma solucao objetivamente fundada.

1T L. Boff, lugar citado na nota 6.

18 A ComlssSo Teológica Internacional diz que, "segundo a tradlcSo da Igreja baseada na S. Escritura, a obra salvlflca de Jesús supfie, para ser eficaz, a verdadeira Dlvindade do Fllho e a sua plena solldarledade conosco por ter Ele assumido a natureza humana completa" (Quaestlones selectae de Chrlstologia IV: De Chrlstologla et Soteriologla, D. n? 9. Gregorianum 61, 1980, p. 629).

— 457 —

38

«PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

E com a Igreja, póe-se o problema importante dos sacramentos, comecando pela Eucaristía. Se Jesús participava das perspectivas apocalípticas e estava persuadido de que o reino havia de irromper sem demora, como pensaría Ele em sacramento? O que anterior mente dissemos, ao tratar da Iminénda do Reino, suscita questoes inumeráveis, que desejariamos ver esclarecidas.

A guisa de conclusao: Cristologia lalirro-americana? Como acabamos de ver, os problemas suscitados pelo pensamento de Boff em torno da morte de Jesús estao longe de ser espe cíficamente latino-americanos. Afetam alguns pontos vitáis do mis terio cristáo, considerado em seu núcleo essencial, que transcende lempos, culturas e latitudes.

Aos

problemas

assinalados

feriamos

que

acrescentar

outro,

igualmente capital e absolutamente inseparável do da morte de Jesús, que é o da sua ressurreicáo. Boff opina que a morte de Jesús teve lugar, objetivamente falando, na sexta-feira santa, embora só ten ha comecado a manifestar-se na madrugada do domingo da Páscoa. Semelhante ¡déia tem sua origem numa antropología singular, segundo a qual todo homem ressuscita «para a vida ou para a morte» no momento mesmo de morrer {pp. 147-149).

Creio que, se Boff se tivesse inspirado na tradicao religiosa latino-americana, feria conseguido elaborar urna Cristologia bem diversa da que ele expoe em Jesús Cristo Libertador. Esta, longe de ser latino-americana, está ostensivamente marcada pelo «protestan tismo liberal» de origem germánica; a este o autor tomou de empréstimo numerosas idéias, formuladas com brilhantismo literario, mas sem coeiáo doutrinárla no ámbito da fé genuino que o povo latino•americano tem na pessoa e na obra de Jesús Cristo. O resultado desse trabalho é um amalgama — creio que nao se Ihe pode dar oulro nome — de pontos de vista contraditórios entre sí; estes pontos configuram um Cristo que é fogosamente «¡ncoerente», sem unidade e sem harmonía, um Cristo, em última instancia, aberto a interpretacoes arbitrarias, que constituirlo o encanto daqueles que gostam

de «manipular» a pessoa e a mensagem de Jesús em vista dos mais diversos objetivos.

Para nao alongar este artigo, pedimos ao leitor que, á

guisa de comentario final, queira reler o inciso «Em síntese» da p. 436 deste fascículo.

— 458 —

Um debate completo:

"Anjos e Demonios na Biblia" por diversos

?J n-hn

^ if°

dfLStarií h •

ea em íoco vem c°"esponder a urna necesst-

9"k Portu9ue8a- «««» "a° se pode furtar á questáo

dfstas teSJf' mí1?3 b°nS f TT8 num mund0 de fenómenos umban. «Slw í m69|cos-" A obra « benemérita por apresentar ao leltor

a ocasiao de examinar numa visSo de relance, os argumentos favorávete e

Sod« «%é?e5 á «?xIsténcla d° Ma»9no: veriflca-se que a questáo nfio pode ser dirimida únicamente numa perspectiva filosófica ou empírica mas exige consulta e fiel atencfio ás fontes da fé, pois aborda assunTo de índoil revelada ou sobrenatural. Felto o balanco de'quanto afirmam os documentos

5£m« ' h°S testemunh°s da Tradi5ao e do magisterio da Igreja, o™ teltor cnstao observa que nfio pode negar a existencia dos anjos bons e maus sem cair em incoeréncia; trata-se de proposl5ao integrante ¿o depósito da fó

Comentario: O Pe. Joáo Evangelista Martins Térra S J coordenou urna coletánea de artigos de autores nadonais e"

estrangeiros, referentes aos anjos e demonios». Este volume corresponde aos n.« 17-18 da Kevista de Ciütum Bíblica, que passou a sair em edigóes monográficas. O assunto é de atua-

hdade, vistas as recentes dúvidas de estudiosos sobre a exis tencia de anjos e demonios.

Abaixo transmitiremos alguns dos tragos importantes de artigos da coletánea; ao que se acrescentará urna avaliagáo da

1.

A obra em foco

onioJírÍ°S sáoA°? artigos e Pronunciamentos de importancia coletados em «Anjos e demonios na Biblia». Entre outros, des

2STV &i0C^° de PaUl0 m proferida aos 15/11/72 e o

™,nto da Sagrada Congregagáo para a Doutrina da Fé publicado em «L'Osservatore Romano» de 6/07/75. Eram res»Anjos e demonios na Biblia. Revista de Cultura Bíblica, n.o» 17-18

— Ed. Loyola-LEB, Sfio Paulo 1981. 145 x 210 mm, 169 pp.

— 459 —

40

«PEKÜU-MTK a

postas, ao menos indiretas, a onda de livros e ensaios recém-

■publicados contra a existencia dos anjos e demonios, sobressaindo-se nesta serie os escritos de Herbert Haag intitulados

Abschied vom Teufel * e Teufelsglaube2.

O Pe. Térra publicou na eoletánea os artigos de teólogos

europeus que fizeram eco ás citadas declaragóes da Igreja em

favor da existencia dos anjos e demonios; destes merecem des taque o do Cardeal Joseph Ratzinger (pp. 155-163), o estudo relativo á demonologia de Karl Rahner (pp. 57-77), o de A M Kothgasser (pp. 78-101) e o do Pe. Joáo Augusto Amazonas MacDowell S.J. como relator de um debate realizado entre

jesuítas (pp. 140-154).

Em substancia, a coletánea apresenta distintamente ao leitor as razóes por que se afirma a crenga na existencia dos anjos bons e maus e aquelas por que a mesma hoje em dia é negada, permitindo-lhe assim tomar exato conhecimento da questáo e formular um juízo abalizado sobre o assunto. Exa minaremos uns e outros dos argumentos. 1.1.

Por que crer na existencia do demonio?

Dentre os varios argumentos aduzidos na coletánea, des

tacaremos os seguintes:

1.1.1.

Os textos bíblicos do Amigo e do Novo Testamento

Verifica-se que a S. Escritura fala de anjos e demonios utilizando expressóes diversas: enviado do Senhor, demonios, diabo, mensageiro, potencias, forgas... Os textos respectivos

sao mais numerosos nos escritos do Antigo Testamento poste riores ao exilio (587-538 a.C.) do que nos anteriores: assim Jó, Zc, 2Mc, Tb... vio manifestando crescente consciéncia da existencia de anjos bons e maus (cf. Sata em Jó 1-2). Tal concepgáo, em vez de desaparecer nos livros do Novo Testa mento, torna-se aínda mais presente e desenvolvida; está inti mamente ligada á maneira como Jesús apresenta a sua missáo (levem-se em conta os exorcismos praticados por Jesús) e

como Sao Paulo a entende (cf. C\ 2,15; ICor 2,6-8). 1 Despedida do demonio. 3 Crenca no demonio.

— 460 —

Foder-se-á dizer: a mencáo dos anjos bons e maus é ele mento heterogéneo ao patrimonio da fé de Israel, porque devida á influencia dos mesopotamios e persas. Jesús, encontrando tal elemento de cultura paga entre as concepgSes do seu povo, apenas quis adaptar-se as mesmas sem as discutir, mas também sem as abonar.

Ora a propósito deve-se observar: 1)

A revelagáo de Deus aos homens realizou-se na his

toria; pode ter utilizado elementos verídicos oriundos fora do povo de Israel; assim a nogáo persa de «foreas e potencias do mal», correspondendo a urna realidade, foi assumida pela Bi blia com sua roupagem literaria; esta roupagem deverá ser cornetamente interpretada pelos exegetas, sem que, por isto, eliminem a verdade revelada (tenha-se em vista o caso do anjo Rafael, que aconselha a Tobías utilize coragáo e fígado de

peixe para afugentar maus espirites e se sirva de fel de peixe para curar os olhos do pai, conforme Tb 6,2-9). Eis palavras do Pe. Térra:

"É verdade que a existencia de anjos e demonios, como a próprla existencia de Deus, nao foi descoberta através da revelacSo bíblica. Trata-se de realidades acesslvels á experiencia religiosa da humanldade em geral. A funefio da revelacáo bíblica é Justamente Interpretar á luz da fé javfstlca de Israel os dados do universo religioso do tempo, corrlgindo as suas detunpacGes. No Novo Testamento a apresentacáo do demonio é des pida de todos os elementos mágicos e folclórlcos. As cenas do Evangelho apresentam a malor sobrledade.

Nada de longos exorcismos, conjuros, etc.

Mas simples palavras Imperativas de Cristo. O que é posto em relevo, é o significado teológico dos acontecimentos. Mesmo episodios aparentemente .carregados de pormenores místicos, como o do possesso de Gerasa, ganham profundo sentido religioso, quando se entende o género literario e o alcance teológico do texto. Atrás de traeos simbólicos é expresso o confronto de Cristo com o mundo pagSo, dominado pelo demonio. Realmente, as manlfestacóes do demonio no Novo Testamento só podem ser compreendidas a partir de um ponto de vista crlstológico" (pp. 143s).

Quanto á hipótese de que Jesús se tenha adaptado a crengas erróneas dos seus contemporáneos e assim as tenha con firmado até o sáculo XX, nao corresponde á profissáo, feita pelo próprio Jesús, de que veio dar testemunho da verdade: «Nasci e vim ao mundo a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz» (Jo 18,37). Quando Jesús se defrontava com falsas concepcóes da sua gente, cuidava de dissipá-las, como se deu no caso do cegó de nascenga, quando Jesús afirmou que nem este nem os pais deste haviam pecado (cf. Jo 9,ls). — 461 —

Tenham-se em vista as observaeóes do Pe. Térra: «Os dados do Novo Testamento nao permitem reduzlr o demonio a um simples símbolo da torga anónima do mal. Jesús, ao falar do demonio, nao se adaptou slmplásmente á mentalldade do tempo, mas exprlmiu a sua convlccfio própria. Prlmelro, porque a crenca em anjos e demonios nao era universal no seu tempo e no seu meio. Os saduceus, por exemplo, nSo aceltavam esses seres esplrltuals como também re|eitavam a ressurrelcfio a tudo aqullo que transcendesse o horizonte da vida terrena. Em segundo lugar, Jesús nao perde ocasiáo de corrigir as Idéias religiosas que nao se

conforman) com a sua mensagem de saivacfio. á asslm que refuta a idóla de que a cegueira de nascenca, e as doencas em geral, sejam castigo pelos

pecados dos país. Ora, ao se defrontar, p. ex., com a acusacfio de estar possesso do demonio, nSo nega a existencia do demonio, mas a confirma, mostrando que ele age contra o demonio e seu reino, sendo Ilógico que Satanás destina o seu próprlo poder" (p. 143).

2) Precisamente para favorecer o trabalho de distinguir entre os elementos de fé e a respectiva roupagem cultural nos escritos do Novo Testamento, o Cardeal Joseph Ratzinger, as

pp. 155-163, propóe «quatro criterios para discernir os limites entre a 'imagem do mundo' e a fé». Tais sao:

a) a rela$5o entre os dois Testamentos. O testemunho biblico resulta da harmonía do Antigo com o Novo Testamento,, que se explioam mutuamente. Ora verifi-

ca-se que a crenga na realidade de demonios é cada vez mais patente nos escritos bíblicos:

"A concepcfio de poderes demoniacos so aparece de modo hesitante no Antigo Testamento, elevando-se pelo contrario na vida de Jesús a um vigor inaudito, que continua sem dimlnulcfio em SSo Paulo e que perma nece até os últimos escritos do Novo Testamento, as Epístolas da catlvldade e o Evangelho de Sao Joáo. Este fato da intenslficacao do Antigo Testamento no Novo, da cristalizado extrema do demoniaco, precisamente em face da figura de Jesús, e da constancia do tema em todo o testemunho neotestamentário ó de grande torca testemunhal" (pp. 1583).

O motivo pelo qual a figura do demonio ficou um tanto apagada nos livros mais antigos da Biblia, se deve ao fato de que a Revelacáo divina devia, antes do mais, incutir ao povo israelita a crenga num único Deus, ou o monoteísmo; somente após firmado este principio, seria focalizada com evidencia a existencia de seres diabólicos, que os pagaos fácilmente identifiGavam com deuses ou semideuses.

b) O «esencial e o acídente! na autoconsciéncia de Jesús. A Escritura refere as tentagóes de Jesús (cf. Le

4,1-13; 22,28); Jesús se apresentou como Aquele que velo destruir os poderes do adversario forte ou de Satanás (cf. Me 3,27; Mt 12,29); acusado de praticar exorcismos — 462 —

em nome de Beelzebu, principe dos demonios, Jesús nao dissipou a crenca na possessáo diabólica, mas apenas mostrou que Beelzebu nao poderia estar agindo contra o reino dos demonios (cf. Mt 12,24-28). Mais: "Jesús conslderava parte do núcleo central da sua tarefa a luta contra os demonios (cf. p. ex. Me 1,39-39); conseqüentemente, a autorizado para esta luta pertence ao cerne dos poderes que confere aos seus discípulos:

eles sSo enviados para pregar, tendo o poder de expulsar os demonios

(Me 3,14s). A luta espiritual contra os poderes escravlzadores, o exorcismo de um mundo Iludido por demonios pertence inseparavelmente ao camlnho espiritual de Jesús e ao centro da missao do Cristo e dos seus discípulos. A figura de Jesús... nSo se muda, quer o sol gire ao redor da térra, quer

a térra ao redor do sol, quer o mundo se tenha formado por evofucao, quer nao; mas ela muda decisivamente, se removermos a luta com o poder expe rimental do reino dos demonios" (p. 160).

c) «A Biblia é livro da Igreja e a fé da Igreja é expressao da revelacao bíblica». A Biblia foi entregue á Igreja, de tal modo que so pode ser tomada como autén

tica fonte de fé se entendida no contexto da Igreja; a fé

nunca poderá ser devidamente depreendida pelo leitor deixado ao seu «bom senso» ou aos seus criterios individuáis. Ora observa-se que a Igreja, desde cedo, aceitou a reali-

dade do demonio; por exemplo, «o exorcismo e a renuncia

a Satanás pertencem ao núcleo do acontecimento batismal; esta renuncia, juntamente com a adesáo a Cristo, forma a porta indispensável de entrada para o sacramento..

Mudar-se-ia o batismo e, conseqüentemente, a vida crista, se se quisesse cancelar a realidade do poder do demonio? (p. 161).

d) A certeza científica como criterio negativo da fé. Nenhuma conclusáo da ciencia moderna contradiz a exis tencia do demonio. — Herbet Haag, porém, negou a esta em nome da «imagem do mundo» contemporáneo.

Ora per-

gunta-se: qual o trago de tal imagem que exclui a reali

dade dos anjos maus? Verdade é que esta «se opóe ao

gosto geral; do mesmo modo é evidente que nao tem apoio

num mundo contemplado funcionalmente; mas, guiados

pelos criterios da funcionalidade dos conceitos, deveremos dizer que no mundd contemporáneo também nao há lugar para Deus, nem para o homem como homem, e sim ape nas para o homem como fungáo; logo nele se desfaz muito mais do que so a idéia do demonio» (p. 162).

Expostos estes quatro criterios, o Cardeal Joseph Ratzinger concluí ser coerente com as premissas da fé aceitar a exis tencia do demonio.

— 463 —

44

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

3) É de notar outrossim que, ao lado da descreída na realidade do demonio, se registra no mundo contemporáneo um interesse surpreendente pelos fenómenos do ocultismo e até

mesmo pelo satanismo. Eis algumas expressóes de tal ten

dencia:

a) O culto a Satanás é boje em dia relativamente difundido; tenham-se em vista: o «Ordo Templi Orientis»

(O.T.O.), seita secreta que se dedica a orgias rituais sádi

cas e sexuais, encabecada inicialmente por Aleister Crow-

ley, que procurava entrar na posse das formas demoniacas com todos os meios possíveis imagináveis (drozga, magia,

sexo) e tornar-se assim o senhor do mundo inteiro. O

O.T.O. noje tem sedes na Alemanha e nos Estados Uni

dos da América.

b) A «Igreja de Satanás» nos Estados Unidos. Aos 30/04/1966 Antón Szandor La Vey anunciou a fundagáo da «Igreja de Satanás» (Choren of Satán), da qual é

sumo sacerdote. Em seis anos conseguiu mais de dez mil adeptos. A finalidade de tal seita é celebrar o corpo hu mano e seus desejos carnais. O fundador escreveu: «The

Satanic Bible», livro de perversáo satánica, como também «The Satanic Rituais», conjunto de gestos e palavras de diversas procedencias, tendo um capítulo intitulado «A Missa Negra».

c)

Diversos grupos de índole ocultista e mágica se

dizem adeptos do culto de Satanás e de espíritos maus,

praticando feiticaría, bruxaria, pactos com o demonio, etc.,

de modo que as publicacóes periódicas ou revistas, o cinema, os romances póem em foco o Maligno, obtendo enormes sucessos...

Estas expressóes de curiosidade pelo demonio e as imagens

que se lhe associam, vém a ser um trago da nossa época,... trago que se afirma com certa pujanga precisamente quando

muitos estudiosos negam a existencia do demonio, apelando para o contexto da civilizagáo moderna.

Tal fenómeno nao

permite que se risque sem mais a realidade do Maligno. Passemos agora a considerar os documentos de 1.1.2.

O magisterio da Igrefa

Desde os primeiros séculos da Igreja, algumas correntes dualistas foram invadindo os ambientes cristáos e disseminaram a concepgáo de que o mal no mundo se deve a um prin— 464 —

«ANJOS E DEMONIOS NA BIBLIA»

45

cípio subsistente, por si mau, antagónico a Deus bom. Tais correntes se inspiravam do maniqueísmo persa; os seus arautos se chamaram priscilianistas no sáculo VI, cafaros e vaJdenses nos sáculos Xl/Xm... Esse principio mau era obviamente identificado com o demonio ou com o Satanás da Biblia. Em conseqüéncia, o magisterio da Igreja, através de Papas e Con cilios, teve de se manifestar repelindo a concepgáo errónea rela tiva ao demonio que assim se propalava; indiretamente era assim reafirmada a própria existencia dos anjos bons e maus entendidos como a Biblia e os primeiros documentos do Cris tianismo os entendiam. 1.

Tenha-se em vista, por exemplo, a seguinte declara-

gáo do Concilio de Braga (560-563) em Portugal:

"Se alguém sustentar que o dlabo n§o fol prlmeiro um anjo (bom) felto por Deus e que a sua natureza nSo fol obra do mesmo Deus, e se pretender que ele salu do caos e das trevas, e que nSo há nlnguém que seja autor do seu ser, mas que é ele próprio o principio e a substancia do mal, conforme dlzlam Manes e Prlscillano, seja anátemal" (cap. 7, Denzinger-Schonmetzer xfi 457).

2. Esta solene afirmagáo, datada do sáculo VI, faz eco a outras anteriores, procedentes de doutores e teólogos da Igreja. Assim, por exemplo, escrevia S. Agostinho (t 430): "O enslno católico ordena que se acredite que esta Trlndade é um so Deus, que fez e criou todos os seres que exlstem e a medida em que eles exlstem; de tal sorte que todas as criaturas, tanto Intelectuals como corporais — ou para dlzer com mals brevldade e segundo os termos das Divinas Escrituras — tanto as vlslvels como as invisfvels, nao fazem parte da natu reza divina, mas foram tiradas do nada pelo mesmo Deus" (De Genest an litteram liber Imperfectua I, 1-2).

Na Espanha, o Concilio de Toledo I (400) professava igualmente que Deus é o Criador de «todos os seres visiveis

e invisíveis», e que fora dele «nao existe natureza divina de

anjo, de espirito ou de alguma outra potencia que possa ser reputada como Deus» (Denzinger-Schonmetzer 188). Por sua vez, S. Leáo Magno (t 458), ainda tendo em vista o priscilianismo, ensina: "A verdadelra fé, a fé católica, professa que a substancia de todas as criaturas, tanto das esplrltuals como das corporais, é boa e que o mal nao é urna natureza, dado que Deus, Criador do universo, fez somonte aqullo que é bom. Por teso, o próprio dlabo serla bom se tlvesse perma necido no estado em que fora criado. Por desgrasa, porque ele usou mal da sua excelencia natural, ele nao permaneceu na verdade (cf. Jo 8,44);

(sem dúvida) ele nao se transformou numa substancia contraria, mas sepa-

rou-se do sumo bem ao qual ele havia de ter aderido..." cap. VI PL 54, 683).

— 465 —

(epist. 15,

■46

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

'■■ 3. No século XII propagava-se o dualismo dos cataros ou albigenses, em consonancia com as teses priscilianistas. Foi entáo que o Concilio do Latráo IV (1215) houve por bem pronunciar-se nos seguintes termos: "Nos acreditamos firmemente e professamos com slmplicldade... um principio único do universo, Criador de todas as coisas vislvels e Invlslveis, esplrituais e corporals; com a sua virtude onipotente, no inicio do tempo ele crlou conjuntamente do nada urna e outra criatura, a espiritual e a cor poral, ou seja, os arijos e o mundo; depols, a criatura humana, que, até certo ponto, tem algo de urna e de outra, composta como é de espirito e de corpo. Dado que o diabo e os outros demonios foram criados por Deus naturalmente bons, foram eles, por si mesmos, que se tornaram maus, por próprla iniciativa; quanto ao homem, ele pecou por InstlgagSo do diabo" (Denzlnger-Schonmetzer n? 800).

Esta declaragáo do Concilio do Latráo IV faz eco as ante riores; tem valor dogmático, como afirmam os comentadores — o que quer dizer: define a fé da Igreja. Em suma, professa a existencia dos anjos maus que, criados pelo único Deus, nao sao substancialmente maus, mas se tornaram maus por abuso do seu livre arbitrio. O Concilio nao definiu nem o número dos anjos maus, nem o tipo do seu pecado nem a extensáo da sua influencia, deixando as escolas de teología o aprofundamento desses assuntos.

O ensinamento da Igreja antiga e medieval foi ressoando através dos séculos, de tal modo que o Concilio do Vaticano II lhe faz eco nítido, afirmando, á maneira do Apostólo, que «Cristo nos livra do poder das trevas» (cf. «Ad Gentes» 3 e 14; cf. Cl 1,13). Retomando perspectivas de Sao Paulo e do Apocalipse, a Constituicáo «Gaudium et Spes» recorda que a his toria universal é «urna dura batalha contra o poder das trevas; comegada ñas origens do mundo, durará, como disse o Senhor, até o último dia» (n* 37). Na Constituicáo «Lumen Gtentium» lé-se que «temos de lutar contra os dominadores

deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos» (n' 35;

cf. Ef 6,12); o mesmo documento, querendo apresentar a Igreja

como o Reino de Deus que já comecou, invoca os milagres de Jesús, fazendo explícita mengáo dos seus exorcismos (n« 5); estes assinalavam realmente a vinda do Reino de Deus, con forme Jesús em Le 11,20; Mt 12,28.

Sejam estes testemunhos — aos quais outros se poderiam

acrescentar — suficientes para comprovar o pensamento ofi cial da Igreja com relagáo á existencia dos anjos maus. — 466 —

«ANJOS E DEMONIOS NA BIBLIA»

47

Eis as ponderales que bons autores, seguindo as pegadas da Tradicao, propóem para sustentar a assercáo de que o diabo existe; este nao constituí «urna personificagáo mítico-simbólica do poder impessoal da maldade, mas implica real mente a existencia de criaturas para-humanas, conscientes e livres, que se opSem ao plano divino de salvagáo» (p. 142).

Passemos agora aos argumentos aduzidos em contrario. 1.2.

Por que nao erer na existencia do demonio?

Apontam-se, na coletanea em foco, cinco principáis razSes:

a) Argumenta Rudolf luz elétrioa, o radio, utilizar clínicos no caso de doenca e dos espiritas e dos milagres

Bultmann: «Nao se pode usar a modernos instrumentos médicos e crer, ao mesmo tempo, no mundo no Novo Testamento» (cf. p. 82).

Mais sucintamente H. Haag: "Esta concepcSo nSo é mals conciliável com a nossa imagem do

mundo" (cf. p. 156).

A propósito observa o Cardeal J. Ratzinger: "A razao para a despedida do demonio nfio consiste numa aflrmacSo da Biblia em sentido contrario, mas na nossa imagem do mundo com a qual isso n9o é conciliável. Em outras palavras: Haag se despede do demonio nao como exegeta, ... mas como contemporáneo, que tem por Inadmissível a existencia de um demonio... Fala contra Haag a sem-cerimonla com que ele determina o que é conciliável com a Imagem moderna do mundo, e o que nSo é... Haag se pronuncia nao como exegeta, mas como filósofo, conslstindo evidentemente a sua única filosofia numa modernidade" (cf. p. 156s).

Ora tal modernidade irrefletida nao atende as exigencias de um pensamento científico e objetivo.

2) «Hoje os fenómenos que deram origem á crenga no demonio (tentagáo, possessáo, alucinacóes, etc.), sao interpre tados pela psicanálise como projegóes do inconsciente, pela parapsicología como o produto de capacidades paranormais, etc. Logo devemos considerar as afirmagóes bíblicas sobre o demo nio como ligadas ¿o horizonte cultural da época. Hoje só pode mos falar da forga coletiva do pecado, que provém do homem e age sobre ele» (Pe. Libante, p. 143). — 467 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

— Ao que se deve responder: a afirmasáo da existencia do demonio nao está necessariamente ligada á afirmagáo de fenómenos paranormais ou parapsicológicos, mas ela se enquadra, antes do mais, na consciéncia que Jesús tinha e transmitiuia sua Igreja, de estar lutando contra o «principe deste mundo» (cf. Jo 14,30; 16,11); a Páscoa de Cristo, na consciéncia de Jesús, estava intimamente associada á realidade do Maligno. «Os dados do Novo Testamento nao permitem reduzir o demonio a um simples símbolo da forca anónima do mal. Jesús, ao falar do demonio, nao se adaptou simplesmente á mentalidade do tempo, mas exprimiu a sua conviccáo própria» (Pe. Térra, p. 143).

3)

«Há varias coisas que foram consideradas pacifica

mente através dos sáculos como contidas na Biblia e, depois, com o progresso da ciencia foram abandonadas pela Igreja; por exemplo, o fixismo em materia da origem das especies e

do homem. Portanto, o criterio nao pode ser simplesmente o

enunciado bíblico; é preciso saber interpretá-lo» (Pe. Libanio, p. 145).

— Em resposta, observa-se: a Igreja através dos sáculos nao adotou a posicáo fixista, isto é, contraria á evolucáo bio lógica, já que nem havia tal problema, ou seja, a hipótese cien tífica do evolucionismo náb tinha sido formulada... Aos pouoos tornou-se patente a compatibilidade do evolucionismo cien tífico com a fé biblica na criaeáo. "Admito o paralelismo invocado entre as duas sltuacoes teológicas. Mas estou certo de que um eventual pronunciamento da Igreja vlrá con firmar substanclalmente a posIgSo tradicional acerca do demonio. O pro gresso científico nfio altera os fundamentos desta poslcfio. Com efelto, o fato de que o fenómeno da tentacáo e outras manlfestacoes consideradas demoníacas possam ser Interpretadas científicamente atravós da pslcanállse, da parapsicología, etc. nfio significa a exclusSo do demonio como prin cipio da tentacSo. As duas Interpretares, a científica e a da fé, movem-se em planos diversos. Se a conseqüéncla fosse verdadeira, excluirla tambero o Espirito Santo e, finalmente, o próprlo Deus, como faz Freud entre outros. O Espirito Santo seria entendido como a bondade personificada... Entre tanto a exegese católica demonstra o fundamento bíblico da fé eclesial na tercelra pessoa da SS. Trlndade" (Pe. MacDowell, pp. 145s).

4) «A existencia ou inexistencia do demonio em nada altera a visáo do mundo cristáo» (Pe. Vaz, p. 146). — Eis a resposta: «Nao se trata de aceitar ou rejeitar um dado bíblico partindo da pergunta: que sentido tem isto? que importancia? que necessidade? Este tipo de questionamento — 468 —

«ANJOS E DEMONIOS NA BIBLIA»

49

poria em xeque a liberdade da comunicacáo divina. Por que existe o demonio? Por que o Filho de Deus se encarnou?... Trata-se de fatos que dependem da liberdade divina, superando qualquer cálculo humano. Assim a existencia de seres cons cientes e livres, pertencentes a um mundo invisível, em certa relacáo com o mundo humano..., é um fato resultante da generosidade criadora de Deus. Por que Deus nao pode ter criado tais seres? Precisa prestar-nos contas de seus atos? Ou temos o direito de rejeitar a existencia de tais criaturas só porque nao vemos que sejam necessárias para a compreensáo

da existencia humana?» (Pe. MacDowelI, p. 146).

5)

«A agáo do demonio nao só é desnecessária para a

compreensáo crista do mal, mas até se opóe á dignidade da pessoa humana. Como admitir que o destino humano esteja

sujeito a outro poder que nao o de sua própria liberdade?

Seria absurdo» (Pe Herrero, p. 149).

— Em resposta: «Segundo a Revelagáo crista, o demonio é apenas o tentador, provocador, instigador do mal. O homem

permanece plenamente responsável por seu pecado...

Assim

como o homem pode tentar outro homem, instigando-o para o mal, assim também outro ser consciente e livre. Nada vejo de estranho nisto» (Pe. MacDowelI, p. 149).

O debate ácima foi travado numa reuniáo de teólogos e filósofos jesuítas realizada aos 14-15/02/75 em Correias-RJ. A ata da disputa, altamente interessante, foi elaborada pelo Pe. MacDowelI e publicada na coletanea em foco, pp. 140-154. A exposicáo sucinta do conteúdo do livro dá ocasiáo a urna 2.

Reflexao final

A coletánea em foco vem corresponder a urna necessidade do público de língua portuguesa, que nao se pode furtar á questáo da existencia dos anjos bons e maus num mundo de fenó menos umbandistas, fetichistas, mágicos...

A obra é bene

mérita por apresentar ao leitor a ocasiáo de examinar, numa visáo de relance, os argumentos favoráveis e os desfavoráveis a existencia do Maligno: verifica-se que a questáo nao pode ser dirimida únicamente numa perspectiva filosófica ou empírica, mas exige consulta e fiel atengáo as fontes da fé, pois aborda — 469 —

50;

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

assunto de índole revelada ou sobrenatural. Feito o balanco de quanto afirmam os documentos bíblicos, os testemunhos da Tradigao e do magisterio da Igreja, o leitor cristáo observa

que nao pode negar a existencia dos anjos bons e maus sem

cair em incoeréncia; trata-se de proposicáo integrante do depó sito da fé. Donde a conclusáo de A. M. Kothgasser:

"Fazer teología significa sempre professar a próprla fé. € eis o meu Credo: 'Crelo em um só Deus, Pal onlpotente, Criador do céu e da térra de todas as coisas vislveis e invisíveis... E um só Senhor Jesús Cristo '

E no Espirito Santo que ó Senhor e dá a vida... E na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica... Entfio alguém me perguntará: 'Cré ou nao eré no

diabo? Respondo: Naol Crelo em Deus — e confesso que o diabo existe e está aínda agora atuante. Isto ó, distingo entre Té1 em Deus como autodoac&o e abandono, e a crenca no diabo como 'fó constatativa* " (p. 101).

Farabens ao Pe. J. E. M. Térra pela obra que entregou ao publico! Seja útil e esclarecedora neste momento de hesita-

cóes e düvidas!

Ao leitor que nlo possa ler, por Inteiro, a obra em pauta, recomenda mos especialmente o artigo de A. M. Kothgasser ás pp 78-101: "O Diabomito ou realldade?"







(Contlnuacáo da pág. 508) O sacramento da Confirmacáo, pelo Pe. Luiz Cechinato. — Ed. Vozes

Petrópolis 1982. 135 X 210 mm, 133 pp.

O Pe. Cechinato tem-se comprovado por suas obras como benemé rito catequista. Já escreveu um compendio de doutrlna "Senhor, a quem iríamos?" como também urna explicacáo do que seja a S. Mlssa. O volume sobre a Crisma está multo bem redigido: aborda os sacramentos em geral, como slnals do amor de Jesús; depols detém-se sobre a Crisma e o papel do Espirito Santo na Igreja e na vida do crlstfio; termina com a

apresentacáo dos llvros bíblicos, que devem ser o manual de lesura coti

diana do crlstao. Apreciamos o uso freqüente da S. Escritura na explanacáo do tema como também o recurso a contos e historietas que ajudam

o aluno a compreender a materia. Possa tal obra dlfundlr-se, lembrando a todos os cristáos a vocacao á santidade, cujo Mestre Interior é o Espirito Santol

O dlreito de ser Jovem, pelo Pe. José Fernandos de Oliveira (Pe. Ze-

?Ln«»° S9J)¿ ~~ Cole5fio "Jovens-Adultos — 1". — Ed. Paulinas, SSo Paulo 1982, 120 X 200 mm, 166 pp.

O Pe. Zezlnho volta a escrever seus livros para a juventude, sempre

com multo bom senso e arte comunicativa. Sabe dlzer em estilo jovem as verdades mals duras e diflcels. O presente llvro, por exemplo, defende o dlreito de ser Jovem contra os modismos que escravlzam e massiflcam. A Juventude está sujelta a ser manipulada por tabus (geralmente libertinos) que Ihe incutem a "obrlgatorledade" de certos comportamentos; caso nao os aceltem, os jovens se sentem marglnallzados. Na verdade, deixam de ser eles mesmos e auténticos Jovens para seguir padrOes que fontes espu rias Ihes impfiem:

(Continua na pág. 482)

— 470 —

Um livro candente:

"A Luta dos Deuses por diversos autores

Em síntese: O livro «A luta dos deuses" é urna coletñnea de artlgos de teólogos latino-americanos: de modo geral, tomam posicaes que em absouto Já nfio sao cristas, mas correspondem slmplesmente ás de um

marxsmo que, por vezes, se camufla de catolicismo; ... por vezes, pois

há af páginas impregnadas de total secularlsmo. O Interesse principal dos

autores_é a revolucao sóclo-econñmlca, flcando os valores da fó subordi nados a consecucSo de tal objetivo; a fé torna-se fungfio e instrumento da praxis revolucionarla. A verdade metafísica ou ontológlca como tal nfio

interessa; o que importa, é a verdade «práxlca» ou a eficiencia de aIguma propos cfio para mudar a realldade. Na base destas concepcoes o Mvro preconiza e prepara o surto de urna nova Igreja, desvinculada de suas

clásslcas premlssas bíblicas e de suas tradigoes doutrlnárlaT para poder entregar-se totalmente á causa da llbertacfio sócio-economlca das poDulacoes latino-americanas.

K

Comentario: As Edicóes Paulinas publicaram em 1982 um hvro candente intitulado «A luta dos deuses», com o subtitulo «Os ídolos da opressáo e a busca do Deus Libertador»- vem a

ser urna ooletánea de artigos concementes á opressáo e libertacao dos povos latino-americanos, da autoría de Pablo Ri chard, Severino Croatto, Frei Betto, Víctor Araya, Jorge Pixley, Jon Sobrmho, Javier Jiménez Limón, Franz Hinkelammert, Joan Sasanas, Hugo Assmann... * Este último autor e Frei Betto sao brasileiros, que figuram ao lado de pensadores domi ciliados na América Latina.

.

A °br* é bem representativa da corrente de pensamento

vinculada & Teología da Libertagáo. Por isto merece o interesse do estudioso, neste momento em que a temática está mmto em voga. — A seguir, poremos em relevo os traeos prin cipáis da doutrina apresentada pelos respectivos autores e lhes acrescentaremos alguns comentarios.

1A luta dos deuses. Os (dolos da opres&ño e a busca do Dbus Llberlador, por diversos. — Ed. Paulinas, Sfio Paulo 1982, 130 x 200 mm. 308 pp. — 471 —

52

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

1.

O conteúdo da obra

Dentre os artigos do livro em pauta, vun dos mais signifi cativos é o de Joan Casañas, teólogo espanhol que vive no

Chile e pertence ao grupo «Agermanament» de Barcelona. Traz o titulo abaixo:

1.1.

1.

«A tarefa de fazer com que Deus seja» (pp. 157-206)

O autor parte do seguinte principio: cristáo é aquele

que se empenha pela transformacáo da sociedade latino-ameri cana de nossos dias, entregando-se a «urna praxis militante junto ao povo», ou á «revolugáo proletaria» (p. 159), «sem se deixar amarrar por qualquer especie de dever de fidelidade aos esquemas mentáis e as formas de expressáo recebidos da Bi

blia ou de outros lugares da tradigáo crista ou religiosa em geral» (p. 158). Isto nao quer dizer que o cristáo despreze a Biblia ou a tradigáo crista, mas ele as recebe sobre premissas indiscutíveis, a saber: é preciso lutar para reformar a socie dade e instaurar urna nova ordem económico-política. A Biblia há de ser lida e interpretada em fungáo desta tese. — Com

outras palavras: devemos, antes do mais, importar-nos com «aquilo que vivemos, vemos e nos ocorre agora, nao com aquilo que 'aprendemos' como 'bom\ e ao qual demos nosso 'assentimento' com fidelidade 'religiosa' » (p. 158) x. O con fronto entre a praxis militante e a Biblia pode ser muito fecundo, mas «constitui um segundo ou terceiro momento da tarefa e devemos procurar evitar que ele sufoque os momentos ante riores» (p. 158).

Pode-se, pois, dizer no caso: o cristáo é, antes do mais e

certamente, um revolucionario..., que aceita a Biblia na me dida em que ele a tem como estimulante da revolugáo. Em consecuencia, Casañas se opóe até mesmo á teología dita «pro-

gressista», pois esta ainda se atém muito ao clássico modo de

entender a Biblia, considerando-a «intocável, talvez fetichizada» (p. 159).

2.

tantes:

Destes dizeres se seguem algumas proposigóes impor

i o que aprendemos como bom, é designado por Casañas como "acumulacBo bancárla de esquemas mentáis, conceltos. Imagens e formulacees" (p. 188).

— 472 —

«A LUTA DOS DEUSES»

2.1.

53

O verdadeiro conceito de Deus nao é o do Deus

crucificado, «que se deixa oprimir e massacrar com o povo pela pretensa razáo de que o amor é que deve vencer» (p. 160).

Nao; na verdade, Deus nao é, mas Deus será, ... e so será se ocorrerem as condigóes para tanto, ou seja, se houver amor entre os homens (cf. p. 161): «Tudo está em processo, Deus

nao é, mas será — no máximo podemos dizer que vai sendo,

se a revolugáo proletaria avanca» (p. 170). «Para além daquilo que nossas categorías ontológicas conseguem encerrar, Jaweh nao é, mas será. Será quando houver um povo que realize determinadas condigóes» (p. 162).

Quando os homens amarem o próximo e realizarem intei-

ramente a justiga na térra, «só entáo Deus será Deus. O Deus

que pretendemos afirmar, prescindindo da realizagáo da justiga, é simplesmente um ídolo, nao o Deus verdadeiro. O Deus verdadeiro nao é, será» (p. 162).

Somente para os opressores Deus já existe e a ontologia prevalece sobre a praxis; por isto eles dizem que, de certo modo, já conhecem Deus pela fé. Os oprimidos e seus defen sores negam que o Deus já conhecido seja o verdadeiro Deus antes que haja justiga social no mundo.

2.2. Em conseqüéncia, nao pode haver fé enquanto há relagóes mercantis entre os homens (cf. p. 161). A experien

cia da fé requer «emancipagáo política, social e, em última ins tancia, económica em relagáo ao modo de produgáo mercantil» (p. 161). Essa experiencia de fé nao se consegue com «aggiornamentos» ou modernizagóes.

«Modernizar ou 'aggionar' o

fetiche nao significa superá-lo. Nao há outro modo de viver a fé em sua radicalidade sem lutar radicalmente pela destrui-

gáo do sistema de dominagáo» (p. 161s).

Desta afirmagáo se segué que «dizer que a atividade revo lucionaria nao é toda a vida... significa estar perto de dizer que há parcelas da vida e da realidade que nao sao tocadas de modo algum pelo aspecto político e a luta de classes. É nessas supostas parcelas que viceja e floresce alegremente o cristia nismo tradicional em alianga com o capitalismo» (p. 165).

2.3. Outra conseqüéncia das premissas de Casañas é a seguinte: nao podemos dizer que Jesús nos tenha trazido urna mensagem definitiva, que sirva de referencial e criterios para

formularmos a mensagem crista hoje. «Aquele que abre urna brecha, como Jesús fez, quer que outros a ampliem e nao que todos se limitem a passar pela brecha que ele deixou» (p. 17»). — 473 —

51

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

■:•• ■ «Nao se está fazendo nenhuma reducáo de Jesús, o Messias, quando se procura desmontá-lo como fetiche que 'sabia tudo' e 'disse tudo' sobre Deus, que 'faz tudo' para que pudés-

semos nos aproximar de Deus, que tudo fica abaixo dele, etc.» (p. 171) *.

2.4.

,,.

O conceito de evangelizac.áo passa a ser o seguinte:

«Desse modo 'evangelizar' seria motivar e ajudar os outros

a ingressar na luta armada organizada do povo oprimido, bem

como motivá-los e ajudá-los também a que descubram, expressem e formulem os níveis mais profundos de vida, amor, doagao e gratuidade, esperanca e criaüvidade — transcendencia e divindade — que encontram nessa experiencia militante, pessoal e comunitaria... É fatal querer viver de renda das expe riencias e formulagóes de outros em outros tempos» (p. 171).

2.5.

Conseqüentemente, urna nova Igreja a ser fundada

em breve entra na perspectiva de Casañas:

«Talvez em breve tenhamos que optar entre permanecer em urna Igreja com todas as suas obrigagóes em dia, confessando urna 'mesma fé' com todos os capitalistas e direitistas instalados nela, e abandonar esse círculo eclesial para poder

falar com um pouco de seriedade revolucionaria sobre Deus Jesús de Nazaré, a fé como opgáo libertadora, etc. (ou seja'

para poder contribuir com algo profundo e necessário para a revolugáo, em seus níveis mais densos e surpreendentes)... A finalidade primeira e última nao é permanecer na Igreja nem falar de Deus revolucionariamente, mas sim fazer a rovolugáo, o quanto antes e bem» (p. 178).

Essa «Igreja ao lado» ou nova vai sendo preparada por membros da clássica e única Igreja fundada por Cristo; tais

membros, permanecendo propositadamente dentro da Igreja, tencionam solapar a unidade e a fé da mesma. É o que se depreende do seguinte testemunho:

»A guisa de ilustracfio, transcrevemos: "O Importante em Jesús de Nazaré — como em outros heróls que nos pracederam — ó o camlnho prático que ele propOe e realiza pessoalmente com sua vida e a entrega de sua vida, nSo tanto as conclusOes ou aproxlmacSes teóricas que em cada momento de sua existencia ele val tirando

dessa praxis sobre Deus, a 'outra vida', a 'providencia', etc." (p. 172). — 474 —


55

"Perguntel a alguns teólogos 'progressistas' por que, em multos de

B6U8 escritos, geralmente nos momentos mals importantes de seus discursos,

lancam mSo, quando menos se espera, de horizontes de compreensfio, sím bolos e linguagem clásslcos, cem por cento tradicionals, dogmáticos e flxos, esses que os militantes da causa socialista nao entendem, que nao Ihes dlzem nada e que nfio podem fazer seus. Certos teólogos responderam-me que assim agem para nao 'provocar1 a hlerarquia, para evitar 'admoesta-

c6es' que os afastariam da Igreja-InstituicSo, para nSo se afastar multo déla e assim, pouco a pouco, tentar fazer com que ela se aproxime do povo que luta e de urna 'nova' teología, que seja expressáo próprla desse povo" (p. 179s).

Donde se depreende que a atitude religiosa é algo de mera

mente subjetivo, imánente, experimental. Nao haveria atitudes

religiosas uniyersais, válidas para todos os homens de todos os tempos. A única realidade incondicionalmente válida é a necessidade da revolucáo violenta; os clássicos valores vém a ser fungáo desta, subordinados a esta como algo de relativo ou flexível segundo a subjetividade de cada individuo. 2.6. A «libertagáo dos pobres» e a militáncia em favor destes nao devem ser vistos em fungáo de outra meta que fosse

explícitamente religiosa; sao objetivos suficientes para o cristáo. Eis as palavras de Casañas:

"Parece suficientemente demonstrado que é contraproducente alguém

comecar a militar em partidos de esquerda, sindicatos, organizares de massa, movimientos populares, etc., para assim poder 'evangelizar', para assim poder fazer 'teología da llbertac.áo\ para assim saber que experiencia os minantes tém em relacáo a certos aspectos da vida e assim por dlante. Esse 'para' é fatal. Eu conheco multos casos como esses. A militáncia é algo que deve ser levado a serio e assumido por seu próprio valor, como ativldade libertadora feita carne e osso, porque é necessárlo libertar, acarretando ou

nao certos efeitos secundarlos, que nlnguém nega que podem ser Interes-

santes, ou entáo n§o passará de urna 'aproximagSo' intelectual ou Jornalistlca ao povo e aos grupos de militantes populares" (p. 185).

2.7. De quanto foi dito resulta ainda que o amor é Deus, em vez da fórmula «Deus é amor» (cf. p. 193). Mais: o pró

ximo deve ser «adorado»:

"Se adorar é entrega r-se totalmente a algo ou a alguém, submeter-se voluntariamente a algo ou a alguém, entregar a algo ou a alguém toda a capacldade de dependencia, de admlracáo, de amor, de dedlcacSo atenta e alegre, reconhecer algo ou alguém como o único criterio definitivo e abso luto de nosso viver, se adorar é isso, entáo talvez esteja bem claro que o

único que deve ser adorado é esse próximo que temos á nossa frente, prin cipalmente ao que se encontra fora de nosso seguro e cómodo lugar: o oprimido, o marglnallzado pelo sistema imperante, o subjugado e explorado por ele" (p. 202).

— 475 —

56

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1S82

O Senhor da historia é o povo oprimido, confonne os dize-

res da p. 205.

Estes tópicos, extraídos do artigo de Casañas, sao sufi cientes para exprimir o pensamento do autor.

1.2.

«Deus brota na experiencia da vida» (pp. 219-226)

Tal estudo é da lavra de Frei Betto.

As pp. 221s, o autor tenciona comentar um artigo do

Credo, que ele formula em termos equívocos: «Ao terceiro dia, desceu aos infernos». Na verdade, tal artigo nao existe, pois o Credo reza:

"Fol crucificado, morto e sepultado. Desceu á mansSo dos morios

Ressuscltou ao terceiro día".

Ao terceiro dia, portante, Jesús ressuscitou dos mortos, em vez de ter estado na «mansáo dos mortos». Na verdade o que o Credo quer dizer, é que Jesús, tendo morrido, pode anun ciar aos justos falecidos antes da sua vinda a redencáo adqui rida e o premio da vida eterna. Todavía Frei Betto, valendo-se da formulagáo arcaica («desceu aos infernos»), interpreta «infernos» como sendo a mansáo dos que «se sentem conde nados por Deus», e exorta o leitor a descer também ele aos infernos, isto é, ao convivio dos homens marginalizados pela

sociedade nesta térra. Ora nessa explanagáo do autor há evi dentemente um jogo de palavras falacioso. Pode alguém defen der a causa da solidariedade com os pobres ou marginalizados e condenados na vida presente, sem recorrer ao referido artigo do Credo, que nada tem a ver com o propósito.

Pouco adiante o autor dá a entender que seus antigos

companheiros de prisáo, pelo fato de serem sofredores, eram (e sao) homens salvos diante de Deus: «Ele sao salvos por urna coisa muito simples: sao eles que se identificam na his toria com a Paixáo de Cristo. Eles vivem em sua carne o prolongamento dessa Paixáo» (p. 222). Ora nao se pode sacralizar o sofrimento de maneira abso luta. Este é santo na medida em que vai unido ao de Cristo e aceito por amor a Jesús. Acontece, porém, que alguém pode sofrer porque odiou ou odela — o que nao é santo. — 476 —

«A LUTA DOS DETJSES»

1.3.

57

Os dentáis artigos

Os restantes artigos da coletánea incutem a mesma men talidade, usando de erudigáo bíblica e cultura geral. Caracte-

rizam constantemente a mentalidade dos povos da América Latina como sendo idolatría «nos aspectos económico, social,

político, cultural, ideológico e religioso» (p. 37). Se há opressáo e injustica na América Latina, estas sao atribuidas a urna cosmovisáo mítica, á qual se opóe o Deus do éxodo bíblico, como o Deus que liberta do Egito idolátrico e da servidáo. É, alias, esta tese que inspira o título do livro: «A luta dos deu ses» — o que deve ser entendido como a luta de Javé contra

os falsos deuses, os deuses da opressáo, os deuses do sistema sócio-económico vigente.

Ainda merece especial atencáo o penúltimo artigo da cole tánea intitulado «As raizes económicas da idolatría: a meta física do empresario», da autoría de Franz Hinkelammert, eco nomista alemáo, diretor de Pós-graduagáo em Economía na Universidade de Honduras. Com finura de espirito e sarcasmo, o escritor caracteriza a mentalidade do capitalismo liberal, que coloca o dinheiro ácima do homem:

"O conjunto das empresas,* unido pelo dinheiro, apresenta-se como um grande organismo. Hobbes já havia chamado esse organismo de Leviatfi e o dinheiro de sangue do Levlata. Sem excecfio, a metafísica empresarial iambém concebe o dinheiro como o sangue da economía. Assim, quando se diz que 'a sangría da guerra do Vietnfi transformou o dólar na moeda mals fraca e vulnerável de todas as moedas dos países desenvolvidos'

(Dle Zelt, 24-3-78). ninguém está se queixando do sangue concreto de homens concretos no Vietná .A sangría para a qual a metafísica empresa rial está chamando a atencSo, ó outra: o dinheiro gasto nessa guerra. Mesmo

que o número de morios fosse multo maior, nSo teria havldo nenhuma 'sangría do VletnS1 se o dólar houvesse saldo fortalecido" (p. 237s).

Nao podemos deixar de reconhecer que em tal artigo cer tas páginas focalizam a verdade com realismo e fidelidade:

outras, porém, a deturpam ou caricaturam. Interessa-nos agora

2.

Urna breve apreciando

Recapitulando, dizemos: o livro, através das suas diversas páginas, é inspirado por urna mentalidade homogénea, cuja linha central pode ser resumida nos seguintes termos: — 477 —

58

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 265/1982

A sociedade consta de duas classes: a dos opressores e a dos oprimidos. Ora esta realidade tem que ceder a urna nova ordem. O cristáo se define por seu empenho nesta revolugáo. A meta indiscutída e suprema é o homem libertado das opres-

sóes económicas, sociais e políticas. Os valores religiosos valem

tao somente na medida em que contribuam para tal «libertagáo»; nem há necessidade estrita de cultivá-los como tais ou explícitamente; «quando o proletario diz que Jesús é um ho mem bom, está dizendo mais do que diz o burgués quando

afirma que Jesús é Deus» (palavras de Bonhoeffer, citadas com aprovagáo por Casañas, a p. 171).

A verdade metafísica ou ontológica ou a verdade como tal nao interessa (a ponto de se dizer que ela nao existe). O que importa, é a verdade «práxica» 1, ou seja, a eficiencia de alguma proposigáo para mudar a realidade; tal eficiencia é o criterio da verdade.

Ora nao é difícil perceber que tais concepgóes nao se coadunam com as do Cristianismo entendido a partir da Biblia e da Tradigáo. Com efeito, levem-se em conta estas proposigóes hauridas ñas germinas fontes do pensamento cristáo: 1) Existe a realidade metafísica, transcendental, ontoló gica. Isto quer dizer que existe Deus antes que o homem e as realidades terrestres existam; Ele existe independentemente das suas criaturas, justas ou injustas, e merece ser considerado em sua identidade singular transcendental. 2) Mais amplamente: a verdade nao está necessariamente vinculada á praxis ou á transformagáo das estruturas sociais. Aplicada ou nao, bem aplicada ou mal aplicada as realidades concretas, a verdade existe; ela interessa como tal ao cristáo, que a estuda para conhecé-la. Conhecer a verdade já é, como tal, um enorme valor para o cristáo.

3) Conseqüentemente, a Biblia há de ser lida com objetividade, ou seja, segundo os criterios da exegese científica (lingüistica, arqueología, historiografía...) e a analogía da fé ou os ditames da Tradigáo e do magisterio da Igreja. As conclusóes do estudo biblico nao podem ser predefinidas por algum sistema filosófico preconcebidamente adotado pelo exegeta.

10 adjetivo "práxico" ó utilizado por Casadas á p. 171.

— 478 —

«A LUTA DOS DEUSES»

59

Está claro, porém, que a S. Escritura devidamente enten dida leva os cristáos a urna atuagao concreta que vise a instau rar neste mundo os valores da justica, da fraternidade e do amor mutuo. O cristáo que nao se interesse por esta tarefa é

omisso ou vem a ser mesmo um contra-testemunho. Note-se, porém: é a Biblia lida com objetividade que inspira ao cristáo os seus deveres temporais, e nao vice-versa; nao sao os deve res temporais ou a praxis revolucionaria que inspiram ao cris táo os parámetros para interpretar a Biblia.

4) Existe urna só fé crista, independente do tipo de vida daqueles que a professam (ricos ou pobres, bons ou maus...). Será sempre necessário lembrar que a vida ou a praxis é va lor posterior ao lógos ou á verdade e nao vice-versa. É o logas

ou a Palavra de Deus que deve iluminar o comportamento do homem, e nao vice-versa. A atitude religiosa ou a adesáo do homem a Deus é um valor objetivo, que tem seus modelos na Palavra de Deus, ou em fontes transcendentais e nao em reali dades temporais ou na praxis política.

5) Conseqüentemente, há urna só Igreja, um só Batismo, como há um só Deus (cf. Ef 4,5). Qualquer sociedade que se funde ao lado desta única Igreja, ainda que tenha o nome de «nova Igreja», nao é obra de Jesús Cristo, mas, sim, dos homens; é muitas vezes facgáo política rotulada de títulos cristáos. A única Igreja fundada por Jesús Cristo nao é apenas carismática nem é flutuante como flutuante é o zelo dos ho-

mens, mas é instituicáo que tem suas notas objetivas. Ela existe onde quer que se exerga legítimamente a sucessáo apos tólica, ou, mais precisamente, onde quer que estejam Pedro e seus legítimos sucessores. Com efeito, Jesús disse aos seus

Apostólos: «Ide... pregai... ensinai...

Eis que estou con-

vosco todos os dias até a consumagáo dos sáculos» (Mt 28,

18-20). Donde se vé que a assisténcia de Cristo, que garante a autenticidade da Igreja, nao está ligada a valores éticos sub jetivos (virtude, santidade... dos homens), mas a um valor objetivo: a sucessáo apostólica; onde quer que estejam os

Apostólos e seus sucessores, através dos tempos, ai está Cristo. — 479 —

60

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

^

' 6) Assim como nao há duas Igrejas, também nao há dois magisterios eclesiásticos: o dos Bispos, de um lado, e o dos teólogos, do outro lado. Táo somente os Bispos, como colegio chefíado por Pedro, gozam do «carisma da verdade» 1. Os teó logos háo de colaborar com os Bispos, oferecendo-lhes os resul tados de suas pesquisas, mas a palavra decisiva que define a verdade, distinguindo-a de erros teológicos, toca exclusiva mente aos Bispos. O Documento de Puebla refere-se ao «ma gisterio paralelo» que alguns teólogos pretendem exercer, colocando-se ácima da hierarquia:

"O Blspo é mestre da verdade. Numa Igreja totalmente consagrada ao servlco da Palavra, ele é o primelro evangellzador. o prlmelro catequista; nenhuma outra tarefa o pode eximir desta mlssáo sagrada. Medita religio samente a Palavra, atualiza-se doutrinalmente, prega ao povo pessoalmente;

vela para que a sua comunidade progrlda de continuo no conheclmento e

na prátlca da palavra de Deus, animando e orientando a todos os que enslnam na Igreja (a fim de evitar 'magisterios paralelos' de pessoas ou grupos), e suscitando a colaboracfio dos teólogos, que exercem o seu carisma espe cifico dentro da Igreja a partir dos métodos próprios da teología; para isto busca urna atuallzacáo teológica, a flm de poder discernir a verdade, e mantóm como eles urna atltude de diálogo. Isso tudo em comunhSo com

o Papa e com seus irmfios Bispos, especialmente os de sua Conferencia Episcopal" (n? 687).

7) É falsa a divisáo da sociedade em duas classes

opres-

sores e oprimidos — como se nao houvesse meio-termo ou

alternativa. Também se deve recusar a identificacáo de «pobre» com «justos, amigos de Deus, predestinados á vida eterna» e de «ricos» com «injustos, pecadores destinados ia condenacáo

eterna». O que valoriza alguém diante de Deus, nao é o que tal pessoa tem ou deixa de ter, mas o que ela é; o criterio é ser e nao ter; pode-se admitir a posse legítima de bens por parte

de alguém que seja honesto e procure fazer que suas posses sirvam a coletividade, consciente de que «sobre a propriedade privada pesa urna hipoteca social» (Documento de Puebla

n* 1224).

A p. 110, nota 26 do livro em foco Jon Sobrino cita urna

passagem de S. Jerónimo, segundo o qual «todas as riquezas

descendem da injustiga e, sem que um tenha perdido, o outro nao pode achar... O rico é injusto ou herdeiro de um injusto» (cartas, PL 22, 984). Este trecho há de ser entendido dentro da mentalidade e do estilo de S. Jerónimo, dado a controvér-

»A Constltulcáo "Del Verbum* do Concillo do Vaticano II refere-se aqueles que, com a sucessáo do episcopado, receberam o carisma auten

tico da verdade" (n
«A LUTA DOS DEUSES rel="nofollow">

61

sias e, por lsto, propenso a posicóes por vezes unilaterals O Senhor Jesús, no Evangelho, teve amigos da alta sociedade judaica, como Nicodemos e José de Arimatéia, dos quais nao

exigiu o despojamento de seus bens (cf. Jo 3,1; 19,38): as muHieres mencionadas por Le 8,1-3 «serviram a Jesús com seus bens»; Lázaro, Marta e María nao parecem ter sido pobres — o que nao impedia Jesús de nutrir viva amizade por eles

fíSir^íS recomen(tecóes aos cristáos «ricos deste mundo» (lTm 6,17-19), mas nao mandou que se tornassem material

mente pobres.

8)

A única Igreja de Cristo é devedora a ricos e pobres

sem acepeáo de pessoas (cf. lPd 1,17). A Igreja compete levar em conta as disposigóes próprias de todo e qualquer homem, a fim de leva-lo a conversáo e iá vida eterna a partir da sua problemática pessoal. Nenhuma categoría de pessoas está fora

do raio de solicitude da Igreja. É ainda o Documento de Pue bla que ensinar

«Jesús Cristo, Salvador dos homens, difunde seu Espirito sobre todos

n?,T .af.tP580 d? Pe88oas- Quem- é0 evangelizar, excluí do seu amor aínda

que seja urna única pessoa, nfio possui o Espirito de Cristo. Por lsto a acao apostólica tem de compreender todos os homens, destinados a se tornarem fllhos de Deus" (n? 205).

Em suma, o livro «A luta dos deuses», especialmente atraves do artigo de Casañas, toma posicóes que em absoluto já nao sao cristas, mas correspondem simplesmente as de um mar xismo que por vezes se camufla de catolicismo; por vezes

,

pois há ai paginas impregnadas de total secularismo ou com pleto apagamento dos valores religiosos. Casañas critica certos teólogos da libertacáo e a teologia progressista como sendo tímidos demais ou incoerentes. Observa-se que o interesse pri macial dos principáis artigos da obra é a revolugáo sócio-eco-

nomica, ficando os valores da fé subordinados á consecucáo de tal objetivo; a fé torna-se funcáo e instrumento ou até mesmo capa co-honestadora da praxis revolucionaria — o que, na verdade, tem forte cunho marxista.

Cabe, pois,perguntar~após"tal análiséTque'sigñificadotém

a rubrica «Com aprovacáo eclesiástica» colocada á p 4 do hvro? O anonimato desta cláusula tira-lhe o seu significado reduzmdo-a a mero chaváo ou etiqueta que qualquer autor ou editor pode «colar» aos seus escritos, sem que isto implique participacao consciente da hierarquia da Igreja. Diante deste fato, o publico tem o direito de solicitar á autoridade eclesiás tica que nao se deixe «citar» de maneira táo genérica ou an6— 481 —

^

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 265/1982

nima, mas exija que seja indicado o nome do hierarca responsável pela aprovagáo de um livro, sempre que esta realmente

ocorrer.

'"'A guisa de Ilustrado:

'BANDERA, ARMANDO, La Iglesia ante el proceso de liberación.

Madrid 1975.

FESSARD,

Bogotá 1979.

G.,

LEPARGNEUR,

Paulo 1978.

Teología F. H.,

de

la

liberación:

Teología da

génesis

HbertacSo.

Ed.

y

Iralectorla.

Convivlum,

Sfio

ÍDEM, Théologle de la libératlon et tHéologle tout court, em "Nouvelle Revue Théologlque" 98, n? 2, fevereiro 1976, pp 126-169. PR 247/1980, pp. 282-291 (opcio preferencial pelos pobres). PR 250/1980, pp. 400-415 (marxismo e teología). PR 181/1975, pp. 10-28 (Teología da Libertacfio). PR 182/1975, pp. 51-69 (cristSos para o socialismo). RODRÍGUEZ, RICARDO VÉLEZ, Teología da libertacao e tradlcao des pótica, em Convrvlum, 01-82, pp. 10-19. VEKEMANS, R., Teología de la liberación y cristianos por el socialismo.

Bogotá 1976.

(Contlnuacáo da pág. 470)

"Urna colossal máquina de fazer marlonetes e robos controlados á distancia e sem fio foi montada neste país. Rapazes e meninas de tenra Idade pensam que estao pensando quando, na realidade, estáo repetindo

roupas, frases e idélas da grande máquina de fazer gente que consomé e cala a boca; ou, se fala, repete o que dizem os androides das mass-medla em lingua estrangeira, de preferencia em ingles... É um cigarro que conquista mulheres e homens; ó urna bebida; é urna cena erótica; é

um modismo; é um novo par de chínelos ou sandalias; é um perfume que torna o outro um objeto em questSo de momentos... Urna geracáo inteira, com rarlsslmas excecSes, nao está tendo mals o dlrelto de ser jovem.

Cedo, multo cedo, passam da adolescencia dos seus treze ou qulnze anos

para urna vlsfio por demais adulta do corpo, da mente, do sexo, do prazer e das coisas" (pp. 6s).

O Pe. Zezlnho desenvolve a sua tese, abordando uso do sexo, modo de vestir-se, direito á vocacSo, dlreito á vida, direlto de nao ser Instrumentalizado... O llvro é extremamente sincero e incisivo, "bem mais inquieto do que todos os que já escrevl" (p. 6). Essa tnquietude é construtiva, pois desparta do marasmo os seus destinatarios, levando-os a pro curar um teor de vida mals profunda e gratificante. Parabens ao autorl Registramos, com prazer, os dois seguintes volumes da mesma colecao, devidos também á pena do Pe. Zezlnho: "Porque Deus me chamou"

(Jovens-Adultos-2) e "Senhor, que queres que eu faca?"

(Jovens-Adul-

tos-3). Ambos se referem á vocacfio, especialmente á vocacfio sacer dotal e religiosa. O prlmelro aborda pobreza, castldade, obediencia, oblacao de al, libertacfio..., ao passo que o segundo trata de catequese vocaclonal, introducto á vida consagrada, desafios e respostas. Tais livros merecem aplausos, pola dlzem tudo o que se poderla esperar de auténtico

líder da juventude, em estilo que nfio afasta nem esmaga o ]ovem leltor. — 482 —

E.B.

Livro que surpreende:

"A Nomenklatura" por Mlchael S. Voalensky

hilo:

Em símese: O livro "A Nomenklatura" de Voslensky tem por subir» "Como vlvem as ctasses privilegiadas na UnISo Soviética"., é a

expressao da experiencia do autor, que pertenceu & ciasse dirigente e administrativa da URSS (classe dita "Nomenklatura") e finalmente se afastou da mesma para Ir vlver no estrangelro. Mlchael Voslensky mostra,

com fatos concretos e dados numéricos (por vezes, surpreendentes), que a grande massa da populacáo soviética vive em plores condlgíes economlcas do que as sociedades ocldentais, sujelta a reglme de exploracfio e colonizac&o, em provelto da élite administrativa ou Nomenklatura; esta recebe salarlos multo elevados, acrescidos de subsidios e privilegios diver sos, cujos requintes superam, por vezes, as regalías de que gozam, diri gentes de países nao socialistas. A leltura do livro é profundamente impresslonante, revelando varias faces da vida da URSS que os noticiarios Intemacionais e as estatfstlcas nao comunlcam por se tratar de "aegredos de Estado".

Terminada a leltura de tal obra, o estudioso pode Indagar: como se explica entio que o marxismo exerca até ho|e tSo grande fasclnlo sobre as populacoes modestas? — A resposta é que geralmente tais conhecem o dilema: ou capitalismo liberal (do qual muitos se ou marxismo coletlvista. Já que experimentam a inclemencia lismo económico, julgam (falsamente) encontrar sua resposta

grupos só ressentem) do libera no comu nismo. Ora esta errónea apresentacfio do problema é um desafio para que os cflstfios com mais afinco apresentem ao mundo, e tentem traduzi-la em realldade, a doutrina social da Igreja, que é fonte Inspiradora de urna terceira opcfio. O livro de Voslensky ó indiretamente portador de tal men3agem

para o

leltor crlstfio.

Comentario: Michael Voslensky nasceu em 1920 na URSS. Fez seus estudos na Universidade Lomonosov de Moscou, tornando-se historiador por profissáo. Exerceu as funcñes de tradutor no processo de Nüerenberg (1945-46) e depois no

Conselho de Controle Aliado na Alemanha. Tornou-se jornalista e redator soviético no Conselho de Paz em Praga e em Viena. Professor na Universidade Lumumba em Moscou, assumiu responsabilidades diversas junto á Academia de Ciencias e tornou-se Vice-Presidente da Comissáo de Historiadores

URSS-RDA. Deixou a URSS em 1972, tornando-se entáo professor universitario na República Federal da Alemanha e na Austria. Quando vivía em sua patria, ligou-se estreitamente ao aparelho dirigente do Partido Comunista da Uniáo Sovié tica, chegando a pertencer á Nomenklatura. — 483 —

é4

«PERÓÜMTE E RESPONDEREMOS» ¿é5/19$¿

É precisamente a experiencia pessoal que leva Michael Voslensky a escrever o livro «A Nomenklatura» com o subti tulo: «Como vivem as classes privilegiadas na Uniáo Soviética».

Aduzindo numerosos fatos históricos e dados numéricos, o autor afirma que «a Uniáo Soviética nao é um Estado Socia lista, que ela nao tem, na verdade, urna economía e urna

sociedade socialista, mas que, pelo contrario, é urna sociedade de classes ou de urna classe — a Nomenklatura — relativa mente pouco numerosa, que explora a maior parte da popu-

lacáo e a domina, grasas a um Estado totalitario» (págs. 15s).

Tal obra foi considerada pela imprensa internacional táo im portante quanto os livros de Trotski e Milovan Djilas (este, autor de «A Nova Classe», livro que pelo seu conteúdo é pa ralelo ao de Voslensk^i e se refere á Iugoslávia). Em vista disto, apresentaremos ñas páginas seguintes urna sintese da obra em foco, á qual acrescentaremos breve reflexáo.

1.

O livro em foco: conteúdo

A obra compreende oito capítulos, que abarcam toda a .temática: 1) Urna classe escondida (o autor sitúa a Nomen klatura como a classe dos administradores, que evitam contato com o povo, fechando-se em seus privilegios, págs. 25-37); 2)

Nascimento da nova classe dominante (a gánese da «nova aristocracia», que exerce a «ditadura sobre o proletariado»,

págs. 39-92); 3) A Nomenklatura, classe dirigente da sociedade soviética; 4) A Nomenklatura, classe dos exploradores da sociedade soviética; 5) A Nomenklatura, classe dos privilegia dos; 6) A Ditadura da Nomenklatura; 7) Urna classe que as pira a hegemonía mundial; 8) Urna classe parasitaria. Examinaremos, a seguir, o modo de viver dos membros da Nomenklatura e o dos simples cidadáos da Uniáo Soviética. 1.1.

A Nomenklatura: que é?

«Na linguagem burocrática corrente soviética, 'Nomenkla

tura' significa: 1») lista dos postos de direeáo do poder das autoridades superiores; 2») lista das pessoas que ocupam postos ou que sao mantidas em reserva para esses postos» (p. 70s).

A margem desta observagáo de Voslensky, pode-se des-

crever a Nomenklatura como sendo o conjunto de funciona rios ocupantes dos altos postos da administracjio do país — 484 —

«A NÓMfeFftCtÁTtiRA» soviético; o seu número sobe a cerca de 15.000 pessoas numa populacáo de 25S.930.000 habitantes da URSS. A ascensáo a tais postóse difícil, pois o candidato é julgado por diversas instancias (Comité do Partido do bairro, da cidade, da regiáo...) e segundo variados criterios. . A existencia dessa élite faz que o país esteja dividido em duas classes: urna opressora, privilegiada e a outra oprimida, desprezada, como bem observava Steinberg, socialista revolu

cionario,

comissário do povo para a Justiga do primeiro

Governo Lenin:

"De um lado, embriaguez de poder, Insolencia triunfante, calúnlas e perversidades, vlngancas pessoais e desconfianzas sectarias, desprezo sempre maior pelos subordinados; em urna palavra: um novo poder. De outro lado, desencorajamento, medo das represalias, cólera impotente, odios silen ciosos, bajulacSes, mentiras eternas. O resultado: sao duas novas classes separadas por enorme fosso psicológico e social" (p. 30).

Este estado de coisas é ilustrado pela alegoría mediante a qual George Orwell em 1943-44 quis esbogar o nascimento

de urna sociedade «socialista real» na obra «A República dos Animáis»:

"Os animáis de urna fazenda fazem urna revolucSo contra os homens (estes jamáis vistos em bons termos) que os dominam, e conseguem a direcSo da fazenda. Mas a república dos animáis cal logo sob o domfnto dos porcos e de seus cruéis caes de guarda. Os demals s&o obrigados a realizar os trabalhos mais balxos e pesados, a flm de cumprlr o plano ' Idealizado pelos porcos. Estes convenceram os outros animáis de que nao trabalharlam mais para os homens, mas para si mesmos. Neste tnterlm, os porcos se tornam proprletárlos da fazenda e os homens, chelos de ciúmes, constatam: 'Os pequeños animáis da fazenda trabalham mais e comem menos do que os outros animáis do condado'" (p. 30) 1.

O livro de Orwell foi proibido nos países comunistas. A proibicáo também foi proferida contra o romance 1984 do referido autor: este ai divide a sociedade em tres carnadas: o

Partido interior ou a Nomenklatura, classe dominante; o Par

tido exterior, que sao os intelectuais subordinados ao Partido interior, e afinal os trabalhadores, a classe baixa da escala social.

Woslensky cita em nota: George Orwell, Animal Farm. A Falry Story.

Peguln Books 1972, p. 117.

— 485 —

66

_

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Permanecendo no campo da linguagem alegórieca, pode-se

citar a fábula intitulada «Um pao duramente ganho>, do poeta Sergei Mikhalkov, conhecido por seu servilismo á autoridade. Representa o ddadáo soviético como um cávalo de carga que «traz a aveia e leva o estrume»; quanto aos nomenklaturistas, sao comparados aos «trotadores e puros-sangues», que «tém tudo o que exigem seus postos». Todavía nao é lícito ao cávalo de carga recalcitrar: «Nao se permitiría ao ddadáo soviético pagamento sobre o padráo de vida dos nomenklaturistas; ele deve contentar-se com trazer a aveia para o cávalo da Nomenklatura e levar seu estrume» (pág. 212s). 1.2.

A Nomenklatura como vive?

Numerosos sao os privilegios da classe dominante encarre-

gada da administragáo do país. 1.2.1.

Salarios

Segundo as noticias oficiáis, um trabalhador soviético medio ganha 167 rublos por mes. É notorio, porém, na URSS que este rendimento nao ultrapassa cem rublos mensais.

■;Ora o salario de um chefe de setor do Comité Central se

el_éya;a 450 rublos por mes. Este funcionario tem direito, além ?to4máis, a ferias de trinta dias por ano, nao computado o

fc-tempq necessário para viajar (ida e volta) ao local de des-

canso. — Ao contrario, o assalariado medio só tem direito a duas semanas de ferias por ano. No inicio das suas ferias, o

chefe de setor recebe outrossim o seu décimo terceiro salario concedido a título de «premio para tratamiento», no valor de 450 rublos. Note-se, porém, que nem o tratamento nem o des canso lhe custam um centavo, pois o Estado lhos oferecerá. Isto significa que o chefe de setor percebe treze meses de salario, mas vive as suas custas apenas onze.

Mais: o salario efetivo de chefe de setor é salario líquido. Todos os produtos de que tem necessidade, ele os encontra em tojas especiáis, ao passo que o cidadáo comura tem de conten

tar-se com procurar engenhosamente no comercio oficial os

artigos indispensáveis, ofereddos com grandes deficiencias. Infelizmente nao se podem avaliar as despesas medias do ci dadáo soviético no setor dos bens de consumo, pois na URSS as estatísticas sao encobertas por segredo de Estado. — 486 —

«A NOMENKLATURA»

_

j

CT

Isto nao é tudo. Ao chefe de setor é atribuida, além do mais, a famosa Kremliovka, ou seja, bdnus que dáo direito a urna «cesta do lar», repleta de víveres de primeira classe, qué normalmente é impossível encontrar em Moscou. A distribuícao de tais bónus (Kremliovka) ocorre na cantina do Kremlin, a Rúa Uliza Granovskogo n» 2. Os bónus Kremliovka correspondem a um adicional mensal de 70 rublos. Nao se trata, porém, de rublos comuns; sim, os pregos das mercadorias a que a Kremliovka dá direito, sao calculados em fungáo de uní índice que data de 1929; ém conseqüencia, calcula-se que, mediante os bónus de alimentagáo, um chefe de setor recebe um adicional de 200 rublos por mes, ou seja, 2.400 rublos por ano, divididos por onze meses de trabalho. Tudo calculado, pode-se dizer com seguranea que um chefe de setor do Comité Central na URSS ganha sete vezes e meia mais do que um cidadáo comum.

Diga-se outrossim que o chefe de setor ganha 10% por cada língua estrangeira que ele conhega e possa utilizar no servigo, mesmo que os conhecimentos nao sejam grandes e o chefe nunca faga uso dos mesmos.

Contudo no tocante áos impostas, o chefe de setor nao os

paga sete vezes e meia mais do que um cidadáo medio. Com

efeito, a taxa de imposto máxima é de 13%. Estes sao descon tados mensalmente na fonte desde que o salarlo atinja ou ultrapasse 200 rublos; isto quer dizer que, a partir de um salario mensal de 200 rublos, nao se aplica mais na URSS o

principio do imposto progressivo; no caso do chefe de setor, o descontó de 13% é feito sobre o salário-base, ou seja, 450 rublos.

1.2.2.

A Nomenkltrtura e as gorgetas

Também a corrupcao grassa entre os nomenklaturistas, por

mais bem pagos que sejam. Desde a época da Rússia submissa

aos tártaros vige no país o sistema do bákchich (ou propina), corroborado pela implantagáo do socialismo.

Como se compreende, os nomenklaturistas nao sao auto rizados a aceitar propinas. Mas as sangóes sao raras e benignas, ao passo que as infracóes sao graves e repetidas.

O fenómeno aparece em toda a sua amplidáo ñas repú blicas tradicionalmente infectadas pelo virus da corrupcao: a Transcaucásia e a Asia Central. Em geral, admite-se na URSS que a Georgia é o país da corrupgao. «Urna coisa é certa: se - 487 -

68

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

os dossiés relativos aos casos de corrupcáo, envolvendo nomenklaturistas georgianos, especialmente Mzavanadze, Primeiro Secretario do Comité Comunista da Georgia, tivessem chegado ao conhecimento do público, a opiniáo mundial teria esquecido o escándalo Lockheed» (p. 220). •2ar¡'

,¡;¡¡,Eis alguns dados transmitidos por Voslensky referentes a República do Azerbaijáo. Sao provenientes dos arquivos secre tos do C. C. do Partido no Azerbaijáo e foram publicados por Hia Zemtsov, que trabalha no setor «Informagao» do C. C. do PC daquela provincia antes de emigrar para Israel: Um cargo de procurador de distrito podia ser vendido em 1969 por 30.000 rublos. O de chefe de distrito da milicia era

entregue por 50.000 rublos.

"Os Secretarlos de Comités de distrito ocupam urna poslc&o multo lucrativa: dlspOem de extensos poderes e podem, além dlsso, receber,

como vamos ver, bakchlchs bem rechonchudos.

Daf seu lugar de destaque

na hlerarqula dos presos. Dentro dessa mesma Nomenklatura do C.C. do Azerbaijfio exlstem fórmulas mals económicas: um posto de diretor de teatro custava entre 10.000 e 30.000 rublos, e o diretor de um Instituto de pesquisas 40.000, o titulo de 'Membro da Academia de Ciencias da República Socialista Soviética do AzerbalJSo1 50.000 rublos.

O posto de Reltor de um estabeleclmento de enslno superior era bem mals custoso do que o titulo de Imortal: a cifra, que variava em funcfio do estabeleclmento, podia chegar até a 200.000 rublos. Isto se entende quando se sabe que o referido Reltor recebe llegalmente dos estudantes urna taxa de Inscrlcfio, modulada também em funcfio do estabeleclmento: na época, era preciso pagar 10.000 rublos para ser admitido no Instituto

de Lfnguas Estrangelras, entre 20.000 e 25.000 rublos para se Inscrever na Unlversidade de Bakú, 30.000 rublos para a Faculdade de Medicina, e até 39.000 rublos para o Instituto de Estudos Económicos.

Existía, na época, urna lista, multo bem feita, Indicando os precos nfio somente de postos Importantes, a nivel de distrito, mas também de

certas funcSes científicas ou culturáis, e até mesmo de funcoes oficiáis no salo do Governo da República Socialista Soviética do AzerbalJSo. O

posto de Ministro dos Assuntos Soclals hfio estava especialmente bem classlflcado: como, com efeito, conseguir ali rendlmentos complementares, tendo em vista o nivel lamentável das pensfies e das aposentadorlas? O posto de Ministro da Economía Comunal, quase tfio pouco lucrativo, estava

a venda por 150.000 rublos. Por outro lado, custava 250.000 rublos a nomeacfio para Ministro do Comercio, aínda que, teóricamente, esta funcfio ministerial esteja colocada no mesmo nivel das outras. Mas a miseria cró nica no setor do abasteclmento permitía entrever lucros enormes.

Estas cifras foram tiradas Secretarlo do C.C. do Partido hoje candidato ao Polltburo do do C.C. do Partido Comunista (pág«. 221-222).

de um relatório confidencial do Primeiro Comunista do Azerbaijfio, G. Allev, que é C.C. do PCUS. Fol apresentado ao pleno do AzerbalJSo em 20 de marco de 1970"

— 488 —

«A NOMENKLATURA»

69

Mais adiante pergunta Voslensky: "Um cldadSo soviético comum pode pensar em se tornar Ministro do

Comercio do Azerbaljfio? A resposta é simples: para ascender a tal posto, um empregado ou um operarlo, que ganhavam na época 150 rublos por mes, terlam sido obligados a trabalhar 138 anos, sem gastar um único copeque. Pensemos num assalarlado soviético que recebe um salarlo de cem rublos por mes. Onde encontrar pessoas capazes de acumular as somas exigidas sem atingir a Idade de Matusalém? Únicamente na Nomenklatura o em grupos próximos.

É a Nomenklatura que tem dlrelto. Zemtsov revela, por exemplo, que

se vlu o Prlmelro Secretarlo do Comité de Distrito de Bakú, um certo Mamedov, efetuar um depósito de 195.000 rublos na caderneta de poupanca de sua mulher, ou seja, o salarlo de um trabalhador medio em

cerca de 160 anos de atlvldade" (p. 223).

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Encontram-se também na URSS escroques ou traficantes clandestinos. Estes nao pensam em postos da Nomenklatura, pois nao precisam de os cobigar.

Também a policía (KGB) é venal, sucumbindo aos «encan.

tos» do bakchich. Observa Voslensky:

"Lembro-me de urna amiga de familia, que vivía em Abkhazl, no Ini cio dos anos 30, e que, após ter tentado tudo para tirar sua Irma da prlsfio, se lembrou de oferecer á mulher do responsável pela GPV local urna- cor» rente de relóglo em ouro maclco. No dia segulnte, sua Irma estava llvre. Um amigo me contou que um de seus antigos discípulos que se tornara colaborador da KGB, propusera-lhe Inscrevé-lo na lista dos membros de urna delegacfio que devla seguir vlagem atravós dos EUA — contra a entrega de urna soma de 300 rublos. Urna vez concluido o negocio, o funcionario acrescentou: 'Dou-lhe o slnal verde. Trouxe o 'sonante' com vocé? Entfio vamos, é preciso pagar também para ter o slnal verde'" (p. 222).

"A indulgencia para com as propinas se explica pelo fato de que

existe urna solidariedade entre os nomenklaturlstas, todos Igualmente deseJosos de reunir mais aínda riquezas materlals" (págs. 222s).

1.2.3.

Comercio reservado á élite

Fato estranho: nao há no mundo outro país, além da URSS, dotado de cadeia completa de lojas, restaurantes, bares que nao aceitem a moeda nacional. Quem nao tenha consigo dinheiro estrangeiro em especie ou sob forma de algum cheque convertível em divisas, nao pode entrar em estabeledmentos de tal tipo.

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

Entre outras lojas, encontra-se em Moscou, no terceiro andar do GUM, a Spezsektsi, cujo acesso é reservado as famílias de altos dignitários. Ali se vendem, a precos multo baixos,

prbdutos importados de excelente qualidade, cuja existencia geralmente o consumidor soviético medio ignora. Ali se encon

trará também produtos nacionais, como, por exemplo, peles

magnificas, que nao podem ser encontradas em nenhuma outra toja aberta ao público.

Observa Voslensky: "Svetlana conta que Stalln Ihe perguntou um día, sobrancelhas franzldas, se as roupas que ela estava usando eram de orlgem soviética ou estrangeira. Teve urna verdadeira alegría de patriota quando ela respondeu que eram roupas soviéticas.

Conheci bem Svetlana em 1943-1944, quando

éramos estudantes da Faculdade de Historia da Universldade de Moscou: se seu casaco de pele curto, seus tailleurs Ingleses de cor escura, suas

blusas de seda vivamente coloridas, seus elegantes sapatos — todas essas coisas que nunca tfnhamos visto — tinham sido fabricados no territorio da URSS, entfio o foram provavelmente naquela regiSo montanhosa, a Nomenklatural"

(p. 265).

Tal realidade nao se concilla bem com as declaragóes ofi ciáis do Governo soviético segundo as quais o rublo é a moeda mais estável do mundo. No inicio de cada mes, o Izvestia, órgáo do Governo, publica as oscilagóes das moedas estrangeiras; tal elenco tende a provar que as flutuacóes do mercado monetario sao favoráyeis ao rublo (quando, na verdade, todos sabem que é impossivel trocar o rublo por qualquer outra moeda).

1.2.4.

Hablrajóo

A norma vigente na URSS concede 9m2 de surperficie habitável a cada cidadáo. Todavía esses 9m2 vém a ser «o máximo tolerado», nao «o mínimo garantido». Em caso de ultrapassagem, as autoridades realizam urna vistoria no aparta mento. O mínimo observado se sitúa em torno de 4m2 por

pessoa.

A Nomenklatura, porém, está isenta de tais restricóes. O nomenklaturista mora em edificio pertencente ao Comité Cen tral; está muitas vezes na expectativa de trocar o seu aparta

mento por um aínda maior e mais confortável. Em Moscou os

blocos residenciáis dos administradores do país ficam no quar-

teiráo Kuncevo ou no conjunto Kutusov; sao construgóes sóli

das, dotadas de cómodos espagosos, largas escadarias e eleva dores silenciosos.

— 490 —

--..-.

«A MÓMEiMÁTÍfttÁ»

ȟ

AJém distó, o Estado coloca & disposigáo de cada um de

seus nomenklaturistas urna datcha, oü seja, urna casa dé campo, que ele pode utilizar nos fins de semana e no veráo por um aluguel simbólico; cada casa é cercada por alto muro, que a protege dos indiscretos; dentro do conjunto residencial dos

datchas encontra-se urna dispensa de primeira qualidade, urna excelente cantina, um cinema; um chibe, urna biblioteca e üm local para esportes.

"É Inconveniente para um funcionarlo da Nomenklatura possulr súa

própria datcha ou seu próprlo carro. Trata-se, na verdade, de urna regra nBo escrita. Quem transgrlde esta regra, se expOe a ser considerado um llvre-pensador ou alguém que nfio está multo seguro do seu próprlo futuro

no selo da Nomenklatura. £ esta a razáo pela qual o chefe de setor que

compra urna datcha, a coloca em nome de seus país. Do mesmo modo, o 6eu carro particular será colocado, em nome de um de seus flinos malores

ou de seu IrmSo. t o meló, para ele, de evitar ser considerado suspelto de Inclinares pequeno-burguesas" (p. 233). '

1.2.5.

Telefones





Um nomenklaturista altamente colocado deve ter seis aparelhos á.sua disposicáo: em primeiro lugar, duas linhas urna para comunicafióes internas, outra para fora —, que passam pelo Secretariado; depois duas outras linhas, para os mesmos fins que as precedentes, de uso direto, para evitar as indiscricóes do Secretariado. E, afinal, duas linhas governamentais, urna dita Vertuchka e a outra Vé-Tcfhé. Os nomenklaturistas que estáo em contato com o Exército dispóem de urna linha

direta para faíar com as autoridades militares, tendo assim um sétimo aparelho. — Os aparelhos Vertuchka e Vé-Tché permitem conversas de alto nivel sobre assuntos referentes ao Par

tido, ao Governo ou ao Exército. «Os titulares de Vertuchkas e Vé-Tchés sabem muito bem que um ouvido atento está á

espreita. E, no entanto, sentem urna grande alegría com a idéia

de que sao os únicos na URSS que possuem aparelhos desse tipo»

(p. 239).

1.2.6.

Cuidados de scúde

«O que caracteriza, de maneira mais geral, o nomenkla turista, é o cuidado que ele senté por sua própria saúde. A se acreditar nele, 'enterra-se' completamente no trabalho. Se lhe é feitá urna observagáo sobre a sua boa aparéncia, responde: 'As aparéncias enganam*. O que engaña, na verdade, nao é a — 491 —

72

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

boa aparéncia do nomenklaturista, mas aquele ar de homem

que está morrendo de trabalhar e que ele procura aparentar perpetuamente» (p. 243).

O nomenklaturista e sua familia sao colocados aos cuidados da Quarta Administracáo Médica do Ministerio da Saúde... Tém direito ao Hospital e á Policlínica do Kremlin, onde há á sua disposigáo um determinado médico. Aos médicos de tais instituigSes nao é pedido que tratem dos doentes, mas simplesmente que conversem amigavelmente com os pacientes. Quando o caso se torna um tanto complicado, dirige-se o nomenklatu

rista doente a um «consultor». Os consultores sao eminentes especialistas, membros da Academia de Ciencias Médicas da URSS.

O Hospital do Kremlin é equipado de aparelhos e dotado

de farmacopéia importados do Ocidente (a Nomenklatura

jamáis apela para a ciencia médica nem para a farmacopéia local quando a sua saúde está em jogo). A alimentacáo e os cuidados estáo ácima de todo encomio; o mesmo se diga dos servidores, numerosos, competentes e sorridentes... Tal situacáo é totalmente diversa daquela que se verifica nos Hospitais

comuns, «onde os corredores estáo cheios de leitos, onde o pessoal é insuficiente e onde a alimentacáo é táo má que se torna impossível sobreviver sem os pacotinhos dos parentes. Os convalescentes e os doentes crónicos sao levados para um anexo do hospital do Kremlin, anexo situado fora da cidade, no parque florestal de Kuncevo» (p. 244). Após a morte, o chefe de setor nao é sepultado em cemitério comum destinado a todos os cidadáos, mas vai para um cemitério reservado, no claustro Novodevichi, onde os restos dos nomenklaturistas repousam sob suntuosas pedras tumulares. Diante 3o luxuoso catafalco, urna orquestra de instrumen tos de sopro entoa entusiásticamente o elogio: "Tombaram na luta contra a morte, Tombaram ao servico do povo, Dando tudo ao povo sem nada exigir".

1.2.7.

Transportes

Um chefe de setor pode muito bem viver agradavelmente, trabalhar, repousar, sem jamáis ter contato com a populacáo da URSS. Mesmo em suas viagens através do continente russo pode eximir-se de qualquer encontró com os seus compatriotas. — 492 —

«A NOMENKLATURA»

73

É de notar que na URSS trens e avióes estáo sempre lotados. Véem-se filas intermináveis diante dos guichés de reserva. É, pois, um grande privilegio reservar um lugar. Ora o chefe de setor compra suas passagens de trem ou de aviáo diretamente no Comité Central, onde há a seccáo «Transportes».

Em todos os trens, avióes e hoteis bloqueia-se certo número de lugares na expectativa de eventual chegada de alto funcionario. O chefe de setor tem sempre um carro Volga negro á disposicáo para levá-lo á estagáo ou ao aeroporto. Ao chegar o aviáo, a escada móvel é colocada inicialmente k altura da primeira

classe; o nomenklaturista desee entáo totalmente desembara* gado; só depois sao desembaragados outros passageiros.

A NomenWaturia ou o espaco da Nomenklatura assim concebida vem a ser (bem' se pode dizer) um país & parte dentro da própria URSS.

A propósito comenta Voslensky: "O contato entre os dirigentes da classe nomenklaturista e o povo se limita ás visitas oficiáis ñas repúblicas da Uniáo ou ñas regiSes, visitas durante durante as quals funcionarios apressados mostram a seu hospede — que se acomoda multo bem a Isso — 'vilas á Potemkin', e Isto se os banquetes e as reunISes delxarem tempo. Cavaram um abismo entre eles mesmos e aqueie povo que Ihes é submisso, e depois, com o coracSo chelo de angustia e desprezo, abrí» gam-se atrás de seus sete círculos e as dlvlsdes da KGB, para agitar, em seguida, o slogan de 'llgacSo com as massas' e tratar de 'solitarios' aque* les que exprimem publicamente o seu descontentamento. Mas, na reall-

dade, nao fol a classe dos nomenklaturlstas, esta classe de funcionarlos desclasslficados, que se tornou ela própria, por causa de sua natureza pro» funda e seu modo de vida, urna classe de solitarios? Pode-se caracterizar de maneira mais marcante urna classe de individuos que conseguem vlver como estranhos no país que governam?

É, no entanto, assim que vivem os nomenklaturistas — classe domi

nante, exploradora e privilegiada da socledade soviética" (p. 267).

Voslensky pensa agora ñas sociedades ocidentais: "Podemo-nos convencer disto: é inútil querer estabelecer um para» lelo com o modo de vida das classes privilegiadas do Ocldente burguSs. NSo há nada al que possa surpreender: o essencial, na socledade capita lista, nfio sao os privilegios, mas o dinhelro; ñas sociedades socialistas existentes, é exatamente o Inverso. SSo os privilegios que expllcam, ao mesmo tempo, a arrogancia e

a lnquletacfio da Nomenklatura,

pois ela

lem perfeltamente consclfincla das reacOes que suscita na populacSo sovié

tica este acrésclmo constante de seus privilegios" (págs. 2678).

Acrescenta o autor a seguinte observado altamente signi

ficativa:

,

— 493 —

fe RESPONDEREMOS» ¿65/lá8¿ _

( "Os nomenklaturistas comecam a se sentir arriesgados na sua poslcfio

dominante, e comecam a temer um resultado fatal.

respelto, nos anos 70, urna anedota.

Contava-se a esse

Um colaborador do C.C. do PCUS recebeu, um día, a visita de sua mfie, que vivía num colcoze. Mostraram-lhe o luxo do apartamento e da

ío <5?«i8e!í"ramr.lhe uma boa refeicao Kre«n"ovka. De repente, ela sentiu desojo de voltar para casa o mals depressa possfvel. acabrunhad<>-

o nuI~J: bt°m< .certamenle' respondeu a velha, mas também é perlgoso. O que acontecerá se os vermelhos chegarem?" (p. 268).

1.2.8.

Nomenklatura e explora$áo do povo

Voslensky escreveu longo capítulo sobre a exploracio do

poyo por parte da Nomenklatura (págs. 137-207), exploracáo esta que precisamente o regime marxista pretendía eliminar.

Assim, por exemplo, o tempo de trabalho semanal tem sido

prolongado na URSS.

*

n

rfvolu5a° de °"«ubro, o lempo de trabalho (oí, de Inicio, T'3' n?V£mlen'e Pro|on3ado... Em lugar da semana de cinco

£?« qüai8 3uatrowdia8 ** trabalho), Introduzlram a semana de seis

(cinco días de trabalho) e em 1940 a semana de sete dias (48 horas de trabalho por semana). As ferias de um mes, prometidas após a Revo-

£§?

?rd12Íd?8a d0Ze diaS ° número <** dla9 teld

°

V08kre8nlk8' 8ábad08

A Nomenklatura impós ao povo severa disciplina para que o prolongamento do tempo de trabalho produzisse o esperado aumento dá mais-valia. Lenta foi um precursor: lancou uma

campanha contra «esses grupos e essas carnadas de operarios

que querem dar o mínimo de trabalho possível, da qualidade

mais baixa, e arrancar o mais possível de dinheiro» (Obras, Editíons Sociales, t. 28, p. 97). StaUn impos progressivamenté

uma legislacáo trabalhista tal que a Europa nao conhecia desde muito. Um decreto do Presidium do Soviete Supremo da URSS, datado de 26/06/1940, permitía levar á barra de um tribunal os trabalhadores que tivessem faltado ao trabalho ou que comparecessem com vinte minutos de atraso; poderiam ser

condenados a trabamos forcados. Impós-se rígido controle para que os médicos so dessem dispensas do trabalho em casos graves. Como nos campos de concentracáo, fixaram um limite para a emissáo de certificados de doenga por parte dos médicos dos nospltais.

— 494 —

.


75

1C, O salario medio oficial em 1980 chegou, sem impostes, a 167 rublos por mes. Todavía pode-se dizer que 167 rublos nao sao um salario módio, mas um bom salario na URSS- o salario medio verdadeiro nao ultrapassa os cem rublos. Ora a quantia de 167 rublos pode manter apenas um homem, e difícilmente

Isto tambérn1 quer dizer que o operario russo medio ganha tres

vezes menos do que o trabalhador francés medio, e duas vezes menos do que o desempregado francés medio.

Quanto aos aumentos de salarios, estáo condicionados ao aumento da produtividade. É certo que a Nomenklatura possui recursos para aumentar os salarios antes do aumento da pro

dutividade (aumentos salaríais que precisamente visariam a estimular a produtividade, segundo bons economistas); «mas

nao quer renunciar, em hipótese alguma, á menor parcela da mais-valia extorquida» (p. 183).

Como entáoviver do salario medio, que é reconhecidamente insuficiente? — A sobrevivencia so é possível porque na URSS a mulher e, em muitos casos, as criancas também trabalham. É por isto que praticamente nao existem mulheres nos lares russos antes da idade da aposentadoria. As estatisticas de 1975 mostraram que as mulheres representavam 53,6% da populacáo russa e 51,5% das pessoas ativas. Todavía, desde Stalin, as mulheres dos oficiáis, dos generáis e dos membros da Academia nao trabalham; o privilegio tende a se estender as esposas dos nomenklaturistas em geral.

A propaganda soviética apresenta o trabalho das mulheres

como urna conquista socialista. Na realidade, porém, como

indicou o próprio Marx, trata-se apenas de mais um método de exploragáo. Assim escreve Marx em seu «Manual de Economía Política»:

"O valor da lonja de trabalho é (Ixado pelo valor dos meios de vida

de que o trabalhador tem necessidade para si e para a sua familia. Els

por que o salarlo diminuí quando a mulher e as criancas tomam parte na

producto: a familia Inteira recebe entSo quase a mesma colsa que o

chefe de familia ganhava anteriormente. A exploracfio da classe operarla

lorna-se malor, portante" (citado á p. 184 da obra de Voslensky em pauta).

A forfia de trabalho é meroadoria barata na URSS. Para manté-la, a Nomenklatura lhe concede um minimo de produtos (pao, massas...) e servigos (como os transportes urbanos) cujo prego é efetivaménte baixo com relagao aos precos ocidentais; aos olhos do assalariado soviético medio, eles nao sao baixos, mas acessíveis. Tal tratamento suscita o entusiasmo de alguns marxistas ocidentais... Marx nao teria compartí— 495 —

7J rel="nofollow">

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

lhado esse entusiasmo: nao considerava o baixo prego de manutengio da forca do trabalho como um beneficio para o trabalhador, mas como um método para aumentar a exploragáo do mesmo.

Quanto aos aposentados, só podem viver no seio de suas familias; quando nao tém parentes, logo sao internados nos asilos de velhos, onde a esperanga de sobrevivencia é exigua: «a Nomenklatura nao tem mais necessidade deles» (p. 187).

"A Nomenklatura delimita perfeltamente o circulo das necessldades materlals daquele que produz: um alojamento que nfio ultrapasse 9 m2 por pessoa, urna alimentacfio simples, transportes coletivos baratos para Ir ao

trabalho, Jomáis e filmes de propaganda; para os intelectuals, os llvros autorizados a preso módico (para que eles nfio tenham maus pensamentos durante os seus momentos de lazer); atendlmento médico em caso de doenca (para voltar o mais depressa ao trabalho), urna pequeña renda na velhlce ou na Invalidez (limite máximo: menos de 765 francos por mes), um subsidio de 20 rublos para o enterro. Serla falso assimllar o nivel de

vida obrlgatórlo criado por Nomenklatura para o grosso da populacfio a urna especie de garantía para os mais carentes.

Esta garantía nfio existe:

nfio há, na Unlfio Soviética, nem a|uda pública, nem indenlzacSes de desemprego, nfio há escritorio de trabalho; mas, em seu lugar, urna leí contra os 'parásitas', que afola administrativamente as pessoas despedidas, e as condena ao trabalho toreado numa especie de exilio longlnquo" (págs. 188s).

Estas observagóes sugerem a Voslensky a seguinte reflexáo: «A comparagáo com o colonialismo se impóe; nao resis timos a ela senáo na medida em que nos proibimos usar palavas de efeito, cuja inflagáo no mundo ainda é superior á do dinheiro» (p. 194). •

Voslensky pondera que na URSS o operario é submetido ao trabalho forgado. Com efeito, este ocorre quando, como na

URSS: 1) a pessoa é constrangida a trabalhar (se nao trabalha, é tidacomo parásita, tonejadee, e perseguida pela lei); 2 as condigóes de trabalho e o salario sao exclusivamente fixados

por aqueles que exercem a pressáo; 3) é utilizada a forga física para impedir os trabalhadores de deixar o seu emprego ou renunciar ao trabalho. Ora «todos estes elementos existem no

socialismo real» (p. 201).

1.2.9.

Nomenklatura e Imperialismo

O cap. VII do livro tem por título «Urna classe que aspira a hegemonía mundial» (págs. 347-384).

Voslensky fala ai das tendencias expansionistas e colonia listas da URSS em relagáo ao mundo inteiro, arrolando fatos altamente significativos:

— 496 —

«A NOMENKLATURA»

77

«1. Nao contente de preservar o imperio colonial da Rússia tzarista, a Nomenklatura aumentou consideravelmente seu territorio.

2.

Ela tomou o controle de toda urna serie de países na

Europa, na Asia, na África e na América.

3. Ela tenta, com todas as suas forgas, estender sua supremacía a todos os paises da Europa e do Oriente Próximo, assim como a novas regióes da África e da Asia.

4. Rivaliza incansavelmente com os Estados Unidos em todos os dominios, a fim de minar as suas posigóes no mundo (inclusive na América Latina).

5. Financia e teleguia os Partidos Comunistas de quase todos os países do mundo, reforga seus vassalos, e os prepara para a tomada do poder em seus países respectivos. 6.

Trava um combate inexorável com os PCs, no poder

ou nao, que nao estejam dispostos a fazer de seus países saté lites de Moscou» (p. 380).

Comenta o autor: "NSo há motivo nenhum para colocar em dúvlda a IntenfSo, multas vezes repetida pela Nomenklatura, de instaurar o socialismo real no mundo intelro.

Gosto de seleclonar as lembrancas que guarde! de mlnha longa atlvldade profesional na UnISo Soviética, e nao acho nenhuma que me leve a duvidar da seriedade das asplrac6es da Nomenklatura á hegemonía mun dial. Pelo contrario, a manelra de ser dos nomenklaturistas, suas conver

sas, seu comportamento, seus raciocinios sao reveladores de suas intenc6es, que Ihes parecem perfeltamente naturals" (p. 381).

Como Adolf Hitler em seu tempo, os nomenklaturistas

contam com o espirito de conciliagáo dos Governos ocidentais;

acham-se convictos de que estes nao estáo á altura de combater e capitularáo. Como Hitler, arriscam, sem se dar cohta, ultra-

passar a medida e mergulhar o mundo em nova guerra mun

dial. «Para que a historia nao se repita, é preciso deter a

Nomenklatura antes que seja tarde demais» (p. 382).

2.

ReftexSo final

O livro de Voslensky baseia-se na experiencia pessoal diuturna do respectivo autor. As suas «revelagóes» nao sao de todo inéditas, pois dissidentes soviéticos, entre os quais Solje— 497 —

78

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

nitzin, Sakharov, Plioutsch..., já denunciaram as duras condicóes de vida da populagáo soviética. Cf. PR 209/1977, págs. 187-201 (apresentagáo do livro de Sakahrov: «Meu país e o mundo»).

Vé-se, pois, que a imagem do comunismo nao é atraente. Está longe de ser a resposta para o homem contemporáneo, que sofre no plano socio-económico. — Pergunta-se entáo: por

que o marxismo ainda seduz ou fascina as populagóes humildes do Terceiro Mundo? Cremos que isto se explica únicamente pelo fato de que estas querem mudar as suas condigóes de vida, ou seja, nao querem continuar a padecer exploragóes e injustigas. Em tais circunstancias, a única alternativa que julgam conhecer é a do marxismo, a qual, porém, é ilusoria, como demonstra a experiencia. Precipitam-se no marxismo, porque nao querem injustigas e extorsóes, como se o marxismo fosse

a solugáo. Esta realidade encerra importante mensagem para

os cristáos. Com efeito, a estes toca a missáo de grande peso a

cumprir: procuran com o devido afinco contribuir para im plantar no mundo livre a doutrina do Evangelho proclamada pela Igreja em suas entícHcas, a fim de que o mundo conhega

as estruturas de urna sociedade realmente mais humana, fra terna e crista. Lembrem-se outrossim, e lembrem aos homens, que qualquer mudanga de estruturas sociais será sempre vá e

frustrada se nao acompanhada por profunda conversáo inte rior ou por radical mudanga de mentalidades, em conseqüéncia da qual o egoísmo ceda ao amor fraterno, e a procura do bem comum se torne meta intencionada por cada membro da so ciedade.

Os últimos documentos da Igreja sobre materia social tém encarado com atengáo crescente o dilema por muitos apresentado como exclusivo: ou o capitalismo liberal ou o marxismo coletivista. Na verdade, nenhum dos dois sistemas satisfaz. O dilema, alias, é falsamente colocado, pois há lugar para terceira opgáo, que é a doutrina do Evangelho aplicada ao problema social ou a doutrina social da Igreja. Aos cristáos compete valorizá-la e empenhar-se para que se torne fonte inspiradora do regime sócio-económico-político da futura sociedade. A an gustia de populagóes contemporáneas sufocadas em seus justos direitos torna-se um desafio para que os cristáos tomem nova consdéncia da responsabilidade que lhes toca nesta hora. Possa o livro de Michael Voslensky contribuir para que tal tomada de consdéncia se torne urna realidade atuante e transformadora! — 498 —

Significativo documento:

ainda a confissáo sacramental

Em tíntese:

O presbiterio da diocese de Parnalba (Pl), reunido

com o seu bispo, houve por bem dftar normas relativas ao ministerio do

sacramento da Penitencia. Fazem eco ás Instrucfies emanadas da Santa

Sé a tal propósito e valorlzam multo < enfáticamente a prátlca da conflssfio particular como eficaz meló de santlflcacfio tanto para o penitente como para o confessor.

O sacramento da Reconciliagáo ou da Confissáo tem

estado muito em foco nos últimos anos; a proposito foram divulgados equívocos, que prejuicam o povo de Deus. Em nossos dias registra-se com certa perplexidade alimento do número de Comunhóes Eucarísticas e decréscimo sensível de confissóes sacramentáis. Este fenómeno é sintomático; os conceitos de pecado e de roconciliagáo com Deus e a Igreja vém-se obnubi lando na mente de muitos fiéis.

Diante dos fatos, a Santa Sé tem publicado documentos que lembram a necessidade do sacramento da Penitencia (ins tituido pelo próprio Jesús Cristo; cf. Jo 20,21s) para se obter a remissáo dos pecados graves. Somente em casos de emer gencia, que cada Bispo deve definir criteriosamente para a sua diocese (desde que ai ocorram), é licito aos presbíteros ministrar absolvigáo coletiva; esta, alias, nao dispensa os fiéis de confessar na primeira oportunidade, dentro de um ano, os pecados absolvíaos.

Em vista de maior clareza sobre o assunto, foi publicado aos 7/04/81 na diocese de Parnaíba (PI) um documento que formula principios e normas inspirados por fidelidade á Igreja e sabedoria pastoral.

Visto que tal declaracáo pode ser útil aos presbíteros e fiéis do Brasil em geral, publicamo-la a seguir, acompanhada de breves comentarlos.

— 499 —

80

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

I.

O DOCUMENTO

«Em espirito de filial obediencia ás determinacoesda Sé Apos tólica de 19/7/72, reiteradas para o Brasil na Carta ao Presidente da CNBB de 22 de novembro de 1979, nos, presbíteros da lgre¡a de Parnaíba, reunidos com nosso Bispo Diocesano, considerando as peculiaridades da nossa regiáo, tomamos a resolucao de adotar em nossa Igreja Particular as seguintes NORMAS, relativas á absolvicáo coletiva, na assim chamada confissao comunitaria:

1.

Observem-se, em qualquer caso, as tres condícoes simultá

neas, exigidas pela citada Carta da Sagrada Congregacao para

os Sacramentos e o Culto Divino dirigida a Dom Ivo Lorscheiter em 22/11/1979: a) grande afluencia de penitentes; b) número insu ficiente de sacerdotes confessores presentes; c) os penitenntes deveriam, sem culpa própria, permanecer privados por longo tempo da grata sacramental e da Sagrada Comunháo.

2.

Quando se administra a absolvicáo coletiva, é sempre

necessário advertir os fiéis da obrigacáo de duas coisas: a) ao

menos urna vez por ano, fazer sua confissao individual; b) se pos-

sfvej, confessar privadamente os pecados graves absolvidos na con

fissao coletiva, antes de receberem urna segunda absolvicao geral. 3.

Normalmente atenderemos ás confissSes individuáis, deí-

xando a confissao comunitaria para o caso de evidente necessi'dade.

No relatório mensal, seja comunicado ao Bispo Diocesano quantas confissoes comunitarias houve e com que afluencia de fiéis. 4. Aos fiéis procuraremos proporcionar com freqOéncia, se possível diariamente, a oportunidade de fazcrem sua confissao par

ticular.

Finalmente, nao nos esqueceremos nunca que o confessionário

é para nos, pastores, a melhor escola da realidade pastoral de

nosso povo.

Recordemos o quanto ele representou de sacrificio e

zelo sacerdotal dos antigos vigários, nossos predecessores, que dedicaram horas intermináveis ao confessionário, ouvindo as penas e angustias de seu povo, especialmente dos humildes e dos simples».

II.

1.

COMENTARIOS

Os itens 1 e 2 do texto ácima lembram as normas da

Santa Sé atinentes á absolvigáo coletiva, normas que o Ritual

da Penitencia assim formula:

AÍNDA A CONFISSAO SACRAMENTAL

81

"31. Pode suceder que circunstancias particulares tomem lícito, e até necessárlo, conceder a absolvlcfio geral a varios penitentes sem previa conflssio individual.

Além do perlgo de morte, em caso de grave necessldade, será lícito absolver sacramentalmente de urna so vez varios fiéis que se tenham confessado apenas genéricamente, depols de exortados ao arrependlmento.

Isto ocorre, por exemplo, quando, em razfio do número de penitentes, nSo houver confessores suficientes para ouvir como convém todas as comlssCes

em tempo razoável, vendo-se os penitentes, sem culpa próprla, obrlgados

a prlvar-se por mals tempo da gra¿a sacramental ou da Sagrada Comunhfio. O que pode ocorrer sobretudo em térras de missfies, mas também em outros

soluc3o.

lugares o ainda onde a reunISo de multas pessoas exija esta

Isto nSo será lícito mesmo havendo grande número de penitentes,

como, por exemplo, em alguma festa ou peregrlnacfio, quando se puder contar com confessores em número suficiente.

32. Compete ao Bispo diocesano, ouvldos os demals membros da Conferencia Episcopal, |u!gar se ocorrem as referidas condlcSes e deter minar quando ó lícito dar a absolvlcfio sacramental na forma geral. Além dos casos estabelecldos pelo Bispo diocesano, ocorrendo outra necessidade grave de conceder a absolvlcfio geral a varios fiéis ao mesmo tempo, o sacerdote deverá recorrer, sempre que possível, ao Ordinario do lugar para dar licitamente essa absolvlcfio; caso contrario, informará quanto antes ao Ordinario da necessldade que se apresentou e da absolvlcfio geral concedida.

33.

Para que os fiéis possam beneflclar-se da absolvlcfio sacramen

tal dada simultáneamente, é Indispensável que estejam convenientemente dlspostos, Isto é, que, arrependidos de suas culpas, tenham o propósito de nao tornar a comete-las, de reparar os danos e escándalos causados e de bonfessar individualmente, em tempo oportuno, os pecados graves que no momento nfio podem confessar. Os sacerdotes Instruirfio diligentemente os fiéis sobre estas dlsposlcfies e condicSes requeridas para a validada do sacramento.

34.

Aqueles que tiveram pecados graves perdoados pela absolvlcfio

comum, devem procurar a conflssfio auricular, antes de recebar outra absolvicfio desse tipo, a nfio ser que Impedidos por justa causa. Em todo caso devem Ir ao confessor dentro de um ano, se nfio for moralmente Impossfvel. Poís também vigora para eles o preceito de que todo cristfio

deve confessar ao sacerdote urna vez por ano todos os pecados as faltas graves, que nfio houver confessado Individualmente".

Isto é

A luz destes principios, verifíca-se que os fiéis postos em condigóes de receber a absolvigáo coletíva devem firmar o propósito de procurar, na primeira oportunidade e dentro de um ano, um sacerdote a fim de fazerem a confissao auricular

e especifica dos pecados absolvióos. A razáo desta norma é o — 501 —

¿B •>

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 265/1982 ■ ' i '

tato de que a confissáo sacramental foi instituida pelo Senhor Jesús, segundo Jo 20,20-22; no dia em que ressuscitou, Jesús

Cristo comunicou aos seus ministros o Espirito Santo e a faculdade de perdoarem ou nao perdoarem os pecados; ora o exercicio de tal faculdade supóe, por parte do ministro, o conhecimento do estado de alma e das disposigóes do peni

tente — o que só pode ocorrer se há confissáo previa dos pecados.

:

O propósito sincero de fazer posteriormente a confissáo

auricular dos pecados absolvidos é condigáo para a validade da absolvigáo recebida por cada fiel em rito comunitario.

2. Os itens 3, 4 e 5 póem em relevo a importancia de se ministrar a confissáo auricular, deixando-se a absolvigáo cole-

tiva (acompanhada da confissáo posterior) para casos emergenciais e extraordinarios. O zelo de numerosos sacerdotes se exprimiu durante sáculos através do ministerio da reconciliagáo sacramental; em varias ocasióes do ano, inclusive ñas vés-

peras de cada primeira sexta-feira do mes, houve, e há, sacer

dotes que passam horas a fio da noite atendendo aos fiéis peni tentes em notável atitude de abnegagáo e renuncia. É para desejar que tal praxe nao se perca desde que tal atendimento seja solicitado por genulnas razóes pastorals. O próprio S. Pa dre, desejoso de valorizar este sagrado ministerio, tem ocupado um dos confessionários da basílica de S. Pedro na sexta-feira santa dos últimos anos. Tal é a noticia transmitida pelo jornal *L'Osservatore Romano» (ed. francesa) de 21/04/1981, p. 5:

°i k ",»* maühfi deT8exta-f8lra «anta 17 de abril de 1981, o S. Padre foi

L a i«LVf fifn °?OU lu9°rxnum confesslonérlo situado no transepto

de s. José e atendeu ás conflssOes de numerosos peregrinos de diversas nacionalidades".

O mesmo ocorreu na sexta-feira santa de 1982.

t> S?3"1 " P^v1^8 da Igreja e o testemunho do Sumo

Pontífice calar fundo nos ánimos de nossos sacerdotes e de

(nossos fiéis em vista de proficua freqüentacáo do sacramento
c

Esrtévao Betteneourt O.S.B.

— 502 —

Aínda a obra de Mons. Escrlvá:

"Opus Dei": Nova Fisura Jurídica Em PR 264/1982, pp. 345-361 (set.-out. 82), foi publicado um artigo sobre o Opus Dei, obra fundada por Mons. Escrivá

de Balaguer no intuito de oferecer a leigos e sacerdotes urna escola de santificagáo e apostolado adaptada aos tempos mo dernos e ás necessidades da Igreja. Foi dito entáo que a Santa Sé, já havia alguns anos, vinha estudando a configuracüo jurídica definitiva da instituicáo a fim de adequar ple

namente as normas do Direito á realidade eclesial e ao carisma

fundacional da Obra. O próprio fundador do Opus Dei desejara e solicitara esse estatuto jurídico adequado, desejo este que encontrara boa acolhida por parte dos tres últimos Papas.

O artigo citado assinalava oportunamente o fato de que,

quando da aprovacáo pontificia do Opus Dei em 1950, tal obra

foi enquadrada entre os Institutos Seculares. Esta classificacáo

era a menos inadequada que na época se poderia imaginar, mas nao correspondía ás características plenamente seculares

e laicais do Opus Dei (os membros dos Institutos Seculares emitem votos religiosos, ao passo que os do Opus Dei nao os

emitem e podem casar-se).

O nosso artigo já estava impresso quando nos primeiros dias de setembro veio a público, através do porta-voz oficial do Vaticano, a decisáo, do Papa Joáo Paulo n, de erigir o Opus D©i como Prelazia pessoal. Chegou assim a seu termo o processo de configuracáo institucional do Opus Dei.

Que é, pois, urna Prelada psssoal? — Trata-se de figura jurídica e pastoral inteiramente nova e sem precedente na vida da Igreja, figura que deve sua origem ao Concilio do Vaticano II. Com efeito, o n« 10 do Decreto Presbyterorum Ordnus (sobre os Presbíteros) estabelece que poderáo ser criadas pela Santa Sé Prelazias pessoais, de caráter secular a fim de aplainar caminho «a obras pastarais especializadas, em ' favor dos diversos grupos sociais», obras que «devam ser leva das a termo em alguma regiáo ou nacáo ou até mesmo no mundo inteiro». Como indica o citado Decreto conciliar a cnacáo das Prelazias pessoais há de ser feita «de modo a sal vaguardar sempre os direitos dos Ordinarios dos lugares>, isto é, dos Bispos diocesanos e das autoridades eclesiásticas equivalentes.

— 503 —

84

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

A originalidade dessas Preladas pessoais — isto é, consti tuidas apenas por pessoas, sem territorio próprio — consiste

em que sao instituicóes eclesiásticas de caráter jurisdicional, governadas por um Prelado próprio, que tém a faculdade de

incardinar sacerdotes seculares e as quais se podem incorporar, por meio de um vinculo contratual, leigos que se dediquem as suas obras apostólicas.

Tais Prelazias constituem urna instituicáo nova, diferente das antigás Prelazias «nullius» — dotadas de territorio próPrio —,... diferentes também das Dioceses pessoais e dos Vi cariatos castrenses, que se baseiam no principio de indepen dencia ou autonomía em relagáo (as igrejas locáis.

Os membros do Opus Dei, assim, dependeráo do seu Pre lado no que diz respeito á sua formagáo espiritual e ao exercicio do apostolado, e em tudo mais, como qualquer outro fiel católico, dependeráo dos Bispos das Dioceses onde residirem.

Além disto, pela sua nova condifiáo jurídica de Prelazia, o Opus Dei deixa de depender da Sagrada Congregagáo para os Religiosos e os Institutos Seculares, e passa a depender da Congregacáo para os Bispos. Por sua vez, o Prelado deverá

apresentar ao Papa, de cinco em cinco anos, um relatório

sobre a Prelazia, como fazem os Bispos no que diz respeito as respectivas Dioceses.

A configuragáo jurídica definitiva do Opus Dei recém-definida pelo S. Padre Joáo Paulo n constituí um reeonheci-

mento, em face da Igreja, do caráter plenamente secular da instituicáo, cujos membros — leigos, na imensa maioria — sao

cidadáos católicos, solteiros ou casados, que, no exercício da sua profissáo ou oficio, se esforcam por alcangar a santifica-

cao própria e a das pessoas do meio em que desenvolvem sua

atividade. Como leigos de pleno direito, gozam de completa liberdade em sua atuacáo temporal. Sao tragos que já realcava Joáo Paulo II em agosta de 1979, quando se referia ao Opus Dei como instituicáo que «antecipou desde o inicio aquela teología do laicato que viria a caracterizar mais tarde a Igreja do Concilio e do pós-Concílio».

', É com votos de copiosas gragas e béncáos para a Obra de Mohs. Escrivá que registramos estes elementos jurídicos com plementares da nossa apresentacáo do Opus Dei.

EstévSo Bettenoourt O.S.B. — 501 —

AMIGO, SE ESTA REVISTA LHE FOI ÜTIL, QUEIRA DIVUIGÁ-LA. MUITAS PESSOAS ESTÁO A ESPERA DE UMA PAIAVRA DE LUZ PARA PODER, AO MENOS, EQUACIONAR DEVIDAMENTE OS SEUS PROBLEMAS.

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DÉ AOS SEUS AMIGOS, COMO

PRESENTE

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O ANO

INTEIRO.

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VOCÉ SERA

FELIZ

POR HAVER FEITO OS OUTROS FELIZES, COMUNICANDO-LHES UM BOA-NOVA

POUCO

DE JESÚS CRISTO!

DA

livros em

estante

As ratzes da eacravldao, por Jorge Pereira Lima. Serle "Camtnhos de escravldño" n? 2, publicacao popular da CEHILA. — Ed. Paulinas, SBo Paulo 1982, 155 x 220 mm, 45 pp. Trata-se de um opúsculo redlgldo em versos acompanhados de dése-

nhos, a flm de Ilustrar alguna quadros da historia da escravidSo no Brasil. O autor considera primeramente o caso dos (ndlos (pp. 13-17); depols, mais detldamente, o dos africanos. O opúsculo faz parte de urna serle de seis; vem a ser a vulgarizado de um tema abordado mais amplamente pelo Manual de Historia da Igreja na América Latina devldo á CEHILA (Comls8So de Estudos de Historia da Igreja Latino-americana). Este Manual tenta reconstituir a historia a partir de premlssas ideológicas, ou sefa, paroláis e unilaterals; tudo enquadra dentro do binomio "opressores x oprimidos",

que simplifica e generaliza, distorcendo a auténtica face dos acontecimentos.

É de lamentar que essa perspectiva ideológica se]a levada de ma-

nelra tSo insinuante aos leitores menos capacitados para exercer dlscernlmento e critica. A historia é sempre algo de multo complexo o varlegado, que nao pode ser enquadrado dentro de clichés tendentes a simpli ficar.

Asslm como houve protagonistas da escravatura que cometeram gra

ves desmandos, devidos á ganancia e a dureza de coráceo, houve também vozes de Papas, bispos e teólogos que se levantaram, fosse para impedir o tráfico de escravos, fosse para apregoar tratamento mais humanitario. Para entender o fenómeno da escravatura com objetlvidade e nSo o julgar a luz de categorías do pensamento contemporáneo (que no séc. XVI eram desconhecldas), leve-se em conta o seguinte: multes dos europeus pensavam que os Indígenas e os africanos, sendo de cultura rude, nao tinham alma humana ou nSo eram seres racionáis; portante, nño gozarlam dos mesmos direltos que os demals' homens; da! a facllldade com que os reduzlam á escravidSo. A voz oficial da Igreja se insurglu mais de urna vez contra tal concepcfio; seja citada a Bula Verltas Ipaa do Papa Paulo III, que, aos 29/05/1537, declara solenemente que os amerindios sao seres racionáis como os demals homens e, portante, nBo devem ser privados da sua llberdade nem condenados á escravldfio; sfio também habéis para receber a luz da fé crista, embora nao devam ser obrlgados a ■ Isto. Note-se outrossim a figura do blspo dominicano Bartolomeu de las Casas, que despertou irmáos de hábito e outros mlsslonárlos para se oporem ao injusto tráfico de aborígenes. Quanto aos escravos africanos, nao foi posstvel ás autoridades ecle siásticas impedir o comercio de negros; todavía a Igreja se empenhou por aliviar-Inés a sorte. O Papa Gregorio XVI, aos 3/12/1839, promulgou urna Bula em que se opunha á escravatura e assinalava semelhantes pronun-

clamentos dos segulntes antecessores seus: Pió II, aos 7/10/1442; Paulo III, aos 29/05/1537; Urbano VIII, aoé 22/04/1639; Bento XIV, aos 20/12/1741... Há também urna determlnacfio do reí de Portugal, D. Manuel, datada de 1541, que manda respeitar a atltude dos escravos contrarios a receber o batlsmo; tal determinacSo fol reafirmada em 1707 pelas ConstituicCes Prlmeiras do Arcebispado da Bahía, que reglam a Igreja no Brasil; els o que se Id no respectivo canon 57:

"No que respelta aos escravos que vlerem de Guiñé, Angola, Costa da Mina ou outra qualquer parte, em Idade de mais de seta anos, ainda que nao passem de doze, declaramos que nao podem ser batizados sem darem para Isto seu consentlmento, salvo quando forem tfto bogáis que conste nfio terem entendlmento nem uso da razfio".

— 507 —

88

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 265/1982

. A respelto do Pe. Antonio Vieira e sua atltude perante a escravatura, o fascfculo em pauta é Inexato, pois nao leva em conta, por exempio, o

sermfio proferido na Igreja Malor de S. Luis do MaranhSo em 1654; nesta beta peca literaria, o pregador profliga a escravatura nos seguintes termos:

"Os outros nascem para vlver, estes (os africanos) para servir. Ñas outras térras, do que eram os homens, e do que fiam e tecem as mulheres, se fazem os comercios; naquela o que geram os país e o que crlam a seus pellos as mSes, é o que se vende e compra. Ohi Trato desumano, em que a mercancía sao homensl Ohl mercancía diabólica, em que os Interesses se tiram das almas alhelas, e os ricos sfio das próprias" (Serm6es, vol. Vil. Editora das Amórlcas, 1958, p. 64). "Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos perecendo á fome...; os senhores em pé, apontando para o acolte,...

os escravos prostrados com

as máos

atadas atrás...

Estes homens nfio sSo fllhos do mesmo AdSo e da mesma Eva? Estas almas nSo foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? €stes corpos nSo nascem e morrem como os nossos? Nfio resplram com o mesmo ar? Nfio os cobre o mesmo céu? Nfio os aquenta o mesmo sol? Que estrela

é logo aquela que os domina, tSo triste, tfio inlmlga, tfio cruel?" (Ib. p. 65). E Vlelra concluí que Deus nfio pode aceitar a escravídSo.

Em suma, o opúsculo que anallsamos, nfio tem a categoría de documentarlo científico; nfio cita suas fontes nem é preciso em suas aflrmacoes; antes, traduz e comunica animosidade... Nfio se podem negar os erros do passado em relacfio aos escravos, mas também nfio se deve dlzer que a Igrefa nada fez por mitigar ou extinguir a nódoa da escra vatura.

A reconquista do paraíso perdido, por Edvino Augusto Frlderíchs S.J., Gráfica Vlcentina Ltda. Editora, Curitiba 1962, 145 x 210 mm, 203 pp. O Pe. Edvlno Frlderlchs é conhecido por suas obras de Parapsicología

e Psicología, ás quals ele soube dar sempre um cunho pastoral.

O llvro

que aquí apresentamos, contém urna serle de breves reflexCes, fruto da medltacfio e oracfio do autor, reflexñes ñas quais se mesclam os valores da teología e os dltames da boa psicología e da pedagogía. Desalamos cha mar a atencfio para as páginas referentes aos entorpecentes, ao alcoolismo, ao fumo e á neurosa (pp. 7-44), em que o Pe. Frlderlchs prop&e válidas

orlentacfies para ajudar os interessados a salr do seu problema. da leitura fácil e pictórica, destinado ao grande público.

O livro é

Cafxlnha de Perguntas sobre Relfglfio e SuperstlcOes, por Edvlno A. Frlderlchs S.J. — Ed. Rosario, Calxa postal 3175, 80000 Curitiba, 1981 (3? ed.).

Este llvro enfelxa as principáis dúvldas que costumam aflorar entre cristfios a respailo da fó católica, da Biblia, do protestantismo, do espiri tismo e das crendlces; passa em revista, por exemplo, o horóscopo, as operacfies pelo astral, a materializacfio dos espiritos, a radlestesla, o culto dos Santos, a Biblia como única fonte de fé, a infalibilldade do Papa, a Inquialcfio espanhola, o número 13, o mau-olhado, o feitico no travesaelro... Está redigido sob forma de perguntas e breves respostas, tor nándole acesslvel ás pessoas mals simples; oferece urna prlmelra abordagem de cada assunto, ficando o aprofundamento reservado para outras obras. O livro merece ampia dlvulgacfio, pois atende a real necessldade da nossa populacfio. (Continua na

— 508 —

pág. 470)

ÍNDICE

1982

ERGUNTE Responderemos

ÍNDICE

1982

(Os números a direita tndicam, respectivamente, fascículo, ano de edicSo e página)

ABSTRACAO

INTELECTIVA

SENSITIVA

E ABSTRACAO

265/1982, p. 430.

ACOMPANHANTES DE DOENTES GRAVES ..

262/1982, p 225

ANALGÉSICOS: llceidade moral

262/1982, p 221!

«ANJOS E DEMONIOS NA BIBLIA»: coletanea de estudos

265/1982, p. 459.

AGUA BENTA: desde quando?

ANDRÉ DU MONT-ROYAL, bem-aventurado ..

264/1982, p. 388* 263/1982, p. 320.

ANTICONCEPCIONAIS: liceidade moral ANTROPOCENTRISMO E REJEICAO DE DEUS ANTROPÓIDES E LINGUAGEM

262/1982 p 182 263/1982, p 223 265/1982, p. 428.

ATEÍSMO CONTEMPORÁNEO: expressoes

263/1982 p 321

ARMAS NUCLEARES: conseqüéncias do uso ..

AUTOCONSCIÉNCIA DE JESÚS: discussáo ..

263/1982, p. 249! 265/1982, p. 462.

B BARGANHA COM DEUS E DOENCA BIG-BANG E EXISTENCIA DE DEUS BOFF, L. E CRISTOLOGIA ECLESIOLOGIA

CALENDARIO JULIANO E REFORMA GRE GORIANA

CAMPOS E TRADICIONALISTAS

CARISMA E HIERARQUIA NA IGREJA

CARTA DOS DIREITOS DA FAMILIA CASAMENTO INCOMPLETO

RELIGIOSO DE CATÓLICOS INDIFERENTES

— preparac&o para o

p 236 p 424 p 436; p. 15.

264/1982, p. 336

264/1982 p 362

260/1982 p

15*

260/1982 p 61' 262/1982 p 183-'

'

263/1982, p. 266.

260/1982, p

58

CASAMENTOS MISTOS: posicao da Igreja .... CASAÑAS, J. E TEOLOGÍA DA LIBERTACAO

260/1982 p 49 265/1982, p. 472

CATÓLICOS E MACONS

260/1982 £

CASTIDADE: conceito

-

262/1982 265/1982 265/1982, 260/1982,

CASADOS APENAS NO FORO CI VIL: problema

CELIBATO DO CLERO: origem

— 510 —

262/1982 o 187

2

263/1982, p 266

264/1982, p. 400.

ÍNDICE DE 1982

91

CLERICALISMO através dos séculos

261/1982 p

até o Vaticano II (1962-65) CONFISSAO AURICULAR: origem

261/1982, p 134 264/1982, p. 390.

CONSCIÉNCIA DE JESÚS DIANTE DA MORTE

265/1982 p 440-

'CONCILIOS ECUMÉNICOS — de Nicéla (325) SACRAMENTAL E ABSOLVICAO COLETIVA

POLÍTICA PSICOLÓGICA E INTELIGEN CIA «COR UNUM» E MORTE

95

265/1982 p 499

263/1982, p. 272; 262/1982, p. 161. 262/1982 p 213

CRIACAO E EVOLUCAO

262/1982,' p.' 160;'

CRISTIANISMO E MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL CRISTOLOGIADE L. BOFF LATINO-AMERICANA? CULTO A MARÍA E AOS SANTOS SATANÁS •:

265/1982, p 422

263/1982, p 284

265/1982 p 436265/1982, p. 458 264/1982, p 387-

265/1982, p. 464.

D

DATA DA CELEBRACAO DA PASCOA

264/1982 p 335

DEÍSMO E MACONARIA DEMONIO: existencia

260/1982 p 5 265/1982' o 459

DEFICIENTES E TRABALHO

261/1982 n

DEPRESSAO DIANTE DA MORTE DESEMPREGO E EMPREGADORES

\

74*

262/1982* p 237 261/1982," p.' 75^

DEUS: nocSo panteista segundo Trevisan DIREITO A PROPRIEDADE PARTICULAR ..

263/1982* p 303 261/1982 p! 74*

DIVINDADE DE CRISTO segundo Boíf

260/1982, p! 47¿

DIREITOS DA FAMILIA PRIMORDIAIS DA PESSOA

DIVORCIO E LEIS DA IGREJA

260/1982 p. 61 262/1982 p 216

fSS I' 262'

DOENCA E PECADO

260/1982,' 'í

DOENCAS E CONTROLE MENTAL

263/1982, p! 305*.

TEM SENTIDO?

260/1982 p

27

260/1982, p

54-

E

EDUCAgAO DOS FILHOS PARA

MORTE

O

SOFRIMENTO

EMPREGADORES E DESEMPREGO ENFERMOS GRAVES E DEVERES

TA0

E UNCAO

E

A

'.'.'.'.'.

DO CRIS-

SACRAMEN

TAL ....................

511 —

263/1982, p. 259;

262/1982 o 23Í1

261/1982* d

75

263/1982, p. 213. 260/1982, p.

33.

92

ÍNDICE DE 1982

«ENSAIO DE ÉTICA SEXUAL» — livro de Jaime Snoek

262/1982 n 175

ESCRIVA DE BALAGUER E OPÜS DEI

264/1982 p 345

EUCARISTÍA: real presenca

261/1982, p. 118;

SS^JKKSSSiSKEis S3ÍíS:

KíSUSS?0* E EN^RMOS GRAVES .... Landano

EUTANASIA: lioeidade discutida

....

EXCOMUNHAO E MACONARIA

i...

EVOr nem tempo nem eternidade

«EXISTENCIA CRISTA* - de l'Arbresle ....

262/1982 £ 213." 2S1/1QR2 n i oo

262/1982' S 219

260/1982* o

43*

260/1982' I ^" 263/1982; p. 317."

F FALHAS NA IGREJA

260/1982, p. 45;

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE ....

263/1982, p. 256;

DO MORIBUNDO

— problema na Grecia — seus deveres «FAMIUARIS CONSORTIO» — Exortacao Apos tólica de Joto Paulo n

FÉ: Tt¿¿¿¿~ E POLÍTICA

E SACRAMENTO DO MATRIMONIO ....

FECUNDACAO ARTIFICIAL, segundo Snoek ..

264/1982. p 409

262/1982, p. 239; 263/1982, p. 270; 260/1982, p. 51; 263/1982, p. 258. 263/1982, p. 256

263/1982, p. 327. 261/1982, p 92

260/1982, p. 45. 262/1982, p. 182.

G GORGETAS NA URSS GUADALUPE: imagem da Vlrgem GUERRA NUCLEAR: perlgos

265/1982, p. 487. 262/1982, p. 208. 263/1982, p. 246.

H HABITACAO NA URSS

«HARÉ KRISHNA»: que é? «HOMEM A PROCURA DE DEUS, O» — livro de Paul-Eugéne Charbonneau

HOMOSSEXUALISMO segundo Snoek

265/1982, p. 490. 263/1982 p 286

263/1982, p. 321.

262/1982, p. 186.

I «IGREJA CARISMA E PODER» — livro de Leo nardo Boíf

CATÓLICA LEIRA

APOSTÓLICA

— 512 —

BRASI-

260/1982, p.

15;

264/1982, p. 402;

ÍNDICE DE 1982

93

DISCENTE E DOCENTE

260/1982, p.

E PERIGO DE

263/1982, p. 246;

GUERRA NUCLEAR

20;

263/1982, p. 272;

POLÍTICA

E FÉ

261/1982, p. 103;

DE SATANÁS NA URSS: situacSo atual IGREJAS BRASILEIRAS: sltuacio jurídica .... IMAGEM DA VIRGEM DE GUADALUPE IMPERIALISMO E «NOMENKLATURA» INDISSOLUBIUDADE DO CASAMENTO E DIVORCIO

265/1982, 262/1982, 264/1982, 262/1982, 265/1982,

p. p. p. p. p.

464; 191. 413. 208. 496.

260/1982, p.

47;

262/1982, p. 183.

INDULGENCIAS: origem INFALIBILIDADE DO PAPA: histórico «INICIACAO A TEOLOGÍA» de l'Arbresle .... INSTITUICAO DA EUCARISTÍA: significado .. INTELIGENCIA:

características

264/1982, 264/1982, 263/1982, 261/1982,

p. p. p. p.

389. 396. 310. 122.

262/1982, p. 162.

«INTELIGENCIA» DOS ANTROPÓIDES

265/1982, p. 428.

JESÚS CRISTO E A LIBERTACAO POLÍTICA

261/1982, p. 103;

DA HISTORIA, JESÚS DA FÉ E SUA MORTE JOAO PAULO II E GUERRA NUCLEAR E «LABOREM EXERCENS» ..

263/1982, 265/1982, 263/1982, 261/1982,

p. 311; p. 436. p. 246; p. 71.

K KRISHNAMURTI: quem é?

263/1982, p. 288.

KÜBLER-ROSS, ELIZABETH, E MORIBUNDOS

262/1982, p. 241.

«LABOREM EXERCENS» — encíclica

261/1982, p.

LANCIANO E EUCARISTÍA

261/1982, p. 130.

LEÍ NATURAL: existencia LIBERTACAO DO HOMEM CONTEMPORÁNEO LINGUAGEM DOS ANIMÁIS E INTELIGENCIA LITURGIA RENOVADA E TRADICIONALISTAS .....i....,

262/1982, p. 188. 261/1982, p. 99. 265A982, p. 433.

«LUTA DOS DEUSES, A» — de diversos autores

265/1982, p. 471.

. LUTA DE

CLASSES:

dlscussfto

■ — 513 —

71.

264/1982, p. 362. 265/1982, p. 471.

94

ÍNDICE DE 1982

M cMACONARIA E IGREJA CATÓLICA, ontem, hoje e amanhá> — livro de Benimell, Caprile

e Alberton

MAGISTERIO DA IGREJA E DO DEMONIO MANDEUS: orlgem e doutrina MARÍA SS. E GUADALUPE

EXISTENCIA

MATRIMONIO E FAMILIA NA IGREJA MATRIMONIOS MISTOS: posic&o da Igreja ...

MEDITACAO ORIENTAL E CRISTIANISMO ..

MEDO DA MORTE

MÉTODOS HINDUISTAS: vantagens e desvan-

teeens

MILAGRE: que é?

tMELAGRE, O» — livro de J. E. Martins Térra, S.J MILAGRES NA BIBLIA NO MUNDO HELENÍSTICO NAO CRISTAO «MILITARISMO E CLERICALISMO EM MUDANCA» de N. Boer «MESA DE PAULO VI» — de Arnaldo Xavier da Silvelra

260/1982. p

2

265/1982, p 464

262/1982 p 166 262/1982, p 208-

263/1982, p. 45J

263/1982, p. 256.

260/1982, p.

63

263/1982, p. 284'. 262/1982, p 234

263/1982, p. 295. 261/1982, p. 109. 261/1982, p. 109.

261/1982, p. 112. 261/1982, p. 115. 261/1982, p.

99.

264/1982. p. 363.

«MORAL E VIDA CRISTA» de l'Arbresle MORIBUNDOS: mlssáo do pessoal da saúde ...

«MORTE DE JESÚS CRISTO NA CRISTOLOGIA DE LEONARDO BOFF» MORTE: problemática moderna CEREBRAL DIGNA

263/1982, p. 317. 262/1982, p. 224. 265/1982, p. 436. 262/1982, p. 213; 262/1982, p. 223; 262/1982, p. 217.

«MORTE E MORRER» de Kübler-Ross

MORTE: sentido cristáo MUTABIUDADE DA DATA DA PASCOA ....

262/1982, p. 241.

262/1982, p. 216! 264/1982, p. 341'.

N NARCOSE E DECÍSAO DO ENFERMO

262/1982, p. 222.

NATALIDADE: regulacáo da

NAZOREUS (MANDEUS)

«NOMENKLATURA,





Uvro

de

S. Voslensky

263/1982, p 268 Michael

262/1982, p. 166.

265/1982, p. 483.

— 514 —

ÍNDICE DE 1982

OBJECOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO OBRA DO CRIADOR OPUS DEI: que é? ONIPOTÉNCIA DA MENTE, segundo Trevisan ORACAO E GRACA

EM FAVOR DOS MORTOS: íundamentacáo segundo Trevisan «ORIGENS» — livro de Richard E. Leakey e Roger Lewin

264/1982, p. 378. 261/1982, p. 81. 264/1982, p. 345. 263/1982, p. 299. 263/1982, p. 293;

264/1982, p. 381; 263/1982, p. 301. 262/1982, p. 158.

P PANTEÍSMO de Lauro Trevisan PAPANDREU EM CONFLITO COM A IGREJA "PARTIDOS POLÍTICOS E IGREJA PASCOA: data da celebracao

PECADO E DOENCA

«PECADO, RECONCILIACAX» — de l'Arbresle «PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A MORTE E O MORRER» — livro de E. Kübler-Ross PERIGOS DA GUERRA NUCLEAR «PODER INFINITO DA SUA MENTE, O» — livro

de Lauro Trevisan POLÍTICA E IGREJA

p. p. p. p. p. p. p.

306. 270. 92; 273. 335. 29. 316.

262/1982, p. 241. 263/1982, p. 246.

263/1982, p. 299. 261/1982, p. 92;

263/1982, p. 272.

PRESENCA REAL DE CRISTO NA S. EUCA RISTÍA PROMESSA DA SAGRADA EUCARISTÍA .... PROMESSAS A DEUS: sim ou nao? PROPRIEDADE PARTICULAR: legitimidade .. PROTESTANTISMO E NOVA LITURGIA E OBJECOES AO CATO LICISMO PSICOTERAPIA E MEDITACAO E TREVISAN PSIQUISMO DOS ANIMÁIS PURGATORIO E PROTESTANTISMO

RACAS HUMANAS: existem? REAL PRESENCA EUCAR1STTCA: fundamentacáo REFORMA LTTORGICA GREGORIANA DO CALENDARIO . REGULACAO DA NATALJDADE RELACOES EXTRA-CONJUGAIS E MORAL CATÓLICA REUGIAO: valor inato RESSURREICAO:

263/1982, 263/1982, 261/1982, 263/1982, 264/1982, 260/1982, 263/1982,

quando?

— 515 —

261/1982, 261/1982, 262/1982, 261/1982, 264/1982,

p. p. p. p. p.

118. 118. 203. 74. 362.

264/1982, 263/1982, 263/1982, 265/1982, 264/1982,

p. p. p. p. p.

378. 284; 299. 428. 385.

261/1982, p. 105.

261/1982, p. 118. 264/1982, p. 369; 264/1982, p. 334. 263/1982, p. 268.

260/1982, p. 59. 263/1982, p. 321. 260/1982, p.

42.

SéJ

ÍNDICE DE 1982

SACRAMENTOS DOS ENFERMOS SALARIOS NA URSS

260/1982, p 38. 265/1982, p. 486.

SÍMBOLO E SINAL: diíerenga SINAL DA CRUZ: orlgem SINDICATOS E GREVES

265/1982, p. 443. 264/1982, p. 386. 261/1982, p. 79.

SANTOS, CULTO DOS: íundamentac&o

264/1982, p. 387.

SINTROPIA E EVOLUCAO DO UNIVERSO ...

«SOBRE A MORTE E O MORRER» — llvro de Ellzabeth Kübler-Ross SOCIEDADE DIANTE DA MORTE SOFRIMENTO: significado cristáo

265/1982, p. 426. 262/1982 p 233

262/1982, p 226 262/1982, p. 217.

T TÉCNICAS DE MEDITACAO ORIENTAL TEOLOGÍA DA LIBERTACAO: espécimens ...

TERAPIAS INTENSIVAS E ESCOLHA DOS PACIENTES

TRABALHO ■AGRÍCOLA' V^\\Y^\Y^\'.'.'.'.'.'.'.'.'.

263/1982, p. 294 265/1982, p. 471;

P' 436'

262/1982, p. 228.

261/Í8 £ 77;"

DA MULHER

261/1982 p

77-

E CAPITAL E DEFICIENTES

261/1982, p. 261/1982, p.

73; 79;

DOS EMIGRANTES

OBJETIVO E SUBJETIVO

TRADICIONALISTAS

E

FIDELIDADE

26V1982, p

A

TRANSMISSÁO '¿' PROTECÁo' DA "vÍdÁ* 'ÜÚMANA

TREVISAN, LAURO. E PODER MENTAL ....

261/1982. p

78-

72

M/JiHU' P* u'

264/1982' * 341'

260/1982, p

51

260/1982 p

33

263/1982, p. 299.

u UNCAO DOS ENFERMOS: explanacSo

UNIOE6 MARTTAIS LIVRES

UNIVERSO EM EXPANSAO E DESCOBERTA DO CRIADOR

263/1982 p 265*

™'1»0*' p' ZDD-

265/1982, p. 422.

V VIDA: significado cristSo

262/1982, p. 215.

Y YAKOUNINE, GLEB, sacerdote detido na URSS YOGA: que é?

262/1982, p 198

263/1982, p. 287.

z ZEN: que é?

263/1982, p. 288.

— 516 —

ÍNDICE DE 1982

Ó?

EDITORIAIS A NOVA EVA

262/1982, p. 157.

A PROCURA DE DEUS

263/1982, p. 245.

NUNCA PARAR

264/1982, p. 333.

O PARADOXO DA CRUZ .

261/1982, p.

«TERMINEI A CARREIRA, GUARDEI A FÉ»

265/1982, p. 421.

VINTE E CINCO ANOS

260/1982, p.

1.

260/1982, p.

26.

LIVROS ÁVILA,

Santa Teresa

BATTISTINI, Frei.

de.

69.

APRECIADOS Gástelo Interior ou Moradas

Encontros que maroam

261/1982, p. 155.

BECK, Eleonore. O Filho de Deus velo ao mundo. Para vocé entender os relatos da infancia de Jesús

263/1982, p. 329.

CECHINATO, Padre Luiz. A quem Iremos, Senhor? ExpllcagSo do Credo para adultos ..

260/1982, p.

A

CROATTO, J. Severino. tica da llberdade

Mlssa

parte

68.

por

parte

263/1982, p. 309.

O Sacramento da Gonflnnasao

363/1982, p. 309;

Éxodo: urna hermenéu

261/1982, p. 156.

ENSINAMENTOS DE JOAO PAULO H

263/1982, p. 331.

FRIDERICHS, Edvino Augusto. A reconquista do paraíso

perdido

265/1982, p. 508;

Cabdnha de perSontas

EQUIPE DA FACULDADE DE TEOLOGÍA NOSSA SENHORA DA ASSUNCAO. A prostltuicSo em debate. Depoimentos, analises, procura de solucSes

— 517 —

265/1982, p. 508;

264/1982, p. 420.

S8_

ÍNDICE DE 1982

GRINGS, DADEUS. Historia dtalétlca do cristia

nismo. Vol. I: Dialética da Univeraalldade e Dialéttea da Untdade

KÜMMEL, Werncr Goorg. Testamento

Introducoo ao Novo

260/1982, p.

68.

263/1982, p. 330.

LACERDA, Padre M. P. Jesús de Nazaré: ven cedor ou perdedor?

264/1982, p. 417.

LISBOA, Padre Paulo. Días'de Gratuidade. Oracao ao amor gratuito de Deus

261/1982, p. 155.

MANARANCHE, André. Um caminho de líberdade. Ensalo de teología espiritual

263/1982, p. 332.

N1ENHUIS, da fé

262/1982, p. 212.

Padre

Humberto.

Compromisso

OLTVEIRA, José Fernandes de (Pe. Zezinho, SCJ). Eduque seu fllho para Deus

263/1982, p. 332;

Rebeldes e inquietos em Jesús Cristo

261/1982, p. 153;

O dlreito de ser jovem

265/1982, p. 470;

Porque Deus me chamou

265/1982, p. 482;

Senhor, que queres que eu faca?

265/1982, p. 482.

PEREIRA LIMA, Jorge. As raizes da escravidOo

265/1982, p. 507.

RAVIER, S.J., André. Inácio de Loyola funda a OompanMa de Jesús

263/1982, p. 332.

RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Vol. I: Orlgem e desenvolvlmento (século XVI) ...

261/1982, p. 154.

SÁNCHEZ, Atnauri Tonucci e outros. drogados. dad©

Drogas e

O individuo, a familia, a

socie

264/1982, p. 419.

SCHMAUS, MichaeL A Fé da Igreja. Vol. 6: JustíficacSo do individuo e Escatologia

260/1982, p.

67.

SNOEK, Jaime.

260/1982, p.

67.

Ensato de Jfttíca Sexual

VARIOS AUTORES. Leltura do Evangelho gundo Mateus

se 262/1982, p. 243.

A hita e a Eucaristía

WILGES, Irineu. Cultura Bellgiosa. Vol. I: rellglSes do mundo

-('

262/1982, p. 197.

As

Cultura Religiosa. Vol. II: Te-

mas religiosos atuais

— 518 —

264/1982, p. 418.

264/1982, p. 419.

«ENQUANTO TEMOS TEMPO,

PRATIQUEMOS

O

BEM

PARA

COM TODOS» (Gl 6,10)

A TODOS

OS

AMIGOS

A DIRE^ÁO DE PR DESEJA

AS GRABAS DE UM SANTO NATAL,

PENHOR DE ABENgOADO ANO NOVO

ASSINATURA DE P. R. EM 1983 JANEIRO A DEZEMBRO — Cr$ 2.500,00 ASSINATURA DE APOIO — Cr$ 5.000,00

Cada novo ano os periódicos reajustes dos salarios nos obrigam a urna revisao dos presos da assinatura da nossa Revista, que vimos publicando regularmente ,há mais

de vinte e cinco anos. Nossos aumentos anteriores nao acompan:havam devidamente a alta geral dos presos.

Para manter o equilibrio dos nossos compromissos em relasao aos funcionarios, as constantes altas do papel para impressao, á composicao tipográfica e as tarifas postais,

o novo preso da assinatura anual em 1983 será elevado para Cr$ 2.500,00.

Dado o crescente interesse dos nossos leitores, espera

mos poder continuar contando com a sua colaborasao e

generoso apoio, sobretodo messa fase difícil q,ue exige de

todos a maior compreensao possivel para salvaguarda dos grandes valores espirituais e eternos, dispensados pela Santa Igrefa a que dese¡amos servir sempre fielmente sob a orientase© do Santo Padre Joao Paulo II. ASSINATURA DE APOIO:

Cr$

5.000,00

A criterio dos assinantes que se dispuserem anónima mente ajudar outros leitores de PR que nao podem assiná-la ou que já a recebem gratuitamente. Nota: Temos em esloque os números de julho a dezembro de 1982. Se alguém desejar presentear seus amigos com esses tres números de PR, basta enviar-nos a importancia de Cr$ 600,00 junta mente com os enderecos dos mesmos.

A ADMINISTRADO DE PR

EDigOES

LUMEN

CHRISTI

Rúa Dom Gerardo, 40 — 5? andar — Sala 501 Caixa Postal 2666 — Tel.: (021) 291-7122

20001 — Rio de Janeiro — RJ O OFICIO DIVINO ou LITURGIA DAS HORAS Segundo o rito romano, em quatro volumes, edlcflo de Portugal (Gráfica de Coimbra) — 1982 (nova edicáo melhorada). A sair brevemente. Muita pro cura, faca logo o seu pedido.

LITURGIA DAS HORAS (Rito monástico): I volume — Advento, Natal Epifanía II volume — Tempo Comum III volume — Quaresma, Páscoa, Tempo

Pascal IV volume — Próprlo e Comum dos Santos V volume — Lecionário (em preparacSo)

SALTERIO (150 Salmos, traducfio oficial da CNBB e 75 Cánticos do Antigo e do Novo Testamento traduzidos por D. Marcos Barbosa, Edicto bilingüe (latim-portuguésl 650 págs. Edicáo so em portugués, 500 págs.

para

uso

monástico

"RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA"

Por O. Cirilo Folch Gomes OSB, 2? ed., 1981, 689 págs.

A edlcfio acha-se conslderavelmente modificada, com atualizacño da bibliografía e varias nocoes novas em seus doze capítulos. Trala-se de um Comentarlo ao CREDO DO POVO DE DEUS, no qual, após 90 págs. de Teología Fundamental

que estudam a Fé e as razSes de crer, o Autor passa a anallsar os artlgos do

Credo. A linguagem procura ser amena e acessivel a pessoas que se iniclam na Teología. Ao mesmo tempo sao fornecidas, em numerosas notas de rodapé, as referencias para aprofundamentos ulteriores. Na apreciacSo de

um recensor espanhol (G. Girones), estamos ante "urna das mais acabadas slnteses de teología dogmática de nossos días". Já alias a 1? edicáo tivera diversas recensSes muito favoráveis. Preco: Cr$ 2.000,00.

"A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA", 1980. 400 págs.

Esta obra compreende tres partes. Na 1a estuda a problemática moderna quanto á doutrlna trinitaria. Na 2n examina os dados bíblicos, documentacSo do Magisterio, a reflexSo escolástica. Na 3? parte defende a conveniencia do

uso, em nossos días, da expressáo "tres Pessoas", que alguns autores pretenderam criticar. Conforme apreciac&o de A. Perego (em "Divus Thomas"), "a obra é de viva atualidade, porque trata de modo sereno e documentado urna doutrina sempre segura". Prego: Cr$ 1.500,00.

LITURGIA

EVIDA

Revista de Liturgia e de Cultura Crista

DirecSo de D. JoSo Evangelista Ertout OSB. Bimestral. Em 1983 Inicia seu 30? ano de publicacSo continua, acompanhando a poslcáo da Igreja em face da vivencia e do pensamento religioso, da Liturgia e da Vida. Assinatura para 1983:

Cr$

2.000,00

Número avulso

CrS

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GUIA PARA LEITURA BÍBLICA por D. Estévio Bettencourt. A Sagrada Escritura ísobretudo o A.T.) para leitura diaria distribuida no decurso de um ano com breves introduces a cada Tempo do ano. Formato de bolso, em cartees na ordem do calendarlo litúrgico.

DIRETÓRIO LITÚRGICO da CongregacSo Beneditina do Brasil (1983) — Calen, darlo para a celebracao das Horas e do Sacrificio da Missa nos mostelros, ¡grejas e capetas da Ordem de Sao Bento. Quadro Geral da Ordem no Brasil. CUADROS MURÁIS em cores (74 x 55): 1. Fstrutura Geral da Missa. 2. O Ano Litúrgico: Preserva de Cristo no tempo. — De grande utilidade para Colé gios, Noviciados, Grupos da estudo pastoral. Paróquias. Vlsao de conjunto do Ano Litúrgico e da Estrutura da Missa.

Llvros de Portugal

A IGREJA EM CRACAO, A. G. Martlmort, ene. 1070 págs. É urna IntroducSo geral á Liturgia Obra que contribulu eficazmente para a renovaceo litúrgica expressa na Constltuicáj Concillar "Sacrosanctum Concilium".

DOM COLUMBA MARMION OSB.:

Algumas obras do famoso mestre espiritual,

que apresenta a doutrina de S. Paulo sobre a fillacáo divina, sintetizada na

frase:

"Somos pela graca o que Cristo é por natureza:

Filhos de Deus".

1. Jesús Cristo Vida da alma, 545 págs. (I Economía dos designios de Deus!

II Fundamento e duplo aspecto da vida crista). — 2. Jesús Cristo nos «ota Misterios, 538 págs. 3. Jesús Cristo Ideal do monge, 680 pág3. — 4, Sponsa

Verbi (A alma consagrada ao Senhor), 84 págs. ATENDE-SE PELO REEMBOLSO POSTAL

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