P rojeto
PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LINE
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanga e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Estevao Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos
convenio com d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
A reforma gregoriana do calenda e novas perspectivas
Que é o "Opus Del"?
Tradicionalista e fidelidade
á S. Igreja
Objecdes protestantes ao catolicismo
A
tgreja
Católica
Apostólica
Brasileira
Livros em estantes
Ano
jubilar — Set.-Out. —
19
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
SET-OUT — 1982
Publicacao bimestral
1957 - ANO JUBILAR - 1982
N° 264
Diretor-Responsável: . D. Estevao Bettencourt OSB
SUMARIO
Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico
NUNCA PARAR
Diretor-Administrador:
1
Há qualrocéntos anos:
0. Hildebrando P. Martins OSB
A REFORMA GREGORIANA .DO CALEN
DARIO E NOVAS PERSPECTIVAS
Administradlo e distribuicao:
Edades Lumen Christi
. .
2
A obra de Mons. Escrívá de Balaguer:
Oom Gerardo, 40 - 59and., sala 501
Tel.: (021) 291=7122
QUÉ é O "OPUS DEI"?
13
Em Campos:
Caixa postal 2666
TRADICIONALISTA
20001 Rio de Janeiro RJ
S.
E
FIDELIDADE
IGREJA
A , . .
30
"Vocé sabia?"
Pagamento em cheque nominal/visado ou vale postal as:
0BJE?6ES PROTESTANTES AO CATO LICISMO
Edicoes Lumen Christi
46
Fenómeno doloroso:
Caixa postal 2666
A
20001 Rio de Janeiro RJ
IGREJA
CATÓLICA
APOSTÓLICA
BRASILEIRA
70
LIVROS EM ESTANTE
ASSINATURA ANUAL- 1982 1.200,00
N? avulso
NO PRÓXIMO NÚMERO
200,00
Assinatura comeca no mes da Inscricao Renove-a quanto antes
Universo em expansáo. "Inteligencia" dos animáis. O problema
dos
andaos.
"Filosofía da Ciencia" de R. Alves.
COMUNIQUE-NOS QUALQUER MUDANCA DE ENDERECO
"A Nomenklatura" de M. Voslensky. "A luta dos deuses" por varios. "Arijos e demonios na Biblia", por varios.
Composicáo e imprettSo:
Ainda a confissao sacramental.
Marques-Saraiva
Que é a excomunháo?
Com aprovacao eclesiástica
85
NUNCA PARAR O famoso escritor russo Léon Tolstoi
certa vez caracterizar o Cristianismo
(1828-1910)
mediante a
quis
seguinte
imagem:
«Cristo riostra ao hornero urna perfeic.áo que ele nao consegue atingir, mas á qual ele aspira do fundo do seu corajáo; mosira ao homem um ideaJ tal que o homem sempre pode medir a distancia
que dele o separa. A doutrína de Cristo se assemelha a um homem que traz urna lantema diante de si na ponta de urna vara mais ou menos longa: a luz está sempre diante dele e Ihe revela a cada ins tante um espacp novo que ela ilumina e que vai caminhando com ele» (Postfácio da Sonata a Krautzer).
Tolstoi acertou... Ele nao nega que o Cristianismo seja amor, justica, paz..., mas póe em relevo a nota dinámica e sequiosa do amor, da justica e da paz cristas. As suas palavras háo de ser entendidas á luz do sermáo da montanha (Mt 5-7), que aponía ao cristáo metas sempre mais elevadas: «Se a vossa justiga nao for melhor do que a dos escribas e fariseus, nao entrareis no reino dos céus» (Mt 5,20). Donde se vé que o cristáo é alguém que nunca se pode assentar contente consigo mesmo como se já tivesse alcancado o seu ideal; ao contrario, é um perene caminheiro, que á sua frente vé constantemente um sinal de mais ou «inda mais. Chamado a ser filho de Deus
nao por nome apenas, mas em realidade (cf. Uo 3,1-3), sabe que nunca estará conforme ao modelo que o Pai tracou para ele. Por isto tende sempre a ultrapassar...: ultrapassar pri-
meiramente a si mesmo, desenvolvendo a sua estatura interior; ultrapassar também a sua criatividade, descobrindo novas maneiras de implantar o Evangelho neste mundo, embora o
cristáo saiba que nao é neste mundo de penumbras e símbolos que os homens chegaráo á plenitude da vida. Fazendo eco a Tolstoi, dizia sabiamente Henri Bergson,
o filósofo judeu que muito se aproximou do Evangelho:
«O que me impressionou em Jesús, é o programa de ir sempre
á frente. Em conseqüencia, poder-se-ia dizer que o elemento estável do Cristianismo é o de nunca, parar».
É para excitar tais anseios que mais um fasciculo de PR é dado a lume. Tentando dissipar dúvidas e projetar luz,
possa contribuir para abrir caminhos aos que foram chamados a ser peregrinos do Absoluto!
E.B.
— 333 —
«PEROUNTE
E
RESPONDEREMOS»
Ano XXIII — N« 264 — Setembro-outubro de 1982
Há quatrocentos anos:
A Reforma Gregoriana do Calendario e Novas Perspectivas Em sfntese: Em 1982 comemoram-se os quatrocentos anos da reforma do calendario juliano empreendida pelo Papa Gregorio XIII por Bula de 24/02/1582. Com efelto, o Imperador Julio César em 45 a.C. estipulou, na base dos estudos do astrónomo egipcio Sosígenes, que o ano civil teria 365 dias e 6 horas. Como, na verdade, este só conta 385 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos, no decorrer dos séculos deu-se defasagem cada vez mais senslvel entre o ano oficial civil e o ano real
solar.
Os sabios medlevais
lam percebendo
isto,
mas somente
no sé-
culo XVI se descobriram as fórmulas necessárias para proceder á reforma do calendario. Após amadurecidos estudos e ampias consultas aos princi pes e ás Universidades, o Papa Gregorio XIII estabeleceu que o dia 5 de outubro de 1S82 seria tido como dia 15 e baixou normas para que a mesma defasagem nao se repetisse no futuro. O calendario tinha im portancia religiosa, visto que a festa de Páscoa há de ser celebrada na primavera (da Europa), mas, por causa do atraso do calendario civil em relacfio ao solar, passaria a ser festejada no ve rao. Os países católicos e protestantes aceitaram a reforma gregoriana, estes mais lentamente do que aqueles. Quanto aos ortodoxos, fazem-lhe restricoes, que explicam seja a Páscoa ortodoxa celebrada dias depois da Páscoa de católicos e protestantes. O progresso da clvilizacáo e do diálogo religioso há de contribuir para a superacSo de tal divergencia. Nos últimos decenios tém-se preconizado novas reformas do calen darlo, que permitam tornar fixa a data de Páscoa e fazer coincidir perma nentemente os dias do mes com os dias da semana. A Igreja Católica nada tem em contrario, desde que se conserve a semana de seis dias de trabalho e um de repouso e se procure o acordó de todos os ¡nteressados na reforma do calendario.
Comentario: Em 1982, entre outros centenarios, celebram-se os quatrocentos anos da reforma do calendario uni versal (1582), devida ao Papa Gregorio xm. Nao somente interesses civis, mas também premissas religiosas tém influido na fixagáo das grandes datas do calendario. Ainda hoje entre O9/I
REFORMA DO CALENDARIO
cristáos verifica-se que os orientáis ortodoxos (cismáticos) nao celebram a Páscoa na mesma data em que os cristáos ocidentais a festejam. Ñas páginas subseqüentes procuraremos expor os porqués de tal divergencia e o significado da reforma gre goriana do calendario, qua poderá talvez um dia ceder a outra reestruturagáo da contagem do tempo.
Comesaremos por explanar urna questáo preliminar de importancia capital.
1.
A ■data da celebrase» da Páscoa
Nao poucas pessoas perguntam se nao se sabe o dia em que Cristo morreu, pois a comemoragáo da sua morte oscila todos os anos dentro dos meses de margo e abril. Em resposta, observaremos que os Evangelhos nao nos
referem exatamente o dia em que o Senhor morreu pregado á cruz... Na verdade, a data precisa da morte de Cristo parece ter interessado menos aos antigos cristáos do que o significado dessa morte; sim, Cristo morreu como o Cordeiro de Páscoa que levou á plenitude a Páscoa dos judeus. Por isto a morte
de Jesús foi sendo comemorada, desde os primeiros anos da Igreja, de acordó com o cómputo da Páscoa prescrito pela Biblia em Ex 12,1-20. Com efeito. A Lei de Moisés mandava que a salda do Egito ou a Páscoa dos judeus fosse comemorada anualmente a 14 de Nisá, ou seja, na primeira lúa cheia da primavera (do hemisferio setentrional); por conseguinte, a Páscoa dos judeus era festa móvel, dependendo sempre dos ciclos lunares, que compreendem um total de 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 38 segundos. Os cristáos adotaram o computo bíblico da Páscoa; viram-se, porém, diante do problema de conciliar entre si o
ciclo lunar e o ciclo solar, pois era necessário que a Páscoa caisse sempre na primavera. A questáo foi resolvida pelo Con cilio de Nicéia I (325), o qual determinou que a Páscoa seria
sempre celebrada no domingo após a lúa cheia subseqüente ao equinócio da primavera (21 de margo). É de notar que o Con
cilio fixou a celebragáo da Páscoa no domingo após a primeira
lúa cheia, em vez de a colocar no 14* dia do mes lunar, como faziam os judeus. — No século II, houve, sim, entre os cristáos
algumas comunidades da Asia menor que queriam seguir estri-
tamente o calendario judaico celebrando a Páscoa a 14 de Nisá, — 335 —
A
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
qualquer que fosse o día da semana; tal, porém, nao era a praxe de Roma, que propugnava a celebragáo de Páscoa sempre em domingo, pois foi em domingo que Cristo ressuscitou, apresentando-se aos homens como a nova criatura ou o segundo
Adáo (cf. 2Cor 5,17; ICor 15,13-19). Prevaleceu o costume de Roma, que era também o de Alexandria. O Concilio de Nicéia I pos termo definitivo ia questáo indicando o domingo como día de celebragáo da Páscoa. Eis, porém, que tal Concilio, estipulando o dia 21 de margo como o do equinócio da primavera, se baseava no calendario juliano, que estava entáo em voga, mas que viria oportuna
mente a exigir reforma. Voltemo-nos entáo para a questáo do calendario juliano e da sua reforma gregoriana.
2.
Calendario juliano e reforma gregoriana
A palavra calendario vem do vocábulo latino Hatendae, derivado da raíz grega ka], que significa chamar; donde o verbo latino kaJane. Kalendae era usado na linguagem sacra para designar a convocacáo do povo feita no Campidoglio por um dos Pontífices de Roma paga, quando no céu aparecía a primeira faceta da lúa crescente; anunciavam-se entáo as datas da lúa crescente (nonae) e da lúa cheia (idus). Kalendae veio a ser, portante, o dia primeiro do mes lunar. A palavra kalendarium, a principio, entre os romanos significava o registro no qual os banqueiros anotavam os juros correspondentes aos empréstimos no primeiro dia de cada mes.
Depois kalendarium passou a significar a tabela das datas im portantes do ano. 2.1.
Calendario juliano
O calendario religioso romano contava doze meses, de
29 e 31 dias alternadamente. Comecava em margo; mas, a par
tir de 153 a.C, o seu inicio foi fixado, para fins civis, em 1* de
Janeiro, pois nesta data os cónsules romanos assumiam as suas
fungóes. O ano assim construido era corrigido de dois em dois anos para corresponder ao ano solar mediante a intercalagáo de um mes de 22 ou 23 dias, chamado mes intercalar ou mer-
cedónio. Essa insergáo se fazia segundo o arbitrio dos pontí fices, que nao eram exatos em seus cálculos. Tal situagáo — 336 —
REFORMA DO CALENDARIO
levou o Imperador Julio César (101-44 a.C.) a intervir refor mando o calendario; para tanto, encarregou o astrónomo egip
cio Sosígenes de fazer os cálculos; em conseqüéncia, César deu ao ano de 45 a.C. a duracáo de 445 dias, acrescentando ao referido ano os 90 dias de atraso do calendario; pelo que tal ano foi dito «annus confusionis» (ano de confusáo). De 45 a.C. em diante, cada ano contaría 365 dias e 6 horas; os meses teriam 30 ou 31 dias e de quatro em quatro anos se acrescentaria um dia complementar que compensaría as seis horas nao
calculadas nos outros anos; tal dia seria inserido após 24 de
fevereiro e se chamaria bissexto, porque se contaría duas vezes o sexto dia antes das calendas de margo ou antes de 1» de margo. Tal foi a reforma juliana do calendario. 2.2.
Reforma gregoriana
Com o passar do tempo, verificou-se que havia uma defasagem entre o calendario oficial e o calendario solar real, pois o ano solar nao consta de 365 dias e 6 horas, mas de 365 dias, 5
horas,
48
minutos
e 46
segundos.
Esta
diferenpa,
por
pequeña que fosse, era causa de que o equinócio da primavera (importante para se fixar a data de Páscoa) ficasse sempre mais deslocado para tras em relagáo ao calendario real. No decorrer dos sáculos, a Páscoa nao seria mais celebrada em margo-abril, mas em abril-maio, maio-junho,... nao mais na primavera, mas no veráo (do hemisferio Norte). Já em 1232 um monge escocés, Joáo de Holywood, propós no De aoni ratione uma alteracáo na intercalacáo dos dias bissextos. Em 1252 os astrónomos que, por ordem de Afonso X de Gástela, redigiram as tabelas afonsianas, chegaram á conclusáo de que o ano trópico compreende 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos. O franciscano Rogério Bacon (t 1294), no Opus Maius ad Clementem IV, propós uma reforma do calendario. O Papa Clemente IV em 1345 encarregou dois matemáticos franceses dos estudos necessários. No século XV, os Concilios de Constanga (1414-1418) e Basiléia (1431-1437) trataram do assunto, mas sempre sem chegar a resultado satisfatório. O Papa Sixto IV (1471-84), por sua vez, pediu a Joáo Müller de Konigsberg, famoso matemático, que preparasse os cálculos para a reforma. No Concilio do Latráo V (1511-1517),
o Papa Leáo X deu novo impulso aos trabalhos já realizados, valendo-se especialmente da eolaboracáo de Paulo de Middleburg, que, por assim dizer, completou a tarefa preparatoria. Também o Imperador Maximiliano I (1459-1519) se interessou
j}
pelo assunto, pedindo a cooperacáo dos matemáticos Pighius,
Lucidus, Pitatus, Sepulveda e outros. Por fim, o Concilio de Trento (1545-1563), em sua última sessáo (4/12/1563), solicitou ao Papa a reforma do calendario juntamente com a do Breviario e a do Missal. O Papa Gregorio Xm (1572-85) assumiu decisivamente o propósito em pauta, recorrendo aos mais ilustres matemáticos da época: os calabreses Antonio e Luís
Giglio, o dominicano Inácio Danti, construtor do gnomon de S. Petrónio de Bolonha, o jesuíta alemáo Cristóváo Clávio (Clau) e o espanhol Pedro Chacón. Foi Luis Giglio quem resol-
veu um problema que parecía insuperável, a saber: o de conceber um novo ciclo de epatas (a epata é o número de días do ciclo lunar ou a idade da lúa no primeiro día de cada ano; na base da epata se calculam as lúas novas e as lúas cheias do respectivo ano). Antonio Giglio, médico e literato, apresentou finalmente ao Papa o projeto de reforma do calendario; Gre gorio Xm enviou tal esquema «aos príncipes cristáos, as mais célebres Universidades», que Ihe deram parecer favorável. O
mesmo projeto, depois disto, aínda foi submjetido a urna Comissáo de insignes astrónomos e matemáticos, que o aperfeigoaram. Percorridas estas etapas, Gregorio Xm houve por bem promulgar a Bula de reforma do calendario ínter gravissimas na Vila de Mondragone (Frascati) aos 24/02/1582.
A reforma tinha em mira dois objetivos: 1) retificar a data do equinócio da primavera, que estava dez dias em atraso, e 2) evitar que, para o futuro, se repetisse o deslocamento do equinócio. Em conseqüéncia, foi estipulado que se suprimiriam
dez dias do mes de outubro, passando o dia 5 a ser o día 15
desse mes (pois de 5 a 15 era menor o número de santos a serem festejados do que em outras ocasióes do ano); assim em 1583 o equinócio da primavera seria tranquilamente assinalado no dia 21 de margo. Para evitar o deslocamento do equi nócio no futuro (deslocamento devido ao fato de que o ano
civil tem 11 minutos e 14 segundos a mais do que o solar), foi definido que, segundo a seguinte regra, se cancelaría periódi camente um dia: o ano correspondente ao inicio de um século que, sendo divisível por 4, deveria ser bissexto, nao seria bissexto, com excecáo dos anos de sáculos cujos dois primeiros algarismos dessem um múltiplo de 4; assim nao seriam bissextos os anos de 1700, 1800 e 1900 (porque 17, 18 e 19 nao sao divisíveis por 4 ou nao sao múltiplos de 4), mas 1600 seria bissexto. Assim de 400 em 400 anos se recupera o atraso
sofrido pelo equinócio em quatro sáculos, atraso que é de 21 horas e 18 minutos (quase um dia de 24 horas).
REFORMA DO CALENDARIO
A reforma gregoriana devia encontrar aceitacáo imediata ao menos em todos os países cristáos. Houve, porém, resisten cia mesmo da parte dos católicos; os dentistas levantaram objecóes contra a mesma. Isto levou o Papa Clemente VIH (1592-1605) a pedir mais urna vez a colaboracáo do jesuíta Cristóváo Clau de Bamberg, grande matemático e astrónomo; Clau editou em 1603 um volumoso tratado sobre o calendario, que ficou sendo clássico: Romani Calendarii a Gregorio XHÍ P. M. Res tituía Explicatio (Apud Aloysium Zannettum, Romae MDCm pp. 682). A obra, que se abre com um Breve de aprovacáo do Clemente Vm, contém a explicacáo do novo calendario e o cálculo das datas das festas cristas até o ano de 5000.
Nos séculos seguintes, os estudiosos reoonheceram o alto valor científico do calendario gregoriano. Os países cató licos todos nao tardaram muito a adotá-lo. Quanto aos países protestantes, diz-se que «preferiam estar em desacordó com o sol a estar de acordó com a Curia Romana».
Assim os Esta
dos protestantes da Alemanha só o aceitaram em 1699; a Di namarca, em 1700; a Inglaterra, em 1752; a Suécia, em 1753; a Suíca, conforme a religiáo e a autonomía de cada cantáo, entre 1584 e 1811; o Japáo, em 1873.
Os países cismáticos do Oriente — a Grecia, a Rússia, a Serbia, a Bulgaria, a Ruménia, a Armenia, a Georgia, o Egito copta — nao aceitaram a reforma, apesar das tentativas de acordó feitas por Gregorio XHI. Ao contrario, em 1593 reu-
niram-se os quatro Patriarcas bizantinos e muitos bispos em Constantinopla para anatematizar a reforma gregoriana como se fosse contraria as normas do Concilio de Nicéia I
(325).
Todavía em 1917 o Governo soviético aceitou-a, mas o Pa triarcado de Moscou nao a segué. Em 1923 o Patriarcado de Constantinopla e as Igrejas de Atenas, de Chipre, da Polonia (cismática) e da Ruménia adotaram o calendario gregoriano para as festas fixas (Natal, Epifanía, Apresentagáo de Jesús no Templo...), mas nao para as festas movéis (Páscoa e seu ciclo), que sao calculadas segundo o calendario juliano. É de crer que o progresso mesmo da civilizacáo e o diá logo religioso se encarreguem de unificar o calendario dessas
comunidades, adaptando-o aos criterios da ciencia.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
3.
Reforma do calendario em nossos lempos?
O atual calendario, por mais bem fundamentado que esteja, deixa margem a ulteriores aspiragóes. 3.1.
Esbo(o histórico
Em 1834 o Pe. Mastrofini publicou em Roma urna obra em que preconizava um calendario imutável. Cinqüenta anos depois, a revista L'Astronomie, dirigida em París por Camille Flammarion, abriu um concurso referente ao assunto, resolvendo premiar os primeiros vencedores. No sáculo XX a adesáo de novas nagóes ao calendario gre goriano mais chamou a atengáo para o valor do «padráo único» no tocante á contagem dos días: as Cámaras de Comercio trataram do assunto em seus Congressos (Praga, 1908; Londres, 1910; Bostón, 1912; París, 1914). Em 1914 o governo suígo se aprestava para fazer urna comunicagao diplomática a todos os povos sobre o assunto quando irrompeu a primeira guerra mundial.
Pouco depois desta, em 1922, a Uniáo Astronómica Inter nacional elaborou um projeto que a Liga das Nagóes em 1923 resolveu submeter a todos os governos civis e autoridades reli giosas. A própria Liga das Nacóes constituiu urna comissáo encarregada do estudo da questáo, comissáo em que figuravam o Prof. Van Eysingha, de Leyde, perito técnico no assunto, o R. P. Gianfranceschi, Presidente da Academia Pontificia dos Nuovi Ldnoei, D. Eginitis, Diretor do Observatorio Nacional de
Atenas, designado pelo Patriarca de Constantinopla, o Rev. Philipps, representante do arcebispo de Cantuária (anglicano), Willis Booth, Presidente da Cámara Internacional de Comer cio, G. Bigourdan, ex-presidente da comissáo da Uniáo Astro nómica. Esses representantes de diversos credos e interesses concordaran! logo numa de suas primeiras sessóes em que, «do ponto de vista estritamente dogmático, o exame da reforma do calendario, no que concerne tanto á festa de Páscoa como á questáo mais geral da reforma do calendario gregoriano, nao suscita dificuldades de natureza tal que se devam de antemáo considerar insuperáveis» (Rapport relatif a la Reforme da Calendrier, Gonéve 1926,7).
REFORMA DO CALENDARIO
Por fim, em 1930 fundou-se em Nova Iorque urna Associagao Universal do Calendario que publica a revista Journal of Calender Reform. Essa associacáo coordena eficazmente os esforgos dos estudiosos de cada nagáo em prol do objetivo comum.
3.2.
As teses reformistas
As propostas de inovagóes nao visam retocar a correcto feita ao calendario juliano por obra do Pontífice Gregorio Xm em 1582. Esta emenda é tida por táo adequada quanto possíyelno estado atual da ciencia. Os observadores, porém, foca-
iizam dois pontos defeituosos no atual sistema:
a falta de correspondencia regular dos días do mes eom os días da semana (o dia 1» de Janeiro, se num ano caí em domingo, no ano seguinte cai em segunda ou, no caso de bissextilidade, em terga-feira);
a mutabilidade da data de Páseoa. Esta solenidade é tradicionalmente celebrada no domingo que se segué a primeira
ma cheia após o equinócio da primavera. Ora, sendo o equinócio da primavera colocado no dia 21 de margo (de acordó oom o concilio de Nicéia), a data de Páseoa pode deslocar-se de 22 de margo a 25 de abril. A variabilidade de Páseoa acar reta naturalmente a de urna serie de celebragóes religiosas e civis (Ascensáo, Pentecostés, Quaresma, Carnaval, etc.).
Nao há dúvida de que estas duas características do calen
dario vigente causam transtornos aos diversos setores da ati-
vidade humana, principalmente á industria, ao comercio e ao ensino. Além disto, a vida crista, diz-se, seria beneficiada pela fixagáo da data de Páseoa, pois o culto sagrado se desenvol vería dentro de um quadro mais regular e compreensível aos fiéis.
Em vista desse estado de coisas, os estudiosos, coligindo os diversos postulados dos grupos interessados, elaboraram o seguinte plano, que se tornou o mais focalizado dentre os seus congéneres:
— 341 —
10
1* Trimestre
2» Trimestre
3* Trimestre
4' Trimestre
1. Dom.
1. Dom.
1. Dom.
1. Dom.
1* Janeiro
1' abril
1* out.
1* julho
8. Dom. 15. Dom. 22. Dom. 29. Dom.
8. 15. 22. 29.
32. 1' fev.
32. 1' mato
32. 1' agosto
32. 1' nov.
36 Dom. 50. Dom. 57. Dom.
36. 43. 50. 57.
36. 43. 50. 57.
36. 43. 50. 57.
62. 1* margo
62. 1' junho
62. 1« set.
64. 71. 78. 85.
64. 71. 78. 85.
64. 71. 78. 85.
8. 15. 22. 29.
Dom. Dom. Dom. Dom.
43. Dom.
Dom. Dom. Dom. Dom.
91. Sábado
Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom.
91. Sábado
Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom.
Dom. Dom. Dom. Dom.
91. Sábado
8. 15. 22. 29.
Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom. Dom.
62. V dez.
64. Dom. 71. Dom.
78. Dom. 85. Dom.
91. Sábado
• Bissextil
t 365' dia
*
De quatro em quatro anos, um dia bissextil, após 30 de junho
T
Todos os anos, o 365' dia, após 30 de dezembro
Como se vé, o ano de doze meses estaría repartido em quatro trimestres, cada qual constando de dois meses de 30 dias e um mes de 31 dias (ao todo, 91 días). Cada trimestre cometaria por um domingo e terminaría por um sábado; o dia 1» de Janeiro seria sempre um domingo. O 365* dia do ano
tomaría lugar após o dia 30 de dezembro, com o nome de «sábado bis» ou «dia branco», podendo ser equiparado a um domingo. O dia bissextil (outro «dia branco»), quando ocor-
resse, ocuparía o fim do segundo trimestre, após 30 de junho; seria o dia 31 de junho, assemelhado a um domingo.
Em resposta, observe-se que o cálculo da data de Páscoa
na base do ciclo da lúa, por muito tradicional que seja, pertence aos preceitos rituais da Antiga Leí, preceitos em parte condicionados pelas instituicóes vigentes na civilizaQáo anterior a Cristo (o mes lunar e o calendario luni-solar tinham outrora urna importancia de que hoje já nao desfrutam); ora os pre ceitos rituais do Antigo Testamento, sendo evidentemente pro
visorios, nada tém de dogmático; cabe, portante, á autoridade da Igreja dispor a seu respeito, adaptando-os aos usos de épo cas posteriores; a fé crista apenas exigirá que Páscoa continué — 342 —
REFORMA DO CALENDARIO
11
a ser celebrada em domingo. — Verdade é que a Igreja nunca aceitará sem serios motivos a derrogagáo á tradigáo que sem-
pre esteve em vigor no povo de Deus; ela só aprovará a fixa-
gáo da data de Páscoa, caso esta corresponda realmente as aspiragóes do bem comum, tanto no setor religioso como no civil.
Em junho de 1935 urna comissáo de estudiosos ingleses foi a Roma entregar ao Santo Padre Pió XI um. memorial das mudangas que desejariam ver introduzidas no calendario gre goriano. A Santa Sé se mostrou de certo modo favorável ao projeto, contanto que o plano de reforma receba o apoio ao menos da maioria das comunidades interessadas no assunto. Semelhante atitude tem sido adotada pelos cristáos cismá ticos orientáis e pelos protestantes; requer-se naturalmente
acordó previo sobre qualquer reforma, a fim de evitar multi-
plicidade de calendarios, fomentadora de confusáo entre os fiéis.
Em 1963 a Igreja Católica pronunciou-se sobre os proje tos de reforma do calendario, declarando em Apéndice á Constituigáo Sacrosanctum Ooncilium do Concilio do Vaticano n quanto segué:
"O Sacrossanto Concilio Ecuménico do Vaticano II, julgando serem de grande Importancia os desejos de muitos no sentido de fixar a festa da Páscoa em domingo determinado e de estabelecer um calendario fixo, tendo considerado com diligencia tudo o que pode resultar da IntroducSo do novo calendario, declara o seguinte:
1. O Sacrossanto Concilio nSo se opSe a que a festa da Páscoa seja flxada num domingo certo do calendario gregoriano, com o consentlmento dos interessados, principalmente dos Irmáos separados da comunhao com a Sé Apostólica. 2. Da mesma forma, o Sacrossanto Concilio declara que nfio se opfle ¿s Iniciativas que visam a ¡ntroduzir um calendario perpetuo para a socledade civil.
Dos varios sistemas, porém, que se excogltarem para estabelecer um calendario perpetuo e IntroduzMo na sociedade civil, a Igreja só nio se
opde aqueles que conservam e guardam a semana de sete días com o domingo, nSo Intercalando nenhum dia fora da semana, de forma que se deixe inlata a sucessáo das semanas, a nio ser que se apresentem gra vísimas razdes, sujeitas á constderacSo da Sé Apostólica".
Como se vé, a Igreja Católica é ciosa de que
1) nao se destrua a semana com seus seis dias de trabalho e o repouso dominical, por causa do fundamento bíblico de tal instituicáo; — 343 —
12
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
2)
nao se criem maiores distancias entre orientáis e lati
nos por causa da fixagáo da data de Páscoa.
Era necessario trazer toda esta temática ao público estu dioso neste ano do quarto centenario da reforma gregoriana, que certamente foi urna das grandes benemerencias da cultura
crista na historia universal. A propósito vejam-se
CHAUVE-BERTRAND, A., Vers un calendrter nouveau, em "Ephemertdes Llturglcae" 54 (1940), págs. 67-87. DE ROSA, G., Quatro secoll fa la rlforma del calendarlo, em "La Civilta Cattolica" n 3160, 20/02/82, págs. 350-362. DIVERSOS, verbete Calendarlo, em "Enciclopedia Cattolica" MI. Cittá
del Vaticano, cois. 344-364.
PR 14/1959, pág.s. 51-57;
218/1978, págs. 51-62; 222/1978, págs. 254s. *
*
*
(Continuacio da pág. 420) gao como um produto da sociedade de consumo; resultarla dos mecanismos de exploracáo da mulher e do machismo Imperante, que levam multas jovens e nao jovens a praticar o aluguel do seu corpo como meio de sobre
viven em conseqüéncia, o llvro apregoa urna reforma da sociedade atual
para que a mulher seja devidamente reconhecida em sua dignidade inconfundlvel. Ao lado desta tese, sSo registradas tentativas de sanar de (me diato a situacüo da mulher prostituta no Brasil, tentativas empreendidas especialmente por Irmas da Congregacao do Bom Pastor. Embora o livro dé a ver com fidelidade multos aspectos da realidade
em foco, é, em varias de suas páginas, um tanto unilateral. Assim, por exem-
plo, ao considerar o aspecto moral da prostituIcSo, so realga o pecado social e a correspondente libertacao social, quando haveria que enfatizar também normas de disciplina pessoal do homem e da mulher hoje (cf. pp. 59-76). A p. 21 J. A. da Silva Curado cita sentencas de filósofos gregos e de doutores cristfios que depreciaram a mulher através dos tempos; todavía o autor nao cita as fontes das quais terá tirado as frases transcritas. Na verdade, a respeito de S. Bernardo, que teria chamado a mulher "urna peste", existe interessante e documentado estudo de Jean Leclercq, que mostra como o
santo doutor reverenciava a mulher, tendo em vista principalmente a figura de Maria SS., da qual era grande devoto. A propósito veja-se Jean Leclercq: A mulher na teología dos monges da Idade Media, em COMMUNIO n? 4, jul.-ago. 1982, pp. 334-344. E.B.
— 344 —
A obra de Mons. Escrivá de Balaguer:
Que é o "Opus Dei"? Em sfrttese:
O Opus Del (Obra de Deus) é unía Instituicáo da Igreja
Católica, de extensSo e reglme universais, fundada\por Mons. Josemaría
Escrivá de Balaguer y Albas em 1928, a fim de avivar em homens e muIheres cristSos a conscléncia de que todos sao chamados á santidade, mesmo que tenham voca;5o secular; é através do cumplimento dos deve res na familia e na profissao que o cristáo deve chegar á perfeícSo. O Opus Dei nao impSe votos aos seus socios, mas pede-lhes que assumam, com toda a seriedade, os seus compromissos de Batismo; oferece-lhes outrossím melos de santificacao e formafáo doutrinárla, em estrita fidelidade & S. Igreja. NSo há segredos no Opus Dei nem opcdes politico•partídárias próprias da Institulcao nem empresas que pertencam a Obra; cada socio ó llvre para fazer suas opgóes políticas e profissionais hones tas de acordó com a sua consciéncla bem formada. O Opus Dei nao oferece vantagens pecuniarias aos seus adeptos, pois geralmente as tarefas que empreende s§o deficitarias. Numa palavra, como dizia Pauto VI, o Opus Dei é urna resposta da vitalidade da Igreja aos desafios dos novos tempos; é urna expressáo da perene juventude da Igreja.
Comentario: Fala-se, as vezes, de Opas Dei em tom curioso, como se fosse algo de misterioso e secreto, á seme-
Ihanga de urna sociedade" macónica dentro da Igreja ou de um «Rotary de Deus» ou de urna «sociedade anónima» ou de um «grupo reacionário»... Na verdade, poucas pessoas conhecem devidamente o Opus Dei; por isto imaginam a respeito proposigóes que nao correspondem á realidade. É o que nos leva a escrever algo sobre tal Obra: suas ori-
gens, suas finalidades, seu caráter jurídico, seus socios... seráo objeto dé nossa atengáo. A elucidado aquí proposta está baseada nos livros, ensaios e artigos publicados sobre essa Insti-
tuigáo bem como em bibliografía fornecida pela própria organizagáo do Opus Dei no Brasil.
1.
Opus Dei: origens
O fundador do Opus Dei é Mons. Josemaria Escrivá de Ba
laguer y Albas, nascido em Barbastro (Espanha) aos 9/01/1902 e falecido em Roma aos 26/06/1975, em odor de santidade. O seu processo de beatificagáo já está em curso a partir de 5/02/1981.
— 345 —
14
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
Mons. Escrivá fez os estudos humanísticos em Barbastro
e Lorgoño, e os estudos eclesiásticos na Pontificia Universi
dade de Saragoga, onde se licenciou em S. Teología. Mais tarde em Roma obteria o grau de doutor. Oportunamente doutorou-se também em Direito Civil pela Universidade de Madrid.
Ordenado sacerdote no dia 28 de margo de 1925, iniciou a sua atividade pastoral em paróquias rurais e, desde 1927, entre os pobres e enfermos dos suburbios e dos hospitais de Madrid. Poucos anos mais tarde, foi nomeado Reitor do Real Patro nato Santa Isabel, também em Madrid. Depois de muitos anos de oragáo, pedindo a Deus que Ihe fizesse conhecer a sua Vontade, em 2 de outubro de 1928 o Pe. Escrivá viu com clareza o que Nosso Senhor Ihe pedia. Nessa data foi fundado o Opus Dei. A partir desse momento, o Pe. Escrivá comecou a trabaIhar, cercado de um pequeño grupo de estudantes e operarios,
aos quais mostrava os caminhos da uniáo com Deus em meio aos embates universitarios e profissionais. Tinha por obje
tivo a santificagáo dos seus membros — qualquer que fosse a respectiva categoría social — através do trabalho e da vida no mundo vivida em profunda atitude de oragáo (ou mesmo contemplacáo).
O Anuario Pontificio, ao apresentar o Opus Dei, atribui-lhe a finalidade de «promover a busca da plenitude da vida
crista em todas as classes sociais, especialmente entre os intelectuais...» Estas últimas palavras se entendem pelo fato de que foi dos intelectuais que partiu o movimiento de descristianizacáo da sociedade; será, pois, necessário procurar que, a
partir dos mesmos, se expanda a recristianizagáo da sociedade. Isto, porém, nao quer dizer que o Opus Dei seja reservado as classes de élite; ao contrario, nele se encontram modestos trabalhadores, como se depreenderá das entrevistas que publica remos no finí deste artigo.
Aos 14/02/1930, Mons. Escrivá fundou a Seccáo Femi-
nina do Opus Dei, e aos 14/02/43, dentro do Opus Dei mesmo,
a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, destinada aos sacerdo tes. A última aprovacáo que o Opas Dei recebeu da Santa Sé, ocorreu aos 16/06/1950. Com oragáo, penitencia e trabalho incessante, o fundador promoveu a expansáo da sua obra por todo o mundo ao longo de quarenta e sete anos. Quando ter-
minou a sua carreira terrestre, o Opus Dei já estava esparso
pelos cinco continentes e contava com mais de 60.000 socios de oitenta nacionalidades.
— 346 —
QUE é O «OPUS DEI>f
15
Mons. Escrivá deixou numerosos escritos — publicados e inéditos , dos quais o mais difundido traz o título Caminho: é urna coletánea de 999 pensamentos, curtos e profundos, que refletem alguns dos aspectos fundamentáis da espiritualidade do autor e da instituicao por ele fundada; a primeira edicáo saiu em 1934 com o título Considera§5es espirituais; desde entáo foram publicadas mais de 152 edicóes num total de 34 línguas e perto de 2.775.650 exemplares. Notem-se também outros títu los: Questóas Atoáis do Cristianismo (texto de entrevistas),
É Cristo que passa e Amigos de Deus (duas coletáneas de homilías), Santo Rosario (meditacóes sobre os misterios do Rosario), Via Sacra,
Examinemos agora de mais perto a obra de Mons. Es crivá e suas facetas.
2.
Opus De¡: finalidades
A grande meta do Opus Dei é contribuir para que pes-
soas de todas as condicóes sociais tomem consciéncia da dignidade da vooacáo crista e das conseqüéncias que esta acarreta. O Opus Dei oferece aos seus socios a formacáo necessária para que vivam, no mundo e no exercício da sua profissáo, as gran des normas da vocacáo crista.
Diz o n* 939 do Caminhor. «Sede homens e mulheres do
mundo, mas nao sejais homens e mulheres mundanos».
Cada membro do Opus Dei há de fazer do seu trabalho de advogado, médico, professor, militar, operario, camponés... o meio de sua santificagáo pessoal e de sua irradiagáo apostó lica. Sao palavras de Mons. Escrivá: «O trabalho profissional. é nao somente o ámbito no qual os membros do Opus
Dei devem procurar a perfeigáo crista, mas é também o meio e o caminho de que se servem para a conseguir» (Carta, Ma drid, 24/03/1930). Alias, o decreto Primum inter, pelo qual
a Santa Sé aprovou o Opus Dei, frisa que os socios «exercem com o máximo empenho todas as profissóes civis honradas e, por mais profanas que sejam, procurara sempre santificá-las mediante pureza de intengáo constantemente renovada, com o
afá de crescer na vida interior, com urna abnegacáo continua
e alegre, com o sacrificio de um trabalho duro e tenaz, que
deve ser perfeito em todas as suas dimensóes». — 347 —
16
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
O fundador chegou mesmo a propor insistentemente a
norma:
«Almas
contemplativas
em
meio
ao
estrépito
do
mundo». Em conseqüéncia, os membros do Opas Dei procuram con
ferir um significado transcendental as suas tarefas; observa Mons. Escrivá: "Espero que chegue um momento no qual a frase os católicos penetram nos ambientes soclais deixe de ser repetida e todos se déem conta
de que é urna expressáo clerical. Em todo caso, nio se aplica em nada ao apostolado do Opus Del. Os socios da Obra nio tém necessidade de penetrar ñas estruturas temporais pelo simples fato de que sio cidadSos Iguais aos demais e, por conseguidle, já integram as estruturas da sociedade" (Carta Madrid, 24/03/1930).
Via de regra, os socios nao se entregam a atividades eonfessionais ou eclesiásticas precisamente para poder santificar os setores de trabalho que sao específicos dos leigos. Note-se a ponderagáo de Mons. Escrivá: "Se deixassem de atender as suas tarefas no mundo para ocupar-se com atividades da Igreja, tornariam ineficazes os dons divinos recebldos e, na ilusáo de urna eficacia pastoral Imediata, causariam um daño real a Igreja, porque nio haveria tantos cristáos dedicados a santificar-se em todas as profissdes e oficios da sociedade civil e no imenso campo do trabalho secular.
Ademáis, a
exigente
necessidade de continua formacao
profissional e de formacáo religiosa, juntamente com o tempo dedicado pessoalmente á piedade, á oracio e ao abnegado cumprimento dos deve res de estado, toma a vida intelra: nio há horas llvres" (Ibd.).
A fim de que os membros do Opus Dei sejam realmente o fermento na massa, Mons. Escrivá exige deles nao sonriente o
preparo espiritual, mas também, na medida do possível, o estudo: "Urna hora de estudo, para um apostólo moderno, é urna hora de oracio. Antes, os conhecimentos humanos — a ciencia — eram multo limitados; parecía muito posstvel que um só Individuo sabio pudesse fazer a defesa e apología da nossa santa fé. Hoje, com a extensio e a intensidade da ciencia moderna, é necessário que os apologistas repartam entre
si o trabalho para defender científicamente a Igreja em todas as frentes" (Camlnho, n.°» 335 e 236).
Pergunta-se agora: qual o estatuto jurídico do Opus Dei na Igreja? — 348 —
QUE £ O «OPUS DEI»?
3.
17
Estatuto pirídico
Jurídicamente falando, o Opus Bei foi aprovado em 1947, dentro do quadro que oferecia o direito da Igreja anterior ao Concilio do Vaticano n, como Instituto Secular, embora esta forma jurídica nao corresponda ao carisma fundacional da instátuigáo, de modo que, na realidade concreta, nao pode ser considerada um de tais Institutos. Melhor se poderia classificar como instituigáo ou associagáo de fiéis, de extensáo e regime universais.
Mas que vem a ser um Instituto Secular? — Os Institutos Seculares sao urna realidade relativa mente recente na Igreja. Devem a sua origem ao fato de que a organizacáo das Ordens e Congregagóes Religiosas tradicionais parece um tanto rígida para enfrentar desafios do apos tolado moderno; principalmente a exigencia de vida comuni taria dificulta a penetracáo em certos setores da sociedade (fábricas, laboratorios, minas, etc.). Em conseqüéncia, surgiram na Igreja do sáculo XX certas formas de vida consagrada a Deus pelos tres votos religiosos, dotadas, porém, de maior flexibilidade do que as anteriores: assim os seus membros seriam autorizados a viver com a familia ou em seu recinto mesmo de trabalho, emitir votos ou promessas de caráter pri vado, praticar a pobreza em termos adequados ao exercício de urna profissáo secular, guardar o sigilo da sua identidade..., a fim de terem mais livre acesso a todo e qualquer ambiente de trabalho, mesmo hostil ao Cristianismo. Sao espécimens dessa tendencia os padres-operarios da Franga, que iam trabalhar ñas fábricas, participavam da vida dos sindicatos e celebravam a Eucaristía em trajes de trabalhadores (tal expe riencia, nao tendo produzido os frutos almejados, sofreu serias
restrigóes da Santa Sé em 1959).
A nova forma de vida consagrada a Deus no mundo foi cuidadosamente estudada pelo Papa Pió XII, que aos 2/02/1947 houve por bem dar-lhe forma jurídica oficial mediante a Constituigáo Provida Mater Ecclesia, á qual se seguiu o Motu proprio «Primo feliciter» de 2/03/1948. A Santa Sé nesses documen tos reconhece a tais organizagóes chamadas Institutos Secula res o direito de nao terem vida comum nem votos públicos; exige, porém, o celibato, a obediencia as Constituigóes e a po
breza de acordó com estas, da parte dos respectivos membros. — 349 —
18
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 264/1982
Ora o Opas Dei nao é urna Ordem Religiosa (embora Opus Dei lembre o Oficio Divino dos beneditinos) nem Ordem Terceira, mas foi classificado por Pió XII como «Instituto Secular» ou mesmo «o modelo dos Institutos Seculares». Na prática, porém, tem-se verificado que o Opus Dei nao preenche as condigSes de um Instituto Secular, pois: 1) os seus membros nao emitem votos religiosos, sendo muitos deles casados, 2) nao se consagram a obras explícitamente apostólicas ou confessionais, mas ao trabalho profissional. Em conseqüéncia,
hoje em día é comum reconhecer-se que o Opus Dei na prá tica nao é um Instituto Secular, mas, sim, urna Associacáo de fiéis ou urna Associacáo católica internacional, como se exprime o jornal L'Osservatore Romano (ed. italiana de 3/08/74; ed. castelhana de 23/02/75; ed. alema de 2/08/74; ed. inglesa de 29/08/74). Este estatuto próprio do Opus Dei vem sendo estudado, há alguns anos, pela Santa Sé, de modo que possivelmente terá nova classifioacáo jurídica dentro da Igreja, ple namente adaptada ao carisma fundacional.
4.
Opus Dei: organiza^áo inferna
1. Dentro do Opus Dei podem-se distinguir quatro tipos de associados, de acordó com a forma de vinculagáo que assumam com a Obra (vinculagáo que depende de condigóes de familia, trabalho profissional, saúde, etc.): 1) Os numerarios (numeraríi) optam pelo celibato. Estudam durante seis anos Filosofía e Teología e tém um diploma civil universitario de médico, advogado, engenheiro... 2)
Os agregados também recebem formacáo filosófica e
teológica, mas nao possuem necessariamente diploma civil; podem exercer qualquer profissáo. Sao celibatários e eventualmente vém a ser ordenados sacerdotes. 3) Supernumerarios. Podem casar-se e tém por ideal viver intensamente o espirito do Evangelho na sua vida pro fissional e em familia.
4) Cooperadores. Sao amigos que colaboram com o Opas Dei, dos quais alguns sao sacerdotes e outros podem nem ser
católicos.
QUE fi O «OPUS PEE»?
19
2. Além do ramo masculino, no Opus Dei há também o femínino, que goza de autonomía frente ao setor dos homens, mas que está sob o mesmo Presidente Geral da Associagáo. Os sacerdotes do Opas Dei prestam assisténcia espiritual aos associados da Obra. 3. Aínda se deve registrar a existencia da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, composta de sacerdotes e alguns leigos do Opas Dei. Com efeito; verifíca-se que todos os anos certo número de associados da Obra recebe as Ordens sacras; sao homens que, depois de ter vivido as virtudes recomendadas pela instituicáo, dentro do exercício de seu trabalho profissional, e, depois de ter cursado sem pressa todos os estudos ecle siásticos, sao chamados ao sacerdocio. Dentro do Opus Dei os sacerdotes nao gozam de prerrogativas jurídicas; por isto a
mor parte dos cargos de governo da Obra sao ocupados por leigos, resultando daí o caráter marcadamente laical da Obra; os sacerdotes dentro desta exercem principalmente a funcáo de manter vivo o espirito do Opas Dei em todos os associados. Escreve Mons. Balaguer:
"O apostolado profesional é exercido fundamentalmente pelos lei gos... Cada socio procura ser apostólo em seu ambiente de trabalho, aproximando de Cristo as almas mediante o exemplo e a palavra: o diá logo. Todavía no exercício do apostolado quem conduz as almas pelo caminho da vida crista, chega ao muro sacramental. A fungSo santiflcadora do leígo precisa da funjáo santificadora do sacerdote, que admi nistra o sacramento da Penitencia, celebra a Eucaristía e proclama a Pa lavra de Deus em nome da Igreja. E, como o apostolado do Opus Del supoe urna espiritualidade especifica, é necessário que o sacerdote tam bém dé um testemunho vivo desse espirito peculiar".
4. O Governo Geral do Opas Dei é assaz descentralizado: consta de um Presidente Geral, que é assistido por um Conselho constituido por um número elevado de profissionais de países
diferentes, conforme as necessidades apostólicas da Instituigáo. A esse Conselho compete orientar, em suas linhas fundamen táis, o apostolado da Obra no mundo inteiro, de tal modo, porém, que se deixe aos dirigentes de cada país urna ampia margem de iniciativas. Organizacáo análoga existe no plano das «circunscricóes
regionais», presididas por um Conselheiro ou Diretor, que é sacerdote; é a este que toca manter os devidos contatos com os senhores Bispos, visto que um dos tragos mais característi cos do Opus Dei é o fato de trabalhar sempre em estreita e
— 351 —
20
«PERGTJNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
leal oomunháo com a Hierarquia, sem outra mira que a de servir á Igreja, de acordó com seu modo de ser e as formas apostólicas especificas, aprovadas pela Santa Sé.
Em plano local, existem residencias e centros do Opas Dei dirigidos por leigos. A respeito do Governo do Opus Dei declarou certa vez Mons. Escrivá a um jornalista: "Nao pense numa organizacSo poderosa, capllarmente estendida até o último rincáo. Imagine, antes, urna organizado desorganizada, pois o trabalho dos dirigentes do Opus Dei tende principalmente a fazer que a todos os socios chegue o genuino espirito do Evangelho — espirito de caridade, de convivencia, de compreensSo, absolutamente alheio ao fana tismo —, através de sólida e oportuna formacáo teológica e apostólica.
Depois, cada um procede com total liberdade pessoal e, formando autó nomamente a sua própria consciéncla, procura a perfeicüo crista e esforpa-se por cristianizar o seu ambiente, santificando o trabalho intelectual
ou manual, em qualquer momento de sua vida e em seu próprio lar".
«Organizagáo desorganizada»: foi a expressáo que Mons. Escrivá encontrou para designar a flexibilidade de Governo do Opus Dei.
5.
Opus Dei: espiritualidade
Os aspectos jurídicos do Opus Dei só tém o sentido de favorecer a espiritualidade ou o encaminhamento dos socios para Deus. Dai a importancia de urna abordagem explícita da espiritualidade do Opus Dei. Pode-se dizer que Mons. Escrivá quis recordar, já antes do Concilio; urna grande proposigáo da teología católica que o Concilio do Vaticano n (1962-1965) haveria de por em relevo especial: a vocacáo universal á santidade (cf. Constituicjio Lumen Gentium, c. 3). Com efeito, nao somente os Religiosos
consagrados a Deus por votos de pobreza, castidade e obedien cia e reunidos em casas de vida comum sao chamados á perfeigáo crista ou á santidade, mas também todos os leigos; em outras palavras: o cristáo, como cristáo, desde o seu Batismo alimentado pela participagáo da Eucaristía, é chamado á san
tidade. Escreve Mons. Escrivá em Caminho 291:
"Tens a obrigacSo de santlficar-te. Tu também. Quem julga que tal dever ó exclusivo de sacerdotes e Religiosos? A todos sem excecSo disse o Senhor: 'Sede perfeltos como meu Pai celestial é perfeito'".
Que ± ó «OPUs déi»?
21
Isto explica que as virtudes mais enfatizadas, dentro da
espiritualidade do Opus Dei, sejam — aiém das virtudes teo-
logais e cardeais — precisamente as que correspondem ao seu caráter secular e laical, isto é, as condigoes de horneas e mu-
Iheres que sao chamados por Deus a santificar-se e a exercer o apostolado em meio ao mundo: a fidelidade ao trabalho proíissional e nao proiissionaJ, a sinceridade, a lealdade, a perse-
veranga, a forga de vontade, o otimismo, a alegría, a cari» dade... Em sintese: as tarefas cotidianas — grandes e peque ñas — da vida de um cristáo no século sao apresentadas a cada socio como a ocasiáo de se santificar e de santificar o respectivo ambiente (de familia ou de trabalho). O cumprimento de tais deveres exato, inspirado pela fé, torna-se verdadeira ascese para o cristáo; este, consequentemente, é liberto de suas paixoes desregradas para melhor poder elevar-se a Deus na oragáo. A perfeigáo crista incluí certamente a mis-
tica ou a contemplado de Deus em meio as tarefas da vida ativa. Refere-se que em 1941 o espanhol Víctor García Hoz, depois de confessar-se, ouviu o sacerdote dizer-lhe: «Deus te chama por caminhos de contemplagáo». Ficou desconcertado. Sempre ouvira dizer que a contempiacáo era coisa de santos que andam pelos caminhos da vida mística e que somente a alcangavam alguns eleitos, que, alias, se afastavam do mundo. «Mas eu — escrevia García Hoz •*— naqueles anos era casado, tinha dois ou tres filhos e estava á espera de ter mais, como realmente aconteceu, e trabalhava para sustentar a familia». — Quem era esse confessor revolucionario, que pulava por cima das barreiras tradidonais e propunha metas místicas até para os fiéis casados? Era Josemaría Escrivá de Balaguer.
Este, alias, escrevia em 1967: "Somos urna pequeña porcentagem de sacerdotes que anteriormente exerclam uma prolissáo ou um oficio laical; um grande número de sacer dotes seculares de multas dioceses do mundo...: uma grande multidáo formada por homens e por mulheres — de diversas najóes, Ifnguas e racas — que vivem do seu trabalho prolisslonal, casados a malor parte
deles, solteiros mullos outros, e que, ao lado de seus concidadaos, tomam
parte na grave tarefa de tornar mais humana e mais justa a sociedade temporal, na nobre lide dos afás diarios, com responsabilidade pessoai,
experimentando com os outros homens, lado a lado, éxitos e malogros, tratando de cumprir seus deveres e de exercer seus direitos sociais e cívicos. E tudo com naturalidade, como qualquer cristáo consciente, sem mentalidade de gente seleta, fundidos na massa de seus colegas, enquanto procuran) descobrir os fulgores divinos que reverberam ñas realidades mais vulgares".
Comenta Mons. Albino Luciani, o futuro Papa Joáo Paulo I, em artigo publicado em H Gaazetino de 25/07/78:
— 353 —
22
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
«Com palavras simples, as realidades vulgares sao o trabalho que temos de realizar todos os días; os fulgores divinos qus reverberan! sao o vida santa que devenios levar. Escrivá de Bala guer, com o Evangelho, disse continuamente: Cristo nao qver de nos somente um pouco de santidade, mas muita santidade. Quer, porém,
que a alcancemos, nao através de acoes extraordinarias, mas com acoes comuns; o modo de executar as acoes é que deve ser incomum. É lá, bem no meio da rúa, no escritorio, na fábrica, que nos tornamos santos, desde que cumpramos o nosso dever com compe tencia, por amor de Deus e com alegría, de forma que o trabalho cotidiano nao se torne a tragedia cotidiana, mas o sorriso cotidiano.
Coisas semelhantes haviam sido ensinadas há mais de trezentos (...). Mas Escrivá de Balaguer ultrapassa Francisco de Sales em muiros aspectos. Também este propunha a santidade para todos, mas parece ensínar somente urna espiritualidade dos leigos, ao passo que Escrivá quer urna espiritualidade laical. Isto é, Francisco sugere quase sempre aos leigos os mesmos meios utilizados pelos religiosos, com as devidas adapracdes. Escrivá é mais radical: fala inclusive de materializar — no bom sen tido — a santificacao. Para ele, é o próprio trabalho material que se deve transformar em oracao e santidade. anos por Sao Francisco de Sales
O lendário Bardo de Münchausen tecia fantasias a respeito de urna lebre monstruosa, provida de urna dupla serie de patas: quatro debaixo do ventre e quatro sobre o dorso. Perseguida pelos cacadores e' percebendo que estava .prestes a ser apanhada, dava urna cambalhota e continuava a correr com as patas descansadas. Para o Fundador do Opus Deí, é um monstro a vida do cristao que pre tenda ter urna dupla serie de acoes: urna constituida por oracoes
dedicadas a Oeus, e outra composta de trabalho, divertimentos, vida familiar, dedicados a si mesmo. Nao — diz Escrivá —, a vida é única e deve ser santificada como um todo. Por isso nos fala de espiritualidade materializada (...). Como é que o trabalho pode ser de Deus — pergunta Es crivá —, se é mal feito, com pressa e sem competencia? Como é que pode ser santo um pedreiro, um arquiteto, um médico, um professor, se nao é também, na medida das suas possibilidades, urn bom pedreiro, um bom arquiteto, um bom médico, um bom professor?
Nesta mesma linha escrevia Gilson em 1949: Dizem-nos que foi a fé que construíu as catedrais da Idade Media; de acordó... mas foi também a geometría. Fé e geometría, fé e trabalho desempenhado com competencia, para Escrivá, duat asas da santidade».
caminham de braco dado: sao
354
as
QUE é O tOPUS t>EI»?
23
O socio do Opus Dei (como gualguer cristáo) deve sentir-se obrigado a levar um estilo de vida profundamente cristáo. Observava Mons. Escrivá: «Pois que nao somos Religiosos, eu vos disse mil vezes desde a fundagáo que nao me interessam os votos. O que o Opus Dei requer, sao virtudes, e com vir
tudes é que nos ganharemos o céu» (Carta, Roma, 31 de maio de 1954). No tocante á doutrina da fé, o Opus Dei professa abso luta fidelidade á S. Igreja e as suas normas. Os estudos teo
lógicos háo de ser realizados «segundo o método, a doutrina e os principios do Doutor Angélico», como desejava o Concilio do Vaticano II (cf. Decreto Optatam totius n* 16; Declaracáo Gravissimum Educationis n' 10). Observam os comentadores que esse propósito de fidelidade á S. Igreja tem preservado o
Opus Dei de tensóes, crises e desergóes que afetaram diversas familias religiosas nos últimos decenios; é notável o índice de perseveranga dos socios da Obra. Passemos agora a outro item importante.
6. 1.
'
Desfazertdo equívocos
Os membros do Opus Dei nao estáo obrigados a guar
dar segredo a respeito da sua insergáo na Obra; esta nao é sociedade secreta. Pede-se-lhes apenas que nao falem, sem razáo, da sua vocagáo pessoal, como ninguém fala, sem propó sito definido, da sua fidelidade a esposa ou da sua lealdade
para com a patria.
Doutro lado, porém, nao há por que dis
simular a pertenga ao Opus Dei sempre que se faga oportuno manifestá-la.
2. Em materia de política, o Opus Dei nao assume posigóes partidarias. Está a criterio de cada um dos seus socios fazer a opgáo política que Ihe parega conveniente dentro dos referenciais da fé católica; podem mesmo os socios aspirar ao exercício da militáncia política dentro de algum partido legí timo ao cristáo.
Por conseguinte, verifica-se que é falso atribuir ao Opus Dei alguma vinculagáo com o antigo regime franquista da Espanha ou com algum sistema de direita; acontece mesmo que, sob o govemo franquista, alguns socios eram avessos a este,
chegando a estar presos ou a ser destituidos de fungóes públi cas por sua oposigáo ao regime. Sao palavras de Mons. Escrivá: — 355 —
24
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 264/1982
"Há tempos escrevl que, se o Opus Del vlesse alguma vez a fazer política, eu me retirarla da Obra. Por conseguirte, nfio se dé crédito a noticias que assoclem a Obra com questOes políticas, económicas ou temporals de alguma especie. De um lado, os nossos melos sao sempre llmpos, e os nossos flns sSo sempre e exclusivamente sobrenatural. De outro lado, cada um dos socios e dos assocfados goza da mals plena liberdade pessoal, respeitada por todos os demais, para fazer suas opcfies clvls, assumlndo as suas responsabilidades, também pessoais. NSo será poESfvel que o Opus Dtel se ocupe com tarefas que nSo sejam dlretamente esplrltuals e apostólicas; as suas ativídades nada teráo que ver com os
interesses da política de algum
país.
Um Opus Dei envolvido na política
é um fantasma que nunca existiu, nSo existe e Jamáis poderá existir; caso
ocorresse essa Impossível hipótese, (mediatamente se dissolvería a Obra"
(entrevista ao diario ABC de Madrid).
3. Paralelamente deve-se dizer que o Opus Dei nao con trola empresas nem bancadas nem industriáis nem jornalisticas; nao pretende dirigir Universidades nem exercer fungóes públicas como as vezes se diz. Certa vez, Mons. Escrivá, infor
mado a respeito de tais equívocos, observou: "Suponhamos que numerosa familia italiana
tenha
um filho a
tra-
balhar como operario na Montecatini, outro é empregado da Fiat, um terceiro comeca a ser dirigente no Banco Comercial e assim, em outras atívidades, o pai e os outros fllhos. Pode-se, por isso, afirmar que essa
pobre gente é proprietária
de tais grandes empresas e
de
tal Banco?
O mesmo acontece no Opus Del: todos os seus filhos, os seus socios, trabalham sempre com liberdade onde querem e podem. Contudo todos
sabem que a 'familia espiritual' é pobre; nao ganha dlnheiro com as suas tarefas cristas. Digo mals: ela nSo se sustenta; o déficit ó coberto com o fruto do trabalho profesional dos seus socios e com os donativos dos cooperadores, crlstaos ou nfio" (entrevista ao diario ABC de Madrid).
Na verdade, o Opus I>ei nao dirige atívidades lucrativas nem oferece lucros aos seus socios; nao há vantagens pecunia rias em tornar-se membro do Opus Dei. Este empreende servigos que geralmente sao deficitarios, como cursos noturnos para operarios, residencias de estudantes, escolas agrícolas,
cursos de veráo. oficinas de costura, casas de retiros espirituais, clínicas e dispensarios, centros de assisténcia e beneficen cia em regióes subdesenvolvidas, centros de catequese, etc.
Principalmente
o
magisterio
tem
Opus Dei.
— 356 —
merecido
a
atengáo do
QUE É O «OPUS DEI»?
7.
25
Conclusfio
O Opus Dei nada tem de suspeito ou faccioso dentro da Igreja e da sociedade. É, antes, um novo e genuino rebento da vitalidade do Cristianismo, que através dos sáculos tem sabido •responder de maneiras inéditas aos desafios que os tempos lhe propóem. Dizia a propósito o S. Padre Paulo VI: "O Opus Del surgiu em nossos tempos como viva expressSo da perene juventude da Igreja, plenamente aberta ás exigencias de um apostolado moderno, cada vez mals ativo, capilar e organizado" (carta a Mons. Escrivá, 10/10/1964).
Parecem ressoar no Opus Dei as palavras de Jesús que chama seus discípulos «sal da térra» ou que compara os cristáos a «fermento na massa» (cf. Mt 5,13; 13,33). O Opus Dei nao tenciona retirar os homens do mundo para de novo enviá•los ao mundo como apostólos, mas, deixando-os no mundo, oferece-lhes formacáo doutrinária e instrumentos de santificagao que, com a graga de Deus, os habilitem a ser portadores de santidade no mundo e para o mundo. Este ideal é ilustrado nos seguintes termos pelo próprio Mons. Escrivá: "Se procuráronos alguma c.omparacSo, a maneira mais fácil de enten der o Opus Dei é pensar na vida dos primeiros cristáos. Vlvlam a fundo a sua vocacio crista; asplravam seriamente á perfeicSo á qual eram cha mados pelo fato, simples e sublime, do Batismo. Nao se dlstlngulam exteriorícenle dos dentáis cldadaos. Os socios do Opus Dei sSo pessoas comuns; exercem seu trabalho de praxe, vivem em meio ao mundo como cidadáos que querem responder fielmente ás exigencias da fé" (Conver saciones con Monseñor Escrivá de Balaguer, Madrid 1971).
Em outra passagem diz o mesmo autor: "O Senhor suscitou o Opus Del em 1928 para ajudar a recordar aos cristSos que, como narra o livro do Génesis, Deus criou o homem para trabalhar. Temos chamado a atencio para o exemplo de Jesús, que. durante trlrita anos, permaneceu em Nazaré trabalhando, exercendo um oficio. Em maos de Jesús o trabalho, e um trabalho profissional semeIhante ao que executam milhoes de homens no mundo,
se
tarefa divina, em labuta redentora, em caminho de salvacáo.
converte em
O espirito do Opus Dei recolhe a realidade bela — esquecida durante sáculos por muitos cristSos — de que qualquer trabalho digno e nobre no plano humano se pode converter em obra divina. No servico de Deus nao bá tarefas de pouca categoría, todas sao de multa Importancia".
— 357 —
26
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 264/1982
É precisamente esta observagáo final de Mons. Escrivá que explica o titulo dado
APÉNDICE DEPOIMENTOS Félix, o motorista de praca
Jean-Jacques Thierry, em seu notável livro El Opas Dei. Mito y Realidad, (Buenos Aires 1976, tradugáo do francés), recolheu urna serie de entrevistas realizadas pelo repórter Mi guel Veyrat do Nuevo Diario de Madrid com socios modestos do Opas Dei. Tais entrevistas foram publicadas ñas edigóes
daquele jornal de 18 a 25 de margo de 1970. Através délas falam um motorista de taxi, um guarda civil, um porteiro, um camareiro, urna telefonista, urna cabelereira, um barbeiro, etc., mostrando que o Opus Dei está longe de ser urna associacáo elitista.
Nao podendo transcrever todos os interessantes depoimentos assim registrados, publicaremos a seguir dois deles, em tradugáo brasileira. Félix, o motorista de taxi
Eis o depoimento de Félix del Valle, motorista de taxi, de 45 anos de idade, pai de quatro filhos: «Félix (F.): Aquelas senhoras estavam mal informadas, como estao aino'a outras pessoas hoje em día: falam do Opus Dei sem saber coisa alguma. O Opus Dei tem sido a minha felicidade. Antes eu via o trabalho como algo de forcado, que nao podia deixar de execular, poit tinha que sobreviver. Agora minha vida experimentou — 358 —
QUE £ O «OPUS DEI»?
27
mudanca total; dei-me conta de que o Senhor me colocou a trabaIhar para servir aos outros homens. O Opus Dei nao é senáo urna associacao de pessoas que procuram a santidade no meio do mundo. Nem mais nem menos.
Repórter (R.):
Seus amigos labem que vocé pertence ao Opus
Dei? F.:
Meus companheiros motoristas de praca e também colegas
de outrora — eu era vaqueiro nos campos — o sempre a falar da Obra. R.:
sabem.
Estamos
Pertencem ao Opus Dei?
F.: Nao. Mas nao importa. Bem, alguns sim. Conheci o Opus Dei precisamente através de outro motorista de praca. R.:
Como é que alguém se inscreve lá?
F.:
O homem, que pergunta!
R.:
E preciso pagar entrada ou algo semelhante?
F.:
Nada disso. O que faz falta, é víver na presenca de Deus.
Ninguém se inscreve.
Solicitar a admissao e querer ser.
R.:
Como pode levar vida de oragáo em meio ao seu trabalho?
F.: Desde que saio para trabalhar — Félix sorri —, pensó que comeca um día novo para oferecer ao Senhor. Cada passageiro
que entra no taxi... procura tratá-lo como o trataría Ele. R.:
Entao vocé se considera a servico dos outros?
F.:
Sim.
R.:
E ao servico do Opus Dei?
F.: Nao, em absoluto. É o Opus Dei que serve a nos através da doutrina que recebemos, e dos meios de formacao espiritual. R.:
É doutrina especial?
F.:
E doutrina do comum dos cristáos.
R.:
Nessa formacao estao incluidas idéias políticas e sociaii
determinadas?
— 359 —
28
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
F.: Absolutamente nao; ninguém se intromete de modo nenhum naquilo que pensó. E-o nao o deixarei. Trata-se apenas de formagáo espiritual.
R.:
Sua esposa sabe que vocé pertence ao Opus Dei?
F.:
Claro, e tem muito prazer nisto.
R.:
Ela nao pertence á Obra?
F.:
Nao, mas muito a estima.
R.:
Gostaria de que ela Ihe pertencesse?
F.:
Claro, se tivesse vocacáo.
R.:
Quantos motoristas de praca sao membros do Opus Dei
em Madrid?
F.:
Como o saberla eu?
R.:
E Ministros?
F.:
Conforme li nos ¡ornáis, há tres.
R.:
Se alguém quer conhecer o Opus Dei, que tem de fazer?
F.: Ir procurá-lo. Tenho um amigo que sabia que um colega pertencia á Obra. Chegava a espreitá-lo. Quando esse colega entrava no metro ou num bar, seguia-o para poder falar com ele. Hoje tal senhor pertence ao Opus Dei. Ademáis crelo que há um posto de informacoes, nao? R.:
Sim; na Calle Vitrubio n' 3.
F.:
Como é que vocé o sabe?
R.:
Sou
¡ornalista.
Félix me explica que faz o seu apostolado entre os colegas de trabalho e entre os amigos. — 360 —
QUE é O «OPUS DEI»?
29
F.: Nao sei é explicar-me, porque a minha cultura é pouca. Mas está claro que nao pretendo deixar de ser motorista de taxi. Melhorar, sim, eu o quero mediante o meu trabalho, pois ¡sto é obrigacao de todo pai de familia; quero também que meus filhos sejam bons cristaos e bons trabalhadores».
Gala Camocho, a cabeleireira
«A Gala Camocho, do Saldo Ángela, de Madrid,— que tam bém é do Opus Del, perguntei se ¡ulgava importante haver Ministros de Estado pertencentes ao Opus Dei. — Sim, é claro, dissc-me ela. Tanto quanto é importante que ha ¡a operarios no Opus Dei. Se todos tratarmos de nos desempenhar bem das nossas obrigacóes, como espanhola que sou, tico tranquila, porque estou certa de que seráo bons Ministros. Repórter: Gala:
Como explicaría o Opus Dei a urna amiga?
Dir-lhe-ia que somos urna familia, e que procuramos ser
santos vivendo com naturalidade e alegría e que nos ensinam a mui'o amar o próximo».
Bibliografía:
BERNAL, S., Mons. Josemarla Escrivá de Balaguer.
Perfil do fundador
do Opus Del. Sio Paulo 1978.
BYRNE, A., Santificacáo do trabalho do Opus Del.
ordinario.
Natureza e espirito
SSo Paulo 1981.
DEL PORTILLO, A., Monsenhor Escrivá de Balaguer, Instrumento de Deus.
S3o Paulo 1980.
■ESCRIVÁ, J., Caminho, 5? ed. SSo Paulo 1978. ÍDEM, Questfies atuais do Cristianismo. ÍDEM, É Cristo que passa. ÍDEM, Amigos de Deus.
SSo Paulo 1975.
SSo Paulo 1975.
SSo Paulo 1979.
THIERRY, J.-J., £1 Opus Dei. Mito y Realidad. Buenos Aires 1976.
— 361 —
Em Campos:
Tradicionalistas e Fidelidade á S. Igreja
Em síntese: Na Igreja de hoje certos grupos rejeitam a renovacfio litúrgica preconizada pelo Concillo do Vaticano II, insistindo na celebrado da Santa Missa segundo o rito estabelecido por S. Pió V em 1570; acusam o novo Ritual de favorecer teses e práticas protestantes. Últimamente tal movlmento dito "tradicionalista" teve expressoes enfáticas na diocese de Campos, por ocasiáo da mudanca do governo diocesano. — Ora quem exa
mina as razóes aduzidas pelos irmáos renitentes, verifica que sao Inconslstetnes; o novo Missal (que nSo pretende apresentar urna exposicio sistemá tica da Teología da Eucaristía), lido em sua globalidade, é o genuino eco
da clássica fé da Igreja; se a primeira edicáo em 1969 ainda flcou obscura no entender de alguns comentaristas, a segunda edicáo em 1970 nao delxa margem a dúvidas. NSo há, pois, razoes objetivas para a celeuma em foco. De resto, os ionios "tradiclonalistas", no seu afS de evitar caír no Protestantismo, parecem (paradoxalmente) estar adotando o principio fun damental da Sola Scriptura dos protestantes. Asslm como os protestantes
pretendem entender a mensagem de Cristo únicamente a partir da Palavra
escrita, sem levar em conta a Tradicao oral, assim os "tradlcionalistas" so querem considerar o texto escrito do Missal de Paulo VI sem levar em conta a vida e as expressSes históricas da Igreja contemporánea. Em conseqüéncla, os protestantes deturpam a mensagem de Cristo e se excluem da plena comunhüo com a Igreja; paralelamente os "tradicionalistas" deturpam o au téntico pensamento da única Igreja de Cristo e se excluem da plena fidelidade a esta, para detrimento seu e tristeza do povo de Deus. A verificacio destes
fatos, na presenca de Oeus, sugere um apelo aos irmSos "tradicionalistas"
para que revejan) sua poslcáo e tomem nova consciéncia de que o Cristo vivo se encontra em seu Corpo Místico, que é a Igreja confiada a Pedro e seus sucessores; procurar Cristo fora destes parámetros é sujeitar-se a mutilar o Cristo.
Comentario: Após a posse do atual Sr. Bispo de Campos (RJ), Dom Carlos Alberto Navarro, aos 15/11/81, a diocese de Campos tem sido sacudida por pronunciamentos de sacerdotes e leigos que, dizendo-se «tradicionalistas», recusam
as orientacóes do novo pastor, ou seja, as diretrizes oficiáis da Igreja de hoje. A renitencia de tais grupos tem por objeto principal a Liturgia da S. Missa promulgada por Paulo VI em
1969/1970 em substituicáo ao Ritual promulgado por S. Pió V aos 14/07/1570, após o Concilio de Trente (1545-1563).
TRADICIONALJSTAS E FIDEUDADE A IGREJA
31
Quem lé os manifestos dos irmáos tradicionalistas, nao
pode deixar de perceber nos mesmos um profundo zelo pelos valores da fé e um intenso amor á vida ascético-mística da
Tradicüo crista. Sofrem por se ver diante de normas que lhes parecem dissolver tais valores. Todavía quem reflete serena mente sobre os arrazoados emitidos por esses cristáos, nao pode deixar de verificar que nao há razáo objetiva para tanto sofrimento; na verdade, as proposic.óes teológicas e as determinacóes litúrgico-disciplinares da Igreja pos-conciliar em nada ferem os artigos do Credo Apostólico; antes, procuram revigorar a vida ascético-mística dos fiéis com genuínos elementos da Tradigáo católica.
Cientes disto, com a estima que merece todo irmáo, vamos, ñas páginas subseqüentes, deter-nos sobre as principáis objecóes levantadas pelos tradicionalistas contra a nova Litur gia, procurando ponderar o seu alcance.
1.
Um livro sobre a «Missa de Paulo VI»
O Prof. Arnaldo Xavier da Silveira, de Sao Paulo (SP),
membro-fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tra
dicáo, da Familia e da Propriedade, reuniu em volumoso livro os argumentos e a discussáo referentes á nova Liturgia. Tal obra foi traduzida para o francés com o título «La nouvelle Messe de Paúl VI: qu'en penser?» (A nova Missa de Paulo VI: que pensar a respeito?). Essa edicáo francesa, enviada á reda cto de PR por amigos, servirá de base para o presente estudo ». Em poucas palavras, o autor quer dizer o seguinte: 1.1.
Nova Liturgia e Protestantismo
A nova Liturgia Eucaristica estaría impregnada de ten
dencias protestantes. Tais seriam: a tendencia a dessacralizar, a tendencia a confundir o sacerdocio hierárquico e o sacerdocio comum dos fiéis, a tendencia a colocar em pé de igualdade a liturgia da palavra e a liturgia eucaristica e, em síntese, a tendencia a romper com costumes e ritos tradicionais altamente veneráveis; cf. p. 110 da citada edicáo francesa. i TraducSo do portugués para o francés por Cerbelaud Salagnac. Edicáo da "Diffuslon de la Penséo Frangalse". Chiré-en-Montreuil, 86190 Vouillé, 1975, 357 pp., 135 x 210 mm.
— 363 —
32
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
O Prof. Xavier da Silveira aponta, no novo Missal, nu merosas frases e gestos que lhe parecem ambiguos ou sujeitos
a interpretagáo protestante... Outros pontos lhe parecem re ticentes por nao exprimir de maneira suficientemente clara a doutrina católica. Note-se, porém, que o autor jamáis aponta
um elemento do novo Missal como herético, protestante ou
antagónico ao Credo católico. O que Xavier da Silveira mais
indica, sao verdades que lhe parecem nao estar plenamente explicitadas (e que, por isto, poderiam..., poderiam..., poderiam... ser entendidas em sentido heterodoxo) ou verdades
afirmadas por um lado e (segundo o autor) quase contraditadas por outro lado. O autor observa que as heresias, no de-
correr da historia da Igreja, sempre procuraram camuflar-se ou dissimular-se de modo a poder ter livre curso no povo de Deus, sem que se percebesse o seu veneno: tal foi o caso do semiaríanismo, que veio a ser uma quase reedigáo do arianismo (séc. IV), o do semipelagianismo, que fez reviver o pelagianismo (séc. VI), o do monotelitismo, que restaurou veladamente o monofisismo (séc. VII), o do jansenismo, que propagou, encobertas, teses protestantes (séc. XVII/XVIII).
Xavier da Silveira, para confirmar sua posigáo, lembra que o novo Missal foi promulgado em 3/04/1969, mas o seu texto provocou tais reparos e críticas, por parte de comenta ristas, que aos 26/03/1970 o Missal foi reeditado com algumas
modificacóes; estas tencionavam responder as observacóes feitas nos meses anteriores, de modo a dissipar qualquer dúvida a respeito da ortodoxia do novo Missal. O Prof. Xavier da Sil veira, embora reconheca que as alteragóes publicadas em 1970, representam progresso na clareza da exposigáo, julga que elas
aínda foram insuficientes ou que guardaram a inspiracáo pro testante do texto de 1969 sob forma atenuada ou «mascara da»; deram origem a um «semiprotestantismo litúrgico», cor respondente ao semiarianismo, ao semipelagianismo... O autor brasileiro chega a crer que os protestantes mais tradicionais nao teriam dificuldade em concelebrar a nova Liturgia Eucaristica com os católicos, de tal modo esta lhe parece correspon der aos principios teológicos de Lutero. 1.2.
ConseqDente recusa
Em conseqüéncia, segundo o Prof. Xavier da Silveira, um fiel católico deve, em consciéncia, recusar-se a participar da Liturgia renovada e tem o direito de denunciar publicamente a intrusáo da heresia no culto católico.
— 364 —
TRADICIONALISTAS E FIDEIJDADE A IGREJA
33
Para justificar esta resistencia públicá,o autor pondera tongamente a hipótese de um Papa tornar-se herético; cita a propósito diversas sentencas de teólogos e termina insinuando que Paulo VI, promulgando a nova Liturgia, cedeu a heresias protestantes; por conseguinte, náoi merece a obediencia da parte dos católicos que se queiram manter fiéis as verdades da fé. O livro se encerra de maneira dramática, como se a
Igreja tivesse passado por urna catástrofe, cujas conseqüéncias aínda nao se possam prever por completo; deixa o leitor a compartilhar a perplexidade do próprio autor e de sua escola. A obra de Xavier da Silveira detém-se sobre minucias que nao é possível analisar em poucas páginas, mas que podem ser ponderadas a partir de grandes principios. Nao se pode
deixar de reconhecer a erudigáo teológica do autor, que, alias, tem por mestre o Sr. Bispo Dom Antonio de Castro Mayer, ex-diocesano de Campos; essa erudigáo, porém, repete nao raro as mesmas afirmacóes ou exprime insistentemente algumas teses fundamentáis.
As reflexóes que tal obra e a questáo em foco nos suge-
rem, seráo apresentadas em tres etapas: 1) os porqués da re novagáo litúrgica, estudo este que nos fará tocar as raizes do problema; 2) os criterios da renovagáo; 3) tragos salientes da posigáo «tradicionalista».
2. 2.1.
Refletineto sobre o problema...
Os porqués da reitovajáo litúrgica
1. Quem freqüentava a Missa antes do Concilio do Va ticano II (1962-1965), sabe quáo pouco era entendida pelos
fiéis católicos: assistiam ao rito sagrado, procurando murtas vezes nutrir a piedade em outras fontes de alimento espiritual como a recitacáo do tergo e de ladaínhas... Rezando ou can
tando em latim, de costas para os fiéis, o sacerdote parecía realizar um ato que, por sua natureza mesma, deveria ficar hermético ou incompreensível á assembléia; o aspecto de «mis terio» prevalecía sobre outras facetas do rito sagrado. Já a renovagáo litúrgica iniciada por S. Pió X (1903-1914) tentou modificar tal atitude dos fiéis, apregoando que deviam «rezar
a Missa», e nao «rezar na Missa», isto é, convidando os fiéis a que participassem da agáo sagrada. Nos anos subseqüentes o — 365 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
movimento litúrgico desenvolveu os principios reafirmados pelo Santo Pontífice, embora nao tenha escapado a exageras con
denados por Pió XII na encíclica «Mediator Dei» (1947).
Ora, já que a Missa é o centro da vida crista e o ponto de convergencia de toda a ordem sacramental, a Igreja, ao fazer
o seu balanco no Concilio do Vaticano n, preconizou urna re-
novacáo do Ritual da S. Missa que possibilitasse ao fiéis de todos os níveis culturáis participar mais intensamente da Eu
caristía. Eis palavras da Constituigáo «Sacrosanctum ConciIiom» de 1963:
"A Igreja zela com diligente solicltude para que os fiéis nSo asslstam a este misterio da fé como estranhos ou espectadores mudos. Mas cuida para que, mediante cerimftnias e orac6es, partlcipem consciente, piedosa e atlvamente da acáo sagrada...
Em vista disto, para que o sacrificio da Missa alcance plena eficacia pastoral, também quanto a forma das cerimónlas, o sacrossanto Concilio, considerando as MÍssas que se celebram com a asslsténcia do povo, princi palmente nos domingos e ñas festas de preceito, determina o seguinte:
O Ordinario da Missa seja revisto de tal forma que apareca claramente
a índole próprla de cada urna das partes, bem como sua mutua conexfio, e facilite a partlcipacao piedosa e ativa dos fiéis.
Por Islo as cerimónias sejam simplificadas, conservando cuidadosa
mente a sua substancia. Omita-se tudo o que foi duplicado no decurso dos
tempos ou foi acrescentado sem verdadeira utilidade. Em troca restaurem-se, segundo a primitiva norma dos Santos Padres, alguns ritos que cairam em desuso, caso Isto pareja oportuno ou necessárlo" (n? 48.50).
2.
O texto conciliar apregoa algumas alteragóes no rito
de celebragáo da Eucaristía «ad pristiuam sanctonim Patrum normam» (segundo a norma primitiva dos santos Padres). Esta observacáo se explica pelos fatos seguintes:
Jesús Cristo celebrou a sua última ceia (ou a primeira S. Missa) no contexto da refeicáo de Páscoa dos judeus. A
Igreja guardou nao poucos elementos do ritual pascal de Israel, mas desenvolveu-os de acordó com a concepcáo crista da ceia eucarística: leituras, cantos, oracóes, gestos e objetos simbóli cos de inspiragáo crista foram, em conseqüéncia, aduzidos para constituir a moldura da S. Eucaristía. Esse ritual foi comen tado no Idade Media e na Idade Moderna por autores que sou-
beram descobrir nele a grandeza e a profundidade do misterio que ele velava e revelava.
— 366 —
TRAPICIONALISTAS E FIDELIDADE A IGREJA
35
É inegável, porém, que a Liturgia da Missa gradativamente acrescida de oracóes e gestos através dos sáculos trazia a marca de diversos estilos. O Pe. J. A. Jungmann S.J. em 1948 a comparava a um edificio antigo e venerável no qual houvesse retoques e acréscimos, inspirados todos pela mesma fé, mas carecentes de um planejamento unitario1. Jungmann cita a propósito textos de respeitáveis estudiosos que já haviam cha mado a atencáo para o fato. Assim, por exemplo, o sabio Cardeal Bona (t 1674) observava que muitos elementos haviam sido introduzidos na Liturgia Romana da Eucaristía por moti vos ocasionáis e momentáneos; com o passar do tempo, porém, as razóes históricas de tais gestos ou símbolos haviam sido esquecidas de modo que se procuravam para os mesmos explica-
c5es de índole alegórica e mística2. O Cardeal Merati (t 1744)
faz suas tais observacóes na obra de Gavanti-Merati, Thesaurus
1,11, 6 (1,111). Ainda o erudito monge Jean MabiUon (f 1707), ao editar os Ordines Bomani (textos da Liturgia Romana), fazia semelhante anotacáo, e pedia ás autoridades eclesiásticas encarregadas do culto divino nao perdessem de vista os antigos modelos litúrgicos:
"Hoc... referimus... ut eos que elusmodi officiís praepositl sunt Invitemus ad consulendum antiquitatem, quae quanto fontl propior tanto venerabilior est" (In Ordines Romanos Commentartum praevium, c. 21 PL 78, 934 D).
3. A guisa de exemplos de sobreposigáo de ritos e ora cóes, podem-se citar entre outros os seguintes, que sao assaz significativos:
a) Após a béncáo final e a despedida dos fiéis (Ite missa est), o celebrante ainda lial o último Evangelho (Jo 1,1-14) em voz baixa... Isto se deve ao fato de que os padres dominicanos do século XTTT recitavam, por devogáo, tal segáo do Evangelho ao regressar do altar para a sacristía ou ao tirar os paramen
tos após a Missa; esta prática foi-se tornando mais e mais 1 Cf. J. A. Jungmann, Mlssarum Solemnla I, 3? ed., München 1952, p. 5s.
2 Eis palavras do Cardeal Bona ao referir-se ¿ posicáo que o diácono devia tomar durante o canto do Evangelho na Missa solene: "Hic apparet quam verum sit... mui.a hodie pro lege haber! in his quae pertlnent ad eccleslasticas observatlones, quae sensim ex abusu Irrepserunt; quorum origines cum recentiores ignorent, varias conantur congruen-
tlas et mystlcas invenire rallones ut ea sapienter Instituta vulgo persuadeant" (Rerum Uturgicarum 1, II, 7, 3.670).
— 367 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS rel="nofollow"> 264/1982
comum até o sáculo XVI a ponto de ter sido finalmente reco-
nhecida como parte integrante do rito da Missa (apesar de Ihe antecederem a béngáo e a despedida dos fiéis).
b) O Salmo 42 (Iudica me Deas) nos sáculos X e seguintes era dito pelo celebrante enquanto se paramentava para
a Missa na sacristía ou enquanto oaminhava desta para o altar; quando o sacerdote se paramentava diante do próprio altar,
recitava tal salmo ai mesmo. A partir do sáculo XVI tornou-se parte integrante do rito da Missa o salmo 42. A Missa comecava, daquela época em diante, pela recitacáo do Indica me; em conseqüéncia, o introito ou a antífona de entrada ficou para
depois, deixando de ser o introito propriamente dito da Missa.
Outros muitos exemplos de sobreposigáo de preces e ritos se poderiam assinalar. Mas os que aquí se acham enunciados, sao espécimens assaz expressivos de como se foi configurando aos poucos o rito da S. Missa.
4. Baseando-se em tais fatos, o Pe. Jungmann multo a propósito observava ainda em 1948: "A grandiosidade do objeto, o reverente entusiasmo pela obra mals
sublime que nos, homens, possamos realizar, levam-nos a procurar sempre
atingir expressoes mais perfeitas. £m milhares de ocasióes no decorrer da sua longa historia a Igreja... tentou renovar e aperfeicoar as formas da Liturgia Eucarfstica. A Igreja no futuro neo estará Isenta de tal tarefa sempre
premente e nunca terminada. Temos fundadas esperanzas de que o zelo da Igreja pelo tesouro mais santo que Ela guarda, será tanto mais frutuoso
quanto mais claras estiverem ante os seus olhos as linhas que desde o Inicio
orientaram tal tarefa. Os estudos de historia da Liturgia tém justamente con
tribuido para lancar luz sobre as Idéias que inspiraram as diversas fases da evolucSo da Liturgia; verifica-se, com efeito, que ñas atuais cerimonias as linhas originarias est5o bastante deformaüas por épocas posteriores" (obra citada, vol. I, p. S).
As palavras de Jungmann encontraram pleno eco na Constituigáo conciliar sobre a S. Liturgia. Como dito, esta mandou rever o Ordinario da Missa, a fim de «retirar tudo que ai tivesse entrado por duplicagáo no decurso dos tempos... e res
taurar alguns elementos da Tradigáo que houvessem caído em
desuso e fossem tidos como oportunos ou necessários»; cf. n» 50.
Estáo assim expostos os porqués da reforma litúrgica que,
iniciada logo após o Concilio, chegou a seu termo em 1969 e 1970. Tal reforma, como se vé, nao se deve á procura leviana de novidades, nem á tendencia de fazer eco a costumes ou lin— 368 —
TRADICIONALISTAS E FIDELIDADE A IGREJA
37
guajar mundanos, estranhos k Igreja, nem a urna perda de fé
ou de piedade, mas, ao contrario, foi inspirada pelo desejo de afervorar' e revigorar nos mananciais mais genuinps da vida crista a fé, a piedade e o amor do povo de Deus. 2.2.
Criterios da renova$ao
Os criterios da reforma litúrgica foram principalmente dois, como se pode perceber de quanto até agora foi dito:
1) tomar a Liturgia Eucaristica mais inteligível aos fiéis e mais participada por estes, pois na verdade a Missa é o ato
central da vida do cristáo e o manancial de todas as gragas de
que este precisa. Além disto, a Eucaristía é a perpetuacáo do sacrificio da cruz, perpetuagáo que tem como única finalidade
fazer que toda a Igreja (ou cada um dos fiéis) possa oferecer ao Pai o sacrificio de Cristo, participando das funcóes de Cristo Sacerdote e da condigáo de Cristo Hostia. Tem-se dito com razáo: no Calvario, Cristo se ofereceu ao Pai a sos ou sem a
sua Igreja (que aínda nao existía)-; no sacrificio do altar o mesmo Cristo sacerdote oferece a mesma Vítima Cristo, envolvendo, porém, a Igreja neste duplo aspecto da sua oblagáo.
Sem dúvida, há graus de participacáo do sacerdocio de Cristo: os sacerdotes ministeriais oferecem in persona Christí o sacrificio do altar. Os fiéis que nao possuem o caráter pres biteral, mas trazem os caracteres do Batismo e da Crisma,
oferecem doutro modo, exercendo assim o sacerdocio comum dos fiéis (que, por ser diferente do sacerdocio ministerial, nem
por isto deve ser silenciado). Ensina o Concilio do Vaticano II:
«O sacerdocio comum dos fiéis e o sacerdocio ministerial ou hierár-
qulco ordenam-se um ao outro. embora se diferenciem na essencia e nao
apenas em grau. Pols ambos partlcipam, cada qual a seu modo, do único
sacerdocio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrificio eucarlstico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo. Os fiéis, no
entanto em virtude do seu sacerdocio regio, concorrem na oblacáo da cucaristia e exercem esse seu sacerdocio na recepcSo dos sacramentos, na oracSo e acáo de gracas, pelo testemunho de urna vida santa, pela abnega-
cáo e pela caridade ativa" (Constituiclo "Lumen Gentium" rfl 10).
Compreende-se, pois, que, se todos os fiéis participam da oblacáo de Cristo (embora nem todos do mesmo modo), o res pectivo rito litúrgico deve exprimir essa participacáo. Foi o que a reforma litúrgica, antes do mais, teve em mira. Os abu sos que , em verdade, se registraram na celebracáo da nova — 369 —
3g
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 264/1982
Liturgia ocorreram á revelia desta e sob a condenacao da Sé
Romana; devem-se a atitudes imaturas, a interpretacóes ten denciosas ou mesmo a explícita desobediencia da parte de pessoas sujeitas á fraqueza humana.
2) O segundo criterio da renovacáo litúrgica foi a pro cura de um ritual mais unitario e, ao mesmo tempo, mais rico, que melhor pusesse em evidencia o significado da oblacáo do altar. Isto ocasionou, sem dúvida, a supressáo de alguns ele mentos como o SI 42, o prólogo de S. Joáo (Jo 1,1-14), a absolvicáo dada aos fiéis antes da Comunháo (que fazia duplicata com aquela dada aos mesmos no inicio da S. Missa...). Mas ocasionou também o acréscimo de outros elementos, como,
por exemplo, a possibilidade de duas leituras bíblicas antes do Evangelho1, a restauracáo da homilia (que nao deve faltar desde que haja fiéis presentes ao ato litúrgico), as preces co munitarias (que explicitam os votos a ser depositados sobre a patena)... Em vez de urna única Oracáo Eucarística ou Canon, existem mais tres (as quais também sao cánones ou
padrees, que nao é lícito ao celebrante retocar ou alterar). Estas múltiplas Oragóes Eucarísticas nada mais sao do que reminiscencias de textos antigos. É de notar, sim, que nos primeiros séculos as diversas Liturgias (a antioquena, a alexandrina, a romana...) tinham mais de urna Oragáo Eucarística, também chamada «Anáfora» ou «Canon». Em Roma, por exemplo, tem-se noticia do Canon de Hipólito (t235), apre-
sentado por este bispo na obra «Tradigáo Apostólica» de inicio
do século IH; foi restaurado pela renovacáo litúrgica de modo que aparece no novo Missal como Oracáo Eucarística n» II, ao lado do Canon Romano. A Oracáo Eucarística tí> IV, expondo a historia da salvagáo como fundo de cena da consagrasáo eucarística, segué o modelo da tradifiáo de Antioquia da Siria. Como se vé, a reforma litúrgica, restabelecendo a variedade de anáforas eucarísticas, nada mais fez do que voltar a um cos-
tume da época patrística, vigente até hoje em Liturgias orien táis. As varias anáforas exprimem, melhor do que urna só, a riqueza da teología e da espiritualidade eucarísticas.
i Nota a Instrugáo Geral sobre o Missal Romano que, quando nao se podem fazer essas duas leituras antes do Evangelho, "jamáis se escolha um texto únicamente por ser mais breve ou mais fácil' (n? 318).
— 370 —
TRADICIONALISTAS E FIDELJDADE A IGRÉJA 2.3.
39
Tragos salientes da posicáo tradidomalista
Antes do mais, impóe-se urna consideragáo de ordem geral. 2.3.1.
A palavra escrita só? A «Sola ScripHrra» dos protestantes
Quem lé a argumentagáo do Prof. Xavier da Süveira, nao se pode furtar á impressáo de que versa em torno de um livro
ou de um escrito: o Missal de Paulo VI e suas edicóes de 1969
e 1970. Esse Missal é lido, relido, submetido a exegese minu ciosa, comparado com o Missal de Pió V...; em conseqüéncia, o autor o rejeita como livro impregnado de heresia e norteador
de comportamento litúrgico herético. As correcóes de 1970 nao teráo anulado os «erros» da edicáo de 1969, de modo que o Missal aparece marcado por contradigóes, que deixam preva lecer sentengas heréticas.
Ora por mais paradoxal que isto pareca — tal modo de proceder da escola tradicionalista, no caso, é o dos próprios
protestantes, com os quais os tradicionalistas nao se querem identificar.
Com efeito. Os1 protestantes estabelecem o principio de que somente a Escritura é norma de fé e, por conseguinte, nao se deve levar em conta a Tradigáo oral do Cristianismo nem
como fonte de fé nem como luzeiro para interpretar a Escri tura. Deste principio resulta a ruina do próprio Protestantis mo. Com efeito; a S. Escritura é o eco da pregagáo oral dos Profetas e dos Apostólos; ela supóe a Palavra viva ou falada que lhe é anterior, que a bergou, que a acompanha e que há
de ser sempre evocada para que se possa entender devidamente a Palavra escrita; separada da Tradigáo oral (que é a sua ma triz), a Escritura pode parecer cheia de contradigSes, como
parece cheio de contradigóes o Missal de Paulo VI aos tradi
cionalistas. Com efeito,
enquanto S. Paulo em Rm e Gl diz que a fé sem as
obras nos salva, S. Tiago afirma que a fé sem as obras é morta e insuficiente á salvagáo;
.
em Jo 10,30 Jesús diz: «Eu e o Pai somos um», mas
em Jo 14,28 afirma: «O Pai é maior do que eu» — texto este do qual o arianismo e o seminarianismo fizeram largo uso; — 371 —
40
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
— enquanto em Jo 13,1-3; 2,24s; 18,4, o evangelista atribui a Jesús a oniciéncia do próprio E>eus, em Me 13,32 se lé que o Filho do homem ignorava a data do juízo final — texto
este do qual os agnoetas no sáculo VI deduziram sua heresia sobre a «ignorancia de Cristo». Estes poucos exemplos, aos quais outros se poderiam acrescentar, bem mostram quanto é erróneo querer interpretar a
S. Escritura independentemente da Tradigáo viva da Igreja. Por certo, os irmáos tradicionalistas reconhecem e denunciam esse erro. Todavía vém a incidir em algo de análogo quando pretendem ler o Missal de Paulo VI sem levar em consideracáo a praxe da Igreja a outros pronunciamentos dos Papas de 1965 a nossos dias. Além de lerem tendenciosamente1, os irmáos
abstraem da praxe da Igreja Católica pós-conciliar, da qual
convém realcar alguns tragos que ajudam a interpretar o Novo Missal:
— Muito digna de nota é a chamada «Terceira Instrucáo para a exata aplicacáo da Constituicáo sobre a Liturgia», datada de 5/07/70, documento este que corrige minuciosa mente os abusos introduzidos na celebragáo da Eucaristía e que manifesta com toda a clareza a mente da Igreja frente a pos-
síveis más interpretagóes da nova Liturgia. Cf. Notitiae n» 60, Janeiro 1971, pp. 9-26. É importante verificar que o Prof. Xavier da Silveira nao menciona tal Instrugáo em seu livro; ela bastaría para dissipar todos os escrúpulos dos tradiciona listas.
A encíclica «ÜHysterium íidei» de 1965, exarada por Paulo VI, é outro eloqüente testemunho da fé da Igreja na
transubstanciagáo, na Missa como sacrificio, na singularidade do ministerio sacerdotal... em consonancia com o Concilio de Trento.
i O modo como os nossos lrmSos de Campos léem o Missal renovado é faino, porque sempre pronto a suspeilar de antemáo a Influencia de heresias, mesmo quando a interpretacio ortodoxa dos textos é perfeitamente
possível. — No momento, porém, nfio vem ao caso a maneira como é lido o
Missal de Paulo VI pelos tradicionalistas; interessa apenas considerar que so levam em conta o texto escrito desse Missal.
— 372 _
TRADICIONALJSTAS E FIDEUDADE A IGREJA
41
A Igreja rejeita a intercomunháo de católicos e protes
tantes, porque sabe que a fé protestante difere da católica no tocante a Eucaristía e a outros pontos; a nova Liturgia pro fessa verdades que os protestantes nao reconhecem1. Merecem particular atencáo as duas cartas do S. Padre Joáo Paulo II escritas aos sacerdotes por ocasiáo da quinta-feira santa de 1979 e 1980: incutem a mais clássica doutrina da Igreja sobre a Eucaristía, com recomendacóes práticas cora
josas; exprimem as mesmas normas que os irmáos de Campos e a Igreja sempre respeitaram e querem respeitadas.
— Por que nao lembrar também a alocugáo do S. Padre Joáo Paulo II sobre o sacerdocio e a Eucaristía proferida no Brasil aos 2 de julho de 1980?
De resto, nao se requer grande esforgo para verificar
na historia ou nos.acontecimentos de nossos dias que a clássica fé na Eucaristía e no sacrificio da Missa é exatamente a mesma
de todas os épocas. Seria perda de tempo tentar enunciar fatos que comprovem esta afirmacáo, tal é o número dos mesmos.
Em conseqüéncia, tornamos a perguntar: será que a atitude resistente dos irmáos de Campos nao vem a ser, em últi ma análise, um paralelo do principio «Sola Scriptara» (Somente a Escritura) do Protestantismo, que os mesmos irmáos tanto desejam evitar? Querendo dizer Nao aos protestantes, os
nossos tradicionalistas nao estariam assumindo urna posicáo
que é a própria premissa de toda a derrocada protestante e que
tem levado a tantas heresias e cismas através dos sáculos? —
A fé católica professa a adesáo á Palavra de Deus que é viva e vivida na Igreja e que nao pode ser entendida, sem perigo de heresia2, fora da Tradicáo proclamada por palavras e feitos:
1 Houve, na verdade, após o Concilio do Vaticano II (1962-1965), en-
salos de cele'bracfio e intercomunhSo ditas "ecuménicas"... Foram explíci
tamente rejeitados pelo Secretariado para a Unldade dos CristSos em Declaracao datada de 7/01/70. Cf. NotiUae, n? 52, margo 1970, pp. 90-95. 2 A palavra heresia vem do grego halresls, que significa escolha, selecSo (de doutrinas, no caso).
— 373 —
42
cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
«gestís verbisque ¡ntrínsece ínter se oonnexis» (cf. Constituigáo «Dci Verbum» n» 2). Para que essa Palavra nao se deteriorasse através dos tempos, o Senhor Deus quis outorgar á hierarquia da Igreja um dom especial ou o carisma da verdade, como se lé em «Dei Verbum»: esta, com efeito, menciona «aqueles que
com a sucessáo do episcopado receberam o carisma seguro da verdade» (ii qui cum episcopatus sueessione charisma veritatis certum accepenmt) (n« 8).
Qualquer cisáo na Igreja, motivada pelo estudo exclusivo da Palavra escrita, vem a ter sabor de Protestantismo; já nao é inspirada pelo Espirito de Deus, nem realiza a obra do Senhor Jesús. — Alias, diga-se ainda: nenhum livro pode ser
entendido auténticamente se nao é colocado no contexto his tórico em que se originou ou se nao é lido á luz da palavra oral que o bergou e o acompanha.
2.3.2.
Os lemas particulares da «denuncia»
A obra do Prof. Xavier da Silveira aceña a diversos pontos do novo Missal que lhe parecem eivados de Protestantismo... Já muito se tem escrito em resposta a cada urna das objegóes levantadas; nao o tornaremos a fazer. A propósito dizia sa biamente o Cardeal Gabriel Garrone aos 7/09/1969: "Ll com a devida atengSo nSo só o texto do Ordo Mlssae, mas a Instrucfio que o precede, e tenho dificuldade em compreender tais rea?6es.
Parece-me que as aparentes reticencias de algumas frases sSo elucidadas por outras sentencas explícitas do mesmo documento. A Instruyo, lida de ponta a ponta, em atitude Isenta de preconceltos, suscita a nítida ImpressSo de que estamos na linha e no fluxo da tradifüo da Igreja e que um padre do
Concilio de Trente encontrarla al toda a sua fé" (cf. Notitiae, n? SO, Janeiro 1970, p. 40).
Com efeito, quem nao isola frases, mas percorre o novo
Missal em perspectiva serena, encontra ai a profissáo da fé constante da Igreja. Alias, o próprio Prof. Xavier da Silveira cita as pp. 330s afirmagóes de S. Ambrosio (t397), que condenam a propriedade particular. O mesmo professor, porém, mostra que tais frases nao podem ser isoladas do pensamento global do autor e da doutrina geral da Igreja.
— 374 —
TRAPICIONAUSTAS E KDEUDADE A IGREJA
43
Eis, porém, que podem merecer especial atengáo duas das objecóes formuladas pelos irmáos de Campos. Embora já tenham recebido resposta em outros documentos, detemo-nos sobre as mesmas.
1) O Canon em voz alta e em vernáculo. Verdade é que o Concilio de Trento (cf. Denz.-Schon. 1759) e o Missal de S. Fio V rejeitaram a recitagáo do Canon em voz alta e em vernáculo. Fizeram-no em vista do movimento protestante da época, que precisamente quería servir-se da Liturgia como veículo de difusáo de doutrinas heréticas; no sáculo XVI, portanto, nao seria oportuno alterar a praxe medieval. Em nossos dias, porém, a Igreja julga que pode voltar ao costume, da época patrística, de se recitar o Canon em voz alta e em ver náculo; a restauragáo desta prática antiga traz reais bene ficios ao povo de Deus, e está longe de acarretar erros protes
tantes. O Protestantismo hoje está táo diversificado em relacáo ao que era no século XVI, que ele nao recorre á Liturgia (ou a contrafacóes da Liturgia católica)
para se propagar, mas
fá-lo de outras maneiras (mediante reunióes em pragas públi cas, visitas de colportores da Biblia as casas de familia, disseminagáo de panfletos...).
Se hoje a Igreja diz Sim ao vernáculo e á recitacáo pública do Canon depois de Ihe haver dito Nao no século XVI, Ela apenas está alterando um parágrafo do seu Código disciplinar e nao um artigo do Credo. Essas mudancas de disciplina, sem detrimento das verdades da fé, nao sao apenas cabíveis, mas tornam-se necessárias, visto que as circunstancias em que os
fiéis católicos vivem, suscitam novas e novas situagoes através dos sáculos. Alias, as pp. 331s o Prof. Xavier da Silveira cita e aprova um caso paralelo de mudanga da disciplina da Igreja, a saber: o do empréstimo a juros, que S. Tomás de Aquino e os moralistas do século Xm condenavam, mas que hoje em dia pode e deve ser reconhecido como legítimo. 2)
Dessacraliza$ao. Os irmáos de Campos lamentam a
diminuigáo do número de inclinagóes, reverencias, genuflexóes, sinais da cruz e ósculos prescritos ao celebrante durante a Li37»; —
44
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
turgia Eucaristica. Identificam-na com dessacralizagáo ou com
«urna tendencia a enfraquecer a índole sacral da Missa» (ob. cit, p. 78). — Ora tal nao é o sentido da modificagáo em pauta: trata-se apenas de evitar repetigóes desnecessárias. De resto, milito a propósito se lé na «Terceira Instrugáo...» de 5/09/70: «A reforma litúrgica nao é sinónimo de dessacralizagáo, nem pretende ser motivo ou pretexto para o fenómeno que chama mos 'a secularizagáo do mundo'. Por isto é necessário conservar aos ritos dignidade, seriedade e sacralidades (n* 1).
3.
Conclusao
A análise de ponto por ponto das objegóes tradicionalistas
leva á conclusao de que, objetivamente falando, nao há por que nao aceitar a Liturgia renovada como se estivesse imbuida de heresias.
Todavia pode-se tentar compreender, em parte, a descon-
fianga dos irmáos tradicionalistas em relagáo ao novo rito pelo fato de que, pretextando aplicar o Concilio, muitos grupos ca
tólicos tém cometido lamentáveis abusos ou mesmo sacrilegios. Tais desordens continuam a se repetir até nossos dias sob jus tificativas sofisticadas e inconsistentes. A vista disto, nao poucos fiéis tendem a associar a nova Liturgia a tais desmandos. Ora está claro que as normas litúrgicas vigentes nao somente nao recomendam, mas repudiam tais irreverencias e deturpagóes. A nova Liturgia, devidamente celebrada, é digna
e bela; comunica a impressáo de estarmos diante de urna Igreja orante,... Igreja que é comunidade (corpo eclesial) devida-
mente hierarquizada com a distribuigáo de fungóes decorrente
dos sacramentos do Batismo, da Crisma e da Ordem. Muitos e muitos fiéis tém concebido nova consciéncia de sua vocagáo crista mediante a participagáo no Ritual renovado. Verdade é que a Igreja deseja certa aculturagáo litúrgica, ou seja, o aproveitamento das formas genuinas das diversas
culturas humanas para louvar a Deus. Essa aculturagáo, porém, — 376 —
TRADICIONAIJSTAS E FIDELIDADE A IGREJA
45
1) é delimitada pelas próprias rubricas do Missal; a Igreja declarou que já nao é lícito fazer experiencias litúrgicas, ou seja, celebrar a Liturgia sem o amparo das rubricas oficiáis ou fora da latitude prevista por estas. Cf. «Terceira Instrucáo» n» 12, em «Notitiae» n» 60, Janeiro 1971, p. 24; 2)
jamáis deverá servir de ocasiáo á proclamacao de
posicóes políticas ou ideológicas. A manipuia~cáo~das funcóes
sagradas em favor de causas aberta ou dissimuladamente ideo lógicas fere a consciéncia crista. Por isto, ao mesmo tempo que professamos neste artigo plena adesáo á Liturgia de Paulo VI, exprimimos nosso profundo pesar pelas «contrafacóes litúrgi cas», que se realizam com intengóes espurias ou politizantes.
Tudo ponderado, fica, para finalizar, um apelo aos irmáos no sacerdocio da diocese de Campos no sentido de que repensem sua posicáo de resistencia: será um servico prestado a Deus e á Igreja, que eles amam? Será um testemunho construtivo para o povo de Deus? Há razáo real e objetiva para tanto desgaste e tanta dor? Aínda mais: nao será possível a um católico guardar a fé ortodoxa, a piedade fervorosa e a ascese necessária, desde que aceite a Liturgia de Paulo VI? Nao há pessoas de doutrina ortodoxa, fé ardente e conduta de vida modelar entre as que participam da Missa renovada? Que o Espirito Santo mesmo lhes inspire as respostas!
— 377
"Vocd sabia?"
Objecóes Protestantes ao Catolicismo
Em síntese: pentecostal "O
O presente artigo analisa onze objec6es que o Jornal
Semeador"
levanta contra a
Igreja Católica, fazendo eco,
alias, a panfletos e publicares de outras fontes. Tais objegdes sSo desti tuidas de fundamento histórico e apresentadas de maneira pró-clentlfica, ou seja, mencionando datas erróneas e fatos mal narrados. Todavía, dado que podem impressionar o grande público, a revista PR as percorre, citando a documentac/io necessária para esclarecer os pontos abordados.
Comentario: Tém sido enviados a. redagáo de PR panfletos e jornais protestantes que divulgam contra a Igreja Católica a acusagáo de deteriorar a mensagem da fé mediante a introducáo de crengas e práticas «inventadas» pelos homens no decorrer dos sáculos. Visto que tais panfletos sao destituidos de valor histórico, permanecen! abaixo do nivel científico ou
mesmo do nivel de um diálogo religioso elevado. Por isto PR
nao Ihes tem dado resposta. Contudo, a pedido de leitores, passamos a analisar o artigo «Vocé sabia?» do jornal pentecostal «O SEMEADOR» de abril 1982, p. 10. Antes do mais, seja transcrita a parte do artigo que interessa a estas páginas de PR. Procuraremos, desta maneira, dissipar dúvidas que possam
¡
existir na mente de fiéis católicos e nao católicos impressionados pela leitura das objegóes protestantes.
1.
«Vocé sabia...?»
«— Que a palavra 'protestante' vem do protesto que o apos
tólo Pedro fez, quando queriam Ihe negar o direito de pregar o cristianismo em Jerusalém e nao por deixarmos o catolicismo romano,
como dizem. Vejamos At 4,17 a 20 e 5,27; logo somos mais antigos que os próprios católicos. — Que a igreja católica modifícou e introduziu sem bíblico todos esses a tos: Ano
300 AD foi instituida a oracáo pelos morios
Ano
300 AD foi instituido o sin a I da cruz
— 378 —
respaldo
0BJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
Ano
£7
788 AD foi instituido o culto a María e aos santos
Ano 1000 AD foi instituida a fabricagáo de agua benta
Ano 1190 AD foi instituida a venda de indulgencias Ano 1270 AD foi instituida a confissao auricular
nário)
(confessio-
„
Ano 1438 AD foi instituido o purgatorio Ano 1870 AD foi instituida a infalibilidade do papa
Ano 1879 AD foi instituida a proibicao de casamento dos pa dres (antes podiam casar) — Que María, mae de Jesús, é venerada por 57 nomes dife rentes somente na Italia (Na. Sra. disso, Na. Sra. daquilo) contra
riando a Biblia.
Colaboracao de Gedival Vieira da Rocha».
Passemos a refletir sobre o texto em pauta.
2.
Observagoes gerais
A simples leitura dos tópicos atrás propostos, como também a de panfletos semelhantes, evidencia a falta de cri terios científicos dos respectivos autores. Procedendo de ma neira pouco escrupulosa, afirmam sem provar; e afirmam de maneira imprecisa («fabricagáo de agua benta», «instituido o purgatorio», «confissao auricular» seria equivalente a «confessionário»...); afirmam mesmo erróneamente nao poucas coisas — o que dá a impressáo de que os autores mal sabem o que estáo afirmando, mas falam por ouvir dizer, repetindo chavóes.
Outra impressáo que se colhe da leitura atrás, é a de que a S. Igreja move os seus fiéis como que a toques de decretos, determinando que, de certa data em diante, será preciso crer ou praticar isto ou aquilo... Ora tal impressáo nao corresponde á realidade: o que a Igreja declara e manda, através do eeu
magisterio oficial, nao é senáo a expressáo da consciéncia que os fiéis, em seu senso comum, possuem a respeito deste ou daquele ponto de doutrina, ou a respeito desta ou daquela prática. Antes de ser proferidas de maneira solene e definitiva — 379 —
48
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
pela autoridade da Igreja, tais verdades ou práticas já fazem parte da vida dos cristáos. O magisterio apenas as explícita; assim dissipa os perigos de mistura com o erro. É isto, alias, o que se dá em todo organismo vivo: a vida real, vivida, é ante rior as fórmulas ou definigóes.1
Impóe-se agora a consideragáo de cada qual dos pontos mencionados.
3. 3. T .
Percorrendo as ob¡e$5es.. .
Orígem da designasáo «protestante»
Os textos de At 4,17-20; 5,27 nada tém que ver com a existencia do Protestantismo (basta lé-los para tomar consciéncia disto). O Protestantismo, com as suas doutrinas carac terísticas («somente a Biblia», «somente a fé», «somente a graga»), comeca com Lutero, que em 1517 langa o seu primeiro brado contra a Igreja Católica. Antes do sáculo XVI, nao se falava de «protestantismo». Mais precisamente, o termo «protestante» teve origem nos seguintes fatos: o Parlamento alemáo reunido em Espira no ano de 1529 encarou as conseqüéncias políticas da reforma luterana, e houve por bem determinar que esta seria deuda em seus progressos (nao, porém, cancelada) até se reunir um Concilio Ecuménico para julgar a problemática religiosa. Com outras palavras: foi estipulado que o Edito de Worms seria aplicado nos Estados católicos (o que quer dizer que nestes a propagagáo do luteranismo seria coibida); quanto aos Estados que aderiam á Reforma, esta seria tolerada, com as cláusulas,
porém, de que os luteranos nao pregassem contra a S. Euca ristía e aos católicos fosse tranquilamente permitida a celebragáo da S. Missa. Desta maneira, o Parlamento promulgava a manutengáo da situagáo vigente ou- do status quo. Diante desta resolugáo, seis príncipes protestantes, entre os quais Joáo da
iCom efeito; primeiramente respiramos, camlnhamos.... depois defi nimos o que é respirar, camlnhar... Assim o povo de Deus, movido pelo
Espirito Santo, no decorrer dos séculos professou tais e tais proposlcoes, 8egulu tais e tais costumes... Em conseqüéncla, o magisterio da Igreja, asslstldo pelo mesmo Espirito Santo, quis oportunamente apolar com a sua autoridade dirimente essas expresases auténticas da vida.
— 380 —
0BJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
49
Saxónia e Füipe de Hesse, e quatorze cidades da Alemanha levantaram seus protestos veementes; nao queriam aceitar que a S. Missa continuasse a ser celebrada em territorios protes tantes, nem entendiam que os pregadores protestantes deixassem de atacar a S. Eucaristía. Ora foi precisamente a partir dessa ocasiáo (19 de abril de 1529) que os seguidores da Reforma foram chamados «protestantes». De modo especial importa notar que, dentro do bloco protestante, os pentecostais constituem urna das denominagóes
mais recentes (ao contrario do que julga o articulista em pauta). Com efeito, devem sua origem a um grupo de pastores metodistas e batistas dos Estados Unidos, os quais julgavam que o sinal de auténtica conversáo e vida no Espirito Santo seria o dom das linguas; esta concepcáo provocou a formagáo de grupos cada vez mais numerosos, que, durante a oracáo, aspiravam a falar em linguas estranhas e a experimentar o «batismo no Espirito Santo». Esses grupos de orantes separaram-se das suas comunidades originarias e passaram a cons tituir o Pentecostalismo protestante, que se ramifica em
diversos subgrupos: Assembléia de Deus, Congregagáo Crista do Brasil, Pentecostais Independentes, Cruzada «Brasil para Cristo» de Manuel de Mello, Cruzada da Nova Vida, o Evangelho Quadrangular Pentecostal, o Cristo Pentecostal da Biblia, etc. 3.2.
Orasáo (ou sufragio) em favor dos mortos
1. Conforme o artigo citado, a oracáo pelos mortos terá sido iniciada no Cristianismo no ano de 300. Ora tal datagáo revela ignorancia dos documentos da Igreja antiga. Com efeito; note-se o seguinte:
Sao JoSb Crisóstomo (t407) refere que «os Apostólos institiiiram a oracáo pelos mortos e que esta lhes presta grande auxilio e real utilidades (cf. In Philipp. III 4, PG 62, 204). Em outra passagem o S. Doutor corroborava a afirmacáo, dizendo: "Fagamos nossos sufragios pelos defuntos e celebremos a sua memo
ria. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrificio oferecido por seu pal, como duvidaremos de que nossas oferendas pelos mortos lhes proporclonam alivio? Sem hesitacSo, portento, • demos nossos sufragios aque
les que |á se foram e por eles oferecamos as nossas preces" (In I Cor 41,6 PG 61. 361).
— 381 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
A instituicáo de sufragios fúnebres por parte dos Apos tólos nao poderia ser rigorosamente demonstrada; escassos sao os documentos que nos restam do primeiro sáculo. Apenas se pode citar a seguinte passagem de Sao Paulo, a qual nao deixa de ser imprecisa no caso: "Que c Senhor conceda a Oneslforo encontrar misericordia da parte do Senhor naquele dial" (2Tm 1,18).
O contexto dá a crer que Onesíforo, dedicado amigo do Apostólo, já falecera. O Senhor mencionado pela primeira vez (com artigo) é Deus Pai; na segunda mengáo (sem artigo, em grego), o Senhor é Cristo Jesús, Juiz do mundo. Conforme certos comentadores, Sao Paulo estaría fazendo urna prece em favor do defunto; estaña, sim, pedindo a Deus Pai que seu discípulo Onesíforo obtivesse misercórdia no juízo final. Esta interpretagáo, porém, nao é unánime.
No sáculo n também sao sobrios os documentos literarios; os escritores cristáos se dedicavam mais á Apologética (frente ao Imperio Romano perseguidor e aos hereges) do que á descrigáo dos costumes das comunidades cristas. Logo, porém, no inicio do sécalo ni encontram-se as Atas
do Martirio de S. Perpetua de Cartago (África), muito signifi cativas para a nossa pesquisa. A mártir ai aparece orando por seu irmáo Dinócrate, o qual morrera jovem: pedia fosse ele transferido do lugar de padecimento em que se achava, para
«um lugar de refrigerio, de saciedade e de alegría». Finalmente, viu Dinócrate, de coragáo puro, revestido de bela túnica, a gozar de refrigerio, saciedade e alegría, como urna criancinha que sai da agua e se dispóe a brincar (cf. Passio S. Per petua© VIIs).
Nao se atribua demasiada importancia aos símbolos que esta narrativa apresenta. Considere-se apenas o testemunho que ela dá, de oragáo em favor de um defunto. Na mesma época Tertuliano atesta o uso de sufragios na
Liturgia oficial de Cartago: referindo-se, por exemplo, a um
defunto, diz que, no intervalo ocorrente entre a morte e o sepultamento do mesmo, fora beneficiado pela «oracáo do sacerdote»
(Da anima 51). O mesmo escritor, avesso a segundas nupcias,
argumentava contra estas, sugerindo o embaraco em que se
deveria encontrar um viúvo casado de novo, todas as vezes — 382 —
OBJECOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
51
que tivesse de fazer as habituáis preces e oblagóes em favor de
sua primeira esposa (cf. «De exhortatíone castitatis» 51). O
mesmo embaraco havia de atingir também a viúva que hou-
vesse contraído novas nupcias e quisesse orar por seu primeiro marido nos dias de aniversario de sua morte (cf. «De mono gamias 10).
Pouco depois, o bispo de Cartago, S. Cipriano, refere-se á
oferta do sacrificio eucarístico em sufragio dos defuntos como sendo praxe recebida de heranga dos bispos seus antecessores
(cf. epist. 1, 2). Ñas epístolas do santo nao é rara a expressáo «offerre sacrifitíum pro aliquo, sacrificium pro dormitione eius» (oferecer o sacrificio por alguém ou por ocasiáo dos funerais
de alguém).
Baseando-se nestes e em outros depoimentos da mesma época, escreve Vacandart: "Podemos de certo modo conceber o que terá sido a vida religiosa
de Cartago em meados do século III. Al vemos o clero e os fiéis a cercar
o altar... ouvimos os nomes dos defuntos lidos pelo diácono e o pedido de que o bispo ore por esses fiéis falecidos; vemos os crlstSos... voltar para casa reconfortados pela mensagem de que o Irmfio falecido repousa
na unidade da Igreja e na paz do Cristo" (Revue du clergé trancáis 1907 t. Lll 191).
Encontramos outrossim ñas mais antigás coletáneas de preces litúrgicas que po'ssuímos, a expressáo do costume de sufragar os defuntos no culto público.
Assim a Didascalia («Doutrina» atribuida aos doze Apos tólos), redigida nos primeiros decenios do século m para o uso dos cristáos da Siria, ordena: "Ao fazerdes as vossas Escrituras e oferecei preces a tanto em vossas assemblélas fogo tlver purificado e que orando pelos morios" (cf. i I
Os chamados
comemoracdes, reunl-vos, lede as Sagradas Deus; oferecel também a regla Eucaristía... quanto nos cemitérios. O pSo puro que o a Invocacfio houver santificado, oferecel-o 2* parte, fragmento de Verana).
«Cánones de Hipólito»,
que referem em
substancia a Liturgia do século m, contení urna rubrica con-
cernente ao caso de se fazer a «anamnese» (memorial, sufra gios) em favor dos defuntos: «Si fit anamnesis pro iis qui defuncti sunt... Caso se faca a memoria em favor daqueles que faleceram...» (Gañones HippoJvti, em Monumenta Ecclesiae litúrgica por Cabrol e Leclercq, t I, parte 2a.). — 383 —
52
«PERPUNTE E RESPONDEREMOS> 264/1982
Na primeira metade do século IV, o bispo SerapiSo de
Thmois, no Egito, fez-se autor de urna coletánea litúrgica, em que se lé a seguinte fórmula de intercessáo pelos irmáos falecidos: "Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoracfio, assim ora mos: 'Santifica essas almas, pols Tu as conheces todas; santifica todas, aquelas que dormem no Senhor; coloca-as em meio ás santas Potestades (anjos); dá-lhes lugar e permanencia em teu reino'" (Journal of theological Studies t. I, p. 106).
O mesmo Serapiáo consignou urna prece a ser dita por ocasiao da inumacáo do defunto: "Nos Te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de tua serva) N.; dá paz ao seu espirito em lugar verdejante e aprazivel, e ressuscita o seu corpo no dia que determinaste" (ib. t. I 268).
As ConstituicSes Apostólicas foram campiladas no fim do século IV por um autor que recolheu documentos bem mais antigos. — No livro VUI da colecáo se lé: "Oremos pelo repouso de N., a fim de que o Deus bom, recebendo a sua alma, Irte perdoe todas as faltas voluntarias e, por siu» misericordia, Ine dé o consorcio das almas santas".
Também se poderiam aduzir documentos da arqueología, que o leitor encontrará coletados em PR 78/1964, p. 270-272.
2.
Pergunta-se agora: qual o sentido da oragáo em favor
dos defuntos?
A oracáo em favor de um defunto supóe que a alma dessa pessoa esteja no purgatorio.
Morreu na amizade do Senhor, mas ainda contaminada por aderéncia ao pecado, isto é, por más inclinagóes que as faltas antigás, mesmo depois de perdoadas, deixaram nessa alma. Tal pessoa nao empregou, durante a vida terrestre, a
energía necessária para extirpar as suas tendencias desregradas.
Por estar na amizade de Deus, a pessoa que assim morre, é chamada á visáo beatífica. Contudo nao pode sustentar a
presenca de Deus face-a-face quem traga em si a mínima nódoa de impureza. Por isto a Justica Divina lhe concede um
estágio de purificacjio preliminar ao céu, que é o purgatorio. — 384 —
OBJEQOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
53
Cientes disto, os cristáos na térra oferecem a Deus preces e atos meritorios em favor das almas do purgatorio. O Senhor, aceitando esses sufragios, faz que as almas no purgatorio sejam mais profundamente penetradas pelo amor de Deus, o qual nelas deve consumir mais rápidamente as impurezas do pecado. Tal é o sentido das oragóes em favor dos defuntos. Os sufragios assim feitos nao derrogam iá obra satisfatória de Cristo, pois os merecimentos apresentados nao sao mais do que os frutos dos méritos do Salvador; é a imagem de Cristo vivendo no cristáo que dá valor de salvagáo as preces e ás boas obras deste e lhe possibilita acesso ao Pai. 3.3.
O purgatorio
Segundo o artigo analisado, o purgatorio terá sido insti tuido em 1438 d.C. Ora tal sentenga é nítidamente falsa, como
demonstra quanto acaba de ser dito. O autor conhece táo pouco
os pontos de doutrina impugnados que ele chega a cair em incoeréncia; como poderiam os sufragios pelos defuntos ter sido introduzidos em 300 se somente em 1438 teve inicio a crenca na existencia do purgatorio? Os fundamentos da doutrina do purgatorio estáo na própria S. Escritura. Note-se, por exemplo: Moisés e Aaráo cederam á pouca fé em dado momento da
sua vida. Nao há dúvida, a culpa lhes foi perdoada (cf. Dt 34,10-12; Ex 33,11; Num 12,6-8); nao obstante, viram-se pri vados de entrar na Térra Prometida (cf. Dt 34,4; Nm 20,12s; 27, 12-14). Davi, culpado de homicidio e de incesto, foi agraciado ao reconhecer o delito; nao obstante, teve que sofrer a pena de perder o filho do adulterio (cf. 2Sm 12,13s).
Em outros textos, o perdáo é estritamente ligado a obras de expiagáo:
Assim o velho Tobías ensina a seu filho que a esmola o
libertará de todo pecado e da morte eterna (cf. Tb 4,8-11).
Algo de semelhante é anunciado por Daniel ao rei Nabucodo-
nosor (cf. Dn 4,24). O profeta Joel, junto com a conversáo do coragáo, exige jejum e pranto (cf. Jl 2,12s). — 385 —
54
Entenda-se bem: a expiagáo nada tem que ver com vin-
ganca ou castigo da parte de Deus sobre o pecador, mas é exigida para que este apague os resquicios do pecado existentes em sua alma. A expiagáo liberta o homem das suas paixóes e excita o amor a Deus necessário para que o pecador seja isento das raizes do pecado, que permanecem na alma mesmo depois
de*-perdoada a culpa. Se o pecador, ao pedir perdáo de suas faltas, tivesse um amor a Deus táo forte que lhe apagasse as inclinagóes para o pecado, estaría dispensado de prestar expiagáo pelas faltas cometidas; mas o fato é que tal amor a Deus capaz de extinguir toda tendencia ao pecado é extremamente raro enquanto peregrinamos nesta vida. É preciso, pois, excitar este amor mediante prolongada ascese, mortificacáo ou expiagáo a fim de que no homem nao permanega mais nenhum resquicio de concupiscencia desordenada. Se alguém morre com a alma já purificada de todo res
quicio do pecado, pode usufriur diretamente da visáo de Deus face-a-face (céu). Se, porém, morre ainda portador de tenden cias desregradas, deverá purificar-se das mesmas num estágio postumo (entre a morte e a visáo beatifica), que é chamado purgatorio. Este nao é um lugar, mas um estado, no qual o amor a Deus consomé os resquicios do amor próprio, do egoísmo e das cobigas desordenadas que nao foram consumidos
nesta vida por causa da covardia do sujeito. É necessário que haja esse estágio, pois na presenca de Deus tres vezes santo nao pode subsistir o mínimo vestigio de pecado. Tal é a lógica da doutrina do purgatorio, que está na continuidade da mensagem bíblica. 3.4.
O sinal da cruz
Diz-nos o objetante que o sinal da cruz foi instituido em 300 d. C. Tal assercáo se evidencia errónea desde que se pesquise a
literatura crista anterior ao ano 300. Assim, por exemplo, o escritor Tertuliano (f pouco após 220) atesta o ampio uso que do sinal da cruz faziam os fiéis ñas mais variadas contingencias
da vida humana:
— 386 —
OBJEQOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
"Quando nos pomos nos vestimos, quando nos nos vamos deitar, quando nossas demals atlvldades, (De corona militte 3).
55
a camlnhar, quando salmos e entramos, quando lavamos, quando iniciamos as reíelsOes, quando nos sentamos, nessas ocasides e em todas as perslgnamo-nos a testa com o 8lnal da cruz"
Diz aínda Hipólito de Roma práticas dos cristáos do secuto IH:
(t 235/6), descreyendo as
"Marca! com respailo as vossas cabecas com o sinal da cruz. Este slnal da PalxSo opoe-se ao diabo e protege contra o diabo, se é felto com fé, nao por ostentado, mas em virtude da conviccfio de que é um escudo
protetor. é um sinal como outrora foi o cordelro verdadeiro; ao fazer o sínal da cruz na fronte e sobre os olhos, rechacemos aquele que nos espreita para nos
condenar"
(Tradlclo dos Apostólos
42).
Estes testemunhos dáo a ver que o sinal da cruz já no inicio do sáculo III estava muito difundido entre os cristáos, de tal modo que as suas origens se identificam com as dos primordios do Cristianismo. 3.5.
O culto a Mario, e aos santos
Terá tido origem em 788, conforme o articulista em pauta. — Nao se sabe por que tal data foi escolhida pelo autor. Também esta afirma.gáo é errónea. Como a S. Escritura mesma indica, já os judeus julgavam
que os justos falecidos continuam a interceder pelos seus
irmáos sobreviventes na térra. Tenha-se em vista, por exemplo, o texto de 2Mc 15,11-14, segundo o qual Judas Macabeu contemplou no céu Onias, o antigo Sumo Sacerdote, «de aspecto modesto e costumes brandos... entregue desde a infancia a todas as práticas da virtude, o qual estendia as máos e orava por toda a nagáo dos judeus». Viu também Jeremías, «notável por sua dignidade, revestido de prodigiosa e soberana majestade», a respeito do qual lhe foi dito: «Este é o amigo dos seus irmáos, aquele que muito ora pelo povo e por toda a Cidade Santa, Jeremías o profeta de Deus».
Conscientes de que a morte nao interrompe a comunháo dos membros da Igreja entre si, os antigos cristáos, desde os primeiros sáculos, voltaram sua atencáo para os santos (em primeiro lugar, para os mártires, que sao os mais belos frutos da obra do Redentor). Anualmente no dia aniversario da morte — 387 —
56
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
(chamado com muito acertó «o día natalicio») de tal mártir
ou tal justo famoso, os fiéis se reuniam para celebrar a Litur gia votiva do santo. Nessa celebragáo, antes do mais, louvavam, adoravam e agradeciam a Deus por quanto havia feito de grande e belo na pessoa do santo cultuado (a veneracáo aos santos é teocéntrica ou cristocéntrica, pois se dirige sempre a Deus, que realiza maravilhas em seus santos); a seguir, os
fiéis pediam ao Senhor Deus, por intercessao do santo cul tuado, as gragas de que necessitavam para chegarem também eles á mansáo eterna.
O mais antigo testemunho que se tenha dessa prática,
data de meados do século II. Com efeito, a Ata do Martirio
de S. Policarpo (1156) foi redigido pouco depois da morte deste; relata a atitude corajosa do santo mártir ao confessar
a fé diante dos juízes; morreu finalmente em meio as chamas, tendo ainda recebido um golpe de punhal dos carrascos. A ata se encerra com a seguinte observagáo:
"Os Irmáos recolheram os ossos de Policarpo, mais preciosos do que pérolas e mais caros do que o ouro, e os depositaran) em lugar conve niente a fim de que a comunidade se pudesse reunir em torno desses despo
jos todos os anos no dia do aniversario de seu natalicio"1 (Martirio 17). A praxe relatada por este documento era coraura entre os
cristáos desde os inicios da Igreja; os restos moríais dos santos eram guardados com grande honra e visitados regularmente
por peregrinos; junto a eles se celebrava a S. Eucaristía. É o
que atesta ainda a existencia de antigos Martirologios, Menológios e Sinaxários, que sao catálogos de mártires e justos falecidos em odor de santidade e cultuados pelos fiéis. Tal culto se diferencia nitidamente da veneragáo tributada pelos pagaos
aos seus heróis, pois os motivos inspiradores e a finalidade ético-religiosa do culto cristáo estáo longe das concepgóes e piráticas pagas, que muitas vezes tinham o caráter de magia. Nao se diga que o culto de veneracáo dos santos derroga
á adoragáo devida ao Senhor Deus ou a estima devida ao Cristo
Redentor, pois nos santos o cristáo vé o triunfo da graga de
Cristo, que ele exalta quando exalta os santos. 3.6.
A agua benta
Conforme o artigo em foco, terá sido instituida a sua «fabricagáo> no ano 1000!
1 Natalicio, neste contexto, é o día da entrada na vida «terna.
— 388 —
QBJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
OT
Ora deve-se dizer que o uso da agua benta na Igreja se prende ao uso da agua batismal. Sim; o elemento natural «agua» tendo sido escolhido por Jesús para comunicar a regeneracáo e a vida eterna, os cristáos julgaram oportuno renovar
o seu compromisso batismal usando agua sob forma de sacramental (o Batismo é um sacramento; a agua benta é um sacramental). Por conseguinte, o sinal da cruz com agua benta e a aspersáo de agua benta foram tidos como cañáis que continuam a derramar as gracas da Redencáo sobre pessoas e objetos atingidos por essa agua.
Entende-se, pois, que o uso da agua benta nao tenha tido origem em 1000 d. G, mas, sim, nos primordios da Igreja, em íntima conexáo com o Batismo. 3.7.
As indulgencias
«Em 1190 foi instituida a venda de indulgencias»! Antes do mais, é preciso observar que nunca houve venda de indulgencias. Um autor que estude objetivamente a materia, nunca dirá isto. Para se compreender as indulgencias, faz-se mister recordar quanto segué:
Como dito atrás, todo pecado, mesmo quando perdoado, implica a necessidade de reparacáo da parte do pecador. Essa reparagáo consistirá em apagar os efeitos do pecado, que as vezes sao intrínsecos e também extrínsecos ao pecador (se roubei um relógio, estou obrigado a devolvé-lo ao proprietário), as vezes sao efeitos meramente intrínsecos (o pecado deixa resquicios de si no pecador, alimentando as paixóes e tenden cias desregradas). Esse cancelamento ou essa erradícagáo das conseqüéncias do pecado exigirá do pecador maior amor a Deus,... amor que mortifique ou extinga o egoísmo e o amor próprio. Por isto na Igreja antiga o confessor impunha ao penitente que se confessasse, urna reparacáo deveras mortifi cante, que o ajudava a excitar o amor a Deus e o odio ao pecado. No inicio da Idade Média,porém, a Igreja verificou que tal praxe era sempre mais difícil, em grande parte por causa da debilidade da saúde dos penitentes. Em conseqüéncia, prevaleceu o seguinte raciocinio: a Igreja é depositarla dos méritos de Cristo, que sao o tesouro da Redencáo do género humano; por conseguinte, é licito a Igreja aplicar esse tesouro
em favor dos penitentes que, nao podendo realizar urna obra dura como jejum prolongado, peregrinagóes, vigilias sucessives..., se disponham a realizar obra mais suave, animados, porém, pelo mesmo amor a Deus e repudio ao pecado. Cons ciente disto, a Igreja comecou a «indulgenciar» certas obras — 389 —
58
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
como oragóes, visitas a um santuario, esmolas...; istoquer dizer: a Igreja declarou que os fiéis que executassem determi nadas oragóes ou atos de devogáo ou de caridade, movidos pelo amor que os levaría a jejuar durante quarenta días, por exem-
plo, poderiam obter os frutos de um jejum de quarenta días (pois o que dá sentido as obras visíveis do cristáo é a dispo-
sigáo interior com que as pratica). Assim foram sendo conta das as indulgencias segundo o sistema de días, semanas, anos, tendo-se em vista os días, as semanas ou o tempo de rigorosa
penitencia física que sería substituida pela obra indulgenciada.
Está claro, porém, que quem nao tivesse o amor heroico corres pondente ao dos grandes penitentes da Igreja antiga nao ganharia as indulgencias. Vé-se, pois, que a justificativa das indulgencias é lógica e harmoniosa.
É neste contexto que se fala de esmolas indulgenciadas. Estas nao significam compra de indulgencia ou de perdáo, mas simplesmente a Igreja entendía que quem desse determinada esmola para urna instituigáo de caridade ou para fins apostó licos, poderia lucrar urna indulgencia por causa do amor a Deus pressuposto pelo ato de dar esmola. Por conseguinte, a proposta de indulgencia era apenas um elemento provocador de caridade interior ou de mais intenso amor a Deus; o que valia, para os fiéis, nao era a entrega de dinheiro ou a execucáo mecánica de algum ato bom, mas, sim, o amor profundo com que os fiéis realizassem a entrega do dinheiro ou a obra meritoria.
Tal é a teología das indulgencias. Dito isto, é preciso
reconhecer que houve mal-entendidos por parte dos fiéis do
fim da Idade Media; fizeram da instituigáo das indulgencias algo de mecánico, esquecendo a importancia imprescindível da atitude interior com que os fiéis deviam dar suas esmolas para lucrar as indulgencias. Daí a aparéncia de que se vendiam
indulgencias na Idade Media. Nunca houve venda, mas, sim, a proposta de que os fiéis fizessem um ato de amor a Deus e ao próximo, que lhes seria útil para apagar os resquicios do pecado. 3.8.
A confissáo auricular
«Ano 1270 AD foi instituida a oonfíssáo auricular (confessionário)».
Antes do mais, pergunta-se: por que o autor do artigo cita o ano de 1270? Nada há na historia desse ano que possa, de algum modo, ser interpretado como ponto inicial da confissáo auricular. — 390 —
OBJBQOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
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Esta, alias, nao comecou na Idade Media, mas tem suas raízes no próprio Evangelho. Com efeito; Jesús disse aos seus Apostólos: «Recebei o Espirito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, seráo perdoados; aqueles a quem nao os perdoardes, nao seráo perdoados» (Jo 20,22s). Jesús assim quis conferir aos seus Apostólos o poder de perdoar e também o de nao perdoar:... nao perdoar a quem nao esteja arrependido,
a quem nao queira mudar de vida ou converter-se. Ora, para poder exercer esta dupla faculdade, os ministros de Cristo precisam de ter conhecimento de causa, isto é, necessitam da manifestagáo da consciéncia do penitente que é chamada «confissáo auricular». Por isto declarou o Concilio de Trento (1545-1563) que a confissáo foi instituida pelo próprio Cristo. A prática da confissáo auricular é testemunhada nos primeiros séculos da Igreja. Tenha-se em vista, por exemplo, o depoimento do bispo S. Cipriano de Cartago (f 258). Este autor teve, mais do que os anteriores, a ocasiáo de considerar a doutrina da Penitencia sacramental. Com efeito; viveu sob a perseguigáo do Imperador Décio (249-251), que, por sua extrema veeméncia, provocou numerosas apostasias ou defecgóes de cristáos. Urna vez, porém, passada a celeuma, muitos apóstatas, quiseram voltar á Igreja. O bispo de Cartago entáo viu-se obligado a repreender severamente aqueles que, «antes de confessar a sua culpa, antes de purificar a sua consciéncia pelo sacrificio e pelo ministerio do sacerdote», ousavam achegar-se á mesa do Senhor (De lapsis 16; cf. ep. 16,2). Para o santo
bispo, portante, nao era possivel reconciliacáo com Deus sem confissáo previa do pecado; esta inicia todo o processo de volta do pecador: «Qufio grande fé e que salutar temor manifestam aqueles que, sem
ter cometido o mal de sacrificar aos (dolos ou de obter para si um ates tado de sacrificio (Idólatra), tendo, porém, concebido a ¡ntencfio de sacri ficar, vém mut contritos confessar Isto aos sacerdotes de Deus, e eles o dSo a conhecer e, embora pequeninos e leves sejam os seus ferimentos, pedem o remedio que os cura...
Rogo-vos, portante, irmáos meus, que cada qual confesse a sua falta, enquanto aínda está neste mundo, enquanto a sua confissfio ainda pode ser aceita, enquanto a satisfacáo e a remissáo por meio dos sacerdotes aínda sfio agradáveis a Deus" (De lapsis 28s).
A confissáo individual assim inculcada por S. Cipriano era
considerada táo necessária que o concilio regional de Cartago em 251 a incutiu por sua vez, ao permitir que cristáos apóstatas fizessem oficialmente penitencia para receber a reconciliacáo: — 391 —
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sería preciso, recomendava o sínodo, examinar o caso de cada um em particular, averiguar a boa vontade do pecador e as suas necessidades (examinarentur causae et voluntates et necessitates singulorum; S. Cipriano, ep. 55,6), pois, mesmo dentro
da mesma categoría de pecados, há diversidades de individuo para individuo: «Ínter ipsos etiam qui sacrificaverint et conditio frequenter et causa diversa sit;... multa sit diversitas» (ib. 13s). Sao Cipriano também sabia referir como haviam sido punidos certos cristáos que tinham recebido a Sagrada Euca ristía com a consciénda manchada de pecados secretos: «Quantos há, cada dia, que, por nao fazerem penitencia e nao confessarem as culpas que tém na consciéncia, sao possuidos pelos espirites malignos!» (De lapsis 26).
Este texto incute bem que até os pecados ocultos deviam ser confessados (ao sacerdote ou
existencia,
na
alma,
de
nas. ..). Por fim, acrescenta o escritor:
pecados
leves
ape
"Há aínda um sétimo meló de obter o perdáo, meló duro e penoso;
é a penitencia, quando o pecador molha seu leito com lágrimas e faz do pranto o seu pao dia e noite, quando o pecador nSo tem recelo de confessar o seu
pecado ao sacerdote do Senhor e de procurar asslm o
remedio".
Em outra passagem, Orígenes compara o pecado a um alimento indigesto e a um tumor maligno do estómago; conseqüentemente assevera que, assim como o doente precisa de eliminar tais males para nao ser levado á morte, da mesma forma o pecador deve expelir o pecado pela confissáo:
— 392 —
QBJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
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"Quando o pecador se acusa e se confessa, cospe o pecado e purl-
flca-se de toda Infeccfio má. Ora considera bem a quem (trata-se do sacer dote, segundo o trecho precedente) deves confessar os pecados. Examina antes de tudo o médico a quem deves expor a causa da tua fraqueza: seja um médico que salba ser doente com os doentes, chorar com os que choram; que seja cheio de compaixSo e piedade, a fím de que, confiando ñas suas palavras, palavras que o comprovem como médico experimen tado, tu sigas o seu conselho. Se ele vler a decidir que a tua doenca é
tal que deva ser confessada e saneada diante de toda a Igreja — o que *
será talvez ediflcacio para os outros e meló de salvacáo para ti — depois de madura reflexao deverás agir segundo o sabio conselho desse médico" (In Ps 37 h. 2, 6, ed. Migne gr. 12, 1386).
Esta passagem é particularmente significativa, pois distin gue confissáo secreta (auricular) e confissáo pública: a primeira é tida como necessária para a remissáo do pecado; quanto á confissáo pública, ela se torna oportuna caso o sacer
dote, tendo o devido conhecimento de causa, julgue que deve ser prestada pelo penitente. — E note-se que Orígenes, ao
incutir essas duas modalidades de confissáo do pecado, nao dá a impressáo de estar inovando alguma coisa; ao contrario, do tom categórico e espontáneo de suas palavras depreende-se que está apenas insistindo em práticas já usuais entre os cristáos. Em outra homilía, referindo-se aos Apostólos e aos seus sucessores, diz Orígenes: "Basta descobrir-lhes o mal, para obter a cura: a manlfestacfio do pecado confere o saneamento. Se pecamos, devemos dizer: 'Del-Vos a conhecer o meu pecado e nfio dlsslmulel a mlnha iniqüidade. Disse: Pro nunciare! contra mim mesmo ao Senhor a minha injusttica' (SI 31,5). Na verdade, se fazemos isso, se revelamos os nossos pecados nio somente a Deus, mas também aqueles que Ihes podem dar remedio, serfio apagados por quem disse:
'Dlssiparei as vossas enfermidades como urna nuvem e
os vossos pecados como um nevoelro' (Is 44,22)" (In Le h. 17).
Como se vé, Orígenes nao hesita em inculcar a necessidade
da confissáo, mesmo para as faltas secretas. Tal confissáo há de ser feita a um sacerdote: embora o Alexandrino muito valorize a santídade ou a capacidade pessoal do médico da alma, nao resta dúvida (feito o confronto entre passagens paralelas das obras de Orígenes) de que esse médico é o sacerdote da Igreja (cf., por exemplo, In Lev h. 3,4).
A imagem do médico ocorre de novo sob a pena de Sao
Padano de Barcelona (1391), o qual na seguirte passagem
fez eco aos textos de Sao Cipriano e Orígenes já citados: — 393 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
"Mullos catram no pecado, até por pensamiento. Muitos sSo culpa dos de homicidio; mullos, apegados eos ídolos; muitos, adúlteros. Acrescento aínda: nfio sonriente aquele que ergue a mfio para matar, torna-se culpado de morticinio, mas também aquele que com o seu conselho impele urna alma á morle. NSo somente aquele que oferece Incensó aos ídolos sobre o altar é digno da morte eterna, mas também todo aquele que por desejos Ilícitos viola o direito do matrimonio, merece esta morte... Rogo•vos, irmáos, pelo Senhor, que nao pode ser engañado nem mesmo a res-
peito de coisas ocultas aos homens, deixai de encobrir a vossa conscléncla ferlda. Os doentes sensatos nao temem os médicos, mas delxam-se operar e queimar mesmo ñas partes escondidas do seu corpo" (Paraenet. ad paenit. 5,8).
No séc. IV, alias, após a paz concedida por Constantino á Igreja (313), a literatura crista se pode tornar cada vez mais ampia e explícita: em conseqüéncia, multiplicaram-se os teste-
munhos de autores cristáos sobre a necessidade de confissáo para se obter a remissáo dos pecados.
Tenham-se em vista, por exemplo, as palavras de S. Am brosio (t397), bispo de Miláo: "A febre, enquanto seu foco permanece oculto no organismo, nfio pode ser curada; mas, quando o foco se manlfesta, há esperance de cura.
Do mesmo modo a infeccao dos pecados...: enquanto flca oculta, causa um calor ardente; mas, caso seja manifestada pela confissfio, desaparece" (In Pa 37, ed. Migne lat. 14, 1057).
O próprio S. Ambrosio se dedicava pessoalmente e com todo o zelo pastoral ao ministerio da confissáo, como refere p seu biógrafo S. Paulino de Ñola: "Costumava alegrar-se com os que se alegravam e chorar com as que choravam; todas as vezes que alguém Ihe confessava as suas faltas, a flm de obter a reconcillacSo, ele chorava de tal modo que induzia o penitente a chorar também; parecía (¡car prostrado com quem estivesse prostrado. Quanto & materia dos pecados que Ihe eram confessados, ele nfio a manlfestava senfio a Oeus so, junto a Quem Intercedía (pelo peca dor). Destarte deixava aos sacerdotes futuros o bom exemplo, para que se tomassem intercessores junto a Oeus, e nfio acusadores junto aos ho mens" (Vita S. Ambrosfi 39; cf. De paen. 2, 8).
Esta passagem atesta, portante, que S. Ambrosio ouvia confissóes, que versavam sobre casos pessoals e particulares, e se faziam secretamente (c. auriculares),
ficando sob segredo ou sigila
Seja aínda aqui citado um interessante episodio das obras
atribuidas a S. Basilio (t 379):
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OBJECOES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
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"Havia um jovetn, do qual a infancia e a educacSo haviam sido ple-
dosas. Era assfduo aos oficios; dedicava-se, tanto quanto possfvel, as obras de beneficencia; tinha sempre na mente o jufzo eterno de Deus e era closo de guardar com fidelidade os ensinamentos da doutrina crista. Um belo día, porém, caiu na fornicado. Sua virtude asslm se esvaneceu, e os frutos da sua educacSo foram devastados... O mau estado de sua consciéncia o Impedía de comparecer á ¡greja; af nao poderia tomar lugar entre os fiéis, pois se separara deles interiormente. Contudo por vergonha ele nao quería agregar-se 'aos que choravam' (penitentes públicos). Entáo pós-se a Inventar pretextos para responder aos que o interrogavam. Tal ou tal pessoa, dizia ele, está á mlnha espera, de modo que nao tenho tempo de asslstlr á Liturgia'. De outra feita, para salr da Igreja antes da oracáo dos fiéis, imaginou nao sei qual motivo. Fol assim, em virtude do hábito, que aos poucos ele concebeu a idéia de apostatar, chegando a perder tudo que tinha (de valores espirituais)" (ed. MIgne gr. 30,152).
Merece atencáo o fato de que os desvíos moráis desse jovem nao deviam ser de conhecimento público; pois, em caso contrario, nao teria que recorrer a pretextos para explicar a sua abstencáo da comunháo e seu afastamento da Igreja. Con forme S. Basilio, as faltas desse adolescente poderiam ser expiadas mediante penitencia pública... penitencia pública que o ministro de Deus Ihe indioaria após haver ouvido a respectiva
confissáo. — O episodio portante supde a praxe da confissáo estensiva mesmo aos pecados secretos.
Pode-se por último notar que em Constantinopla existían) a partir do séc. III sacerdotes especialmente destinados a ouvir as confissóes individuáis dos penitentes: sacerdotes peniten ciarios. Eis como um advogado de Constantinopla, Sozómeno (t após 450), autor de urna «Historia da Igreja», explicava a instituigáo desses ministros:
Pecar, dizia ele, é deficiencia decorrente do estado atual da natureza humana; seria preciso nao ser criatura humana para nao pecar. Por isto também o Senhor Deus perdoa as faltas cometidas, por mais numerosas que sejam. Contudo, já que nao se pode pedir o perdáo sem confessar as culpas, outrora a confissáo se fazia ao bispo mesmo. Este procedimento em
breve se evidenciou pouco viável; ñas funcóes da Liturgia, o bispo se assentava na ábside do templo, em meio aos clérigos, de modo que o penitente devia quase fazer certo exibicionismo
teatral para dirigir-se ao prelado e declarar-lhe os pecados, sob — 395 —
64
«PERGUNTE K RESPONDEREMOS» 264/1982
os olhares de todos os fiéis. Em conseqüéncia, os bispos julgaram preferível designar um simples sacerdote para ouvir as confissSes e administrar a penitencia (cf. Historia da Igreja VH 16, ed. Migne gr. 67, 1460). Deste texto se depreende que, para Sozdmeno, a necessidade da confissáo era anterior á instituigáo dos sacerdotes penitenciarios, instituigáo que ele atribuía ao séc. m pelo menos. Sozdmeno nao hesitava em reconhecer que a confissáo ao ministro de Deus é urna das instancias normáis e obligato rias para se obter, da parte do Senhor, a remissáo dos pecados.
Poder-se-iam multiplicar as citacóes de testemunhos. Estes depoimentos provam sobejamente a prática da con
fissáo auricular na Igreja antiga. Há testemunhos anteriores
aos de S. Cipriano e Orígenes, todavia menos claros. Nos seus
primordios a literatura crista yersava principalmente sobre temas apologéticos, tendo em vista o Imperio Romano hostil e as primeiras heresias da historia (gnosticismo, docetismo...). 3.9.
A infalibilidade papal
«Ano 1870 AD foi instituida a infalibilidade do Papa». No caso seria melhor dizer: «foi definida a infalibilidade do Papa quando fala como Mestre da Igreja Universal em
materia de fé e de moral». Com efeito; o Concilio do Vaticano I
naquela data nao fez senáo formular, em linguagem de definicáo teológica, urna verdade já contida implícitamente no Evan-
gelho e professada pela Tradicáo crista. A fim de nao repetir, aqui apenas citamos o que está dito neste fascículo as págs. 409s, onde se apresentam textos bí blicos referentes ao primado de Pedro. Este primado foi sendo mais e mais afirmado através dos tempos. Todavia nao seria razoável crer que nos primeiros sáculos o primado romano se tenha manifestado como hoje.
De um lado, as comunicagóes entre os diversos núcleos cristáos eram dificéis; de outro lado, foi o surto de heresias e desordens que deu ocasiáo a que a Santa Igreja mostrasse aos poucos a sua estrutura petrina. Como se verá adiante, o primado era
atribuido aos Pontífices Romanos nao em virtude da prepon derancia política de Roma, mas por motivo estritamente
religioso.
— 396 —
0BJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
a)
65
No fim do séc. I, tendo surgido um litigio entre os
fiéis de Corinto, o bispo de Roma, Salo Clemente!, lhes escreveu urna carta autoritativa, chamando-os enérgicamente á ordem: «Se alguns nao obedecem ao que Deus mandou por nosso
intermedio, saibam que incorrem em falta e em perigo muito grave» (c. 69). A carta terminava anunciando o envió de legados romanos a Corinto, os quais, esperava o Pontífice, haveriam de voltar para Roma levando a noticia da restauraCao da paz entre os discordantes.
É altamente significativo o fato de que o bispo de Roma, e ele só, tenha intervindo em questóes internas da comunidade de Corinto, embora em Éfeso ainda vivesse o Apostólo Sao Joáo, e outras comunidades que nao a de Roma tivessem talvez relagóes mais freqüentes e facéis com Corinto. Leve-se em conta também a deferencia que a igreja de Corinto (embora fosse, como a de Roma, fundada por um Apostólo) prestou ao documento de Roma: a admoestacáo surtiu o almejado efeito,
como se depreende do fato de que em 170 aproximadamente a carta de S. Clemente ainda era habitualmente lida ñas reunióes dominicais dos fiéis de Corinto (cf. Eusébio, Hist ed. IV 23,11). b) No inicio do séc. II, S. Inácio de Antíoquia escrevia aos cristáos de Roma, reconhecendo ser a sua comunidade a mestra de outras: «Nao invejastes a ninguém; instruistes os outros. Também eu quero guardar aquilo que ensinais e preceituais» (3,1). Aos Romanos confiava S. Inácio o cuidado das comunidades da Siria: «Sonriente Jesús Cristo e a vossa caridade (agápe) exercam para com elas o papel do bispo» (9,1). Agápe vem a ser, para S. Inácio, o sinónimo de «comunidade crista» ou de «Igreja» (cf. Tral. 13,1; Esmirn. 12,1; Filad. 11,2); é este o sentido que o santo bispo parece supor quando diz ser a Igreja de Roma «a que preside á caridade (agápe)» e «a que preside na regiáo dos Romanos» (Rom., prol.). Estas expressóes, se
gundo bons historiadores, significam preeminencia em relacáo as demais comunidades cristas. O testemunho de Inácio torna-se particularmente significativo desde que se leve em conta que era proferido por um bispo de Antioquia, cidade onde Pedro teve urna de suas primeiras sedes episcopais (cf. Eusébio, Hist. ed. m 36). c) Na segunda metade do séc. II registrou-se a contro versia de Páscoa: um grupo de bispos da Asia Menor, recusando
seguir o calendario e os costumes vigentes em Roma, assim — 397 —
66
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 264/1982
como ñas demais regióes cristas, foi ameacado de excomunháo pelo Papa S. Vítor (cf. Eusébio, Hist ecl. V 24, 9-18). E ninguém contestou ao Pontífice o direito de assim proceder; devia parecer claro a todos que nenhum bispo pode estar em comunháo com a Igreja universal sem estar em comunháo com a Igreja de Roma.
d) S. Irineu (|202 aproximadamente) deixou-nos um dos mais eloqüentes testemunhos em favor de Roma: Tendo afirmado que a verdade se encontra ñas comunida des fundadas pelos Apostólos, continua: «Mas, já que seria de masiado longo enumerar os sucessores dos Apostólos em todas as comunidades, so nos ocuparemos com urna destas: a maior e a mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituida pelos dois gionosissimos Apostólos Pedro e Paulo. Mostraremos que a tracucáo apostólica que ela guarda, e a íe que ela comu-
mcou aos homens, chegaram a nos atraves da sucessáo regular dos bispos, coniundinao assim todos aqueles que... querem
procurar a verdade onde nao se pode encontrar. Com esta comunidade, de tato, dada a sua autoridade superior, é necessário esteja de acordó toda comunidade, isto é, os fiéis do mundo inieiro; nela sempre foi conservada a tradigáo dos Apostólos» (Adv. haer. ILL 3,2). Este texto atribuí á Igreja de Roma o papel de padráo, ao qual todos os núcleos cristáos ou a Igreja universal se devem contormar; é somente esta conformidade que garante a auten-
ticidade da doutrina professada cá e lá entre os cristáos. E, essa preeminencia de Koma, Irineu a deduz do fato de que tal cidade recebeu diretamente dos santos Apostólos Pedro e Paulo a sua doutrina, doutrina conservada ciosamente pelos bispos
sucessores de Pedro, que S. Irineu, pouco adiante, assim enu mera: Pedro e Paulo «confiaram a Lino o ministerio do epis copado... A Lino sucedeu-se Anacleto; a seguir, Clemente.
Clemente vira os Apostólos, conversara com eles, aínda tinha no ouvido a sua pregacáo... A Clemente sucedeu Evaristo, e a Evaristo Alexandre. Depois, em sexto lugar após os Apostólos, veio Xisto, e, a seguir, Telésforo; depois, Higino, Pío e Aniceto; Sotero sucedeu a Aniceto. É agora Eleutero que, em duodécimo lugar, possui a heranga do episcopado após os Apostólos» (Adv. haer. HE 3,3).
Em urna palavra diz S. Irineu: a conformidade com o ensinamento dos sucessores de Pedro é o criterio da ortodoxia. — 398 —
QBJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
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e) Era meados do séc. ni, S. Cipriano, bispo de Cartago, chamava a cátedra de Roma «cátedra de Pedro, a Igreja prin.cipa], donde se origina a unidade sacerdotal (isto é, a unidade dos bispos)» (epist. 55,14). Contudo S. Cipriano parece nao ter tirado as últimas conseqüéncias destas palavras, pois recusou submeter-se ao Papa S. Estéváo no tocante á validade do batismo conferido por hereges.
A medida que nos adiantamos no decorrer dos séculos, váo aumentando em número e significado os textos e fatos que atestam o primado de Roma. Visando brevidade, limitar-nos-
-emos aquí a recordar que, por ocasiáo dos litigios teológicos
verificados do séc. IV em diante, a Sé de Roma foi geralmente tida como supremo tribunal de apelo, donde os teólogos e os simples íiéis, tanto do Ocidente como do Oriente, esperavam ouvir a palavra da verdade: os hereges arianos, por exemplo, pediram ao Papa Julio I (f 352) aprovasse a deposicáo do bispo de Alexandria, S. Atanásio, campeáo da ortodoxia; o Pontífice entáo chamou a Roma acusadores e acusados, e fez-lhes justioa. O seu sucessor, o Papa Libério (t 366), foi exilado pelo Impe rador por haver recusado aprovar a condenacáo de Eustácio de Sebaste, mestre da reta fé. O Imperador Justiniano I mandou buscar o Papa Vigilio (t 555) em Roma e submeteu-o a vexames em Constantinopla, porque o Pontífice se recusava a sancionar os editos dogmáticos de S. Majestade; o mesmo aconteceu ao Papa Martinho I (t 653) — o que bem mostra o valor (diríamos: dirimente) que se atribuía a sentenca de Roma, mesmo quando os bizantinos mais e mais se deixavam levar por tendencias separatistas e autonomistas. A esses testemunhos, que aínda poderiam ser acrescidos de outros, aplique-se agora um principio clássico no Cristia nismo: «Quod apud multos unum invenitur, non est erratum, sed traditum» (Tertuliano), isto é: urna crenca uniformemente professada por diversas comunidades nao pode provir do erro, mas deriva-se de legítima tradigáo. Testemunhas numerosas, independentes e rigorosamente unánimes, merecem fé já no plano meramente humano...; muito mais merecem-na no plano sobrenatural, onde Cristo assiste á sua Igreja. Concluir-se-á entáo: o primado que os bispos de Roma desde o séc. I exerceram na Igreja, é legítimo, pois nao fez senáo continuar o primado de Pedro, primado que este Apos tólo recebeu diretamente de Cristo.
— 399 —
68
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
Após esta explanagáo, entende-se que os Concilios Ecumé nicos hajam sucessivamente até os tempos modernos inculcado o primado romano. 3.10.
Celibato do
«Ano 1879 AD foi instituida a proibicJLo de casamento dos padres (antes podiam casar)».
Quem lé esta proposigáo, nao pode deixar de verificar a profunda ignorancia do autor no tocante ao assunto em pauta. A praxe do celibato sacerdotal tem suas razóes remotas em ICor 7,32-34, texto em que S. Paulo afirmava ser a vida celibatária um estado em que mais fácilmente se pode servir ao Senhor, sem divisóes e sem solicitudes supérfluas. Em lTm 3,3 (cf. Tt 1,6) o Apostólo recomenda que o ministro de Deus seja «marido de urna só esposa»; com isto Sao Paulo quena inculcar que no século I da nossa era, quando as comunidades cristas constavam de muitos adultos e casados recém-convertidos, nao se escolhesse para o ministerio algum homem casado em segundas nupcias; estas, com efeito, eram geralmente desaconselhadas pela antiga Igreja por parecerem urna expressáo de incontinencia.
era
Ve-se, pois, que desde os tempos apostólicos a vida una recomendada e praticada pelos ministros do Senhor
(tenha-se em vista, por exemplo, o caso de Sao Paulo).
No Ocidente, a primeira legislacáo restritiva ao casamento dos clérigos se deve ao Concilio de Elvira (Espanha) por volta do ano 300: proibia aos bispos, sacerdotes e diáconos, sob pena
de degradacáo, o uso do matrimonio e o desejo de ter prole (canon 33). Esta determinacáo, que era regional, em menos de um século estava em vigor (as vezes sob forma de conselho
apenas) em todo o Ocidente. A fórmula definitiva de tal disci plina foi promulgada pelo Concilio Ecuménico do Latráo I em 1123: a todos os clérigos, a partir do subdiaconato, foi prescrito o celibato; em conseqüéncia, o matrimonio contraído por algum eclesiástico depois da respectiva ordenacáo, era tido como
inválido. O Concilio de Trento (1545-1563) reafirmou tal de terminacáo.
Isto bem mostra quáo inexata é a noticia (e a acusagáo) do jornal em pauta.
— 400 —
0BJEC6ES PROTESTANTES AO CATOLICISMO
3.11.
6?
Os títulos de María Santísima
«A M§» de Jesús é venerada por 57 nomes diferentes somente na Italia (Nossa Senhora disso, Nossa Senhora daquilo) contrariando a Biblia». — Os títulos de María SS. póem em relevo os diversos predicados da figura bendita de Maria SS., que sempre é unía só «Nossa Senhora». Esta foi imaculada em sua conceigáo, gloriosa em sua Assuncáo; apareceu em Lourdes, Fátima, La Sálete; é a Auxiliadora dos cristáos, o Refugio dos pecadores, a Máe dos homens, etc. O uso desses diversos títulos nao con traria á Biblia, que nada diz a respeito.
4.
Conclusao
Poder-se-ia alongar a resposta as falsas objecóes levandatas pelo jornal «O SEMEADOR». Cremos, porém, que o quanto foi dito basta para mostrar a improcedencia de tais acusacóes. A ignorancia e o preconceito deformam as mentes. De resto, observe-se o seguinte: Houve realmente inovacóes na vida da Igreja através dos sáculos, mas todas de caráter acidental, sem afetar os artigos de fé. Tais sao o uso da agua benta, a Liturgia em língua latina, a concessáo de indulgencias... Essas inovacóes acidentais nao somente sao aceitáveis, mas constituem valores positi vos, pois manifestam a vitalidade da Igreja. Com efeito; Cristo comparou a sua Igreja a um grao de mostarda que se vai desenvolvendo através dos tempos, de modo a dar urna árvore com novas e novas expressóes de seu vigor (cf. Mt 13,31s);
tal planta tem necessariamente aspectos diferentes de acordó com a sua idade; nunca, porém, deixa de ser mostarda para se transformar em cerejeira ou macieira. Algo de análogo se dá
com a S. Igreja; já que Ela nao é cadáver, mas o Corpo de Cristo vivo e prolongado através dos sáculos, Ela vai tirando do seu ámago novas e novas expressóes de sua vitalidade, de modo a poder adequadamente transmitir o Cristo a cada época
e incorporar no Reino de Cristo tudo que os homens váo produzindo de bom em cada fase da historia. Afim de que Ela realizasse tal tarefa sem perverter o Evangelho, o Senhor prometeu a sua assisténcia e a do Espirito Santo aos Apostólos e aos seus sucessores até o fim dos sáculos (cf. Mt 28,20). — 401 —
Fenómeno doloroso:
A Igreja Católica Apostólica Brasileira
Em sínlese:
A Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB) ou as
"Igrejas Brasileras" tiveram sua origem aos 6/07/1945, quando D. Carlos Duarte Costa, ex-blspo de Botucatu, houve por bem separar-se de Roma, para fundar urna Igreja Nacional Brasileira. D. Carlos era fortemente antl-fasclsta e Julgava que as autoridades da Igreja Católica estavam aliadas ao fascismo italiano e ao nazismo alemao. Antes de chegar á ruptura com
Roma, D. Carlos, agitado como era, fora preso pela
policía brasileira.
A ICAB se dividlu em diversos ramos Independentes uns dos outros e
carentes tros sSo que, nSo onde as Os fiéis
de doutrina definida; ver¡fica-se que grande parte de seus minis ex-sacristSes ou ex-candidatos ao sacerdocio na Igreja Católica tendo conseguido atingir a sua meta, se passaram para a ICAB, exigencias de estudo e preparo para o sacerdocio sao mínimas. que freqüentam a ICAB, também sao ocasionáis: multos, nSo
conseguindo casar-se ou batizar criancas no Catolicismo, vSo procurar a ICAB.
Na verdade, a Igreja de Cristo é urna só: aqueta fundada pelo proprlo Jesús e entregue ao pastoreio de Pedro e seus sucessores. Cristo
prometeu estar com os Apostólos até o fim dos tempos (cf. Mt 28,18-20)
o que quer dizer que a condigao para que algum grupo cr¡st§o goze da infalível assisténcia de Cristo é a sua adesSo a Pedro. As falhas humanas que haja na única Igreja de Cristo sSo decorrénclas do misterio da encarnadlo e nao impedem a acBo santiíicadora de Cristo. Quanto á nacionalidade da Igreja, é algo que nao existe; a Igreja Católica é romana
como Jesús era nazareno; tanto o Governo central da Igreja (Pedro e seus sucessores) quanto Jesús precisavam e preclsam de um endereco ou
de um habitat na térra; desse habitat tiram seu sobrenome, que nao excluí
a universalidade da missao de Cristo e da Igreja.
A Igreja Católica nSo reconhece o sacerdocio da ICAB.
Comentario:
Os jomáis falam ocasionalmente de ocor-
rencias religiosas que, á primeira vista, parecem dizer respeito á Santa Igreja de Cristo, mas, na verdade, se devem a segui dores da chamada «Igreja Católica Apostólica Brasileira» (ICAB) ou também «Igrejas Brasileiras», visto que o fenómeno se expandiu em varios ramos autónomos.
Há também quem, nao podendo casar-se na Igreja Cató
lica, procure a ICAB, que proclama freqüentemente nao exigir curso previo para celebrar casamentos e balizados; realiza
IGREJAS BRASHJ3RAS
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outrossim unióes matrimoniáis de desquitados, divorciados,... celebra Missas em terreiros de Umbanda, etc. — Prevalecendo-se dessas «vantagens», a ICAB tem feito grande propaganda
de si mesma, visando assim a seduzir o povo fervoroso, mas pouco esclarecido.
Estes fatos exigem a elucidacáo do que sejam realmente a ICAB e as suas intengóes. O presente artigo continuará os que sobre o mesmo assunto já foram publicados em FR 54/1962, págs. 303-310; 149/1972, págs. 218-228; 159/1973, págs. 132-137.
1. 1.1.
ICAB: que é?
Funda$cío
O fundador da ICAB é o bispo Dom Carlos Duarte Costa. Nascido aos 21 de julho de 1888, recebeu a ordenacáo de pres
bítero a 1» de abril de 1911. Foi sagrado bispo aos 8/12/1924
na catedral metropolitana do Rio de Janeiro. Enviado para Botucatu como bispo diocesano, Dom Carlos foi infeliz na sua
gestáo pastoral, dando expansáo a estranha devoeáo. Com efeito, Dom Carlos trouxe de Miláo para Botucatu urna estatua de Nossa Senhora Menina, á qual atribuia numerosos milagres;
percebendo os desvíos da piedade popular decorrentes das das falsas concepcóes de Dom Carlos, o Nuncio Apostólico interveio em Botucatu; a Santa Sé entáo chamou de volta ao Rio Dom Carlos, que ficou sendo bispo titular de Maura K Durante a guerra mundial de 1939-1945, Dom Carlos tomou posicoes políticas muito acentuadas; era anti-fascista e Nacusava de fascismo o S. Padre Pió XII assim como as autori dades da Igreja Católica. Apregoava a queima das encíclicas Rerum Novarum de Leáo xm (1891) e Quadragesimo Anno
de Pió XI (1931), porque as tinha como fascistas. Julgava que a Igreja ortodoxa da Ruménia se unirá á Igreja Católica, tornando-se nazista. Sao palavras textuais de Dom Carlos: i Maura é a capital da antiga provincia romana de Cesaréla da Mau ritania (Norte da África). Todo bispo que nSo administre urna dlocese, torna-se titular de um blspado Já extinto. Na verdade, a Invlsfio árabe
no Norte da África e na Asia menor fez que multas dioceses da S. Igreja
delxassem de existir como tais no sáculo Vil.
— 403 —
72
«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
"Todas as paróquias, mostelros, escolas e a Imprensa católica coló* caram-se a servlco do nazismo e do fascismo. Em todas as paróquias da Ruménla, havia urna sede do Fascio, obedecendo todas ás ordens de um
sacerdote italiano, nomeado por Mussolinl... Um dols olto sacerdotes católicos enviados por Goebbels á Ruménia foi nomeado pelo metropolita Assessor Consistorial ordinario. E o Rmo. Dr. Sherer, inspetor supremo dos sacerdotes nazistas, teve seus servicos premiados com a promoc&o a cónego honorario da catedral metroppoliana...
A pedido de von Papen, o meu irmüo Eugenio Pacelli transferlu o Nuncio Apostólico na Ruménia, Monsenhor Valerio Valer!, fanático nazista, para Nuncio em París, de onde foi obrlgado a se retirar por exigencia do povo, apenas os alemaes evacuaram a cidade" (extraído do Manifestó a Nacáo de Dom Carlos Duarte Costa publicado no "Mensageiro de Nossa Senhora Menina" de Janeiro de 1946).
De passagem note-se que tais declarares carecem de apoio na realidade histórica, correspondiendo a devaneios; o autor nao oferece prova do que afirma. Alias, sabe-se que Dom Carlos foi sujeito a atitudes temperamentais ou passionais que o impediam de ver a realidade com a devida objetividade; há mesmo quem lhe atribua certa insanidade mental.
Imbuido de espirito pretensamente anti-fascista, Dom Carlos Duarte, aos 17/09/1942, enviou o seguinte telegrama ao Presidente da República Getúlio Vargas (o Brasil pouco antes entrara em guerra contra o Eixo Roma-Berlim): "No momento em que V. Excia. decreta mobilizacSo, venho trazer-lhe meu abraco e Irrestrita solidariedade, pondo-me inteiro dispor NacSo. Com mobllizacio geral, chamando ás armas todos os brasileiros defesa Patria, lembro ser necessária outra mobilizacSo — a espiritual — para que nao suceda ao Brasil o que se passou com a Franca, devendo ser retirados suas dloceses, prelazias, paróquias, conventos, colegios, bispos, prelados, padres, frades, freirás, estrangelros e nacionais, partidarios nazi-fascismo-falangismo... Dom Carlos Duarte".
Conforme os dizeres do próprio Dom Carlos, este também «denunciou de Hispanidad o episcopado brasileiro, unido ao episcopado das dentáis nagóes americanas do norte, do centro
e do sul, preocupado com a situacáo da Igreja fascista... Era a falange em acáo. A organizagáo constava de um comité conjunto dos partidos fascistas de Portugal e de Espanha, com apoio governamental de Lisboa e de Madrid». Conta ainda o mesmo Dom Carlos: "Em 6 de julho de 1944 a minha casa foi cercada por agentes da policía e no dia seguinte eu era preso por ordem do Governo da Repú blica ... Meu destino era a fortaleza de Santa Cruz. Ful, porém, enviado para Belo Horizonte, onde ful fichado como comunista, e, em seguida,
recolhldo a urna casa na cidade de Bonfim, no Estado de Minas Gerals, com sentírtela á porta e investigadores dentro de casa. AM-
IGREJAS BRASILEIRAS
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Lá (Iquel até 6 de setembro de 1944, quando, a pedido da Assoclacfio
Brasilelra de Imprensa e da Política (ate) das Nacóes Unidas, intervlndo Junto ao Governo Brasllelro, por Intermedio de suas Embalxadas, ful posto em llberdade.
Aquí manifestó toda a mlnha gratldSo & Assoclasfio Braslleira de
Imprensa, de modo especial ao seu ilustre presidente Herbert Moses e as
Embalxadas dos Estados Unidos, da Inglaterra e do México" (extraído da fonte atrás citada).
Imbuido de idéias políticas obsessivas e de concepedes religiosas erróneas, Dom Carlos Duarte, rebelde á autoridade da Igreja, incorreu em excomunhháo. Isto o levou a fundar aos 6/07/1945 a sua «Igreja» ou a igreja crista nacional, rom-
pendo definitivamente com o Papa e, por conseguinte, com toda a Igreja Católica. Logo ordenou bispos e presbíteros, que constituiriam a hierarquia da nova sociedade. Entre outras
coisas, declarava Dom Carlos, logo após a fundagáo da ICAB, que esta nao admitía a confissáo auricular nem o celibato do clero nem a indissolubilidade do matrimonio.
Dom Carlos Duarte Costa fez o possível para impulsionar a sua obra — o que nao lhe foi difícil, pois muitos homens (ex-sacristáes, ex-candidatos dos Seminarios e das Ordens Religiosas) que nao haviam conseguido chegar ao sacerdocio dentro da Igreja Católica, encontraram na ICAB a oportunidade de «se promover», até mesmo sem estudos previos e sem adequada preparagáo.
O infeliz aventureiro faleceu aos 26/03/1961, num domingo de Ramos. Em seus escritos publicados no periódico «Luta!»
da ICAB revelava ánimo amargurado e violento contra a Igreja Católica. Dizem (sem que haja comprovagáo) que no
fim dos seus dias, já bastante doente, pediu a presenga de um
sacerdote católico, a fim de poder reconciliar-se com Deus e
com a Igreja, mas os seus adeptos, que o cercavam, tudo fizeram para impedir que tal desejo fosse atendido. Os seus seguidores o declararam «Sao Carlos do Brasil». 1.2.
Doutrina e práticas
Quanto ao corpo de doutrinas e á teología professadas
pela ICAB, sao algo de vago e flutuante. Essa sociedade guarda grandes linhas da fé católica, mas tende a ceder cada vez mais ao subjetivismo e as arbitrariedades dos seus hierarcas. Os candidatos as ordenacóes sacerdotal e episcopal nao estudam — 405 —
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
teología, de mpdo que mal conhecem a doutrina da fé e
se revelam assaz incultos e ignorantes. O que importa á ICAB, é conservar as práticas de devocáo popular (celebracóes litúr gicas, procissóes, novenas...), pois sao estas que atraem o povo e dáo dinheiro aos ministros da ICAB. Como dito, estes sao, em grande parte, pessoas frustradas ou fracassadas na Igreja Católica que se tornaram aventureiros e oportunistas
na ICAB; realizam os atos que mais rendosos lhes parécam.
Conservam também as fórmulas, o vocabulario e os títulos
existentes na Igreja Católica a fim de que o público creia tratar-se simplesmente da Igreja Católica fundada por Jesús
Cristo.
Sabe-se outrossim que os ministros da ICAB se tém
desentendido entre si, dando lugar a dissídios e rupturas. Donde o nome de «Igrejas Brasileiras», que, a justo título, se tem dado á ICAB.
Quanto as pessoas que freqüentam a ICAB, sao muitas vezes gente simples, que nao conhece as origens e as intengóes
da ICAB, mas apenas procura um desabafo para o seu senso
religioso e as suas devocóes. Em outros casos, sao católicos que se acham em situagáo irregular na Igreja Católica e váo pro curar a Igreja Brasileira na qual sao celebradas todas as Missas e as «unióes matrimoniáis» que atendam aos interessados. Todavia nem aqueles nem estes freqüentadores da ICAB sao pessoas convictas ou firmes adeptos da ICAB; apenas a consideram qual meio de «legalizar» no plano religioso os seus projetos de vida.
Para atrair tal tipo de «clientes», a ICAB nao poupa es-
forgos e «apelagóes». Vai abaixo transcrito um espécimen de tais recursos rico em oratoria pomposa:
Num folheto cuja primeira capa apresenta a bandeira do Brasil e as palavras do Duque de Caxias: «Quem for brasileiro, que me siga!», lé-se a «Mensagem Pastoral de Dom Víctor de Tarso Sanches Pupo, bispo do ABC (SP)»: "Carissim.
Considerando-te como pessoa amiga, leal e cívica, venho de coracfio religioso, IN NOMINE DOMINI, chamar-te á COMUNIDADE destas ovelhas seletas, que de varios anos escolheram a honra e a firmeza do báculo nacional da Igreja Brasileira no ABC.
— 406 —
IGREJAS BRASILEIRAS
75
Sem o bombardeio de fúteis debates, quero comunicar-me contigo sempre para dizer-te que a hora presente exige de ti a resposta de presenga, de servico e de atuacáo responsável dentro da Igreja Brasilelra,
trincheira de fé e de ressurreicao briosa, nos moldes do patriotismo com pleto. Juntos, ergueremos o pavilháo do Evangelho vivo, substantivo, que
alertará energúmenos, tibios e a sobre-carga do beatério perambuiante pelas sacristías do espirito frió, neutro, desnudo, je|uno e anestesiado de Indlgestao piética, credulidade lateral, rito obsoleto, canonismo medieval e de outros entraves que obstruem a torca do Espirito Evangélico e Pastoral da Igreja Católica...
Embora tantos embargos premeditados, óbices, e o anti-patriolismo dos cariotas politicos e endinhelrados, corramos para o selo da Igreja Brasilelra, somando com Ela, a fim de que alcance días pentecostais de calor carismático, nesse retorno de ressurreicáo da Primitiva Fé.
O binomio Igreja-Brasll é a solucSo liquida e certa! Pertencamos-lhe com denodo, energía, decisSo, amor e alto grau de brasllidade. Nao se trata de transferir crencas, mas de aclarar o nosso batismo, legitimá-lo e de consclentizar o brio nacional...
Urge urna declaracSo patriótica: desligar o cordáo umbellcal remanescente, sustar evasSo de esmolas, dlzer á Roma "tico" brasileiro, com
a bravura de manté-lo e de projetá-lo até a Etemidade também.
A Máe
Comum é adulta, gracas á emancipacao de setembro e de novembro, Dom Pedro I e Marechal Deodoro; agora, cerremos fileira, ombro a ombro, para cingir-lhe a fronte com o diadema de soberanía religiosa no conttinente sul-americano. É o testemunho de urna decisSo pacifica. Para tanto, convido-te á matricula em nossos templos nacionals, em varias cidades, ingressando como aquele cireneu prestativo, acólito, que contrlbulu na Via Crucis do Senhor.
Nesta cidade do Apostólo Irmao, SANTO iANDRé, há um templo de
pedras e de mármore, a Gruta de fé e de utilidade patria, onde o teu lugar ainda está vazio. Venha ocupá-lo incontinenti! Espero dialogar con tigo, no próximo domingo, ás 10 horas, antes da missa jovem em louvor ao Bom Jesús do Llvramento... Preciso de ti, porque represento urna InstituicSo que hoje te convoca. Acredito no teu juramento á Bandeira e espero ver-te militante neste quartel dos lidimos heróis da Patria...
Recorta o roda-pé desta missiva intima e alegra-me com a data do teu aniversario natalicio, pois quero rezar por ti e envlar-te pelo meu programa da Radio ABC, sábado, ¿s 11 horas, e também pelo córrelo, urna saudacSo, urna béncSo, afeto do meu coracáo nesse teu dia feliz. Aguar do-te, e desde já invoco sobre ti a béncSo do Pal, do Filho e do Espirito Santo. Pelo Brasil, também o sagrado exercfcio da tua Fé Católical Opinla per Dominara nostram puelam. 407 —
76
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
Quem lé esta conclamacáo, nao pode deixar de ficar impressionado, pois
1) o autor, embora diga rejeitar as peregrinacoes de Aparecida e Tambaú, mantém o famoso santuario do Bom Jesús do Livramento, para o qual convida todos os homens que estejam sofrendo de males físicos ou espirituais; promete-lhes béngáos e curas. Varios sao os folhetos de Dom Víctor que convídam para a cura. Assim, por exemplo, se lé num destes: "Servido Espiritual de conforto aos enfermos da alma e do corpo. Servlco Pastoral de Dom Víctor de Tarso nos Hospitais e na Santa Gruta do Bom Jesús do Livramento segundas, quartas e sextas".
Outro tópico: "ProcIssSo contra o cáncer Sexta-feira santa
Seis de Agosto, dia do Bom Jesús
Último domingo de outubro SSo Judas Tadeu".
2)
Outro tópico curioso é o uso de expressSes latinas em
meio as conclamafióes da ICAB. Embora o povo nao as en-
tenda, elas tem a fungáo de fazer crer que na ICAB tudo se dá como na Igreja Católica.
Estas
noticias
sao
suficientes
para
2.
Que cfizer. .. ?
que
se
ponha
a
pergunta:
Salientaremos dois pontos importantes. 2.1.
Fundagño de nova Igreja
Quem lé as Escrituras do Novo Testamento, percebe sem
dificuldade que a Igreja de Cristo é urna só, fundada pelo próprio Jesús e entregue ao pastoreio de Pedro e dos seus sucessores; cf. Mt 16, 16-19; Le 22, 31s; Jo 21, 15-17; ICor 12, 12-27.
— 408 —
IGREJAS BRASILEJRAS
77
A unicidade e a unidade da Igreja de Cristo sao freqüentemente incutidas por Sao Paulo: "Exorto-vos a andar de modo digno da vocagáo pela qual fostes cha mados procurando conservar a unidade do Espirito pelo vinculo da paz. Há um so Corpo e um só Espirito, assim como é urna só a esperanca da vocacSo com que fostes chamados; há um só Senhor, urna só fé, um só batismo, há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meló de todos e em todos" (Et 4,1-6).
"Cristo é a nossa paz...
Ele velo e anunciou a paz a vos que está-
vels longe, e paz aos que estavam perto, pois, por meló dele, nos, judeus e gentíos, num só Espirito temos acesso Junto ao Pal... Estáis edificados sobre o fundamento dos apostólos e dos profetas, do qual é Cristo Jesús a pedra angular. Nele bem articulado todo o edificio se ergue em san tuario sagrado no Senhor, e vos também nele sois co-edificados para serdes urna habitacáo de Deus no Espirito" (Ef 2,14.17-19. 21s).
Pergunta-se, porém: essa unicidade nao é, de fato, violen
tada ou quebrada pelas fainas humanas dos membros da Igreja? Pode a Igreja ser portadora de pecado? A isto responderemos sob o título abaixo. 2.1.1.
Falhas na Igreja
A Igreja nao é sociedade meramente humana, que os homens possam re-fundar, dividir e organizar segundo o seu «bom senso» pessoal. É o sacramento de Cristo ou o Cristo prolongado em sua encarnacáo. Isto quer dizer que a face humana da Igreja, por mais frágil que seja, encobre urna realidade divina: nao sao os homens (os ministros) que santificam os fiéis na Igreja, mas é o próprio Cristo quem, ope rando pelos homens, santifica os fiéis. Disto se segué que nao é lícito apelar para pretensas ou reais fraquezas humanas da Igreja a fim de fundar nova Igreja; foi Cristo quem fundou a Igreja, e a fundou mediante homens, assegurando a todos os fiéis a sua agio indefectível através dos tempos desde que O fossem procurar na Igreja por Ele fundada. Com efeito, diz Jesús ao se despedir dos Apostólos em Mt 28,19s: «Ide e fazei que todas as nacóes se tornem discípulos... Eis que estou convosco todos os dias até a consumacáo dos séculos». Estas palavras significam que Jesús permanecerá até o fim dos tem pos com os Apostólos e seus sucessores, independentemente da cultura ou da santidade destes; nao é a virtude dos homens
(predicado subjetivo) que garante a acáo de Cristo, mas, sim, a continuidade da sucessáo apostólica (característica objetiva). Quem se afasta da sucessáo apostólica e de Pedro, exdui-se do — 409 —
78
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
6acramento de Cristo e sujeita-se as contingencias de obra meramente humana; a nova «comunidade eclesial» assim fun
dada pode ter seu periodo de fervor, mas inevitavelmente será
vítima da fragilidade humana, tornando-se falha a ponto de provocar a necessidade de se fundar outra comunidade «mais santa e virtuosa»; a nova comunidade reformada estará, por sua vez, sujeita &s contingencias humanas, o que levará alguns
mestres a querer abandoná-la para fundar outra; esta igual mente sucumbirá as limitacóes humanas, o que suscitará o desejo de se criar nova «Igreja» e assim por diante! Cada nova comunidade acha-se mais distante das suas origens, mais im
pregnada do subjetivismo e das arbitrariedades dos respectivos fundadores. Tal fenómeno é claramente perceptível no Protes
tantismo, onde centenas de denominacóes existem derivadas de
tres ou quatro grupos iniciáis (luterano, calvinista, zvingliano, anglicano). — Na ICAB o esfacelamento e a diluigáo dos va lores cristáos chegou a grau extremamente doloroso nos seus quarenta anos de existencia; o oportunismo e interesses pes-
soais sao freqüentemente os criterios que regem a historia da mesma.
A fragilidade humana na única Igreja de Cristo nao sur-
preende os cristáos; é inerente ao próprio misterio da Encar-
nagáo. Sempre que se manifesta, a Igreja tira do tesouro
mesmo da sua vitalidade os recursos necessários para dar-lhe remedio; assim ocorreu no sáculo XI, por ocasiáo da luta contra a investidura leiga e a simonía (dos mosteiros de Cluny
6aiu o fermento renovador, tendo á frente o Papa Gregorio
VII),... no sáculo XVI, quando o Concilio de Trento (15451563), frente ao Protestantismo e ao humanismo paganizante da época, encontrou a vitalidade renovadora da Igreja ñas Ordens e Congregagóes Religiosas que entáo se fundaram.
Cristo, sempre presente na sua Igreja, suscita do ámago desta
as potencialidades de que necessita para reformar sua face
humana. A Igreja, na medida em que é o Cristo prolongado,
é santa, e indefectivelmente santa; todavía, na medida em que é dos homens, está sujeita á fraqueza humana. 2.1.2.
Igreja nacional?
A ICAB acentúa o fato de que a Igreja de Cristo é romana
e, por isto, parece estrangeira no Brasil; donde a necessidade de se cortar o cordáo umbilical em favor de urna Igreja nacional. O sentimento patriótico dos brasileiros estaña interessado nisto.
— 410 —
IGREJAS BRASILEIRAS
79
Observe-se que a única Igreja de Cristo nao tem naciónalidade, mas paira ácima de qualquer estreitamento nacional; ela é católica, universal. O título de «romana» que lhe foi dado, significa apenas que o seu chefe visível tem sede em Roma ou é o bispo de Roma. Sabemos, sim, que Cristo confiou a 6ua Igreja a Pedro; ora este Apostólo precisava de urna sede ou de um «habitat» neste mundo; tal sede foi a de Roma, a qual por conseguinte se tornou a sede primacial; donde o nome de «romana» dado á Igreja de Cristo. Como se v§, este nada tem que ver com identidade nacional. Note-se que paralelamente Jesús, o Salvador de todos, foi dito «Nazareno», simplesmente
pelo fato de que precisava de ter um enderego e um «habitat»
na térra
(nao podia viver sem sede neste mundo)
«habitat» foi a cidade de Nazaré.
e tal
Seria falso dizer que o relevo ou a hegemonía dos bispos de Roma é produto da época constantiniana (século IV); na
verdade, desde os escritos do Novo Testamento se registra a primazia de Pedro sobre os demais Apostólos. Com efeito, em tais escritos Pedro é citado 171 vezes; o segundo Apostólo mais citado é Joáo, que aparece 46 vezes. Observemos ainda que Pedro é o porta-voz dos Apostólos: Me 8,29.32; 10,28; Mt 18,21; Le 12,14; Jo 6,67s; — Pedro é sempre o primeiro no catálogo dos Apostólos: Me 3,16-19; 10,1-4; Le 6,12-16; At 1,12 13; — nao raro se lé «Pedro e os seus companheiros»: Le 9,32; Me 16,7;
tres textos póem em relevo explícito o primado de Pedro: Mt 16,13-19; Le 22,31s; Jo 21,15s; — em At 10 Pedro, guiado por revelagáo divina, introduz um gentío na Igreja sem lhe impor a circuncisáo, tomando assim urna iniciativa absolutamente nova e decisiva para o futuro da Igreja.
Logo no século II os escritos de S. Inácio de Antíoquia
(t 110), S. Ireneu (t 202), S. Justino (tl65) dáo a ver a pri mazia da sé de Roma, que com o decorrer do tempo foi mais e mais encontrando a ocasiáo de exercer as suas funcóes primaciais. É o que se veriflca através de um estudo sereno e objetivo das fontes da historia.
Por conseguinte, nao há sentido em falar de «cortar o
cordáo umbilical» e de apelar para o senso patriótico dos fiéis de alguma nacáo em vista da fundagáo de urna Igreja nacional. — 411 —
80
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
2.2.
Os
Válidos os ritos da ICAB?
ministros
da ICAB
afirmam ter sido validamente
ordenados, pois receberam a ordenacáo de um bispo autenticamente ordenado, que foi Dom Carlos Duarte Costa, e segundo
o ritual usado pela S. Igreja Católica. Por conseguinte, as
Missas celebradas na Igreja Brasileira seriam válidas (embora ilícitas); o mesmo poderia ser dito no tocante á Ungáo dos Enfermos, á Crisma e a outros ritos.
Na prática, porém, a Igreja Católica nao reconhece as
ordenacóes das Igrejas Brasileiras; e nao as reconhece por dois motivos principáis:
1) para que algum rito sacramental seja validamente administrado, requer-se, além da materia e da forma do res pectivo sacramento, a intencáo, por parte do ministro, de fazer o que a Igreja faz quando administra o sacramento. Pergunta-se, pois: os ministros Dom Carlos Duarte Costa e seus
sucessores, ao ordenarem novos padres e bispos, tiveram (ou tém) a intencáo de fazer o que a Igreja faz em tal caso? — É claro que nao; a Igreja, por ser a continuacáo do Cristo e una, jamáis pode ter a intencáo de ordenar ministros para urna comunidade irregular (tanto na doutrina quanto na disciplina) como é a ICAB. Verdade é que alguns teólogos discutem a apücacáo de tal principio á ICAB e, por isto, preferem nao se
valer do mesmo para rejeitar as ordenagoes das Igrejas Bra
sileiras. Como quer que seja, nao se pode negar o peso do argumento.
2) O segundo motivo faz eco ao primeiro. As Igrejas Brasileiras constituem um «cipoal» de congregacóes táo com plexo, indefinido e sujeito a oscilacóes arbitrarias que nao se
lhe pode tributar crédito. Embora custe dizé-Io, é preciso reconhecer que as Igrejas Brasilieras carecem de seriedade e idoneidade. Daí a recusa de qualquer dos seus ritos de orde nacáo e, por conseguinte, das funcóes litúrgicas ai celebradas.
A propósito dos fiéis católicos que, nao estando habilitados para se casar na Igreja Católica, váo procurar a ICAB, observe-se o seguinte: Quem dá a béngáo ao casamento, é Deus..., Deus através dos homens; por conseguinte, se algum casamento
nao pode ser abencoado por Deus visto ser ilegítimo, de nada adianta fazerem os homens o sinal da cruz sobre tal uniáo;
tal sinal da cruz ou tal «béngáo» nao tem valor nenhum; vem — 412 —
IGREJAS BRASILEIRAS «
81
a ser urna pantomina ou urna palhagada; é preciso sempre levar em conta que quem abengoa, é Deus através dos homens; o Senhor Deus é a fonte de toda béngáo, e nao os homens. Estes nao sao «donos» das béngáos de Deus. As consideragóes até aqui propostas seráo corroboradas pelo documento que passamos a transcrever. Trata-se de um parecer jurídico, da lavra do Dr. Ataliba Nogueira, professor emérito da Universidade de Sao Paulo que foi publicado em
eco a urna Carta Pastoral do Episcopado Paulista datada de 8/12/1972. Este documento considera aspectos jurídieo-legais das «Igrejas Brasileiras», evidenciando que tais instituigóes nao tém, perante a lei civil brasileira, o direito de funcionar como estáo funcionando. Eis o teor de tal estudo.
3.
Um parecer jurídico
AS «IGREJAS BRASILEIRAS» INFRINGEM A LEI E O DIREITO «A recente Carta Pastoral dos bispos da Provincia Eclesiástica de Sao Paulo veio esclarecer, mais urna vez, os fiéis sobre as atitudes da chamada 'igreja católica apostólica brasileira'. Alias, dividida hoje em numerosas "¡grejas brasileiras'.
Nenhuma leal'dade há em substituir 'romana' por 'brasileira', pois o que desejam é que haja mesmo confusáo entre a Igreja Cató lica, que é a da maioria do povo brasileiro, e as diversas faccoes q-ue enganam muitos fiéis. Em direito há urna palavra que define bem a atitude dessas igrejas: é malicia.
Ao contrario do que possam supor,
a
expressao
é forte, pois reconhece, em todos os seus atos, a fraude, a vontade de fraudar, de engañar, de fazer-se passar por romana, quando o que faz é afrontar a Igreja verdadeira, insinuando-se sorrateiramente entre os fiéis cristaos. £ maliciosa a 'igreja brasileira'. Dizem os franceses: 'le mal ne veut pas chasser le bien, il veut seulement cohabiter avec luí"'.
i Isto é: O mal nao quer expulsar o bem; quer apenas coabitar com este.
82
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982 O DIREITO CONSTITUCIONAL
A Igreja Católica Romana mantém as melhores relac.5es com as outras confissoes religiosas, tanto cristas quanto nao cristas, respeitadoras do culto, dos ritos, símbolos e outras características da Católica Romana.
Convivem na inteira accepcao do vocábulo ecuménico. Convi vencia fraterna e pacífica, muitas vezes se reunindo sob o mesmo
teto.
Cada qual délas faz questao de guardar a sua individuali-
dade, e mostrar .que se nao confunde com a Igreja Romana. Históricamente vieram para o Brasil muito depois de agui estar a Igreja Romana e com ela nao querem confundir-se.
Por que entáo a 'igreja brasileira' procede em sentido inteiramente oposto as demais confissoes religiosas, buscando ludibriar os
fiéis católicos? Estes conhecem a sua religiáo há qua:e cinco séculos. Buscam-na em todos os momentos, principalmente ñas alegrías e tris tezas, ao nascer um filho, ao casar, ao dar gracas a Deus, ao socor
rer o enfermo e o moribundo, ao sufragar a alma dos entes queridos falecidos.
Pois
a 'igreja brasileira', com reconhecida
malicia,
nao quer
afastar os fiéis da sua Igreja centenaria, mas dar-lhes a impressao
de que é a mesma Igreja que buscam. Sao 'padres', sao 'bispos'; sao templos e altares, pias batismais, sacrários; sao vestes e outros paramentos; sao formularios; sao os ritos, os símbolos, os sacramen
tos, os santos, as festividades. Tudo para dizer ao fiel cristao que se trata da Igreja de seus antepassados, da Igreja que eles que rem.
Pura mentira e mistificacáo.
Por certo constitucional: aos crentes o ordem pública
que inferiere aqui o direito. A comecar do preceito 'E plena a liberdade de consciéncia e fica asegurado exorcício dos cultos religiosos que nao contrariem a e os bons costumes1 (Const. Federal de 1969. art. 153,
§ 5*).
A expressáo constitucional 'ordem pública' significa que os cul
tos religiosos, que gozam de plena liberdade, sao aqueles que respeitam a ordem jurídica e, pois, nao ofendem direitos, nao querem engañar, ludibriar ninguém; nao desejam usurpar direitos de outrem. Nao assumem posicoes capcosas e sofísticas, ardilosas e fraudulentas.
IGREJAS BRASILEIRAS
_J3
Ora que fazem as 'igrejas brasileras' $e nao pretendem passar por 'romana'?
Pode o direito tolerar o exercído de cultos religiosos que sao
apropriacao dolosa do culto de outra religiao? A PRÁTICA CONSTITUCIONAL
A materia ¡ó foi apreciada, quer na esfera federal, quer na estadual.
Em requerimento do finado arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Cámara, o entáo Presidente da República submeteu o exame do caso primeiramente ao Consultor-Geral da República, um dos maiores juristas patrios, o Professor Haroldo Valadao. Extraímos do seu fundamentado parecer o tópico seguinte:
'Cabe á autoridade civil, no exercício do seu poder de policía, alendendo ao pedido que foi feito pela autoridade competente da Igreja Católica Apostólica Romana e assegurando-lhe o livre exercício do seu culto, impedir o desrespeito ou a perturbacao do mesmo culto, através de manifestacoes externas, quais procissoes, missas campáis,
cerimonias em edificios abertos ao público, etc., quando praticadas
pela lgre¡a Católica Apostólica Brasileira com as mesmas insignias, as mesmas vestes, enfim o mesmo rito daquela1 (Haroldo T. Valadao. Pareceres do Consultor-Geral da República, v. III, CXIX, p. 41).
O parecer do Consultor-Geral foi aprovado pelo Presidente da República e publicado, com a respectiva aprovacáo, no 'Diario Ofi cial'. Tornou-se assim normativo para todas as autoridades e fun cionarios federáis.
Quer dizer que Ihes constituí norma obrigatória
de comportamento.
Dirigiu-se a 'igreja brasileira1 ao Tribunal Federal de Recursos, logo no primeiro caso em que as autoridades federáis Ihe impediram
o exercício público do culto com o mesmo rito, as mesmas vestes e pretendendo misturar os mesmos sacramentos da lgre¡a Romana. Perdeu o recurso.
Em nove exame da questáo, o Consultor-Geral da República exarou parecer análogo ao anterior. Nele se lé: 'O Presidente da República, deferindo o requerimento da ljgre¡a Católica Apostólica
Romana e ¡mpedindo que a Igreja Católica Apostólica Brasileira, que
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
nao tem culto próprio, exerca o culto daquela, está cumprindo o art. 141, § 7', assegurando á Igreja Católica Apostólica Romana o
direito de livre exercício do seu culto e nao está violando o art. 31, n* 11, urna vez que nao está embaracando o exercício do culto da Igreja Católica Apo.tólica Brasileira, que nao tem culto próprio a ser embarazado, mas facilitando e garaníjndo o exercício do culto romano, culto da Igreja Católica Apostólica Romana, embaracado pela igreja católica apostólica brasileira... O fato de ter a igreja do impetrante (isto é, a ¡gre¡a brasileira) escolhido e adotado e, a seguir, exercitado (e ainda pretende exercer) o culto romano da Igreja Católica Apostólica Romana, é atentado efetivo ao livre exer
cício do culto desta última, que a Constituicao Federal...
manda-
• Ihe seja assegurado pelo poder público (cf. o mesmo volunte dos Pareceres, p. 47).
Incansáveis, os dirigentes da "igreja brasileira' foram bater as
portas do Supremo Tribunal Federal, cuja decisao deixou claro que nao é permitida a usurpacao do culto católico romano pela 'igreja brasileira' (acórdáo no 'habeas-corpus' n« 4.200).
NO ESTADO DE SAO PAULO Em face da repressao policial, também foi suscitada a quesfao
no Estado de Sao Paulo.
O Secretario da Segutanca
Pública, em
1958, solicitou parecer ao ilustre Dr. Gualter Godinho, entáo Con
sultor Jurídico da Secretaria e hoje Presidente da Justina Militar no Estado de Sao Paulo.
No seu parecer, analisa os falos em face do preceito consti tucional da liberdade de imprensa. Alude principalmente as vestes,
cerimónias, nomenclatura, imagens de santos. E, fundado no poder de policio que compete ao Estado, concluí pelo fechamento de 'tais igrejas'.
Aprovado pelo Secretario de Seguranca
Pública, determinou a
mesma alta autoridade que a conclusáo do parecer fosse aplicada normativamente em todo o Estado (Processo n' 9.950, de 1958, Pa recer n« 259, de 17 de ¡unho de 1958). üifi
IGREJAS BRASILEIRAS
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FATO ESTRANHO
Pouco antes da hora de saída do enterro do ilustre Prefeito Prestes Maia, surgió na cámara ardente um 'bispo', revestido de para
mentos pontificáis. Quando se dispunha a fazer a encomendacáo do cadáver, para ali é levado, por pessoas da familia do morto, Monsenhor Deusdedit de Araujo.
Assim que o 'bispo' viu o pároco das Perdizes, tirou a mitra da cabeza e saiu apressado. £ que Monsenhor Deusdedit era amigo do morto, havia celebrado seu casamento religioso e, a seu pedido, ministrado os sacramentos da Igreja.
Vé-se até que ponto chega a malicia e mistificacao da 'igreja brasileira*.
Além disto, ela infringe a lei e viola o direito».
Este interessante documento vem esclarecer a situacáo jurídica das «igrejas brasileiras», que se tém prevalecido da boa fé e da exigua cultura religiosa do povo brasileiro para se propagar. Tal artificio, a mais de um titulo, ai está a solicitar a intervencáo das autoridades responsáveis pela ordem pública. Estévao Bettencourt O&B.
livros em
estante
."T^
JESÚS DE NAZARÉ: vencedor ou perdedor? pelo Pe. M. P. Lacerda.
— Ed. Loyola, S§o Paulo 1982, 140 X 210 mm, 161 pp.
O Pe Lacerda, lá conhecldo por suas obras sobre a Juventude, apre-
senta agora ao público urna "análise transacional do Jesús histórico" (sub
titulo do livro em foco). A tarefa é realmente algo de original, mas assaz arduo pelos percalcos que encerra. O autor oferece o perfil psicológico
de Jesús com multa finura, citando textos que mostram como Jesús sabia responder a questóes embarazosas, como era firme em suas decisSes, closo
das suas responsabilidades... E concluí: "Jesús de Nazaré se aprésenla como o modelo máximo de Okeldade. Ele é um vencedor, na acepcSo mais plena da palavra: Tende coragem, eu vencí o mundo!' (Jo 16,33) . O fecho do llvro, portante, corresponde a um laudo multo positlvol
— 417 —
86
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 264/1982
Todavia urna questáo de exegese bíblica aflora ao leltor e é repassada ao Pe. Lacerda. Este, ás pp. 553, baseando-se em escritos de Freí Leonardo Boff, afirma que Jesús nao tinha ciencia previa de tudo o que Ihe acontecería na térra, nem mesmo sabia como haveria de morrer: "Qual seria a vontade de Deus para cada momento, nao o podia saber Jesús a prior!. Mas, slm, assumindo a historia com todo o seu teor Imprevisível, fortuito e casual" (palavras de LB, citadas á p. 56). Ora quem aceita tal itse, n9o cita as passagens do Evangelho segundo SSo Jofio ñas quais Jesús afirma ter o conhecimento profundo de sua natureza divina e do
plano do Pai (tais passagens nao le rio saldo dos labios de Jesús, mas te rao sido atribuidas a Jesús pelo evangelista numa elaboracáo teológica, dizem os autores que reduzem a ciencia de Jesús á de um profeta). Acon tece, porém, que ás pp. 27-30 o Pe. Lacerda reconstituí o perfil interior de Jesús sob os títulos "Ele se conhece e se Identifica", "Jesús sabe sltuar-se no espago e no seu ambiente", citando os textos do quarto Evan
gelho em que mais se manifesta a transcendencia de Jesús e o dominio
da sua consciéncia sobre o presente e o futuro: Jo 8,24.28.58: Jo 5,17s.45s; 8,42.54b; 13,19; 14,8-11; 17,3-5; 14,2-6; 15,5; 12.35s.46... Que diremos diante desta aparente incoeréncia?
— O Pe. Lacerda fez multo bem em citar o Evangelho segundo Jofio com toda a sua profundldade teológica, pols esta nao é mera criacfio ou flccSo do evangelista, mas corresponde á realidade Intima ou á conscidncia
psicológica que Jesús trazia. O Jesús dos Evangelhos é o Jesús da fé e é o próprio Jesús da historia. — O que se pode pedir ao Pe. Lacerda, é que reveja as pp. 55s do seu livro e nSo quelra reduzir a consciéncia de
Jesús á de um super-profeta, pois o Filho de Deus, ao se fazer homem, nada perdeu do que tinha no seio da Divindade. O Pe. Lacerda mesmo reconhece a natureza divina de Jesús e afirma: "Nao é válido aplicar sem
mais os criterios de
urna
psicología do homem
comum
áo caso de
Jesús de Nazaré. Jesús foi (e é) verdadeiro homem; entretanto, para fazer essa experiencia profundamente humana que fez, n§o abdicou totalmente de sua condicáo divina. Nao pode, portanto, ser colocado slmplisticamente
sob a observacSo e os criterios de urna Psicología 'onipotente'. urna excecSo que precisa ser respailada" (p. 53s).
Jesús é
S3o estas as observacfies que em poucas linhas e com grande estima
Julgamos dever apresentar ao autor da obra.
Cultura Religiosa, Vol. I: As RelfgISes do mundo, 3? edicSo reformulada,
por Irlneu Wllges. — Ed. Vozes, Petrópolls 1982, 140 x 210 mm, 215 pp.
Este livro é o resultado de cursos ministrados pelo autor em Faculdades do Rio Grande do Sul. Frei Irineu é franciscano e doutor em Teología. A obra comeca por apresentar a nocSo e a fenomenología da Rellgiáo; cita as teses de varias correntes e opta pela posicáo do Pe. GulIherme Schmidt e da Escola Anthropos de Viena, que ó realmente a mais
aceitável. A seguir, o autor expde sintéticamente o histórico e a mensagem
das principáis crencas religiosas e das escolas filosófico-religlosas exis
tentes no mundo: o panorama parece completo, pois abrange tantas as
mais antigás correntes da India como as denominacdes recentes (Johrel, — 418 —
jjvRQá EM ESTANTE
selcho-No-ié, Moonlsmo, Meninos de Deus Candoroblé...); nem foram esquecldas a Maconarlá, a Rosa-Cruz, a Teosofía... O ultimo capitulo
vlrea* soto parSologia. apresentando urna sfntese de suas proposisoes e explicares.
Asslm o livro toma o caráter de urna pequeña enciclopedia das ReNglSes de uso didáticp e claro. Faz-se mister, porém, registrar o capitulo 6.
que aborda o tema «Revelacfic." segundo a escola de Frei Leonardo Boff, relativlzando asslm a Revelacfio bíblica (pp. 180-186).
Cultura Religiosa. Vol. II: Temas Religiosos Atuais, 3? edicáo reformulada, por Irineu Wilges e Olirlo Colombo. — £d. Vozes, Petrópolis 1982 140 x 210 mm, 264 pp.
Este segundo volume continua o anterior, abordando temas teológicos, como fé Jesús Cristo, Igreja, homens, reerncarnacfio, o fim do mundo... Considera também questóes de Moral como ética sexual, divorcio, aborto, pena de morte... Os capítulos referentes aos assuntos teológicos sao redigidos em perspectiva seria e construtiva; apresentam súmulas do pensamento católico sobre as questBes levantadas. O mesmo, porém, nao se pode dizer a respeito dos capítulos 7 e 10 concernentes ao amor e á limltacSo da prole: o respectivo autor, Olírio Colombo, parte do principio de que "a ética sexual nao pode buscar orientacSes na natureza... Somos nos que damos sentido ás coisas... Em funcáo do homem é que podemos dizer se urna coisa é ótica ou nao... A ética sexual deve estar baseada no segulnte pressuposto: a experiencia sexual é humanizante" (p. 69). Este enfoque básico enfatiza demais o papel do subjetivo na avaliacáo moral dos atos humanos e do uso do sexo; em conseqüéncia, o sexo pra-
ticado por amor (subjetivamente entendido ou desligado das leis da natu reza) poderia ser legitimado; o autor nao é claro no tocante ás relacdes pré-matrimoniais; tende a reoonhecer a sua liceldade ñas páginas 73-76, que seo ambiguas ou cheia de ¡nslnuacóes um tanto contraditórlas. No tocante á limitacáo da prole, o autor é francamente favorável aos métodos contraceptivos em geral, sem distinguir entre os que respeitam e os que nao respeitam a natureza humana (p. 86s). Ora tais posicóes nSo correspondem ao pensamento da Igreja, que, após prolongada reflexSo, já se pronunciou contrariamente ás relacóes pré-matrlmonlais (cf. Instrucáo
"Persona Humana" da S. Congregacáo para a Doutrina da Fé, de 22/12/1975) e contra os meios contraceptivos artificiáis (cf. encíclica "Humanae Vitae").
Infelizmente o setor da Moral está hoje em dia penetrado de subjetivismo e antropocentrismo existenclalista, de sorte que a própria palavra oficial da Igreja é posta de lado por quem a deverla respeitar. Sao estas ponderacoes que nos levam a fazer restricdes aos capítulos 7 e 10 do volume em foco. O capitulo 11, sobre o celibato, quase só apresenta o histórico da temática em forma de fichamento, sem mostrar o significado teológico e grandioso do celibato.
Drogas e Drogados. O individuo, a familia, a socledade. Colaboracóes
de Amauri M. Tonuccl Sánchez e outros. — Ed. Pedagógica e Universitaria Ltda., SSo Paulo 1982, 137 x 206 mm, 261 pp.
Eis um livro de alto valor sobre tema candente e delicado. Deve-se a uma equipe de médicos, advogados, psicólogos e educadores, entre os quais aparece o Pe. Paul-Eugéne Charbonneau.
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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS rel="nofollow"> 264/1982
A obra aborda os aspectos clássicos do problema: o médico, o es colar, o sócio-econdmico, o jurldico-policial... Distingue-se, porém, de estudos congéneres pelo fato de colocar a toxicomanía dentro do quadro geral
da socledade (entendida como familia, escola, setor profesional...); a toxi
comanía seria como um Ice-berg que, emerglndo, deixa perceber a existencia de urna realidade muito profunda ou, no caso, de urna problemática social muito ampia: a familia, a escola, os ambientes profissionais estariam táo dissolvidos pela civilizacáo do consumo e a pulverizacáo dos valores fun
damentáis que os jovens já nao perceberiam o sentido"da vida; senlem urna
vazio dentro de si mesmos que eles procuram preencher mediante recursos
artificiáis. Por isso o livro, através de seus diversos artigos, sugere que a
solucáo para o problema das drogas nio é simplesmente de ordem mora lizante ("é proibido...") nem apenas de ordem policial, mas é a redescoberta de que "a vida, embora nio seja fácil, vale a pena de ser vivida"; "o que importa, é a consideracáo de que nao há vidas inúteis nem sacri ficios gratuitos" (p. 70).
Diz oportunamente o médico Dr. Claude Olievenstein: "Nao se pode lutar contra a droga quando se tem urna visáo mecanicista do problema e quando nao nos interrogamos a respeito das motivlcóes dos que se tornam usuarios" (p. XI). Por consegulnte, será preciso "procurar entrever..., no escuro das situagoes, razoes positivas para que se possa voltar a acreditar, voltar a ter esperanca, voltar a confiar no outro. Razdes para querer viver
construtivamente" (p. XIV). Por isto, aos adultos cabe importante fungió na solucáo do problema, funcáo que ó a de "mostrar aos jovens que, em lugar de escorregar pelo plano inclinado abaixo, eles podem subir, crescer, meIhorar, ser. Basta que eles quelram rejeitar a mensagem referida de Sartre' pela boca do seu Roquentln, no que ela tem de negativo, absurdo e des truidor, para querer viver construtivamente" (p. 70).
Em última análise, a sabia mensagem do livro em foco só se concretiza numa perspectiva de fé, e de fé crista; é somente em Deus e por Deus que se pode preencher o vazio da vida e descobrir o sentido da lula ardua de todos os dias. Oestaca-se no conjunto da obra c estudo do Dr. Ernesto Urna Gongalves: "O individuo perante o tóxico" (pp. 53-70).
A prostituicáo em debate. Depoimentos, anáilses, procura de solucSes, por urna equipe sob o patrocinio da Faculdade de Teología Nossa Senhora da Assuncáo (Sao Paulo, SP). Colecáo "Teología em diálogo" ifi 8. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1982, 160 x 230 mm, 96 pp.
Eis urna coletánea de estudos sobre a prostituicáo realizados por es
pecialistas
(Assls Angelo, Frei Barruel de Lagenest,
Irma Margarida de
Moraes Campos e outros) com a apresentacSo do Pe. Dr. Beñl dos Santos,
diretor da Faculdade da Assuncáo em Sao Paulo. Refere dados numéricos e estatfstlcos, episodios históricos ou flashes, documentos emanados no am
biente da prostituicáo assim como resultados de experiencia pastoral e ponderacóes de ordem moral a respeito do fenómeno analisado. A leitura de tal obra é altamente Instrutiva pela farta documentado que oferece ao estudioso, incluindo mesmo os tópicos da leglslacáo bra-
silelra atinentes ao assunto. Em geral, os articulistas apresentam a prostltul(Continua na pág. 344)
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