Ano Xxiii - No. 263 - Julho/agosto De 1982

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatls Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por

numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim nossa

incitados a procurar consolidar crenga católica mediante um

aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio

com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

I 263 Á procura de Deus Os perigos de urna guerra nucle: A familia crista no mundo de he Igreja, política efe •

Os métodos de meditacao oríeni e o cristianismo •

"O poder infinito de sua mente' "Iniciacáo á Teología"

"O homem á procura de Deus"

Ano jubilar — julho-agosto — 196

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

Publicapao bimestral

JULHO-AGOSTO- 1982

N? 263

1957 - ANO JUBILAR - 1982 Diretor-Responsável:

0. Estevao Bettencourt OSB

SUMARIO

Autor e Redator de toda a materia publicada neste periódico Diretor-Administrador:

D. Hildebrando P. Martins OSB

A PROCURA DE DEUS . .

1

A Igreja e OS PE RIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR.

2

"Familiaris consortio":

Administracao e distribuicao:

A FAMI'LIA CRISTA NO MUNDO OE HOJE.

Edicdes Lumen Christi

Na vespera das eleicóes:

Dom Gerardo, 40 ■ 5?and., sala 501 Tel.: (021) 291-7122

IGREJA, POLI'TICA E FÉ

12

28

Na ordem do dia:

OS MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

Caí xa postal 2666

E O CRISTIANISMO

40

20001 Rio de Janeiro RJ

Dez edicóes em dezeuate mesas! "O PODER INFINITO DA SUA MENTE" por Lauro Trevisan

55

Em trinta e tres fascículos:

Pagamento em cheque nominal/visado ou vate postal ás:

"INICIACÁO ATEOLOGIA"pelo "Centro Saint-Dominique" L'Arbresle

Edades Lumen Christi

"O HOMEM A PROCURA DE DEUS" por

Caixa postal 2666

20001 Rio de Janeiro RJ

ASSIN ATURA ANUAL- 1982

Paut-Eugene Chanbonneau

77

LIVROS EM ESTANTE

85

TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO

1.200,00

N? avulso

66

Um livro notável:

200,00

264 - setembro-outubro - 1982

Assinatura comeca no mes da InscricSo

A reforma gregoriana do calendario e novas Renove-a quanto antes

perspectivas Que é o " Opus Dei " ?

COMUNIQUE-NOS QUALQUER MUDANCA DE ENDERECO

"A Nomenklatura" por Micha'el S. Voslensky Objecoes protestantes ao catolicismo

A Igreja Católica Apostólica Brasileira Composicao e ¡mpressSo:

Que é a excomunhSo?

Marques-Saraiva Santos Rodrigues, 240

Rio de Janeiro

Com aprovacao eclesiástica

Á PROCURA DE DEUS O último artigo deste fascículo, comentando importante livro, dá a esta edigáo de PR a sua tónica principal. «O homem á procura de Deus»... Através dos tempos,

muito antes de Cristo até o sáculo XIX, o homem procurou a Deus e manifestou a sua crenga no Senhor. O século XDC, porém, foi o do ateísmo: «Deus morreu!», proclamou •JSfietzsche... e haveria morrido para que o homem deixasse de* ter rival e se tornasse o Super-Homem! Contudo a proclamagáo da morte de Deus acarretou o que o N3o dito pelos primeiros pais trouxe para o género humano; decepcáo e frustragáo (cf. Gn 2-3). Com efeito, ao mesmo tempo que

proclamavam a morte de Deus, os filósofos viram proclamada 1) a sufocagáo do homem nos regimes totalitarios do século

XX, 2) o absurdo da existencia do próprio homem (Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Camus...) e, por último, 3) a morte do homem. «No século XK o problema era a morte de

Deus; no século XX, o problema é a morte do homem» (Erich Fromm).

Estranho fenómeno, porém, ocorre em nossos dias: o

mundo ateu, em vez de encontrar paz e grandeza, sente-se

vazio e inquieto, á procura de um sentido para a vida. É o que atesta o pulular de seitas contemporáneas: nada tém de alta intelectualidade, mas corresponden! aos sentimentos de

angustia e aos anseios de resposta que atormentan* o homem de hoje. Expectativa de fim do mundo, visóes, revelagóes, fuga

para o Nirvana tranquilo, crenga ein, horóscopo... sao expressóes do psiquismo humano que nao consegue manter o seu

equilibrio sem referencia ao Transcendental. O ídolo, e nao o Super-Homem, toma o lugar de Deus!... O homem procura assim suprir a falta de Deus, do verdadeiro Deus, fazendo eco

á perene palayra de S. Agostinho: «Senhor, Tu nos fizeste

para Ti, e inquieto é o nosso coracáo enquanto nao repousa

em Ti!». O homem é realmente como a agulha magnética, que, atraída pelo seu Norte invisivel, só repousa quando se volta para ele, se revela agitada quando desviada do mesmo.

Ao tormento do homem contemporáneo importa responder com a apresentacáo do Deus único apreendido através de urna fé adulta e esclarecida. Muitos nao créem, simplesmente porque

nunca tiveram a oportunidade de conhecer a mensagem crista auténticamente proposta; e sao infelizes por isto.

É em vista deste desafio que PR, pela graga de Deus, vai mais urna vez ao encontró dos seus leitores e do público ledor. E.B.

— 245 —

«PEROUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano XXIII — N» 263 — Julho-agosto de 1982

A Igreja e

Os perigos de urna guerra nuclear Em sintese: De 14 a 18 de dezembro de 1981 cinco delegacOes da Pontificia Academia das Ciencias estiveram em visita respectivamente aos chefes de Govemo dos Estados Unidos da América, da Rússia Soviética, da Inglaterra e da Franca bem como ao presidente da OrganizacSo das Nacóes Unidas. Levavam, em nome do Santo Padre Joio Paulo II, urna mensagem referente á ameaca de guerra atómica que pesa sobre a huma nidade e que poderia por o fim á civil ¡zacao. O documento é transcrito ñas páginas subseqüentes, merecendo toda a atencáo, pois salienta de maneira viva, realista e fundamentada as funestas conseqüéncias que o emprego de armas nucleares pode ter para o género humano.

Comentario: Nao há quem ignore que os grandes países do mundo se váo armando com armas nucleares, de periculosidade sempre crescente. Prevé-se que o emprego de tais armas ponha fim nao somente a determinada nagáo, mas á própria historia da civilizacáo presente. Após tal tipo de guerra nao haverá vencedores, mas seráo todos os beligerantes e nao beligerantes vencidos e exterminados. Esta terrível perspectiva, que nao é remota nem fantasista, tem provocado o zelo de pensadores bem intencionados e, de modo especial, o dos cristáos. Abstragáo feita de interesses políticos, a sobrevivencia da humanidade requer que os povos sejam alertados a respeito da mortífera ameaca que sobre eles pesa, a fim de que contribuam para afastar a catástrofe.

Visto que muito importa ao público em geral conhecer tal

perigo e os esforcos realizados pela Igreja para coibi-lo, apresentaremos abaixo urna noticia de tais esforcos assim como a mensagem do S. Padre Joáo Paulo II enviada ás principáis autoridades governamentais do mundo a tal propósito. *

i Se nao for possível ao leitor ler todo o artigo subseqüente, lela ao menos o texto da mensagem de S. Santidade ás págs. 249-254.

— 246 —

OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR

1.

A atmdode efe Joño Paulo II

Sabe-se que aos 30/11/81 tiveram inicio em Genebra (Suíca) as prímeiras conversacóes entre delegados da Rússia e dos Estados Unidos da América a respeito do desarmamento

nuclear. Ora no domingo 29/11/81, em sua alocucáo do meio-dia, o S. Padre comunicou á multidáo na Praca de S. Pedro o teor de sua intervengáo:

"Amanha as delegacSes dos Estados Unidos e da Uniáo Soviética Iniciarlo em Genebra conversacóes para discutir a reduelo dos armamentos nucleares na Europa. Na véspera de tal encontró enviei mensagem pessoal para exprimir vivo interesse pelo éxito das conversacóes, para as quais se volta com expectativa ansiosa a atencio de milhóes de homens do mundo fntelro.

Juntamente com meus votos, mandel urna palavra de estimulo a fim

de que — gragas aos esforgos comuns dos homens de boa vontade — nSo passe esta ocasiáo sem que se atinjam resultados tais que conso-

lidem a esperanca de um futuro nao mais ameacado pelo espectro de

posslvel confuto

nuclear".

Quinze dias depois, ou seja, aos 13/12/81, o S. Padre,

aínda na alocugáo do meio-dia, voltava ao assunto nos seguintes termos:

"No domingo 29 de novembro fiz referencia á mensagem que enviei aos Chefes de Estado dos Estados Unidos e da Uniáo Soviética, ñas vésperas das conversacóes de Genebra para a rodugao das armas nucleares na

Europa.

Aínda em atitude de profunda preocupacáo pela aterradora hipótese

de urna guerra atómica, pedi ás mesmas autoridades, como também ás da Gra-Bretanha e da Franca e ao presidente da Assembléla Geral das Nacóes Unidas, acolhessem, nos dias subseqüentes, delegacóes da Pontificia Aca demia das Ciencias, encarregadas de ilustrar um documento científico,

fruto de estudo minucioso efetuado pela mesma Academia, com a colaboragao de outros eminentes estudiosos, a emprego de armas nucleares.

respeito

das

conseqüéncias

do

Na verdade, tenho a profunda convlccfio de que, diante dos efeitos cientificamente previstos como decorrentes de urna guerra nuclear, a

única opcSo, moral e humanamente válida, é a reducáo das armas nuclea res, na expectativa de futura e completa eliminacao das mesmas, efetuada simultáneamente por todas as partes intsrossadas mediante acordos explí citos e com a obrigacao de aceitar controle eficaz".

Com efeito, entre 14 e 18/12/81 as referidas delegacóes cumpriram sua missáo junto ás autoridades indicadas, merecendo, da parte destas, pleno respeito e o reconhecimento de que se impóe urna acáo direta apta a sensibilizar todos os homens a respeito do problema da paz mundial. — 247 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

As delegagóes estavam assim constituidas;

A Washington: S. E. Víctor Weisskopf, membro da Academia (1), professor ae Física no Massachusetts Instituto of Technologüy de Cambridge (E.U.A.); S. E. David Baltimore, membro da Academia, professor no Massachusetts Institute of Technology de Cambridge (E.U.A.); S. E. Marshall Niren-

berg, membro da Academia, professor de Genética e Bioquí

mica no National Institutes of Health de Bethesda (E.U.A.); e o Dr. Howard Hiatt, Diretor do Harvard School of Public Health, que participou no grupo de trabalho que realizou o estudo.

A Moscovo: S. E. Christian de Duve, membro da Aca demia, professor de Química Fisiológica da Universidade Cató lica de Lovaina (Bélgica) e na Universidade Rockfeller de Nova Iorque; S. E. Jeróme Lejeune, membro da Academia, professor de Genética fundamental na Universidade de París; S. E. Giovanni Battista Marini Bettólo, membro da Academia, professor de Química na Universidade de Roma e na Univer sidade do Sagrado Coracáo (Roma); e, aínda, o Prof. Nicolai Bochkow, Diretor do Instituto de Genética Médica de Mos covo, que participou no mencionado grupo de trabalho. A París: S. E. Louis Leprince-Ringuet, membro da Aca demia, professor de Física no Colegio de Franca e na Escola Politécnica de Paris; S. E. Pierre Lépine, membro da Academia Pontificia das Ciencias e da Academia das Ciencias do Instituto de Franca; S. E. André Blanc-Lapierre, membro da Academia, professor de Física na Universidade (Paris-Sul); e o R. P. Enrico de Rovasenda, O. P., Diretor da Chancelaria da Pontificia Academia das Ciencias.

A Londres: S. E. Carlos Chagas, Presidente da Acade mia Pontificia das Ciencias, professor emérito de Biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro; S. E. Hermann Alexander Brück, membro da Academia, Astrónomo Real para a Escocia, professor emtrito de Astronomía na Universidade de Edinburgh; S. E. Max F. Perutz, membro da Academia, Premio Nobel, Diretor do Instituto de Biología Molecular da Universidade de Cambridge; S. E. Stanlejy Runcorn, membro iQuando

nSo

se diz mals, trata-so

Ciencias.

— 248 —

da

Pontificia

Acadsmia

das

OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR

5

da Academia, Diretor do Instituto de Física da Universidade de Newcastle upon Tiyne; e S. E. Martín Ryle, membro da Academia, professor de Radioastronomía na Universidade de Cambridge e Diretor do Mullard Radio Astronomy Laboratory.

A Nova Iorque: S. E. Víctor Weisskopf, membro da Academia, professor de Física no Massachusetts Institute of Technology de Cambridge (E.U.A.); S. E. Severo Ochoa, membro da Academia, professor emérito no Instituto Roche

de Biología Molecular de Nutley (E.U.A.); e S. E. Gonind

Khorana, membro da Academia, professor de Bioquímica na Universidade de Cambridge (E.U.A.). Passamos agora a transcrever a traducáo portuguesa do

texto da Pontificia Academia das Ciencias, redigido originaria mente em francés e inglés.

2.

O TEXTO

DECLARACÁO SOBRE AS CONSEQÜINCIAS DO EMPREGO DAS ARMAS NUCLEARES Necessiddde de ¡nformacSo

A 7 e 8 de outubro de 1981, sob a presidencia do Prof. Carlos

Chagas, Presidente da Pontificia Academia das Ciencias, reuniu-se

um grupo de quatorze dentistas espedalizados x, na sede da Aca

demia (Casina Pió IV, Cidade do Vaticano), vindos de diversas partes do mundo, a fim de examinar o problema das armas nuclea res para a sobrevivencia e a saúde da humanidade. Ainda que a maior parte destas

conseqüencias parecam evi

dentes, ¡ulga-se que nao se atende suficientemente a gravidade délas. As condicóes de vida em conseqOénda de um ataque nuclear seriam táo difíceis que a única esperanca para a humanidade i Carlos Chagas, Rio do Janeiro; £ Amaldi, Roma; N. Bochkov, Moscovo- L Caldas, Rio de Janeiro; H. Hiatt, Bostón; R. Latarjet, París; A Leaf Bostón; J. Lejeune. París; L. Leprlnce-Rlnguet, Paris; G. B. Marlnl-Bettólo. Roma; C. Pavan, Sio Paulo; A. Rlch, Cambridge Mass; A. Serra, Roma; V. Weisskopf,

Cambridge Mass.

— 249 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

reside na prevencáo de todas as formas de guerra nuclear. Difundindo e recebendo, em toda a parte do mundo, tal conheciments, poder-se-ia colocar em evidencia o fato de as armas nucleares nao deverem nunca ser empregadas em caso de guerra e de o número délas dever progressivamente reduzir-se de maneira equilibrada. e aprovou

por unanimi-

dade um número de pontos fundamentáis que foram desenvolvidos na declaracáo seguinte.

O grupo ácima

mencionado

discutiu

ulteriormente

Avaliacóes médicas As recentes declaracoes, segundo as quais se poderia vencer urna guerra nuclear e mesmo sobreviver a ela, deixam que aparece urna falta de apreciacáo da realidade médica: qualquer guerra nuclear espalharia inevitavelmente a morte, a doenca e o sofrimento, em proporcoes e numa escala gigantesca, e sem urna intervencao médica eficaz ser possível. Esta realidade leva á mesma conclusao

a que os médicos chegaram a propósito das epidemias mortíferas da historia: só o prevenir consente que se mantenha o dominio da situacao.

Ao contrario

de

urna opiniáo

bom conhecimento da amplidao prego das armas nucleares. E

muito difundida,

possui-se

um

da catástrofe que seguiría o emconhecem-se, igualmente bem, os

limites da assisténcia médica. Se este conhecimento fosse apresentado claramente aos povos e aos seus dirigentes em toda a paríe do mundo, isto permitiría contribuir para ínterromper a corrida aos

armamentos e por conseguinte contribuiría para impedir o que bem poderia ser a última epidemia da nossa civilizacao.

Absoluta ¡mpossibilidade de socorrer as vfttmas As devastacoes causadas pela arma atómica sobre Hiroxima e Nagasaqui fornecem-nos elementos de apreciacáo diretos das sonseqüéncias de urna guerra nuclear, mas dispomos também de nume

rosas apredacóes teóricas sobre as quais nos podemos apoiar. Há dois anos urna seria agenda oficial publicou os resultados de urna apreciacáo e descreveu os efeitos de ataques nucleares sobre cidades de dois milhóes de habitantes aproximadamente.

Se urna arma

nuclear de um milháo de toneladas (a bomba de Hiroxima atingió cerca de 15.000 toneladas de potencia explosiva) explodisse no centro de tais cidades, resultariam, segundo os cálculos, destruicóes — 250 —

OS PERIGOS DE UMA ÚUERRÁ NUCLEAR num

raio de

180

km2, 250.000

mortos 500.000 feridos

V graves.

Entre estes é preciso contar os que sofreriam feridas devidas á respiracao atómica tais como fraturas e graves lesoes dos tecidos moles, queimaduras superficial ou da retina, Ies5es do aparelho respiratorio e

queimaduras

devidas ás

irradiacoes,

com sindromas

agudos e efeitos retardados.

Mesmo ñas melhores condicoes, os cuidados que deveriam ser

prestados a estes * feridos representarían! um esforco médico de urna amplidao inimaginável. O estudo considerara que, em tais cidades ou nos arredores, se se dispusesse de 18.000 leitos, nao haveria

mais de 5.000, aproximadamente, utilizáveis. Só um por cento dos seres humanos feridos poderío portanto ser neles acoihido, mas é necessário notar que, em qualquer hipótese, ninguém estaría em condicoes de assegurar o servico médico que requerem alguns somente dos gravemente feridos, vítimas das radiacoes e dos desa* bamentos.

A ineficacia da assisténcia sanitaria é especialmente evidente se considerarmos tudo o que se requer para os cuidados dos grave

mente feridos.

Citaremos apenas, a título de exemplo, o caso de

um homem de vinte anos, gravemente ferido em conseqüéncia de um acídente de automóvel em que o reservatório de gasolina explodiu. Foi hospitalizado no servico de feridos graves do Hospital de Bostón. Durante a hospitalizacao recebeu 140 litros de plasma pouco antes

congelado, 147 litros de glóbulos vermelhos pouco antes congelados, 180 mililitros de placazinha e 180 mililitros de albúmina. Suportou seis operacoes em que feridas', que se estendiam por 85% da sua superficie corpórea, se fecharam gracas a diferentes tipos de enxertos, inclusive enxertos de pele artificial. Durante toda a hospitali zacao esteve em respiracao artificial. Apesar destes meios excepcionais e doutros ainda, que aplicavam todas as posibilidades de urna das ¡nstituicoes médicas mais completas do mundo, morreu no 33" dia de hospitalizacao. As suas feridas foram comparadas pelo médico responsável ás que se encontram descritas quanto a nume

rosas vítimas de Hiroxima. Se quarenta pacientes deste género houvessem de ser admitidos ao mesmo tempo em todos os hospitais de Bostón, o caso ultrapassaria as capacidades médicas da cidade. Imaginemos agora a situacao se, além dos milhares de pes:oas feri das, as ¡nstalacoes médicas de urgencia estives:em na maior parte destruidas.

O exemplo do Japáo Um médico japonés, o

Professor M. Ichimaru, publicou o

seo

próprio testemunho sobre os efeitos da bomba em Nagasaqui. Re fere: «Procure! ir para a minha escola de medicina em Urakami, — 251 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

situada a 500 metros do hipocentro. Encontrei muita gente que voltava de Urakami. Os vestuarios esfavam em andrajos e pendiam dos corpos pedacos de pele. Pareciam fantasmas, com o olhar inde finido. No día seguinte conseguí penetrar a pé em Urakami e tudo quanto eu conheda desaparecerá. Só tinham ficado as carcacas, de

cimento e acó, das construcóes. Em toda a parte havia cadáveres. A cada ángulo de rúa estavam dornas de agua destinadas a apagar incendios depois das incursoes aéreas. Numc destas dornazinhas, apenas com o tamanho para receber urna pessoa, encontrava-se o corpo de um pobre homem que tinha procurado desesperadamente um pouco de c\gua fresca. Saia-lhe espuma da boca, mas ¡á nao estava vivo. O rumor dos choros das mulheres nos campos devas

tados ia-me seguindo. A medida que me aproximava da escola, vía cadáveres enegrecidos, carbonizados, com a ponta branca dos ossos dos bracos e das pernas saliente. Quando cheguet, havia ainda alguns sobreviventes.

Estavam impossibilitados de se mover. Os mais fortes encontróva m-se táo enfraquecidos que se tinham precipitado no chao. Falava-lhes e eles pensavam qoe escapariam, mas todos afínal iriam morrer ñas duas semanas seguintes. Nunca poderei esquecer como olhavam para mim e como me falavam...».

Deve notar-se que a bomba

lancada sobre

Nagasaqui

tinha

urna potencia equivalente a 20.000 toneladas de TNT, pouco mais do que as chamadas «bombas fóticas» destinadas aos campos de batalha.

Ora

até mesmo estas vísoes

de horror

sao improprias

para

descrever o desastre humano que resultaría de um ataque contra um país com a acumulacao atual de armas nucleares, que sobem a milhares de bombas de urna potencia de um milháo de toneladas de TNT ou mais.

Deploráveis condicSes dos sobreviventes Os sofrimentos da populacáo sobrevivente seriam sem compa ra cao possível. As comuntcacoes, o abastecimento em comida e em agua ficariam completamente interrompidos. Nos primeiros dias, nao poderia ninguém, sem riscos de radiacoes mortais, aventurar-se para

fora dos edificios a fim de prestar socorro. depois desse ataque seria inimaginável.

A desagregacáo social

A exposicáo a doses compactas de radiacoes diminuiría a resis tencia as bacterias e ao virus, e poderia por conseguinte abrir o caminho a ¡nfeccoes generalizadas. As radiacoes atuariam, além disso, sobre numerosos fetos trazendo lesoes cerebrais irreversíveii

— 252 —

OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR

.9

e deficiencias mentáis. E a incidencia de numerosos tipos de cancro nos sobreviventes teria consideravelmente aumentado. Seriam trans

mitidas deteriorizacóes genéticas ás geracóes vindouras, supondo que as houvesse.

Para

mais, o solo e

as

florestas, assim

regióes ¡mensas, seriam contaminados, o

que

como o

gado

reduziria os

em

recursos

alimentares. Poder-se-iam esperar muiros outros efeitos biológicos e mesmo geofísicos nocivos, mas no estado atual dos conhecimentos nao é possível prever com certeza o que eles seriam. Impossibilidade de limitar o confuto Mesmo que o ataque nuclear fosse dirigido só contra as insta-

lacoes militares, seria

igualmente devastador para o conjunto do

país. Porque as insta lacoes militares estáo dispersas, e nao con centradas nalgumas áreas. Deste modo, numerosas armas nucleares explodiriam. Além disso, a radiacáo propagar-se-ia devido aos ventos naturais e á mistura na atmosfera, matando inúmeras pessoas e contaminando ¡mensas regióes. As ¡nstalacóes de saúde de qualquer país seriam inadequadas para atenderem aos sobreviventes. Um exame objetivo da situacóo sanitaria depois de urna guerra nuclear conduz a urna conclusóo única: a prevencáo é o nosso único recurso.

Conclusa» única: prevenir

£ bem evidente que as conseqüéncias de urna guerra nuclear

nao sao somente de natureza sanitaria.

Mas estas obrigam-nos a

considerar a Kcao rigorosa que nos dá a medicina moderna: quando o tratamento de tal ou tal

doenca é sem

efeito, ou entao

se os

gastos sao demasiado elevados, é preciso concentrar todos os esforcos na prevencáo. Estas duas condicSes aplicam-se a guerra nuclear. O tratamento seria praticamente impossível, e as despesas enormes.

Podem-se acaso reunir argumentos mais fortes em

favor de

urna

estrategia preventiva?

A

prevencáo

de

toda

doenca

requer

urna

receita

eficaz.

Reconhecemos que tal receita deve ao mesmo tempo impedir a guerra nuclear e salvaguardar a seguranca. Os nossos conhecimentos e os nossos títulos de investigadores e de médicos nao nos

permitem, naturalmente, falar com autoridade dos problemas de seguranca. Todavía, se os responsáveis políticos e militares funda-

— 253 —

ig

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

rem a sua organizacao estratégica sobre hípóteses erróneas quanto aos aspectos médicos de urna guerra nuclear, nos pensamos nao ter responsabilidades a este propósito. Devemos informá-los, infor

mar toda a gente sobre o que seria o quadro clínico no seu con junto, depois de um ataque nuclear, e sobre a impotencia de a comunidade médica apresentar urna resposta válida. Se nao falássemos, correríamos o risco de nos trairmos a nos mesmos, correríamos o risco de trair a nossa civilizacáo.

A leitura deste documento é por si mesma suficientemente significativa para despertar em todos os responsáveis pelos destinos da humanidade a consciéncia dos horrores de urna guerra nuclear. É precisamente a prospectiva de tal hecatombe que tem levado nao somente o S. Padre Joáo Paulo II, mas também varios bispos e comissóes de bispos católicos e auto ridades religiosas cristas nao católicas a pronunciar-se a respeito de táo horrendo mal. A ameaca é tal que o bom senso concluí: «Nao haverá como remediar. Só resta prevenir en-

quanto é tempo ou enquanto os ánimos dos Chefes de Estado

contemporáneos nao estáo irreversivelmente acurados».

APÉNDICE A guisa de complemento, fazemos ainda mencáo de alguns

dos pronunciamentos mais recentes de religiosos relativos as armas nucleares.

bispos

e

pastores

Em outubro de 1981, o episcopado do Canadá emitiu urna Declaragáo sobre a bomba de neutrónio. Pouco depois o mesmo ocorreu por parte dos bispos da Holanda.

Em nome dos bispos dos Estados Unidos da América, o presidente da Conferencia Episcopal manifestou-se contraria mente á fabricagáo da bomba de neutrónio. Além disto, cerca de trinta bispos norte-americanos se pronunciaran! até agora sobre as armas nucleares.

Na Inglaterra e no país de Gales a Conferencia Nacional do Clero Católico também emitiu declaragáo contraria a tal recurso bélico. — 254 —

OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR

11

Na Italia registraram-se a respeito mensagens da Presi dencia da Conferencia dos Bispos aos 14/09/81, comunicados do Conselho Permanente da mesma Conferencia aos 16/10/81 e urna mensagem dos Bispos das Tres Venezas datada de 1V10/81. Fora da Igreja Católica, assinalam-se:

— a Declaracáo do Conselho Ecuménico das Igrejas de agosto 1981;

— a Declaragáo do Encontró Público Internacional de Informacáo e Discussáo sobre as armas e o desarmamento nuclear, em Amsterdam, aos 23-27/11/81, sob a hégide do mesmo Conselho Mundial das Igrejas; — a Declaragáo da Conferencia de Agáo Urgente das Organizagóes nao Governamentais a respeito da corrida ace lerada aos armamentos em Genebra aos 5-6/08/81, também em caráter ecuménico (católico-protestante): — o Apelo Ecuménico da Franca, em outubro de 1981; ■ — o

documento

Federagáo

Protestante

L'Eglise et Parmament nucléaire,

paróquias da Igreja Protestante Unida da Bélgica;

da

das

— o Apelo final do segundo encontró ecuménico de Logumkloster (Dinamarca), organizado pelo Conselho das

Conferencias Episcopais da Europa e pelo Conselho das Igrejas da Europa aos 16-19/11/81; — o Apelo do Patriarca de Moscou por ocasiáo do Natal

de 1981.

— 255 —

"FamiJiaris consortio":

A familia crista no mundo de hoje

Em sínlese: Na ExortacSo Apostólica "Familiarls Conssortlo" de 22 de novembro de 1981, o S. Padre Jofio Paulo II exprime o seu pensamiento e o do Sínodo dos Bispos de 1980 a respelto da familia. Enquanto certas correntes sociológicas proclamam a "morte da familia" (ao lado da morte de Deus), a Igreja reafirma a valor desta, enfatizando que o futuro da humanidade passa pela familia (conclusSo da Exortacáo). Esta é santa, na qualldade de igreja doméstica, e há de ser preservada dos males que a ameacam: unides livres, divorcio, casamento de católicos tSo somente no foro civil... O documento incentiva os pastores de almas a ajudar os nolvos de pouca fé a desenvolver sua crenca religiosa. Esta existe, ao menos implícitamente, naqueles que sinceramente dese|am o sacramento do matrimonio, embora se dlgam indiferentes á rellgiio; nSo sejam rejeitados a nao ser que se recusem formalmente a aceitar a doutrlna da Igreja referente ao matrimonio. Importa que as familias católicas, convictas de se disponham mais e mals a realizar sua missSo: aqullo que ésl" (n? 17).

seu valor capital, "Familia, torna-te

Comentario: Aos 22 de novembro de 1981, o S. Padre Joáo Paulo II assinou a Exortagáo Apostólica Familiaris

consortio sobre a funcáo da familia crista no mundo de hoje. Tal documento faz eco (as 43 proposigóes formuladas pelo Sínodo dos Bispos de 1980 e já apresentadas em PR 260/1982, págs. 45-66. O S. Padre refundiu tais proposicóes e quis dar-lhes o seu cunho pessoal, transmitindo assim as familias cristas urna mensagem de grande profundidade e extensáo. A Exortagáo compreende quatro partes: 1) Luzes e som

bras da familia de hoje; 2) O designio de Deus sobre o matri monio e a familia; 3) Os deveres da familia crista (entre os quais o da formagáo de comunidade, o servigo & vida, a educacáo dos filhos, a participacáo no desenvolvimento da sociedade, a participacáo na vida e na missáo da Igreja); 4) A pastoral familiar.

De tal Documento esbogaremos alguns tragos importantes,

pondo em relevo principalmente os aspectos pastarais do mesmo, cientes de que grandes linhas da Exortagáo já foram apresentadas quando noticiamos o resultado do Sinodo de

1980. — 256 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

1.

13

O problema (n? 4-10}

A situagáo histórica em que vive a familia, apresenta-se como um conjunto de luzes e sombras; cf. n»¡ 6. Entre os

sinais mais preocupantes deste fenómeno aponta-se o alastramento do divorcio, a aceitagáo do matrimonio meramente civil, a celebragáo do sacramento sem fé viva, a recusa das normas moráis que orientam o exercício humano e cristáo da sexualidade.

Ao verificarem táo bruscas mudangas do comportamento

humano, certos estudiosos tém predito o desaparecimento da

familia. Assim em 1927 o psicólogo John Wilson, em sua análise das tendencias sociais, predizia a morte da familia para

1977. Em 1947 o sociólogo C. C. Zimmerman concluía que á familia se sucederiam outras formas de vida eomum... Em 1971 o psiquiatra David Cooper publicava na Inglaterra um livro sobre a «morte da familia». É de notar que, ao mesmo tempo que tais pensadores previam a morte da familia, outros

proclamavam a morte de Deus: Deus nao teria mais sentido

para o homem moderno; assim a familia e Deus eram asso-

ciados na mente de certos pensadores como valores ultra* passados. Ora hoje em dia verifioa-se que as diversas «teolo-

gias da morte de Deus» morreram ou já perderam a sua voga, ao passo que Deus vive, e vive intensamente na fé dos povos. Quanto á familia, embora ameacada, ela continua a merecer

a atengáo e a estima de numerosas correntes filosófico-religiosas, como bem evidencia o documento em foco.

2.

O designio de Deus sobre matrimonio e familia fn.0$ 11-16)

"Num

momento

histórico em

que

a familia é

alvo

de

numerosas

torcas que a procuram destruir ou de qualquer modo deformar, a Igreja, sabedora de que o bem da socledade e de si mesma está profundamente liaado ao bem da familia, senté de modo mais vivo e veemente a sua

mlssSo de proclamar a todos o designio de Deus sobre o matrimonio e a familia, para Ihes assegurar a plena vltalidade e promocáo humana e crista, contrlbuindo assim para a renovacao da sociedade e do próprio Povo de Deus".

O S. Padre fundamenta a identidade da familia sobre

dois grandes valores: o amor e a comunháo. Sim; chamado ao amor e á comunháo, o homem realiza esta sua vocacáo de duas maneiras: na virgindade e no matrimonio (cf. n* 11). — 257 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

No matrimonio, a doagáo recíproca do homem e da mulher é total, envolvendo corpo e alma. Por conseguinte, a sexualidade nao é em absoluto algo de puramente biológico, mas diz respeito á pessoa humana como tal; é parte integrante do amor com o qual homem e mulher se empenham em favor um do outro até a morte. A doagáo física seria falsa se nao fosse sinal e fruto de doacáo total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensáo corporal, se faz presente. Cf. n» 11. Quanto á virgindade,

é a pérola preciosa que muitos

descobrem e preferem a qualquer outro valor (cf. Mt 13,45s);

oferecendo ao cristáo a oportunidade de íntima uniáo com Cristo, ela mantém viva na Igreja a consciéncia do misterio

(ou do valor transcendental) do matrimonio e o preserva de

banalizagáo ou depauperamento; cf. n» 11.

"Segundo o designio de Deus, o matrimonio é o fundamento da mals

ampia comunidade da familia,

pois

o amor conjugal se

ordena

á

pro-

crlacáo e educarlo da prole, na qual encontra a sua coroacáo" (n? 14).

3.

Os deveres da familia crista
Cinco sao os deveres realgados pelo documento: 1) Formacáo de urna comunidade de passoas, baseada no amor e cimentada por este em termos indissolúveis (a indissolubilidade do matrimonio, como exigencia humana e crista, é enfáticamente afirmada frente & cultura contempo ránea que a rejeita).

Nessa comunidade da familia, a mulher ocupa lugar de especial relevo. Tempos houve em que só se entendía a mulher como esposa e máe, excluida das funcóes públicas. Ora é certo que a igual dignidade do homem e da mulher justifica o acesso

desta as tarefas públicas. Todavía é preciso que nao se avalie a honra da mulher pelo trabalho que ela realiza fora de casa; faz-se mister que se reconheoa o valor insubstituível do tra balho da mulher no lar e na educacáo dos filhos.

"Se há que reconhecer ás mulheres, como aos homens, o dlreito

de ascender ás diversas tarefas públicas, a socledade deve estruturar-se contudo de maneira tal que as esposas e as mSes nao sejam de fato constrangldas a trabalhar fora de casa e que a familia possa dignamente

vlver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar proprio"

(n? 23).

— 258 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE IÍOJE

15

2) O servico á vida compreende a transmissáo da vida e a educagáo dos filhos. A Igreja afirma a altíssima dignidade da transmissáo da vida, considerando-a fruto e sinal do amor conjugal como

também participagáo na obra de Deus Criador e Pai. Daí a rejeigáo do aborto e da intervengáo artificial do homem no natural processo transmissor da vida. A propósito o S. Padre leva em conta a. objegáo segundo a qual a continencia periódica

baseada na observancia do ritmo natural da mulher é táo abusiva quanto o recurso aos anticoncepcionais.

Entre a contracepgáo e o recurso aos ritmos temporais existe urna diferenga antropológica e moral bem mais vasta e profunda de quanto habitualmente se possa pensar,... dife renga- que em última análise envolve duas concepgóes da pessoa e da sexualidade, irredutiveis urna á outra. «A escolha dos

ritmos naturais comporta a aceitagáo do ritmo biológico da

mulher, e, com isto, também a aceitagáo do diálogo, do respeito recíproco, da responsabilidade comum, do dominio de si... Neste contexto o casal faz a experiencia da comunháo

conjugal enriquecida daqueles valores de ternura e afetividade

que constituem o segredo profundo da sexualidade humana,

mesmo na sua dimensáo física. Desta maneira a sexualidade é respeitada e promovida na sua dimensáo verdadeira e plena mente humana, nao sendo nunca usada como objeto que,

dissolvendo a unidade pessoal da alma e do corpo, fere a própria criagáo de Deus na relagáo mais inatureza e a pessoa» (32).

íntima entre a

A Igreja, como Máe, sabe que nao poucos casáis encon-

tram dificuldades para observar tais normas. Ela julga, porém, que essas dificuldades devem ser superadas sem que se falsi

fique ou comprometa a verdade. Escreve sabiamente Joáo Paulo II: «Repito com a mesmíssima persuasáo do meu Predecessor: 'Nao diminuir em nada a doutrina salutar de

Cristo é eminente forma de caridade para com as almas' (Humanae Vita* 29)» (n* 33). Com efeito, nao pode haver auténtica felicidade para o ser humano que fira a verdade; o genuino prazer e a verdade sao valores afins entre si. 3)

A educaba© dos filhos é direito-dever dos genitores,

insubstituível e inalienável. A educagáo deve encaminhar a prole para o cultivo dos valores essenciais da vida humana, entre os quais se assinala «urna clara e delicada educagáo sexual»:

— 259 —

16

«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 263/1982

"A educacáo sexual, direito e dever fuadamental dos país, deva atuar-se sempre sob a sua solicita guia, quer em casa quer nos centros

educativos escolhidos e controlados por eles. Neste sentido a Igreja rea firma a lei da subsidiariedade, que a escola deve observar quando coopera na educagSo sexual, ao imbulr-se do mesmo espirito que anima os país. Neste

contexto

é absolutamente

irrenunclável

a

educacao

para

a

castldade como virtude que desenvolve a auténtica maturidade da pessoa e a torna capaz de respeitar e promover o 'significado nupcial' do cotpo. Melhor, os pais cristSos reservarlo urna particular atencáo e cuidado, discernido os sinais da chamada de Deus para a educacio, para a virgindade como forma suprema daquele dom de si que cons tituí o sentido próprio da sexualidade humana" (n? 37). "A Igreja opóe-se firmemente a certa forma de InformacSo sexual, desligada dos principios moráis, tio difundida, que nao é senSo urna Introducto á experiencia do prazer e um estimulo que leva á perda — ainda nos anos da inocencia — da serenidade, abrindo as portas ao vicio" (n? 37).

Mais ainda: aos genitores cristáos toca também o minis terio da evangelizado e da catequese, pois sao chamados a formar cidadáos do Reino de Deus que comeca na Igreja. 4) A participacáo no desenvolvimiento da sociedade. A experiencia de auténtica comunháo e participacáo iniciada na familia deve abrir-se ao organismo maior que é a sociedade: nesta a familia tem direitos e deveres, que a levam a procurar

servir aos pobres (material e espiritualmente como também a assumir suas tarefas políticas.

entendidos)

"As familias devem crescer na conscléncia de ser protagonistas da chamada 'política familiar' e assumir a responsabilldade de transformar a

sociedade; doutra forma as familias serio as primeiras vitimas daqueles males que se llmltaram a observar com Indlferenca" (n9 44).

5) A participacáo na vida e na missáo da Igreja. Como igreja doméstica, a familia é chamada a compartilhar a missáo salvíficá da Igreja. Essa participagáo, a familia a exerce na medida em que é 1) comunidade que eré e evangeliza, 2) comunidade em diálogo com Deus, chamada a santificar-se e a santificar o mundo mediante a oracáo e a vida sacramental, 3) comunidade de servigo aos irmáos.

4. cem

A pastoral da familia (n.s* 65-85)

Quatro sao os aspectos da pastoral da familia que mereatengáo: os tempos, as estruturas, os agentes e as

situagóes.

— 260 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

1)

17

Quanto aos tiempos, a Exortacáo distingue tres mo

mentos importantes em que a familia deve ser acompanhada: — preparagáo: mais do que nunca se faz necessária a preparacáo dos jovens para o matrimonio. Os jovens bem preparados para a vida familiar tém mais éxito do que os outros. Essa preparacáo comega desde a infancia, quando as crianc.as devem ser induzidas a se descobrir como seres dotados de rica psicología e de personalidade marcada por tragos

positivos e negativos; além disto, requer-se desde a infancia sólida formacáo espiritual e oatequética que saiba mostrar o

matrimonio como genuína vocacáo e missáo sem excluir a possibilidade do dom total de si a Deus na vida sacerdotal ou

religiosa.

celebrábalo do matrimonios seja intensamente vivida pelos nubentes e por toda a comunidade eclesial que lhes assiste, constituindo todos urna assembléia que manifesté e experimente o misterio de Cristo e de sua Igreja. Neste parti cular, póe-se hoje em día o problema dos nubentes que, batizados, dizem nao ter fé ou ter urna fé adormecida; tal questáo espinhosa será objeto de especial atencáo sob o n» 5 deste artigo.

— tempo posterior a odebraoáo. Principalmente os primeiros anos de vida conjugal merecem especial acompanhamento, pois sao marcados pelas dificuldades de adaptagáo á vida comum e de nascimento dos filhos. Por isto os casáis mais experimentados, assim como toda a comunidade eclesial, sao chamados a colaborar para que cada jovem casal se tome realmente urna «igreja doméstica». 2)

Como estruturas da pastoral familiar, enumeram-se

a comunidade eclesial inteira e, de modo especial, a paróquia,

na qual cada familia ocupa lugar especial. Importa que a

Igreja doméstica se saiba e sinta inserida na Igreja universal, comungando com as grandes intengóes e atividades desta. 3) Entre os agentes da pastoral familiar, o documento em pauta enuncia os bispos, presbíteros, Religiosos e Religio

sas, leigos especializados e, aínda, os usuarios e operadores dos meios de comunicacáo social. Estes últimos, como se sabe, costumam

influir profundamente

no

ánimo de quantos os

utilizam, especialmente se jovens, podendo transmitir imagens deformadas e desagregadoras da familia, da religiáo, da mora— 261 —

18

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

lidade e da própria pessoa humana. Ora muitas vezes os casáis

contemporáneos, premidos pela agitagáo da vida que levam, encontram nos programas de televisáo e em certas publicagóes o meio fácil de ocupar as criangas e os jovens. Donde se depreende a necessidade de atengáo vigilante, prudente e crítica a tais cañáis de comunioagáo; procurem avaliar a repercussáo dos mesmos sobre os seus filhos e tentem educar a consciéncia dos jovens para que possam julgar devidamente o que véem ou

léem.

Quanto

aos

produtores,

observava

muito

sabiamente

Paulo VI: «Háo de reconhecer e respeitar as exigencias da familia, o que supóe, por vezes, grande coragem e elevado sentido de responsabilidade... A ofensa aos valores funda mentáis da familia — trate-se de erotismo ou de violencia, de apologia do divorcio ou de atitudes anti-sociais dos jovens é urna ofensa ao bem verdadeiro do homem» (Mensagem para a m Jornada das Comunicagóes Sociais). 4) Situa^oes. Tal é a importancia deste quarto inciso da quarta Parte da Exortacáo em pauta que parece oportuno abordá-lo sob especial subtítulo.

5. Seráo pastores

5.1.

Casos dificéis da pastoral conjugal consideradas

da

seis

situagóes

delicadas

para

os

Igreja.

Divorcio

Verifica-se, em numerosos países, um crescente número

de divorcios e de unióes nao legalizadas, com decréscimo do número de casamentes e certo menosprezo da uniáo conjugal e da familia. Diante de tal situagáo, o Documento pontificio observa: "É dever

fundamental

da

Igreja

reafirmar

vigorosamente —

como

fizeram os Padres do Sínodo — a doutrina da indissolubllidade do matri monio: a quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo Impossível ligar-se a urna pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por urna cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelldade dos esposos, é necessário o alegre anuncio da forma deíinitlva daquele amor conjugal, que tem em Jesús Cristo o fundamento e o vigor.

— 262 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

19

Radicada na doaceo pessoal e total dos cAnjuges e exigida pelo bem dos filhos, a Indissolubilidade do matrimonio encontra a sua verdade última no designio que Deus manlfestou na Revelacio:

Ele quer e con

cebe a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigencia do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que Cristo

vive para com a Igreja" (n? 20).

Como se vé, a doutrina da Igreja nao mudou neste parti

cular, nem pode mudar, pois se trata de proposigáo decorrente do depósito da fé, que é intocável aos homens. Nao raro verifica-se que os fiéis divorciados se unem em

segundas nupcias civis, encontrando nessa nova situagáo a harmonía e o bem-estar que nao conseguiram no primeiro casamento. Daí a tendencia de nao poucos católicos a consi derar legítima essa segunda uniáo: tais divorciados teriam direito a urna cerimónia religiosa para o novo casamento e

seriam admitidos aos sacramentos da Reconciliagáo e da Eucaristía. As razóes para fundamentar atitude táo favorável seriam as seguintes:

1) Urna vez morto o amor conjugal, creia-se que também o casamento está morto. Em conseqüéncia, o auténtico matri monio é o segundo, mais estável do que o primeiro e, por isto, lugar do verdadeiro amor conjugal. 2)

O pecado de ruptura da primeira uniáo e de procura

de novas nupcias há de ser perdoado pela Igreja a quem esteja arrependido

de ter assim. procedido,

mas

nao

possa

nem

restaurar as primeiras nupcias nem abandonar o respectivo companheiro. Nao há pecado irremissível.

3) A nova uniáo, comprovada como estável e enriquecida pelo nascimento de filhos, merece o reconhecimento da Igreja mediante a celebracáo de urna cerimónia religiosa e a admissáo dos interessados á vida sacramental.

O S. Padre nao discute tais argumentos do ponto de vista

teológico

(na verdade,

sao insustentáveis) l, mas encara a

questáo do ponto de vista pastoral, propondo as seguintes observagóes:

»Se a Igreja nSo reconhece a segunda uniSo de divorciados cujos primelros consortes ainda estejam vivos, Ela n8o o faz por proclamar Irremissível algum pecado ou por recusa de misericordia. Ela apenas procura ser fiel a Cristo, que ensinou a indissolubilidade do matrimonio sacramental.

— 263 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

O matrimonio sendo indissolúvel por disposigáo do próprio Cristo (cf. Me 10,5-12; Le 16,18; ICor 7,10), qualquer nova uniáo contraída durante a vida de um dos dois cónjuges é ilícita. Contudo é preciso que os pastores de almas e as comu nidades de fiéis se interessem pela assisténcia religiosa devida aos que vivem ¡licitamente: "Sejam exortados

a ouvlr a Palavra de Deus, a freqüentar o Sacri

ficio da Missa, a perseverar na oracSo, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da Justina, a educar os filhos na fé crlsti, a cultivar o espirito e as obras de penitencia para asslm Implorarem, dia a día, a grapa de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se máe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperanca" (n? 84).

Esta participagáo na vida da Igreja nao deve chegar a ser recepeáo dos sacramentos, como explica o documento em pauta: nao

"A

Igreja reafirma a sua praxis, fundada na Sagrada Escritura, de

admitir

á comunhao

eucarfstlca os divorciados que contrairam

nova

uniáo. Nao podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e as suas condigóes de vida contradizem objetivamente áquela uniáo de amor entre Cristo e a Igreja, significada e realizada na Eucaristía. Há, além disso, outro peculiar motivo pastoral: se se admitlssem estas pessoas

á Eucaristía, os fiéis seriam induzidos sm erro e confusSo acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubllldade do matrimonio. A reconclliacáo pelo sacramento da Penitencia — que abrirla o caminho ao sacramento eucaristico — pode ser concedida só aqueles que, arrependidos

de ter violado

o

slnal da

Alianca e

da fldelidade a

Cristo, estáo sinceramente dispostos a urna forma de vida nio mais em

contradicáo com a indissolubilidade do matrimonio.

Isto tem como conse-

qüéncia, concretamente, que, quando o homem e a mulher por motivos serlos — quals, por exemplo, a educacáo dos filhos — nao se podem separar, assumem a obrigacáo de vi ver em plena continencia, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cónjuges" (n? 84).

Esta última cláusula quer dizer: se os interessados con-

sentem em viver sob o mesmo teto como irmao e irmá,

abstendo-se de relacóes sexuais, poderáo ser admitidos aos sacramentos;, todavía, para evitar o escándalo dos fiéis que os vejam freqüentar a Comunhao Eucarística, recomenda-se a tais pessoas que procurem os sacramentos em lugar onde nao sejam

conhecidos.

No tocante á cerimónia de béncáo para a segunda uniáo, escreve o S. Padre: "O respeito devido ao sacramento do matrimonio, aos próprios cón juges e aos seus familiares, como também á comunidade dos fiéis proibe aos pastores, por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, fazer em favor dos divorciados que contraem nova unilo, cerimónias de qualquer género. Estas dariam a ¡mpressáo de novas nupcias sacramentáis válidas, e conseqüentemente induziriam em erro sobre a indissoiubilidade do matrimonio contraído validamente" (n? 84).

— 264 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

21

No tocante á cerimónia de béncáo para a segunda uniáo, escreve o S. Padre: Tal atitude da Igreja pode parecer excessivamente severa,

de mais a mais que a Igreja Oriental reconhece o segundo matrimonio de quem, sem culpa própria, tenha sido abandonado por seu consorte. Observa entáo Joáo Paulo II: "Aglndo de tal manelra, a Igreja professa a própria fidelldade a Cristo e á sua verdade; ao mesmo tempo comporta-se com espirito ma terno para com estes seus filhos, especialmente para com aqueles que sem culpa foram abandonados pelo legitimo cónjuge. Com firme

confianga ela vé

que mesmo aqueles que se

afastaram

do mandamento do Senhor e vivem agora nesse estado, poderao obter de Deus a grasa da conversáo e da salvacáo, se perseverarem na oracao, na penitencia e na carldade" (n° 84).

5.2.

Unióes livres de faro

Por «unióes livres de fato» entendem-se unióes sem vínculo institucional, civil ou religioso publicamente conhecido. O fenómeno cada vez mais freqüente é estudado em suas causas:

g6es

"Alguns consideram-se quase constrangitíos a tais unlóes por sitúadlflceis

de

caráter

económico,

cultural

e

religioso,

já que,

con-

tralndo um matrimonio regular, seriam expostos a um daño, á perda de vantagens económicas, á discriminacio, etc. Outros, pelp contrario, fazem-no numa atitude de desprezo, de conlestacáo ou de rejeicao da sociedade, do instituto familiar, do brdenamento sócio-politico, ou numa busca única de prazer. Outros, enfim, sao obrigados pela extrema igno rancia e pobreza, ás vezes por condicionamentos verificados por situacóes de verdadelra Injustlca ou também de certa imaturidade psicológica, que

os torna Incertos e duvidosos no contrair um vinculo estável e definitivo. Em alguns países os costumes tradicionais prevéem o matrimonio verdadeiro e próprlo só depois de um periodo de coabitacfio e depols do nasclmento do prlmeiro filho" (n? 81).

"Cada um desses elementos p5e á igreja arduos problemas pastorais, pelas graves conseqüéncias quer religiosas e moráis (perda do sentido religioso do matrimonio a luz da Alianca de Deus com o seu povo, pri-

vacio da graga do sacramento, escándalo grave), quer também sociais (destruicao do conceito de familia, enfraquecimento do sentido de lidelidade mesmo para com a sociedade, posslveis traumas psicológicos nos filhos, afirmacao do egoísmo)" (n9 81).

Alguns desses tipos de coabitacüo sao tidos como «casamentos de experiencia». Esta modalidade de uniáo parece justificada aos olhos de correntes católicas contemporáneas, em vista das quais escreve o S. Padre:

— 265 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"A razáo humana Insinúa a nao aceitado dos matrimonios por expe riencia, mostrando quanto seja pouco convincente que se faga urna expe

riencia em relacáo a pessoas humanas, cuja dignidade exige que sejam elas so e sempre o termo do amor de doagáo sem limite algum nem de tempo nem de qualquer outra circunstancia" (n? 80).

As palavras do texto ácima sao suficientemente claras a ponto de dispensar qualquer comentario. 5.3.

Católicos casados apenas no foro civil

O fato de que muitos fiéis católicos se casem apenas no

foro civil constituí, para a Igreja, grave problema moral e pastoral.

Muitos deles assim procedem, porque nunca tiveram a fé

católica propriamente dita ou, se a tiveram, a perderam; por coeréncia, procuram entáo o casamento meramente civil, visto

que desejam dar á sua uniáo ao menos um caráter público. Deve-se reconhecer em tais pessoas urna certa honestidade, pois desejam que a sua uniáo tenha caráter institucional ou oficial, ultrapassando o foro do meramente pessoal arbitrario.

Todavía pode-se crer que a rejeigáo do matrimonio sacramental significa, em muitos casos, ruptura com a Igreja e quigá com os

valores

da fé.

Outros procuram o casamento meramente civil porque

aínda nao se sentem dispostos a contrair matrimonio religioso ou porque desejam deixar aberta a porta do divorcio no caso de infelicidade conjugal. Nao recusam peremptoriamente o

casamento religioso; julgam que o poderáo contrair um dia

desde que se sintam preparados ou desde que verifiquen! ter dado um passo acertado.

Quanto a situagáo moral de tais cristáos, diz o S. Padre: "A acSo pastoral procurará fazer compreender a necessidade da coeróncia entre a escolha de um estado de vida e a fé que se professa,

e tentará todo o possível para levar tais pessoas a regularizaren! a sua

situacáo a luz dos

principios cristáos.

Tratando-as

embora com multa

caridade, e interessando-as na vida das respectivas comunidades, os pasto

res da Igreja nao poderáo infelizmente admitl-las aos sacramentos" (n? 82). 5.4.

O casamento religioso dos católicos

Muito se tem refletido sobre o caso dos católicos que

pedem o sacramento do matrimonio, mas sao indiferentes a fé ou tém fé lánguida.

— 266 —

FAMILIA CRISTA NO MUNDO t>E HOJE

23

Abordando o problema, adverte primeramente o S. Padre que «a fé de quem pede casar-se na Igreja pode existir em graus diversos e é dever primario dos pastores fazé-la desco-

brir de novo, nutri-la e torná-la madura». Se o sacerdote ou seu representante encontra boa vontade e receptividade por parte dos noivos que se dizem indiferentes ou, ainda, se verifica

que os noivos se dispóem a fazer o que a Igreja eré e ensina a respeito do matrimonio, nao deve rejeitar o seu peduto de casamento religioso; ao contrario, admita-os ao matrimonio sacramental. Importa que tais noivos sejam animados por intengáo reta e sincera, sem a qual, como se compreende, nao

se poderiam casar na Igreja. Eis as palavras do próprio

S. Padre:

"Nao se deve esquecer que esses noivos, pela forca do seu batismo, estSo realmente inseridos na alianca nupcial de Cristo com a Igreja e que, pela sua reta intencáo, acolheram o projeto de Deus sobre o matrimonio e, portante, ao menos implícitamente, quer-sm aquilo que a Igreja faz quando celebra o matrimonio. Portante o mero fato de neste pedido entraren» motivos de caráter social nao justifica urna eventual recusa da celebracao do matrimdnio pelos pastores. De resto, como enslnou o Concilio do Vaticano II, os sacramentos com as palavras e os elementos rituais nutrem e robustecem a fé: aquela fé para a qual os noivos já estSa encamlnhados pela forca da retidSo da sua Intencfio, que a graca de Cristo nao deixa cortamente de favorecer e de sustentar" ítfi 68).

Afastar-se de tal norma

pode

acarretar injustica por

parte dos pastores de almas:

"Querer estabelecer criterios ulteriores de adm¡ss§o á celebracSo eclesial do matrimonio, que deverlam considerar o grau de fé dos nuben-

tes compreende, além do mais, riscos graves. Antes de tudo, o de pro nunciar iuizos infundados e discriminatorios; depois, o risco de levantar dúvidas sobre a validada de matrimonios já celebrados, com daño grave para as comunidades cristas, e de novas Inquietagóes injustificadas para a consdéncia dos esposos; cair-se-ia no perigo de contestar ou de p6r em dúvida a

sacramentalidade de muitos matrimonios de

irmSos

sepa

rados da comunhSo plena com a Igreja Católica, contradizendo asslm a tradicSo ecleslal"

(n9 68).

É claro que, se os nubentes recusam de modo explícito e formal a doutrina da Igreja sobre o matrimonio, nao devem ser admitidos ao casamento religioso:

"Quando, nao obstante todas as tentativas feitas, os

nubentes mos-

tram recusar de modo explícito e formal o que a Igreja quer fazer ao celebrar o matrimonio dos batizados, o pastor nao os pode admitir á celebracáo. Mesmo se constrangido, ele tem o dever de avaliar a situacao e fazer compreender aos interessados que, estando assim as coisas, nao ó a Igreja, mas eles mesmos que impedem a celebracao que, nao obstante, pedem.

— 267 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

Mals urna vez se man ifesta com toda a urgencia a necessidade de

evangelizado e catequese pré e pós-matrimoniais, feltas por toda a comunldade crista, para que cada homem e cada mulher que se casam,

o possam (azer de modo a celebrar o sacramento do matrimfinio nio só válida, mas também frutuosamente"

(n? 68).

Como se vé, o S. Padre preconiza um tipo de pastoral

que procura nao esmagar o canifio rachado nem apagar o pavio ainda fumegante (cf. Is 42,3). Em vez de afastar os cristáos fracos na fé, é mister que o sacerdote os ajude a descobrir a alegría da fé e da auténtica vida crista; casem-se

na Igreja desde que oferegam o mínimo de condicóes exigidas, em vez de se unirem em concubinato. 5.5.

A regulado

da natalidade

A questáo da limitagáo da natalidade e dos métodos respectivos é sempre crucial, mesmo depois da encíclica «Humanae Vitae» de Paulo VI.

Joáo Paulo II reafirma primeiramente a posigáo da Igreja favorável á vida humana: "A Igreja eré firmemente que a vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um espléndido dom do Oeus da bondade. Con tra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida; e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor daquele Sim, daquele Amém que é o próprio Cristo. Ao nao que Invade e aflige o mundo, contrapee este Sim vívente, defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e mortificam a vida.

A Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com urna llrme e mals clara conviccüo, a vontade de promover, com todos os meios,

e de defender contra todas as insidias a vida humana, em qualquer condicSo

e estado de

Por tudo

desenvolvimento em

isto a Igreja

que

condena como

se

encontré.

ofensa

grave á

dignldade

humana e á justica todas aquetas ativldades dos Governos ou de outra3

autoridades públicas, que tentam limitar por qualquer modo a liberdade dos

cónjuges

na decisáo

sobre

os filhos.

Conseqüentemente

qualquer

violencia exercitada por tais autoridades em favor da contracepeáo e ató da esterilizagáo e do aborto procurado, deve ser absolutamente conde

nada e rejeitada com firmeza. Do mesmo modo é de reprovar como gravemente injusto o fato de ñas relacoes Internacionais a ajuda eco nómica concedida para a promoefio dos povos ser condicionada a pro

gramas de contracepcSo, esterllizacáo e aborto procurado" (n? 30).

A

seguir,

referindo-se

á

encíclica

afirma o S. Padre Joáo Paulo II: — 268 —

«Humanae

Vitae»,

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

25

"A doutrlna da Igreja se funda na conexSo lnseparável, que Deua

quis e que o homem nfio pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois

significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procrlativo. E concluí reafirmando que é de excluir, como intrínsecamente desonesta, toda acfio que ou em previsSo do ato conjugal ou na sua reallzacio ou no desenvolvimento das suas conseqüénclas naturais se proponha, como fim ou como meio, tomar a procriacao impossfvel. Quando os cfinjuges, mediante o recurso á contracepcáo, separam estes dois significados que Deus Criador Inscreveu no ser do homem e da mulher e no dinamismo da sua comunhSo sexual, comportam-se como arbitros do plano divino e manipulam e aviltam a sexualidade humana, e com ela a próprla pessoa e a do conjugo, alterando desse modo o valor da doagSo total. lAssIm a linguagem nativa que exprime a reci proca' doacáo total dos conjugas, a contracepcáo Impoe urna linguagem objetivamente contraditória, a do nSo doar-se ao outro: deriva daqui nao

somonte a recusa positiva de abertura á vida, mas também urna falsificado

da verdade

interior do amor conjugal, chamado

a doar-se na totalidade

pessoal.

Quando pelo contrario os cónjuges, mediante o recurso a de Infecundidade, respeitam a conexáo ¡ndivlsfvel dos significados procrlativo da sexualidade humana, comportam-se como ministros de Deus e usufruem da sexualidade conforme o dinamismo da doacao total, sem manipulaos e alteracdes" (n? 32).

6.

periodos unitivo e do plano originario

ConclusSo

Numa fase da historia em que certas correntes socioló

gicas proclamam a «morte da familia», procurando substituti vos para esta, a Igreja exprime a esperanga que ela coloca na

familia: «O futuro da humanidade passa pela familia» (n« 81). Estas palavras, postas no fim da Exortacáo, tém sua resso-

náncia antecipada no inicio mesmo do documento: «O matri monio e a familia constituem um dos bens mais preciosos da humanidade» (n» 1). Sim; é na familia que se realiza de maneira concreta a santificagáo do cotidiano de cada cristáo, visto que a familia é urna igreja doméstica. Resta desejar que a familia crista, convicta da sua dignidade própria e do valor da sua missáo, mais e mais se con forme ao ideal que lhe é proposto, segundo a exortacáo do próprio Papa Joáo Paulo II: «Familia, torna-te aquilo que és!» (n' 17). — 269 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

APÉNDICE

O PROBLEMA DA FAMÍLIA

NA GRECIA

A Grecia é um país cristáo, desvinculado da comunháo com a Sé de Pedro ou cismático. La a Igreja e o Estado tém-se encontrado em bom relacionamento. Acontece, porém, que o Governo socialista de Papandreu desde 1981 pretende legislar sobre matrimonio e familia em termos contraditórios

a Moral crista. Em conseqüéncia, a comunidade ortodoxa da Grecia toma posigáo pública semelhante á da Igreja Católica.

Importa sublinhar este fato, pois de certo modo corrobora a posicáo da Igreja Católica, que, de resto, é baseada nos próprios ditames do Evangelho. Eis a noticia que a propósito divulgou o jornal «O Estado de Sao Paulo» em sua edicáo de 4/02/82, cad. 1», p. 8:

Papandreu em confuto

com a Igreja

ATENAS — As questóes do casamento civil e do adulterio poderáo causar um grave confuto entre o governo socialista do primeiro-ministro Andreas Papandreu e a lareja Ortodoxa Grega, muito influente na Grecia. O Santo Sínodo, órgao supremo da Igreja Ortodoxa, rejeitou o plano do governo para considerar legítimos os casamentos civis, dispensando a obrigatoríedade do ritual reli gioso, pela primeira vez na historia moderna da Grecia. O Sínodo anunciou que «se coloca rao por si mesmos fora da Igreja» aqueles que se casarem dessa maneira, que serao considerados adúlteros. «O casamento sem a béncao de Deus nao é casamento», mas sim urna «coabitacao ¡legítima», advertiu o patriarca metropolitano

de Samos e Icaria, Panteleinon.

gregos

sao

reconhecer o

eristáos

ortodoxos.

casamento civil

Quase 90% A

dos dez milhoes de

Igreja declarou-se

apenas para

os

ateus e

disposfa

a

crentes nao

ortodoxos.

Num esforco para encontrar urna solucSo negociada, houve unía serie de reunioes entre funcionarios do governo e sacerdotes,

mas essas tentativas malograram quando o ministro da Justica, Stavros Alexandris, disse que «o Estado nao negociará sua autoridade legislativa e preparará

a

legislacáo necessária

civil».

— 270 —

para o casamento

FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE

27

Aínda nao está claro em que termos será redigida a legislaForam apresentadas duas propostas: urna tornaría obrigatório o casamento civil e optativa a cerimónia religiosa, e a outra decla

cáo.

raría

igualmente válidos o casamento civil

e o religioso.

A

Igreja

rejeita ambas as propostas. Outro tema de polémica entre a

lgre¡a e o Estado é o plano

do governo de deixar de considerar o adulterio como um crime previsto no Código Penal. Atualmente, o adulterio pode ser punido com urna pena de até um ano de prisáo. A lei também proibe o casamento de um casal declarado culpado de adulterio. O governo argumenta

causa multas dificuldades,

que a lei

a esse respeito

é arcaica e

principalmente quando um dos cónjuges

é estrangeiro. Os gregos ou estrangeiros casados únicamente no civil, no exterior, sao considerados solteiros quando se encontram

na Grecia e seus filhos podem ser declarados ¡legítimos. O marido poderá até mesmo casar-se com outra mulher, na Igreja Ortodoxa. A Igreja Ortodoxa aínda exerce grande influencia na populacáo grega, principalmente no Interior do país, e a maioría de seus crentes considera pecaminoso um casamento que nao seja reli gioso. — (Gillian Whittaker, da agencia AP).

"ENTRE TODAS AS COISAS DIVINAS, A

MAIS

DIVINA CONSISTE

EM

COOPERAR

COM DEUS

NA SALVACÁO DAS ALMAS". S. Agostinho

— 271 —

Ñas vésperas das eleicoes:

Igreja, política e fé

É noticia o fato de que, na perspectiva de próximas eleigóes políticas, certas dioceses do Brasil tém publicado cartilhas visando a suscitar no povo de Deus os principios de urna educagáo política. Nao há dúvida, a intengáo que anima tais obras é louvável, pois importa que os cidadáos brasileiros, por mais modestos que sejam, tenham as condigóes necessárias para participar da vida pública do país, elegando seus repre sentantes nos órgáos do Governo de maneira consciente e responsável, em vez de seguir simplesmente a orientagáo de um chefe ou líder de influencia no seu ambiente. A Igreja toca realizar essa tarefa nao por causa dos interesses de partidos ou grupos que estejam em causa, mas únicamente por razáo das implicacóes moráis ou éticas que as eleigóes

tém para todos os cidadáos. Ao cristáo compete, em consciéncia

ou diante de Deus, o dever de procurar votar em dirigentes e

governantes moralmente dignos, imbuidos de principios cris-

táos e profissionalmente habilitados para promover o bem comum, ou seja, o bem arquitetado pela justiga e pelo senso de fraternidade que devem reinar entre os filhos de urna mesma nacáo. Todos os cidadáos de determinado país háo de

se sentir responsáveis pela implantagáo de urna ordem socio económica humana e reta em sua patria e, se sao cristáos, háo de se empenhar pela observancia dos principios do Evangelho e da doutrina social da Igreja. Ora á Igreja, qual Máe e Mestra, compete colaborar na formagáo das consciéncias, transmitindo as normas éticas que decorrem da mensagem de Jesús Cristo, dissipando dúvidas e incentivando as boas inicia tivas neste setor. Eis por que tém sido dadas a lume cartilhas políticas populares em algumas dioceses do Brasil. Acontece, porém, que nem todos esses escritos vém logrando o almejado efeito; alguns parecem unilaterais ou tendenciosos ou vasados em linguagem político-partidaria. É justamente neste contexto que merece atengáo o documento

elaborado, a pedido do Sr. Arcebispo de Florianópolis (SC), por um grupo de especialistas (sacerdotes e leigos) desejosos de preencher real lacuna na pastoral do Brasil. Tal documento, publicado em fevereiro de 1982, será transcrito a seguir, pois — 272 —

IGREJA, POLÍTICA E FÉ

29

revela atltude serena e objetiva diante de um problema can dente e provooador. Dentro das limitagóes que um texto de tal tipo nao pode deixar de apresentar, exprime as linhas cen tráis do pensamento da Igreja em tal materia. Após a trans-

crigáo do texto, seráo postas em relevo as grandes linhas do mesmo1.

A propósito a redagáo de PR exprime sua gratidáo ao Pe. Paulo Bratti, diretor do Instituto Teológico de Santa Cata rina, um dos principáis autores e responsáveis do documento em foco, o qual cedeu a PR o exemplar respectivo e a autorizagáo para publicagáo.

IGREJA, POLÍTICA E FÉ Pelo Grupo de TrabalJio de Pastoral Política da Arqurdiocese de Floríanópolis

APRESENTACÁO Nos últimos anos, a Igreja no Brasil tem sido muito questionada por causa de certos documentos que tem publicado e por causa de seu posícionamento frente a problemas concretos que afli gen* o povo brasileiro.

Para muitos, Ela

está exorbitando de sua

missao e incursionando em seara alheia. Neste ano de eleicoes, há perigo de que os ánimos se * acirrem ainda mais, deixando, como desagradável conseqüéncia, um

rasto de ressentimento.

Ora, nao é esse o objetivo da Igreja; nossa intencao é criticar construtivamente comportamentos e estruturas, para que os homens refutam e somem suas capacidades na edificacao de urna sociedade mais humana

e mais justa.

Para tanto, resolví convidar um grupo de pessoas, sacerdotes

e leigos, e Ihes solicitei um breve estudo sobre «Igreja, Política e

Fé», a fim de esclarecer o pensamento da

Igreja nesta

materia e

dirimir algumas possíveis dúvidas. £ um pequeño catecismo de pas toral política, apresentado de modo sintético, que pretende, também, estimular a

leitura dos Documentos

nele citados.

materia será divulgada em estilo popular, próprio para em

A mesma

o debate

grupos de reflexao. iQuando a redagao de PR empreendeu a publicarlo do documento

de Florianópolls, ainda nao fora dado a lume o da arquidiocese do Rio

de Janeiro, que por isto nSo pode ser comentado neste número de PR. — 273 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Desta forma, pensó, estaremos dando urna buicáo

á educacáo

política

de nosso

povo,

parcela de contri*

tao necessária

para

que haja mais participacao, e se desperté a consciéncia de corresponsabilidade na construcáo de um

mundo melhor.

Dom Afonso Niehues

Arcebispo Metropolitano

TEXTO 1.

Por que a Igreja, se está preocupando tanto com a política?

R.

Antes de tudo, porque,

a

partir

do Concilio Vaticano II,

se foi firmando a idéia de .que a Igreja nao é urna realidade exis tente fora da historia,

mas sim

o Povo de Deus solidario com os

problemas dos homens do nosso lempo.

Além disso,

em seo trabalho .pastoral,

de urna análise da realidade. realidade,

percebe-se

distribuicáo das

gelho

que existem

riquezas,

a Igreja está partindo

Ora, olhando mais atentamente nossa

que

situacoes

nao estao

de

injustica e de má

de acordó com

o

Evan-

da fraternidade.

Esses problemas nao podem ser resolvidos somente por atoes ¡soladas

de

individuos,

mesmo

de boa

vontade.

mais ampios — estruturais — que requerem

Sao

a acao

problemas

conjunta de

toda a sociedade; requerem, portanto, urna acao política. maneira

Por isso

Paulo VI escreveu que «a acao política

é urna

exigente,

se bem que nao seja a única, de viver

o compromUso cristáo ao

servico dos outros» 1.

2.

Todos os cristáos estao conscientes disso?

R.

Certamente nao.

cáo estreita

nesta.

e

Por ¡sso dizem:

que, ao falar assim, por

sua

Muitos cristáos tém, aínda, urna

pessimista da

omissao,

política,

tida

como

«Nao quero saber de política!» ¡á estao tomando

podem

estar

urna

— 274 —

deso-

Nao sabem

posicao política, pois,

concordando

existente.

concep-

atividade

com

urna

situacáo

IGREJA, POLÍTICA E Fé

31

Há, aínda, os aislaos que separam o campo religioso — que

seria meramente um assunto privado — do campo político, que é

o da vida pública. Infelizmente essa idéia puramente «espiritua lista e privativa» da fé penetrou na cabeca de muita gente. Dentro

dessa mentalidade, a Religiáo e a Salvacao nao teriam

nada a

ver com a vida social.

3.

Que fazer para superar essa visao?

R.

É necessário, antes de mais nada, conscientizar-se de que

o homem é um ser social: ele nao vive só,

mas con-vive.



o

grande filósofo Aristóteles dizia que o homem é um «animal polí tico», porque vive na polis, o que, em grego, significa cidade. A nossa vida crista, portanto, nao se pode reduzir, apenas ao relacionamento inter-pessoal — «eu e Deus» ou «eu e tu» —, pois nosso

próximo sao também as massas humanas. Entao, é preciso olhar nosso semelhante nao somente como um individuo ¡solado, mas como alguém que depende muito do ambiente

e do contexto em

que vive.

4.

Que
R. A resposta está no Documento de Puebla: «A lgre¡a cri tica aqueles que tendem a reduzir o espaco da fé á vida pessoal ou familiar, excluindo a ordem profissional, económica, social ou política, como se o pecado, o amor, a oraeño e o perdáo nao tivessem importancia ai»2. Daí a urgencia de se superar urna «ética individualista» que se preocupa somente consigo mesma. Há muitos

cristáos que tém um comportamento pagao; só pensam em ganhar dinheiro, em

«ter» mais,

em subir na vida

as

custas dos outros.

Essa mentalidade anti-evangélica se difundiu tanto que se ouve di7er com freqüéncia: «Cada um por si e Deus por todos!»...

5.

Quer dizer que nao pode haver um crisíáo apolítico?

R. Nao pode. Os Bispos Catarinenses afirmaram, num Do cumento recente, que «nao é possível a chamada neutralidade polí tica, nem

para a

compoem s.

Igreja-Organizacño, nem para os

pessoas .que a

E que o Evangelho também nao é neutro e, diante de

situacoes de evidentes ¡njusticas e iniquidades, Ele nos obriga a tomar partido. Por isso, todo cristao auténtico será partidario dos — 275 —

32

dPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

valores que constituem o fundamento da paz social: a verdade, a justica, a liberdade e o amor4. Na América Latina os católicos fardo suas as grandes opcoes de Medellin e de Puebla: opcao pelos ¡ovens e opcáo preferencial pelos pobres. Lutarao pela ¡mplantacao da jusiica social e por urna sociedade onde ha¡a verdadeiramente comunháo e participacáo.

6.

Entelo os Bíspos e Padres fambém deveráo fazer política?

R.

Devemos distinguir dois

conceitos

de

política:

I1?) Em sentido ampio, a Política significa a busca do bem comum, da solidariedade, da concordia interna, da justica com

liberdade. Nesse sentido, a Política interessa á l,gre¡a toda.

A Hie-

rarquia — Bispos e Padres — cabe também a tarefa de formar a consciéncia política dos fiéis, ¡á que «nossa conduta social é parte

integrante do seguimento de Cristo» 5.

2?) A Política pode significar, também, a busca do Poder para resolver as questoes económicas, políticas e sociais, segundo urna determinada ideologia. é a «política de partido», .que é o campo próprio dos leigos.

Os

Bispos e Padres, porque «ministros da unidade e homens

do Absoluto», deverao se despojar de qualquer ideologia político-

•partidaria. Um ministro ordenado que se servisse de sua influencia religiosa para impor determinada opcao partidaria estaría cometendo o pecado do «clericalismo», exigindo obediencia num assunto de livre escolha dos fiéis.

7.

Assim sendo, eles «ficant em cima do muro»...

R. Na verdade, a Hierarquia Eclesiástica tem sido últimamente, entre nos, defensora dos direitos humanos e advogada dos que nao possuem voz, nem vez. Nos casos de confuto, longe de se acornódarem na indiferenca, Bispos e Padres se posicionaram claramente a favor dos posseiros, dos operarios, dos indios, sendo por isso censurados, quando nao presos.

Mas a missao dos Sacerdotes nao se esgota na luta pela ¡ustica e vai muito além dos programas dos Partidos. Há outros aspec tos da vida .que precisam ser evangelizados, como as dimensoes pessoal, familiar, cultural, religiosa. Quando, entáo, um Pastor, ao

— 276 —

IGREJA, POLÍTICA E FÉ

33

mesmo tempo em que valoriza a atuacáo política, lembra essas outras dimensSes da existencia — afirmando que, para sobreviver, o homem precisa de pao e de sentido, de ¡ustica e de oracáo —, nao está ficando em cima do muro, mas exercendo um auténtico servico profético.

8.

Portarrto, a política nao abarca toda a vida?

R.

Exatamente.

Por isso

também

Puebla

chama

a atencao

para o perigo de urna «total politizacao da existencia crista» °. Isto acontece quando se absolutiza o engajamento político, quando se ¡ulga tudo a partir de urna ótica política, quando se transportam

para o interior da Igreja análises feitas nos Sindicatos e nos Par tidos, que criam bloqueios e divisoes. Comeca-se, entao, a rotular os homens da Igreja de conservadores, progressistas e moderados; introduz-se a estrategia da «luta de classes» para o ámbito ecle siástico; esvazia-se o sentido sobrenatural da Salvacáo; reduz-se a fé a um ardor puramente revolucionario; incorre-se num maniqueísmo

farisaico, que divide matemáticamente o mundo dos homens entre bons e maus, opressores e oprimidos; esquece-se de que, para além de suas legítimas diferencas políticas, culturáis e ideológicas, os homens sao feitos do mesmo barro, filhos do mesmo Pai e desti nados á mesma meta que é a vida eterna. Estes sao alguns riscos reais de urna exagerada «politizacao».

9.

Qual é mesmo, entfio, a missáo da Igreja?

R. O Regional Sul IV da CNBB, formado pelas oito Dioceses Catarinenses, coloca como objetivo da atividade pastoral «Despertar

todo homem e o homem todo para urna vida de Igreja, onde cada um assuma a missao de anunciar o Reino pela Palavra, pela celebracáo do Misterio cristáo na vida e pelo testemunho, através de urna evangelizacao libertadora que leve á Comunháo e á Partidpacáo» 7. Vé-se que a vivencia crista integral é ampia e abrangente. Deve-se, por isso, evitar todo «reducíonismo» que enxerga só um aspecto: ou só a militando política alienada da vida interior, de unido com Deus, ou só a vida de oracáo, litúrgica e sacramental, alienada dos problemas sociais. O leigo, porém, que alimenta sua fé na meditacáo da Palavra de Deus e na celebracáo eucarística, tem por tarefa própria ordenar e/ou transformar a ordem temporal (economía, cultura, educacáo, meios de comunicacáo social, etc.) segundo o plano de Deus.

— 277 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

10.

No passado nao se falava em transfonnar e, sim, em

R.

conservar...

Ainda hoje a

Igreja deve conservar os valores perenes e

permanentes do «depósito da fé», como: a doutrina da criacáo, a paternidade divina, o misterio do pecado, a redencSo de Cristo, a necessidade da Grasa, o

valor da

oracáo e

dos

Sacramentos, a

vida após a morte, a prática de virtudes pouco apreciadas atualrneníe, como a penitencia, a castidade, a humildade. A Igreja se posiciona, outrossim, contra o aborto e o divorcio, sendo, portanto,

a favor da vida e do matrimonio indissolúvel.

Nesse sentido, Ela

será sempre «conservadora».

Mas, com relacao á organizacáo social, Ela prega realmente

«reformas profundas e audazes» por meios nao violentos8.

é que

reina entre nos urna «pirámide social perversa», com «ricos cada vez mais ricos á custa de pobres cada vez mais pobres» (Joao Paulo II). O modelo adotado em nosso país é concentrador de ren das,

beneficia mentó económico.

O Brasil é

um

dos países recor-

distas em desigualdades entre abastados e miseraveis9. 11.

R.

Como mudar essa situacfio?

A ética crista

nao aceita, como via normal, o

uso da

forca e da luta armada. «A violencia nao é crista, nem evangélica» 10. Também nao basta

mudar os detentores do poder.

O importante

é que o povo se organize: «A organizacao popular é o funda mento de urna sociedade segura e estável»n. Daí a importancia dos chamados «corpos intermediarios», isto é: dos sindicatos, das associacoes de classe e de bairros, bem como das Comunidades Eclesiais de base. Todas essas entidades deveriam ser urna escola

de democracia, sem imposicoes ser veículos de tadora, capazes

com ampia participacáo e liberdade de discussáo, ideológicas. Essas organizacoes populares deveriam legítimas reivindicacoes e de pressáo moral liber de mudar estruturas sociais injustas. Nao é somente

o Governo o culpado dos males que nos afligem. E toda <x socie

dade — por conseguinte, cada um de nos — que precisa converter-se de urna mentalidade egoísta, gananciosa e consumista. 12.

A Igreja íem outro modelo de sociedade a propor?

R. O Papa afirmou aquí no Brasil que «a l,greja, como tal, nao pretende administrar a sociedade, nem ocupar o lugar dos legítimos órgáos de deliberacáo e acño.. . a sua contribuicao espe— 278 —

IGREJA, POLÍTICA E FÉ

35

cífica será a de fortalecer as bases espirituais e moráis da sociedade... é um servico de formacño das consciéncías»12. Em sua

doutrina social — que é parte integrante da concepcao crista da vída a Igreja apresenta caminhos e principios que tém valor universal. Cabe aos técnicos e aos dentistas sociais traduzir em normas e estruturas práticas essas orientacóes.

A Igreja respeita a autonomía das instituicoes civis, como o Estado. Seria retroceder aos lempos medievais se os eclesiásticos se quisessem apoderar do poder temporal ou se os homens públicos fossem tratados como menores. É preciso evitar que, sob o pre texto de profetismo, se volte a criar a imagen) de urna Igreja into lerante e moralizante, .que deíxou de dogmatizar em

lógicas para fazi-lo em questoes políticas.

questoes teo O Conselho Permanente

da CNBB lembrou há pouco que «o desarmamento dos espíritos... a humildade e a conversao sao necessários a todos, inclusive á Igreja» w.

13.

Mas a Igreja tem condenado certos sistemas...

R. £ verdade. Em Puebla, por exemplo, os Bispos latino-americanos condenaram tres ideologías incompatíveis com a vísño crista do homem:

a) O liberalismo capitalista, enquanto considera o lucro como motor essencial do progresso económico, a concorréncia como leí suprema da economía, a propriedade privada dos bens de producáo como díreito absoluto, sem limites, nem obrigacoes sociais correspondentes u¡ b)

O

coletivismo marxista, materialista e ateu, que tem por

motor a luta de classes, visando a atingir a sociedade sem classes, mediante a ditadura do proletariado e do partido.

Todas as suas

experiencias de governo se realizaram dentro do quadro de regimes totalitarios, fechadas a toda possibilidade de crítica ou retificacao;

c) A Doutrina da Seguranca Nacional, que suprime a participacáo ampia do povo ñas decisoes políticas, desenvolve um sis

tema repressivo e impoe a tutela do povo por élites militares e políticos ie. — 279 —

do poder,

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

14.

Existe no Brasil algum Partido que deferida urna dessas ideologías?

R. Teóricamente, nao. Olhando o programa dos diversos partidos notam-se, em todos eles, propósitos e projetos que visam a criar urna sociedade onde ha ¡a mais participacáo do povo e nielhor distribuicáo da renda nacional. Por isto a Igreja no Brasil oficialmente nao faz restricóes a nenhum dos partidos existentes.

Também Ela «nao favorece a nenhum partido em especial» 1B. Por

outro lado, Puebla lembra que «nenhum partido político, por mais inspirado

que

esteja

na

doutrina

da

Igreja,

pode

arrogar-se a

representacao de todos os fiéis, já que seu programa concreto nunca

poderá ter valor absoluto para todos» ". Por isso os Bispos brasileiros disseram que «nenhum modelo é perfeito ou definitivo; todos

sao discutíveis e predsam ser continuamente aperfeicoados» 18. 15. R.

Sim, mas... e na prática? Cabe ao cristao verificar a coeréncia

dos programas par

tidarios com a verdadeira atuacáo dos partidos. Assim, além do programa escrito, é preciso olhar a prática. Nao é segredo para ninauém, por exemplo, que o regime brasileiro dos últimos dezoito anos implantou um sistema capitalista fortemente baseado na dou trina da Seguranca Nacional. De acordó com o modelo adotado, o desenvolvimento económico traz consigo automáticamente o desen

volvimento social. O que nao se tem verificado, pois, apesar do inegável progresso havido, é assustador o número de brasileiros sem térra, sem

educacáo,

sem

saúde, sem

habitacao, sem emprego e

sem alimento.

Desta forma, tanto os cristáos que militam nos partidos de

apoio ao regime que detém

o poder, como aqueles que militam

nos partidos de oposigáo, tém o dever de refletir criticamente sobre

a

situacáo

vigente,

em

confronto

com

os

respectivos

programas

partidarios, cabendo a todos lutar politicamente para que tais pro gramas prevalecam sobre as decisóes casuísticas e deixem de ser relegados a simples intencóes.

16.

R.

Nessa situacáo, como formar a consciéncia política?

Antes de tudo, é preciso fazer um estudo mais aprofon-

dado de nossa realidade.

Em seguida, estudar-se-ao os programas

e propostas dos diversos partidos e candidatos. — 280 _

O cristáo deve

IGREJA, POLÍTICA E FÉ

37

escolher aqueles que estiverem em melhor sintonía com

o pensa-

mento da Igreja, que optou preferencialmente pelos pobres e que postula, entre outras coisas: justica com liberdade, melhor distribuícao das térras, participacao dos trabalhadores nos lucros das empresas, fim

da especulacao ¡mobiliario, combate aos «atravessa-

dores» gananciosos e assim por diante. 17.

Qual a melhor maneira para fazer esses estudos?

R. Existem varias maneiras. Mas, sem dúvida, urna boa consciéncia política será mais fácilmente formada a partir de estudos e

debates realizados dentro de grupos organizados.

Por isto é muito

importante que os cristaos procuren) criar novos grupos de reflexao ou se incorporar aos já existentes nos seus bairros ou Paróquias. Um excelente roteiro de esíudo poderia ser o recente documento

preparado pelo Departamento de Acao Social do CELAM e publi cado no Brasil pela CNBB: «Fé crista e Compromisso Social» (Edicóes Paulinas).

18.

Existem políticos confiáveis?

R. Existem, é claro. Infelizmente, contudo, nossa democracia sofre de males crónicos. A comecar pela maneira de se entender o exercicio do poder. Assim, muitos procuram-se eleger para um cargo

público meramente por vaidade e ambicao pessoal, em busca de auto-promocáo ou defesa de interesses económicos. Outrossim, «impressiona-nos a facilidade com que nossos representantes aumentam

seus salarios, com a anuencia de todos os partidos» 10.

Existem,

ainda, os vicios da politicagem, que sao: as mordomias, o empreguismo, a compra de votos. Essas e outras tradicóes de corrupcáo

dos costumes políticos devem acabar. £ urgente que surja urna nova

geracao de políticos .que encare seu mandato como um servico desinteressado prestado á comunidade. «A fé crista nao despreza a ati-

vidade polilica; pelo contrario, valoriza-a e a tem em alta estima» 20.

Por isto a Igreja exorta os leigos cristaos a se engajarem na atividade política para serem fermento de urna sociedade livre. Somente

com homens novos se pode formar urna sociedade nova. Notas bibliográficas:

1 Paulo VI:

"Octogésima Adveniens" ri> 46.

s Documento de Puebla

(= DP)

n? 515; cf.

"Gaudlum et Spes" n
— 281 —

também Vaticano

II:

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982 3 "A Igreja em Santa Catarina e a conjuntura socio-política" n? 12. <Joáo XXIII: "Pacem in Terrls" nn. 35-36. CDP n? 476. e DP n? 545.

t«A Igreja em Santa Catarina"... n9 11. »"Pronunciamentos do Papa no Brasil (ed. Vozes) n? 700. »Cf. CNBB: "Subsidios para urna Política Social" n? 11. io "Conclusóes de Medellin" n? 15. ii"A Igreja em Santa Catarina"...

n«? 3.

12 "Pronunciamentos do Papa no Brasil" nn. 417, 675, 676. i" 'Reflexáo crista sobre a conjuntura politica" n? 28 (CNBB). i* Paulo VI:

"Populorum Progressio" n? 26.

i« DP nn. 542-550.

ic CNBB:

"Roflexáo crista sobre a conjuntura politica" n? 18.

» DP n? 523.

is CNBB:

"Exigencias cristas de urna Ordem Politica" n? 12.

i»"A Igreja em Sania Catarina"... n"? 14. 20 DP n? 514.

COMENTANDO 1. O documento insiste muito na participacáo de todos os cidadáos na vida política do país. Isto se deve a certa apatía ou indiferenga que grande parte da populacáo brasileira tem experimentado em relacáo á vida pública. A tendencia de muitos é a de cuidar dos interesscs pessoais, familiares ou grupais, sem levar em conta os da comunidade nacional; esquecem, deste modo, que o bem particular e o bem comum estáo em mutua interdependencia. É preciso, pois, que se dissipe o comodismo de uns, o ceticismo ou a descrema de outros em

materia politica, a fim de que todos possam dar a sua contri-

buicáo em favor do bem comum. Tal é a razáo da énfase do

documento sobre a participacáo de todos na vida política.

2. Quanto aos clérigos afirma explícitamente que

(bispos e sacerdotes), o texto

— nao devem cxercer política partidaria, colocando-se ñas fileiras de determinado partido político e militando como políticos alistados, pois quem assim procede se torna membro de urna faccáo contra outras faccóes da sociedade, ao passo que a missáo do pastor é universal, devendo servir aos membros

de qualquer partido político. Aos clérigos, portanto, ou á hieraquia da Igreja compete apenas enunciar os grandes prin— 282 —

IGREJA, POLÍTICA E Ffi

39

cipios éticos de urna política crista, deixando aos fiéis plena liberdade, para que, observados tais principios, se inscrevam no partido que mais lhes parecer condizer com a sua consciéncia bem formada;

— a atividade política, mesmo apartidária, nao é a única

tarefa da Igreja, nem deve inspirar, em caráter exclusivo, as outras tarefas eclesiais. Além dos deveres politioos, e ácima destss, estáo aqueles de ordem transcendental que tocam ao cristáo como cristáo ou á Igreja como Igreja,... deveres que

nenhuma outra instancia ou sociedade cumprirá se a Igreja nao os cumprir, pois foram confiados por Cristo á Igreja como tarefa específicamente sua: tais sao a missáo de aprofundar a fé, aprqgoá-la e transmiti-la ao mundo inteiro na evangelizacáo e na catequese, a missáo de promover a oragáo, a Liturgia, os exercícios espirituais, as práticas de ascese e de conversáo pessoal, a missáo de anunciar as virtudes teologais e moráis em toda a sua amplidáo (mesmo aquelas que sao menos estimadas porque consideradas passivas, como a humildade, a obediencia, a renuncia aos interesses egoístas...). A Boa-Nova confiada por Cristo á Igreja tende a ultrapassar sempre os moldes da tídade terrestre, a fim de elevar as mentes dos fiéis á contemplagáo e á vivencia antecipada dos bens eternos. Será precisamente em nome do Reino de Deus trans cendental já iniciado neste mundo pela graca que o cristáo assumirá com pleno afinco o desempenho da sua missáo tem poral. A pregagáo dos valores transcendentais, longe de contradizer ao exercício de fúngóes profissionais ou rivalizar com

estas, comunica ao cristáo um zelo que nenhuma outra moti-

vacáo lhe inspiraría; sim, por amor ao Reino de Deus o cristáo há de procurar ser excelente profissional em sua cate

goría, pois sobre ele pesam, de certo modo, a honra e a gloria

de Senhor Deus. Apregoando as verdades transeendentais, a Igreja está servindo nao somente a Cristo, mas também ao

homem, pois este foi incoercivelmente feito para a Verdade, a Vida, o Amor, a Bondade..., que nao se encontram plena mente em criatura alguma, mas táo somente no Criador. Sea Igreja silenciasse tais verdades em favor de urna pregagáo exclusivamente voltada para a justiga social, estaría tirando o homem, a quem ela deve servir, pois lhe subtrairia a mensagem mais vital e construtiva a que ele aspira consciente ou inconscientemente.

A propósito pode-se indicar SEDOC, volume 14, n? 149,

marco 1982, fascículo dedicado quase inteiramente á orientagáo política ministrada pela Igreja no Brasil. — 283 —

Na ordem do dia:

Os métodos de meditado oriental e o cristianismo

£m síntese: As correntes orientáis de meditacüo tém penetrado cada vez mais no Ocidente, fascinando muitos cristáos sequiosos de cultivar a mística. Tais técnicas orientáis tém o valor de ajudar o homem a criar harmonía entre corpo e alma, donde resulta mais livre aplicacgo da mente ás realidades transcendentais. Acontece, porém, que as escolas hindufstas de meditacio supóem todas urna filosofía panteísta ou nSo crista, que geralmente ó comunicada pelos mestres orientáis seja explícitamente, seja em termos implícitos e indiretos. é difícil separar as técnicas de meditacfio oriental e a cosmovisao que as Inspirou. Todavía tal dlscernimento já tem sido pratlcado por grandes pensadores católicos como Déchanet OSB, Griffiths OSB, Lasalle SJ, Johnston SJ e outros, com beneficio para fiéis católicos.

Em conseqüéncla, nSo há por que rejeitar as técnicas de meditaceo na medida em que sejam meras técnicas para facilitar recolhlmento, concentracSo, autodominio, respiracSo, digestio de alimentos, sonó,... mas é necessárlo que o cristao desejoso de permanecer fiel á sua fé saiba distin guir exatamente a filosofía pantefsta que geralmente acompanha tais técnicas, da filosofía monoteísta do Cristianismo. O panteísmo implica nao somonte urna concepcüo de Deus, mas também toda urna cosmovisio (inclusive a tese da reencarnacSo) que nSo se concilia com a fé crista.

Comentario: Estáo cada vez mais presentes entre nos as correntes orientáis de pensamento filosófico-religioso, com as suas prátícas de oragáo, meditagáo e ascese. Há mesmo quem,

tendo recebido formacáo crista, procure conciliar a mensagem

de tais escolas com a disciplina do Cristianismo; alguns se interessam apenas pelos efeitos salutaress — físicos e psíqui cos — dessas prátícas, ao passo que outras pessoas chegam a procurar conciliario entre as concepgóes orientáis e a doutrina teológica do Cristianismo.

Como se vé, o fenómeno é muito complexo e admite diversos graus de intensidade. Eis por que o abordaremos com especial atencáo ñas páginas subseqüentes, procurando discer nir até que ponto as técnicas de meditagáo oriental (com a filosofía que as inspira) se podem conciliar com a mensagem

— 284 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

41

e a vida cristas. Em. vista disto, proporemos: 1) breve pano

rama das correntes filosófico-religiosas orientáis; 2) atitudes de pessoas e de grupos católicos diante de tais escolas? 3) confronto entre as práticas orientáis e o conceito cristáo de oragáo.

1.

As principáis correntes orientáis

Enumeraremos quatro escolas, tidas como as mais repre sentativas do pensamento oriental. 1.1.

A MeditacSo Transcendental

(MT) 1

Este é o movimento hinduísta que mais se propagou no

Ocidente. Tem por fundador o mestre Maharishi Mahesh Yogi, nascido em Jubbelpore (India central) de piedosa familia hindú, há quase setenta anos. Aos 31/12/1957 fundou a escola dita de «Meditagáo Transcendental» (MT). Exerceu grande influencia sobre os Beatles em 1967, o que muito lhe aumentou a fama.

A MT se apresenta como a arte de viver cada vez melhor em continua descoberta da felicidade, sem explícita pregagáo religiosa. Propóe sete etapas de concentracáo, que vém a ser sete níveis de consciéncia. A última etapa é o nivel da cons-

ciéncia pura ou da mente cósmica: dá acesso ao ponto origi

nario da experiencia transcendendo o nivel do pensamento consciente. Urna das técnicas fundamentáis da MT é a repetigáo automática de um mantra (palavra ou fórmula sánscrita,

que, como dizem os seus adeptos, possui eficacia vibratoria espiritualmente

benéfica).

Maharishi organizou um plano de difusáo universal e

acelerada das suas técnicas — o que resultou em ampia pene-

tragáo da MT nos mais diversos ambientes desde o lar, onde atinge a dona de casa, até as Universidades, passando por grupos jovens, centros psicoterapéuticos, etc.

i Referimos o pensamento de Manarlshl Mahesh Yogi sem comenta

rlos. Sup6e, como veremos, urna filosofía pantefsta; dar a diflculdade de ser entendido por um leitor ocldental, formado segundo a filosofía monoiefsta da Biblia.

— 285 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Em nivel científico, a MT é urna das correntes mais estudadas por pesquisadores ocidentais (psicólogos e fisiólogos). Já se realizaram Congressos internacionais sobre a MT, aos quais compareceram dentistas Premio Nobel. O físico L. Damash em 1972 apresentou á Universidade da California um estudo sobre a mecánica da MT e a mecánica quántica (cf. C. TORRES, la meditación transcendental, em Psicodeia n' 7, págs. 26-30) '. 1.2.

«Haré Krishna»

Em 1965 Bhaktivedanta Swami Praghupada, após urna serie de estudos universitarios, peregrinagóes e experiencias religiosas, foi da india para Nova Iorque, a fim de difundir no mundo o culto de Krishna, divindade professada pelo antigo politeísmo, que continua a sobreviver na filosofía panteísta das atuais escolas de espiritualidade da India. Fundou a ISKON (Associagáo Internacional para a Consciéncia de Krishna), que em 1977, quando morreu Bhaktivedanta, já estava difun dida no mundo inteiro.

A ISKON, á diferenga da MT, tem mensagem e finalidade estritamente religiosas. A sua técnica fundamental consiste em se repetir constantemente o mantra «Krishna», de modo a perfazer um mínimo de 2754 prolacóes por dia; quem se entrega a esta prática, chega a continua identificagáo com a vontade divina e adquire consciéncia profunda da realidade divina que cerca o homem; assim é despertada a «consciéncia espiritual» do individuo. Os fiéis de Krishna sao obrigados a alimentagáo vegetariana, abstinencia de álcool, castidade fora

do matrimonio e uso do casamento apenas para fins de

procriagáo.

Em alguns países, os membros da ISKON se organizam

em comunidades rurais, inspiradas no estilo de vida dos Vedas, ou seja, na harmonía do homem com a natureza: «Urna vida pura, centrada em Deus, mantida com a agricultura... é a

solugáo védica para o caos que submerge a sociedade moderna» (Kitorno a Krishna, ano IV, n* 1, p. 1).

i é importante observar o emprego do termo "mecánica" para exprimir

a técnica da MT.

A p. 295 voltaremos ao assunto.

— 286 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

1.3.

43

Yoga

A palavra sánscrita yoga significa originariamente uniáo

ou integragáo. A escola Yoga procura precisamente realizar tal uniáo ou harmonía dentro do próprio homem (entre o corpo e o espirito), como também entre o homem, de um lado, e o mundo que o cerca e Deus, do outro lado.

A fim de realizar tal objetivo, a Yoga propóe diversos caminhos ou técnicas, que se tornam modalidades da Yoga: assim o Mantra-Yoga, que procura repetir incessantemente urna palavra sagrada; o Hatna-Yoga, que ensina diversas pos turas físicas e exercícios de respiracáo; a Jnana-Yoga, que cultiva o conhecimento e a sabedoria; o Karma-Yoga, que pre coniza a salvagáo através da atividade; a Bhakti-Yoga, que apregoa a dedicagáo á Divindade; o Kundalini-Yoga, que procura despertar a poderosa energía harmónica do homem mediante concentracáo sobre diversos pontos da espinha dorsal. A modalidade mais conhecida da Yoga é a Baja-Yoga (Yoga real), que póe a tónica sobre o controle da mente.

Além do que, pode-se dizer que muitos mestres yoguis concebem e transmitem aos discípulos um método próprio para chegar á harmonía total.

A característica fundamental de qualquer técnica de Yoga é a educagáo da consciéncia, que deve aprender a concentrar-se

sobre determinado ponto: partes do corpo, a própria mente e suas disposigóes ou ainda Deus. Os graus supremos do pro-

gresso yoghi levam o individuo á máxima harmonía, ou seja, ao desapego de qualquer valor que escravize ou desequilibre a

pessoa; donde resulta a uniáo-identificagáo com a divindade (Samadhi).

A Yoga admite, como dito, ampio Ieque de modalidades, das quais algumas se apresentam como meras escolas de ginástica e outras sao falsificagóes ou deturpagóes da auténtica mensagem yoghi.

A Yoga exerceu sua infléncia sobre escolas de psicología

moderna, como a de C. G. Jung, a de Schultz (com seu training autógeno), a sofrologia de Caycedo, a terapia gestáltica de F. S. Peres e de John O. Stevens.

— 287 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

1.4.

O Zen

O Zen é um movimento de fundo budista, originario do

Japáo, onde teve inicio em 1200 d. C. como conseqüéncia de urna filtragem da tradicüo budista chinesa.

O Zen tem em mira o conhecimento experimental da realidade do «aqui e agora» sem recurso a conceitos lógicos ou mentáis. Ensina a «pensar o nao pensar», isto é, a suprimir o fluxo de conceitos e raciocinios da mente — o que equivale a urna «meditagáo sem objeto»; a meta final deste processo é a iluminacáo da mente ou satori, algo de semelhante ao samadlii da Raja-Yoga. Para receber esta iluminagáo, a mente deve comportar-se como um espelho isento de qualquer mancha ou imagem: «O espelho carece, por completo, de eu e de preocupacóes. Quando se apresenta urna flor, ele reflete a flor. Quando se apresenta um pássaro, ele o reflete. Mostra que um objeto belo é belo e que um objeto feio é feio. Tudo nele se reflete como é. O espelho nao tem mente que discrimine nem consciéncia de si» (Z. Shibayma, On Zazen Wasan, Kyoto 1967, p. 28). O Zen recomenda, como postura do corpo, o zazen, isto é, a posicáo sentada e a respiracáo controlada, que favorecem o esvaziamento da mente. A figura mais representativa do zen é o Dr. Daisetz Teitaro Suzuki, professor de Filosofía Budista na Universidade Otani de Kyoto durante muito anos. Suzuki manteve diálogos interessantes com personalidades do mundo ocidental, como Cari Gustav Jung e Thomas Merton; varios de seus livros e artigos foram traduzidos do japonés para línguas ocidentais. 1.5.

Movimientos independentes

Há outras correntes de espiritualidade hindú que nao se reduzem a alguma das anteriores. Tém por referencial um gurú, que cria o seu sistema próprio, servindo-se de elementos

orientáis mesclados, por vezes, a dados da cultura e da ciencia ocidentais.

Dois desses mestres merecem particular atencao:

1) Krishnamurti. Nascido no Sul da India, foi educado na Inglaterra; tornou-se o fundador do «estilo independentista» na década de 1920. Passa por um Sócrates moderno, que nao — 288 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

45

quer ser chamado mestre nem sabio; nada pretende ensinar de sistemático, mas percorreu a América, a Europa e a Asia recorrendo á técnica do diálogo que chega a propor aos inter locutores perguntas para as quais eles nao tem resposta; assim Krishnamurti leva os ouvintes a .um silencio intuitivo. 2) Bhagwan Shree Rajneesh. Nasceu de familia janita (budista) em Madya Pradesh no ano de 1931. Diz-se que aos 20 anos conseguiu chegar a iluminagáo, isto é, a intuigáo do Absoluto que é o termo da via yoghi. Ensinou Filosofía em Bombaim durante quinze anos e finalmente em 1947 fundou em Poona um ashram (= mosteiro) capaz de receber milhares de pessoas. As técnicas ensinadas por Rajneesh sao sincretistas, compreendendo elementos dos antigos Vedas, do Zen, do gnosticismo cristáo, do sufismo mugulmano, do taoísmo, da psicología das profundidades... Rajneesh também nao quer ser chamado mestre nem fundador de escola, pois horroriza qualquer codificagáo ou institucionalizagáo.

Em junho de 1981, Plajneesh causou enorme susto aos monges do ashram de Poona, pois desaparece» sem se despedir previamente. A noticia espalhou-se através da imprensa, sus citando as mais diversas explioagóes: Rajneesh teria fúgido com o cofre cheio de milhóes de dólares,... teria viajado para ser operado da coluna vertebral,... teria saído para procurar

levar vida anónima,... teria abandonado tudo para usufruir do seu harem particular...! Na verdade, parece que o funda dor comprou terrenos ñas proximidades de Nova Iorque para fundar ai novo ashram. Quanto ao de Poona, foi-se desmante lando de modo que os seus membros se espalharam em diáspora 'pelo mundo.

Passemos agora ao exame das

2.

Tentativas de diálogo e síntese

As reagóes dos cristáos aos movimentos de espiritualidade oriental nao tém sido uniformes. Há quem as recuse como alienantes ou destituidas de compromisso social ou como narcisistas interessadas em procurar a satisfagáo pessoal dos seus adeptos ou ainda como formas de falsa mística. — 289 —

46

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2G3/1932

Todavía nao tém faltado vozes que procurará o diálogo e a eventual conciliacáo entre as escolas hinduístas e a espiritualidade crista. A propósito podem-se citar 1) a Declaragáo Nostra Aetate do Concilio do Vati cano n, que se manifestou em termos genéricos sobre as religióes nao cristas: "As demais religISes, que se encontram por todo o mundo, esforgam-se, de diversos modos, por ir ao encontró da inquietado do espirito humano, propondo caminhos, isto é, doutrinas e regras de vida, como também ritos sagrados. A Igreja Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nessas

religióes. Considera com sincera atengáo aqueles modos de agir e viver, aqueles preceitos e doutrinas. Se bem que em multos pontos estejam em desacordó com os que ela mesma tem e anuncia, nao raro, contudo, refletem lampejos daquela Verdade que ilumina a todos os homens. Anuncia e vé-se ela de fato obrigada a anunciar incessantemente o Cristo, que é caminho, verdade e vida, no qual todos os homens podem encontrar a plenitude de vida religiosa e no qual Deus tudo reconciliou consigo" (n
2) A Federacáo das Conferencias Episcopais da Asia (FABC) reunida em sua segunda assembléia plenária de 19 a 25 de novembro de 1978, houve por bem pronunciar-se sobre a oracáo nos seguintes termos: "O Espirito impele as Igrejas da Asia a integrar no tesouro da nossa heranca crista'o que há de melhor ñas nossas (da Asia) tradicionais formas de oracáo e de culto. A Asia tem multo que dar a auténtica espiritualidade crista: um método de oragáo desenvolvido, que solicita a pessoa ¡nteira na

sua unidade de corpo-psique-espirito; urna oracáo de profunda interioridade e imanéncia; tradicóes de ascese e renuncia; técnicas de contemplacao que

se encontram ñas antigás rellgldes orientáis como o Zen e o Yoga; formas simplificadas de oracáo, como o man-Japa e o bhajans, e outras expressoes

populares da fé e da piedade da parte de quantos, na sua vida cotidiana, voltam verdaderamente para Deus os seus coracóes e a sua mente" (trans crito de "La Civlltá Cattolica" 3159, 6/02/82, p. 254).

3) Sabe-se também que nos últimos tempos se registraram encontros inimagináveis há cinqüenta anos atrás; assim os Papas tém recebido patriarcas do budismo da Tailan dia, do Laos e do Japáo, o Dalai Lama, chefe do budismo

tibetano, além de gurús e swamis da India e do Tibe. Também

se tém realizado encontros de monges católicos e monges do

Oriente nao cristáos, a fim de compartilhar experiencias e estilo de vida.

4) É preciso salientar também os autores católicos que tém escrito livros resultantes de sua vivencia em contato com monges e mlestres hinduístas: — 290 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

47

— um dos primeiros é o Pe. J. M. Déchanet O. S. B., que

em 1956 publicou «La voie du silence» (A via do silencio). Detém-se sobre os exercícios de Hatha-Yoga e a sua aplicacáo á meditagáo crista;

— o Pe. Enomiya Lassalle S. J. foi o primeiro pensador católico a entrar em diálogo com o Zen do Japáo. O seu livro «Zen: um caminho para chegar á própria identidade» veio a

lume em 1965 e foi traduzido para oito línguas. Procura mos trar como se aplicam as técnicas do Zen á meditacáo crista. Em outra obra — «O Zen» —, o autor compara a linguagem do Zen com a dos místicos católicos;

— os

monges

beneditinos

Henri

Le

Saux

(Swamí

Abhishiktananda) e Beda Griffiths sao fundadores de núcleos monásticos na india que procuram a aculturagáo, ou seja, a adosáo de elementos da tradigáo mística hindú dentro de um contexto de vida monástica e de oracáo cristas. Na obra «Yoga e contemplagáo», Griffiths apresenta urna experiencia de

oracáo hesiquiasta concentrada sobre a repeticáo do nome de Jesús;

— o jesuíta Anthony de Mello é autor do livro «Sadhana», no qual propóe varias técnicas de meditacáo inspiradas nos moldes hinduístas e destinadas ao aprofundamento das ver dades da fé crista;

— Thomas Merton, monge trapista, é outro notável par ticipante do diálogo com o hinduísmo. Faleceu precisamente

aos 10/12/1968 durante o primeiro Congresso dos Superiores monásticos do Extremo Oriente em Bangcoc. Deixou, entre outras obras, «O Zen e os pássaros do desejo», coletánea de

diálogos de Merton com o Dr. Suzuki. Em sua última carta a

respeito do monaquisino budista tibetano escrevia:

"Multas mosteiros, sejain da Tailandia, sejam do Tibe, parecem viver o mesmo género de vida adotado em Cluny na Idade Media: os monges sao estudiosos, bem formados, tomam parte freqüentemente na liturgia e nos ritos sagrados. Mas também sao especialistas na meditafáo e na con-

templacao. lito é o que iríais me atrai".

Procuraremos agora salientar as características da medi

tacáo crista para mostrar como esta se diferencia da budista por suas concepcóes teológicas. Por último examinaremos até que ponto as técnicas hinduístas sao valiosas para o cristáo que

ora.

— 291 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

3.

Meditagao crista: características

Eis os quatro pontos que vém ao caso:

1) Encontró com Deus pessoal: Pai, Filho e Espirito Santo. O adjetivo «pessoal» nao significa o que á primeira vista insinúa, isto é, um Deus configurado ao homem, com rosto, barba, máos e pés... «Pessoal», no caso, quer dizer: um Deus dotado de conhecimento e amor, distinto do mundo e do homem como o Criador (= Aquele que é por si) é distinto da criatura (= aquilo que é por outrem). O Deus do Cristianismo nao se identifica com o mundo nem com o homem: nao é urna substancia neutra, que se condense em seus «avatares» ou que

se parcele em cada homem ou que espalhe centelhas pelas criaturas; tal é a concepcáo hinduísta, panteísta, á qual se opóe a concepcáo monoteísta do Cristianismo. Quando o cristáo ora, dirige-se a Deus, que é Pai. Este Pai é transcendente, inefável e indizível, mas também intimamente presente as cria

turas pelo fato de que as sustenta continuamente na existencia: «Superior summo meo, intimior intimo meo. — Elevado ácima

do que tenho de mais elevado, mais íntimo do que o meu íntimo», dizia S. Agostinho (t 430). Nota-se que por vezes as

preces hinduistas apresentam um diálogo com a Divindade; ora

numa concepcáo panteísta estrita tal diálogo nao teria sentido; ele só é viável pelo fato de que no panteísmo hinduísta ficaram vestigios do politeísmo primitivo e da mitología da India. O hinduísta espera chegar, na etapa final de seus exercícios, á fusáo com o Todo, a Energía Universal..., o que

implica extingáo da personalidade (do eu, do tu, do ele) e mergulho na Realidade. — A concepcáo crista, do seu lado,

tem em vista a uniáo crescente com Deus, urna comunháo de vida cada vez mais intensa e íntima com o Pai, o Filho e o Espirito Santo, mas salvaguarda sempre os traeos típicos do

eu humano; Deus nao absorve nem extingue a identidade da

criatura; esta, pelo fato mesmo de ser criada, nunca se poderá fundir com o Criador.

2)

MediagSo de Jesús Cristo.

Deus se fez homem em

Jesús Cristo, de tal modo que por Jesús homem o cristáo terá

acesso a Deus Filho, e por Deus Filho a Deus Pai. Esta yer-

dade implica, para o cristáo, urna concepcáo positiva e otimista da historia; esta é o cenário no qual Deus se revela ao homem; — 292 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

49

ela vem a ser mesmo o discurso de Deus ao homem, que teve

o seu auge na plenitude dos tempos ou na encarnagáo do Verbo. Por isto o crístáo estima a historia e as criaturas que sao os agentes ou a moldura da historia; esta se encaminha e dilata como um cone para a plenitude da verdade, da vida, do amor..., quando Cristo, encabecando toda a humanidade, entregará o Reino ao Pai (cf. ICor 15,24).

Outro é o conceito hinduísta de historia. Esta, em. tal caso, parece algo de cíclico e monótono, destituido de signifi cado. Consta de sucessivas reencarnagóes de homens transgressores das leis do bem e apegados iá materia; o grande afá do hinduísta é libertar-se do corpo, da materia é, por conseguinte, da historia.

A meditagáo crista é voltada para Cristo, «o caminho, a verdade e a vida» (cf. Jo 14,16). É na procura da intimidade com Cristo que o cristáo comega sua ascensáo aos cumes da perfeigáo e á contemplagáo face-a-face da Beleza Infinita ou do próprio Deus (cf. Uo 3,ls; ICor 13,12). Urna passagem do

Apocalipse exprime nítidamente a agáo mediadora de Cristo

na vida mística do cristáo: «Eis que estou á porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo» (Ap 3,20). As técnicas da meditagáo podem ajudar a abrir a porta ao Cristo, que exercerá a sua agáo santificante e transformadora no discípulo dócil e disponível.

3)

Ora$áo e graga, A oragáo é graga ou dom de Deus

ao homem. Nao é este quem, por seus esforgos, conquista a

perfeigáo espiritual ou a uniáo com Deus, a semelhanga de um

faquir, que por seu treinamento físico e espiritual consegue

realizar proezas estupendas. É Deus quem tem a iniciativa de amar a criatura e, por conseguinte, de se dar ao homem: «Ele

primeiro nos amou», diz o Apostólo (Uo 4,19), ou aínda: «É

Deus que produz em nos o querer e o agir segundo o seu beneplácito» (Fl 3,13). Esta prioridade da agáo divina em nos está longe de excluir a resposta livre e generosa do homem;

mas, na verdade, nao é Deus quem responde ao homem, e, sim; é o homem quem responde a Deus. Estas afirmagóes da fé crista, á primeira vista muito lógicas, sao de difícil aceitagáo, pois tiram ao homem a presungáo de conquistar o beneplácito divino e a perfeigáo espiritual em virtude do seu «gigantismo» espiritual. — 293 —

50

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Outra é a posigáo do orante hinduísta. Já que nao conhece a nogáo de um Deus distinto do homem, nao pode conceber a graga de Deus que venha em auxilio da criatura frágil e lhe prepare a salvagáo. O hinduísta seria, aos olhos do cristáo, um pelagiano ou um dos monges sequazes do cristáo Pelágio, para quem a natureza humana era suficiente para prover á sua salvagáo.._

4)

Psicoterapia ou renuncia © convcrsao?

Nao raro as

técnicas de meditagáo orientáis sao apresentadas e utilizadas como fatores terapéuticos psicossomáticos; quem as pratica, procura alivio ou bem-estar do corpo e da alma. — Ora reconhecemos que a oragáo crista pode produzir tais efeitos ', mas é preciso afirmar que ela tem, antes do mais, um caráter reli gioso ou o significado da procura de uniáo com Deus; esta implicará sempre conversáo interior, renuncia, mortificagáo. Nao há santificagáo sem aceitagáo da cruz. Mais: é mister dizer que mesmo urna oragáo realizada na aridez e na noite escura da mente ou dos sentidos tem pleno valor; ela resulta da fé viva, que nao busca compensagáo nem consolo, mas se aplica

á procura de Deus exclusivamente por causa de Deus. Nao há dúvida de que quem assim procede está também atendendo á sua plena

realizagáo

e

felicidade,

nao,

porérn,

em termos

sensiveis e imediatos.

5) Técnicas de meditacS» e amor. A oragáo crista nao é urna técnica, mas urna questáo de amor a Deus. É o encontró religioso do Deus vivo (At 14,15) com e no Filho do Deus vivo (Mt 16,16). Esta assergáo decorre do conceito cristáo de Deus; se Deus nao é urna forga neutra nem a Energía Cósmica, mas um Tu que tem a iniciativa de dialogar com o homem, está claro que a uniáo com Deus nao se fará propriamente na

base de receitas ou fórmulas técnicas, mas na proporgáo do amor que o eu do homem dedique ao Tu de Deus; a oragáo será sempre o relacionamento variegado e multiforme de filnos

com o Pai. Em conseqüéncia, as técnicas tém o seu valor, para

o cristáo, na medida em que o ajudem a disciplinar a memoria,

a fantasía, os sentidos e afetos..., valor de instrumento ou

iAs obras de Norman Vincent Peale e as de alguns autores católicos apresentam quase exclusivamente a oragáo como fator pacificador da alma, silenciando o significado primeiro da oragáo, que é o de adorar e agradecer a Deus.

— 294 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

51

meio que pode e deve ser flexivel ou adaptável ao tipo de cada personalidade; essas técnicas poderáo mesmo ser mais e mais postas de lado na medida em que o cristáo se vir íntima e espontáneamente unido a Deus.

Ao contrario, ñas escolas hinduístas de meditagáo, cujo conceito de Deus é impessoal (=Forca Cósmica), as técnicas se revestem de importancia capital, pois vémj a ser quasé fórmuías de biología e bioquímica sem as quais nao se capta a Energía almejada. Tenha-se em vista, por exemplo, que Maharishi Mahesh Yogi se apresenta como arauto da «vía mecánica» do encontró com Deus (cf. p. 286 deste artigo). Este adjetivo «mecánico» decorre do panteísmo professado pela Meditagáo Transcendental e pelas escolas congéneres.

6) Oracáo a Deus e amor ao próximo. A oracáo crista é inseparável de amor ao irmáo, pois, se alguém ama a Deus, deve necessariamente fazer transbordar esse amor sobre os

demais filhos de Deus. Por isto, a capacidade de doar-se aos

semelhantes enfermos, sofredores e abandonados será sempre pedra de toque da autenticidade da oragáo de um cristáo.

O mesmo nao ocorre nos círculos de meditagáo hinduísta. Estas, em virtude do seu conceito mesmo de historia e vida temporal, nao se surpreendem com a miseria e a fome do corpo, pois importa que o orante se desvincule da materia e dos seus lagos o que provoca certo desinteresse pelo bem-estar material dos semelhantes.

4.

Métodos hinduístas: vantagens e desvantagens

Ao enunciar as características da meditacáo crista, indica mos também as diferencas desta em relagáo as escolas de oracáo orientáis.

Interessa-nos agora por em relevo os eventuais beneficios que do contato com o Oriente possam resultar para a oracáo crista, como também os perigos e as desvantagens que decorram dessa aproximagáo. 4.1.

Vantagens

Enumeraremos dois pontos principáis: 1) Harmonía de corpo e alma. As técnicas orientáis toca o grande mérito de por em relevo o papel e a funcáo do corpo na vida de oragáo. O ser humano nao medita nem ora só com — 295 —

K|

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

a mente; queira-o ou nao, o corpo integra a pessoa e participa de tudo o que esta faz. Ora as técnicas orientáis apresentam diversas vías para harmonizar o corpo em sintonía com o

espirito ou para fazer a unificacáo

(Yoga)

do ser humano;

sejam entendidas nesta perspectiva as posturas do corpo do orante, os exercícios de respiracáo, as dietas e receitas de alimentagáo...

que os orientáis praticam. Numa linguagem

crista, diríamos ainda: sejam assim compreendidas e abracadas asi práticas de ascese, o jejum, a abstinencia de carne, a sobriedade de porte, a disciplina da lingua, a pureza da mente...

táo recomendadas pela Tradigáo crista. Sena dúvida, o contato dos cristáos com o Oriente há de contribuir para avivar nos discípulos de Cristo a consciéncia do valor de tais práticas; estas sempre foram usuais na Igreja e sao indispensáveis em todos os tempos a qualquer pessoa (crista ou nao crista) que se queira aproximar de Deus, pois contribuem para amainar as

paixóes e libertar a mente desejosa de se aplicar a oragáo.

Em nossos tempos, a ascese tem sido silenciada e esquecida

por certas escolas de espiritualidade ocidental; a debilidade das saúdes, a agitacáo da vida' mbderna, o sopro do hedonismo, a influencia do freudismo... tém contribuido para tanto, com detrimento para a genuina vida de oragáo e a espiritualidade em geral. Possa esta lacuna ser de novo preenchida pela influencia da espiritualidade oriental!

Mesmo um ateu que se sujeite a um regime de vida sobria

e sadia só poderá ser beneficiado por este na formagáo de sua personalidade e na descoberta de Deus, que se faz sempre

presente a quantos com sinceridade procuram o bem, a retidlo

e a pureza da mente. Numa época como a nossa, em que as

pessoas tanto se entregam a medicamentos e drogas para alcanzar serenidade e paz, o recurso as técnicas orientáis aparece como vantajoso substitutivo de tais produtos farma céuticos. _

2)

Inefabilidad^ de Deus. O contato com as correntes

orientáis de espiritualidade é apto a lembrar ao cristáo a inefabilidade e transcendencia de Deus. O pensamento ocidental, propenso ao uso e abuso da razáo (donde o racionalismo), tende, por vezes exageradamente, a compreender Deus e as

coisas de Deus em discursos lógicos e silogismos. Será preciso recordar com a Tradicáo crista grega que é mais fácil dizer o que Deus nao é do que afirmar o que Ele é. Ora os orientáis nao cristáos podem avivar nos cristáos a consciéncia desta verdade.



— 296 —

MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL

53

A experiencia ensina que a adogáo das técnicas orientáis

de oragáo acarreta, para o cristáo, dois perigos: 4.2.

Perigos

1) As técnicas supóem e sugerem freqüentemente a filo sofía panteista que inspirou os seus primeiros praticantes indianos. Em alguns casos, logo de inicio os mestres hinduístas revelam claramente aos discípulos ocidentais as suas concepgóes filosóficas e religiosas; assim, por exemplo, na Haré Krishna, Em outros casos, porém, tal manifestagáo se faz indireta e

ocasionalmente; embora o mestre nao tenha a intengáo1 de

transmitir nog5es de filosofía, estas, nao obstante, transparecem aos poucos através das suas instrugóes; tais instrugóes se acham intimamente ligadas com as premissas filosóficas que moveram os seus criadores. Em conseqüéncia, muitos cristáos, desejosos de guardar fidelidade aos seus principios religiosos,

se encaminham para a Hatha-Yoga, por exemplo, no intuito exclusivo de praticar ginastica e técnicas corporais; tem acon tecido, porém, que paulatinamente váo absorvendo concepcóes incompatíveis com as do Cristianismo a ponto de terem que optar por sua fé originaria ou pela cosmovisáo panteista que Ihes foi subliminarmente comunicada. Deste fato decorre a

necessidade de que cada cristáo saiba discernir claramente técnicas de meditagáo e principios filosóficos hinduístas, assu-

mindo aqueles (se o quiserem) e deixando de lado a filosofía panteista. Tal discernimento é plenamente viável, como o demonstram as obras de Déchanet, Griffiths, Lasalle... atrás citadas.

2) As técnicas orientáis praticadas de maneira exagerada ou sem acompanhamento médico, em vez de beneficiar, tem

prejudicado os seus adeptos no plano psíquico como também

no físico. Tais efeitos negativos tém ocorrido também quando as pessoas se orientam apenas por escritos ou livros de medi tagáo sem interpretacáo oral da parte de um perito. Também se devem mencionar charlatáes e mestres pouco habilidosos, que tém prejudicado seriamente os seus seguidores, como o

demonstra o testemunho de dois praticantes da meditagáo transcendental publicado em PR 232/1981, págs. 190-197. Concluscto

O estudo dos métodos orientáis de meditagáo leva a entrever ai um panorama assaz complexo, que requer, da parte

do cristáo, a virtude do discernimento ou da prudencia. O — 297 —

54

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Cristianismo tem-se enriquecido em contato com tradicóes e culturas nao cristas; será preciso, porém, que os discípulos de Cristo saibam descobrir com sabedoria o que nelas é conciliável

com a verdade revelada, e o que a esta contraria. As palavras «mística, oragáo, meditacáo, encontró com o Absoluto...» sao

suscetíveis de sentidos diversos, de acordó com a filosofía de quem as profere; faz-se, pois, mister que o cristáo nao se

precipite ao encalgo de qualquer proposta de «mística», mas, antes, examine racionalmente e á luz da fé crista a mensagem

que lhe é oferecida, a fim de que possa crescer homogéneamente na intuigáo do Senhor Deus que se revelou aos homens através

do Evangelho.

Nao raro os cristáos procuram fora da espiritualidade da Igreja o que Esta tem a lhes comunicar em abundancia, simplesmente porque nunca foram iniciados na mística crista. Esta conta seus grandes mestres e suas escolas com métodos próprios de meditagáo: o inaciano, o sulpiciano, o beruliano, o

carmelita, o afonsiano..., além da longa e densa tradicáo ascético-mística do monaquisino, que tem suas origens nos padres do deserto (século IV) e se ramificou sob diversas formas até os nossos dias.

A propósito sejam citados:

BALLESTER S J.. M,. Le tecnlche di meditazlone oriéntale di fronte alia meditazlone cristiana, em «La Civiltá Cattolica" n? 3159. 6/02/82, págs. 246-261.

ÍDEM, Oración profunda, camino de integración. Madrid 1979. BERGONZI, M., Inchiesta sul nuovo misticismo. Roma-Barl 1980.

HAUSHERR, I., Priere de vie, vie de priére. París 1964. AUTOR DESCONHECIOO, A nuvem do Desconhecido. Sio Paulo 1981.

PENNINGTON, B. M., Deus ao alcance das máos. Experiencias reli giosas praticas. Sao Paulo 1980.

— 298 —

Dez edigóes em dezessele meses!

"O poder infinito da sua mente" por Lauro Trevlsan

Em síntese:

O livro em foco aprésenla o poder da auto-sugestao e

dos condicionamentos mentáis, que podem realmente obter para o individuo auténticos sucessos, pols o libertam de bloqueios e o predispóem a agir com facilidade e desembarazo. As doencas, psicossomáticas como sio. exigem do paciente confianca e otimismo para que as possa superar. Tais verdades sao indlscutíveis. Acontece, porém, que o autor do livro exagera

o seu alcance, afirmando que alguém se pode tomar rico, sadlo ou feliz

em seu casamento... se o quer ou se concebe disposicSes de otimismo.

Mais (e Isto é multo grave): o autor utiliza expressoes francamente pan-

teístas, identificando o homem com a própria Divindade — o que nao se

coaduna com a doutrina crista. A Divindade nao é parte do homem nem o homem é uno com ela, como professa L. Trevisan. O autor concebe a Divindade como energía cósmica ou onda poderosa com a qual o individuo

tem que sintonizar para apreender os efeitos benéficos dessa energía. Em conseqüéncia, o livro parece fadado a atrair muitos leitores pelo otimismo que comunica, mas iludirá a quantos nao perceberem que estio sendo levados para concepcóes panteistas.

Comentario: O livro de Lauro Trevisan é mais um, dos que procuram ensinar a descoberta da felicidade através do controle da mente. Chega a usar a expressáo «estado alpha» (= de concentragáo), muito freqüente nos cursos e escritos do

Silva Mind Control (cf. PR 256/1981, págs. 221-223). Daí o

grande éxito que vem obtendo. Na verdade, L. Trevisan propóe sucessos estupendos a quem saiba orientar e controlar seu subconsciente. Todavía a leitura do livro suscita interrogagóes e hesitacóes no plano filosófico a quem o perscrute atenta mente. Sao estas indagacoes que as páginas subseqüentes exporáo, depois de referir sucintamente a tese do autor.

1. 1.1.

O conteúdo do livro

Onipoténcta da mente

L. Trevisan estabelece o principio de que «pensar é poder»

(cf. págs. 29-31). Mais precisamente: pensar é «programar» ou

enviar projetos ao subconsciente; se esses projetos forem nítidos — 299 —

gg

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

ou isentos de qualquer oscilacáo, eontradicáo ou medo, o subconsciente se encarregará de materializar tais concepcóes, dando realidade concreta ao que era apenas idéia mental. O sujeito nao se deve preocupar com os meios necessários para fazer do seu sonho urna realidade; basta que sonhe e acredite nos seus sonhos, convencendo-se de que se tornaráo realidade.

Repita mesmo freqüentemente de si para si, projetando em sua

tela mental a imagern do objeto desejado: «Um dia terei um

belo apartamento» (p. 26) ou «Possuirei um carro, embora nao saiba como o hei de pagar» (p. 26) ou «Farei um casamento feliz» (p. 155), e na verdade tais previsóes aconteceráo. Eis algumas passagens típicas do livro: "Um método eficiente para vocé alcancar o que deseja, é o seguinte:

coloque-se numa posicao confortável, relaxe, feche os olhos, respire profun damente, ritmadamente, algumas vezes, e acalme a sua mente. Agora crie um pequeño filme mental.

Se vocé deseja ter um Amor na vida e casar, crie o seu filme mental, vendo-se colocar a alianca no dedo de sua amada. Forme urna cena nftida e vivida na sua tela mental; veja-a agora, colocando a alianca no seu dedo. Passe este filmezlnho para o seu subconsciente á nolte, quando val dormir,

já deitado na cama. Repita-o algumas vezes por dia.

A Imagem aceita pela mente consciente se grava de forma mais profunda no subconsciente e a repeticao ajuda a reforjar com mais vigor a

grava$So mental.

O resultado desejado acontecerá.

A tel Irreslstível da atracáo e da materlalizacáo da Idéia Imaginada Ihe oferecerá a grata alegria de um grande Amor e um belo casamento" (p. 155).

"Tudo o qué é pensável, é realizável. Tudo o que é desejável, é

realizavei.

Inclusive seus sonhos" (p. 25).

O autor nos diz ainda o seguinte: «Tudo o que um ser humano pode, todos os outros podem» (p. 22). Por conse-

guinte, se alguém pode ser rico de bens materiais, se outra pessoa pode gozar de boa saúde, se um terceiro é capaz de ser bem sucedido nos negocios, se um quarto individuo pode ser feliz no casamento, isto quer dizer que todos, indiscriminada mente todos, podem ser simultáneamente ricos, sadios, prós peros nos negocios, bem sucedidos em seu casamento... Se nem todos conseguem todos esses bens, nao culpem outras — 300 _

«O PODER INFINITO DA SUA MENTE»

57

pessoas, nem a inflacáo, nem as leis do Governo, mas saibam que sao responsáveis pessoalmente por nao terem aproveitado

as energías do subconsciente que os levariam a conquistar todos esses beneficios.

1.2.

Preces e fé

O estado de oracáo seria estado de concentragáo mental atrás descrito. Chega a citar textos do Evangelho que incutem a eficacia da oracáo, para demonstrar que o condicionamento mental é sempre infalível; cf. p. 32 (Mt 7,7: «Pedi e recebe-

reis»); p. 35 (Mt 9,29: «Seja feito conforme credes»); p. 48 (Le 11,9; Mt 6,5-7); p. 50 (Jo 14,12; 11,41).

O estado de oracáo sería estado de concentragáo mental em nivel alpha. Donde se vé que oracáo, no decorrer do livro, nao é o que sempre em linguagem crista se entendeu por tal

conceito (adoragáo, louvor, expiagáo, súplica a Deus, que é Pai), mas é simplesmente urna tomada de consciéncia ou um estado psicológico. Tenha-se em vista o seguinte trecho:

"Quanto mais profunda a sua concentracSo e mals passiva estlver a sua mente consciente, mals fortemente vocé gravará no subconsciente o seu pensamento.

Como em estado de profundidade mental diminuem as reaedes con

trarias da mente consciente, com mais facilidade e seguranca, voce CRs QUE VAI ALCANQAR...

Este é mais um requisito para o atendimento: crer que, pelo fato de pedir, Já está alcanzando.

Crer é ter certeza. Quando vocé duylda, está mandando duas ordens contrarias ao subconsciente: urna é a ordem daqullo que vocé deseja e pede, e outra é o sentimento hesitante de que talvez seja atendido" (p. 49).

Tem-se assim a impressáo de que a oragáo nao é propriamente um diálogo com o Pai ou o grande Tu do homem, mas é um processo mecánico, cujo segredo ou cuja fórmula desconhecida é preciso descobrir e aplicar fielmente. Quem se condiciona devidamente em seu íntimo, está infalivelmente obtendo o efeito almejado. Para ilustrar esta afirmacáo, o

autor propóe exemplos tirados do plano da mecánica ou da realidade físico-química de seres impessoais. — 301 —

58

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982 "Acreditar é aceitar definitivamente urna coisa como verdadelra. Vocé, por exemplo, acredita que a agua molha e nunca Ihe passou

pela cabeca qualquer especie de dúvida quanto a isso. O pedreiro acredita que, fazendo urna mistura de areia, agua, cimento e pedras, o resultado será urna massa forte de concreto. Sua fé nesse resultado é táo definitiva que nem espera para ver se vai dar certo ou nao.

A cozinheira acredita que, colocando um ovo no fogo, o ovo endurece, ao passo que a manteiga, em contato com o fogo, se derrete. Este é um principio sobre o qual a cozinheira nao duvida. A mente também tem as suas leis

e os seus principios que nunca

falham, quando usados corretamente; por exemplo, o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza. Isto quer dizer que tudo o que vocé pensa, deseja e acredita que vai acontecer, acontece obligatoriamente. O Mestre Jesús, que conhecia todas as leis universais, ]á há dois mil anos ensinava este principio, quando dizia: 'Pedi e recebereis'" (p. 32).

2. De quanto foi dito, depreende-se que também o conceito de fé nao corresponde ao da teología clássica («adesáo a Deus que se revela ao homem»), mas é simplesmente «a certeza de que o seu pensamento é verdadeiro» (p. 32). O autor raramente aprésenla o homem em relacionamento pessoal (de eu a tu) com o Pai do céu. Os exemplos de oragáo que oferece, sao simplesmente fórmulas declaratorias, como a que se segué:

"Se vocé orar com conviccio absoluta esta prece afirmativa: 'A Pre

senta Infinita que está em mim e que sabe tudo sobre tudo e sobre todos, me guia e 'me protege', entao nada de ruim pode acontecer-lhe" (p. 39; cf. págs. 30. 95.150).

Por isto a fé é caracterizada como a única «forma de acionar o Poder Divino» (p. 32): «Quando vocé acredita em alguma coisa, o seu pensamento se dirige apenas nessa diregáo, e entáo aciona o Poder Infinito, que está dentro de vocé, e o Poder Infinito cumpre» (p. 36). A nogáo de «acionar o Poder Divino» é nítidamente ins

pirada pelas concepgóes da eletricidade e da eletrónica. É por

isto talvez que no livro se encontra algumas vezes a expressáo «oragáo científica» (cf. p. 150). Apenas esporádicamente o autor apresenta fórmulas de oragáo concebidas como diálogo (cf. p. 98).

L. Trevisan explica melhor a sua nogáo de fé quando escreve:

— 302 —

tQ PODER INFINITO DA SUA MENTE»

59

"A lé é urna forca Irresistfvel imánente em vocé; no fundo é a própria Forca Divina existente em vocé. Esta Forca age, nfio movida por aparatos exteriores mas pelo seu pensamento. Lembre-se que acreditar é aceitar o seu pensamento como verdadeiro, quer ele seja, de fato, verdadeiro ou nao" (p. 36).

Passamos assim ao conceito de Deus. 1.3.

Deus

Predomina no livro a nogáo panteísta de Deus ou da

Divindade, nogáo

que identifica Deus com o homem e a

natureza. É precisamente esta concepcáo panteísta que permite ao autor apresentar a oragáo e a fé como fatores mecánicos;

se Deus é a Energia Cósmica, há meis «científicos» de captar

tal energia; quem utiliza esses meios, certamente apreende o que procura e os respectivos beneficios. Eis alguns textos dos mais significativos:

"O espirito do homem é parte do Espirito infinito, do qual procede" (p. 22).

"Eu e Deus somos urna so unidade todo-poderosa; por isso estou em paz e irradio paz para todas as pessoas" (p. 30).

"Vocé nunca abrangerá toda a extensao da sua mente, porquanto chega a um ponto em que ela se confunde com a própria Divindade" (p. 25). "Deus é o océano e vocé urna gota do océano, mas essa gota é o océano, contém a esséncia do océano"i (p. 104). "Vocé é uno com o Pal, que é Deus, que é a perfeicáo, a saúde..." (p. 107).

«Vocé nasceu perfeito e continua a ser sempre perfeito, porque a sua

vida é o seu espirito e no espirito nao existe ¡mperfeicáo. O seu espirito é a própria Presenca Divina, por isso ele é eterno e perfeito" (p. 104). "Se vocé nao ama a si mesmo, nao conseguirá amar a Deus nem ao

próximo Na verdade, os tres sfio urna unidade apenas; Deus está em vocé e o próximo é a outra parte de vocé; portento, se vocé está na pior, colocará na pior os outros dois" (p. 146).

"Vocé é o próprio Deus manifestado no mundo" (p. 48).

Ao lado de tais expressóes encontram-se outras, que falam do «Poder infinito existente dentro do homem» (págs. 30,50).

Por isto também o autor nao diz que Deus atende as

oragóes dos fiéis, mas é a fé (o poder mecánico do homem)

que conquista efeitos benéficos mediante sintonía assumida em relagáo á Divindade e ao universo: — 303 —

eO

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"Nao é a religiao... que produz os resultados; é a fé que voce tem de que esse objeto ou essa religiSo ou essa frase ou essa oracBo ou essa

imagem produzem o resultado, que fará com que acóntela" (p. 35).

Verdade é que o autor fala também da criacáo do mundo por parte de Deus — o que supóe o conceito monoteísta de Deus ou a nogáo de Deus distinto do mundo, preexistente a este... Mas nao é esta nocáo bíblica monoteísta que inspira as afirmacóes do autor do livro referentes á oracáo. Alias, L. Trevisan cita era apoio de suas afirmacóes Joseph

Murphy, autor do livro «O Poder do Subconsciente», que é certamente urna obra de fundo panteísta; cf. p. 159 e PR 222/1978, págs. 263-270.

Quando se refere a Jesús Cristo, Trevisan usa locucóes estranhas ou ambiguas. Assim por exemplo: "Jesús sentia-se ¡mensamente feliz, uno com a natureza e o universo"

(p. 102).

"Como pode ser considerado pobre quem é Filho Oeus, uno com o Criador do mundo?" (p. 101).

A tese de que Jesús era uno com Deus e uno com o uni

verso, nao será mais urna afirmacáo de panteísmo? Note-se, porém, que nao se coaduna com o panteísmo a nogáo de criacáo do mundo; esta, no caso, é substituida pela de emana-

cáo, como alias, ocorre á p. 491 do livro: «Quem vé voce, vé o Pai, porque o seu espirito emana do Espirito de Deus, por isso voce é parte de Deus, é uno com Deus». E que significa «Filho Deus»? Dever-se-ia ler «Filho de Deus» suprindo a deficiencia de eventual erro tipográfico?

Os milagres de Jesús sao todos explicados por efeito das forgas do subconsciente, o que equipara Jesús simplesmente a um grande mestre que faz o que todo homem bem exercitado pode fazer: "Jesús dizia: Eu e o Pal somos um. Havia absoluta InteracSo entre á sua mente consciente e subconsciente, dal o Poder Infinito do Mestre, capaz de realizar milagres a qualquer momento" (p. 24s).

Eu e o Pai seriam simplesmente o consciente e o subcons ciente de Jesús?

— 304 —

«O PODER INFINITO DA SUA MENTE»

61

Alias, os títulos atribuidos a Jesús nao sao senáo os de grande sabio: «sabio dos sabios» (p. 110), «mestre que conhecia todas as leis universais» (p. 32), «o grande sabio Jesús Cristo» (p. 17).

Inesperadamente, porém, L. Trevisan afirma de passagem

a ressurreigao de Jesús: «Jesús esteve enterrado tres dias, após os quais ressuscitou» (p. 173). Como entender a ressurreicáo de Jesús nesse contexto panteísta? 1.4.

Doengas

Julga o autor que é mais fácil ter saúde do que ter doenoas (cf. p. 104). Pouco importa a idade: sete anos, setenta anos ou setecentos anos; na verdade, o corpo de qualquer criatura,

pelo menos teóricamente, tem um ano de idade (cf. p. 105).

O segredo para ter saúde, conforme o autor, é conservar a paz

da mente. Se alguém incide em molestia, o processo de cura é muito simples: "Tres passos importantes vocé deve dar para alcancar a cura da sua

doenca: em prlmelro lugar, remova da sua mente todo sentimento negativo de medo, de dúvida, de desconfianca e de desarmonia; em segundo lugar, substitua esses pensamentos negativos por pensamentos de harmonía, de perfeicio, de saúde, de interacáo entre a sua mente e a Mente Divina; em terceiro lugar, faca um quadro mental do corpo plenamente saudável. Daqul para frente so existirá esta verdade: seu corpo restabelecido, em ordem e

saudável, funcionando maravilhósamente bem.

A cura é infallvel, pois toda a imagem verdadeira e univoca enviada ao Pai, que habita o subconsciente, se transforma em realidade física" (p. 107).

Neste texto transparecem: 1) simploriedade; as doengas funcionáis ou nervosas podem, sim, ser curadas pelo desblo-

queio da mente e pela predisposigáo mental á saúde física, mas, mesmo assim, tais curas nao sao radicáis, pois nao tocam o ámago ou a raiz do bloqueio psíquico; 2) panteísmo; a cura seria obtida mecánicamente, como se obtém efeitos luminosos

desde que se enviem ao receptor adequado (= o Pai que habita

o subconsciente) a corrente necessária.

As oragóes em favor de um enfermo sao concebidas como emissoras de energía (p. 124), o que mais urna vez reflete a concepcáo mecanicista da vida espiritual. Neste particular, podem-se reconhecer nogóes de espiritismo e esoterismo: — 305 —

62

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"Tome os remedios com a máxima fé, entendendo que foram feitos por urna mente ligada na Mente Cósmica Divina. Portante, abra todos os cañáis Internos para que o fluxo da saúde Jorre através do médico, do3 remedios, da operacSo, da prece, da fé, da Forca Divina e da energía espiritual de outras pessoas" (p. 120).

O espiritismo e o esoterismo acreditam que um copo dágua colocado junto ao aparelho de radio as 18 horas, por ocasiáo da Ave-María, é impregnado de poder ou fluidos salutares, de tal modo que recomendam beber a agua assim beneficiada. — Os conselhos de L. Trevisan assemelham-se a tal receita!

O Cristianismo nao eré em ondas benéficas ou maléficas provocadas pela oracáo. O cristáo sabe que Deus é Pai e que Ele atende nao por causa da pujanga ou do requinte dos arti ficios do orante, mas, sim, por causa da dedicacáo filial do coragáo de quem ora..., e atende como um Tu que se dá a outro tu e nao como urna corrente eletro-magnética que cegamente produz seu efeito quando «científicamente» acionada. 1.5.

Outros tópicos

Aínda se pode notar que o autor nega a existencia dos demonios (cf. p. 37) — o que contradiz á tradigáo bíblica, e á fé da Igreja. Admite ter sido Nostradamus «um grande adivinho» (p. 178) — afirmagáo esta pouco científica e crítica. A p. 172 encontram-se receitas para evitar acidentes...

Quem prevé algum acídente de carro, por exemplo, poderá

emitir energías que; afastem o perigo,

de tal

modo que o

desastre previsto nao ocorra! Pergunta-se agora:

2. 2.1.

Que dizer?

Panteísmo

As maravilhosas promessas do livro em foco carecem de fundamento, porque o panteísmo que elas supóem, é insustentável aos olhos da sá razáo.

Com efeito; o panteísmo, admitindo que a Divindade, o

universo e o homem sejam urna só substancia, identificam entre

si o Absoluto (a Divindade) e o relativo (o mundo e o homem), o Necessário e o contingente, o Eterno e o temporal, ou, em — 306 —


63

última instancia, o Sim e o Nao; na verdade, o Absoluto é o

que nao depende de outrem, ao passo que o relativo é essencial-

mente o que depende de outro; ora nao posso afirmar e negar, ao mesmo tempo, o mesmo predicado a propósito do mesmo sujeito; nao posso dizer que o mesmo objeto é, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, preto e nao preto.

Deus há de ser essencialmente distinto do mundo e do homem, embora se faga presente a toda criatura pelo fato mesmo de a conservar na sua existencia; nenhum ser criado continuaría a existir se nao fosse sustentado por um perma nente ato criador de Deus.

O panteísmo tem fascinado varias correntes do pensamento

moderno (tenham-se em vista a Rosa-Cruz, a Logosofia, a Teosofía, a Antroposofia...); em última instancia, bajula o homem, porque lhe promete grandes coisas ou poderes divinos, ilimitados — o que falsifica a auténtica nocáo do homem e o próprio conceito de Deus.

O homem é grande, porque tem uma alma espiritual que o faz imagem e semelhanca de Deus, dotado de capacidade de Infinito; o homem foi feito para Deus ou para o Bem absoluto, de tal modo que nenhuma criatura lhe satisfaz plenamente. Nao obstante, o homem nao deixa de ser urna realidade con tingente, dependente do Absoluto para existir. Quando se diz que a mente é algo de divino dentro do homem, entenda-se

que ela é aberta para o Infinito de Deus, embora nao seja uma parcela da Divindade. Deus nao se pode retalhar ou parcelar, porque nao tem extensáo; tudo o que é extenso se compóe de

partes finitas; ora a soma de parcelas finitas nao leva ao Infinito, mas a um total finito (como as suas parcelas).

2.2.

Sugestáo

As recomendacóes do livro em foco podem ser eficazes na medida em que sugestionem o individuo, desfazendo-lhe os bloqueios psicológicos e predispondo-o a se comportar como

quem vai vencer na vida. A sugestáo é, sem dúvida, fator poderoso, apto a modificar o comportamento de alguém. As

técnicas que L. Trevisan prop5e, sao todas baseadas nesse poder da sugestáo. — 307 —

64

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Deve-se recomendar a todo homem urna atitude otimista

em relacáo ao mundo e á vida, sem afirmar, porém, que esse otimismo possa ter efeitos mecánicos sobre o ambiente que cerca o homem.

Quanto ao Silva Muid Control, ensina técnicas que podem

ser úteis e que certamente sao menos fantasistas e menos im pregnadas de filosofía do que as normas de L. Trevisan. Como dito, o livro de Trevisan tem certa afinidade com o de Joseph Murphy: «O poder do subconsciente», obra esta que reconhecidamente nao é crista.

Até mesmo a oracáo é concebida no livro como elemento

sugestionante — o que diminuí a grandeza da oracáo. Esta é,

antes do mais, encontró da criatura com o Criador, distinto do ser humano e do mundo; nesse contato, o cristáo adora, agradece, pede perdáo e impetra o pao de cada dia... É certo

que tais atitudes nao podem deixar de implicar paz e bem-estar

espirituais no orante; todavía este efeito é secundario; toda auténtica oracáo é teocéntrica ou voltada para Deus e nao antropocéntrica.

2.3.

Eficacia da oracáo

Sem dúvida, nao há oracáo inútil ou destituida de atendi-

mento da parte de Deus. Todavía o olhar de Deus nem sempre

coincide com o do homem. Este pode julgar que determinado objeto lhe seja conveniente, quando na verdade nao o é; por

isto, quando o objeto de nossas preces nao corresponde ao plano d& Deus e ao riosso verdadeiro bem, a Providencia Divina nos concede algo de equivalente ou melhor, mas nao nos atende segundo a letra do nosso pedido. Dissipa-se assim qualquer concepcáo mecanicista de oracáo. Ninguém pode constranger

a Deus, que é Pai e Amor soberanamente livre. É mesmo me

lhor' que Deus nao conceda ao homem todos os objetos de seus desejos, pois freqüentemente as inclinacóes

do homem se

voltam para bagatelas e falsos bens; Deus, que é inteligencia e amor, sabe melhor o que convém ao orante; alias, quem ora

comí Jesús Cristo, dirá sempre: «Faca-se, porém, a tua vontade,

ó Pai, e nao a minha» (Me 14,36), certo de que quem assim — 308 —

«O PODER INFINITO DA SUA MENTE»

65

ora, é sempre atendido. Somente numa concepgáo mecanicista

e panteísta de Deus se pode apresentar a oragáo como um

recurso infalível para obter a realizagáo de todos os desejos

do homem.

Mais: L. Trevisan mésela, no seu livro, concepgóes bíblicas e concepcóes panteístas. Isto pode iludir ou deixar perplexo o leitor. Dir-se-ia que a sua tese decorre de urna genuína interpretacáo do Evangelho e do pensamento cristáo. Ora tal nao se dá; as alusóes do livro a verdades cristas tém peso secun

dario, visto que a mensagem do livro é estritamente panteísta. Eis por que nao se pode considerar a obra em pauta como

obra crista, cujas orientagóes se conciliem com a doutrina do Evangelho. •

«



A Missa parte por parte, pelo Pe.

Luiz Cechinato. — Ed. Vozes,

Petrópolls 1981 (5? edicto), 135 x 208 mm, 179 pp.

O Pe. Luiz Cechinato, da diocese de Sao Carlos (SP). tem escrito livros de catequese de nivel medio e linguagem muito acesslvel; entre outros destaca-se a sua explanacio da S. Missa. Logo de inicio, o autor explica "por que ir á Igreja". A seguir, percorre as sucessivas partes da S. Missa a fim de expor o seu sentido; termina com urna

exposicSo do que seja o Ano Litúrgico, que vem apresentado em gráfico. Cada capitulo é acompanhado de perguntas, que

aprendizagem do aluno.

servem

para testar a

O livro oferece sólida doutrina a respeito do

ato central da vida crista; merece ampia difusáo, especialmente em esco las e paróquias.

Niríguém ama o que nao conhece. Para estimar, portante, a S. Missa, é preciso conhecer o seu significado e a sua historia. Ora é a este objetivo que tende o livro em foco. Parabéns ao autorl O sacramento da conftnnaca'o, pelo Pe. Luiz Cechinato. — Ed. Vozes, Petrópolis 1982, 136 x

208 mm, 133 pp.

O livro tem por subtitulo "Estudo da Crisma para crismandos e cris

mados". Aborda nSo só o sacramento da Crisma, mas também a funcáo do Espirito Santo na vida da Igreja e do cristáo. Muito valioso é este estudo, ao qual deve tocar larga dlvulgacao em nossos colegios e paróquias. •





(Conlinuacao da pág. 332)

o problema do sofrimento e da morte

(pp. 30-33), o dos traumas da

infancia (pp. 94-96). o das Idéias políticas dos jovens (pp. 109-112), o das leituras, que nao de ser adequadas (pp. 63s. 84-86)... A orientacáo dada é segura, proveniente da experiencia de um dinámico pastorallsta de juventude, que bem conhece a psicología dos jovens e os problemas dos pais. O livro n§o pretende ser um catecismo, mas incita os pais a estudar e se atualizar permanentemente para preencher a sua nobre missSo den tro da "igreja doméstica" (= o lar).

_ 309 —

Em trinta e tres fascículos:

"Iniciacáo á Teología pelo "Centre Salnt-Dominique" L'Arbresle

Em sfntese: A obra "Iniclacáo á Teología", em duas series e trlnta e tres fascículos, tenciona servir ao público de media cultura. Como em toda colecao, os respectivos fascículos nao sao todos do mesmo valor.

Alguns sao multo positivos, procurando comunicar ao leitor urna visio sadia e equilibrada das verdadess da fé. Outros, porém, assumem posicdes um tanto destoantes da doutrina oficial da Igreja, baseando-se em hlpóteses e teorías de autoridade discutivel; isto ocorre, por exemplo, nos fascículos referentes a Jesús Cristo (5, 6 e 7), ao pecado (fascículo 16), á Moral e á Vida Crista II (fascículo 14), á Existencia Crista I (fascículo 17), á Escatologla (fascículo 15)... Eis por que nao se pode recomendar a obra como manual de iniciacao teológica.

Comentario: O «Centre Saint-Dominigue», da Franca, oferece ao público tonga colegáo de fascículos que perfazem urna Iniciagáo á Teología para cristáos de certa cultura, em linguagem clara e compreensivel. Tal obra aborda grandes tratados, de teología dogmática ou sistemática bem como alguns de teología moral e de liturgia; é notoria, porém, a falta de estudo explícito sobre María SS. e seu papel na obra da salvacáo, assim como a da consideragao dos anjos bons e maus. A publicagáo da obra em portugués está a cargo das Edigóes Paulinas, Sao Paulo, 1979 e seguintes, sendo tradutora de muitos dos fascículos a Irma Isabel L/eal Ferreira.

A

propósito

apresentaremos

algumas

ponderacóes

de

ordem geral, seguidas de urna análise de tópicos dos fascículos mais discutíveis da primeira serie.

COMENTANDO...

A obra em foco foí concebida em termos de divulgacáo de nivel superior. Tenciona oferecer «pontos de partida indispensáveis e as articulagóes necessárias de urna reflexáo sobre esta ou aquela questáo» (p. 12). Utiliza os recursos da exegese — 310 —

«INDICACAO Á TEOLOGÍA»

67

bíblica moderna e ilustra seus diversos tratados mediante textos de autores dos nossos tempos, dando características de vivacidade e atualidade as reflexóes apresentadas; tenha-se em vista na p. 7 do vol. 7 o texto dos Jesns Freaks (loucos de Jesús), que em portugués foi divulgado sob o título «Procura-se...»

Muitas e muitas páginas sao caracterizadas pela fluencia do estilo e a profundidade da materia abordada.

Todavía, na variedade dos diversos fascículos de 60-70 páginas cada qual, observam-se explanac.5es de valor desigual. Enquanto algumas estáo ácima de qualquer restricáo teológica, outras sao questionáveis, pois assumem posicóes que direta ou indiretamente ou em grau maior ou menor entram em conflito com a doutrina oficialmente ensinada pela fé. No intuito de criticar concepcóes ou práticas imperfeitas dos fiéis católicos de épocas passadas e do presente, os autores exageram por

vezes as suas posicóes críticas e nem sempre «consertam» devidamente o que rompem ou quebram. Além disto, nota-se,

nos fascículos em questáo, grande preocupacáo com as objecóes que a mentalidade moderna dessacralizada e seculansta levanta contra a mensagem transcendental do Cristianismo; precisamente para nao contrastar demasiado com tal secularismo os autores cá e lá silenciam traeos típicos e importantes da mensagem crista, procurando dar-lhe feicóes mais «huma nas» e menos sobrenaturais; também acontece fazerem oon-

cessóes indevidas, que reduzem ou minimizam o conteúdo, rico e pujante, da doutrina crista. — É o que ocorre na abordagem da figura de Jesús Cristo, na do culto cristáo, na da Vida Religiosa, na do casamento, como se depreenderá da breve análise que passamos a fazer.

1. Fascículos 5, 6 e 7, 1* serie: «Redacao «los Evan gelhos», «Jesús Salvador I», «Jesús Salvador II». 1

Este conjunto trata de Jesús Cristo tal como revelado

pelos Evangelhos e proclamado pela Tradicáo crista até nossos dias. Muito insiste na aplicacáo da técnica moderna de exegese bíblica chamada «O método da historia das formas». Em conseqüéncia, os autores destes fascículos distinguem

entre o Jesús da historia e o Jesus da fé, ou seja, Jesús como realmente existiu e se comportou durante a sua vida terrena,

e Jesus como foi entendido e proclamado pela fé das comuni— 311 —

68

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

dades cristas do século I na Palestina, na Siria, na Asia Menor, na Grecia... Tal distingáo é válida, pois, nao há dúvida, os Apostólos e os primeiros cristáos consideraram a vida terrestre de Jesús sob o claráo de Páscoa e nos transmitiram urna imagem de Jesús penetrada pela teologia ou pela consciéncia que os cristáos tinham de que Jesús era mais dó que um homem santo ou um profeta. Baseados nesta premissa, os exegetas modernos procuram através do texto do Evangelho reconstituir a imagem de Jesús pré-pascal ou as paiavras e as atitudes que se podem tranquilamente atribuir a Jesús pere

grino e mortal. Esta tarefa nao é contraria aos principios da fé católica; todavía vem a ser extremamente delicada e sujeita a intuigdes subjetivistas e pessoais; para uns estudiosos, tal ou tal trago nao será conciliável com a figura e a pregacáo de Jesús mortal, enquanto outros nao teráo dificuldade em admiti-lo.

2. Ora os autores dos fascículos em foco se dedicam a tal emprendimento. Além disto, estáo muito interessados em enfatizar a plena e genuína humanidade de Jesús, em oposicáo a concepgóes monofisitas (mais interessadas pela Divindade do Senhor). Estes objetivos levam tais estudiosos a afirmativas

que nao podem ser provadas como erróneas, mas sao hipoteses

mais ou menos verossímeis apresentadas ao leitor como sentengas definitivas; sim

o suor de sangue e a presenca de um anjo no horto das Oliveiras (Le 22,43s) sao tidos como «imagens que refletem a cultura do Evangelista». Significariam que «Jesús foi submetido a urna terrível provagáo, mas nao foi abandonado pelo Pai» (fase. 5, p. 44s). Pergunta-se: nao terá Jesús podido suar sangue?

os quarenta días que, conforme At 1,3, teráo ocorrido

entre a ressurreigáo e a ascengáo de Jesús, nao háo de ser tomados ao pé da letra, mas podem corresponder a dois^ tres ou quatro anos; ter-se-áo protraído até o ano da conversáo de S. Paulo em cerca de 32-35; cf. fase. 6, p. 14;

— a triunfal entrada de Jesús em Jerusalém nao terá ocorrido quatro dias antes da sua prisáo, mas cerca de seis meses antes, quando Jesús fizera urna viagem a Jerusalém; cf. Me 11, 1-11; — 312 —

«INDICACAO A TEOLOGÍA»

69

as aparigóes do Ressuscitado nao foram imaginarias

ou nao foram produzidas pela imaginagáo dos discípulos, mas também nao foram fenómenos objetivos; cf. fase. 6, págs. 14s. 3. Sobre a ciencia e a oonsciéncia psicológica de Jesús, os autores insistem na maneira progressiva de conhecer que caracteriza todo homem e deve ter caracterizado Jesús. Por conseguinte, dizem, Jesús deve ter sido discípulo, de Joáo Batista (fase. 6, p. 38); aos poucos foi descobrindo que o último dos profetas seria ele, Jesús, e nao Joáo (fase. 6, p. 40); Jesús acreditava que, como profeta, seria lapidado, nao cruci ficado (fase. 6, p. 27). As profecías referentes á ressurreicáo de Jesús nao procedem dos labios de Jesús (fase. 6, p. 63). Este era indeciso (fase. 7, p. 13); era inseguro quanto á sua identidade (fase. 7, p. 36); «Jesús jamáis se proclamou Messias» (fase. 7, p. 28); mesmo que se tivesse reconhecido como Messias, «tal título nao possuia para ele o significado pós-pascal que Marcos lhe atribuí» (fase. 7, p. 28). Em suma:

«Jesús ignorava...; sua consciéncia... amadureceu progessi-

vamente ao longo das experiencias, dos contatos, da oragáo.

Ela caminha as apaipadelas, no lusco-fusco de certezas mistu radas com incertezas. Sua atividade milagrosa a principio lhe causa espanto... A experiencia do fracasso da sua pregacáo as multidóes desconcerta-o e leva-o, pouco a pouco, a com-

preender o destino do profeta mártir que lhe coube. Ele esperava ser lapidado; e foi crucificado. Pensava que sua prisáo acarretaria também a de seus discípulos; nada disto aconteceu. Aguardava com confianga a ressurreicáo prometida ao Justo mártir, mas ignorava que teria um sentido mais fulgurante aínda. Tantos exemplos... manifestam as incertezas de sua consciéncia» (fase. 7, p. 38). Mais: o autor admite que Jesús

tenha realizado curas

milagrosas, mas julga que «nao está de acordó com o ensina-

mento bíblico estabelecer como principio que o milagre contra ria as leis da natureza» (fase. 6, p. 41, nota 16). 4.

Que

dizer a propósito?

a)

Como dito, a tarefa de discernir no texto canónico

do Evangelho os tragos e dizeres de Jesús pré-pascal apresentados dentro da visáo pós-pascal dos evangelistas é assaz subjetiva e pessoal... Em conseqüéncia, os autores que a empreendem devem, por razóes de honestidade, expor os

porqués de suas sentencas,... sentengas que ora seráo moral— 313 —

70

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

mente certas, ora muito verossimeis, ora pouco verossímeis;

tal exigencia de porqués é especialmente premente numa obra de vulgarizagáo, destinada a leitores pouco peritos na materia

e, portante, pouco aptos a distinguir os matizes das teses dos eruditos. Quem sabe matizar suas hipóteses e senteneas, pode dizer o que julgue verossímil sem langar confusáo na mente do grande público; ao contrario, quem nao matiza, perturba os leitores nao preparados.

b) Quanto á consciéncia psicológica de Jesús, tem-se escrito copiosamente a respeito nos últimos decenios. O proble ma se póe com especial cuidado desde que se queira abstrair da realidade divina de Jesús. Na verdade, porém, nao se pode entender a humanidade de Jesús abstraindo da Divindade deste, pois em Jesús a natureza humana e a divina nao formavam compartimentos estanques (embora nao se confundissem nem

se misturassem), mas comungavam entre si na unidade de um só eu ou de tuna só pessoa divina; estavam unidas entre

si hipostaticamente ou por terem o mesmo sujeito, que era a

segunda Pessoa da SS. Trindade; esta era o suporte de tudo o que era divino e de tudo o que era humano em Jesús. Mais: é de notar que o Filho de Deus, ao assumir a natureza humana, nada perdeu do que era da Divindade; por consegtünte, a

pessoa de Jesús Cristo dispunha da onipoténcia do Filho de Deus ou da segunda pessoa da SS. Trindade. Em vista disto,

nao se pode reduzir o saber de Jesús aos limites do meramente humano.

A temática assaz delicada e sutil tem sido considerada

pelos teólogos modernos em termos técnicos. Citaremos, a

seguir, urna passagem de Michael Schmaus, que certamente é autor de valor:

"Parece estar mais de acordó com a unidade de Jesús Cristo afirmar que o pessoal, ou seja, a subsistencia do Logos divino, penetra na consciéncla do eu do homem Jesús, de modo que a sua consciéncia do eu

abrange tanto o centro humano de acSo como a subsistencia divina. Assim

a consciéncia do eu em Jesús teria carnadas que nao se fragmentarían! em dualidade ou pluralidade. Trata-se de urna consciéncia composta e, entre

tanto, unitaria. Nela está incluida tanto a consciéncia de ser um verdadeiro homem como a de subsistir na subsistencia do Logos divino. Desse modo continua de pé a tese do Calcedonense a respeito da nSo-separacáo e nSo-mistura. Sob o aspecto de sua humanidade, o homem Jesús nunca pode

sentir-se Deus, tampouco pode ter consciéncia de ser urna pessoa humana.

Se Ele se Interpretasse como urna pessoa humana, seria vitima de llusSo ontológlca.

— 314 —

«INDICACAO A TEOLOGÍA».

71

Ao falar de urna consciéncia composta do eu, novamente devemos levar em conta que nao se trata de justaposicáo de elementos heterogéneos, pois o divino e o humano de Jesús se compenetran), ainda que sem se suprimir mutuamente, sem se transformar um no outro. Também se deve advertir que o divino tem a supremacía, de modo que na consciéncia do eu em Jesús o principal é ter consciéncia de ser Filho de Deus, pois Ele possui um conhecimento vivo de subsistir na subsistencia do Logos Divino. Precisamente aqui, porém, devemos voltar a Insistir em que, com isso, nSo flca supressa nem atenuada em Jesús a consciéncia de ser um verdadeiro homem. Jesús se conhece como um homem total e verdadeiro, onerado com o destino de todo o mundo, chamado a urna vida autenticamente humana, até a morte e morte de cruz. A consciéncia simultánea de ser Filho de Deus, do Pal celeste, nio so nio oculta esse conhecimento, mas contribuí poderosamente para manté-lo despertó. Nessa consciéncia composta, Jesús é homem completo, real e concreto" (A fé da Igreja, vol. 3, p. 186s).

c) Quanto á índole dos fenómenos milagrosos, verifica-se hoje em dia a tendencia a julgá-los fenómenos enquadráveis dentro das leis da natureza ou obras que nao contrariem a estas.

Ora tal concepcáo nao corresponde á clássica nogáo de milagres, que nao há motivo para abandonar em nossos dias. Com efeito; o milagre nao tem outra finalidade senáo a de ser um discurso de Deus aos homens mais eloqüente do que o habitual. Ora, se o milagre pudesse ser confundido com um fenómeno contido ñas potencialidades da natureza, já nao seria identificável como discurso. de Deus, pois poderia ser urna reacáo meramente natural das forcas criadas. O milagre é necesariamente um fato que sobressai ácima do comum dos acontecimentos; representa um salto em relagáo a estes, de tal modo que nao deve haver fenómenos intermediarios entre o milagre e os fatos mais comuns ou mais freqüentes. Assim urna cura milagrosa deve ser instantánea, ocorrente em quadro de doenga orgánica, com alteracóes anatómicas irreversiveis. A subitaneidade é característica importantíssima do milagre,

pois é ela que faz de tal fato um salto ou algo que sobressai

ácima da evolugáo ordinaria dos processos patológicos. É a subitaneidade ou o caráter de excecáo que torna o fato por tentoso sinal ou palavra mais significativa do Senhor.

Nao se diga que derrogagóes as leis da natureza sao indignas de Deus. O Criador, após haver fixado a natureza das criaturas e as suas leis, continua sendo o Senhor de tais cria turas, de modo que lhes pode modificar o curso desde que, para tanto, naja razóes plausíveis ou proporcionadas. Ora a — 315 —

72

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

necessidade de urna revelagáo dé Deus ao homem mais nítida

e significativa em determinadas ocasióes é certamente razáo suficiente para que Deus chame a atencáo do homem para o Criador mediante um sinal de todo portentoso. Assim, quando Deus quer credenciar algum enviado seu, entende-se que derrogue as leis da natureza.

Procedendo de tal modo, Deus nao se torna um «tapa-

buraco» do homíem, pois a teología ensina que Deus nao faz milagres para atender a qualquer veleidade do homem, mas

únicamente

quando

isto

condiz

com

os

sabios planos

da

Providencia divina.

Sao estas algumas reflexóes que a leitura dos fascículos 5, 6 e 7 da colegáo em foco nos sugeriu.

2.

Fascículo 16, 1* serie: «Pecado, recondliacao»

O pecado original ai é apresentado em termos um tanto

vagos (cf. págs. 61-65), sem mengáo de quanto foi definido pelo magisterio da Igreja a respeito. Nao há referencia á justiga original, aos dons sobrenaturais e preternaturais do estado paradisíaco; o tentador (= demonio) nao é mencionado. O pecado original aparece como o pecado do mundo no qual nascemos. Ora tal materia nao pode ser abordada únicamente do ponto de vista filosófico, mas, sendo assunto de fé, há de ser colocada sob a luz de quanto a Igreja tem definido a pro

pósito nos Concilios de Orange II (529) e Trento (1545-1563).

Também é de notar que «a confissáo privada regular e

freqüente (chamada «de devogáo») é tida ai como algo que

desaparecerá na Igreja, quando na verdade os Papas Pió XH

e o próprio Concilio do Vaticano II estimularam tal praxe.

Assim, por exemplo, exorta este último os sacerdotes conseqüentemente, todos os fiéis):

(e,

"Unem-se os ministros da grasa sacramental intimamente a Cristo Salvador e Pastor pela recepcio frutuosa dos sacramentos, especialmente no ato freqüente e sacramental da Penitencia, pois este, preparado pela revisio cotidiana da consciéncia, dá impulso á necessária conversao da vontade ao amor do Pal das misericordias"
Veja-se outrossim: Pió XII, encíclica Btystici Corporís Christi n* 87 (29/06/1943). — 316 —

cINDICACAO A TEOLOGÍA»

73

O próprio conceito de pecado pessoal nao é explanado segundo as necessárias distingoes de pecado leve e pecado grave ou pecado venial e pecado mortal; tais distingoes sao indispensáveis para a reta formagáo da consciéntía e a orientagáo de vida de cada cristáo.

3.

Fascículo 14, 1- serie: «Moral e Vida Crista (II)»

Ao referir-se á leí natural, o autor redu-la ao alvitre da razáo em oposigáo as leis da natureza, que sao as mesmas em

todos os homens e tém fundamentacáo na constituigáo biológica

do ser humano. O autor respectivo estabelece antítese entre

o procedimento conforme as leis da natureza e «as exigencias de um amor encarado segundo todas as suas dimensóes» (p. 61). «O natural humano é racional e livre» (p. 59); por conseguinte, «a ética só aparece com o natural humano, isto é, com a inteligencia e o amor» (p. 60); nao há de ser deduzida dos fatos biológicos, que sao cegos ou infra-racionais. Esta tese sugere as seguintes ponderagóes: o «racional e livre» do ser humano está situado na corporeidade, que tem suas leis biológicas; portanto, a razáo humana, ao pronun-

ciar-se, nunca pode abstrair de tais leis biológicas ou naturais, sem as quais a razáo nao seria humana, mas angelical. Com outras palavras: nao se estabelega dualismo entre a razáo humana, de um lado, e o corpo com as suas leis biológicas, de

outro lado. Compete á razáo humana «promover a pessoa

humana», sim,... pessoa, porém, que nao é algo de desencar nado, mas algo que só existe na corporeidade, de tal modo que respeitar as leis biológicas é respeitar a própria personalidade.

4.

Fascículo 17, V serie: «A Existencia Crista (I)»

No tocante ao casamento, o autor preconiza a defesa da

instituigáo matrimonial, mas afirma a possibilidade de haver

verdadeiros casamentes entre batizados

(católicos, como se

deduz do contexto) que nao sejam deeorrentes de celebragóes

sacramentáis. Eis a ambigua passagem: "Cada um dos balizados deverá poder realmente casar-se, dando a seu matrimonio a significacao mate próxima posslvel do sentido sacramental. Ve remos entáo surglrem 'celebracSes' que nao serfio necessarlamente sacra mentáis, mas que, nem por isso, seráo em grau menor celebrares de verdadeiros casamentos, que conservem a referencia á comunidade érente" (p. 31).

— 317 —

W

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Será que o autor se refere a unióes de pessoas já casadas, que nao sao aptas a contrair novas nupcias sacramentáis e que as vezes recebem urna «béncáo»? Tal «béncáo», ilegitima como é, nao vem de Deus, mas é urna pantomina ou urna «palhacada» realizada pelos homens.

O livro se cala a respeito do divorcio — o que é estranho —,

como a propósito do amor livre e de outros aspectos da^ida social hoje ligados ao amor.

Quando aborda a Vida Religiosa consagrada a Deus pelo celibato, a pobreza e a obediencia, o autor propóe logo de inicio as seguintes ponderacóes: "Descobrlndo melhor as exigencias de urna fé que afirma tanto a crlacfio como a encarnacSo, há quem chegue a fazer a estranha pergunta:

'Pode-se continuar sendo cristSo depois que se é

monge?'

(B. Besret).

Trata-se de urna pergunta que tem sua razáo de ser, só ó paradoxal na aparéncla" (p. 56).

A seguir, o autor justifica o celibato por motivos antropo lógicos, sem levar em conta a bela proposicáo de Sao Paulo em ICor 7,25-35. Mostra-se contrario á existencia de grandes comunidades; também nao é favorável as pequeñas comuni dades existentes em apartamentos (págs. 63-65). Mas pouco diz de positivo no tocante á maneira de ser da Vida Religiosa, especialmente da vida contemplativa. Nao cita documento algum da Igreja a propósito da Vida Religiosa consagrada quando existe grande número de pronunciamentos dos Papas e dos Concilios a respeito. Em suma, a abordagem é de todo insuficiente, vaga, mais crítica e questionadora do que positiva e construtiva.

5.

Fascículo 18, 1' serie: «Existencia crista (II)»

A primeira parte, dita «A aventura espiritual» (págs. 15-39), é valiosa, pois discorre com profundidade e acertó sobre a necessidade da vida interior, do silencio, da oragáo, da expe riencia de Deus... Todo cristáo, ou mesmo todo homem de bem, há de lucrar pela leitura de tais consideracóes. — 318 —

«INDICACAO A TEOLOGÍA»

75

A segunda parte, intitulada «A festa e a celebragáo da esperanga» (págs. 41-59), ao lado de páginas belas, aprésente

outras demasiado influenciadas pelo secularismo e a dessacralizagáo. O autor afirma que «nada é sagrado»

(p. 52); por

isto faz restrigóes aos templos consagrados a Deus ou igrejas, aos vasos

e alfaias

do

culto

sagrado,

ao

hábito

religioso

(págs. 50s). O autor nao cita a Constituigáo «Sacrosanctum Concilium» do Vaticano II; propóe a festa crista como celebraCáo da esperanza — o que tem caráter antropocéntrico mais do que teocéntrico. As concepgóes de Harvey Cox, em «A festa dos folióes», estáo muito presentes ao autor, por mais que H. Cox (um dos «teólogos da morte de Deus») diste do pen-

samento oficial da Igreja expresso em ampio documentário relativo ao culto sagrado e á Liturgia. Observe-se: o sagrado ou as coisas e as pessoas consa

gradas a Deus nao podem desaparecer dentre os cristáos. O vocábulo hebraico qodesch, santo, deriva-se

de um radical

semita que significa cortar, separar. O santo ou sacro é, pois, a realidade cortada do uso profano, separada para Deus só. No Antigo Testamento as coisas santas nao podiam ser tocadas por qualquer individuo; quem, as tomasse

em máos, devia

preencher condigóes de «pureza ritual»; eram sinais da majestade do próprio Deus. Ora tal nocáo persistiu na Tradicáo crista, de tal modo que as igrejas (edificios dedicados ao culto

de Deus)

e os utensilios litúrgicos sao «separados» do uso

profano para servir a Deus só; também há pessoas separadas da vida «profana» para servir a Deus só; tal é o clero e tais sao os Religiosos consagrados por votos. Alias, note-se que

a palavra kleros em grego significa heranca; o kleros (= clero) é, pois, a heranca, a partilha, a propriedade exclusiva do Senhor Deus. Isto nao quer dizer que os fiéis leigos nao sejam santos ou sagrados pelo batismo (Sao Paulo chama todos os cristáos «santos»; cf. ICor 1,2; Ef 2,19; 3,8), mas significa que há diversos graus de consagracáo a Deus dentro do povo do

Senhor, que, como tal, é um povo sagrado ou de santos, como atestam os dizeres de S. Pedro: «Sois a raga eleita, o sacerdocio real, a nacáo santa, o povo de sua peculiar propriedade» (lPd 2,9; cf. Ef 2,21).

— 319 —

76

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 263/1982

REFLEXÁO FINAL De modo geral, reoonhecemos páginas de grande mérito

na obra em pauta. Mas julgamos que a sua inspiragio crítica

nao é suficientemente justificada; vem a ser um tanto genera-

lizadora. Tal fato e as posicóes cá e lá destoantes da doutrina comum da Igreja tornam esses escritos nao recomendáveis a catequese ou á iniciagáo teológica. A introducáo á Teología coloca bases sólidas e abre pistas seguras para o estudioso incipiente, e nao o póe, logo de inicio, diante de hipóteses discutíveis e pouco seguras.

A respeito do fascículo 15 «Eu fago novas todas as coisas»

já foi publicado um comentario em PR 257/1981, págs. 237-247.

BEM-AVENTURADO ANDRÉ DU MONT-ROYAL Os fiéis cristáos do Canadá, da América e, em geral, do mundo inteiro se aiegram pelas honras tributadas ao Ir. André du Mont-Royal aos 23/05/1982, quando foi proclamado "Bem-aventurado" em Roma pelo S. Padre Joáo Paulo II. O Ir. André santificou-se na vida de operario e, depois, como religioso da Congregagáo da Santa Cruz (que existe no

Brasil desde 1945). Devoto e apostólo de Sao José Operario,

consagrou a vida aos infelizes, aos enfermos, aos marginalizados... Canadense, construiu em Montréal no Canadá um

santuario grandioso dedicado ao Esposo de María, que hoje

é um dos mais célebres lugares de peregrinagáo da América do

Norte.

Por ocasiao da beatificagáo do Ir. André, a diregáo do PR se congratula com a Congregacao da Santa Cruz, da qual é membro o Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, mencionado no artigo final deste fascículo.

— 320 —

Um livro notável:

"0 homem a procura de Deus" por Paul-Eugéne Charbonneau

£m 8¡ntese:

O Pe. Charbonneau oferece ao público um llvro Impor

tante: mostra como a dimensSo religiosa é congenita ao homem; todavía, por efelto de um antropocentrlsmo cada vez mals acentuado, tal dimensSo cedeu nos dols últimos sáculos ao ateísmo e ao agnosticismo; houve pen

sadores que chegaram a proclamar a morte de Deus — o que leyou final

mente a proclamar também a morte do homem; alguns filósofos últimamente

t6m concebido a Impressao de que o homem é um absurdo condenado a urna existencia absurda. Simultáneamente, porém. reglstra-se estranho recrudesclmento das ciencias ocultas, da astrologia, da magia..., ou se]a, de manlfestacdes Irraclonals da mística congenita do homem. Tal recrudescimento é síntoma de que o homem nSo dispensa a fé em Deus. Esta se

apresenta de novo ao homem como objeto de Interesse; na verdade, Deus reconhectdo pela inteligencia e afirmado por fé esclarecida é a grande e única resposta aos inatos anseios do homem h verdade, ao amor, a vltórla sobre a morte. O autor Ilustra esta sua tese mediante sólido raciocinio e Interessantes cltacSes de autores do nosso tempo, crlstSos e ateus; tais cltacoes dio especial valor ao llvro, pois evldenclam multas vezes as

aspiracSes religiosas daqueles mesmos que dizem nio ter fé.

Comentario: Em 1981 o Pe. Charbonneau, conhecido por suas obras de ética conjugal, publicou importante livro intitulado «O homem á procura de Deus»». Deixando a sua

habitual temática, o autor se volta, em termos filosófico-teológicos, para a questáo do teísmo e do ateísmo na historia da

humanidade

e,

especialmente,

no

mundo

contemporáneo;

procura mostrar como, após variadas peripecias, o homem de nossos dias encontra de novo a sua grande resposta em Deus. O livro assim concebido merece especial atencáo dos estu diosos.

i Editora Pedagógica e Universitaria Ltda., Sao Paulo 1981,140 x 210mm, B24 pégs.

— 321 —

78

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

1. 1.1.

O conteúdo do livro

Senso religioso ¡nato

Charbonneau comeca por salientar que a dimensáo reli giosa é congénita no homem desde os inicios da historia: «A adesóo a Deus... tal como a raza o a pratica, investi gando a existencia e ultrapassando-se num olhar incisivo... é a marca viva da razáo»

(p. 26).

«A consciéncia humana é religiosa

em sua

esséncia.

Deve-se

admitir isso como um fato... A necessidade de crer em alguma coisa... Essa necessidade é, para nos, como a necessidade de respirar»

(p. 26%).

«A razfio explora o mundo, descobre os seres, sobre cuja exis tencia passa a interrogar. Até o momento em que ela desemboca sobre si mesma, procurando suas próprias causas, desejando tornar-se explicável e explicada. O desejo de existencia torna-se entáo o desejo do próprio Deus, único que pode corresponder á razao para que ela nao se encontré desnorteada como a agulha de urna bússola sem polo. O apelo á fé nao é, nessas condicoes, um recurso extrínseco, urna criacao gradativa e artificial. £ o estouro do espirito sobre si mesmo. O que nos permite afirmar, em prin cipio, com Varillon, que desde que o homem é homem é o desejo de Deus que o torna homem» (p. 28).

O autor julga que o politeísmo é a forma primitiva do senso religioso congénito do homem. Neste ponto distancia-se

da escola antropológica de Viena (Austria), que admite, na base de ampias pesquisas etnológicas, que o monoteísmo seja a forma inicial da religiáo entre os homens primitivos. O poli teísmo, segundo Charbonneau, terá cedido finalmente ao monoteísmo, sendo o Cristianismo a expressáo suprema da ascensáo religiosa do homem: «O homo chrístianus seria o melhor, o mais audacioso e o mais vigoroso promotor do homo sapiens. Entre um e outro nao existe sequer paralelismo, mas simbiose. Quanto mais e melhor o

homem por cristao, mais e melhor se tornará humano» —322 —

(p. 49).

«O HOMEM A PROCURA DE DEUS>

79

O Cristianismo esteve, e está, intimamente ligado á cons-

trugáo de um mundo nao somente mais humano, mas também mais civilizado: «O crisfao deve estar presente em todos os esforcos da cidade temporal, quando

ela procura construir um mundo mais humano. Se há omissao por parte do cristao ou recusa por parte da cidade, será a morte do hornem, como teremos a oportunidade de mos trar»

(p. 52).

1.2.

O antropocentrísmo que expulsa Deus

Eis, porém, que no decorrer da historia comiecou a se impor nova atitude filosófica: o antropocentrismo, que provocou a rejeigáo de Deus. Charbonneau se detém tongamente na descrigáo das etapas por que passou o pensamento moderno desde o sáculo XVI: refere-se a Descartes (t 1650), que inau gura a era do racionalismo, a Baruch Spinoza (t 1677) e ao sáculo das Luzes ou do Iluminismo (sáculo XVTH), em que o homem fazia de sua razáo um criterio absoluto da verdade,

negligenciando os valores transcendentais da Revelagáo crista.

Sobreveio o sáculo XIX com o positivismo de Augusto Comfce (t 1857), o ateísmo, o antiteísmo... No sáculo XX, os pensadores chegaram ao agnosticismo e indiferentismo no to cante a Deus. O brado de Nietzsche (t 1900): «Deus morreu!» foi retomado no sáculo XX por diversos filósofos, que desta maneira prepararam a morte do próprio homem. É o que observa sabiamente o filósofo estruturalista contemporáneo Michel Foucault: «Em nossos dios, e Nietzsche aínda indica ai de longe o ponto de inflexáo, nao é tanto a ausencia ou a morte de Deus .que é afirmada, mas o fim do homem...; descobre-se entao que a morte de Deus e o último homem estao estreitamente ligados» (Les mots et les choses 1967, p. 369, citado á p. 185).

Verifica o psicanalista Erich Fromm em nossos dias: «No século XIX o problema era a morte de Deus; no século XX o problema é a morte do homem» (O dogma de Cristo, 1964, p. 85, citado á p. 184).

Essa morte do homem ocorre de varias maneiras. Char bonneau, apoiado por diversos observadores da atualidade, verifica que estáo associados entre si Governos totalitarios, sufocadores do homem, e ideología atéia: — 323 —

80

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

«Na realidade, é na negacáo teórica ou prática de Deus que se enconlra a raíz de todos os totalitarismos. Bernard-Henry Lévy, após longo período de cegueira, viu e disse bem claramente: '... De Robespierre a Mao nao há totalitarismo sem essa refe rencia insistente, doentia, obsessiva á condenacao á morte do Deus Único e Soberano» (p. 193, nf 79).

O pensador ateu Camus faz eco a tais observares: «Se o horneen se quer fazer Deus, ele se arroga o direito de vida ou de morte sobre os outros. Fabricando cadáveres e sub-homens, ele próprio é sub-homem e nao Deus, mas servidor ignóbil da morte» (L'homme révolté, París 1951 p. 302). «Tao logo proclamada a morte de Deus, o homem se instala em seu lujgar e se arroga, sobre seus semelhantes, o direito de vida e de morte» (Joseph Mault, Camus révolté et liberté. París 1965, p. 74).

Sem Deus o homem se vilipendióla; a filosofía moderna se compraz em desfazer a dignidade e a nobreza naturais do ser humano, apontando-o principalmente como um ser absurdo, condenado a unía existencia absurda: «Por se ter recusado a ser esse peregrino do Absoluto que Bloy dizia que ele era, o homem tornou-se o peregrino do Absurdo, do qual Sartre se fez lúgubre defensor, o triste corifeu» (p. 189). «As ¡déias que Chabanis trocava com Garaudy sao plenamente justificadas: 'A filosofía do Absurdo e do nada espreita cedo todos os ateísmos' (Roger Garaudy, apud Christían Chabanis, Dieu existeNon. París 1973, p. 389)» (p. 190). «Sem transcendencia para assegurar o sentido de sua viagem, sem o Infinito como polo de seu périplo, o homem que já nau-

fiagou em si mesmo descobre a impossibilidade de qualquer forma de humanismo. Na cova de Deus só há lugar para o cadáver do homem. Sartre, num raio de lucidez e de honestidade, nao deixa pairar dúvida a esse respeito: 'humanismo estéril e ¡manéncía pura. Humanismo de inferno' (Saint Genet, Comedien et Martyr, 1964, p. 203)» (p. 191).

Essa consciéncia de que o homem é um absurdo decorre do fato de que, sem o Absoluto, o ser humano já nao vé o sentido da sua existencia: — 324 —

tO HOMEM A PROCURA DE DEUS»

81

«O gosto da existencia se perde quando o seu sentido se desvanece. £ que '... o segredo da existencia humana consiste nao apenas em viver, mas também em encontrar um motivo para viver' (Dostoievski, Les fréres Karamazov, París 1962, t. I, p. 299) >

(p. 234).

Outro titulo de destruicáo do homem nao raramente averiguado pelos autores contemporáneos é o feto de que, se Deus nao existe, tudo é permitido ao homem, inclusive o homicidio. Sao palavras de Dostoievski: «Que será do homem sem Deus e sem ¡mortalidade? Tudo é permitido, conseqüentemente tudo é lícito» (Les fréres Karamazov, París 1962, t. II, p. 231). Citado a p. 242. E Sartre: «Tudo é permitido, é forcoso confessar, já que Deus nao existe e nos morremos» (Situations, París 1947, p. 103). Citado á p. 243.

Jean Cau escreve no romance La pitié de Dieu: «Se Deus nao existe, eu nao acho grata em vocé, meu amigo, meu irmáo, meu semelhante e meu próximo. Se Deus nao existe, meu amigo, meu irmao, meu semelhante e meu próximo, vocé me enche o saco. Homem, vocé nao passa de um excremento tagarela» (París 1961), p. 21). Citado.á p. 243.

É ainda a filósofa atéia Simone de Beauvoir, que acompanhava Jean-Paul Sartre, quem escreve:

«Como queréis que vivamos quando descobrímos que nenhum fim na térra merece o menor esforco?!» (Quand prime le spirituel. París 1979, p. 225).

Citado á p. 274, n. 181.

«Esse sentido que ela (a minha vida) havia perdido no dia em

que eu havia perdido Deus»...

(ib., p. 228).

Citado á p. 274,

n. 181. 1.3.

O paradoxo de nossos días

O quadro de nossos dias ainda é caracterizado por um fenómeno paradoxal: a grande voga das ciencias ocultas e da astrologia; tendo abandonado o Deus uno da Revelacáo bíblica, o homem cria seus substitutivos para preencher (supostamente) o vazio deixado pela ausencia de Deus: — 325 —

fB

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

«Quando Garaudy afirma .que nao é o ateísmo que caracteriza nossa época, mas antes a supersticao, tem toda a razao. A prova disto está no pulular infra-racional dos ocultismos, das parapsico logías, das astrologias, dos espiritismos, dos cultos mistagógicos, etc. Tantas panacéías que pretendem salvar o homem do absurdo. Este é táo virulento, ameaca táo profundamente o ser humano que contrra ele todos os recursos parecem ser bons. De tudo isto depreende-se urna verdade: o homem contemporáneo nao agüenla mais suportar o Absurdo. Todos os meios Ihe parecem bons para lutar contra ele» (p. 249). «Um duplo fenómeno marca a nossa civilizacao, sobretudo nestes últimos anos: o renascimento do misticismo religioso e o renascimento das ciencias ocultas. Existe indubitavelmente o que Edgar Morin, após muitos outros, assinala como urna persistencia e ressurgéncia, por exemplo, da astrologia» Ip. 248, n* 109).

1.4.

Ressurgimento do senso religioso

Precisamente este misticismo irracional e primitivo de nossos dias é o sintoma de um ressurgimento do senso religioso do homem contemporáneo.

Em últinta instancia, ouve-se em ampias regióes da humanidade a interpelagáo que o ateu André Gide dirige aos seus leitores:

«A ti é difícil, dizes, afirmar que Deus existe.

Mas dize-me se

nao te é mais difícil ainda afirmar que Deus nao existe!?» (Journal 1889-1939.

París 1948, p. 646).

Citado á p. 511.

O ateísmo nao responde as grandes interrogagñes que todo homem, queira-o ou nao, concebe em seu coragáo: Qual o sentido desta vida? Qual o fim desta existencia terrestre? Onde estáo os verdadeiros valores? Existe o Absoluto ou algo que nao seja transitorio, limitado e vazio como tudo o que aparece ao homem? Existe o Ultimo e Definitivo Valor? Pensadores de renome váo reconhecendo que somente Deus — e Deus afirmado de maneira inteligente pela razáo e por urna fé esclarecida — pode dar resposta a tais perguntas.

«Para compreender a amplidao desse retorno a Deus no mundo moderno, basta ver o número impressionannte de pensadores que centralizam o seu esforco de reflexáo na questao religiosa. O fato

— 326 —

«O HOMEM A PROCURA DE DEUS>

83

é tño notável que prende a ctencao, como um fato maior da nossa época, conforme testemunha o fascinante diálogo trovado por dois grandes sabios da nossa época: um oriental, o outro ocidental. Cf. Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, Choisis la vie, un dialogue» París 1981, 409 págs.» (p. 291, n* 227).

Entre outros, é de notar a propósito o depoimento de Roger Garaudy, o comunista que abracou a fé: «Acreditar en Deus é afirmar que a vida, o mundo e sua his

toria tém um sentido. Acreditar em Deus é escolher a liberdade como alicerce supremo da realidade. Acreditar em Deus é acreditar no homem, no qual ele habita» (Appel aux vivants. París, 1979, p. 314, citado á p. 291). 1.5.

Que é a fé?

O Pe. Charbonneau se detém longamente na definicáo do ato de fé, procurando enfatizar que a fé é o pleno desenvolvi-

mento da razáo (págs. 301-304; 306-311): «Nada é mais perigoso do que urna religiáo que pretende privar-se da razáo. Ela chega ao fanatismo,... ao obscurantismo» (Jean Daniélou, citado á p. 307s). A fé é um valor da razáo (págs. 364-391). Isto nao quer dizer que a fé esvazie ou compreenda o misterio de Deus; Este ficará sendo sempre o Indizivel, Aquele que é...

Mas é pelo caminho da inteligencia que o homem conhece a Deus e ilustra, na medida do seu possível, o misterio de Deus.

Isto significa ainda que a fé'náo se opóe ao cultivo da inteli

gencia e da ciencia, mas, ao contrario, revela ao homem o sentido e o valor das mais altas expressóes do saber humano. O livro termina, pois, de maneira otimista. Depois de haver descrito o desatino das mais recentes geracóes humanas afastadas de Deus pretensamente em nome da razáo, mostra

que a própria razáo indica ao homem o Ser Absoluto que é Deus como sua grande resposta. Alias, esse Ser Absoluto é também o Amor absoluto, que convida o homem ao consorcio da sua vida, superando a própria morte (págs. 478-480). 2.

Unía avállaselo

Tres sao as observacóes que nos ocorrem a propósito: 1) A concepeáo do livro é altamente oportuna e elogiável: o Pe. Charbonneau quis apresentar ao homem inquieto de hoje a única resposta cabal, que é a da fé, recorrendo a método — 327 —

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

sólido e estruturado. A documentagáo farta e abalizada em que apoia suas afirmagóes, merece o aplauso do leitor; este precisa de saber que o anseio de Deus nao é experiencia própria de um escritor católico, nías é também a de ateus e agnósticos. Procure, pois, o leitor do livro perceber o itinerario ou a linha diretriz da obra e compreenderá quáo sabio é tal volume.

Assim o livro se faz recomendável especialmente as pessoas que nao tém fé, ou a tém adormecida; será também útil aos estu

diosos e estudantes de Teología em seus diversos niveis. Mas nao deixará de suscitar grande alegría também aos cristáos que vivem conscientemente a sua fé e a desejam enriquecer ou fortalecer. Sem dúvida, o livro de Charbonneau vent preencher urna lacuna da nossa bibliografía teológica. 2)

O próprio autor reconhecerá, sem dificuldade, que foi

prolixo. Poderia ter exposto seu raciocinio em menor número de páginas. As repetigóes, nao raras no livro, podem tornar a

leitura cansativa; o leitor, as vezes, gostaria de passar adiante em vez de ter que repisar a mesma temática; tenha-se em vista, por exemplo, p. 105s. Nao diríamos ao autor que retire algumas das citacóes ou transcrigóes de textos que faz; estas sao muito interessantes e valiosas. Mas sugeriríamos mais concisáo na exposicáo do pensamento.

3) O que mais se pode discutir na obra de Charbonneau é o recurso que faz as concepgóes e ao vocabulario de Teilhard de Chardin, quando se refere á historia do género humano: biogénese, biosfera, noogénese, noosfera, amorizagáo, complexidade cerebral, consciéncia... A p. 65 o primeiro parágrafo torna-se complicado e obscuro, porque a linguagem teilhardiana prejudica a expressáo do pensamento. A p. 201 lé-se: «A ma teria tendo-se feito espirito...», o que nao se entende, visto

que o espirito nao é um derivado da materia, mas é algo radicalmente diverso da materia. A p. 4, está dito: «Nao há

no hornean a dualidade corpo e espirito», o que parece mal for mulado; sim, o próprio autor reconhece, poucas linhas antes,

que o homem «é espirito num corpo»; por conseguinte, dis tingue entre corpo e espirito, ou seja, admite a dualidade entre corpo e espirito; o que Charbonneau quer excluir, nao é a dua lidade (=o fato de serem dois, distintos um do outro), mas o dualismo (=o antagonismo ontológico entre materia e espirito).

Talvez a maioria dos leitores nao esteja familiarizada com o pensamento de Teilhard de Chardin, mas nem por isto se sentirá prejudicada pelas referencias teilhardianas do livro.

Todavía aos estudiosos de Filosofía e Teología poderá parecer

— 328 —

cQ HOMEM A PROCURA DE DEUS>

85

discutível ou mesmo supérflua a adogáo do pensamento teiIhardiano para exprimir a bela e grandiosa tese de Charbonneau, Na verdade, Pierre Teilhard de Chardin S. J. nao

foi propriamente nemum filósofo nem um teólogo, mas um

místico e, por isto, um poeta (dado a linguagem metafórica e neologista); este poeta místico foi miovido durante toda a sua vida por preocupagóes apologéticas ou missionárias, pois quería mostrar aos incrédulos como se podem harmonizar entre si os dados da ciencia e os da fé. Daí a síntese que Teilhard propós abrangendo toda a realidade desde o átomo até o Cristo, Ponto culminante da historia; o sabio jesuíta quis mostrar como urna certa unidade perpassa todas as criaturas, levando o estudioso naturalmente até a descoberta de Cristo no ápice dos seres. Tal síntese, como se compreende, teve que se contentar, por vezes, com afirmagóes genéricas, imprecisas, metafóricas..., que podem ter significado para quem aborde pela primeira vez a temática, mas que certamente deixam o filósofo e o teólogo insatisfeito porque lacunosas ou omissas. Ora o nivel elevado da obra do Pe. Charbonneau nao se coaduna bem com a utilizacáo da síntese de Teilhard; com efeito, esta nao tem a pretensáo de rigor filosófico-teológico que, de resto, caracteriza o estudo de Charbonneau.

Fazendo tais observagóes, nao tencionamos depreciar o trabalho que analisamos; as alusdes á síntese de Teilhard nao sao tais que ponham em xeque o valor da obra, realmente notável e benemérita. Estevas Bettencourt O.S.B. *

livros

*

em

*

estante

O Filho de Deus velo ao mundo. Para vocfi entender os relatos da

Infancia de Jesús, por Eleonora Beck. Traducáo de D. Mateus Ramalho Rocha OSB. ColegSo «Entender a Biblia" n? 7. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1982, 183 X 223 mm, 206 pp.

Este livro faz parte de urna colegio destinada a tornar acessívels ao grande público as conclusdes da recente exegese bíblica, multo inspi rada pela pesquisa dos géneros literarios e da historia das formas.

A autora

apresenta

sucessivamente as expectativas

de Israel

em

torno do Messias (cap. II) e o contexto histórico em que Jesús nasceu

(cap. III); a seguir, dedica sua atencio á figura de Jesús como descrita nos Evangelhos da Infancia de Mateus e Lucas (cap. IV-VII). Encerra a obra com um capitulo de reftexSo teológica (cap. VIII). A obra obedece aos principios da critica bíblica contemporánea, mostrando que os Evan-

— 329 —

86

«tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

gelhos da infancia foram redigldos segundo o género literario do midraxe, Isto é: narram fatos históricos de tal modo que o leltor perceba o sen tido teológico dos mesmos (á p. 81 a autora define o que é midraxe). Eleonora, Beck n§o nega a historicidade dos eventos da infancia de Jesús

(cf. p. 106, a adoracSó dos magos; p. 108; Jesús nasceu em Belém; p. 102, María é Virgem e M§e...). Tenciona, porém, evidenciar que tais fatos foram descritos de modo a fazer eco a textos e profecías do Antlgo

Testamento; desta forma, o evangelista quis por em relevo a messianidade

de Jesús e o papel do Senhor na historia da salvacáo.

A tese é aceitável dentro dos parámetros da exegese católica. Os |udeus recorriam, sim, ao género literario midraxe, que punha em relevo o significado teológico dos aconteclmentos; nada há, pois, de estranho na perspectiva de que os Evangelhos de Mateus e Lucas assim procedam nos seus pols primelros capítulos respectivamente. Nem há, para um leltor católico, por que recusar de anlemáo tal perspectiva. Dito Isto, é de notar que nem tudo o que Eleonora Beck afirma ou sugere no decorrer do seu trabalho exegético é igualmente verídico: certamente a autora formula conjeturas e hipóteses, cujos fundamentos o leitor tem que pro curar e ponderar; toca ao leitor aferir o valor das proposicoes de E. Beck, em vez de aceitar na Integra as suas formuiacoes como se fossem a palavra conclusiva da exegese. Tais advertencias valem para a leitura de qualquer estudo inspirado pelo Método da Historia das Formas. A p. 71

merece especial

atencSo a

dos qualro llvros atuals (do Evangelho) pulos

de

Jesús

ou

teve um

frase:

"Nenhum dos

pertencia ao

contato direto

com

redatores

circulo dos discí

Ele".

Ao

fazer esta

assercSo, E. Beck supóe que os quatro livros do Evangelho (Mt, Me, Le

e Jo) se|am obras, cada qual, de urna escola: a escola de Mateus,... a escola de Joáo. Na orlgem de cada qual destas escolas estaría o res pectivo evangelista; todavia o remate final teria sido dado a cada livro do Evangelho nSo pelo próprio evangelista, mas por um discípulo deste, memoro da respectiva escola. Tal afirmativa nSo pode ser provada, como também nSo pode ser refutada; é conjetura expressa em termos genera

lizados ou nao matizados, que podem perturbar o leitor despreparado, mas que nSo devem ser tidos como palavras Incontestes e definitivas.

Felfas estas observacSes, eremos que o livro em pauta pode ser útil

aos estudiosos devldamente Iniciados na exegese bíblica moderna.

Introducáo ao Novo Testamento, por Werner Georg Kümmel. Coléefio "Nova CoiecSo Bíblica" n
Esta obra corresponde á 17? edicto, Inteiramente refundida e aumen tada, da "Introdugao ao Novo Testamento" dé Paúl Feine e Johannes Behmn. Após tres parágrafos preliminares de Índole bibliográfica e metodológica, Kümmel segué a ordem dos escritos do Novo Testamento, estudando con-

teúdo, autor, objetivos, lugar e data de composiefio de cada um dos mesmos. A seguir, aprésenla a historia do canon e do texto do Novo

Testamento.

Pode-se dizer que a obra é completa no seu género, com excecáo, porém, do que se refere aos Evangelhos: o problema sinótico é abordado, mas nfio se encontra, como serla para desejar, um estudo explícito do Método da Historia das Formas e da teoria da Enbnythologislerung (Desmitlzacfio) de Rudolf Bultmann. — W. G. Kümmel, sem dúvlda, conhece a problemática e os autores do MHF e cita freqüentemente R. Bultmann

— 330 —

___^

LIVROS EM ESTANTE

87

(ver o longo índice Onomástico da obra); mas nfio apresenta, como se

poderia esperar, um capítulo sobre os temas em pauta (por isto também estes nSo ocorrem no índice de Materias do livro em foco). A boa didáttca, ao menos em ambiente brasileiro. teria exigido urna explícita considerado dos principios filosóficos que regem essas teorías exegéticas modernas.

Todavía, com esta observacSo, nSo queremos depreciar a obra em

pauta que é sólida e segura. O autor discute cada problema, expondo ao leitor as posslvels solucoes com os seus "pros" e "contras" e optando pela sentenca que Ihe pareca mais verosslmil; assim no tocante á autoría de Ef, de Hb, de Tg, de 2Pd... Esta última (2Pd) é atribuida ao sequndo quarto do século II como sendo o último dos escritos do Novo Testamento em ordem cronológica (cf. p. 571). Esta tese poderá surpreender pela data tardía que prop8e, mas coaduna-se com a assercao

da Constituicao "Dei Verbum" do Concilio do Vaticano II, que nio quis dizer

como antes se

dizla:

"A

Revelacáo

Divina

se

encerrou com

a

morte do último dos Apostólos", mas asseverou que em Cristo se consumou a Revelacáo de Deus aos homens de modo que nenhuma reve-

lac§o pública se deva esperar após Cristo (cf. n? 4); essa Revelacfio foi redigída por escrito mediante "os Apostólos e os varees apostólicos que sob a inspiracSo do Espirito Santo escreveram a mensagem da salvacáo"

W> 7).

O livro se recomenda a todos os estudiosos de S. Escritura por seu

teor abrangente e Informativo; é especialmente notável o acervo biblio gráfico af citado.' Ensinamenlos de Joáo Paulo II. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1978, 155 X 220 mm, 383 pp.

As Edicoes Loyola, em colaborado com a Librería Editrice do Vati cano e a Editorial A. O. de Braga (Portugal), publica as alocucóes do S Padre Joáo Paulo II proferidas de 22 de outubro a 31 de dezembro de 1978 ou seja, nos primelros .meses do seu pontificado. Trata-se de 59

discursos,

14

reflexóes

ao Ángelus, 10

homilías,

10 mensagens

e

9 alocucSes de audiencias de quarta-feira, a versar sobre os mais diver sos assuntos: Deus, a familia, o ecumenismo, a paz mundial, a ciencia e os estudos, as competlcoes desportivas... Os diversos setores da atividade humana sao perpassados pela mesma visfio de fó, que Ihes confere um sentido novo e profundo, como se depreende de quanto dizla

S. Santídade aos dirigentes, técnicos e Jogadores da equipe de futebol do

Bolonha aos 9/12/1978:



"Vos sabéis como os jovens sio objeto da predilecSo da Igreja e do Papa, a quem apraz encontrár-se com eles para dar e receber entu siasmo e torga. Mas vos, jovens desportistas, ocupáis um lugar parti

cular, porque ofereceis, de modo eminente, um espetáculo de forca, de lealdade e de autodominio e aínda porque tendes, de modo pronunciado,

o sentido da honra,

da amizade

e

da

solidariedade fraterna:

virtudes

estas que a Igreja promove e exalta.

Continua!, queridos jovens, a dar o melhor de vos mesmos ñas competieres desportivas, recordando-vos sempre de que a luta desportiva embora táo nobre em si, nao deve ser fim a si mesma, mas subor dinada ás exigencias, multo mais nobres, do espirito. Por conseguinte, ao repetir-vos 'Sede bons desportistas', digo-vos também 'Sede bons

cidadáos na vida familiar e social e, mais ainda, sede bons cristáos', que sabem dar um sentido superior á vida" (p. 265). — 331 —

88

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 263/1982

Sem dúvlda, é surpreendente a capacldade de trabalho da carismática pereonalldade do Pontífice, cujas palavras tém merecido o respelto de grandes e pequeños em nossos tempos. Um camtnno de Hberdade. Ensato de teología espiritual, por Andró Manaranche. Traducio de Rita Luedeck. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1981, 138 X 208 mm, 178 pp. O autor

já é

conhecido

no

Brasil por sólidas obras

de teologia.

Desta vez apresenta valioso compendio de espiKtualidade, no qual consi

dera os temas fundamentáis da vida crista, como a sede de Deus (pp. 31-36), a oracao (pp. 36-76), a conversSo (pp. 78-115), a morte e a ressurreicáo (pp. 125-159)... O conteúdo é profundo, enriquecido por citacSes de filósofos e pensadores diversos. Torna-se oportuno haja obras de nfvel elevado para quem procura urna reflexáo mais densa sobre a teologia da vida espiritual. Tenha-se em vista o Inciso final do llvro, em que o autor faz o retrato do santo de nossos tempos, e conclui: "O que é imposslvel ao homem, nao o é para Deus. Eis urna boa noticia que vem a calhar" (p. 178).

Inicio de Loyola funda a Companhia de Josus, por André Ravler S. J. TraducSo do francés (tradutor anónimo). — Ed. Loyola, Sao Paulo 1982, 140 X

210 mm, 503 pp.

Nlnguém mais Indicado do que um membro da Companhia de Jesús para apreciar um livro de um jesuíta sobre S. Ináclo e a fundacSo da Companhia. O fato, porém, é que o llvro ácima, destinado ao grande público, fala também aos nao jesuítas. É esta a ImpressSo que o leltar colhe ao se dedicar á leitura da obra do Pe. Ravler. Independentemente dos traeos que dlzem respelto diretamente á estrutura e á historia da Companhia de Jesús, o Pe. Ravler propóe o perfil de S. Inácio de Loyola e da sua esplrltualidade; era homem de profunda oracáo, férrea forca de vontade e dinamismo atuante, perfil este que vem a ser estímulo eloqüente para quem Ihe quelra dar atencSo, pois na verdade todo crlstSo é, segundo o Apostólo, um soldado militante de Cristo (cf. 1Tm 1,18; 2Tm 2,3s).

Especialmente interessante é o capitulo sobre a mental idade de Inácio

de Loyola,

no qual o

Pe.

Ravler traga

urna

quase

biografía do

santo,

pondo em relevo a acSo da grapa da conversao em sua alma (pp. 405-418).

O llvro também é rico em historiografía Jesuíta do século XVI, mostrando as origens e as llnhas Inspiradoras da Companhia de Jesús, patrimonio da Igreja Universal. Eduque seu filho para Deus, por José Fernandos de Olivelra (Pe. Zezinho SCJ). — Ed. Santuario, Aparecida do Norte (SP), 135 X 207 mm, 119 pp. O Pe. Zezinho continua a se dedicar

á juventude

e,

precisamente

por Isto, acaba de publicar mais um livro, desta vez, destinado aos pais

que desejam transmitir a

mensagem

crista

aos

filhos,

mas nistto encon-

tram embaracos: ora exageram em seu zelo, ora omltem-se... O autor coletou trlnta e tres pontos ou aspectos do problema, que ele aborda em

linguagem simples, procurando deixar aos pais urnas pistas para enfrentar

as perguntas ou as crises religiosas dos seus filhos: assim, por exemplo, (Continua á p. 309)

— 332 —

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"RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA por D. Cirilo Folch Gomes OSB, 2? ed, 1981, 689 págs. A edicao acha-se consideravelmente modificada, com atualizacao da bibliografía e varias nocdes novas em seus 12 capítulos. Trata-se de um Comentario ao CREDO DO POVO DE DE US, no qual, após 90 págs. de Teologia Fundamental que estudam a Fé e as razoes de crer, o Autor passa a analisar os artigos do Credo. A linguagem procura ser amena e acessível a pessoas que se iniciam na Teologia. Ao mesmo tempo sao fornecidas, em numerosas notas de rodapé, as referencias para aproíun-

damento ulteriores. Na apreciacao de um recensor espanhol (G. Ginonés), estamos ante "urna das mais acabadas sínteses de teologia dogmática de nossos días". Já alias a 1? ed. tivera diversas recensSes muito favoráveis. Prego: Cr$ 1.500,00. Do mesmo Autor:

"ADOUTRINADATRINDADE ETERNA", 1980,400 págs. Esta obra compreende 3 partes. Na 1? estuda a problemática moderna quanto á doutrina trinitaria. Na 2? examina os dados bíblicos, documentadlo do Magisterio, a reflexao escolástica. Na 3? parte defende a conveniencia do uso, em nossos dias, da expressáo "tres Pessoas", que alguns autores pretenderam criticar. Conforme apreciacao de A. Perego (em "Divus Thomas"), "a obra é de vivaatualidade, porque trata de modo sereno e documentado urna doutrina sempre segura". Preco: Cr$850,00

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