Ano X - No. 117 - Setembro De 1969

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESEISTTAQÁO DA EDIQÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé '

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

religiosas contrarias á fé católica. Somos

assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevio Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaca

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

a / Mcñ^h I ANO XlíN? 117

¿uí SETEMBRO

19

ÍNDICE

Um sonlto que se tornau realidade

I.

1)

3(11

CIENCIA E RELIO IAO

"Que conseqiiéncias para o pensatnento religioso poderao

ter as conquistas espaciaU e a viagcm a Lita '!

As atitudes religiosas da humanidade ainda tém sentido?" ...

II.

2)

363

FILOSOFÍA E RELIGIAO

"A existencia de Dens...

Sinto dificuldade em prová-la

aos jovens, visto que silo propensos a admitir apenas o que podem ver e apalpar.

Gastaría de untas cxplicafóes que pudexse transmitir a jtiventude"

172

III.

3)

PASTORAL

"Que sao as 'comunidades de base', de que tanto se fala

na pastoral moderna ?"

-185

IV.

i)

MORAL

"É recomendável ott, ao menos, possível a castidade ante

rior no casame-nto ? Nao nerá noriva á saúde ?"

393

CORRESPONDENCIA MICHA

ion

RESENHA

40(1

DE

COM

LIVROS

APUOVACAO

ECLESIÁSTICA

UM SONHO QUE SE

TORNOU REALIDADE... O momento atual tem, entre os seus traeos, urna caracte

rística de todo nova: a conquista do espago, inaugurada pela

recente viagem á Lúa, & qual se seguiu a tomada de fotogra fías do planeta Marte. Tais episodios tém merecido a atencáo de todos os homens, suscitando em muitos urna certa «vertigem mental». Como os acontecimentos se precipitaram! Que prog nósticos nao sugerem?!- Plataforma espacial, ... homens na

Lúa, ... em Marte!

Procurando disciplinar a imaginagáo (que em tais ocasióes tende a divagar sem bases seguras), verificamos que a recente facanha dos astronautas é rica fonte de reflexóes. Antes do mais, ela incita ao louvor de Deus, o Criador,

que, através do imenso universo, mais e mais se dá a conhecer

ao homem. A fé católica nao teme o progresso da ciencia. Mediante esta, a verdade vai apresentando novas facetas de si

mesma; a verdade, porém, permanece sempre de acordó con sigo; ela é una, ora manifestada pela Palavra de Deus oral e escrita, ora ilustrada pelas obras do Criador. Apenas é para desejar que o cristáo saiba assimilar as novas perspectivas em sua visáo crista; olhe para os espatos e os astros com o

mesmo olhar religioso com que olha para éste mundo e as suas mínimas criaturas. O discípulo de Cristo sabe ter novos motivos de admirar e glorificar o Criador á medida que se lhe desvenda o cosmos 1. O estudo póe o homem em contato com realidades que, ao mesmo tempo, lhe encobrem e manifestam a presenga do Ser Infinito! A natureza é, para quem a sabe compreender, um estupendo livro de leitura espiritual.

Outra reflexáo ainda nos ocorre: a inauguracáo de urna

nova era — a era espacial e eletrónica — se, de um lado, traz inestimáveis vantagens para o homem, de outro lado ameaga-o... Em nossos dias, já as criancas, ao brincar, ma

nejara a máquina ou os artefatos da ciencia e da técnica. Estes tendem a polarizar cada vez mais o pensamento e a mentalidade dos homens — pequeninos e grandes. A máquina, por

1 Esta palavra vem do grego kósmos e significa originariamente «ordem, harmonía» ou «ornamento». Na verdade, o universo é kósmos, ordem, obra hurmoniosa e ornada de urna Inteligencia Suprema.

— 361 —

ser mais rápida, mais eficiente, mais estupenda, interessa as vézes mais do que a criatura humana, que nao raro é lerda e falha. Daí surge o confuto «homem x máquina»... Surge

também o perigo de que a mentalidade dos homens se vá embotando frente aos valores típicamente humanos; no intimo de cada coracáo humano há aspiragóes, intuigóes e interro-

gagóes ás quais só o «irmáo homem» pode atender; em todo ser humano há o desejo de explicagóes, de respostas e de amor, que a máquina em absoluto nao pode dar. É, pois, para almejar que o homem se conserve — ou mais e mais se torne — irmáo de seus irmáos nesta era agigantada da .técnica! Certos romances e filmes de ficgáo apresentam cenas em que o homem aparece como vítüna esmagada pelas má quinas e os aparemos que ele mesmo criou. O homem será sempre superior á máquina e a utilizará para seu bem-estar, se souber colocar os valores da ética, do direito e da Religiáo ácima dos computadores e dos cerebros eletrónicos. — Alias, a recente viagem á Lúa constituiu urna nítida demonstracáo do dominio do homem sobre a máquina: por ocasiáo da alunissagem, quando um dos computadores esteva falhando, o cosmonauta Aldrin corrigiu os respectivos cálculos, salvando do malogro a famosa expedigáo.

A propósito vém as palavras do S. Padre Paulo VI profe ridas no domingo 20 de julho de 1969, ao meio-dia, poucas horas antes que os astronautas pisassem o solo da Lúa: <É bom meditarmos sobre o progresso. Km nossos días, o desenvolvimento científico da humanidade alcanca um nivel que parecía impossível de ser atingido: até onde o pensamento e a atividade do homem aínda poderáo chegar? A admiracáo, o entusiasmo, a paixao pelos instrumentos, pelas produgóes do talento e da máo do homem nos fascinam...

Verdade é que os instrumentos multipllcam, além de todo limite. a eficiencia do homem; mas essa eficiencia redunda sempre em van-

tagem para o homem? Torna-o ela melhor?...

Mais homem? Ou

será que o instrumento nao é capaz de agrilhoar o homem que o produz, e tornar o homem escravo do sistema de vida que o instru mento. .. impSe ao seu próprio patrSo? Tudo depende do cora gao do homem. É preciso absolutamente que o coracño do ,homem se torne tanto mais livre, tanto melhor, tanto mais religioso quanto maior e mais .perlgosa é a potencia das máquinas, das armas, dos instru mentos que o homem coloca á sua própria disposicáo. Na embriaguez desta jornada, verdadeiro triunfo dos meios pro-

duzidos pelo homem para dominar o cosmos, nao devemos esquecer a necessidade e o dever que o homem tem de dominar a si mesmo...

Possa o progresso, de que hoje festejamos sublime Vitoria, servir

ao verdadeiro bem, temporal "e moral, do género humano!»

E. B. — 362 —

€ PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

Ano X — N'

I.

CIENCIA

E

117 — Setembro de

19Ó9

RELIGIÁO

1) «Que consecuencias para o pensamento religioso pó denlo ter as conquistas espaciáis e a viagem a Loa ? As atitudes religiosas da humanidad* aínda tém sentido?» Resumo da resposta: A facanha de Apolo-11 concorre para dissipar qualqüer concepgáo religiosa que tenha sabor mitológico: o espaco e a Lúa nada tém de «encantado», mas estáo sujeitos as leis que a ciencia vai descobrindo e utilizando. Esta verificacao corrobora a genuina fé: a existencia e a acáo de Deus se tornam mais perceptlveis á medida que o homem vai descobrindo a estrutura e a harmonía do universo. Os próprios cosmonautas, por ocasiáo de seus resultados, professaram sua íé crista e sua gratidáo a Deus.

Há quem julgue

que as atitudes religiosas

da humanidade

se

alteraráo em conseqüéncia das conquistas espaciáis: o senso do pe cado cederá, dizem, ao otimismo e á confianza no homem. — Em resposta, devese dizer que tal conseqüéncia seria aberrante, pois o homem, que consegue aos poucos dominar a natureza, nao conseguiu vencer o egoísmo, o odio entre irmáos, a opressáo, o racismo, as desordens conjugáis... Também se diz que o homem do íuturo, assim engrandecido, perderá o senso da submissáo... Tal atitude, porém, seria incoerente.

pois o homem nao consegue progredir na ciencia senáo a custo de esforcos e sacrificios, que sao aptos a Ihe sugerir sempre a atitude de discípulo diante da Primeira Inteligencia. A facanha de Apolo-11 é extraordinario testemunho de disciplina, eolaboracáo e obediencia.

Quanto aos gastos eíetuados com as experiencias espaciáis, nao

podem

ser

incriminados,

pois

o

progresso

da

ciencia

redunda

em

beneficio da humanidade. Outras despesas, porém, devem ser dimi nuidas no mundo de hoje para atender á miseria dos homens: as que se referem a armamentos militares e ao luxo egoista...

Kesposta: A recente viagem da nave espacial Apolo-11 a Lúa excita a reflexáo de toda a humanidade : o fato nao sámente é inédito em relagáo ao passado, mas também abre

perspectivas sensacionais. Visto que o senso religioso dos homens nesta fase da historia é interpelado pelo grande acontecimento (basta ler

— 363 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 1

os comentarios divulgados pela imprensa), vamos abaixo deter-nos sobre as implicagóes que o fato possa ter no setor da Religiáo.

1.

Conquista do espado : arrogancia ou tnissao ?

1. A conquista do espago e a alunissagem tém reper cutido diversamente no pensamento religioso dos homens de nosso tempo :

a) Para o homem dado a concepgóes religiosas infantis ou míticas, a alunissagem parece significar urna revolugáo. A imprensa deu a saber a dificuldade que pessoas simples experimentaram para aceitar a noticia da conquista da Lúa. Isto se compreende : no decorrer dos séculos, a Lúa fui freqüenteniente envolvida em lendas e fábulas pseudo-religiosas; o homem primitivo sempre concebeu o espac.o e os astros como realidades divinas ou semi-divinas, cheias de misterios que escapam as categorías da razáo humana.

Ora o mundo da mitologia é abalado pelos recentes feitos espaciáis; as leis da lógica, da matemática e da ciencia aplicam-se tanto no universo remoto como sobre a térra; a realidade se torna cada vez mais racional. Em conclusáo: para o pensamento religioso primitivo ou infantil, a conquista da Lúa representa desmitizacáo, dessacralizagáo, abalo de erróneas concepcóes religiosas — o que é salutar, contanto que os catequistas e pregadores cuidem de dar a seus irmáos mais simples auténticas concepgóes re ligiosas. A titulo de ilustra gao, pódese aqui citar urna «estória» relatada por Iza Barreto de Salles, no «Diario de Noticias» do Rio de Janeiro, aos 23/7/69, pág. 2, 2" secáo:

A guerra contra Deus

«A noticia da ida á Lúa íoi recebida por D. Ralmunda com espanto e revolta. Como? O homem pisar na Lúa? — Nao. Imposslvel. Era a guerra declarada contra Deus.

Onde íica a Lúa?, se perguntava ela, enquanto tratava dos aíazeres de casa. No céu, ela mesma respondía. E o que é o céu? Ora, o lugar onde Deus mora; logo o homem la nao pode pisar. Amazonense, filha de indios e portugueses, com cérea de 60 anos e há quatro anos no Rio, D. Raimunda, na simplicidade de suas con-

— 364 —

VIAGEM A LÚA E RELIGIAO

viccoes, acostumara-se desde a infancia a estabelecer um limite, posslvelmente a estratosfera, entre o reino dos homens e o de Deus... Da discussáo em casa, sobre a ousadia do homem, D. Raimunda levou seu parecer as irmás e mais que nunca suas afinidades foram reíorcadas. Para dizer a verdade, elas nao acreditavam realmente na coisa.

Mas o tempo foi passando, e, de Apolo em Apolo, o homem se aproximando cada dia mais, do que se aproveitava o genro para esplcagar a incredulidade da sogra. Finalmente eis que o grande dia é chegado.

D. Raimunda nao

íéz por menos: resmungou baixo o dia inteiro. A tardinha, chegou

urna das irmüs. D. Raimunda íicou mais confortada. Todos agora estavam diante da televisáo. D. María ao seu lado, os outros mais próximos. A descida do módulo lunar foi acompanhada de exclamagóes de alegría dos demais e de um muchócho de desdém de D. Raimunda, enquanto D. Maria nada dizia, o que incomodava a amazonense, que afinal precisava de reífirco na sua cética posicáo. — Vamos ver o que sai lá de dentro, disse ela. — É o homem, D. Raimunda. O homem que vai pisar na Lúa.

As horas passaram, o homem nao aparecía e D. Raimunda já tinha um sorriso de triunfo nos labios, embora o genro teimasse em explicar que 'o negocio vai demorar um pouco, éles estáo se prepa rando'.

D. Raimunda nao olhou mais para a televisáo. Ocupou-se em conversar com a irmá, ver o jantar e outras coisas, sempre tom um sorriso de triunfo. Já era tardé e D. Maria teve de partir. Na porta

trocaram um sorriso de cumplicidade. Os presentes já nem se lembravam mais de seu ceticismo, tanto para éles estava o fato definido. De repente, D. Raimunda na cozinha deixa cair um prato, sobressaltada com o grito do genro.

D. Raimunda correu á sala. Pois nao é que urna coisa parecida

com um homem estava descendo na escada, em direcáo á Lúa? Estarrecida, ela olhava, e o genro aproveitou para provocar:

— Vai pisar, D. Raimunda, vai pisar. D. Raimunda nao perdeu tempo. Dedo em olhos de Armstrong, gritou, antes de retirar-se: — Pois que pise!

Pois que pise!

íile verá

riste,

sem

tirar os

o castigo que Deus

vai mandar».

b)

Para o cristáo bem formado, a viagem á Lúa signi

fica, sem dúvida (como para os demais homens), surprésa: a ciéncia-fiegáo de Julio Verne (1865) tornou-se realidade; as pesquisas espaciáis iniciadas ha menos de vinte anos atingiram seu primeiro objetivo com velocidade e éxito que ultrapassaram as mais otimistas expectativas. É de prever que o desembarque na Lúa desencadeie conseqüéncias mais e mais

extraordinarias com rapidez sensacional. — 365 —

j>

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qn. 1

Todavía, para o cristáo, a viagem á Lúa nao constituí abalo na fé. Ao contrario, o cristáo considera a facanha á

luz das páginas bíblicas (Gen 1-3) que manifestam o designio

de Deus a respeito do homem: éste foi concebido pelo Criador como lugar-tenente do Senhor em relacáo las criaturas irracionais (cf. Gen 1,26); compete-lhe dominar a materia (cf. Gen 1,28-30), fazendo-a servir a si, para que ele, homem, sirva a Deus como cabeca e sacerdote de todos os seres visíveis. O salmo 8 canta na presenca de Deus, sob forma de louvor, o estupendo designio do Criador: «Contemplo agora os céus, ó Senhor, obra de tuas máos, a lúa e as estrélas que lá colocaste. Que é o homem para que Te récordes déle? — Tu o criaste pouco inferior aos homens; Tu o oo roas te de

gloria e honra. Tu lhe deste o poder sobre as obras das tuas mSos; Tu lhe submeteste tedas as criaturas» (SI 8, 4-7).

2. Longe, pois, de ser abalado pela conquista da Lúa, o cristáo vé nela urna confirmacáo de sua fé. Com efeito, a possibilidade de pesquisarmos o espaco mediante raciocinio e experiencias manifesta que o universo é algo de lógico e harmonioso ; urna só inteligencia — perfeita e infalível — o concebeu, deu-lhe a existencia e o conserva. Assim, pois, o cristáo, nesta era espacial, de nova maneira apreende Deus e O reconhece como Criador sumamente sabio e providente. Tomam novo sentido, ou mais ainda se justificam, as palavras de Thomas Edison (f 1931), o inventor da lámpada elétrica, do cinematógrafo e do gramofone, o qual, tendo subido á torre Eiffel em París, escreveu no respectivo livro de ouro dos visi tantes : «A Eiffel, engenheiro e corajoso construtor de gigantesca e ori ginal peca de politécnica moderna, dedica estas palavras um homem que nutre o mais profundo respeito e a mais sincera admiracao para com todos os engenheiros e, em particular, para com o maior dentre éles: Deus».

Era Joáo Kepler (f 1630). astrónomo famoso por ter colaborado na descoberta das leis da mecánica celeste, quem dizia : «O Deus Eterno, o Deus Imenso passou diante de mim. Nao vi a sua face, mas o seu reflexo, que se apoderou da minha alma e a abismou em assombro e admiracao» («Harmonías do Universo», t. V, p. 243).

Os prÓDrios astronautas Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins foram pela sua facanha estimulados a re— 366 —

VIAGEM A LÚA E RELIGIAO

conhecer a ac.áo de Deus e agradecer ao Criador: depois do desembargue na Lúa, um déles incitou os homens a agradecer na térra «cada qual do seu modo». Edwin Aldrin, cristáo pres biteriano, levou consigo urna parcela de pao simbólico, que ele consumiu na Lúa em sinal de comunháo com Deus. Ao regressar ao nosso mundo, os cosmonautas foram vistos em oragáo juntamente com o Presidente Richard Nixon. Éste, alias, fez alusáo ao texto bíblico, quando afirmou que a se mana de viagem de Apolo-11 fóra «a maior semana da historia do mundo desde a criagáo». Os sentimentos de solidariedade fraterna, colaboragáo e uniáo entre os povos foram despertados ou estimulados em miñtos homens por ocasiáo do éxito de Apolo-11. Ora tais re sultados sao profundamente cristáos. É oportuno recordar que em viagens espaciáis anteriores os as

tronautas fizeram sua profissao de fé. Tal foi o caso, por exemplo,

de Anders, Lovell e Borman, tripulantes da Apolo-8, que na noite de Natal de 1968 enviaran) de sua cosmo-nave, a 400.000 km da térra, urna mensagem profundamente religiosa, lendo passagens da Biblia,

ás quais acrescentaram urna prece destinada aos «homens de tdda parte»:

«Dá-nos, Senhor, os olhos que nos permitam ver teu amor no mundo, apesar das deficiencias dos homens. Dá-nos a fé para nos coníiarmos a tua bondade, apesar da nossa ignorancia e da nossa fraqueza.

Dá-nos entendünento para que possamos continuar a rezar com

um coracáo consciente.

E mostra-nos o que cada um de nos pode fazer para favorecer a chegada do día da paz universal. Amém».

Como se vé, o Cristianismo, que nao admite mitos, nada tem a perder com o esmero de urna visáo científica do universo; ao contrario, o Deus da Biblia mais se patenteia, com novos sinais, ao cristáo que vive em nossos días.

3. As teorías de Copérnico e Galileu (que ensinavam o heliocentrismo, em lugar do geocentrismo) e as de Darwin (que propugnava a origem do corpo humano a partir da ma teria animada do macaco) puderam, sim, sacudir muitos cató licos, quando propostas pela primeira vez. A inquietacáo, porém, se deu em parte porque tais teorías foram formuladas de maneira um tanto imperfeita por seus primeiros arautos; em parte também (e principalmente), porque, os estudos bíblicos nao estando suficientemente evoluidos, as escolas católicas julgavam que as Escrituras pretendiam ensinar aos homens déncias naturais e, em particular, a cosmología dos antígos hebreus.

— 367 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 1

Hoje, porém, sabe-se que tal nao é a intengáo da Biblia; sabe-se também que nada há na Escritura que proiba ao homem de senvolver seus talentos de modo a tentar conquistar os espacos. Ensoberbecer-se e julgar que Deus nao existe, porque o homem vai descobrindo a obra do Criador, é absurdo. A auténtica ciencia é sempre humilde; em vez de se endeusar, ela aponta melhor o verdadeiro Deus.

4. As viagens ao espago tém suscitado a hipótese de que haja habitantes em outros planetas. Ora a fé crista nao contradiz a tal possibilidade. Os seres humanos que existam

em outros mundos, deveráo ser tidos como criaturas do mesmo Deus que fez nossa humanidade; tais criaturas hipotéticas estaráo sujeitas á lei fundamental da consciéncia : «Faze o bem, evita o mal». Nao se poderia dizer, porém, se pecaram.... se foram remidas..., se os méritos de Cristo lhes foram aplicados... (a imaginaeáo, nesse setor, pode conceber hipóteses sobre hipóteses, sem conseguir respostas cabais, por que Deus nada revelou a propósito).

2.

Urna ob¡e$ao

As viagens espaciáis tém levado nao poucas pessoas a pro testar contra o emprégo de enormes capitais para tais fins,

quando tantos homens no mundo passam fome e miseria : nao seria para desejar que tanto dinheiro fósse canalizado para fins estritamente humanitarios e que os homens, em vez de pensar na conquista da Lúa, cuidassem mais dos problemas da térra ?

Em resposta, deve-se observar :

1)

Há inegáveis vantagens em que a ciencia progrida

— o que só é possível mediante exploracáo e pesquisas. As experiencias e conquistas registradas no setor da eletrónica e

da astronáutica redundam em beneficio de outros ramos do saber e da civilizacáo : comunicagóes, transportes, medicina, psicologia, cosmología, industrializagáo, agronomía... Por isto nao se devem impor limites ás pesquisas científicas, contanto que estas se processem dentro das normas impostas pela ética e pelo respeito á pessoa humana. De resto, os elogios tecidos á facanha de Apolo-11 tém preconizado que as novas conquistas da ciencia e da técnica

sirvam á causa da paz.

— 368 —

VIAGEM A LÚA E RELIGI&O

2) Para prover as necessidades das populagóes indigentes, é recomendável que se cortem outras despesas que nao as da explorado científica ; assim, por exemplo, as da corrida ar mamentista, como apregoa a encíclica «Populorum progressio» (n* 53). É preciso também que se desperté em todos os povos a consciéncia da solidariedade fraterna, de sorte que as nacóes mais aquinhoadas vencam o egoísmo e o exagerado cultivo de seus interésses particulares para atender as populacóes indi gentes.

Já se disse que as despesas com a viagem de Apolo-11 equivaleram ao que os cidadáos norte-americanos gastam anual mente no consumo de fumo. Será isto verdade ? — Como quer que seja, o confronto sugere a idéia seguinte : as viagens es paciáis poderiam tornar-se ensejo para que no mundo inteiro se intensificassem «campanhas de fraternidade» : convidar-se-iam, sim, todos os homens de boa vontade a se abster de despesas supérfluas (cigarros, álcool, guloseimas, diversóes de luxo...) a fim de ir ao encontró dos povos mais pobres. Assim as conquistas da ciencia e da técnica, longe de provocar pro testos e decepgóes, seriam acompanhadas de enobrecimento de caráter e de verdadeira aproximagáo entre os homens. Em suma: seria para desejar que a conquista do saber contribuisse, em todos os planos possiveis, para proporcionar melhores dias á humanidade sofredora. Os cristáos sao, por sua consciéncia religiosa, especialmente estimulados a orar e se esforgar em tal sentido.

3.

Prospectiva

A imprensa tem noticiado alguns prognósticos sobre o futuro da Religiáo na era espacial. Sejam aquí mencionados : 1)

Auto-afirmasáo do homem e reverencia a Deus. Eis

o que se lé no «O Estado de Sao Paulo» de 22/7/69, pág. 19 (artigo assinado por Edward Fiske) :

«Um dos imprevislveis efeitos de realizagSes como a de Apolo-11

cnvolve a nocáo que, tradlcionalmente, representava o centro da expe riencia religiosa: o senso de reverencia.

Alguns teólogos receiam que o senso de reverencia pelos objetos religiosos nao esteja apenas diminuindo, mas desaparecendo inteiramente da experiencia moderna. 'Parece um pouco tolo sentir reve

rencia dentro de urna catedral católica depois que cruzamos o Atlán

tico num

aviSo a

jato para vé-la',

«Harvard Divinity SchooD».

diz Harvey Cox

— 369 —

(professor da

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 1

Na verdade, o senso religioso e a reverencia perante o misterio da Diyindade sao algo de táo natural e inerente á estrutura interior do homem que é impossível a éste coibir

tais sentimentos sem se desfigurar e infelicitar. A historia das

Religiñes aponta, no mundo moderno, manifestacóes profanas que na verdade nao sao senáo antigás expressóes religiosas destituidas de seus verdadeiros nomes religiosos ; o marxismo, por exemplo, nao é senáo urna forma materialista e atéia de

messianismo e de mística. O senso místico é inato em todo homem.

As conquistas espaciáis só contribuiráo para extinguir a reverencia do homem para com a Religiáo e seus monumentos se houver deturpacáo do pensamento humano; na verdade, o dentista e o conquistador do universo sao mais e mais postos em contato com o misterio de Deus. Com efeito, continua a noticia do jornal citado:

«Outros, porém, julgam que a exploragáo espacial poderá dar ao homem um ndvo senso de misterio».

O estilo das catedrais católicas (románico, gótico, renascentista, barroco, futurista...) pode variar de acordó com as categorías artísticas de cada época ; o gótico, por exemplo,

talvez nao se coadune com as realizacóes do século XX. A mensagem, porém, que ésses estilos veiculam, é perene. 2) Era espacial e liberdade frente a Deus. Insinuam aJguns comentadores que as novas experiencias poderáo mais aínda solapar o senso de subordinacáo a Deus que os homens possam ter nutrido até os últimos tempos ; nao vai o cidadáo

do século XX assumindo as funcóes que outrora eram atribui das a Deus ?

— Para introduzir a resposta, deve-se notar que as ex periencias espaciáis tém exigido de todos quantos délas participam, o exercício de rigorosa obediencia e subordinacáo ao plano espacial e aos seus mentores. O éxito só é possível me diante fiel colaboracáo de todos e estrita submissáo de cada um as ordens recebidas dos chefes. Disciplina, renuncia, do minio de si sao predicados que os astronautas e os seus milhares de colaboradores praticam com afinco. Assim as conquistas espaciáis, do seu modo, vém a sugerir ao homem de hoje atitudes e predicados que, em última análise, sao profundamente religiosos. — A Religiáo complementa as licóes da astronáutica, asseverando que obediencia meramente leiga ou sem Deus é mal arquitetada ; cedo ou tarde ela se arrisca a vacilar se

— 370 —

VIAGEM A LÚA E RELIGIAO

11

nao se lhe dá um esteio sólido, como sao a fé em Deus e a adesáo aos designios do Criador. É por Deus e para realizar os seus planos que os homens devem obedecer as autoridades legitimas.

De resto, aqueles que comandam as pesquisas espaciáis tém consciéncia de estar penetrando em novos e novos campos do saber ; reconhecem que podem ser vitimas de surprésas, decepcóes e engaños. Isto os deve entreter naturalmente numa posicáo do humildade e de reverencia frente á Inteligencia Suprema, que Ihes permite avancar nos segredos que para Ela nao sao segredos. Desarrazoado seria o homem que julgasse ser absoluto e autónomo pelo fato de haver, a tanto

custo e com tantas cautelas, colocado o pe por duas horas na Lúa !

3) Consciéncia. do pecado. Também se tem dito que as conquistas espaciáis, incentivando a confianga do homem em seus talentos, contribuiráo para empalidecer a consciéncia do pecado e da necessidade de penitencia. Eis o que escreve Edward Fiske no «O Estado de Sao Paulo» de 22/7/69, pág. 19: «No passado a teología punha urna considerável énfase no pecado c na Iragilidadc do homem. Enquanto alguns pregadores, como o evangelista Billy Graham. continuam a salientar ésses aspectos, a maioria dos teólogos cotnecou a acentuar a íórca, a criatividade e a capacidade do homem para moldar o mundo em que Deus o colocou».

Em resposta, é necessário lembrar que o dominio sobre a materia nao tem emancipado o homem do egoísmo, do odio, das guerras, do terrorismo e do racismo; ao contrario, registra-se um desnivel flagrante entre os progressos da ciencia e da técnica e os métodos de malicia requintada («lavagem de cránio», ocupacáo de territorios, sufocacáo da liberdade, mor ticinios...) com que os homens tratam uns aos outros. O homem que se realiza como dentista ou profissiorcal, nao está necessariamente realizado como homem. Para tanto, é neces sário combata o pecado ; éste reside em todo e qualquer membro da estirpe humana.

É claro, porém, que a recordacáo de que o homem é pe

cador, nao nos deve impedir de reconhecer quanto de grande o Criador concedeu á criatura: inteligencia, criatividade, poder

sobre a materia que o cerca... Reconhecer o pecado no mundo nao quer dizer «cair no masoquismo, no péssimismo ou no maniqueísmo». Ao contrario, o cristáo, embora se saiba pe cador, é confiante e otimista porque sabe também que foi — 371 —

13

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

remido pelo sangue de Cristo e chamado a ser co-redentor, pela sua penitencia e pelo seu trabalho, com o Divino Redentor. Sobre a freqüentagáo do sacramento da Penitencia ñas igrejas católicas, cf. «P.R.» 102/1968, pág. 241-249. Eis algumas consideragóes que a viagem de Apoío-11 e o respectivo noticiario sugerem a quem procura pensar sere namente dentro de categorías cristas.

II.

FILOSOFÍA

E

RELIGIÁO

2) «A existencia de Deus... Sinto dificuldade era prová-la aos jovens, visto que sao propensos a admitir apenas o que podem ver e apalpar.

Gostaria de urnas explicaeoes que pudcsse transmitir á juventude». Resumo da resposta: É observando o ser humano que talvez mais fácilmente se possa levar o jovem de hoje ao reconhecimento de Deus.

Todo ser humano traz em si grandes aspiragoes inatas (á vida, á justica, á felicidade...), que nao encontram satisfacáo na térra. Conseqüentemente, impóe-se á razao um dilema: ou existem urna outra vida e o Bem Infinito (Deus), que correspondem a tais aspiragoes. Há. portanto, ordem e harmonía na natureza;

ou nada existe que responda ao homem. Éste entüo se torna um ser absurdo, que vive num universo absurdo. Ora

tudo parece indicar que o mundo nao é absurdo, mas bem

ordenado. As aspiracóes naturais sao devidamente preenchidas: assim. se existe ólho, existe luz; se existe ouvido, existe som; se existe pulmáo, existe ar. Se a agulha magnética está agitada, existe o Norte... Assim também, se o homem aspira espontáneamente á vida e á felicidade sem fim, estas existem; coinciden» com a posse do Bem Infinito, que é Deus.

O senso moral, congénito em todo homem, também leva a reco-

nhecer a existencia de Deus. Há, sim, no intimo de todo homem urna voz que lhe diz: «Pratica o bem, evita o mal». Nao é a voz da sociedade nem a voz do homem mesmo, pois tal voz multas vézes se

opóe á sociedade e ao homem.

Ainda que eu

me torne hipócrita,

oometendo o mal para me satisfazer, sem que alguém o saiba, essa voz me censurará. É a voz do autor da natureza: Deus.

— 372 —

DEUS EXISTE?

13

Resposta: A filosofía ocidental desde Platáo (f 348/347 a.C.) e Aristóteles (t 322 a.C.) concebeu algumas provas da existencia de Deus. S. Tomás de Aquino, na Hade Media (f 1274), deu-lhes a clássica formulacáo ñas chamadas «cinco vias». Visto, porém, que tais argumentos, em grande parte, apelam para a metafísica, sao por vézes pouco expressivos para a juventude contemporánea. O pensamento moderno é muito mais voltado para o homem («o ponto homem», como se tem dito) e seus problemas concretos do que para principios filosóficos abstratos. Sendo assim, embora permanecam ple

namente válidas as clássicas vias metafísicas que dcmonstram a existencia de Deus, pode-se sugerir ao mestre moderno que dé grande énfase aos argumentos que procedem da observacáo do homem para chegar á nogáo da existencia de Deus.

As páginas que se seguem, sao, antes do mais, dedicadas á explanagáo de tais argumentos na seguinte ordem : 1) as grandes aspiragóes do ser humano, 2) o senso moral ou a responsabilidade, 3) duas objecóes, 4) conclusáo.

1.

As grandes aspirares do ser humano

1. O homem constituí um grande enigma para si mesmo. É dotado de aspiragóes fundamentáis e incoercíveis que nao encontram adequada resposta na vida presente. Com efeito, todo homem traz em si o desejo inelutável de felicidade, justiga, verdade, amor...

Ora sabemos quáo precaria é a felicidade de que alguém possa gozar neste mundo ; a exigüidade das criaturas que nos possam tornar felizes e a certeza de que morreremos, nos impedem de dizer que encontramos na realidade presente a feli cidade a que aspira espontáneamente o nosso ser. Aos mais belos sucessos se seguem as mais amargas de-

cepcóes : um diploma, um título de «doutor» constituem va lores, sim, mas, em comparacáo com nossas aspiragóes fun damentáis, aínda sao muito pouca coisa.. . Há sempre urna distancia entre nossas aspiragóes e nossas possibilidades, entre nossas possibilidades e nossas realizagóes... E, depois de executar — bem ou mal — a sua tarefa, o homem sabe que

entrará na velhice, a qual parausará as suas atividades. E após a velhice haverá a queda na grande fossa, em que todo o ser visivel do homem é pulverizado. Consciente disto, observa R. Ikor :

14

iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

«Alguns instantes de vida, e depois nada mais, eis o que te incita a te perguntar com éníase singular, diante de cada ato da vida: 'Para que isto?'»

Pode-se especificar o pensamento de Ikor. Á mente de todo homem afloram certas perguntas espontáneas e inevitá-

veis: Donde venho ? Para onde vou ? Qual o sentido desta existencia aqui na térra? Que valor tem o meu semelhante?... a familia ?

A Justina aqui na térra é freqüentemente burlada. A injustiga e a iniqüidade se impóem com facilidade desconcertante. O homem reto e honesto sofre por ser tal, ao passo que os violentos e indignos prosperam em sua carreira profissional. «O homem é lobo para o homem», como diz o proverbio latino.

Quanto á verdade, também é notoria a dificuldade com que a atingimos; a procura da verdade exige esforgos prolon

gados, nem sempre compensados. Ademáis é, por vézes, arduo distinguir verdade e erro, tanto no campo das ciencias naturais como no setor da filosofía; fácilmente o erro é transmitido

sob a forma de sofismas e semi-verdades — o que frustra pro fundamente o ser humano.

No tocante ao amor, o homem é também muitas vézes decepcionado. É-lhe impossível viver sem amor. Todavía ele dá amor as vézes mesclado de egoísmo, e recebe amor também por vézes contaminado...

Além do mais, todo homem digno déste nome nutre sem pre um ideal; procura realizar-se e realizar alguma coisa (um lar, urna profissáo, urna obra...) na térra. Verifica, porém, que a oonsecucáo de qualquer nobre meta é penosa e, nao

raro, frustrada. Aínda em nosso sáculo, Albert Camus, famoso escritor ateu, lembra o mito de Sísifo como expressáo típica da constante insatisfagáo ou mesmo decepgáo que a presente vida impde ao homem. Sislío, na mitología grega, era reí de Corinto, fllho de Eolio e esposo de Meropa. Por um motivo que os comentadores ignoram, os deuses condenaram Sísifo a íazer rolar urna enorme pedra por sobre a rampa de urna montanha, até atingir o cume desta. SIsifo, submetendose a puni^fio, nunca conseguía chegar a termo, pois a rocha,

impelida para cima, cedo ou tarde se precipitara por efefto do próprio

peso. Comenta Camus:

«Os deuses haviam pensado, com certa razáo, que nao há castigo mais terrivel que o trabalho inútil e destituido de esperanca... Ima.„

V7A

DEUS EXISTE?

15

gine-se todo o esfdrco de um corpo teso para suspender a enorme pedra e fazé-la rolar escarpa ácima; e isto, urna centena de vézes...

Imagine-se o rosto franzido, a face colada contra a pedra... Sísífo vé a rocha arremessar-se em poucos Instantes para éste mundo infe rior, de onde será necessário subir de novo para o cume... Ele desee mais urna vez para a planicie» p. 161. Idees).

(Camus,

«Le

mythe

de

Sisyphe»,

A luta perseverante de Sisifo tem algo de grandioso e

heroico, sem dúvida. Segundo Camus e outros pensadores, ela representa a realidade da vida humana neste mundo, vida que é um continuo recomecar em conseqüéncia de sucessivas frustragóes e quedas.

Camus chega a acrescentar que a luta mesma em de manda do píncaro basta para encher um coracáo humano; é preciso imaginemos Sisifo feliz..., embora saibamos que nao atingirá a saciedade.

A Camus nao poucos tém respondido que lutar por lutar

parece puro desperdicio de energía. Mais ainda: a grandiosidade da luta de Sisifo nao deixa de ser marcada pelo absurdo. Sisifo sofre, renunciando a atingir o único objetivo que possa motivar a luta dolorosa : a posse da felicidade tranquila e definitiva. Será necessário que o homem aceite simplesmente

o seu penar e procure sufocar em si o desejo incoercível de felicidade ? O homem que hoje trabalha penosamente,

se reconhecerá

(nem aceitará reconhecer-se)

nem sempre

na. figura de

Sisifo ; quem nao tem a esperanga de adquirir algo mediante os seus esforgos, está destituido da fonte de energías indispensável para poder sustentar a luta. 2.

As consideracóes até aqui propostas sugerem a se-

guinte conclusáo : as aspiragóes inatas que o homem traz em si, nao podem ser frustradas. Se nada houvesse que lhes correspondesse, teriam plena razáo os que, mediante entorpecentes e psicotrópicos, procuram «paraísos artificiáis», ou aqueles

que póem fim a si mesmos no suicidio. Diz com acertó Gabriel Marcel: «Se a morte é a realidade última, todo valor se ani quila no escándalo puro ; a realidade está como que ferida em seu coragáo».

O bom senso, portante, leva a afirmar que há urna resposta positiva e válida para as grandes aspiragóes inatas do

— 375 —

16

cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

ser humano1. Essa resposta, em última análise, é o Bem Infinito, o Primeiro Amor e a Verdade Suprema. E, já que nao é possível na vida presente possuirmos plenamente ésse Supremo Valor, existe urna vida postuma, na qual encontraráo saciedade as mais fundamentáis aspiragóes do ser humano. Foi o Ser Infinito, Deus, que nos criou, deixando em nos o sinéte do Fabricante (isto é, a sede inelutável do Infinito); e é ésse Criador quem continuamente exerce sobre nos o seu atrativo, permitindo percebamos a exigüidade do tudo que nos cerca (todas as coisas sensiveis passam, e o homem per manece com insaciável capacidade para usufruir novos e

novos bens).

3. O que acaba de ser dito, pode ser ilustrado pela verificacáo de certos fenómenos ocorrentes na natureza. Esta parece excluir a frustracáo e o absurdo; com efeito, se tenho olhos, é porque existe a luz para a qual o ólho foi feito; se tenho ouvidos, é porque existem sons e melodías: se tenho pulmñes, existe o ar que lhes corresponde;

se tenho fome e sede, existem os alimentos de que preciso; se a mulher tem o senso da maternidade e aspira a ser máe. existe para ela a maternidade ou o poder tornar-se máe.

Mais aínda : se as aguas do mar sobem por ocasiao das mares, tornándose agitadas e inquietas, sei que essa agitacáo nao é casual, mas se deve ao atrativo sobre elas exercido pela Lúa; se a agulha magnética se agita dentro da bússola, posso estar certo de que existe um polo Norte (invisivel, sim, mas muito real) que a atrai e só permite repouse quando devidamente voltada para o seu Norte.

Assim análogamente, se verifico em mim (anteriormente a qualquer reflexáo filosófica ou religiosa) a sede de certos valores ou mesmo do Infinito, posso estar certo de que tais valores e o Bem Infinito existem no Além, em correspondencia a tais aspiragóes.

1 Note-se bem: nao falamos das aspiragóes que cada homem possa oonceber na base de seu temperamento e da sua cultura pesjoais, pois tais podem ser arbitrarias, assemelhando-se por vézes a sonhos utópicos. Trata-se, no contexto ácima, dos grandes anelos que todo homem, de qualquer raca ou cultura, traz em si.

— 376 —

DEUS EXISTE?

17

Simone de Beauvoir, imbuida de existencialismo, escreveu muito sabiamente: «Urna vida, para que seja interessante, deve assemeUiar-se a urna ascensáo: galga-se um patamar, e, depois, outro...; cada patamar nao existe senáo em vista do patamar seguinte... Se essa subida, chegando ao auge, retrocede, ela se torna absurda desde o seu ponto de partida» («Le sang des airtres»).

Esta frase de Simone de Beauvoir, por muito válida que

scja, parece deixar lugar a urna réplica : Com efeito. Talvez observe alguém : Por que nao dizer corajosamente que a vida humana e a passagem do homem sobre a térra sao algo de absurdo ? Desgrasado o individuo que aspira utópicamente a melhor vida ! Nao se diga, pois, que nao podem ficar frustradas as aspiragóes mais fundamen táis da alma humana. A esta objecáo deve-se responder : o universo se apre-

senta marcado por nota de profunda harmonia; é o que declaram os estudiosos de qualquer dos reinos naturais : mineral, vegetal e animal (irracional). Einstein experimentava admiraQáo extática ao considerar a ordem do infinitamente grande. Alias, as ciencias naturais nao seriam possíveis se o universo

e a natureza nao fóssem inteligíveis ou nao fóssem o produto de urna Inteligencia Suprema que concebeu cada urna das criaturas (grandes e pequeñas) e seu maravilhoso inter-rela-

cionamento. Pergunta-se, pois: sómente o homem e sua exis

tencia sobre a térra seriam algo de absurdo ou destituido de explicacáo e razáo de ser ?

Vé-se que o absurdo consistiría, antes, em se admitir que sómente o setor humano seja marcado pela nota do absurdo no conjunto das criaturas; parece desarrazoado que, colocado no todo harmonioso do universo, o homem, e sómente o

homem, nao se beneficie da ordem que se exprime no conjunto e em cada um dos seus outros setores. Verdade é que, quando se trata do homem, entra em jógo um fato singular: a liber-

dade de arbitrio. Ora a liberdade sempre implica Sim e Nao, capacidade tanto de afirmar e confirmar como de destruir a ordem existente. Compreende-se entao que o homem se possa considerar por vézes vitima de absurdo; o absurdo, no caso, nao é originario nem é inerente á natureza, mas deve-se ex clusivamente ao uso desregrado ou ao abuso da liberdade de arbitrio. Vé-se, pois, que as desordens ou frustracóes que

o homem possa experimentar nesse mundo, nao depóem con— 377 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

tra a ordem do conjunto concebida pela Primeira Inteligencia. Entre parénteses, pode-se acrescentar que, pelo fato de existir a Inteligencia Primeira ou Infinita, os males ou absurdos devidos ao homem nao sao irremediáveis, mas poderáo ser sempre superados ou redimidos. Em conclusáo: certas interrogares e aspiragóes espon

táneas em todo homem exigem resposta. Ora, já que tal resposte nao é dada na vida presente por alguma das finitas criaturas que nos cercam, há urna vida postuma, em que encontramos, sem dispute nem contestacáo, o Criador ou o Bem Infinito, resposta aos mais genuínos anseios do ser humano1. Outra faceta do homem nos interessa agora :

2.

O setrso moral ou a responsabilrdode

Em todo ser humano, anteriormente a qualquer profissáo filosófica ou religiosa, existe o senso moral... E que é ésse senso moral ? — Em termos gerais, pode-se dizer que é a persuasáo, inata em todo homem, de que nao é lícito tomar qualquer

atitude em qualquer situagáo ou encruzilhada da vida.

O

homem tem que se comportar de acordó com urna norma fundamental que ele ouve em seu íntimo : «Pratica o bem, evite o mal». Seguindo tal principio, a pessoa tem a consciéncia de haver cumplido o seu dever — o que é fonte de alegría e paz. Ao invés, quem transgride tal imperativo, pra-

ticando o que lhe parece ser mal, é vítima de urna censura interior ; desta censura o homem, muitas vézes, deseja desembaracar-se, sem, porém, o conseguir. Qual a base do sentimento moral assim concebido ?

Procuremos a resposta por via indutiva, ou seja, analisando um caso concreto e típico :2

i Já na vida presente o homem atinge o seu Criador; atinge-O,

porém, como peregrino posto em demanda de urna posse mais plena,

e nao amissivel.

3 Para que a leitura seja frutuosa, é de recomendar que o leitor

procure acompanhar e viver Intimamente as peripecias coes do monólogo que se segué.

— 378 —

e

interroga-

DEUS EXISTE?

19

«Acho-me só em um consultorio de médico. No grande,

fichário ai colocado, sei que se encontram os dados pessoais

— as vézes 'vergonhosos' — dos pacientes em tratamento.

Estou consciente de que essas fichas de doentes estáo prote gidas pelo segrédo profissional, a tal ponto que nao é licito revelar o seu conteúdo nem em caso de perquisigáo judiciária

ou de julgamento em tribunal. Por oonseguinte, bem sei que me é absolutamente vedado tomar conhecimento do que diz o fichário do médico. Acontece, porém, que o tratamento aplicado ao paciente N. N. despertou a minha curiosidade. Parece-me ter adivinhado o mal de que sofre. Eu quisera verificar o acertó de minhas conjeturas... Apodero-me entáo da ficha respectiva. Desdobro-a em toda a sua estensao. Leio-a...

Verifico que meu diagnóstico fóra exato — o que para mim foi um triunfo. Todavía ésse contentamente intelectual é imediatamente acompanhado de um mal-estar profundo e su bitáneo em mim. Cometi grave indiscrigáo. Sinto-me julgado interiormente: tornei-me culpado de urna injustica para com o doente e de um abuso de confianca em relagáo ao médico.

Éste veredicto impóe-se ao meu espirito de maneira cate górica, absoluta. Pergunto-me entáo: por que ésse julgamento sobre mim mesmo tem tanta pujanca ? E por que a conseqüente perturbagáo é táo persistente e dolorosa ? Tentando responder, fago a seguinte reflexáo : tenho um nariz deformado e, por isto, nao sou um tipo bonito. Isto me entristece nao pouco, principalmente porque me dificulta en contrar urna colocacáo na sociedade. Mas sei que nao sou

responsável por essa deformagáo. E, ainda que tal deformida'de resultasse de um acídente motivado por urna imprudencia minha, eu me sentina responsável no caso, sim, mas nao com

a profundidade e a vergonha que a grave indiscrigáo suscita

em mim. O defeito no rosto atinge apenas o meu corpo e a minha carne ; é urna tara física, nao própriamente moral. E eu bem me posso libertar da tristeza ocasionada por minha deformidade, eleyando-me no plano moral, ou seja, impondo-me

em tudo como cidadáo honesto e digno. Ao contrario, a minha

culpa moral atinge o que há de mais íntimo em minha personalidade : sou responsável em minha consciéncia ; é no mais

profundo do meu ser que experimento a minha culpabilidade. — 379 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

Dizia que me sinto responsável! Mas diante de quem ?

Nao perante as paredes, nem perante o gato, que me contem-

plava solenemente, quando eu percorria o ficharlo do médico. Só posso ser responsável diante de urna pessoa. Entáo dirá

alguém:... diante da sociedade. Ou, mais precisamente, diante das pessoas com as quais convivo. Elas tém confianga em mim;

tratam-me como um tipo leal e oorreto. Ora eu já nao sou o que elas pensam. Sinto que há um desnivel entre o que

parec.0 ser e o que sou realmente. Isto me incomoda. Preciso de sor auténtico, isto ó, idéntico á imagem que a sociedade tem de mim... Sem dúvida ! Mas por que é que outro homem — ou o conjunto dos outros homens — tem o poder de me oonstranger

a ser auténtico, a ser aquilo que eu pareco ser ? — Talvez porque a sociedade está baseada na confíanga mutua e na preocupagáo de nao se fazer a outrem o que nao se quer para

si mesmo ? Sim; nao há dúvida. Mas nao basta isto. Nao poderia eu simplesmente evitar as más impressóes e os escán dalos no meu comportamento externo ? Bastaría, para tanto,

que eu me dissimulasse sob a hipocrisia. E, no caso preciso em que me vejo, nao bastaría que, após ter devassado indiscre tamente o fichário do médico, eu guardasse com zélo o segrédo violado ?

Talvez pudesse, sim, salvar désse modo hipócrita as aparéncias de honestidade. Mas reeonhego que isto nao me satis faría. Ainda que os homens me aprovassem ou me deixassem

passar impune, eu ouviria dentro de mim urna voz de censura severa. Nao seria a voz dos homens, nem seria urna voz pre meditada por mim, mas seria urna voz anterior a qualquer

deliberagá© minha : seria a chamada 'voz da consciéncia'». (Trecho adaptado do livro de J. Javaux, «Prouver Dieu?»,

pp. 60-62.)

Éste depoimento-monólogo, vivo e impressionante como é,

leva-nos a concluir que dentro de nos existe urna regra de nossos atos, congénita conosco, que, em última análise, é in-

cutida por Deus. Sem Deus é inútil justifica^ a ética com seus imperativos, nem se vé por que observar normas moráis;

estas se tornam convengSes artificiáis e discutíveis. É o que

atesta com muita sabedoria o filósofo ateu existencialista Jean-

-Paul Sartre : «O existenclalista é multo oposto a um certo tipo de moral leiga

que deseja suprimir Deus com o mínimo de inconvenientes possivel. — 380 —

DEUS EXISTE?

Quando em

1880 alguns

professóres

franceses

21

tentaram constituir

urna moral leiga, disseram mais ou menos o seguinte:

'Deus é urna hipótese inútil e pesada; suprimamo-la; mas é necessário, para que naja urna Moral, urna sociedade, um mundo poli-

ciado, ... é necessário que certos valores sejam levados a serio e considerados como existentes de maneira absoluta; faz-se mister seja obrigatório em absoluto que sejamos honestos, nao mintamos, nao espanquemos nossas esposas, tenhamos filhos, etc., etc. ... Por conseguinte, vamos fazer um trabalhinho que permitirá mostrar que ésses valores existem apesar de tudo, inscritos num céu inteligível, ombora Deus nao exista.

Com outras palavras — e esta é, creio, a tendencia de tudo que

em Franca se chama radicalismo — nada será mudado, se Deus nao existir; encontraremos as mesmas normas de honestidade, de progresso, de humanismo, e teremos feito de Deus urna hipótese ultrapassada, que marrerá tranquilamente e por si. Ao contrario, o existencialismo julga que é muito incómodo que Deus nao exista, pois com Ele desaparece toda possibilidade dé encontrar valores num céu inteligível. Nao pode haver nenhum bem absoluto, já que nao há consciéncia infinita e perfeita para o conceber; em parte alguma está escrito que o bem existe, que é preciso ser honesto, que é necessário nao mentir, pois entáo precisamente nos colocamos num plano em que há sómente homens. Dostolevsky escreveu: 'Se Deus nao existisse, tudo seria permitido'. ÍJ éste o ponto de partida do existencialismo» («L'existencialisme est-il un humanisme?» 1946, pp. 34-36).

Em outros termos : ou aceitamos o binomio «Ética-Deus» ou simplesmente negamos a Ética. Esta afirmacáo é, de seu modo, confirmada pelo testemunho seguinte : Um muculmano certa vez abandonou o Coráo como sendo urna colcha de contradicSes. Um dia, quando em um laboratorio manipulava

corpos químicos, foi impressionado pelo determinismo do comportamentó désses corpos: urna vez realizadas as condicóes para reagirem, nao podem nao reagir. Pensou entáo consigo mesmo: «Eu, ao con

trario, sou livre! Livre, mas responsável... E responsável diante de quem? Diante de urna pessoa: Deus». Confessou entáo o muculmano: «Encontré! a paz, e nunca mais a perdi».

Eis, porém, que duas objecóes se levantam contra a exis tencia de Deus depreendida das consideracóes precedentes.

3.

Duas dificuWodes

Dizíamos que, observando-se a si mesmo, com suas lacunas e aspiracóes, o homem pode chegar a Deus. Pergunta-se, porém: 1.

Será que ésse Deus assim concebido é algo de real e

objetivo ? Nao será simplesmente a projegáo da nossa angús— 381 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

tía, ou urna especie de ficcáo que nos dá seguranga na miseria da nossa condigáo humana ? — Em resposta, note-se que a procura de seguranga marca, sem dúvida, o comportamento do homem. Todavía éste fato nao impede, nem exclui, exista realmente aquéle que é capaz de nos dar seguranga. Esta afirmagáo pode ser ilustrada se

voltamos a nossa atengáo para um fato de ordem mais con creta : imaginemos uma crianca que, angustiada, procura sua máezinha em meio á multidáo ; essa angustia, por certo, nao «cria» máezinha, mas, ao contrario, é derivada do fato de que máezinha existe. Assim, o homem na térra procura o Bem Infinito ; nessa sua procura ele nao «cria» nem projeta ficticiamente o Bem Infinito, mas, ao contrario, ele está sendo atraído pelo Infinito, que realmente existe. Note-se que o desejo do Bem Infinito nao é algo de particular ou próprio de algumas criaturas apenas, mas é comuna a todos os homens ; na natureza humana há uma relagáo intrínseca e indelével ao Infinito.

A prova de que Deus nao é simplesmente uma projegáo de nosso mundo subjetivo, é principalmente lúcida no plano da moralidade. Neste, Deus aparece como realmente «Outro», como alguém que irrompe em nossa vida e a quem as vézcs o homem tenta resistir. A propósito vém as palavras do Cardeal Daniélou : «Faeo a experiencia de que Ele (Deus) existe, porque me esbarro contra file. Se eu O tivesse fabricado, té-lo-ia, por certo, fabricado de maneira bem diversa. Mas vejo-me obrigado a me adaptar a Ele... As coisas sao assism, e é preciso que eu as aceite. Assim tomo cons-

ciencia de que estou na presenga de algo de real, e nao de uma criacáo da minha imaginacáo ou da minha sensibilidade* («Scandaleuse Venté», p. 93).

Muito válido é também o depoimento de Paúl Claudel, o grande poeta Gonvertido ao Cristianismo : «Essa minha resistencia (a Deus) durou quatro anos. Ouso dizer que me defendí heroicamente e que a luta foi leal e completa. Nada omití. Usei de todos os recursos e tive de abandonar, urna após outra, as armas que de nada serviam. Essa foi a grande crise da minha existencia, a agonia do pensamento, a respeito da qual Artur Rimbaud escreveu: 'O combate espiritual é tao brutal quanto a batalha entre homens. Duna noite!'» («Ma conversión»).

Vé-se, pois, que seria gratuito afirmar que Deus nao é senáo a vá expressáo da sofreguidáo do homem, expressáo á qual nada corresponde de objetivo. Seja lícito lembrar : nao

DEUS EXISTE?

23

há agulha magnética agitada sem polo Norte ; nem há maré cheia e encapelada sem Lúa que atraía as aguas.

2.

Objeta-se também : os homens tém sede de justica e

feliddade perfeitas. — Podem estar seguros

de que estas

ocorreráo em tempos futuros. Todavía nao se diga que cada

individuo ou eu e tu encontraremos a resposta as nossas as-

piragóes. É sómente ao género humano como tal ou as geragóes vindouras que tocará viver a ordem perfeita sobre a térra.

— Tal é a mensagem do marxismo. Éste professa otimismo em relacáo ao porvir da humanidade. Julga, porém, que o in dividuo que hoje luta, poderá deixar de colhér o fruto de suas fadigas. Desta forma, o marxismo reduz o homem á condigáo de carvao a ser langado na grande locomotiva da historia e da humanidade. Tal solugáo deixa naturalmente insatisfeita a sá razio. Esta exige que cada personalidade seja devidaniente

levada em conta. O género humano nao é simplesmente o «homem coletivo», mas é urna grande familia, que consta ne-

cessáriamente de cada um de seus membros e de todos éles.

4.

Conclusoo

1. Refletindo sobre si mesmo, o homem entrevé um mis terio que, em última análise, nao é senáo a marca de Deus, o Bem Infinito. Em oonseqüéncia, afirmar que Deus existe vem a ser atitude altamente razoável e sabia. Dizia o filósofo Pascal (t 1662) : «O último passo da razáo consiste em reconhecer que há urna infinidade de coisas que a transcendem. A razáo seria extremamente débil, se ela nao chegasse a reconhecer isso». Do seu modo, Shakespeare insinúa o mesmo, quando atribuí a um personagem do seu «Hamlet» a segumte afirmagáo : «Há muita coisa no céu e na térra, Horacio, que a tua filosofía está longe de imaginar» (I 5). Em outras palavras : a razáo humana se vé diante de um dilema :

— ou adere ao misterio,

reconhecendo Deus e

a

vida

postuma, — ou cai no absurdo, caso afirme que a vida presente e

o homem sao interrogacóes sem resposta ou sem explicagáo. É necessário, porém, que os homens de fé, tendo desco-

berto Deus através de si mesmos, evitem fazer caricaturas de — 383 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 2

Deus, ou seja, evitem conceber Deus á semelhanga, por exemplo, de um Grande Banqueiro ou de um Papai Bonacháo. Tais conceitos imperfeitos ou antropomórficos redundariam em contratestemunho ou dificultaciam a muitos homens a descoberta da verdadeira face de Deus. 2. Para terminar, seguem-se aqui dois interessantes depoimentos de pessoas que, considerando auténticas testemunhas

de Deus, mais fácilmente se elevaram Áquele que é Principio e Fim de todos: a)

O P. Aimé Duval S. J., famoso compositor de cangóes

religiosas populares, era filho de camponeses dos montes Vosges (Franca). Recorda nos seguintes termos a oragáo que todas as noites se fazia em familia : «O que hoje me comove,

é lembrar-me da atitude

de meu

pai.

Ele, que nao tinha vergonha de mostrar-se cansado ao voltar do tra balho, depots da ceia ajoelhava-se, colocando a cabeca ñas máos, com os cotovelos apoiados etn urna cadeira, sem voltar o olhar para os filhos que o cercavam, sem se mover, sem tossir, sem um gesto de impaciencia. Entáo pensava eu: 'Meu pai, que é táo .forte, que dirige a casa, que se conserva intrépido ñas adversidades e tao pouco tímido diante... dos maus, eis que diante de Deus ele se torna pequenino, pequenino. Com efeito, o Jalar com Deus transíorma-o. O bom Deus deve realmente ser alguém muito grande para íazer que meu pai se ajoelhe!... Quanto á minha mae, ... pensava eu: 'Na verdade, o bom Deus deve ser muito bondoso, já que se lhe pode íalar com urna erianca nos bracos e com um avental de trabalho...' Das máos de meu pai, dos labios de minha máe aprendí, a respeito do bom Deus, muito mais do que no catecismo, file é alguém. É alguém muito próximo a nos. Só se fala bem com file depois que se termina o trabalho».

No caso, o espirito e a prática da oragáo, num lar pro

fundamente cristáo, tornaram-se, para o coracáo do menino, auténtico sinal da presenga de Deus. b) Outro testemunho notável é o de um dos últimos arcebispos de París, Mons. Veuillot, que, entrevistado pelo repórter de «France Dimanche» a respeito das provas da exis tencia de Deus, declarou o seguinte : «Quanto mais olho e

procuro compreender

o mundo,

mais

me

asseguro da existencia de Deus. Para mim, há algumas vidas de homens que nao se podem explicar sem Deus. Muitos sacerdotes com quem trabalho, jovens ou velhos, sao como que transparentes do

Deus. A sua alegría, o seu espirito fraterno, o cotidiano dom de si mesmos, também os seus sofrimentos, tudo isto é para mim como que o sinal tangivel da presenca e da acáo de Deus... Conheco pais e máes de familia cuja existencia fol marcada pela provaca o e cuja oracüo está cheia de perdáo: toda a sua vida clama, para mim, que

— 384 —

.

COMUNIDADES DE BASE

25

Deus está com éles... Cora outras palavras: na vida cotidiana, é o homem que para mim se torna prova da existencia de Deus. No

homem, frágil como é, por vézes incrédulo, freqüentemente pecador, há como que sinais do Absoluto».

Tal depoimento dispensa comentarios. Na elaboragáo déste artigo, valemo-nos principalmente de ConstituicSo «Gaudium et Spes» n* 1-22, do Concilio do Vaticano II.

J. Javaux, «Rrouver Dieu?». Tournai 1967. «Ensemble. Fiches de culture religieuse, par Pierre Dentin et une equipe d'aumóniers», n* 4 («L'existence de Dieu, le mal»); n' 3 («De l'athéisme á la foi»). Amiens 1947. P. Thivollier, «Deus existe... claro» n» 3. Lisboa 1957.

III.

Resposta do homem», em «Falar

PASTORAL

3) «Que sao as 'comunidades de base', de que tanto se fala na pastoral moderna ?» Resumo da resposta:

Por «comunidades de base» dentro da Igre-

ja entendem-se grupos de fiéis católicos que desejam viver a sua vida crista de maneira mais consciente e profunda. A Igreja, Gorpo Mistico de Cristo, é, sem dúvida, a grande comunidade dos discípulos de Cristo; Ela se divide administrativamente em dioceses e paróquias. Todavía ñas paróquias modernas, que geralmente constam de milhares de fiéis, é impossivel haver entre estes um relacionamento pri mario e pessoal; éste supoe sempre pequeños grupos. Dai o desejo, expresso pelo Concilio do Vaticano II e corroborado pelos bispos da América Latina reunidos em Medellln (Colombia) em 1968, de que se constituam «comunidades eclesiais de base». Estas nao devem ser «igrejinhas» nem paróquias dentro da paróquia. mas células vivas, postas em contato com todo o organismo da S. Igreja e cada urna das instituicñes desta. O número de membros de urna CEB nao deve normalmente ultrapassar a cifra de vinte; déstes escolher-se-á um lider que tenha qualidades de chefia e boa formacáo religiosa; será assistido por um Secretario e um Tesoureiro; é para desejar que cada CEB tenha também o seu assistente eclesiástico. O grupo deve reunir-se regularmente para celebrar o culto divino, máxime a S. Euca ristía (sem a qual nao há vida crista plena), para aprofundar sua formacSo religiosa e estudar o respectivo programa de apostolado. X

Resposta: A n Assembléia Geral do Episcopado Latino-Americano, reunida em Medellin (Colombia), nos meses de

— 385 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 3

agosto e setembro de 1968, promulgou em seu documento final as seguintes recomendac.5es : «4. Procurar a formacáo do maior número posslvel de comuni dades ecleslais ñas paróquías, especialmente rurals ou de marginallzados urbanos. Estas comunidades devem basear-se na Palavra de

Deus e realizar-se, enquanto possivel, na celebracáo eucaristica, sempre em comunháo e sob a dependencia do Bispo. 5.

A comunidade se formará na medida em que seus membros

tiverem um sentido de pertenca que os leve a ser solidarios mima missáo comum, numa participagáo ativa. consciente e frutuosa na vida litúrgica e na convivencia comunitaria. Para isso, é necessário fazé-los viver como comunidade, inculcando-Uies um objetivo comum: alcancar a salvagao mediante a vivencia da fé e do amor. 6.

Para a necessária formacáo dessas comunidades, fazer entrar

em vigor, quanto antes, o diaconato permanente e chamar a urna

participacáo mais ativa os Religiosos, as Religiosas e os leigos» (trans crito de «SEDOCx. novembro 1968, col. 701s).

Estes incisos preconizam a formacáo do que, com outros

termos, se chama «comunidades eclesiais de base» (CEB). Estas sao genuinamente inspiradas pela mente do Concilio do Vaticano II, mente expressa nos decretos «Presbyterorum Ordinis» n» 6, «Apostolicam Actuositatem», n« 10. 13. 18. 19, «Ad Gentes» n' 15.

Afim de elucidar o assunto, proporemos abaixo: 1) o que

é urna comunidade eclesial de base (CEB), 2) como se origina e desenvolve urna CEB.

1.

Que é comunidade eclesial de base ?

Vejamos o significado de cada um dos termos que constituem a expressáo ácima. 1)

Comunidade

Comunidade é um agrupamento humano originado e con

servado pela perspectiva de um bem comum a cultivar. Essa perspectiva deve ser t&o viva que d§ ao agrupamento a consciéncia de ser urna pessoa moral ou um nos. O bem comum,

no caso, pode ser parentesco ou afinidade de sangue, profissio,

territorio de habitacáo, interésses culturáis, políticos, assistenciais, religiosos, esportivos.

É de frisar bem que os agrupamentos humanos se tornam

realmente comunidades, quando — e sómente quando — os — 386 —

COMUNIDADES DE BASE

27

respectivos membros se relacionam pessoalmente entre si e se sentem responsáveis pelo bem do conjunto.. Cada qual deve, numa comunidade, interessar-se por quantos fazem parte do grupo, nao apenas na medida em que exercem fungóes no grupo,

mas enquanto sao pessoas humanas dotadas de nome, de aspiracóes, de historia e de problemas próprios. Tais elementos devem ser, de certo modo, compartilhados numa comunidade;

cada um ai deve amar e sentir-se amado. Nao se pode dar o nome de «comunidade» a urna sociedade cujos membros simplesmente se justaponham um ao lado do outro e se preocupem apenas com o papel que cada um deve desempenhar. Era linguagem técnica e simples, dir-seá: os membros de urna comunidade estáo unidos entre si por um relacionamento primario, e nao apenas por relacionamento secundario. Relacionamento primario é aquéle que atinge as personalidades como tais; todos entáo conhecem bem os traeos característicos uns dos outros. e podem prestar válido auxilio mutuo.

Relacionamento secundario, ao invés, é o que atinge as pessoas apenas na medida em que desempenham determinada funcao; básela-

-se únicamente em aspectos acidentais das personalidades. É o que

ocorre, por exemplo, quando passageiro e motorista se associam du rante um trajeto de taxi; o passageiro geralmente nao interroga o motorista sdbre familia, saúde ou economía,

mas

apenas se inte-

ressa por chegar devidamente ao termo da vlagem sem pagar preco injusto!

Eis, sumariamente, o que se entende por «comunidade». Agora passemos á expressáo 2)

... de base

A expressáo «comunidade de base» pertence originaria mente ao vocabulario da acáo social. Designa urna comunidade de pessoas simples e pobres que desejam promover seus interésses de maneira solidaria, sem depender das chamadas «cúpulas» ou de pessoas, autoridades ou partidos, cuja intervengáo lhes possa ser mais nociva do que benéfica.

A designagáo «comunidade de base» passou últimamente para o vocabulario religioso cristáo. Fala-se, hoje em dia, de

«comunidade eclesial de base», partindo-se naturalmente de premissas diferentes daquelas que inspiram o conceito de «comunidade de base» no plano sócio-econ6mico. Indaguemos, pois, o que vem a ser urna comunidade de base... — 387 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 3

3}

... eclesial

Á Igreja, esparsa pelo mundo inteiro, cabe o apelativo de

«comunidades na medida em que todos os seus membros se relackmam entre si como partes de um Corpo Místico — o Corpo de Cristo (cf. Rom 12,1; 1 Cor 12). No plano sobre natural, a mesma vida, derivada de Cristo Cabega, flui em todos os fiéis batizados ; existe urna comunháo de bens ou de coisas santas entre todos os membros da Igreja ; há também entre éles a aspiragáo comum a viver a Redengáo na caridade.

A comunháo existente entre os fiéis do mundo inteiro é ontológica, sim, mas é difícilmente experimentada no plano psicológico'; nenhum cristáo conhece todos os seus irmáos na fé, membros da mesma Santa Igreja, de modo a relacionar-se conscientemente com cada um, dedicando-lhe concretamente a devida caridade.

Verdade é que a Igreja universal se divide (no plano admi nistrativo) em dioceses, e cada diocese em paróquias. Estas representam, até hoje, a célula mínima da organizagáo da Igreja. As paróquias tém estensáo e populacho variadas, sendo

algumas relativamente pequeñas, ao passo que outras sao de grandes proporgóes. Todavía em nossos 'dias, mormente no Brasil, as paróquias tém geralmente seus milhares de habi tantes ; ora entre táo grande número de individuos é difícil, se nao impossível, existirem relagóes própriamente pessoais ; os paroquianos muitas vézes nao se conhecem uns aos outros ; também pouco contato tém com o respectivo pároco, de modo que nao podem desempenhar em comum sua missáo de membros da paróquia. Em tais condigóes, nao vivem o espi rito de comunidade, justamente porque esta é demasiado grande. Verifica-se também que os fiéis hoje, embora tenham seu domi

cilio fixo

e pertencam jurídicamente a

determinada

paróquia,

nao

vlvem no territorio paroquial respectivo: habitam neste, sim, mas trabalham alhures, por vézes a grande distancia, e passam seus lazeres ou fins de semana ainda em outro territorio; desta forma contraem relagOes humanas mals estreitas em outros ambientes que nao o de sua residencia.

Qucnto ás paróquias rurais em particular, verifica-se que a res pectiva populagao tende a se evadir constantemente para as cidades — o que torna por vézes difícil o surto e a canservacáo do espirito comunitario.

Nos casos até aqui apontados, os fiéis vivem a sua vida crista mais ou menos isoladamente, o que favorece o indivi-

— 388 —

COMUNIDADES DE BASE

29

dualismo, atenúa néles a consciéncia «eclesial» ou «de membros da Igreja» e debilita o vigor do testemunho cristáo que devem dar ao mundo.

Para remediar a estes males, tém sido propostas solucóes diversas: subdividir as paróquias, criándose nelas cápelas esparsas sob a dependencia da igreja matriz; cada cápela seria o ponto de conver gencia de determinado grupo de habitantes; — delimitar as paróquias de novo modo; — instituir paróquias pessoais, ou seja, paróquias definidas pelas pessoas que as comp6em (estudantes, operarios, militares, médicos...), independentemente dos limites de algum territorio.

Cada urna dessas solugóes pode ser válida em dadas cir cunstancias. Pode-se, porém, e deve-se, acrescentar-lhes a fundagáo de comunidades eclesiais de base. Estas constituem, den

tro da paróquia, agrupamentos pequeños, cujos membros sao vinculados entre si por um reladonamento primario (no sen tido exposto á pág. 27 [387]) e experimentan! vivamente a consciéncia de ser membros de um só corpo. Assim empenham-se comunitariamente por aprofundar sua formacjio crista, orar e participar da Liturgia, e irradiar no mundo a vida crista. Ve-se que, no caso, a expressáo «de base» está longe de se opor a «cúpula» ou, sem metáfora, a «autoridades e hierarquia da Igreja». O aposto «de base» significa apenas que se trata da mínima porgáo da Igreja-comunidade, ao passo que a maior expressáo da Igreja-comunidade é a Igreja universal.

As comunidades eclesiais de base cultivam em si um profundo senso de Igreja ; amam, em genuino espirito de fé, a Igreja universal e os seus representantes hierárquicos, com os quais desejam ter comunháo e, na medida do possível, colaboracjáo. «Comunidade de base» nao é «igrejinha» separada ou grupo fechado; também nao constituí urna élite crista, mas apenas

um grupo que, com humildade e caridade, procura as condieóes mais oportunas para urna vivencia crista integral; ésse grupo

será servical, será também célula viva posta em comunháo com outras células vivas dentro da paróquia, da diocese e da Igreja universal.

— 389 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 3

Impóe-se agora a questáo relativa a

2. 1)

FundagSo e funcíonamento de urna CEB

Fundasáo de urna CEB

Eis o que se pode dizer a respeito :

a) Parece evidente que, para se constituirem comunida des de base, é necessário antes do mais despertar a consciéncia do povo de Deus, ou seja, do clero e dos fiéis para tal valor.

A comunidade de base é essencialmente fruto de urna reno vada concepeáo de Igreja ou da nogáo de que os cristáos renascem e se santificam no Corpo de Cristo; a piedade e o apostolado dos discípulos de Cristo devem ter urna forte nota comunitaria ou eclesial. «Pulsar com a Igreja» e, mais ainda, «viver a Igreja», «viver o misterio da Igreja», eis o programa

de todo cristáo bem formado.

Tal despertar de consciéncia pódese lazer de varios modos, prin cipalmente por meio de palestras e cursos que tenham por objeto a

«volta as fon tes», ou seja, a assimilacáo da visáo teológica proposta pela Biblia, pela Liturgia e pelos Padres (antigos escritores) da Igreja, fontes das quais se nutriu abundantemente o Concilio do Vaticano n.

b) O fundador da comunidade de base pode ser o pároco local ou outro sacerdote ou um Religioso, urna Religiosa, ou ainda um leigo. Tal pessoa deverá ter fé viva, comprovada por digna conduta de vida, apurado senso eclesial e comunitario. Isto, porém, nao basta ; é necessário que possua também o dom da lideranga. Há, na verdade, individuos naturalmente capacitados para encabecar movimentos e dinamizar grupos ; quando fórem pessoas de fé e bons costumes, sejam preferencialmente escolhidos para dar inicio a urna CEB.

Além de suas aptidñes sobrenaturais e naturais, o responsável por uma CEB deve ter também algum estudo (proporcional ao papel que deve desenvolver) e, por íim, certo conhecimento da técnica de lideranga e da dinámica de grupo. Ao exercer a lideranca, o dirigente

da CEB deve interessar-se por desoobrir outros líderes no respectivo grupo e promover a sua formacáo; é preciso obter que cada membro se sinta .responsável dentro da comunidade e dé ao conjunto toda a partielpacao e colaborado de que seja capaz; algumas pessoas na CEB devem estar habilitadas a exercer a lideranca por rodízio.

Há casos em que a direcáo da CEB é, com vantagem. assumida por um casal; a constituicáo mesma do grupo pode sugerir tal tipo de lideranca (tenham-se em vista as equipes de Nossa Senhora).

— 390 —

COMUNIDADES DE BASE

31

c) fl claro que nao se deve empreender a fundagáo de alguma CEB sem a aprovagáo e possível colaboragáo do res pectivo pároco, a fím de que nao se quebré a unidade da pa róquia (CEB nao é paróquia dentro de paróquia). d) Os criterios para reunir pessoas diversas em urna CEB podem ser geográficos, ambientáis (meio de vida ou profissáo) ou opcionais. Conseqüentemente, pode haver

— comunidades com base geográfica: congregam pessoas que habitam no mesmo bairro, no mesmo edificio, no mesmo sitio, na mesma fazenda, no mesmo distrito ; — comunidades com base ambiental: reunem pessoas que vivem no mesmo meio social ou exercem a mesma profissáo (estudantes, operarios, técnicos...), sem se levar em conta o lugar onde residem ;

— comunidade com base opcional: constam de pessoas atraídas por um interésse comum, religioso e apostólico, livremente abracado, e provenientes de territorios diversos. Requer-se que dentro de cada CEB haja certa homogeneidade social, de modo que numa paróquia heterogénea (por

seu tipo de habitantes) deveráo existir varias comunidades de base. É o que se dá principalmente com as paróquias das grandes cidades, onde os modos como os homens se relacionam entre si sao muito variados. Onde há grupos já formados por objetivos de apostolado ou de formacao crista (como, por exemplo, um «praesidium» da Legiáo de Maria, urna célula da Juventude Agraria Católica, urna equipe de casáis de Nossa Senhora ou do Movimento Familiar Cristáo ou um grupo de cursilhistas...), tais grupos podem tornar-se pontos de partida para a constituicáo de comunidades de base: sem perder algo de seus objetivos anteriores, aos poucos tais agrupamentos podem assumir urna conscléncia aínda mals profunda de que sao células da Santa Igreja, células que devem viver táo perfeitamente quanto possfvel o ideal do Carpo de Cristo realizado na Igreja universal, na diocese e na paróquia.

As vézes, para se fundar urna comunidade eclesial de base em ambientes simples ou despreparados, é necessário comecar por des pertar nos homens a conscléncia comunitaria. É éste um valor que freqüentemente falta, mormente onde há pouca cultura; por conseguinte, em zona rural pode-se iniciar a formacáo da mentalidade suscitando urna obra de auto-promocao: construcáo de um melhoramento, ou organizacáo de um núcleo de artesanato em que todos os interessados colaborem.

e) O número de membros de urna CEB nao deve ser superior a vinte, pois, em caso contrario, difícilmente há ver— 391 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 3

dadeiro relacionamento interpessoal. Isto nao quer dizer que a CEB nao possa ter em torno de si um círculo de pessoas mais chegadas ao grupo, pessoas talvez em fase de conversáo, que usufruiráo do catecumenato ou dos beneficios ministrados pela CEB, até que um dia se possam integrar na paróquia ou constituir nova comunidade de base. Deve-se frisar que a CEB há de se precaver sempre contra o espirito de «igrejinha»; ela tenderá, antes, a atingir novos

o novos elementos do meio em que vive. 2)

Funcionamenlo de urna CEB

a) Toda comunidade de base deve ter suas reunioes periódicas (semanais ou quinzenais), a fim de revigorar a consciéncia de sua razáo de ser e de sua missáo. Essas reu nioes teráo em vista precisamente : celebrar o culto sagrado: oragdes comunitarias e, principal mente, a S. Eucaristía. Esta pode ser celebrada sem dificuldade caso a CEB tenha um sacerdote (o pároco local ou outro) como coorde nador, presidente ou assistente (é, de resto, para desejar que toda

CEB tenha seu assistente eclesiástico). A liturgia da palavra (leituras, homilía...) pode ser assegurada por um diácono, quicá pertencente á própria CEB. É em torno da mesa eucaristica que se corro

bora e exerce por excelencia a consciéncia de que, «embora muitos, somos um só corpo, pois participamos de um só pao» (1 Cor 10, 17). Urna comunidade eclesial de base sem freqüentagáo da S. Eucaristía estaría destituida da principal fonte de sua vitalidade.

Tenha-se em vista a declarado dos Bispos latino-americanos pu blicada em Medellin (Colombia) em setembro de 1968: «De acordó com a vontade de Deus, os homens devem santificar se e salvar-se nao individualmente, mas constituidos em comunidade (cf. LG n» 9; GS n' 32). Esta comunidade é convocada e congregada em primeiro lugar pelo anuncio da Palavra de Deus vivo (cf. «Pres-

byterorum Ordinis» n« 2 e 4). 'Nao se edificará, no entanto, urna comunidade crista, se ela nao tiver por raiz e centro a celebragáo da Santissima Eucaristía' (PO n* 6), mediante a qual a Igreja vive

e cresce continuamente (cf. LG n« 26)» (transcrito de SEDOC, novembro de 1968, col. 700s).

— cultivar a té mediante estudo e reflexáo. Em nossos días mais do que nunca, requer-se que todo fiel possua o nítido conhecimento das verdades que ele professa em seu Credo; por isto, o estudo em seus diversos gnaus torna-se necessário a todos aqueles que o possam realizar. Quem mais conhece as verdades referentes a Deus e ao designio de salvagáo dos homens, mais habilitado está para assumir

um comportamento auténticamente cristao.

— pla/nejar a sua ac3o... acao apostólica e agao social. A CEB há de ser fermento na massa; procurará, pois, conceber objetivos a

alcancar, planos a executar, e nao deixará de instituir periódicamente sua revisáo de vida e de acáo.

— 392 —

CASTIDADE PR&-MATRIMONIAL.

33

b) Para dinamizar a CEB, requerem-se, além do Diri gente principal (leigo, Religioso ou presbítero), um Secretario e um Tesoureiro; estes tres oficiáis juntos integram o Conselho da comunidade eclesial de base. A CEB pode ter outrossim suas equipes destinadas a tareías e servigos diversos; com efeito, o culto, o estudo e a acáo podem exigir que determinados membros da comunidade se encarreguem especial

mente de preparar e orientar tais atividades.

As equipes especializadas de urna CEB podem coardenar-se com as equipes congéneres de outra CEB, a fim de obter maior eficiencia em seus empreendimentos.

Em suma, as comunidades de base sao urna das genuínas expressóes da vida da Igreja em nossos dias ; derivam-se de nova tomada de consciéncia de urna verdade capital, a saber: ser cristáo é ser membro vivo e atuante de um Grande Corpo. Consciente disto, o discípulo de Cristo procura noje em dia o quadro oportuno em que ele possa viver essa realidade até as últimas conseqüéncias e dar assim marcante testemunho do Cristo ! Bibliografía:

José Marins, «A comunidade eclesial de base». Súo Paulo 1967.

ídem, «Diaconato e Comunidade de bases. Sao Paulo 1968. Raimundo Caramuru de Barros, «Comunidade eclesial de base: urna opeáo pastoral decisiva». Petrópolis 1967.

G. J. Deelen, «Pode a paróquia em REB 1966, pp, 49-59.

urbana ser urna comunidade?>,

Secretariado Leste-1 da CNBB, «Igreja e comunidades eclesiais de base», 1969.

IV.

MORAL

4) «É recomendável ou, ao menos, possível a castidade anterior ao casamento ? Nao será nociva á saúde ?» Resumo da resposta: Éste artigo apresenta observares de índole biológica e psicológica, corroboradas por testemunhos de médicos e educadores, visando evidenciar a necessidade de se observar a conti nencia pré-nupciaL A düiculdade que nao poucos jovens encontram para se manter castos, provém, em grande parte, das influencias ou das sugest6es do ambiente em que vivem; a sugestáo cria a necessi dade. E, pois, para desejar que país e educadores colaborem para despertar na juventude a consciéncia do grande valor da continencia

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34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 117/1969, qu. 4

pré-matrimonial; a saúde física, psíquica e moral dos educandos está em jógo. X

Resposta : Até nossos días, tém profunda repercussáo as palavras de Anatole France (f 1924): «Nao há castos. Há hipócritas. Há doentes. Há maniacos. Há loucos... Sem a sensualidade nao existe a sensibilidade, nao existe alma... Quanto mais voluptuosos formos, tanto mais inteligentes seremos !>

Em virtude destas concepgóes, é freqüente dizer-se em

nossos tempos que os jovens precisam de fazer experiencias

sexuais anteriormente ao matrimonio, a fim de evitarem males físicos e psíquicos que a continencia lhes poderia acarretar. Médicos e orientadores o recomendam tranquilamente; nem

sempre, porém, os resultados assim obtidos sao positivos e be néficos para os jovens e para a sociedade. É o que nos leva a reconsiderar o assunto ñas páginas seguintes, onde examina remos tres pontos: 1) que é a castidade ? 2) os ditames da medicina, 3) objegóes contra a castidade. O presente artigo retoma, após a devida revisáo e complementacao, o que já foi dito em «P.R.» 36/196», pág. 506-514.

I. 1.

Que é a castkfacfe ?

Castidade é p hábito que assegura a. alma o dominio

sobre os prazeres sexuais.

As fungóes sexuais tém, anexo a si, um deleite natural, instituido pelo Criador a fím de facilitar ao homem o exercido da procriagáo. Tal deleite, porém, é mero elemento concomi tante do ato sexual, cuja finalidade própriamente dita é a

prole. Por conseguinte, nao é lícito ao ser humano usufruir do deleite sexual senáo dentro do matrimonio. Com efeito, o matrimonio é a instituigáo natural destinada á procriagáo da especie. O principio segundo o qual o ato sexual so é licito dentro do matrimonio, entende-se bem pelo lato de que a func3o dos genitores nao se reduz a colocar mais um ser vivo no mundo; quem gera, assume também a tárela de educar. — Ora a educagao só é posslvel nos termos devidos, se há colaboracáo de pal e máe num consorcio de vida estável, que é o matrimonio. Além disto, ohserve-se que a doacao Intima que a criatura faz de si ao entrar em relacoes sexuais, nao é própriamente humana se é meramente carnal; a fiuicüo sexual, no ser humano, só se exerce normalmente se é precedida e acompanhada pelo amor, ou seja, por

— 394 —

CASTÍDADE PRÉ-MATKIMONIAL

35

urna doacáo psíquica. Donde se vé que a cópula humana supSe e exige doacao total da personalidade do varáo á da mulher e vice-versa; ora essa doacao total (que naturalmente há de durar a vida inteira) só se realiza na vida conjugal selada por auténtico contrato

matrimonial.

2.

Distinguem-se duas especies de castídade :

dade perfeita e a castidade comum.

a castí

A castídade perMta consiste na abstencáo completa das fungóos sexuais, sejam estas realizadas com outra pessoa, sejam provocadas pelo individuo consigo mesmo (masturbacáo). É também chamada «continencia perfeita»; deve carac terizar o género de vida das pessoas nao casadas, quer simplesmente solteiras, quer viúvas.

A castidade comum caracteriza o estado conjugal. Nao excluí o uso da sexualidade entre esposo e esposa. Implica, porém, renuncia a todo deleite sexual que nao admita ou exdua a possibilidade de procríacáo (o que se dá quando há realizacáo incompleta do ato sexual ou recurso a anticoncepcionais) ou nao se concilie com alguma das prerrogativas do ma trimonio (monogamia e indissolubilidade). Está claro que a castidade nao se restringe apenas ao corpo humano; nao é mera integridade ou retidao física (em tal caso, seria apenas continencia corporal). A castidade se estende também aos pensamentos, a todas as afeicCes e intene&es do coracáo humano, fazendo que se afastem de objetos indevidos. É muito difícil a alguém sustentar a castidade física se essa pessoa nao domina asslduamente os seus pensamentos e afetos; dada a Índole psicossomática do ser humano, pensamentos e afetos lascivos excitam naturalmente a carne, provocando a procura de deleite sensivel. A castidade nio é algo de meramente negativo; nao é mera renuncia nem oposicáo, mas constituí a adesáo mais plena da cria tura humana ao Criador e aos seus sabios designios; possibilita servico e doacao ao próximo com maior generosidade — o que redunda em verdadeiro enriquecimento da personalidade casta, como adianto se dirá.

Perguntamo-nos agora :

2.

E a Medicina. ..

que diz ?

Antes do mais, sejam propostas 1)

Observa$5es fisiológicas

A medida que o organismo do jovem e da jovem se vai desenvolvendo, os órgáos genitais se váo tornando aptos para — 395 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 4

realizar a sua fungáo. Desperta-se entáo a tendencia sexual

no adolescente. Ésse despertar é paulatino; as aspiragóes daí decorrentes nao sao tais que se lhes deva dar satisfagáo imediata ; nao sao a tal ponto imperiosas. Ao contrario, em vista

do equilibrio físico e psíquico da personalidade, tais aspiragóes háo de ser devidamente reprimidas até que o individuo tenha atingido a maturidade de corpo e alma necessária para poder contrair uniáo matrimonial. Esta coibigáo é necessária e salutar por mais de um motivo:

1) enquanto o organismo humano se está desenvolvendo, ele armazena fórgas que deverá despender mais tarde ; nao deve, portante, exercer alguma de suas fungóes vitáis antes de estar plenamente habilitado para isso. Tal norma se aplica de maneira especial á fungáo de reprodugáo. Esta, mais acentuadamente do que qualquer outra, passa por urna curva de ascensáo ou desenvolvimento, apogeu e declínio. O período de desenvolvimento, que comega já antes dos quinze anos de idade, é justamente aquéle em que se for-

mam os órgáos e se aperfeigoam as faculdades concernentes á geragáo. É no período de apogeu que o individuo pode usufruir

naturalmente do potencial de energía e vitalidade preparado durante o seu desenvolvimento. Se, porém, desde o desabrochar do atrativo sexual, o jovem comega a usar de suas fungóes genitais, nao pode deixar de experimentar funestas eonseqüéncias de tal abuso, pois as células só se reproduzem nor

malmente, quando hipemutridas ; entre tais lamentáveis conseqüéncias, assinala-se a debilitacáo geral da saúde do jovem, o aparecimiento de doengas venéreas, de descalcifícagáo (a ejaculagáo acarreta sempre notável perda de calcio), de psicastenias ou molestias nervosas com todo o cortejo de males que a isto se prende; tal abuso pode mesmo acarretar a morte

precoce.

«O uso prematuro dos órgáos genitais, diz Hufeland, é o meUior e o mais seguro meio de inocularse a velhice. Com eíeito, se, para gozar

dos prazeres

venéreos,

nao

se

espera o completo

desenvolvi

mento do corpo, o crescimento déste estaciona, e o individuo expóe-se a tornar a descer a rampa antes de a ter subido por completo. Com vinte anos, as faculdades oomecam a alterar-se, as enfermidades aparecem e, dez anos mais tarde, oferece-se o aspecto repelente de urna

decrepitude prematura»

(texto

citado pelo Dr.

Mario

Alcántara de

Vilhena, em «Da continencia e seu fator eugénico». Rio 1921, p. 74).

Dir-se-á : mas o fato de que o adolescente por volta dos quinze ou dezesseis anos está apto para fecundar um óvulo feminino nao deve ser interpretado como licenga concedida — 396 —

CASTIDADE PRÉ-MATRIMONIAL

37

pela natureza mesma para o exercício de tal fungáo ? — Responder-se-á que nao ; tal fenómeno fisiológico de modo nenhum significa que o jovem, na referida idade, esteja apto para assumir as responsabilidades e o pesado encargo de construtor de um lar ; equivale apenas a urna etapa percorrida pela natureza em demanda da completa autores, a natureza leva rapaz um homem apto a as últimas conseqüéncias

e formal virilidade. Conforme alguns oito ou dez anos para fazer de um exercer as suas fungóes sexuais até acarretadas por estas.

Damos aqui a palavra mais urna vez a um médico, o Dr. Mario de Vilhena : «Do poder um individuo usar de seus órgáos genltais antes de

os ter maduros e completos, nao se segué... que já o deva ou que

já lno convenha fazer, da mesma forma que um automóvel cujo reservatório requeira sessenta litros de gasolina, poderá andar com um litro apenas, mas isto nao convém.

Eis um dos mais funestos fatos para o desenvolvimento do indi viduo. As excltacfies ficticias e anormais que nao tém na sua fonte a maturidade funcional dos órgáos, produzem..., em virture déstes abusos ou déstes usos muito precoces, o estiolamento dos próprios

órgáos; os testículos estiolados, por sua vez. dáo produtos estiolados

e de má qualidade. O organismo assim tomado débil fornece gérmens debéis; a progenie sofre com isto» (obra citada, p. 29s).

2)

Sabe-se igualmente que as glándulas humanas fun-

cionam todas em estreita correlagáo entre si; em particular, as que segregam os hormónios das fungóes genitais nao servem sómente a estas fungóes, mas beneficiam outras atividades do organismo humano. Em conseqüéncia, a abstengáo da vida sexual permitirá que as glándulas hormónicas favore-

gam com mais intensidade outras fungóes vitáis do individuo.

«A endocrinología reconhece nos testículos a existencia de hor mónios múltiplos, dos quais uns presidem ao desenvolvimento dos caracteres sexuais e sao produzidos pela glándula intersticial, notadamente pelas células de Leudig, e outros, de que índependem os ca racteres do sexo e que estimulam as trocas gerais de materia ou

trocas intimas do metabolismo orgánico, os quais tém origem na linha seminal e ñas células de Sertoli. Dir-se-ia

que

o

testículo

se desdobra

em

duas

glándulas

a se

compensarem fisiológicamente, a íalta de exercício de urna délas devendo favorecer o revigoramento da funcáo da outra. A carencia do exercicio da fungáo genética resultará benéfica á funcáo estimu ladora da nutrigño geral» (Resposta ao 3' quesito da consulta feita pela «Liga pela Moralidade», em margo de 1918).

Mais recentemente, o Dr. Joaquim Moreira da Fonjeca perante urna assembléia de médicos asseverava : — 397 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 4

«Nos casos de abstencáo sexual, as (secrecdes) endocrinas váo estimular órgáos distantes, especialmente o sistema nervoso central, dando-lhe tenacidade e vigor admiráveis. Assim se explica a genialidade de tantos homens castos heroicos. De fato, no caso de pluralidáde de íuncOes do mesmo órgáo, o nao-uso de uma délas beneficia a atividade das outras... Nao é o náo-funcionamento dos órgaos sexuais, mas, sim, a extracáo déles, a causa da degenerescencia inte lectual dos castrados» («O fato endocrinico e a continencia masculina», em «Atas do 1* Congresso Brasileiro de Médicos Católicos». SSo Paulo 1947, p. 275).

Nesta passagem, merece especial atencáo a referencia á castracáo, ou seja, á mutilacáo do organismo que alguém possa empreender a fim de se conservar casto. Tal recurso artifi cial, como nota o Dr. Moreira da Fonseca, longe de ser bené fico, acarreta verdadeiro detrimento para a personalidade, pois a priva violentamente do concurso de uma fungáo que está intimamente relacionada nao só com a reprodusáo, mas tam-

bém com as demais aüvidades psico-somáticas do paciente. Eis aínda interessantes observacóes do Dr. Vilhena :

«A glándula genital tem incontestada influencia reguladora sobre

o desenvolvimento dos varios tecidos e sobre o crescimento de todo

o corpo. É o que nos provam as mais antigás observacóes fisiológicas desde Borden, na segunda metade do século XVIII, até Bertoldo cm

1849, chegand'o a nossos dias...

A secrecáo gonadal influi poderosamente no desenvolvimento do esqueleto, dos músculos, da gordura e no desenvolvimento dos caracte res sexuais secundarios, além das proporeñes sexuais das varias partes do esqueleto, tomando assim urna parte muito importante no determinismo das formas externas do individuo...

As perturbaedes esqueléticas dos eunucos nos mostram a falta

que lhes faz a secrecáo gonadal...

Ora, levándose em conta o equilibrio existente entre a criptorroica e a externa testicular, podemos perceber o mal sará ao jovem o exercício precoce ou ¡moderado da glándula obligando assim a endocrina a trabalhar pelas duas. com

glándula que cau exócrina, evidente

prejuízo da sua acáo trófica e reguladora em idade táo perigosa.

Dai decorre naturalmente o beneficio da continencia sexual, que permite o pleno desenvolvimento orgánico pelo eficaz e fisiológico

trabalho das glándulas» Janeiro 1950, pp. 216s).

I «Liberdade

sexual

ou

castidade?». Rio

de

Ao contrario da incontinencia, a castidade, facilitando a concentracáo de energía ou de funcóes vitáis, permite mais intensa aplicacáo ao estudo ; permite também manifestacáo

mais lúcida da inteligencia do respectivo sujeito. O amor ou o exercício da vontade se torna mais firme e puro em virtude da continencia espontánea : «Aqueles que guardaram a cas-

— 398 —

CASTIDADE PRÉ-MATRIMONIAL

39

tidade, sao melhores maridos, melhores país do que os outros... A continencia proporciona urna reserva de fórgas. A economía sexual favorece a longevidade e as diversas formas da atívidade intelectual» (Ch. Feré,' «L'instinct sexuel: évolution et dissolution»). — Como insinúa éste depoimento, a con

tinencia vem a ser outrossim fator de robusteza para o corpo mesmo do individuo : «O vigor físico que a continencia acarreta, é aproveitado pelos atletas e desportistas. Sabido é que os lutadores se conservam continentes, assim como... nos días de

encontró os jogadores de futebol se conservam sob um regulamento que Inés veda toda intemperanga. Também os boxistas ingleses atuais sao submetidos, no período de peleja, a urna dieta particular e & continencia sexual» (cf. Vilhena, ob. cit. p. 106).

2)

Consecuencias

Na base das consideragóes ácima, as autoridades médicas tém-se repetidamente pronunciado em favor da continencia anterior ao matrimonio. Haja vista, por exemplo, urna das conclusóes do 1* Congresso Brasileiro de Médicos Católicos realizado em Fortaleza, de 1* a 7 de julho de 1946 :
ticada, porque dá em resultado maior desenvolvimento da glándula intersticial e. daí maior atividade e vigor corporais e psíquicos» líAtas», p. 277).

O Congrcsso de Eugenesia reunido no Rio de Janeiro em 1929, congregando numerosos médicos, juristas, educadores brasileiros e estrangeiros, aprovou unánimemente a seguinte tese : «É preciso ensinar á juventude masculina que nao sómente a

castidade e a continencia sao possiveis e nao sao nocivas, mas também que estas virtudes sao as mais recomendáveis sob o ponto de vista simplesmente médico e higiénico, e que constituem um importante fator eugénico».

Com estas palavras, o Congresso de Eugenesia confirmava a conclusáo já unánimemente aprovada em 1902 por 150 auto ridades médicas (Drs. Gailleton, Landouzy, Lassar, Neisser...) reunidas na Conferencia Internacional de Profilaxia Sanitaria e Moral em Bruxelas, com a participagáo de quatorze nacóes. — 399 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 4

Seja citado também o depoimento unánime da Conferencia Nacional de Defesa contra a Sífilis, reunida no Rio de Janeiro em 1940:
da continencia extra-conjugal é o meio mate seguro de profilaxia anti-venérea, e nao acanreta em nenhum dos dois sexos, nem em alguma idade, disturbios de saúde ou alterac5es de desenvolvimento íisico e intelectual rel="nofollow">.

Urna educagáo sexual completa, que procure orientar a crianca para o matrimonio e que consiga impor aos jovens urna continencia sexual perfeita, representa, sem dúvida al guma, um dos mais valiosos meios de defesa contra a sífilis.

O Prof. Gowers, neurologista, escreveu em suas «Leituras Lettsonianas» : «Com toda a fórca que meus conhecimentos podem ter e com toda a autoridade de que posso ser dotado, asseguro, como resultado de larga observacáo de todas as classes, que nao há um homem ao qual a incontinencia tenha trazido o menor beneficio; e — o que é mais —

que da continencia nao se derivam senáo salutares resultados para os que a tém praticado».

O Prof. Gougerot, da Faculdade de Medicina de París, distríbuiu aos soldados franceses um boletim oficialmente aprovado pelo Conselho Interaliado de Higiene Social realizado em

París em 1919, onde se liam os seguintes dizeres :

«O melhor meio de evitares os perigos venéreos é te absteres, nao temendo que a continencia sexual te faca correr perigos. Nos te afirmamos: ao contrario, ela te conservará tñdas as tuas ífircas».

A Faculdade de Medicina da Universidade de Cristiánia (Noruega) publicou a seguinte declaracáo : «A assercáo feita recentemente por diversas pessoas. e repetida pelos jornais e nas assembléias públicas, de que urna vida normali zada e urna continencia perfeita sao maléficas á saúde, é absoluta mente falsa segundo a nossa experiencia, o que afirmamos unánime mente. Nao conhecemos caso de molestia nem. especie de prejuizo que possamos atribuir a urna conduta perfectamente puna c moralizada».

O Dr. Guchteneere, na sua obra sobre o «Birth Control», escreve :

«Médicos pouco escrupulosos corroboraram com sua autoridade éste aforismo, táo espalhado no público, de que a castidade absoluta é um perigo para o jovem. Na atualidade a opiniáo modificou-se

quase completamente. É já patrimonio dos médicos e mesmo do púolico seleto crer que a continencia nao oíerece perigo algum,

— 400 —

posto

CASTIDADE PRfi-MATRIMONIAL

41

que é a expressáo física de urna atitude moral. Porque a pretensa necessidade sexual dos jovens íreqüentemente é criac.ao artificial de

seu sistema nervoso, submetido a repetidas excitacbes eróticas...

A continencia se torna fácil se se evita com solicitude a ocasiáo de toda especie e sua voluntaria lembranca» (texto citado por Mario Alcántara de Vilhena. em «Liberdade sexual ou castidade?», n. 232s).

2. A necessidade da continencia fora do estado matri monial ainda pode ser ilustrada pela fisiología comparada ou pelo que se dá na vida dos animáis irracionais.

Com efeito, nos irracionais os instintos nao se desviaram

e podem ser observados na sua pureza primitiva (excetuados raros casos em que a domesticacáo haja radicalmente modifi cado a sua conduta de vida). Ora o instinto sexual nos animáis irracionais ficou sendo própria e realmente o instinto da reprodugáo. Desde que a maturidade dos órgáos sexuais permita a perpetuacáo da especie, macho e fémea se unem, em con-

dicóes, porém, bem determinadas, fora das quais toda atividade sexual no macho fica suspensa. Sim ; em certas épocas do ano, as fémeas, tornando-se aptas para receber a sementé masculina, produzem emanagóes odoríferas características; assim avisado pelo sentido do olfato,
sejar que os individuos humanos se norteassem, de maneira consci

ente, pela pureza de inteneoes que move os animáis inconscientes á copula sexual.

Estes dados de fisiología comparada corroboram a conclusáo de que no individuo humano a continencia fora do ma trimonio é realmente possível, ou melhor, exigida pelas próprias leis da natureza; vem a ser fator de equilibrio físico e boa saúde. 3)

Urna interrogajáo

A esta altura, porém, perguntará alguém : se tal é a realidade, como se explica que tantas pessoas julguem o contrario? — 401 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 4

— Isto se deve a preconceitos e sugestóes de urna men talidade e de urna moral pouco sadias.

Com efeito, desde que se desperta o atrativo sexual em nossos jovens, ésse atrativo é muitas vézes indevidamente agucado pelas circunstancias do ambiente em que vive o adoles cente. Tais circunstancias sao : — certa opiniáo pública ou o erróneo preconceito de que a conti

nencia é impossivel ou nociva;

— a literatura, o cinema e o teatro pornográficos, que nutrem a obsessáo do fruto proibido e a crenca de que o vicio é necessário;

— as solicitacoes de companheiros e colegas pervertidos.

Tais fatóres criam urna mentalidade no jovem e o levam ao desvio moral ou ao vicio sexual. Maus hábitos sao assim contraídos ; a repeticáo do ato desregrado produz a «necessi dade:» de o realizar, necessidade que se torna cega ou mesmo

obsessiva, quando na verdade a fungáo sexual deveria ser facultativa, ou seja, inteiramente sujeita ao alvitre da vontade. O que próprfamente merecería o nome de «aptidáo se xual», é entáo tido como «imperiosa indigencia sexual», a qual, dizem, ninguém se pode subtrair, como ninguém se pode furtar á necessidade de comer ou beber, sem detrimento para a saúde. Ora tal comparacáo é vá; a pretensa necessidade vem a ser mero produto de preconceito ou de mentalidade. A castidade física pode ser perfeitamente observada desde que no respectivo sujeito naja castidade intelectual, ou seja, urna interpretacáo auténtica dos fenómenos fisiológicos, nhada de amor aos verdadeiros bens.

acompa-

«Urna vexdadeira castidade nSo se poderá cultivar senao na base

de conceitos claros e de nocoes moráis que o individuo procurará aprofundar continuamente e que ele aprenderá a estimar> (Dr. Paúl

Dubois, professor de neuropatologia na Faculdade de Medicina Berna, na obra «L'éducation de soi-méme. Chasteté», p. 323).

de

Está claro que ninguém conseguirá combater eficazmente o mau hábito se nao adquirir a consciéncia de que a pretensa necessidade é meramente ficticia, podendo ser debelada me

diante reta atitude de animo ou mediante firmeza de vontade (á qual jamáis faltará a graca de Deus). Caso alguém, talvez vencido pela vergonha, se disponha a reprimir o vicio da in continencia, julgando que vai sufocar um ímpeto vital com prejuizo para a sua saúde, caira naturalmente num estado de — 402 —

CASTIDADE PRÉ-MATRIMONIAL

43

exacerbagáo nervosa ou de neurastenia, acrescentando novo mal ao anterior.

Dito isto, resta-nos ainda a consideragáo de algumas objecóes que se costumam levantar contra o hábito da continencia.

3.

1)

Tres dúvrdas. . .

Há quem afirme que a continencia produz atrofia da

natureza.

«Apócrifo temor», responde o Dr. Max Hühner («Pertubaciones de la Función Sexual en el Hombre y en la Mujer». Filadelfia 1920, p. 278). O mesmo autor explica : «É fato comprovado que os órgáos sexuais estao sujeitos a prin

cipios inteiramente diversos dos que governam a maioria dos outrbs órgáos do corpo. Sua estrutura especifica permite-lhes exercer Inter mitentemente a sua atividade; suas funcñes podem mesmo ser inde finidamente suspensas sem que isto resulte em detrimento da sua anatomía ou fisiología.

As glándulas mamarias nos oíerecem auténtico testemunho do

que digo. Quando a mulher concebe ura filho..., suas glándulas

mamarias, que durante anos se encontravam em estado latente, súbi tamente crescem e dispoem-se a segregar leite. Quando termina a lactacáo, tornam as ditas glándulas a reduzir-se de tamanho e cessa a sua secrecáo, podendo permanecer üiatlvas durante mais anos, depois dos quais se fór novamente fecundada a mulher, voltaráo a aumentar e a produzir leite sem dificuldade».

Além disto, note-se que nada é váo ou frustrado na na tureza. Ora há períodos na vida conjugal em que o marido é, pela natureza, obrigado a privar-se das relacóes sexuais com sua esposa ; assim, dois meses pelo menos antes do parto. Compreende-se que esta exigencia nao pode redundar em detri mento da saúde do esposo, nem se pode tornar pretexto para

que viole outra norma da natureza, recorrendo a fornicacáo, ao adulterio ou á masturbagáo. A natureza por si mesma deve garantir a possibilidade de comportamento continente sadio quando é ela mesma que o impóe.

2) Outra fonte de hesitacóes a propósito da castidade sao as freqüentes polueóes noturnas que, conforme dizem, caracterizan! o estado continente. — 403 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969, qu. 4

— Em resposta, faz-se mister observar que as polugóes noturnas sao motivadas por dois fatóres : um fisiológico e outro psíquico. Do ponto de vista fisiológico, «elas sao perfeitamente normáis, contanto que nao se déem com demasiada freqüéncia nem sejam acompanhadas de sentimentos de acen tuada depressáo» (Hühner, ob. cit., p. 117). Explicam-se pelo fato de que a natureza mesma espontáneamente se encarrega de eliminar o excesso de certas secrecóes glandulares. Tal fe nómeno, dentro das proporcóes assinaladas, nao é indicio de estado mórbido nem acarreta eonseqüéncias funestas para o respectivo sujeito.

Quando se tornam excessivamente freqüentes, as polucóes noturnas em muitos casos se devem a um fator psíquico, ou seja, á excitagáo mais ou menos voluntaria e anormal da con cupiscencia ; o fato de que alguém se deixe invadir desregradamente por preocupaeóes de ordem sexual terá como conseqüéncia obvia o desencadeamento das fungóes genitais em es

tado de inconsciencia ou de sonó. — Deve-se frisar, porém, que tal desordem é propriamente de índole psíquica ; o seu saneamento, portante, consistirá no exercício de disciplina psíquica (controle de pensamentos o .'ífetos).

c) Ouve-se também dizer que a continencia torna o homem triste, duro, selvagem ou aínda neurasténico e an gustiado.

A éste rumor respondem grandes médicos e psiquiatras, qualificando-o de preconceito destituido de fundamento real : «Quahto as perturbagóes nervosas e psíquicas.... nao há observacüo conduciente. Nos mesmos nao só procuramos, durante cinco anos de vida académica á beira dos leitos dos doentes um só caso de molestia em que achássemos algo que pudesse ser atribuido á continencia e nao o encontramos, mas recomendamos a todos os nossos amigos e colegas que nó-lo procurassem nos servicos em que trabalhavam, e nao nos deram relacao de um sequer...

Por mais que procurássemos nos trabalhos de psiquiatría, nao encontramos coisa alguma que nos fizesse concluir contra a conti nencia.. .

No nosso Hospital Nacional de Alienados nao nos consta, por mais que procurássemos, haver algum demente senil que tivesse sido casto...

Muito ao contrario, segundo as varias observacSes do Dr. Onofre luíante, o número de alienados em conseqüéncia de excessps sexuais é enorme» (Vilhena, ob. cit. 98-100).

— 404 —

CASTIDAPE PKÉ-MATRIMONIAL

45

Pode acontecer, sem dúvida, que um individuo continente seja, ao mesmo tempo, melancólico ou duro. — Frisar-se-á, porém, que tal estado de alma, longe de ser conseqüéncia necessária de sua vida casta, resulta de algum defeito psíquico, que se pode corrigir dentro mesmo da conduta de vida con tinente. O fator religioso será decisivo no saneamento de tais anomalías psíquicas. Estas muitas vézes se derivam de um conflito religioso, e só mediante solucáo désse conflito (ou seja, mediante volta a Deus ou á Lei de Deus) poderáo ser removidas. Além do mais, o cristáo sempre levará em conta o papel imprescindível da graga divina para a reforma dos costumes e a aquisicáo das virtudes. Em conseqüéncia, na sua vida espiritual, o discípulo de Cristo recorrerá á oragáo; a seguir, utilizará os múltiplos meios de santificacáo que Cristo oferece aos seus fiéis (entre os quais ocupam lugar primacial os sacramentos). A fidelidade ao Senhor será sempre o grande esteio de urna vida humana nobre e reta ; o amor a Deus vem a ser a expressáo por excelencia do instinto de amor que todo ser humano experimenta dentro de si e que táo espontánea

mente tende a se atuar na vida sexual; esta será digna e dignificante se fór plenamente subordinada ao amor de Deus. «Conhecer a Deus é viver, e servir a Deus é reinar»

(Missal

Romano).

Recomenda-se outrossim, em vista da conservacáo da castidade, a disciplina geral dos sentidos e dos prazeres : tanto o jovem como o adulto se acautelaráo contra conversas, leituras

e divertimentos tendenciosos ou libertinos, os quais, contribuindo para amolecer o ánimo, só fazem diminuir ou solapar

o poder de resistencia as paixóes. Enfim toda essa disciplina será facilitada e corroborada pelo cultivo de certa higiene

física: sejam as bebidas e o fumo moderados ; a educagáo física e o esporte teráo seu lugar em tal regime, principalmente por constituirem ótimo derivativo para a vitalidade que se afirma no jovem e no homem maduro.

Eis, em geral, quanto a consciéncia crista e a medicina tém a dizer a respeito da continencia, ou seja, a respeito do

exercicio de urna funcáo sagrada que o Criador incutíu ao homem nao para que éste tropecé moralmente, mas a fim de que se engrandeca e santifique. Estévao Bettencourt O.S.B.

— 405 —

46

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969

CORRESPONDENCIA MIÚDA Ricardo (Porto Alegre):

O livro de Saloma o Jorge é um tanto

parcial ao focalizar certas personalidades. Devem-se reconhecer o bem

e a verdade onde quer que se encontrem. Cf. «P.R.> ginas 252-260.

114/1969, pá

KESENHA DE LTVROS A co-responsabilldade na Igreja de liojc, pelo Cardeal Suenens; traducSo de Dom Paulo Evaristo Arns O.F.M., Bispo Auxiliar de Sao Paulo. — Editara Vozes, Petrópolis 1969, 135x210 mm, 143 pp. O Cardeal Joseph Suenens, de Malines-Bruxelas, estéve última mente assaz em íoco por causa de entrevista concedida á imprensa a respeito das instituicoes e do govérno da Igreja; as idéias de S. Emi nencia íoram vivamente controvertidas. Todavía o livro ácima enun ciado propSe a respeito da Igreja e de seus membros consideragoes que o público aceitou mais serenamente. O autor pretende avivar nos seus leitores a consciéncia de que a Igreja é urna comunh&o de fiéis, oonsciéncia que o Concilio do Vaticano II tanto incutiu. Todos os cristáos (naturalmente, cada qual na sua voeacáo e no lugar que Deus Ihe assinalou) devem, pois, sentir-se solidarlos e responsáveis na execucáo das grandes tarefas que competem & Igreja; destas, tres

tomam especial relevo: a tarefa ecuménica, a missionária, a da pre senta da Igreja no mundo. — Depois de propor tais verdades, o Car

deal Suenens anallsa a forma como tal co-responsabiüdade se confi gura nos diversos niveis do povo de Deus: Santa Sé, bispos, presbí teros, teólogos, diáconos, religiosos, leigos. O autor discorre com erudicao e profundidade, procurando mostrar aspectos de certas ver

dades que poderiam ser mais focalizados em nossos tempos. Algumas passagens do livro sao suscetiveis de dupla interpretacáo, podendo sugerir insubordinacáo; todavía quem assim as entendesse, nao teria oompreendido o pensamento do Cardeal Suenens, que apenas pretende beneficiar o povo de Deus, sua solidariedade e coesáo dentro da Igreja una e santa. O livro sup5e leitores de certa cultura religiosa e capacidade de compreensao; a quem n5o o cntenda, pode prejudicar seriamente. A unldade dos cristáos, por Pierre Michalon; tradugáo de María de Jesús Brito. Colecáo «Rotei.ro da Juventude» n» 6. — EdicSes Pau linas, Sao Paulo 1969, 120x180 mm, 162 pp.

O P. Michalon é um dos grandes arautos do movimento de uniáo dos cristáos em nossos dias, ou seja, do ecumenismo própriamente dito (éste, no sentido estrito, é um movimento entre cristáos apenas, destinado a restaurar a unidade entre os discípulos de Cristo — o que nao excluí tenham os cristáos interésse em dialogar com todos os homens). — No livro ácima descrito, o autor apresenta as posicoes doutrinarias dos protestantes, dos anglicanos e dos ortodoxos (orien táis cismáticos); a seguir, propOe breve histórico do movimento ecuménico, que teve origem em 1910. Depois do que, transmite a doutrina do Concilio do Vaticano II sobre ecumenismo e sugere algu mas importantes iniciativas a ser empreendidas e cultivadas pelos

— 406 —

RESENHA DE LJVROS

47

cristáos em favor da unidade: oragáo, reforma dos costumes pessoais, diálogo, estudos, publica$5es... A orientacáo do livro é sadia, tor-

nando-o útil a sacerdotes e leigos que desejem noc6es sintéticas sobre

o assunto. Exala auténtico espirito ecuménico, sem relativismo nem criticas indevidas, marcado por humildade e slnceridade. O autor mesmo, no inicio do livro, nota que omitiu certos aspectos particula res do tema (Taizé, casamentes mistos, estatisticas...); limitou-se a exposicáo geral da questáo — o que é justificado, «Quando nos propomos trabalhar pela unidade, impoe-se-nos tdda urna mentalidade de base, que coisa alguma substituirá... Possuirmos tal senso de humildade que possamos descobrir 'o outro1, pois nao o conhecemos» (p. 143).

O nosso Salterio, pelo Cdnego Hauret; traducá© de Jacy Lopes de Leáo. Colecáo «Temas de espiritualidade». — Edic.5es Paulinas, Sao Paulo 1969, 125x180 mm, 162 pp. Nesta fase em que a oragáo oficial da Igreja e o uso dos Salmos tomam nflvo vulto, perguntam os fiéis freqüentemente se nao há em portugués alguma introducao nos salmos. Pode-se agora apresentar o livro do C&nego Hauret. — Éste comega por recordar as dificuldades que o cristao experimenta ao usar os salmos (cujas express&es sao táo diversas das que empregamos em linguagem crista). A seguir, ajuda o leitor a dissipá-las, mostrando-lhe como pode e deve dar sen

tido cristáo ao salterio. Os diversos salmos sao agrupados segundo os respectivos géneros literarios; análisando cada urna dessas catego rías, o Cónego Hauret p6e em relevo os traeos principáis que a¿ caracterizan!: há salmos de enfermos, de acusados, de exilados, de queixa do justo perseguido, de penitencia, de confianca, acáo de gracas, há poemas regios... Ao terminar o estudo de cada categoría, o autor indica a maneira como o cristao há de utilizar, em sua oracáo, tais preces judaicas.

Verdade é que nao se trata de comentarios a cada salmo em particular, mas, sim, de urna apresentacáo geral do salterio.

Os Evangelhos da infancia, pelo Cardeal Jean Daniélou; traducáo do P. José María de Paiva. — Editora Vozes, Petrópolis 1969, 135 x 210 mm, 85 pp.

Quando aborda assuntos bíblicos, Daniélou costuma apresentar em

termos acessiveis os resultados da critica mais exata e exigente. £ o

que se dá no livro ácima: o autor peroorre os episodios concernentes

á infancia de Jesús relatados por Mt 1-2 e Le 1-2, procurando ilustra

dlos a luz do mundo semita antigo, que o eminente jesuíta bem conhece. Com abalizados estudiosos, Daniélou afirma que em Mt 1-2 e Le 1-2 se deve distinguir entre as realidades históricas e_ as maneiras de as propor. Os trechos do Evangelho referentes á infancia de Jesús apresentam, sem dúvida, numerosos tragos paralelos a trechos do Antigo Testamento: donde se pode concluir que os Evangelistas, seguindo urna praxe usual entre os judeus, intencionaram descrever acontecimentos reais da infancia de Jesús de tal modo que suas de» cricoes evocassem cenas do Antigo Testamento; tal apresentacáo literaria serviría para mostrar a continuidade do plano de Deus e o cumprimento paulatino e harmonioso do mesmo.

É necessário que o exegeta proceda com cautela, quando pesquisa

os géneros literarios da Biblia; Daniélou o faz, propondo n&vo e pro fundo entendimento de certas passagens do Evangelho, sem, porém,

— 407 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 117/1969

Ihes destruir o caráter histórico; os Evangelistas se preocuparam principalmente com o significado teológico dos episodios da infancia de Jesús. — Aos estudiosos de certa cultura recomenda-se a leitura do livro de Daniélou, que vem responder a questóes hoje em dia freqüentemente focalizadas, mas nem sempre devidamente elucidadas. Apenas se poderia desejar que o autor fósse um pouco mais minucioso e claro em certas passagens do livro. Mensagcm bíblica para o nasso tempo, por Alfrcd LSpple; traducao de Manuel Alves da Silva. — Edicoes Paulistas, Lisboa 1968, 145 x 210 mm, 559 pp.

O livro tem o subtítulo «Manual de Catequese biblica>. No decorrer de 400 páginas, o autor perpassa as diversas etapas do Antigo Testamento preparatorias da vinda do Messias; detem-se finalmente na figura de «Jesús Cristo, Messias e Kyrios» (150 pp.). Refere, sem. se perder em divagacóes demasiado especializadas, as principáis conclusóes da moderna exegese, de modo que o catequista encontra nessa obra o material necessário para elaborar suas aulas de maneira fiel ao pensamento da Biblia e as diretivas da Igreja. Infelizmente a bibliografía indicada é quase toda de línguas estrangeiras. Especial mente digno de nota é o capitulo «Jesús Cristo, historia ou lenda?»

(pp. 405-422), em que o autor debate as teses racionalistas relativas

a Jesús.

A experiencia da salvacüo, por Beatriz Muniz de Souza, prefacio do Prof. Candido Procópio Ferreira de Camargo. Colecao «Religiáo e Sociedade» — 1. — Livraria Duas Cidades, Sao Paulo 1969, 135x210 mm, 181 pp.

Éste livro inaugura a colecto «Religiáo e Sociedade», a qual se propóe estudar o relacionamento que existe entre urna e outra destas grandezas: nota-se que as expressOes religiosas dos homens sSo

muitas vézes influenciadas pelo respectivo ambiente cultural e sócio-económioo, como também éste é freqüentemente marcado pelas erencas religiosas de seus membros.

Ora o fenómeno religioso pentecostal é dos que hoje no Brasil

mais se prestam a tal estudo. O Pentecostalismo é um ramo recente (oriundo em 1901) do Protestantismo que, renunciando a elevada teclogia, apela profundamente para o sentimento religioso, as emocóes

e a capaeldade imaginativa do povo simples. Por isto tem crescido extraordinariamente nos últimos tempos, penetrando mais e mais ñas carnadas humildes da sociedade brasileira; mais de 60% dos protes tantes do Brasil sao pentecostais.

A autora coletou copiosos dados para rodigir o seu trabalho: livros jomáis, revistas, depoimentos oráis (colhidos em cérea de 270

entrevistas). O livro íoi escrito de maneira vivaz e interessante, apresentando verbalmente numerosos testemunhos de fiéis pentecostais, que falam de sua experiencia religiosa. A obra fornece urna nocáo assaz clara do que é o fervor religioso da gente simples, que confunde muitas vézes fenómenos parapsicológicos com dons do Espirito Santo (linguas, interpretacao de llnguas, curas, profecías...). Destarte o estudo «A experiencia da salvacao> vem a ser um estimulo a que se

valorize a reíigiosidade do povo brasileiro, dando-lhe a instrucáo e a formacao de que ela precisa para nao se iludir e deteriorar.

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Filosofía do homem, por Roger Verneaux; tradugáo de Cris tiano Maia e Roque de Aniz. — Livraria Duas Cidades, Sao Paulo 1969, 135x210 mm, 229 pp.

Eis um tratado completo de psicología racional ou de «antropología metafísica», como o desejaria chamar o autor. Segundo terminología e método estritamente escolástico-tomistas, o autor estuda as nogóes

de vida alma, oonhecimento sensível (melhor: ... sensitivo), conhecimento intelectual, vontade. liberdade, faculdades e hábitos... A doutrina é sólida. O livro veio preencher com éxito urna lacuna da biblio grafía brasileira; destina-se a quem deseje estudar de maneira siste mática e profunda o homem e suas faculdades psíquicas, do ponto de vista filosófico; restará completar o aprendizado oom o estudo da psicología experimental.

Como selecionar e como treinar na a$&o pastoral os futuros pres

bíteros, Dor Mario Goulart Reís. Colecáo «Forma Gregis» n» 5. — Li

vraria Agir Editora, Rio de Janeiro 1969, 120 x 190 mm, 142 pp.

Éste livro apresenta tres trabamos, escritos em ocasióes diversas, sobre criterios de vocacáo sacerdotal, assim como sobre a formacáo do caráter e da dinámica das futuros sacerdotes. O autor póe a sua vasta experiencia de psicólogo e educador a servico do aprimoramento dos seminaristas e dos sacerdotes, atendendo assim a um apelo do

Concilio do Vaticano II; éste, através do decreto «Optatam totius»,

pediu a reíormulacáo dos processos de formacáo dos sacerdotes, su/jerindo para isto o recurso ás ciencias modernas (psicología, pedagogía, sociología...).

O Dr. Mario Reís, com sabedoria, trata da formacüo da castidade

e da honradez do seminarista... Ao abordar a possibilidade de que os seminaristas trabalhem em emprégo remunerado enquanto estudam lembra as vantagens e desvantagens respectivas: o trabaUio, sem dúvida, faz que o jovem possa conheeer melhor o mundo e custear as despesas (ou parte délas) de sua íormacáo. «Mas resta saber se,

para alcancar éste fim, em si válido, valerá a pena correr o risco de expor urna vocacáo ainda nao consolidada a um ambiente talvez hostil ou indiferente ou de cor,rupcáo moral..., sacrificar o estudo e

(talvez) a vida espiritual... e a atividade apostólica... — que sao os

fins precipuos da formacáo do seminarista — e que poderiam vir a

ser sacrificados devido ao número de horas diarias ocupadas no expe diente do emprégo...» (p. 60).

A obra apresenta variadas sugestóes, sem perder o senso do equi librio. E. B.

Creio, Senhor, mas creia mais firmemente. Espero, mas espere com mais confianza.

Amo, mas ame oom mais ardor.

Arrependo-me, mas arrependa-me com mais veeméncia. (Clemente XI, 1731)

NO

PRÓXIMO Deus existe

NÚMERO : mesmo ?

O sermóo sobre a montanha : desafio ? «O Evangelho antes de Sao Mateos»

Divorcio e «privilegio paulino» Remedios para dormir: sim ou nao ? «Umas e outras» de Chico Buarque de Holanda

«PERGUNTE

E

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