Ano X - No. 115 - Julho De 1969

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Projeto PERGUNTE E

RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriarñ)

APRESENTAQÁO DA EDI£AO ON-LINE Diz Sao

Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por

'

numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de __ vista cristao a fim de que as dúvidas se ; dissipem e a vivencia católica se fortaleca ij" no Brasil e no mundo. Queira Deus

abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e

oassamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual

conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ÍNDICE

Aínda que fósse contra toda esperanza.. .!

I. 1)

273

CIENCIA E RELIGIAO

"A fUica c « RvUfíiiia mmhirüo totalmente >io futuro em

eon.ií'qiu'iifia da íiittoiiiacihi {

Um novo livro sobre o ansunto! Perfectivas libertadoras?!".

Tí.

275

BfBLIA SAGRADA

2) "Jesiis casoii-se e foi viúvo. Eia a última afirmacao de um estudioso das Escrituras. Que tlizer? Tan razño ?"

III. 3)

287

ESPIRITUAMDADE

"Em que consisten! as novas normas promulgadas pela

Santa Sé em vista da formacño dos Religiosos e das Religiosas? Silo audazes ?"

IV. 4)

293

HISTORIA DO CRISTIANISMO

"Como julgar o filme

'As

Sandalias do

Pescador'

de

Morris West ? Sení positivamente constriiiilur ou, antea, deletério?"

:1OJ,

CORRESPONDENCIA M1ÜDA

31.1

RESENHA DE LIVROS

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

.?«capa

aínda que fOsse contra toda esperanca...! (cf. Rom 4,18)

A clássica doutrina, bascada nos dizeres do Apostólo Sao Paulo (cf. 1 Cor 13,13), ensina que há tres grandes virtudes que unem o homem a Deus e, por isto, sao ditas «teologais»: a fé, a esperanza e a caridade. Destas tres, a caridade é a maior, pois é o remate da perfeicáo. Todavía pode-se dizer que o pior dos males que possam aco meter alguém na vida presente, nao é a perda da fé, nem a perda da

caridade, mas, sim, a perda da esperanza.

Com efeito. Quem nao tem amor, está humanamente depauperado, mas pode, ao menos, voltar-se para Deus e dizer-Lhe: «Senhor, tenho o ooracáo desfigurado ou mesmo cheio de odio; nao amo a Ti nem aos homens. Mas converte-me! Dá-rne a graca de amar!» Esta prece, prorrompendo de um coracáo sincero, agrada a Deus, que nao pode dcixar de lhe atender. Por sua vez, quem nao tem fé. pode também orar — orar condicionalmente —, dizendo: «ó Deus, se Tu existes, ilumina-me, dá-me fé e dá-me amor a Ti!» Esta prece, condicional como é, nao compromete o ateu; o Senhor Deus, porém, que «hipotéticamente» existe, nao pode deixar de lhe atender. Mas quem nao tem esperanca, nao ora, precisamente porque nada espera recebar. Nao orando, fecha-se em si mesmo. atola-se, condenando-se a definhar em sua miseria. Por isto se diz com razáo que a

perca da esperanca constituí a pior das situacoes humanas.

Na verdade, a oracáo é o principio de solucáo de todas as nossas dificuldades. Quarido nos sentimos deprimidos ou arrasados interior mente, impotentes para praticar o bem, oremos pedindo ao Pai a sua luz e a sua fórca, e lile nó-las dará. 35 certo, porém, que. para orar,

é preciso ter esperanca. Mesmo que alguém nao tenha mérito algum, mas se sinta caído do fundo do abismo, nüo deve deixar de orar. Reze

cheio de esperanga, esperanza!

e sairá de suas miserias.

Para orar, basta ter

Com razáo. já se disse que há tres especies de suicidio: — o suicidio daqueles que dizem: um golpe contra si;

«Procuro morrer», e desferem

— o suicidio daqueles que dizem: «Deixo-me morrer», e permitem que a molestia os vitime, porque nao se querem tratar;

— o suicidio daqueles que dizem: «Deixo-me viver!», isto é. «vivo sem rumo, sem ideal, sem esperanca; faco tudo que me venha a imaginacao, porque nSo aspiro a coisa alguma». Éste é o pior ou o mais desumano de todos os suicidios, pois nada há de táo radicalmente contrario ao ser humano oomo a falta de ideal e de esperanza.

— 273 —

Estas reflexdes tém sua aplicaeüo oportuna na hora presente. A

tentacao do desánimo ou do desespero (ora mais, ora menos consci ente) acomete a nao poucos cristáos colocados diante da presente crise religiosa. Ora ceder a tal tentacao seria a pior dasi desgrasas. O cris

táo jamáis se abate, jamáis perde o seu ideal religioso, ideal susten tado pela vitória do próprio Cristo no dia de Páscoa! Um cristáo triste ou perplexo é um «triste» cristáo.

Os discípulos do Senhor sabem que as crises religiosas tém seu sentido providencial. Deus permite que seus fiéis se vejam ás vézes a bragos com a impiedade e a descrenca, mesmo dos que eram mais fiéis e fervorosos. Já no século X («século de ferro» ou «obscuro»), eomd no século XVI (século do humanismo paganizante), a Igreja atrayessou fases muito penosas; o século XX nao é inédito, neste particular. O que Deus intenciona em tais épocas de contestacáo da fé e da virtude, é que seus fiéis trabalhem e lutem, sem dúvida, mas também... que tomem viva consciéncia de que só Ele pode socorrer e salvar decisivamente. Quando mais fráeos e despojados nos sentimos, mais somos impelidos a procurar o Pai do céu, — Na verdade, Deus quer dar grandes gracas á sua Igreja na hora presente, mas mediante a ora^áo, como Ele mesmo ensinou: «Pedi e recebereis...» (Le 11,9). Par conseguinte, os fiéis católicos, na situacáo atual mais do que nunca, háo de orar, e orar com firme esperanca... Na situacáo atual, ... quando parece que menos do que nunca se valoriza e se pratica a oracao.

É esta a licáo que os tempos presentes nos incutem... Esta sim, e nao abatimento ncm desánimo! E. B.

Concede-me, Senhor mcu Deus,

urna inteligencia que Te conhega,

urna angustia que Te procure, urna sabedoria que Te encontré, urna vida que Te agrade,

urna perseveranca que Te espere com confianca, urna confianca que Te possua, enfim. Amém.

(S. Tomas de Aquino)

— 274

PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS » Ano X — N* 115 — Julho de

I.

CIENCIA

E

1969

RELIGIAO

1) «A Ética e a Religiáo mudarlo totalmente no futuro em conseqüéncia da automacáo ? Um novo Iivro sobre o assunto! Perspectivas libertado ras ?!» Resumo da resposta: O presenté artigo prop5e algumas consideracóes sobre o Iivro de Rose Marie Muraro: «A Automacáo e o Fu turo do Homem».

A obra procura reconstituir o passado do género humano e abrir prospectivas sobre o futuro. Apresenta dados científicos muito interessantes. Todavía, em sua parte filosófico-religiosa, Lnspira-se de fontes turvas: Ereud. Marx, Marcuse, os «teólogos da morte de Deus». Quando fala de Religiáo, a autora propoe, para o futuro, um Cristianismo secularizado, sem Deus, únicamente ocupado em servir ao homem no setor político-social. No tocante á Ética, a escritora

julga que os conceitos de bem e mal serSo (se já nao sao) total mente revolvidos; os criterios da moralidade já nao serio ditados pela lei natural, mas pelas Informacoes científicas, principalmente da sociología e da psicología. O pecado será a acáo contraria & evidencia trazida pela ciencia; a virtude será o engajamento na luta em prol das transformacóes políticas e sociais. Nao se levará mais em conta o pecado sexual; ao contrario, poderá a liberdade sexual dos jovens favorecer a paz e a prosperidade dos futuros casáis. A autora nao fala de relacdes do homem e de seus atosi com Deus. O teor da exposicáo é totalmente secularizado; dir-se-ia que, para a autora, Deus

morreu ou foi cancelado... Embora R. M. Muraro seja católica, a sua obra solapa a auténtica visáo católica do homem e da ética, sugerindo o ateísmo, o que é lamentável.

X

Resposta: A escritora Rose Marie Muraro publicou em principio de 1969 um estudo em que analisa o passado e pro cura prever o porvir do género humano: «A Automacáo e o Futuro do Homem» (ed. «Vozes», Petrópolis). O assunto é apto a despertar vivamente a atengáo do leitor. Procuraremos abaixo propor os principáis tragos da obra, aos quais acrescentaremos algumas observagóes. — 275 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 115/1969, qu. 1

1.

Automa$ao e Futuro

A autora descreve a ascensáo do género humano na escala da civilizagáo através dos seus dois milhóes de anos : mostra como 99,5 % da existencia da humanidade se passou na «pré-história»; apenas o fragmento de 0,5 % corresponde a his toria própriamente dita, pois a agricultura muscular (que deu inicio "á historia no sentido estrito) comegou há 10.000 anos. Dos 0,5% de historia da humanidade, apenas 1% corresponde ao período moderno, em que se vai processando a explosáo tecnológica (esta comegou há 100 anos ; 100/10.000 = 1 %).

O progresso do género humano é devido a descobertas científicas; explorando as fórgas da natureza, o homem prové

cada vez mais fácilmente as suas necessidades. Vai também mudando de mentalidade. Á medida que se dissipam as trevas da ignorancia, o homem perde o seu médo primitivo diante das fórgas da natureza e se torna mais consciente de suas capacidades.

A autora apresenta a Religiáo a acompanhar o homem em

suas diversas fases de evolugáo: a principio, tratava-se de urna religiosidade dada aos mitos; foi-se depurando, porém, tornando-se finalmente monoteísta. A religiáo hoje em dia é considerada como um esteio da luta social dos homens opri midos que procuram libertar-se de estruturas económicas in justas ; a Religiáo deve ter influencia poderosa na política ; seja dessacralizada, secularizada
sóes clássicas, para poder prestar pleno servigo á humanidade.

O livro abre prospectivas um tanto pessimistas no tocante ao futuro da humanidade. A explosáo demográfica é o grande problema que ameaga a sobrevivencia tranquila e feliz dos homens sobre a térra ; nao é excluida a possibilidade de urna terrivel catástrofe

(explosáo atómica)

que destrua por com

pleto o género humano. «A humanidade hoje assemelha-se

exatamente ao aprendiz de feiticeiro: aprendeu a desencadear fórgas que depois nao pode controlar e acabaram por destrui-lo» (pág. 150).

Todavía os últimos incisos da obra apresentam um caráter

um pouco mais confiante e otimista :

«Cremos que algo novo está para acontecer, se já nao estiver acontecendo. Energias novas, completamente desconhecidas. podem

entrar em ac£o em caso de desafio extremo. Sabemos, por exemplo, que só usamos 10% da capacidade do nosso cerebro Individual; os

outros 90% sao totalmente desconhecidos. Se assim é Individualmente, por que socialmente seria impossfvel, no caso de um desafio táo ex-

— 276 —

AUTOMACAO E VALORES HUMANOS tremo como o que estamos vivendo, o surgimento de solucSes novas e inesperadas?» (pág. 151).

O livro de R.M. Muraro satisfaz por apresentar dados

numéricos e gráficos úteis para se reconstituir o passado do género humano e a curva de evolugáo da civilizacá; a documentacáo é interessante, servindo para excitar ampios pa noramas e o senso da historia no leitor moderno.

A título de ilustragáo, transcrevemos da obra «Automa«;áo...» alguns dos cem principáis inventos de que poderá gozar o homem no futuro, segundo a prospectiva de Hermano Kahn, a maior autoridade mundial no assunto : — novas fontes de energía para instalacSes fixas (termoelétricas, termoidnicas, magneto-hidrodinámicas, etc.); — novas íontes de energía para transporte (carros a turbina, Jato,

campo eletromagnético, etc.);

— transporte quase de graga para pessoas e carga para qualquer parte do mundo;

— uso extensivo de transplante de órgáos;

— uso dos Jáseres intensificado em comunicagSes e como arma

letal poderosissima;

— uso rotineiro de «ciborgs» (órgáos ou partes do corpo humano doentes substituidos por máquinas eletrónicas); — novas especies de plantas e animáis;

— controle do sonó, dos sonhos, do peso, da velhice, novos inven

tos cosmetológicos pana evitar o envelhecimento;

— hibemagáo, primeiro, a curto periodo e, depois, a longo (anos): — explorado dos océanos por pessoas que vivam sob a agua;

— lúas artificiáis para iluminar extensas áreas á noite; — viagens espaciáis tornadas comuns; — transporte sobre o océano (Europa-EUA em meia hora):

— trahalho doméstico automatizado; — técnicas de controle da mente muito desenvolvidas; — controle do tempo e dos climas;

— comunicacáo direta por estimulo do cerebro; — armas nucleares baratas ao alcance de qualquer nacáo; — capacidade de escolher o sexo das criangas ou de mudá-lo antes do nascimento; controle da hereditariedade muito mais bem

conhecido;

— alimentos e bebidas sintéticas de aceitacao geral; — crédito universal instantáneo e automático;

— uso generalizado de «robos», isto é, computadores individuáis; — comunicacáo mundial barata através de láseres, tv individual; — novos métodos para obter prazer sexual, novas alterem o limiar da percepgáo;

— 277 —

drogas

que

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 1

— métodos químicos para aperfeicoar a memoria e a capacidade de aprender; — métodos químioos e mecánicos para analítica humana, direta e indiretamente;

melhorar a

capacidade

— novas, mais racionáis, muito mais baratas formas e técnicas para construcáo de casas (domos geodésicos, conchas pressurizadas. etc.) e novos materiais de construcao; — fotografía e tv sionais.

(préto e branco e depois a

cores) tridimen-

«Segundo Hermann Kahn, estes e muitos outros inventos estaráo normalmente em uso até o ano dois mil isto é, daqui a trinta anos» 'pág. 61s).

Todavia, ao interpretar as fases e as causas da evolucáo

da historia humana, a autora propóe julgamentos um tanto

esquemáticos e generalizados ; nao leva em conta os diversos e complexos elementos que influiram no tragado da historia; cede a preconceitos — preconceitos inspirados por Freud (cf.

pág. 98), por Karl Marx (a autora critica a Rússia Soviética, cf. pág. 130, mas adota certas teses de Marx que tém sabor de auténtico materialismo, cf. pág. 97) e por Marcuse (o livro cita e elogia Marcuse as págs. 65, 130 e 132). A pág. 117, lé-se inspirou em Freud:

urna genuína proposicáo de Marcuse, que se

«A civilizacao é filha da repressáo. A moralidade só pode existir

num contexto de repressáo».

Embora a autora seja católica e colaboradora de urna Editora católica, lamentavelmente apresenta um trabalho que solapa (geralmente de maneira implícita apenas, algumas vézes

também de modo explícito) a genuína visao crista concernente á Religiáo e á Moral. Sao estranhas as omissóes que a autora comete : embora intencione oferecer visóes panorámicas, nunca

fala do Deus da Biblia a nao ser para propor a chamada «teo

logía da morte de Deus»; nunca fala da alma humana espiritual,, dotada de aspiracóes ao Infinito. As consideracóes abaixo poderáo ajudar o leitor a pene trar na questáo.

2.

Tres pontos de reflexao

Distinguiremos tres temas importantes da obra «Automacáo...»: o homem, a Religiáo, a Ética.

— 278 —

AUTOMACAO E VALORES HUMANOS

1)

O homem

1. O livro adota idéias de Teilhard de Chardin concernentes ao homem. Em conseqüéncia, é ambiguo ; parece reduzir o ser humano a mero produto de evolucáo da materia. Verdade é que, com Teilhard, a autora fala de «energía tan gencial» (puramente material) e «energia radial» (espiritual); todavía, segundo Teilhard, essas duas formas de energia perpassam o universo inteiro; nao caracterizan! o homem própriamente dito. A materia infra-humana possui análogamente psiquismo e consciéncia (pág. 112). O homem no universo representa táo sómente «um salto qualitativo» (pág. 113). «Espirito é sinónimo de Organizacáo. A Evolucáo é a subida para o Espirito, isto é, para formas cada vez mais perfeítas de organizacáo» (pág. 115). Quando compara o homem com a máquina e os autómatas, R. M. Muraro póe em relevo a extraordinaria capacidade de trabalho dos computadores eletrónicos: estes nao sómente imitam o homem (com suas emogóes, seu subconsciente, sua introspeccáo, sua capacidade de deducáo e indugáo...), mas

poderáo ultrapassar a inteligencia déste. O cerebro e o trabalho

cerebral do homem váo sendo, em conseqüéncia do progresso técnico, mais e mais desvalorizados ; o homem se torna obso leto ; em breve futuro, a máquina terá poder de decisáo ras firmas (pág. 55).

2. A respeito, deve-se reconhecer que tais proposigóes encerram núcleos de verdade. É certo que o homem tem con seguido (e provávelmente mais e mais conseguirá) desencadear processos atómicos e automáticos cujas conseqüéncias ele mesmo nao prevé nem poderá dominar. Também é verdade que o trabalho da máquina dispensa o do homem; torna-se mais lucrativo, em muitos casos, por urna máquina a funcionar do que angariar trabalhadores humanos. Estas novas reali dades implicam profunda mudanca no modo de pensar e viver do homem moderno.

Todavía é preciso nao esquecer que a máquina é produto da inteligencia humana. Sem o homem inteligente, nao haveria aparelhos que imitem a inteligencia do homem. Diga-se tam bém : é o homem quem planeja o trabalho da máquina, con-

cebendo o roteiro e o programa de agáo do cerebro artificial.

Os autómatos por si sao incapazes de planejar e programar ; tudo que a máquina realiza, está previamente no cerebro do homem, de sorte que os aparelhos eletrónicos vém a ser meros

— 279 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 1

executores. O homem, portante,, conserva, e conservará sempre, um primado de excelencia sobre a materia. Esta nunca poderá progredir por si; é o homem quem progride e faz que a materia execute funcóes cada vez mais grandiosas. Em última análise, éste primado se explica nao porque no homem haja

mais qualidades do que na materia, mas pelo fato de que o homem possui um principio de acáo próprio e especifico, que é a alma espiritual, dotada de inteligencia.

A inteligencia é a faculdade de perceber valores abstratos e uniyersais; apreende relagoes e proporgóes... É imaterial ou espiritual, porque abstrai da materia concreta, sensível. Sem dúvida, R. M. Muraro nao negaría o que acaba de ser aqui observado. Todavía o fato de nao o dizer explícita mente torna seu livro sujeito a ser mal entendido. Mais

setor da

importantes

sao

2)

Religido

a)

Historia e Religiao

as

observacóes

a

ser

feitas

no

1. A autora intenciona descrever a evolucáo do senso religioso da humanidade. A principio, o homem religioso se exprimia através de mitos. Estes sao imagens ou estórias pouco lógicas, mediante as quais o sujeito afirma a intuicáo de que existem o Divino

e o Sacral. Tudo, alias, vem a ser divino ou sacral no pensamento mítico.

Com o progresso da civilizacáo, a Religiao se torna mais racional; o homem concebe a distincáo entre o sagrado e o profano. O Cristianismo constituí o espécimen, por excelencia, da Religiao intelectualizada. «S. Tomás de Aquino dá á reli giao urna arquitetura lógica, que desafiou os séculos... O Cris tianismo sob essa influencia teorizante torna-so urna religiao de doutóres» (pág. 96s). A autora, porém, julga que o Cristianismo se degradou aos poucos, tornando-se um sistema moral, de que as élites dominadoras se aproveitaram para manter sob controle a massa

dominada. Ensinando que a cruz é necessária á salvacáo, o Cristianismo «passou a ser opio do povo, como táo bem denunciou Marx» (pág. 97). O Cristianismo terá assim «traído fron-

talmente sua finalidade primitiva de ascensáo humana global» — 280 —

AUTOMAQAO E VALORES HUMANOS

(pág. 98). Tal estado de coisas, porém, vigente até o fim do séc. XIX, foi removido com o advento da revolugáo tecnológica. Esta fez que a Religiáo se integrasse na historia humana, prin cipalmente na política, tornando-se poderoso instrumento de libertacáo das massas operarías oprimidas ; a Religiáo, muito melhor do que algum sistema político ou governamental, pode e deve sustentar a luta das classes menos favorecidas contra aqueles que as querem subjugar. É éste o grande papel da Religiáo hoje em dia : concorrer para a libertado política e social do homem oprimido. Tal papel, na mente da autora, está incluido no programa da chamada «secularizagáo» : de

«As conseqüéncias da idade tecnológica deram-se no sentido nao urna sacralizagáo do profaso, e. sim, antes, na proiianizacao do

sagrado a que chamaremos de seculari2a<jüo» (pág. 99).

«A secularizagüo... é a descoberta, provocada pela tecnología, de que o mundo possui um valor próprio, urna autonomía, e a funcáo da religiáo (e, concomitantemente, das estruturas de ordem religiosa) é servi-los» (pág. 101, grifo nosso).

Note-se bem: segundo os dizeres ácima, a Religiáo e os valores religiosos tém por fungáo servir aos valores déste mundo í... 2. Em resposta, dove-se dizer que tais afirmacóes sao tendenciosas, sugeridas por principios preconcebidos antes que pela análise objetiva dos fatos.

Com eifeito. É preciso reconhecer, sem dúvida, que no

decorrer dos sáculos houve homens e grupos humanos que nao compreenderam todo o alcance da Boa-Nova crista ; julgaram que o Evangelho, apregoando urna mensagem transcendental, alheia os seus adeptos a éste mundo material; descuidaram-se de promover o bem temporal dos homens, por seguirem urna espiritualidade desencarnada ; nao deduziram na vida social todas as conseqüéncias latentes na pregacáo de Cristo. Daí se originou o Cristianismo da Idade Media, fervoroso ñas suas expressóes religiosas, mas pouco preocupado com a promocáo dos homens rudes. Tal foi, em parte, também o Cristianismo posterior ao séc. XVI. Deve-se, porém, levar em conta que a displicencia de muitos cristáos para com as questóes sociais se deve a mentalidade das respectivas épocas. Nunca será demasiado repetir: é mister nao julgar os antigos á luz da mentalidade moderna.

Sómente no século

passado é que se

pos com clareza o problema do desnivel de classes (problema que até o século XVI, e ainda depois, nao era percebido nem formulado). No século XIX é que emergiu, com suas conse qüéncias, na mente dos pensadores o conceito da dignidade — 281 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 1

humana e dos direitos da pessoa. Conscientes disto, os cristáos

passaram a se interessar decididamente pelas questóes sociais

(salario, horas de trabalho, assisténcia ao operario...); tenham-se em vista as encíclicas dos Papas Leáo XIII, Pió XI.

Joáo XXni até a encíclica «Populorum Progressio» de Paulo VI (cf. «P.R.» 91/1967, pág. 291-302). Nos sáculos anteriores, pode-se admitir que cristáos (individuos ou grupos) tenham praticado a exploracáo do homem pelo homem, procurando servir-se de seus irmáos mais fracos ; faziam-no, porém, nao por serem cristáos, mas por se afastarem das normas moráis

do Cristianismo ; éste nunca ensinou a exploragáo do homem

por seu semelhante. De resto, sempre houve, tanto na Idade Media como na Idade Moderna, vozes de Papas, bispos, doutóres e santos cristáos que protestaram contra as injusticas, ora cometidas pelos reis e nobres, ora ocorrentes no tráfego de escravos ou no modo de tratar os judeus (cf. «P.R.» 22/1959, pág. 434-443 ; 72/1963, pág. 467). O fato, porém, de que o Cristianismo tem hoje ingerencia

mais direta na política, interessando-se pelo estabelecimento de justa ordem social, nao quer dizer que o Cristianismo tenha

encontrado finalmente o seu setor de agáo e adquirido o direito • de sobreviver no século presente. O Cristianismo se interessa pela promocáo dos homens nao simplesmente para obter bem-estar temporal, mas a fim de poder levar os.homens a Deus e á vida eterna. A finalidade principal do Cristianismo fica sendo sempre transcendental; nunca será de índole mera mente política. — Estas idéias aínda seráo desenvolvidas sob o título abaixo.

b)

Os teólogos da «morte de Deus»

R. M. Muraro julga que a auténtica fórmula religiosa para

o homem de nossos tempos foi proposta pelos chamados «teó logos da morte de Deus», que sao «grandes pensadores reli giosos contemporáneos» (pág. 102).

Estes pensadores, que sao protestantes (e nao católicos), apregoam um Cristianismo sem Deus: a nogáo e o culto de Deus seriam incompatíveis com a mentalidade moderna. Por isto o Cristianismo, desejoso de sobreviver, deveria renunciar á metafísica e reduzir-se a um sistema de relacionamento do homem com o homem ou, mais concretamente, a urna ideolo gía que congregue os homens na luta contra a injustica social. «Parece que ésse caminho, que vai do mito, passándo pela meta

física,

até a política, seja

o caminho encontrado pelo pensamento oso

AUTOMACAO E VAL6RES HUMANOS religioso para cumprir sua funcao equilibradora da (pág. 106).

11 raga

humana»

A respeito de Bultmann, que é um dos principáis mentores da «demitizacáo» ou dessacralizacáo do Cristianismo, a autora escreve :

«O mérito de Bultmann reside em te? sido ele o primeiro a con testar em proíundidade fatos que até entáo eram tidos como centráis ao Cristianismo e mostrar como era possivel interpretar o Novo Testamento passado sem ésses fatos» (pág. 104).

Todavía os fatos que Bultmann contesta, tocam a estrutura mesma do Cristianismo: a Divindade de Jesús Cristo, o mis terio da SS. Trindade, a ordem sacramental, a missáo da Igreja.. .

O Cristianismo de Bultmann, minimalista como é,

nao poderia ser aceito nem pelo Conselho Mundial das Igrejas (entidade protestante que coaduna centenas de denominagoes cristas náo-católicas sob um mínimo denominador comum). Como entáo pode urna escritora católica dizer, sem mais, que Bultmann é benemérito por sua obra arrasadora ?

Mais adiante lé-se no livro recenseado : «Embora a intuicáo fundamental dos teólogos (da morte de Deus) que analisamos. seja válida e adaptada ao nosso tempo, sua visáo continua fragmentaria e parcelar e, portanto, demasiadamente imersa no presente. So Teilhard conseguiu compor urna visao aproximada do futuro» (pág. 107).

Nos dizeres ácima, chama a atengáo o adjetivo «válida» aplicado á intuicáo fundamental de autores que evidentemente solapam o Cristianismo.

Talvez R. M. Muraro nao tenha percebido todo o alcance do que afirmou. Nao é possivel ser católico e compartilhar a teología da «morte de Deus» no sentido dos teólogos protes tantes contemporáneos. O Cristianismo continua, antes do mais, voltado para Deus e a vida eterna ; a sua orientagáo é marcadamente teocentrica, e nao antropocéntrica. A sua funcáo é, em primeiro lugar, reconhecer a grandeza de Deus Criador e proclamá-la; essa

grandeza de Deus se manifestou especialmente na obra da Redencáo realizada mediante Jesús Cristo ; por isto, glorifi cando a Deus, o Cristianismo anuncia a todos os homens a salvagáo oferecida por Cristo. O louvor a Deus e a salvagáo eterna do homem sao inseparáveis entre si; constituem a tarefa palmar da Igreja. Quanto ao servigo aos valores déste — 283 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969. qu. 1

mundo, ele nao entra no programa do Cristianismo senáo em funcáo da glorificacáo do Criador.

Aínda de grande peso sao as consideracóes do livro «Au-

tomagáo» a respeito de Ética. 3)

A nova Ética

1.

A Ética prospetada pela autora obedecerá a padrees

bem diferentes dos da Moral clássica, dita «Moral de dominacáo» (Marcuse e Marx parecem sugerir tal expressáo).

A Moral clássica supunha urna lei natural; era utilizada pelas classes dominadoras que, pregando a paciencia e a humildade, mantinham as populagóes sob urna repressáo injusta. Eis, porém, que na era tecnológica os criterios para se aferir o bem e o mal seráo os principios da ciencia, principalmente os da psicanálise e da sociología ; tais principios seráo livremente aceites, longe de qualquer imposicáo. Em outros termos: as informagóes fornecidas pelos pesquisadores da natureza e do ser humano é que constituiráo os criterios da moralidade dos atos humanos. «O conceito de informacáo vem, na era cibernética, reformular em profundidade o próprio conceito , de bem e de mal» (pág. 123). O ato bom será o ato que se amoldar as informagóes for necidas pelas ciencias. O ato mau ou o pecado será principal mente a recusa á evidencia das informagóes. Donde se segué que, se alguma corrente psicanalista ensina que é necessário defecar aos jovens plena liberdade sexual, o uso dessa liberdade vem a ser ato bom sem ulteriores consideragóes. Se alguns sociólogos apregoam ia oxplosao demográfica como perigo para o género humano, será virtude empregar todos os recursos para conter tal explosáo (sem levar em conta outros fatores). Se alguma corrente de profissionais aconselhar a um esposo que se satisfaga sexualmente fora do lar em coso de enfermidade da esposa, será licito c bom o adulterio.

Mais ainda: o bem e o mal teráo (hoje, alias, já tém, conforme a autora) urna dimensáo política, global, planetaria. Conseqüentemente, podem-se citar como exemplos de pecado: o náo-engajamento na luta contra a injustica e a ignorancia; a civüizagáo do consumo, como concretizagáo do crime de lesa-humanidade ; a busca do conforto próprio, como fator de regressáo... Pecado é também todo tipo de controle ou sonegagáo de informacóes: entre outros, a nao divulgacáo das mais recentes descobertas científicas, a cultura de massas, que nao procura elevar o nivel de consciéncia dos individuos — 284 —

AUTOMACAO E VALORES HUMANOS

13

e da coletividade... A carencia de informagóes pode acarretar

graves males para a humanidade.

Quanto aos «pecados da carne, sobre os quais se polarizou a Moral tradicional, éles perdem a sua virulencia» (pág. 124). A virgindade vai-se desvalorizando; o uso da pílula modificará profundamente o comportamento da mulher e as relagóes entre os sexos (pág. 121); a liberdade sexual da juventude poderá trazer contribuicáo muito positiva para a renovagio familiar, impedindo os casamentes com motivagóes neuróticas ou imaturas (pág. 122). Em lugar dos pecados da carne, mereceráo grande atencáo os pecados coletivos, ou seja, de índole social e política (pág. 124). Como exemplos de virtude, podem-se citar «a ascese, a renuncia, o sacrificio para a conquista da libertagáo humana, mesmo que seja necessária urna luta armada» (pág. 125); reconhecam-se os valores da. violencia em prol da libertagáo.

Em suma, «a moral tradicional está em crise, ou melhor, em vias de ser liquidada. Mas para ser substituida por outra, que permita á. especie humana preservar a sua vida numa era tecnológica» (pág. 124).

Vé-se, pois, que a finalidade da nova Ética será a de pre

servar a vida da especie humana em meio as vantagens e aos perigos da tecnología. 2.

Que dizer de tais consideragóes?

É no setor da Ética que mais se manifestam o secularismo e o antropocentrismo do livro «Automagáo...». R. M. Muraro apresenta urna Moral que nao mais se refere a Deus, silenciando simplesmente o nome do Senhor. Por conseguinte, já nao é para o Bem Infinito que o homem deve tender e agir, mas, sim, para os bens temporais e políticos; pecado é o que

contradiz ao bem terrestre do homem, ao passo que virtude é tudo quanto o favorece. Por certo, a autora nao nega Deus, nem talvez negué a frase de S. Agostinho: «Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e in quieto é o nosso coragáo enquanto nao repousa em Ti» («Confissoes» 1,1). Todavía a escritora abstrai de Deus para cons truir a sua Ética; ora urna tal Moral é ilusoria, incapaz de

tornar o homem mais homem e mais feliz. Sartre dizia muito sabiamente que a Moral sem Deus vem a ser um absurdo (cf. «P.R.» 112/1969, págs. 169s). O homem que vive exclu sivamente para éste mundo, empenhando-se sómente por cons truir a cidade do homem, jamáis será saciado; vai ao encon— 285 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 1

tro de tremenda desilusáo. Embora a autora verifique que os

homens sao mesquinhos e interesseiros, impedindo assim o bem-estar da humanidade (cf. pág. 77s), nao lhe ocorre falar de Deus e de sua graga, sem os quais é utópica qualquer visáo construtiva do futuro.

Mais: a liberdade sexual anterior ao matrimonio é fonte de males moráis, físicos e psíquicos. Nao se diga que a conti nencia acarreta molestias, pois a auténtica Medicina oontradiz a isso; sómente a sugestáo, incutida nao raro por profissionais, leva o jovem a se sentir mal numa vida casta. Cf. «P.R » 36/1960, pág. 506-514.

Leve-se em conta também o seguinte: nao basta ao homem «saber» ou «ser informado» para que proceda corretamente. Há dentro de cada individuo .um conjunto de obstá culos ao reto comportamento, obstáculos que sao o egoísmo e as concupiscencias desregradas. Em suma, a fé crista fala de luta da carne contra o espirito e da necessidade de que cada cristáo venga em si o velho homem para revestir perfeitamente o Senhor Jesús (cf. Rom 13,13s; Ef 4,22-24). R. M.

Muraro nao alude a estes elementos capitais do Moral crista; parece supor urna natureza humana bem ordenada, que se vai elevando cada vez mais.

3.

Conclusao

Em conclusao, pode-se dizer que o livro «Automagáo...» vem a ser um espécimen rematado de mentalidade seculari zada, inspirada pelos ditos «teólogos da morte de Deus» pro testantes, Sem combater o catolicismo (antes, professando-o em sua consciéncia íntima), a autora apresenta o futuro do género humano como se éste estivesse fadado a viver apenas neste mundo e déste mundo; nao alude a destino transcen dente; o próprio Deus e a Religiáo sao considerados em fungáo do homem e postes a servigo déste. O silencio e o náo-combate de R. M. Muraro á Religiáo sao mais do que mero silencio ou mera

abstencáo.

Iñsinuam um certo

ateísmo,

que

a autora

por certo nao imaginou nem percebeu, porque interiormente quer conservar-se católica. O fato, porém, é que o silencio a nao poucos leitores poderá sugerir urna negativa.

Na verdade, é sómente em Deus explícitamente reconhecido e amado que o homem encontra a si mesmo e aos seus semelhantes. R. M. Muraro devia ter dito e desenvolvido isto, omitindo varias outras coisas, para complementar dignamente os dados científicos que ela coligiu em sua obra. — 286 —

JESÚS CASADO?

II.

BIBLIA



15

SAGRADA

2) «Jesús casou-se e foi viúvo. Eis a última afirmacao de um estudioso das Escrituras. Que dizer? Tem razao?» Resumo da resposta: A tese do Prof. William Phipps carece de todo fundamento ñas Escrituras e na Tradigáo. Os Apostólos e Evan

gelistas nao mencionam, nem indiretamente, algo do matrimonio ou da viuvez ou dos filhos de Jesús, embora mencionem a mác e os primos do Senhor. Na comitiva de Jesús, nao havia apenas urna

mulher (que seria a esposa de Jesús, como insinúa PJiipps), mas algumas santas mulheres, que, consoante a praxe da época, atendiam

á subsistencia material do Mestre.

Sabe-se outrossim que entre os judeus havia nao sómente estima do matrimonio e da prole, mas também apreso ao celibato. Éste data

do século II a. C; foi cultivado pelos essénios, monges judeus que, como se julga, tiveram importante mosteiro em Qumran. As deseobertas efetuadas em Qumran a partir de 1947 trouxeram á tona dos conhecimentos científicos urna nova face do judaismo, muito mais mística, ascética e fervorosa do que a clássica face.

É sobre o fundo do ideal ascético e místico dos essénios que se

deve considerar a vida una abracada por Jesús. O Senhor, conser vando o celibato por amor & sua missáo, nao destoava da genuuia piedade israelita, nem era, por isto, motivo de escándalo e recriminagáo por parte, de scus contemporáneos. Alias, também Joáo Batista íoi relibntario e penitente.

Resposta. A imprensa divulgou, há meses, urna noticia aparentemente sensacional, cujo teor é o seguinte, de acordó

com o «Correio do Povo» de Porto Alegre, de 21/IÜ/1969: «ELKINS, Virginia, 20

(AP)

— Jesús Cristo deve ter sido um

homem casado, segundo um teólogo presbiteriano da Universidade de Davis and Elkins.

Num artigo publicado na última edicáo do 'Journal of Ecumenlcal

Studies', o prof. William Phipps afirma que nos tempos bíblicos considerava-se grave falta contra a lei religiosa nao casar e nao ter filhos. 'Se Jesús fósse solteiro — alega Phipps — a Biblia cantería seguramente notas ou criticas de seos adversarios neste sentido. Jesús posslvelmente nao tinha esposa durante os tres anos de sua vida pública, mas é lógico deduzir que anteriormente poderia ter-se casado, f¡cando em seguida viúvo', declara o teólogo.

Afirma aínda que mas tradueñes para o grego dos livros do Antigo

e do Novo Testamento nao há diferenca entre os vocábulos 'esposa'

e 'mulher', acrescentando que os EvangeLhos varias vézes fazem refe rencia a urna mulher que acompanhava Jesús. 'Segundo a lei talmú dica, o feto de nao se casar e nao ter filhos era considerado táo grande quanto cometer um assassínio', finaliza Phipps em seu artigo».

— 287 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 2

A tese do Professor William Phipps é realmente revolu

cionaria. Faz-se mister submeté-la a um julgamento sereno,

que abaixo será proposto por etapas.

1.

Judeus e virgindade

É certo que os judeus muito estímavam o casamento e urna prole numerosa, pois esperavam que da linhagem carnal de Israel nasceria o Salvador ou Messias prometido pelas Es crituras Sagradas. Urna mulher estéril chegava a oonsiderar-

-se amaldigoada por Deus; tal foi, por exemplo, o caso de Ana

(cf. 1 Sam 1,4-18), posteriormente máe de Samuel por graca de Deus. Abraáo e Sara, os país de Sansáo, Zacarías e Elisabete se alegraram profundamente quando o Senhor lhes deu a saber que, em sua esterilidade, haviam de ter um filho (cf. Gen 18,9-15; 21,1-7; Jz 13,1-7; Le 1,5-22. 57s).

Eram, pois, as expectativas religiosas do povo de Israel que incutiam aos hebreus o aprégo do matrimonio.

Seria temerario, porém, se nao erróneo, deduzir de tal fato a tese de que conseqüentemente Jesús foi casado e até teve filhos.

E por que temerario ou mesmo erróneo?

2.

A figura de Jesús nos Evangelhos

1) Os Evangelhos nada dizem a respeito da pretensa esposa (viva ou morta) de Jesús nem a propósito de seus «filhos», embora falem da máe e da parentela de Cristo. Nem as fontes rabinicas que algumas vézes mencionam Jesús nos

falam da mulher do Mestre (cf. «P.R.» 7/1957, págs. 23-26).

2) Segundo Phipps, urna mulher acompanhava Jesús, a qual talvez tenha sido sua esposa (Phipps, alias, é contraditorio; ora insinúa que Jesús era viúvo durante os tres anos de sua vida pública, ora dá a entender que urna mulher, sua esposa, o acompanhava enquanto exercia seu ministerio sa grado) .

Na verdade, nao urna mulher apenas acompanhava Cristo, mas um grupo de santas mulheres, as quais Lucas assim se refere: «Jesús percorria cidaúes e aldeias pregando e anunciando o Evangelho do reino de Deus. Acompanhavam-no os doze Apostólos e algu-

— 288 —

JESÚS CASADO?

17

mas mulheres que tinham sido curadas de espiritas malignos e de doengas: Maria, chamada Madalena, de quem tinham saido se te de monios, Joana, esposa de Cusa, intendente de Heredes, Susana e muitas outras que o serviam com seus haveres» (Le 8,1-3).

Entre os judeus, havia o costume de que mulheres piedosas se encarregassem da subsistencia material de rabinos ou doutóres qtte se dedicassem exclusivamente ao ensino da Lei. Nao admira, pois, que com Jesús isto se tenha dado. O fato, porém, está longe de significar que entre o Senhor e alguma daquelas pessoas de sua comitiva houvesse uniáo ma trimonial; urna délas, Joana, chega a ser apresentada pelo Evangelista como esposa do oficial Cusa, da casa de Herodes.

3.

Essénios e celibato

1. Leve-se em conta outrossim o seguinte: as concepgóes que os estudiosos possuiam a respeito do pensamento e dos costumes dos judeus anteriores e contemporáneos a Cristo, foram, em parte, reformuladas e, em parte, completadas pelas famosas descobertas realizadas no deserto de Judá (Palestina) no ano de 1947.

Com efeito, em Khirbet Qumran, a 2 km e meio do Mar Morto, foram encontrados numerosos e valiosos manuscritos,

assim como as ruinas de um mosteiro, que pertenceram a urna seita de ascetas judeus. Tais ascetas foram identificados com os essénios, monges hebreus de que nos falam antigos escritores, como o latino Plínio o Antigo (t 79 d. C.) e os judeus Filáo de Alexandria (t 70 d. C.) e Flávio José (f 102/ /103 d. C). Os essénios tém sua origem no fato de que, no séc. II a. C, um grupo de sacerdotes judeus de Jerusalém resolveu abandonar a Cidade Santa para ir habitar no deserto, levando

vida de oracáo, penitencia e trabalho. Queriam assim seqües-

trar-se dos chefes religiosos do povo de Israel, que Ihes pareciam estar cedendo as influencias do helenismo pagáo e traíndo as tradicóes patrias. Julgavam ser os filhos da luz; desejavam fazer a experiencia dos seus antepassados, que haviam vivido quarenta anos no deserto em demanda da Térra Prometida; alimentavam ardente expectativa do Messias. Aspiravam por libertar-se do pecado e assim desfrutar o ante gozo da vida angélica que éles esperavam poder possuir na plenitude dos tempos. — 289 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 2

Ora, a respeito dos essénios, Plinio o Antigo deixou-nos interessante testemunho em sua «Historia Natural». Tendo visitado o Oriente, ésse escritor descreve a Palestina: depois de ter falado do Mar Morto e de sua margem oriental, passa a tratar de sua costa ocidental e refere o seguinte: «Ao Ocidente (do lago Asfaltite, isto é, do Mar Morto) estáo ins

talados os essénios, á distancia da zona nociva do litoral. Povo soli tario, o mais extraordinario povo que haja, sem mülheres, sem amor,

sem dinheiro. a viver na oompamhia das palmeiras. Todavía renovam-

-se regularmente, e seus recrutas lhes chegam em massa, gente can sada da vida ou gente que os dissabores da sorte levam a adotar tal modo de vida. Assim, após milhares de séculos. coisa incrivel, subsiste um povo eterno, em que ninguém nasce. Déste modo, torna-se fe cundo, gragas a éles, o arrependimento que os outros experimentam a respeito de sua vida. Ao sul dos essénios, ergue-se a cidade de Engaddi, que so cede a Jericó no tocante á fertilidade e as palmeiras, mas que hoje está reduzida a um acervo de cinzas. Mais adiante, encontra-se a fortaleza de Masada, na montanha, também ela afastada do lago Asfaltite» («Historia Natural» V 17,73).

Tais afirmacóes fornecidas por Plinio sao confirmadas por Filáo e Flávio José, sendo que a noticia de Plinio se caracte riza pela exatidáo com que descreve a situacáo geográfica

dos essénios. JÉ aos monges judeus de Qumran, cujos vestigios foram descobertos em 1947, que se refere o escritor latino. No documento ácima, o que interessa ao presente estudo, é a mengáo de que os essénios viviam oelibatariamente; abra-

cavam, pois, a vida una ou indivisa, por motivos religiosos, ou seja, a fim de mais desimpedidamente se dedicar á oragáo e á uniáo com Deus. Alias, o texto da Regra da Comunidade de Qumran, encontrado ñas ruinas do mosteiro, ignora por completo a vida familiar ou conjugal dos respectivos monges.

2. Acontece, porém, que ñas ruinas do cemitério dos ascetas de Qumran foram encontrados alguns esqueletos femininos. Éste achado suscitou dificuldades aos historiadores mo dernos, visto que Plinio, Filáo e Flávio José concordam entre si ao mencionar a vida celibatária dos essénios. Todavía a solucáo pode ser concebida nos seguintes termos: em Qumran levavam vida ascética e continente pessoas de ambos os sexos, formando urna comunidade digna e férvida. Algo de semelhante se deu também em torno de Jesús Cristo: S. Lucas, no

seu Evangelho, refere que piedosas mülheres e os doze Apos tólos seguiam o Divino Mestre; no livro dos Atos dos Apostólos,

o mesmo autor afirma que algumas mülheres constituiram com os Apostólos o núcleo da primeira comunidade crista: «(Os — 290 —

JESÚS CASADO?

>.

'

Apostólos) todos juntos perseveravam na oragáo, com'álgVF" mas mulheres, entre as quais Mana, máe de Jesús, e com os

irmáos (primos) do Senhor» (At 1,14).

Os estudiosos admitem outrossim que em Qumran possam ter vivido alguns ascetas casados; nao eram própriamente monges, como os celibatários, mas poderiam ser comparados aos Irmáos terciarios, que, tendo abracado o matrimonio, vivem a espiritualidade das Ordens Religiosas de S. Francisco e S. Domingos.

Além dos essénios, o povo de Israel contemporáneo a Cristo conheceu outra agremiacáo de ascetas: os chamados «Terapeutas», cujo género de vida era semelhante ao dos essénios. Viviam retirados nos arredores do lago Mareotis, perto de Alexandria (Egito), como referem Filáo de Alexandria («De vita contemplativa» 21-90) e o historiador Eusébio na sua «Historia da Igreja» (II, XVII). Em suma, o género de vida de essénios e terapeutas de

monstra que, entre os judeus próximos aos tempos de Cristo, ao lado da clássica estima da vida matrimonial se cultivava também a vida celibatária. Esta impunha-se aos que desejavam regime mais austero e maior liberdade para se entregar á contemplacáo das verdades eternas. Note-se, alias, que S. Joáo Batista, o precursor de Jesús levou vida solitaria no deserto marcada por continencia e írugalidade. Nao se pode excluir que tenha tido contato com os monges de Qumran.

Vé-se destarte que o género de vida celibatário de Jesús, atestado por toda a tradicáo crista até nossos dias, nada tinha que estivesse fadado a merecer a repulsa dos judeus. Já contava com seus precedentes, bem aceitos pelos habitan tes da Térra Santa; tornara-se mesmo o regime típico daqueles que aspiravam a maior perfeicáo espiritual.

3.

O Prof.

Phipps

afirma que,

segundo

o

celibato era pecado táo grave quanto o assassinio.

Talmud,

o

Esta posigáo do Talmud se oompreende do seguinte modo: o Talmud é urna coletánea de dizeres dos rabinos de Israel que viviam e ensinavam em Jerusalém antes e depois de Cristo; representavam o judaismo clássico, contra o qual os essénios se insurgiram em nome de urna mentalidade mais férvida e pura. Os talmudistas exprimem a mentalidade do

judaismo que se esterilizou espiritualmente, fechando-se ao Messias e ao sentido genuino do Antigo Testamento. Leve-se — 291 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 2

em consideragáo, porém, que nos tempos de Jesús nao havia apenas quem pensasse como os talmudistas, mas havia tam-

bém os que recebiam a influencia mais positiva e mística dos

essénios.

4.

Virgindade e Cristianismo

Ademáis, se Jesús nao tivesse levado a vida una, nao se

entendería que a virgindade tenha sido altamente apreciada

e fervorosamente abracada desde a primeira geragáo crista. Com efeito, em 56 d. C, Sao Paulo dizia aos fiéis de Corinto que desejava fóssem, como ele (Paulo), celibatários (cf. 1 Cor 7,7); colocava a virgindade consagrada a Deus ácima do próprio estado matrimonial (cuja dignidade Sao Paulo nao deixou de reconhecer e realcar em varias passagens de suas cartas; cf. 1 Cor 7,12-17; Ef 5,22-33). O elogio da virgindade fazia parte da mensagem crista desde as origens desta — o que, alias, bem se compreende, visto que Jesús mesmo insinuou a excelencia da vida virginal, ao dizer: «Há eunucos que nasce-

ram assim do seio materno; outros foram feitos eunucos pelos homens, e há também eunucos que assim se fizeram éles mesmos por causa do reino dos céus. ender, compreenda!» (Mt 19,12).

Quem puder

compre-

Nestas palavras do Senhor há, por certo, um convite ao celibato a ser abragado em sinal de generosa dedicagáo aos interésses do reino de Deus. Tais palavras só se entendem

adequadamente nos labios de Cristo, caso se admita que Jesús pessoalmente tenha abragado o celibato por amor á sua missáo religiosa. De resto, é necessário ainda observar o seguinte: para os cristáos, já nao subsiste o motivo que inspirava aos judeus a grande estima do matrimonio. Os discípulos de Cristo sabem que o Messias já veio; por conseguinte, já nao há que esperar o cumprimento das antigás promessas de um Salvador, .. .Sal

vador que nasceria da linhagem de Abraáo e Davi. O matri monio, para os cristáos, já nao é o necessário veículo de salvagáo, como era para os judeus; se a eternidade já está presente no tempo atual, compreende-se que muitos discípulos

de Cristo desejem viver mais plenamente do eterno e definitivo

que lhes foi dado, renunciando á vida conjugal. A virgindade e o celibato vém a ser, destarte, urna das expressóes mais típicas do Cristianismo, ou seja, a expressáo da consciéncia que os cristáos tém, de que se cumpriram as profecías do Antigo

Testamento e o reino de Deus já se iniciou na térra em termos

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

21

definitivos (a graga santificante depositada ñas almas pelo Batismo é a sementé da gloria eterna). Compreende-se entáo que Jesús, trazendo tal mensagem

aos homens, tenha ele mesmo abracado a vida una, atestando por suas palavras e sua conduta a Boa-Nova. É, de resto, o

que os Evangelhos insinuam, silenciando por completo o «casa mento» de Jesús; é também o que a Tradicáo crista sempre

afirmou. Donde se vé que gratuita, ou mesmo errónea, é a

hipótese do estimado professor da Universidade Davis and Elkins.

III.

ESPIRITUALIDADE

3) «Em que consistem as novas normas promulgadas pela Santa Sé em insta da formacao dos Religiosos e das Religiosas?» Resuma da resposta: A Instrucáo «Renovationis caúsame, pro mulgada pela Santa Sé aos 6 de Janeiro de 1969, visa reestruturar as etapas de formacüo dos Religiosos e das Religiosas. Tais etapas erara até o presente ano: postulantado nao estritamente obrigatório, primeiro periodo em que o candidato se amblentava na vida regular; noviciado, de um año ao menos, passado longe do mundo em recolhimento e no estudo da Regra religiosa; profissSo temporaria, de tres ano no mínimo; profissao perpetua. A nova Instrucáo introduz tres principáis modificaeñes: 1) O postulantado deverá ser obrigatório e mais estenso, de modo a favorecer certa maturacáo psicológica do candidato.

2) O noviciado, ñas Ordens e Congregacóes de vida mista (con templativa e apostólica), poderá constar de periodos de separacáo do

mundo alternados com estágios de trabalho apostólico (fora da casa do noviciado).

3) Após o noviciado, o candidato que nao esteja em condicSes psicológicas de fazer votos religiosos, poderá íazer simples promessa, a Deus e ao Instituto, de viver em pobreza, castidade e obediencia. Emitirá posteriormente sua proíissáo temporaria ou perpetua.

As normas ácima nao s3o todas estritamente obrigatórias nem definitivas. Poderlo ser aplicadas pelos Superiores Gerais aos respec tivos Institutos, caso as julguem oportunas. A experiencia possibilitará que sejam confirmadas ou ulteriormente adaptadas. A finalidade da Instrucáo é proporcionar aos candidatos k vida religiosa ocasióes varias de amadurecer humana e aíetivamente, de modo a fazerem, no día consciente e segura.

de

seus

votos

X

— 293 —

definitivos,

urna opeáo bem

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 3

Resposta: A vida consagrada a Deus mediante os tres votos de pobreza, castidade e obediencia sempre mereceu, e continua a merecer, grande estima por parte da S. Igreja.A Constituigáo «Lumen Gentium» c. VI e o decreto «Perfectae caritatis» do Concilio do Vaticano II a enalteceram e procuraram fomentar. Acontece, porém, que deve ser atualizada, ou seja, adaptada as condicóes em que vive o homem de hoje. Daí a promulgacáo de alguns documentos da Santa Sé ati

nentes ao assunto, dos quais o último e mais importante é a

Instrucáo «Renovationis causam» («A obra da renovacáo»)

com a data de 6 de Janeiro de 1969.

Abaixo proporemos os precedentes, a problemática e o

conteúdo da Instrucáo «Renovationis causam», Instrueáo que, segundo os dizeres oficiáis da Santa Sé, é «resoluta, audaciosa e de alcance consideravel» '.

1.

Os precedentes

A historia do documento comega com urna reuniáo de Mestres de novigos 2 de diversas Ordens e Congregacóes realizada na Holanda em 1966 (ou 1967?). O tema principal

dessa reuniáo era a crise das vocacóes religiosas: verifica-se,

de um lado, que tem diminuido o número de jovens que procuram a vida una, consagrada a Deus, e, de outro lado, é considerável a cota dos que vém abandonando a vida religiosa

nos últimos anos.

Para obviar a estes males, os Mestres de novicos conceberam urna reestruturagáo das etapas de formagáo dos can didatos aos votos religiosos. Levaram suas sugestóes aos res pectivos Superiores Provinciais e Gerais. Estes, por sua vez, encaminharam as propostas e os pedidos á S. Congregacáo dos Religiosos e ao Santo Padre Paulo VL Em carta datada de 7/XII/1967, escreviam os Superiores Gerais a S. Santidade:

«A reestruturacáo é táo urgente, segundo varios Superiores, que

urna dilaeáo, ainda que de um ano apenas acarretaria grave detri mento tanto para as vocacdes como para os próprios Institutos reli giosos* («La Documentaron Gatholique» n« 1534, pág. 169).

1 É o que se lé na carta com que a S. Congregagáo dos Reli giosos apresenta a Instrucáo. Cí. «La Documentation Cathólique*

LXVI, n' 1534, 16/11/1969, pág. 167.

2 «Novico» é p candidato que pelo espaco de um ano ao menos, faz a aprendizagem da vida religiosa e experimenta a sua vocacáo, num ambiente que até os últimos tempos sempre foi assaz

fechado.

ocm

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

23

A resposta a esta carta foi a Instrugáo «Renovationis causam», que reproduz e promulga, quase na íntegra, os pos tulados dos Mestres de Novigos e Superiores Gerais religiosos. O documento leva em conta as etapas de maturagáo da per-

sonalidade humana, a diversidade de disposigóes e tempera mentos dos candidatos & vida religiosa, assim como a variedade de Ordens e Congregagóes esparsas pela mundo inteiro. Em vista disso, abandona certas normas de uniformidade que ató os últimos tempos eram impostas á formagáo de novigos

(veja-se o Código de Direito Canónico, cánones 539 a 586).

Nao se fazia, no tocante á formagáo, diferenga muito sensível entre Institutos religiosos de vida contemplativa e de vida ativa, Institutos antigos e modernos, Institutos masculinos e femininos. A nova Instrugáo admite urna certa elasticidade ñas etapas de formagáo dos Religiosos, atendendo a imperio sas necessidades dos novos tempos, sem deixar de ser fiel as exigencias de auténtica vida religiosa. O documento, por sua vez, nao pretende ser irreformável;

ao contrario, logo em seu proemio, observa ter caráter expe rimental, podendo ser retocado de acordó com os resultados, positivos t>u negativos, a ser obtidos. Passamos agora a expor

2.

A problemática do documento

A Instrucao «Renovationis causam» consta de: 1) Proemio, 2) Principios e Diretivas concementes á vida religiosa em geral (em 9 parágrafos), 3) Normas Especiáis (em 38 artigos), 4) Normas relati vas á execucüo das disposicóes anteriores (em 7 parágrafos).

Antes do mais. impóe-se a eonsideracáo dos motivos que levaram a Santa Sé a promulgar a audaz Instrucao, motivos esbozados no proemio e na primeira parte do documento. Tais razñes podem ser compendiadas sob dois títulos: 1 )

Estruturas e contestajao

Nao há quem ignore a grave crise que hoje em dia aco mete as instituigóes em geral, sem ¡sentar as instituigóes reli giosas. Sabe-se mesmo que, na presente fase atormentada da historia da Igreja, q clero é em geral mais afetado do que o laicato; dentro do clero, os regulares ou Religiosos sao mais atingidos do que os clérigos seculares ou diocesanos.

Isto se compreenderá sem dificuldade desde que se con sidere que a crise presente (que recobre o mundo inteiro) é — 295 —

24

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 3

urna crise de contestagáo sob varias formas, contestagáo que se dirige em geral contra as estruturas da sociedade. Ora na Igreja as estruturas que marcam a vida do clero sao mais rígidas do que as do laicato; ulteriormente, as estruturas que regem o clero regular, sao mais severas do que as que norteiam o clero secular; com efeito, existem Regras, Constituigóes e Declaragñes para as diversas Ordens e Congregagóes

Religiosas... Éntende-se, pois, que os casos de desatualizagáo das estruturas se possam tornar freqüentes e ponderosos entre

os Religiosos, mormente em nossos dias, quando as condigóes

de vida se transformam bruscamente. Em conseqüéncia, os jovens de hoje, mesmo aqueles que aspiram á perfeigáo reli

giosa, experimentam dificuldades para se adaptar ás estrutu ras e aos métodos de formagáo vigentes em muitas comuni dades religiosas, visto que tais instituigóes datam de épocas

mais ou menos distantes da presente.

Tal problema impóe-se inexorávelmente á consideracáo

dos Superiores Religiosos; estes se véem impelidos a procurar as maneiras de simplificar as estruturas de formagáo dos jovens candidatos, sem comprometer a esséncia da vida con sagrada a Deus e a natureza própria de cada Instituto reli gioso. Como se compreende, nao 6 possível suprimir toda estrutura. Verdade é que, na vida crista, e em particular na

vida religiosa, o elemento espiritual e carismático é mais im portante do que o jurídico e canónico; nao obstante, éste fíca sendo necessário. Paralelamente, no homem o elemento mais importante é a alma; todavia o corpo é indispensável para que o ser humano possa viver e trabalhar. Nao se pode negar

que um mínimo de estrutura seja necessário la vida e ao desenvolvimento de qualquer sociedade (nao excluidas as sociedades religiosas). É o que nota a «Instrugáo»: «Por certo, na própria natureza da vida religiosa, como, alias, na

da Igreja mesma. está radicada a exigencia de alguma estrutura, sem a qual nenhuma sociedade, aínda que sobrenatural, poderia atingir os seus fins, ncm estar em condlgSes de- escolher os meios mais apropriados para o alcancar* (proemio).

O que importa neste setor, como em tantos outros, é evitar os exageres: ... tanto o das estruturas demasiado rí gidas, que impecam o desabrochar normal dos dons naturais e sobrenaturais do candidato, como o exagero oposto, que pre coniza a supressáo de quaisquer estruturas, mesmo daquelas sem as quais os Institutos religiosos nao poderiam sobreviver.

É preciso que os Superiores saibam rever as normas vigentes

nos noviciados, escolhendo e adatando as que contribuam para

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

25

o desabrochar de auténtica vida religiosa, e extinguindo as que, em virtude da mudanca dos tempos, se tenham tornado um obstáculo mais do que um estimulo. A fé sobrenatural e a prudencia crista, refletindo sobre a experiencia da vida, deveráo nortear os mestres da vida religiosa na presente con juntura.

2)

ProfissSo religiosa e maturídade

Leve-se em conta outrossim que a vida religiosa é carac

terizada por duas notas que lhe sao essenciais:

a) a totalidad» do dom que o Religioso faz de si a Deus, abragando a pobreza, a castidade e a obediencia; b) a perpetuidade do dom, o qual, após a profissáo de finitiva, se torna, por vontade do próprio candidato, irrever-

sível

(as dispensas de votos perpetuos podem ser legítimas,

mas estáo fora do curso normal das coisas).

Ora as características de totalidade e perpetuidade causam dificuldades aos jovens de hoje. Oom efeito, encontram-se rapazes e mogas de ótimas disposigóes, desejosos de trabalhar

por Cristo e pelas almas mediante sacrificios notáveis, todavía

corn duracáo limitada; comprometem-se, por vézes, a seguir para térras estrangeiras a fim de executar trabalhos arduos, reservando-se, porém, a liberdade de dispor de novo de si e

do seu futuro logo que se escoe o prazo determinado ou o contrato de servigo. O jovem é naturalmente hesitante ante a perspectiva de obrigagóes de índole total e definitiva; nao

sao raros os casos daqueles que, depois de as ter assumido, já nao se sentem em condigóes de as sustentar e pedem dis pensa. ..

Vé-se, pois, que a profíssáo religiosa, em virtude dos compromissos que impóe, é ato de tal. relevo na vida de um homem ou de urna mulher que deve ser proferida com plena maturidade de espirito. É a maturidade que parece ter faltado a numerosos candidatos aos votos religiosos; daí as dificulda des e os desatinos que últimamente se tém verificado entre éles diante dos embates pos-conciliares. Conseqüentemente, a Instrugáo «Renovationis causam» insiste sobre a maturidade humana e afetiva dos novigos:
— 297 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 3

Consciente de tal situacáo, a S. Igreja, mediante a Instrucáo «Renovationis causam», procura suscitar nos candida

tos á vida religiosa a devida maturidade, propondo tres notá-

veis inovacóes na formacáo dos futuros professos.

3.

As vías de solugao

As etapas habituáis de formagáo dos Religiosos e das Re ligiosas eram até a Instrueáo as seguintes: — um período dito «de postulamtado», que proporcionava ao can didato proveniente do século a ocasiáo de se iniciar de maneira lenta e suave na vida do convento ou mosteiro. Tal período nao ena obliga torio para a validade da profissao;

— o noviciado, que durava obligatoriamente um ano, podendo ser estendido até dois anos. Era rigorosamente dedicado á aséese, á oracáo e ao estudo da Regra Religiosa, sem trabalhos apostólicos nem estudos profanos, num ambiente ¡solado do mundo; — ao noviciado, seguia-se a profissao temporaria, que se estenderia ao menos por tres anos, antecedendo os votos definitivos.

Tais etapas, após a Instrucáo sofreram as seguintes modificacóes: 1)

«Renovationis

causam»,

Pré-noviciado

O postulantado tornar-se-á mais extenso e enfático, a fim de que o candidato possa entáo adquirir certo grau de matu ridade afetiva e espiritual.

Leve-se em conta que os candidatos á vida religiosa podem provir ou do século ou de Seminarios Menores o Escojas Apos tólicas.

Quanto aos que vém do século diretamente, é de crer que tenham já alguma experiencia da vida e da realidade contem poráneas; talvez já hajam exercido alguma profissao ou rea lizado estudos superiores — o que é altamente vantajoso. Todavía pode-se conjeturar que tenham costumes de vida assaz diferentes dos que se observam no convento. Com efeito, a disciplina, o regime de educacáo e formacáo, os horarios da juventude que vive no século, se distanciam cada vez mais da disciplina vigente ñas comunidades religiosas. Além disto, acontece que os conhecimentos de doutrina teológica que os

jovens no século recebem, sao, por vézes, rudimentares. Desejam consagrar-se a Deus, sim, mas carecem de cultura religiosa; a sua vida de fé se apoia em rudimentos de dou-

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

27

trina. Dai a necessidade de se lhes proporcionar logo de inicio no convento um período razoável de adaptacáo á vida reli giosa, período em que poderSo amadurecer em sua fórga de vontade e em seus hábitos de disciplina, assim como aprofundar-se em conhecimentos de doutrina religiosa. Os

candidatos

que

fizeram

seus

estudos

humanísticos

em Seminarios Menores, E9tíolas Apostólicas ou Juvenatos, já tém certo hábito de disciplina religiosa (silencio, oracáo, ho rario ...); possuem também formacáo doutrinária satisfatória. Todavía podem carecer de experiencia da vida e de suas dificuldades. Por conseguinte, parece oportuno que, a juízo dos Superiores, nao passem diretamente do Seminario Menor para o noviciado; poderáo completar sua formacáo geral e adqui rir maturidade psicológica enfrentando um pouco a realidade fora do convento, convivendo com outros jovens, trabalhadores ou estudantes. Isto nao quer dizer que deixem de habitar em suas casas religiosas, mas apenas que tenham a possibilidade de conhecer a vida no século (enquanto é moralmente sadia).

As proporgóes e a duragáo do período de pré-noviciado ficam a criterio dos Superiores Religiosos e dos candidatos,

pois cada individuo tem seus dons, seu potencial humano e suas disposigóes próprias. As circunstancias em que se rea lizará o pré-noviciado, poderáo ser as mais diversas, contanto que favoregam realmente a maturagáo humana e afetiva do candidato.

Posta a etapa do pré-noviciado, compreende-se que o noviciado comegará doravante em idade superior á que se exigía até a Instrugáo «Renovationis causam» (o Código de Direito Canónico, no can. 555, prescrevia ao menos os quinze anos de idade). 2)

Noviciado

Continua a obrigacáo de se fazer um ano de noviciado. Todavía a maneira de o realizar foi modificada. A Instrugáo toma em consideragáo, de modo especial, as Ordens e Congregagóes que desenvolvem o apostolado, pro curando unir harmoniosamente contemplagáo e agáo. Ora, em tais Institutos o noviciado doravante poderá conjugar períodos de apostolado (vividos fora da casa do noviciado, no exercício de alguma das obras específicas da respectiva Congregagáo) e periodos de retiro, de sorte que já no novi-

— 299 —

28

«PERGUNTE E. RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 3

ciado (ano de provacáo) o novico faga a experiencia, táo fiel

quanto possível, do género de vida que abracará com a profissáo; o noviciado proporcionará assim urna formacáo para a vida contemplativa e apostólica. Um tirocinio decorrido totalmente no isolamento poderia ser artificial para candidatos que pretendem optar nao pela vida contemplativa, mas pela

vida mista.

Sao palavras da Instrucáo: «Além de ter o aspecto de preparacáo progressiva para as atividades apostólicas, os estágios (fora do noviciado) poderáo também ter por finalidade fazer descobrir ao novico as verdadeiras formas

da pobreza e do trabalho ñas circunstancias concretas da vida, con

tribuir para a formacáo de seu caráter e bom senso, para um melhor conhecimento dos homens, para o fortaleclmento da sua vontade e o

desenvolvimento do seu senso de responsabilidade pessoal e

final

mente, para lhe proporcionar a ocasiáo de um esfórco de fidelidade á uniáo com Deus, num ambiente de vida ativa» (m» 25, I).

Ooncedendo que o novigo faga estágios de apostolado fora da casa do noviciado, a Instrugáo «Renovationis causam» nao deixa de recordar a impreterivel necessidade de que o candi dato a vida religiosa adquira profunda vida interior; sem esta, nao se poderia dedicar genuinamente ao trabalho no reino

de Deus. A S. Igreja nao deseja insinuar menosprézo ou des

caso para com os valores da uniáo com Deus e da oragáo.

Por isto, o documento da Santa Sé prescreve que os períodos de recolhimento na casa do noviciado (entrecortados por períodos de apostolado) deveráo durar, ao todo, doze meses,

como outrora; nao deveráo os trabamos apostólicos comegar

senáo após o terceiro mes de recolhimento. 3)

Votos temporarios ou compromissos ?

Sob o título ácima se apresenta a inovagáo mais caracte rística da Instrugáo. Outrora, quando terminava o noviciado, o candidato íazia logo a profissáo perpetua, num ato de decisao total e definitiva. A experi encia, porém, mostrou que tal praxe era precipitada; par isto o Direito Canónico em 1917 inseriu entre o noviciado e os votos perpe tuos um periodo de votos temporarios, que pode durar de tres a seis

anos.

Ora a Instrugáo prevé o caso de um jovem que -tenha realizado satisfatóriamente o seu noviciado e deseje perma necer na vida religiosa; nao se senté, porém, psicológicamente maduro para assumir o compromisso de votos religiosos (ainda

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

29

que sejam temporarios apenas). É-lhe entáo possibilitado fazer urna simples promessa de fidelidade a Deus e ao res pectivo Instituto, em vez de votos (votos que, por sua índole sagrada, importam um compromisso mais íntimo e profundo). Tal promessa inclui naturalmente o desejo de viver no Insti

tuto em pobreza, obediencia e castidade, até o momento em que o candidato se sinta capacitado a emitir sua profissáo temporaria ou mesmo perpetua. A Instrugáo estipula que, entre o fim do noviciado e os votos definitivos, decorra um periodo nao inferior a tres anos nem superior a nove anos.

Somando-se o período de pré-noviciado (quicá dois anos; cf. n* 12, II), o de noviciado ampliado pelos estágios apostó licos (possivelmente dois anos; cf. n» 24, I) e o de formacáo subseqüente até os votos definitivos (nove anos, em alguns casos), verifica-se que a Instrugáo «Renovationis causam» admite urna preparagáo de treze anos e possivelmente a idade de trinta anos, para que alguém emita sua profissáo religiosa perpetua! É de crer que em tais circunstancias o candidato tenha realmente atingido a maturidade necessária a um com promisso definitivo. Nao se deve, alias, esquecer que, no decorrer do longo período de formacáo, ao jovem é sempre facultado o contato nao somente com pessoas experimentadas e conselheiros espirituais, mas também com médicos idóneos, que o esclarecam e ajudem a tomar um sadio alvitre.

Os comentadores realcam a cláusula da Instrugáo «Reno vationis causam» (n" 11, TU) que prevé o seguinte: nos casos mais difíceis, supondo-se o livre consentimento do candidato, os Superiores religiosos poderáo recorrer a um psicólogo ou a um psiquiatra (nao se trata, porém, de um psicanalista, como precipitadamente se proclamou) dotado de bons princi pios moráis, a fim de que facilite ao jovem a deliberagáo sobre a sua opcáo na vida.

Vé-se destarte que a Instrucáo «Renovationis causam» se empenha ao máximo por obter Religiosos psicológicamente maduros. De resto, o Concilio do Vaticano II, atendando á realidade da vida moderna, muito insistiu, em mais de um dos seus documentos, sobre a necessidade de se fomentar a maturidade psicológica e afetiva do homem de hoje.

Assim

a

Declaragáo sobre

a EducacSo

Crista lembra que

«deve levar á maturidade própria da personalidade humana»

esta

(«Gra-

vlssimum educationis», n* 12). O Decreto sobre os Religiosos prescreve nao sejam admitidos candidatos que «nao tenham atingido con veniente maturidade psicológica e afetiva» («Perfectae caritatis»,

n» 12). O documento relativo a formacáo dos seminaristas pede que

— 301 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969

qu. 3

«nos alunos se cultive a necessária maturidade humana» («Optatam

totius» n" 11). Paulo VI, na sua encíclica sobre o celibato, acentuava, por sua vez. a exigencia de maturidade para que a sacerdote viva a sua castidade «como doacáo total de si ao Senhor e á sua Igreja» (n' 72).

Resta completar estas idéias mediante considerado sobre

4.

Maturidade humana e amor a Cristo

Por mais importante que seja a maturidade humana para o bom éxito da vida consagrada a Deus, jamáis se poderá

esquecer que ela nao é senáo urna oondigao necessária; nao

constituí o motivo da profissáo religiosa. Éste é e nao pode ser senáo o amor a Jesús Cristo (a encíclica sobre o celibato sacerdotal fala da «íntima alegría de urna opcáo feita por amor a Cristo» e a Instrucáo «Renovationis causam» emprega semelhantes expressóes). Mesmo na ordem natural verifica-se que o homem moderno geralmente recusa comprometer-se de maneira total e perpetua, excetu-

ando-se apenas os casos em que é o amor que vincula. Na verdade, o amor, se é auténtico, pede totalidade e perpetuidade (tanto da parte de qucm dá o amor como da parte de quem o recebe). Quando o amor coloca ou encontra um limite á sua doacáo, ele tende natural

mente a se atenuar ou mesmo a se extinguir. Ora o mesmo ocorre na ordem sobrenatural: sómente o genuino amor a Cristo pode levar o jovem a doar-se'total e definitivamente na profissáo religiosa.

O amor do jovem a Cristo e a vida consagrada supóe

que o candidato naja compreendido o valor do ideal religioso

e o tenha reconhecido como ideal ácima de todos os outros; assim valorizando a vida consagrada, o jovem será capaz

(com a grac.a de Deus) de superar com alegría as dificuldades

que naturalmente se defrontam a quem queira ser coerente.

Nao importa que o ideal religioso seja em si arduo e difícil;

seria erro fatal querer facilitar a vida religiosa a pretexto de torná-la mais atraente. Na verdade, é precisamente o que há de arduo e arrojado no ideal (também na vida religiosa) que costuma atrair o jovem, ao passo que um ideal, esvaziado

de seus tragos arduos e heroicos, se torna insípido e inexpressivo. Por isto, diz sabiamente a Instrugáo «Renovationis causam»:

«Se há conveniencia em renovar a vida religiosa nos seus meios e ñas suas formas de realizacáo, isto nao significa de modo algum

que seja preciso mudar a substancia mesma da profissáo religiosa, nem diminuir as suas exigencias; os jovens que nos nossos dias

— 302 —

RENOVACAO DA VIDA RELIGIOSA

31

continuam a ser chamados por Deus ao estado religioso, nao se sentem menos desejosos, pelo contrario, de realizar plenamente esta vocacáo com todas as suas exigencias, desde que certas e auténticas» (n« 2).

Como se vé, a Igreja faz um voto de confianga nos jovens

de boje, acreditando na sua generosidade, desde que seja devidamente motivada. Poderá pedir grandes coisas aos jovens o Mestre de novigos que souber apresentar o ideal religioso, atendendo 'a sede de autenticidade que todo ser humano traz dentro de si.

Por último, é preciso acrescentar: assim como o amor a

Cristo é a razáo que leva o jovem a se Lhe consagrar na

profissáo religiosa, ésse amor há de ser também o motivo que o fará perseverar, evitando as dolorosas defecgóes que última

mente se tém registrado.

Também aqui é válida a analogía entre o amor natural e o sobrenatural. O amor dos esposos há de ser fomentado

numa vida de intimidade; separagóes e ausencias duradouras, nao alternadas com períodos de intimidade, podem debilitar o amor e por em perigo a uniáo conjugal. Análogamente o Religioso que se consagrou a Cristo, deve saber temperar suas atividades apostólicas com freqüentes fases de íntima uniáo com Deus no recolhimento e na oragáo; em caso con trario, a estabilidade de sua consagragáo ao Senhor corre perigo. Por isto lembra a Instrugáo «Renovationis causam» que «a lei fundamental de toda a vida espiritual consiste em estabelecer, ao longo da vida, urna alternagáo conveniente entre os tempos reservados á solidáo com Deus e os tempos destinados as diferentes atividades e as relagóes humanas que

elas trazem consigo»

(n" 5).

Esta lei tem importancia capital para o futuro da vida religiosa, embora seja hoje um tanto contestada por aqueles que apregoam a contemplagáo diretamente e táo sómente

dentro da agáo. Na verdade, sem períodos de oragáo explícita, nao há oragáo durante o trabalho. É o que ensinam a psico

logía humana e a experiencia cotidiana; é também o que se depreende dos ensinamentos e dos exemplos de Jesús. É ainda o que recomenda a Instrugáo, quando pede que os jovens aprendam

«a realizar progressivamente na sua vida as con-

dicóes da harmoniosa unidade que deve existir entre a con templagáo e a. agáo apostólica, unidade que constituí um dos valores principáis e fundamentáis dos Institutos religiosos» (n* 5). — 303 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 4 Pequeña bibliografía:

SEDOC I. fase. 9, marco de 1969, pág. 1181-1195. REB, val. 29, margo de 1969, pág. 156-159.

«La Documentation

pág. 159-169.

Catholique» t.

LXV1,

n'

1534,

16/11/1969,

P. Dezza, «Per un aggiornamento della vita religiosa» em «La Civiltá Cattolica», ano 120, qu. 2850, 15/IH/1969, pág. 554-563. J. Mejia, «La instrucción 'Renovationis causam'», em «Criterio» LXH, n" 1567, 13/111/1969. pág. 128-130.

IV. 4)

HISTORIA DO CRISTIANISMO

«Como julgar o, filme 'As Sandalias do Pescador' de

Monis West?

Será positivamente constrnidor ou, antes, deletério?» Resumo da resposta: O filme «As Sandalias do Pescador» apresenta, em suma, a historia de um bispo da Ucrania Kiril Lakota,

que, após vinte anos de trabalhos toreados na Sibériá, é libertado e

mandado para Roma. Eleito Papa. Kiril entra em conversacóes com a Rússia e a China, prometendo interceder junto aos fiéis católicos e aos povos ocidentais em favor da China faminta. Cumpre esta sua promessa, anunciando, no dia de sua coroacáo papal, que venderá os

bens témporais da Igreja e exortando os países capitalistas a compartilhar o que tém, com aqueles que nio tém. Desta forma, o filme

propugna a participacáo da Igreja no desenvolvimento dos povos mediante drásticas medidas que a imaginacáo audaz sugere ao pro-

dutor.

Na verdade, á tese central da película é interessante. Todavía nao se deve esquecer que a missao da Igreja é, antes do mais, espi ritual e religiosa. Para exercer essa sua tarefa, a Igreja precisa de

autonomía em relacáo aos poderes políticos, autonomía que significa independencia territorial para o Papado.

O Papa Kiril toma como secretario o P. Télémond, que, no filme, representa Teilhard de Chardin, jesuíta falecido em 1955. Teilhard é' atualmente um dos autores preferidos pelo catolicismo dito «avancado»; suas obras, porém. mereceram dois pronunciamentos da Santa Sé. que chamam a atencáo para quanto nelas há de ambiguo. No

filme o P. Télémond aparece como vítima do S. Oficio, como se as

reservas feitas a seus escritos fóssem mera expressáo de inveja. Nisto o produtor da película é tendencioso.

Em suma, o filme «As Sandalias do Pescador» é louvável pela tese central que ele insinúa (urna Igreja dialogante com tdda a humanidade). É, porém, utópico ou mesmo injusto em urna ou outra de

suas cenas.

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i AS SANDALIAS DO PESCADOR rel="nofollow">

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Resposta: Em 1963, o escritor Morris West langou o romance «As Sandalias do Pescador», que se tornou «best-seller» em muitos países. Em «P.R.» 77/1964, pág. 228-237,

foi apresentado um comentario de tal obra literaria.

Últimamente o romance passou para a tela cinematográ fica, despertando também enorme interésse — o que bem se justifica, pois o filme suscita a questáo da colaboragáo da Igreja na luta contra os males sociais de nossos dias; nao poucas interrogagóes surgem na mente do espectador a me

dida que se desenrola o enredo da película. Eis por que abaixo

trataremos do assunto, compendiando primeiramente o con-

teúdo de «As Sandalias do Pescador», para depois propor algumas reflexóes a respeito.

1.

«As Sandalias do Pescador»

O filme nao acompanha exatamente o romance do mesmo

nome. Além de abreviar o enredo, é mais expressivo; propóe, em termos claros, a participacáo da Igreja no desenvolvimento dos povos mediante drásticas medidas.

Logo na apresentacáo da película o produtor adverte o público de que o enredo nao faz alusao a personagens reais; se, pois, se depreende alguma semelhanca entre tal figura do filme e tal personagem de nossos dias, trata-se de mera coincidencia. — Ora essa aíirmacao nao parece corresponder á intencao inicial de Morris West, que

certamente através dos personagens de seu romance tinha em mira

alguns vultos da historia contemporánea.

Assim Kamenev, no filme, corresponde inegávelmente a Krutchev,

exchefe do Govérno soviético; o P. Télémond representa Teilhard de Chardin. jesuíta que se tornou arauto de novas idéias na Igreja; o Cardeal Leone vem a ser o Cardeal Ottaviani. representante da corrente conservadora na Igreja. — O romance e o próprio filme fornecem bases claras para tais identificac.5es.

Eis o enredo da película:

A historia abre-se com a apresentacáo de um campo de

concentragáo na Sibéria, onde chega, da parte do Primeiro

Secretario do PC, Piotr Ilych Kamenev, a ordem de libertagáo para o prisioneiro Kiril Lakota. Éste outrora era bispo na Ucrania; aprisionado pelo regime soviético, passara vinte anos em trabamos forcados, causando a admiragáo de seu próprio carcereiro Kamenev. Finalmente era-lhe dada a permissáo de ir para Roma! A fim de levá-lo para a Cidade Eterna, o Vaticano envia a Moscou o P. Télémond, jesuíta, — 305 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969. qu. 4

muito esclarecido e aberto, de sorte que Kiril e o sacerdote em viagem travam sincera amizade. Em Roma, Kiril é recebido pelo Sumo Pontífice, que sem demora lhe confere o barrete cardinalício, embora a contragosto do prelado russo. Nos dias subseqüentes, Kiril toma conhecimento de que o P. Télémond em Roma é suspeito de professar heresias.

Entrementes

morre o

Papa,

e

o Colegio

Cardinalício

dispóe-se a eleger seu sucessor. Realizam-se sete escrutinios. Nao havendo, porém, a necessária convergencia de votos, re-

solve o Cardeal Rinaldi aclamar Kiril Papa, apontando para seus títulos de heroico confessor da fé durante longo cativeiro na Sibéria; a solugáo é adotada por todos os Cardeais presen tes. Após relutar, Kiril aceita a escolha.

Poucos dias após a eleicáo, Kiril chama Télémond para o cargo de Secretario pessoal do Papa — o que causa alarde na Curia Romana, representada pelo Cardeal Leone; o Papa alega que, embora as idéias de Télémond sejam suspeitas, sua vida é irrepreensível. Télémond, devendo responder, em inquérito, aos teólogos do Santo Oficio, professa teorías desconcertantes: eré em Deus e eré em Cristo, sim, mas aínda que nao cresse em Deus, creria no mundo, nos seus valores e na sua bondade; Cristo é, para ele, o ponto de consumac.áo da evolucáo do universo, é o Cristo cósmico, o universo resumido; o homem lhe parece ser servo de sua historia, chamado a se libertar como se Cristo Redentor estivesse ausente e longe déste mundo.

Tais conceitos atraem finalmente sobre Télémond a condenaCáo do S. Oficio; estará obligado para o futuro a guardar silencio no tocante as suas teorías. Posto a par desta sentenga, o Papa vé-se obrigado, a contragosto, a ratificá-la; Télémond, porém, nao resiste ao golpe moral que lhe é assim infligido, e morre. Cíente disto, o Cardeal Leone procura o Papa para apresentar-lhe seus pésames e confessar-lhe que tivera inveja de Télémond. O filme explora a impressáo que acomete o Papa, de estar prisioneiro e isolado no Vaticano. — Kiril, pouco depois de eleito, resolve vestír-se de batina préta como simples cacerdote, e sair, incógnito, do Vaticano. É visto dirigir-se ao «ghetto» dos judeus no Trastevere; lá, em rúa estreita é quase atropelado pelo carro de urna médica que vai socorrer a um doente; tendo-lhe oferecido seus prestimos, Kiril vai a urna farmacia comprar o medicamento solicitado pela doutóra e

— 306 —

«AS SANDALIAS DO PESCADOR»

35

sobe ao cómodo do paciente; éste é utn judeu moribundo, com o qual o Papa recita preces judaicas. Por fim, saem o Papa e a médica pelo Trastevere; logo, porém, topam ambos com dois carros do Vaticano, enviados a reconduzir Kiril á sua sede. A cena, evidentemente fantasista, nao deixa de ter seus encantos nobres e puros.

Na Rússia, Kamenev, chefe do Govérno, sabedor da eleigáo de Kiril, tem por bem enviar-lhe sementes de gira-sol e térra da Ucrania (a fim de que as sementes possam real mente medrar!); além disto, Kamenev convida o Papa para urna visita a Moscou, onde poderá entreter-se com o Presi dente Peng da China e o chanceler soviético; a situagáo do Oriente é grave, pois os chineses passam fome e ameagam guerra contra a Rússia. O Papa nao recusa o convite, consciente de que, no caso, pode e deve ser útil aos homens. Depois de refletir, resolve realmente ir a Moscou (antes da própria coroacáo papal). Embarca em trajes civis e encontra-se finalmente com Ka menev e Peng, propondo-se como mediador entre as potencias capitalistas e Peng (éste, em nome da China, agrega a U.R.S.S. ao bloco capitalista!). O Pontífice mostra-se também disposto a exortar os fiéis católicos do universo a auxi liar a China faminta, correndo mesmo algum risco material para a Igreja.

De volta ao Vaticano, o Papa russo apresta-se para a cerimónia da coroagáo. Todavía, antes desta, declara aos Cardeais que renunciará aos bens temporais da Igreja em favor do mundo faminto; éste pronunciamento provoca cho

que nos ouvintes, que juígam tratar-se de imprudencia; contudo o Cardeal Rinaldi desencadeia um preito de fideíidade a Kiril. Éste, por conseguinte, é coroado la vista do público na Praga de Sao Pedro; mas, logo depois de receber a tiara,

depóe-na e faz sua declaracáo de pobreza, prometendo vender as propriedades da Igreja para saciar os famintos da China; exorta outrossim os grandes déste mundo a repartir o que tém com os indigentes, a comecar pelos do Extremo-Oriente-. Desta forma cumpre Kiril a proínessa feita ao presidente Peng, enquanto o povo todo na Praca aclama o Pontífice. Tal é o desfécho do enredo. O filme deixa, em quem o vé, urna impressáo de grandiosidade e pujanga, dados o luxo e a imponencia das cenas, do vestiario e das instalagóes que apresenta. O desfecho da pega é belo e «simpático». O conjunto, porém, exige urna revisáo e um juízo objetivo.

— 307 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1968, qu. 4

2.

Repensando o filme.. .

Antes do mais, convém notar que a película é muito me nos mordaz e satírica em relacáo as instituicóes da Igreja do que o romance homónimo. Pode-se dizer que a pega cinematográfica vem a ser urna sugestáo feita a Igreja e, em particular, ao Papa, para que tome parte decisiva na luta contra a fome e em prol da paz mundial, assumindo o risco de perder mesmo seus bens tem-

porais. Tal atitude é apresentada como quebra da tradicional atividade da Igreja, quebra que as ligóes do mundo marxista e maoísta sugerem aos eclesiásticos! 1)

Igreja e promojáo social

1. Morris West, pelo teor mesmo de sua obra, preconiza a aproximagáo da Igreja e do marxismo; tenham-se em vista

a eleigáo de um Papa russo e suas boas relagóes com Kamenev e Peng. Apregoando a aproximagáo, o escritor, de certo modo, faz eco ao que tém tentado as autoridades eclesiásticas nos últimos tempos. Paulo VI, na sua encíclica «Ecclesiam Suam», apregoa o diálogo da Igreja com todos os homens, inclusive os ateus: «A Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que A Igreja íaz-se palavxa, fiaz-se mensagem, íaz-se coloquio...

vive.

Esta forma de relacáo indica, por parte de quem a inicia, um propósito de urbanidade. de estima, de simpatía e de bondade; exclui a condenacáo aprioristica, a polémica ofensiva e habitual, o prurido de falar por falar. Se é certo que nao visa obter sem demora a conversáo do interlocutor porque lhe respeita a dignidade e liberdade, sempre visa o bem déle e procura dispó-lo á comunháo mais plena de sentimentos e conviccóos... A Igreja deve estar pronta a manter contato com todos os homens

de boa vontade. dentro e fora do seu ámbito próprio.

Ninguém é estranho ao seu coracáo. Ninguém é indiferente ao seu ministerio. Ninguém, se nao quer, é seu inimigo. Nao é em váo que a Igreja se diz católica. Nüo é em váo que está encarregada de promover no mundo a unidade, o amor e a paz».

É realmente desejável o diálogo entre as diversas correntes de pensamento da atualidade. Nao se deve esquecer, po-

rém, que o diálogo dos cristáos com o marxismo se torna assaz difícil, pois há oposigáo radical entre a filosofía do comunismo (que é essencialmente atéia, materialista) e a filosofía crista. Além do que, sabe-se que a ética marxista

aceita os meios violentos e fraudulentos, desrespeitádores da — 308 —

«AS SANDALIAS DO PESCADOR»

37

dignidade humana, para conseguir as suas finalidades. A ética crista, ao contrario, prega honestidade e respeito á pessoa humana, que é dotada de liberdade. 2. Note-se ainda: a Igreja está disposta a promover o bem temporal da humanidade, associando seus esforcos aos de homens ou sociedades náo-cristáos (contanto que isto nao acarrete confusáo da fé ou confusáo doutrinária).

O Papa Paulo VI, na sua encíclica «Populorum Progressio», em 1967, elogiou os bispos do Chile que se.despojaram de tér

ras da Igreja para auxiliar as populagóes subdesenvolvidas (cf. tf> 32).

Ainda há poucas semanas, na audiencia geral de 26/111/ /1969, o S. Padre Paulo VI anunciou que acabara de criar um fundo monetario para favorecer o desenvolvimento da América Latina. Eis o teor de suas palavras:

«Neste segundo aniversario da encíclica 'Populorum Progressio' e na perspectiva de Nossa viagem a América Latina, decidimos criar

um fundo especial para ajudar, tanto quanto Nos é possível, o desen volvimento désse caro continente. Ésse fundo trará o nome 'Fundo Populorum Progressio'.

Estamos felizes por poder transmitir Nossas saudacfles ao Dr. Fe lipe Herrera, presente a esta audiencia, acompanhado de seus colabo

radores. O Dr. Herrera terá a .responsabilidade de administrar ésse

Fundo om vista do melhor servico de Nossos irmáos da América La tina. Somos-lhe gratos por ter colocado ao servico do Nosso projeto a organizacSo que ele dirige. Ésse Fundo servirá, em primeiro lugar, para ajudar os 'campe sinos' da Colombia, na reforma agraria désse país, que tivemos a

alegría de visitar.

Possa essa modesta contribuicáo ser sinal concreto do apelo que Cristo Nos dirige para socorrer aos que sofrem. Possa também ser um encorajamento para todos aqueles que trabalham no desenvolvimento dos povos, no seio da grande familia humana» UL'Osservatore Ro mano*, od. francesa. 4/IV/69. pág. 1).

A imprensa no Brasil deu a saber que, para constituir tal fundo monetario, o S. Padre vendeu valioso edificio da Santa Sé em Paris, ficando a importancia depositada no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Deve-se, porém, lembrar que a missáo da Igreja nao é própriamente temporal ou horizontal: Cristo lhe confiou, antes do mais, embora nao exclusivamente, a tarefa de comunicar aos homens a Boa-Nova da salvacáo eterna e fazé-los viver dessa mensagem; é a esta obra que se há de dedicar zelosamente a Igreja; o temporal é, para os cristáos, fungáo do espiritual e eterno. Por isto nao se pode aferir a fidelidade da Igreja a Deus e aos homens segundo o seu empenho em — 309 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 4

prol do desenvolvimento material da humanidade. O cristáo sabe que, além do pao para o corpo, existe o pao da alma (a verdade de Deus, que é vida); sabe também que o homem de hoje nao tem menos fome ou necessidade désse pao sobre

natural do que do pao natural.

É preciso outrossim levar em conta que, para exercer a sua missáo salvífica (que toca o íntimo das consciéncias), a Igreja precisa de autonomía política; é necessário que o Papa

se possa comunicar com os fiéis esparsos pelo mundo inteiro, sem estar sujeito á interferencia de potencias estranhas. Por

isto nao puderam os Pontífices, após a tomada de Roma (1870), renunciar ao Estado Pontificio (ainda que éste se tornasse bem reduzido, como realmente é hoje). Seria utopia pretender que a Igreja cumpra a sua missáo junto a 500 miIhóes de homens espalhados por todo o orbe sem dispor de algo dos bens materiais déste mundo; é sempre em dependen cia da materia que os homens vivem na térra e realizam seus ideáis.

No filme de Morris West, o Cardeal Kiril afirma de certa feita, referindo-se a Sibéria: «Aceito o país onde há pao, trabalho e digni dade». Seria isto a insinuacño de que o Cristianismo pode aceitar o regime marxista? Pergunta-se, porém: que é o respeito á dignidade humana, se nao incluí respeito a liberdade dos cidadáos? Nao há dignidade sem liberdade; esta é apregoada pela «Declaracáo dos Direitos do Homem» promulgada pela ONU em 1948. Ora na Rússia a dignidade humana nao conhece o devido uso de sua liberdade. 2)

Aparato e sitnpticidade no Vaticano

1. As cenas do filme póem em realce exagerado o apa rato das instalagóes e dos costumes da Cidade do Vaticano. Incutem o preconceito de que lá existem luxo e fausto. Na verdade, houve tempos (principalmente os da Renascenga) em que os Papas e Cardeais tomavam o aspecto de senhores déste mundo; deu-se assim um desvirtuamento do espirito religioso (a que todo ser humano, alias, está sujeito). Considere-se também que até o século passado (1870) o Sumo Pontífice era responsável por extensos territorios na península itálica e devia, até certo ponto, fazer as vézes de senhor politico, aceitando o aparato que decorre desta funcáo; muitas das cerimónias ou dos hábitos eclesiásticos que podem parecer estranhos ao observador moderno, eram outrora perfeitamente

compreensíveis e justificados;

exprimam

a mentalidáde

da

época e nada tinham de desconcertante. Atualmente, embora a senhoria temporal do Papa esteja quase extinta, ainda restam no Vaticano costumes da Idade — 310 —

«AS SANDALIAS, DO PESCADOR»

39

Media e dos séculos posteriores, costumes que tiveram sua razáo de ser outrora, boje, porém, pouco ou nada significam. Sabe-se quanto os Papas recentes se tém esforcado por dimi nuir ou extinguir o aparato dos trajes e cerimoniais; todavía nao é repentinamente que se mudam instituigóes plurisseculares. Muitas vézes mesmo, a mudanga nao depende apenas do Sumo Pontífice, mas de um conjunto de fatores que nao podem ser modificados como seria para desejar. 2.

Chama a aten-jáo, no filme, a popularidade do Papa

Kiril: veste-se de batina préta e percorre o Trastevere, pres tando servigo aos necessitados. — Éste trago é simpático; todavía, nao deixa de parecer um pouco utópico. O Papa Joáo XXm certa vez também se vestiu de préto e saiu incóg nito. Em outras ocasióes, ésse Pontífice deixou o Vaticano para visitar pessoas ou instituigóes necessitadas. Paulo VI tem desenvolvido tal praxe: nao raro dirige-se a lugares pobres a fim de levar urna palavra de reconforto aos enfermos e indi gentes. É difícil, porém, que as saídas do Papa se fagam «in incógnito»; é impossível evitar as manifestagóes de aprégo e carinho ou, ao menos, de curiosidade que os fiéis e a imprensa

costumam realizar. O Papa realmente nao pertence a si; ainda que deseje proceder e aparecer em público como quaJquer outro cidadáo, isto lhe é vedado pelas condigóes do seu cargo e pelas reagóes espontáneas do povo católico. A figura do Papa ideal ou santo nao pode impedir os testemunhos de es

tima que os fiéis lhe dedicam; nao é o Papa que exige tais

testemunhos, mas é a fé dos seus filhos espirituais que os presta espontáneamente. A propósito veja-se o depoimento de Raulo VI a respeito da «sedia

gestatoria» em «P.R.» 109/1969, págs. 42s.

3)

A figura de Télémond (Teilhard)

Um dos personagens mais relevantes do filme, ao lado do Papa Kiril, é o P. Télémond. Através dos tragos désse personagem, deve-se reconhecer a figura histórica do P. Teilhard de Chardin, jesuíta falecido em 1955. Teilhard, depois de terminar os seus estudos teoló gicos, dedicou-se á zoología e á paleontología, procurando envolver mima grande síntese os conhecimentos religiosos e científicos de seu tempo; esforgou-se por propor a fé católica em termos modernos, criando até um vocabulario próprio

(«cerebralizagáo, cefalizagáo, noosfera, Ponto ómega...»). Todavía nao foi muito claro em suas exposigóes, de modo que

— 311 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 4

se viu mais de urna vez censurado por seus Superiores reli giosos. Teilhard nao era teólogo nem filósofo por profissáo, mas, mais própriamente, um poeta místico, desejoso de apresentar a todos os homens a fé crista de maneira original e atraente; é possivel que o sabio jesuíta nunca tenha chegado ao termo definitivo de suas reflexóes. Teilhard morreu em santa paz, como jesuíta fiel á sua vocacáo dentro da S. Igreja. Após a sua morte, um comité de amigos de renome internacional publicou os escritos que Teilhard havia deixado sob forma de artigos, apostilas, cartas

ou estudos inacabados; suas idéias, assim divulgadas, suscita-

ram imediatamente a grande simpatía de muitos leitores e admiradores, como também a oposigáo de filósofos e teólogos

abalizados. Em conseqüéncia, a Congregagáo do S. Oficio em Roma publicou duas advertencias (em 1958 e 1962, respecti vamente) a respeito das obras de Teilhard, dando a saber que nao podiam, ser tidas como isentas de perigos e erros doutrinários. Nao obstante, Teilhard de Chardin tem sido um dos autores prediletos de certas correntes católicas.

É o que explica, desempenhe o P. Télémond um papel de tanto realce no filme de Morris West: vem a ser secretario do Papa Kiril. O P. Télémond professa teses realmente ambi guas, do ponto de vista católico: «o homem ó servo de sua historia e deve-se libertar como se Cristo estivesse longe ou

distante»; Télémond eré no mundo como se éste fósse algo de absoluto. Cristo e o mundo se sobrepóem (ou se identificam) sob a forma do «Cristo cósmico». Télémond vem a ser assim o porta-voz de um Cristianismo empolgado pelas realidades terrestres mais do que pelas invisiveis e eternas; poderia falar assim o Cristianismo secularizado, para o qual construir a

Cidade do Homem equivale sem mais a construir o reino de

Deus. Télémond aparece finalmente como vítima da inveja do Cardeal Leone (Ottaviani), morrendo de dor moral em con seqüéncia da condenacáo que o S. Oficio lhe infligiu. — Eis outro traco tendencioso do filme. Nem a pessoa de Teilhard nem as suas obras foram explícitamente condenadas pela S. Igreja; houve apenas advertencias dirigidas aos fiéis, a fim de que nao se deixassem iludir por quanto há de ambiguo, incompleto ou mesmo erróneo nos escritos do jesuíta francés.

Ñas obras de Teilhard existem realmente proposicoes que merecem reservas por parte dos bons teólogos; as adverten cias do S. Oficio, longe de ter sido inspiradas por mesquinhez, foram justas e prudentes. — 312 —

«AS SANDALIAS DO PESCADOR»

41

Nao se pode, porém, deixar de reconhecer que as formulagóes deixadas por Teilhard patenteiam um pensamento otimista e confiante no futuro. Esta nota entusiasma, por certo,

o leitor; todavía nao o deve fazer esquecer que é impossíveí crer no mundo como em algo de absoluto ou como numa

realidade que nao conheca a degradagáo do pecado e a necessidade da Redeneáo e da graga de Cristo, as quais vém pela Cruz e o sofrimento. O cristáo nao pode ser progressista como quem admite simplesmente que o mundo evolui de bem para melhor; antes, há de levar em conta a ordem moral, onde existiu e existe o pecado. Se nao fósse a salvagáo gratuita trazida por Cristo, ultrapassando as exigencias do homem, o género humano nao teria perspectivas de verdadeira vida e felicidade. O humanismo cristáo é um humanismo humilde, que nao dispensa a renuncia e o espirito de mortificagáo em relagáo 'as paixóes e tendencias desregradas da natureza. Em caso contrario, torna-se pagáo ou semi-pagáo, como foi o caso de humanistas do século XVI. A respeito de Teilhard de Chardin, cf. «P.R.» 89/1967, págs. 189-198; 9/1968, págs. 351-357. 4)

Liberdade Religiosa

A condenagáo de Télómond, no filme, suscita, entre os seus amigos, urna observagáo: o Concilio do Vaticano II reco nheceu a liberdade de consciéncia para todos os homens; por conseguinte, injusta foi a decisáo do S. Oficio contra o secre tario de Kiril. Na verdade, o Concilio do Vaticano II reconheceu própria-

ménte o direito á Liberdade Religiosa, direito assim concebido: A todo homem deve ser assegurada a plena isencáo de coacáo para que possa julgar o problema religioso

(«Existe

Deus ou nao? Caso exista, qual a verdadeira Religiáo?») optar pela resposta que lhe parecer verídica.

e

Nenhum outro homem nem sociedade alguma (Estado civil ou Igreja) tem o direito de exercer pressáo sobre alguém para que professe seja o ateísmo, seja tal ou tal forma de Religiáo. Urna vez feita a sua livre opgáo religiosa (certa ou

errónea), o ser humano deve ser respeitado em sua decisáo, de modo que ninguém o há de coagir a renunciar ou mudar

de atitude diante do problema de Deus. Embora o erro nao

tenha direitos e deva ser combatido, a pessoa que erra tem

direitos; ela pode e deve ser esclarecida a respeito de suas falsas concepcóes, nunca, porém, violentada por causa délas. — 313 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969, qu. 4

O Concilio do Vaticano II promulgou a sua Declaragáo sobre a Liberdade Religiosa tendo em vista principalmente a pressáo exercida por certas formas de Govérno (extrema esquerda ou extrema direita, nacóes musulmanas) sobre os seus súditos no tocante a Religiáp. É de notar que, ao fazer tal Declaracáo, o Concilio quis previamente afirmar que todos os homens, em virtude de sua dignidade mesma, tém a obrigagáo de «procurar a verdade, principalmente a que concerne

a Religiáo; estáo também obrigados a aderir á verdade conhecida e a ordenar toda a sua vida segundo as exigencias da verdade» (Declaragáo «Dignitatis Humanae» n* 2).

Mais aínda: o Concilio, intencionando afirmar a liberdade

religiosa de cada homem frente as sociedades civis que o cercam, nao quis proclamar «liberdade dentro das comunida des religiosas». Em outros termos: o Concilio excluiu que, dentro das sociedades religiosas (ou Igrejas), os membros

respectivos tenham a liberdade de pensar ou fazer o que quei-

ram; em toda sociedade religiosa, principalmente na Igreja Católica, deve haver obediencia alimentada pela fé.

Vé-se, pois, que o Concilio nao intencionou opor-se á vigilancia que o magisterio da Igreja deve exercer em vista da conservagáo integra e pura da verdade revelada por Cristo. Tal vigilancia, como se compreende, há de ser criteriosa e movida por intencóes puras, como de fato se deu no caso de Teilhard de Chardin.

3.

Finalizando

Em suma, as consideracóes que acabam de ser propostas sugerem a seguinte conclusáo: A tese central do filme «As Sandalias do Pescador» é

expressao de certo idealismo^ que faz eco as aspiragóes da

própria Igreja: dialogar com todos os homens, ser solidaria com os mesmos, interessar-se pela pobreza terial)

(espiritual e ma

da humanidade.

Todavia esta bela tese é sugerida pelo filme em termos

de certa utopia como também em tom de crítica severa e, por vézes, injusta as instituigóes da Igreja. A visáo de fé lembra sempre aos cristáos que a finalidade da Igreja é, antes do mais, religiosa e sobrenatural — o que nao quer dizer

que a Igreja se desinteresse das necessidades temporais dos

homens.

— 314

CORRESPONDENCIA MIÚPA

CORRESPONDENCIA

43

MIÚDA

Tamy (Florianópolis): «Há hoje em dia discussóes e estudos in tensos entre teólogos sobre certos pontos doutrinais da Igreja Cató lica. Em todos os Jados, há dúvida. E eu me pergunto: Tenho eu plena certeza de que minha religiáo é, de íato, a verdadeira?»

— O Concilio do Vaticano II pediu aos teólogos procurassem exprimir a doutrina católica de maneira clara e compreensível aos homens de hoje. Em conseqüencia, os estudiosos vém desenvolvendo arduo trabalho. Varias reformulacñes sao muito felizes, principalmente as que se referem á S. Liturgia. Acontece, porém, que certos estu diosos, no afá de revisionar, concebem proposicdes ou hipóteses que se referem nao a pontos acidentais da mensagem católica, mas aos próprios artlgos da fé: assim, por exemplo, á virgindade de Maria, á

existencia de anjos e demonios, ao pecado original, á confissáo auri cular. .. Ouvem-se sentencas revolucionarias a respeito. — Ora tenha-

mos consciéncia de que o Credo nao mudou; Paulo VI, aos 307VI/68, exprimiu-o de novo como sempre íoi professado; os íiéis católicos, no momento presente, tém ai a exposicáo segura da fé católica. É também de notar que os teólogos (embora possuam erudicáo) nao pertencem a Igreja decante, mas, sim, á Igreja discente. Nao é a éles que compete exercer o magisterio oficial e infalível da Igreja, mas aos Bispos; os teólogos assessoram valiosamente o corpo episcopal, mas estáo sujeitos aos Bispos, que Cristo instituiu como mestres em sua Igreja (cf. At 2028-31).

O que está mudando na mudancas, em vez de depor pois mostram que está vivo e novas expressdes para poder Estejamos certos, porém, de dúvida doutrinária, nem está vém diretamente de Cristo.

Igreja, sao proposicoes acidentais. Tais contra o Catolicismo, recomendam-:io, nao mumificado; a Igreja tem de tomar

realizar a sua missáo entre os homens.

que a Igreja nao está em situacSo de

retocando as proposicoes de fé, que Ihe

O Cristianismo, para provar que é a Religiáo verdadeira, apre sen ta, entre outros documentos, a Ressurreicáo de Cristo (sinial de Joñas, conforme Mt 12, 39s). Nao se diz, de algum fundador de Religiao, que tenha ressuscitado. Ora a proposicáo da ressurreicao de Cristo parece corresponder a um fato inconcusso; com efeito, a critica até hoje nao conseguiu explicá-lo como produto de fraude, alucinacáo ou erro qualquer de Cristo ou dos discípulos de Cristo. Cf. «P.R.»

112/1969, pág. 148-159. A ressurreicáo coloca Cristo numa posigáo de

autoridade única em relac&o aos domáis filósofos e mensageiros que apareceram na historia. — Mais aínda: considere que cada seita pro

testante tem seu fundador próprio; nao comeca com Cristo, mas com determinado cristáo do século XVI para cá. Nao há razao, portante, para duvidar da autenticidade do Catolicismo. £dison (Belo Horizonte): «É possivel viver sempre alegre, mesmo

um católico praticante como eu, sem ter a certeza da eterna salvacáo nem para mim, nem para os meus filhos, parentes e amigos?» — Na verdade, ninguém pode estar seguro de sua salvacáo eterna, visto que somos sempre sujeitos a falhar enquanto peregrinamos neste mundo. Nao obstante, o fiel católico nao deve duvidar de que Deus Ihe

dará tudo para que chegue á" visáo beatifica. Quanto mais vivemos

como filhos de Deus, tanto mais devemos nutrir confianca no Pai. A habitual uniáo com Deus nos dá a certeza moral de que esta vida

— 315 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 115/1969

terminará no íeliz encontró face a lace. Veja os escritos de Sao Paulo: embora admita a possibilidade da reprovagáo eterna (cí. 1 Cor 9,27), parece contar sempre com a sua salvagáo: «Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro... Desejo partir para estar com Cristo, o que é incomparávelmente melhor» (Flp 1,21-23). Cada fiel cristáo pode e deve repetir as palav.ras do Apostólo. Quanto aos nossos familiares, é certo que cada um é responsável por si. Todavía podemos e de vemos ajudá-los a que se afastem do pecado e vivam fiéis a Deus. de modo que se preparem para a visáo celeste. Ainda que tais pessoas se fechem á graca do Senhor, tenhamos confianca: oremos por sua salvaofio, e Deus, cedo ou tarde, lhes ira ao encontró, ainda que .seja por vias ocultas. S. Mónica, após

longos anos de oracao, obleve a conversáo de sou filho Agosünho.

Por conseguinte, nao nos preocupemos demais com a hipótese da

ruina final, mas sejamoss ciosos de viyer 100% a nossa vida crista; disto resulta profunda e confiante alegria!

Leitora assídna (Framca): «Até onde é válida a aflrmagáo: 'A Igreja no Bnasii é a CNBB'? As orientacóes de um bispo que nao pertenca á CNBB, nao tém valor? A CNBB é infalível?» — Nao se pode dizer que a Igreja no Brasil seja apenas ou pró-

priamente a CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil). A Igreja compreende todo o povo de Deus (leigos. religiosos e clérigos); cf. Constituicáo «Lumen Gentium», c. 2, do Concilio do Vaticano II. Tenhamos viva a consciéncia de que a Igreja pousa sobre cada cris

táo balizado.

Todos os Bispos do Brasil pertencem oficialmente á CNBB, organizacáo esta que facilita ¡a missfio pastoral dos Bispos, pois coordena trabalhos e forneco subsidios... Quando a CNBB se pronuncia, procura representar o pensamento

de seus membros. Todavía, já que suas deelaraeñes nao sao infaliveis (a nao ser quando repetem as solenes verdades do Credo e da Moral), pode-se compreender que um ou outro Bispo, com razóes válidas, dis corde de tais pronunciamentos. Os assuntos pastorais sao orientados por um conjunto de virtudes, entre as quais está a prudencia; ora a prudencia é a virtude mais pessoal que possa haver; depende muito da formagao própria de cada um e das circunstancias em que cada qual vive. Por isto, pode acontecer que, sem pecado nem escándalo, algum Bispo nao acompanhe tal ou tal declaragáo de seus colegas

no episcopado.

Anónimo (Guanabara): 1) «O corpo, depois da morte, ainda possui

energía, fórga?»

— Após a morte real, nao. Após a morte aparente, sim. Cf. «P.R.»

105/1968, pág. 357-367.

2) A .respeito de congelacáo e hibernagáo (que sao monalmente lícitas e nao atentam contra a fé crista), cf. «P.R.» 75/1964, páginas 137-143. 3) «A possivel produeáo da vida em laboratorio nao contradiz a idéia da criagáo?»

— Nao. Distingamos: a vida vegetativa (a da planta) e a sensi tiva (a do animal irracional) tém principios vitáis meramente materiáis; portante a sua produgáo pode estar contida dentro da potencialidade da materia criada por Deus. A vida humana ou intelectiva, porém, depende de principio vital imaterial ou espiritual (alma); na

— 316 —

melhor das hipóteses, os dentistas poderáo produzir um corpinho humano, ao qual Deus podería infundir urna alma espiritual para que se tornasse verdadeiro ser humano. Cf. «P.R.» 3/1957, pág. 3s. 4) A ressurreigáo dos corpos nao exige que se recolha a materia do cadáver dispersa pelo mundo inteiro. Basta a mesma alma espiri tual unida a qualquer materia pana que haja o corpo humano cor respondente a tal alma. Cf. «P.R.» 25/1960, pág. 51-57. Estéváo Bettencourt O.S.B. RESENHA DE MVROS

A rcvo!«cao da arte moderna, por Alfredo Lage. — Editora Agir,

Rio de Janeiro 1969, 140 x 210 mm

276 pp.

O aulor analisa o espirito que move a arle moderna desde o romantismo alé nossiis diiis. Verifica que a arte contemporánea se ressente áo influxo das ideologías modernas fortemente marcadas pela fascinacáo da técnica e do progresso material. Hoje em dia a cultura, em certos países, é utilizada para fins políticos e ideológicos; em outras nagóes, ala é «massificada» pelos «mass media» ou meios de comunicagáo de massa. Em conseqüéncia, a arte moderna rompe com o seu passado (em que se consideravam muito mais o homem e seus valores íntimos), passa por urna revolugáo que significa recomégo pouco alvissareiro, segundo o autor.

Para obviar

aos males assim apontados, A.

Lage preconiza a

revalorizagáo das disciplinas humanistas na formagáo dos homens: «É inadmissível que o ingresso em grande número de carreiras pú blicas — carreiras políticas, bem como as mais elevadas fungóes de maguo humanista, isto é, por um conhecimento em primeira mao da sociedade política, das suas raízes e formas coletivas: ... língua, reli-

ordem administrativa — nao seja condicionado por urna sólida íorgiño. postulados moráis, filosofía política...» (p. 275, n. 2). O livio é cíe alto nivel filosófico, merecendo a atenc.no e o apiéco dos estudiosos.

O anuncio do Reino de Deus. ReflexOes sdbre as parábolas, por

Agnelo Dantas Barreto. — Editora Vozes, Petrópolis 1968. 135x210 mm, 126 pp.

O livro apresenta consideragóes sugeridas pelo texto de trinta e

cinco parábolas do Evangelho, tendo em vista círculos bíblicos, ou seja,

a reflexáo comunitaria sobre a Palavra de Deus. índole fortemente pastoral. A exposigáo dos temas é didática. além de repassada por calor e dinamismo sadios.

■Sobra o probfama do s«r. O cominillo do Campo, i«r Martín Ileideggíjr. Traducáo do Ernil'Jo StRin. Livraría Duas CMad«s, Sao

Paulo 1969. 140 x 210 mm, 72 pp.

Num só volume acabam de ser editados dois escritos do filósofo existoncialista Martín Heidegger. Out.ros do mesmo autor se lhes seguirao, a finí de que os estudiosos de filosofía no Brasil tenham fácil

acesso aos ráneo.

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