Ano X - No. 113 - Maio De 1969

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Projeto PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTAQÁO DA EDigÁO ON-LINE Diz Sao

Pedro

que devemos

estar preparados para dar a razio da nossa esperanca a todo aquele que no-la pedir {1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanca e da nossa fé hoje é mals premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

!'■"'

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores:

aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de

¡L vista cristáo a fim de que as dúvidas se

- dissipem e a vivencia católica se fortalega * no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabal no assim como a equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.

que

se

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos

convenio com

d.

Esteváo

Bettencourt e

passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo

da

revista

teológico

-

filosófica

"Pergunte

e

Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A

d.

Esteváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

ÍNDICE Hora Difícil... Hora Preciosa

I.

1)

1S1

VIDA MODERNA E RELIGIAO

"Falá-Se de secularizando em sentidos diversos. Há cris-

tdo8 que a defendem, enquanto outros a impugnam.

Quisera, pois, saber exatamente o que é secularizando e se

pode ser aceita por um católico"

H.

2)

BIBLIA SAGRADA

"Qual o sentido exato do 'Pai-Nosso' ?

Como se relaciona com as preces dos judeus ?"

HL

S)

4)

193

DOUTRENA

"Que'pensar do Novo Catecismo Holandés, que acaba de

ser ■publicado em portugués ?"

IV.

18S

20S

HISTORIA DO CRISTIANISMO

"A marte de Tomás Merton suseitou comentarios no

mundo inteiro.

Quem foi Ssse escritor e que papel Ihe eoube em nossos tem-

posí"

5)

"Poderia dar breve noticia do encontró de mcmges cató

licos e budistas ocorrido na Tailandia em dezembro de 1968 ?" ...

RESENHA DE LIVROS

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

,SU 2U

Z28

HORA

DIFÍCIL...

HORA

PRECIOSA...

Permita o amigo leitar, antes de entrar no temario de «P.R.» n« 113, se lhe diga urna palavra que talvez vá fazer eco a urna Intima expectativa sua.

Nao há quem ignore a crise por que passa atualmente a Santa Máe Igreja, Esposa de Cristo. Nao será necessário recordar aqui os síntomas e efeitos dessa crise, vibrantemente enunciados por Sua Santidade o Papa Paulo VI em suas audiencias de quarta-feira e, depois, amplamente comentados pela imprensa.

Ao ouvir íalar dos desatinos de muitos irmáos na fé (principal mente sacerdotes e, até, Bispos), nao poucos católicos se deixam tomar pela perplexidade e o abatimento; sua vida espiritual, por vézes insensivelmente, se torna lánguida ou se extingue. Perguntam: «Vale a pena ainda crer na Igreja, cuja face humana aparece táo convul sionada ?>

Na presente situagáo, imp3e-se urna reftexáo serena.

Abater-se e desanimar na hora atual é espontáneo e íácil. Todavía está longe de ser solucáo para o próprio individuo e para a coletividade. O bom cristáo jamáis permite que a perplexidade o invada, lembrado, como está, das palavras de Cristo: «Eu vos deixo a paz. Eu

vos dóu a minha paz... Nao se perturbe o vosso coracáo, nem se ate-

morize» (Jo 14,27). Em vez de se deter sdbre os aspectos sombríos e angustiantes da hora atual, o bom cristáo deduz desta fase da historia da Igreja um grande ensinamento:

É feliz, profundamente feliz, viver no momento presente, por mais penoso que pareca, por mais desconcertante que seja... Esta frase, de aparéncia simplória ou infantil, justifica-se do seguinte modo: ...é feliz, sim, porque vivemos um momento de grandes dimensSes, momento extremamente exigente, que a ninguém permite ser me

diocre, inconsciente ou indefinido. Quem é católico, é excitado, pelas circunstancias atuais, a ser tal até o extremo, sacudindo a rotina e a mediocridade. O mundo desatinado e os irmaos na fé titubeantes pedem dos genuinos católicos urna resposta lúcida, ou seja o testemunho de urna vida crista esclarecida e coerente. Em outros termos: os males moráis dos nossos dias constituem convite e incentivo poderosos para a santidade. Diz o Apoaalipse, ao prever o fim dos tempos com suas

calamidades : «Que o justo pratique ainda mais a justica e o santo

mais se santifique!» (Apc 22,11).

De resto, o católico sabe que as deficiencias e defeccfies de seus irmáos nao diminuem o poder santificador da Igreja. Esta, como Corpo Místico de Cristo, nao é apenas a soma de seus memhros, mas desfruta

— 181 —

da presenca e da indefectíve] acáo redentora de Cristo; quem, com as devidas disposicdes, procura o Senhor
Portanto, renovado zélo e amor, eis a respeta que a atual situacSo da Igreja pede de cada católico. Assim, e sómente assim, se poderá remediar aos desmandos que aíligem a Esposa de Cristo. — Para ilus trar esta verdade, seja licito referir um episodio simples, mas eloqüente,:

Num grupo de estudantes chineses católicos, urna estudante íoi aprisionada pelos comunistas e. mais tarde, apostatou da fé. Sabedores disto, seus irmáos em Cristo assim manifestaram o seu estado de alma: «Arrebataram-nos o co.rac.ao de nossa irma e, por isto, sofremos, Nao penséis, porém, que estamos abatidos. Invocando Cristo do fundo de nosso cora gao ferido, descobrimos as nossas próprias fraquezas. Depois de ter resistido por mais de um ano, num absoluto isolamento, nossa irmá sucumbiu. Nessa luta gigantesca contra as trevas que pretendem envolver-nos, somos solidarios. Se alguém de n<5s desfalece, 6 porque os outros nao Ihe dao socorro suficiente. Nos nao re

zamos bastante, nao nos sacrificamos bastante. Só Deus nos pode sal var; se atribuissemos a nos o mérito de nao ter sucumbido, estaríamos prestes a perder a graca divina, que é a única fórca a sustentar-nos».

Posteriormente, auxiliada pela oracáo e a caridade de seus companheiros, a referida estudante recuperou a fé ! >

O caso é profundamente significativo: vem a ser ligüo e para digma hoje, ino quadro da Igreja Universal. Há enorme sabedoria ñas

palavras : «somos solidarios...) O Senhor, sem dúvida, responderá a todos os fiéis que, amando sinceramente Cristo e a Santa Igreja, procurarem santificar-se mais e mais, e derem a contribuigáo de suas preces e de seus sacrificios generosos em prol dos irmáos vacilantes nos embates da hora que passa ! E. B.

A alma forte nao é a que col he as rosas em seu

caminho, mas, sim, a que as semeia !

i Noticia colhida no livro de Paúl de Surgy, «As grandes etapas do misterio da salvacao». Petrópolis 1968, pág. 164. O grifo é nosso.

— 182 —

c PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS » Ano X — N« 113 — Maio de 1969

I. X)

VIDA MODERNA E RELIGIAO

«Fala-se de secularizacao em sentidos diversos. Há

cristáos que a defendem, enquanto outros a impugnara.

Quisera, pois, saber exatamente o que é secularizasáo e

se pode ser aceita por um católico».

Resumo da resposta: Secularizacáo é o reconhecimento de que as realidades déste mundo tém urna autonomía relativa, regendo-se por leis proíanas (leis de ciencia e de arte), e n&o por leis religiosas.; a matemática, por exemplo, há de ser estudada segundo os princi pios da matemática, e nao segundo normas religiosas. Boje em dia apregoa-se muito a secularizado em oposigáo a mentalidade dos antigos e primitivos. Estes julgavam dever dar ex-

plicac5es religiosas (muitas vézes, fantasistas e aberrantes) a todos os acontecimentos da vida; supunham deuses e semi-deuses a pre

sidir a todos os elementos e fenómenos da natureza (fontes, produc6es agrícolas, bosques, doencas, marte...). As explicag5es científicas

modernas removem

as

interpretacdes pseudo-religiosas

-sacralizantes dos homens primitivos.

ou pseudo-

Os cristSos aceitam e preconizam a secularizacáo, na medida em que ela é a negacáo de urna falsa sacralizagáo ou de urna sacralizacáo supersticiosa e politeísta. Os cristáos cultivam as ciencias e as técni cas segundo as leis destas disciplinas, sem apelar necessáriamente para o seu Credo religioso; e, por isto, podem colaborar com seus irmaos ateus em tarefas profanas. Todavía, embora o cristáo nao se distinga dos ateus por seus métodos de trabalho e pelo emprégo de recursos científicos, ele se diferencia dos incréus por suas atitudes interiores: sabe que o progresso da tecnología é dom de Deus; agra dece e reverencia ao Criador através dd seu trabalho profano ou secularizado.

O cristáo aceita, pois, a descontlnuidade entre o sagrado e o pro

fano; rejeita, parém, o divorcio entre um e outro. É com espirito reli giosa que o discípulo de Cristo realiza tarefias profanas, visando em última análise dar gloria a Deus por meio das atividades do século... Caso se rompa o equilibrio assim concebido, registram-se expres-

s6es aberrantes de secularizac.So, segundo matizes variados: ateísmo camuflado, agnosticismo, fideísmo, panteísmo, abandono da oracao... sao conseqüéncias de secularizacáo mal entendida, conseqUéncias incompatíveis com a genuina mentalidade crista. X

— 183 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 1

Resposta:

O tema «secularizacáo» já foi abordado em

«P.R.» 102/1968, págs. 282-291; 104/1968, pág. 336; 109/1969, págs. 1-9. Todavía ainda nao foi considerado em «P.R.» sob todos os seus aspectos. Eis por que voltaremos ao assunto

nestas páginas, propondo: 1) o que é própriamente seculari

zacáo; 2) em que sentido a secularizagáo pode ser aceita pelos cristáos; e 3) os falsos tipos de secularizacáo. Antes de entrar própriamente no tema, importa-nos aqui fazer

algumas observagoes etimológicas.

A palavra «secular» vem de «saeculum», que significa, no latim tardío «o mundo» e, de modo especial, o mundo dos lci)?os, o mundo profano.

«Mundo profano» nao tem Jiecessáriamente sentido pejorativo; é

o mundo em que cristáos e náo-cristáos vivem e trabalham. «Secularizacáo» é, segundo a etimología, o processo de tornar alguma coisa «parte do mundo secular ou do mundo profano, náo-religioso». «Dessacralizacáo» é a extincáo ou a negacáo da índole sacral, religiosa, que até época recente era atribuida a certas instituigóes ou atividades da vida terrestre.

1.

A secutar¡za;6o própriamente dita

Na historia dos últimos anos, «secularizacáo» é o fenó meno que tende a reconhecer as realidades do mundo e da vida profana urna autonomía crescente (leis e principios próprios), autonomía frente a toda lei ou autoridade religiosa, sagrada e eclesial. A existencia désse fenómeno parece evi dente; ele se vai estendendo progressivamente a quase todos os setores da atividade humana. Eis alguns dos seus exemplos mais característicos (citamo-los aqui, sem pretender julgá-tos por ora): No setor da assisténcia social, muitos servicos que outrora dependiam de iniciativa particular e geralmente eram exercidos por instltuicSes religiosas (cristas), atualmente (ao menos em certos países) váo sendo assumidos, em grande parte, pela socíedade civil, secular»: assim os hospitais, as escolas, os pensionatos... Tais instituigóes se tornam «seculares» ou «secularizadas», deixando de ser confessionais ou religiosas.

No setor político, há quem conteste a existencia de partidos cris táos, destinados a fazer ouvir a voz do Evangelho na orientacáo das

estruturas nacionais. O clero já nao constituí urna «ordem» ou um

«estado» na sociedade, como se dava, por exemplo, na Franca do séc. XVIII.

A Teología, que outrora, máxime na Idade Media, era considerada

a disciplina mais nobre ñas Universidades, atualmente em nao poucos

— 184 —

OS DIVERSOS SENTIDOS DE «SECULARIZAC&O»

5

países é excluida dos programas de ensino oficial; a cultura assim se

vai tornando mais e mais leiga. Quando a Teología ainda perdura no

ensino universitario, é, por vézes, ministrada sob forma de filosofía, literatura, historia, etc.

Ñas disciplinas de estudo, a preeminencia é geralmente atribuida ás ciencias ditas «exatas» (matemática, física, química...). Estas se emancipam de toda inspirac&o religiosa; procuram, antes, impor suas

conclusQes ou teorías aos setores .religiosos e, em particular, á interpretacáo da Biblia.

No campo da arte, os motivos religiosos ainda sao aceitos (fora dos países de esquerda ditatorial), mas nao por se lhes reconhecer urna autoridade própria bao menos em varias .regides); ñas emissóes de radio e televisáo, sao apresentados ao lado de programas nao reli giosos, em conjuntos que tém face marcadamente profana.

Há autores modernos que, observando tais fenómenos, os julgam normáis; manifestam o desejo de que se alastran mais e mais, de modo a se realizar urna secularizagáo total da vida social. Como se vé, tal processo pode ser tido também como «dessacralizacáo». Apregoando tal tese, os autores da secularizagáo a justificam a partir de consideragóes históricas: a evolugáo da humanidade parece-lhes sugerir a legitimidade do fenómeno. Procuremos, pois, observar a historia como a observam os arautos da secularizacáo.

2.

Sociedade primitiva e sacraliza^ao

Numa sociedade arcaica (tal é o caso de povos primi tivos existentes outrora e ainda hoje), todas as realidades terrestres ou humanas, principalmente aquelas que escapam á explicac.áo ou ao poder do homem, sao tidas como sagradas ou sacrais, e elucidadas, ás vézes arbitrariamente, por recurso á Religiáo. Considerem-se, por exemplo, os seguintes tópicos: 1)

O céu, a térra e os elementos da. natureza sao de importancia

capital para a subsistencia do homem. Éste precisa da luz e do calor

do sol, assim como da fertilidade da térra (... da MSe-Terra, inesgo-^tável em sua fecundidade)... Dal a tendencia a atribuir valor sagrado v ou divino ao sol, á lúa, ás estrélas, ao fogo, á agua, aos vegetáis e . animáis... Estes elementos, que compóem o cenário no qual vive o homem, sao «sacralizados»; lendas e mitos procuram explicar a origem divina désses diversos seres.

2) A vhla e a fecundidade sao caras a todo homem; nao obstante, escapam ao homem, que nao as pode dominar a seu bel-prazer. Com-

— 185 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 1

preende-se entáo que os antigos atribuissem também a ésses elementos urna aura de sagrado ou divino.

3) A autorldade outrora era, por sua vez, envolvida na esfera do sagrado: os reis, faraos e imperadores eram nao raro tidos como filhos dos deuses, a quem assistia a Divindade e a quem desobedecer

era crime mortal (até a segunda guerra mundial, o Imperador do Japao era «filho do céu»). Numa sociedade primitiva tais conceitos tinham grande importancia, pois serviam eíicazmente á conservagao da ordem e disciplina entre os homens. Caso estes desrespeitassem a

autoridade e seus preceitos, esíacelar-se-ia o patrimonio cultural e espiritual da respectiva tribo.

Note-se também que

em certos clás primitivos, as funcSes de

«pai do clá», juiz, rei e sacerdote eram acumuladas pelo mesmo individuo. Vé-se destarte que a Religiáo recobria com a sua aura os tipos humanos de autoridade.

4) As luzes da inteligencia, os talentos da arte, os predicados da bravura e do heroísmo eram igualmente tidos como algo de sa grado ou como dádivas de «daimones» (seres superiores ao homem, sémi-divinos), que inspiravam o filósofo, o artista e o herói. Baste recordar as «musas», que moviam os poetas e os músicos.

5) A historiografía outrora era sempre associada á Religiáo. Os cronistas descreviam os acontecimentos como intervencSes da Divin

dade na existencia dos povos; o desenrolar dos fatos na ter.ra era

geralmente apresentado como cenário em que os deuses mamfestavam sua ira ou sua benevolencia.

Em suma, o homem antigo julgava viver num mundo habitado por espíritos superiores, cujo favor era necessário conciliar ou cujo furor se devia apartar, mediante sacrificios

e dons. Quem ia á caga, procurava garantir o éxito de seu empreendimento executando o ritual prescrito; da mesma forma, quem partía em viagem ou quem seguía para a guerra... Toda a vida e suas atividades tinham assim sua dimensáü sacral; nada havia de profano ou náo-sacral para o homem primitivo.

Todavía, com o progresso da civilizagáo, o modo de pen

sar dos homens foi evoluindo. Os individuos foram mais e

mais utilizando a razáo diante das incógnitas que a natureza lhes apresentava. Perceberam assim que há explicagóes naturais ou científicas para ocorréncias que outrora eram íme-

diatamente atribuidas a intervencóes da Divindade; os homens

cultos dispensaran! o recurso ao sobrenatural ñas suas expla-

nagóes de física, biología, medicina, etc. Deu-se destarte urna secularizagáo lenta e progressiva, que hoje em dia vai chegando ao seu auge.

É nos sáculos XV/XVI, com o humanismo renascentista

(paganizante, em varios casos), que se instaura o processo — 186 —

OS DIVERSOS SENTIDOS DE «SECULARIZAC&O»

1

de divorcio entre o «humano-profano» e o «religioso-sacral». O século XVín, com os filósofos da Enciclopedia e o deísmo, acentuou a marcha da secularizacáo. Hoje o ritmo continua, em termos acelerados.

Após quanto foi dito até aqui, verifica-se que «seculari zacáo» ou «dessacralizagáo» vem a ser fenómeno de sentido ambiguo.

1) De um lado, secularizacáo é, até certo ponto, algo de sadio. Com efeito, pode significar a recusa da falsa sacra-

lidade ou da religiosidade primitiva. Esta, em virtude de ignorancia e imperfeigáo (nao por efeito de mística esclare cida) , fazia de todos os assuntos assuntos religiosos; via em todos os acontecimentos sinais diretos ou portentosos de Deus. Des-

tarte Deus e a Religiáo eram repertorios para elucidar todos os casos obscuros, intrigantes, para apaziguar o ánimo do homem amedrantado, para curar toda e qualquer doenga... Na medida em que secularizar ou dessacralizar significam um «Nao» a essa mentalidade primitiva e fantasista, representam atitudes positivas e louváveis.

2) Doutro lado, a secularizacáo pode ser levada a termos exagerados. Para muitos pensadores, nao é simples-

mente a recusa da falsa sacraliza?áo e do primitivismo reli gioso, mas a rejeigáo de toda e qualquer forma de vida ou de expressáo religiosa. Equivale, de maneira por vézes sutil e camuflada, á negacáo da própria Religiáo, da fé e do sobrenatural. — É claro que neste senüdo a secularizacáo

representa destruicáo da verdade e dos mais profundos valo res, destruigáo inaceitável ao bom senso e á fé. Depois destas breves reflexóes, importa indagar:

3.

Quais as causas da secularízaselo contemporánea ? A secularizacáo é fenómeno típicamente ocidental, moti

vado pelas seguintes causas:

1) A mensagem bíblica do Antigo e do Novo Testa mento foi e é certamente poderoso fator de secularizacáo. Com efeito, a Biblia propóe urna distingáo nítida entre Deus Criador e o mundo visível; excluí a existencia de deuses secundarios e semi-deuses ou de seres encarregados de mover as fórcas da natureza. Segundo as Escrituras, as criaturas foram pelo Criador dotadas de leis naturais e por elas se — 187 —

8

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 1

regem (o que nao exclui a possibilidade de milagres ou de intervengóes do Senhor Deus no curso da natureza). Por conseguinte, ritos mágicos, encantamentos e gestos de semelhante índole sao repelidos pela Biblia. Em «P.R.» 109/1968, págs. 282-291, éste tema é mais tongamente ex planado.

2)

O progresgo das ciencias modernas é outro fator

notorio de dessacralizagáo. Muitos misterios de outrora sao

hoje em dia elucidados sem que se deva admitir milagre ou

intervengáo direta da Divindade.

O homem sabe que pode influir sobre o desenrolar da historia; existe mesmo urna ciencia moderna chamada. «Futurologia», que se dedica a prever científicamente o futuro. Remove-se conseqüentemente a idéia de Fato ou Destino.

3) Os regimes e conceitos democráticos, cada vez mais disseminados, contribuem para a dessacralizagáo da nocáo de autoridade. Já nao se fala, ñas sociedades civis, de transmissáo do poder diretamente da parte de Deus (o «direito divino» dos príncipes...).

4)

A criatividade que o homem descobre em si mesmo

e exerce cada vez mais, leva o cidadáo moderno a banir o pretenso favor de musas ou espirites inspiradores.; a poesía, a arte e a filosofía sao cultivadas mediante a exploragáo

consciente das riquezas do próprio homem sem evocagao de «demonios».

5)

O fenómeno da urbanizagáo, fazendo que grandes

populagóes vivam destituidas de quase todo contato com a

natureza, lidando geralmente com a técnica e suas invengóes, concorre nao pouco para materializar e dessacralizar a vida moderna.

Apresentado o fenómeno da secularizagáo com suas cau sas, é obvio perguntar:

4.

Como julga o cristño a secutar-izagao ?

Como se compreende, o cristáo pode e deve aceitar a

secularizagáo ou dessacralizagáo que se opóe a toda falsa sacralizagáo (magia, superstigáo, infantilismo religioso...).

Alias, nao sómente em nossos dias, mas em todos os tempos, por inspiragáo da própria Biblia, a mentalidade crista foi dessacralizante nesse sentido. — 188 —

OS DIVERSOS SENTIDOS DE «SECULARIZACAO»

9

Mais precisamente, deve-se dizer: o cristáo admite desoontinuidade entre o sagrado e o profano ou secular; repudia, porém, o divorcio entre aquéle e éste. Vejamos cada qual destas proposicóes de per si. 1)

Descontinuidade :

sim !

Por «descontinuidade» aqui se entende o fato de que as realidades terrestres sao perscrutadas, explicadas e formula das segundo suas leis e estruturas propinas, sem recurso direto a códigos ou autoridades religiosos. Ora o cristáo reconhece, sem trair a sua fé, a relati va autonomía das ciencias naturais e da técnica. Nao há matemática «crista», nem física «crista», nem astronomía «crista».. . Se outrora tais disciplinas eram de algum modo orientadas por conceptees religiosas (durante séculos a Biblia foi tida como manual de ciencias naturais, quando na verdade os autores sagrados nao pretendiam ensinar conhecimentos profanos), tais ciencias estáo hoje secularizadas ou dessacralizadas no bom sentido.

Mais

aínda:

o

cristáo

reconhece

que a construgáo

da

cidade dos homens, as obras empreendidas em favor de me-

lhores condigóes para a humanidade (Juta contra a fome, o analfabetismo, a doenga, a guerra, o racismo...) sao metas válidas para a atividade humana.

Por conseguinte, o cristáo nao pode preconizar urna ordem de coisas em que o sacral absorva as realidades tem-

porais, colocando-as todas sob o controle direto da Religiáo.

A Religiáo visa, sim, encaminhar cada homem e toda a sua vida para Deus; por isto todo ato humano, qualquer que seja, tem urna qualificacáo moral (é julgado á luz do Fim Supremo,

Deus), mas a Religiáo nao dita leis de técnica ou de ciencia. Além do seu Fim Supremo, o homem na térra tem fins inter mediarios, que ele deve procurar atingir nao sempre mediante ritos religiosos, mas desenvolvendo sempre sua inteligencia e suas energias. 2)

Divorcio :

nao !

Admitindo, no sentido ácima, a descontinuidade entre o sagrado e o profano, o cristáo nega o divorcio entre um e — 189 —

10

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 1

outro. Ó que quer dizer o seguinte: no exercicio das tarefas

seculares (empreendidas mesmo com ateus e agnósticos), o cristáo se distinguirá do náo-cristáo pela sua atitude interior ou pelo seu espirito de uniáo com Deus. Com efeito, o cristáo, ao realizar obras profanas, tem consciéncia de que os valores déste mundo foram criados por Deus e devem dar gloria ao Criador; sabe também que a autonomía da inteligencia e da vontade humanas é dom de Deus; sabe, portanto, que nada, no ser e no agir do homem, escapa a um relacionamento (direto ou indireto) com Deus. Por isto, o cristáo, ao lidar com os bens déste mundo á semelhanga dos demais homens,

ñas pesquisas científicas e ñas realizacóes da técnica, nutrirá

sempre em seu íntimo urna atitude de

a4j»o de grabas a Deus, por seus grandes dons ;

culto a Deus, culto que consistirá em que o cristáo utilize ésses dons táo sómente segundo os designios ou as intengoes do Criador procurando realizar a missáo que o Criador lhe coníiou

(cf. Géñ 1,28);

humlldade, decorrente da consciéncia de que o homem nada pode íazer por si, mas em tudo (mesmo nos afazeres seculares) de pende da graoa de Deus.

Em suma, o cristáo executará suas tarefas em espirito religioso. Ele nao conhece em si dois foros divorciados um do outro — um religioso e outro profano —, mas um só foro:

o foro cristáo, que se volta ora para Deus diretamente, ora para as criaturas que Deus criou. O cristáo encontra Deus no santuario e na oragáo, e continua ésse encontró com Deus nos afazeres ditos profanos.

A secularizado,

fácilmente deturpada

entendida no sentido

ácima,

pode ser

(é, alias, o que nao raro se dá). As

deturpagóes ocorrem quando se rompe
5.

As formas erróneas de secularizado

Comecemos pelos abusos que ocorrem por 1)

Exagero da descontinuidade

Quando se acentúa demais a autonomía das realidades terrestres e das atividades seculares do homem, registram-se quatro graves males: — 190 —

OS DIVERSOS SENTIDOS DE «SECULARIZAC&lC»

U

a) Ateísmo, que é a negagáo da existencia de Deus; só se aceita a existencia do mundo e dos compromissos do homem com éste mundo. Tém-se a dessacralizagáo radical e a absoluta autonomía (quáo ilusoria, sem dúvida!) do homem. b) Agnosticismo. O homem secularizado pode talvez admitir que Deus existe, mas julgar que a diferenga entre Ele e o mundo é tal que Deus nao pode ser conhecido pelo homem; cai entao no agnosticismo.

Se o agnosticismo é radical, redunda em ateísmo. Se é relativo, pode-se conciliar com a fé crista, pois esta professa que, diante de Deus, a inteligencia humana é sempre fraca, embora nao impotente para ter nogóes análogas de Deus (Deus é Pai, Deus é Amor, Deus é Providencia...). c)

Fideísmo.

É a atitude de quem julga que as ver

dades referentes a Deus nada tém de racional; nao podem

ser apreendidas pela razáo, mas sao professadas por urna fé cega. Deus nao se manifesta no mundo, nao dá sinais de Si que possam ser reconhecidos pelos sentidos e pela inteligencia do homem.

Tal fideísmo ou tal «fé pura» dispensa a religiáo, na medida em que religiáo significa ritos (sacramentos), estru-

turas especiáis (por exemplo, clero), formulagóes intelectuais (dogmas). Ésse fideismo inteiramente secularizado cai fácil mente no agnosticismo absoluto e no ateísmo prático.

É ao iideismo secularizado que chega Rudolf Bultmann, aprego-

ando urna fé que é apenas atitude de vida sem credo pr&priamente dito ou sem comteúdo racional. Demitizando a Biblia a seu modo, Bultmann julga que esta nao propóe senáo um convite de Deus á conversao, convite ao qual o homem responde «Sim» (é ésse «Sim» que resume a fé de Bultmann; cf. «P.R.» 97/1968, pág. 18).

d) rizados

Negacao da Divindade de Jesús. Há cristáos secula que concebem a distincáo (descontinuidade) entre

Deus e o homem a ponto de nao aceitar que Jesús seja Deus e homem simultáneamente. Reconhecem que Deus está em Cristo de modo especial, mas nao admitem seja Cristo mais do que um homem.

Tal é o caso de alguns dos chamados «teólogos da morte de Deus».

Registram-se também erróneas modalidades de secularizagáo por

— 191 —

12

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 1

2)

Exagero da continuidade

Quando, ao invés do que acaba de ser considerado, se incute excessivamente a continuidade entre o sagrado e o profano, negando-se exageradamente o divorcio entre um e

outro,

tem-se

a eonfusáo,

que

se

exprime

ñas

seguintes

formas:

a) Panteísmo: Deus e o mundo sao identificados; tudo vem a ser divino (com derrogagáo á transcendencia de Deus), sem deixar de ser profano. b) «Consagracáo do universo». Após a Encarnagáo e principalmente após a Ressurreigáo de Cristo, todo o universo t'oi santificado. Desta verdade deduzem alguns que foi extinta toda distingáo entre o sagrado e o profano; a Liturgia sa

grada dispensaría seus ritos e identificar-se-ia simplesmente

com o servigo ás realidades déste mundo; o culto a Deus nao seria senáo atendimento ás necessidades dos homens.

Na verdade, o cristáo deve saber que, embora a gloria da eternidade já esteja germinalmente presente na natureza humana e neste mundo desde a Ressurreigao de Cristo, a obra da Redengáo ainda nao se oonsumou. Conseqüentemente, há realidades profanas que ainda nao sao a plena expressáo da santidade trazida por Cristo ao mundo. É verdade que o cristáo tem estrita obrigacao de promover o bem de seus irmáos; todavia isto nao o exime de louvar e adorar a Deus, a quem se deve dirigir primeiramente o amor humano.

c)

«As ativídades temperáis iinem sempre a Deus». Urna

teología mal compreendida leva a dizer que tudo que o cris

táo faga após o seu Batismo é sempre culto prestado a Deus, em virtude da consagragáo batismal. Conseqüentemente, o discípulo de Cristo poderia viver sua vida secular, sem professar explícitamente interésses religiosos, e, nao obstante, preencheria seu papel diante de Deus.

Esta concepeáo é errónea, pois o homem, mesmo depois de optar

por Deus em seu Batismo ou na renovacáo de suas promessas batismais, pode tomar atitudes que de algum modo (explícito ou implí cito) estejam em desacordó com essa sua opgáo fundamental.

Eis o catálogo de posigóes erróneas que a palavra «secularizagáo» pode significar na bibliografía, erudita e popular, assim como em aulas e círculos de estudos de nossos días. Pode haver cristáos que defendam, como há os que impugnam a secularizagáo; uns e outros teráo razáo ou nao segundo a acepgáo que atribuirem a tal termo. O fiel católico, devidamente acautelado, ponderará entáo sabiamente as expressóes — 192 —

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

13

que, em escritos ou debates, lhe ocorrerem; assim evitará os percalgos e as confusóes que solapam a genuína mensagem do Evangelho. A propósito veja-se a coletánaa de artigos publicados na revista

«Lumen Vitae» (Bruxelas) vol. XXIII, 1968, n' 3.

II. 2)

BÍBLIA

SAGRADA

«Qual o sentido exato do 'Pai-Nosso' .

Como se relaciona com as preces dos judeus?» Resumo da resposta: As páginas seguintes propoem o comen tario do Pai-Nosso recém-redlgido pelo exegeta alemáo Joachim Jere mías, famoso por seus oonhecimentos de língua aramaica.

Dentre as duas recensoes do Pai-Nosso nos Eyangelhos, a de Le 11,2-4, mais breve, parece ser a original; as ampliaeñes de Mt 6,9-13 devem-se muito provávelmente ao estilo solene da Liturgia.

A invocacáo «Abba» designa, no Evangelho, as relac.5es vigentes entre Pai e Filho, relacSes indevassáveis á criatura; cf. Mt 11,27. Ora Jesús quis estender a seus discípulos o privilegio de inyocarem Deus como Pai. Dai o temor e a reverencia com que os cristáos sempre recltaram, e recitam, o Pai-Nosso.

As duas petigóes iniciáis da oracáo do Senhor (as quais se associa

a terceira de Mt) deyem ser entendidas á luz do Qaddisch da sina goga: tém sentido escatológioo; pedem a plena revelacáo do Reino de Deus, que já íéz irrupgáo neste mundo desde a vinda de Cristo.

As duas súplicas subseqüentes (pedido de pao e de perdáo) visam, de certo modo, concretizar as anteriores. Pedem — o pao do Grande Amanhá, da Eternidade, ou seja. a posse definitiva da vida celestial. Em funcáo déste bem supremo, o orante pede também o pao sacramental (a Eucaristía) e o pao de mesa cotidiano (pao que, para o cristáo, nao é própriamente profano, mas

sagrado, pois tudo que o cristáo faca como cristáo tem um sentido religioso e sacral);

o perdao das faltas a ser outorgado nao sómente no dia do Juizo Final, mas no decorrer desta vida. A peticáo final roga ao Pai, queira preservar o crista© de sucum bir as tesntagóes: ... á grande tentacáo final, que será a da apostasia, e ás tentacoes anteriores, inclusive á tentacáo de desesperar do Pal

Celeste, caso parega nao atender ás preces de seus filhos.

O Pai-Nosso assim entendido incute urna mentalidade nova: desperta, sim, no cristáo as grandes aspiracóes as quais háo de ser subordinados os Interésses pessoais de cada orante.

— 193 —

14

'

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 2

Resposta; Já muito se tem. escrito sobre o Pai-Nosso e o significado de suas petigóes. Á medida, porém, que se passam os anos e progridem os estudos de lingüistica, os exegetas váo dispondo de novos e novos subsidios para entender o genuino sentido da oragáo ensinada pelo Senhor. Recentemente apareceu um estudo do Pai-Nosso devido ao exegeta protestante Joachim Jeremias 1. Éste autor, bene

mérito por procurar compreender os dizeres do Evangelho mediante o recurso á lingua aramaica, propóe um entendimento original e profundo da oragáo dominical. Sao as idéias désse estudioso, complementadas por observagóes sugeridas

pela fé católica, que as páginas seguintes exporáo sucinta mente.

Proporemos abaixo: 1) algumas consideragóes sobre a forma mais antiga do Pai-Nosso, o que servirá de base para 2) um comentario da oragáo ensinada pelo Senhor.

1.

O texto original do Pai-Nosso

Sabe-se que o Pai-Nosso ocorre duas vézes no S. Evan gelho: em Mt 6,9-13 e em Le 11,2-4. As duas recensóes, embora concordem entre si quanto á substancia, diferem quanto á forma literaria: o texto de Mt apresenta sete petigóes e

tem seu vocabulario próprio, ao passo que Le só consigna

cinco petigóes.

Eis as duas recensóes da oragáo dominical (a de Mt vai

reproduzida na sua forma usual): Mt 6,9-13

Le 11,2-4

Pai nosso, que estáis no céu, santificado seja o vosso nomo. Venha a nos o vosso reino.

Pai, santiíicado seja o vosso nome, venha o vosso reino.

assim ¡na térra como no céu. O pao nosso de cada dia

Dai-nos cada dia o pao

Seja feita a vossa vontade,

nos dai hoje. E perdoai-nos as nossas dividas, assim como nos perdoamos aos nossos devedores. E nao nos deixeis cair em tentacáo,

necessário á nossa vida. Perdoai-nos os nossos pecados, pois nos também perdoamos a todo aquéle que nos ofende. E nao nos deixeis sucumbir á tentagao.

mas livrai-nos do mal.

i

«Das Vater-Unser im Lichte der neueren Forschung» (O Pal-

-Nosso a luz da mais recente pesquisa), em Calwer Verlag, Stuttgart,

1962. A traducáo francesa apareceu no volume: J. Jeremias, «Paroles de Jesús». Editions du Cerf, 1963.

— 194 —

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

15

O fato de que há duas recensóes do Pai-Nosso no Evan-

gelho quer dizer que, entre os anos de 70 e 85, quando foram

redigidos os Evangelhos de Mateus e Lucas, existiam ñas comunidades cristas duas maneiras de recitar a oragáo domi nical. Os textos evangélicos nao sao senáo o reflexo da praxe anterior. Na verdade, os Evangelistas nao teriam ousado re tocar o texto da oracáo ensinada pelo Senhor. Para explicar a dualidade de formas, poder-se-ia admitir que Jesús terina ensinado duas vézes o Pai-Nosso. Todavía esta hipótese nao é plausível, de mais a mais que se sabe que os Evangelistas nao se preocuparam sempre com o relato verbal dos dizeres do Senhor. Os estudiosos julgam, com boas razñes, que urna das duas formas do Pai-Nosso é original; a outra se deve a adaptacóes que os primeiros cristáos introduziram no texto original.

Qual será entáo o teor primitivo do Pai-Nosso?

Note-se que o texto de S. Mateus. é mais longo em tres pontos:

na invocagáo inicial: «Pai nosso, que estáis no céu».

em lugar de «Pai» (ou melhor, «Pai bem-amado»);

após as duas primeiras petigóes que tém a forma de voto, Mateus acrescenta urna terceira: «Seja feita a vossa vontade assim na térra como no céu»; a súplica final é prolongada por urna frase adversa tiva: «Mas livrai-nos do mal».

Ora a crítica dos textos litúrgicos ensina que, quando um texto breve (como o de Le) está integralmente encerrado em um texto mais longo (como o de Mt), é o texto breve que se deve considerar original. Em verdade, nao se compre-

ende bem que um cristáo ou um grupo de .cristáos tenha

ousado cancelar do Pai-Nosso duas peticóes formuladas pelo

Senhor Jesús mesmo. Entende-se, porém, o contrario: ao usar constantemente urna fórmula de oracáo, os fiéis fácilmente a ampliam e enriquecem. O texto de Mt, portante, aparece como

o desenvolvimento do texto de Le. Esta conclusao se confirma mediante a segulnte observado: os

tres acréscimos do texto de Mt encontram-se nos fináis, ou seja, no fim da invocacáo inicial, no fim dos dois primeiros votos, no fim das tres súplicas subseqüentes. Ora na Liturgia as fórmulas fináis ou as conclusñes de preces tendem naturalmente a se alongar.

Ademáis verifica-se que a sétima petic3o de Mt nao é senSo a segunda parte da sexta peticáo. Esta entáo, em Mt, passa a ter dois membros, como a quarta e a quinta.

— 195 —

16

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 2

Nótense também que no texto de Mt assim entendido, há petigSes em forma de voto e tres em forma de súplica.

tres

Estas observag5es (que talvez parecam sutis, mas sao de grande valor) dáo a ver que o texto originario de Lucas foi adaptado ao ritmo da Liturgia, a qual muito estima o paralelismo de membros. A fórmula breve «Pai» (no sentido de «Pai bem-amado») apresen-

tada por Le é antiqüissima, como se depreende dos textos paulinos de Rom 8,15 e Gal 4,G: «No Espirito, clamamos: 'Abba. Pai'». A fór mula de Mateus: «Pai nosso, que estáis no céu» é mais solene; parece depender dos costumes litúrgicos da Palestina. O texto de Mt, oriundo na Liturgia, tornou-se usual na oragáo comum dos cristaos — o que bem se compreende. A «Didaqué», opús culo de leis e preces cristas datado talvez dos anos de SO/70, consigna a forma ampia do Pai-Nosso.

Acontece, porém, que o vocabulario e a construgáo de frases do texto de Mt conservam mais o sabor do aramaico primitivo do que o texto de Le. Com efeito, Mt, por exemplo, diz: «Perdoai-nos as nossas dividas», ao passo que Le consigna: «Perdoai-nos as nossas ofensas». Mt supSe o vocábulo aramaico hoba, cujo sentido é, primariamente, divida, e, secundariamente, pecado. O texto de Le, supondo leitores

gregos, preferiu usar diretamente o termo «pecados»; deixou, porém, traaisparecer o substrato aramaico no final da peticáo: «pois também nos perdoamos a quem nos deve».

Em suma, admitindo-se que a extensáo primitiva do Pai-Nosso

era a de Le e que o vocabulario originario é o de Mt, assim se pode

reconstituir a oracáo que maico:

Jesús ensinou a seus discípulos em ara

'Abbá

jitqnddásh shemák

/

lahman delimitar

/

tete malkutók liab lán joma den

usheboq lán hohuín

/

k^dischebáqnan lehajjabaín

w»lan ta 'elinnan Imisjón.

Note-se o paralelismo de membros e a rima ñas linhas 2 e 4 k. inalkuták e hobain... jabafn).

O texto ácima pode ser assim traduzido: «Pai bem-ainado,

Santificado seja o teu nomc, Vcnha o teu reino,

Nosso pao de amanha, dá-no-lo hoje,

E perdoa-nos nossas dividas domo também nos, ao dizer estas palavras, perdoamos ao's nossos devedores,

E nao nios deixes sucumbir á tentacao». 1OR

_

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

_17

Vé-se a estrutura da prece: 1)

Invocacáo;

2)

Dois pedidos paralelos sob forma de votos (Mt tem

3)

Dois pedidos paralelos sob forma de súplica;

4)

Conclusáo: pedido de protegáo.

tres votos);

Pergunta-se agora: qual •o sentido exato dessas petifióes?

É o que se verá no respectivo

2.

Comentario

Percorreremos sucessivamente os diversos membros oragáo do Senhor, tal como se encontra ácima. 1)

da

lnvoca;5o : «Pa¡ bem-amado»

A invocacao de Deus como Pai é assaz antiga na historia das ReligiSes: no Oriente, desde o terceiro milenio antes de Cristo, encontram-se preces dos sumaros que designam a Divindade como Pai: <Pai, cheio de graca e misericordia, em cuja- mao repousa a vida de todo o país, ...» (hiño de Ur ao deus lunar Sin).

Entre os hebreus, os livros do Antigo Testamento, em quatorze ocasióes apenas, atribuem a Deus o apelativo «Pai»: Deus é o Pai de Israel; libertou, salvou e escolheu Israel mediante as suas intervengóes na historia. Os Profetas muito insistiram no conceito de patemidade divina, freqüentemente ultrajada pelo povo escolhido Eis, por exemplo, o que se lé em Malaquias 1,6: «O filho honra seu pai, e o servo o seu senhor.

Ora, se eu sou pai, onde está a minha honra ? E, se eu sou o Senhor, onde está o temor que se me deve? — diz o Senhor dos exércitos a vos». Cí. Dt 32 5s; Jer 3, 4. 19s; Is 63, 15s¡ 64 7s.

Nao obstante as ofensas de Israel, Deus afirmava cons tantemente a sua paternidade em passagens de grande eloqüéncia; veja-se Jer 31,20: «Porventura nao é Efraim o meu filho querido, ternamente amado?

Todas as vézes que falo contra ele, mais viva se me torna a sua lem-

— 197 —

18

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 2

branca. E o meu coragáo comove-se ao pensar néle. Terei compaixáo déle _ oráculo do Senhor» (cf. Os 11,8).

Note-se, porém, que o conceito de filiacáo divina, no Antigo Testamento, se aplicava geralmente ao pavo como tal; foi sómente no fim da era pré-cristá que os judeus conceberam a idéia de qir Deus poderia ser pai de cada um dos homens (cf. Sab 2,13.16.18).

Por mais significativas que fóssem as expressóes do An-

tigo Testamento referentes á paternidade divina, elas sao

uitrapassadas, quando se considera o comportamento de Jesús

Cristo. Para

dirigir-se

a

Deus,

Jesús empregou

um

nome

inédito nesse setor: «Abba, Pai» (tenha-se, por exemplo, em vista a oracáo no horto das Oliveiras, Me 14,36).

A vasta literatura dos judeus sobre a oracáo nao atesta, em parte alguma, a invocacáo de Deus mediante o título «Abba». Como explicar isto?

— Os escritores da Igreja dos séculos IV/V, como Sao Joáo Crisóstonro, Teodoro de Mopsuéstia, Teodoreto de Ciro, oriundos de Antioquia (Siria) e conhecedores do aramaico, atestam unánimemente que «Abba» era o apelativo com que a criancinha se dirigía a seu genitor.

O Talmud (coletánea de dizeres dos rabinos) o confirma, asseverando:

«Quando

urna

crianca

prova

o

trigo

(=é

aprende a dizer 'abba' e 'imma' (papai, mamae)».

desamamentada),

«Abba, imma», portante, sao as primeiras palavras da crianga .que balbucía. «Abba» era expressáo infantil e coti diana. Ninguém teria ousado dizer «Abba» a Deus! Jesús, porém, o fez em todas as oracóes que déle nos foram trans mitidas, excetuado apenas o clamor: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Me 15,34; Mt 27,46), clamor que nao é senáo o texto do SI 21,2. Em Mt 11,27, o Senhor dá a ver o «porqué» dessa sua

atitude de orante: o binomio «Pai-Filho» exprimía as relacóes de igualdade vigente entre duas pessoas da SS. Trindade: «Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senáo o Pai, como ninguém conhece o Pai senao o Filho e aquele a

quem o Filh'o O quiser revelar».

— 198 —

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

19

A Jesús, portante, competía, a titulo único, interpelar

Deus como Pai; «Abba» vem a ser urna das palavras mais auténticas nos labios de Jesús.

Ora no Pai-Nosso Jesús estendeu a seus discípulos o dlreito de dizer «Abba», como Ele dizia; fez que seus discípulos participassem da dignidade do Filho, interpelando o Pai Ce leste com toda a confianga. Mais ainda: Jesús afirmou que sámente quem se faz pequenino e simples como crianga, sámente quem clama «Pai», poderá entrar na marisáo do Pai:

«Em verdade, eu vos digo: Se nao voltardes a ser cómo cri-

ancinhas, nao podereis entrar no reino dos céus» (Mt 18,3).

Para encontrar o caminho do Reino, é preciso, pois, que

o cristáo tenha a confianga de filho que se exprime pela palavra «Abba». Sao Paulo, alias, o confirma quando em duas passagens ensina que o clamor «Abba, Pai» é o sinal da filiagáo divina do cristáo (cf. Rom 8,15; Gal 4,6). Eis por que a Igreja sempre recitou — e recita — o Pai-Nosso com o máximo de temor e respeito: «Digna-te conceder-nos, Senhor, que ousemos com alegría e sem temeridade chamar-Te Pai, Tu. o Deus do céu, dizendo: 'Pai-Nosso.. .'> (Liturgia de S. Joáo Crisóstomo).

2)

Os dois votos Iniciáis

As primeiras palavras do filho ao Pai Celeste sao: «San

tificado seja o teu nome, venha o teu reino». Estas petigóes

fazem eco a urna antiga oragáo aramaica que encerrava o

culto na sinagoga e provávelmente era familiar a Jesús:

«Glorificado e santificado seja o Grande Nome de Javé no mundo

que Ele criou segundo a sua vontade!

Faga prevalecer o seu Reino em vossa vida e em vossos dias e na vida de tdda a Casa de Israel, em breve e num tempo próximo!» (Qaddish).

A afinidade das duas petigóes iniciáis do Pai-Nosso (ás quais se acrescenta a terceira de Mt, cujo teor corresponde as anteriores)

com o text& do Qaddish

mostra que essas

fórmulas tém sentido escatológico: pedem a revelagáo plena do Reino de Deus no fim dos tempos; venha a consumagáo

da historia, o momento em que será glorificado o nome do Senhor Deus, por ora blasfemado e conculcado, e será ma

nifestó o Reino, de acordó com a profecía de Ezequiel: .— 199 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, gu. 2

«Manifestarei a santidade do meu augusto Nome, que foi aviltado

entre as nacSes e que vos proíanastes entre elas. E as nacóes saberáo

que sou o Senhor. quando a seus olhos eu fizer resplandecer a minha santidade pelo meu modo de proceder para convosco» (Ez 36,23).

Assim entendidas, as peticóes iniciáis do Pai-Nosso sao

um, apelo que procede do fundo da miseria. De um mundo sujeito á escravidáo do pecado, mundo em que Cristo e o Anticristo se defrontam incessantemente, os cristáos pedem a manifestagáo da gloria de Deus. E pedem-na com a certeza absoluta de ser atendidos: os cristáos sabem que, mediante Jesús Cristo, Deus Pai já come^ou a realizar seu designio de graga e salvacáo neste mundo; nao resta senáo aguardar o pleno desabrochar da obra já iniciada em Jesús Cristo. Tal é a diferenra entre a Igreja e a Sinagoga: esta podia orar com palavras semelhantes. as dos cristáos; fazia-o, porém, numa expectativa ainda sombría e angustiada. 3)

As duas súplicas subseqüentes

O pedido de pao e o de perdáo estáo intimamente associados entre

si É o que se depreende da sua própria formulacáo literaria;; cada qual consta de dois membros: «amanhá... hojex>. «perdoa... perdoa- mos». Ao passo que as peticóes anteriores tinham seu paralelo no Qaddish as subseqüentes nao o tém; donde se segué que é sobre essas súplicas, formuladas originariamente par Jesús, que se coloca toda a énfase do Pai-Nosso; é para essas súplicas que as peticóes anteriores tencionam chamar especialmente a atengáo do orante. Vejamos cada qual de per si.

a) O pedido de pao. A palavra grega cpitfusios (adje tivo qualificativo que acompanha «pao») presta-se a diversas interpretacóes, que os exegetas discutem. Alguns a traduzem por «supersubstancial»; outros, por «conveniente, suficiente,

necessário»; outros ainda, por «cotidiano»; e mais outros, por «de amanhá>.

A controversia

pode-se dirimir desde

que

se leve em

conta o seguinte testemunho, assaz valioso: S. Jerónimo (f 421) refer que o Evangelho aramaico dito «dos Nazarenos» trazia,

nessa passagem

do Pai-Nosso, a

palavra mahar, que

significa «amanhá»; dever-se-ia entáo ler: «o pao nosso de amanhá, dá-no-lo hoje». Éste testemunho tem autoridade, pois o Pai-Nosso foi ensinado em aramaico e recitado pelos primeiros discípulos nessa lingua.

S. Jerónimo refere outrossim em que sentido se entendía

«o pao de amanhá»: «Nosso pao de amanhá, isto é, futuro, OAO

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

21

dá-no-lo hoje». Em verdade, no judaismo tardío, a palavra nvahar designava nao apenas o dia subseqüente, mas também o Grande Amanhá, ou seja, o dia da consumagáo. Sabe-se, de resto, que a Igreja antiga, tanto no Oriente como no Ocidente, interpretou freqüentemente «o pao de amanhá» no sentido de «o pao do tempo da salvagáo», «o pao da vida», «o maná celeste». Todas estas expressóes designam a vida eterna e o encontró face a face com o Senhor Deus, de que se saciaráo os justos. Jesús mesmo, alias, apresentou freqüen temente a vida celestial sob a imagem de urna ceia; cf. Le 22,30; 12,37; Mt 22,1-14; 25,1-13...

De resto, o sentido escatológico que tém as demais petiqoes do Pai-Nosso, corrobora tal interpretagáo. Dirá, porém,

alguém: entáo nao se pede o pao tempo

ral no Pai-Nosso, como sempre ensinaram os comentadores cristáos1!1

— Na verdade, o pedido do «pao da vida eterna» nao

excluí, antes incluí, o pedido do pao temporal. Éste, porém, é considerado em fungáo daquele.

Com efeito, para que o cristáo possa obter a felicidade eterna, precisa normalmente na térra de dois subsidios: a S. Eucaristía, que é o antegózo da posse definitiva de Deus;

o pao das refelcoes cotidianas e os demais elementos (roupa, casa, saúde, trabalho...) sem os quais o homem nao exerce normal mente suas

func5es. Todavía observe-se

subsidios desta vida temporal carecem

que

o

pao de mesa e

freqüentemente

de

os

sentido

para quem nao tenha a espenanca da vida eterna. Era verdade, nao sao poucos aqueles que se suicidam ou que .renunciam ao pao tem

poral por desespero, ou seja, par Jiáo admitlrem a «ceia da vida eterna». É esta so, em última análise, que dá sentido ao pedido do pao de mesa.

Mais: o Senhor no Evangelho rejeita o divorcio entre as realidades sobrenaturais e as naturais. A irrupeáo do Reino de Deus neste mundo deve dar significado e valor novos a todas as atividades, mesmo profanas, do cristáo. Assim sao transfigurados — as palavras do cristáo: cf. Mt 5, 21s.33-37,

— os olhares do cristáo: cf. Mt 5,28,

— a maneira de saudar os irmáos ñas pracas públicas: cf. Mt 5, 47,

— a maneira de comer e beber: cf. Me 7,15.

— 201 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 2

Por conseguinte, pode-se dizer que a primeira grande súplica do Pai-Nosso pede tudo que seja necessário aos discí pulos para que vivam a verdadeira vida... na eternidade sem dúvida, mas também no tempo. Ela pede implícitamente que todas as atividades, mesmo as mais simples, do cristáo sejam penetradas pelas gragas do mundo invisível e eterno. Hoje, já hoje, exilado neste mundo de fome e sede, possa o discípulo de Cristo desfrutar a presenga latente e saborosa dos dons que o saciaráo anranhá e por toda a eternidade. Tal é o sentido da antítese «amanhá — hoje» no Pai-Nosso. b)

O pedido de perdáo: «Perdoa-nos as nossas dividas

como também nos, ao dizer estas palavras, perdoamos aos

nossos devedores». A orientagáo escatológica das petigóes an teriores leva a ver que éste pedido de perdáo tem em vista, antes do mais, a grande prestagáo de cantas para a qual se encaminha a historia; é a perspectiva do juízo final que

domina o quadro. Os discípulos de Jesús tém consciéncia de

estar envolvidos no pecado e na divida; sabem que sómente o perdáo gratuito de Deus os pode salvar. Por isto pedem perdáo... Todavía nao pedem perdáo apenas para o dia do juízo final, mas rogam ao Pai, lhes queira perdoar desde já; o tempo presente, sendo a era do Messias, a era da salvagáo

já em curso, é também o tempo do perdáo: «Perdoa-nos, Pai bem-amado, desde o presente momento!»

A súplica de perdáo tem uma cláusula complementar que

pode surpreender: alude ao comportamento do orante («assim como nos...»). Quem reza, deve-se recordar sempre da sua obrigagáo pessoal de perdoar. Jesús o incutiu freqüentemente:

«Quando vos dispuserdes a orar, se tiverdes

alguma coisa

contra alguém, pefdoai primeiro para que vosso Pai que está no céu vos perdoe também os vossos pecados»

(Me 11,25;

cf. Mt 5,23; 18,23-35). Tal é a importancia que Deus quer atribuir ao procedimento do próprio homem.

Em suma, as duas súplicas que acabamos de considerar, supoem o homem peregrino na térra, colocado na perspectiva dos bens eternos; pedem, de certo modo, a antecipasáo e o antegózo désses bens. O cristáo sabe que tais bens já fizeram sua irrupgáo neste mundo e que importa sumamente viver déles em toda a medida do possível. — As duas súplicas tornam assim muito concretos os dois votos iniciáis do Pai-Nosso: a revelagáo escatológica do Reino e da Gloria de Deus comega

a se realizar aqui na térra mediante os dons sobrenaturais

que o Pai bem-amado comunica a seus filhos. — 202 —

O «PAI NOSSO» E SEU FUNDO ARAMAICO

4)

23

Conclusóo : pedido de protejao

Até aqui as petigóes do Pai-Nosso (votos e súplicas) se

dispunham duas a duas paralelamente; cada qual das súplicas constava de dois membros. — Em contraste, a conclusáo apa rece brusca e dura : está isolada, e nao apresenta bipartigáo: além disto, difere das frases anteriores pela sua formulacáo negativa: «E nao nos deixes sucumbir á tentagáo». Tais ca racterísticas estilísticas tém seu significado: o pedido final deve realmente sugerir algo de duro e impressionante ao leitor.

Examinemos o sentido dessa frase, atendendo aos seus dois vocábulos principáis:

a) O verbo grego eisenenkeis quer dizer própriamente «levar, oonduzir para dentro». Daría a crer que é Deus quem tenta o homem ou coloca o .homem em tentagáo. — Ora. S. Tiago afasta peremptóriamente tal hipótese, tendo em vista talvez a cláusula final mesma do Pai-Nosso: «Ninguém diga, quando fór tentado:

'É Deus quem me tenta'.

Deus nao pode ser tentado pelo mal e nao tenta ninguém» (Tg 1,13).

O genuino sentido do verbo grego é sugerido por antiga oragáo vespertina dos judeus, oragáo qué Jesús bem pode ter conhecido: «Nao coloques o meu pé sob o poder do pecado, E nao me atires sob o poder da falta, Nem sob o poder da tentacSo, Nem sob o poder da infamia» (b. Berakoth 60b).

O fato de que, nessa prece, a tentagáo esteja ao lado de «pecado, falta e infamia», mostra que os judeus nao pensavam numa intervencáo direta de Deus, mas apenas numa

permissao'. O sentido seria, pois: «Nao permitas que eu caía ñas maos do pecado, da falta, da tentagáo e da infamia». A prece judaica pedia, pois, que Deus preservasse o seu devoto de cair no momento da tentagáo. Tal é, sem dúvida, também o sentido da petigáo final do Pai-Nosso: «Nao nos deixes su cumbir á tentagáo». Certamente nao era a intencáo

de Cristo ensinar seus

discípulos a pedir, fóssem isentos de tentagóes: «Ninguém é coroado sem luta previa» (cf. 2 Tim 2,5); «o discípulo nao — 203 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 2

está ácima do Mestre» (cf. Jo 15,18). Por isto o Pai-Nosso nao pede seja o orante dispensado de sofrer tentac.oes, mas, sim, seja, por Deus, auxiliado a superá-las. b) E que quer • tagáo» no Pai-Nosso?

dizer

própriamente

o

vocábulo

«ten-

— Significa, antes do mais, a grande provagáo final que se desencadeará, quando se revelarem plenamente o misterio da iniqüidade e a agáo do Anticristo, quando se verificarem a abominagáo da desoía ;áo (Satanás no lugar de Deus), as perseguigóes derradeiras, o surto de falsos Cristos e falsos profetas. Entáo a tentagáo será, sem dúvida, a apostasia. Por isto pode-se dizer que a cláusula final do Pai-Nosso pede antes

do mais: «Senhor, preservai-uos de apostatar!» É o que parece confirmar-se pelo apSndice de Mt: «Mas livra-nos do Mal (ou do Maligno)». Compreende-se agora por que a petigao final do Pai-Nosso tem seu ritmo brusco, contrastante... — Jesús ensinara seus discípulos a pedir o Reino do Pai e sua antecipagáo mediante os dons sobrenaturais. Quis, porém, acautelá-los contra qual-

quer falso iluminismo ou euforia, despertando-lhes a consci-

éncia de que a vida do cristáo sobre a térra é sempre ameagada; o assalto final do Maligno se antecipa ñas tentagóes e provagóes de cada dia. E entre essas tentagóes deve-se men cionar urna que é particularmente daninha: a tentagáo que

pode acometer o cristáo quando ora (ou quando diz o Pai-Nosso) e julga nao ser atendido pelo Pai; nao raro entáo o orante tende a descrer da própria oragáo, do próprio Pai-Nosso, e a abandonar a prece. No final do Pai-Nosso, por

tante, quis Jesús que seus discípulos pedissem a gragá da

perseveranga (perseveranca na fé, e perseveranga na oragáo):

«Escuta, o Pai, ao menos esta prece final: Preserva-nos de duvidar de Ti!... de duvidar de Ti por julgarmos que nao escutas os nossos pedidos anteriores»'.

Urna tal súplica nao tem paralelo no Antigo Testamento. É cheia de ensinamento teológico e de significado prático. constituindo um digno fecho para a oragáo do Senhor.

3.

Reflexáo final

Clemente de Alexandria. escritor cristáo do sáculo III, consigna urnas palavras atribuidas a Jesús, que nao foram — 204 —

O «NOVO CATECISMO» HOLANDÉS

25

consignadas no Evangeltoo escrito: «Pedi as grandes coisas e Deus vos concederá as pequeñas».

Se esta frase nao é de Cristo mesmo, deve-se reconhecer que a sua mensagem corresponde ao pensamento do Senhor. Jesús teria a lembrar que as oragóes dos homens estáo geralmente presas a interésses particulares e pessoais; rara mente levam em oonta as grandes intencóes que devem mover o filho de Deus: a gloria e o reino de Deus todo-poderoso, o pao da vida eterna, o derramamento da infinita misericordia do Pai, etc. ... O Senhor nao recusa os pequeños pedidos concernentes ás necessidades pessoais de cada orante (ao con trario, como insinúa Jesús em Le ll,9s), mas quer que estes sejam subordinados ás grandes aspiragóes da vida crista. Ora, o Pai-Nosso ensina a rezar dessa forma nobre; dilata a mente do orante e incita-o a refletir sobre verdades capitais da men sagem crista, a saber:

O Reino de Deus já se iniciou aquí na térra, a eternidade

já irrompeu no tempo. É necessário, portante, que viva cada vez mais de tais realidades.

III. 3)

^

átii

DOUTRINA

«Que pensar do Novo Catecismo Holandés, que acaba

de ser publicado em portugués?

Tem sido muito elogiado' e muito condenado!» -

A Editora Herder acaba de langar a

edicáo brasileira

do Novo Catecismo Holandés para adultos («A Fé para adul tos. O Novo Catecismo»). O livro tem merecido entusiásticos

aplausos como também alarmadas críticas por parte do pú blico nacional e internacional. Parece que, no caso, o melhor arbitro é a palavra oficial da Santa Igreja, que se pronunciou recentemente (15/X/68) sobre o referido Catecismo.

Éste pronunciamento da Santa Sé compreende duas par tes: a primeira resume os passos da controversia suscitada

pela publicagáo do Novo Catecismo na Holanda em outubro

de 1966; a segunda indica dez pontos (que se desdobram em muitos outros), a respeito dos quais a Santa Sé pede formulagóes mais claras e corretas.

— 205 —

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 3

A propósito do Novo Catecismo já foi publicado um artigo em «P.R.» 96/1967, pág. 515-527; íoram ai expostos os porqués e o

Jiistórlco da controversia até dezembro de 1967.

seguem, atualizaráo

o

assunto,

fornecendo ao

As páginas que se

leilor

ampios dados

para julgar a obra.

Abaixo apresentaremos,

na integra e em tradugáo fiel,

o texto da Dedaragáo da Comissáo de Cardeais encarregados de examinar o Catecismo Holandés (cf. «Acta Apostolicae Sedis» LX, 30/XI/1968, pág. 685-691). Em outro artigo de «P.R.» será proposto um comentario a tal declarasáo.

1.

A Declarasáo da Comissáo de Cardeais (15/X/1968) Eis a tradugáo do texto latino désse documento: I.

PARTE HISTÓRICA

«Quando na Holanda foi publicado O1 Novo Catecismo (1966J,

obra que, por um lado, apresenta méritos singulares, mas, de outro

lado, provocou desde o principio inquietacáo entre nao poucos fiéis, a Sé Apostólica, em virtude do seu mandato de proteger a fé do povo de Deus, nao pode deixar de se interessar pela questáo. Por isto, o

Sumo Pontífice quis que, para examinar as diíicuídades apresentadas



pelo texto dp 'Catecismo', se realizasse inicialmente um encontró de tres teólc-eos-«orneados pela Santa Sé oom tres teólogos designados

Drelo-jeptóc%>aclp 'holandés.

"* •' 4 »1 ÍNess^eñcontro, que ooorreu de 8 a 10 de abril de 1967, os teó-

" - -»logosrGsi Santa Sé, seguindo um programa elaborado pela S. Congregacao do Concilio, e segundo a intengáo do Sumo Pontífice, pediram

confiantemente, fóssem introduzidas no 'Catecismo' algumas explicitag5es bem meditadas, que indubitávelmente correspondiam a fé da Igreja, á verdade e ao senso cristao dos fiéis. O encontró, porém, foi pouco frutuoso. Nao foram feitas modifioacñes, nem mesmo a respeito dos pontos que o Santo Padre, á guisa de exemplo, havia indi

cado: 'por exemplo, no que diz respeito á conceicfio virginal de Jesús

Cristo, dogma da fé católica; a cren?a na existencia dos anjos, que se fundamenta sobre o Evangelho e a tradicáo da Igreja; o caráter

satisfatório e sacrifical da agáo redentora que Cristo ofereceu ao Pai

Eterno a fim de apagar os nossos pecados e reconciliar os homens com Ele', i

O Sumo Pontífice tomou conhecimento do resultado do mencio nado encontró, antes do mais pelo relatório xedigido conjuntamente

i A Comissáo de Cardeais alude aqui a urna carta que o Santo Padre Paulo VI, a 30/111/67, dirigiu ao Cardeal Alfrink. de Utrecht, preparando o encontró dos seis referidos teólogos. Nessa carta. S. Santidade mostrava o desejo de que se reformulassem os dizeres do Catecismo referentes, «por exemplo», aos tres mencionados pontos (a enumeracao nao era exaustiva).

— 206 —

O «N6VT0 CATECISMO» HOLANDÉS

27

pelos tres teólogos da Santa Sé e os tres do episcopado holandés. Confiou entáo a urna Comissáo constituida pelos Canteáis Frings, Lefebvre, Jaegen Florit, Browne e Journet o encargo de examinar a questáo e proferir um juizo sobre a mesma. Tal Comissáo, ma sua

primeira reuniao, ocorrlda nos dias 27 e 28 de junho de 1967 — com a participado de teólogos peritos na lingua holandesa —, decidiu

que, antes de se proceder a novas edigSes e tradugSes, o 'Novo Cate

cismo' deveria ser diligentemente revisto e corrigido. Além disto, escolheu urna segunda Comissáo de teólogos — pertencentes a sete nacio nalidades —. aos quais confiou a tarefa de examinar o texto do

mencionado Catecismo e de formular seu parecer a respeito.

A tal Comissáo foram entregues, além do volume do Catecismo, o texto integral do relatório final do primeiro encontró de teólogos ácima referido. Durante o mes de setemhro, foi-lhe também consignada urna serie de emendas apresentadas no entretempo pelos autores do 'Catecismo1. Depoi.s de diligente trabalho, esta segunda Comissao de teólogos elaborou suas observagóes tanto a respeito do texto do 'Ca tecismo' quanto a propósito das emendas que haviam sido apresen-

tadas; estas foram, em sua maioria, tidas como insuficientes. Todas as observacóes feitas por essa Comissí.o receberam a aprovacáo uná nime dos respectivos membros presentes.

Depols disto, os Cardeais, tendo em máos, entre outros documen tos, as observagóes da Comissáo de teólogos, procederam a urna se gunda reuniáo de 12 a 14 de dezembro de 1967. Nesta sessáo, examinaram cada urna das observacóes e Tesolveram em termos definitivos — depols de votagSo sobre cada um dos pontos — estipular quais os pontos que dever¡am ser modificados no texto do 'Catecismo' e como o deveriam ser. Tomaram determinacSes para que essas modificagóes fóssem redigidas por urna Comissáo especial, romeada por éles com o auxilio do Eminentíssimo Cardeal Alfrink: essa Comissáo constaría de dois delegados da Santa Sé e dois do episcopado holandés. O tra balho dessa Comissáo. concluido em fevereiro de 1968, foi apresentado á Santa Sé, á Comissao de Cardeais e ao episcopado holandés. Entrementes!. porém, foram publicadas

sem a aprovacáo do epis

copado holandés e sem correcáo alguma, a traducáo inglesa; a seguir, a traducáo alema e. mais recentemente. a traducáo francesa do "Novo

Catecismo'. Além disto, em um jornal holandés e num volume dado a lume na Italia, faram publicados documentos .reservado? e, por sua natureza, secretos, entre os quais urna carta do Sumo Pontífice.

Nesse volume, os documentos publicados s&o acompanhados de noticias cronísticas e comentarios difusos, nos quais nño s&mente sao atribuidas aos

teólogos

nomerados

pela

Santa Sé

ooiniSes

our lh^s

eram estranhas, mas também sao atenuados, com grande habilidade. os pontos do 'Catecismo' que necessitam de sor corrigidos; a ésses

pontos é dada urna forma aparentemente inocua, mas nao conforme á verdade. Nao raro os autores do volume propSem afirmacSes válidas em ?i, mas que nao sao suficientes para corrigir explicacñes onostas, tanto mais que tais explicagóes concordam em mais de um ca.so com ooini&es expressas em outros escritos pelos autores do 'Catecismo'. No tocante as futuras edicóes do 'Catecismo*, os redatores do men cionado volume propOem solu
— 207 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 3

atrás, que o Papa intencionava apenas dar alguns exemplos dos esclarecimentos que eram desejados. No mesmo volume eram citadas abusivamente as

opiniOes de

alguns exegetas contemporáneos relativos ao modo como S. Mateus e S. Lucas apresentam e explicam os íatos principáis concernentes ao nascimento e á infancia de Jesús. Ao passo que os varios teólogos e exegetas referidos no dito volume sustentam que a conceic&o vir ginal de Jesús deve ser enumerada entre os acontecimentos principáis que o Eyangelho da infancia do Senhor apresenta como realmente históricos, o volume mencionado pretende concluir — nao sem ofensa á fé católica — que se deve permitir aos fiéis católicos nao creiam no misterio da conceicáo virginal de Jesús como realidade corporal e espiritual, mas admitam tao sómente um certo significado simbólico de tal misterio.

As publicacGes até aqui mencionadas póem obstáculos varios a intencáo que anima a Santa Sé, de resolver, para o bem do Povo de Deus e de acordó com o episcopado holandés, urna questáo de nao pouca importancia. Por tais motivos, e também pelo fato de que o 'Catecismo' sem as modificacdes propostas já foi difundido em quatro línguas, pareceu necessário — antes mesmo que estejam prontas as edigoes e as traduc/les emendadas — dar ao conhecimcn'to do público um compendio do julgamento formulado pela Comissáo de Cardeais a .respeito de cada um dos pontos controvertidos. Destarte os fiéis ficaráo sabendo como pensar e testemuinhar a respeito da Boa-Nova da salvacáo humana, em plena consonancia com a Igreja de Cristo e a Sé de Pedro.

II.

PARTE DOUTRINARIA

1. No tocante a Deus Criador. — É preciso que o 'Ca tecismo' declare qu« Deus criou, além do mundo sensível no qual vivemos, o mundo dos, puros espíritos que chamamos

anjos (cf., p. ex., Conc. do Vaticano I, Oonst. 'Dei Filius' c. 1; Conc. do Vaticano II, Const. 'Lumen Gentium' n* 49-50).

Deve também explicar que a alma de cada homem, por ser

espiritual (cf. Conc. do Vaticano n, Const. 'Gaudium et Spes' n» 14), é criada ¡mediatamente por Deus

(cf., p. ex., ene.

•Humani generis1, A.A.S. XLII [1950], p. 575).

2.

A propósito da oueda de todos os homens em Adao

(cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Lumen Gentium' n? 2).

— As questóes concernentes á origem e a lenta evolugáo do género humano tém causado novas dificuldades ao entendimento do dogma do pecado original. Deve-se todavía propor

fielmente no 'Novo Catecismo* a doutrina da Igreja segundo a qual o homem, desde o inicio da sua historia, se rebelou contra Deus (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Gaudium et Spes', n9 13 e 22); conseqüentemente perdeu, para si e para toda a sua descendencia, a santidade e a justiga ñas quais — 208 —

O «NOVO CATECISMO» HOLANDÉS

29

fóra constituido; passou a transmitir a todos os seus descen dentes, atrávés da propagacáo da natureza humana, um ver-

dadeiro estado de pecado. Sem dúvida alguma, devem-se evi

tar as expressóes que possam significar que cada novo mem-

bro da familia humana contrai o pecado original pelo simples fato de que desde a sua origem está sujeito á influencia da sociedade, onde o pecado reina, e por isto já se acha inicialmente na vida do pecado.

3. Acerca da Oonceicáo de Jesús e da virgindade de Alaria. — A Comissáo de Cardeais pediu que o 'Catecismo' proclame abertamente que a Bem-aventurada Máe do Verbo Encarnado sempre gozou da honra da virgindade e afirme

claramente o fato da conceigáo virginal de Jesús, a qual se

coadunava perfeitamente com o misterio da Encarnagáo. Por conseguinte, o 'Catecismo' nao deveria dar ocasiáo a que os leitores já nao acreditem na realidade do fato da conceicáo virginal, contido na Tradigáo da Igreja e fundamentado na Escritura Sagrada; nao basta professar um certo sentido sim

bólico désse episodio evangélico, como se, por exemplo, ensi-

nasse apenas a suma gratuidade do dom que Deus nos outorgou mediante o seu Filho.

4.

A respeito da satisfacáo prestada por Nosso Senhor

Jesús Cristo. — Devem-se expor sém ambigüidade os elemen tos da doutrina que nossa fe professa oom relágáo á satis

fago prestada por Cristo. Deus amou de tal modo os homens

pecadores que enviou ao mundo o seu,Filho a fim de os reconciliar consigo (cf. 2 Cor 5,19).. Diz S. Agostinho: Tomos

reconciliados com Deus, que já nos amava..., e com quem

contrairamos inimizade por causa do pecado' (Com. ao Ev. de

Joáo, tr. CX, n« 6). Por conseguinte, Jesús, como Primogénito de muitos irmáos (cf. Rom 8,29), morreu por nossos pecados

(cf. 1 Cor 15, 3). Santo, inocente, sem mancha (cf. Hebr 7,26), nao sofreu pena que o Pai lhe tivesse infligido, mas, obedecendo com amor filial ao Pai (cf. Flp 2,8), aceitou livremente, em favor de seus irmáos pecadores e como Mediador

déles,

a morte que para os homens é salario do pecado

(cf. Rom 6,23; cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Gaudium et

Spes' n* 18). Mediante essa súa santissima morte — que, aos

olhos do Pai, compensou copiosamente os pecados do mundo —, Ele fez que a graga de Deus fósse restituida ao género humano

como um bem que os homens acabavani de merecer através do seu Divino Chefe (cf., p. ex., Hebr 10, 5-10; Conc. de Trento, sess. VI, Decreto 'De justificatione', cap 3 e 7, can. 10).

— 209 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 3

5. No tocante Missa. — É preciso ao Pai para reparar qual Deus pos sua

ao sacrificio da Cruz e aa sacrificio da dizer claramente que Jesús se ofereceu as nossas faltas, como vítima santa na complacencia. Em verdade, Cristo 'nos

amou e se entregou por nos como oblagáo e sacrificio oferecido a Deus com suave odor1 (Ef 5,2).

O sacrificio da Cruz se perpetua na Igreja mediante o sacrificio eucarístico (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Sacrosanctum Concilium', n* 47) Com efeito, na celebragáo da

Eucaristía, Jesús, como Sacerdote principal, se oferece a Deus por meio da oblagáo e da consagrado que os sacerdotes realizam e á qual se associam os fiéis. Tal celebragáo é sacrificio e ceia. A oferta sacrifical tem seu pleno complemento na Comunháo, em que a vítima oferecida a Deus é recebida como alimento, a fim de unir a si os fiéis e associar uns aos outros na caridade (cf. 1 Cor 10, 17). 6. Acerca da presenta real e da conversao encarística. — É necessário que no 'Catecismo' seja afirmado sem ambigüidade que, depois da consagragáo do pao e do vinho, estáo presentes sobre o altar o corpo e o sangue mesmos de Cristo e que na santa Comunháo Cristo é recebido sacramentalmente, a fim de que aqueles que se chegam á Mesa Sagrada com as devidas disposigóes sejam espiritualmente restaurados pelo Senhor Jesús. O 'Catecismo' deve, além disto, explicar como o pao e o vinho, em sua realidade profunda (nao aparente), sao convertidos no corpo e no Sangue de Cristo, táo logo estejam pronunciadas as palavras da consagragáo. Ademáis é preciso explicar como, em conseqüéncia, a própria huma-

nidade de Cristo, unida á sua Divina Pessoa, está latente, de modo misterioso, sob as aparéncias do pao e do vinho.

Urna vez efetuada a admirável conversao, que na Igreja

é designada pelo termo 'transubstanciacáo', as aparéncias do pao e do vinho tem conseqüentemente urna nova significagáo

e urna nova finalidade, pois contení e significam o próprio Cristo como fonte da grar;a e da caridade que sao outorga-

das pela Sagrada Comunháo. Todayia as aparéncias do pao e do vinho assumem essa nova significagáo e essa nova fina lidade, porque se efetuou previamente a transubstanciagáo (cf ene. de Paulo VI 'Mysterium fidei', A.A.S. LVH [1965], p. 766; 'Schreiben der deutschen Bischofe an alie, die von der Kirche mit der Glaubensverkündigung beauftragt sind', n' 43-47).

7. Cora referencia á infalibilidade da Igreja e a pofcsibilidadc de conhecer os misterios revelados. — A Comissáo _ 910 —

O «N6V10 CATECISMO» HOLANDÉS

31

pediu que o 'Catecismo' declare que a infalibilidade da Igreja assegura a esta nao sómente um reto procedimento em urna procura continua, mas também a veracidade para que a Igreja conserve a doutrina da fé e a explique sempre no mesmo sentido (cf. Conc. do Vaticano I, Const. TDei Filius', c. 4, e

Conc. do Vaticano n, Const. T)ei Verbum', c. 2). 'A fé nao é apenas procura, mas é principalmente certeza' (Paulo VI, alocucáo ao Sínodo dos Bispos, A.A.S. LIX [1967], p. 966). O 'Catecismo' deve evitar tudo que poderia induzir os leitores a pensar que a inteligencia humana se detém apenas sobre as expressóes verbais ou conceituais do misterio revelado. É preciso, ao contrario, usar linguagem tal que faga compreender que a inteligencia humana, por meio dos seus conceitos, pode significar e atingir os misterios revelados 'como que em espélho e de maneira confusa e imperfeita', segundo diz Sao Paulo (1 Cor 13,12).

8. A respeito do, sacerdocio ministerial ou hierárquioo e sobre o poder de ensinar e governar na Igreja. — É preciso cuidar de que nao pareca diminuida a grandeza do sacerdocio ministerial, o qual, no modo de participar do sacerdocio de Cristo, difere do sacerdocio comum dos fiéis, nao sómente por urna diferenqa de grau, mas por urna diferenga essencial (cf. Conc. do Vaticano II, Const 'Lumen Gentium' n9 10: 'Instrugáo sobre o culto do misterio eucarístico', A.A.S. LIX [1967]

n* 11, p. 548).

Ao descrever o ministerio dos sacerdotes, trate-se de apresentar mais claramente a mediacáo entre Deus e os hornens que éles exercem, nao sómente pregando a palavra de Deus, formando a comunidade crista, administrando os sacramentos, mas também, e principalmente, oferecendo o

sacrificio eucarístico em nome de toda a Igreja (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Lumen Gentium' n" 28, e Decreto 'Presbyterorum Ordinis' n? 2 e 13).

Além disto,

parece necessário que

o

'Novo

Catecismo'

reconheca claramente que na Igreja o poder de ensinar e governar é conferido diretamente ao Sumo Pontífice e aos Bispos que lhe estáo unidos em comunháo hierárquica, e nao primeiramente ao Povo de Deus como intermediario. Em conseqüéncia, a missáo dos Bispos nao depende de um mandato a éles comunicado pelo Povo de Deus, mas de um mandato que Deus mesmo comunica para o bem de toda a comunidade dos fiéis.

No 'Novo Catecismo' deve aparecer melhor que o Sumo Pontífice e os Bispos, na sua tarefa de ensinar, nao se limi— 211 —

32

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 3

tam a recolher e sancionar o que toda a comunidade dos

fiéis eré. Na verdade, o Povo de Deus é movido e sustentado pelo Espirito de Verdade, de modo que dé sua adesáo firme a Palavra de Deus sob a guia do magisterio, a quem compete

auténticamente conservar, explicar e defender o depósito da fé. Destarte realiza-se admirável convergencia entre os Bispos e os fiéis quando penetram com a inteligencia a fé recebida, quando a professam com palavras e quando a manifestam

com suas obras (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Dei Verbum', n' 10). A Sagrada Tradicáo c a Sagrada Escritura — que constituem um único sagrado depósito da Palavra de Deus — e o magisterio da Igreja sao realidades táo ligadas entre si que nao podem subsistir separadamente urna da outra (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Dei Verbum', n" 10). Por fim, o poder pelo qual o Sumo Pontífice governa a Igreja, deve ser apresentado como poder pleno, supremo e

universal, que o Pastor de toda a Igreja pode sempre exercer livremente (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Lumen Gentium' n" 22).

9.

A propósito de alguns temas de teología dogmática.

— É preciso fálar mais adequadamente da Santissima Trindade de pessoas em Deus, Trindade que os cristáos contemplam devidamento com os olhos da fe c amam filialmente, nao apenas enquanto se manifesta nos acontecimentos da his

toria da salvacáo, mas também tal como ela desde toda a eternidade é em sua vida intima; é essa vida íntima de Deus que esperamos um dia contemplar. É necessário, em alguns casos, falar da eficacia dos sa cramentos com maior exatidáo

Faz-se mister evitar que o 'Catecismo' parega dizer que os milagres só podem ser realizados por Deus na medida em que nao se afastem do curso dos efeitos que as fórcas do mundo criado produzem. Por fim, é preciso tratar claramente da sorte das almas dos justos falecidos. Depois de ter sido convenientemente purificadas, gozam da visáo direta de Deus, enquanto a Igreja peregrina ainda espera a vinda gloriosa do Senhor e a ressurreicáo final (cf. Conc. do Vaticano II, Const. 'Lumen Gentium' n* 49 e 51). 10. No tocante a alguns temas de teología moral. — O texto do 'Catecismo' deve evitar qualquer ambigUidade a respeito da existencia de leis moráis que o homem pode reconhecer e exprimir de modo tal que sua consciéncia esteja

— 212 —

O «NOVO CATECISMO» HOLANDAS

33

vinculada sempre e em todas as circunstancias. Evitem-se as solugóes de casos de consciéncia que nao levem na devida conta a indissolubilidade do matrimonio. No 'Novo Catecismo', com razáo dá-se grande importancia á atitude interior e pro funda da pessoa no setor moral; é preciso, porém, que nao se atribua a essa atitude interior urna demasiada independen cia em relaqáo aos atos externos da pessoa 1. As considera-

cóes referentes á Moral conjugal sejam mais fiéis á doutrina do Concilio do Vaticano II e da Sé Apostólica.

Estas observacóes, embora nao sejam poucas nem de pequeña importancia, deixam intata a mor parte do 'Novo Catecismo' com o seu louvável caráter pastoral, litúrgico e bíblico. Elas nao se opóem ao intento, digno de elogio, dos autores do 'Catecismo', que procuraram propor a eterna Boa-Nova de Cristo em termos adaptados ao modo de pensar dos homens de nossos tempos. Os grandes predicados que caracterizam a obra, requerem que esta reproduza sempre a doutrina da Igreja sem sombra alguma. Card. José Frings Card. José Lelebvre Card. Lourengo Jaeger

Card. Hermenegildo Florit Card

Miguel Brovvne

Card. Carlos Journet

15 de outubro de 1968 Pedro Palazzini, Secretario».

2.

Reflexoes fináis

Como se vé, a Comissáo Cardinalícia reconhece os valores do «Novo Catecismo». Todavía nao pode deixar de apontar

nao poucas falhas e lacunas que tornam o livro um espélho, as vézes, pouco fiel da fé católica, chegando a lhe conferir cá ou lá um matiz de protestantismo.

i Isto é: nao se faca pouco caso do comportamento exterior das pessoas. Leve-se em conta que atitudes interiores e atos exteriores estáo Intimamente relacionados entre si. A consciéncia moral preceitua nao sómente atos interiores, mas também comportamentos exteriores.

— 213 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 4

É neeessario que os teólogos reproduzam a fé católica em

termos acessiveis ao homem moderno. Também é compreensivel que éste empreendimento nao esteja perfeito em sua primeira tentativa, máxime quando esta é efetuada por teó logos de urna só nacionalidade. Pergunta-se entáo : por que nao aceitar as emendas propostas pelos teólogos da Santa Sé, principalmente quando esta se empenha com a autoridade do magisterio da Igreja? O pronunciamento da Comissáo Cardinalícia constituida pela Santa Sé tem toda a autoridade desojável para que um fiel católico o acate sem titubear.

Leve-se em conta que a fé nao é crragáo dos homens;

ela nos foi revelada por Jesús Cristo e confiada a Pedro e seus sucessores. Disse Jesús a Pedro: «Roguei por ti, para que tua fé nao desfaleca. E tu, urna vez convertido, confirma teus irmáos» (Le 22,32). Por conseguinte, visto que o Sumo

Pontífice

pede

sejam

reformulados

certos ítens

do

«Novo

Catecismo», o fiel católico nao pode em sá consciéncia reger-se por ésse livro nao corrigido, como ele acaba de ser publicado no Brasil. O «Novo Catecismo Holandés», em edicáo brasileira pode servir aos estudiosos, para que estejam a par do movimento teológico e catequético de nossos dias, mas nao é apto a ser manual de cursos de Religiáo. Para agradar a

Deus, nao basta ter urna fé qualqucr (por mais bem apresentada que seja), mas é preciso ter a fé que Deus mesmo revelou e que Ele continua a manter viva e intata através do magisterio da Santa Igreja. Deus, Cristo e Igreja sao inseparáveis entre si, de modo que quem contradiz aos pronunciamentos oficiáis désse magisterio da Igreja, se distancia de certo modo do próprio Cristo. Nao «formemos» cristáos defor mados, cristáos cuja fe seja inspirada por teólogos mais do

que por Jesús Cristo o sua S. Igreja !

IV. 4)

HISTORIA

DO

CRISTIANISMO

«A morte de Tomás Merton suscitou comentarios no

mundo inteiro.

Quem foi ésse escritor e que papel lhe coubc em nossos

tempos?»

Resumo da resposta: Nascido na Franca, filho de pai neo-zelandés e mae norte-americana, Tomás Merton teve urna juventude aciden tada : carecendo de formacao religiosa, procurou ávidamente o

TOMÁS MERTON

35

sentido da vida. Quando já se inclinava para o Catolicismo, caiu no marxismo, durante a viagem que fazia para os E.U.A. Aos poucos, foi-se firmando nos principios cristáos mediante boas leituras. Depois de muito Iutar interiormente, converteu-se ao Catolicismo em 1938, com 23 anos de idade em Nova lorque. Desejou consagrar-se a Deus

na vida eremítica (solitaria), mas, já que só o poderia fazer na Europa (de difícil acesso durante a guerra), resolveu entrar no Mosteiro trapista de Gethsemani (U.S.A.) em 1941. Ordenado em 1949, foi, pouco depois, nomeado mestre de monges estudantes na Abadía, cargo que exerceu até 1960, quando pediu licenca para abra

car a vida eremítica na Ordem Trapista. A partir de 1961, habitava um eremitério ñas dependencias de Gethsemani, onde se entregava á oracüo, ao estudo, á redacto de livros e ao trabalho manual. Em 1968, foi a Asia, convidado para participar de um encontró de monges na Tailandia; morreu durante ésse Congresso, eletrocutado (como se supfie), justamente no dia em que proferirá interessante conferencia sobre «Marxismo e Monaquisino».

Sao muito numerosas as obras de Merton em prosa e poesía, abordando temas ascétíoo-misticos, filosóficos e sociológicos de nossos dias. O significado de Tomás Merton nos tempos atuais é extraordi nario; em pleno sáculo de agitacáo, deu válido testemunho de quanto o homem pode sofrer por ignorar a Deus e depositar esperanca ape nas nos bens temponais. Merton descobriu o Bem Infinito após ter batido em diversissimas portas, e proclamou ao mundo a ¡mensa felicidade que dai lhe adveio. O eco que essa mensagem suscitou no mundo inteiro. atesta que a experiencia do grande convertido é

auténtica: o mundo, apesar de seu aparente materialismo, tcm sede de Deus. de sorte que o exemplo de quem vive integralmente para o Senhor embara longe do mundo, desparta ecos profundos nos homens

retos (cristáos e nao cristáos).

X

Resposta:

Faleceu aos 10/XII/68 em Bangkok

(Tailan

dia) o monge trapista Tomás Merton (em Reíigiáo. Father

Louis), encerrando, ainda relativamente iovem (53 anos), urna vida rica do perertrinarróes e experiencias. Tomás Merton possuia uma personalidade rara em nossos dias, personalidade que constituí verdadeira mensagem para os homens contem poráneos.

Abaixo percorreremos sintéticamente as etapas da vida de Tomás Merlon; após o que, tentaremos refletir sobre a sua figura.

1.

Currículo de vida

Tomás Merton nasceu em Prades, no SO da Franca, aos 31 de Janeiro de 1915. Seu pai era natural da Nova Zelandia, oriundo de familia inglesa; dedicava-se talentosamente á pin tura e 'á música, o que despertou na crianga o sens:o da arte

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 4

e da estética Professava a religiáo anglicana; tinha fé, mas nao freqüentava a igreja. A genitora de «Tom» era norte-americana; estudava pintura em París, quando conheceu seu futuro esposo; pertencia á seita protestante dos Quakers. Merton escreveu a respeito de seus genitores: «Meu pai e minha máe estavam no mundo, mas nao eram do mundo, nao porque íóssem santos, mas porque eram artistas, como Cézanne». Segundo Tomás Merton. a arte eleva o homem ácima do mundo, mas nao o liberta de si mesmo.

Batizado no anglicanismo, Tomás ná'o recebeu de seus pais a mínima instruqáo religiosa; preocupavam-se apenas com a retidáo humana e a lealdade de caráter de seu filho;

a genitora queria que o mesmo fósse original, independente,

alheio a todo rebanho. Tomás perdeu-a quando tinha seis anos de idade. Um ano depois de nascido, Tom foi levado por seus pais para os Estados Unidos da América, onde nesidiam os avós maternos do menino; a familia dcsejava escapar ao clima europcu, que a guerra tornava cada vez mais pesado. Aos cinco anos, Tom aprendeu o «Pai-Nosso» por zélo de sua avó paterna, recém-chegada da Nova Zelandia.

O avó materno de Tom, sendo magon, incutia ao menino

o odio do Catolicismo; alias, aos nove anos de idade, a crianca era hostil a toda idéia de religiáo. Depois de ter estado ñas ilhas Bermudas, em 1925 Tom voltou com seu irmáo mais jovem John Paúl para a Franca, onde continuou os estudos iniciados na América do Norte. A fim de nutrir seu espi

rito sequioso e desorientado, lia com prazer os altos feitos dos heróis da Grecia antiga.

Em 1928, o pai de Tom resolveu ir morar na Inglaterra, onde o menino tinha urna tia, que Ihe poderia prestar os cuidados maternos. O jovem continuou a freqüentar a escola, mostrando propensáo crescente para as letras, as artes e a filosofía. Ñas ferias escolares de 1933, o estudante Tomás Merton foi h Italia atraído principalmente pelas obras de arte daquele pais. As

igrejas de Roma, com suas pinturas e suas reminiscencias dos tempos dos mártires, o impressionaram profundamente, levando-p a ler o Novo Testamento. Certo día, quando passeava no monte Aventino, sentiu-se vivamente interessado pela igreja de Santa Sabina; entrou nela e — feito inédito em sua vida — tomou agua benta, dirigiu-se

decididamente para o altar-mor, diante do qual se ajoelhou; recitou entáo lentamente, e com toda a atencao de que era capaz, o «Pai-Nosso». Saiu da igreja com a impressáo de que nascera de novo; urna

TOMAS MERTON

37

paz profunda inundava-lhe o ooragao; pela primeira vez pensava em mudar de vida e encaminhar-se para Deus. Alguns d!.as mais tarde, sentiu novo impulso para o Criador, quando visita va a igreja dos trapistas de «Tre Fontane» em Roma ; urna vaga e fugitiva idéia passou-lhe pela mente: «Teria prazer em tornar-me trapista».

Terminadas as ferias, Merton cao cheio de nostalgia. De volta á Universidade de Cambridge, onde «Divina Comedia» de Dante. Em

deixou Roma com o coraInglaterra, inscreveu-se na passou a ler e admirar a 1934, transferiu-se definiti

vamente para os Estados Unidos da América, influenciado por seu padrinho. A travessia oceánica foi para Merton ocasiáo de brusca mudanca de mente: tornou-se comunista, embora nao soubesse muito exatamente os «porqués de sua nova atitude; os filmes russos e a arte russa o atraiam; além do que, certos amigos o influenciavam nesse sentido. Matriculou-se

entáo na Universidade de Colúmbia em Nova Iorque, a qual tinha fama de ser um reduto do marxismo nos Estados

Unidos. Como quer que seja, o estudante procurava sequiosamente r> sentido da vida, experimentando dolorosa lacuna no ateísmo. Enquianto preparava a tese para obter o diploma em filosofía,

Merton tomou conhecimento de alguns livros, que o incitaram a novas

reflexóes, desta vez segundo orientacáo crista. Tal foi, entre outras, a obra de Étienne Gilson «L'esprit de la philosophie médiévale», que lhe inspirou profundo respeito pelo pensamento e a fé católica. Compreendeu entáo, com profunda aatisfacáo, que «Deus é o próprio Ser. Deus existe por si sem outra causa senáo a da sua própria natureza, que consiste em existir».

Tendo aceito essa exata e básica nogáo de Deus, Tomás Merton foi mais e mais iluminado pela graca de Deus. Com avidez pós-se a 1er mais e mais livros, á procura de pao

substancioso: tinha consciéncia crescente de que o homem precisa de fé e de que o puro racionalismo é de todo incon sistente. Um belo dia, encontrou um monge hindú, Bramachari, que lhe sugeriu a leitura das «Confissóes» de S. Agostinho e da «Imitacáo

de Cristo» de Tomás de Kempis... Pouco depois, Merton estudou a obra «Art et Science» de Jacques Maritain, a qual lhe esclareceu novas dúvidas que lhe pairavam na mente.

Essas diversas leituras suscitaram no jovem a idéia de ir procurar um sacerdote católico, com quem abriría a alma. Assim em 1938 já estavam sólidamente langados os funda mentos da conversáo de Merton; de ateu que era, tornara-se — 217 —

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 4

crente e aspirava a consagrar toda a sua vida a Deus. Todavía a caminhada espiritual nao estava concluida: Merton sentía ainda os atrativos dos sentidos e da carne. A luta era grande em sua alma; prevalecía, porém, aos poucos o melhor pro pósito.

Finalmente a leitura de Gerard Manley Hopkins, o poeta protestante que se tornou jesuíta, parece ter sido decisiva. Urna vozlhe subiu á mente: «Que esperas? Por que ainda hesitas?» Saiu entáo de casa, debaixo de chuva, e, movido por fórca irresistível, foi procurar o P. Ford, cura da paróquia onde morava em Nova Iorque; avistando-o, disse-lhe: «Padre, désejo tornar-me católico!»

Depois dos últimos preparativos catequéticos, foi escolhida a data de 16 de novembro de 1938 para a iniciacáo de Merton: nesse día, com 23 anos de idade, o grande convertido recebeu o Batismo sob condi;áo (válido apenas no caso de nao ter sido devidamente batizado no anglicanismo), fez a sua primeira confissáo e participou da S. Eucaristía, com imensa alegría e profunda consciéncia do dom de Deus. Aos poucos, Merton foi penetrando o significado e o al cance da vocagáo crista. O seu estado de alma nos primeiros meses após a conversan é bem manifestado pelo episodio seguinte, onda se retrata um jovcm choio de nobres aspiragóes, mas ainda inseguro na vida: Certa voz, Merton eaminhava pela 6* Avenida do Nova Iorque com seu amigo Lax, jovcm judou choio do idoal religioso, quandn Lax lhe perguntou:

«Afinal, que queres fazer ?»

«Eu nao podia responder (observa Tomás Merton). Quero ser Tomás Merton, o famoso autor de todas as criticaa de livros do 'Times Book Revievv',

ou Tomás Merton. proíessor adjunto

de

inglés? Por

isto, colocando a questáo no plano espiritual, que eu sabia ser o de

Lax, respondí:

Nao sei; sem dúvida. quero ser um bom católico. — Que entendos por isso?»

Comenta Merton: «Minha pobre explieacüo exprimía a minha confusáo e revelou quáo pouco eu pensava nessas coisas; Lax a rejeitou».

— «O que deverias dizer, é que tu queres tornar-te um santo!» «Um santo! Isto rae pareceu um pouco estranho», observa Merton.

«Repliquei: 'Como queres que me torne santo?'

— «Querendo tornar-te santo», disse simplesmente Lax.

— «Nao o posso, nao o posso». E reflete Merton: «Meu espirito se obscureceu por urna mistura de realidades e quimeras: a conscl-

— 218 —

TOMAS MERTON

39

éncia de meus pecados, a falsa humildade que leva os homens a dizer que sao incapazes de fazer o que devem fazer, que nao se podem

elevar aonde se devem elevar; a covardia que se contenta com salvar a sua alma, evitar o pecado mortal, sem renunciar a seus pecados e apegos».

Lax continuou: «Para ser santo, basta queré-lo. Se consentes em deixar Deus agir, julgas que Deus nao permitirá que te tornes aquilo para que fóste criado? Basta que tu o queiras».

Depois que Lax se foi. observa Merton, reíleti e compreendi, também eu. No dia seguinte, disse eu .a Mark van Doren:

«Lax pretende que basta, para ser santo, querer ser santo". «Sem dúvida», respondeu Mark. E conclui Merton: «Eram ambos mais cristáos do que eu. Que fazia eu entao? Por que era ainda táo lento, tao confuso, tao hesi tante e táo inseguro no caminho a seguir?»

Tomás Merton percebia cada vez melhor que era cha mado a consagrar-se totalmente a Deus. Todavia hesitou muito sobre a maneira como o faria; a vida franciscana o atraía. Decidiu-se, porém, pela vida solitaria e contemplativa, que ele désejaría realizar numa Cartuxa; contudo, já que nao

havia Cartuxas nos E.U.A.

e a guerra Ihe dificultava a

viagem para a Europa, resolveu escolher a Abadia Trapista de Nossa Senhora de Gethsemani (Kentucky, U.S.A.); os trapistas lovnni vida austera, dedicada a orac-fvo. ao trabalho manual e ao cstudo. Tendo entrado em Gethsemani aos 10/XII/1941, Merton fez sua profissáo religiosa aos 19/111/1944 com o nome de «Fr. Louis», e foi ordenado sacerdote na festa da Ascensño de 1949 (26/V).

Em 1951, foi nomeado Mestre dos estudantes trapistas que se preparavam para o sacerdocio na Abadia de Gethsemani.

Exerceu ésse cargo até 1960, quando pediu demissáo para poder levar vida eremítica, o q\is sempre almejara desde que entrara no Mosteiro. Sendo o désejo de Merton algo de extra

ordinario entre os trapistas, foi submetido á consideragáo do Capitulo Geral, que houve por bem conceder a Fr. Louis a permissño para levar vida semi-eremítica. Conseqüentemente, desde 1961 Merton habitava um pequeño eremitorio («Hermitage») nos bosques de Gethsemani a cerca de 4 km do Mos teiro: levantava-se as 2 h 30 min da madrugada; preparava e tomava um pouco de café; a seguir, entregava-se á leitura e á oracáo até as 10 h 30 min, quando saía da ermida para ir celebrar na cripta da igreja da Abadia. Alm.oc.ava com os monges no refeitório comura; depois voltava á sua solidáo, onde se consagrava ao estudo, á meditagáo e ao trabalho manual; os bosques e a natureza o deleitavam profundamente,

— 219 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 4

inspirando-lhe o espirito poético e contemplativo. A partir de 1966, passou a viver inteiramente no eremitorio; todavía sempre recebeu visitantes provenientes do mundo inteiro e pertencentes a credos diversos.

Em 1968, tendo sido eleito em Gethsemani um novo Abade, o P. Louis recebeu licenga para ir á Asia, atendendo a um convite do Abade Primaz da Ordem de S. Bento para participar de um encontró de monges católicos (beneditinos e trapistas). Havia anos que Merlon estudava as antigás religióes da Asia, especialmente o Zen-budismo (entre outras coisas, Merton julgava que a tese budista da náo-violéncia, difundida no Ocidente, seria benéfica para a causa da paz). Por isto esperaya visitar mosteiros católicos e náo-católicos da India, da Tailandia, de Hong-Kong, da Coréia e do Japáo; o contemplativo de Gethsemani desejava observar as escolas de ascetas e orantes do Oriente.

O referido encontró teve inicio na

segunda-feira 9 de

dezembro na sala de conferencias da Cruz Vermelha da Tai landia, em Suwang Kaniwat, a 30 km de Bangkok. Na terca-feira 9 de manhá, Tomás Merton apresentou á assembléia urna dissertacáo sobre «Monaquismo e Marxismo», após a qual respondeu a dúvidas e questócs que Ihe foram propostas. O conferencista observou que o marxismo e o monaquismo tém em comum «urna atitude de critica radical em relacáo ás estruturas antigás da sociedade»; distanciam-se, porém, um do outro pela maneira de conceber e apregoar a respectiva revolugáo: o marxismo visa transformar o mundo sócio-económico como se tudo dependesse da materia, ao passo que o monaquismo preconiza primeiramente a mudanca do homem interior mediante total conversáo a Deus.

O montee P. Louis se nchnva cntño no auge do sua prohumana e religiosa, desdobrando as riquezas de sua personalidade e beneficiando a urna multidáo de homens e mulheres, eclesiásticos e leigos, católicos e náo-católicos; humanamente falando, estava fadado a desenvolver ainda urna extraordinaria missáo, sem deixar de ser eremita. Todavía a dutividade

Providencia tinha outros designios; na tarde mesma do dia

em que fez sua conferencia na Tailandia, foi encontrado morto em seu quarto, tendo 53 anos de idade

Os pormenores désse falecimento misterioso foram con

signados por seis monges trapistas participantes do Oongresso,

que da Tailandia escreveram urna carta-relatório a D. Flaviano Burne, Abade de Gethsemani, da qual váo aqui extraídos os seguintes trechos:

— 220 —

TOMAS MERTON

41

«Todos nos aqui presentes, cada delegado em particular (e mais algumas centenas daqueles que representamos), estamos profunda mente agradecidos á bondade e á generosidade de V. Patemidade, permitindo ao P. Louis assistir a esta Conferencia. Foi a presenga " déle que nos atraiu e nos chamou; desde o primeiro momento da sua chegada, ele se tornou o centro de todos os acontecimentos. Alguns já o haviam encontrado, mas a maior parte o via pessoalmente, face

a face, pela primeira vez. Ele era conhecido no mundo inteiró por

seus escritos e por sua fama. Agora, porém, que tivemos o privilegio de enoontrá-lo pessoalmente e de conviver com ele durante alguns dias, sabemos exatamente como ele era, de fato, um grande monge.

Ele se tornou caro a ciada um de nos

pela sua simplicidade, sua

abertura para oom todos, sua disponibilidadc e seu desejo de dar tudo que tinha. Ácima de tudo, porém, o que mais nos impressionou, foi o fato de ser ele um verdadeiro monge.

Na manhá de sua morte, ele havia feito urna conferencia, para a qual se havia preparado com muito cuidado. E todos nos estávamos

ansiosos, aguardando

a

conferencia

da

tarde em

que ele

iria res

ponder ás nossas perguntas sobre o assunto de sua conferencia e sobre o monaquisino em geral na época presente. Depois do almóco, o P. Louis retirou-se para seu quarto. A caminho, encontrou-se com um de nos e disse que estava desejoso de repousar, pois na véspera nao tinha descansado por se ver obrigado a organizar um encontró do qual devla também participar.

Pouco depois de ter-se ele retirado par.a o quarto, alguns ouviram um grito, vindo da pequeña casa que ocupava. Depois de alguns instantes, pensaram que fósse imaginacáo e nao deram maior impor tancia.

Á tardo, ele foi encontrado no chao, vestido de pijama. Deitaclo de costas, tinha sobre o peito um ventilador elétrico, que ainda funcionava. Via-se urna grande queimadura, muito profunda, sobre o peito. Estava também ferido, apresentando cortes no peito e no braco direito. A parte de tras da cabega, que repousava no chao, estava sangrando.

Urna das monjas, que tinha conhecimentos médicos, veio depressa para o seu lado, procurando socorré-lo. Era, porém, evidente que já estava morto.

Um módico Thni fisto (:, pagfio) foi chamado, e mais tardo outro médico Thai também comparcccu. É difícil, no entanto, determinar exatamente qual tenha sido a causa da morte. Cré-se que ele tomou um banho de chuveiro e depois teve um colapso cardiaco. Ao cair perto do ventilador, derrubou-o sobre seu peito; oontinuando a funcionar, o aparelho o feriu. — Outra hipótese é que, estando Merton descalco sobre as lajes do chao, possa ter recebido um choque fatal. Logo depois da investigacáo da policía, pedimos licenca para ves

tir o seu corpo com o hábito monástico completo: escapulario e capuz. Esta permissáo foi prontamente concedida.

O corpo foi lavado e. em seguida, vestido e colocado sobre o leito. Comeoou entáo urna vigilia ininte.rrupta ao lado do seu corpo. Comecamos pela .recitaeño lenta do rosario e, em seguida, do Salterio inteiro, até que os Oficiáis do Exército Americano chegaram para levar

— 221 —

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 4

seu corpo. A vigilia, que se iniciou ás seis horas da tarde, durou até 1 h 30 min da manha. Na morte, o rosto do P. Louis tinha expressáo de profunda paz e grande alegría. Era evidente que ele tinha encontrado Aquéle que procurara com tanta diligencian

O corpo de Tomás Merton voltou, por via aérea, para os E.U.A.; as exequias e o sepultamento tiveram lugar na Abadia de Gethsemani na terca-feira 17 de dezembro; a cerimónia teve caráter privado, o que nao impediu que amigos e cola boradores do grande monge participassem do Oficio litúrgico.

2.

Personalidade e mensagem efe Merton

Merton

foi,

por

certo,

urna

personalidade

excepcional-

mente rica: a sua vida pré-cristá lhe proporcionou grande experiencia dos homens e do mundo, através de viagens e contatos numerosos; deu-lhe também a ocasiáo de ler, e ler muito, com grande avidez. Quando Abade, que e místicos romance!).

entrou no Mosteiro, foi sabiamente observado por seu néle deve ter percebido algo de seus talentos lntelectuals
e efetuar alguns trabalhos de redacao: folhetos para divulgar o ideal

trapista, traducóes de livros ou artigos... Pediram-lhe também que escrevesse a biografía de urna monja trapista desconhecida, a qual poderia despertar interésse na juventude ardorosa.

A qualidade déstes primeiros ensaios levou o Abade de Gethsemani a confiar a Fr. Louis ampias tarefas no mesmo setor: prevendo o grande bem que poderia fazer, o Pai espi ritual pediu-lhe publicasse a autobiografía (coisa que entre os trapistas é de todo insólita). O respectivo livro «The seven

Storey Mountain» (A montanha dos sete patamares) teve enorme sucesso, pelo seu estilo simples e seu conteúdo pro fundo; foi difundido num total de mais de 600.000 exemplares.

Tornou-se assim evidente que Fr. Louis se devia dedicar nao sómente á contemplagáo, mas também á publicacáo de suas consideracóes sobre a vida espiritual e a uniáo com Deus.; o público recebia com simpatía e proveito os escritos do monge, obrigando-o de certo modo a continuar a escrever. A correspondencia de Merton era enorme, atingindo o mundo inteiro. O famoso escritor russo Boris Pasternak escreveu-lhe da Rússia, muito antes que seu nome se tornasse conhecido no Ocidente, a fim de comentar um de seus poemas. Entre os correspondentes de

— 222 —

TOMÁS MERTON

43

Merton, assinalam-se Jacques Maritain, James Baldwin. Dorothy Day, o prefeito de Hiroshima.

A produgáo literaria de Merton sobe a um total de vinte e cinco livros em prosa, dez de poesía, numerosos artigos publicados em revistas e copiosa correspondencia. Em todas as suas obras, o escritor manifestou sempre fino senso de «humour» e delicada maneira de refutar teorías erróneas

Pode-se tentar delinear nos seguintes termos o itinerario espiritual de Merton após a sua conversáo, ou seja, após urna vida desorganizada, boémia, sem familia, vida de rapaz amargurado e desiludido: 1) Mergulho absoluto no silencio: «DEUS SÓ!» Logo após sua entrada na Trapa, o jovem monge se entregou totalmente ás obser

vancias

comunitarias

mentó do mundo.

e austeras,

procurando o

máximo

distancia-

2) Após dez anos de vida monástica, já como sacerdote e mestre de jovens monges, Fr. Louis passou a caracterizar-se principal mente pela mansidáo, por profunda compreensáo do próximo, princi palmente quando soíredor; o seu amor contemplativo nao o impedia de querer dar-se ou de compartilhar com os seus semelhantes a ale gría e a paz que Deus comunica. 3) A partir de 1961, os escritos de Merton manifestam que o autor se interessa vivamente por assuntos capitais do mundo contem poráneo; já nao tratam apenas de contemplacáo, mas também, e íreqüentemente, abordam os grandes temas que preocupam a Igreja e a humanidade de nossos días: Vaticano II e atualizacáo da vida católica, cristáos russos, ecumenismo, aproximagüo de todos os homens entre si, espiritualidade budista, racismo Vietnam, guerra,

objecao de consciéncia, bomba atómica e de H, «Beatles»...

Sem deixar a solidáo, ao contrario, vivendo-a mais intensamente. Merton voltou a olhar para o mundo, a fim de oonsiderá-lo com um olhar de fé e grande «com-paixáo». Além do mais, tratou, com erudicao e sabedoria, do pensamento de autores modernos fateus, protes tantes, católicos) como Sartre. Camus, Barth, Robinson, Bonhoeffer, Maritain, Teilhard de Chardin...

Fr. Louis foi assim um grande contemplativo, mas tam bém um notável escritor e destarte um grande benfeitor da humanidade, com a qual procurou compartilhar os ricos dons que Deus lhe concedeu. — De passagem, pode-se notar que Merton nutria grande amor ao Brasil e ao seu povo, amor que transparece através das numerosas cartas que escreveu aos amigos brasileiros.

Merton proclama, ainda hoje, quáo erróneas e vas sao as tentativas de realizar um Cristianismo «secularizado» ou «sem Deus», isto é, um Cristianismo interessado exclusiva— 223 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 5

mente na política e nos interésses temporais da humanidade. O genuino Cristianismo se volta primeira e necesaáriamente

para Deus, a fim de O adorar e louvar; quem faca isto — e

sómente isto — durante toda a sua existencia terrestre, encheu a sua vida; ocupa na Igreja e no mundo urna posicáo plenamente justificada; está sendo, ao mesmo tempo, um irmáo e benfeitor de todos os homens, pois, em última análise, é na oracáo e no contato imediato com Deus que se resolvem todas as grandes batalhas da humanidade. Tomás Merton representa, de maneira eloqüente, o ideal da contemplacáo em pleno sáculo XX; ele lembra a todos os cristáos de hoje o primado da oracáo e da vida interior, sem as quais se torna infrutífera toda acáo apostólica ou política dos dis cípulos de Cristo. O Cristianismo foi e será sempre orante; todo cristáo também deve ser tal. Ao mesmo tempo, a figura de Tomás Merton é testemunho de como a contemplagáo nobilita o homem, elevando-o mais e mais para Deus, sem o alienar, mas, ao contrario, tornando-o mais e mais irmáo de

seus semelhantes.

Realmente, a historia continua a ensinar — e com eloqüéncia crescente — quáo verídicas sao as palavras de S. Agostinho (f 430): «Senhor, Tu nos fizesle para Ti, e inquieto c o nosso eoracáo enquanto nao repousa em Ti!»

5) «Poderia dar breve noticia do encontró de mionges católicos e budistas ocorrido na Tailandia em dezembro de 1968?» Resumo da resposta:

Nao se trata de

um diálogo

sistemático

entre católicos e budistas, mas de encontros formáis e, principalmente, informáis, por ocasiáo de urna reuniáo de setenta monges e monjas

católicas em Bangkok. O Patriarca budista Sankarat visitou oficial mente a assembléia católica no día 9/XII/69. Nos dias seguintes, os monges católicos foram repetidamente entreter-se com os bonzos no Mosteiro budista da regiüo. Quanto ao congresso dos monges cató licos (entre os quais se achava Tomás Merton), teve por objetivo tratar de questóes relativas á incrementagáo do monaquisino na Asia, regiáo que tem características bem diferentes das dos países ociden•tais: «Deverá ha ver eremitas católicos na Asia?... estáveis ou am bulantes (como os monges budistas)? Participarüo os monges da campanha de desenvolvimento humano das populagoes com que vivem na Asia?» Em suma, o encont.ro íoi algo de inédito na historia da Igreja e deixou balango muito positivo.

ENCONTRÓ DE MONGES CATÓLICOS E BUDISTAS

Rcsposta: 1)

45

Eis as grandes linhas do encontró:

A iniciativa

O órgáo promotor désse encontró é o AIM («Auxilio á

Implantagáo Monástica»).

O AIM vem a ser urna comissüo de monges beneditinos presi didos atualmente polo P. de Floris, ex-Abadc de En-calcat (Franga), que visa favorecer a fundagáo e o desenvolvimento de mosteiros beneditinos, cistercienses e trapistas (os quais militam todos sob a Regra de S. Bento). Essa entidade publica um Boletim de ligacáo entre os monges. manda livros, revistas e medicamentos aos mosteiros, conferencistas as comunidades do Terceiro Mundo... AJém do que, organiza nos diversos continentes reunióes de Superiores e represen tantes de mosteiros; em 1965, houve uma dessas em Bouaké (África): em 1967, na cidade de Roma.

2)

A Cosembléia e sua abertura

De 4 a 15 de dezembro de 1968, efetuou-se o primeiro encontró de monges católicos orientáis., cuidadosamente pre parado pelo AIM mediante questionários dirigidos aos respecti vos participantes. A ésse encontró compareceram setenta Superiores (homens e mulheres) de diversos mosteiros da Asia; eram Abades, Abadessas, Priores, Mestres de novigos beneditinos. cistercienses, trapistas, pro venientes do Japáo. da Coréia, de Hong-Kong, de Formosa. das Fili pinas, do Vietnam, da Indonesia, da India — na maioria asiáticos —, aos quais se associavam peritos do Extremo-Oriente e do Ocidente.

Reuniram-se em Sawang Kanvwat, a 30 km de Bangkok (Tai landia). Sob a presidencia de D. Rembert Weakland, Abade Primaz dos Beneditinos, deviam estudar os problemas que se prendem ao incremento do monaquisino católico no Extremo-Oriente, onde os budistas vém levando vida monástica segundo características muito próprias (eremitismo, peregrinagSes constantes...) há mais de dois milenios.

Na segunda-feira 9/XII, ás 9 h da manhá, a semana foi inaugurada pela visita que fez aos monges católicos Somdet Phra Sankarat, o Patriarca supremo dos budistas da Tailan

dia. Entrou acompanhado por um representante do govérno

tailandés e tres outros monges budistas; acolheu-o Monsenhor Jadot, Delegado Apostólico na Tailandia, no Laos, na Malasia e em Singapura. O Abade D. Weakland prestou entáo sua homenagem ao Patriarca budista, assim como a Tailandia e aos seus governantes; a seguir, dois monges católicos ofereceram presentes ao visitante. O Patriarca respondeu com

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 5

alocugáo cordial, em que dizia: «Se todos os homens religiosos pusessem em comum suas atividades em favor da paz, a humanidade inteira experimentaría a unidade e a justiga numa paz geral e duradoura».

Essa visita, discreta e simples, mas muito calorosa, durou cérea de quinze minutos, constituindo algo de inédito na his toria da Tailandia: foi acontecimento de grande importancia, que bem correspondia aos desejos do S. Padre Paulo VI explicitados em telegrama enviado á dita reuniáo. De resto, no decorrer da Semana Monástica registraram-

-se diariamente encontros de monges católicos e hindus no mosteiro budista de Sawang Kaniwat; os religiosos fomeceram uns aos outros informales sobre as respectivas regras, mé todos de ascese (disciplina) e oragáo. Após encerrados os trabalhos da Semana no domingo 15, dois monges católicos foram recebidos no referido mosteiro por vinte e quatro horas 3)

O decorrer da Semana

Cada manhá da rencias; á tarde, seis sembléia, se reuniam a oragáo comunitaria

Semana foi preenchida por duas confe grupos de trabalho, formados pela aspara estudar os temas do día. A rente, se nutria de leituras cristas assim como

de textos náo-cristáos provenientes dos Upanishads do antigo hinduísmo,

dos

escritos

Maharshi, Tagore.. .)

de

mestres modernos

(Ramana

e de Lao-Tsé.

Além das conferencias, muito proveitosos foram os con tatos pessoais dos semanistas entre si. Alguns déles eram

verdadeiros líderes do monaquisino cristáo na Asia:

Tal, por expropio, o mongo católico indiano Ittyavirah. cx-escolástico jesuíta, que, dois anos antes de sua ordenacáo sacerdotal,

dcixou a Companhia de Jesús para se tornar monge itinerante; nos últimos dez anos, tem-se dedicado aos pobres e necessitados ñas estag5es ferroviarias, nos mercados, ñas rúas, nos ambientes operarios e estudantis da India.

Tal é também a Irma Sraddhananda, alema, que durante dezesseis anos foi beneditina em sua térra natal; depois emigrou para o centro da India, onde, há tres anos, vive em mosteiro hindú feminino. seguindo a ascese das monjas locáis, guardando, porém, a fé católica.

Tal é aínda John Moffitt, americano, que durante vinte e cinco anos foi monge hindú; depois converteu-se ao catolicismo, e tornou-se um dos redatores leigos da revista «América» dos jesuítas de Nova Iorque. Tal íoi também Tomás Merton, que notávelmente a assembléia...

durante

dois dias

ilustrou

ENCONTRÓ DE MONGES CATÓLICOS E BUDISTAS

.,4)

47

Os debates

Os debates da semana, além de abordar questóes práticas de adaptagáo, trataram de tres principáis temas: a)

Pode-se ou deve-se estabelecer um eremitismo (vida

monástica a sos) católico na Asia?

— Verificam-se tendencias a isto. nao, parém, idénticas em toda parte: na India, o eremita católico deveria ser itinerante, como sao os monges budistas, que passam a vida inteira a peregrinar ao longo dos rios sagrados do país. Em Ceiláo e na Coréia, seria mais esti mado e compreendido o eremita católico que vivesse no seio mesmo de comunidades. Ao contrario, no Vietnam e ñas Filipinas ainda nao há fundamentos culturáis que despertem o interésse pelo ere mitismo.

b) Como manter o equilibrio entre contemplagáo e acáo, que sempre pareceram antagónicas urna á outra? — Na India, o candidato á vida monástica procura principalmente a contemplacáo; quer encontrar urna casa de oracáo, nao um dispen sario, ncm urna íazenda modelar. Em outras térras asiáticas, porém, os jovens. interessados pela transformacáo social, dáo preferencia á. agao, tida como expressáo da caridade. A propósito calou profunda

mente na assembléla urna observacüo do P. Enomya-Lasalle, jesuíta

do Japüo, especialista em Zen-budismo (cí. «P.R.» 90/1967, pág. 233242): requer-se que a acáo do monge se derive da contemplagáo. Sim. dizia o padre, o monge deve encontrar Deus no mundo e nos irmáos; mas poderá ele .realmente reconhecer Deus no próximo, se nao tiver previamente purificado o coragáo?

c) Por que nao permitir haja monges católicos eom votos temporarios, e nao perpetuos, como os há no budismo? — A idéia nao era própriamente nova na Igreja Católica, mas

parecía particularmente adaptada aos ambientes asiáticos. 5)

Conclusóes

A assembléia de Sawang Kaniwat resolveu fixar os seguintes principios:

a) haja mais elasticidade (liberdade para novas inicia tivas e experiencias) na formagáo dos monges e na redagáo das Constituigóes monásticas;

b)

a tensáo entre agáo e contemplacáo deverá ater-se

aos dois seguintes termos: — o mosteiro há de dar o testemunho da índole escatológica

(transcendental) do Cristianismo;

— 227 —

48

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 113/1969, qu. 5

— todavía as comunidades monásticas fazem parte integrante do quadro humano em que estáo situadas; por isto devem exprimir

sua candade fraterna e contribuir para o desenvolvimento do res

pectivo povo.

Urna das últimas frases de Tomás Merton foi justamente esta:

«E preciso que o monge possa deixar o trabalho para atender ás exigencias próprias da comunidade monástica, como também é mister que o monge saiba interromper a oracáo (explícita) pana exercer a atividade necessaria ao servico dos irmáos».

c)

partilha;

d)

a

pobreza

deve

ser

concebida

como

desapego e

dar-se-á atenqáo especial ao acolhimento de monges

náo-cristáos em mosteiros católicos;

e) criem-se pequeñas comunidades (de trinta membros no máximo) ou pequeños grupos de monges esparsos sob a dependencia de um mosteiro central;

f)

incentive-se o intercambio de informaeóes e auxilios

entre os mosteiros. Para tanto, foi fundada a «Uniáo dos

Superiores monásticos da Asia», cujo presidente eleito é o jovem Abade, alemáo dos beneditinos da Coréia, D. Odo Haas.

Como se vé, a reuniáo de Sawang Kaniwat marcou notável etapa tanto na historia do monaquismo (que tomou mais profunda consciéncia de si nos tempos atuais) como na das relacóes entre cristáos e náo-cristáos (que se contactaran! fraternalmente, burlando qualquer preconceito). Como fonte de informagóes a propósito, pode-se citar «Informations Catholiques Internationales» n' 327, 1/1/1969, pág. 4-6. 25s.

RESENHA DE LIVROS O assunto é Padre, por diversos autores. — Editora Agir, Rio de Janeiro 1968/ 120x185 mm, 182 pp.

O livro ácima é urna coletánea de artigos devidos á pena de esti listas famosos (mais do que teólogos), os quais, em traeos simpáti

cos, evocam o sacerdocio ou a figura de dignos sacerdotes. A vida de

um padre fiel e santo torna de certo modo transparente a presenca e a acao de Deus entre os homens.

O livro apresenta, pois, interessantes páginas de Adonias Filho. Amando Fontes, Cassiano Ricardo, Gustavo Corgáo, Helio Silva Josué Montello, Murilo Meló Filho, Octavio de Faria, Rachel de Queiroz, Walmyr Ayala. Em particular, merecem atenctio:

O perfil do Padre Leonel Franca, trabado por Helio Silva. Entre as linhas marcantes da personalidade do sabio jesuíta, salienta o

autor a seguinte:

«Como indagasse o segrédo da multiplicidade de suas tárelas,

explicou-me humildemente: *O meu dia também tem 24 horas, mas aproveito os cinco minutos...' Os cinco minutos eram essas sobras

de tempo, o intervalo entre duas ocupacoes, o relaxe necessário, todas

essas partículas de tempo perdido para o trabalho. No confessionário, entre dois consulentes. No colegio, entre duas aulas. Na rúa, entre dois destinos. Sempre havia alguma coisa a fiazer que comecava a ser íeita» (pág. 89).

... As páginas de Gustavo Corcáo, que preconizam «padre padre», ou seja, sacerdotes totalmente dedicados ao servico de Deus e das almas, nao contaminados por aspiracSes profanas. Importa também realcar as consideracSes de Murilo Meló Filho, que, de um lado, se esmera por encarecer o sacerdocio e, de outro lado, aponta ^ dolorosa escassez de clero que aflige o Brasil.

Que o exemplo dos sacerdotes mais velhos empolgue os mais jovens, e contribua para suscitar numerosas vocac6es! A Lógica da Fé, por Henri Bouillard. — Editora Herder, Sao Paulo

1968, 140x210 mm, 153 pp.

Esta obra atende a um problema atual, a saber: «Em que consiste prdpriamente a fé?» Há quem julgue Jioje em día que a fé é urna vaga adesao a Deus, sem conteúdo doutrlnal; ou é sentimento reli gioso cujas expressfies podem variar de sáculo para sáculo; ou aínda há quem diga que é a aceitacSo cega do absurdo (um auténtico desa fio á razáo). Ora Bouillard, através de suas páginas, apresenta o

genuino conceito católico: a fé é ato da inteligencia humana (como se eompreende, movida pela vontade e pela graca de Deus); a fé tem um conteúdo doutrinal. Quem eré, aceita verdades reveladas por Deus; e nao as aceita cegamente, mas, sim, porque tais verdades tém a sua credibilidade. isto é, apresentam-se apoiadas em credenciais que a razáo

humana pode averiguar. — Doutro lado, insiste Bouillard no íato de que a íé tem também caráter existenclal; ela tende a mover a perso nalidade táda para Deus.

Muito interessantes sao os capítulos do livro em que o autor expde o conceito de fé professado por pensadores protestantes antiintelectualistas. No sáculo passado Kierkegaard, por exemplo, em seu estilo pregnante, sugería que a fé é algo de irracional, algo cuja cer teza se opee as certezas da inteligencia. Karl Barth (tl968)' julgava que «urna linha de morte» separa Deus e o homem, de modo que a

razáo humana nao pode atingir a Deus; é só mediante Jesús Cristo e o Evangelho que eonheeemos Deus. Bultmann, apregoando a demi-

tizacáo da fé, tira-lhe todo conteúdo Intelectual e objetivo.

O livro de Bouillard oferece ótimas sínteses do pensamento de filósofos e teólogos modernos; muito se recomenda a quem se queira aprofundar em filosofía religiosa.

D. Estévao Bettencourt O.S.B.

NO

PRÓXIMO

NÚMERO :

Marcuse e o «Homem unidimensional» Novo

Cc-ei'.srrs

Hc:sr.¿és -.

<'Goiileu Galilei»

cc-er.'ó'';s

no teatro

«O diabo celebra a Mis3a»

«PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS»

porte comum

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17,00

porte aéreo

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22,00

Número avulso de qualquor mes e ano

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1,50

Número especial de abril de 1968

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3,00

Volumes encadernados: 1957 a 1963 (prego unitario) ..

NCr$

10,00

Volumes encadernados: 1964 e 1967 (prego unitario» ..

NCr3

15,00

índice Gerai de 1957 a 1964

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7,00

Índice de 1967

NCr$

1,00

Encíclica «Populorum Frogressio»

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Encíclica «Humanae Vitae» (Regulacáo da Natalidade)

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Avisamos aós nossos leitores que se encontra á disposicao o índice de «P.R.» 1968. Preco: NCr$ 1,00. EDITORA BETTENCOURT LTDA. BEDA^AO

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