Ano X - No. 114 - Junho De 1969

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Projeto

PERGUNTE

E RESPONDEREMOS ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESENTTAQÁO

DAEDigÁOON-LINE Diz Sao Pedro que devemos

estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).

Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé

•'

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e

religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.

um

Eis o que neste site Pergunte e

Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus

abengoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e

c-assamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual Snfeúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte_ e

Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao. A d

Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga

depositada em nosso trabalho. bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

X N« 114

JUNHO 1969

índice Pág.

I.

FILOSOFÍA. E RELJGIÁO

1) "Que é o 'homem unidimensional' de que fala Herbert Marcuse em urna de suas últimas obras ?

Que há de válido e menos válido no penxanunto dense filó

sofo?"

H.

S2g

DOUTRLNA

2) "Poderío, fazer moto análise dos pontos que, segundo o magisterio da Igreja, sao falhos no 'Catecismo Holandés' ? Por que devem ser reformulados ?" m.

S)

MORAL

'"O Diabo celebra a Missa'. — É o que se diz e escreve.

Que pensar a respeito da crine religiosa que atravesnamos ?" IV.

i)

240

252

HISTORIA DO CRISTIANISMO

"A peca 'Galileu Galilei' de Brecht é tida como a pega

do século.

Como julgá-la ? E que dizer do caso de Galileu na historia

da Igreja ?"

RESENHA DE LIVROS

OOM APROVAgAO ECLESIÁSTICA

S(¡1

.?» Capa

PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS » Ano X — N? 114 — Junho de 19ó9

I.

FILOSOFÍA

E

RELIGIÁO

1) «Que é o 'homem unidimensional' de que fala Herbert Marcuse em urna de suas últimas obras?

Que há de válido e menos válido no pensamento désse

filósofo?»

Resumo da resposta: Em sua recente obra «The One-dimensional Man», Herbert Marcuse move acerba crítica á sociedade in dustrial avancada ou tecnológica por julgar que ela escraviza o homem. Exigindo duro trabalho. reprimindo aspiracóes e liberdade rio cidadáo, a civilizacáo moderna torna o homem unidimensional, isto ó, «achatado», subjugado pela gigantesca engrenagem da producao e do consumo. Os produtores de aparelhos eletrodomésticos, carros, vestes modernas, diversSes... criam constantes necessidades no público cliente, obrigando-o pela propaganda a consumir, a fim

de dar expansáo á producto.

Essa escravidáo é particularmente lamentável pelo fato de que o homem moderno nao tem conscléncia da mesma; ao contrario, estima as comodidades que a técnica lhe proporciona e está prestes a defendé-las.

Estas observacfies, segundo Marcuse, valem tanto no mundo capitalista ocidental como no socialista oriental (Marcuse equipara Rússia e E.U.A.

sob éste ponto de vista).

Urna tenue esperanza de sair dessa unidimensionalidade repousa naqueles que ainda nao íoram atingidos pela seducáo da técnica, como os «beatniks», os «hipsters» ou os povos do Terceiro Mundo, as minorías de cor, os parias... Todavía Marcuse acha difícil que tais grupos humanos consigam vencer o atual estado de coisas. Taivez os estudantes e os intelectuais possam ser úteis á sociedade nesta fase de repressáo.

A Jiova sociedade (caso fósse possível obté-la) seria urna socie dade em que o conforto da técnica permanecería, sim; mas seria deixada liberdade aos cidadáos para trabalhar a gósto e para satisíazer, sem controle, aos seus instintos sensuais e sexuais; nao haveria repressáo; o govérno incumbir-se-ia apenas de regrar equitativa mente a distribuigao dos bens. A arte e a estética prev.aleceriam sobre os cálculos frios da razáo.

— 229 —

?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 114/1969, qu. 1

Que dizer? — Marcuse propSe urna utopia. Concebe a felicidade do homem mediante o usufruto dos bens materiais dos quais ele se

tornou escravo; julga que nova distribuigáo de tais bens e nova reestruturagáo da sociedade proporcionariam o verdadeiro bem-estar ao género humano. Nao percebe que, sem renovacao interior, o homem nüo encontrará felicidade na térra, mas continuará sendo unidimen sional. Para sair dessa unidimonsionalidadc, 6 preciso que o homem aceite a dimensáo de Deus, do Cristo da vida eterna, Marcuse tem ao menos o mérito de levantar o problema suscitado pela tecnología, as vézes desumana, de nossos dias.

.

Resposta:

,

w

^

A propósito de Herbert Marcuse já fói publi

cado um artigo em «P.R.» 106/1968, pág. 405-4Í6. Como ai

foi dito, trata-se de um filósofo judeu, nascido na Alemanha e atualmente domiciliado nos E.U.A., onde é professor de Universidade. Tornou-se o grande mentor da contestagáo geral que agitou o mundo estudantil em 1968, principalmente na Franga. O nome de Marcuse foi entáo repetidamente citado pelos periódicos do Ocidente, junto com os de Cohn-Bendit e Dutscke (líderes estudantis). As obras de Marcuse apresentam vocábulos característicos, como «sociedade repressiva, contes tagáo global, reificacáo, unidimensionalidade, integragáo no sistema», etc. Sao escritos de difícil assimilagáo, dadas as suas frases obscuras, inspiradas na. filosofía idealista de Hegel, ñas idéias existencialistas de Heidegger, na psicanálise de Freud, no materialismo dialético de Karl Marx e no catecismo de Mao. Marcuse pretende fundir num só sistema de pensamento doutrinas de fundo principalmente freudiano e marxista; todavia é mais radical do que Marx, de modo a fazer eco a Mao; assim se instituí a trilogía dos M dominante em ambientes

juvenis: Marx, Mao, Marcuse.

Numa palavra, Marcuse aparece hoje em dia como o filó sofo da reyolta e o profeta da violencia contra as estruturas vigentes.

Ñas páginas que se seguem, desenvolveremos os conceitos de Marcuse contidos no seu recente livro «The One-dimensional Man» (Beacon Press, Bostón), traduzido para o francés

em «Éditions de Minuit», 1968. Esta obra constituí urna boa súrtese do pensamento marcusiano, após haver exposto.

— 230 —

que procuraremos julgar

«O HOMEM UNIDIMENSIONAL» DE MARCUSE

1. 1)

3

O Homem Unidimensional

A presente situasáo

Marcuse se volta contra a sociedade contemporánea sob

qualquer de suas modalidades: capitalista ou socialista, oci-

dental oü russo-soviética. Para o cidadáo contemporáneo, a

sociedade moderna, tanto nos E.U.A. como na Rússia, é sempre a mesma, pois a industrializagáo e a tecnología Ihe

dáo as características dominantes, impondo ao homem autén tica escravidáo. Com efeito, a civilizagáo moderna reduz os cidadáos á condigáo de massa que se vé encerrada dentro de

padróes de viver, pensar e agir impostos pelo triunfo da técnica. Sao os poderes económicos e produtivos que susdtam as n&cessidades do homem, a fim de que éste consuma os artefatos da civilizagáo moderna e faca frente ao vertiginoso ritmo de produgáo. Os detentores do poder industrial, desejosos de

fazer escoar as suas mercadorias, colocam-nas cada vez mais

ao alcance de todos, suscitando em todos os cidadáos a aspiragáo a possuir automóvel, televisáo, aparelhos domésticos de gas e de eletricidade, vestes segundo a última moda, mobi

liario cómodo, lazeres (cinema, teatro, excursóes) adaptados aos mais diversos temperamentos.

Em conseqüéncia, o homem de hoje é um homem «acha tado», oprimido ou unidimensional; as suas manifestagóes económicas, políticas, sociais, culturáis, artísticas... sao mar cadas e dominadas pelo poder da técnica. A sociedade indus^ trial avangada é urna sociedade dominadora e totalitaria, em que a pessoa humana é coisificada («reificada», reduzida a «res», coisa, em latim). A liberdade désse homem é ficticia; pois o cidadáo sofre constantemente o jugo da grande engrenagem tecnológica, na qual ele tem de viver para poder sub

sistir. Marcuse fala de urna «confortável, razoável, democrá

tica náo-liberdade», que ele assim explana:

«Esta é a servidáo no estado puro: existir como instrumento, como coisa. E tal modo de existir nao é abolido, ainda que a coisa seja animada e o sujeito escolha o seu alimento material e intelec tual, ... ainda que ele nao tenha consciéncia de ser ooisa. ... coisa graciosa, limpa, capaz de movimento. Doutro lado á medida que a

reifioacáo tende a tomar carátér totalitario, em virtude da sua forma tecnológica, os organizadores e administradores se véem cada vez mais dependentes do aparato que éles organizam e administran!» («The One-dimensional Man», pág. 52).

O dominio que o homem obteve sobre a natureza medi ante o cálculo matemático para explorar as energías da — 231 —

4

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 1

materia, transformou-se em dominio e exploracáo do homem pelo próprio homem. Os homens se tornam urna massa escrava do processo de produgáo que o próprio homem pos em marcha para conseguir a sua felicidade. O bem-estar assim conquistado é precario e ilusorio, pois, para desenvolver a produgáo em seu ritmo cada vez mais intenso, a sociedade impóe a seus membros novas necessidades, freqüentemente falsas ou ficticias, e incómodas repressóes. A técnica, que era meio para determinados fins (o bem-estar do homem e o desenvolvimento de sua liberdade), tornou-se fim, ao qual estáo subordinados os demais fins ou o próprio homem. Quem de algum modo discorda de tal engrenagem social, é tido como neurótico e incapaz, vítima de doenca mental, que a sociedade procura curar aplicando técnicas psicológicas. A própria psicología, nessa ordem de coisas, é reduzida a urna terapia destinada a restaurar nos individuos necessitados urna «normalidade amorfa», um «chato» conformismo, sufocando assim a revolta dos individuos contra as imposicóes de urna sociedade repressiva.

Marcuse chama a atengáo para o fato de que nao sómente a vida material dos individuos é dirigida pela sociedade «de

consumo», mas também a maneira de pensar e agir sofre tal

jugo. Com efeito, os meios de comunicagáo social (imprensa escrita, falada e televisionada) fácilmente criam opinióes nos cidadáos, opinióes que se impóem, constituindo a opiniáo pú blica. Assim idéias políticas, julgamentos literarios, conceituacáo de pessoas, e apreciagáo de acontecimentos sao impostas as massas. Mais aínda: até a expressáo do pensamento, isto é, os conceitos e as palavras da linguagem cotidiana sao des virtuados, esvaziados e truncados para melhor servir a propa

ganda comercial.

Os valores culturáis sao .assim massificados; vém a ser

objeto de producáo industrial e de mercado. A própria filosofía é «achatada» oü tornada unidimensional: os homens, lidando

sempre e apenas com realidades concretas e existentes, evitam

pensar no que nao existe, mas poderia bu deveria existir; a

sua filosofía se torna positivista, presa a fatos consumados ou ao sistema sócio-economico vigente: ninguém contesta a

dvilizacáo em nome da Verdade ou em nome do Ideal, mas

os pensadores se limitam a constatar e descrever os dados positivos existentes.

O homem sempre sofreu algum dominio; outrora regis-

trava-se o dominio do patráo sobre o escravo, ou o do senhor — 232 —

«O HOMEM UNIDIMENSIONAL» DE MARCUSE

feudal sobre o servo da gleba; mais recentemente, verificou-se o dominio do empresario sobre o trabalhador. Hoje, tanto nos países capitalistas como nos socialistas, o dominio com

pete aos que dirigem as fórcas de producá», as usinas e a maquinaria. O dominio se torna cada vez mais anónimo; é exercido pela forma mesma da civilizagáo moderna ou pelo sistema tecnológico, que é inexorável até mesmo em relacáo aos que o movem. Outrora, porém, as dominagóes escraviza-

doras corriam perigo, porque acarretavam humilhacáo e so-

frimento para os seus súditos; ao contrario, o dominio exer cido pela técnica parece definitivo e indestrutível, porque se torna aceito por suas vitimas; é sustentado por elas; os ho mens se integram voluntaria e prazenteiramente na civilizacáo do consumo; como que fascinados ou embriagados por ela,

nao podem querer outra coisa, pois nem sequer tém consciéncia de sua escravidáo.

Note-se, diría ainda Marcuse, como a civilizacáo tecnoló gica agrada. Ela aumenta o bem-estar. As comunicacóes sao rápidas, o vestiario esmerado, o trabalho mais fácil, os lazeres mais estensos. Quem nao quer conservar tais beneficios? Caso venham a ser ameagados, os cidadáos aceitam de bom grado

os sacrificios necessários para defendé-los e, a seguir, para manter, proteger e fortalecer ésse mesmo sistema tecnológico

que domina e deprime os cidadáos. Acontece, porém, que hoje em dia os beneficios da civilizagáo tecnológica oorrem perigo mortal e, talvez, próximo. Com efeito, a técnica criou algo que pode aniquilar tudo: a bomba atómica e os projetéis es paciáis. Em poucos momentos, por ordem de um chefe ma niaco, a destruigáo fatal pode ser desencadeada de modo a se estender a todo o planeta. Os homens só nao vivem em angustia permanente e intolerável, porque váo multiplicando

bombas e projéteis, a fim de que cada qual dos grandes

detentores do poder nuclear tenha médo do outro e receie comegar a guerra. É, portanto, ñas bombas que os homens depositam suas esperancas; vivem em paz ficticia, fundada sobre o médo e a corrida aos armamentos, sem amor fraterno.

Nao haverá entáo perspectiva de dias mais «humanos»?

2)

Quem poderío mudar a presente ordem?

Segundo «The One-dimensional Man», os únicos que poderiam contestar o sistema tecnológico, sao aqueles que ainda lhe estáo á margem, nao integrados por ele, a saber: os — 233 —

6

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 1

«beatniks», os «hipsters», os pacifistas indiferentes á fascinacao da técnica... Todavía Marcuse nao nutre ilusóes a respeito: o protesto de tais pessoas ficaria váo, pois, como diz o filósofo, «dentro da organizagáo terrivelmente eficaz da sociedade opulenta, o poder radical e até a tentativa de formular, articular e exprimir o protesto tomam aspecto de imaturidade infantil e ridicula».

Em outro escrito, «O Fim da Utopia», Marcuse parece ter mais confianga na fungáo estimuladora dos movimentos de estudantes e, em geral, de urna élite de intelectuais, que exerceriam o papel de guias e de provocadores da consciéncia popular.

O filósofo pensa também ñas populagóes minoritarias de cor e nos países subdesenvolvidos do Terceiro Mundo; pensa nos «parias» e «outsiders», ñas nagóes exploradas e perse guidas ... Seu protesto poderia desencadear efeitos válidos na historia do género humano. Principalmente o Terceiro Mundo desperta confianza;

mas,

pergunta Marcuse,

até

que ponto

conseguiráo os povos subdesenvolvidos resistir á sedu^áo de imitar as vantagens aparatosas c os erros da civilizagáo tecno lógica? Mais aínda: ... como poderáo furtar-se ¡a agáo do neocolonialismo? E acrescenta: «Nada prova que a revolta dos subdesenvolvidos terá feliz resultado» («The One-dimen-

sional Man», pág. 278). Qualquer saída revolucionaria poderia ser táo perigosa quanto a própria bomba atómica!

Por conseguinte, o filósofo da contestagáo parece nao ver possibilidades concretas de que em breve a sociedade se liberté do jugo e da repressáo que atualmente a dominam. Oontudo encerra a sua obra sobre «o homem unidimensional» citando o aforismo de W. Benjamín: «É sómente em favor dos desesperados que nos é dada a esperanga»; o que quer dizer: justamente porque estamos desesperados, temos esperanga.

2.

A ordem de coisas ideal

Suponha-se, portante, que um belo dia um grupo ou urna categoría de homens (ou povos) consiga destruir a atual ordem social... Perguntemo-nos entáo: como concebe Marcuse a nova sociedade ou a sociedade ideal? — O filósofo alemáo, de acordó com a formagáo acadé mica de sua patria, adota a distingáo entre «civilizagáo» e «cultura», dando-lhe certo colorido marxista.

— 234 —

«O HOMEM UNIDIMENSIONAL» DE MARCUSE

7

A civflizacáo é inspirada pela razáo ou pelo Logos, que concebe e calcula fríamente üs meios de obter maior produgáo e maior consumo. Baseia-se no trabalho duro e escravizador, no utilitarismo e no pragmatismo, no dominio do homem sobre a natureza e o seu próprio semelhante; gera o odio e a guerra entre os povos. O Eros ou o amor é assim sacrifi

cado (como, alias, o velho pai «Gorila» sacrificava o Eros de seus filhos, submetendo-os á repressáo, conforme o mito de Freud que Marcuse toma como ponto de partida de suas consideragóes; cf. «P.R.» 106/1968, pág. 406s). Tal é o reino da necessidade.

No dia em que se derrubar a civilizagáo imperante, pre coniza Marcuse que se estabelega a cultura. Esta representa as furróes superiores do engenho humano: as artes, a filosofía, a religiá'o, a ciencia pura (nao utilitarista), a contemplacáo pacata e despreocupada. A nova ordem de coisas será inspi rada nao própriamente pelo Logos (razáo), mas, sim, pelo Eros (amor). O trabalho continuará a existir; todavía será libertado do jugo que a tecnología Ihe impóe, para se assemelhar a um jógo; tornar-se-á livre expressáo do sujeito humano.

«Nma genuina civilizacáo humana, a existencia humana será mais jógo do que fadiga, e o homem vivera mais em um estado de liberdade expansiva do que sob as limitares da necessidade» («Eros e Civilizacáo», pág. 207 da traducáo italiana).

A vida da sociedade nova transcorrerá sob v> signo de categorías e manifestagóes de estética, emancipada de necessidades compulsorias; a personalidade humana se realizará

livremente, longe de qualquer coagáo ou repressáo. Tal ordem de coisas será inspirada por Eros (amor), que, segundo Marcuse, nao significa apenas sexualidade, nem simplesmente prazer

sensual,

mas

também

harmonía

do

homem

com

o

mundo que o cerca, e tendencia para a paz. A nova sociedade será simbolizada por Orfeu, ao passo que a civilizacáo tecno lógica atual é representada por Ptjometeu.

Na mitología, Orfeu, filho do rei Eagro. da Trácia, e da musa Caliope, é o maior poeta lendário da Grecia. Recebeu do deus Apolo urna lira de sete cordas as quais acrescentou duas outras cerdas. Com ésse instrumento tocava melodías táo comovedoras que os rios paravam, as rochas o seguiam, as árvores cessavam de fazer ruido,

os animáis ferozes se deixavam domar!

Prometeu era filho do tita Japé e de Climene. Júpiter sempre temeu o poder dessa figura gigantesca. Prometeu criou o primeiro

homem a partir de um bloco de argila misturada com agua; vendo

— 235 —

8

tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 1

que essa sua criatura carecía dos meios de subsistencia, foi ao céu e roubou do sol urna centelha. que ele trouxe para a térra, oíere-

cendo ésse fogo divino (fonte de luz, calor e bem-estar) aos líomens, que entrementes se haviam multiplicado sobre a térra.

Na nova ordem social, julga Marcuse que os homens conservaráo o bem-estar. Ninguém pode (nem poderá) pensar em renunciar as ¡mensas vantagens da técnica. Todavía ha-

verá apenas os beneficios da tecnología, sem a respectiva dominac/áo ou escravizagáo.

A tecnología «humanizadas visará alcanear os seguintes objetivos: «a completa reconstrugáo de metrópoles e cidades, a restauracáo do campo e da vida campestre prejudicados pela industrializacáo repressiva a organizacáo de auténticos servicos públicos, a assísténcia aos enfermos e andaos» («The One-dimensional Man», pág. 233).

Em suma, a técnica deixará de ser arma destinada ao dominio, para provocar a reconciliagáo do homem com o mundo e consigo mesnro. — Marcuse chega a ceder a certo ideal romántico, preconizando a vida no campo em oposigáo a certo urbanismo.

Na nova sociedade, deverá subsistir também alguma forma de autoridade. Esta só se exercerá para melhor regulamentar a distribuigáo dos bens. Terá, porém, certa ingerencia na vida de cada individuo, a fim de deter a exploragáo demográfica do mundo: mediante um sistema de planejamento familiar, fixará o número de homens que poderáo nascer legalmente. Eis, em síntese, o que propóe Marcuse como forma ideal de vida social. O próprio filósofo, alias, dá a entender que

se trata de algo de utópico.

3.

Que cfízer a propósito ?

1. Antes do mais, pode-se reconhecr um aspecto posi tivo no pensamento de Marcuse: a denuncia da alienagáo a que yai sendo submetido o homem moderno, pelo afá de mais e mais produzir ou mais e mais consumir. A análise e a crí

tica que o filósofo alemáo faz da sociedade industrial, visam realmente aspectos pouco lisonjeiros da presente civUizagáo. Cabe a Marcuse, entre outros, o mérito de despertar a cons-

ciénciá contemporánea, adormecida dentro da pesada atmos

fera do bem-estar. O grito de alarme do filósofo nao pode íicar sem ressonáncia, pois o que está em jógo sao os valores mais preciosos do género humano. Alias, certos pensadores, — 236 —

«O HOMEM UNIDIMENSIONAL» DE MARCUSE

9

nos últimos anos, tém chamado a atengáo do público para o perigo que corre o homem moderno, de servir a máquina em vez de se utilizar da máquina. Cf. Fourastié, «As 40.000 horas» e a apreciacáo déste livro em «P.R.» 111/1969, pá ginas 89-101.

2.

Todavía a maneira como Marcuse julga que se re-

solveriam os problemas, é insatisfatória ou deficiente. Com

efeito, a nova sociedade preconizada pelo filósofo se tornaría feliz usufruindo apenas dos mesmos bens materiais de que agora goza; nada de transcendental lhe seria dado. Marcuse eré que urna nova maneira de possuir os valores sensíveis e temporais bastaría para saciar os homens: «As idéias de justica, de liberdade e de humanidade encontram

a sua verdade e a sua boa consciéncia no único terreno em que a poderiam encontrar, isto é, na satisfacáo das necessidades materiais

do homem e na organizacáo racional do reino da coacao» («The One-dimensional Man», pág. 244).

Numa palavra, a meta á qual tende a contestacáo apregoada por Marcuse, é «urna vida humana plenamente saciada pela fruigáo de prazeres sensíveis e pela libertagáo sexual». Nao se vé, porém, como e por que essa nova ordem de

coisas nao coincidiría com a antiga. A condigá
sao limitados), cada qual deveria aceitar restrigóes impostas

pela autoridade e pelo bem comum. Pergunta-se entáo: por que aquilo que antes era motivo de dominacáo, nao mais o será? Por que a aceitagáo do que antes redundava em escravidáo, trará libertagáo para o homem?

Marcuse respondería (alias, como os marxistas) que já nao haverá males sociais porque se terá efetuado urna grande mudanga no coragáo do homem; haverá entáo «um sujeito histórico essencialmente novo» («The One-dimensional Man», pág. 276). Nenhum homem procurará dominar; todo homem sacrificar-se-á de bom grado pelo bem comum. Acontece, porém, que o homem, reduzido aos seus as pectos terrestres, será sempre sujeito as paixóes, ao orgulho,

á ambigáo, á inveja, ao egoísmo e 'á sensualidade. O homem

que nao tenha a crenga em Deus, Pai e Juiz da

humani

dade, ... o homem que nao possua a esperanga em urna vida melhor; em urna palavra, o homem que nao revista o Cristo Jesús, «a nova criatura», ficará sendo sempre «o velho ho mem», nao encontrando liberdade nem paz. — 237 —

10


Muito paradoxalmente, portante, a critica de Marcuse ao

homem unidimensional fica sendo ela mesma unidimensional, achatando o destino do homem num hedonismo (filosofía do

gozo) mesclado de esteticismo! (x) Ora gozo material e arte

sensível sao objetivos mesquinhos demais para o homem, que traz dentro de si a marca e a sede do Infinito. 3.

Qual terá sido a repercussáo das idéias de Marcuse

no plano internacional?

É inegável que os estudantes no mundo inteiro se empol-

garam pela tese da contestagáo total do professor alemáo: os livros «Eros e Civilizagáo», «O homem unidimensional» tornaram-se «best-sellers» em pouco tempo. Os meios de comunicagáo de massa (a imprensa escrita e falada) dos países ocidentais também tém dado certa cobertura ao filósofo da contestagáo.

Todavía o mundo soviético oficial reagiu violentamente

contra Marcuse, embora éste se tenha mostrado cauteloso em

seus juízos sobre a civilizagáo marxista. Foi proibida nos países comunistas a tradugáo das obras do grande contesta dor, tido como revisionista anárquico por negar o dogma da missáo revolucionaria da classe operaría e querer aproxi

mar entre si Marx e Freud. Recentemente, o jornal «Fravda» de Moscou, em estilo incisivo, enumerou Marcuse entre os

lobos que corrompem a juventude estudantil, e que, «utilizan do sacrilegamente o nome de Marx, ... procuram realizar a descomunizacáo do marxismo»; rompem assim a unidade das foreas trabalhadoras. O que os marxistas mais • censuram a Marcuse, é a afirmagáo de que a classe operaría soviética já está integrada no sistema produtor do capitalismo (o marxis mo ter-se-ia tornado um neocapitalismo).

Da sua parte, os psicanalistas repreendem Marcuse por carecer de sólida documentagáo científica. Recusam a metapsicologia de Freud (o mito do Velho Gorila), da qual fez Marcuse o seu ponto de partida filosófico. Fromm acusa o contes tador de nao ter fé tío homem: «a posicáo de Marcuse é um

exemplo de niilismo humano mascarado por radicalismo» (E. Fromm, «The human implications of instinctive 'radicalism'», em «Dissent», Fall 1955, pág. 348).

(i) «O que merece ser questionado (em Marcuse) é o modelo utópico da sociedade nao repressiva que tende... a ser urna Arcadia de estetas» (P. Caparina «Para compreender a Marcuse» em «Cri terio» 27/11/69, pág. 68).

— 238 —

«O HOMEM UNIDIMENSIONAL» DE MARCUSE

11

Sociólogos e economistas, por sua vez, principalmente os da «Monthly Review» de Londres, deploram em Marcuse a insuficiencia das informagóes científicas, a simplificagáo dos dados concretos, a arbitraria interpretacáo dos fatos, o caráter utópico das suas conclusóes.

4.

Conclusao

Em suma, pode-se dizer que Marcuse hoje em dia é um arauto da insatisfacáo que os homens experimentam, quando tomam consciéncia de que mais e mais váo sendo subjugados pela máquina e a técnica. Todavia a solugáo apregoada pelo filósofo da contestacáo é inconsistente ou utópica, porque, unidimensional, nao sai da dimensáo do sensível material. Que a utopia apregoada por Marcuse seja incentivo para que os pensadores cristáos transmitam ao público com a máxima clareza a auténtica resposta!

De resto, tem razáo Osear Wilde quando diz: «Um mapa do mundo que nao inclua a Utopia, nao merece sequer urna vista de olhos, porque omite o único pais para o qual a Humanirtade está sempre voltada> («A alma do homom sob o socialismos).

Ésse único país, nao utópico, mas real, pais que os homens procuram sem saber, quando propóem utopias, é o

Reino de Deus!

Breve bibliografía:

P. Capanr.a, «Para compreender a Marcuse», em «Criterio», Bue nos Aires, 27/11/1969. págs. 63-69. V. Fagone, «I presupposti filosofici della cotestazione globale di H. Marcuse», em «La Civiltá Cattolica», 15/VI/1968, págs. 526-542. Id., «La filosofía a una dimensione in H. Marcuse», ib. 6/VII/1968,

págs. 26-40.

J

Ch. Boyer, «En lisant Marcuses, ed. francesa, 7/II/1969. pág. 5.

Rodriguez-Bustamante, «Sur», julio-agosto 1968.

«H.

em

Marcuse y

— 239 —

«L'Osservatorc

la nueva

Romano»,

izquierda»,

em

12__

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969. qu. 2

II.

DOUTRINA

2) «Foderia fazer urna análise dos pontos que, segundo o magisterio da Igreja, sao falhos no 'Catecismo Holandés'? Por que devem ser reformulados?»

Resumo da resposhi: O presente artigo é um breve comentario de certos pontos doutrinais em que o «Catecismo Holandés» é insu ficiente á luz da teología católica. Dos dez pontos indicados pela ComissSo de Cardeais censores, sSo considerados aqui: a expiácáo de Cristo, o sacrificio da Cruz, o sacrificio eucarístico a presenca real do Senhor na Eucaristía ítransubstanciacao ou transignificacáo?), a ínfalibilidade da Igreja e o conhecimento dos misterios revelados, o sacerdocio ministerial, os poderes de ensinar e governar na Igreja, e alguns outros temas de doutrina... Os demais pontos controvertidos já foram abordados em outros números de «P.R.»

Resposta: Como se depreende de «P.R,.» 113/1969, pá ginas 25-34, dez sao os pontos que a Comissáo de Cardeais, nomeada pelo Papa Paulo VI, exige sejam retocados no «Catecismo Holandés». Désses pontos, já fwram tratados em «P.R.» os seguintes: a)

a existencia dos anjos; cf. «P/R.» 97/1968, pág. 12-18;

b)

a criacáo da

alma

humana;

cf.

«P.R.»

96/1967, págs. 521

e 525;

c) d)

o pecado original; cf. «P.R.» 96/1967. pág. 501-514; a vlrgindade de María; cf. «P.R.» 95/1967, pág. 572-583.

Por conseguinte, ñas páginas que se seguem, seráo abor dados apenas os instantes pontos indicados pela Comissáo Cardinalícia. A sigla CH indicará o «Catecismo Holandés», o qual será citado segundo a paginacáo da edicáo brasileira (por vézes, retocada segundo

a traducao francesa, em vista de maior clareza).

1.

A fun cao expiatoria éa obra de Cristo (ponto 4)

a)

A posifSo do CH

Fomos salvos pelos sofrimentos, a morte e a ressurreigáo

de Cristo, como ensina a Escritura Sagrada. O «Novo Cate— 240 —

aínda o catecismo holandés

13

cismo» o reconhece plenamente; julga, porém, que a maneira de explicar esta verdade deve ser revista em nossos días. Como podem o sofrimento e a morte de alguém salvar os

outros homens? Houve (principalmente na Idade Media), e aínda há, mestres e pregadores que apresentaram (e apresentam) os sofrimentos e a morte de Cristo como satisfaga» ou reparacaio. O Pai do céu — dizem — foi ofendido pelo pe cador; a ordem legal foi perturbada; em oonseqüéncia, um

castigo se abateu sobre Jesús Cristo, representante da humanidade, e essa punigáo ocasionou a restauragáo da ordem

violada.

Ora — replicam os autores do CH — as idéias de satis-

fagáo ou reparagáo tém sabor demasiadamente jurídico ou

legalista. Dáo a entender que as relagóes entre o Pai e os

homens giram em tomo de um direito a restabelecer, e que Deus só pode ser aplacado mediante urna vítima e sangue. Tais nogóes sao antropomórfícas demais para poder despertar

eco na mentalidade moderna; onde fica a imagem do Deus Bom que perdoa gratuitamente?

Por conseguinte, os autores do CH propóem a seguinte tese: o pecado deve ser concebido nao tanto como destruigáo de urna ordem legal, mas própriamente como ofensa pessoal

infligida a Deus Pai. A reparagáo do pecado, portante, foi

obtida nao mediante um castigo, mas através do amor de Jesús, que por nos pediu perdáo ao Pai. — O Pai nao quería derramamento de sangue, mas quería a vida de um homem que fósse bela e santa; Jesús viveu essa vida, servindo ao Pai e aos homens. Se tal vida terminou com a morte violenta, isto se deve á nossa iniqüidade; quem quer amar neste mundo rebelde, defronta-se necesariamente com o odio dos homens. Jesús, porém, nao recuou diante da perspectiva da morte que seus adversarios Ihe infligiram; fez da morte o seu supremo

ato de obediencia. É neste sentido que podemos dizer que Ele reparou por nos e que sua morte foi desejada pelo Pai. b)

A genuino

posicáo católica

Os teólogos da Santa Sé reconheceram que a posigáo holandesa tem certamente o mérito de acentuar o amor de Jesús como instrumento da nossa Redengáo; foi ésse amor obediente ao Pai que levou o Senhor a suportar o sofrimento e a morte por nossos pecados. Todavía nao basta dizer isto

para satisfazer as afirmagóes da S. Escritura. — 241 —

14

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 114/1969, qu. 2

Os teólogos holandeses impugnaram uma teoría da justi-

fícagáo deformada, teoría que tem seus gérmens ñas obras de S. Anselmo de Cantuária (t 1109), mas que nao representa

a teología católica da satisfaga*) de Cristo. É inegávelmente erróneo afirmar que a ira de Deus Pai só se aplacou quando viu correr o sangue de Cristo, ou que o Pai exigiu a morte de Cristo como prego do nosso resgate.

Na verdade, Jesús se fez o segundo Adáo (cf. Rom 5,14);

por conseguinte, tomou sobre si o pecado de Adáo e de todos

os homens, e aceitou a morte como justo salario devido ao

pecado (cf. Gen 2,17 e Rom 6,23). Sendo, porém, santo e inocente (cf. Hebr 7,26), nao ficou sujeito ao imperio da morte, como o primeiro Adáo, mas ressuscitou, apresentando ao mundo uma nova criatura, um novo homem; Jesús recriou

o homem depois de haver destruido o corpo do pecado (cf. Rom

6,6; 7,5; 2 Cor 5,17s),

Destarte amor e justiga de Deus se entrelagaram na obra de nossa salvacáo. Amor, porque Deus nos quis reconciliar consigo, sem que tivéssemos o mínimo direito a isto; amor, também porque Jesús viveu em amor ao Pai e aos homens. Justica, porque Deus nao quis perdoar apenas com uma palavra todo-poderosa, cancelando assim o pecado do mundo, mas quis servir-se da própria natureza humana marcada pelo sofrimento e a morte, a fim de que se tornasse o instrumento de sua salvacáo; a carne que pecou, foi também a carne que reparou, é a carne que hoje reina na gloria do Pai. Jesús, o segundo Adáo, deu-nos a sua morte em troca da morte que o primeiro Adáo nos legou. A morte de Jesús leva á ressurreigáo, ao passo que a morte do primeiro Adáo nao tinha

antídoto. Assim é que justica, de um lado, e amor, do outro lado, se consociam na salvagáo do género humano.

2. a}

O sacrificio da Cruz (ponto 5a)

A posi;áo do CH

Ao conceito de satísfacáo está intimamente associado o

de sacrificio.

O sacrificio é a oferta que alguém faz de si ou de um representante seu a um Ser Supremo, que é assim sumamente reverenciado e homenageado. Em todos os tempos, os homens ofereceram sacrificios á

Divindade; a própria Biblia, no Antigo Testamento, refere os — 242 —

AÍNDA O CATECISMO HOLANDÉS

15

numerosos sacrificios do ritual judaico. Todavia a carnificina, a profusáo e as minucias dos sacrificios dos antígos concorrem para que o homem moderno faga suas reservas a própria idéia de sacrificio. Hoje em dia o estudioso compreende que o

sangue derramado nos antígos ritos tinha valor simbólico. Mas, mesmo. assim, a idéia de que Deus possa precisar do sangue de vítimas nada diz á mentalidade moderna; esta julga que o conceito é demasiado antropomórfico.

É por isto que o CH procura reformular a nogáo do sacrificio de Cristo. — Os autores da obra reconhecem que na Cruz Jesús é oferecido em sacrificio como vitima; afirmam também que a obediencia de Cristo até a morte é o supremo servigo prestado a Deus e aos homens. Todavia, se Jesús se ofereceu em sacrificio, pergunta-se: a quem se ofereceu? — O CH responde que o sangue derra mado por Jesús nao é um dom oferecido por Jesús ao Pai em nosso nome, mas é um dom que Deus faz aos homens: Deus, dando-nos o sangue de Cristo, dá-nos a sua própria vida; faz-nos quase «consanguíneos» seus. — Ora é em torno

destás afirmagóes que se estabelece a discordia entre os teó

logos.

b)

A genuino posic.6t> católica

É verdade que Jesús, sacrificando-se na Cruz, entregou

aos homens o seu sangue, penhor de comunháo com Deus. Mas note-se que o valor redentor da obra de Cristo depende

essencialmente do fato de que Jesús se ofereceu em sacrificio ao Pai pelos pecados dos homens. A idéia de sacrificio (que o CH afirma) inclui sempre a de «oferenda feita a Deus»; esta nao pode ser minimizada em favor da idéia de «dom feito por Deus aos homens»; em caso contrario, contradir-se-ia a Sao Paulo, o qual afirma que Jesús «nos amou e se entregou por nos em oferenda e sacrificio de suave odor ao Pai»

(Ef 5,2).

Veja-se a harmonía da doutrina proposta: derramando o seu sangue na Cruz, Jesús ofereceu ao Criador, em nome do género humano, aquilo que o primeiro homem Lhe recusou: amor e obediencia. Ele tornou-se assim realmente o segundo

Adáo, iniciador de urna linhagem nova. O feito de Jesús pode,

conseqüentemente, ser dito «sacrificio» e, mais precisamente,

«sacrificio propiciatorio», ou seja, sacrificio mediante o qual o Pai se tornou clemente e propicio para com a humanidade. — 243 —

16

iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 2

Tal é, de resto, a doutrina do Concilio de Trento (cf. Den-

zinger-Schonmetzer, «Enchiridion» n* 1743 e 1753).

3. a)

O sacrificio eucarístico (ponto 5b)

A posi$áo do CH

O «Novo Catecismo» reconhece que a Missa constituí sobre os altares a presenga do sacrificio de Cristo, sacrificio que também é refeigáo comunitaria e agáo de gragas. É cor-

reta a afirmacáo: «A celebracáo é toda inteira refeigáo, toda inteira agáo de gracas e toda inteira sacrificio» (CH, pág. 395).

Todavía o CH, ao falar da Missa, póe em primeiro lugar o aspecto de refeigáo comunitaria; afirma, sim, que partici pamos do sacrificio de Cristo pelo fato de comer o seu corpo: «Associamo-nos ao único sacrificio, precisamente quando come mos. Refeigáo e sacrificio nao se acham um ao lado do outro. O sacrificio é uma refeicao; isto quer dizer que o recebemos quando tomamos e comemos.

'Tomai e comei';

com estas

palavnas foi-nos

dado (o sacrificio). O que nos oíerecemos, é oíerecido a nos» (CH,

pág. 395).

b)

A genuino pos¡;áo católica

Talvez á primeira vista parega que nada há a observar aos mencionados dizeres do «Novo Catecismo». Todavía, refletindo um pouco, verificamos que nao sao exatos. Com efeito. A Missa é certamente sacrificio e refeigáo ao mesmo tempo. Mas é sacrificio porque, sob os sinais do pao e do vinho, Jesús se ofereceu ao Pai por nos; e é refeicaov

porque recebemos e comemos a vítima divina oferecida ao Pai. Ora nos participamos do sacrificio de Jesús nao sómente

porque

comemjos

o

seu

corpo,

mas

principalmente

porque

participamos da oferenda que Jesús faz de si ao Pai no mo

mento da consagracáo. Na Missa, o momento da comunháo

é importante, mas aínda mais importante é o da consagracáo. Isto significa que o aspecto «sacrificio» da Missa deve ser

fortemente realcado. Ora tal nao acontece no «Novo Cate cismo». Algumas passagens sao mesmo ambiguas, como se depreende dos seguintes dizeres: — 244 —

aínda o catecismo holandés

17

«O sacrificio já íoi consumado. Prdpriamente Calando, nao ofere-

cemos um sacrificio. Estamos quites de todos os sacrificios. Unimo-nos ao único sacrificio» (CH, pág. 395, o grifo é nosso).

Tais passagens levam a Comissáo Cardinalícia a recordar que «o sacrificio da Cruz se perpetua na Igreja mediante o sacrificio eucaristico. Com efeito, na celebragáo da Eucaristía, Jesús, como Sacerdote principal, se oferece ao Pai por meto da oblagáo e da consagragáo que os sacerdotes realizam, e á qual se associam os fiéis. Tal celebracáo é sacrificio e ceia. A oferta sacrifical tem seu pleno complemento na comunháo, em que a vítima oferecida a Deus é recebida como alimento, a fim de unir a si os fiéis e associar uns aos outros na caridade».

4. a)

Presenta real e conversoo eucarística (ponto 6) A posigáo do CH

O «Novo Catecismo» afirma que Cristo está realmente

presente na S. Eucaristía, rejeitando a idéia de urna presenta

meramente simbólica (cf. págs. 397-99). As dificuldades teo lógicas, porém, comecam quando se trata de explicar como o pao se torna corpo de Cristo e o vinho sangue.

Para tanto, a teología medieval concebeu um termo ainda

hoje em voga: «transubstandagáo». Afirma-se que toda a substancia do pao é transformada (ou melhor: convertida)

na substancia do corpo de Cristo; do pao, ficam apenas os chamados «acidentes» ou «especies» (= aparéncias). O «Ca tecismo Holandés» julga que ésse vocabulario supóe a filosofía de Aristóteles (t 322 a. C), que hoje perdeu sua atualidade; por isto mesmo procura exprimir a mesma verdade numa linha de pensamento mais moderno. O homem contemporáneo, dizem, é pouco sensível á idéia de «substancia = realidade profunda que existe por baixo de todas as aparéncias de um determinado corpo». Em conse-

qüéncia, o «Catecismo» afirma que a esséncia do pao é «ser alimento para o homem». O pao é pao pelo fato de se rela cionar com o homem como alimento; é a relacáo com o homem que dá realidade as coisas, segundo a filosofía existencialista e fenomenológica de nossos dias. Por conseguinte, para exprimir a mudanca efetuada pela consagracáo eucarís tica, devemos dizer que entáo o pao deixa de ser um alimento — 245 —

18

«PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 2

natural para se tornar alimento celestial ou o próprio Cristo; a realidade do pao muda porque na Missa se lhe confere um sentido novo ou um destino novo em relacáio ao homcm. b)

A genuino posicco católica

Os teólogos de Roma observam: a doutrina do «Novo Catecismo» é ambigua, porque dá ocasiáo a que se pense que a eonsagracáo eucarística muda apenas o destino do pao e o

significado que ele tem para nos, nao afetando a realidade íntima do pao. Todo ser tem, sim, urna realidade propina ca

racterística, anterior a qualquer destino; urna pedra em si mesma é sempre pedra, embora possa ter múltiplos destinos; quando se muda o destino de tal pedra, nao se faz que ela deixe de ser pedra.

Bor conseguirte, parece que o modo de falar do CH é

insuficiente. Faz-se mister exprimir claramente a mudanga intima do pao em corpo de Cristo. O pao, na Missa, só muda de destino, de finalidade e de sentido para o homem porque muda de realidade em si mesmo. A palavra clássica «transubstanciacáo» ainda é adequada para exprimir essa mudanga intrínseca; pode ser desligada do contexto da filosofía de Aris

tóteles, para ser entendida como «mudanca da esséncia de urna coisa, müdanca que fica além do que os nossos sentidos e as ciencias naturais percebem». Quem nao queira usar a palavra «transubstanciacáo», recorra a expressáo mais mo derna, mas estritamente equivalente a ela e livre de toda ambigüidade.

A respeito. veja-se o que foi dito sobre «transignificacáo» e «transfinalizacáo» em «P.R.» 89/1967, págs. 206-216.

5.

a)

A ¡nfalibilidade da Igreja e o conhecimento dos misterios revelados (ponto 7) A posicáo do CH

O «Novo Catecismo» ensina que a infalibilidade da Igreja

consiste em que «o Espirito de Deus nao permitirá que a

Igreja erre na sua procura da verdade» (CH, pág. 423). E

continua:

— 94R

AÍNDA O CATECISMO HOLANDÉS

19

«Outrora concebia-se a verdade como urna rocha; se nao fdsse rocha, nao permanecería íiel a si mesma. Nao se levava suficiente mente em corita o fato de que nunca tratamos pura e simplesmente com a verdade, mas sempre com a expressáo da verdade. A mesma verdade deye ser sempre expressa de novos modos e adaptada as novas condigSes, se ela nao quer perder o seu sabor e o seu suco» (CH, pág. 423).

O CH procura assim sublinhar o fato de que a verdade eterna se exprime por fórmulas humanas condicionadas pelas

circunstancias da época em que sao concebidas: na Renascenca

(séc. XVI) falava-se de modo diverso do medieval; em nossos

dias, outras sao as expressóes dos homens. Daí a necessidade de se reverem constantemente as expressóes dos artigos do

Credo. — Alias, é o que desejou o Papa Joáo XXIII, ao abrir o Concilio Ecuménico em 12/X/1962, distinguindo, porém, entre a substancia da doutrina (que deve ficar intata) e o seu ves tiario ou vocabulario (que pode mudar).

b)

A genuína posigco católica

Os dizeres do CH sao oportunos na medida em que lembram a índole histórica e, por isto, relativa da linguagem humana. Todavía sao insuficientes ou ambiguos. Antes do mais, é preciso lembrar que a Igreja nao está

sómente á procura da verdade (em vista do que Ela goza de infalibilidade); mas afirme-se claramente que a Igreja possui a verdade revelada por Jesús Cristo e desfruta de infalibilidade para conservar intato ésse depósito revelado e explicá-lo de maneira auténtica e coerente. O que a Igreja procura, nao é própriamente a verdade religiosa, mas urna mais profunda compreensáo da verdade revelada. Como disse Paulo VI, «a fé nao é sómente urna procura, mas é, antes do

mais, certeza» (alocucáo ao Sínodo dos Bispos, em «A. A. S.» LJV [1967] pág. 966).. . Certeza, isto é, segura e tranquila

posse da verdade.

Em segundo lugar, nota a Comissáo Cardinalícia, o CH deve evitar as expressóes que insinuam que a inteligencia humana nao atinge a verdade, mas apenas as expressóes oráis ou o vocabulario da verdade. Nao há dúvida, a inteligencia atinge os misterios revelados; atinge-os por analogía e imparfeitamente, mas atinge-os realmente; quando dizemos que Deus é Pai, dizemos algo que ilustra fielmente o que Deus é. Por isto é inaceitável a frase do CH: «Nunca tratamos pura e — 247 —

20

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 2

simplesmente com a verdade, mas sempre com a expressáo

da verdade».

6.

O sacerdocio ministerial ou hierárquico (ponto 8a) a)

A posicáo do CH

O «Novo Catecismo», com razáo, dá grande relevo ao sacerdocio universal dos fiéis (conferido pelos sacramentos do Batismo e da Crisma). Todavía parece nao realcar suficiente mente o sacerdocio ministerial (decorrente do sacramento da Ordem). Eis seus pronunciamentos mais característicos: «Existe ura só sacerdocio: o de Jesús Cristo. É désse sacerdocio que participa o povo de Deus. O sacerdocio universal é o que im porta» (CH, pág. 420). «O sacerdocio cristao é, em primeiro lugar, a sacerdotalidade que possuem conjuntamente todos os cristáos» (CH, pág. 403). «Mas todas estas consideracdes (sobre o sacerdocio ministerial) nao relegam para um segundo plano o sacerdocio universal do povo de Deus » (CH, pág. 420).

Como se vé, o CH insiste em antepor o sacerdocio confe rido pelo Batismo e a Crisma ao sacerdocio conferido pelo sacramento da Ordem.

b)

A genuino posicáo católico

Os dizeres do CH nao corresponden! ao pensamento geral da Igreja, ainda recentemente manifestado pelo Concilio do

Vaticano n. Com efeito, (n« 10) afirma: «O sacerdocio comum

a

dos

Constituigáo «Lumen Gentium»

fiéis

e o

sacerdocio

ministerial

ou

hierárquico ordenam-se um para o outro embora se diíerenciem na essencia, e nao apenas em grau pols ambos partlcipam, cada qual a seu modo, do único sacerdocio de Cristo.

A seguir, acrescenta:
aínda o catecismo holandés

21

oracao e na acáo de gracas, dando o testemunho de urna vida santa, praticando a abnegacáo e a caridade ativa».

Com tais palavras, o documento conciliar tenciona incutir

a primazia do sacerdocio ministerial sobre o sacerdocio uni versal; agüele compete «formar e reger o povo sacerdotal», assim como «celebrar a Eucaristia em nome do povo de Deus».

Há, pois, entre Cristo e os fiéis urna mediagáo que é a do

sacerdocio ministerial — mediacáo que é servico, e nao apenas autoridade.

Eis por que a Comissáo Cardinalícia pede sejam evitadas no CH as expressóes que paregam diminuir a excelencia do

sacerdocio ministerial. Pede também que, na descrigáo do ministerio dos presbíteros, se dé énfase nao sámente á pregacáo da palavra de Deus e á formacáo da comunidade crista, mas também, e principalmente, ao fato de que o presbítero oferece o sacrificio eucarístico em nome de toda a Igreja.

7.

Os poderes de ensinar e govemar na Igreja (ponto 8b) a)

A posi$5o do CH

O «Novo Catecismo», com razáo, acentúa que toda auto ridade na Igreja é servico prestado ao poyo de Deus. Todavía algumas de suas expressóes parecem indicar que os poderes de ensinar e govemar sao conferidos ao Papa e aos Bispos por Deus, sim, mas por intermedio da comunidade crista. Assim diz o CH que «o Bispo só recebe sua missáo e seus poderes dentro e em nome de todo o povo de Deus» (CH, pág. 419).

Ensina também que a Igreja universal confia ao Bispo a sua missáo;

por isto. tres Bispos lhe imp&em as máos. e nao um só (cf. CH, pág. 419). Afirma que «o Senhor confiou missáo e poderes ao povo de Deus entregando essa missáo e ésses poderes ñas máos dos Apos tólos» (ib., pág. 420).

Ao falar do Sumo Pontífice, o CH procura satísfazer á psicología do homem moderno, que é pouco propensa a aceitar o vocabulario com que outrora se falava da autoridade: «jurisdicáo, magisterio, govérno, primado, poder...» A respeito do magisterio do Bispo de Roma, diz o «Novo Catecismo»: — 249 —

22

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 2 «O Papa nao pode proclamar senáo o que a Igreja universal eré

Ele delibera com todos os Bispos católicos, principalmente com o

Sínodo dos Bispos, instituido após o último Concilio... Que dizer da le do Papa? Éie é um fiel que, mesmo como Papa, recebe a sua íé da comunidade eclesial, na qual tao grande tarefa lhe foi conliada> (CH, pág. 426).

b)

A genuino posicáo católica

No tocante aos Bispos, é certo que recebem os seus poderes dentro do povo de Deus, nao, porém, em nomo do povo, como se éste lhes conferisse as suas facilidades. É de Cristo que o Bispo recebe diretamente os seus poderes em virtude do sacramento da Ordem.

Por isto também se pode dizer que é a Igreja ou que sao os Apostólos que confiam aos Bispos a sua missáo. Na verdade, os Apostólos transmitirán! aos seus sucessores os poderes recebidos de Cristo, e transmitiram-nos nao como representantes da comunidade crista, mas como pastores da mesma constituidos por Cristo.

«O Papa nao pode proclamar senáo o que a Igreja uni versal eré». — Esta expressáo pode ser entendida corretamente, no sentido de que o Papa, em seu magisterio, exprime sempre o que está contido explícitamente — ou apenas implí citamente — na fé da Igreja. O Papa nao cria novos dogmas, mas também nao repete sempre e obrigatóriamente o que os fiéis professam; ele pode propor á fé do povo de Deus sen-

tengas legítimamente deduzidas

de

artigos

do Credo; pode

também, com a sua autoridade, dirimir urna dúvida ou con

troversia doutrinária oriunda na Igreja. Por conseguinte, o seu magisterio nao se limita a ensinar o que a Igreja inteira já eré explícitamente.

É verdade que o Papa delibera com todos os Bispos ou,

ao menos, com o Sínodo dos Bispos. Isto, porém, nao quer dizer que nao possa deliberar a sos ou que suas decisóes, para ser válidas, devam ser tomadas de comum acordó com todos

os Bispos ou alguns déles. Se assim fósse, negar-se-ia ao Papa o exercício do supremo poder que lhe compete como Vigário de Cristo e Cabega do corpo episcopal.

O Sumo Pontífice goza de poder «pleno, supremo e uni versal», e nao de genérico poder de «dirigir» e de «assinalar o roteiro a ser percorrido», como insinúa o CH: «O Papa é aquéle que dá a direcáo. Ele é como o sinal que indica o caminho» (CH, pág. 426).

aínda o catecismo holandés

23

É verdade que o Papa, á semelhanga de outros fiéis, recebeu a sua fé da comunidade crista, na qual foi introduzido pelo Batismo e a educagáo religiosa. Todavía é preciso notar

que o Papa, como Papa, tem, na comunidade crista, a tarefa de confirmar os seus irmáos na fé, de ser aquéle sobre cuja fé se apoia confiante a fé de toda a Igreja, pois Cristo orou para que a fé de Pedro e de seus sucessores nao desfalecesse

(cf. Le 22, 31s). Por isto o Sumo Pontífice, como Papa, nao recebe da Igreja a fé, mas conserva, confirma e transmite sem erro a toda a Igreja a fé que ele recebeu da S. Escritura, da

Tradigáo e dos Concilios.

8.

Alguns temas de teología dogmática (pontos 9 e 10)

A respeito da SS. Trindade, é para desejar que o CH nao mencione apenas os dados bíblicos, mas leve em conta também as profissóes de fé da Igreja. Os teólogos de Roma receiam que o Novo Catecismo nao dé a ésse misterio o lugar central que lhe compete. No tocante á sorte dos justos falecidos, o «Novo Cate cismo» c mais urna vez ambiguo. Parte do pressuposto de que a Biblia considera sempre o homem como alma e corpo. Julga também que o homem moderno nao consegue conceber urna alma separada do corpo; por isto diz que logo após a morte se inicia a ressurreiQáo dos corpos, ressurreicáo que estará consumada na segunda vinda de Cristo. As almas dos defuntos estáo, portanto, numa «ressurreigáo em marcha» (cf. pág. 545). — Ora tais expressóes nao sao claras; nao se

vé o que seria a «ressurreicáo em marcha». Além do mais, silenciam urna verdade da fé crista, a saber: as almas dos justos falecidos, tendo sido devidamente purificadas de seus

pecados, gozam da visáo de Deus face a face, antes mesmo da ressurreiQáo dos corpos. Quanto aos pontos de moral a exigir emendas no «Novo Cate cismo», sao poucos. Cf. «P.R.» 96/1967, págs. 515-527; 113/1969, pág. 212.

9.

Conclusáo

As modificagoes a ser introduzidas no «Novo Catecismo»

a pedido da Comissáo de Cardeais que o examinou, sao de grande importancia e indispensáveis para garantir a autenti— 251 —

24

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969. qu. 3

cidade e integridade da mensagem evangélica. A atitude da Comissao examinadora nao significa, em absoluto, menosprézo do esfórco prestado pelos autores do CH. Estes tiveram pre

sente a si o homem moderno, com seus problemas, suas dúvidas, seu espirito critico e sagaz, e procuraram falar-lhe urna linguagem viva e concreta, muitas vézes inspirada na Biblia. Compreende-se, porém, que um trabalho désses, difícil como é, se enquadre dentro das observagóes que fazia o Santo Padre Paulo VI em recente alocucáo (4/XIE/68): «O esfórco de adaptacáo da Palavra revelada á compreensáo dos ouvintes... está exposto ao perigo de ir além da intencáo que o torna louvável. e além da medida que o torna fiel á mensagem divina. Em outros termos: ... sujeito ao perigo de ambigüidade, de reticen cia, ou de alteracáo da integridade de tal mensagem...».

Dai se vé a necessidade de um magisterio que julgue o bom ou mau éxito das tentativas de adaptacáo da mensagem crista, nao para frear ou impedir a necessária renovagáo da catequese, mas para assegurar a essa renovacáo a sua devida direcáo.

III. 3)

MORAL

«'O Diabo celebra a Missa'. — É o croe se diz e

escreve.

Que pensar a respeito da crise religiosa que atravcs-

samos?»

Resumo da resposfa: Trata-se de um livro da autoría do ex-deputado paulista Salomáo Jorge, que denuncia em linguagem veemente S. Igreja.

e

exacerbada

comportamientos

lamentáveis

dentro

da

É preciso reconhecer. sem dúvida de maneira leal e objetivaTs falhas e 03 desastres ocorridos na Igreja do Brasil durante esta fase pós-conciliar; süo extremamente dolorosos para quem ama o Reino

de Cristo.

Todavía, sem querer justificar o injustificável, pode-se recordar que:

1)

varios dos que erram neste periodo de inovacdes. tém inten-

cSo reta; desejam exercer novias formas de apostolado, vítimas da inexperiencia ou de teorias ilusorias;

— 252 —

mas

sao

«O DIABO CELEBRA A MISSA»

25

2) o silencio de varios dos Srs. Bispos a respeito de certos procedimentos nao significa consentimento, mas contemporizacSo amar gamente imposta pelas circunstancias; 3) o papel do fiel católico mesta hora difícil é amar a S. Igreja e colaborar para que se reergam e curem os seus fiUios fraque-

jantes.

X

Besposta: Apareceu recentemente (1969) na Editora L. Oren o volume da autoría de Salomáo Jorge, com o título

ácima. O autor foi vereador, deputado estadual, líder do Govérno; escreveu varios ensaios, dos quais o último, ácima assinalado, é urna longa (346 páginas) e veemente acusagáo dirigida a Bispos e sacerdotes «progressistas» do Brasil e até... do estrangeiro.

Abaixo procuraremos reproduzir algo do conteúdo do livro; após o que, passaremos a breves reflexóes sobre o mesmo.

Comentar a atual situacüo religiosa do Brasil é sempre delicado e difícil; torna-se, por vézes, ocasiáo de apaixonamento e divisdes. Além disto, o assunto já parece muito batido e discutido; os comen tarios a respeito geralmente deixam amargura e tristeza nos res pectivos participantes. Por isto desejaríamos abster-nos de tocar no conteúdo do livro de SalomSo Jorge. Todavía as circunstancias pedem urna palavra de esclarecimento: é mister reconhecar o que o autor apresenta de real; mas é necessário também dizer algo aos que amam verdaderamente a Cristo e á Igreja nesta hora difícil.

1.

«O Diabo celebra a Missa»

Salomáo Jorge descreve sucessivamente os diversos quadros da atual historia da Igreja no Brasil que vém assustando a opiniáo pública: pronunciamentos e intervengóes de prelados e presbíteros em questóes políticas, rebeliáo em Botucatu, epi sodios ocorridos em colegios de Irmas, revistas e livros cató licos pouco edificantes ou ortodoxos, nova moral conjugal... Os nomes de ministros de Deus sao citados com freqüéncia e acompanhados de substantivos e adjetivos sarcásticos... O estilo é de catilinária, demonstrando a indignagáo do autor perante tais feitos; o diabo Ihe parece sólto na Igreja de hoje. O livro está documentado; cita fontes (embora as mencione por

vézes de maneira imperfeita e superficial); reproduz noticias e entre

vistas colhidas nos jomáis; refere declaracSes do S. Padre Paulo VI.

26

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 3

Revela também conhecimentos de historia da Igreja antiga, com a qual Salomáo Jorge compara a época atual, que Ihe parece de deca

dencia.

Verdade é que o autor, em um ou outro ponto de sua documen-

tacáo, é inexato.

Assim, a pág. 113 cita & Cirilo de Alexandria entre os Padres latinos, quando deveria dizer Padres gregos.

A pág. 126, em vez de citar o salmo 61, cita o cap. 6L

As págs. 107 e 110. em vez de a ISPAC, deveria dizer o ISPAC

(Instituto Superior de Pastoral Catequética).

Em suma, Salomáo Jorge, apontando e criticando satíri

camente desatinos religiosos do momento atual, pretende des pertar as consciéncias e provocar reacáo sadia em favor de urna vida católica mais coerente com a fé e as intencóes do Vaticano n.

Os comentarios que o autor faz á presente situacáo da Igreja no Brasil, sao táo veementes que exigem algumas

2. 1)

Reflexoes

Inegéveis desastres

Antes do mais, é preciso reconhecer que há verdadeiros desatinos na apregoada Tenovacáo pós-conciliar. O afá de criar novidades leva nao poucos membros do clero a romper certos costumes e tradigóes que nao deveriam ser violados, por que ou tocam o dogma ou resultam dos ensinamentos da historia multissecular da Igreja. O espirito naturalista e ra cionalista, que caracteriza a mentalidade moderna, penetra certos bastidores da Igreja, tornando anémica a fé de muitos homens de Deus. Daí as defeccóes entre sacerdotes, Religiosos e Religiosas; daí também o comportamento ilógico de certos clérigos. As freqüentes exortacoes de S. Santidade o Papa Paulo VI bem indicam a existencia de grave crise entre' os eclesiásticos e fiéis

católicos.

Além do mais, é lamentável o modo como certas pessoas veneráveis interferem na vida pública do Brasil; embora mo vidas pelo desejo da Justina social inspirado pelo Evangelho, prejudicam mais do que favorecem a causa do Reino de Deus; em vez de contribuir para a reconstrueáo da sociedade me diante a colaborado de todos os seus membros em espirito — 254 —

«O DIABO CELEBRA A MISSA>

27

cristáo, contribuem para dividir as ovelhas do rebanho de Cristo, tomando de maneira unilateral partido em favor de

uns contra outros.

Compreende-se entáo que Salomáo Jorge, fazendo eco aos comentarios de muitas pessoas retas, tome da pena para proferir o seu protesto contra os desatinos religiosos que marcani a historia dos últimos anos no Brasil. A religiáo é

algo de sagrado, que, com razáo, empolga todo homem que a compreeride; vé-la mal vivida, mal apresentada ou mesmo banalizada nao pode deixar de fazer sofrer profundamente a

quem a estima; é o nome de Deus que assim se expóe ao

menosprézo ou ao escarnio.

Estas observagóes justificam, até certo ponto, o livro de Salomáo Jorge. Seria absurdo querer legitimar erros reais. Todavía parece que o mesmo livro ainda exige

2)

Tres ulteriores considerasóes

a) Se varios sacerdotes apresentam comportamento er rado em nossos días, é necessário levar em conta a diversidade de intcncocs que os movem: parte déles pode estar fraquejando no cumprimnto de sua missáo; sao criaturas humanas, sujeitas a vacilar, como qualquer um dos que os criticam. Oütra parte, porém, de sacerdotes progressistas é

sinceramente inspirada por boa intencáo. Com efeito, entre os padres cuja conduta nos deixa perplexos, há certamente um bom número que tem o zélo das almas e de Deus; desejam tornar-se mais próximos aos fiéis simples e pobres e áos estudantes, a fim de que demagogos marxistas nao se apoderem por completo da direcáo das classes trabalhadoras e estudantis. Cientes de que a Igreja tem perdido o contato com os operarios e os jovens, como se tem dito, tais sacer

dotes tudo fazem para viver com aqueles e estes, compartilhando seus interésses legítimos; intencionam assim contrabalancar a influencia esquerdista que ameaga operarios e estu dantes.

Pode mesmo haver entre ésses pastores quem esteja exercendo a virtude da prudencia. Com efeito, a prudencia nao é a virtude que retrai e refreía apenas; é, sim, a virtude que

julga a oportunidade de agir ou nao, ... de agir déste ou daquele modo. É bem possível, portante, que varios sacerdo tes estejam pensando que, por prudencia (para nao perder a — 255 —

28

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 3

luta contra o comunismo), devem fazer o papel de líderes operarios e estudantís. Tal modo de julgar pode ser discutido. Com efeito, pode-se perguntar: será que os sacerdotes que incondicionalmente se colocam do lado dos operarios, estáo lembrados de que a Igreja de Deus compreende pobres e ricos e, por conseguinte, o padre é devedor de bons oficios e zélo pastoral nao sámente aos pobres, mas também aos ricos?

Note-se, alias, que a virtude da prudencia é a mais sub jetiva que há; é a virtude que mais depende das notas carac terísticas, da educacáo e da formagáo próprias de cada personalidade; todavía, mesmo quando erra objetivamente em seus ditames, a prudencia nao deixa de ser, no respectivo sujeito, urna virtude. Com isto nao queremos dizer que nao há comportamentos objeti vamente certos e objetivamente erróneos, nem dizemos que nao há obrigacáo de praticar o que é certo e evitar o erróneo. Queremos

apenas lembrar que, por urna deficiencia qualquer (explicável de militas maneiras), alguém pode proceder mal e, ao mesmo tempo, julgar que está agindo bem.

É difícil crer que haja padres ou Bispos comunistas. Com efeito, o padre e o Bispo, por definigáo, sao pessoas que créem em Deus e nos valores espirituais, ao passo que o marxismo renega frontalmente tais realidades; nao há conciliagáo entre o pensamento cristáo e a filosofía comunista atéia. Existem

talvez, sim, eclesiásticos que julgam poder colaborar até certo ponto com o marxismo,

a fim

de obter urna

ordem social

mais justa, nao, porém, atéia e materialista; talvez haja tam bém clérigos que simpatizem com um ou outro aspecto do sistema de economía comunista, mas nem por isto abragam a filosofía e os interésses políticos do marxismo. 2) O silencio dos Srs. Bispos e da suprema autoridade da Igreja diante de certos desatinos da hora presente causa,

sem dúvida, perplexidade a quem o observa (cf. livro citado, pág. 109). Sugere que o episcopado esteja de acordó com tais desordens. Dissipe-se, porém, esta impressáo. O silencio dos Srs. Bis pos é-lhes freqüentemente imposto, e imposto muito a contragosto; é nao raro a prudencia ou o desejo de evitar males maiores que os leva a nao intervir de imediato; esperam que os próprios faltosos, com o tempo, reconhegam suas falhas e mudem de comportamento. Sabe-se que hoje em dia há urna crise de autoridade, de tal sorte que os superiores nao podem

— 256 —

«O DIABO CELEBRA A MISSA»

29

agir como desejariam; calam-se, mas nem por isto aprovam o que fazem seus subalternos. Ademáis as medidas que os Srs. Bispos tomam para reprimir abusos de seus padres muitas vézes nao sao, nem podem ser, de caráter público; trata-se de intervengóes que, por sua natureza mesma, devem ser encobertas pela discrigáo e o recato; nao é difícil compreender isto. Podemos estar certos de que, muitas vézes onde parece haver inercia por parte das autoridades religiosas, há, sim, vigilancia e agáo pastorais muito intensas.

3) Aínda que os ministros de Deus cometam falhas, compete a um fiel católico respeitá-Ios por causa do oficio que exercem; o padre é, aos olhos da fé, sempre um outro Cristo. De resto, o uso de sátira e expressoes injuriosas nao é de bom alvitre em luta alguma, muito menos quando um católico tem em vista um sacerdote. É gravemente ofensivo dizer-se que alguém é ministro do diabo ou é «Diabo Embaixador»; nao penetramos as consciéncias, nao as podemos julgar cabalmente, como foi lembrado atrás. Compreende-se — e deseja-se — que os fiéis leigos apresentem a seus padres e Bispos as respectivas observacóes; usem de crítica construtiva dentro da Igreja; doutro lado, é para désejar que o fagam sempre com reverencia ao sacerdocio, que é reverencia ao próprio Cristo.

Entende-se queixas possam se tomar mais evitar tornar de

que, num ou noutro caso excepcional, tais ser proferidas em público restrito, a fim de impressionantes e eficazes. É preciso, porém, conhecimento do grande público as falhas dos

filhos da Igreja: já S. Paulo censurava os cristáos de Corinto pelo fato de levarem seus litigios para tribunais pagaos; que

ría que as demandas entre os fiéis fóssem julgadas por tri bunais cristáos no ámbito da Igreja (cf. 1 Cor 6, 1-7).

De resto, vivemos numa hora em que, mais do que nunca, todos os membros do povo de Deus tém de se mostrar soli darios- entre si: ao verificaren! falhas em seus irmáos, procuraráo nao conculcar tais irmáos, mas levá-los a melhor género de vida; assim háo de fazer os sacerdotes em relacáo aos leigos, e os leigos em relacáo aos sacerdotes. Quando, pois,

algum membro do clero nao cumpre exatamente o seu dever, é para desejar que os leigos o amparem e ajudem; fagam-lhe sentir o valor da missáo do ministro de Deus; déem-lhe a saber que querem um padre que seja realmente padre, «coracáo de Deus junto aos homens, e ooracáo dos homens junto a Deus». Na hora presente, alguns padres, insuflados por maus

— 257 —

30

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 3

comentarios, perguntam se sua tarefa sacerdotal os justifica perante a sociedade; é entáo para desejar que os leigos lhes respondam positivamente; é preciso que haja «embaixadores do Eterno» agora no tempo. Tal atitude do laicato é muito mais construtiva do que o ataque sarcástico e difamador. Ainda deve-se .notar que o autor da obra «O Diabo celebra a Missa» nao raro exagera suas apreciares. Os episodios criticados por Salomño Jorge nao se concatenam lógicamente entre si; nao se vé o nexo que explique a sucessáo désses diversos «flashes» de historia. A pág. 172. aparece muito inesperadamente o caso da Ca tedral de Santiago do Chile entre dois episodios que tratam do Brasil; á pág. 32, lé-se o caso de D. Lemercier, monge belga do México, entre dois quadros do Brasil. Além disto, as repetic&es no decorrer do liv.ro sao freqüentes e desnecessárias.

É oportuno acrescentar algo com referencia ao caso de Botucatu: o arcebispo nomeado pelo Santo Padre Paulo VI para essa arquidiocese continuou sendo D. Vicente Zioni,

apesar da celeuma levantada naquela cidade. Todavía, já que

a posse de S. Ex.» em Botucatu era difícil, o entáo Sr. Nun cio Apostólico D. Sebastiáo Baggio pediu á Santa Sé a nomeagáo de um Administrador Apostólico para Botucatu; para tanto, foi escolhido D. Romeu Alberti, bispo de Apucarana (Paraná), que, em caráter provisorio, passou a responder por duas dioceses. D. Romeu foi encarregado de criar condicóes favoráveis á posse de D. Zioni, a qual finalmente ocorreu a 12/IV/1969. Vé-se, pois, que o Sr. Nuncio Apostólico nisso nao derrogou á autoridade do Santo Padre, mas cumpriu fielmente a sua missáo de conciliador para o bem comum. Nao foi reti rada a nomeagáo de D. Zioni para Botucatu, como supóe Salomáo Jorge á pág. 125s do seu livro.

Em suma, o livro de Salomáo Jorge tem a vantagem de chamar, mais urna vez, a atencáo para varios desmandos que

lamentávelmente se vém registrando no setor religioso do Brasil. O autor sabe fazer a apología da santidade e da infalibilidade da Igreja, lembrando muito oportunamente certos textos bíblicos e as conclusoes que déles decorrem; cf. páginas 57s, 114-116, 146s e 192s (a Igreja, mestra da verdade), 71s, 185s (o primado de Pedro), 219-227 (á Igreja defensora dos escravos). É de lamentar, porém, que o autor, para promover seu objetivo, tenha recorrido á forma de denuncia pública e satí

rica, chegando mesmo ao exagero. Pode-se observar, por flm, que Salomáo Jorge nao perde ocasiáo de defender a «Socie dade Brasileira de Defesa da Tradicáo, da Familia e da Pro-

— 258 —

«O DIABO CELEBRA A MISSA»

31

priedade» (TFP), cujo caráter extremista é notorio e pouco louvável, embora os membros da TFP sejam bem intenciona dos; cf. págs. 33, 42, 56, 83, 112s, 178.

APÉNDICE Merece aqui ser citado um trecho da alocugáo de Sua Santidade o Papa Paulo VI, proferida a peregrinos no dia 18/9/68. Alude aos problemas de fé e disciplina da Igreja em nossos días, repreendendo decididamente os abusos; incita, porém, a «crítica da crítica», ou seja, a urna atitude construtiva e filial frente a essa S. Máe Igreja, cuja face externa tem também seus aspectos renovados e que, em qualquer caso, merece
... Alguns pensam que o Concilio já está superado. Conser vando déle só o impulso reformador, sem atenderem ao que estabeleceram aquelas solenes neuni6es da Igreja, desejariam ir além, propondo nao apenas reformas, mas verdadeiras revolucóes, que éles créem poder autorizar por si mesmos e que julgam tanto mais

geniais quanto menos fiéis e coerentes com respeito á tradicáo, isto

é, com a vida da Igreja, e tanto mais inspiradas quanto menos con formes com a autoridade e com a disciplina da Igreja, e tanto mais plausiveis quanto menos diferentes da mentalidade e dos costumes do século. Em alguns setenes da vida católica entrou em moda um espirito de critica deletéria. Ha, por exemplo, revistas e jomáis que, como

parece, nao tém outra funcáo do que a de divulgar noticias desagradáveis sobre íatos e pessoas do campo eclesiástico; apresentam-nas nao raramente de modo unilateral e talvez mesmo um pouco alteradas e dramatizadas, para tomá-las interessantes e picantes. Déste modo habituam os leitores nao a um juizo objetivo e sereno,

mas a suspeitas negativas, a urna desconfianca sistemática, a urna desestima preconcebida pana com as pessoas, instituicóes e atividades

eclesiásticas. Induzem assim leitores e admiradores a perderem o respeito e a solidariedade que todo bom católico, nao só, mas todo leitor honesto deveria ter para com a comunidade e para com a autoridade eclesial. Nao é o cuidado por urna informacao exata e completa, nao é o désejo da correcáo fraterna, onde esta é merecida, mas sim o gósto do sensacional, o prazer da denuncia ou da polémica que orienta, certos publicistas semeando inquietacáo e indocilidade no espirito de tantos bons católicos, inclusive de sacerdotes, e de nao poucos jovens fervorosos. Está entrando assim urna mentalidade estranha que um distinto professor universitario protestante de renome qualiíicou, numa conversa particular, com o nome de 'médo'. Um médo esquisito, por parte de certos católicos, de nao acompanharem o movimento das idéias; médo que os leva a se perfilarem com o espirito do mundo, a adotarem com prazer as idéias mais novas e opostas á tradicáo católica habitual, o que, ao meu ver, dizia ele, nao é conforme ao espirito do Evangelho.

— 259 —

32_

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 3 Atitudcs reprováveis

E que diremos de certos episodios recentes de invasáo de igrejas, catedrais, de aprovacáo de filmes inadmissíveis, de protestos coleti-

vos organizados contra a nossa recente Encíclica, de propaganda da violencia política para fins sociais de conformismo e manifestacóes anárquicas de contestacáo global, de atos de intercomunháo contra rios a urna justa orientacáo ecuménica? Onde estáo a coeréncia e a dignidade próprias de verdadeiros cristüos? Onde está o sentido de responsabilidade para com a profissáo católica própria e dos outros? Onde está o amor á Igreja?

Amor k Igreja

A dificuldade que temos a superar é a nossa miopia espiritual, que embaga o nosso olhar, fiazendo ver só o aspecto humano, histó rico e visivel da Igreja, sem notar o misterio da presenca de Cristo, que a Igreja oferece e, ao mesmo tempo, esconde ao olhar profano, nao iluminado pela fé... Quem olha exteriormente. constata que a Igreja é composta de homens imperfeitos e de instituigóes temporais

e limitadas, quando desejaria vé-la tdda espiritual, toda períeita, ou

mesmo tdda idealizada, segundo urna imagem concebida arbitraria mente. A face concreta e terrena da Igreja dificulta o amor fácil e superficial. A realidade material da Igreja. como se apresenta na experiencia comum parece desmentir a beleza e a santidade que

ela, por divino carisma,

tem em si mesma. É nisto que se prova

o amor. Se o nosso dever é o amor ao próximo, qualquer que seja a modalidade em que éste se aprésente, e tanto maiar devo ser ésto amor quanto miáis triste e dolorosa fór a aparéncia do nosso pró ximo, devemos recordar que também a Igreja é próximo, é o nosso próximo por excelencia porque é composta de irmáos na fé (cf. Gal

6.

10).

aos quais

é devida a preferencia de

nosso frutuoso amor.

Déste modo os defeitos e as próprias desgranas dos homens da Igreja deveriam tornar mais forte e solicita a caridade daqueles que querem ser membros vivos, sadios e pacientes dessa mesma Igreja. Assim

agem os bous filhos, assim lagem os santos.

E podemos acrescentar: a dificuldade de amar a Igreja na sua

realidade humana está hoje atenuada. Hoje a Igreja apresenta urna face muito mais digna de admiracáo do que de censura e de piedade. Ho.ie notam-se em tdda a Igreja esforcos magníficos de autentici-

dade de renovacáo. de vitalidade crista, de santidade menos habitual e ambiental, se quiserdes, do que a de outros tempos; mais pessoal e consciente, e trambém mais comunitaria e frutuosa. Hoje a Igreja, depois do Concilio, procura a sua reforma interior... Amar a Igreja, eis. filhos e irmáos, o dever da hora presente. Amar significa éstimá-la e sentir-se feliz de lhe pertencer, significa ser fiel a toda prova; significa obedecer-lhe e prestar-lhe servigo, ajudá-la com sacrificio e alegría na sua ardua missáo...»

— 260 —

«GALILEU GALILEI» NO TEATRO.

IV. 4)

33

HISTORIA DO CRISTIANISMO

«A pesa 'Galileu Galilei' de Brecht é tida como a

do sécuío.

Como julgá-la? E que dizer do caso de Galileu na his

toria da Igreja?»

Resumo da respost»: A peca «Galileu Galilei» é da autoría de Berthold Brecht, pensador comunista, cuja ideología transoarece em mals de um tópico da obra. Brecht valeu-se de um episodio famoso da historia universal para escarnecer a Igreja e a Religiao e instilar pensamento marxista. Inegávelmente a pega tem belas cenas, ao lado de outnas que carecem de propósito. Pergunta-se, por exemplo: que sentido tém o Carnaval e o yé-yé-yé em torno da figura do Papa no séc. XVII? Por que apresentar Galileu táo glutáo e hedonista?

Quanto a condenacáo de Galileu por parte da Inquisicáo. repre senta lamentável erro aos olhos do cidadáo contemporáneo. Note-se, porém, o seguinte:

a) Tal erro nao compromete o magisterio infalível da Igreja, pois éste só se exerce quando um Concilio ecuménico ou o Papa (fialando ex catliedna, como pastor supremo da Igreja) define alguma proposicSo de fé ou de moral a ser aceita por todos os fiéis. Ora os decretos contra Galileu provinham de urna Congregagáo de Cardeais e teólogos de Roma (o Santo Oficio). Congregacáo presidida, sim. pelo Sumo Pontífice: jurídicamente, tais decretos ficaram sob a responsabilidade do S. Oficio, e nao do Papa. b)

Quem

reconstituí

as

circunstancias

do

séc.

XVII,

verifica

que o S. Oficio nao podía senáo condenar Galileu. Do ponto de vista

da psicología humana, ter-se-Ia produzido auténtico portento, se os momhros do S. Oficio houvessem aprovado as idéias do Galileu. Com efeito. o geocentrismo era o sistema adotado pelos filósofos desde Aristóteles (séc. IV a. C.) e aparentemente corroborado pela Bfbl'a: após dezenove séculos de geocentrismo, apareceu Galileu, oontradizendo a esta teoría sem argumentos claros e precisos e. além do mais, tentando intervir nos setares da teología e da exegese bíblica. Tal atitude nao podía senáo provocar repulsa da parte dos filórofos e teólogos da época. Só aos poucos no decarrer do séeulo XVII é que o heliocentrismo foi coligindo argumentos convincentes em seu favor.

Quanto aos textos bíblicos evocados (principalmente Jos 10), sabe-se hoje em día que nao pretendem ensinar ciencias naturais. Com o progresso da lingüistica oriental, os cristáos de hoje tém. para entender o texto sagrado, recursos melhores do que os que tinham os teólogos do séc. XVTI.

— 261 —

34

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 4

Resposta: A pega «Galileu Galilei» deve-se ao teatrólogo alemáo Berthold Brecht (1898-1956), que professava idéias marxistas. Tentando reproduzir os principáis episodios do caso de Galileu (1616 e 1633), Brecht nao deixou de externar sua ideología através dos tópicos dessa pega. Já que a obra do autor alemáo muito tem chamado a atengáo do público, sus citando perguntas e dúvidas diversas, procuraremos, ñas pá ginas que se seguem, propor urna apreciagáo da pega assim como algumas consideragóes sobre o famoso caso de Galileu.

1.

«Galileu Galilei»

Nao sao raras as afirmagoes da pega «Galileu Galilei»

que insinuam a filosofía marxista.

Tenha-se em vista a cena em que um jovem filho de camponeses narra o género de vida de seus país: sao fiéis a Deus, levam vida trabalhosa e dura, julgando, conforme a Biblia, que suor, paciencia e submissáo sao absolutamente necessários; existe urna Providencia, que tudo dirige para o

bem dos homens. Replicam-lhe os interlocutores que tal fé é

vá: «K> ólho de Deus nao está sobre nos. Nos é que temos de cuidar de nos mesmos»; como sao ridiculos aqueles que agradecem a Deus mais do que ao padeiro! As virtudes nao sao inspiradas ou sustentadas pela leitura da Biblia, mas, sim, por urna vida farta. — Assim apregoa-se a emancipagáo do homem frente nao sómente a urna determinada ordem social, mas também no tocante á Religiáo. A verdadeira renovagáo da sociedade decorrerá simplesmente de urna justa redistribuigáo de bens materiais. A pega professa explícitamente que nao é de Deus que

os homens precisam, mas, sim, de ciencia e de aplicagáo da razáo; Galileu é o «mata-Biblia»! O fruto da árvore do saber fascina o homem. — Ora a suma valorizagáo da ciencia e a antitese entre fé e ciencia sao tragos habituáis da ideología

marxista, embora tal antítese nao tenha consistencia.

Brecht explora a petigáo «O pao nosso de cada dia nos dai hoje» como se servisse para fundamentar o erróneo sis

tema geocéntrico de Ptolomeu: assim como no céu a térra

ocuparía o centro, na térra o Papa estaría no respectivo cen

tro, cercado do clero, de funcionarios, operarios, serventuários e mendigos dispostos em círculos concéntricos cada vez mais

dilatados. Tal ordem instituida deveria a todo custo ser man— 262 —

«GAULEU GALJLEI» NO TEATRO

35

tida, conforme os clérigos da pega, ao passo que na realidade a sociedade vai virar do outro lado... Assim a Igreja e os eclesiásticos aparecem como fautores de urna ordem de coisas iniqua, mas gananciosamente mantida — o que nao é senáo outra tese (injusta) do marxismo.

As damas da corte do Grao-Duque de Florenga lhe sopram aos ouvidos, nao olhe através do telescopio de Gar lileu. Muito interessante é que tal recomendagáo é feita em

inglés!... Talvez na suposigáo de que os ingleses e norte-

-americanos sejam fautores do obscurantismo e da ignorancia nos países subdesenvolvidos... Chamam a atengáo os tragos de hedonismo materialista

que caracterizan! a pega: Galileu é sensual, amigo do bom vinho e da boa mesa (o que nao parece corresponder á reali dade histórica). Nao tém propósito os bailados que se rea-

lizam em presenga do Papa segundo estilo moderno de yé-yé-yé.

A pega proclama com énfase que «o céu foi abolido», «njáo há diferenga entre o eterno e o perecivel», pois «o próprio céu perece»; o homem vem a ser equiparado aos demais animáis, contrariamente aó ensinamento das Sagradas Escri turas, as quais mentem e morrem. A verdade, alias, é filha do tempo (o que insinúa nao haver proposig5es válidas e verdadeiras para todos os homens e todos os tempos). Estas referencias sao suficientes para ilustrar a tonalidade marxista da peca «Galileu Galilei». Esta, por conseguinte, é tendenciosa; torna-se, as vézes, irritante por suas invectivas irónicas contrarias a Religiáo, á fé e aos homens da Igreja. Relatar erros alheios pode ser necessário quando se tem em vista urna finalidade construtiva; requer-se, porém, que quem os relate seja objetivo e fiel, isentando-se de qualquer exagero injusto. Em caso contrario, o narrador (ou o teatrólogo) trai sua missáo. Oom efeito, nao se pode esquecer que o teatro é de certo modo urna escola, ... escola que o público freqüenta sem que tenha sempre consciéncia de estar

sendo doutrinado.

A obra «Galileu Galilei» desperta nos respectivos espec tadores urna serie de questóes que abaixo seráo abordadas

paulatinamente, em oomplementacáo ao que já foi dito a respeito em «P.R.» 4/1958, págs. 162-169.

2.

O caso histórico de Galileu

Galileu nasceu em Pisa aos 18 de fevereiro de 1564. Após ter-se

dedicado aos estudos de matemática, em 1592 passou a lecionar na

— 263 —

36

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 4

Universidade de Pádua, onde permaneceu dezoito anos, período éste decisivo em sua carreira científica. Voltando a Pisa em 1610, p6s-se a utilizar, como pioneiro, um telescopio resultante de grossas lentes, segundo processo patenteado nía Holanda. Desoobriu assim as man chas do sol, as fases de Venus, e os satélites de Júpiter. Comunicou ao público estes .resultados na obra «Sidereus Nuntius» (1610), que lhe mereceu os elogios de Kepler e o apoio dos sabios jesuítas.

Tais estudos levaram Galileu a adotar o sistema de Copérnico (heliocentrismo) em lugar do de Ptolomeu (geocen trismo). Esta posigáo inquietou certos teólogos, os quais

julgavam, como era comum na época, ser o geocentrismo ensinado pelas Escrituras em Jos 10; Ecl 1,4-6; SI 103,5 í1). Em conseqüéncia, Galileu se viu sem demora envolvido em vivas polémicas: defendeu-se, afirmando que nem todas as páginas bíblicas devem ser interpretadas em sentido literal,

pois a B.blia por vézes se serve de expressóes acomodadas ao entendimento do povo simples. Tais idéias provocaram maiores suspeitas nos adversarios de Galileu, que conseqüentemente o denunciaran! ao S. Oficio em Roma; éste instituiu

umá Comissáo examinadora que, em fevereiro de 1616, concluiu nos seguintes termos:

a proposicao segundo a qual o sol é o centro imóvel do

universo, é filosóficamente falsa e absurda; além do que, é formal

mente herética, por contradizer a numerosos textos da S. Escritura;

dizer que a térra possui um movimento de rotacáo e de translacáo também é absurdo segundo a filosofía; segundo a íé, é,

ao menos, erróneo.

Todavía Galileu nao foi condenado nominalmente pelo S. Oficio. Apenas o Cardeal Bellarmino intimou-o, em nome do Papa Paulo V, a abandonar suas opinióes e abster-se de as ensinar ou defender por via oral ou escrita.

Galileu submeteu-se e voltou,

pouco depois,

para Flo-

renca.

Nos anos subseqüentes, o sabio continuou seus estudos, em conseqüéncia dos quais publicou urna obra que excitou nova celeuma: «Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo» (1632). Após varias peripecias, o livro obtivera o «Imprimatur» das autoridades eclesiásticas. O seu conteúdo,

f1)

Jos 10,12s: «Sol, para sobre Gabaon!... E o sol deteve-se...»

Ecl 1,5: «O sol nasce e p5e-se, e apressa^se a voltar ao seu lugar, donde volta a nascer».

SI 103,5:

«Fundastes a térra sobre bases sólidas, que sao eter

namente inabaláveis».

— 264 —

«GALILEU GALILEt» NO TEATRO

37

em estilo irónico, apresentava um debate sobre as concepcóes do geocentrismo e do heliocentrismo, tendo como protagonis tas: Salviati, defensor de Copérnico (heliocentrismo), que desenvolve o papel simpático; Sagredo, o ouvinte cuito favorável as novas idéias; Simplicio (nome propositalmente escolhido), o defensor das doutrinas tradicionais.

O livro, apesar de sua aparente neutralidade, propugnava a doutrina de Copérnico. Galileu foi entáo acusado de ter violado a promessa que ele fizera em 1616. Citado perante a Inquisicáo, o astrónomo respondeu estranhamente: em seu «Dialogo» ele nao propusera o sistema de Copérnico senáo como hipótese; talvez nao tivesse sido claro na maneira de o fazer; prometía, por fim, rever a obra e refutar mais categóricamente as provas da opiniáo condenada. Além disto, afirmou que desde 1616, conformando-se as prescrigóes do S. Oficio, ele nunca aderira as idéias de Copérnico. A Galileu chegou a ser íeita, sim, a ameaca de tortura (como menciona Brecht. em sua peca), para que confessasse erros doutri-

nários de que era suspeito. Todavía tal ameaca era pura formalidade do direito vigente pois, segundo a praxe da época, a tortura nunca poderia ser infligida a um anciáo e enfermo, como era

Galileu.

Após tais confissóes, Galileu nao podia ser condenado como hereje, mas permanecía «veementemente suspeito de heresia». Pelo que, no día 22/VI/1663 o sabio foi chamado ao convento dos Dominicanos de «Santa María sopra Minerva» em Roma, onde ouviu a sua sentenga: o «Dialogo» foi con

denado; seu autor deveria ser detido em lugar a ser indicado pelo S. Oficio; durante tres anos, urna vez por semana reci taría os sete salmos penitenciáis. A seguir, Galileu, de joelhos, leu urna fórmula de abjuracáo e prometeu submeter-se a quanto lhe fóra imposto pelos juizes. Relatos relativamente recentes (nao anteriores ao fim do século XVm) mencionam que, em tal ocasiáo, Galileu bateu com o pé no

chao e exclamou: «E pur si muove! — Ainda assim ela (a térra) se move!» Tlal noticia é inverossímil, pois nao condiz com as atas do processo ñera com a atitude sustentada por Galileu até aquéle momento. No dia mesmo da condenacao, o Papa Urbano VIII comutou a pena do estudioso: teria por residencia o palacio do duque da Tos-

cana em Roma. Aos 6 de julho Galileu recebeu a autorizacáo para

seguir para Sena, onde foi hospede do arcebispo local. Em dezemb.ro de 1633. teve a .licenca de se retirar pana sua vila de Arcetri. a poucos quilómetros de Florenca, á condicáo de Iá nao receber visitas (na realidade, porém, parentes e amigos iam ter com Galileu).

— 265 —

38

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 4

O sabio foi sendo vítima de enfermidade, acabando por perder completamente a vista; aos 8 de Janeiro de 1642, faleceu, tendo-se conservado até o último dia rigorosamente fiel a seus deveres religiosos. Verdade é que Galileu nem sempre deu provas de costumes irrepreensívels. Todavía a sua fé e a sua adesáo á S. Igreja jamáis ioram desmentidas. De modo especial, a piedade do sabio se revela através da correspondencia que entreteve com sua íilha María Ce leste, .religiosa em Florenea.

Passemos agora ao exame das questóes suscitadas pelo processo de Galileu.

3. 1.

E a ¡nfalibilidade da lgre¡a ?

A fé católica ensina que o magisterio da Igreja é

infalível. Acontece, porém, que no caso de Galileu ésse ma gisterio se pronunciou erradamente. Donde parece comprovado que na realidade nao sao infalíveis os ensinamentos da Igreja.

Para dissipar tal objecáo, é mister frisar que a infalibilidade do magisterio da Igreja so se exerce em pouoos casos, a saber: a) Existe um magisterio extraordinario da Igreja, que ocorre quando um Concilio Ecuménico ou quando o Sumo Pontífice íalando «ex cathedra», como supremo pastor e mestre dos cristaos, define que determinada doutrina de íé ou de moral deve ser aceita pelos fiéis do mundo inteiro. Tem-se entáo urna définicáo infalível ou do magisterio extraordinario. Os casos em que isto se deu na historia da Igreja nao sao freqüentes (vejam-se em «P.R.» 23/1959, págs. 468-474).

b) Além désFe magisterio que procede por definieses extra ordinarias e solenes, a Igreja possui um magisterio ordinario, que é o enstnamento unánime proferido pelos Bispos esparsos pelo mundo inteiro em comunháo com o Sumo Pontífice. Tal tipo de magisterio, dito «ordinario» (porque cotidiano), também é infalível. Fora de tais casos, a Igreja se pronuncia por CongregaeOes de sacerdotes Bispos ou Cardeais (as Congregacoes Romanas) e outros órgaos especializados (ComissOes...); o Sumo Pontífice também profere suas sentencas sobre assuntos diversos em alocucdes, encíclicas,

bulas etc. ... Tais pronunciamentos merecem grande acato, porque sao os meios obvios pelos quais se manifesta a mente ou o pensamento da Igreja; seria temerario, para um católico, discordar de tais ensinamentos sem razdes extremamente serias. "

Ora acontece que no caso de Galileu nao houve definfráo dita infalível da Santa Sé. Quem condenou o estudioso foi _ 266 —

«GALILEU GALILEI» NO TEATRO

39

urna Congregacáo de Cardeais e presbíteros de Roma, que constituiam o Santo Oficio (hoje transformado em «Congre gacáo da Doutrina da Fé»). Verdade é que éste órgáo era presidido pelo Santo Padre, o qual aprovou a sentenca dos juízes de Galileu; todavía os decretos do S. Oficio ficaram juridicamente sob a responsabilidade desta entídade; estavam longe de ser definigóes papáis (no sentido preciso, atrás ex posto). Em conseqüéncia, deve-se afirmar que a condenacáo de Galileu nao afeta a infalibilidade do magisterio da Igreja. 2.

Ademáis, note-se outro particular de índole jurídica.

O Santo Olido e a Congregado do Índice podiam outrora pro

mulgar dois tipos de decretos: decretos doctrinarios e decretos disci plinares. Os primeiros continham decisoes sobre assuntos que diziam

respeito á fé e aos costumes. Quanto aos decretos disciplinares, que eram a grande maioria, nao tinham em mira qualificar urna dou trina, mas apenas salvaguardar a boa ordem na Igreja proibindo

urna ohra ou urna categoría de obras ou

censurando

determinada

pessoa.

Ora verifica-se que os decretos emitidos contra Galileu em 1616 e 1633 eram disciplinares e nao doutrinários. O

primeiro

(1(516)

declarava que o

livro de Fosearini

(arauto

do heliocentrismo) estava proscrito; as obras de Copémico e Zunica seriam proibidas até ser corrigidas; de modo geral, interditavam-se todos os livros que ensinassem a imobUidade do sol. Nenhuma alusSo

especial a Galileu e a seus escritos encontra-se nesse decreto. Tal documento nao definia que determinada prOposicáo doutrinária (o geocentrismo, por exemplo) deveria ser aceita pelos íiéis cristáos.

Algo de semelhante se deu com o decreto de 1633: era um decreto disciplinar, pois censurava Galileu e lhe impunha urna

abjuracao, pela qual o sabio reconhecia ser suspeito de heresia e

detestava seus erros... O decreto nao definiu o alguma proposicao de fé ou de costumes.

geocentrismo

ou

Mas dirá alguém: Qual foi o motivo da proibigáo de livros e da condenacáo de Galileu por parte do S. Oficio? — Foi, sem dúvida, o fato de que os teólogos do S. Oficio e o Papa professavam o geocentrismo. O heliocentrismo lhes parecía ser doutrina contraria ás Escrituras e, por conseguinte, heresia. Todavía ésse motivo doutrinário serviu apenas de

«considerando» ou de premissa para as sentencas do S. Oficio; nao entrou no teor mesmo das resolucoes fínais. Ora, segundo os canonistas e juristas, os «considerandos» ou as premissas

de urna declarará© do S. Oficio nao sao objeto dessa declaragáo. Por isto, o geocentrismo, em que se baseavam os

— 267 —

40

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 4

redatores da declaragáo do S. Oficio contra Galileu, nao foi

proclamado nem imposto á fé pelo S. Oficio.

Tais distüicoes e reílexóes talvez parecam sutis. Elas nao deixam de ter sua razáo de ser e seu valor para quem queira objetiva e

serenamente perceber o sentido das declarares do S. Oficio no caso de Galileu.

3. Conclui-se entáo que os teólogos e certas órgáos do govérno eclesiástico — os quais nao coincidem com os órgáos do magisterio infalivel da Igreja —; professando erróneo sistema de astronomia, condenaran! Galileu, que, no caso, apresentava a verdade. Tal condenacáo foi, sem dúyida, um erro, pois a ciencia comprovou posteriormente que Galileu tinha razáo. O fiel católico reconhece tal erro sem se pertur bar, pois nao afeta a veracidade do magisterio religioso da Igreja.

Eis, porém, que surge urna questáo:

4.

Como explicar o erro no caso de Galileu ?

Em outros termos: como entender que os teólogos e Bispos no século XVH tenham procedido de maneira táo drás tica contra Galileu, que objetivamente tinha razáo? Para entender táo estranho fato, leve-se em conta quanto segué:

a) ' Deus rege sua Igreja mediante os homens e segundo

as leis da natureza humana, lentidáo da criatura.

respeitando

as limitacóes e

a

Ora pondere-se que até o século XVII a mentalidade dos

teólogos e dos cristáos em geral os levava a considerar a Biblia como cartilha de conhecimentos nao sómente religiosos, mas também profanos. Estando as ciencias naturais pouco desenvolvidas, os homens pediam as Escrituras as explicagóes científicas de que precisavam. Ignorando o expressionismo e os géneros literarios dos antigos orientáis (os conhecimentos da lingüistica e da historia antigás ainda eram precarios), os teólogos interpretavam a Biblia ao pé da letra, como, alias, manda a boa hermenéutica («nao é lícito abandonar o sentido literal de um texto sem que haja evidentes indicios de que é metafórico»).

Por conseguinte,

as passagens de Jos 10,12s,

SI

103,5,

Ecl 1,4-6 pareciam aos antigos ensinar, com a autoridade da — 268 —

«GALILEU GALILEI» NO TEATRO

Palavra de Deus, o geocentrismo

41

(o sol gira em torno da

térra).

,

<

Tal conclusáo dos teólogos em materia de astronomía era corro borada pela sentenca dos astrónomos e dos filósofos aristotélicos da época

(séc.

XVII):

unánime e tranquilamente,

proíessavam

o geo

centrismo. Verdade é que Copérnico, no século XVI. já exprimirá a hipótese do heliocentrismo; todavía nao pudera apresentar argumentos convincentes, de modo que pouca influencia tivera entre os seus.

b) De encontró á visáo filosófica, científica e religiosa do séc. XVII, levantou-se Galileu propondo de novo o helio centrismo. As razóes adundas em favor déste sistema ainda eram bastante tenues (suficientes, porém, para despertar o interésse e a simpatía de alguns eclesiásticos). Observam

os

historiadores

que

Galileu

n3o

foi

prudente.

Se

tivesse proposto suas idéias como hipóteses prováveis e houvesse evitado entrar mos setores da teología e da interpretacáo da Biblia, teria sido mais feliz; nao haverla suscitado a oposito que encontrou. É o que afirmava o P. Baldigianl S. J., sincero admirador de Galileu, ao escrever a Viviani:

«Se Galileu tivesse sido mais ponderado e prudente se, conser vando em toda a sua integridade as teorías de Copérnico, tivesse

simplesmente mudado o seu modo de escrever, nao teria encontrado tantas contrariedades,

e nada haveria faltado á sua v gloria»

transcrito do «Dictionnalre Apologétlque

169).

Eis o que.

(texto

de la Foi Catholique» H,

por sua vez, escrevia o P.

Grienberger, jesuíta do

Colegio Romano, a Mons. Dini, amigo do astrónomo:

«Que Galileu nos traga primeiramente algumas provas científicas persuasivas; a seguir, ser-lhe-á licito falar da S. Escritura» (ib. 173). O próprio Moms. Dini escrevia aos 2 de maio de 1615: «Um ponto fica esclarecido: é licito escrever como matemático e sob forma de hipótese, como fez Copérnico... É licito escrever livremente, contanto que o escritor nao entre na sacristía» (transcrito do «Dictionnaire de Théologle Cathollque» VI 1, pág. 1063). Na verdade, Galileu «entrou na sacristía» isto é, envolveu-se em teología;

quis explicar os textos bíblicos á luz de suas descobertas

científicas,

apresentando-se

como

teólogo

e exegeta.



O

Papa

Urbano VTH o observou quando escreveu a Nlcolini, embaixador da Toscana:

«Galileu teve a ousadla de entrar onde nao devia entrar, e de abordar os assuntos mais graves e perigosos que se possam agitar no atual momento» (ib. 1069).

Na verdade, o sistema de Copérnico (heliocéntrico) estava

longe, nos tempos de Galileu, de se apresentar com serias garantías científicas; os argumentos em contrario pareciam muito mais imperiosos. Nao obstante, Galileu no seu «Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo»

— 269 —

(1632) apresentava-o

42

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969, qu. 4

como tese demonstrada, á qual as autoridades eclesiásticas teriam dado o «Imprimatur» (o que nao correspondía exatamente á verdade). Compreende-se entáo que os juízes ecle siásticos, após perceberem a atitude de Galileu, se tenham decididamente colocado contra ele. Nos anos de 1616 e 1632, as circunstancias eram tais que nao se entendería senáo urna resposta negativa por parte dos teólogos; supor que estes pudessem dar a Galileu a aprovagáo eclesiástica, seria supor um portento na ordem psicológica e na ordem moral. Parece ría desarrazoado e anticientífico abandonar o sentido literal, da

Biblia (cf. Jos 10,12: «Sol para!») para admitir um sentido metafórico que parecía mais ou menos gratuito.

Para ilustrar esta afirmagáo, váo aqui palavras do P. Fabri S.J.,

que em 1660 assim se exprimia:

«Muitas vézes perguntamos aos sequazes de Galileu se podiam fornecer urna demonstracáo do movimento da térra; jamáis ousaram responder afirmativamente. Por oonseguinte. nada se op6e a que a Igreja interprete, e mande interpretar, em sentido próprio as passagens da Escritura, até que esteja demonstrada a opiniáo contraria. Se encontrardes tal demonstracao, coisa que acho difícil, entao a Igreja nao terá dificuldade em reconhecer que essas passagens devem

ser entendidas em sentido metafórico e improprio» («Brevis annotatio in systema saturnfcnum Chr. Hugenii», Romae 1660, pág. 32).

O espirito humano segué um ritmo geralmen'te lento quando se trata de mudar de concepcfies; há sempre choques e sacrificios em

toda conquista de verdade. Deus permitiu que isto se desse no inicio

do séc. XVTI, quando Galileu levantou nova tese de astronomía. Os homens que entSo a condenaram, nao rélutaram contra a evidencia,

como hoje relutariam se a condenassem. É o que sugere ao leitor moderno nao seja demasiado severo quando tenciona julgar os juizes de Galileu.

Deve-se salientar aqui que. para estabelecer a atual teoría pla netaria, milhares de sabios e estudiosos contribuiram: assim as hipóteses de Copérnico, as medidas científicas de Tycho, as observacoes de Galileu, as leis formuladas por Kepler... Ainda durante cérea de cem anos depois de Galileu os argumentos antigos em favor do geocentrismo continuaran! a ter peso mais forte na opiniáo pública do que as razóes aduzidas por Copérnico e Galileu em favor do heliocentrismo.

c) Leve-se em conta outrossim que os séc. XVI e XVII foram marcados por fortes tendencias racionalistas e natura listas, que deviam terminar no século XVIII com a proclamagáo da «Densa Razáo» na Revolugáo Francesa (1789). Na Alemanha,

a

livre

interpretacáo

da

Biblia

apregoada

por

Lutero devastava a fé crista e ameaeava invadir a Italia. Aó verificar o progresso do racionalismo mais ou menos anticristáo e do «livre exame» dos protestantes, eritende-se que as autoridades eclesiásticas do séc. XVII se tenham mostrado — 270 —

y-GALILEU GALILEIx. NO TEATRO

43

particularmente rigorosas frente a hipóteses científicas que, sem argumentos evidentes, pareciam contrariar as teses da exegese bíblica da época, Hoje em dia, sendo outras as ten dencias gerais da ciencia, os homens da Igreja olham com olhos mais objetivos e serenos para as novas hipóteses e teo rías dos dentistas. A

fim de ilustrar quáo arduo devia ser a

um

cristáo imbuido

da mentalidade dos séc. XVI/XVII admitir o heliocentrismo, seja aqui observada a atitude dos autores protestantes diante do novo sistema:

Lutero julgava que as idéias de Copérnico eram idéias de louco, que tornavam confusa a astronomía.

Melancton, companheiro de Lutero, declanava que tal sistema era fantasmagoría e significava a rebordosa das ciencias. Kepler (1571-1630), astrónomo protestante contemporáneo de Galileu, teve que deixar a sua térra, o Wurttemberg, por causa de suas idéias copernicianas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg

Calovius, pro-

clamava altamente que a razáo se deve calar quando a Escritura falou; verificava com prazer que os teólogos protestantes, até o últi mo, rejeitavam a teoria de que a térra se move. Em 1662, a Faculdade de Teología protestante da Universidade de Estrasburgo, afirmou estar o sistema de Copérnico em contradigáo com a Sagrada Escritura. Em 1679, a Faculdade de Teología protestante de Upsália (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Aínda no séc. XVIII a oposicao luterana contra o sistema de Copérnico era forte: em 1744 o pastor Koylreiff, de Ratzeburg, pregava enérgicamente que a teoria do heliocentrismo era abominável invengáo do diabo.

Quanto aos textos bíblicos citados contra Galileu, os exe-

getas foram paulatinamente reconhecendo que nao tém a finalidade de ensinar ciencias naturais. A mensagem da Biblia é essencialmente religiosa; alude, sem dúvida, aos ele mentos déste mundo; alude, porém, segundo urna linguagem pré-cientifica, popular, que é suficiente para exprimir as grandes verdades religiosas do judeo-cristianismo. Nao se detenha, portante, o leitor sobre os conceitos de astronomía

utilizados pelos

autores

bíblicos;

sao

meros

veículos

para

transmitir noyóes de vida eterna.

5.

Conclusao

O caso de Galileu há de ser entendido nao á luz da vida de hoje, mas dentro do respectivo contexto do séc. XVII. A Igreja nao é mesquinha nem fechada á verdade científica.

271 —

44

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 114/1969. qu. 4_

Para nao citar outros fatos, pode-se aqui lembrar que a época de Galileu foi marcada por urna pléiade de dentistas cristáos

notáveis, que trabalhavam á sombra mesma da Igréja de

Roma:

«Em Bolonha, cidade pontiíicia. brilhavam dois matemáticos de mérito, Rieci e Montalbani; o P. Riccioli, jesuíta, o autor do 'Almagestum"; o P. Grimaldi, também jesuita, que descobriu a diíracáo da luz; Cassini. que acabara de deixar Roma e devia mais tarde ilustrar o Observatorio de París; Castelli, Davisi e urna multidáo de outros sabios observadores menos conhecidos. Nessa mesma cidade, Mezza-

vacca publiaava suas "Eíemérides astronómicas' e seus estudós sobre os astros desaparecidos.

Em Roma, Cassini descobria os satélites de Saturno; Magalatti estudava os cometas, e o P. Plati fazia suas notáveis observacóes sobre os eplipses do sol; os PP. Kircher, Fabri e Gottignies enalteciam muito a fama do Colegio Romano. Campani e Divini construían) telescopios de nomeada no mundo inteiro, dos quais Cassini se servia para as suas descobertas. A Academia dos 'Limcei', que táo bem merecerá da ciencia e da religiio, e que desaparecerá em 1630 com o seu fundador, o principe Cesi, o amigo de Galileu, sucederam a Aca demia fisico-matemática de Ciampini, a Academia muito mais célebre da raínha Cristina e a dos 'Curiosos da natureza'» (Jaugey, «Le procés de Galilée et la théologie», pág. 111-113). Breve bibliografía:

P. de Vregille, «Galilée», em "Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique», t. II. Paris 1911, col. 147-192 (abundante doeumentagáo. exaustiva ponderado do caso). A. Vacandard «Galilée», em «Dictionnaire de Théologie Catholique» t. VI. Paris 1947, col. 1058-1094 (também exaustivo). P. Paschini, «Galileo Galilei», em «Enciclopedia Cattolica», t. V. Cittá del Vaticano, col. 1871-1880 (histórico, sem considesracoes teoló gicas).

F. Russo, «Galilée», em «Catholicisme» t. IV. Paris 1956, col. 1713-1717 (explanagáo suficiente e sólida).

«De todas as coisas divinas, a mais divina com Deus rea salvacáo das almas».

é colaborar

(Ps. Dionisio, séc. Vi)

— 272 —

RESENHADEUVROS Diclonario Bíblico, por Albert Vinceht. Traducáo do francés pelas

monjas benediünas de Belo Horizonte. — Edicóes Paulinas, Sao Paulo 1969, 170x240 mm, 574 pp.

A obra ácima nao se destina prdpriamente a eruditos professores

de Biblia Sagrada ou cultura oriental, mas, sim, aos sacerdotes dedi cados a cura de almas aos seminaristas e aos estudiosos n&o especia lizados Fornece noticias sucintas e seguras a respeito de qualquer tema bíblico, evitando catalogar e discutir hipóteses, propondo, antes, o que pensa a exegese católica a respeito. O autor utilizou as oonclusOes áa ciencia bíblica mais recente, guardando em tudo fidelidade á reta fé.

O livro velo preencher seria lacuna na bibliografía do Brasil. Será precioso instrumento de trabalho para vasto público. PerscTutando as Escrituras — S3o Marcos (I), (II) e (III), por Frei Martinho Penido Burnier O.P. — Editora Vozes, Petrópolis 1968 (I) e 1969 (n e ni), 160x225 mm, 143 pp., 117 pp. e 125 pp.

Depois de ter comentado os oito primeiros capítulos dos Atos dos Apostólos (cf. «P.R.» 108/1968, pág. 536), Freí Martinho aprésente, nos tres volumes ácima, comentarios sdbre Me 1,1-3,35, Me 4.1-34 e Me 435-7,23 respectivamente. O autor visa destarte fornecer material literario, histórico arqueológico, doutrinário e religioso para círculos bíblicos ou semanas bíblicas. É grande a riqueza de dados científicos e teológicos assim propostos aos leitores que queiram seriamente pe netrar no sentido do texto sagrado. Estao previstos seis outros volu mes na mesma serie, que beneficiará notávelmente os estudos bíblicos no Brasil.

A pes&oa humana no misterio do mundo, pelo P. Orlando Vilela. — Editora Vozes; Petrópolis 1968. 160x225 mm, 375 pp. O titulo déste livro parece pouoo expressivo em relacáo ao seu

farto conteúdo. Trata dos diversos problemas concernentes ao homem em nossos dias: personalldade e coletivismo; o corpo humano e seu

significado; questóes de moral, política, nacionalismo, maquiavelismo, violencia pena de morte, liberdade e determinismo, os dlreitos do homem, o trabalho e seu sentido, marxismo e promocáo operarla, a mulher e a prostituigáo... (em suma, 21 capítulos). Estilo marcadamente

didático;

o raciocinio

procede

etapa

por

etapa mediante incisos numerados. Ampia bibliografía, oriemtacáo se

gura "(o que nao impede o autor de considerar e comentar pontos de vista nao cristaos).

As grandes etapas do misterio da salvacSo, por Paúl de Surgy.

Traducáo do francés por Ir. María Manoellta. — Editora Vozes, Petró polis 1968, 135 x 205 mm, 206 pp.

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D. Estela© Bettencourt O.S.B.

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PRÓXIMO

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